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Hidrelétricas, Ecologia Comportamental, Resgate de Fauna: uma Falácia

Hidrelétricas, Ecologia Comportamental,


Resgate de Fauna: uma Falácia1

Marcos Rodrigues, Dr2


• Laboratório de Ornitologia, Departamento de Zoologia, ICB, Universidade Federal
de Minas Gerais

RESUMO

O resgate de fauna é um procedimento amplamente utilizado no Brasil durante o enchimento dos


reservatórios de usinas hidrelétricas. Apesar de largamente divulgado pela mídia e aceito pela
maioria dos leigos como uma “boa ação” de conservação da natureza, poucos estudos avaliaram o
real impacto dessa translocação de fauna. O meu objetivo aqui é mostrar que tal procedimento é
inadequado, pois desestabiliza ecologicamente ainda mais as áreas adjacentes onde os animais são
liberados. A maioria das espécies resgatadas é de vertebrados tetrápodas. Muitos desses animais
são soltos em áreas vizinhas à represa, em hábitats semelhantes, onde não haverá o alagamento.
Neste artigo, pretendo abordar apenas um aspecto da vida desses animais resgatados, que não é
levado em conta em tais empreitadas, que é a territorialidade. O estudo da territorialidade pode
ser dividido em três categorias: (1) a evolução e a função da territorialidade; (2) os mecanismos de
manutenção do território; e (3) as conseqüências desse comportamento para a regulação da
população. São apresentados dois modelos teóricos e testes empíricos destas três categorias acima.
A partir disso, pode-se concluir que o destino da maioria dos indivíduos resgatados e
transportados a hábitats não familiares a eles é a morte. E, para aqueles poucos que conseguem
sobreviver, a conseqüência é a desestabilização ecológica da vizinhança. Os projetos de resgate de
fauna, então, não passam de uma falácia ou uma medida não científica para amenizar, perante a
opinião pública, o impacto ecológico do enchimento de uma represa. Uma das sugestões é que
todos os animais apreendidos em projetos de resgate de fauna sejam coletados e depositados em
instituições de pesquisa. Esse procedimento seria possivelmente mais barato e traria maior retorno
à sociedade.

Palavras-chave: Territorialidade, ecologia de populações, ‘distribuição ideal livre’, translocação,


introdução de espécies.

INTRODUÇÃO usina hidrelétrica é que haja, durante o enchi-


mento da represa, o resgate de fauna. Isto é, à
Uma das principais “condicionantes ambien- medida que a água começa a subir, deve ha-
tais” solicitadas pelo licenciamento de uma ver um pessoal capacitado a resgatar exem-
plares da fauna, que porventura não consi-
1
gam migrar naturalmente para outras áreas
Enviado originalmente em português
2 ornito@icb.ufmg.br não alagáveis, e levá-los a áreas adjacentes,

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Marcos Rodrigues

onde talvez tenham mais sorte. Apesar de mamíferos. Esses animais são levados então a
amplamente divulgado pela mídia e aceito um centro de “reabilitação”, onde são trata-
pela maioria dos leigos como uma “boa ação” dos e eventualmente curados de ferimentos.
de conservação da natureza, poucos estudos Após esse período, muitos são soltos em áre-
avaliaram o real impacto dessa translocação as vizinhas à represa, em hábitats semelhan-
de fauna. tes, onde não haverá o alagamento.

O meu objetivo aqui é mostrar que tal proce- Trata-se de um trabalho de campo relativa-
dimento é inadequado, uma falácia, que além mente pesado e é geralmente feito por jovens
de onerar o contribuinte, desestabiliza ecolo- recém-formados, dispostos a receber baixos
gicamente ainda mais as áreas adjacentes salários. Essa é uma atividade que gera em-
onde tais exemplares são liberados. Para isso pregos para a massa de biólogos e veterinári-
vou usar elementos da teoria da ‘ecologia os que são formados aos milhares todo ano
comportamental’ (Krebs & Davies, 1993), neste país. Esses jovens são contratados por
uma disciplina ainda pouco difundida no empresas de ‘consultoria ambiental’, algumas
Brasil, principalmente nos cursos de gradua- já especializadas na atividade, geralmente
ção das faculdades das áreas ambientais. Os terceirizadas pela companhia energética ou
exemplos aqui mostrados serão relativos à pelo consórcio de companhias responsável
avifauna, devido ao grande acúmulo de in- pela implantação da usina hidrelétrica.
formações sobre a história de vida e ecologia
desses animais. Neste artigo, pretendo abordar apenas um as-
pecto da vida desses animais resgatados, que
não é levado em conta em tais empreitadas,
que é a territorialidade. É necessário primei-
QUAIS SÃO OS ANIMAIS ramente que entendamos a teoria e alguns
RESGATADOS E QUEM OS RESGATA conceitos para depois compreender que a sol-
tura indiscriminada de animais é ecologica-
O resgate de fauna é uma atividade freqüente mente incorreta e economicamente onerosa.
nos últimos anos, feita principalmente por bi-
ólogos e veterinários. As ocasiões para que a
fauna seja resgatada são as mais diversas pos-
síveis, mas é no enchimento dos reservatórios TERRITORIALIDADE
das futuras usinas hidrelétricas que tal traba-
lho é solicitado como forma de “compensação Território é um termo em ecologia que desig-
ambiental” pelos danos ecológicos causados na qualquer área defendida por um indiví-
pela empreitada. duo (Noble, 1930). Outras definições também
são usadas, como a ‘de uma área exclusiva’
O que acontece na prática é que, durante o en- ocupada por um indivíduo (Schoener 1968).
chimento do reservatório, ao longo de dias A territorialidade é observada quando o espa-
e/ou semanas, os “resgatadores” circulam çamento entre indivíduos ou grupos de indi-
pela área a ser alagada e capturam os animais víduos de uma mesma espécie é maior do que
que se encontram em situação de risco como, aquele que seria esperado se a ocupação se
por exemplo, aqueles ilhados na copa de uma desse de forma aleatória em hábitats propíci-
árvore que será submersa, ou aqueles que es- os (Davies, 1978).
tão fugindo para locais que serão invariavel-
mente alagados. A maioria das espécies ani- A maioria dos animais vertebrados tetrápodas
mais resgatadas é de vertebrados tetrápodas, (anfíbios, répteis, aves e mamíferos) apresenta
como lagartos, serpentes, sapos, mamíferos e um grau de territorialidade em pelo menos
até aves. Em geral, répteis (principalmente uma fase do ciclo de vida (veja exemplos em
calangos) dominam os resgates, seguidos por Pough et al., 1999). Para efeito de didática,

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concentrar-me-ei no comportamento territori- ness). Aptidão é uma medida dos genes que
al das aves, que formam um dos grupos de es- um indivíduo deixa na geração seguinte e ge-
pécies e indivíduos (filhotes ainda no ninho ralmente é calculada em termos do número
ou jovens ainda dependentes de cuidado pa- de descendentes que sobrevivem até a idade
rental) resgatados durante o represamento madura e se reproduzem (Alcock, 2001).
das águas que irão abastecer a usina. Além
disso, é um grupo de animais cujo comporta- Um padrão de espaçamento regular entre in-
mento territorial tem sido extensivamente es- divíduos ou grupos de indivíduos implica
tudado (veja exemplos em Alcock, 2001). que estes estão defendendo um recurso, pois,
de outra maneira, o padrão de espaçamento
O estudo da territorialidade pode ser dividido seria aleatório. Um padrão aleatório é espera-
em três categorias: (1) a evolução e função da do se os recursos são superabundantes, pois
territorialidade; (2) os mecanismos de manu- não seria necessário gastar energia para de-
tenção do território; e (3) as conseqüências des- fendê-lo. O benefício da territorialidade apa-
se comportamento para a regulação da popu- rece quando o proprietário tem uma área com
lação (Perrins & Birkhead, 1983). As três cate- mais recursos, ou com recursos de melhor
gorias estão interligadas, e por isso precisam qualidade. Os principais recursos que as aves
ser analisadas porque formam o embasamento defendem são: alimento (Gill & Wolf, 1975);
teórico para o argumento central deste artigo. locais de nidificação (Hatchwell et al., 1999,
Rodrigues & Rocha, 2003); parceiros sexuais
Evolução e função da territorialidade (Anderson, 1982). A competição entre indiví-
duos é, portanto um dos principais fatores
Um comportamento só terá chance de perma- para a evolução da territorialidade.
necer nos indivíduos de uma população se ele
passar à geração seguinte e, portanto, for he- Entretanto, existem custos associados à defe-
reditário, ou se houver transmissão cultural, sa do território. A manutenção do território
como em falconiformes (águias, gaviões e fal- geralmente se dá por patrulhamento e agres-
cões) que possuem locais tradicionais de caça são (veja a seção seguinte), atividades que de-
(F. Olmos, comunicação pessoal) e psitacíde- mandam muita energia e tempo, além do ris-
os, com locais de forrageamento tradicionais co da exposição à predação e de eventuais
(veja exemplos em Galetti & Pizo, 2002). A he- machucados advindos das brigas, sem contar
reditariedade dos inúmeros comportamentos o próprio risco de morte. Portanto, espera-se
observados na natureza é um fato bem conhe- que as aves defendam um território apenas se
cido dos biólogos (veja excelentes revisões em os benefícios forem superiores aos custos.
Dawkins, 1989 e Alcock, 2001).
A idéia do balanço entre custos e benefícios
Se a posse de território confere algum tipo de foi primeiramente apresentada no ‘modelo
vantagem ao seu detentor, isto significa que econômico da defesa’ (Brown, 1964). Segundo
os indivíduos territorialistas tenderão a dei- o modelo (FIGURA 1), à medida que o tama-
xar mais descendentes do que aqueles que nho do território a ser defendido aumenta,
não defendem territórios. Essa relação tem custos e benefícios também aumentam. Os
sido verificada de artrópodes (Zeh, 1997) a benefícios (por exemplo, quantidade de ali-
elefantes-marinhos (Haley et al., 1994). Em mento ou de locais para nidificação) aumen-
muitas aves, tem sido observado que machos tam inicialmente, mas tendem a diminuir à
não-territoriais não se reproduzem ou, quan- medida que o território excede as necessida-
do o fazem, geram um menor número de des- des da ave. Os custos (por exemplo, energia
cendentes em comparação a machos territori- gasta em patrulhamento) continuam a cres-
ais (Dhondt & Schillemans, 1983). Em ecolo- cer. Assim, o território deverá ser defendido
gia comportamental, diz-se que indivíduos somente quando os benefícios se sobrepuse-
territoriais terão maior aptidão (do inglês, fit- rem aos custos. Eventualmente existirá um

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ponto em que o tamanho do território será tos não defendidos. Os pesquisadores calcu-
ótimo, ou seja, quando a diferença entre cus- laram (1) o tempo em que os sunbirds usa-
tos e benefícios for maior. vam para atividades diárias, tais como o des-
canso, o forrageamento e a defesa territorial;
(2) o custo energético de cada uma dessas ati-
vidades (em calorias/hora); e (3) a energia
Custos
disponibilizada pelo néctar. Foi verificado
que, quando as flores continham 1µl de néc-
Custos e Benefícios

Benefícios tar, as aves deveriam levar cerca de oito horas


por dia para obter a energia calórica necessá-
ria. Com 2 µl/flor, as aves necessitariam de 4
horas por dia e, com 3 µl, uma ave precisaria
de 2,7 horas por dia de forrageamento. As
aves territorialistas não deixavam que nenhu-
ma outra usasse o néctar das flores do seu ter-
ritório e, assim, o nível de néctar em suas flo-
A X B
res crescia para até 3 µl/flor. Essa ave econo-
Tamanho do território (área)
mizaria 1,3 hora por dia de tempo para o for-
rageio. Defendendo um território, os sunbirds
FIGURA 1. ‘Modelo econômico da defesa’ de Brown podem ter um pequeno lucro energético por
(1969). Custos e benefícios aumentam conforme o tama- dia, que pode ser revertido em outras ativida-
nho do território. Os benefícios atingem um patamar, en- des como, por exemplo, a reprodutiva. Isso
quanto os custos tendem a aumentar. O território deverá aumenta a aptidão do indivíduo, pois se sabe
ser defendido apenas entre A e B, atingindo um tamanho que fêmeas de muitas espécies de aves esco-
ótimo quando os benefícios forem maiores que os custos, lhem se acasalar com machos, baseadas no ta-
em X (fonte: Davies 1978 e Perrins & Birkhead 1983). manho e/ou na qualidade do seu território
(Alatalo et al. 1986, Rodrigues 1996).
O modelo de Brown foi testado na natureza
por diversos pesquisadores e com vários tá- Como o território é mantido
xons (Gill & Wolf, 1975; Carpenter & Macmil-
len, 1976; Davies 1980, Davies & Houston; A manutenção do território geralmente se dá
1981; Stamps, 1994). A partir desses testes por patrulhamento e agressão, que são ativida-
pôde-se observar como a territorialidade afe- des que demandam tempo e energia. Para se
ta a aptidão dos indivíduos. ter uma idéia, um peixe-cirurgião que habita
os corais das ilhas Samoa persegue seus rivais
No caso em que os recursos são o alimento, 1.900 vezes por dia em média (Craig, 1996).
Gill & Wolf (1975) desenvolveram um enge-
nhoso experimento com o qual testaram o A maioria das aves usa dois tipos de sinais
modelo de Brown. Eles conseguiram medir, para fazer o patrulhamento do território: si-
em condições naturais, o ganho energético de nais visuais ou auditivos. Entre os sinais visu-
indivíduos de sunbirds (pássaros africanos ais estão, por exemplo, a coloração de certas
análogos aos beija-flores do continente ameri- partes da plumagem de uma ave, enquanto,
cano). Essas aves defendem territórios fora da entre os sinais auditivos, pode-se citar o can-
época reprodutiva e se alimentam principal- to. Muitas espécies usam ambos os sinais,
mente de néctar de flores. Os indivíduos que como demonstrado para o pássaro-preto-de-
defendiam arbustos com flores, afugentando asa-vermelha na América do Norte, Agelaius
eventuais invasores, acabavam tendo acesso phoenicius. Foi descoberto que os machos des-
exclusivo às flores daqueles arbustos. As flo- sas aves, submetidos a uma operação pela
res desses arbustos defendidos permaneciam qual os nervos de suas siringes (órgão vocal
com mais reservas de néctar do que os arbus- das aves) eram suprimidos, não conseguiam

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manter territórios e atrair fêmeas. Num outro uma ave. Vários estudos têm demonstrado
experimento, os machos que tiveram pintadas que, quando aves proprietárias de territórios
de negro suas asas vermelhas também foram são removidas deles, seus lugares são rapida-
pouco capazes de atrair parceiras (Peek, 1972). mente preenchidos por outros indivíduos da
mesma espécie (Krebs, 1971; Arcese, 1987). Isso
Há numerosos outros experimentos que evi- sugere que proprietários potenciais estavam
denciam que o canto das aves (taxas de pro- excluídos pelos proprietários de fato, e indica
dução e/ou tamanho do repertório) está dire- que o comportamento territorial pode limitar a
tamente relacionado à aquisição e a manuten- densidade populacional. Esses indivíduos não
ção do território (Krebs, 1977; Falls, 1978; Ro- territoriais são chamados de satélites.
drigues, 1998a) e à aquisição de parceiros se-
xuais (Searcy & Anderson, 1986). Um modelo gráfico desenvolvido por Brown
(1969) mostra como a territorialidade pode li-
Outro aspecto demonstrado é a tendência de mitar a densidade populacional (FIGURA 2).
que o detentor do território sempre vence os Nesse modelo, são apresentados três níveis
conflitos com os invasores (Davies, 1978). A de densidade populacional e três categorias
hipótese mais aceita para explicar esse fenô- de qualidade de hábitat. O hábitat A repre-
meno reside no fato de que os detentores ad- senta aquele de maior qualidade; o B de mé-
quiriram mais experiência ao longo da vida e dia qualidade; e o C de nenhuma qualidade
estão mais bem preparados energeticamente para a espécie, ou seja, um hábitat em que a
para a briga. Isso porque custa tempo para se espécie é incapaz de se reproduzir. Quando a
estabelecer fronteiras territoriais com os vizi- densidade populacional é baixa, todos os in-
nhos, mas, uma vez que elas estejam estabele- divíduos podem possuir e manter territórios
cidas, há pouca disputa (Whiting, 1999). As- em áreas de boa qualidade. Uma vez que esse
sim, os detentores têm mais tempo para o for-
rageio. O proprietário tem mais a perder do
que um intruso, que é geralmente um indiví-
Número de territórios estabelecidos

duo satélite (veja a seguir) procurando um lo-


cal para se estabelecer (Arcese, 1987). Hábitat C
(satélites)
A manutenção de um território é uma ativida- Hábitat A
de que está ligada diretamente à densidade de
competidores e a estabilidade da sua vizinhan- Hábitat B
ça. Quanto maior o número de vizinhos não es-
tabilizados na área, ou quanto maior o número
de indivíduos satélites, mais tempo os machos
tenderão a perder com atividades tais como o 1 2 3 Alto
patrulhamento de território e o comportamen-
to de guarda de parceiro (Whiting, 1999; Rodri- Baixo Alto
gues, 1998b). Portanto, aves sujeitas a maiores
taxas diárias de patrulhamento provavelmente FIGURA 2. Modelo gráfico que mostra como a territoriali-
sofrerão diminuição de sua aptidão. dade pode limitar a densidade populacional. Em densida-
des baixas (nível 1), as aves se estabelecem nos melho-
Conseqüências da territorialidade para res hábitats (A). Em densidades mais altas (nível 2), al-
o tamanho das populações guns indivíduos serão excluídos dos melhores hábitats e
se estabelecerão em hábitats intermediários (B). Em den-
À medida que a densidade de uma população sidades muito altas (nível 3), algumas aves terão que se
aumenta, os tamanhos dos territórios diminu- estabelecer em hábitats muito pobres (indivíduos satéli-
em, e deve existir um tamanho mínimo que tes), onde não terão condições de se reproduzir (Fonte:
seja suficiente para suprir as necessidades de Brown, 1969 e Perrins & Birkhead, 1983).

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hábitat é preenchido pelas aves e a densidade chidos, ou no momento em que a densidade


aumenta, as aves ainda podem se estabelecer alcance o ponto X representado na FIGURA 3,
no hábitat de média qualidade. E, quando o qualquer ave ainda pode se estabelecer nos
hábitat B é preenchido, as aves restantes terão hábitats pobres, mas ao custo de diminuição
que se estabelecer no hábitat C, tornando-se de sua aptidão (ponto B na FIGURA 3). Esta
indivíduos satélites, incapazes de se reprodu- situação também é conhecida como ‘distribu-
zir, portanto, com a aptidão prejudicada. ição ideal livre’ (Fretwell, 1972). ‘Ideal’ signi-
ficando que as aves se estabelecem onde elas
Um modelo alternativo mostra como a apti- obtiverem a maior aptidão possível, e ‘livre’
dão dos indivíduos de toda uma população porque elas podem se deslocar para qualquer
pode sofrer uma diminuição conforme o au- um dos hábitats e não são necessariamente
mento da densidade (FIGURA 3). Nesse mo- excluídas como aquelas do modelo de Brown,
delo, há dois tipos de hábitat: o bom e o po- exposto acima.
bre. Na medida em que a densidade de aves
aumenta, maior será a divisão dos recursos e No primeiro modelo (Brown), percebe-se que
cada indivíduo terá uma menor parcela no parte da população, os indivíduos satélites,
‘bolo’. Inicialmente, os primeiros indivíduos não se reproduz, enquanto no segundo mo-
se estabelecerão nos hábitats bons, mas uma delo (Fretwell) a aptidão dos indivíduos sofre
vez que todos esses hábitats estejam preen- uma diminuição. Essa diminuição da aptidão
é conseqüência, por exemplo, da diminuição
do tamanho da ninhada das aves, da diminu-
ição do número de ninhada por estação re-
Hábitat bom produtiva, da proporção reduzida de jovens
A
que sobrevivem até a idade adulta, e da alta
Hábitat apropriado ( aptidão alcançada)

Z taxa de predação de ninhos (Perrins & Bir-


Y
B khead, 1983).

Hábitat pobre

CONSEQÜÊNCIAS DO RESGATE
E DAS SOLTURAS

Um dos objetivos da soltura dos animais cap-


turados pelo resgate é que eles continuem a
sobreviver, apesar de terem sido removidos
involuntariamente de seus hábitats e territóri-
os iniciais, e terem sido separados de seu gru-
Densidade X po e/ou parceiros. Considerando que os ani-
mais resgatados são soltos em hábitats adja-
FIGURA 3. Modelo gráfico da ‘distribuição ideal livre’. O centes àqueles onde foram capturados, pode-
comportamento territorial não limita a densidade em ne- se prever uma série de acontecimentos, todos
nhum dos hábitats (bom e pobre). Em ambos os hábitats, eles desastrosos.
sua ‘apropriabilidade’ diminui com o aumento da densi-
dade populacional. Inicialmente, as aves irão se estabele- Os animais soltos estão invariavelmente es-
cer em hábitats mais propícios (hábitat bom), mas, à me- tressados. A simples manipulação de uma
dida que a densidade aumentar, haverá um ponto (X) ave desencadeia uma série de respostas fisio-
onde as aves terão a mesma performance em termos de lógicas no seu organismo, tais como a (1) li-
aptidão, seja estabelecendo-se no hábitat bom a uma beração de catecolaminas da medula adrenal;
densidade Y, seja no hábitat pobre a densidade Z (Fonte: a (2) ativação do córtex hipotálamo-adenohi-
Fretwell, 1972 e Perrins & Birkhead, 1983). pofise-adrenal (culminando na síntese e se-

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creção de glucocórtico-esteróides como a cor- quecer que a maioria das populações naturais
ticosterona); e a (3) secreção de citosinas das já conta com indivíduos-satélite e, quanto
células do sistema imune (Wingfield et al, maior a desestabilização de uma vizinhança,
1997). Os efeitos de curto prazo da secreção maior o gasto energético com patrulhamento
de corticosterona são a supressão do compor- e agressão, e conseqüentemente a diminuição
tamento reprodutivo, a supressão do territo- da aptidão dos proprietários.
rialismo, a promoção de migração eruptiva,
além da diminuição das taxas metabólicas Estabelecimento como satélite
(Wingfield et al, 1997). ou proprietário

Há algumas alternativas de rota para esses in- Os indivíduos resgatados e soltos nas novas
divíduos que são soltos, mas, como veremos áreas, mesmo com todos os vieses antes ex-
no final da seção, a tendência é que a maioria postos, ainda poderiam vir a se estabelecer
morra no fim da história, pois esse indivíduo como satélites ou até mesmo como proprietá-
estressado é solto em um ambiente pouco fa- rios de territórios em hábitats de menor quali-
miliar, repleto de potenciais competidores dade, já que os hábitats bons estariam ocupa-
não estressados e bem adaptados aos seus ter- dos (modelo de Fretwell). Neste caso, o ambi-
ritórios. ente estaria saturado, a competição por recur-
sos aumentaria e conseqüentemente a aptidão
Mortalidade por injúria de todos os indivíduos estabelecidos na área
diminuiria. Esta última opção leva toda uma
Segundo as evidências colocadas acima, o população a obter taxas reprodutivas meno-
proprietário do território quase sempre vence res. Não se sabe se essas taxas poderiam ser
uma disputa territorial (Davies, 1978). As dis- tão baixas a ponto de inviabilizar a população
putas se dão por sinais visuais ou sonoros e em longo prazo. Esses novos indivíduos adici-
eventualmente podem terminar em persegui- onados à área estariam prejudicando direta-
ção e luta corporal. As lutas podem ocasionar mente a performance reprodutiva e a aptidão
machucados em ambos os oponentes, mas dos indivíduos da população original.
principalmente nos indivíduos não-territoria-
listas (Arcese, 1987). E, encontrando-se o in-
vasor em estado de estresse, é bem possível
que ocorram mortes após as lutas. Assim, es- CONCLUSÃO E SUGESTÕES
ses novos invasores poucas chances terão de
se estabelecer na nova área. Pode-se concluir, a partir do exposto, que o
destino da maioria dos indivíduos resgatados
Estabelecimento como satélite e transportados a hábitats não familiares a
eles é a morte. E aqueles poucos que conse-
Os indivíduos soltos, caso sobrevivam, ainda guem sobreviver terão que disputar territóri-
podem se estabelecer como indivíduos satéli- os, recursos e parceiros sexuais com os indiví-
tes, à espera de um território vago. Nesse duos residentes nessas áreas. Isso causa de-
caso, sua aptidão tenderá a zero, pois, como sestabilização da vizinhança, maior número
satélites eles não têm possibilidades reprodu- de injúrias e mortes devido às lutas territori-
tivas. Por um lado, poderia se pensar em tais ais e menor aptidão para todos os indivíduos
indivíduos como um estoque populacional, da população.
assim, à medida que os proprietários origi-
nais morrerem, haveria uma substituição pe- As desvantagens para ambos, animais resi-
los satélites. Mas não há nenhuma evidência dentes proprietários e animais transportados
de que as taxas de mortalidade entre proprie- foram discutidas apenas em relação ao com-
tários e satélites sejam tendenciosas a nenhu- portamento territorial das espécies, mas mui-
ma das partes. Além disso, não podemos es- to mais poderia ser dito em relação a outros

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aspectos tais como a disseminação de doen- biental, ou seja, os recém-formados. A única


ças e à descaracterização genética da popula- utilidade do resgate de fauna é a ampla divul-
ção residente. gação na mídia, mostrando que as empresas e
as empreitadas são ‘ecologicamente corretas’,
Se isso acontece, por que continuamos essa pois mostram os animais sendo libertados. O
empreitada? Os projetos de resgate de fauna que poucos sabem é que os animais estão sen-
não passam de uma falácia ou uma medida do libertados para a morte.
não-científica para amenizar, perante a opini-
ão pública, o impacto ecológico do enchimen- Mais uma vez nota-se um hiato entre o que é
to de uma represa. As companhias energéti- produzido nas instituições de pesquisa e o
cas, e conseqüentemente a sociedade, gastam que é consolidado para resolver as questões
um bom dinheiro em uma atividade infrutífe- ambientais desse país (veja, por exemplo, Ol-
ra e desnecessária. mos, 2005).

Esse dinheiro e toda a energia para se imple-


mentar projetos de resgate de fauna poderi-
am ser usados mais inteligentemente. Uma
das minhas sugestões é que todos os animais
apreendidos em projetos de resgate de fauna
sejam coletados e depositados em instituições
de pesquisa. Um animal coletado, e devida- AGRADECIMENTOS
mente preparado e tombado numa coleção
zoológica, é muito mais útil e importante Sou grato a M. Galetti, F. Olmos, M.F. de Vas-
para a sociedade do que um animal morto concelos, A. Nemésio e três revisores anôni-
num combate territorial artificial, como visto mos, pela leitura e sugestões ao manuscrito
acima. Coleções científicas são a base do estu- original. F. Nunes e A. Roos (CEMAVE/IBA-
do da biodiversidade e suas numerosas face- MA), A. Nishida (UFPA) e H.F.P. de Araújo
tas, como a ecologia, genética, biogeografia, pelas críticas e sugestões durante o seminário
anatomia e evolução, para citar apenas algu- na Universidade Federal da Paraíba. Agrade-
mas (veja uma excelente revisão do tema em ço pelo apoio do CNPq (processo n.
Remsen, 1995). Esse procedimento seria pos- 473428/2004-0) e da ‘Fundação O Boticário de
sivelmente mais barato e traria maior retorno Proteção à Natureza’ às pesquisas do Labora-
à sociedade. tório de Ornitologia do Departamento de Zo-
ologia da UFMG.
O governo brasileiro gasta todo ano milhões
de dólares com a formação de pesquisadores
de nível de doutorado. É nesse nível, de pós-
graduação, que a maioria dos biólogos do
Brasil encontra os conceitos da Ecologia Com-
portamental, pois tal área do conhecimento
não é contemplada em cursos de graduação.
Os ‘conselhos’, ‘comitês’ e ‘fundações’ ambi-
entais, seja no âmbito estadual ou federal, en-
tretanto, ainda não tiveram capacidade para
absorver sequer parte desse pessoal altamen-
te capacitado, devido à inércia política do sis-
tema. As empresas de ‘consultoria ambiental’
naturalmente procuram utilizar a mão-de-
obra mais barata e não qualificada para tocar
os projetos exigidos para o licenciamento am-

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REFERÊNCIAS Dawkins, M.S. 1989. Explicando o comporta-


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