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"Eis por que a meditação é uma forma de revolução psíquica. A crise está na psique e,
portanto, tem de ser resolvida na psique."
Meditação e concentração
Esta manhã, pediram-me para falar sobre a meditação. Como há pessoas nesta reunião
que não estão familiarizadas com a oradora e com sua forma de expressão, com o seu
modo de falar a língua inglesa, eu gostaria de pedir, logo de início, que sejamos muito
cuidadosos com o uso das palavras e também com o ato de escutar. Cada palavra tem
uma associação de idéias e de emoções. E extremamente difícil encontrar uma palavra,
em qualquer língua do mundo, que não esteja impregnada de associações.
Dhyana, ou meditação, é um estado de ser no qual existe uma percepção sem esforço,
sem escolha, do que a vida é em si e ao seu redor. E, portanto, um estado de ser, não
uma atividade. Há um mundo de diferença entre os dois. A pessoa pode desabrochar
nesse estado de ser. Em outras palavras, a meditação é um modo de viver em atenção
dinâmica, numa percepção dinâmica do que a vida é; é um movimento desinibido,
descondicionado da consciência individual, em harmonia com o ritmo da vida universal.
A não ser que sinta uma compulsão para descobrir o que está além da mente, a não ser
que se sinta impelida para descobrir o que esta além do cérebro condicionado, o que está
além do ato de observação e do observador, do pensamento e do pensador, do que está
além do espaço e do tempo, do que está além de todos esses símbolos, do que está além
das maneiras cerebrais de comportamento; a não ser que haja uma paixão inata para
achar, para descobrir por si mesma, a pessoa não estará preparada para viver de uma
forma meditativa.
A meditação é todo um modo de viver; não uma atividade parcial ou fragmentária. Não
sei se existe uma maneira oriental ou ocidental de considerá-la. A vida não é nem
ocidental nem oriental. A vida é pura existência. Ela apenas é. Os limites de raça, país e
religião, as fronteiras de tempo e espaço são absolutamente irrelevantes para a vida e o
viver.
E, então, sinto acaso uma compulsão para descobrir o que é tempo, o que é espaço e o
que está além disso; o que é mente, o que é pensamento, e o que está além? Sinto acaso
uma compulsão - não como uma reação às frustrações, aos insucessos ou
desapontamentos da vida; não como uma reação à ambição aquisitiva, para obter algo
diferente da aquisição material, econômica ou política? Se sé trata de uma reação às
ambições, frustrações ou fracassos na vida, então a busca me conduzirá somente até
onde me leve o impulso da reação. Eu terei de ultrapassar o ímpeto do desapontamento,
da frustração, ou da ambição. E, portanto, absolutamente necessário possuir a chama
pura, sem fumaça, da investigação, que é a compulsão para achar, para descobrir, para
aprender, não para qualquer outro fim senão pela própria plenitude de descobrir o
significado da vida; pela graça, pela alegria que está inerente a tudo isso.
Quando existe essa chama de indagação para aprender, para descobrir, para ver,
paraprocurar, pela alegria em si, as inibições dos motivos, das intenções e ambições
fenecem. Tal estado não-motivado é vitalmente necessário no começo do
descobrimento. Como vocês sabem, cada motivo cria uma inibição e carrega um medo
em sua própria sombra. Cada ambição carrega no seu ventre o medo do insucesso e da
frustração. A pessoa tem que se preparar para o estado de meditação, para o estado de
indagação pura. Uma investigação genuína é absolutamente necessária; este é um ponto
a ser enfatizado ao máximo. A indagação não só elimina a inibição dos medos
reprimidos, mas uma indagação genuína cria a flexibilidade da humildade - não a
rigidez da ambição. A consciência do eu é muito rígida.
Assim, a brandura, a flexibilidade, que vão nos ajudar muito, serão imprescindíveis. O
destemor não pode surgir, a não ser que haja a flexibilidade da humildade. Vocês sabem
como as crianças são flexíveis e ternas. Todo o seu ser é uma chama de interrogação.
Olhem para os seus olhos, seus movimentos; elas querem aprender e crescer. A
humildade libera uma energia que não é nem física nem cerebral. Eis por que eu
gostaria de chamar a atenção de vocês para a dimensão da humildade que acompanha
uma busca genuína. A brandura, a flexibilidade liberam muitas energias latentes - a
muscular, a nervosa, a glandular, a cerebral e a não-cerebral - que estavam
enclausuradas e bloqueadas devido à rigidez da consciência do eu. Elas são liberadas no
momento em que somos flexíveis no espírito de indagação, e desejamos conhecer,
descobrir, aprender através dos olhos, dos ouvidos, do nariz, através de cada nervo do
ser. Estar no estado de indagação é estar no estado de bem-aventurança, porque a
indagação irá explodir na realização. A realização, ou a descoberta, nada mais é que o
amadurecimento dessa indagação. A indagação e a realização não são duas coisas
separadas. A pessoa é abençoada se está interessada numa indagação genuína, não numa
indagação falsa, nem numa atração, fascinação ou excitação intelectual ou emocional.
Não há excitação num verdadeiro pesquisador; há uma profundeza de intensidade, não a
superficialidade da excitação entusiástica. A excitação, o entusiasmo, o estímulo das
emoções e dos sentimentos perturbam o equilíbrio químico do ser. Portanto é preciso
assentar a base correta desse estado de meditação, no qual o mecanismo físico e
biológico da pessoa está em equilíbrio químico e relaxamento nervoso.
Por certo, a meditação requer que a pessoa esteja sadia de corpo e mente. Ë por isso que
a cultura ioga física, a ioga pranaiama - que ajuda a oxigenar o sangue - e as asanas -
que ajudam a manter todo o corpo, os sistemas todos, muscular, glandular e nervoso,
numa condição muito flexível e branda - são necessárias. O desabrochar numa dimensão
não-cerebral é precedido pelo encontro com a mente condicionada, com a mente
consciente, a subconsciente e a inconsciente; e não é fácil passar por esse encontro, a
não ser que se tenha a força do aço nos nervos. Se não, a pessoa pode fracassar e o
sistema nervoso pode ser destruído. Enfrentar face a face o conteúdo do subconsciente e
do inconsciente, as discrepâncias, as deficiências e as deformações neuróticas em nossa
maneira de comportamento não é fácil. É necessária uma força tremenda para passar por
esse encontro. Eis por que é preciso assentar as fundações corretas e ter um organismo
físico puro e saudável. Do contrário, o mais leve encontro pode excitar e provocar as
lágrimas, a ansiedade, a dança ou o choro. Todos esses acontecimentos são causados
pela incapacidade de o sistema nervoso suportar o encontro. Como temos que examinar
tantas coisas em tão curto tempo, só lhes posso falar a respeito dos fundamentos.
Pessoas há que se precipitam em despertar poderes, sem equipar seus sistemas nervoso
e muscular com a força da pureza, sem assentar a base de uma ordem interna. Elas se
lançam a estimular poderes e experiências, seja através de drogas para a expansão da
consciência, como o LSD, a mescalina e outras, ou cantando mantras, concentrando ou
aceitando a ajuda de alguns tantras, e se viciam em shaktipat para estimular e despertar
a kundalini e abrir os chacras. Qualquer que seja o caminho que sigam, se elas se
lançam a estimular poderes sem equipar seu sistema nervoso com a força da pureza, elas
se lançam em algo muito perigoso, nada científico. Por isso, a minha primeira
advertência é: assentar as bases corretas. Precisamos descobrir se este corpo, este belo,
complexo e magnífico instrumento que temos, encontra-se em estado de suportar a
intensidade da meditação, desse movimento desinibido da consciência em harmonia
com a consciência universal.
A intensidade desse movimento desinibido não pode ser comparada com a intensidade
dos pensamentos e das emoções. Estes são movimentos cerebrais, são pulsações, e têm
sido medidos e controlados. O movimento da meditação, o infinito movimento da vida,
tem um impulso de natureza inteiramente diversa. t qualitativamente diferente do
movimento de impulsos tais como o desejo sexual, o apetite, o sono. Os pensamentos,
as emoções, os sentimentos têm o seu próprio movimento, o seu próprio mecanismo
incorporado ao sistema, em reflexos biológicos. A meditação tem um "momentum"
qualitativamente diferente dos pensamentos. É muito mais intenso; sua profundidade e
sua intensidade não podem ser medidas pela mente. Eis a razão por que esta base da
purificação de todo o sistema é absolutamente necessária; não num sentido puritano,
mas com o auxílio de uma abordagem científica. Tudo isso tem de ser descoberto pela
própria pessoa; não é possível padronizar regras e regulamentos para todos os seres
humanos,
Tomando-se por assente que já se tenha conseguido isto, o segundo passo consiste em
familiarizar-se com o movimento da mente. O movimento físico, ou a capacidade para o
movimento físico, não constitui uma barreira no caminho da meditação, mas o
movimento cerebral pode ser um obstáculo; assim, é preciso que se entenda o que é a
mente. É preciso familiarizar-se com a anatomia da mente, com a química dos
pensamentos e das emoções; como um pensamento se move; como os reflexos se
movem, como eles controlam a nossa percepção, as nossas reações às situações, como
eles governam as nossas relações com as outras pessoas. E para isso é preciso aprender
o que é observação. Se eu sou um experimentador, então estarei envolvido no processo
de experimentar e não serei capaz de vigiar o movimento da mente. Portanto e preciso
aprender a ciência e a arte da observação: não interpretar, não analisar, não comparar,
não julgar, mas ter a percepção do movimento da mente, da mesma maneira que temos a
percepção do pôr-do-sol. Enquanto estivemos sentados por poucos minutos em silêncio,
vocês devem ter notado o choro da criança. A mente resistiu a ele? Se a mente resiste,
então há um atrito, e o atrito resulta numa reação. Assim, a resistência leva ao atrito e o
atrito resulta em contrariedade, irritação, e então perde-se o estado de observação. Toda
reação nasce de uma resistência. Não existe reação se não há resistência à vida; assim,
não cabe resistir, nem experimentar, sendo a experimentação uma forma muito sutil de
resistência. Notaram vocês, alguma vez, as resistências aos acontecimentos da vida?
Eles são convertidos em experiências porque a emoção cria uma resistência, uma
divisão. Vocês querem interpretar o acontecimento, identificá-lo, reconhecê-lo, avaliá-
lo, dar-lhe um rótulo e pô-lo na memória, debaixo de uma categoria, a fim de que a
experiência lhes seja útil para posteriores interpretações dos acontecimentos. A pessoa
quer ter defesa, e as experiências são uma parte do mecanismo de defesa, da mesma
forma que o conhecimento. A pessoa tem medo de se expor à vida, de viver num estado
de inocência, de absoluta e incondicional vulnerabilidade ao toque puro da vida como
ela é, e deixar que as respostas venham. A pessoa quer cultivar resistências, adquirir
respostas em forma de experiências, guardá-las na memória, a fim de que possa abrir a
gaveta ou o arquivo da memória, reportar-se a ele, logo que surge um desafio, e buscar a
resposta condicionada. A memória é uma espécie de saldo bancário. Assim como as
pessoas querem um saldo bancário na forma de dinheiro, elas querem um saldo bancário
na forma de experiências; não importa se compram, se pedem emprestadas ou se
roubam experiências!
Hoje, todos nós nos tornamos desequilibrados. Eis por que existe tanta esquizofrenia. O
homem vive mais ou menos num estado de neurose. Nossas respostas são inibidas,
nossas percepções condicionadas. Não há espontaneidade na vida. Há apenas um
processo mecânico de reação, de acordo com o condicionamento, a tradição, as
ambições pessoais, os motivos, etc., etc. A beleza da ação está perdida. A
espontaneidade também está perdida. Portanto hoje a meditação tornou-se relevante
para a vida, para ajudar o homem a se descondicionar, para ajudá-lo a ver o quanto ele
se tornou neurótico, para estimular nele o desejo de se desenvolver numa dimensão de
consciência inteiramente nova.
Agora, vejam o que acontece: a pessoa está a par da total unidade da percepção, sem
motivo, sem inibição alguma. Você tem a percepção simultânea dos dois: para isso, tem
de haver uma decolagem da consciência do estado anterior de desafio e reação. O
impulso da mente subconsciente - de raiva, de ciúme, de repressões do pensamento,
surgindo em forma de reações - está lá, mas ele perde o seu aguilhão, perde o poder
sobre você de deformar e torcer as suas reações.
Quando a ternura do coração começa a fluir através dos olhos, chegou a estação
chuvosa da pesquisa. Quando tudo começa a acalmar-se e a pessoa se sente desapegada
internamente, é o outono e, assim, emocionalmente, há que se atravessar o ciclo
completo das estações dentro de si mesma. Se a pessoa se fixa nas expressões do
processo que ocorre ao passar através desse túnel, ou se se apega aos poderes da mente,
então a indagação é sustada. Você não estará em condições de levar a indagação mais
além. Portanto a pessoa precisa de toda humildade e toda delicadeza e, se a pessoa
preserva e mantém assim o estado de observação, então não há mais nada a ser
observado. Todas as experiências captam o impulso do subconsciente e o inconsciente
se exaure. Ele aflora, manifesta-se e se exaure por si mesmo. As experiências de Jesus
de Nazaré, de Gautama, o Buda, na índia, de Lao-tsé, na China, e de outros, sustentam
esta verdade.
Então, o silêncio começa a se mover, o silêncio começa a operar, a funcionar. Como não
há movimento de dualidade do cérebro, do pensamento, da emoção, não há perturbação
química no corpo, não há divisão nos nervos. O sistema nervoso entra em completo
repouso e, quimicamente, há um equilíbrio. Isso é absolutamente necessário. Se o
silêncio não resulta nisso, não é silêncio. É um pensamento desejoso de silêncio, e o ego
está por trás, escondido em alguma parte; ainda está operando. Portanto a pessoa está
quimicamente equilibrada e com os nervos repousados, e a totalidade da energia se
move. Você verá como é essa totalidade. Somente a totalidade de nosso ser é que cura
todas as feridas. Assim como a totalidade da energia se move em sono profundo, não
perturbada por sonhos, da mesma maneira a totalidade da energia se move agora no
estado de meditação. Energia é sensibilidade, é inteligência. Portanto a sensibilidade do
ser total, não a sensibilidade do cérebro, do órgão físico, mas de todo o ser, a
inteligência, como uma força, se torna operante. Hoje nós não sabemos o que é a
sensibilidade, não sabemos o que é a inteligência. Conhecemos o intelecto, as funções
cerebrais. A inteligência é um caminho de natureza diferente, um elemento diferente de
vida. O movimento da energia total não pode ser descrito. Trata-se de um movimento na
não-dualidade, de um movimento do ser inteiro.
Assim, a totalidade responde, percebe e elimina a divisão entre o indivíduo e o universo.
A divisão ilusória, a divisão enganosa, criada pela consciência do eu, entre o individual
e o universal, desaparece nessa dimensão do silêncio. Você não é nem o individual nem
o universal: você é apenas vida. A totalidade da vida olha então através da totalidade
dessa pessoa. O silêncio dos olhos responde através da totalidade dessa pessoa. A
moldura de carne e ossos estará lá enquanto durar o impulso herdado, mas os
movimentos dessa pessoa não são individuais, pois não são motivados. Chame-se a isso
a imersão do indivíduo no universal. Não se pode descrevê-lo. O fato é que desaparece a
divisão entre o um e os muitos, entre o interior e o exterior, entre o individual e o
universal. A pessoa é, então, consciência sem esforço, sem escolha, do infinito
movimento da vida. Vida é viver constantemente através do nascimento e da morte,
através da dor e do prazer; a vida opera através do dia e da noite, a vida respira o tempo
todo - o nascimento é a vida inspirando, enquanto a morte é a vida expirando.
Eis por que a meditação é uma forma de revolução psíquica. A crise está na psique e,
portanto, tem de ser resolvida na psique.