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História 01-02-2017

ENTREVISTA

DIZER
JOAQUIM

"POPULISMOS"
É FOAi4A
ELEGANTE
DE NÃO QUERER
D
"FASCIVLOS"
lextosde Pedro Olavo Simões
Fotagralosde RuiOliveira/ Globallmagens
ENTREVISTA

lgarvio com sangue Fui, em 64... mais em Coimbra foi a chuva, não estava

A
portuense, quase to- habituado a tanta chuva. Era muito mau
da a vida passada em -. em 64. Foi esse o início da sua vida mesmo e, depois, também não tinha re-
Coimbra, onde nos pública? cursos. Não era um indigente, mas tam-
recebeu. Joaquim Foiatéantes disso, pois fui presidente do bém não tinha sapatos para mudar a to-
Romero Magalhães, Teatro de Estudantes, em 1962 e 1963. da a hora conforme a água que apanha-
catedrático jubila- va. O estar fora de casa é algo diferente,
do da Faculdade de Economia da mais Essa necessidade de intervir vem-lhe mas é muito bom. Felizmente que não
antiga Universidade portuguesa, é um do facto de ser neto de dois fervorosos havia universidades regionais nesse
homem de paradoxos, mas não de con- republicanos, João da Rocha Vieira Ma- tempo.
tradições. O antipraxista que foi pre- galhães e Santiago Formosinho Rome-
sidente da Académica, o homem que ro? Estava a assumir a sua matriz ge- Mas foi benéfico elas serem feitas en-
não é fanático pela cidade mas coman- nética? tretanto, não?
dou a Assembleia Municipal durante 12 Sim, mas não tanto dos meus avós como Sim, sim, sim... mas eu acho que devia
anos, o laico que faz pausa na conver- do meu pai, embora o meu pai não tenha ser um pouco como era no serviço mi-
sa para partilharmos um monástico li- tido o percurso de que, provavelmen- litar obrigatório: fazer girar os moços.
cor de Singeverga. Referência maior no te, gostaria. Mas também aceitava desa-
estudo da Época Moderna, o historiador fios com facilidade. E também teve uma Como sucedia com os magistrados.
que presidiu à Comissão dos Descobri- trajetória engraçada. Tripeiro, foi para Sim, e por aí fora. Para não ficarem sem-
mentos é, também, um homem político o Algarve e lá se fixou e, depois, dali, ir- pre agarrados à mesma coisa.
- milita no PS, foi secretário de Estado radiou, com uma ação cultural bastante
em governos de Mário Soares e foi depu- interessante. Mas sempre tripeiro. En- Para rasgarem horizontes?
tado constituinte - sem discurso politi- tão ao telefone, era impressionante. Fa- Exato.
queiro. Fala claro e não se perde em con- lava como se estivesse na Rua de Cimo
versa fiada. de Vila, onde nasceu. A sua presidência da Associação Aca-
démica de Coimbra ocorreu entre as fa-
Quem olhar para o seu percurso, da ju- Tripeiro sempre, tal como o Prof.Rome- mosas crises académicas lisboeta, em
ventude à maturidade, vê um cidadão ro se manteve sempre algarvio. 1962, com Jorge Sampaio, e coimbrã,
irrequieto, ou inquieto. Essa inquieta- Mas eu também sou um algarvio mui- em1989, comAlberto Martins. O asso-
ção é a chave para compreendermos a to especial. Gosto muito do Algarve e ciativismo estudantil estava necessa-
sua vida pública? sou muito algarvio em muitas coisas, riamente politizado, apesar da repres-
Sim, há uma certa inquietação, que mas vim para Coimbra, depois fui pa- são?
sempre tive, mas a minha vida, sobre- ra o Porto, onde fiz uma carreira no en- Estava, claro. Eu vivia numa república,
tudo a parte pública, também tem sido sino liceal, de que gostei muito, e de- e eram as repúblicas que, em geral, di-
muito fruto do acaso, sendo o acaso um pois voltei para cá e acabei por me fixar namizavam as eleições para a Associa-
cruzamento de linhas que nós não do- aqui, talvez um pouco também por aca- ção Académ ica. A lista era mesmo apre-
minamos, mas que estão lá. Fui secre- so, embora a minha mulher seja aqui da sentada como do Conselho das Repú-
tário de Estado porque o [Mário Sot- região. Mas não sou assim fanático por blicas. E era, obviamente, de oposição.
tomayorl Cardia me escolheu, e esco- Coimbra... E fui presidente da Assem- Nunca topei que fosse do setor A, B, ou
lheu-me porque eu tinha estado com bleia Municipal durante 12 anos! C. Mais tarde, sim, mas nesse tempo era
ele na Assembleia Constituinte, e antes simplesmente de oposição.
disso tinha estado aqui, quando ele veio Nasceu e cresceu num Algarve alheio
expulso para cá. Há um cruzamento de àquele que conhecemos, profunda- Havia a unidade de um objetivo co-
acontecimentos... Fui para a Comissão menteaiterado pelo turismo. Esse tem- mum?
dos Descobrimentos porque o [Antó- po que ali testemunhou foi importante Uma unidade relativa. lá nessa altura,
nio Manuel] Hespanha era meu amigo e para adquirira sua consciência cívica e naturalmente, havia partidos que pro-
achou que eu poderia dar continuidade construir a sua sensibilidade política? curavam puxar a brasa à sua sardinha,
àquilo que ele tinha feito. Enfim, há uma Sim, sim. O Algarve era uma terra mui- mas, em geral, a gente entendia-se. Era
certa inquetação, sim, mas também o to pobre, que só como turismo se desen- oposição, simplesmente, e esse objetivo
acaso. E, talvez também por isso, eu vá- volveu. Em Faro, no centro da cidade, comum tornava tudo mais fácil.
rias vezes fui, sem me preocupar muito andei numa escola onde boa parte das
com as consequências. Avancei sem me crianças que andavam comigo iam des- De que formas é que os jovens estu-
preocupar muito com o que isso trazia, calças, porque não tinham sapatos e não dantes de Coimbra conseguiam ser
embora eu seja cauteloso. por gosto, como os meus netos, que che- oposição?
gam aqui e se descalçam logo. Muito difícil, muito difícil... Fazia-se, so-
O avanço parte do pressuposto de ha- bretudo, através das manifestações cul-
ver, pelo menos, uma convicção? Acaba o liceu e vem para Coimbra. En- turais que nós conseguíamos pôr de pé.
Sim, sim. e sempre tive o gosto de fazer. controu uma diferença muito grande Dos conferencistas que convidávamos,
entre os "reinos" de Portugal e dos Al- das peças de teatro que procurávamos
Desde novo. Chegoua serpresidenteda garves? fazer, dos filmes que organizávamos em
Associação Académica de Coimbra... Não era assim tanto. O que me tocou ciclos para os estudantes... E também, e
"A UNIVERSIDADE
ERA MUITO
RETRÓGRADA.
O TIPO DE ENSINO
ERA SEBENTEIRO, E
NOS REAGÍAMOS UM
BOCADO A ISSO"
ENTREVISTA

nessa altura houve uma certa pressão


nesse sentido, nas questões pedagógi-
cas. A Universidade era muito retrógra-
da, o tipo de ensino era sebenteiro, e nós
reagíamos um bocado a isso. As organi-
zações estudantis, no sentido de alte-
rar as formas da pedagogia e da didáti-
ca, eram fortes, e isso era também uma
forma de oposição a uma Universidade
que era estatal e bem ligada ao Estado.

Estatal e estática...
E estática, completamente.

AAcadémica e as associações em geral


assumiam o papel de abrir horizontes
que caberia à própria Universidade?
Tentávamos. Repare que como gran-
de associação só havia esta, porque em
Lisboa nem todas as faculdades tinham
associação de estudantes (havia as pró-
-associações, que funcionavam mais
ou menos clandestinamente) e no Por-
"AS ESTRUTURAS
to creio que erasó a da Faculdade de Far-
mácia, não havia mais nenhuma. PARTIDÁRIAS
E a Associação Académica de Coimbra, FICARAM UM POUCO
viabilizada pelo Estado, conseguia ser
do contra? ANQUILOSADAS
A Associação Académica de Coimbra,
dos anos 30 e 40 e até à presidência do E TORNARAM
Salgado Zenha, foi muito governamen-
tal, mas depois libertou-se. Claro que, DIFÍCIL A
de vez em quando, eles ganhavam as
eleições... ASCENSÃO.

Era um espaço onde havia democracia, AS MÁQUINAS


coisa rara.
Havia, havia... Mas, em qualquer caso, DOMINARAM"
era tudo gente capaz.

Avancemos até ao pós-25 de Abril, proa que tinham. O Partido Socialista


quando o encontramos como constru- levou toda a velha oposição republica-
tor do Estado democrático, ou seja, de- na. O Vasco da Gama Fernandes, o Antó-
putado à Assembleia Constituinte. Fo- nio Macedo, que era o presidente dopar-
ram tempos muito intensos? tido e uma pessoa fantástica, o Alcides
Se foram! Estive na Constituinte de ju- Monteiro, o Alvaro Monteiro, de Viseu,
lho a abril, e era dos que não faltavam. o Teófilo Carvalho dos Santos, o Tito de
Estava lá sempre e era um chato, porque Morais... eu sei lá a quantidade de gen-
fazia perguntas e queria saber o que es- te muito boa. E depois, gente mais nova,
tava a votar. Há uns deputados que es- muito nova. Eu era dos mais novos, mas
tão lá só para se levantarem e sentarem, havia ainda mais novos do que eu.
mas não era o meu caso. Asvezes, o Hen-
rique de Barros, presidente, chateava- O que mudou na atração das elites para
-se comigo e dizia "esteja lá calado"... a vida política? Na altura não havia os
chamados quadros partidários, é isso?
É verdade que, nesse tempo, as pes- Não havia, não havia... Vamos lá ver. As
soas mais valorosas estavam lá? estruturas partidárias ficaram um pou-
Era um conjunto apreciável de pessoas co anquilosadas e tornaram difícil a as-
que sabiam o que estavam a fazer. Os censão. As máquinas dominaram, pra-
par t idos fizeram avançar as figuras de ticamente, e a gente vê isso, nuns parti-
dosmais do que noutros. Nuns é possível, ensino. Como foi isso? tudo pelo meu neto mais velho, que eles
ainda, partir as máquinas. Foi o caso do Foi terrível, pois foi tudo precipitado. já não têm aquele ensino estereotipado,
que o António Costa fez, há dois anos. Não havia estruturas que aguentas- velho e obsoleto que nós tivemos. Aqui
Noutros, vamos a ver se há alguém que sem aquilo. O desejo legitimo de demo- há tempos, olhando para um programa
consiga partir a máquina ao Passos Coe- cratização, no sentido de alargamento de Física, do meu tempo, cheguei à con-
lho. Não quero dizer que seja mau ou e universalização, era extremamente clusão de que aquilo era Física do século
bom, não estou a fazer juízos de valor. difícil, por falta de gente, mas lá se con- XVIII. Eu, no século XX, estudei uma Fí-
seguiu, lá se foi conseguindo. Só houve sica do século XVIII. Isto é um exemplo,
Mas há, de um modo geral, um poder uma coisa que me ficou engasgada pa- mas podia dar muitos. É claro que houve
instalado. ra sempre: é que não foi possível lançar um momento, nos anos 80 e 90, em que
Acho que sim. Aliás, já houve uma análise o pré-escolar. Aliás, só foi possível com parecia que ia ser bastante melhor, so-
do Pacheco Pereira, aqui há tempos, sobre o Marçal Grilo e com o Guterres, vinte e bretudo, a formação dos professores. Is-
isso, que me pareceu muito sensata. tal anos depois. so é que me parece que hoje está a preci-
sar de ser revisto. Mas tenho uma certa fé
Esteve nos dois primeiro governos Olhando para o estado do ensino, hoje, neste jovem ministro que lá está.
constitucionais, liderados por Má- de uma forma geral. Era aqui que que-
rio Soares, e, como governante, to- ria chegar? Concorda que, ao longo dos anos, a ne-
mou parte numa das mais importan- Sim e não. Sim, porque me parece que cessidade política de apresentar resul-
tes revoluções dentro da Revolução, as estruturas estão muito mais atuali- tados quantitativosdesucessolevouao
que foi a reforma e a massificação do zadas e modernizadas. Eu vejo, sobre- nivelamento por baixo da exigência?
"A SOCIEDADE
PORTUGUESA ESTÁ
A FICAR, TALVEZ,
UM BOCADO
OTIMISTA DE MAIS,
MAS ESTÁ
A FICAR OTIMISTA,
E ISSO É DOM"
Não. Todas as exigências que têm sido me fazia entrevistas. Ele estava ligado minhas dúvidas. Isso de dizer 'populis-
feitas, em matéria de exames, de afe- a um programa de televisão, que tinha mos' é uma forma elegante de não que-
rições, etc., têm puxado bastante pe- como consultora a Maria Alberta Mené- rer dizer 'fascismos', que é o que é.
los moços. Eu vejo pelo meu neto de seis res, uma mulher notabilíssima, e o ami-
anos, que foi agora para a escola primá- go António Costa aparecia-me... Tinha Então, se eu reformular a pergunta,
ria (está no ensino oficial, os meus ne- 14 anos. mas eraterrível. Assustava-me, usando fascismos, pioro ainda o cená-
tos estão todos no ensino oficial), chega aquilo, porque o tipo puxava por mim e rio. E Portugal é ou não um oásis, ao não
a casa e tem trabalhos para fazer todos queria saber coisas que não devia, etc. ter uma extrema-direita expressiva?
os dias. Há ai uma exigência que eu pen- Oásis não. Apesar das dificuldades e de
so que está a correr bem. Como é que ele era? tudo o que tem passado, a França ain-
Bom. ele era um jovem associativo, e da está à esquerda. A Bélgica tem uma
Sublinhou o facto de os seus netos es- acompanhei-o mais ou menos, e de- composição que também puxa para es-
tarem no ensino oficial. Como vê a rela- pois, quando era, julgo eu, ministro dos se lado. A Itália também estava no mes-
ção entre público e privado, no ensino? Assuntos Parlamentares, o Guterres de- mo caminho... A Europa é muito varia-
Houve uma certa facilitação, uma aber- legou nele a missão de despachar com a da, são vinte e tal estados.
tura excessiva ao privado. O privado Comissão dos Descobrimentos. Por-
tem o seu papel, isso é i negável, mas é tanto, voltei ala lidar com ele. Admiro-o Retiro, então, a palavra "oásis", que
preciso que seja com conta, peso e me- muito. E o que me parece que ele conse- pressupõe um caso isolado...
dida. E não foi. De maneira que agora, guiu agora introduzir - vamos lá ver se É minoritário, isso sim, é minoritário,
como se estão a repor as coisas nos ei- isto dá certo - é um certo otimismo que neste momento. Mas, também, noutros
xos, naturalmente que quem se sentiu não havia. Penso que asociedade portu- momentos tem sido majoritário, aque-
afetado chiou. guesa estáa ficar, talvez, um bocado oti- les anos áureos do Mário Soares, do Bru-
mista de mais, mas está a ficar otimis- no Kreisky, do Olof Palme, dessa gente
Há muitos interesses em jogo? ta, e isso é bom, tem aspetos muito po- toda. Do Willy Brandt, do Miterrand...
Há interesses... Acredito que haja por ai sitivos.
bons colégios, mas quem quer ter lá os Asgrandessociais-democraciaseuro-
filhos paga. Não tenho nada contra. Re- Antes otimista dogue pessimista... peias, que parecem ter desaparecido...
conhecem-se-lhe os exames, reconhe- Antes isso, antes isso, antes isso... Mas repare que é muito engraçado. Veja
cem-se-lhe as notas, reconhece-se tudo a grande social-democracia alemã, por
isso, pelo que nãovejo que haja qualquer O fado português não existe? exemplo, que empurrou, e a gente sabe
tipo de discriminação. O fado... Eu não sou nada para o fado... E que empurrou, para as medidas terrí-
não sou grande apreciador. veis que foram tomadas aqui em Portu-
E o Estado... gal. No entanto, para eles próprios, não
O Estado só tem depagar o que é público. O seu partido está no Governo, apoiado, alteram as coisas que têm. Eles mantêm
de forma inédita, à esquerda. Estamos as estruturas sociais-democratas a fun-
Mas perguntava eu se o Estado, en- a ganhar com isso? cionar.
quanto garante do acesso ao ensino, Sim. Eu, pelo menos, tenho perdido me-
deve ser o promotor desse mesmo en- nos na minha pensão de reforma, o que Somos, quase 43 anos depois do 25 de
sino. já me satisfaz alguma coisa (risos). Ago- Abril, um povo com maturidade políti-
Deve, deve, claro que sim. É uma tare- ra, a sério, a gente vê que os resultados ca?
fa democrática. sem qualquer espécie não são maus e há, de facto, um certo oti- Acho que sim. Há uma coisa que me pa-
de dúvida. mismo nas coisas. E tenho uma grande rece evidente e, até, fácil de analisar.
fezada, falando assim, no trabalho da Tirando raríssimas exceções, as maio-
A delegação dessa missão pública em minha colega de faculdade, e minha vi- rias políticas mudam. Isso é
um sinal
privados leva a uma subversão? zinha, a Maria Manuel Leitão Marques, de saúde.
Não penso isso. Há privados bons e que tem tido uma ação notável na re-
maus, mas isso tudo tem de ser devida- forma do Estado. Serena, mas a trans- De leitura da situação por parte dos ci-
mente regulamentado, de modo a que formar as coisas. E isso é qualquer coi- dadãos.
não haja abusos. sa de extremamente importante. Não só É, é... Eu sei que foi preciso mudar a le-
as grandes reformas, que se possa dizer gislação municipal e obrigar aos três
Como vê, hoje, o caminho que está a ser "mudou tudo" (e não mudou nada), mas mandatos, mas não eram muitos
os que
seguido pela nossa democracia? ir mudando as coisas. estavam eternamente. E não me faz
Eu confesso que sou muito partidário e, confusão nenhuma que, numa deter-
portanto, não enjeito a minha perten- É possível reformar sem fazer sangue? minada cidade, que esteve durante 20
ça a um partido político, e o que vejo é Exato. E ela está a trabalhar muito bem. anos nas mãos de um partido, venha ou-
que este jovem primeiro-ministro, que tro. Isso é normal e é saudável.
eu conheço desde que ele tinhal4 anos... Num momento em que, no mundo, as-
sistimosà ascensão da extrema-direi- Se tivesse de se definir numa palavra, o
Ai sim? ta e de populismos de ordem diversa, que escolhia:professorou historiador?
Sim, quando eu era secretário de Esta- Portugal continua a ser um oásis? Historiador. Professor já fui, já aca-
do, este menino assustava-me porque Quanto a isso dos populismos, tenho as bou. Mas gostei muito de ser professor.
E mais: gostei de dar aulas na Universi- com as cartas dele - reuni cartas do
"ENSINAR É VER meu pai,170 peças, enfim. a que chamei
dade, sim, mas o verdadeiro gozo de dar
aulas é nos liceus. "Uma escrita na primeira pessoa" - e o
CRESCER E É meu pai conta, dizia, que, sendo caloiro
Fale da sua experiência no então liceu da Faculdade de Letras, em1927, foi con-
PROPORCIONAR O vocado para uma reunião de caloiros,
de D. Manuel li, no Porto.
Eu estive lá de 1970 a 1973, três anos le- CRESCIMENTO. ISSO ainda antes de começarem as aulas. E,
tivos. então, o que era? Eram os veteranos que
NO SECUNDÁRIO queriam discutir com os caloiros como
Saiu, antes do 25 de Abril, de uma es- é que lhes haveriam de fazer a receção.
cola que veio a ser das mais agitadas no VÉ-SE, SENTE- E quem presidiu à reunião foi nada me-
período revolucionário... nos que o Agostinho da Silva, que disse:
Depois foi, mas na altura só houve para SE, APALPA-SE. NO "Nada de praxes à coimbrã: vamos mas
láumsarrabulhoqualquer, não me lem- é fazerumbaile!". Eareceção foi um bai-
bro de quê, mas sem importância. SUPERIOR NÃO" le. Isto em 1927!...

Mas em que é que essa experiência o Enquanto docente universitário, foi,


marcou tanto? também, uma espécie de trota-mun-
Ensinar é ver crescer e é proporcionar o dos. Deu aulas em Yale (nos Estados
crescimento. Isso, nosecundário,vê-se, Unidos), em Paris, São Paulo...
sente-se, apalpa-se. No Superior não. A Gostei muito disso, em part icular de Ya-
gente dá as aulas e os tipos que estudem, le, que foi urna experiência extraordi-
se quiserem. É completamente diferen- nária.
"FUI SEMPRE
te. Ali, não: ali acompanha-se, e isso dá
um certo gozo. Porquê?
ANTIPRAXISTA Porque as condições de trabalho são
Foi professor liceal, por exemplo, do ótimas. Primeira coisa: poucas aulas.
E NÃO VOU MUDAR Deixa-se aos estudantes espaço para
historiador Luís Miguel Duarte...
Fui sim senhor. Eu tinha uma turma ter- AGORA. GUANDO que possam trabalhar. Aqui, não. Aqui
rível. Essa turma ia dando cabo de mim, enfardam-se os estudantes com vin-
porque eles eram absolutamente in- VEJO ESSE GOZO te e tal horas por semana e outras coi-
críveis. Sabiam, estudavam e procura- sas. Lá, não. Depois: livros à disposição
vam apanhar-me. Davam cabo de mim, COM OS CALOIROS, com toda a facilidade. Não há aquilo
mas num sentido estimulante. No final que aqui acontece, nas nossas biblio-
do primeiro ano em que dei aulas a es- IRRITO-ME" tecas, quando nos dizem que está para
ses meninos, fui à cama. com uma gri- restauro ou para encadernação e é so-
pe, mas a gripe era mais do que isso (ri- negado. Isso em Yale não há. Pode estar
sos). Uns tipos fantásticos! preso por um fio, e eles dizem-nos para
ter cuidado e não estragar, mas não ne-
Enquanto docente universitário, Coim- gam o acesso. Depois, urna vida cultu-
bra foi a sua pátria, embora tenha já di- ral de uma densidade e de uma inten-
to que não encarna totalmente o espíri- sidade como aqui nem podemos pen-
to coimbrão. sar. Em Yale - eugosto muito de música
É verdade. Não sou um fanático de clássica e sou melómano -, havia con-
Coimbra e não alinho naquele fadinho certos quase todos os dias. Orquestras,
habitual, sobretudo dos estudantes pequenos grupos de câmara, recitais
que passaram por aqui sem terem feito de solistas, etc. Teatro, muito teatro.
grande coisa. Também já sei isso. O que Passavam lá as companhias, porque,
fica muito saudoso é aquele que nunca nos Estados Unidos, as grandes com-
fez nada. Gosto de Coimbra, sem dúvi- panhias fazem digressões e vão a de-
da, mas o Ensino Superior é um ensino terminadas terras onde sabem que têm
frio, distante. Não tem a mesma pressão mentos no espaço da Universidade? público. E New Haven, que é a cidade
que tem o Ensino Secundário. Sim. Quando vejo esse gozo com os ca- onde está Ya le, é urna dessas terras. Eu
loiros, irrito-me, mas calo-me, porque a vi uma encenação do Peter Hall que vi-
A propósito de Coimbra, como se en- gente não se pode meter com eles. Mas nha de Londres. Foi uma experiência
quadra na capítulo das ditas tradições isso lembra-me uma coisa engraçada. muito rica, apesar de eu só lá ter estado
académicas? O meu pai foi aluno da Faculdade de 1.e- um semestre, em 2003.
Fui sempre antipraxista e não vou mu- tras do Porto, da primitiva [nota: funcio-
dar agora. Sempre, sempre, sempre... nou de 1919 a 19311, do Leonardo Coim- Nunca sentiu a tentação de largar isto e
bra, Teixeira Rego, etc. E o meu pai con- partir para outras paragens?
Dói-lhe observar alguns comporta- ta, num livro que estou a lançar agora, Não, nunca.
Nos anos 60, a verdadeira aprendizagem
tinha de ser feita fora dos bancos da Faculdade

"OS
PROFESSORES
ERAM
SERVENTUÁRIOS
DO REGIME"
O Direito foi a sua primeira opção uni- E verdade que foi atrás dele para a ve foram escolhas naturais?
versitária, porque não queria ser pro- praia? Tinha de ser. Foi o Magalhães Godinho
fessor. Foi uma experiência curta. A Fui, fui... fui atrás dele para Albufeira que me empurrou. Ele já me tinha em-
História falou mais alto? e apanhei-o. Por um acaso, uma amiga purrado para fazer a licenciatura sobre
Não queria ir para professor, porque o minha era colega, em Medicina, da filha o Algarve do século XVI, que fiz, e de-
meu pai era professor... Não foi propria- mais velha dele, e disse-me que elesiam pois queria que eu fizesse sobre o En-
mente a História que me.chamou, mas para Albufeira. Quando soube, fui à pro- tre Douro e Minho. Ora, o Entre Dou-
achei o Direito horrível. As aulas, na Fa- cura dele. Ele era muito generoso. Quem ro e Minho era uma loucura de traba-
culdade de Letras, eram muito más, mas queria trabalhar podia estar à vontade lho. A quantidade de freguesias que ali
na Faculdade de Direito eram horríveis. com ele. Agora, para quem não quises- há é urna coisa que nunca mais acaba.
Era uma chatice, aquilo! Não era para se trabalhar era muito complicado, isso Não dava. Então, assentei com ele fazer
mim. No Natal, eu já nem queria voltar era. Não era uma pessoa fácil... a continuação, de certo modo - os sécu-
para Coimbra. los XVII e XVIII -, para o doutoramen-
E como é que, estando numa Univer- to.. E havia já, nessa altura, coisa que não
Era demasiado técnico ou burocrático? sidade tão fechada, o aceitaram como havia para o século XVI, dados quanti-
Não posso dizer isso, não cheguei a tal. seu orientador? tativos, e o Magalhães Godinho estava
Eu andava ali no Direito Romano, na Aceitaram perfeitamente. O responsá- nessa altura muito focado nas quanti-
História do Direito Português, que era vel pelo seminário, nessa altura, era o ficações. Portanto, pude avançar nisso.
muito chato, como Braga da Cruz...E um doutor Salvador Dias Arnaut, com quem
tal Pires de Lima, que eram uma seca eu tinha uma excelente relação pessoal. Nunca deixou de ter a costela algarvia
horrível, as aulas do homem... Definiti- Falei-lhe que tinha esta hipótese, e ele na sua produção historiográfica?
vamente, aquilo não era para mim. disse logo: "Aproveite, aproveite". De- Não tanto assim. Mas sou chamado
pois, também disse ao Manuel Lopes de muitas vezes. Ainda agora vou fazer lá
Em Letras, as aulas também não eram A lmeida, que tinhasido um ferozminis- a apresentação do livro do meu pai, mas
propriamente estimulantes, certo? tro da Educação, em 1962, mas que tam- também vou fazer uma coisa no arqui-
Sim, embora tenha tido um ou outro bém achou muito bem. Eles nunca pen- vo de Loulé, que é um belíssimo arqui-
professor muito bom, mas corno ex- saram em mim para o Ensino Superior, vo, talvez do melhor que há em arqui-
ceções. portanto tanto se lhes fazia. vos municipais - tirando o do Porto, cla-
ro, mas melhor do que o de Lisboa. Sou
Costuma dizer que a sua formação não Vitorino Magalhães Godinho não era realmente chamado ao Algarve, mas
foi feita na faculdade, mas depois, cri- uma pessoa apreciada pelo regime... eu já reuni as coisas algarvias num vo-
ticando o tipo de ensino que encontrou Ele estava expulso!... Mas eles respeita- lume. De algum modo, sou um filho da
nos anos 60. Isto mudou muito, nas vam-no como historiador. Talvez não o terra que fica bem na fotografia. Mas
suas quatro décadas de docência? citassem nem aconselhassem muito as gosto muito de trabalhar nos "Anais
Mudou mesmo muito. A qualidade dos coisas dele, mas respeitavam-no. O Lo- do Município de Faro", porque, de fac-
professores de hoje é muito superior. pes de Almeida, em especial, respeita- to, com grande espanto meu, tem apa-
Não tem comparação possível. Naque- va-o muito. recido muita gente a querer colaborar.
le tempo, os professores eram serven- Claro que sou historiador e não posso
tuários do regime, na maior parte. Não Naquele tempo, Magalhães Godinho ignorar essa minha qualidade, mas te-
eram propriamente investigadores, seria uma raridade em Portugal, no que nho procurado que as pessoas escre-
ou, se o eram, ensinavam cada dispara- respeita a horizontes historiográficos. vam memórias. A memória não é Histó-
te, cada baboseira que não havia gosto Era incomparável. Não tinha nada a ver ria, é aquilo de que a gente se lembra. E
possível para aquilo. É claro que apare- com o que havia aqui. As conversas com têm aparecido coisasmuito engraçadas.
cia, por exemplo, uma Maria Helena da ele eram muito estimulantes, e a biblio - Vou-me divertindo.
Rocha Pereira, um Silvio Lima... Apare- grafia que facultava era espantosa. Eu ia
ciam assim umas figuras, mas, repito, a casa dele, em Lisboa, e saia de lá carre- Está a produzir fontes para o futuro?
como exceções. gado de livros. 'linha de ir de táxi, o que Sim, também, talvez...
não era muito agradável para mim, pois
Esses professores acabavam por ser, tinha de pagar, mas não podia transpor- A História de Portugal dirigida por José
assim, figuras autoreprimidas? tar aquilo tudo de outra maneira. Mattoso foi um marco na historiogra-
Não creio... Eram pessoas que não eram fia, tendo então cabido a si a coorde-
do contra. Mas sabiam ser investigado- Nunca fez isso aos seus alunos, enchê- nação do volume dedicado essencial-
res a sério. -los de bibliografia? mente ao século XVI. O que represen-
Assim tanto, não. As coisas são diferen- tou, para si, esse trabalho?
Falando em investigadores a sério: foi tes. As aulas que eu dei na Universidade, Um esforço absolutamente medonho,
a atração pela Época Moderna que o le- a partir de 73, 74 eram completamente porque foram para aí dois anos de mui-
vou a Vitorino Magalhães Godinho, ou abertas, não tinham nada a ver com an- to trabalho, porque os prazos eram pa-
foi ele que o empurrou para lá? tigamente. ra cumprir... No dia em que tinha de es-
Fui eu, fui eu. O Magalhães Godinho foi tar pronto, estava. Houve apenas uma
a minha tábua de salvação, mas eu é que Quando se abalançoua fazer o doutora- alteração, não me lembro já se foi comi-
fui à procura dele. mento, a História económica e o Algar- go, na ordem dos volumes que saiam.
i:

Em termos historiográficos, apresentá- jo outra maneira... Embora a minhamu- cessidade que eu tinha de perceber
mos uma estrutura totalmente diferen- lher seja sobrinha-neta do Tomás da aquilo. Acho uma coisa absolutamen-
te do habitual. O que tínhamos atrás de Fonseca, portanto, de um ambiente an- te extraordinária como é que um regi-
nós era o Damião Peres, a História dita ticlerical. (risos) me político com sete séculos cai. Havia
de Barcelos, que é uma bela obra, nas- qualquer coisa que era preciso estudar.
cida da Faculdade de Letras do Porto. Estudar essa época abriu-lhe caminho Para mim, pelo menos, consegui ver o
Mas era uma coisa dos anos 20. Fazer al- a novas paixões, como o Brasil ou Ma- percurso decadente da monarquia, até
go nos anos 90 era um grande desafio, cau, numa fase posterior... cair. E nisso, para além de todas coi-
muita coisa tinha mudado em 70 anos. Sim, sim, mas não tanto Macau como o sas, houve um guia fantástico, chama-
No meu volume, o que fiz foi dar tam- Brasil. do João Chagas, sobre quem também es-
bém uma volta à ordem natural das coi- crevi um livrinho. Uma figura absoluta-
sas. A demografia, por exemplo, apare- Compreender o império é essencial pa- mente central nisto tudo, não depois de
ce no capítulo quinto e não no primeiro, ra a compreensão de Portugal? 1910, mas antes de 1910.
como era habitual, e a geografia... O ar- É, claro. Na minha opinião, há três gran-
ranque foi com as formas políticas e, de- des mestres nesta coisa. É o Godinho, O centenário da República propiciou
pois, foi por aí adiante, até à sociedade, obviamente, Charles Boxer e um autor uma atividade historiográfica muito
que é o culminar, o fechar, mas a socie- que pouca gente estuda, que é lohn Ho- intensa...
dade vista sob o ponto de vista cultural, race Parry, um inglês que foi professor Sim, e ainda não se conhece tudo o que
coisa que nos anos 90 também tinha al- em Harvard e andou, exatamente. na estava programado. Houve atrasos, e
guma novidade. Mas já lá vão quase 30 navegação e na História da ciência. Com certas obras, se calhar, nunca sairâo...
anos. Quando, há dois anos, o Círculo de esses três mestres, a gente vai lá. Todo Mas, honra lhes seja, houve duas figuras
Leitores reeditou a obra, queriam que se o trabalho que essa gente fez (conheci centrais por trás de todo esse trabalho:
atualizasse, e eu recusei. dois deles, o Boxer não muito bem, mas Artur Santos Silva, que, enquanto pre-
o Godinho sim, de forma muito próxi- sidente da Comissão das comemora-
Tinha de fazer um volume novo... ma) e, também, as vias que eles abriram ções, foi de uma correção e capacidade
Era outra coisal... Acho que ninguém, são fundamentais para a gente perce- de iniciativa fantásticas, e a atual secre-
dos autores originais, esteve disposto a ber isso. tária de Estado do Ensino Superior, Ma-
fazer isso. Era impossível. ria Fernanda Rollo.
A Comissão dos Descobrimentos foi
Os descobrimentos e a expansão por- um espaço de realização ou foi uma Tanto conhecimento ajudou o país a fa-
tuguesa continuam a ser o cerne da mi- missão política? zer aspazes com esse período?
tologia nacional (ou nacionalista)? Não, não, nada de missão política. Nin- Talvez, mas ainda há o Vasco Pulido Va-
Nacionalista, com certeza. Nacional... guém me exigiu nada, ninguém me pe- lente, o Rui Ramos e outros quejandos,
eu penso que bem, pois trata-se de um diu nada. Tive uma relação muito agra- que continuam a dizer o mesmo e que
período interessante, de grande esforço dável, sempre, com o António Guterres, estão na continuidade do salazarismo,
de atualização. Os homens de quatro- que eu já conhecia de outras lides, e dei- sem qualquer dúvida.
centos e de quinhentos esforçaram-se xou-me sempre à vontade. Não tive tan-
para dominar a natureza e consegui- to dinheiro como precisava, para fazer o Esse livro, "Vem aia República", abre
ram-no, foi formidável. É extraordiná- que queria, mas, mesmo assim, ter nas com uma nota prévia datada de 31 de
rio pensarmos que os tipos saíam nuns mãos um instrumento daqueles dá um janeiro de 2009. Foi coincidência, ou
barquitos, verdadeiras cascas de noz - grande prazer a quem gosta de fazer coi- quis homenagear os revoltosos de
mesmo as naus do Vasco da Gama são sas. Poder dinamizar isto e aquilo, um 1891?
umas coisas pequeninas -, para a Índia, congresso, um encontro, uma viagem... Foi de propósito, sim. (risos) Mas tive
ou atravessavam o Atlântico Sul. Penso mais prazer em assistir ao que se pas-
eu que as grandes dificuldades que eles Conseguiu fazer coisas bonitas? sou no dia 31dejaneiro de 2010, no Porto,
tiveram são as dificuldades normais do Uma ópera, uma óperal... Trouxe "O com o arranque das comemorações do
homem perante a doença. Toda a equi- Guarani" [obra do compositor brasilei- centenário. Foi uma belíssima jornada.
pagem do Vasco da Gama morre no Índi- ro Carlos Gomes] a São Carlos. Acabei
co, no regresso, como escorbuto e aque- com um concerto da Orquestra Metro- Nuncaa historiografia portuguesa teve
las trapalhadas todas. politana de Lisboa a tocar a sinfonia "A tanta visibilidade como hoje. Publica-
Pátria", do Vianna da Moita, e com a ba- -se muito. Quantidade e qualidade an-
Embora a investigação tenha ultrapas- lada para piano, como Artur Pizarro... dam de mãos dadas?
sado isso, o senso comum está muito coisas que nunca tinha pensado fazer. Há muito boa qualidade, sim senhor.
agarrado a chavões como o de a expan- Embora me pareça que estão melhor as
sãotersido feita para "irradiara fé ais- Quando deu à estampa o livro "Vem aia partes medieval e contemporânea do
tã".Como é que isso se combate? República", que descreveu como a sua que aparte moderna.
Só há uma forma de o combater: com a própria proclamação da República,
ciência. Não é a religião, pois a religião é quis fazerjustiçaa um regime mancha- De facto, apesar de na Época Moderna
mais do que legitima, mas aquilo a que do por décadas de propaganda hostil? termos a Expansão, essas cronologias
os franceses chamam "bigoterie" só po- Entre outras coisas, foi por esse moti- aparentam sempre estar pouco estu-
de ser combatido com a ciência. Não ve- vo, mas resultou, também, de uma ne- dadas, em relação às que as precede-
ram e às que lhes sucederam. O que é pies. Nada de complicar. Claro que há
que causa isso? "OS TEMPOS MAIS
autores barrocos que são bons, não du-
Não sei. Simplesmente, não sei. vide disso, mas uma escrita complica-
RECENTES NÃO
da, normalmente, encobre deficiências.
Escreveu que não alinha em colocar a
TÊM SIDO MUITO
historiograf ia em gavetas, velha ou no- Encontra-se muito disso no meio aca-
va, convencional ou positivista...
PROPENSOS À démico?
Não, não. Ou é boa ou é má. Muito, muito, infelizmente. Mas a culpa
DIVULGAÇÃO DE disso é dos que deixam passar.
Boa e má. E orgulha-se do seu ecletis-
mo, que, presumo, tem a ver com a acei- UMA BOA HISTORIA, A importância de escrever para os pa-
tação do que de bom há em cada corren- res antes de o fazer para o público, até
te.Ao marcar essa posição, está a dizer MAS, APESAR DE por questões de progressão na carrei-
que também há historiadores que só ra, penalizou a escrita da História?
conseguem afirmar-se rompendo com TUDO, VAI LÁ" Penalizou e muito. Há um autor inglês,
os que os antecederam? não sei agora quem, que diz que há a His-
Sim, sim. Mas essas ruturas fazem parte tória para os historiadores e a História
de um certo progresso aparente... para os outros. E isso é verdade. Eu sou
dos que acham que a História é sempre
As famosas mudanças de paradigma... para os outros, para toda a gente. E cla-
De paradigma, pois... Nós, aqui, gramá- ro que isso inclui também os historia-
mos com o pós-modernismo. A certa al- dores.
tura, na Faculdade de Economia, toda a "A HISTÓRIA
gente falava no pós-moderno, e eu nun- Procurou desenvolver um estilo que o
ca percebi bem o que é que isso era ou o É SEMPRE distingue?
que eles queriam. Não vale a pena... Procu rei, sim. O meu estilo, se é que o
PARA posso caracterizar, é, sobretudo, assen-
Consegue encontrar um pragmatismo te no ritmo. Pelo menos, é isso que eu
associado à História, como ferramen- OS OUTROS, penso.
ta para perspetivar o futuro e ler o pre-
sente, ou as pessoas teimam em não PARA TODA A Herdou essa preocupação com a escri-
aprender com o passado? ta do seu pai, Joaquim Magalhães, um
Que aprendem mal é verdade!Mas tam- GENTE. E ISSO homem da literatura?
bém é verdade que invocam muitas ve- Sim e não. Nunca falei disso com o meu
zes. A gente ouve, muitas vezes, "por- INCLUI TAMBÉM OS
pai, mas ele era de uma fluência fantás-
que não sei quê..." e é História, normal- tica, e eu não sei se era trabalhada ou
mente mal contada. Mas é. É claro que
HISTORIADORES"
não.
os tempos mais recentes não têm sido
muito propensos à divulgação de uma Já falou do livro que acabou de lançar
boa História, mas, apesar de tudo, vai com cartas do seu pai. Que revelações
lá, porque há muita gente a trabalhar. É encontramos ai?
uma verdade a quantidade de gente no- É, sobretudo, o percurso íntimo. As
va que publica, que apresenta teses...A1- cartas que o meu pai escreveu duran-
gumas são más, mas são. te toda a vida do meu avô. O meu pai
nasceu em 1909, e a primeira carta de-
Não deixa de ser curioso, tratando-se le que eu tenho é de 1918. Urna criança
de um ofício que não traz fortuna... que agradece ao seupai ter-lhe manda-
Exato... E há muita gente nova boa. É for- do os parabéns. Nesse período, prova-
midável. velmente por causa do Sidónio Pais e
das complicações no Porto, o meu avô
Escreveu que a História é "uma narra- mandou a minha avó e os filhos para
tiva, um ato literário que deve agradar casa da mãe, no Marco de Canaveses,
ao escrevente e ao leitor". Comunicar na beira-Douro, e o meu pai fez lá o exa-
ao maior público que consiga alcançar me da terceira classe. Depois, volta pa-
é uma preocupação sua? ra o Por to e, claro, deixa de haver car-
Sim. A História não faz sentido se for tas para° pai, mas, a partir do momento
hermética, se for mal escrita, se for em que se licencia, em 1931, no último
enigmática, nada disso. Tem de ser urna curso da Faculdade de Letras do Porto,
coisa corrida, fácil, acessível... Fácil na vem aqui para Coimbra fazer o estágio
forma, mas não no conteúdo. Comple- e, a partir daí, escreve ao pai com mui-
xa, quantas vezes, mas de forma sim- ta frequência. Consegui reunir uma
boa quantidade. Não todas. As do meu
avô, provavelmente, estão no espólio
do meu pai, na Universidade do Algar-
ve. Depois, há cartas para mim, que es-
tava a sair para Coimbra, e por ai fora.
Há ainda um conjunto de cartas mui-
to interessantes para o Adolfo Casais
Monteiro. Foram colegas na faculdade
e, aqui em Coimbra, no estágio, e fica-
ram amigos. Isso está no espólio do Ca-
sais, na Biblioteca Nacional. Para o filó-
sofo, para o Alvaro Ribeiro, há também
alguma coisa.

Muita gente não saberá, mas é ao seu


pai que Portugal deve a descoberta e a
publicação do António Aleixo...
O meu pai foi um grande divulgador
cultural, sobretudo no Algarve, embo-
ra tenha corrido um pouco o país a fa-
zer conferências. E a invenção do Alei-
xo é uma coisa fundamental. Quando o
meu pai o conhece e, depois, consegue
publicá-lo. Há uma correspondência
muito interessante com o Casais Mon-
teiro, que mostra que o meu pai tentou
que fosse uma grande editora, em Lis-
boa, a publicar o Aleixo, mas não con-
seguiu. Eu acompanhei esse processo,
mas não tenho coisa nenhuma dessas,
apenas um volume que o Aleixo ofere-
ceu ao meu pai, e é engraçado que é um
livro da esquerda, do período da guer-
ra. quando ele estava aqui no sanatório,
em Coimbra. Eu falei disto ao neto, que é
o atual presidente da Câmara de Loulé,
que também associa a vinda do av6 para
Coimbra a uma esquerdização dos ver-
sos que fazia.

Por falar em guerra: escapou à Guerra


Colonial? mo o seu, o de Álvaro Garrido... Eu sempre fui omnívoro, no que respei-
Escapei, fiquei em Espinho. E gostei O Álvaro é o meu discípulo!... ta à leitura. O Fernand Braudel, claro...
muito de viver ali. Aliás, sou um algar- Quando o Magalhães Godinho, no ve-
vio que gostou muito de viver no Norte. E o seu mestre foi, já o sabemos, Vito- rão de 64, numa esplanada em Albufei-
Os meus filhos nasceram no Porto, na rino Magalhães Godinho. Fale-nos de ra, me disse "Você tem de ler isto, aqui-
Ordem do Terço. outras referências portuguesas com lo e aqueloutro", deu-me para ali uma
que se construiu como historiador. bibliografia a que eu, nem que vivesse
Pois, quando deixou Coimbra para ser Talvez me tenha marcado também, em cem anos, conseguia chegar, e estava lá
professor liceal... termos de perceção da História da cul- o Braudel, claro. Eu nem sabia como se
A verdade é que os tipos não me quise- tura, a Maria Helena da Rocha Pereira, escrevia o nome. Nunca tinha ouvido
ram. Na Faculdade de Letras, nem pen- que eu respeito e admiro muito. Mais falar em tal sujeito. Mas cheguei cá e fui
sar. porque aquilo era só padres e bea- ninguém assim marcante. à Faculdade de Letras, que tinha uma
tos. Na Faculdade de Economia, quan- biblioteca notável. Havia praticamente
do eu quis ir para lá, responderam-me Tudo o resto é do seu tempo ou veio de- tudo aquilo de que se precisava. E eu re-
que não ia haverHistória económica pa- pois de si? quisitei o Braudel [nota: "O Mediterrâ-
ra ninguém... Sim, mas no liceu tivegrandes professo- neo e o Mundo Mediterrânico na Época
res, aí sim. Eu tive excelentes professo- de Filipe Tive o Braudel, na tradu-
Mas isso mudou, e associam-se à Fa- res no liceu e não na Universidade... ção espanhola, porque era o que havia
culdade de Economia de Coimbra no- (a segunda edição francesa é posterior
mes importantes da historiografia, co- E as referências de ler, internacionais? e a tradução espanhola é dos anos 50), e
"A INVENÇÃO DO
ANTÓNIO ALEIXO
É UMA COISA
FUNDAMENTAL:
QUANDO O MEU
PAI O CONHECE E,
DEPOIS, CONSEGUE
PUBLICÁ-LO"

t rouxe para casa, para o quartinho onde Domínguez Ortiz e toda essa gente que
vivia, os dois volumes, e tive-os lá du- eu trabalhei muito bem.
rante um ano, porque ninguém preci-
sou deles!... Está tudo dito em relação ao Os anglo-saxónicos revelaram-se
que era a Faculdade de Letras. posteriormente?
Sim, isso veio depois. Ainda li alguns,
Outros nomes que lhe encham as me- mas não me formaram como formaram
didas? os franceses.
O Duby, por exemplo. É um grande es-
critor. O "La vie des campagnes" é mui- Agora, por os jovens não aprenderem a
to bom. Mais do que as outras coisas, até. língua, os franceses estão a tornar-se
O Le Roy Ladurie, outro historiador de inacessíveis?
topo. O próprio Lucien Fèbvre continua Sim, é verdade. E os ingleses estão a
a ser uma referência. Ainda outro dia simplificar demasiado as coisas. Aque-
fui fazer uma conferência sobre Histó- las pequenas teses, muito rápidas, mui-
ria e Geografia e lá fui ler o Febvre. Ah, to feitas à pressão, segundo os prazos.
e a historiografia espanhola. Sobretu- Claro que o trabalho francês, nas gran-
do, na altura, estava muito na berra o Vi- des teses de Estado, era impossível de
cens Vives, catalão, que me serviu de manter. Veja lá, 20 anos a fazer uma te-
muito. Depois, mais tarde, o Antonio se! Isso também não pode ser.
ENTREVISTA

Historiador
e cidadão
inquieto
Perfil
falta-lhe a aura mediática que torna alguns dos
pares mais reconhecidos pelo cidadão comum,

IF
mas não é justo. A dimensão de Joaquim Rome-
ro Magalhães não se confina à de notável his-
toriador, na medida em que. desde muito no-
vo, foi um cidadão empenhado em causas, o que
lhe tem valido ocupar posições de grande des-
taque: enquanto profissional, é uma referência incontorná-
vel no estudo da Época Moderna em Portugal: enquanto cida-
dão, éassumidamente alinhado e orgulhoso da sua militancia
no Partido Socialista. que lhe abriu as portas da Assembleia
Constituinte e, também. de funções governativasnos primei-
ros dois executivos liderados por Mário Soares.
Filho de loaquim Magalhães, o professor de literatura por-
tuense, radicado no Algarve, que descobriu e deu a conhecer
António Aleixo, o historiador nasceu em Loulé. em abril de
1942. Deixou o Algarve na hora de ir para a Universidade, on-
de acumulou desilusões, embora o destino de então.Coimbra.
tenha vindo a ser o de quase toda a vida. As desilusões conta-
-as ele nesta entrevista. Salvou-se, enquanto historiador, fo-
ra da Universidade, procurando, por conta e risco, numa ida à
praia, o seu verdadeiro mestre, Vitorino Magalhães Godinho.
Foi Godinho, proscrito do salazarismo e caso excecional de
vanguardismo na historiografia portuguesa, quem o enca-
minhou e lhe proporcionou a formação que na Universida-
de não existia. Unia Universidade que tolerava este desvio à
ortodoxia porque não contava com ele. Assim começou um
percurso profissional iniciado no ensino liceal (esteve dois
anos a lecionar no Porto, no então D. Manuel II) e entrecortado
pela experiência política. Tudo mudou com a chegada da Li-
berdade, em 1974, e, um ano depois, vamos encontrar Rome-
ro Magalhães como um dos mais jovens deputados à Assem-
bleia Constituinte. Depois, vemo-lo como secretário de Es-
tado da Orientação Pedagógica. num gabinete chefiado por
SottomayorCardia. E só em 1985 assistimos ao doutoramento.
em Coimbra, com uma dissertação intitulada "Algarve Eco
nómico -1600-1773".
Embora tenha tido convites de outras instituições, fez da
Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra a sua
principal casa, daí partindo para pontuais experiências em
universidades estrangeiras. sendo a Yale University (Ncw
Haven, Connecticut, EUA) a que mais o fascinou. Especialista
consagrado na época áurea do passado português, liderou, de
1999 a 2002, a Comissão Nacional para as Comemorações dos
Descobrimentos Portugueses.
Todo o percurso público deste homem transmite urna per-
manente inquietação, um desejo de fazer coisas. Do tempo em
que, enquanto estudante. presidiu à Associação Académica
até ao momento em que, para dissipar as dúvidas que o assal-
tavam, decidiu estudara fundo a I República. nunca deixou de
se reinventar.

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