João: A Jornada da Fé
Proclamado Rei à Força
(6:1–15)
Bruce McLarty
João Barton, um missionário que trabalha
entre o povo basoga em Uganda, encontrou numa
vila um velho que estava se esforçando para ler
duas Bíblias diferentes. Nenhuma das Bíblias esta-
va escrita na língua dele, de modo que o velho se
esforçava para entender cada palavra. Embora
João não falasse muito a língua lusoga e o velho
não falasse muito inglês, eles conversaram um
pouco sobre o que o homem estava tentando ler.
Ele disse a John que o problema do povo besoga
era que para aceitar a mensagem da Bíblia, os
besoga precisavam “comprar a língua dos estran-
geiros”. Inicialmente, João não entendeu o que
estava ouvindo. Depois, porém, ele entendeu
que o velho estava dizendo que o seu povo tinha
de pagar as taxas escolares e estudar em escolas
onde se falava inglês para desenvolver a capaci-
dade de ler e discutir a Bíblia em inglês.
João relatou qual foi sua resposta:
Eu disse ao velho que eu estava aprendendo a
língua dele para levar a Mensagem aos basoga
“gratuitamente”. Ele ficou emocionado e quer
que eu volte para vê-lo.
“O Verbo se fez carne e habitou entre nós.” Em
outras palavras, Jesus veio a nós. Ele falou a
nossa língua. Viveu em nosso mundo. Tornou-
Se um de nós. Atravessou o abismo; Ele não
nos obriga a fazer isso. E no processo, Ele nos
mostrou a Sua glória, “a glória do unigênito do
Pai”, “cheio de graça e de verdade”.1
11
John Barton, relatório de trabalho de dezembro de
1994.
A glória de Deus é revelada onde quer que
pessoas como John Barton partilhem a história
de Jesus. Em João 6:1–15, a glória de Deus é vista
novamente, dessa vez na história de Jesus ali-
mentando os cinco mil.
A HISTÓRIA (6:1–15)
O capítulo 5 registrou ensinamentos de Jesus
em Jerusalém durante a festa dos judeus. O
capítulo 6 continua com Jesus de volta à região
da Galiléia, onde Ele atravessou o mar da Galiléia
com os discípulos. Nessa altura, a popularidade
de Jesus estava aumentando. As pessoas falavam
dos “sinais” miraculosos que Ele realizava. O versí-
culo 2 contém três verbos que no grego estão no
tempo imperfeito, o qual indica ação contínua.
Em outras palavras, o significado da passagem é
“continuava O seguindo numerosa multidão, porque
continuavam vendo os sinais que ele continuava
fazendo na cura dos enfermos” (6:2; grifo meu).
O próximo detalhe incluído por João é que “a
Páscoa, festa dos judeus, estava próxima” (6:4).
A purificação do templo também tinha ocorrido
quando “estando próxima a Páscoa dos judeus”
(2:13a). Esse pequeno detalhe semelhante prova-
velmente explica por que tantas pessoas foram
ver Jesus naquele dia. A época da Páscoa em
Israel do primeiro século era um tempo quando
as paixões patriotas ficavam à flor da pele.
Anualmente, os judeus se reuniam em Jerusalém
e aguardavam a chegada do Messias naquele ano
para que este derrotasse as autoridades romanas
e restaurasse a liberdade e a independência ao
1
reino de Israel.
Conseqüentemente, quando Jesus excitou o
povo da Galiléia realizando milagres e a Páscoa
estava próxima, os judeus ficaram cheios de fortes
expectativas de que Jesus poderia ser o Rei de
Israel que eles aguardavam há tantos anos!
Quando os cinco mil homens (6:10) seguiram
Jesus naquele dia, não eram simplesmente ouvin-
tes casuais que estavam ali por curiosidade, mas
eram guerreiros judeus audaciosos, prontos
para seguir o Messias em combate. Lavradores
largaram suas enxadas e comerciantes fecharam
suas portas com o propósito de ir até o lado
distante do mar da Galiléia para ouvir Jesus.
Quando Jesus viu a tremenda multidão vindo
ter com Ele na encosta da montanha, Ele disse a
Filipe, um nativo da região (1:44): “Onde compra-
remos pães para lhes dar a comer?” (6:5b). Embora
Filipe estivesse bem ciente dos outros sinais que
Jesus realizara, ele demonstrou pouca fé em Jesus
quando respondeu que oito meses de salário não
bastariam para comprar uma pequena porção de
comida para cada um (6:7). A todo o tempo, Jesus
sabia o que Ele estava prestes a fazer para a
multidão.
Naquela conjuntura, André falou a Jesus de
um rapaz2 dentre a multidão que tinha “cinco
pães de cevada e dois peixinhos” e perguntou
em seguida: “Mas isto que é para tanta gente?”
(6:9). André aparece no Livro de João principal-
mente no papel daquele que traz os outros até
Jesus 3 . O leitor moderno deve ser cuidadoso
para não definir “pães” e “peixes” segundo o
que vemos às vezes nos mercados atuais. Os
pães certamente eram do tipo pequeno e redondo,
de cevada (enrolados sem uniformidade), sendo
um dos alimentos básicos dos pobres naqueles
dias. Os peixes provavelmente estavam cortados
em pedaços do tamanho de um bocado e acrescen-
tavam sabor a refeição. Entretanto, para o Filho
de Deus, isso era mais do que o suficiente!
Jesus mandou os discípulos colocarem o povo
sentando na grama, ao que atenderam. O que
aconteceu a seguir foi tão inacreditável que
pessoas, em todas as eras, têm tentando encontrar
alguma explicação humana que justifique como
cinco mil pessoas foram alimentas com cinco
pãezinhos e dois peixes. João, porém, declarou
12
A palavra significa “um menino bem pequeno”.
13
João 1:40, 41; 12:20–22.
2
que aquele foi um milagre inegável em que Jesus
tomou o alimento, deu graças e multiplicou os
pães e peixes. As pessoas receberam “quanto
queriam” (6:11), e “quando já estavam fartos”
(6:12) doze cestos cheios de sobras foram reco-
lhidos. Convém lembrar que a multidão se
constituía de cinco mil homens fortes o bastante
para lutar numa guerra — e famintos o bastante
para comer uma enorme porção de comida!
Quando o povo viu o “sinal” (6:14), admitiu
que a mão de Deus estava sobre Jesus de um
modo especial e concluiu que Ele era “o profeta
que devia vir ao mundo” (6:14). Essa expectativa
da vinda de um profeta se baseava num ensino
da Lei em que Moisés afirmara: “O Senhor, teu
Deus, te suscitará um profeta do meio de ti, de
teus irmãos, semelhante a mim; a ele ouvirás”
(Deuteronômio 18:15).
Alguns versículos mais adiante, Moisés citou
o Senhor: “Suscitar-lhes-ei um profeta do meio
de seus irmãos, semelhante a ti, em cuja boca
porei as minhas palavras, e ele lhes falará tudo o
que eu lhe ordenar” (Deuteronômio 18:18). Com
essas palavras ecoando nos ouvidos, com sonhos
patrióticos ardendo no coração e migalhas da
refeição ainda grudadas à barba, os cinco mil
possíveis revolucionários tinham “o intuito de
arrebatá-lo para o proclamarem rei” (João 6:15).
Tal intenção deveria ser levada a sério. Se eles
proclamassem Jesus rei, as forças de Roma veriam
tal ato como uma declaração de guerra. Para um
rei ser entronizado, outro tinha de ser destronado.
Apesar de tudo, era essa a intenção deles!
O RESTO DA HISTÓRIA
Antes de irmos mais adiante, imaginemos o
que os cinco mil estavam pensando naquele dia.
Após declararem que Jesus era o rei deles, o que
estariam esperando acontecer? Tendo acabado
de se abastecer com o milagre da comida realizado
por Jesus, provavelmente esperavam que Jesus
achasse uma espada em algum lugar e a multipli-
casse para equipar aquele exército esfarrapado
de lavradores e comerciantes. A seguir, com as
espadas reluzindo à luz do sol, avançariam con-
tra Teberíades atravessando o mar da Galiléia.
Em pouco tempo, dominariam a cidade e depois
prosseguiriam avançando até o último alvo, Jeru-
salém. Como era época de Páscoa, encontrariam
as tropas romanas posicionadas ali. A batalha seria
voraz, mas no final os romanos seriam vencidos.
 Jesus e Seu exército de homens comuns
purificariam o templo de toda a poluição e abusos,
e os saduceus seriam derrubados de seus cargos
de poder. Quando a notícia da captura de
Jerusalém chegasse a Roma, as legiões poderosas
de Roma seriam trazidas para lutar contra Jesus
e Seu exército. Num conflito espetacular e
decisivo, os judeus esmagariam os romanos
inaugurando um novo império mundial. É isto
que, provavelmente, o integrante em média
daquele possível exército de cinco mil homens
pensava que aconteceria! Entretanto, Jesus tinha
outra coisa em mente.
O ENGANO DOS JUDEUS E O NOSSO
Com o aumento rápido das expectativas e a
agitação subindo a um nível frenético, Jesus fez
uma das coisas mais inesperadas: “retirou-se
novamente, sozinho, para o monte” (6:15). É
bem provável que Jesus era o único naquele
monte que entendia o que estava fazendo. Para
os doze apóstolos e os outros cinco mil segui-
dores, devia ter parecido que Jesus se afastara
justamente do objetivo pelo qual Ele Se esforçara
tão arduamente para atingir.
A melhor comparação em que consigo pensar
envolve um político que dedicou quatro anos de
sua vida para se tornar líder de seu país. Empe-
nhou várias horas em campanhas e viajou
cinqüenta e duas semanas por ano para promover
sua candidatura para o posto. Então, finalmente,
todo o trabalho é recompensado: nas prelimi-
nares, ele havia ganho os votos necessários para
assegurar a indicação do seu partido. Entretanto,
quando a convenção é realizada e se faz a votação
para a nomeação, algo impensável acontece.
Embora milhares estejam sonoramente o apoian-
do e erguendo faixas com o nome dele como
candidato, o homem de repente se levanta da
cadeira e abandona a câmara. Uma atitude dessas
seria inconcebível — mas provavelmente não
seria algo mais inconcebível do que o que Jesus
fez quando os cinco mil estavam prontos para
proclamá-lO rei.
Jesus demonstrou mais uma vez uma capaci-
dade singular de Se concentrar no Seu objetivo
principal. Ele sabia que as intenções lisonjeadoras
da multidão não realizariam o propósito final de
Deus; uma revolta perto do mar não salvaria o
mundo do pecado. Além disso, Ele sabia que, diante
da disposição mental em que se encontravam
aquelas pessoas, não havia como fazê-los pensar
diferente. Por isso, Ele simplesmente saiu dali!
Há duas considerações a respeito desse texto
que me incomodam. Minha primeira preocu-
pação é nossa tendência humana de forçar Jesus
a entrar nos nossos moldes. Queremos depositar
as nossas expectativas em Jesus, em vez de deixá-
lO nos mostrar quem Ele é. Às vezes não presumi-
mos que Jesus é igual a nós? Os norte-americanos
tendem a pensar em Jesus como se Ele fosse um
norte-americano e, os brasileiros, como se Ele
fosse um brasileiro. Os falantes de português
presumem que Jesus falava português, enquanto
que os falantes de espanhol, presumem que Ele
falava espanhol. As pessoas ricas vêem Jesus
como se Ele fosse rico, e as pobres, como se Ele
fosse pobre. Os que têm nível de escolaridade,
retratam Jesus como alguém culto, e os não-
escolarizados têm certeza de que Ele expres-
sou desprezo pela escolaridade. Os indivíduos
emotivos vêem Jesus como alguém emotivo,
enquanto os mais controlados alegam que Jesus
exibiu um comportamento mais comedido. A
cena de Jesus saindo de perto dos cinco mil nos
faz lembrar como podemos estar errados quando
depositamos nossas expectativas em Jesus. Ele
insistia em fazer a vontade do Pai, ainda que o
mundo inteiro não compreendesse isso.
A outra advertência que essa breve passagem
nos faz é que nós também podemos ser tão
levados pelos problemas de curto prazo que
ignoramos as soluções a longo prazo. Os judeus
da época de Jesus irritavam-se com a dominação
dos romanos. Ansiando pelo tempo em que
alguém traria libertação política para Israel, eles
menosprezaram “o Cordeiro de Deus, que tira o
pecado do mundo” (1:29). Já fizemos isso? Já
ficamos tão concentrados em nossos problemas
mais urgentes que perdemos de vista as maiores
questões da vida? Já nos vimos querendo liberta-
ção dos impostos, do sofrimento, de conflitos,
estresse ou trabalho mais do que ansiamos pela
libertação do pecado? Quando insistimos em
fazer Jesus se encaixar em nossas expectativas e
seguir a nossa programação, estamos fazendo o
que os cinco mil fizeram naquele dia, na encosta
de um monte… e Jesus saiu de perto deles!
CONCLUSÃO
Por volta de dois anos antes de escrever
estas linhas, vi um estereograma tetradimensio-
3
nal pela primeira vez. Eu estava numa galeria de
lojas com minha família, quando nos deparamos
com uma multidão que rodeava uma série de
pôsteres dispostos sobre cavaletes. Os pôsteres
continham desenhos coloridos que ocultavam
em seu interior imagens espetaculares. Todos
nós ficamos ali em volta, olhando fixamente.
Alguns descobriram as belas imagens escondidas
nos desenhos, mas outros jamais conseguiram
“vê-las”.
João 6:1–15 é como um estereograma. No
“vitória”. Todos nós ficamos em volta, olhando
na tentativa de ver a imagem oculta. O que
esperamos ver? Alguns provavelmente esperam
uma marca de dólar, enquanto outros esperam
ver o prédio onde se reúne o Congresso do seu
país. Alguns têm certeza de que verão uma
mansão e outros prevêem um vislumbre de um
exército com tanques e bombardeiros. Então,
alguém começa a ver a imagem que está oculta e
sussurra brandamente: “Ah, estou vendo”. Um a
um, todos começam a ver a figura, e não é o que
esperavam. A palavra “vitória” está representada

❧
rodapé da ilustração, a legenda traz a palavra por uma cruz.

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