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Nacional de História da Historiografia: aprender com a história? Ouro Preto: Edufop, 2009. ISBN: 978-85-
288-0061-6
como é afirmado pelo autor, deixa de lado um problema fundamental, a saber, o texto como
um todo. Por conseguinte, Ankersmit vê que grande parte dos infortúnios da filosofia da
história contemporânea se explica devido a este atomismo.
É evidente que Ankersmit é um arguto defensor da linguistic turn que, não obstante
sua heterogeneidade e ainda não raras discrepâncias internas categóricas, mantém uma
perspectiva em comum: “la suposición de que el lenguaje es la condición principal de la
posibilidad de todo conocimeinto y pensamiento significativo[...]” (ANKERSMIT, 2004:
12). Todavia, Ankersmit ressalta que esta nova fase da filosofia guarda muitas semelhanças
com o programa kantiano transcendental de análise das categorias. O exame da linguagem
desenvolve-se por meio de uma análise lógica a fim de encontrar a matriz lógica de todo o
conhecimento do mundo. Daí, segundo Ankersmit, a relação íntima com o método cartesiano
de análise resoluto-composicional: que se trata de dividir problemas complexos em seus
componentes mais simples. Este método gerou a convicção, na filosofia da linguagem
contemporânea, de poder investigar as constantes lógicas das proposições, almejando
encontrar as condições transcendentais da verdade e do significado (ANKERSMIT, 2004:
14).
Tendo em vista este contexto, Ankersmit quer explorar uma forma de escrita da
história que rompa com a tradição kantiana e ilustrada, isto é, romper com os encantos dos
argumentos transcendentais kantianos. Ele sai à cata de alternativas ao modelo de Kant. O
ataque professado por Rorty à filosofia analítica e ao transcendentalismo kantiano será uma
fonte imprescindível ao empreendimento de Ankersmit, qual seja o de compreender a
narrativa como uma filosofia que analisa o texto histórico como um todo.
Como dito acima, Ankersmit se lança no cenário internacional da filosofia da história
em 1983. Contudo, até esta data o autor desconhecia o célebre livro de Rorty, Philosophy and
the Mirror of Nature. Muito embora Ankersmit declare que ficou impressionado pelo grande
número de similaridades entre as questões levantadas por Rorty, neste livro (1979), e ele
próprio, naquele (1983) (MOSKALEWICZ, 2007: 251). Portanto, meu interesse é no
Ankersmit após a leitura dos textos de Rorty.
Como o próprio autor declara, seu interesse e fascínio pelos escritos de R. Rorty deu-
se em virtude de seu ataque à epistemologia. Na história do pensamento epistemológico que
Rorty nos narra (uma narrativa que tem justamente o objetivo de desconstruir toda a tradição
epistemológica), a epistemologia deve ser vista como a empresa mais duvidosa de toda a
filosofia, um empreendimento que deve ser abandonado e que carecemos de erigir outras
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Sérgio Ricardo da Mata, Helena Miranda Mollo e Flávia Florentino Varella (orgs.). Anais do 3º. Seminário
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questões; enfim, mudar de discussão. Rorty, então, aponta para a exigência de desprender-nos
das metáforas ópticas (“essência especular” ou a linguagem como espelhos da realidade) que
determinam a natureza e o conteúdo do pensamento epistemológico (ANKERSMIT, 2004:
417).
Todos os sistemas epistemológicos desde Descartes e Kant adotam uma postura
decisiva: as distinções que lançam as bases da empresa epistemológica. De um lado o sujeito,
e do outro o objeto. Nas palavras de Ankersmit, podemos denominar esta postura como o
imperialismo da dicotomia sujeito/ objeto. Daí, o campo de atuação da epistemologia está
aberto. A investigação, neste contexto, incide sobre as condições mais gerais de possibilidade
de todo o conhecimento, as categorias as quais possibilitam o sujeito reter representações
exatas e objetivas do mundo lá fora (completamente independente). Ou no caso da filosofia da
linguagem, as perguntas versam sobre as condições em que a linguagem se enlaça ao mundo
(ANKERSMIT, 2004: 412). Estas distinções, segundo o autor, deixam um abismo
intransponível entre o sujeito (que conhece) e o objeto (sobre o qual o sujeito tem certo
conhecimento). E o mesmo abismo está presente na relação linguagem/realidade. Ankersmit,
nesse caso, viu em Rorty, sobretudo em seu anti-representacionalismo e antiessencialismo,
um ponto de apoio para solapar estas distinções, e ir mais além das noções de cunho
epistemológico tais como correspondência e verdade. Ankersmit escreveu: “Certamente, o
denominado anti-representacionalismo de Rorty será nosso melhor guia se desejarmos
adquirir conhecimento do que está envolvido no ataque, hoje em dia tão popular, ao
representacionalismo” 1. (em tradução livre) (ANKERSMIT, 2001: 274).
Na teoria narrativista de Ankersmit a representação passa a ocupa um lugar de
destaque. É nítida a mudança de vocabulário do autor. Ele não mais utiliza a interpretação
como mote crítico. A hermenêutica gadameriana era um de seus esteios, neste sentido. No
entanto, Ankersmit percebe que Gadamer, não obstante sua luta por emancipar-se do
transcendentalismo, agasalha sob o manto do mesmo. Em oposição ao vocabulário da
interpretação, descrição e explicação, o autor passa a privilegiar o da representação. Em sua
definição, a representação é a operação lógica que carecemos em ordem de dar mais ou menos
contornos claros à realidade histórica. Ela é, portanto, o centro nervoso da história. A pesar
disso, Ankersmit está bastante consciente de estar se movendo em uma areia movediça
filosófica. Movediça em razão das intensas objeções que são feitas à noção de representação,
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No original: certainly Rorty's so-called antirepresentationalism will be our best guide if we wish to get a grasp
of what is involved in the nowadays so popular attack on representationalism.
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em especial quando esta noção sugere a idéia de correspondência. Investir contra a noção de
representação-como-correspondência, na perspectiva de Ankersmit, é atitude louvável; o autor
ainda concorda com a impossibilidade de obtermos uma representação da realidade. Mas, se o
ataque versa sobre a representação, ele não pode ser dirigido contra tentativas (ou propostas)
de representar a realidade (ANKERSMIT, 2001: 273).
O que está em jogo, se a discussão é assim dirigida, é a natureza da representação. Por
um lado, temos o sentido epistemológico do termo (que emprega padrões a-históricos
fundamentados no sujeito transcendental), por outro, o estético (que permite pensar o texto
histórico como um todo associando-o à arte, e enfatizando a imposição de significado pelo
historiador através de seu estilo) (BERBERT, 2005: 143). Tão-logo a centralidade que o autor
reconhece na ofensiva rortyana contra a noção de correspondência, que acaba por consumir
com o sentido epistemológico da representação.
No nível das proposições, freqüentemente atribuímos o critério de verdade a uma
declaração se, e somente se ela corresponde à realidade. Mas o ataque de Rorty, que se
desenvolve na esteira do pragmatismo clássico, versa sobre esta terceira dimensão, a
correspondência, totalmente à parte da linguagem e do mundo. Ele rejeita a noção de
correspondência como um campo neutro habilitando-nos a confrontar linguagem e mundo. Na
visão de Ankersmit, quando Rorty ataca o representacionalismo, são as proposições
verdadeiras que ele tem em mente (ANKERSMIT, 2001: 274). E como foi dito antes,
Ankersmit postula a eminente necessidade de abandonarmos o atomismo da análise
lingüística contemporânea em detrimento de uma filosofia do texto histórico como um todo.
Sem esta noção, a empresa comum a Descartes e Kant não teria obtido êxito, qual seja,
obter representações acuradas ao inspecionar o espelho da natureza: a mente. Assim sendo, a
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A procura destes fundamentos absolutos é visto por Rorty com pouco hábeis de apoio para
nosso viver cotidiano. Portanto, sua oposição ao absoluto da representação (que tem por meta
encontrar um espaço último de inquirição, assim finalizando a conversação) é em favor de um
modo de perceber a investigação não tendo com meta a descoberta da verdade ou a adequação de
nossas crenças a objetos. A investigação, de acordo com Rorty, não tem uma meta fixa, clara e
objetiva, mas, ao contrário, há uma pluralidade infinita de objetivos.
comunidade. De acordo com Rorty, todo discurso que se prenda por valores de objetividade e
verdade, como correspondência à realidade, deve ser abandonado, pois, para o autor, não há
um discurso que esteja mais próximo da realidade do que outro; se algum enunciado pode
representar a realidade qualquer outro pode. O que segue é a completa dessubstantivação do
conceito de verdade. Não se trata de tornar nossos enunciados verdadeiros, mas justificá-los.
Portanto, não há distinção entre verdade e justificação.
Manter a conversação ativa: eis o único interesse de Rorty, pois é somente através de
encontros livres e abertos que poderemos construir uma sociedade democrática e tolerante.
Destarte, os valores epistemológicos como a busca da verdade e os fundamentos do
conhecimento são abandonados pela busca e ampliação da solidariedade. A concordância
intersubjetiva toma lugar do desejo de objetividade. Uma concordância que está apenas na
relação lingüística entre os pares de uma conversa. Está no modo como são formulados os
problemas e objeções em um determinado vocabulário.
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Nós [Nietzsche e James] pensamos que há muitas maneiras de falar sobre o que está
acontecendo, e que nenhuma delas está mais próximas do jeito que as coisas são em si
mesmas que qualquer outra. Chegar mais perto da realidade soa para nós como uma
metáfora desgastada. Não temos a menor idéia do que o “em si mesma” quer dizer na
frase “a realidade tal como é em si mesma”. Assim, sugerimos que a distinção
aparência/realidade seja abandonada em benefício de uma distinção entre formas mais
úteis e menos úteis de se falar (RORTY, 1998: 15).
Rorty, então, busca por alternativas para tratar do problema de uma razão e uma
verdade descorporificadas de uma prática lingüística. Ele despreza as argüições idealizantes
(até mesmo com intuito de irromper fronteiras provincianas e transcender contextos locais) e
redescreve a verdade como “utilidade prática”. Seu desejo é o de romper de uma vez por todas
com a tão arraigada tradição platônica, isto é, a noção de que há verdades filosóficas por
descobrir que podem ser fundamentadas em argumentos. Assim sendo, sua virada pragmática
do conhecimento tem por objetivo radicalizar uma virada lingüística inconclusa,
(HABERMAS, 2004: 232) desbancar completamente a noção realista do conhecimento e
abandonar a epistemologia, esta que se confunde com os elementos transcendentais que estão
na base do sujeito-transcendental, fundamento do conhecimento (BERBERT, 2005: 110).
White desfraldou a centelha que fez vir à lume os novos questionamentos acerca da
teoria literária como um instrumento para a compreensão da escrita da história
(ANKERSMIT, 2001: 29). Malgrado a envergadura do projeto tropológico de White, o que
Ankersmit objetiva evidenciar é uma certa discrepância entre o temário aberto pela filosofia
da linguagem e a teoria literária. O inédito vocabulário da representação, tão caro a
Ankersmit, agora exaurido seu conteúdo epistemológico, retém um débito incomensurável
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com a filosofia da linguagem do tipo praticada por Rorty. Isto, pois, os problemas
epistemológicos decorrentes do uso da linguagem passam ao largo das investigações da teoria
literária. Daí a centralidade de uma concepção de linguagem antifundacionalista e anti-
representacionalista.
BIBLIOGRAFIA
BERBERT, Carlos Oiti Junior. A História, a Retórica e a crise dos paradigmas. 2005. 218 f.
Tese (Doutorado em História) – Instituto de Ciências Humanas, Universidade de Brasília,
Brasília. 2005.
BORRADORI, Giovanna. A filosofia Americana: conversações. São Paulo: Ed. UNESP, 2003.
ENGEL, Pascal; RORTY, Richard. Para que serve a verdade?. São Paulo: Ed. UNESP, 2008.
HABERMAS, Jürgen. Verdade e justificação: ensaios filosóficos. São Paulo: Loyola, 2004.
MORENO, Arley Ramos. Introdução a uma pragmática filosófica. – Campinas, SP: Ed. da
UNICAMP, 2005.
______. Pragmatismo, Filosofia analítica e ciência. In: PINTO, Paulo R. M. et al. Filosofia
analítica, pragmatismo e ciência. Belo Horizonte: UFMG, 1998. p. 15-29.