aumento do poder econômico das classes mais baixas da
sociedade, e os que enxergam no movimento um risco à
segurança da coletividade, surgiu também a perspectiva política: estariam esses jovens marginalizados dando um grito contra o capitalismo? Seria uma continuidade dos protestos de junho? Para o sociólogo Luis Fridman, a simbologia dos “rolezinhos” é muito forte, embora o movimento não seja politizado no sentido estrito. Trata-se, no seu entender, de uma busca dos jovens pelo seu reconhecimento pleno de existência na sociedade e, portanto, contrário ao preconceito e à “invisibilidade” que recai sobre os menos favorecidos. “O que essa manifestação totalmente pacífica está ‘dizendo’? Que aquela gente que supostamente deveria ficar confinada aos locais da periferia também quer desfrutar, como todos, do acesso a todos os lugares. E mais: que as barreiras simbólicas de presença devem ser derrubadas”, alegou. Segundo ele, a reação dos administradores dos shoppings é a confirmação desse preconceito. “As roupas e atitudes dos jovens de periferia são vistos como ‘ameaçadores’ e despertam preconceituosamente, por parte das classes médias e das elites, repulsa e medo.” Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal Fluminense (UFF), Marcus Ianoni associa o movimento às mudanças estruturais que vêm VEM PRO SHOPPING! ocorrendo no País no decorrer dos últimos anos. Com a redução da miséria e da pobreza, o poder aquisitivo de Em um País vacinado pelas estrondosas famílias da periferia aumentou, o que também alterou a manifestações de 2013, a ocorrência de grandes estratificação social. Com efeito, a população atingida aglomerações de jovens como são os chamados por essas transformações estaria agora buscando mais “rolezinhos” naturalmente são acompanhadas de debate, espaço na sociedade. “O acesso a novos bens de consumo controvérsia e, sobretudo, pela busca de seu significado. eleva a auto-estima e libera a energia para novas Mas as particularidades desse fenômeno que brotou em demandas materiais e também para demandas simbólicas São Paulo e agora toma corpo em diversas capitais e imateriais, como a demanda por igualdade de (inclusive Porto Alegre) toca em questões que vão do cidadania”, concluiu. direito de livre circulação ao preconceito étnico e a Público ou privado? exclusão social. O fenômeno começou a chamar a atenção (e a A polêmica dos “rolezinhos” coloca em gerar polêmica) no mês passado, quando jovens da confronto uma série de direitos sociais e constitucionais periferia paulistana passaram a organizar, via redes tanto dos jovens quanto das administrações dos shopping sociais, animadas e grandes reuniões – algumas, com centers, dos lojistas e dos demais consumidores. milhares de pessoas – em shopping centers. Não demorou Um shopping pode restringir o acesso de determinadas para surgirem os registros de tumultos e confrontos e para pessoas? Para o professor de Direito Constitucional da os lojistas e demais frequentadores torcerem o nariz e se Unisc, Edison Botelho, não. Mesmo se tratando de um sentirem amedrontados. No último sábado, o Shopping empreendimento de natureza privada, na prática o JK Iguatemi, um dos mais luxuosos da cidade, obteve shopping se configura como um ambiente público e de uma liminar na Justiça para impedir o evento marcado livre circulação. Assim, impor restrições aos para aquele dia e que contava com a presença confirmada frequentadores seria um ato discriminatório – e, portanto, no Facebook de duas mil pessoas. Em outro shopping, o ilícito. Metrô Itaquera, um “rolezinho” reuniu nada menos que Por outro lado, isso não significa que os seis mil pessoas. Outros locais também vêm recorrendo à frequentadores possuem liberdade absoluta de Justiça para inviabilizar as reuniões e, em alguns, houve comportamento. O direito de livre reunião e associação é até intervenção da Polícia Militar. garantido até o momento em que se compromete os Entre os que entendem que tudo não passa de direitos de outras pessoas – como o direito ao lazer dos uma brincadeira inocente de adolescentes, atraídos aos demais frequentadores e o direito à segurança dos templos do consumo da contemporaneidade pelo lojistas. Conforme Botelho, como não existe uma contaminação, porque essa reação está empurrando os legislação específica para regular os ambientes dos jovens para a marginalidade. É o que vamos observar shoppings, todas as ações e reações são tomadas com nesse fim de semana”, disse. base em decisões judiciais e jurisprudência. Esse “Querem mais espaço” “vácuo”, entretanto, gera alguns impasses: em sendo um espaço público, a responsabilidade pela segurança dos Na avaliação da antropóloga Silvia H. S. Borelli, que frequentadores cabe ao shopping ou ao Estado? “É a coordena a pós-graduação em Ciências Sociais da PUC- mesma discussão sobre se a Polícia Militar deve estar SP, o clamor dos “rolezinhos” não é apolítico. No seu presente no interior dos estádios de futebol. O shopping é entender, eles não pregam uma ruptura com o sistema um ambiente menos tumultuado, mas se há multidão, capitalista, mas sim uma demanda por ampliação da como nos ‘rolezinhos’, há insegurança. O direito de cidadania por parte dos jovens da periferia. Mesmo reunião não pode comprometer os direitos da oriundos de regiões já cobertas por políticas públicas coletividade. Por isso, os shoppings estão entrando em voltadas à juventude, os adolescentes e pré-adolescentes juízo para poder agir”, colocou. estariam reivindicando, sobretudo, espaços públicos de lazer e espaços de manifestação. Silvia ressalta que a “Eles querem é namorar” iniciativa, em si, não é inédita, uma vez que há Autor do livro Nas Ruas, sobre os protestos de 2013 no antecedentes de atos em praças, grafitagens coletivas e Brasil, que será lançado em fevereiro pela Editora outros. A novidade está na ocupação de um ambiente Letramento, o sociólogo e cientista político Rudá Guedes empresarial. “Em outros países, houve movimentos Ricci não enxerga contornos políticos nos “rolezinhos”. semelhantes, mas decorrentes de crises. Não é o caso do Embora reconheça que os encontros tomaram proporções Brasil, que consolidou um modelo democrático. O que os de fenômeno de massa, Ricci entende que o objetivo dos jovens provavelmente estão dizendo é que querem mais integrantes, que são adolescentes e pré-adolescentes, espaço de cidadania. Estão dizendo: ‘Conseguimos muita nada mais é do que diversão. Na prática, os shopping coisa, mas queremos mais’. Tem a ver com a necessidade centers já são frequentados por esses jovens, como de reforma política e formas diferenciadas de reflexo da ascensão da nova classe consumidora no País participação”, analisou. no decorrer dos últimos anos. Já os tumultos registrados Para Silvia, a reação da sociedade aos “rolezinhos” está, em alguns dos locais seriam apenas uma consequência sim, impregnada de preconceito étnico, vide das grandes aglomerações e do espírito de animação dos manifestações “claramente segregacionistas” registradas jovens. “O vendedor acha que é arrastão, mas não é. É em redes sociais. Em contrapartida, observa que a uma mera brincadeira, coisa de criança. O que eles situação coloca os shopping centers em uma posição querem é namorar e se sentir importantes”, avaliou. O delicada. “Se o shopping se assume como um espaço analista, entretanto, é menos categórico quando especula público, não pode proibir o acesso de determinadas sobre o futuro. No seu entender, a repercussão que vem pessoas. Qual vai ser o critério da proibição? O estilo, a sendo observada e sobretudo a repressão aos encontros, idade? Ou ele assume isso ou vai perder um nicho de materializada nas liminares concedidas pela Justiça para consumo, porque shopping é espaço de estar junto e o impedir a entrada dos jovens e a presença da Polícia que os jovens querem é estar junto”, argumentou. Militar no interior dos shoppings, podem fazer com que o movimento acabe por se politizar, tornando-se atos de afirmação. Assim, os próximos encontros podem se Gazeta do Sul, 18/01/2014 - consolidar como uma “resposta” ao tratamento que os http://www.grupogaz.com.br/gazetadosul/noticia/433220- integrantes vêm recebendo. “Existe uma possibilidade de vem_pro_shopping/edicao:2014-01-18.html