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REVISTA LUMEN ET VIRTUS

ISSN 2177-2789
VOL. VII Nº 16 AGOSTO/2016

EIKÓN, EIDOLON, IMAGO.


IMAGEM: ÉTIMO E EMPREGO
DISSUASSÓRIO
Prof. Dr. Jack Brandão1
http://lattes.cnpq.br/0770952659162153

RESUMO – Este artigo pretende discorrer acerca da importância não só de se


conhecer a questão etimológica do termo imagem – de modo especial a partir da
comparação tanto com os termos gregos correspondentes, eikón e eidolon, quanto do
latino imago –, como também demonstrar seu poder intimidatório e coercitivo,
empregado há milênios. De posse dessas informações, buscaremos exemplificar como
tais termos foram empregados por Homero e Virgílio, coligindo suas peculiaridades, a
fim de que possamos conhecer não apenas o conceito em si, mas suas implicações
linguísticas. Assim, poderemos compreender a imagem não mais como mera cópia
179 inintencional do mundo exterior, mas como demonstração intencional de força e de
poder empregada desde Antiguidade por muitos povos, mas que ainda mantêm a
mesma eficácia em nossos dias, conforme exemplificaremos.
PALAVRAS-CHAVE – Imagem, poder coercitivo, etimologia, fotografia,
iconofotologia

ABSTRACT – This article aims to discuss about the importance of not only
knowing the etymological question of image term – especially from the comparison
with the corresponding Greek terms, eikon and eidolon, and with the Latin imago – as
well as demonstrate its intimidatory and coercive power, used for millennia. With
this information, we will seek to exemplify how these terms were employed by
Homer and Virgil, collecting their peculiarities, so that we can know not only the
concept itself, but its linguistic implications. Thus, we can understand the image no
longer as mere unintentional copy of the outside world, but as a deliberate show of
force and power used since ancient times by many people, but still maintain the same
efficiency in our day, as shall illustrate.
KEYWORDS – Image, coercive power, etymology, photography, Iconophotology

1
Mestre e Doutor em Literatura pela Universidade de São Paulo (USP), Professor Titular do Mestrado
Interdisciplinar em Ciências Humanas da Universidade de Santo Amaro (UNISA/SP) e coordenador
do Grupo de Pesquisa CONDESIM-FOTÓS/DGP-CAPES.

Jack Brandão
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Questão etimológica
κῆηερ ἐκή, ηί λύ κ᾽ οὐ κίκλεης ἑιέεηλ κεκαῶηα,
ὄθρα θαὶ εἰλ Ἀίδαο θίιας περὶ τεῖρε βαιόληε
ἀκθοηέρω θρσεροῖο ηεηαρπώκεζζα γόοηο;
ἦ ηί κοη εἴδωλον ηόδ᾽ ἀγασὴ Περζεθόλεηα
ὤηρσλ᾽, ὄθρ᾽ ἔηη κᾶιιολ ὀδσρόκελος ζηελατίδω2
(HOMERO XI, 211-215)

Homero, ao nos fazer acompanhar Odisseu ao Hades à procura de Tirésias,


acaba, de certa maneira, nos proporcionando mais do que a mera fruição de suas
palavras, já que nos remete a um objeto quase ontológico: a questão do ser do
conceito imagem. Isso porque o herói, em seu inesperado encontro com Anticleia,
sua mãe – que se matara por não poder esperar mais pelo retorno do filho amado e
diante das investidas dos pretendentes a sua nora –, sofre por enxergá-la, mas ao
mesmo tempo por não olhá-la claramente, nem por poder tocá-la; afinal, aquilo que
estava diante de seus olhos não era mais a mãe, apenas seu εἴδωιολ (eídolon), um mero
simulacro daquilo que ela fora um dia: “quis abraçar a psique de minha mãe sem vida.
180
Três vezes me lancei [...], três vezes feito sombra ou sonho, se evolou de minhas
mãos” (ibidem, XI, 205-208).
Não poderia ser diferente: não era mais Anticleia quem enxergava, mas uma
mera ζθηά (skiá – sombra) do que ela foi um dia; e que, de certa maneira, estava
submersa no próprio inconsciente do filho. Era como se aquele tempo, em que ficara
diante das muralhas de Troia, fizesse com que as imagens do herói permanecessem
congeladas e latentes à espera de serem despertadas; mesmo que, aparentemente,
estivessem desaparecidas em meio àquela década perdida. Bastou-lhe, no entanto, um
mero start para que viessem à tona naquele espectral mar imagético em que o herói
estava imerso, em meio a meras sombras.

2
“Mãe, minha mãe, por que rejeitas minhas mãos/ que avançam, se desejo saciar de pranto/ glacial a
nós, aos dois, no enlace pelos ínferos?/ Perséfone sublime acaso envia um ícone,/ para aumentar-me a
dor que verto em pranto?” (tradução de VIEIRA, 2012)

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Não por acaso e segundo o senso comum a seu respeito, Platão, considerado o
filósofo do não às imagens, enxergava-as assim: meras sombras3. Esquece-se, porém,
de que, na República, o mesmo aponta diversas vezes para as imagens em seu modelo
dialético e maiêutico (AZEVEDO, 2003), daí valer-se delas – sol, linha, caverna –, a
fim de se chegar à verdade, por meio do ιόγος (lógos), ele mesmo imagem.
(BRANDÃO, 2014)
Um fato, porém, que ainda nos chama a atenção na obra em questão, é que, ao
referir-se àquilo que hoje chamamos de imagem, o filósofo pouco emprega, como
seria de se esperar em alguém que rechaça as imagens por serem meras sombras, os
termos ζθηά ou εἴδωιολ – enquanto sinônimas de sombra, esboço, silhueta de um
morto –, mas εἰθὼλ (eikón) – imagem que se assemelha a um objeto, pintura,
pensamento, imagens mentais, comparação, semelhança4 (PAPE, 2005), conforme é
possível aferir no diálogo entre Sócrates e Adimanto5: “Suscitas uma questão à qual só
posso responder por uma imagem.”6 “Mas não é costume teu expressar-te por
181
imagens!”7 (Trad. CORIVISIERI, 1997)8
Se para os gregos εἰθὼλ e εἴδωιολ correspondiam aos dois domínios imagéticos
da representação – a) um, o do mundo que temos diante de nós, por meio de
desenhos, gravuras, esculturas, pinturas, fotografias; b) outro, o de nosso mundo
imaterial, formado em nossa mente, como nossas fantasias, visões, sonhos,

3
Retirado do mito da caverna: “πανηάπαζι δή, ἦν δ᾽ ἐγώ, οἱ ηοιοῦηοι οὐκ ἂν ἄλλο ηι νομίζοιεν ηὸ ἀληθὲς
ἢ ηὰς ηῶν ζκεσαζηῶν σκιάς”. (PLATÃO, VII, 515) [Dessa forma, tais homens não atribuirão realidade
senão às sombras dos objetos fabricados. (trad. de CORIVISIERI, 1997)]
4
Não nos cabe emitir juízo do porquê de tal utilização, tampouco as razões que levaram o filósofo a
esse emprego, visto que nossa preocupação é tão-somente o emprego do termo εἰθὼλ em nossos
propósitos. Interessante, porém, é a forma como Pinheiro (2009, p. 25) havia abordado a questão ao
afirmar que “a Sócrates se faz necessário valer-se do recurso imagético dado que não estão preparados
os seus interlocutores à dialética, ao método que prescinde dos sentidos, portanto das imagens (511c). Por
isso, a episteme dialética, nível noético da passagem da Linha, é apresentada na República, por imagens,
isto é, no nível dianoético”.
5
Do qual nos interessa, tão-somente, a figura lexical εἰθὼλ, a título ilustrativo.
6
“ἐρωηᾷς, ἦν δ᾽ ἐγώ, ἐρώηημα δεόμενον ἀποκρίζεως δι᾽ εἰκόνος λεγομένης.”
7
“ζὺ δέ γε, ἔθη, οἶμαι οὐκ εἴωθας δι᾽ εἰκόνων λέγειν.”
8
Note-se que a tradução de Shorey (1969) para o inglês é: “Your question,” I said, “requires an answer
expressed in a comparison or parable.” “And you,” he said, “of course, are not accustomed to speak in
comparisons!”

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pensamentos –; os romanos empregavam um conceito que abarcaria ambos os


domínios: imago.
É possível verificar isso, a partir do excerto da Eneida de Virgílio:

Me patris Anchisae, quotiens umentibus umbris


nox operit terras, quotiens astra ignea surgunt,
admonet in somnis et turbida terret imago9. (VIRGÍLIO IV, 351)

O poeta emprega, nos versos acima, a acepção de “reminiscência”,


demonstrando-nos o domínio imaterial da imagem (εἴδωιολ) em nossa mente; algo
semelhante se passa nos Campos Elísios, próximo ao vale do Rio Lete, no momento
em que pai e filho se encontram. Este conta àquele o quanto não o tirava de sua
cabeça:

[...] Tua me, genitor, tua tristis imago,


saepius occurrens, haec limina tendere adegit [...].10 (ibidem, VI, 695-
182 696, grifo nosso)

Tal imagem imaterial, porém, também εἴδωιολ não se difere daquela que
Eneias tem agora diante de si, mesmo podendo vê-la e ouvi-la. Assim, de maneira
semelhante a Odisseu, quando esteve diante de sua mãe no Hades, ou mesmo Aquiles
que vislumbrou Pátroclo antes de seu funeral (HOMERO, 2011, XXIII, 60-107), o
herói de Virgílio também tenta tocar, sentir, ter o pai entre seus braços e mãos:

[...] Da iungere dextram,


da, genitor, teque amplexu ne subtrahe nostro!"
Sic memorans largo fletu simul ora rigabat.
Ter conatus ibi collo dare brachia circum,
ter frustra comprensa manus effugit imago
par levibus ventis volucrique simillima somno11. (ibidem, VI, 697b-
702, grifo nosso)*

9
“Noites seguidas Anquises, meu pai, quando a úmidas sombras/ à terra baixam, ou quando se elevam
fulgentes os astros,/ sim, sua pálida imagem nos sonhos me admoesta, me aterra” (trad. de NUNES,
2014, IV 351)
10
“Tua imagem, meu pai, dolorida, /que a cada instante me vinha à memória, ao destino me trouxe.”
(trad. de NUNES, 2014, IV 351)
11
“Permite/ que as mãos nos demos; não negues ao filho este amplexo singelo”./ Assim falando, de
lágrimas ternas o rosto banhava./ Três vezes tenta cingi-lo nos braços; três vezes a sombra/ inanemente

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Adiante, e tendo chegado à Itália, Eneias envia emissários ao rei Latino que os
recebe de bom grado e os convida à mesa, no mesmo templo em que se imolava às
divindades. Lá os teucros veem imagens (εἰθὼλ-imago) dos antepassados:

Quin etiam ueterum effigies ex ordine auorum


antiqua e cedro, Italusque paterque Sabinus
uitisator curuam seruans sub imagine falcem,
Saturnusque senex Ianique bifrontis imago
uestibulo astabant, aliique ab origine reges,
Martiaque ob patriam pugnando uulnera passi.12 (ibidem, VII, 177-
182, grifo nosso)*

Verifica-se, portanto, que Virgílio emprega imago como correspondente tanto


para εἴδωιολ, enquanto reminiscência, aparição, sombra, quanto para εἰθὼλ, como
representação do mundo visível: estátuas, figuras, adereços. Não deixando de
empregar, evidentemente, num texto literário como o seu, o metafórico e a
183 sinonímia: effigies, textum (enquanto figuras urdidas no escudo de Eneias VIII, 626),
simulacrum.
Apesar dessa imiscuição sígnica em torno de imago, não abandonamos, por
completo, as acepções nem a diferenciação grega para os domínios da representação
imagética:

De εἰθὼλ resulta a palavra ícone, que se empregará como todo tipo


de imagem, que pode ser tanto natural – como os reflexos da
natureza –, quanto artificial – as pinturas e a fotografia.
Por outro lado, da palavra εἴδωιολ temos:
a) ídolo – com as acepções de simulacro13, fantasma; ou objeto de
desejo, de fetiche, à semelhança dos ídolos criados na Antiguidade
para servirem de deuses; e

apertada das mãos se lhe escapa, tal como/aura ligeira ao passar ou roçar ao de leve de um sonho.”
(ibidem)
12
“Mais: no vestíbulo viam-se estátuas de cedro já velho,/ dos descendentes: a de Ítalo, do vinhateiro
Sabino,/ pai venerando, e a seus pés, encurvado, o podão de trabalho,/ Saturno velho e, mais longe, a
figura de Jano bifronte./ Outras seguiam-se, nobres imagens dos chefes primeiros,/ que derramaram
seu sangue em defesa da pátria querida.” (ibidem)

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b) idolatria14 (εἴδωιολ + ιαηρεία), ou seja, culto à imagem.


(BRANDÃO, 2014, p. 178-179)

Pequenas digressões acerca da imagem


Da mesma forma que não é uma tarefa fácil encontrar o étimo da palavra
imagem, mais complicado ainda é tentar defini-la, visto que “falar em imagem seria o
mesmo que falar em homo sapiens, pois ela está de tal forma inserida na humanidade e
com ela que seria pouco provável imaginar esta alijada daquela” (BRANDÃO, 2014,
p. 178).
É evidente que “o mundo e a humanidade poderiam existir sem imagens, mas
seriam um mundo e uma humanidade essencialmente distintos” (DOMÈNICH, 2011,
p. 11). Em outras palavras: não haveria nem homem, nem civilização, isso porque a
“imagem é a expressão da cultura humana desde antes de as pinturas rupestres
aparecerem nas cavernas, milênios antes do aparecimento do registro fonético do

184 ιόγος pela escrita” (BRANDÃO, 2014, p. 179); é, a partir delas, que apreendemos o
mundo, por meio de uma imagem central: nosso próprio corpo (BERGSON, 1999),
não à toa

the most universal visual graphic feature seems to be self-adornment:


body painting, ritual scarring of the face and torso, elaborate hair
arrangements, and refinements of costume. Costume in particular
took an vital symbolic functions in ritual and religion, probably

13
“A ideia de simulacro remete a Platão e seu conceito de κίκεζης. Segundo o filósofo, há uma oposição
insuperável entre o mundo sensível e o mundo das Ideias e, para ilustrar o tema, empregou o conceito da
caverna: o real, ao projetar-se na parede, traduz-se em irrealidade que as pessoas, em seu interior, creem
ser a realidade, afinal seus sentidos só teriam condições de alcançar simulacros. O real torna-se ideal,
cujas Ideias – universais, imutáveis, eternas –, habitam o exterior e são inatingíveis pelos meros sentidos
corporais; o mundo sensível, o irreal, não passa, portanto, de um teatro de sombras e reflexos. Por isso,
para Platão, o fato de a κίκεζης ser uma mera imitação da irrealidade – da sombra projetada –, toda arte
constitui-se de um desvio em relação à essência, uma falsidade, que aponta para o mero simulacro, do
qual o mundo também faz parte, envolvido que está no mundo de aparências, por isso o ser humano
não consegue atingir sua essência.” (BRANDÃO, 2014, p. 179)
14
A partir do século XVI, com a Reforma, surgiram os embates entre católicos e protestantes acerca
das imagens. Para estes os católicos adoravam imagens, vendo-as, portanto como είδωιολ, enquanto
aqueles ao rechaçar a imagem, buscavam a iconoclastia.

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drawing on the visually creative resources of the society more than


any other medium15. (DONALD, 1993, p. 277)

Assim, diante da importância do processo imagético, diversas teorias surgiram


e procuraram explicá-lo mítica, linguística, antropológica ou culturalmente. Dessa
maneira, não se tem a pretensão de, num espaço tão curto como este, traçar longas
considerações acerca dessa temática, pelo menos do ponto de vista teórico, mas
levantar algumas considerações, para que possamos, na terceira parte deste texto,
inserir alguns exemplos.
Podemos restringir nossa exposição a dois aspectos:
I. Ao duplo domínio das imagens:
a) como representação material do mundo que se tem ao redor, calcado no
εἰθὼλ: desenhos, gravuras, pinturas, esculturas, fotos, imagens televisivas,
cinematográficas;
b) como representação imaterial, presente em nossa mente, calcado no
185
εἴδωιολ: sonhos, visões, fantasias, imaginações, representações mentais, pensamentos.
II. À dupla realidade das imagens:
a) sua bidimensionalidade, enquanto objeto visível e tangível;
b) sua tridimensionalidade, cuja percepção é construída dentro de uma
demarcação específica em um determinado tempo e espaço, sujeito a codificações
próprias, não à toa trata-se de um fenômeno psicológico. (AUMONT, 2002)
Ao depararmo-nos com a figuração pós-Renascimento, em que se emprega a
perspectiva artificialis, verificamos que a imagem inserida em uma superfície plana –
seja em um suporte grande, como uma parede (fig. 1); seja em um menor, como uma
tela, delimitada pela moldura –, tem-se a impressão de se enxergar em profundidade,
de ser possível entrar no espaço imagético.

15
[(...) o recurso visuográfico mais universal parece ter sido o auto adorno: a pintura corporal, cicatrizes
rituais na face e torso, arranjos de cabelo elaborados, e refinamentos do traje. Os trajes, de modo
particular, ocuparam funções vitais simbólicas no ritual e na religião, provavelmente com base nos
recursos visuais criativos da sociedade mais do que qualquer outro meio. (tradução nossa)]

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186

Figura 1
Santíssima Trindade, Massaccio, 1426-1428, Igreja Santa Maria Novella, Italia

Os pressupostos para essa nova maneira de enxergar o mundo foram


estabelecidos por Alberti, em sua obra De pictura, publicada em 1436, quando
divisava diante de um quadro branco uma “janela aberta.” (ALBERTI, 2014, p. 88)
Mas, para que isso fosse factível, precisava enxergá-lo como a secção plana de uma

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pirâmide visual, cujo vértice era no interior do globo ocular. Em seguida ligava esse
ponto, por meio de linhas retas – os raios visuais –, aos contornos de todos os objetos
do campo visual. As linhas deveriam determinar a posição relativa dos objetos no
quadro.
A imagem obtida, por intermédio deste sistema, mostrava uma hierarquia de
proporções, representando a distância em que determinado objeto se encontrava de
outro; obtinha-se, assim, uma impressão de tridimensionalidade. Os raios visuais,
prolongando-se de forma invisível no espaço, convergiam para o ponto de fuga.
Assim, segundo o teórico italiano, a pintura seria a “intersecção da pirâmide visual
representada com arte por linhas e cores numa dada superfície, de acordo com uma
certa distância e posição do centro e o estabelecimento de luzes.” (ibidem, p. 83)
De tal modo, por meio da matemática e empregando um espaço geométrico
abstrato, foi dada ao pintor a oportunidade de realizar, em uma superfície plana (2D),
uma representação onde se emula não só a profundidade (3D) do ambiente e dos seres
187
nele inseridos, como também a percepção, também abstrata, da realidade.
Não se deve esquecer, entretanto, de que enxergamos com dois olhos, por
meio de uma visão bilocular, enquanto a perspectiva artificialis nos oferece uma visão
unilocular da realidade, ao empregar apenas um olho; restringe-se, portanto, a
totalidade do que se pode contemplar. Desse modo, tal representação revela-se como
mensageira de uma ordem simbólica modulada e intermediada, exatamente, pelas
regras da geometria. (EL-BIZRI, 2014)
Ao discernirmos essa superfície plana (2D), é possível reconhecer o suporte
(tela, papel, parede, por exemplo) empregado pela imagem; a superfície onde ela se
fixou; as distorções sofridas por ela, em relação à realidade que procurou emular.
Apesar desse conhecimento prévio; temos, no entanto, a percepção de enxergá-la em
profundidade (3D), como se nos fosse possível adentrar a cena, como no afresco de
Massaccio (fig. 1). Não à toa, Vasari (2011), em sua Vida dos artistas (publicado
originalmente em 1550), diz acerca do pintor:

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[...] tudo o que foi feito antes dele era realmente pintado e pintura,
ao passo que suas obras, em comparação com as de seus concorrentes
e com as daqueles que quiseram imitá-lo, parecem vivas e
verdadeiras, e não imitações da natureza. (VASARI, 2011, p. 218)

Tal ilusão tridimensional, porém, não é real, mas fenomênica, uma mera
percepção do real, não suas qualidades em si mesmo (DOMÈNECH, 2011), para a
qual é imprescindível a inclusão do sujeito-leitor que decodifica/reconstrói o
perspectivismo criado pelo artista.
Quanto ao duplo domínio das imagens, um aspecto que merece atenção é o
fato de que ambas – a representação material e imaterial – não existem separadas, já
que “estão inextricavelmente ligados já em sua gênese”. (SANTAELLA. NÖTH,
2005, p. 15) Isso quer dizer que não há imagens, enquanto representações visuais e
materiais do mundo, “que não tenham surgido na mente daqueles que as produziram”
(ibidem, p. 15); ou, como diziam os gregos, o ηετσίηες (artista) deve vislumbrar sua

188 obra, seu είδος (eîdos), anteriormente, em sua mente (BRANDÃO, 2015); afinal, o
corpo, enquanto imagem privilegiada, regula todas as outras (BERGSON, 1999),
mesmo aquelas em que há o emprego de meios técnicos. De um modo semelhante,
“não há imagens mentais que não tenham alguma origem no mundo concreto dos
objetos visuais.” (SANTAELLA. NÖTH, 2005, p. 15)
Em uma perspectiva semiótica, o que une os dois domínios são os conceitos de
signo e representação. Aquele é “tudo quanto possa ser assumido como um
substituto significante de outra coisa qualquer” (ECO, 2003, p. 4) que não precisa,
necessariamente, “subsistir de fato” (ibidem, p. 4), mas existe “toda vez que um grupo
humano decide usar algo como veículo de outra coisa” (ibidem, p. 14); esta se refere,
se nos restringirmos a Peirce, a algo que está em lugar de outro algo de tal forma que é
considerado por alguém como se, realmente, fosse esse outro: um porta-voz
representa um governador, um presidente, ou seja, um governo ou uma empresa; um
agente representa a força policial que representa o Estado; um sintoma representa
uma enfermidade (PEIRCE, 2005, p. 61):

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Uma palavra representa algo para a concepção na mente do ouvinte,


um retrato representa a pessoa para quem ele dirige a concepção de
reconhecimento, um cata-vento representa a direção do vento para a
concepção daquele que o entende, um advogado representa seu
cliente para o juiz! (PEIRCE, apud SANTAELLA. NÖTH, 2005, p.
17, grifo nosso)

Assim, enquanto para Saussure (2006), o signo é “entidade psíquica de duas


faces” (p. 80) – significante e significado – “intimamente unidos e um reclama o
outro” (SAUSSURE, 2006, p.80); para Peirce (2005), o signo16 – representâmen – se
“dá em uma relação triádica genuína [...] com seu objeto, que é capaz de determinar
[...] e seu interpretante” (PEIRCE, 2005, p. 63), representando “algo para alguém.
Dirige-se a alguém, isto é, cria, na mente dessa pessoa, um signo equivalente, ou talvez
um signo mais desenvolvido” (ibidem, p. 46).
O objeto, por sua vez, divide-se em ícone, índice e símbolo17:

189
O ícone não tem conexão dinâmica alguma com o objeto que
representa; simplesmente acontece que suas qualidades se
assemelham às do objeto e excitam sensações análogas na mente para
a qual é uma semelhança. Mas, na verdade, não mantém conexão
com elas. O índice está fisicamente conectado com seu objeto;
formam um par orgânico, porém a mente interpretante nada tem a
ver com essa conexão, exceto o fato de registrá-la, depois de
estabelecida. O símbolo está conectado a seu objeto por força da
ideia da mente-que-usa-o-símbolo, sem a qual essa conexão não
existiria. (ibidem, p. 73, grifo nosso)

As imagens tanto podem ser ícones, índices ou símbolos, apesar de esses signos
se manifestarem de maneira distinta em seus diferentes gêneros: a imagem indexical,
por exemplo, manifesta-se na fotografia e na pintura realista; a icônica, na pintura não

16
Peirce diz ainda que, quando se quer distinguir entre “aquilo que representa” e o “ato de
representação”, “pode-se denominar o primeiro de representâmen e o segundo de representação.”
(PEIRCE, 2005, p. 61)
17
Criticado, se certa forma por ECO (2003), como “categorias ‘passepartout’ ou ‘noções guarda-chuva’,
que funcionam exatamente por sua vagueza, como ocorre com a categoria ‘signo’ ou mesmo com a de
‘coisa.’” (p. 157)

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figurativa e na abstrata; a simbólica, naquela que é codificada iconológica e


iconograficamente. (SANTAELLA. NÖTH, 2005)
Apesar das críticas que a classificação peirceiana possa ter suscitado, ela nos
ajuda a tentar compreender a questão da imagem como signo, facilitando nossa
compreensão, fato abordado por Joly (2012):

Se aqui a retomamos é porque ela nos parece útil para a


compreensão das imagens e dos diferentes tipos de imagens, assim
como para a compreensão do seu modo de funcionamento, é certo
que ela exige certas gradações e Peirce foi o primeiro a dedicar-se a
essa tarefa, afirmando que não existe signo puro, mas somente
características dominantes. (p. 36)

Quanto às imagens mentais – enquanto simulacros das do mundo –, convém


salientar que nem todas são decodificadas da mesma maneira por todas as pessoas. Isso
se deve porque cada uma pode criar seu próprio sistema de representação que

190 depende, dentre outros fatores, de como sua memória estabelece infinitas relações e
associações de maneira livre e aleatória, desde que não se tenha um modelo (muitas
vezes imposto!) a se seguir, como é o caso de gravuras ou imagens nos textos
literários, por exemplo.
Lembro-me, certa vez, de uma aluna que me disse que Capitu, realmente,
havia traído Bentinho, em Dom Casmurro, porque seu filho era a cara de Escobar.
Ao perguntar-lhe como ela havia chegado a essa conclusão, respondeu-me que a capa
do livro mostrava isso. Ao reparar na mesma, percebi que isso acontecia realmente: o
garoto representado era a fotocópia de Escobar18, cuja imagem estava refletida em um
espelho, sugerindo, de maneira impositiva (não me é possível saber se intencional ou
não), o adultério.

18
Realmente não fica claro saber se a imagem do espelho realmente é a de Escobar, ou do filho do casal
já adulto, tamanha é a semelhança.

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Mitchell (1987) classifica os diversos tipos imagéticos e como se expressam da


seguinte maneira, demonstrando-nos que para cada tipo de imagem há suportes
específicos, bem como meios próprios de percepção:

191 Figura 2
The Family of Images (MITCHELL, 1987, p. 10)

Assim, devido a essa particularização, os diversos tipos imagéticos serão objeto


de estudo de uma ou mais disciplinas, a partir da delimitação de seu campo de estudo:

mental imagery belongs to psychology and epistemology; optical


imagery to physics; graphic, sculptural, and architectural imagery
to the art historian; verbal imagery to the literary critic; perceptual
images occupy a kind of border region where physiologists,
neurologists, psychologists, art historians, and students of optics
find themselves collaborating with philosophers and literary
critics19. (MITCHELL, 1987, p. 11)

19
[...] imagens mentais pertencem à psicologia e à epistemologia; imagens ópticas, à física; imagem
gráfica, escultórica e arquitetônica, ao historiador de arte; imagens verbais, ao crítico literário; imagens
perceptivas ocupam uma espécie de região fronteiriça, onde fisiologistas, neurologistas, psicólogos,
historiadores de arte e estudantes de óptica encontram-se a colaborar com filósofos e críticos literários.
(tradução nossa)]

Jack Brandão
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ISSN 2177-2789
VOL. VII Nº 16 AGOSTO/2016

De posse de suas particularidades, cada uma dessas disciplinas descreverá esse


objeto por meio de “a vast literature on the function of images in its own domain, a
situation that tends to intimidate anyone who tries to take an overview of the problem”.20
(ibidem, p. 10) Mantém-se, dessa forma, um alijamento desnecessário, visto que as
fronteiras entre essas diferentes maneiras de se enxergá-las não se apresentam assim
tão rigidamente estabelecidas como parecem.
Diríamos até que além de uma possível intimidação àqueles que se dedicam a
estudar a questão da imagem, para se buscar uma coerência entre tais particularidades
ou mesmo uma “iconologia coerente” (ibidem, p. 12) – não comum a todas, mas
comunicante entre si –, seria o fato de que se pode deparar com aqueles que, mais que
agregar, unindo esforços interdisciplinares, acabam afastando-se ainda mais desse
campo, ao conceberem que a imagem possa pairar apenas nesse ou naquele.

Imagem: emprego dissuasório


192
Quando hoje nos vemos cercados por uma infinidade de imagens, não nos
damos conta de seu poder sobre nós; pelo contrário, acreditamos que somos seus
senhores e que impomos nossa vontade e desejos sobre elas. Claro está que, ao
pensarmos assim, agimos de modo pueril, pois não se pode negar o óbvio: somos tão
vulneráveis a elas como eram os povos ditos primitivos, antes mesmo do apogeu das
antigas grandes civilizações humanas.
Talvez uma grande diferença entre nós e nossos predecessores seja não só a
propagação sem limites das imagens que se verifica hoje – em meio a um sem número
de mídias que temos à disposição –, como também ao fato de lutarmos sempre contra
elas, não admitindo nossa sujeição, tampouco nela acreditando. Esquece-se, porém, de
sua capacidade particular de mediação, a qual controla a percepção que temos do
mundo, levando seu leitor a ter, ou não, atenção sobre esse ou aquele objeto.

20
[(...)uma vasta literatura sobre a função das imagens em seu próprio domínio, uma situação que tende
a intimidar quem tenta ter uma visão geral do problema.]

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Ao agir dessa maneira, a imagem emprega, muitas vezes, um expediente


tirânico e implacável, semelhante inclusive ao da Bíblia, em sua coerção e pretensão de
ser e de criar um “único mundo verdadeiro” (AUERBACH, 2004, p. 11), sem precisar
sequer afirmar isso, afinal deixamo-nos possuir e somos induzidos a isso.
É a não aceitação do jugo imagético e de seu poder sobre nós, que nos torna
presas fáceis de seus desmandos, levando a humanidade a aceitar e a compactuar com
aberrações e atrocidades contra seus semelhantes, normalmente sob os auspícios de se
fazer o bem. Os nazistas, por exemplo, por meio de imagens, reconfiguraram o
conceito que os alemães possuíam dos judeus, ao associar-lhes, de maneira constante e
por diversos meios, a figuras horrendas, caricatas e demoníacas.
Isso, simplesmente, acontece porque a lógica da não aceitação do jugo, é apenas
uma:

a massa nunca questionará aquilo que vai receber, mesmo que sejam
193 inverdades, factoides, ou dados, simplesmente inventados, a partir da
história. Entretanto, para que a propaganda surta o efeito desejado e
seja eficiente, é indispensável que contenha pouca informação, mas
que essa seja empregada à exaustão, de forma persistente, contínua,
constante, inalterável; somente assim logrará êxito [...].
(BRANDÃO. SOUSA, 2015, p. 356)

Mas, apesar da persistência com que tais imagens devem ser empregadas para se
subornar a massa, as imagens apresentadas sobre uma mesma temática devem conter algumas
variações, a fim de não suscitar o tédio e aborrecer seu receptor (HITLER, 1943;
DOMENACH, 1968), perdendo sua eficácia. Assim, para se desconstruir a imagem de
alguém, faz-se necessário apenas mostrar facetas da verdade, de forma intermitente e
continuada, tendo apenas o cuidado de fazer pausas momentâneas, a fim de não enfastiar o
leitor.
Nem seria necessário retroceder tanto no tempo para demonstrar como funciona o
poder da desconstrução imagética e a impassibilidade de a massa lidar com elas. Basta,
para isso, analisarem-se as imagens empregadas, exaustivamente, pelas mídias sociais e
por alguns mass media nas eleições presidenciais brasileiras de 2014, para se verificar

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como, dependendo de seu emprego, podem ser tornar uma forma tirânica de se
induzir o ódio latente de classe e espalhá-lo a toda a sociedade, despertando aquilo que
estava adormecido sob os auspícios do politicamente correto. Reconfigura-se, dessa
maneira, toda uma sociedade que sequer se dá conta disso.

194

Figura 3
Detalhe do Estandarte de Ur, foto de Steven Zucker, c. 2600/2400 a. C.,
British Museum, London

Nos primórdios da humanidade, por exemplo, tudo possuía uma razão de ser,
e uma explicação plausível, mesmo que não compreensível para nossa ratio. Havia
uma crença, quase universal, no poder das imagens (GOMBRICH, 2013),
independente de qual fosse seu suporte ou formato; já que, ao valer-se de quaisquer
objetos retirados da natureza ou por ele fabricados, o homem os transformava em
símbolos, o que conferia aos mesmos uma enorme carga psicológica (JAFFÉ, 2008),
levando-os não apenas à veneração, à contemplação e ao êxtase, mas ao substituto, a
sua própria encarnação.
Ao valer-se da máscara de um animal, por exemplo, o homem que faria
emprego dela não estava apenas transvestido daquele objeto, nem fazia um mero uso

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de uma imagem, mas tornava-se aquele próprio ser (GOMBRICH, 2013), adquiria sua
força, seu poder, seus atributos; isso porque o que se esvai durante sua utilização era
seu próprio ego, sua própria expressão enquanto indivíduo.
O mesmo acontecia com os animais pintados nas cavernas: não eram uma
mera reprodução, nem buscavam deleite ou fruição, possuíam uma função definida,
utilitária, mágica; pois, mais do que trazê-los do exterior para o interior, um mero
decalque, um símile, aqueles homens buscavam conhecê-los, respeitá-los e sucumbi-los
simbolicamente, antecipando sua morte, conforme é possível verificar nas marcas de
perfurações deixadas em muitas dessas figuras. (JAFFÉ, 2008)
Assim, a ideia de que a imagem sempre foi empregada como mera cópia da
realidade, ou como representação do mundo externo, apenas se efetivou após um
longo processo (VERNANT, 1990), isso porque sua função primeira era feérica,
mítica, metafísica, mesmo que o homem ainda não a compreendesse de maneira
clara.
195

Figura 4
Detalhe do Estandarte de Ur, foto de Steven Zucker, c. 2600/2400 a. C.,
British Museum, London

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Outro ponto importante que merece ser abordado em relação à imagem é sua
relação indissociável em relação aos pictogramas (CAÑIZAL, 1986), às letras
(GOMBRICH, 2013) e ao ιόγος (lógos) (BRANDÃO, 2009a), ou seja, ela foi o
primeiro passo para que o homem, por seu meio pudesse criar mundos paralelos e não
só “dominar a si mesmo, a seus semelhantes, ao mundo físico, como também ir além
daquilo que a própria natureza lhe forneceu, adentrar no metafísico.” (ibidem, p. 282)
Não por acaso as grandes civilizações da Antiguidade também haviam
descoberto mais uma faceta do poder imagético: a da propaganda. Isso se torna mais
claro, quando nos pomos a ler o Estandarte de Ur (fig. 3-4) que, apesar de sua pequena
dimensão (21,59 cm x 49,53 cm), poderia ter sido modelo ou cópia de outras
configurações maiores.

196

Figura 5
Biga hitita, foto de Michel Royon, ca. de 1000 a. C.
Ancara Archaeological Museum

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No objeto – que não lembra um estandarte já que é, na realidade, uma caixa de


formato trapezoidal –, as imagens são formadas por meio da técnica musiva (conchas,
cornalina, lápis-lazúli e betume), onde é possível ler, à semelhança de uma história em
quadrinhos, constituída de três faixas narrativas horizontais, as ações do exército
sumério em época de guerra.
Na primeira faixa (a superior), vê-se que, sob a liderança do rei – codificado
com a maior compleição física entre todas as figuras presentes –, a infantaria marcha
com suas lanças e machados de um lado, enquanto de outro, veem-se os soldados
trazendo os prisioneiros nus e amarrados como parte do butim (fig. 4); na sequência
(faixa central), os soldados dirigem-se, brutalmente, contra os inimigos, subjugando-os
e humilhando-os – exatamente no ponto médio da cena, sob o rei, um dos soldados
espezinha um cativo, enquanto o soldado a seguir tem na mão direita um porrete e na
outra, roupas que poderiam ser dos prisioneiros que estão nus e repletos de
ferimentos por todo o corpo –; na faixa inferior, verifica-se a ferocidade da cavalaria
197
que, em sua marcha, passa sobre os vencidos (fig. 3).

Figura 6
Cerco de Dapur por Ramsés II, Templo de Tebas, c. de 1269 a.C.

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É possível verificar que a ideia de passar sobre os inimigos num carro de


guerra será uma representação imagética usual no período por diversos povos;
empregada, inclusive, por meio do ιόγος poético. Homero (2011) nos mostra isso ao
falar do ódio vingativo de Aquiles que “semelho a um demônio, com a lança/ leva aos
imigos a Morte” (XX, 493-494), tingindo o chão de sangue:

Tal como quando o campônio uma junta de bois põe no jugo


para que o trigo debulhe numa eira espaçosa, pisando
logo as espigas os bois mugidores, que, presto, as separam:
guia, desta arte, o Pelida [Aquiles] os cavalos, que, o carro
[arrastavam
sobre os cadáveres e armas. Em cima, o eixo, logo, se torna
completamente coberto de sangue e, assim, à volta do assento,
o parapeito, dos pingos que os cascos dos brutos e as rodas
em movimento jogavam. (HOMERO XX, 495-502)

198

Figura 7
Ramsés II em batalha com seus filhos, Templo Beit el-Wali, ca. 1550
British Museum, London

Assim como no Estandarte de Ur, é possível ver a mesma temática em um


mural hitita (fig. 5), em cuja representação se percebe um inimigo, também nu, sob o
cavalo. Tal império, que se estendia do norte da Síria até a Anatólia, rivalizava-se com
o egípcio e, por pouco não levou Ramsés II a ser apagado da história, na Batalha de

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Kadesh. Isso porque, ao serem atacados de surpresa, muitos soldados egípcios da


divisão P’ Ra fugiram, obrigando o faraó a lutar pela própria vida e buscar ajuda em
outra divisão de seu exército, o Ptah.
Ramsés, apesar do quase revés, soube tirar proveito desse acontecimento
imageticamente, pois mandou gravar em diversos monumentos e templos de todo
império seu grande feito: um só homem havia enfrentado um exército de vinte mil
inimigos. Eis, ipso facto, o poder da construção de um novo herói, de um novo mito,
de um novo deus. Não à toa, ele aparece sozinho e em destaque, em diversas cenas de
batalhas: ora comandando a subjugação dos inimigos (fig. 6-7), ora os executando com
as próprias mãos. (fig. 8)

199

Figura 8
Ramsés II matando seus opositores, Templo de Abu Simbel

Dessa maneira, pouco importa o fato de que, segundo a história, o faraó – por
não ter nenhuma possibilidade de vencer os hititas, mas de ser derrotado por eles –
haja preferido a celebração de um vergonhoso tratado de paz com seus inimigos.
Aquilo que importava para ele, para seu povo e para seus prováveis oponentes, foi

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como se deu a construção imagética do episódio, estampada e difundida por todo seu
império e que se tornou a plena verdade do acontecimento.
Assim, por seu emprego, tanto o faraó quanto o evento construídos por seus
artífices e empregados de forma sistematizada passaram a ser, efetivamente, Ramsés II
e sua grande batalha; mesmo que o homem histórico, cuja frágil múmia é possível ser
vista ainda hoje no Museu Egípcio do Cairo, fosse muito diferente de sua retratação; e
sua grande batalha, não passasse de um embuste.
Ao lermos a figura 7, verifica-se uma relação de submissão diferente daquela
verificada nas figuras 3 e 5. O faraó, em seu carro, não está mais apenas sobre uma
pessoa, mas sobre todo um povo, o núbio; representado, de forma esquemática, por
negros e vermelhos, cujas formas são diminutas, em relação ao tamanho do rei. Isso
busca demonstrar sua submissão e sua inferioridade diante de um poder superior e
divino, representado pelo faraó.

200

Figura 9
Rei Eduardo envia Haroldo à Normandia, Tapeçaria de Bayeux, 1070 AD,
Musée de la Tapisserie de Bayeux

Não há, é evidente, nenhuma preocupação com a representação mimética, já


que a teoria das proporções egípcia eximia-se dessa obrigação. (PANOFSKY, 2004)

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Mesmo os filhos de Ramsés II, representados atrás em seus carros, mostram-se


diminutos, corroborando a questão da estereotipação dessa construção: destaca-se
apenas a figura proeminente na cena, por meio do aumento de sua estatura na
representação. Tal concepção também fora empregada no Estandarte de Ur e
chegaria, inclusive, a ser utilizada no medievo, quando ainda não havia o predomínio
da mimese, conforme é possível verificar na Tapeçaria de Bayeux (fig. 9), em que se vê
o destaque dado ao Rei Eduardo, o Confessor.

201

Figura 10
A Batalha de Hastings, Tapeçaria de Bayeux, 1070 AD,
Musée de la Tapisserie de Bayeux

Interessante perceber que na mesma tapeçaria, uma grande peça de linho de 70


m por 0,50 m de altura, há a representação de uma batalha que mudou o destino da
Inglaterra, a Batalha de Hastings (1066). Após a morte do Rei Eduardo, que não
deixou herdeiro, Guilherme, duque da Normandia, tinha certeza de que seria
aclamado rei, já que era parente do rei morto. No entanto, Haroldo – o mesmo
representado na figura 9 – que foi aclamado, destruindo aparentemente suas

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aspirações. O normando, sentindo-se preterido, levanta um grande exército e invade a


ilha, derrotando seu oponente e tornando-se rei dos ingleses, fato conhecido como a
Conquista Normanda.
Pode-se dizer que a Tapeçaria não passe de um poema imagético laudatório
da vitória de Guilherme, mandada executar por Odo, bispo de Bayeux e meio-irmão
do Conquistador. Algo que lembraria, inclusive, os feitos heroicos de Ramsés II na
parede dos Templos erigidos para tal finalidade, mas que empregaria um suporte
totalmente distinto.

202

Figura 11
Mosaico de Alexandre, provável Batalha de Isso, ca. 150 a.C.
Museu Arqueológico de Nápoles

É possível observar, na fig. 10, de que modo a cavalaria normanda dirige-se


sobre os ingleses, aniquilando-os, conforme se depreende ao se verem os corpos
destroçados dos infantes sob os cavalos. Mais uma vez, verifica-se que não há
nenhuma preocupação mimética na retratação da cena medieval, afinal “quando
finalmente descartaram toda e qualquer pretensão de representar as coisas tais como as
viam” (GOMBRICH, 2013, p. 135), abriram-se imensas possibilidades para os artistas
do período.
O mesmo não pode ser dito dos modelos greco-romanos. Estes ao retratarem a
mesma temática, como a Batalha entre Alexandre Magno e Dario II (fig. 11), não

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fazem a priori distinção entre os soldados comuns e seus líderes, como é possível
verificar na representação dos grandes líderes aqui representados. Havia uma grande
preocupação com a questão do escorço, isso porque os antigos não dominavam a
técnica da pespectiva artificalis, desenvolvida no Renascimento, apesar de
demonstrarem uma grande realidade ilusionista.
Há, porém, uma diferença entre essa e as outras obras vistas: não possuíam um
fim de intimidação – não era pública –, mas de fruição, afinal era privada21; visando,
provavelmente, não apenas ao deleite de seus proprietários, mas também à
demonstração de seu poder e riqueza, devido à técnica empregada e ao modelo de
onde proveio, provavelmente grego do século II a.C.
Algo semelhante poderíamos dizer acerca dos sarcófagos ricamente adornados
que se tornaram moda em Roma no começo de nossa era, dentre os quais havia os que
retratavam grandes batalhas (fig. 12); mas, que não se prestavam, é evidente, à
observação pública. Apesar disso, pode-se vislumbrar o rigor mimético com que as
203
figuras foram representadas, mesmo diante da aparente confusão da cena, devido à
exiguidade do espaço disponível de que o artista despunha.
A despeito do aparente destaque de apenas uma figura22, que é posta em
destaque, demonstrando seu status frente aos outros, há aqui, diferentemente dos
exemplos anteriores, uma paridade entre todas, afinal o que se procura exaltar o
poderia militar romano, cujos soldados – cabelos curtos, barbeados, envergando
armaduras e portando escudos – demonstram-se altivos, enérgicos e resolutos,
impondo uma dura derrota aos germânicos – cabelos longos e desgrenhados, barbas
longas, cada um trajando uma roupa diferente, alguns com o torso descoberto, outros
vestindo calças –, em cujos rostos podem-se ver angústia, sofrimento e desespero com
a provável derrota que se aproxima.

21
Por sinal, a obra era um mosaico romano, ou seja, era um dos pisos da chamada Casa de Fauno,
localizada em Pompeia.
22
Uma das características da arte romana era com que o leitor da imagem reconhecesse a figura
representada. Assim, a figura em destaque no Sarcófago Ludovisi, provavelmente é Hostiliano (230?-
251), filho do imperador Décio (201-251 AD), ou seu irmão Herênio Etrusco (227-251).

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Tal representação mimética mostra-se bem diferente daquele que temos na


figura 8. Diante de seu poder e divindade, o faraó construído imageticamente, poderia
preterir de qualquer auxílio externo; bastaria, para isso, empregar apenas seu próprio
corpo. Isso fica claro, quando ele mesmo, não mais os cavalos, pisa a cabeça e o pé do
inimigo, subjugando-o totalmente (fig. 3-5).

204

Figura 12
Sarcófago Ludovisi, séc. III d.C.
Museu Nacional de Roma, Itália

Aproveitando a sublevação na Núbia, rica em ouro, cuja população havia se


rebelado contra os aliados egípcios da região, Ramsés II continua suas incursões
bélicas, agora em direção ao sul. Diferentemente dos hititas e de seu poderoso
exército, os núbios eram, militarmente, muito mais fracos; foram, dessa foram,
massacrados pelas forças egípcias. (fig. 7-8)
Assim, diante dessa afronta, mandou erguer estátuas colossais dele mesmo em
um templo, na hoje Abou Simbel, também dedicado a ele, nos limites sul de seu
império. Mais que ostentação ou mera vanglória, tais imagens representariam um
marco intimidatório a todos que ousassem atravessar seus limites.

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Figura 13
Núbios capturados, Templo Abu-Simbel, séc XIII a.C.

De maneira semelhante aos prisioneiros retratados no Estandarte de Ur,

205 Ramsés II fez questão de que se mostrasse o destino daqueles que iriam contra sua
vontade e que ousassem enfrentá-lo. A imagem da intimidação é clara: prisioneiros
capturados são exibidos com os braços amarrados, ajoelhados e esperando seu destino:
ou sua escravização ou sua provável execução. (fig. 13)
Muitas dessas execuções, por exemplo, poderiam transmitir inclusive um
caráter sacrifical para aqueles que faziam parte do povo dominado, nos moldes do
mito de Busíris, apesar da ausência de dados que corroborem tal afirmação; ou, ainda,
representar certo sadismo desse ou daquele general frente aos prisioneiros. Homero,
por exemplo, ao falar do ódio que se apossou de Aquiles diante da morte de seu amigo
Pátroclo, não apenas capturou doze jovens, mas os imolou em sinal de vingança:

Quais enhos fracos e atônitos, presto os arrasta do rio;


e, pós haver-lhes as mãos para trás amarrado nas fortes
e bem trançadas correias que todos traziam nas túnicas,
para que às naus os levasse, aos sócios, então, os confia.
(HOMERO XXI, 29-32)

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Figura 14
Rei Dario da Pérsia e prisioneiros capturados,
Inscrição de Behistun, séc VI a.C.
206
Convém perceber que aos egípcios não bastava apenas inserir imagens para que
servissem de alerta e propaganda contra seus possíveis inimigos tanto internos quanto
externos. Isso porque, faziam questão também de exaltar e registrar seus feitos
heroicos, também por meio do ιόγος, como o célebre poema de Pentaur. Reuniam,
portanto, às imagens palavras, formadas pelos hieróglifos, também eles imagens.
Expediente empregado, em Behistun (fig. 14), no Império Aquemênida
(Primeiro Império Persa), quase sete séculos depois, por Dario I que, não se deve
esquecer, também detinha o título de faraó do Egito, herdado de seu sogro, Ciro II,
cujo filho, Cambises II, havia conquistado o Egito em 525 a.C.
Para o homem do século XXI, de modo especial para aqueles que vivem em
um meio urbano, tais imagens intimidatórias e dissuasórias pertencem tão-só a um
passado e territórios longínquos, onde estão encerradas, afinal estão muito distantes
de nossa realidade. Contudo, por mais absurdo que possa parecer, é o contrário que
vemos: elas ainda estão presentes hoje de maneira clara, viva e em cores.

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Figura 15
Prisioneiros do Estado Islâmico são amarrados antes de serem afogados,
de uma gaiola, em uma piscina, junho de 2015

Assim, enquanto lemos a imagem dos prisioneiros do rei sumério presente no


207
Estandarte de Ur, a dos núbios de Ramsés II, ou mesmo a dos prisioneiros de Dario I,
todas inseridas em suportes diversos – da madeira à rocha –, não nos deixamos tocar
nem amedrontar, afinal tais representações não foram concebidas para nosso tempo
e, por serem anacrônicas, acabam sendo distinguidas como mera arqueologia, quando
são enxergadas: os olhos contemporâneos não fazem questão de enxergar o que não
pertence ao hodierno, isso porque

ao homem do século XXI não interessa mais decodificar o


indecodificável. A mensagem imagética de hoje tem de estar em sua
própria superfície, para que se possa compreendê-la em sua
totalidade em apenas um relance, já não há mais tempo a perder com
manuais [...].
Hoje as imagens têm de vir, praticamente, decodificadas para que os
olhos do homem do século XXI não percam mais tempo [...].
(BRANDÃO, 2009a, s/p)

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208

Figura 16
Alexandre Magno, foto de Jack Brandão,
American Natural History Museum, New York

Assim, quando são empregadas as proporções, os modelos, a iconologia


próprios daquele lapso espaço-temporal particular, os mesmos – por mais óbvio que
pareça – não surtem efeito no homem contemporâneo; logo, como é de se esperar, o
efeito pretendido por aqueles emissores não nos atingem, como deve ter atingido
aqueles que viviam naquele período e que conheciam e empregam suas chaves sígnicas
em seu dia a dia.
Isso fica claro, quando se observa a relação que os antigos demonstravam
frente a essas imagens, como aquelas em que Alexandre Magno (fig. 16) – para não
citar as religiosas, cuja reverência era evidente – “para se fazer presente em todo seu
vasto Império fez com que se espalhassem estátuas suas por todo seu domínio: a
corporificação de sua ausência, nem por isso elas eram menos respeitadas”

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(BRANDÃO, 2009b, p. 125): respeitava-se, portanto, o simulacro, como se fosse o


real, temendo-o por isso.

209

Figura 17
Aborígenes presos e acorrentados, a única informação a respeito da foto
é “capturados para execução”, Austrália, início dos séc. XX

No entanto, constatamos que, apesar dos milênios que nos separam, não é
mais necessário supor como se deram as atrocidades do passado, nem tentar
decodificar aquelas imagens extemporâneas, pois é-nos necessário apenas estabelecer
uma relação entre as mesmas com aquelas com as quais nos deparamos, de maneira
constante, nas diversas mídias de que dispomos hoje. Basta, para isso, apenas
assistirmos à TV ou acessarmos a internet.
Nessas mídias encontraremos diversas cenas veiculadas pelo autodenominado
Estado Islâmico que nos reproduzem, de maneira clara, direta e incisiva, o passado:
homens de joelhos, mãos amarradas, corda cingindo seus pescoços (fig. 15), cabeças
que rolam, corpos desfigurados e vilipendiados espalhados por vilas e aldeias.

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No entanto, serão eles os únicos a perpetuar ainda hoje tamanhas atrocidades


extemporâneas? Que dizer da forma como os aborígenes australianos (fig. 17), no
começo do século XX, foram tratados pelo colonizador branco que via nos antigos
donos da terra australiana, muitos dos quais foram presos, mortos ou escravizados nas
Frontier Wars uma ameaça? Que dizer dos milhares de argelinos presos e executados
durante a guerra de independência de seu país (fig. 18) pelos franceses da extrema-
direita que se apossaram da Argélia? Como não esquecer a forma como o Brasil trata e
sempre tratou os negros desde a escravidão; e hoje, de modo especial, aqueles que da
senzala foram moram nas favelas (fig. 19) espalhadas pelo país?

210

Figura 18
Argelinos sendo presos durante a guerra para independência do país (s/d)

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Tão ruim como comprovar que certas imagens do passado não estão tão
distantes de nós como pode parecer, é o fato de que hoje, ao serem veiculadas de
forma maciça como são, perdem seu efeito duplamente:
a) primeiro por não nos atingir mais, devido a sua banalidade, “fazendo com
que o horrível pareça vulgar, familiar, irremediável, remoto (“é só uma fotografia”).”
(SONTAG, 1986, p. 29) Assim, como o anacronismo nos deixa insensíveis diante das
cenas de brutalidade que se encerram nas paredes da história, o excesso de fotografias
e sua massificação também fazem o mesmo com nossa consciência, tornando-a
indiferente à desventura do outro. Isso porque, diante do acúmulo e da intensidade
imagéticos – ao contrário dos povos da Antiguidade que as viviam intensamente,
respeitando-as e sabendo ser dominados por elas –, não temos sequer tempo de retê-
las, de degluti-las, nem conseguimos retroalimentar o manancial de nossa própria
iconofotologia, afinal seriam delas, das imagens fotográficas, de que nos servimos para
a construção de nosso próprio acervo:
211

Quando, os mesmo fatos se repetirem, como novos grandes


tsunamis, ou as intermináveis lutas religiosas – seja na Indonésia ou
no Oriente Médio –, provavelmente não terão o mesmo apelo
imagético como o da primeira vez em que os visualizamos via
fotografia. Assim, esses fatos novos e marcantes perdurarão em nosso
acervo iconofotológico ou serão, simplesmente, substituídos por
outros mais recentes. (BRANDÃO, 2010, p. 97)

b) segundo, certas imagens que poderiam tornar-se paradigmáticas – levando-


nos à reflexão e à compaixão –, devido a sua dimensão, novidade e impacto, por não
nos atingirem mais, tornam-se indiferentes, instáveis e passam despercebidas. Perde-se,
portanto, toda a excitação que o novo tende a trazer:

Vê-se, portanto, que a alteração do (no) acervo iconofotológico pode


tanto dar-se como: a) um acréscimo: aquisição de imagem/conceito
realmente novo, como a do tsunami, afinal sabia-se do fato, mas não
havia uma consciência imagética coletiva do mesmo, muito menos
de sua magnitude, fato que ficou claro até mesmo no emprego do

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vocábulo por crianças e adolescentes – durante um período curto


após o incidente – como sinônimo de turbilhamento (numa piscina,
por exemplo) ou de bagunça; b) uma substituição: quando as
imagens vão sendo substituídas por outras mais recentes; pode-se,
por exemplo, incluir aí, o padrão de beleza instituído por uma
sociedade em um determinado período.
Normalmente, tal substituição ocorre quando imagens pretéritas são
postas de lado por outras mais impactantes que insistirão em se
manterem no lugar das mais antigas, as quais vão sendo elididas aos
poucos. (ibidem, p. 97)

Para um olhar mais perscrutador, porém, tais imagens fotográficas, por mais
banais e macabras que possam ser, acabam demonstrando in hoc tempore aquilo que só
se poderia supor do tempo passado, o deve ter sido assim! E, por terem sido
veiculadas via fotografia, temos consciência de que são reflexos do real, ainda mais
quando vinculadas ao ιόγος, como se verifica em nossos meios de comunicação,
mesmo que permanecemos indiferentes a elas. Isso porque, mesmo as negando
212 continuamente, não podemos descartar seu poder simbólico sobre todos nós: fomos
persuadidos, desde crianças, a acreditar que as fotografias são feitas a nossa “imagem e
semelhança”, são elas a imagem de nosso tempo, afinal muitos ainda a veem como a
mais mimética das representações humanas.

Durante a Grande Guerra, em 1915, teve início o que se convencionou chamar


(infelizmente não reconhecido por todas as nações do mundo!23) de Genocídio
Armênio, o primeiro do gênero ocorrido no século XX, quando mais de 1,5 de
armênios foram brutalmente deportados, assassinados ou morreram de inanição pelo
Império Turco Otomano. Apesar de não aceitar o termo, o governo turco ainda hoje
afirma que não houve algum genocídio, porém não há como negar as diversas imagens
fotográficas daquele momento (fig. 20), nem se podem apagar as marcas causadas por
aqueles que sobreviveram em meio ao caos.

23
No dia 2 de junho de 2016, o Bundestag alemão reconheceu, formalmente, o Genocídio Armênio
negado com veemência pela Turquia. No entanto, ainda há muitos países que não o reconhecem,
apesar do farto material que prova sua existência, entre eles os EUA.

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213

Figura 19
Blitz em uma favela no Rio de Janeiro,
foto de Luiz Morier, 1983

Interessante perceber que os métodos empregados pelos turcos em sua limpeza


étnica, no início do século XX, são muito parecidos com os aplicados pelo próprio
Estado Islâmico: execuções sumárias, decapitações, crucificações, deslocamentos de
refugiados, morte por inanição, enfim todo tipo de brutalidade.
A diferença entre seus métodos, no entanto, reside na divulgação imagética:
enquanto para o EI o mais importante é sua difusão para fins dissuasórios e
propagandísticos: é o terror proveniente dos métodos retratados que avança diante de
suas hordas, levando pânico a populações inteiras que se veem obrigadas a abandonar
suas casas, para fugir a um destino semelhante àquele das imagens veiculadas.

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Quanto ao Império Turco, este aproveitando o fato da Guerra estar assolando


a Europa, aproveitou para lançar-se sobre os cristãos armênios. No entanto, à
diferença do EI, sempre procurou velá-la.
Contudo, fotografias foram tiradas! Mas, quem as tirou? Por que motivo? Para
que propósitos? Não é possível saber com plena certeza, isso porque muitas são
desprovidas de legendas e quando elas existem são absurdas, como o fato de dizer que
as pessoas crucificadas na figura 20 são padres!
Há também um detalhe curioso nessas fotos do genocídio, de modo especial
quando se veem soldados ao lado de diversos cadáveres: os turcos mostram-se sérios,
não esboçam nenhum sentimento, seja positivo seja negativo. Será por estarem
fazendo pose? Será porque muitos eram soldados e teriam de cumprir ordens?
Também não é possível afirmar.

214

Figura 20
Mulheres armênias crucificadas por serem cristãs,
Genocídio armênio, 1915

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Contudo, é bom ressaltar que tais atrocidades não se restringiram ao Oriente


Médio, ao mundo islâmico, como as imagens que vemos hoje podem nos induzir a
acreditar, nem ao Cáucaso no início do século XX, pelo contrário.
Ao depararmo-nos com fotografias da guerra desencadeada em favor da
independência da Argélia que teve início em 1954, por exemplo, são os europeus
(assim como os próprios argelinos) que empregaram os mesmos métodos do EI –
estupros, humilhações, decapitações, cadáveres desmembrados e vilipendiados, enfim
as mesmas brutalidades verificadas hoje. A diferença, porém, está estampada no rosto
dos algozes, daqueles que cometem atrocidades: têm um sorriso estampado em seus
lábios, demonstrando puro sarcasmo e ar de superioridade, de modo especial, pelos
colonizadores franceses frente aos argelinos.

215

Figura 21
Mulher capturada por soldados franceses na Argélia,
durante a Guerra pela Independência, final dos anos 1950

Assim, enquanto os turcos crucificavam mulheres nuas (fig. 20), deixando-as na


cruz para que servissem de exemplo (para que, se o que se queria era o mero
extermínio desse povo?), como Roma fez com os seguidores de Spartacus na Via Ápia,
os franceses exibiam argelinas como troféus de guerra e faziam questão de se
fotografarem, exibindo-as. Há diversas fotos de mulheres, como a da figura 21 que, ao

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que parece, tenta desvencilhar-se dos soldados que fazem questão de exibi-la como um
objeto, segurando-a pelas mãos para que não se rebele diante da câmera, para a qual
estão posando; querem, entretanto, que ela faça o mesmo. Ela, porém, está nua. Aqui
a mulher está sendo, duplamente, violentada: ao arrancarem-lhe as roupas, dilaceram
todos os preceitos morais estabelecidos por sua religião e por sua sociedade, que
determina que a mulher (assim como o homem) deveria ficar nu apenas diante do
cônjuge e resguardar seu pudor diante de estranhos ou mesmo parentes; além, é claro,
de provavelmente ter sido violentada de maneira física.
Que se pode dizer de alguém que se presta a posar para a posteridade após ter
violado alguém física e moralmente? Fetiche de ter podido ter em suas mãos um
animal que não se quer dominar? Não seria esse o motivo do riso sarcástico – o de se
esconder em sua covardia –, o fato de não poder, simplesmente, domar aquela fera
que tem seus costumes, moral e fé feridos? Que dizer então das cristãs armênias
crucificadas nuas, abandonadas e também estupradas em sua dignidade de mulher?
216

Figura 22
Escravos congoleses acorrentadas em uma plantação de borracha belga, ca. 1905

Quantas dessas mulheres não teriam sido desonradas após verem seus pais,
irmãos, filhos e maridos serem mortos? Para os algozes, basta a simples certeza de que

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aquilo que estãoá fazendo é correto, que são ordens, para que se iniba toda a imagem
ética, moral e humana que se poderia ter frente ao outro: tudo se torna possível e
justificável.

217

Figura 23
Crianças exibem seus braços cujas mãos foram amputadas, ca. 1905

A que ponto pode chegar a perversidade humana e o poder proporcionado por


uma falsa imagem criada para ludibriar tanto seus pares, quanto para dizimar etnias
inteiras, visando tão-só ao capricho pessoal e ao lucro descomedido, como a maneira
cruel e execrável como Leopoldo II, rei da Bélgica, administrou o Congo sua
propriedade particular na África? E eis que, na virada do século XIX para o XX, os
lacaios do benemérito e filantropo rei instituíram um estado de terror na região,
lugar que, segundo o monarca, seria destinado a levar ajuda humanitária àqueles
povos esquecidos, além de proteger os habitantes, coibindo o reaparecimento da
escravidão negra. Aquilo que se viu, porém, foi mais um genocídio, cujo fim não era

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uma perseguição étnica, mas de pura exploração da mão-de-obra nativa (fig. 22),
obrigada a cumprir metas irrealizáveis, caso contrário, seriam mortas ou mutiladas
(fig. 23).
Assim como para os otomanos não houve genocídio na Armênia, procurando
esconder da história suas evidências e imagens, Leopoldo II procurou de todas as
maneiras ocultar (e conseguiu durante muito tempo) o que ocorria em sua
propriedade africana: escravidão, brutais assassinatos, estupros, tribos inteiras
queimadas, decapitações, além de mutilações de crianças, de homens, de mulheres e de
velhos, a fim de que os parentes cumprissem as cotas estabelecidas por seus capatazes.

218

Figura 24
Congoleses posando com mãos decepadas daqueles que não conseguiram extrair
sua cota diária de seiva de borracha, 1904

Quanto às atrozes mutilações, a situação ficou quase sem controle, pois


quando as cotas estabelecidas não eram alcançadas, os soldados da Força Pública
teriam de levar a mão direita de alguém que seria assassinado para servir tanto de
exemplo para os outros escravos, quanto de desculpa, para os administradores, pelo
não cumprimento da obrigação imposta. (fig. 24) Assim, como as cotas eram sempre
maiores do que podiam alcançar e não querendo perder tempo para cumprir com as
cotas, os soldados iam às tribos, escolhiam qualquer um e amputavam-lhe a mão.

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Cestos de mãos acabam se tornando moeda de troca, os soldados levavam cestos


repletos mãos: vidas que eram extirpadas; outros tornavam-se mortos vivos, quando
conseguiam sobreviver.
Fotografias da barbárie foram tiradas por missionários e levadas para a Europa
e Estados Unidos, acabando com a pretensão do rei que foi obrigado a entregar seu
quintal à Bélgica. Dez milhões de vidas, segundo estimativas, foram dizimadas;
restaram, no entanto, as imagens vivas, humanas, disformes, cuja função seria a de
dissuadir os preguiçosos à empenharem-se na produção sem limites. A essas imagens,
juntaram-se outras, as fotográficas, sem as quais o número de vítimas teria sido bem
maior.
De maneira diferente daqueles povos que empregavam a intimidação num
espaço restrito, como os turcos na Armênia ou os belgas no Congo, quando por meio
da coerção buscavam a submissão total dos povos conquistados, o EI faz largo
emprego da tecnologia atual, o que possibilita com que todas suas atrocidades se
219
espalhem para todo o mundo em questão de segundos. Se não o fazem ao vivo é
porque, simplesmente, a própria tecnologia possibilitaria que também fossem
encontrados segundos após sua veiculação.
Verifica-se, dessa maneira, como o poder imagético é levado às últimas
consequências, já que tais imagens não se restringem ao espaço em que foram geradas,
como nos exemplos anteriores, mas são lançadas no virtual, a fim de que a
intimidação se espalhe por todo o mundo. Não se deve esquecer de que vivemos em
uma sociedade do espetáculo, em que mais que um conjunto de imagens, vivemos
uma relação mediatizada por elas. (DEBORD, 2003)
Não à toa, tais barbáries cometidas hoje têm apenas o fim de entretenimento
macabro, cujo pretexto é a religião e cujos atores-vítimas não são escolhidos à revelia,
mas predeterminados, afinal o que importa é o show, é o espetáculo: jornalistas
estrangeiros, líderes tribais, militares presos, religiosos de facções contrárias, crianças,
mulheres.

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Triste observar que todas as conquistas humanitárias em relação às


atrocidades da guerra oriundas da Convenção de Genebra são totalmente ignoradas;
não à toa, a França nunca afirmou que o ocorrido na Argélia fosse uma guerra, pois se
isso ocorresse, eles seriam criminosos de guerra, e o mesmo poderia ser dito da
Turquia e da Bélgica, se a Convenção, como nós a conhecemos, já estivesse em vigor
naquela época. Que dizer então do EI e de sua banalização imagética?
Esta é empregada de tal maneira e sua propagação tão eficaz que chegamos
mesmo a não acreditar, plenamente, no que eles veiculam: realidade e fantasia se
mesclam a ponto de fazer com que o sujeito-leitor não seja levado a qualquer reflexão.
(AUMONT, 2002)
Pior que a inércia reflexiva observada frente a imagens de desgraças, ou como
chamamos aqui dissuasórias, é o fato de que se num momento são paralisantes, em
outro são catalisadoras. Isso quer dizer que, ao nos depararmos com imagens fortes,
estas podem, seguramente, nos anestesiar, tornar-nos inertes diante delas; mas, após o
220
choque inicial, não nos importamos de ver mais e mais, pelo contrário, queremos
isso, a ponto de elas não nos atingirem mais.
Nessa compulsão e ação devoradora (como no alemão fressen) da luz imagética,
não percebemos que perdemos o controle e queremos cada vez mais. É, a partir daí,
que perdemos, quase que completamente, a emoção inerte e compassiva que houve
naquele momento primeiro de choque. Isso porque somos seres iconotrópicos
(BRANDÃO, 2014, p. 117), somos atraídos, compulsivamente, às imagens, como as
plantas à luz; e, diante, de sua abundância, tornamo-nos devoradores vorazes.
Por outro lado, se singulares e não recorrentes, tais imagens são absorvidas e
inseridas em nosso acervo iconofotológico; caso contrário, se lidas continua e
maciçamente, esmaecem-se, já que o impacto provocado pelas contínuas visualizações
de atrocidades vão diminuindo à medida que haja sucessivas observações. (SONTAG,
1986)
Assim, quanto mais atrocidade é exibida pelos meios de comunicação, menos
elas nos atingem, eis o poder catalizador dessa continuidade: tais imagens apressam

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seu esquecimento. Por outro lado, isso faz com que seus algozes tenham de se ver
obrigados a aumentar o requinte de sua exibição, como ocorre com a
espetacularização proporcionada pelo EI: se a degola não comove mais, afogam-se as
vítimas; penduram-se as vítimas para que sejam, lentamente, queimadas; explodem-
nas; cometem as mesmas atrocidades com crianças, empregando um ciclo vicioso
tétrico.
Para tentar saciar nossa iconotropia diante dessa banalização e buscar o
máximo de realismo possível, podemos inclusive prescindir das imagens em
movimento: queremos os detalhes, as minúcias, já não é possível acreditar,
simplesmente, no que se vê, é necessário provar que é real:

Realmente a imagem em movimento dá-nos uma impressão maior,


de movimento, de instantaneidade e de continuidade temporal [de
realidade]: não há uma tomada, um recorte tempo-espacial como na
fotografia, mas uma sucessão de recortes. Mas, a estaticidade
221 imagética tem um poder maior de sedução devido, exatamente, ao
recorte da particularidade: muitos querem ver o exato momento.
Não basta ver só os aviões chocando-se contra as torres e sendo
engolidos por elas, nem mesmo as explosões que se seguiram. Quer-se
congelar o momento, ver, passo a passo, cada detalhe da tétrica
hecatombe que se verificou: agora o que se vê é verdadeiro, é real!
Não há necessidade do detalhe na ficção, afinal ela é entretenimento.
Mas, o fato que se deu em 11 de setembro é verdadeiro: eis a
diferença. (BRANDÃO, 2010, p. 98)

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