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REVISTA DE HISTÓRIA

Bilros História(s), Sociedade(s) e Cultura(s)


ISSN: 2357-8556

EDUCAÇÃO NO MUSEU DA INDÚSTRIA


DO CEARÁ: MEDIAÇÕES SOBRE
PROCESSOS PRODUTIVOS NA
SOCIEDADE DE CONSUMO

Willian do Nascimento Sampaio

Graduando em Licenciatura Plena em História pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).


Pesquisa a história dos trabalhadores no Ceará. Bolsista (IC/UECE) no grupo de pesquisa
Conflitos Sociais e Relações de Poder, coordenado pelo professor Samuel Carvalheira de
Maupeou, ligado à linha de pesquisa Práticas Urbanas (MAHIS/UECE).

E-mail: williansampaio-@hotmail.com
281 Bilros, Fortaleza, v. 5, n. 9, p. 281-301, jun.- ago. 2017.
Seção Artigos
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ISSN: 2357-8556

EDUCAÇÃO NO MUSEU DA INDÚSTRIA DO CEARÁ: MEDIAÇÕES SOBRE


PROCESSOS PRODUTIVOS NA SOCIEDADE DE CONSUMO

L’ÉDUCATION AU MUSÉE DE L’INDUSTRIE DE L’ÉTAT DU CEARÁ:


MÉDIATIONS SUR LES PROCESSUS DE PRODUCTION DANS LA SOCIÉTÉ DE
CONSOMMATION

Willian do Nascimento Sampaio

RESUMO RESUMÉ
Cet article a pour objet les discussions menées au
Esse texto é produto de discussões oriundas do sein du service éducatif du Musée de l’industrie
setor educativo do Museu da Indústria (MI) e das (MI) et des expériences et observations de l’auteur
experiências e observações pessoais enquanto en tant que médiateur culturel. Il s’agit de quelques
mediador educativo. São algumas reflexões sobre a réflexions, à l’aune du MI, sur la fonction éducative
função educativa dos museus na sociedade des musées dans la société industrielle et de
industrial e de consumo, dificuldades e consommation, ses limites et son potentiel. Par
potencialidades, com foco no MI. Além disso, o ailleurs, l’article analyse les objets de l’exposition
artigo elenca os objetos da exposição, de longa permanente “L’histoire de l’industrie au Ceará”, ce
duração, “História da Indústria do Ceará”, o que qu’ils représentent et comment ils peuvent être
eles representam e como podem ser utilizados para utilisés afin de porter, face aux différents visiteurs,
pensar criticamente a história dos processos un regard critique sur l’histoire des processus de
produtivos no espaço-tempo com os diferentes production. Le texte présente bien évidemment des
visitantes. É claro, o texto tem lacunas e não lacunes et n’a pas la prétention d’épuiser le sujet. Il
pretende esgotar o tema. Por isso, trata-se de um s’agit plutôt d’une invitation à la réflexion sur le
convite para reflexão sobre o papel educativo do rôle éducatif du MI.
MI.

PALAVRAS-CHAVE: Educação em museu; MOTS-CLÉS: Éducation au musée; Histoire


História da indústria; Museu da indústria. de l’industrie; Musée de l’industrie.

282 Bilros, Fortaleza, v. 5, n. 9, p. 281-301, jun.- ago. 2017.


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INTRODUÇÃO1

O Museu da Indústria2 fica situado à Rua Dr. João Moreira, 143, no Centro de
Fortaleza, estado do Ceará. É um “projeto da Federação das Indústrias do Estado do Ceará
(FIEC), por meio do Serviço Social da Indústria (SESI).” (BLOC, 2016). O “museu tem como
proposta valorizar, preservar e disponibilizar ao grande público as memórias de cinco séculos
da história fabril cearense, com ações museológicas e culturais.” (A HISTÓRIA..., 2015, p.
103). Em setembro de 2014, quando foi inaugurado e abriu ao público, a imprensa já
noticiava o museu:
Fortaleza agora tem um lugar que conta toda a história do desenvolvimento do
estado: o Museu da Indústria. São mais de dois mil metros quadrados de área
disponível e dedicada à valorização da história fabril do Ceará. O visitante que for
ao museu da indústria poderá ver uma exposição com objetos, vídeos e textos que
mostram desde o início da produção industrial até os dias atuais. (TREIGHER,
2016).

O público do Museu da Indústria é constituído por pessoas que visitam de forma


programada ou não. As que não marcam a visitação, geralmente vêm sozinhas, em duplas,
com a família, etc. Já em relação aos sujeitos que agendam, esses estão compostos por grupos
pertencentes a instituições escolares, cursos técnico-profissionalizantes, universidades e
outros, buscando refletir as problemáticas de suas disciplinas no espaço museal.

MUSEU E EDUCAÇÃO NA SOCIEDADE INDUSTRIAL CAPITALISTA

Em primeiro lugar, foi pensada a relação entre museu e educação, na conexão


existente entre os dois. Depois, estabelecida a função do museu vinculada aos objetivos da
educação no Brasil e a ótica do educador Paulo Freire, refletindo, nesse cenário, o caso do
Museu da Indústria, com o intuito de compreender as formas de produção no tempo.

1
Esse artigo teve a contribuição de muitas pessoas. Em primeiro lugar, a colaboração dos estagiários, educadores
do MI, sobretudo, a coordenadora do núcleo educativo, Patrícia Pereira Xavier Divino pelas discussões e a
bibliotecária do MI, Paula Pinheiro da Nóbrega, pela ajuda na normalização do artigo. Em segundo lugar, as
críticas da professora do curso de história da UECE, Berenice Abreu de Castro Neves e ao professor Samuel
Carvalheira de Maupeou pela tradução em língua estrangeira.
2
O edifício que abriga o museu foi tombado em 1995 e sua construção data de 1871. Ao longo de sua história,
foi sede de vários tipos de instituições. Inicialmente, um clube social, o Clube Cearense, depois, um hotel, sede
dos Correios e Coelce só para citar alguns. É esse lugar, repleto de histórias, que acomoda o museu da indústria e
foi apresentado ao público em 2014. Para mais informações, consulte o Decreto nº 23.829 de 29.08.1995,
referente ao tombamento, e a HEMEROTECA DIGITAL BRASILEIRA para investigar a história do prédio
através dos periódicos.
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Museu, segundo o estatuto do Conselho Internacional de Museus (ICOM), de


2007, é
uma instituição permanente, sem fins lucrativos, a serviço da sociedade e do seu
desenvolvimento, aberta ao público, que adquire, conserva, estuda, expõe e
transmite o patrimônio material e imaterial da humanidade e do seu meio, com fins
de estudo, educação e deleite. (DESVALLÉES; MAIRESSE, 2013, p. 64).

Percebe-se que a definição de museu tem um sentido amplo, formado por


instituições privadas ou públicas com diferentes enfoques, formas e objetivos. Quer dizer, os
museus não são homogêneos e de acordo com Passos (2011, p. 23), “são resultados de
sociedades igualmente contraditórias. Suas trajetórias acompanham essa lógica: ao longo do
tempo, foram constituindo-se múltiplas funções, acervos e públicos de acordo com as
prerrogativas de cada época”3.
Por outro lado, a definição de educação também não é padrão, nem os seus fins.
Conforme Freire (1996), educação é uma forma de intervenção no mundo.
Quando falo em educação como intervenção, me refiro tanto à que aspira a
mudanças radicais na sociedade, no campo da economia, das relações humanas, da
propriedade, do direito ao trabalho, à terra, à educação, à saúde, quanto ao que pelo
contrário, reacionariamente pretende imobilizar a História e manter a ordem injusta.
(FREIRE, 1996, p. 42).

Baseando-se nessa linha de pensamento, notamos que educação é um processo de


formação com diferentes possibilidades de objetivos e direções. Ela não é libertadora ou
opressora em si, pois depende das forças socioeconômicas que lutam por determinado fim.
Com efeito, identificamos que a formação progressista, que encara a realidade como
possibilidade, se contrapõe a formação conservadora, que enxerga o real como “imutável” e
determinado. Em Freire, formador progressista, a educação deve ser um meio para
compreensão com o objetivo de intervir e melhorar a realidade.
Ademais, o próprio Estado do Brasil definiu os objetivos da educação na Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, em seu artigo nº 2, que diz: “A educação, dever da
família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade
humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o
exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (CÂMARA DOS DEPUTADOS,
2011, p. 9).
3
Remontando as “origens”, “Na Grécia antiga, o mouseion, ou casa das musas, era uma mistura de templo e
instituição de pesquisa.” (SUANO, 1986, p. 10). Abud (2013, p. 132) fala que “o templo das musas, as filhas de
Zeus com Mnemosine (a deusa da memória), cuja responsabilidade era lembrar todas as coisas que já
aconteceram, “inspirou” a criação do Mouseion de Alexandria [...], no século III a.C.”.
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Nesse sentido, conectando a definição de museu com a concepção Freiriana de


educação e os objetivos da nação, entendemos que o museu pode ser um espaço para a
reflexão crítica da sociedade a partir de seus acervos, tornando-se um ambiente provocador.
Atualmente, os debates sobre o papel educativo do museu afirmam que o objetivo
não é mais a celebração e sim a reflexão crítica. Se antes os objetos eram
contemplados, agora devem ser analisados. O museu coloca-se, então, como lugar
onde os objetos são expostos para compor um discurso crítico. (RAMOS, 2004b, p.
6).

No Caso do MI, um lugar para compreender a história da indústria, nas suas


dimensões local-nacional-global (Ceará-Brasil-mundo), problematizando, sobretudo, práticas,
empreendimentos e valores da sociedade industrial moderna, forjados e consolidados desde a
revolução industrial inglesa no final do século XVIII: disciplina, pontualidade, assiduidade,
competitividade, produtividade, eficiência, vigilância, paciência, esforço, racionalidade,
cientificidade, divisão de funções, lucro, controle, fabricas, utilização de grande quantidade de
mão de obra assalariada, expansão do consumo, dentre outros. Em suma, o MI possibilita
compreender, historicamente, o processo de formação da sociedade industrial-capitalista.
Também permite estudar a indústria na época da sociedade colonial, não capitalista.
Ora, um dos objetivos da LDB é formar para o trabalho, então, o MI é um local
para entender no espaço-tempo os processos produtivos, o desenvolvimento do trabalho e das
formas, tecnologias, de fabrico e o impacto das inovações, tecnológicas, no meio natural, nos
modos de produção e na vida social. Assim, o Museu da Indústria, pode atender aos objetivos
da educação, LDB, em uma perspectiva crítica, Freiriana, de formação do estudante,
garantindo um ambiente e “meios com os quais fosse capaz de superar a captação mágica ou
ingênua de sua realidade, por uma dominantemente crítica.” (FREIRE, 1967, p. 106).
Portanto, o ensino de história realizado no MI possibilita ao aluno situar-se no
espaço-tempo. Mostra que o mundo físico e social é produto de um processo acumulativo. Só
consciente sobre o exposto é que o estudante reconhece seu tempo histórico, seu lugar social,
e suas possibilidades de ação nesse meio.

SUPERAÇÃO DO “OLHAR DE VITRINE”

Pensando especificamente em alunos da rede básica de educação, a LDB, em seu


Art. 1º (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2011, p. 9) explicita, “a educação abrange os

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processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no


trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da
sociedade civil e nas manifestações culturais.” Quer dizer, a escola é apenas mais um espaço
de aprendizagem. Por isso, no artigo 3º, da LDB, um dos princípios de ensino é: X -
valorização da experiência extraescolar. É das experiências extraescolares que os museus
emergem como possibilidade de destino.
Daí o processo educativo no museu tem seus desafios, pois quando os grupos
escolares, ou não escolares, vêm ao museu, eles se deparam com um espaço voltado para
trabalhar “o olhar”, a observação material e imaterial dos objetos. Assim, ao entrar em um
espaço museal, como o MI, é necessário um nível de atenção, apreciação, não muito comum
no cotidiano das pessoas, pois se trata de um tipo de “consumo” específico do saber, diferente
do consumo comercial. Ramos (2004b, p. 25) afirma: “o museu educativo não vem para
confirmar o existente e, sim, para refletir sobre o que somos e o que podemos ser. As vitrines
do Museu não podem ficar submetidas aos padrões de visibilidade das vitrines do comércio”.
Por trás desse “olhar de comércio”, de vitrina, existem as características da
sociedade consumista, segundo Barbosa (2004), marcada pelo consumo de massas, altas taxas
de consumo e de descartes das mercadorias, chegando a serem tão grandes quanto às de
aquisição4. A explicação histórica é porque a Revolução Industrial foi dupla, em primeiro
lugar, tecnológica, em segundo, uma mudança mental e comportamental.
Ou seja, a produção em larga escala, por meio de tecnologias, promoveu a
expansão do consumo que produziu a sociedade consumista, de shoppig centers e de vitrines.
Surgida no século XIX, “a vitrine, voltada para a rua, e a criação do manequim de papelão
prensado disponibilizaram para o grande público aquilo que estava sendo ou iria ser usado,
facilitando a disseminação das últimas tendências por todos os segmentos sociais.”
(BARBOSA, 2004, p. 27).
Na sociedade de consumo, a vitrine significa espaço/lugar da moda, das
novidades, sendo caracterizada pelo efêmero, suscetível às rápidas das mudanças.
A moda, que caracteriza o consumo moderno, ao contrário da pátina, é um
mecanismo social expressivo de uma temporalidade de curta duração, pela
valorização do novo e do individual. Ela é o “império do efêmero”, no dizer de
Gilles Lipovetsky. Como tal ela rejeita o poder imemorial da tradição (a pátina) em

4
O copo descartável representa bem o significado da sociedade consumista. “O plástico, que em um momento
fugaz era objeto e logo depois virou lixo, requer algumas centenas de anos para se decompor no meio ambiente,
pois não é biodegradável.” (RAMOS, 2004a, p. 24).
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favor da celebração do presente social, do mundo da vida cotidiana, do aqui e do


agora. (BARBOSA, 2004, p. 25).

Nesse sentido, Baudrillard (1995, p. 16) discorre sobre os objetos que


“atualmente, somos nós que os vemos nascer, produzir-se e morrer, ao passo que em todas as
civilizações anteriores eram os objetos, instrumentos ou monumentos perenes, que
sobreviviam às gerações humanas”. Assim, a vitrine é o lugar exemplar do instantâneo, onde
o novo é um momento fugaz e a atualização constante com as novidades torna-se um
imperativo social. Tudo isso produz, constrói uma visão marcada pelo insaciável desejo e
“adoração” do novo, o “olhar de vitrine”5.
É com essa percepção que os visitantes podem chegar ao museu, cujo espaço
conta com objetos e materiais, antigos e recentes. Desse modo, o museu representa, no
mínimo, um lugar não comum do cotidiano, onde a percepção da sociedade de consumo pode
ser questionada, contraditada. Logo, o MI é um espaço privilegiado para compreender o
desenvolvimento dos processos de fabricação dos produtos e suas maneiras de consumo, não
modernas, pré-modernas e modernas.
Vale lembrar que no comércio o consumo é material-concreto, com valor e valor
de uso, enquanto no museu o consumo é abstrato-imaterial, pois o objeto perde o valor e valor
de uso original. Isto é, a função do objeto no espaço museal se redefine, torna-se o centro e o
meio para pensar a sociedade no espaço tempo, afinal, “ninguém vai a uma exposição de
relógios antigos para saber as horas.” (RAMOS, 2004a, p. 19).
Então, para que os alunos possam pensar criticamente, é interessante estimular,
provocar para explorar todo o potencial, em nível amplo, de reflexão que os objetos oferecem.
É preciso evitar a “transposição didática”, o processo mecânico de consumo do saber, onde os
alunos pouco refletem sobre o processo de construção do conteúdo, semelhante ao consumo
de um shopping, quando o comprador pouco reflete sobre o processo de construção do
produto. Por isso, “o museu que não tem compromisso educativo transforma-se em depósito
de objetos, ou vitrines de um Shopping Center Cultural.” (RAMOS, 2004b, p. 30).
Todavia, é possível superar o “olhar de vitrine” no museu pelo “olhar da
indagação”, por meio de táticas educativas críticas, provocativas. Para substituir o “olhar de
curiosidade” e incutir nos visitantes uma “curiosidade investigativa” que não seja somente a

5
Na sociedade de consumo o templo é o shopping center, “o altar de adoração é certamente a vitrina.” (RAMOS,
2004a, p. 69).
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curiosidade em si, se faz necessário entender a educação, dentre tantas coisas, como um
processo de construção de conhecimento que deve ser pautada pela problematização a partir
do conhecimento prévio dos visitantes do museu.
Um modo de demonstrar ao público visitante o quanto a indústria está presente na
sociedade é chamar a atenção para tudo àquilo que ele traz consigo: roupas, celulares, óculos,
relógios, bolsas, etc. Dessa forma, os itens que as pessoas trazem em seu corpo passam a ser
observados, pensados e integrados à exposição principal. Um diálogo no qual o público é um
agente ativo.
O que a gente costuma fazer com os visitantes é tentar trazer um pouco a realidade
do processo industrial pro dia a dia. Então, uma das primeiras perguntas que a gente
faz pras pessoas é pra elas pensarem um pouquinho em tudo que elas carregam no
corpo delas quando elas entram aqui no museu e pensar como essas coisas são
produzidas. Isso pra gente trabalhar a importância da indústria no nosso dia a dia e
como essas coisas estão próximas da gente. (XAVIER, 2016).

A tarefa de construir a reflexão crítica não é simples. E o sucesso das visitas


educativas depende sempre de uma boa relação entre as instituições, museus e escolas,
pessoas, mediadores e visitantes. No que se refere à relação entre as instituições, é preciso
fortalecer os vínculos, as escolas devem valorizar os museus, destacando as visitas em
calendários de atividades extraescolares. E sobre o papel do mediador, Ramos (2004b, p. 11)
afirma:
Em qualquer museu, a presença de monitores é indispensável. Mas torna-se
imperioso reconhecer que o modelo tradicional de “atendimento” não combina com
a proposta aqui defendida. O comum é o monitor ser sinônimo de informador:
fornecer “dados” aos estudantes ou ao público em geral. Uma das formas de fugir
desse “método” é o monitor assumir a prática de também fazer perguntas, com o
intuito de despertar, no visitante, reflexões sobre o que está sendo visto - abertura
para o diálogo criativo, pois depende das peculiaridades de cada um que vai ao
museu. O monitor não deve expor a exposição e sim provocar, nos visitantes,
vontade de ver os objetos. O desafio é potencializar o campo de percepção, por meio
de uma “pedagogia da pergunta”, como diria Paulo Freire.

É o setor educativo por meio dos seus mediadores que formulam táticas
provocativas para os diferentes públicos, agendados e espontâneos. Portanto, o papel do
monitor é essencial para condução e direcionamento do processo educativo dentro do museu.
Não obstante, uma boa relação e cooperação entre os museus e as instituições tornam mais
proveitoso o processo educativo, quer dizer,
a presença de monitores nos museus enriquece a visita se o trabalho for feito em
conjunto com o professor. É possível que a visita seja coordenada pelos monitores, e
o trabalho de síntese e aprofundamento seja realizado pelo professor no retorno à
escola. (ABUD, 2013, p. 139).

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Tendo em vista a função educativa do museu, é relevante lembrar que cada museu
tem suas peculiaridades, desafios, seus enfoques e, automaticamente, potenciais de
provocações distintos. Nesse sentido, estão elencadas e analisadas as potencialidades
educativas da exposição “História da Indústria do Ceará no MI”6.

OBJETOS MATERIAIS DA EXPOSIÇÃO E OUTROS RECURSOS DO MUSEU

Os objetos dispostos na exposição de longa duração “História da Indústria do


Ceará” têm o apoio das tecnologias audiovisuais, musicais, painéis interativos, textos escritos
e mediadores educativos.
No que concerne à exposição, os objetos materiais são: 1) máquina de costurar
couro; 2) prensa para couro e algodão; 3) maleta de couro para ferramentas; 4) rodas de carro
de boi; 5) garrafão, utilizado no início do século XX para transporte de líquidos; 6) balança
para pesar fardos de algodão; 7) alambique de cobre para fabricar aguardente; 8) broca usada
para perfurar troncos para construção de jangadas; 9) tear de madeira usado, principalmente,
para confecção de redes de dormir; 10) máquina de costura Singer; 11) armário para guardar
monotipos de impressão com 12 gavetas; 12) impressora Heidelberg; 13) máquina Linotype,
famosa na indústria gráfica e inventada por Ottomar Mergenthaler em 1886.
Como suporte, temos as imagens, estáticas ou em movimento: pinturas,
fotografias, recortes de jornais, revistas e vídeos. Também há vários painéis, acervo digital
interativo, com opção dos idiomas em português e inglês. Trata-se de telas interativas com
uma linha do tempo de datas e fatos da história do Ceará, com enfoque na história econômica
dividido em três recortes temporais: 1612-1889; 1890-1941; 1942-2014 e outras telas a
respeito de museus e notícias atuais da indústria no Ceará. Podemos dizer que toda essa
estrutura potencializa a capacidade educativa do museu.
Por outro lado, as informações acerca dos objetos não são precisas e carecem de
mais esclarecimentos. De acordo com Barbuy (1995, p. 17), “para aproveitarmos bem uma
visita ao museu, temos que aprender, antes de mais nada, a observar os objetos com muita

6
O Museu da Indústria, assim como o Museu do Ceará e outros espaços culturais, se localiza num “corredor”
comercial de Fortaleza, o Centro. Lugar onde se multiplicam e emergem milhares de produtos, objetos, nas
vitrines, nas prateleiras, nos manequins, com etiquetas, códigos, marcas, preços, etc. Em meio a essa multidão de
objetos e de pessoas, surgem alguns espaços para se pensar como chegamos a esse estado.
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atenção”, sobretudo, sua forma, ornamentos, símbolos, marcas, quem fez, como fez, quem
usou e como. Nesse sentido, os itens da exposição do MI necessitam de um estudo mais
rigoroso que viabilize as explicações sobre os objetos e seus meios. Além disso, a exposição é
celebrativa, sem problematizações e sem críticas. Por isso, existe a necessidade de provocar o
exposto e ir além da celebração.
Vale destacar que o MI ainda conta com uma biblioteca, espaços para exposições
temporárias, peças teatrais, atividades voltadas para o público infantil e o próprio prédio, um
grande edifício do século XIX. Tudo isso enriquece as visitas, quanto à interdisciplinaridade e
às múltiplas possibilidades de problemáticas. Todavia, no MI falta acessibilidade às pessoas
com deficiência visual, cadeirantes, outros.

POTENCIAL EDUCATIVO DA EXPOSIÇÃO “HISTÓRIA DA INDÚSTRIA DO


CEARÁ”

Na educação básica, segundo a LDB, na Seção III: Do Ensino Fundamental, deve-


se promover a formação básica do cidadão mediante “a compreensão do ambiente natural e
social, do sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a
sociedade.” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2011, p. 21). Tendo em vista que a nossa
sociedade é capitalista e industrial, o MI torna-se local privilegiado para realizar reflexões que
levem à compreensão do meio social, econômico e cultural da sociedade industrial.
Na Seção IV, que trata das finalidades do Ensino Médio, no artigo 35, parágrafo
IV, destaca “a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos
produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina” (CÂMARA
DOS DEPUTADOS, 2011, p. 23). Nesse sentido, o museu transforma-se em ambiente
propício e estimula a reflexão por meio de suas peças e das diferentes exposições dos
processos produtivos no espaço-tempo.
Segundo Bittencourt (2004a, p. 113), em sala de aula para os alunos de primeira a
quarta série, “a noção de tempo histórico é apresentada por meio da noção de antes e depois,
do conceito de geração e do conceito de duração”. Isso é possível, pois a criança, dos seis aos
doze anos encontra-se no estágio categorial onde “existe uma diferenciação nítida entre o eu e
o outro, o que permite à criança uma organização mental do mundo físico: agora ela é capaz

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de organizar o mundo físico em categorias (seriação, classificação, etc.)” (PAULA;


MENDONÇA, 2009, p. 90). Levando em conta que visitar museus:
leva a conhecer espaços e tempos, próximos e distantes, estranhos e familiares, e a
refletir sobre eles; aguça a percepção por meio da linguagem dos objetos e da
iconografia, desafia o pensamento histórico com base na visualização das mudanças
históricas, permitindo pensar o cotidiano. (ABUD, 2013, p. 136).

Os mediadores do MI podem enfatizar que os objetos do museu são antigos. Para


obter êxito na construção e/ou reforço de tais conceitos, por meio de uma conversa, os
mediadores podem referenciar vários exemplos categóricos: de que os avós e pais vêm antes e
os filhos depois, de que anteriormente eles eram pequenos e agora, depois, são grandes, de
que no passado eles não sabiam falar e posteriormente aprenderam. Como tudo tem um antes
e um depois, as máquinas que fazem tudo também têm seus “antes” e “depois”.
Dentro da própria exposição, na parte da imprensa, existem alguns objetos que
mostram a sucessão de como se fabricavam os jornais antes, o armário de monotipos de
madeira, mais frágil, artesanal, lento e, depois, a linotipo de ferro, mais sólida, mecanizada e
rápida. Ainda, nessa etapa do operatório concreto (sete aos onze/doze anos)7, ocorre que,
Objetos e pessoas passam a ser mais bem explorados nas interações da criança e ela
buscará, com linguagem e o uso dos objetos que ela está explorando, construir
conceitos próprios a partir de sua ação exploratória. Nessa fase, as operações da
inteligência infantil precisam ser trabalhadas a partir do concreto. (PAULA;
MENDONÇA, 2009, p. 69).

Dialogando com Wallon, a criança, no estágio categorial, apresenta uma redução


do sincretismo8, compreensão da realidade de forma mais objetiva e demonstra interesses
pelos objetos externos, conhecimento da realidade, curiosidades. (NUNES; SILVEIRA, 2009,
p. 114). Assim, crianças encontram no museu objetos de diferentes formas e materiais que
podem despertar o interesse/dúvidas por esse curioso mundo externo de antiguidades.
Contudo, as peças do MI não podem ser tocadas, apenas observadas.
Para facilitar o trato com as crianças e equilibrar observação e sensação durante as
visitas, o núcleo educativo do MI elaborou uma caixa9 com vários objetos que podem ser
tocados e, alguns, até usados. Além disso, todo o público pode manipular as telas interativas.

7
Classificação piagetiana.
8
Esse estágio é aquele onde a criança mescla realidade e imaginação na explicação das coisas.
9
Essa caixa contêm os seguintes objetos: um chapéu de palha, um cesto de palha, uma pequena rede, uma
lamparina, um tecido de couro, uma jangada em miniatura, um chapéu de vaqueiro, outros.
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Agora focaremos em alunos de quinta a nona séries e de ensino médio. Para


Bittencourt (2004), as principais diferenças entre os dois são o nível de complexidade e a
amplitude dos conteúdos. No ensino médio, no que se refere à história, por exemplo,
Tem como preocupação maior aprofundar os conceitos introduzidos a partir de
séries iniciais e ampliar a capacidade do educando para o domínio de métodos de
pesquisa histórica escolar [...] Não inclui a formação de “um historiador”, entre seus
objetivos, mas visa dar condições de maior autonomia intelectual ante os diversos
registros humanos. (BITTENCOURT, 2004a, p. 118).

Desse modo, tendo em vista que as perguntas e questionamentos ao público


podem ser semelhantes, o nível das repostas é que irá variar em termos de complexidade e, a
partir daí, o mediador irá trabalhar. Sem perder de vistas as diferenças, as crianças, da quinta a
oitava séries, encontram-se no estágio operatório formal. (11/12 aos 15/16 anos), onde,
Essa necessidade da presença do objeto vai sendo gradativamente substituída por
hipóteses e deduções, o objeto vai sendo substituído pelo pensamento formal,
simbólico, no qual o objeto é reconstituído internamente em todas as suas
propriedades físicas e lógicas. Dessa forma, a criança começa a operar apenas com a
imaginação e o pensamento formal, e seu pensamento assume um caráter hipotético-
dedutivo. (PAULA; MENDONÇA, 2009, p. 69).

De qualquer modo, durante o início da quinta série, próximo dela e/ou mais
adiante, as crianças adquirem e aperfeiçoam sua capacidade de abstração e é daí que se pode
aplicar/falar em termos de representação com os alunos, ou seja, sobre as realidades
históricas, contextos, nos quais as peças do museu representam para além de sua concretude.
No entanto, a construção da aprendizagem pode não ser tão linear, por isso é preciso,
sobretudo, respeitar e operar em sintonia com os ritmos dos visitantes.
Assim, é crucial compreender que os objetos e imagens de museus são materiais
que revelam uma cultura imaterial. De tal modo, a peça interessa, mas não apenas a peça em
si, mas o contexto que ela representa, pois é reflexo e condicionante de um meio. Os objetos
que constituem a exposição “História da Indústria do Ceará” podem levar a pensar muitas
coisas que dependem dos objetivos, ênfase e método do educador.
Aqui, serão exploradas/mostradas algumas possibilidades da exposição, que
podem ser problematizados com os visitantes, focando os grupos das instituições de ensino,
sobretudo, os alunos da quinta a oitava séries e do ensino médio.
Primeiro, o mediador pode questionar o grupo a respeito do que eles entendem por
indústria e baseado nas repostas, pode trabalhar o conceito/noção de indústria amplo e o
moderno, pós-revolução industrial, e aplicar tais conceituações aos objetos da exposição. Em

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concepção mais ampla, indústria é um processo de transformação da matéria-prima,


“capacidade humana de usar a técnica para fabricar e produzir.” (SILVA, 2009, p. 232). E a
concepção mais específica da sociedade industrial moderna, já discutida neste texto,
permanece a lógica da fabricação, claro, mas com novos elementos: produtividade,
mecanização, eficiência, etc.
É possível na exposição, apesar de objetivar destacar, principalmente a história do
Ceará, realizar reflexões mais amplas como a criatividade e a capacidade humana de
aprimoramento tecnológico, assim como o desenvolvimento da sociedade industrial-
capitalista e seus princípios, afinal, a história do Ceará não pode ser isolada. Feitas essas
considerações, agora interessa a concentração em alguns objetos, a forma como estão
dispostos, o que eles representam, e quais os contextos.
Primeiramente, há objetos que representam a economia do gado e seus derivados -
a prensa, a máquina de costura, a maleta de couro, rodas do carro de boi e a pintura de um
vaqueiro. Pode-se questionar inicialmente: O que é um gado? Quais suas utilidades? Onde se
cria o gado?
Contextualizando, foi “pela meia centúria do século XVIII, que o criatório de
gado bovino alcança vitorioso assentamento.” (GIRÃO, 2000, p. 7). A instalação não foi fácil
e o colonizador enfrentou, nesse processo, as grandes estiagens, os nativos, as longas
distâncias, a cobrança de tributos, etc. Apesar das missões religiosas, expedições de
exploração de minas e militares anteriores, o que promoveu, de fato, a colonização, povoação
do Ceará foi o gado. Pode-se pensar também na colonização como invasão, pois a terra já era
ocupada pelos nativos.
O criatório constituiu o elemento fundamental do devassamento do território como
principal móvel de empreitada colonizadora levando à submissão dos tapuais
indômitos, cujas terras passaram a ser cobiçadas a partir do momento em que os
portugueses se compenetraram e oferecerem elas condições excepcionais, não
obstante as secas periódicas, para a criação do gado. (NOBRE, 1989, p. 19).

Para se ter noção do impacto dessa atividade no Ceará, alguns dos principais
núcleos urbanos atuais, as vilas do período colonial, têm origem na expansão da pecuária: Icó
(1738), Aracati (1748), Sobral (1773), Quixeramobim (1789) (ALEGRE, 1990).
O gado era vendido para os centros consumidores, Recife, Olinda e Salvador,
porém, apesar de algumas táticas de preservação da mercadoria, as longas distâncias

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dificultavam o seu comércio, assim como os altos tributos. É justamente para superar essas
dificuldades que surgem as oficinas de charqueadas, a indústria propriamente de dita.
As dificuldades e prejuízos nascidos das compridas travessias e o ônus decorrente do
subsídio de sangue, que se cobrava à taxa de quatrocentos réis por boi e trezentos e
vinte réis por vaca, minguando o lucro das boiadas, forçaram-nos a preferir a venda
de sua matéria prima já industrialmente preparada, reduzida a carne a mantas
conservadas pelo sal e capazes de resistir, sem deterioração, a longas viagens.
(GIRÂO, 2000, p. 155).

Nesse momento, o mediador pode destacar o processo de modificação da matéria


prima nas oficinas de charqueadas. De início, separavam a carne, couro, ossos, gordura e o
resto, depois, a carne passava por um processo de salga e secagem ao sol e o couro, também,
seco ao sol. Em seguida, essas carnes salgadas eram transportadas em embarcações. Tamanha
era a economia do gado, que alguns chamam o período de civilização do couro, devido aos
seus múltiplos derivados: cordas, borracha para carregar água, alforje para levar comida, maca
para guardar roupa, bainhas de faca, roupa de entrar no mato, revestimento para mobília,
etc.10.
A economia do gado não estava descolada do trabalho e de seu principal agente, o
vaqueiro. E a pintura do trabalhador permite realçar e pensar sobre o papel dos sujeitos, as
relações de trabalho e o modo de vida dos vaqueiros na expansão da pecuária. A ocupação de
vaqueiro exercia relativa atração, pois “além da relativa liberdade de trabalho, havia a
possibilidade de alguma acumulação, pela partilha do gado.” (ALGRE, 1990, p. 5). O
trabalhador podia ficar com um quarto dos bezerros nascidos11.
Observa-se, portanto, que a partir dos objetos que representam a economia do
gado, se pode tratar de temas como a ocupação do território, dentro de um contexto de divisão
econômica, Brasil colonial12. Além disso, perceber como ocorreram as transformações
técnicas, as oficinas de charqueadas, suas causas e efeitos no processo de produção. É
possível observar os múltiplos produtos derivados de uma matéria prima, o gado, refletindo
sobre a importância do trabalhador nesse processo. Isso só para citar algumas possibilidades.
Prosseguindo a exposição, há uma balança que representa a economia do algodão.
Não é por acaso, se o gado permitiu os portugueses colonizarem o Ceará, muito tempo depois,

10
Informações coletadas de Girão (2000, p. 148).
11
Para mais informações sobre a participação dos trabalhadores, vaqueiros, agricultores, artesões na colonização
e desenvolvimento econômico do Ceará, consultar Alegre (1990).
12
No período colonial o gado “invadiu” o sertão, pois a “necessidade de expansão da atividade açucareira passa a
exigir a exclusividade das terras da zona da mata, até então também ocupada pelo gado. Daí, vem a Carta Régia
de 1701, que proíbe a criação de gado numa faixa de 10 léguas da costa” (LIMA, 2008, p. 137).
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consideravelmente no século XIX, o algodão tornou-se um dos principais produtos de


exportação, contribuindo para o desenvolvimento do estado. Lima (2008, p. 149) fala que “em
1809, o Ceará começou a exportar algodão diretamente para a Inglaterra. A evolução dos
preços leva à expansão da cultura nas serras de Baturité, Uruburetama, Meruoca, Pereiro e
Aratanha”. Percebe-se que a expansão do mercado inglês influiu na economia cearense.
Em seguida, existe um alambique de cobre para produção artesanal de aguardente,
representando a ramo das bebidas alcoólicas. Nesse caso, é possível discutir o modo de
produção da aguardente que envolve várias etapas: colheita da cana, moagem, decantação,
fermentação, destilação, onde é usado o alambique, e envelhecimento. As etapas iniciais
podem ser comparadas aos vendedores ambulantes de caldo de cana. Eles moem e decantam o
caldo numa peneira.
Aliado ao diálogo sobre o modo de produção, é possível discutir com os grupos a
visão da sociedade sobre o consumo de bebidas alcoólicas, encarado, às vezes, mais como um
problema de caráter do que um problema de saúde.
Percorrendo a exposição, encontram-se um tear de madeira para confecção de
redes e uma máquina de costura Singer elétrica. Em seguida, topa-se com os objetos que
representam a história da imprensa gráfica, desde uma geração manual, armário de tipos, até a
geração mecanizada, a impressora elétrica, alemã, (1850-1964) e a linotype (1886),
americana. Esse momento é importante para problematizar com os alunos sobre o que mudou
com a revolução industrial, comentando as diferentes formas de produção, os valores da
sociedade industrial, transformação das informações, do saber letrado, em mercadoria, e até a
questão da divisão internacional do trabalho.
Verticalizando, as máquinas modernas de fazer e reproduzir jornais representam a
necessidade da sociedade industrial por produtividade, eficiência, onde as tecnologias, a
mecanização, foram resultados. Os primeiros processos produtivos da exposição tratavam de
produtos materiais concretos, o gado, o algodão, a rede, a aguardente, enquanto a imprensa
tratava e trata do comércio do saber, a manipulação das informações, um produto imaterial;
um tipo de produção e consumo diferente, demonstrando que múltiplos são as indústrias e os
tipos de consumos, concretos e abstratos. Destaca-se aí o surgimento da propaganda, formas
de promover, vender algo, seja material ou em formato de ideia. Por último, observa-se que as
origens das máquinas são estrangeiras, importadas. Portanto, é possível demonstrar
historicamente que o processo de industrialização não foi da mesma forma em todos os países.

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Um visitante refletindo todas essas mudanças, comentou: “Satisfeito por esta


iniciativa, tem todo o básico para compor as informações necessárias para rever os primórdios
da indústria, aquilo que hoje chamamos de precário foi um dia a alta tecnologia.” (MUSEU
DA INDÚSTRIA, 2016, p. 37). É possível valorizar e problematizar essa impressão. Se é
certo que o museu tem máquinas e ferramentas que já foram ultrapassadas por outras
inovações, também é verdade que muitas delas ainda são utilizadas pela sociedade. Isso
demonstra que a tecnologia considerada ultrapassada por alguns, ainda pode ser de alta
tecnologia para outros. A partir dessas observações, também pode ocorrer reflexão sobre a
finalidade dos museus, buscando desconstruir a noção de que museu é lugar de coisas velhas.
Mais que máquinas, a indústria também é feita por trabalhadores. Nos vários
telões e nas telas interativas, aparecem imagens de pescadores, operários numa fábrica de
cachaça, trabalhadores em um canavial, camponeses arando a terra em carros de boi,
jangadeiros, operários na linha de produção com teares, operários na fiação, camponeses
colhendo algodão, etc.
As imagens/peças que destacam os trabalhadores são: uma pintura do vaqueiro,
três fotografias de pescadores, a pintura de Patativa do Assaré, uma peça de arte
representando uma rendeira e outra peça representando uma costureira. O vaqueiro, em
contraposição ao jangadeiro do litoral, remete ao campo e é um personagem muito utilizado
como símbolo cultural do sertão13. Patativa foi um camponês, agricultor, que através da
poesia, sua arte, traduzia sua realidade, as dificuldades e alegrias da vida no campo14. Já a
rendeira e a costureira representam a indústria doméstica. É possível problematizar com os
visitantes: o que faz o vaqueiro? Onde ele trabalha? Qual o seu modo de vida? Qual sua
importância histórica e cultural?
Continuando, é verdade que a revolução industrial e o modo de produção da
sociedade industrial capitalista permitiram um enorme avanço tecnológico e produtivo.
Também é certo que esse avanço não ocorreu sem conflitos e lutas entre os agentes sociais.
Nos dias atuais ainda existe dificuldade na distribuição da tecnologia e da riqueza
gerada pela sociedade industrial-capitalista. Um segundo conflito é a substituição da mão de
obra humana pelas máquinas. E claro, não se pode ficar contra o desenvolvimento

13
O vaqueiro foi cristalizado como símbolo da identidade regional do nordeste através da obra “O Sertanejo”
(1875) de Jose de Alencar.
14
Para compreender a importância social e cultural de Antônio Gonçalves da Silva, Patativa, consultar Carvalho
(2011).
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tecnológico, mas se essa inovação não servir ao povo, o desenvolvimento causa prejuízo
social.
Em terceiro, ocorre o impacto ambiental da industrialização no mundo. É
indiscutível que a indústria não pode ser realizada de qualquer maneira. Pensando em todos
esses problemas, as imagens do último telão da exposição destacam certo esforço da
sociedade na buscar algumas saídas para o problema ambiental, a busca pelo desenvolvimento
sustentável. São fotografias de energias sustentáveis: eólica, solar e dos mares. É uma
oportunidade de discutir com os visitantes sobre as formas de energias. As perguntas podem
ser: O que é energia? Para que serve? Quais as diferentes fontes de energia da indústria? Essas
fontes sempre foram as mesmas? Qual o impacto das diferentes fontes sobre a natureza? Por
que é preciso procurar por fontes de energias limpas e sustentáveis? Ainda, essas novas
energias são realmente limpas? Entre outras.
Levando todo o texto em conta, infere-se que as peças expostas “gritam” em
silêncio e elas não somente “falam” de suas utilidades, mas exprimem, também, o ramo
econômico que representam e seus trabalhadores. A peça é um meio e um fim. Um meio para
entender um contexto, um instrumento de acesso a outras realidades sociais, econômicas e
culturais. Um fim, pois os objetos materiais e as imagens são representantes imediatos,
sobreviventes, de seu tempo com suas próprias histórias e percursos.
Ainda vale destacar que apesar da seriedade que envolve o processo educativo,
com seus métodos, não se deve descartar que outros fatores podem fazer parte do processo de
aprendizagem. Para Santos (1993, p. 85), “o propósito educacional de um museu é conseguir
com que as pessoas observem, interessem-se pelas demonstrações, chegando a uma síntese do
que elas viram”. De certo modo, depois da visita, essa síntese é facultativamente expressa no
livro de comentários do museu, onde ficam registradas múltiplas sensações e experiências:
“encanto; emoção; viagem no tempo; instigante”, etc. As pessoas também podem fazer
críticas ao MI através do livro. Alguns comentários do livro seguem abaixo:
Interessante a ideia de contar histórias do passado em um clima novo e aliado ao
suporte da tecnologia e à valorização do acompanhamento dos monitores. 06/04/16:
folha 1.
Parabenizo os organizadores pelo conceito empregado na exposição. Tenho certeza
que meus alunos irão se encantar com esse lugar. 09/04/2016: folha 2.
Emocionante viver a nossa história. 09/04/2016: folha 2.
Sugestão: ter vídeos explicativos sobre as peças expostas. 12/12/2016: folha 29.
Os alunos da escola CEPEP sentem-se prestigiados pela oportunidade de aprender
sobre os processos industriais através de arquivos e objetos que ajudam no
entendimento do desenvolvimento industrial do nosso estado. 19/04/16: folha 4.

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Um museu muito bem pensado, com uma comunicação visual, sensorial que
instiga seus visitantes. 26.04.16: folha 4.
Apenas uma observação: falta acessibilidade p/ pessoas com deficiência (todas as
deficiências). 2016.
Bela exposição, bem organizada, dinâmica. 27.04.16: folha 4.
Linda e proveitosa exposição! Como uma apaixonada pela história desta terra essa é
uma magnífica viagem no tempo. 04/05/16: folha 6. (MUSEU DA INDÚSTRIA,
2016).

Por todo esse potencial, parcialmente abordado, estudar a história da indústria é


compreender a nossa sociedade, no Ceará, no Brasil e no mundo, suas formas de produção,
desenvolvimento, comercialização e trabalho. Assim, podem ser entendidos nossos valores,
ações, ideias, paisagens, práticas, etc. Por isso, o Museu da Indústria é um importante
instrumento para a promoção de eventos, debates, estudos, meio para exposições e reflexões,
um lugar para a construção do conhecimento, sobre a história da indústria e da nossa
sociedade.
O Museu da Indústria do Ceará “está aberto para realização de cursos, palestras,
desfiles, espetáculos, seminários, apresentações teatrais, cineclubes e eventos sociais.”
(MUSEU..., 2015, p. 13). Um espaço prático, objetivo, para as instituições de ensino,
contemplando reflexões para múltiplas disciplinas, da área de humanas, ciências da natureza,
áreas burocráticas e técnicas.



Artigo recebido em janeiro de 2017. Aprovado em julho de 2017

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