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Direito Tributário: questões atuais

Ordem dos Advogados do Brasil - Conselho Federal


Gestão 2010/2013

Diretoria
Ophir Cavalcante Junior P reside nte
Alberto de Paula M achado V ic e -P re s id e n te
Marcus Vinícius Furtado Coêlho S e c retário-G eral
M árcia M achado M eia ré S ecretária-G eral A d ju n ta
M iguel Ângeio Cançado D ire tor-T e so u re iro

Conselheiros Federais
AC: C e s a r A u g u s t o B a p t i s t a d e C a r v a l h o , R e n a t o C a s t e i o d e O l i v e i r a e T i t o Co st a
d e O l i v e i r a ; AL: F e l i p e S a r o i e n t o C o r d e i r o , M a r c e l o H e n r i q u e B r a b o M a g a l h ã e s e
Pau lo H e n r i q u e Falc ão B r ê d a ; AP: A d a m o r de Souza O l i v e i r a , Sa n d r a d o S o c o r r o do
C a r m o O l i v e i r a e Vera d e Jesus P i n h e i r o ; A M : Jean C l e u t e r S im õ e s M e n d o n ç a , José
A l b e r t o R i b e i r o S i m o n e t t i C a b r a l e M i q u é i a s M a t i a s F e r n a n d e s ; BA: D u r v a l J u l i o
R a m o s N e t o , Lu iz V i a n a Q u e i r o z e M a r c e l o C i n t r a Z a r i f ; CE: H é r c u l e s S a r a iv a d o
A m a r a l , J o s é D a n i l o C o r r e i a M o t a e P a u l o N a p o l e ã o G o n ç a l v e s Q u e z a d o ; DF:
D a n ie la R o d r ig u e s T eix ei ra , D é l i o F or te s Lins e Silva e M e i r e Lúcia G o m e s M o n t e i r o
M o t a C o e l h o ; ES: D j a l m a F r a s s o n , L u iz C l á u d i o S il v a A l l e m a n d e S e t e m b r i n o
I d w a l d o N e t t o P e l i s s a r i ; G O : F e l i c í s s i m o Se n a , J o ã o B e z e r r a C a v a l c a n t e e M i g u e l
 n g e l o C a n ç a d o ; M A : José G u i l h e r m e C a r v a lh o Z a g a llo , R a i m u n d o F e r r e i r a M a r q u e s
e U l i s s e s C é s a r M a r t i n s d e S o u s a ; M T : F r a n c i s c o A n i s F a ia d , F r a n c i s c o E d u a r d o
T o r r e s Esga ib e José A n t o n i o T a d e u G u i l h e n ; M S : A f e i f e M o h a m a d H a jj , C a r m e l i n o
d e A r r u d a R e z e n d e e J o s é S e b a s t i ã o E s p í n d o l a ; M G : Jo sé M u r i l o P r o c ó p i o de
C a r v a lh o , Pau lo R o b e r t o d e G o u v ê a M e d i n a e R a i m u n d o C â n d id o J u n io r ; PA: A n g e la
S e r ra Sales, R o b e r t o L a u r i a e R o d o l f o Mans G e l l e r ; PB: G e n i v a l V e l o s o d e Fran ça
F ilh o, V i t a l B ez er ra Lo pes e W a l t e r d e A g r a J ú n i o r ; PR: A l b e r t o d e Paula M a c h a d o ,
R e n é A r i e l D o t t i e R o m e u F e l i p e B a c e l l a r F i l h o ; PE: J a y m e J e m i l A s f o r a F i l h o ,
L e o n a r d o A c c io ly da Silva e P e d r o H e n r i q u e Braga R e y n a ld o Al ve s; PI: José N o r b e r t o
L o p e s C a m p e i o , M a r c u s V i n i c i u s F u r t a d o C o ê l h o e W i l l i a n G u i m a r ã e s S a n t o s de
C a r v a l h o ; RJ: C a r l o s R o b e r t o S i q u e i r a C a s t r o , C l á u d i o P e r e i r a d e S o u z a N e t o e
M a r c u s V i n i c i u s C o r d e i r o ; RN: L u c i o T e ix e ir a d o s S a n t o s , S é r g io E d u a r d o da Co st a
F r e i r e e W a g n e r S o a r e s R i b e i r o d e A m o r i m ; RS: Cléa C a r p i d a R o c h a , Lu iz C a r lo s
L e v e n z o n e R e n a t o d a C o s t a F i g u e i r a ; RO: C e ls o C e c c a t t o , G i l b e r t o P i s e l o d o
N a s c i m e n t o e O r e s t e s M u n i z F i l h o ; RR: E d n a l d o G o m e s V i d a l , F r a n c i s c o d e Assis
G u i m a r ã e s A l m e i d a e M a r y v a l d o Bas sa l d e F r e i r e ; SC: P a u l o M a r c o n d e s B r in c a s ,
Ra fa el d e Assis H o r n e W a l t e r C a r lo s S e y f f e r t h ; SP: A r n o l d o W a l d F il h o , G u i l h e r m e
O c t á v i o B a t o c h i o e M á r c i a M a c h a d o M e i a r é ; SE: H e n r i Clay S a n t o s A n d r a d e , V a l m i r
M a c e d o d e A r a u jo e M ig u e l E d u a rd o B r i t t o A r a g ã o ; TO: A n t o n i o P im e n t e l N e to ,
M a n o e l B o n f i m F u r t a d o C o r r e i a e M a u r o José Ribas.

Comissão Especial de Direito Tributário


Pr e sid e n te ; Luiz C lá u d io Silva A ll e m a n d . V ic e - P r e s id e n t e : A n t o n i o Carlos Ro dri gu es do
A m a r a l . S e c r e t á r i o : Jean C l e u t e r S im õ e s M e n d o n ç a . M e m b r o s : A d r i a n o G u i n z e l l i ,
Da niela R ib e ir o de Gu sm ã o , Erich E n d r il lo Sant os Simas, Gus ta vo H e n r iq u e Vasconcelos
V e n t u r a , Ig o r M a u l e r San tiag o, J o n a th a n Bar ros V i t a , Jose A u g u s t o Torres Potiguar.

Apoio Técnico
G e r e n t e de A s s e s s o r a m e n t o às Comissões: Evan dr o V i t o r i n o Elias; T écn ico da Ge rê n ci a
d e A s s e s s o r a m e n t o às C om iss ões : A d r i a n o Ric a rd o T od e s c h in i e D a n ie l da Luz Bar ros ;
Des ig n e r: Susele M i r a n d a ; G e r e n t e d e Relações Exter nas : A li n e M a c h a d o Costa T i m m ;
B i b l i o t e c á r i a : S u za n a Dias.
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
CONSELHO FEDERAL

COMISSÃO ESPECIAL DE DIREITO TRIBUTÁRIO

Direito Tributário: questões atuais

A n t o n i o C a r lo s R o d r i g u e s d o A m a r a l José S o u t o M a i o r Bo rg e s
A le s s a n d ro R ostagno Lia Barsi Drezza
A d ria n o G u ln ze lli Luiz C l á u d i o Silv a A l l e m a n d
A d r i a n o S a n t 'A n a Pedra M a r c o A u r é lio Greco
E duardo Jun q ue ira C oelho M a r i a d e F á t i m a R ib e i r o
E duardo M an e ira M a r y Elbe Q u e ir o z
E d u a r d o Paz F e r r e i r a M i s a b e l A b r e u M a c h a d o Derzi
Erich E n d r i l l o S a n t o s Sim as N u n o Piçar ra
G e r m a n A l e j a n d r o San M a r t i n F e r n a n d e z O s v a l d o S a n t o s d e C a r v a lh o
G ustavo H e n riq u e V asconcelos V entura P a u lo d e B a r ro s C a r v a lh o
G u s t a v o A n d r é M u l l e r B r ig a g ã o R o b e rto Quiroga M osquera
H e l e n o T a v e ir a T o r r e s R o b s o n M a i a Lins
H e n r i q u e da C u n h a Tavares R o d r i g o F ra n c is c o d e Paula
I g o r M a u l e r S a n t ia g o R o g é r io M . F e r n a n d e s F e r r e i r a
I ves G a n d r a da Silva M a r t i n s R o q u e A n t o n i o Carrazza
J o n a th a n Barros V ita Sacha C a l m o n N a v a r r o C o ê lh o
Jean C l e u t e r S im õ e s M e n d o n ç a Tá ci o L a c e rd a G a m a
José A u g u s t o T o r r e s P o t i g u a r V a lério P im e n ta de M ora is
José C a s a lt a N a b a is

Brasília
2012
© Ordem dos Advogados do Brasil
Conselho Federal, 2012

Setor de Autarquias Sul - Quadra 5, Lote 1, Bloco M


Brasília - DF
CEP 70070-939

Distribuição; Gerência de Relações Externas/Biblioteca Arx Tourínho

Fones: (61) 2193-9663 e 2193-9605

Fax: (61)2193-9632
e-mail: biblioteca@oab.org.br

Tiragem: 1.000 exemplares.

Capa: Susele Bezerra de Miranda

Coordenação: Luiz Cláudio Silva Allemand

FICHA CATALOGRÁFICA

Direito tributário: questões atuais / coordenação: Luiz Cláudio Silva


Allemand. - Brasília: OAB, Conselho Federal, Comissão Especial
de Direito Tributário, 2012.

540 p.

ISBN 978-85-7966-015-3

1. Direito Tributário - Brasil. I. Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).


Conselho Federal. Comissão Especial de Direito Tributário. I. Amaral,
Antonio Carlos Rodrigues do. II. Título.

CDD 341.39

Suzana Dias da Silva - CRBl/1964


DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

PREFÁCIO

No Brasil das reformas, a política e a tributária sempre foram as mais


faladas pelos eleitos, mas nunca passaram adiante, seja porque não interessa
aos políticos profissionais mudar um sistema que lhes parece confortável,
seja porque não importa à máquina estatal perdulária aliviar o peso das
costas de milhões de contribuintes.

Os mais pessimistas diziam que só diante de um cataclismo ético-


político, que levaria a uma mobilização nacional, essas duas reformas sairiam
do papei, o que não deixa de ser verdadeiro se considerarmos os extremos
a que chegamos nessas matérias.

Com um dos piores sistemas de impostos e contribuições do mundo,


nosso País apresenta também uma das mais caóticas legislações tributárias
- complexa, redundante, eivada de leis, decretos, portarias e outros
diplomas, muitos dos quais contraditórios, a confundir os mais experientes
advogados e juizes, que dizer então o cidadâo-contribuinte? Este, além de
se submeter a uma irracional cadeia de obrigações acessórias, convive com
uma série de benefícios e favores fiscais dirigidos a segmentos econômicos
com maior capacidade de contribuir.

É neste ponto que a corda estica até o seu limite máximo. Ostentar
uma das mais altas cargas tributárias não basta; possuir uma legislação
confusa, também não; gastar muito e gastar mal, idem. 0 mais grave é que o
sistema tornou-se terrivelm ente injusto com os pobres - justam ente o
público que o marketing oficial escolheu para proclamar que "país rico é país
sem pobreza". Chega a ser irônico.

Quando não há equidade e o retorno social daquilo que a União recolhe


é baixo,deixa-se de exercitar a cidadania tributária, igualmente essencial
para a realização dos objetivos consagrados em nossa Constituição, de
construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento
nacional; erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades
sociais e regionais e promover o bem de todos.

Recai sobre as classes médias e os trabalhadores a maior parte do


ônus fiscal, mas a população em geral precisa saber melhor como funciona o
sistema. Precisa também saber que o grande número de tributos e o excesso
de burocracia são fatores que desestimulam as atividades produtivas e a
geração de empregos.

5
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT U AIS

É essa cidadania que queremos ver aflorar, daí porque o Conselho


Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, na gestão que ora encerra, não
mediu esforços para enfrentar essa realidade injusta, seja mediante ações
práticas ligadas ao exercício e defesa de uma justiça fiscal, seja produzindo
debates acadêmicos com o objetivo de criar uma massa crítica relevante ao
debate.

A presente obra, de in icia tiva da Comissão Especial de D ireito


Tributário, procura expressar o pensamento crítico dos advogados brasileiros,
mantendo acesa a chama de transformação social, que sempre colocou a
OAB na vanguarda das lutas por um País mais justo e solidário.

Ophir Cavalcante Junior


Presidente Nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

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D IR E IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

SUM ÁRIO

APRESENTAÇÃO.................................................................................................... 11
Luiz Cláudio Allemand

UM ESTATUTO DE DIREITOS BÁSICOS DO CONTRIBUINTE............................. 15


Antonio Carlos Rodrigues do Amaral

A GUERRA FISCAL NO CONTEXTO JURÍDICO-POÜTICO DO DESENVOLVIMENTO


REGIONAL BRASILEIRO........................................................................................17
Alessandro Rostagno

O ADEQUADO TRATAMENTO TRIBUTÁRIO DOS INCENTIVOS FISCAIS DE ICMS


FRENTE AO PIS/COFINS...................................................................................... 41
Adriano Guinzelli

APONTAMENTOS SOBRE AS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS...................................... 51


Eduardo Maneira

POR QUE MOTIVO, EM VIRTUDE DE QUE PROTEÇÃO, DE QUE GARANTIA, SE


PAGAM NESTA CIDADE IMPOSTOS?................................................................. 73
Eduardo Paz Ferreira

A INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS NO PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO E O USO


DE CLÁUSULAS ANTIELISIVAS............................................................................ 91
Erích Endrillo Santos Simas

O ICMS IMPORTAÇÃO NAS OPERAÇÕES REALIZADAS POR NÃO CONTRIBUINTE


HABITUAL DO IMPOSTO (PESSOA FÍSICA OU JURÍDICA NÃO CONTRIBUINTE
DO ICMS). ANÁLISE DA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE IMPOSTOS ETAXAS
DO ESTADO DE SÃO PAULO E DOS TRIBUNAIS SUPERIORES (STJ E STF).... 107
German Alejandro San Martin Fernandez

ASPECTOS CONSTITUCIONAIS 0 0 DIREITO DE CRÉDITO NO ICMS.............117


Gustavo Henrique Vasconcelos Ventura

DEFINIÇÃO DOS LIMITES DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA EM MATÉRIA DE


INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA, À LUZ DA LC N. 1 1 6 ^ 3 ................. 149
Gustavo André Muller Brigagão

7
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT U AIS

OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS ACESSÓRIAS NA PERSPECTIVA DO DEVER


FUNDAMENTAL DE CONTRIBUIR COM OS GASTOS PÚBLICOS: UMA REFLEXÃO
ACERCA DOS CRITÉRIOS PARA SUA INSTITUIÇÃO.........................................169
Henrique da Cunha Tavares e Adriano Sant'Ana Pedra

COISA JULGADA E PRECEDENTES NAS RELAÇÕES TRIBUTÁRIAS


CONTINUATIVAS............................................................................................... 181
Heleno Taveira Torres

INTRIBUTABILIDADE DOS JUROS DE MORA PELO IMPOSTO DE RENDA (PESSOA


FÍSICA E JURÍDICA) E PELA CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO 213
Igor Mauler Santiago

REPERCUSSÃO GERAL NO CARF.......................................................................221


Ives Gandra da Silva Martins

O PROTOCOLO CONFAZ 21/2011 E 0 ICMS INCIDENTE SOBRE OPERAÇÕES


MEDIADAS PELA INTERNET: UMA NECESSÁRIA (RE)ANÁLISE DO CONCEITO
DE ESTABELECIMENTO...................................................................................... 225
Jonathan Barros Vita

ISENÇÕES TRIBUTÁRIAS NO PACTO FEDERALISTA - ZONA FRANCA DE


M ANAUS.............................................................................................................241
Jean Cleuter Simões Mendonça

O IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA NA CONSTRUÇÃO


CIVIL E A INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA........................................................ 247
José Augusto Torres Potiguar

NOTA SOBRE O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR TRIBUTOS.................... 251


José Casalta Nabais

DA ESTRUTURAÀ FUNÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO- SOBRE 0 PENSAMENTO


COMPLEXO......................................................................................................... 259
José Souto Maior Borges

O MERCADO INTERNO COMO DIREITO DA SOCIEDADE...............................271


Luiz Cláudio Silva Allemand

DO PODER À FUNÇÃO TRIBUTÁRIA................................................................. 277


Marco Aurélio Greco

8
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

EFETIVAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E A ESCASSEZ DE RECURSOS


FINANCEIROS..................................................................................................... 285
Maria de Fátima Ribeiro

A PROPORCIONALIDADE NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO-TRIBUTÁRIO.... 311


Mary Elbe Queiroz

A IRRETROATIVIDADE DO DIREITO NO DIREITO TRIBUTÁRIO.......................325


Misabel Abreu Machado Derzi

TRÊS NOTAS SOBRE A IDENTIDADE DO SISTEMA JURISDICIONAL DA UNIÃO


EUROPEIA............................................................................................................349
Nuno Piçarra

ICMS E FEDERAÇÃO........................................................................................... 371


Osvaldo Santos de Carvalho e Valério Pimenta de Morais

ENTRE A FORMA E O CONTEÚDO NA DESCONSTITUIÇÃO DOS NEGÓCIOS


JURÍDICOS SIMULADOS.................................................................................... 393
Paulo de Barros Carvalho

O INSTITUTO DA COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA E A NATUREZA JURÍDICA DAS


ESTIMATIVAS MENSAIS DE IRPJ RECOLHIDAS A M A IO R .............................. 419
Roberto Quiroga Mosquera e Lia Barsi Drezza

O SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E A FILOSOFIA DA LINGUAGEM: ANOTAÇÕES


SOBRE O CONCEITO DE NORMA NA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO
TRIBUNAL FEDERAL...........................................................................................445
Robson Maia Lins

0 ICMS COMO IMPOSTO UNIFORME NAS OPERAÇÕES INTERESTADUAIS:


INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO DO SENADO FEDERAL
N91 3 ^ 0 1 2 ...........................................................................................................467
Rodrigo Francisco de Paula

REGULARIZAÇÕES EXTRAORDINÁRIAS DE ELEMENTOS PATRIMONIAIS NO


EXTERIOR (O CASO PORTUGUÊS)................................................................... 477
Rogério M. Fernandes Ferreira

DA NÃO INCIDÊNCIA DA COFINS SOBRE VALORES MONETÁRIOS RECEBIDOS


POR ASSOCIAÇÕES; SEM FINS LUCRATIVOS, SEJA DE FUNCIONÁRIOS
PÚBLICOS, SEJA DE FUNCIONÁRIOS DE EMPRESAS PRIVADAS.................. 487
Roque Antonio Carrazza

9
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES AT U AIS

PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA EO APORTE DE RECURSOS PELO PODER PÚBLICO.


CRÍTICA AO TRATAMENTO TRIBUTÁRIO CONFERIDO PELA MP
Ne 575/2012......................................................................................................... 513
Eduardo Junqueira Coelho e Sacha Calmon Navarro Coêlho

ATRIBUTOS DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA................................................. 527


Tácio Lacerda Gama

10
DIREITO TRIBUTÁRIO: QUESTÕES ATUAIS

APRESENTAÇÃO

É com enorme satisfação que a Comissão Especial de Direito Tributário está


concluindo o trabalho que foi confiado pelo Presidente Ophir Cavalcante Junior,
em 3 (três) anos de assessoramento contínuo ao Conselho Federal da OAB.

Com o apoio da Diretoria do Conselho Federal e dos Conselheiros


Federais foi possível realizar 2 (dois) eventos de projeção nacional, para
discutir a Reforma Tributária e o tema mais abordado em todos os eventos
de direito tributário pelo Brasil, qual seja, a "segurança jurídica".

No primeiro evento, a Comissão Especial de Direito Tributário optou


em debater a Reforma Tributária com um membro do Poder Legislativo, um
membro do Poder Executivo e um jurista, em 5 (cinco) painéis com subtemas
d is tin to s , que poderão ser acessados no sítio da rede m u n dia l de
computadores da Escola Nacional de Advocacia - ENA, no endereço h ttp ;//
ena.oab.org.br/palestras-e-videos.

No segundo evento, a Comissão Especial de Direito Tributário debateu


0 "Sistema Tributário Nacional”, com os juristas que compõem a própria
comissão, em 2 (dois) painéis que abordaram tem as relacionados à
"segurança jurídica" e "Guerra Fiscal", no Centro de Convenções, na cidade
de Vitória/ES, que também poderão ser acessados no sítio da rede mundial
de computadores da Escola Nacional de Advocacia - ENA, no endereço http :/
/ena.oab.org.br/paiestras-e-videos.

Em todos os eventos, com excelente público, a Comissão Especial de


Direito Tributário trabalhou com patrocínio, como também contou com o
apoio institucional de vários veículos de comunicação, dentre eles Consultor
Jurídico e Migalhas, de Conselhos de classe (CFA, CRA/ES e CRC/ES), das
Seccionais da OAB, do Instituto dos advogados Brasileiros - lAB, de editoras
e cursos jurídicos na divulgação.

Ao final dos trabalhos a comissão encaminhou aos patrocinadores e a


D ire to ria do Conselho Federal as prestações de contas devidam ente
encadernadas, com todos os números envolvidos para realização dos eventos.

Ainda na assessoria do Conselho Federal, a Comissão Especial de


Direito Tributário proferiu vários pareceres — mesmo com a dificuldade de
somente poder se reunir 2 (duas) vezes ao ano —, seja para rejeitar projetos
de leis, seja aprovando ajuizamento de ADI ou a intervenção do Conselho

11
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Federal da OAB, como amicus curiae ou assistente técnico, em causas


envolvendo interesse direto da classe dos advogados.

A Comissão realizou reunião com os Presidentes de Comissões de


Direito Tributário das Seccionais com o objetivo de estreitar o relacionamento
e direcionar um trabalho conjunto, o que foi muito proveitoso, bem como
buscou aproximação com as associações e institutos, bem como com a
Academia, todos ligados ao Direito Tributário, com o objetivo de colaborar
com os debates sobre o Sistema Tributário, o Estado Fiscal, a insegurança
Jurídica, o desrespeito ao contribuinte, etc.

Com esta coletânea a Comissão Especial de Direito Tributário encerra


um ciclo profícuo de trabalho, com a participação dos mais renomados
doutrinadores do direito tributário nacional e português, que gentilmente e
prontamente aceitaram o convite, mesmo lhes sendo imposto um curtíssimo
prazo para o envio dos artigos. A todos o meu mais sincero obrigado.

A Comissão Especial de D ireito T ributário não poderia deixar de


agradecer ao Presidente Ophir Cavalcante Junior, a Diretoria do CFOAB e os
Conselheiros Federais pelo apoio e confiança, agradecer aos patrocinadores
Wine, CNA, FINDES, Centro do Comércio de Café de Vitória, Cofril, Café
Cafuso e E ditora Fórum, aos servidores do Conselho Federal, pelo
profissionalismo, ao Presidente Homero Mafra, da Seccional da OAB/ES, ao
Presidente Fernando Fragoso, do lAB Nacional, bem como a todos que direta
ou indiretamente estiveram ao lado da comissão.

Por fim , a p ro ve ito para fa ze r um a g rad ecim e nto especial aos


advogados Adriano Guinzelli, Antonio Carlos Rodrigues do Amaral, Daniela
Gusmão, Erich Endrillo Santos Simas, Gustavo Henrique Vasconcelos Ventura,
Igor Mauler Santiago, Jean Cleuter Simões Mendonça, Jonathan Barros Vita
e José Augusto Torres Potiguar, pelo trabalho que desenvolveram, de forma
profissional e responsável, honrando a missão que a advocacia lhes delegou,
de sorte que afirmo te r conhecido honrados colegas no início da gestão, os
quais ao final desses 3 (três) anos, posso chamar de amigos.

Gostaria de concluir citando uma passagem do livro "A pirâmide e o


Trapézio", obra do ex-Presidente do Conselho Federal da OAB, membro da
Academia Brasileira de Letras, jurista, sociólogo, historiador, cientista político
e escritor, Raymundo Faoro':

^ FAORO, R ay m u n d o . M a c h o d o d e Assis: a p ir â m id e e o tra p é z io . 4. e d . São Paulo: E ditora G lobo, 2001,


p. 78,

12
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

A Constituição só seria venerada pelos políticos em oposição, que,


no governo - por ser governo violavam, assenhoreando-se
dos instrumentos de poder que ela só nominalmente limitava. 0
exercício do governo seria sempre a Constituição violada - daí
o brado pitoresco e oco da oposição: 'Mergulhe-mos no Jordão
constitucional

Com 0 auxílio das palavras de Faoro e como integrante de uma


sociedade participativa, tom o a liberdade de exigir do Poder Público o
respeito à Constituição Federal, que não pode ser lembrada somente no
momento do sonho, mas também deve ser respeitada quando este sonho
se concretiza, pois ali se encontram os limites dos Poderes do Estado.

Luiz Cláudio Allemand


Conselheiro Federal OAB/ES
Presidente da Comissão Especial de Direito Tributário do CFOAB

13
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

U M ESTATUTO DE DIREITOS BÁSICOS DO CONTRIBUINTE

Antonio Carlos Rodrigues do Amaral^

SÍNTESE-. 0 presente artigo trata de delinear algumas propostas preliminares para


comporem um Estatuto de Direitos Básicos do Contribuinte. Diferentemente de um
amplo código de defesa do contribuinte, aqui se objetiva garantir e proteger certos
direitos básicos. Pretende-se, assim, apresentar um rol inicial de proposições que
solucionem problemas do dla-a-dia do cidadão, seja quanto ao acesso às autoridades
fiscais, seja quanto aos meios de defesa, de obtenção de informações ou evitar a
aplicação de sanções desproporcionais ou incompatíveis com o Estado Democrático
de Direito e o pleno e legítimo exercício das atividades profissionais do Advogado.
Ademais, visam desburocratizar e racionalizar as obrigações acessórias, facilitando
e desonerando custos excessivos da sociedade no cumprimento das obrigações
fiscais. 0 delineamento de direitos básicos do contribuinte objetiva, sobretudo,
promover uma mínima proteção concreta aos contribuintes honestos e que procuram
arduamente honrar suas obrigações tributárias, principais e acessórias, em meio a
um emaranhado de normas complexas e muitas vezes contraditórias. Apesar de sua
plena boa-fé (e mesmo empenho, para fugir das complicações fiscais posteriores), o
contribuinte se vê em diversas ocasiões maltratado e mesmo compelido ao erro e ao
insucesso no cumprimento de seus compromissos, com os vários FISCOs dos
diferentes entes políticos. Este pequeno artigo, por sua concisão, elenca apenas
alguns direitos básicos, aos quais outros poderão se acrescer. Sempre na ótica de se
tratar de temas práticos e concretos, que sejam submetidos ao crivo do debate
democrático, sob a perspectiva de sua razoabilidade para o bom serviço à Nação e
à cidadania, na persecução do Bem Comum. Esta proposta da criação de um Estatuto
de Direitos Básicos do Contribuinte - que é diferente de um amplo e complexo código
de defesa do contribuinte (não obstante as qualidades desta última proposição
trata-se, no caso presente, de uma concepção filosoficamente distinta, menos
ambiciosa e mais prática) - foi também apresentada em exposições do autor em
seminários organizados sob os auspícios da Comissão de Direito Tributário do
Conselho Federal da OAB, realizados em Brasília, D.F., em 17/maio/2011 (Seminário
"Reforma Tributária"), e em Vitória, ES, em 2^maio/2012 (Seminário "Sistema
Tributário Nacional").

' - V i c e P r e s id e n t e d a C o m is s ã o d e D i r e i t o T r i b u t á r i o d o C o n s e lh o F e d e r a l d a O AB . C o n s e lh e i r o
S e c c io n a l e P r e s i d e n t e d a C o m i s s ã o d e D i r e i t o T r i b u t á r i o d a O A B SP. P r o f e s s o r d e D i r e i t o
C o n s t i t u c i o n a l e d e D i r e i t o T r i b u t á r i o d a F a c u ld a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e M a c k e n z i e .
A c a d ê m i c o T i t u l a r d a A c a d e m i a P a u l i s t a d e D i r e i t o e d a A c a d e m i a P a u l i s t a d e L e t r a s J u r íd ic a s .
D o u t o r e M e s t r e , c o m d is t in ç ã o , e m E d u c a ç ã o p e la USP. M e s t r e e m D ir e i t o ( L L M . ) p e la H a r v a r d
L a w S c h o o l e P ó s - g r a d u a d o , c o m a d i s t i n ç ã o d e e x c e l ê n c ia a c a d ê m ic a , p e l o H a r v a r d U n i v e r s it y
I n t e r n a t i o n a l Tax P r o g r a m . C o n s e l h e i r o d o s C o n s e lh o s J u r í d i c o s d a F ie s p e d a F e c o m e r c io /S P ,
A d v o g a d o e m São Paulo.

15
DIREIT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES AT U AIS

Introdução

Como se observa ao longo dos últimos anos, o contribuinte brasileiro


tem sofrido substancial redução em seus direitos e garantias básicas na rotina
de suas relações com o FISCO. 0 Estado, em vez de bem servir ao cidadão,
muitas vezes coloca-se na posição de seu algoz. Estabelece obrigações
descabidas. Trata mal àquele que lhe sustenta. Pune ju sta m e n te o
contribuinte honesto, impondo-lhe uma carga tributária voraz e obrigações
tributárias que se acumulam e se repetem. 0 erro de boa-fé é punido com
multas elevadas e, diversas vezes, com ameaças de sanções penais por fiscais
de ten dência menos republicana - ainda que seja uma m in o n a - e
constrangimentos de variada ordem.
0 cidadão comum, enquanto isso, ressente-se com a ausência de
direitos básicos a lhe garantir acesso às autoridades fiscais, sofre com
prazos exíguos de defesa, legislação complexa, desordenada, confusa e
de conseqüências muitas vezes desconhecidas pelo p róprio FISCO. Um
a to p ra tic a d o h o je pelo c o n tr ib u in te p o d e rá ser in te r p re ta d o
d ife re n te m e n te d aqui alguns anos se s o fre r uma fisca liza çã o . A
In te rp re ta ç ã o , vá lid a a tu a lm e n te , das a u to rid a d e s nas c o rte s
adm inistrativas, poderá ser diam etralm ente oposta no fu tu ro , quando
seu caso vier a ser julgado. Desse modo, hoje uma prática trib u tá ria
in oce n te poderá ser punível p o s te rio rm e n te ! Enfim , o c o n trib u in te
convive com uma certeza, a de que há incerteza, não apenas no presente
ou quanto ao futuro, mas igualmente em relação ao passado. E é este o
ônus dom inante em diversas matérias trib u tá ria s. Em uma reprovável
inversão de valores, em diversas oportunidades, inverte-se o princípio
da boa-fé e da m ínim a presunção de inocência para generalizar-se
a prioristicam ente a atuação de má-fé dos co ntribu in te s. Não se quer
obviam ente sustentar que o cidadão está predestinado aos altares da
santidade fiscal. Mas o Estado, por seus agentes, não tem o d ire ito de
tra tá -lo mal, de m odo pouco tra nsp a re nte , de im p o r dificuldades no
a te n d im e n to , re s trin g ir o acesso às repartições, inform ações ou aos
procedimentos administrativos, de complicar as formalidades, restringir
a rb itra ria m e n te prazos ou a m p lia r d e s a rra z o a d a m e n te lim ite s da
fiscalização ou margens interpretativas em desfavor daquele que já sofre
com uma carga fis ca l d e sm e d id a , exigida p o r v á rio s entes com
competência impositiva. Criar fronteiras bem definidas para a atividade
dos agentes fiscais, estabelecendo direitos básicos do contribuinte, não
é para amarrar o Estado em sua legítima e necessária atividade fiscal e
arrecadatória, mas sim para prevenir abusos, ineficiências, g aran tir o
exercício de direitos básicos da cidadania e, assim, elevar o nível das
relações FISCO-contribuinte.

16
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT UAIS

Diversas instituições pátrias, políticos, juristas e acadêmicos têm


apresentado notável esforço em defesa dos contribuintes por meio de
estudos e projetos de lei. A Ordem dos Advogados do Brasil, cumprindo seu
papel de bem “ defender a Constituição, a ordem ju ríd ic a do Estado
democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela
boa aplicação das leis, pela rá p id a a d m in istra çã o da ju s tiç a e pelo
aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas” (art. 44 do Estatuto
da Advocacia e a OAB, Lei Federal n. 8.906/94), também tem levado ao
Congresso Nacional e ao Poder Executivo, ao longo dos anos, diversas
proposições em defesa do contribuinte, além de, em diversas oportunidades,
ingressar com medidas judiciais visando garantir direitos ou obstar abusos
cometidos também no campo tributário, seja no âmbito nacional, seja no
âmbito de suas secionais.^
Na seqüência segue uma série de proposições que tratam de direitos
básicos do contribuinte. Algumas já vêm sendo defendidas pela OAB há
alguns anos, outras são questões a serem ainda debatidas no âmbito da
própria instituição e/ou de outras entidades antes de ganharem a estrutura
de uma proposição legislativa. Enfim, trata-se do esqueleto de ideias sem
uma autoria bem definida, o que não é, no caso, relevante - pois são
proposições que nasceram como respostas a diversos problemas do dia-a-
dia do contribuinte colacionando alguns pontos defendidos por aqueles
que propõem a elevação no nível de tratam ento deferido ao cidadão nas
relações com o FISCO. Certamente devem ser acrescidos de vários outros. A
proposta que ora se apresenta não é a de se formar, como já se adiantou, um
amplo "código de defesa do contribuinte". Não se trata aqui bem de "defesa"
do contribuinte, mas sim de estabelecer e garantir regras básicas de mútua
convivência com o FISCO, firm ando direitos e garantias que melhorem a
vida do cidadão nas suas relações fiscais habituais. Aqueles que defendem
um amplo "código de defesa do contribuinte" devem continuar a fazê-lo. 0
objetivo de um Estatuto de Direitos Básicos do Contribuinte, como o que ora
se propugna, é mais limitado, prático e pontual, principalmente voltado a
pontos do dia a dia do contribuinte, em suas relações rotineiras com as
autoridades fiscais e no exercício concreto de seu direito de defesa.

^ 0 a u t o r d o p r e s e n t e a r t i g o , i n c l u s iv e , j á f o i c o n s t i t u í d o p a t r o n o e m d iv e r s o s p l e i t o s j u d i c i a i s
ti t u l a d o s p e lo C o n s e lh o F e d e ra l o u p ela S e cc io n a l d e São P a ulo d a OAB , r e l a t i v a m e n t e a q u e s t õ e s
de in te re s s e i n s t it u c io n a l d a A d v o c a c ia o u e n v o l v e n d o m a té r ia s a t i n e n t e s a o e x e rc íc io da c id a d a nia ,
v o lta d o s à p r o te ç ã o d o c o n t r ib u in t e .

17
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

PROPOSTA INICIAL DE ALGUNS PONTOS PARA UM ESTATUTO DE


DIREITOS BÁSICOS DO CONTRIBUINTE:

1) Prazo certo e razoável de sujeição do contribuinte à fiscalização

Há fiscalizações que às vezes permanecem em aberto por um ano ou


mais. Documentos são solicitados do co ntribu in te , algumas intimações
esporádicas são feitas e, subitamente, o contribuinte é autuado com apenas
30 dias para se defender, tendo de juntar documentação complexa, contratar
advogados etc. A proposta é a de que, quando haja a abertura de uma
fiscalização com o Mandado de Procedimento Fiscal - MPF, ela tenha de
encerrar-se em 180 dias, somente podendo ser prorrogada uma vez, por
igual período, por a utorização fu n d a m e n ta d a do a u d ito r chefe,
especificamente aplicável ao caso concreto do contribuinte. A extensão por
período superior a 12 meses dependerá de ato fundamentado da maior
autoridade fiscal do Estado respectivo de residência do contribuinte. Para
cada mês iniciado após o primeiro período de 180 dias, será acrescido o
prazo de 5 dias para a defesa inicial do contribuinte. Isto visará dar eficiência
à fiscalização, que não deverá simplesmente abrir inúmeras auditorias ao
mesmo tempo, mas focar nas que iniciar e terminá-las, o quanto antes, de
forma a permitir a boa continuidade das atividades ordinárias do contribuinte,
igualmente permitindo que erros, se existirem, possam ser corrigidos.

2) Atendimento em período integral, nos dias úteis, nas repartições


da Receita Federal

0 contribuinte sofre a imposição tributária 24 horas por dia, 365 dias


ao ano. No entanto, sofre também o comum constrangimento, mesmo em
capitais, de ter barrado o acesso a repartições fiscais que atendem ao público,
ora somente no período da manhã, ora à tarde. Além dos graves problemas
com protocolos e obtenção de esclarecimentos, vistas de processos etc.,
que possam causar ao direito à obtenção de certidões, à informação, à ampla
defesa e ao contraditório, tal vedação ao direito de acesso do cidadão aos
órgãos públicos, durante o expediente ordinário, em horário integral, em
dias úteis, c e rta m e n te é in com pa tível com o nível elevadíssim o de
arrecadação tributária e desenvolvimento do Brasil.

3) Obrigação de identificação da autoridade fiscal responsável pela


expedição de notificações ao contribuinte

0 contribuinte recebe notificações e muitas vezes sequer sabe a quem


se dirigir. Não possui, em geral, atendim ento que possa bem esclarecer

18
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

dúvidas básicas. Enfim, fa lta serviço de apoio e su p o rte m ínim o ao


c o n trib u in te . Igualm ente, a existência da identificação na notificação
clarificará, ao contribuinte, a autoridade responsável, se eventualmente for
o caso de im p e traçã o de m andado de segurança. No caso dos erros
sistemáticos que muitas vezes ocorrem e impõem ônus burocráticos ao
c o n trib u in te (cobranças indevidas etc.), a identificação da autoridade
responsável tam bé m p e rm itirá um m e lh o r c o n tro le da qualidade,
organização e métodos na Receita Federal, com o escrutínio da própria
sociedade que, afinal, é a destinatária dos serviços públicos e, de fato, a
contratante indireta dos préstimos dos agentes fazendários.

4) Acesso do contribuinte, por seus Advogados, a autoridades da


Procuradoria da Fazenda Nacional e da Receita Federal com atuação
junto ao Poder Judiciário

Nos processos judiciais, de natureza tributária, é comum a existência


de erros evidentes e graves em afirmações ou defesas da Procuradoria da
Fazenda Nacional ou em documentos que são juntados aos feitos. É comum
que se passem meses, e às vezes anos, para que se possa solucionar tais
problemas. Muitas vezes, o tumulto causa impasses que travam os processos,
não permitindo seu julgamento, na pendência de esclarecimentos da Receita
Federal, que tardam e muitas vezes falham. Como não se consegue ter acesso
aos Procuradores da Fazenda Nacional e nem à Receita Federal nos respectivos
fóruns e tribunais, a proposta visa estabelecer um serviço de apoio ao
contribuinte no Poder Judiciário com a finalidade de dar celeridade processual,
tornando possível o rápido esclarecimento de questões documentais e outras
que se façam necessárias junto às respectivas autoridades.

5) Duração razoável do processo adm inistrativo e prazo para a


obtenção de Respostas ou decisões da Administração Tributária

A proposta é que as decisões sejam proferidas, em cada estágio do


processo adm inistrativo (ou decisório do FISCO), em 180 dias, havendo
hipóteses de suspensão na contagem deste prazo para a produção de provas
e diligências e extensão excepcional, fundamentada no caso concreto, por
uma vez em igual penodo. Ou seja, com três níveis de julgamento, o processo
administrativo federal deveria encerrar-se, em média, em um ano e meio e,
os mais complexos, em três anos. Com diligências e provas que se fizessem
necessárias (e com prazo certo para a sua produção), a extensão não deveria
ser multo maior. Isto sob pena de cancelamento do respectivo lançamento
de ofício (ou dispensa legal do recolhimento de determinado tributo, sem
prejuízo da responsabilidade funcional do agente público responsável pelo

19
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

não cumprimento dos prazos, de forma injustificada). Ora, há situações,


atualmente, em que o contribuinte passa 7, 8 ou mais anos esperando o
encerram ento de seu caso na seara adm inistrativa, mesmo inexistindo
qualquer produção de prova ou diligências. Isto simplesmente porque há
redistribuições infindáveis, mudanças de estrutura etc. A vida do cidadão
não pode ficar à mercê da pura ineficiência estatal, principalmente quando
se tratam muitas vezes de lançamentos de ofício de valores absolutamente
elevados e de autos de Infração eivados de vícios notáveis, que causarão sua
nulldade ou substancial redução pelos órgãos julgadores superiores. Mas
enquanto isto não ocorre, o cidadão e suas empresas penam vários anos
com impossibilidade de expansão, recepção de investimentos externos,
obtenção de financiamentos etc., simplesmente porque o lançamento de
o ficio , por m a io r que seja a sua provável im p rocedêncla, pende de
julgamento e cancelamento pelas instâncias superiores.

6) Suspensão do cômputo dos prazos relativos ao atendimento a


procedimentos de fiscalização e à apresentação de defesas e recursos
administrativos no período das festas natalinas e de final de ano
(entre 15 de dezembro e 15 de janeiro).

É absolutamente injustificável a prática corriqueira de lançamentos


de ofício, notificações de recursos etc. serem enviadas aos contribuintes no
período das festas natalinas e de final de ano, quando é usual (e inclusive
fomentado pelas políticas públicas) que as empresas deem férias coletivas
a seus empregados. Ora, é evidente o risco real de perda de prazos para
defesa ou apresentação de recursos e certamente são causadas dificuldades
concretas ao direito de defesa. Não há qualquer razoabilidade em impor ao
contribuinte que junte documentos, contrate advogados e contadores em
período de Natal e Ano Novo com a sua empresa fechada em férias coletivas.
Para as pessoas físicas, a dificuldade é ainda maior. De qualquer modo, a
proposta não visa impedir que o FISCO notifique as empresas (para evitar
questões de decadência etc.), mas sim que haja suspensão de cômputo do
prazo para apresentação de defesas, recursos ou de esclarecimentos à
fiscalização (salvo, evidentemente, neste último caso, questões urgentes e
im postergáveis, assim dem onstradas por despacho fundam entado da
autoridade responsável).

7} Eliminação da exigência de certidão negativa de débitos fiscais (ou


positiva com efeito de negativa) para Atos Ordinários da Vida
Empresarial ou do cidadão que não guardem pertinência direta com
o cumprimento de obrigações tributárias ou que não sejam razoáveis
nas relações com o poder público ou em transações privadas.

20
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Há necessidade de uma revisão urgente nos casos em que se deve


exigir certidão negativa de débitos fiscais, que atualmente pode não ser
expedida pelos órgãos fazendários por razões das mais diversas, inclusive
erros p rim á rio s nos registros do p ró p rio FISCO. Isto pode causar
constrangimentos enormes na vida do cidadão e das empresas sem qualquer
razoabiiidade. A proposta visa, assim, lim itar os casos em que a certidão
negativa de tributos (ou positiva com efeito de negativa, que muitas vezes
é obtida apenas mediante ação judicial, aumentando ainda mais a carga dos
tribunais) é exigida.

8) Ampliação das causas de suspensão de exigibilidade do crédito


tributário (exceção de pré-executividade, apresentação de fiança
bancária ou seguro garantia em ação anulatória).

Por construção jurisprudencial, o processamento de Exceção de Pré-


Executividade e a apresentação de Fiança Bancária ou Seguro Garantia em
Ação Anulatória, admitem a suspensão da exigibilidade do crédito tributário.
No entanto, muitas vezes, algumas decisões judiciais tergiversam sobre o
assunto e o FISCO não reconhece tal efeito. Mesmo no âmbito do Superior
Tribunal de Justiça, há decisões contraditórias, em face de se tratarem de
hipóteses construídas pela jurisprudência e não estarem elencadas no art.
151 do CTN. A proposta visa, assim, adequar o CTN para evitar as dificuldades
ora enfrentadas pelos co ntribu in te s com a falta de previsão legal das
referidas hipóteses.

9) Eliminação de multas incompatíveis com o estado democrático de


direito instituído com a constituição de 1988.

A proposta visa eliminar multas de caráter administrativo criadas nos


idos de 1964, de caráter confíscatórío, sobre a distribuição de lucros e
dividendos de empresas com "débito não garantido" com o FISCO. Tais multas
foram in devidam ente ressuscitadas por legislação p o ste rio r de 1991
(previdenciária) e 2004 (tributária). No âm bito trib u tá rio , a OAB SP, por
exemplo, já obteve ganho de causa em primeira instância contra a exigência
(MS ns 2005.61.004084-7, pendente de recurso no TRF3, tendo sido submetido
à julgamento pelo Órgão Especial, em face do pleito de inconstitucionalidade
da OAB SP ter sido admitido para processamento").

" 0 a u t o r é p a t r o n o da causa p ela OAB SP (v ide n o t a 1, r e tro ),

21
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

10) Adequação dos percentuais de m ultas de ofício a níveis


compatíveis com critérios de razoabiiidade.

Multas de ofício, de 75%, 150% e 225%, são incompatíveis com os


tempos atuais. Foram criadas em situação diversa, sob modelos econômicos
e inflacionários absolutamente distintos. Nada atualmente justifica a sua
m anutenção, que apenas oneram d é b ito s trib u tá rio s de form a
abso lu ta m e n te e x tra o rd in á ria . As m ultas penais de 150% têm sido
vulgarizadas em autos de infração e co nstantem ente canceladas nos
julgamentos administrativos. No entanto, causam um impacto econômico
totalmente desconectado da realidade da possível infração fiscal. Ou seja,
impõe-se a redução das multas a patamares razoáveis, que realmente
exprim am a d iferença e n tre a mora, o la nça m e n to de o fício pelo
descumprimento de boa-fé e as multas penais por evidente sonegação.

11) Padronização dos prazos para apresentação de defesa


administrativa e de atribuição de efeito suspensive a recursos nos
processos administrativos fiscais e similares.

Em face das variações nos prazos de defesas adm inistrativas em


matérias tributárias, previdenciárias e mesmo de outra natureza, mas com
implicações diretas no âmbito empresarial (como no caso do FGTS, que será
cobrado posteriormente ao processo administrativo pelo regime ordinário
de Execução Fiscal), a proposta visa uniformizar prazos (sempre 30 dias para
defesa inicial e recursos), com suspensão do cômputo de prazo prescricional
para ingresso com ação anulatória ou de qualquer outro meio de defesa do
contribuinte, bem como de exigibilidade do crédito em questão.

12) Obrigação de publicação de intim ações do processo


administrativo, de distribuição e de inclusão em pauta de julgamentos
no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) no Diário
Oficial, constando o nome da parte e de seus advogados.

A tua lm e n te , é grande a d ificu ld a d e do c o n trib u in te (e de seus


advogados) para o b te r informações sobre andam ento, distribuição de
recursos, inclusão em pauta etc. ju n to ao CARF. A proposta visa torna r
transparente e obrigatória a divulgação das informações, com antecedência
razoável, mediante sua publicação no Diário Oficial.

13) Direito à obtenção de vistas e de cópias reprográficas dos autos


de processos ad m inistrativos, com suspensão do prazo de

22
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

apresentação de defesa adm in istrativa no caso de não


disponibilização imediata ao contribuinte.

É comum o contribuinte (ou seus advogados) dirigir-se à repartição


fiscal e os autos do p ro c e d im e n to fiscal não estarem disponíveis,
permanecidos com o auditor fiscal que está fora etc. Deve-se marcar uma
data para retorno em outro dia, solicitar cópias e, então, retornar para buscá-
las posteriormente. Isto com os prazos para defesa correndo. A proposta
visa apenas adequar os prazos para defesa e recurso ao tempo da demora
para se obter a documentação necessária à sua preparação.

14) Obrigação de a Receita Federal e a Procuradoria da Fazenda


Nacional notificarem o contribuinte previam ente à inscrição de
débito na dívida ativa, garantido o direito a apresentação de defesa
e recursos administrativos.

São inúmeros os erros do próprio sistema da Receita Federal que


podem gerar cobranças indevidas ao contribuinte. Mesmo o contribuinte
que tenha re co lh id o os seus trib u to s , poderá te r c o m e tid o e rro de
preenchimento nas várias e repetidas obrigações burocráticas exigidas pelo
FISCO. Assim, para impedir que simplesmente o cidadão seja cobrado e daí,
se não pagar, o débito já vá para inscrição na Dívida Ativa (forçando o custoso
e demorado recurso ao Poder Judiciário, se o débito não for devido), nada
mais razoável que sejam abertas as vias ordinárias de defesa administrativa.

15) Vedação ao protesto de títu lo s de dívida trib u tá ria ou


previdenciária.

O protesto é o meio próprio para ser utilizado pelas pessoas jurídicas


de direito privado. Permitir o protesto de título da Dívida Ativa é medida
ve xa tó ria , irrazoável e a b so lu ta m e n te in co m p a tíve l com o Estado
Democrático de Direito. O crédito trib u tá rio goza de proteção especial e,
além disso, o Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público
Federal - CADIN, já cumpre a mesma função do protesto de tornar pública a
eventual inadimplência.

16) Aplicação ao processo administrativo fiscal das disposições da


legislação do processo administrativo geral.

Distintamente do Decreto 70.23^1972 e da Lei n^ 8.212/51, a Lei


9.78^1999 contém expressamente modernas normas de proteção ao cidadão
contra eventuais arbítrios, tais como os princípios da finalidade, motivação.

23
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT U AIS

razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório,


segurança jurídica, interesse público e eficiência, ainda m u ito pouco
considerados nos processos tributário e previdenciário administrativos, para
a defesa do contribuinte. A proposta vista garantir tratamento mais adequado
ao co n trib u in te , dando plena fru içã o aos princípios inform adores da
administração pública, elencados no caput do art. 37 da CF.

17) Vedação à exigência de prestação das mesmas informações fiscais


do con tribuinte de form a repetida pelo FISCO, onerando sem
razoabilidade o custo das obrigações acessórias.

18) Anterioridade para as obrigações acessórias: vedação à exigência


de obrigação acessória nova ou que sofra alteração em prazo inferior
a 90 (noventa) dias da publicação do ato administrativo no Diário
Oficial.

19) Obrigação de que os atos normativos expedidos para a alteração


de obrigação acessória consolidem in te g ralm en te as normas
aplicáveis à mesma obrigação, revogando as disposições anteriores.

As três propostas acima visam facilitar a vida das empresas e dos


contribuintes em geral no cumprimento das obrigações burocráticas fiscais.
0 FISCO moderniza e aprimora os seus sistemas. No entanto, as obrigações
acessórias sobre as empresas, em vez de diminuírem, aumentam cada vez
mais e mais. Os textos normativos são cada vez mais complexos e não são
usualmente consolidados. Os prazos para cumprimento de novas obrigações
são praticamente imediatos. Os erros são punidos com multas elevadas.
Enfim, não há nada de justo ou razoável na relação FISCO-contribuinte nesta
matéria. A proposta visa estabelecer um padrão mínimo de razoabilidade,
segurança e certeza para o contribuinte no cumprimento das obrigações
burocráticas com o Erário.

20) Obrigação de divulgação pela Receita Federal, em seu sítio na


internet, de forma clara, didática e inequívoca;

a) de informações relativas às repartições fiscais e às autoridades


responsáveis e fu n cio n á rio s em funções relevantes, com os
respectivos endereços e telefones.
b) das inform ações relativas ao mandado de p ro ced im e n to de
fiscalização - MPF, que instrui os respectivos procedimentos e
prazos, nomes dos auditores fiscais responsáveis e autoridades às

24
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

quais estão subordinados, com os respectivos endereços e


telefones.
c) dos meios de acesso aos órgãos da corregedoria em suas diversas
localidades, com as in form açõ e s sobre sua com petência e
objetivos, regras quanto ao sigilo nas investigações, com a relação
dos nomes das autoridades responsáveis, com os respectivos
endereços e telefones.

Essas propostas visam p e rm itir a tra nsp a rê ncia e o acesso do


contribuinte ao FISCO que, embora sendo um importantíssimo órgão de
Estado, é composto por servidores do cidadão, que deve assim estar em
condições de sempre bem atendê-lo.
Nada mais justo que o contribuinte tenha minimamente informações
sobre como acessar o órgão, a quem se dirigir buscar esclarecimentos e, até
mesmo, reclamar ou indagar sobre dúvidas de procedimento ou conduta de
fiscalização. A proposta não visa nada que não seja razoável ou adequado
em um Estado Democrático de Direito, com um mínimo de respeito ao dever
do Estado de bem permitir o acesso à informação pelo contribuinte, que é,
em suma, o destinatário final dos préstimos dos servidores do FISCO.

21) Unificação dos institutos de decadência e prescrição e cômputo a


partir de 3 (três) anos da ocorrência do fato gerador.

0 cômputo de decadência e prescrição em matéria tributária é um


verdadeiro m artírio para o contribuinte, tam bém prejudicando o Poder
Público. São cálculos que mudam de tempos em tempos pela jurisprudência
e o FISCO dá, por sua vez, tra ta m e n to de diversas form as. As cortes
administrativas divergem das judiciais etc. A unificação dos institutos e sua
limitação a 3 anos da ocorrência do fato gerador (poderia ser excetuado o
caso de sonegação fiscal, por exemplo, estendendo o período para 5 anos)
seria muito positivo, pois permitiria que o passado fosse de vez eliminado,
ta n to para o contribu in te quanto para o Estado. Como, atualmente, os
métodos de fiscalização eletrônica adotados pelo FISCO são eficientes e
cada vez mais disseminados, isto deveria aliviar as obrigações do contribuinte
quanto aos encargos do próprio FISCO, que poderiam sempre se concentrar
em períodos mais próximos de apuração fiscal.

25
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

A GUERRA FISCAL NO CONTEXTO JURÍDICO-POLÍTICO DO


DESENVOLVIMENTO REGIONAL BRASILEIRO

Alessandro Rostagno^

SUMÁRIO. 1. A guerra fiscal: conceito, características e sua relação com o


desenvolvimento regional brasileiro. 2. Guerra fiscal, federalismo, competências
tributárias e disposições legislativas federais e estaduais versus nâo-cumulatividade
do ICMS. 3. Observações e questionamentos acerca da atuação dos entes federados
no resguardo de seus direitos de exigibilidade do ICMS frente a benefícios fiscais
concedidos unilateralmente por outros Estados. 4. Conclusões

1. A guerra fiscal: conceito, características e sua relação com o


desenvolvimento regional brasileiro.

Guerra fiscal é a expressão que vem sendo utilizada para conceituar a


exacerbação de práticas competitivas entre entes de uma mesma federação
em busca de investimentos privados.
Benesses fiscais atrativas incentivariam a migração de determinados
agentes privados, os quais, segundo postulados econômicos clássicos,
sempre tendem a buscar o menor custo produtivo e, consequentemente,
maior lucro.
Para atrair investimentos aos seus respectivos Estados, os governos
infranacionais (como Estados ou Municípios) oferecem já há algum tempo
na história tributária desse país aos contribuintes, determinados benefícios
fiscais, como créditos especiais de ICMS ou empréstimos subsidiados de
longo prazo.®

^ A d v og a d o e m São Paulo, Brasília e V itó r ia , Juiz d o T ribunal d e Im p o s to s e Taxas d o Estado d e SP - TIT/


SP, M e s t r e e D o u t o r a n d o e m D i r e i t o P r o c e s s u a l C iv il p e la PUC/SP, P r e s id e n t e d a C o m is s ã o d o
C o n te n c io s o A d m in is tr a tiv o T r ib u t á r io da Seccio nal da OAB/SP, C o n s e lh e iro Juríd ic o d a FIESP, Pro fessor
c o n v id a d o d os Cursos d e Pó s-G ra du a çã o lo t o se nsu da Escola Fazendária d a Se c reta ria da Fazenda do
Estado d e SP, da F u n d a ç ã o G e tú lio Vargas - G VLAw e da Escola d a M a g is tr a tu r a d o Estado d o Rio de
Janeiro - EMERJ, m e m b r o e fe tiv o d o In s titu t o dos A d vog a d os d e São Paulo - lASP.
® "Em nosso e n t e n d e r estas iniciativas d e política públic a t e m u m a longa h is tória na e c o n o m ia brasileira.
De fa to , a g u e rra fiscal t e m sido prátic a c o n s ta n te d os g o v e rn o s e staduais brasileiros p elo m e no s desde
o s a n o s s e s s e n t a . Ela t e m t i d o c o m o lu g a r t í p i c o d e m a n i f e s t a ç ã o o s p r o g r a m a s e s t a d u a i s d e
d e s e n v o lv im e n t o , q u e n un ca d e ix a r a m d e e x is tir e m t o d o esse p e río d o . Da m e s m a fo r m a , a u tilização
intensa d o a n tig o ICM, a tu a i ICMS, c o m o in s t r u m e n to p re fere n cial t e m sido u m a marca c o nsta nte destas
p olíticas. Po de m o s a té d iz e r q u e esse g ra n d e r e s s u r g im e n to da g u e rra fiscal nos anos n o ve n ta , e m boa
p a r t e , r e p r e s e n ta a r e p e t i ç ã o d e té c n ic a s e t á tic a s d e s e n v o lv id a s nas d u a s d é c a d a s a n t e r io r e s . Por
o u t r o lado, essa r e p e tiç ã o v e m a c o m p a n h a d a p o r m u d a n ç a s s ig n ific a tiv a s n o t e o r g e ra l das p olític as,
r e s u lta d o n e c e s s á rio das m u d a n ç a s e s tr u tu r a is o c o r r id a s na e c o n o m ia b r a s ile ir a e c o n t e x t o g e ra l da
e c o n o m ia m u n d ia l." Nesse s e n tid o v. ALVES, M a r ia Abadia. Gu e rra Fiscal e fin a n ç a s fe d e ra tiv a s n o Brasil:
o caso d o s e to r a u to m o tiv o . Campinas, UNICAMP, D e p a r ta m e n to d e Econom ia. Dissertação d e M e stra do ,
2 0 0 1 . D is p o n ív e l n o e n d e r e ç o e l e t r ô n ic o : w w w .f e d e r a t iv o . b n d e s . g o v . b r

27
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

A Unidade Federada que tenha pretensão em incentivar a instalação


de novos empreendimentos dentro de seus limites territoriais deve estar
apta a renunciar a uma parte de suas receitas fiscais, porquanto a empresa
que nela vai se instalar considerará, para fins do investimento, o local onde
vai se instalar, a proximidade do mercado consumidor, a proximidade dos
fo rne ce do re s - em se tra ta n d o de empresa p re p o n d e ra n te m e n te
exportadora ou im portadora, a proximidade com o porto ou aeroporto
in te rn a c io n a l a fa cilid a d e em o b te r m a té ria -p rim a ou a d q u irir as
mercadorias para revenda/
São consideradas desonerações trib u tá ria s todas e quaisquer
situações que prom ovam : presunções creditícias, isenções, anistias,
remissões reduções de alíquotas, de bases de cálculo, deduções ou
abatimentos e adiamentos de obrigações de natureza tributária.
Tais desonerações, em sentido amplo, podem servir para diversos
fins. Por exemplo, simplificar e/ou dim inuir os custos da administração,
promover a equidade, corrigir desvios, compensar gastos realizados pelos
contribuintes com serviços não atendidos pelo governo, compensar ações
complementares às funções típicas de Estado desenvolvidas por entidades
civis, promover a equalização das rendas entre regiões; e/ou, incentivar
determinado setor da economia.^
Em algumas hipóteses supramencionadas, essas desonerações se
constituirão em uma alternativa às ações Políticas de Governo, ações com
objetivos de promoção de desenvolvim ento econôm ico ou social, não
realizadas no orçamento e sim por intermédio do sistema tributário.
A política de incentivos fiscais possui ampla fundamentação teórica e
econômica e é utilizada em todos os países e se torna exitosa quando adota
c rité rio s seletivos e muitas vezes te m p o rá rio s estim u lan d o redes de
empresas, arranjos produtivos locais, cadeias produtivas, etc.
O incentivo fiscal deve ser caracterizado como um dos instrumentos
de desenvolvimento local. A infraestrutura, as condições institucionais, o
desenvolvimento do capital humano. Os incentivos devem ser concedidos
às empresas inovadoras ou empresas com grande capacidade de atrair outras
empresas no processo de produção.
0 êxito das políticas de incentivos fiscais deve ser mensurado pela
qualidade das empresas instaladas e por sua propensão a in ve stir e
diversificar o processo produtivo.

’ CALCIO LARI, R ic a r d o P ires . A s p e c t o s J u r íd ic o s d a G u e r r a F is c a l n o B r a s ii, C a d e r n o d e F in a n ç a s


P ú blicas , n9 7, M i n i s t é r i o da Fazenda, ESAF, B rasília , p. 5 - 2 9 , dez. 2 00 6 .
® L E M 6 R U B E R , A n d r é a . A c o m p e t i ç ã o t r i b u t á r i a e m e c o r ^ o m ia s f e d e r a t i v a s : a s p e c t o s t e ó r ic o s ,
c o n s t a ta ç õ e s e m p i r i c o s e u m a a n á lis e d o ca s o b r a s i l e i r o . D is s e r ta ç ã o d e M e s t r a d o . D e p a r t a m e n t o
d e E c o n o m ia . U NB, 1 9 9 9 . D is p o n í v e l n o e n d e r e ç o e l e t r ô n i c o ; w w w . f e d e r a t i v o . b n d e s . g o v . b r

28
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT U AIS

A 'Guerra Fiscal' é um instrumento utilizado por Estados mais pobres


e distantes de grandes centros urbanos para atrair investimentos e evitar
que haja esvaziamento econômico.
Os descontos no ICMS muitas vezes superam os custos de logística de
recebimento de matéria-prima e entrega de produtos manufaturados.
O utro fa to r p re p o n d e ra n te é a mão de obra, que por fa lta de
diversidade de empregadores tende a aceitar salários e benefícios menos
atraentes que os trabalhadores de grandes centros, geralm ente mais
sindicalizados. Regiões de baixa ou recente industrialização têm menos
vínculos com a atividade sindical.
A dispersão social também é analisada principalmente na questão
b e n e ficiá ria . Além de desonerar o em p reg a do r com custos de
deslocam entos, m uitas vezes sendo necessário que o fu n cio n á rio se
desloque por vários quilômetros tomando até duas conduções, em cidades
menores eles podem ir a pé, diminuindo consideravelmente atrasos e faltas,
o que influi positivamente na lucratividade.
0 preço do terreno onde é instalada a planta industrial tende a ser
menor do que em grandes metrópoles, possibilitando a indústria se instalar
em um perím etro maior e concentrar diversas atividades dentro de um
mesmo espaço, sem que haja gastos de transporte de material e mão de
obra entre diversas unidades de uma mesma empresa.
Assim sendo, estão envolvidas nesse contexto, uma complexidade
de questões e fatores, dentre as quais se destacam o comportamento dos
agentes econômicos, a m obilidade dos fatores de produção e de suas
características específicas, e, claro, particularm ente, a possibilidade de
externalidades advindas das estratégias dos entes federados diante das
lacunas jurídicas que atualmente envolvem o respectivo fenômeno político-
social-tributário.^

2. Guerra fiscal, federalismo, competências tributárias e disposições


legislativas federais e estaduais versus não-cumulatividade do ICMS

Alguns pontos podem ser considerados para entender o crescimento


da 'guerra fiscal' na última década. Um primeiro ponto relevante foi a efetiva
ausência de uma política Industrial e, sobretudo, regional.

^ VARSANO, Ricardo; FERREIRA, Sérgio e AFONSO, José R o b e rto . Fiscal C o m p e titio n : a b ir d 's eye view.
IPEA, Te x to para d is c u s s ã o ns 8 8 7 ; 2 00 2 . d is p o n ív e l n o e n d e r e ç o e le t r ô n ic o : w w w . i p e a . g o v . b r . V, tb
d o m e s m o a u t o r , R ic a rd o V a r s a n o , A g u e r r a fis c a l d o ICMS, q u e m g a n h a , q u e m p e r d e , t e x t o p ara
d is c u s s ã o n. 5 0 0 , o b t i d o e m h t t p : / / w w w . i p e a . g o v . b r / p u b / t d / t d O S O O . p d f e, A e v o l u ç ã o d o s is te m a
t r i b u t á r i o B r a s il e ir o a o l o n g o d o s é c u lo ; a n o t a ç õ e s e r e f l e x õ e s p a r a f u t u r a s r e f o r m a , t e x t o p a r a
d is c u s s ã o n. 4 0 5 o b t i d o e m h t t p : / / w w w . i p e a . g o v . b r / p u b / t d / t d 0 4 0 S . p d f .

29
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

0 fechamento de agências regionais de fomento foi crucial para esse


fenômeno, pois a política tributária dos Estados, mediante concessão de
incentivos de ICMS, passou a fazer às vezes de uma política industrial,
alterando alíquotas efetivas de impostos, muitas vezes ao arrepio da lei.
Tal prática levou a uma com petição desordenada prom ovendo o
aumento da concentração industrial em vez de minorá-la, posto que os
pequenos Estados, já combalidos em suas finanças, tiveram que conceder,
proporcionalmente, mais incentivos para a atração de investimentos, sendo
seguidos na mesma linha de atuação política pelos Municípios, que travam
na atualidade, verdadeiras batalhas jurídlco-econôm icas para a tra ir o
investim ento privado.
Um segundo ponto diz respeito as repartições de competência dispostas
pela própria Constituição Federal de 1988, ampliando assim a autonomia dos
Estados-membros, chando o denominado federalismo cooperativo, que muito
embora se tenha projetado no texto constitucional a ideia de que os Estados
devessem trabalhar harmonicamente em conjunto com o governo central para
resolver os assuntos do País, como é o caso dos repasses obrigatórios de
receitas trib u tá ria s , concessão de incentivos fiscais a regiões menos
desenvolvidas, entre outros, verificou-se na prática, que acabou se transferindo
à União muito mais competências que aos entes periféricos e também foram
concedidos a mesma multo mais poderes tributários.
Diante disso, a idealizada cooperação entre os entes federativos foi
substituída pela dependência jurídica, pois ao dispor a Constituição Federal,
em seu artigo 146, que cabe a lei complementar a regulação das matérias
relativas ao sistema tributário e a suas normas gerais, ficaram os Estados-
membros vinculados a esta iniciativa federal, muito embora disponham de
autonomia financeira e competência tributária igualmente resguardada pela
Carta Magna.
O constituinte houve por bem especificar essa função no que diz
respeito ao ICMS, estabelecendo, no art. 155, § 25, XII, alínea g caber a esse
veículo norm ativo dispor sobre diversos aspectos do Imposto estadual,
dentre eles, regular a forma como, mediante deliberação dos Estados e do
Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos
e revogados.“

MELO, M a rc o s A n d r é . Crise Fed era tiv a , G u e rra Fiscal e " h o b b e s ia n is m o m u n i c i p a l e fe ito s p erv e rs o s
d a d e s c e n tr a liz a ç ã o São P a u lo e m p e r s p e c tiv a , F u n d a ç ã o SEADE,vol. 10, n s 3, 1 9 9 6 , p ág 3.
" A r t. 155. C o m p e te aos Estados e a o D is t r it o F ederal i n s t it u i r im p o s to s so b re : (I - o p e ra ç õ e s re la tiv a s
à c ir c u la ç ã o d e m e r c a d o r ia s e s o b re p r e s ta ç õ e s d e s e rv iç o s d e t r a n s p o r t e in t e r e s t a d u a l e
i n t e r m u n i c i p a l e d e c o m u n i c a ç ã o , a in d a q u e as o p e r a ç õ e s e as p r e s t a ç õ e s se in i c i e m n o e x t e r i o r ;
§ 2.G 0 i m p o s t o p r e v is to n o inc is o II a t e n d e r á a o s e g u in te : XII - c a b e à le i c o m p l e m e n t a r : g) r e g u la r
a f o r m a c o m o , m e d i a n t e d e l i b e r a ç ã o d o s E s ta d o s e d o D i s t r i t o F e d e r a l, i s e n ç õ e s , i n c e n t i v o s e
b e n e f í c io s fis c a is s e r ã o c o n c e d i d o s e r e v o g a d o s .

30
DIRE IT O T R IB U T Á R IO . QUESTÕES ATUAIS

Em vista da inércia do Congresso Nacional em pro ced er a


regulamentação do assunto, vem sendo aplicada a Lei Complementar ns 2 ^
75, que foi recepcionada pela Carta Magna de 1988, embora editada sob a
vigência da Constituição anterior, mas de duvidosa constitucionalidade/^
A referida legislação veda qualquer espécie de isenção ou outra forma
de incentivo relacionados ao ICMS, a não ser que estes sejam resultado de
ratificação de convênios celebrados pelos entes da federação sob a
coordenação do CONFAZ - Conselho Nacional de Política Fazendária."

" Paulo d e B a rros C a rv a lh o , assim se p o s ic io n a s o b r e o t e m a : " D ã o m a r g e m a i n g e n te s discussõ es,


e n t r e t a n t o , a s m e n s a g e n s p r e s c r i t i v a s i n t r o d u z i d a s n o o r d e n a m e n t o b r a s i l e i r o p e l a Lei
C o m p l e m e n t a r n s 2 4 /7 5. E, n o m e u e n t e n d e r , j u s t i f i c a d a m e n t e . A c o m e ç a r p e l o t e m a d a p r ó p r i a
r e c e p ç ã o n a o r d e m i n s t a u r a d a c o m a C o n s t i t u i ç ã o d e 1 9 8 8 , os d is p o s it iv o s v e ic u l a d o s p o r a q u e le
D ip l o m a se p r e s t a r a m a i n t e r p r e t a ç õ e s d is s o n a n t e s , c o m p r o m e t e n d o , d e c e r ta f o r m a , os o b j e t i v o s
q u e i n s p i r a m su a i n s t i t u i ç ã o . 0 p r i m e i r o a r g u m e n t o q u e t o r n a d u v i d o s a a c o n s t i t u c i o n a l í d a d e da
Lei C o m p l e m e n t a r 24/7 5 d e c o r r e d o f a t o d e q u e a C o n s ti tu i ç ã o d e 1 9 6 7 d e t e r m i n a v a , n o a r t. 23,
§ 6 - , q u e as i s e n ç õ e s d o e n t ã o IC M s e r i a m c o n c e d i d a s o u r e v o g a d a s n o s t e r m o s f i x a d o s e m
c o n v ê n i o s , c e l e b r a d o s e r a t i f i c a d o s p e l o s E s ta d o s , s e g u n d o o d i s p o s t o e m le i c o m p l e m e n t a r . 0
le g is la d o r c o m p le m e n ta r , e n t r e t a n t o , e x tra p o lo u a c o m p e tê n c ia q u e lh e fo i o u to rg a d a p e lo
c o n s t it u in t e , d is c ip lin a n d o n ã o a p e n a s a c o n c e s s ã o e re v o g a ç ã o d e is e n ç õ e s , m a s d e t o d a e
q u a l q u e r e s p é c ie d e b e n e fí c io r e la c i o n a d o a o i m p o s t o e s t a d u a l , e s t a n d o , p o r v ia d e c o rts e q ü ê n c ia ,
m a c u la d a e m sua o r ig e m . A l é m d isso, a Lei C o m p l e m e n t a r n s 2 V 7 5 d is p ô s , t a m b é m , s o b r e sanções
a os c o n t r i b u i n t e s e n v o l v i d o s nas o p e r a ç õ e s i l e g i t i m a m e n t e b e n e f i c i a d a s . Em t o t a l a g r e s s ã o ao
o r d e n a m e n t o j u r í d i c o p á t r i o , e s t a b e l e c e u , n o a r t . 8 2, s e r i n e f i c a z o c r é d i t o f i s c a l r e l a t i v o às
o p e r a ç õ e s b e n e fi c i a d a s , a u t o r i z a n d o , s i m u l t a n e a m e n t e a e x ig ê n c ia d o i m p o s t o r e d u z i d o e m ra zão
d o i n c e n t i v o t r i b u t á r i o . A l it e r a l id a d e d e ta l d i s p o s it iv o p o d e r ia le v a r a o e q u i v o c a d o e n t e n d i m e n t o
d e q u e , i n d e p e n d e n t e m e n t e d e j u l g a m e n t o p o r p a r t e d o t r i b u n a l c o m p e t e n t e - o STF as n o r m a s
r e la tiv a s à c o n c e s s ã o d e b e n e fíc io s n ã o t e r i a m p re s u n ç ã o d e v a lid a d e e o p r in c íp io da n ão -
c u m u l a t i v i d a d e d o ICIVIS n ã o d e v e r i a s e r r e s p e i t a d o . Ta l c o n c l u s ã o , e n t r e t a n t o , n ã o e n c o n t r a
re s p a ld o no s is te m a c o n s t it u c io n a l b ra s ile iro , q ue re serva ao J u d ic iá rio a a p re c ia ç ã o de t o d a e
q u a l q u e r le s ã o o u a m e a ç a d e le s ã o a d i r e i t o , a f a s t a n d o c o m p l e t a m e n t e a f i g u r a d a a u t o t u t e l a .
A d e m a is , c u m p r e o b s e r v a r q ue , c o n s i d e ra d o o c a r á t e r n a c io n a l d o ICMS e o i m p e r a t i v o p r in c i p i o da
n ã o - c u m u ia t i v i d a d e d e s s e i m p o s t o , a a n u la ç ã o d o s e f e it o s da n o r m a ju r í d i c a c o n c e s s iv a d e
b e n e f í c i o fi s c a l t e r i a c o m o e f e i t o r e s t a b e l e c e r a e x ig ê n c ia d o s v a lo r e s d is p e n s a d o s o u d e v o l v id o s
p ela A d m in is tr a ç ã o P ú b lica ao c o n t r ib u in t e , e n ã o a lt e r n a t i v a o u c u m u la t iv a m e n t e , c o m o
p r e t e n d e u o l e g i s l a d o r c o m p l e m e n t a r , i m p l i c a r a a n u l a ç ã o d o c r é d i t o d e IC M S e a e x ig ê n c ia d o
i m p o s t o d is p e n s a d o p e l o E s ta d o d e d e s t i n o . N ã o p o d e m o s e s q u e c e r q u e o T e x to C o n s t i t u c i o n a l
a t r i b u i a o le g i s la d o r c o m p l e m e n t a r a c o m p e t ê n c i a p a ra f i x a r a f o r m a d e c o n c e s s ã o d a s isen çõ e s,
in c e n tiv o s e b e n e fí c io s fis c a is , s e m , n o e n t a n t o , p e r m i t i r a d e t e r m i n a ç ã o d e s a n ç õ e s à sua
i n o b s e r v â n c i a , m u i t o m e n o s q u a n d o a s a n ç ã o e s t a b e l e c id a a c a r r e t a a a n u l a ç ã o d e c r é d i t o s , e m
m a n i f e s t a v i o l a ç ã o a o p r i n c í p i o d a n ã o - c u m u l a t i v i d a d e , e p o s s i b i l i t a a e x ig ê n c ia d o IC M S p e l o
Es ta do o u D i s t r i t o F e d era l d e d e s t in o da m e r c a d o r ia o u s e rv iç o , pessoa p o lít ic a q u e , nos t e r m o s da
C o n s t i t u i ç ã o d a R e p ú b lic a , n ã o é c o m p e t e n t e p a r a t a n t o . Esse o m o t i v o p e l o q u a l e n t e n d o q u e o
a r t , 82 d a L ei C o m p l e m e n t a r n s 2 A p S n ã o f o i r e c e p c i o n a d o p e t a C a r t a d e 1 9 8 8 . H a v e n d o
d e s c u m p r im e n t o da f o r m a e x ig id a p a ra c o n c e s s ã o de is e n ç ã o , b e n e fí c io o u i n c e n t iv o fis c a l,
i n c u m b e a o J u d i c i á r i o a p r e c i a r su a c o n s t i t u c i o n a l í d a d e , e, ca so s e ja d e c l a r a d a i n c o n s t i t u c i o n a l ,
c a b e a o E s ta d o d e o r i g e m d a m e r c a d o r ia a e x ig ê n c ia d o t r i b u t o q u e h av ia s id o d is p e n s a d o , s e n d o
i n a d m is s í v e l a v e d a ç ã o d o c r é d i t o d o c o n t r i b u i n t e o u a c o b r a n ç a d o ICMS p e l o E s ta d o d e s t i n a t á r i o
d o b e m . " T e x to o b t i d o e m h t t p : / / w w w . b a r r o s c a r v a l h o . c o m . b r / a r t _ n a c / g u e r r a _ f i s c a l . p d f
0 Confaz t e m p o r fin a l i d a d e p r o m o v e r ações necessárias à e la b o ra ç ã o d e p olít ic a s e h a r m o n iz a ç ã o
d e p r o c e d im e n to s e n o r m a s in e r e n te s ao e xercício da c o m p e tê n c ia tr i b u t á r i a d o s Estados e d o D is trit o
F e d e ra l, b e m c o m o c o l a b o r a r c o m o C o n s e lh o M o n e t á r i o N a c io n a l - C M N n a f i x a ç ã o da p o l ít ic a d e
D ív ida P ú b lic a I n t e r n a e E x te r n a d o s E s ta d o s e d o D i s t r i t o F e d e r a l e na o r i e n t a ç ã o às i n s t it u i ç õ e s
fin a n c e i ra s p ú b lic a s e s ta d u a is . E n tr e o u t r a s a tr i b u i ç õ e s , c o m p e t e a o C on fa z p r o m o v e r a c e le b r a ç ã o
d e c o n v ê n io s , p a r a e f e i t o d e c o n c e s s ã o o u r e v o g a ç ã o d e isenções, in c e n t i v o s e b e n e fíc io s fi scais d o
i m p o s t o d e q u e t r a t a o inciso 11 d o a rt. 1 5 5 da C o n s titu iç ã o (ICMS), d e a c o rd o c o m o p r e v i s to n o § 2®,
in ciso XII, a líne a " g", d o m e s m o a r t i g o e na Lei C o m p l e m e n t a r n2 24, d e 7 d e j a n e ir o d e 1975.

31
DIREIT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES ATUAIS

Se por um lado o art. da LC 2 ^ 5 enumera os pressupostos para a


caracterização dos benefícios indevidos, o seu art. 89 prescreve reações para
afastar seus efeitos, quais sejam a nulidade do ato e ineficácia do crédito
fiscal (art. 8^, I, LC 24^5) e a exigibilidade do imposto não pago ou devolvido
bem como "ineficácia da lei ou ato que concedeu remissão do débito
correspondente" {Art. 8^, II, LC 2Ap5)}^
Em virtude da adoção de medidas que reduzem alíquotas ou bases
de calculo sem a necessária deliberação de outros Estados, por meio de
atos jurídicos unilaterais, conforme prevê a Constituição, alguns Estados
têm im posto óbice à utilização de créditos obtidos em operações de
circulação de m e rca do ria nos Estados que descu m p re m a norm a
constitucional.
Exemplo disso está, no plano estadual, nas exigências contidas na lei
ordinária paulista de n. 6.37^9-SP, sobretudo em seu art. 36, § 32, quando
observa-se o intento do FISCO paulista de evitar efeitos da concessão
indevida de incentivos fiscais mediante a glosa de créditos de ICMS, fazendo
com que c o n trib u in te s de São Paulo arquem com o tr ib u to em sua
integralidade caso a mercadoria tenha sido adquirida de fornecedor situado
em Estado diverso e que pratique os benefícios mencionados.

" A r t . 1® - A s i s e n ç õ e s d o i m p o s t o s o b r e o p e r a ç õ e s r e l a t i v a s à c i r c u l a ç ã o d e m e r c a d o r i a s s e r ã o
c o n c e d i d a s o u r e v o g a d a s n o s t e r m o s d e c o n v ê n i o s c e l e b r a d o s e r a t i f i c a d o s p e l o s E sta d o s e p e lo
D i s t r i t o F e d era l, s e g u n d o e sta Lei, P a r á g ra fo ú n i c o - 0 d is p o s t o n e s t e a r t i g o t a m b é m se a p lic a : I -
à r e d u ç ã o d a base d e c á lc u lo ; II - à d e v o l u ç ã o t o t a l o u p a rc ia l, d i r e t a o u i n d i r e t a , c o n d i c io n a d a ou
n ã o , d o t r i b u t o , a o c o n t r i b u i n t e , a r e s p o n s á v e l o u a t e r c e i r o s ; II I - à c o n c e s s ã o d e c r é d i t o s
p r e s u m i d o s ; IV - a q u a i s q u e r o u t r o s i n c e n t i v o s o u f a v o r e s fi s c a is o u fin a n c e iro -fis c a is , concedidos
com base n o Im po sto d e Circulação d e M e rc a d o ria s , dos quais resulte red ução ou elim in a çã o , d ire ta
ou in d ire ta , d o respectivo ônus; V • às prorrogações e às extensões das isenções vigentes nesta da ta .
A r t . 82 - A i n o b s e r v â n c ia d os d is p o s it iv o s d e s ta Lei a c a r r e t a r á , c u m u l a t i v a m e n t e : I - a n u l i d a d e d o
a t o e a in e f i c á c ia d o c r é d i t o fis c a l a t r i b u í d o a o e s t a b e l e c i m e n t o r e c e b e d o r d a m e r c a d o r i a ; II - a
e x ig i b i l id a d e d o i m p o s t o n ã o p a g o o u d e v o l v i d o e a i n e fic á c ia da le i o u a t o q u e c o n c e d a r e m is s ã o
d o d é b i t o c o r r e s p o n d e n t e . P a r á g r a fo ú n i c o ■ As s a nç õ e s p r e v is ta s n e s t e a r t i g o p o d e r - s e - ã o a c re s c e r
a p r e s u n ç ã o d e i r r e g u l a r i d a d e d as c o n t a s c o r r e s p o n d e n t e s a o e x e r c í c io , a j u i z o d o T r i b u n a l d e
C on ta s da U n iã o , e a s u s p e n s ã o d o p a g a m e n t o d as q u o t a s r e f e r e n t e s a o F u n d o d e P a rtic ip a ç ã o , ao
F u n d o Especial e aos i m p o s t o s r e f e r id o s n os i te n s V III e IX d o a r t . 2 1 d a C o n s t i t u i ç ã o F e d era l.
§ 3° - N ã o se c o nsid e ra c o b r a d o , a in d a q u e d e s ta c a d o e m d o c u m e n t o fisca l, o m o n t a n t e d o im p o s to
q u e c o r r e s p o n d e r a v a n t a g e m e c o n ô m ic a d e c o r r e n t e d a c o n c e s s ã o d e q u a l q u e r s u b s í d io , re d u ç ã o
da base d e c á lc u lo , c r é d i t o p r e s u m i d o o u o u t r o i n c e n t i v o o u b e n e f í c io fisc a l e m d e s a c o r d o c o m o
d i s p o s t o n o a r t i g o 1 5 5 , § 22, in c i s o X l l, a lí n e a " g " , d a C o n s t i t u i ç ã o F e d e r a l. ( R e d a ç ã o d a d a ao
p a r á g r a fo p ela Lei 9 . 3 5 9 / 9 6 , d e 1 8 - 0 6 - 1 9 9 6 ; DOE 1 9 - 0 6 - 1 9 9 6 ) .
§ 3® - M e d i a n t e a t o d a a u t o r i d a d e c o m p e t e n t e d a S e c r e t a r i a d a F a z e n d a , p o d e r á s e r v e d a d o o
l a n ç a m e n t o d o c r é d i t o , a in d a q u e d e s t a c a d o e m d o c u m e n t o f is c a l, q u a n d o e m d e s a c o r d o c o m a
legislaçã o a q u e e s tiv e r e m s u je ito s t o d o s os Estados e o D is t r it o Federal, f o r c o n c e d i d o p o r q u a l q u e r
d e l e s b e n e f í c i o d e q u e r e s u l t e e x o n e r a ç ã o o u d e v o l u ç ã o d o t r i b u t o , t o t a l o u p a r c i a l, d i r e t a o u
in d ir e t a m e n te , c o n d ic io n a d a ou in c o n d ic io n a d a .

32
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

De igual teor, vale registrar as disposições contidas no ato normativo


CAT de n. 36/2004 que relaciona, em dois anexos, benefícios que sob sua
perspectiva são considerados inconstitucionais.
No Anexo I, estão dispostos os incentivos contestados por meio de
Ação Direta de Inconstitucionalidade. 0 Anexo II elenca 61 outros benefícios,
classificados por Estado de origem, de cada um deles, com a observação de
que a enumeração é meramente exemplificativa.
Vale registrar, a título exempiificativo, que a Fazenda do Estado de São
Paulo, com o mesmo intuito, editou ainda, as seguintes disposições normativas:

a) Comunicado CAT n?. 14, de 24.03.09 que esclarece sobre o


aproveitam ento de créditos de ICMS relativos a operações ou
prestações amparadas pelo programa de incentivo fiscal denominado
"Pró-Emprego", concedido pelo Estado de Santa Catarina;
b) lei estadual n. 1 3 .9 1 ^ 9 que dispõe sobre a comunicação eletrônica
entre a Secretaria da Fazenda e o sujeito passivo dos tributos
estaduais, alterando a Lei ns. 6 .3 7 ^ 9 e dando outras providências;
c) comunicado CAT n. 23 de 18.06.2009, que esclarece sobre cálculo e
recolhimento do ICMS devido em decorrência de operações que
destinem bens a consumidor final localizado em o utro Estado,
alertando aos contribuintes localizados no Estado de São Paulo que
eventual edição de ato normativo por outro Estado que tenha por
objeto estabelecer forma diversa da anteriormente descrita para o
cálculo do ICMS incidente em operação que destine bens a consumidor
final, não contribuinte, localizado em seu território, não é válida, por
estar em desacordo com as regras previstas na Constituição.

E ainda, a fim de solucionar as complexas questões derivadas do


aproveitamento de credito de ICMS vinculado às operações de importação
por conta e ordem de terceiros, ou por encomenda, através do Estado do
Espírito Santo, firmou em conjunto a referida unidade federada o Protocolo
ICMS - CONFAZ n5. 23, de 03.06.09.

0 c o m u n i c a d o CAT ns. 36, d e 2 9 , 0 7 . 0 4 e s c la re c e s o b r e a i m p o s s i b i l id a d e d e a p r o v e i t a m e n t o dos


c r é d i t o s d e IC MS p r o v e n i e n t e s d e o p e r a ç õ e s o u p r e s t a ç õ e s a m p a r a d a s p o r b e n e f í c io s f is c a is d e
IC M S n ã o a u t o r i z a d o s p o r c o n v ê n i o c e l e b r a d o n o s t e r m o s d a Lei C o m p l e m e n t a r n s. 2 4 / 7 5 : " 0
C o o r d e n a d o r d a A d m i n i s t r a ç ã o T r ib u t á r i a . . . e s c la re c e q u e : 1 - o c r é d i t o d o ... ICMS, c o r r e s p o n d e n t e
3 e n tra d a d e m e r c a d o r ia r e m e t id a o u de s e rv iç o p r e s t a d o a e s ta b e le c im e n to lo c a liz a d o em
t e r r i t ó r i o p a u l is t a , p o r e s t a b e l e c i m e n t o l o c a l iz a d o e m o u t r a u n i d a d e f e d e r a d a q u e se b e n e f i c i e
c o m in c e n t i v o s fis c a is i n d i c a d o s n os A n e x o s I e II d e s t e c o m u n i c a d o , s o m e n t e se rá a d m i t i d o a té o
m o n t a n t e e m q u e o i m p o s t o t e n h a s id o e f e t i v a m e n t e c o b r a d o p e la u n i d a d e f e d e r a d a d e o r ig e m ;
2 - o c r é d i t o d o ICMS r e l a t i v o a q u a l q u e r e n t r a d a d e m e r c a d o r i a o u r e c e b i m e n t o d e s e r v iç o c o m
o r i g e m e m o u t r a u n i d a d e f e d e r a d a s o m e n t e s e rá a d m i t i d o o u d e d u z i d o , n a c o n f o r m i d a d e d o
d i s p o s t o n o i t e m 1 , a in d a q u e as o p e r a ç õ e s o u p r e s t a ç õ e s e s t e j a m b e n e f i c i a d a s p o r i n c e n t i v o s
d e c o r r e n t e s d e a t o s n o r m a t i v o s n ã o l is t a d o s e x p r e s s a m e n t e n o s A n e x o s I e 11",

33
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

Observe-se que a dinâmica e a dialética da guerra fiscal mostram-se


presentes: a adoção de medidas abusivas por algumas unidades federadas
justifica a edição por parte de outros Estados de medidas igualmente abusivas
em teor e forma.
As concessões de créditos presumidos e o alongamento do prazo de
recolhim ento desse trib u to através de financiam ento estadual trazem
segundo as legislações supra mencionadas franco prejuízo ao Estado de
destino, que acaba se armando de todos meios possíveis para defender sua
economia local.
Assim sendo, toda a atuação fiscal das unidades federadas convergem
ao objetivo punir contribuintes com a impossibilidade de compensação de
créditos pelos mesmos, produzindo inevitável choque sistemático frente às
disposições constitucionais que dispõe acerca da aplicação do princípio da
não-cumulatividade.
A não-cumulatividade é prescrita constitucionalmente no art. 155, §
25, inciso I, possibilitando a compensação do que foi devido em cada operação
relativa à circulação de mercadorias ou à prestação de serviços com o
m ontante cobrado nas operações anteriores pelo mesmo ou por outro
Estado.
A única exceção constitucional feita a esse princípio é a Isenção ou
não incidência do tributo, que afasta a possibilidade de utilização do crédito
para a compensação e a anulação dos créditos relativos às operações
anteriores.
O princípio da não-cum ulatividade consiste em, para e fe ito de
apuração do tributo devido, deduzir-se do imposto incidente sobre a saída
de mercadorias o imposto já cobrado nas operações anteriores relativamente
à circulação daquelas mesmas mercadorias ou às matérias-primas necessárias
à sua industrialização, ou, nas palavras de Ruy Barbosa Nogueira, "a técnica
da não-cumulatividade tem por fim evitar a superposição de incidências
sobre uma série de operações que visam completar um único ciclo econômico

"A r t. 1 5 5 - C o m p e t e aos Estados e a o D i s t r i t o F e d era l i n s t i t u i r i m p o s t o s so b re : I - ( o m is s is ); íl -


o p e r a ç õ e s r e l a t i v a s à c i r c u l a ç ã o d e m e r c a d o r i a s e s o b r e p r e s t a ç õ e s d e s e r v iç o s d e t r a n s p o r t e
i n t e r e s t a d u a l e i n t e r m u n ic i p a l e d e c o m u n ic a ç ã o , a in d a q u e as o p e r a ç õ e s e as p re s ta ç õ e s se in ic ie m
no e x te r io r ; III - ( omissis) ; (...) §2@ 0 im po sto p re vis to n o inciso II a te n d e rá a o seguinte; I - será não-
c u m u la tiv o , com pensando-se o q u e fo r dev id o e m cada op era çã o relativ a à circulação d e m ercadorias
o u prestação d e serviços com o m o n ta n te c o b ra d o nas a n te rio re s p e lo m es m o o u o u tro Estado ou
p e lo D is t r i t o F e d e r a l; II - a i s e n ç ã o o u n ã o - i n c i d ê n c i a , s a l v o d e t e r m i n a ç ã o e m c o n t r á r i o da
le g is la ç ã o : a - n ã o i m p l i c a r á c r é d i t o p a r a c o m p e n s a ç ã o c o m o m o n t a n t e d e v i d o nas o p e r a ç õ e s o u
p re s ta ç õ e s s e g u in te s ; b- a c a rre ta rá a n u la ç ã o d o c r é d ito r e l a t i v o às o p e r a ç õ e s a n t e r i o r e s . "
(G rifa m o s)

34
D IRE IT O TR IB U T Á R IO - QUESTÕES ATUAIS

de produção. Esta superposição é evitada através do mecanismo de crédito


e débito de imposto pago e a pagar quando feito generalizadamente."^®
0 primado da não-cumulatividade, concretizado, em relação ao ICMS,
na confrontação de débitos e créditos fiscais, visa a evitar a tributação "em
cascata" vale dizer, que as incidências integrais e sucessivas, nas entradas e
saídas, se agreguem ao preço significando imposto sobre imposto.
Tem em conta o ciclo econômico de produção e circulação como um
todo e visa distribuir, igualitariamente, a carga tributária, de modo que cada
contribuinte suporte apenas o quantum do tributo correspondente ao valor
que agregou à mercadoria.
A não-cum ulatividade do ICMS faz nascer para os contribuintes,
quando da entrada de mercadorias em seu estabelecimento ou da aquisição
de serviços tributados pelo imposto, um crédito contra o sujeito ativo -
Estados e Distrito Federal.
De fato, a dicção do inciso 1 do § 2^ do artigo 155 da Carta Magna -"...
compensando-se o que for devido..." - confere, de modo direto, ao sujeito
passivo do ICMS o direito de abatimento, oponível ao Poder Público, que
não o pode tolher, subvertendo o mandamento constitucional, seja quando
da elaboração de leis (providência legislativa), seja na cobrança (atividade
administrativa) do tributo.

3. Observações e questionamentos acerca da atuação dos entes


federados no resguardo de seus direitos de exigibilidade do ICMS frente
a benefícios fiscais concedidos unilateralmente por outros Estados

Conforme já foi salientado, o ICMS está adstrito ao princípio constitucional


da não-cumulatividade, nos exatos termos da Constituição Federal, não
podendo o legislador infraconstitucional ou o Administrador Público pretender-
lhe novos contornos, aumentando ou diminuindo a sua eficácia.
0 único ensinamento que se pode tirar desta afirmativa constitucional
é a de que toda vez que o contribuinte, ao adquirir uma mercadoria ou um
serviço, havendo a incidência do ICMS, passa a ter em seu favor um crédito
fiscal, constituindo um direito-dever de compensar este crédito com o débito
do imposto nas operações mercantis posteriores.

0 m e c a n is m o da n ã o - c u m u la tiv id a d e há q u e s e r s e m p r e o b s e r v a d o , fa z e n d o n as c e r p ara o
c o n t r i b u i n t e , t o d a vez q u e e s te a d q u i r e u m a m e r c a d o r ia o u u m s e rv iç o c o m in c id ê n c ia d o Im p o s to ,
u m c r é d i t o fi scal, Esse c r é d i t o , d e a c o r d o c o m o p r o f e s s o r Sacha C a lm o n é " u m c r é d i to m i s t o (quase
f in a n c e iro ) , a b a r c a n d o o c r é d i to d o a ti v o im o b iliz a d o , d o s b en s d e usa e c o n s u m o e d e to d o s os insum os
d ir e to s e i n d i r e t o s u ti li z a d o s n o p r o d u ç ã o e c ir c u l a ç ã o d e m e r c a d o r ia s e s e r v iç o s " v. COELHO, Sacha
C a l m o n N a v a r ro , In C u rs o d e D i r e i t o T r i b u t á r i o B r a s il e ir o . 4 e d . Rio d e J a n e i r o : F o re nse , 1 9 9 9 , p.
3 3 2 . V. t b . p o r t o d o s CARRAZZA, R o q u e A n t o n i o . O p r i n c í p i o da n ã o - c u m u l a t i v i d a d e n o ICMS. In:
ICMS- São P a u lo : M a l h e i r o s , 2 0 0 7 . p. 3 1 9 - 3 9 8 .

35
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Há uma razão lógica à manutenção do crédito. A lógica está que o valor do


ICMS encontra-se embutido no preço de venda da mercadoria e o destaque do
imposto no campo ICMS da nota fiscal é meramente um indicativo de seu valor.
Logo, quando o adquirente compra a mercadoria ele, implicitamente,
compra o ICMS, Isto é, ele paga pelo ICMS. Esta metodologia jamais pode ser
afetada pelo fa to de o Estado de origem da mercadoria conceder ao
fo rn e c e d o r da m ercadoria um cré d ito presum ido, pois, esse cré d ito
presumido não afeta em nada a apuração e cálculo do ICMS lançado na nota
fiscal de venda da mercadoria.
Portanto, qualquer norma que venha de encontro a esse princípio
constitucional deve ser declarada inconstitucional, não produzindo qualquer
efeito no mundo jurídico.
Negar ao contribuinte o crédito do ICMS destacado nas notas fiscais
de entrada, seja qual fo r a sua procedência ou destinação, é antes um
retrocesso, uma involução, c o n tra ria n d o tod a a ciência trib u tá ria ,
consubstanciando em uma afronta a Constituição da República.
Não permite a Carta Magna que simples lei estadual impeça a utilização
dos créditos de ICMS, regularmente destacados nas notas fiscais de entrada.
Inadmissível, igualm ente, a criação de normas de restrição ao
creditamento do ICMS, em desacordo com o art. 155, §22, ii, da CF.
Não se admite assim, que qualquer Estado da Federação, declare a
inconstitucionalídade de leis concessivas de benefícios fiscais, de outros
Estados Federados ou pelo Distrito Federal, por suposta violação a artigo da
Constituição Federal ou até mesmo da citada LC 24/75.
Se houver a tão propalada violação, deve o Estado que se sentir
ofendido, socorrer-se do Poder Judiciário, ajuizando ação declaratória de
inconstitucionalídade, conforme previsto na própria Constituição Federal.

S o u t o M a i o r B o rge s , in; O IC MS e os b e n e f í c io s f is c a is c o n c e d i d o s u n i l a t e r a l m e n t e p o r E s ta d o -
M e m b r o , in " G r a n d e s q u e s t õ e s a tu a is d o d i r e i t o t r i b u t á r i o " , 4® v o l., São P a ulo : D ia lé t ic a , 2 0 0 0 , p,
1 24 , s u s t e n t a q u e " n ã o p o d e e n t r e t a n t o u m E s ta d o - m e m b r o d a F e d e ra ç ã o im p u g n a r , g lo s a n d o , o
c r é d i to d e ICMS d e s ta c a d o e m d o c u m e n t o fisca l, so b o p r e t e x t o d e v io la ç ã o a o a rt. 155, § 22, 'g', da
CF. ( ...) N ã o se rá c o r r e t o r e c o n h e c e r a o E s t a d o - m e m b r o c o m p e t ê n c i a p a ra , i n d e p e n d e n t e m e n t e
d e u m p o s i c i o n a m e n t o j u r i s d i c i o n a l , s o b r e t u d o e m a ç ã o d e c l a r a t ó r i a d e i n c o n s t i t u c i o n a l í d a d e da
lei o u d os a to s in f ra le g a is im p u g n á v e i s , g lo s a r o c r é d i t o h a v i d o c o m o i n d e v id o . S e r o u n ã o d e v i d o
0 c r e d i t a m e n t o d o ICMS, nas r e la ç õ e s i n t e r e s t a d u a i s , é a lg o q u e s o m e n t e p o d e s e r i n d i c a d o , e m
n o s s o r e g i m e f e d e r a t i v o , p e l o S u p r e m o T r i b u n a l F e d e r a l. 0 c o n t r á r i o i m p o r t a r i a a d m i t i r p u d e s s e
u m E s t a d o - m e m b r o d e s c o n s t it u ir p o r p o r t a s tra v e s s a s a le g a lid a d e e d it a d a p o r o u t r o , co m
c o m p o r t a m e n t o o fe n s iv o à fe d e ra ç ã o , n a q u ilo q u e é a t r i b u t o e ss e n c ia l d o p a c to fe d e r a t iv o
n a c i o n a l , a h a r m o n i a i n t e r e s t a d u a l . E p o r t a n t o i n s t a u r a r - s e - i a o i m p é r i o da d e s a r m o n i a , c o n t r a a
a r q u ite tô n ic a c o n s titu c io n a l do fe d e ra lis m o b ra s ile iro ".
V a le t r a n s c r e v e r a m a n i f e s t a ç ã o d e P a u l o d e B a r r o s C a r v a l h o s o b r e o t e m a : " T e c i essas
c o n s i d e r a ç õ e s p a r a d e m o n s t r a r a i m p o s s i b i l i d a d e d e u m a r e g r a le g a l e, m u i t o m e n o s , i n f r a l e g a l ,
d e s c o n s i d e r a r o a t r i b u t o d a v a li d a d e q u e a t i n g e as n o r m a s p e r t e n c e n t e s a o s i s te m a j u r í d i c o . Esse
é 0 m o t i v o p e l o q u a l n ã o p o d e u m Esta do o u o D is t r it o F e d era l, c o m f u n d a m e n t o n o a r t . 8^ d a Lei
C o m p l e m e n t a r n s 24/75, p r e t e n d e r a fa s ta r o s e f e it o s da c o n c e s s ã o u n i l a t e r a l d e b e n e f í c io s fis c a is
m e d ia n te ve d a çã o a o a p r o v e it a m e n to dos c ré d ito s q ue , c o n q u a n t o te n h a m sid o d e sta ca d o s em
n o t a s fis c a is , s e ja m o r i u n d o s d e u n i d a d e s f e d e r a d a s c o n c e d e n t e s d e i n c e n t i v o s s e m s u p o r t e e m
c o n v ê n i o . Ta l d e t e r m i n a ç ã o n ã o p o d e p r o s p e r a r , p o i s a l é m d e a b a l a r o p r i n c i p i o d a n ã o -
c u m u la tiv id a d e , é, f o r m a lm e n t e , m e d id a in a p r o p r ia d a , v is to q u e o s is te m a ju r í d i c o b r a s ile ir o
p r e s c r e v e o r e c u r s o a o P o d e r J u d i c i á r i o c o m o f o r m a d e i m p e d i r le s ã o a d i r e i t o . " , o b . c i t . , h t t p : / /
w w w .b a rro s c a rv a lh o .c o m .b r/a rt_ n a c /g u e rra _ fis c a l.p d f

36
DIREIT O TR IB U T Á R IO - QUESTÕES ATUAIS

É inadmissível a alegação para se autuar de que o Estado em que


situado o fornecedor da mercadoria supostamente teria concedido incentivo
fiscal ao mesmo. 0 que o contribuinte que recebe a mercadoria tem a ver
com isso? Nada! 0 co n trib u in te que recebe a mercadoria em nada se
beneficia da alegada benesse supostamente concedida ao seu fornecedor!
0 mesmo pagou o preço que lhe foi cobrado, estando destacado em nota
fiscal 0 valor do ICMS. Mesmo que tal fato ocorresse, não se admite restrição
ao princípio da não-cumulatividade, obstaculando o creditamento do ICMS.
É intangível a pretensão de alguns Estados, de que o contribuinte
adquirente da mercadoria fiscalize os seus fornecedores, para saber se algum
deles está sendo beneficiado de algum beneficio fiscal não previsto em
Convênio de ICMS-CONFAZ.
Acrescente-se a estes argumentos o fato de que a legislação editada
na unidade federada de origem, desde a sua publicação, goza de presunção
de validade, que se exprime na presunção de constitucionalidade da lei e
na presunção de validade dos atos administrativos com base nela emitidos.
Atos a dm inistrativos que, a meu ver, configuram atos jurídicos
perfeitos e que estão diretam ente ligados a clausula constitucional da
segurança jurídica, resguardada pelo artigo 5®, inciso XXXVI da Carta
Magna.
Retirar-lhes a presunção de legitimidade, configura no mínimo usurpar
competência que somente e exçrcitáveí ao Poder Judiciário e ao máximo
nítida violação ao princípio da separação dos Poderes, porquanto não cabe
ao Executivo invadir competência privativa da Suprema Corte, para dirimir
conflitos entre Estados (art. 102, I, /, da Constituição Federal).
0 princípio da segurança jurídica está implícito em todos os princípios
e garantias constitucionais tanto os que regem a tributação quanto os que
resguardam os cidadãos e os contribuintes, sendo que, desse modo, não
podem as unidades federadas utilizarem sua competência para legislar sobre
o ICMS e desrespeitar os direitos e garantias do contribuinte anulando ao
seu talante os créditos advindos de mercadorias adquiridas de outra Unidade
da Federação.
Quando um contribuinte adere, por exemplo, a um Termo de Acordo
de Regime Especial concedido por um Estado-membro da Federação, através
de lei existente, vigente e eficaz, toma como verdadeira a competência da
referida unidade federada para editar tal norma, e vez que quando editada,
a mesma passa a gozar de presunção de legitimidade.

" D ispõe 0 a r t. S?, inc. XXXVI, da CF/88 q u e "a lei n ão p re ju d ic a r á o d ir e i t o a d q u i r i d o , o a to j u r í d ic o


p e r f e i t o e a c o is a ju l g a d a " .

37
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

"Negar o d ire ito de crédito ao c o n trib u in te implica tam bém em


e n riq u e c im e n to sem causa do Estado de d e s tin o , que, estará
indevidam ente expandindo os lindes de sua competência trib u tá ria , já
que, por vias transversas, cobrará o trib u to , por operações realizadas
fora de seu te rritó rio e; imputação, ao contribuinte, do ônus de suportar
os efeitos emergentes de perlenga jurídica a ele de tod o estranha, já
que da e xclusiva alçada dos Estados e n v o lv id o s em e p is ó d io da
denom inada "guerra fiscal", bem como, derrubada da presunção de
legitimidade de que gozam as normas instituidoras de benefícios fiscais
ou financeiros, em matéria de ICMS, que só pode ser afastada pelo Poder
J u d ic iá rio , o bse rva do s os m ecanism os consagrados p elo sistem a
ju ríd ic o "/^
C o n trib u in te s de boa-fé devem t e r a seu fa v o r a certeza do
passadoP^
Vale a pena observar que os contribuintes, em verdade, são apenas
vítimas de uma guerra que não é deles e, por isso têm bons argumentos de
defesa em caso de autuações pelas autoridades fiscais estaduais, pois a
concessão de benefícios fiscais não pode representar empecilho ao pleno
exercício do direito de abatimento assegurado pelo principio constitucional
da não-cumulatividade.

4. Conclusões

A autonomia relativa dos Estados-membros, no tocante à condução


de suas políticas de d ese n volvim en to , a qual co m preende tam bém

Q u e s t i o n a m e n t o s l e v a n t a d o s p o r R o q u e C a r r a z z a a o p r e f a c i a r a o b r a d e M a r q u e s , K la u s
E d u a r d o R o d r i g u e s A g u e r r a f i s c a l d o IC M S : u m a a n á l i s e c r í t i c a s o b r e as g lo s a s d e c r é d i t o -
São P a u lo ,M P E d „ 201 0 .
“ Id e m , ob. c it-, u tiliz a n d o -m e da e xpre ssã o tira d a por Roque C arra zza p ara la n ç a r
q u e s tio n a m e n to s acerca da 'g lo s a ' de c ré d ito s e sua p ro je ç ã o fre n te ao p rin c ip io
c o n s titu c io n a l da s e gu ra n ça ju ríd ic a , a n a lis a n d o que caso "os b e n e fíc io s fis c a is ou
f i n a n c e i r o s , o u t o r g a d o s p e l o E s ta d o d e o r i g e m , i n f r i n j a m m a u s - t r a t o s a o a r t . 1 5 5 , § 22, XII,
g, d a C o n s t i t u i ç ã o d a R e p ú b li c a , n ã o é d a d o , a o E s ta d o d e d e s t in o , i m p o r , a s e us c o n t r i b u i n t e s ,
0 ô n u s d e c o n t r o l a r a c o n s t i t u c i o n a l i d a d e e a l e g a l i d a d e d e t a i s f a v o r e s . Em s u m a , p r o b l e m a s
e m e rg e n te s da c h a m a d a "g u e rra fis c a l" e n tre as u n i d a d e s f e d e r a d a s não podem ser
re s o lv id o s a e xpe nsas de c o n t r ib u in t e s q u e a d q u irir a m a lh u re s m e rc a d o ria s , e tê m em m ãos,
d o c u m e n t a n d o as o p e r a ç õ e s r e a l i z a d a s , n o t a s f i s c a i s f o r m a l m e n t e e m o r d e m . P o r f i m , se o
S u p re m o T r ib u n a l F e d e ra l, e m c o n t r o le a b s t r a t o , v ie r a d e c la r a r in c o n s titu c io n a is esses
b e n e f í c i o s fis c a is o u f i n a n c e i r o s , c a b e r á a o s E s ta d o s d e o r i g e m c o b r a r , d e s e u s c o n t r i b u i n t e s ,
q u e u s u f r u í r a m as a l u d i d a s b e n e s s e s , as " d i f e r e n ç a s " d e /C M S. E s to u c o n v e n c i d o , n o e n t a n t o ,
q u e t a l d i r e t r i z n ã o se a p l i c a q u a n d o p a t e n t e a d a a b o a - f é d e s s e s m e s m o s c o n t r i b u i n t e s ,
m o r m e n t e se c u m p r i r a m c o r ) d iç õ e s , p a r a p o d e r e m g o z a r d a s a l u d i d a s v a n t a g e n s t r i b u t á r i a s ,
que tin h a m p o r v á lid a s ."

38
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

mecanismos fiscais de atração, não pode ser sacrificada em nome de uma


"guerra fiscaTV
Ao contrário, em nome dos princípios do federalismo cooperativo,
essa autonomia deve ser preservada, e até fortalecida, desde que seja
acompanhada de relações horizontais de cooperação, entre as unidades
federadas.
E não só isso, mas também, deve ser acompanhada de ações e marcos
institucionais introduzidos pelo Governo Federal, visando coordenar as ações
dos Estados, bem como, corrigir os desequilíbrios estruturais permitindo
um amplo desenvolvimento regional.
No Brasil, verifica-se que as transferências constitucionais, referentes
às compensações federais, não são su ficien te s para a redução das
desigualdades regionais, necessitando, portanto, de um papel mais ativo
dos Ministérios ao mesmo tempo em que uma presença mais orgânica do
Governo Federal nas regiões que carecem de desenvolvimento, exatamente
com a finalidade de buscar a coordenação e a equalízaçâo dessas áreas frente
ao contexto nacional.

A C o n s t i t u i ç ã o d e 1 9 8 8 a s s e g u r a as p e s s o a s p o l í t ic a s o d i r e i t o d e p r o p o r e m a ç õ e s d i r e t a s de
in c o n s titu c io n a lid a d e p e r a n te o S u p re m o T rib u n a l Federal v is a n d o a e x tir p a r do o r d e n a m e n to
j u r í d i c o as n o r m a s q u e i l e g i t i m a m e n t e t e n h a m p o r o b j e t o a c o n c e s s ã o d e b e n e f í c i o s fis c a is
u n i l a t e r a i s . I n c o n c e b í v e l , p o r t a n t o , q u e q u a l q u e r d a s u n i d a d e s f e d e r a d a s p r e t e n d a a f a s t a r os
e f e i t o s d a c o n c e s s ã o d e b e n e f í c i o s fis c a is q u e c o n s i d e r a i n d e v i d o s , f a i e n d o - o m e d i a n t e s i m p l e s
g lo s a d e c r é d i t o s , e l e g e n d o o c o n t r i b u i n t e c o m o " i n i m i g o " nessa " g u e r r a f is c a l" , e n ã o o Esta do
q u e te r i a e d i t a d o n o r m a v io la d o r a d o T e xto M a io r. A té m e s m o p o r q u e o a d q u i re n t e das m e r c a d o r ia s
e serv iços, t e n d o a m p a r o d o c u m e n t a l q u e c o n t e n h a t o d o s os e l e m e n t o s d o n e g ó c io m e r c a n t i l , n ão
t e m a o b r i g a ç ã o n e m as c o n d i ç õ e s n e c e s s á r ia s p a r a p e s q u i s a r e v e n t u a l e x i s t ê n c i a d e i n c e n t i v o
f i s c a l c o n c e d i d o a o f o r n e c e d o r . S o b r e m a is , a l é m d e f a l t a r c o m p e t ê n c i a a o c o n t r i b u i n t e p a r a
c o n t r o la r a c o n s t it u c io n a lid a d e de q u a lq u e r b e n e fíc io fis c a l c o n c e d id o , caso e s te v e n h a a ser
d e c l a r a d o i n c o n s t i t u c i o n a l p e l o ó r g ã o c o m p e t e n t e - o e x c e ls o STF - , a c o n s e q ü ê n c i a a d v i n d a será
a i m e d i a t a e x ig i b i l id a d e d o c r é d i t o t r i b u t á r i o r e la t i v o a o t r i b u t o n ã o r e c o l h id o a o Esta do d e o r ig e m ,
q u e 0 havia d is p e n s a d o o u r e d u z id o d e f o r m a c o n s id e ra d a i n d e v id a p e l o Ju d ic iá r io . C o n tr a r i a m e n te ,
a a p lic a r -s e o p r e c e i t o d o a r t . 82 da Lei C o m p l e m e n t a r n® 2 4 /7 5, e s ta ria o E s ta d o d e d e s t i n o das
m e r c a d o r i a s e s e r v i ç o s h a b i l i t a d o a, e le p r ó p r i o , f a z e r j u l g a m e n t o s a c e r c a d a l e g a l i d a d e e
c o n s t i t u c i o n a l i d a d e d o s i n c e n t i v o s f i s c a is , e, c o n s i d e r a n d o - o s i n d e v i d o s , e x i g i r o i m p o s t o n ã o
c o b r a d o p e l a u n i d a d e f e d e r a d a d e o r i g e m . Tal a t i t u d e , a l é m d e s u p r i m i r a a p r e c i a ç ã o j u d i c i a l ,
r e p r e s e n t a m a n i f e s t a a m e a ç a a o p a c t o f e d e r a t i v o , u m a vez q u e a c a r r e t a a e x ig ê n c ia d o i m p o s t o
e s t a d u a l p e l a p e s s o a p o l í t i c a d e s t i n a t á r i a d a m e r c a d o r i a o u s e r v iç o , d e s p r e z a n d o a r e p a r t i ç ã o
c o n s t i t u c i o n a l d a s c o m p e t ê n c i a s t r i b u t á r i a s e o c a r á t e r n a c i o n a l d o ICMS. C a r a c t e r i z a , t a m b é m ,
n ítid a o fe n s a ao p r in c íp io da n ã o - c u m u la tiv id a d e , p r e c e i t o c o n s t it u c io n a l q u e n ã o c o m p o r ta
r e s tr iç ã o d e e s p é c ie a lg u m a , s a lv o a q u e la s q u e o p r ó p r i o c o n s t it u in t e r e la c io n o u : is e n ç ã o e
n â o t n c i d ê n c i a . A C o n s t i t u i ç ã o só p r o í b e o c r é d i t o d o i m p o s t o nessas d u a s h ip ó te s e s , m o t i v o p elo
q u a l os i n c e n t i v o s c o n c e d i d o s m e d i a n t e a a d o ç ã o d e té c n ic a s d iv e r s a s , c o m o r e d u ç ã o d o i m p o s t o
d e v i d o , da b a s e d e c á l c u l o , d e f e r i m e n t o o u a t é m e s m o e s c r i t u r a ç ã o d e c r é d i t o p r e s u m i d o , n ão
p o s s i b i l i t a m se ja o c r e d i t a m e n t o o b s t a d o . Em c a s o s c o m o e s ses , t e n d o o b e n e f í c i o f i s c a l s id o
c o n c e d id o sem a u to riz a ç ã o em c o n v ê n io , ca be ao P o de r J u d ic iá rio d e c la rá -lo in c o n s titu c io n a l,
d e t e r m i n a n d o q u e o ICM S seja e x ig i d o e m c o n s o n â n c ia c o m o a r c a b o u ç o c o n s t it u c io n a l d o t r i b u t o ,
is to é, p e lo E sta d o de o rig e m das m e rc a d o ria s e s e r v iç o s , o b .c it., h ttp ://
w w w . ba r r o s c a r v a l h o . c o m . b r / a r t _ n a c / g u e r r a _ f i s c a l . p d f .

39
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

No exercício da autonomia, é fundamental que os Estados brasileiros


mantenham uma margem de possibilidade para que continuem a oferecer
incentivos fiscais, e n tre tan to , explorada d en tro de um am biente mais
cooperativo e complementar, de maneira que a concorrência não elimine a
possibilidade da cooperação.
Não basta que as unidades federadas fiquem sujeitas a "códigos de
conduta" estabelecidos por eles próprios, pela União ou por instâncias
superiores, evitando a "guerra fiscal", mas é necessário que tom em
iniciativas, com o fim de estruturar competências locais que sejam capazes
de aprofundar e dominar o conhecimento sobre as vantagens comparativas
e competitivas de suas economias.
Em decorrência disso, cada Estado saberá buscar o que é útil e
necessário para as necessidades específicas das suas estruturas internas, e
assim poder valorizá-las.
A reforma tributária, que dormita há alguns anos, pode ser um bom
começo!
Mas enquanto esse momento de amadurecimento político-tributário
não chega, não se pode permitir, ao arrepio das garantias constitucionais,
sobretudo daquela que diz respeito a segurança jurídica consagrada por atos
jurídicos perfeitos firmados pelos contribuintes ju n to a entes federados,
sejam qualificados os mesmos como inválidos, nulos ou inconstitucionais,
pois essa é uma conta fiscal, das unidades federadas, dos Estados e do Distrito
Federal, sob a batuta da União, e não uma conta dos contribuintes que de
boa-fé e na forma da lei têm direito aos créditos derivados das operações
fiscais realizadas.

40
D IRE IT O TR IB U T Á R IO - QUESTÕES ATUAIS

O ADEQUADO TRATAMENTO TRIBUTÁRIO DOS INCENTIVOS


FISCAIS DE ICMS FRENTE AO PIS/COFINS

Adriano GuinzelM"

1. Histórico dos incentivos fiscais

Os incentivos fiscais de desoneração instituídos pelo Poder Público


através de lei representam renúncia fiscal de receitas em favor de terceiros
e tem com o escopo a e fe tiva ção de políticas públicas destinadas
principalmente a proporcionar o desenvolvimento socioeconômico regional,
impulsionar o crescimento, modernização e fortalecimento de segmentos
empresariais, proteção de mercados frente a concorrência externa e interna,
entre outras pretensões de Interesse coletivo.
A cronologia pertinente às políticas brasileiras de incentivos fiscais
como instrumento de fom ento ao desenvolvimento do parque industrial
brasileiro ganha m aior ênfase a p a rtir da década de 1930, através da
"in d u s tria liza ç ã o por su bstitu içã o de im postos (ISl)", sustentada em
incentivos fiscais, financeiros e cambiais, passando pela década de 1960,
onde fo i p rio riza d o a im p o rta çã o de bens de capital destinados ao
d e s e n vo lvim e n to do com plexo in d u s tria l b ra sile iro , v is lu m b ra n d o a
substituição das importações por produção nacional.
Com 0 advento da nova Carta da República de 1988, destacam-se as
medidas adotadas no Governo Collor, que revogou benefícios fiscais de
décadas e promoveu a progressiva liberação das importações.
Desde meados da década de 2000, a política tributária implantada pelo
Governo Federal atracou-se com maior efervescência nas contribuições
sociais do PIS e da COFINS, com destaque para as tributações monofásicas e
mais recentemente a não cumulatividade destas contribuições, sem esquecer
da Lei do Bem que criou o Recap e o Repes, o Reporto, o Reidi proveniente
do PAC, e hodiernamente, os incentivos fiscais setoriais para assegurar à
segmentos da indústria nacional a co m p etitivid a de m undial fre n te a
insegurança das oscilações negativas da economia mundial.
Reportando-se aos incentivos fiscais estaduais, as unidades da
federação, no intuito precípuo de impulsionar o avanço de suas economias,
a modernização de seus parques industriais, o desenvolvimento econômico
regional e a proteção de estratégicos setores empresariais, vem adotando

“ A d v o g a d o . M e m b r o da Com issão d e D ir e ito T r i b u t á r i o da CFOAB e da A c a d e m ia Brasileira d e D ir e ito


T r i b u t á r i o (A 8 D T ). C o n s u lt o r T r i b u t á r i o d a F e d era ç ã o d as In d ú s tr ia s d o E sta d o d o T o c a n tin s (FIETO).

41
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

políticas direcionadas a redução do ICIVIS, seja através da redução da base de


cálculo, ou dos já conhecidos créditos presumidos de ICMS e créditos
financeiros para subvenção de investimentos.

2. A desoneração através de incentivos fiscais e a natureza jurídica


de recuperação de custos

A desoneração é a redução da tributação, "a exoneração total ou parcial


do q ua n tu m debeatur^^" sobre d e te rm in a d a m ercadoria ou serviço,
p rom ovida através da legislação fiscal, destinadas p rin c ip a lm e n te a
im p u ls io n a r a econom ia, in c e n tiv a r especifico s e to r em presarial,
incrementar a geração de emprego, reduzir as desigualdades regionais e a
competição no mercado interno e externo.
No campo das desonerações, limitaremos nossos estudos na seara
dos incentivos fiscais, no â m b ito do ICMS, n otadam ente os créditos
presumido e financeiro.
O aclamado José Eduardo Soares de Melo, assevera que " 0 Poder
Público estabelece situações desonerativas de gravames tributários, mediante
a concessão de incentivos e benefícios fiscais, com o natural objetivo de
estimular o contribuinte à adoção de determinados comportamentos, tendo
como subjacente o propósito governamental à realização de diversificados
interesses públicos."^’’
A lição do saudoso Geraldo Ataliba e José A rtur Lima Gonçalves^®
complementa a dimensão do conceito de incentivos fiscais In verbis:

Os incentivos fiscais manifestam -se, assim, sob várias form as


juríd icas, desde a fo rm a im u n itó ria até a de In v e s tim e n to s
p rivileg ia do s, passando pelas isenções, alíquotas reduzidas,
suspensão de impostos, m anutenção de créditos, bonificações,
créditos especiais - den tre eles os chamados créditos-prêm io -
e outros ta n to s mecanismos, cujo fim ú ltim o é, sempre, o de
im p u ls io n a r ou a tr a ir, os p a r tic u la r e s para a p rá tic a das
atividades que o Estado elege como prioritárias, tornando, por
assim dizer, os particulares em p articipantes e colaboradores
da c o n c re tiz a ç ã o das m e ta s p o s ta s c o m o d e s e já v e is ao
d e se nvolvim e n to e co n ô m ico e social p o r m eio da adoção do
c o m p o rta m e n to ao qual são condicionados.

E d ga rd N e ve s d a Silva, M a r c e l o M a r t i n s M o t t a F ilho , O u t r a s F o r m a s D e s o n e r a t iv a s , in C u rso d e


D i r e i t o T r i b u t á r i o , Ives G a n d r a M a r t i n s , C o o r d e n a d o r , 13. e d. São P a u lo : Saraiv a, 2 0 1 1 .
” ICMS T e o ria e P rá tica. 6. ed. São P a ulo : D ia lé tic a , 2 0 0 3 .
A T A L IB A , G e r a l d o , G O NÇ ALVES, J o s é A r t u r L im a . C r é d i t o - p r ê m i o d e IP I, d i r e i t o a d q u i r i d o ,
r e c e b i m e n t o e m d i n h e i r o . R evista d e D i r e i t o T r i b u t á r i o . São P a ulo : RT, v. 5 5, p . 167.

42
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Portanto, o incentivo fiscal é uma desoneração, e segundo De Plácido e


Silva'':

"Juridicamente, a subvenção não te m o caráter nem de paga,


nem de compensação. É mera contribuição pecuniária destinada
a auxílio ou em fa v o r de uma pessoa, ou de uma instituição,
para que se m antenha, ou para que execute os serviços de obras
pertinentes a seu objeto".

No que pertine aos incentivos fiscais reflexos aos ICMS, torna-se


im perioso conceituar as modalidades de c ré d ito fin an ce iro e crédito
presumido.
O credito financeiro consiste no financiamento subsidiado do débito
de ICMS do contribuinte, que pode ser concedido de forma parcial ou total,
geralmente gerido por um fundo estadual, através de instituição financeira,
onde o Estado disponibiliza determ inado valor á ser aproveitado pelo
contribuinte, ressaltando que esta subvenção terá destino específico, como
por exem plo, e mais usual, a transferência de recursos destinados a
investimentos para ampliação da capacidade produtiva, investimentos na
modernização fabril.
Noutro norte, no tocante ao credito presumido, retrata finalidade
específica de auxiliar a empresa no seu custo, onde o Ente Tributante concede
redução do montante do imposto devido, através do aproveitamento de
c ré d ito de ICMS, tom a n d o como base o va lor da operação de saída,
desconsiderando e não aproveitando o respectivo crédito da entrada, como
por exemplo, nas saídas interestaduais, o contribuinte emite a nota fiscal
com alíquota do ICMS de 12% (débito de ICMS), e aproveitará o equivalente
a 10% do valor da saída (crédito de ICMS), acarretando a importância de 2%
do valor da saída como carga tributária final do ICMS.
Estes benefícios fiscais são considerados créditos escriturais, que são
lançados na conta gráfica do ICMS do contribuinte, manifestando caráter
contábil de recuperação de custo, jamais denunciando receita.
Inadequado seria esquecer, que a caracterização do incentivo fiscal,
seja destinado à subvenção para custeio ou destinado à investim ento,
imprescindivelmente, passará pela interpretação da vontade do legislador,
do teor e real sentido contido na norma estadual instituidora do benefício.
Quando aportamos no incentivo fiscal destinado a investimentos, na
grande m aioria das legislações estaduais, exige-se do b en e ficiário a

V o c a b u l á r i o J u r íd ic o , 2 3 * . e d . r e v is t a e a tu a li z a d a p o r N a g ib Slaib i F ilh o e G lá u c ia C a r v a lh o . Op.


cit-, p. 1 .3 3 8 .

43
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

apresentação de projeto do empreendimento, que passará pelo crivo dos


órgãos com petentes para análise e aprovação, para então, d e fe rir a
subvenção, que será lavrada em Instrumento legal específico.
Reportando-se ao crédito presumido, a legislação preocupa-se em
identificar os segmentos empresariais que poderão requerer o benefício
fiscal, que deverão preencher os pressupostos exigidos na legislação
estadual.
Destarte, os incentivos fiscais supramencionados, retratam a intenção
do legislador - e claro, do próprio Poder Executivo independentemente
do viés custeio/investimento, de renuncia fiscal através da desoneração
das operações das empresas, com claro o b je tiv o de Im p ulsion a r o
d ese n vo lvim e n to regional, de p ro p o rc io n a r condições favoráveis a
competitividade industrial (segmentada ou geral) às empresas beneficiárias,
enfim, fazer uso deste mecanismo para cumprir as garantias constitucionais
das políticas públicas de Interesse da coletividade, e via de conseqüência,
esta desoneração não compõe o resultado das vendas de mercadorias ou de
serviços efetivados pela empresa, não compondo o conceito de receita ou
faturamento.

3. A interpretação da Receita Federal pela tributação

Prima fade, a título de exposição, o entendimento do FISCO quanto


aos créditos presumidos e financeiros de ICMS na órbita do IRPJ e CSLL gravita
na forma como o crédito é classificado. Se a subvenção externar essência de
investimento será excluída da base de cálculo desses tributos, ao passo que,
se os contornos realçarem situação típica de custeio, sofrerá a incidência,
nos termos aplicativos do Parecer Normativo 112/78.
N o u tro n orte , a Receita Federal, ao a preciar os elem entos
concernentes a incidência do PIS e da COFINS sobre o crédito presumido de
ICMS na sistemática da não cumulatividade, vem reiteradamente exarando
entendimento administrativo sustentado na ausência de permissivo legal
assecuratório da não incidência, conforme se extrai da Solução de Divergência
n^ 13, de 28.04.2011, assim transcrita:

ASSUNTO: CONTRIBUIÇÃO PARA O F IN AN C IA M E N TO DA


SEGURIDADE SOCIAL-COFINS

EMENTA: Por absoluta falta de amparo legal para a sua exclusão,


0valor apurado do cré dito presum ido do ICMS concedido pelos
Estados e pelo D istrito Federal constitui receita trib u tá ve l que
deve integrar a base de cálculo da COFINS. A p a rtir de 28 de
maio de 2009, te n d o em vista a revogação do § 1® do art. 32 da
Lei N* 9.718, de 1998, prom ovida pelo inciso XII do art. 79 da Lei

44
DIREIT O TR IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

N° 11.941, de 2009, para as pessoas jurídicas enquadradas no


re g im e de a p u ra ç ã o c u m u la tiv a da COFINS, p o r não ser
considerado fa tu ra m e n to (receita bruta) decorrente da atividade
e x e rc id a p o r essas pessoas ju r íd ic a s , o v a lo r d o c r é d ito
pre su m id o do ICMS deixou de in te g ra r a base de cálculo da
mencionada contribuição.

Essa compreensão fiscal traz em seu bojo que os créditos presumidos


de ICMS com põem a re c e ita /fa tu ra m e n to do c o n trib u in te , e via de
conseqüência, fazem parte da carga impositiva destas contribuições.
Nesta mesma Solução de Divergência, a RFB ponderou que os
c o n trib u in te s sujeitos ao regime cu m u la tivo do PIS/COFINS que são
beneficiários da subvenção do crédito presumido de ICMS podem excluí-los
da tributação destas contribuições.

4. A exclusão dos créditos presumidos e financeiros de ICMS da base


de cálculo do PIS/COFINS

É de bom alvitre relembrar que a matriz constitucional do PIS e COFINS


encontra-se balizada ante o art. 195, da Carta da República, estabelecendo
no inciso I, "b", que a base de cálculo dessas contribuições será a receita ou
o faturamento. Portanto, somente serão alvo da tributação os lançamentos
contábeis que refletem verdadeiro caráter de receita ou faturamento.
0 desafio do in té rp re te , no presente caso concreto, rem onta a
id e n tific a r o real enq u ad ra m e nto dos incentivos fiscais, levando em
consideração a intenção do legislador quanto da sua instituição e o alcance
do benefício fiscal, aliado aos reflexos econômicos e contábeis decorrentes
da sua concessão, identificando a subsunção do fato à norma via reflexão
das bases de cálculo dos tributos reflexos as operações.
As desonerações fiscais do ICMS, na modalidade de crédito presumido
ou crédito financeiro, possuem natureza jurídica de recuperação de custos
ou in ve stim e n to s, p o rta n to , não tra du ze m natureza de receita ou
faturamento.
Nessa esteira interpretativa, José Antonio M inatel^ afirma que

"A estrutura do incentivo e a p ró p ria lei acenam p a ra a específica


natureza de ressarcimento de contribuições incidentes nos custos
de fabricação, p o rta n to crédito concedido com a qualificaçõo de
re d u to r de custos, inabilitando qualquer pretensão de considerá-

MINATEL , José A n t ô n io . C o n t e ú d o d o C o n c e it o d e R eceita e R eg im e J u r íd ic o para sua T rib u t a ç ã o .


MP, 2 0 0 5 , p. 2 2 4 - 2 2 5 .

45
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

Io com a natureza de receita. [...] Por revestir a natureza de m era


recuperação de custo, o cham ado 'crédito p resum ido ' da COFINS
e PIS, utilizado p a ra abatimento do IPI, nõo tem natureza de receita,
assim como j á reconheceu a administração tributária que tam bém
não tem natureza de receita o crédito presum ido concedido p o r lei
na a p u ra ç ã o de COFINS e PIS das e m pre sa s fa b r ic a n te s de
determ inados medicamentos, p o r conta de adesão em regime
especial que prevê compromisso de redução de seus preços ao
consumidor."

No mesmo norte o elucidativo ensinamento de Leandro Paulsen^^:

Ressarcimento ou recuperação de custos tributários e de outras


despesas. Nem to d o ingresso ou lançam ento contábil a crédito
c o n s titu i re c e ita , que, para ser tr ib u t a d a , deve e v id e n c ia r
riqueza reveladora de capacidade contributiva. Não pode o FISCO
exigir c o n tribu ição sobre o simples ressarcim ento por trib u to
pag o in d e v id a m e n te o u s o b re o c r e d ita m e n t o q u e visa a
com pensar custos trib u tá rio s.
( .. .)
- "Em q u a lq u e r h ip ó te s e , tr a ta n d o -s e de despesa ou custo
a n te r io r m e n te s u p o rta d o , sua re c u p e ra ç ã o e con ô m ica em
qualquer período posterior, e n quanto suficiente para neutralizar
a a n te rio r dim inuição patrim onial, não ostenta qualidade para
s e r r o t u la d a de r e c e ita , p ela a u s ê n c ia do r e q u is it o da
c o n tr a p r e s ta ç ã o p o r a t iv id a d e ou de n e g ó c io J u ríd ic o
(m aterialidade), além de fa lta r o a trib u to da disponibilidade de
riqueza nova.
A recuperação de custo ou de despesa pode ser equiparada aos
e fe ito s da in d e n iz a ç ã o , p e la s im il it u d e n o c a r á t e r de
recom posição p a trim o n ia l...

Neste norte, levando em consideração que os créditos financeiros e


presumidos de ICMS não caracterizam receita ou faturamento, mas sim,
possuem natureza jurídica de recuperação de custos e/ou subvenção para
investimentos, não há que se falar em exigibilidade do PIS/COFINS sobre
estes incentivos fiscais.
Adentrando ao colosso jurisprudencial sobre o tema, ressalta-se
precedentes em questão sem elhante, a tin e n te a exclusão do crédito
presumido de IPI da base de cálculo do PIS/COFINS, sendo alvo de inúmeros

D ir e i to T r i b u t á r i o , C o n s titu iç ã o e C ó d ig o T r i b u t á r i o à Luz d a D o u t r i n a e da J u ris p r u d ê n c ia . E d it ora


L iv ra ria d o A d v o g a d o , 9. e d., p. 4 7 1 - 4 7 2 .

46
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

acórdãos do STJ, que sedimentou o entendimento favorável ao contribuinte:


"0 crédito presumido previsto na Lei 9.363/96 não constitui receita da pessoa
jurídica, mas mera recomposição de custos, razão porque não podem ser
considerados na determinação da base de cálcuh da contribuição ao PIS e da
COFINS. Precedente da Primeira Turma. Seria um contra-senso adm itir que
sobre o crédito presumido de iPi, criado ju stam en te para desonerar a
incidência do PIS e da COFINS sobre as matérias-primas utilizadas no processo
de in d u s tria liza çã o de p ro d u to s exportados, incidam essas duas
contribuições"^^
0 Tribunal Regional Federal da 4^ Região foi o percussor da apreciação
da matéria em 2^ lnstância^\ através do Des. Federal Joel Paciornik, que
sagazmente fundamentou seu voto pela não incidência do PIS/COFINS sobre
os créditos presumidos de ICMS, in verbis:

"(...) não constitui receita, seja do p o n to de vista contábil, seja


do p on to de vista econôm ico-financeiro, visto que não compõe
0 s o m a t ó r io das v e n d a s de m e r c a d o r ia s ou de s e rv iç o s
realizados pela em presa, ta m p o u c o d e n ota m anifestação de
riqueza. O benefício fiscal representa m ero ressarcimento dos
custos a que se sujeita a im p e tra n te ao o b te r a m atéria-prim a
necessária à consecução de sua produção.
A d m itir o seu enquadram ento no conceito de receita bruta, para
fin s de in c id ê n c ia das r e fe rid a s c o n tr ib u iç õ e s , im p lic a ria
In te rfe rê n c ia in d e v id a da U n iã o e m m a té ria p riv a tiv a dos
estados, lim ita n d o a eficácia do benefício fiscal prodigalizado
pelo Estado.
Não se tra ta n d o de uma receita auferida pela pessoa jurídica,
não há incidência da contribuição para o PIS e da COFINS, visto
que a trib u ta çã o não pode recair sobre base superior às reais
manifestações de capacidade econômica da empresa.

A presente questão, p o ste rio rm e n te , fo i tam bé m devidam ente


apreciada pelo STJ, no REsp 1.025.833, lead case na Corte, capitaneado pelo
M in. FRANCISCO FALCÃO, de form a unanim e, asseverando que "...
independentemente da classificação contábil que é dada, os referidos créditos
escriturais não se caracterizam como receita, porquanto inexiste incorporação
ao patrimônio das empresas industriais, pois se trata de mero ressarcimento
de custos que elas realizam com o transporte para a aquisição de matéria-
prima em outro estado federado.

" REsp ns 1 .0 0 3 .0 2 9 /R S , R e l.M in . CASTRO MEIRA, DJe d e 1 9 ,0 5/20 0 8.


A M S nS 2 0 0 7 . 7 1 . 0 0 . 0 2 1 5 7 0 -6 /R S , 1^ T u rm a , DJ 1 8 .0 6 .0 8 .

47
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Reforçando ta l entendim ento, a Segunda Turma do STJ, no REsp


1.229.134, aponta para o mesmo caminho, no esclarecedor voto condutor do
Min. Humberto Martins, afirmando que "...o crédito presumido do /CMS
consubstancia-se em parcelas relativas à redução de custos, e nõo à obtenção
de receita nova oriunda do exercício da atividade empresarial como, verbi
gratia, venda de mercadorias ou de serviços. Esta Corte, ao enfrentar o tema
ora em debate, posicionou-se no sentido de que, por nõo se tratar de receita,
nõo há que se falar em incidência dos créditos presumidos do ICMS na base
de cálculo do PIS e da COFINS".
Com esse entendimento, o STJ firmou entendimento uníssono quanto
a exclusão dos créditos presumidos e financeiros do universo de tributação
do PIS/COFINS, in verbis:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. QUESTÃO RELATIVA


À INCLUSÃO DO CRÉDITO PRESUMIDO DE ICMS NA BASE DE
CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES
DE AMBAS AS TURMAS DA PRIMEIRA SEÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO.

1. 0 Superior Tribunal de Justiça vem decidindo que o crédito


presum ido do ICMS configura incentivo v o lta d o à redução de
custos, com vistas a p ro p o rc io n a r m a io r c o m p e titiv id a d e no
mercado para as empresas de um dete rm in a do Estado-membro,
e, portanto, não assume a natureza de receita ou fa turam ento,
p e lo q u e está fo ra da base de cálculo do PIS e da COFINS.
Precedentes: l a . Turma, AgRg no REsp. 1.229.13'VSC, Rei. Min.
HUMBERTO MARTINS, DJe 03.05.2011; 2a. Turma, REsp. 1.025.833/
RS, Rei. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe 17.11.2008. 2. Por outro
lado, mostra-se despropositada a argumentação relacionada à
observância da cláusula de reserva de plenário (art. 97 da CRFB)
e do enunciado 10 da Súmula vinculante do STF, pois, na decisão
recorrida, não houve declaração de inconstitucionaíidade dos
dispositivos legais suscitados, ta m p o u co o seu afastam ento. 3.
Agravo Regimental desprovido. (AgRg no REsp 1.165.316/SC, rei.
Mín. Napoleão Nunes Maia Filho, Dje 14.11.2011)

RECURSO ESPECIAL. AGRAVO REGIMENTAL TRIBUTÁRIO. PIS E


COFINS. BASE DE CÁLCULO. CRÉDITO PRESUMIDO DE ICMS. NÃO
INCLUSÃO. NATUREZA JURÍDICA QUE NÃO SE CONFUNDE COM
RECEITA OU FATURAMENTO. PRECEDENTES.

1 . 0 cré d ito presum ido de ICMS configura incentivo à exportação


voltado à redução de custos, com vistas a proporcionar maior
c o m p e t it iv id a d e no m e r c a d o p a ra as e m p re s a s de um
determ inado Estado-membro, não assumindo natureza de receita

48
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

OU fa tu ra m e n to , razão p o r que não com põe a base de cálculo da


c o n trib u iç ã o ao PIS e da COFtNS. P recedentes de ambas as
Turmas de D ireito Público. 2. Agravo regim ental nâo provido.
(AgRg no REsp 1.159.562/RS, rei. M in. Castro Meira, T, DJe
16.03.2012)

Ponto finalizando, exponencialmente vencedora é a interpretação,


doutrinária e jurisprudencial de que os créditos presumidos e financeiros
de ICMS nâo são alcançados pela tributação das contribuições sociais PIS/
COFINS.

5. Conclusão

Os Estados M em bros, p or in te rm é d io da renúncia fiscal, têm


implantado políticas públicas de desoneração tributária através de incentivos
fiscais, destacadamente do ICMS - tributo afeto a sua competência com
precípuo objetivo de viabilizar o desenvolvimento industrial e comercial, a
evolução regional e socioeconômica, enfim, utilizar deste instrumento como
ferramenta de gestão pública destinada a efetivar as garantias constitucionais
em benefício do cidadão.
No âmbito do ICMS, os créditos presumidos e financeiros têm sido
utilizados como form a de desonerar as operações dos co ntribu in te s,
possuindo evidente caráter de recuperação de custos ou subvenção para
investimentos, conforme sua modalidade e seus elementos, portanto, não
possuindo natureza jurídica característica de receita ou faturamento.
Nesse cenário, re ferido s incentivos fiscais não com põe a base
im p o níve l do PIS/COFINS, seja pela sua natureza ju ríd ic a -c o n tá b il
recuperatória, seja pela indevida interferência da União em matéria que
não é de sua competência, o que, desvirtuaria e debilitaria a essência da
desoneração estadual.

49
D IR E IT O T R IB U T Á R IO : Q U E S T Õ tS A TU AIS

APONTAMENTOS SOBRE AS ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS

Eduardo Maneira^"'

1. Tributos vinculados e não-vinculados

0 Sistema Tributário Nacional contemplado na Constituição de 1988,


seguindo a mesma linha doutrinária que orienta o direito tributário brasileiro
desde a elaboração do CTN e, até mesmo, desde a EC n. 1/SS, baseia-se na
teoria desenvolvida por Geraldo Ataliba que classifica os trib u to s em
vinculados e não-vinculados.
Tributos vinculados são aqueles cuja hipótese de Incidência consiste
numa atuação estatal, e tributos não-vinculados são aqueles cuja hipótese é
um fato de relevância econômica desvinculado de qualquer atuação do
Estado. No primeiro grupo temos as taxas e as contribuições de melhoria e
no segundo grupo, os Impostos. Não há dúvidas de que foi esta a teoria que
Inspirou 0 co n s titu in te de 1988 na tarefa de realizar a repartição de
competência tributária dentre as pessoas políticas que integram a federação
brasileira.
Os impostos, por serem tributos não-vinculados, Isto é, cuja obrigação
de pagar não decorre de uma atuação estatal, são todos eles discriminados
na Constituição e objeto de uma repartição expressa e rígida. De acordo com
a conceltuação legal (CTN, art. 16) imposto é o tributo cuja obrigação tem
por fato gerador uma situação independente de qualquer atuação estatal
específica, relativa ao contribuinte. É por isso que o único modo de se evitar
que um mesmo fato econômico seja tributado por mais de uma pessoa é a
enumeração exaustiva dos Impostos, seguida de uma repartição expressa e
rígida, com a conseqüente atribuição de competência privativa às pessoas
políticas. Desse modo, somente os Municípios (e o Distrito Federal) podem
instituir impostos sobre a propriedade predial e territorial urbana, sobre a
transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis
e sobre serviços de qualquer natureza. Acrescente-se que nenhum outro
imposto poderá ser instituído pelos Municípios, além dos acima enumerados.
0 mesmo ocorre em relação aos Estados, que têm competência privativa
para instituir os impostos previstos no art. 155 da Constituição, e à União

P ro fe s s o r d e D i r e i t o T r i b u t á r i o d a F a c u ld a d e N a c io n a l d e D ir e i t o da U n iv e r s id a d e Federal d o Rio
d e J a n e i r o (UFRJ). P r e s id e n t e da A s s o c ia ç ã o B r a s ile ira d e D i r e i t o T r i b u t á r i o ( A 6 R A 0 T ) . D i r e t o r da
A s s o c ia ç ã o B r a s ile ir a d e D i r e i t o Fiscal (ABD F). A d v o g a d o .

51
DIREIT O TR IB UTÁ RIO: QUESTÕES ATUAIS

Federal, em relação aos impostos previstos no art. 153, com a ressalva de


que esta é ainda titular de competência residual, outorgada pela Constituição
em seu art. 154.
De sua vez, as taxas e as c o n trib u iç õ e s de m elhoria não são
especificadas na Constituição e podem ser instituídas por todas as pessoas
titulares de competência tributária, desde que exerçam o poder de polícia
ou prestem serviço público com as características previstas no art. 145, II, da
CF ou realizem obras públicas com valorização im o b iliá ria para os
particulares. 0 que distingue a taxa da contribuição é que a primeira decorre
de serviço público, e a outra, de obra pública com valorização imobiliária. O
serviço público que gera o dever de pagar a taxa não precisa necessariamente
trazer benefícios ao contribuinte: uma certidão que aponta dívidas fiscais
deve ser paga por meio de taxa tanto quanto uma certidão negativa; as
custas judiciais devem ser pagas por quem é derrotado na demanda, etc. No
entanto, a contribuição de melhoria só se legitima se da obra pública decorrer
uma valorização imobiliária para o contribuinte.

2. Da teoria tripartite e outras

Em face desta classificação de tributos vinculados e não vinculados,


verifica-se que tanto a Constituição de 19S8 (art. 145) quanto o CTN (art. 5^)
optaram pela corrente doutrinária que reconhece três espécies tributárias:
impostos, taxas e contribuições de melhoria.
Sacha Caimon reconhece os méritos da classificação dos tributos em
vinculados e não-vinculados, destacando o fato de que esse critério é o que
m elhor legitim a a in stituiçã o de trib u to s : os trib u to s não-vinculados
encontram sua justificação na capacidade contributiva manifestada nos fatos
eleitos para serem geradores de obrigação tributária, e os tributos não-
vinculados se legitimam pela contraprestação estatal.
No entanto, em torno das espécies tributárias há muito mais dissenso
que consenso, em razão de parte da doutrina priorizar pormenores do direito
positivo em prejuízo de uma classificação baseada na teoria geral do direito
tributário.
Toda a controvérsia em torno da classificação dos tributos em espécie
parte, pois, da escolha de critérios distintos para orientá-la. Há, por exemplo,
a corrente doutrinária liderada por Dino Jarach que classifica os tributos com
base na causa jurídica que fundamenta a obrigação tributária, o que leva a
uma classificação trip a rtite : imposto, cuja causa estaria na capacidade
contributiva; a causa da taxa estaria na contraprestação, e a da contribuição,
no benefício da mais-valia imobiliária.
Outra corrente, predominante na doutrina, utiliza por critério de
classificação a hipótese de incidência, concluindo também pela existência

52
D IR E IT O T R I B u l A A O' Q UE ST ÕE S ATUAIS

de três espécies: o imposto como trib u to cuja obrigação não se vincula a


atuação estatal, e a taxa e a contribuição de melhoria como trib u to s
vinculados a uma atuação do Estado, que se diferenciam entre si pelo fato
de a contribuição exigir um benefício decorrente da realização de obras
públicas.
Utilizando-se do mesmo critério, qual seja, a classificação pela análise
da hipótese de incidência, outra corrente verifica apenas duas espécies:
imposto e taxa. É que, para esta corrente, a base de cálculo integra a hipótese
de incidência, sendo o seu aspecto nuclear. Assim, a contribuição de melhoria
seria imposto se fosse calculada sobre a mais-valia imobiliária e taxa se
fosse calculada pelo valor da obra.
Temos ainda doutrinadores que defendem a existência de quatro
espécies, fazendo incluir as contribuições que não as de melhoria, para quem
a autonomia das contribuições como espécie decorre do fato de elas serem
instituídas em função de uma d eterm inada fin alida d e, que deve ser
explicitada no mandamento da norma tributária^^ e ainda outros autores
que admitem cinco espécies, somando-se às outras quatro os empréstimos
compulsórios.
0 Supremo Tribunal Federal, em diversas oportunidades, reconheceu
a natureza trib u tá ria das contribuições sociais previstas no art. 149 da
Constituição e dos empréstimos compulsórios previstos no art. 148. O exame
da jurisprudência do STF parece indicar que o Tribunal não deu especial
atenção ou importância em classificar as contribuições como uma espécie
trib u tá ria autônoma ou não. 0 que destacou, nos julgam entos em que
examinou a matéria, foi o reconhecimento de sua natureza tributária.
No ju lg a m e n to do RE 146.733, em que a Corte apreciou a
constitucionalidade da contribuição social sobre o lucro instituída pela Lei
n5 7.689/88, o Ministro Moreira Alves assim se manifestou quanto à natureza
tributária das contribuições:

" P e r a n te a C o n s t it u iç ã o de 1 9 8 8 , n ã o t e n h o d ú v id a de
m a n ife s ta r - m e a fir m a t iv a m e n t e . De f e it o , a p a r das trê s
m o d a lid a d e s de t r i b u t o s (os im p o s to s , as ta x a s e as
contribuições de m elhoria) a que se refere o a rtig o 145 para
d e c la ra r que são c o m p e te n te s para in s titu í-lo s a União, os
Estados, o D istrito Federal e os Municípios, os artigos 148 e 149
a lu d e m a duas o u tr a s m o d a lid a d e s tr ib u t á r ia s , para cuja
instituição só a União é com petente: o em préstim o compulsório

" SPAGNOL, W e r t h e r B o t e lh o . C o n tr i b u i ç õ e s Sociais n o D i r e i t o T r i b u t á r i o B r a s ile iro . Rio d e


J a n e i r o : F o r e n s e , 2 0 0 2 , p. 153.

53
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

e as c o n tr ib u iç õ e s sociais, in c lu s iv e as de in te rv e n ç ã o no
dom ínio econônnico e de interesse das categorias profissionais
ou econômicas.

No to c a n t e às c o n t r ib u iç õ e s s o c ia is - qu e dessas duas
modalidades trib u tá ria s é a que interessa para este julg a m e n to
- não só as referidas no artigo 149 - que se subordina ao capítulo
co n c e rn e n te ao sistem a t r ib u t á r io nacional - tê m natureza
trib u tá ria , com o resulta, igualmente, da observância que devem
ao disposto nos artigos 146, III e 150, I e III, mas ta m b é m as
re la tiv a s à s e g u rid a d e so cial p re v is ta s no a rtig o 195, que
pertence ao títu lo 'Da Ordem Social'. Por te re m esta natureza
trib u tá ria é que o artigo 149, que determ ina que as contribuições
sociais observem o inciso III do artigo 150 (cuja letra b consagra
o p rin c íp io da a n te r io rid a d e ), exclui dessa o b s e rvâ n c ia as
contribuições para a seguridade social previstas no artigo 195,
em conform idade com o disposto no § 6^ deste dispositivo, que,
aliás, em seu § 4^, ao a d m itir a in s titu iç ã o de o u tra s fon te s
destinadas a garantir a m anutenção ou expansão da seguridade
social, determ ina se obedeça ao disposto no art. 154, I, norma
trib u tá ria , o que reforça o e n te n d im e n to favorável à natureza
tr ib u tá ria dessas co n trib u içõ e s sociais."^^

No julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalldade n. 1-1-DF,


0 Ministro Paulo Brossard assim se posicionou:

"...a co n trib u iç ã o social é uma m o da lid a d e tr ib u tá ria , é uma


espécie de tr ib u t o . D ivergem alguns a u to re s se se tra ta de
imposto, taxa ou im posto especial, mas, os melhores tratadistas
concordam na natureza trib u tá ria da c o n trib u içã o social.

0 Ministro Carlos Mário Velloso, em voto proferido no julgamento do


RE 138.284/CE, apresentou a seguinte classificação para as espécies
tributárias:

"As diversas espécies trib u tá ria s , determ inadas pela hipótese


de incidência ou pelo fa to gerador da respectiva obrigação (CTN,
art. 45), são as seguintes: a) os impostos (C.F., arts. 145, I, 153,
15 4 ,1 5 5 e 156); b) as taxas (C.F., art. 145, II); c) as contribuições.

STF, RE n. 1 46.733. V o t o d o M i n i s t r o R ela to r MOR EIRA ALVES, in Revista D ialética d e D ir e ito T r ib u tá r io


n. 1. São P a ulo : D ia lé tic a , p. 195.
STF, ADC n. 1-1-DF. V o to d o M i n i s t r o R ela to r Paulo Brossard, in Revista D ialética d e D ire ito T r ib u t á r io
n. 1. São P a ulo : D ia lé t ic a , p. 103.

54
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

que podem ser assim classificadas; c . l . de m elhoria (C.F., art,


145, III); c.2. parafiscais (C.F., art. 149), que são; c.2.1 sociais,
c.2.1.1 de seguridade social (C.F., art. 1 9 5 ,1, II, 111), c.2.1.2. outras
de seguridade social (C.F., art. 195, parág. 45), c.2.1.3. sociais
gerais (o FGTS, o salário educação, C.F., a rt. 212, parág. 5^,
c o n trib u iç õ e s para o Sesi, Senai, Senac, C.F., a rt. 240; c. 3
especiais

Pelos trechos acima transcritos, verifica-se que o M inistro Moreira


Alves reconhece cinco espécies tributárias: impostos, taxas, contribuições
de melhoria, contribuições sociais e empréstimos compulsórios, sendo que
o fato de o art. 145 da Constituição fazer menção a apenas três delas se
explicaria pelo fato de explicitar aquelas que podem ser instituídas tanto
pela União, quanto pelos Estados e pelos Municípios, ao passo que as
contribuições sociais e os empréstimos compulsórios são de competência
exclusiva da União Federal.
De sua vez, o Ministro Paulo Brossard tende a reconhecer a classificação
trip a rtite , enquadrando as contribuições ou como impostos especiais ou
como taxas.
Seguindo também a teoria tripartite, o Ministro Carlos Velloso engloba
na espécie contribuições tan to as contribuições de melhoria quanto as
contribu içõ es sociais, que ele subdivide em contribu içõ es sociais de
seguridade social e contribuições sociais gerais.

3. Breve resenha do direito comparado

0 exame da matéria em outros países, como Alemanha, Itália, Espanha,


França e Portugal, será de grande valia para as nossas observações, pelo que
transcrevemos a síntese elaborada pelo professor português José Casalta
Nabais:

"Assim, no respeitante à Alem anha, para além dos im postos


(Steuern) e das taxas (Gebühren), desde há m u ito que se conhece
um te rce iro gênero constituído pelas contribuições (Beitrâge), a
que se acrescentou, mais recentem ente, um qua rto gênero - o
dos trib u to s especiais (S onderabgaben). Se re la tiv a m e n te às
contribuições há consenso de que elas constituem prestações
pecuniárias im postas a t í tu lo de re m u n e ra çã o de concretas

STF - Pleno, RE n. 138.284/CE. Rei. M in . CARLOS VELLOSO, j. e m 0 1 ,0 7.92 , in RTJ 1 4 3 /31 9 - d e s ta qu e


nosso.

55
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

despesas da a d m in is tra ç ã o p ro p o rc io n a d a s de específicas


utilidades a d e te rm in a d os particulares, já q u a n to aos trib u to s
especiais reina grande in d e fin iç ã o q u a n to aos co n to rn o s do
seu conceito, o que te m tid o co m o conseqüência uma grande
d iv e r s id a d e no c o n c e r n e n t e à in c lu s ã o n e le s ou nã o de
num erosas e h eterogêneas fig u ras trib u tá ria s . Em relação a
estes, podem os dizer que se tra ta de uma categoria residual
para a qual são atiradas to d a s aquelas situações trib u tá ria s
q u e n ã o se re c o n d u z e m aos im p o s to s , às ta x a s ou às
co ntribuições e que, p o r via de regra, desem penham o mesmo
papel que, no u tro s países, cabe às chamadas taxas ou receitas
parafiscais. Todavia, nos te rm o s da jurisp rud ê n cia do próprio
BverfG, os trib u to s especiais a presentam fu n d a m e n ta lm e n te
duas m odalidades; a dos trib u to s com fu nção financeira, em
que se destacam pela sua im p o rtâ n c ia os chamados trib u to s
de c o m p e n s a ç ã o (A u s g le ic h s -F in a n z ie ru n g a b g a b e n ), cuja
fin a lid a d e é c o m p e n s a r as d e s ig u a ld a d e s d e c o rre n te s do
fu n cio n a m e n to d o m ercado em m atéria de encargos e proveitos
das e m p re s a s de um d e te r m in a d o ra m o e c o n ô m ic o , e os
t r i b u t o s sem fu n ç ã o f i n a n c e ir a (L e n k u n g s a b g a b e n o h n e
FInanzIerungszweck), ou seja, tr ib u to s especiais de ca rá te r
e x tra fis c a l.
T a m b é m na It á lia a d is t in ç ã o t r i p a r t i d a dos t r i b u t o s -
im p o s to s , taxas e c o n tr ib u iç õ e s ou tr ib u t o s especiais - é
tr a d ic i o n a l, s o b r e t u d o a p a r t i r de A. D. G ia n n in i.. Duas
referências são de fazer a p rop ó s ito desta trip a rtiç ã o italiana
dos trib u to s . Por um lado, o tra ta m e n to d o gm ático da figura
das c o n tribu içõ e s ou trib u to s especiais conheceu um grande
d e se n vo lvim e nto, devendo-se ju s ta m e n te à d o u trin a italiana
a d istin çã o tra d icio n a l que se faz e n tre : as co n trib u içõ e s de
m elhoria, que se verificam naqueles casos em que são devidas
prestações, em v irtu d e de uma vantagem econôm ica particular
re su lta n te do exercício de uma a tividade ad m in istra tiva , por
p a rte de to d o s aqueles q u e esta a tiv id a d e in d is tin ta m e n te
b e n e fic ia ; e as c o n tr ib u iç õ e s p o r m a io re s despesas, que
o c o rre m naqueles casos em que são devidas prestações em
v irtu d e das coisas possuídas ou da a tiv id a d e exercida pelos
particulares d a re m origem a maiores despesas das entidades
p ú b lica s .
P o r o u t r o la d o , é r e je it a d a , p o r via de re g ra , q u a lq u e r
a u to n o m ia ou re le v o aos c h a m a d o s t r ib u t o s ou re c e ita s
parafiscais, uma vez que eles se reconduzem a um dos três
tip o s de trib u to s referidos.
Igualmente em Espanha se utiliza a distinção em causa, a qual
te m de resto consagração legal na Ley General Tributaria, em
cujo art. 269 por um lado, são definidos os impostos, as taxas

56
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

e as contribuições especiais e, po r o u tro lado, se assimilam aos


impostos às denominadas exações parafiscais quando se exijam
sem e s p e c ia l c o n s id e r a ç ã o dos s e rv iç o s ou a to s da
Adm inistração que beneficiem ou afectem o sujeito passivo.
Por seu tu r n o em França, d istin g ue m -se os im postos, as taxas,
as redevances e as taxas parafiscais. Os im p o sto s e as taxas
são p ré le v e m e n ts fiscais d e stin a d a s a a lim e n ta r o te s o u ro
p ú b lico e cobra d o s a fa v o r do estado, cole ctivid a d e s locais
ou e s ta b e le c im e n to s púb lico s a d m in is tra tiv o s , d is tin g u in d o -
se pelo fa to de os im postos serem cobrados sem darem origem
a q u a lq u e r c o n tra p re sta çã o d ire ta e as taxas serem cobradas
p o r ocasião e em c o n tra p a rtid a da prestação de um serviço
público. As redevances, co m o as taxas, ta m b é m são cobradas
p o r ocasião e co m o c o n tra p a rtid a da prestação de um serviço
p ú b lic o , m as d is tin g u e m - s e d e s ta s p o r a s s e n ta re m n u m
c rité r io de ab so lu ta e q u ivalên cia e n tre o seu m o n ta n te e o
v a lo r do c o rre s p o n d e n te se rv iç o p ú b lic o , a p re s e n ta nd o -se
a s s im c o m o u m q u a l i f i c a d o t i p o de ta x a s - as ta x a s
equ iva len te s. Finalm ente, as chamadas taxas parafiscais, que
tê m c o n h e c id o u m a p r o lif e r a ç ã o e n o r m e , são d e fin id a s
le g a lm e n te c o m o as 'taxas cobradas para a realização de um
interesse e co n ô m ico ou social, a fa v o r de uma pessoa coletiva
de d i r e i t o p ú b lic o o u p r iv a d o d if e r e n t e d o E sta d o , das
c o le c tiv id a d e s locais e seus e s ta b e le c im e n to s p ú b lic o s ou
a d m in is t r a tiv o s , v e rific a n d o -s e , po is, q u a n to a elas, uma
d u p la a fe c ta ç â o : a um o rg a n is m o p e rs o n a liz a d o , qu e não
c o n s titu a um e n te te r r ito r ia l, e a um fim c o n s titu íd o p o r um
interesse e co n ô m ico ou social.
Por últim o, entre nós {Portugal}, é de referir que não te m tradição
a divisão trip a rtid a em causa, te n d o a do u trin a re je ita do , em
geral, q u a lq u er a u to n om ia ou relevo p ró p rio às contribuições
e s p e cia is, q u e são im p o s to s e m q u e os fa to s t r ib u t á r io s
a p re s e n ta m um a c o n fig u r a ç ã o a lg o s in g u la r, quando
com parados com os fatos trib u tá rio s dos im postos em geral,
e x p re s s a na v a n ta g e m e c o n ô m ic a r e fle x a , no caso das
c o n tr ib u iç õ e s de m e lh o r ia , e na p ro v o c a ç ã o de m a io re s
despesas para a administração, no caso das contribuições por
maiores despesas. Trata-se assim de um tip o de im posto e não
de uma categoria intermédia entre o im posto e a taxa, que mereça
q u a lq u e r t r a t a m e n t o ju r íd ic o p ró p rio , m o r m e n te ju r íd ic o -
co n s titu c io n a l.
(...)

Do e x p o s to , p o d e m o s c o n c lu ir q u e o e s p e c tro das fig u ra s


tributárias, hoje em dia e xtrem a m e n te alargado e diversificado,
se reconduz, ao menos em te rm o s ju rídico-co n stitucion a is, a
duas fig u ra s p o la riz a d o ra s ; o im p o s to , s u b o rd in a d o a um

57
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

exigente princípio de legalidade e m aterialm ente testável através


fu n d a m en ta lm e n te do princípio da capacidade contributiva; e a
taxa, com patível co m uma legalidade mais té n u e e flexível e
lim ita d a , do p o n to de v is ta m a t e r ia l, por e x ig ê n c ia s
constitucionais ligadas ao p róp rio conceito (constitucional) de
taxa, em que natu ra lm e n te dom ina a idéia de proporcionalidade
e n tre a prestação e a contraprestação em que a relação de taxa
e s tru tu ra lm e n te se analisa. 0 que leva a considerar im postos
a q u e la s 'ta x a s ' c u jo m o n t a n t e seja m a n ife s t a m e n te
desproporcionado, isto é, aquelas 'taxas' cujo critério é, ao fim
e ao cabo, a capacidade co n trib u tiv a dos seus destinatários.
«39

Pode-se afirmar, pelo panorama do direito comparado apresentado


por Casalta Nabais, que a teoria tripartite é majoritariamente consagrada,
mas é o exame acurado do direito positivo de cada país que irá identificar as
espécies tributárias, situadas em uma das duas categorias: tributos vinculados
ou não-vinculados.

4. Da dificuldade de classificação das contribuições

Na lição de Sacha Calmon, todas as contribuições do art. 149 e do art.


195 são impostos afetados a fins determinados, pois, examinando-se seus
fatos geradores, o que sobressai são as manifestações de capacidade
c o ntribu tiva, com exceção da co ntribu içã o previdenciária, verdadeira
contribuição, dada a sua natureza sinalagmática, pois há de fato uma atuação
específica do Estado relativamente à pessoa do contribuinte, isto é, os fatos
geradores da contribuição previdenciária são atuações do Estado, como o
pagamento de aposentadoria, pensões, serviços médicos, etc.
Nas demais contribuições, o caráter sinalagmático inexiste. Nas
contribuições sociais previdenciárias, os fatos geradores são o lucro,
faturamento pagamento de salários e receitas de jogos, ou seja, são fatos
dos contribuintes sem contraprestação estatal específica; nas contribuições
c o rp ora tiva s paga-se para a m anutenção dos órgãos de classe, sem
contraprestação estatal pessoal e específica; por fim, as contribuições de
intervenção existentes são devidas pela ocorrência de fatos típicos de
impostos {por exemplo, paga-se contribuição sobre o preço do ingresso do
cinema, sobre o preço do combustível, etc.'^®

” NABAIS, José Casalta. 0 d e v e r f u n d a m e n t a l d e p a g a r i m p o s to s . C o im b r a : A l m e d i n a , 1 9 9 8 , p. 2 52 -


260,

58
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Ora, se é verdade que todas as contribuições, excepcionadas as


previdenciárias, decorrem de fatos desvinculados da atividade estatal, e se
todas elas são de competência da União Federal, não se estaria flexibilizando
a rigidez constitucional para a instituição de impostos, em afronta ao
princípio federativo, com o exercício da competência exclusiva da União
para a instituição de contribuições? A resposta deve ser positiva.
í que, se as contribuições se configuram pelo direito positivo vigente
como tributos não-vinculados, isto é, verdadeiros impostos, não significa
que isto esteja certo. No nosso entendimento, somente as contribuições
sociais gerais e as contribuições destinadas ao caixa geral da seguridade
social, previstas no art. 195 da CF (PIS, COFINS, CSSL, etc.}, são verdadeiros
impostos. E são impostos de competência da União, incidindo em bis in iden
constitucionalmente autorizado com outros impostos da União.

4.1. Das contribuições de intervenção no domínio econômico e nossa


proposta de classificação das espécies

As contribuições de intervenção no domínio econômico que gravam


atualmente fatos reveladores de capacidade econômica do contribuinte, o
que as aproxima dos impostos, somente podem ser instituídas se a União
efetivamente intervir na ordem econômica. Além disso, deve haver uma
correlação lógica entre os contribuintes e aqueles que dela se beneficiam
de modo que a hipótese de incidência seria uma atuação estatal voltada aos
contribuintes do tributo. Assim, a referibilidade, isto é, a correlação lógica
entre os pagantes e o benefício trazido pela contribuição é o elemento que
legitimaria a cobrança da contribuição de intervenção de uma certa classe
ou categoria de contribuintes.
De qualquer modo, a questão em torno das CIDE's ainda não fica
totalmente resolvida. É a referibilidade que faz da contribuição um tributo
vinculado? Entendem os que não. A re fe rib ilid a d e é um aspecto da
in te rv e n ç ã o e serve para d e lim ita r o universo de c o n trib u in te s da
contribuição. 0 que faz da contribuição um tributo vinculado é identificar na
intervenção o seu fato gerador.
Assim, propomos que as contribuições de intervenção no domínio
econômico, ao lado das coorporativas, devem ser consideradas tributos
vinculados e, portanto, devem estar ao lado das contribuições de melhoria
e da contribuição previdenciária do empregado, e não ao lado dos impostos.

COÊLHO, Sacha C a lm o n N av a rro . Curso d e D ir e ito T r ib u t á rio brasileiro . 6. e d . Rio d e Janeiro'. Forense,
2 0 0 1 , p. 4 05 .

59
Dir eito t r ib u t á r io ; q u e s t õ e s a t u a is

0 fato gerador das CIDE's é um fato vinculado a atuação estatal, qual seja, o
de intervir na economia; a base de cálculo desse tributo deve ser o custo da
intervenção e, portanto, a contribuição não pode ter jamais base de cálculo
própria de imposto, tal como ocorre com as taxas.
Do mesmo modo, os em préstim os compulsórios instituídos com
amparo no art. 148, II, são tributos vinculados a uma atuação estatal, qual
seja investim ento público de caráter urgente e de relevante interesse
nacional.
0 modelo constitucional é muito claro no sentido de que somente os
impostos podem incidir sobre fatos desvinculados da atuação estatal, tanto
é assim que foi em relação a eles que a Constituição se deu ao trabalho de
realizar uma rígida repartição de competência.
Os empréstimos compulsórios instituídos para atender a despesas
extraordinárias decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou
sua iminência (art. 148, II) são verdadeiros impostos causais e restituíveis.
Não há uma atuação estatal específica que os justifique, senão um fato
externo extraordinário. No entanto, os empréstimos compulsórios do art.
148, I, têm a sua legitimidade vinculada a uma atuação da União Federal, e a
sua base de cálculo deve ser o custo do investimento público relevante e
urgente.
Em relação aos tributos vinculados, taxas e contribuições (de melhoria,
previdenciária do empregado, de intervenção no domínio econômico e
coorporativas), a Constituição não se preocupou em dizer quem poderá criar
qual taxa ou qual contribuição exatamente porque o que legitima a instituição
de tais tributos é uma atuação estatal.
Se imaginarmos que qualquer trib u to , além dos impostos (e nesta
espécie, incluím os os em préstim os com pulsórios do art. 148, 1, e as
contribuições sociais gerais) possa ser instituído sem uma contraprestação
estatal, todo o trabalho que Constituição teve com os impostos terá sido em
vão.

4.2. Da necessidade de lei complementar para estabelecer normas


gerais a respeito das CIDE's.

Ainda sobre as contribuições de intervenção, cabem as seguintes


observações.
A Constituição dispõe de modo precário sobre a contribuição. No
entanto, tal escassez é sanada pelo próprio art. 149 do texto constitucional,
ao exigir expressamente que as contribuições se submetam ao disposto nos
seus artigos 146, 111, e 150, I e III.
Ora, 0 art. 146, III, determina que cabe à lei complementar estabelecer
normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre

60
DIRE IT O T R IB U T Á R IO - QUESTÕES ATUAIS

definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos


discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases
de cálculo e contribuintes.
A submissão das contribuições do art. 149 à lei complementar parece-
nos que ainda não foi devidamente compreendida por parte da doutrina e
da jurisprudência.
É que o Supremo Tribur^al Federa!, na oportunidade em que julgou a
constitucionalidade da Lei Ordinária n. 7.689/88, instituidora da contribuição
social sobre o lucro, dispensou a existência de prévia lei complementar para
legitimá-la.
Na oportunidade, assim se pronunciou o Ministro Moreira Alves:

"... por não haver necessidade, para a instituição da contribuição


social d e stinada ao fin a n c ia m e n to da seguridade social com
base no inciso I do a rtig o 195 - já d e vid a m e n te definida em
suas lin h a s e s tr u tu r a is na p r ó p r i a C o n s titu iç ã o - d a lei
com ple m e n ta r trib u tá ria de normas gerais, não será necessária,
p or via de conseqüência, que essa in s titu içã o se faça po r lei
com ple m e n ta r que supriria aquela, se indispensável.

Fácil é v e rifica r que o m o tivo da dispensa da lei com plem entar


decorreu do fato de a Constituição oferecer, em relação às contribuições
destinadas à seguridade social, os seus elementos principais, quais sejam, o
fato gerador, a base de cálculo (lucro) e o contribuinte (empregador).
Além disso, não se pode exigir a instituição direta por meio de lei
complementar de qualquer tributo, que não sejam aqueles previstos na
C o nstitu içã o - e m p réstim os com pulsórios, im postos residuais e
extraordinários de guerra, entre outros.
À lei complementar não cabe a criação de tributos, pois a instituição
do tributo é matéria sob reserva de lei ordinária da pessoa constitucional
competente. Isto porque, da mesma forma que a Constituição não Institui o
tributo, não o poderá fazer a lei complementar. Estas não são leis tributárias,
mas leis sobre leis de tributação.
Pois bem, grande parte da doutrina passou a entender, com base no
citado precedente do Supremo, que as contribuições do art. 149, todas elas,
poderiam ser instituídas por lei ordinária, sem a prévia existência de lei
com plem entar. Marco A urélio Greco, por exemplo, diz.- "Não vejo na
Constituição Federal exigência de as contribuições de intervenção no
domínio econômico serem criadas por lei complementar. A remissão que o

RTJ 1 4 3 /S 9 5 .

61
Dir e it o t r ib u t á r io ; q u e s t õ e s a t u a is

artigo 149 faz ao artigo 146, III, refere-se à disciplina prevista no CTN, mas
não à indispensabilidade de prévia lei complementar para instituí-la. Pode
ser criada por lei ord iná ria federal e, por conseqüência, por medida
provisória, desde que estejam atendidos os requisitos constitucionais para
a edição deste veículo especial e desde que não haja abuso na sua
utilização/"'^
Ora, não se está pedindo a in stituiçã o de contribuições por lei
complementar. Isto porque a instituição de tributos em regra se dá por lei
ordinária. 0 que se pleiteia é prévia lei complementar tratando das matérias
enumeradas no art. 146, III. De qualquer modo, cabe indagar quais são os
requisitos constitucionais para a edição das contribuições. Os lá existentes
são suficientes, como foram aqueles das contribuições da seguridade social?
A Constituição deu carta branca à União Federal para que institua contribuição
sobre qualquer atividade econômica em relação à qual julgar necessária sua
intervenção?
Tal equívoco, no nosso entender, qual seja, o de dispensar lei
com plem entar para regular a m atéria, é o principal responsável pelo
crescimento desordenado das contribuições de intervenção. 0 que se
percebe de plano é que, sob o manto de contribuições de intervenção, a
União Federal vem In stitu in d o p or lei ordlnána verdadeiros Impostos
residuais.
Cabe-nos agora examinar se o Supremo Tribunal Federal realmente
construiu sólida jurisprudência no sentido de que as contribuições em geral
possam ser criadas sem prévia lei complementar.
Ao julgar, como já se disse, a Contribuição social Sobre o Lucro, o
Supremo u tiliz o u basicam ente dois arg um e n tos para considerar
desnecessária lei complementar:

a) 0 p rim e iro era o de que a co ntribuição sobre o lucro já te m as


suas linhas estruturais definidas no inciso I do art. 195; assim,
s o m e n te p a ra as c o n t r ib u iç õ e s in s t it u íd a s c o m base na
c o m p e tê n c ia re s id u a l, seria exig id a lei c o m p le m e n ta r nos
te rm os do § 4® do art. 195;
b) o s e g u n d o é o de q u e o a r tig o 146 s o m e n te exig e lei
com plem entar para os impostos discriminados nesta Constituição,
o que não abrange as contribuições sociais.

0 primeiro argumento leva à conclusão de que, no caso da contribuição


de intervenção, a lei complementar se faz necessária, porque a Constituição

GRECO, M a r c o A u r é lio . " C o n t r i b u i ç ã o d e i n t e r v e n ç ã o n o d o m í n io e c o n ô m ic o - P a râ m e tr o s para


s u a c r ia ç ã o " , in C o n t r i b u i ç õ e s d e i n t e r v e n ç ã o n o d o m i n i o e c o n ô m i c o e f i g u r a s a f i n s . São P a u lo :
D ia lé t ic a , 2 0 0 1 , p . 28,

62
D IR E IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕ ES ATUAIS

não o ferece suas linhas e stru tu ra is . 0 segundo a rg u m e n to seria


desfavorável à tese, mas merece tem peram entos. É que o art. 146 -
guardando coerência com o art. 145 da Constituição, que diz serem três as
espécies tributárias: impostos, taxas e contribuições de melhoria - entendeu
que, uma vez que a Constituição já oferece elementos das taxas e das
contribuições de melhoria, e já que a lei com plem entar deve definir os
trib u to s e suas espécies, somente os impostos deveriam te r seus fatos
geradores, bases de cálculos e contribuintes definidos em lei complementar.
Ora, o CTN diz o que é imposto, o que é taxa, o que é contribuição de
melhoria. E sobre contribuição de intervenção no domínio econômico, diz o
quê? Não se pretende exigir que lei complementar defina cada uma das
possíveis contribuições de intervenção, como se exige em relação aos
impostos, mas é fundamental que trace seus aspectos fundamentais.
A única contribuição instituída sob a vigência da Constituição de 1988
e submetida ao Supremo foi o adicional de tarifa portuária criada pela Lei n.
7.700, de 21.12.88. Tal lei foi declarada constitucional pelo STF, apesar de a
questão da necessidade de prévia lei complementar não ter sido enfrentada.
É que a decisão objeto de recurso extraordinário entendeu que o ATP tinha
a natureza de imposto residual; o relator. M inistro Carlos Velloso, deu
provimento ao Recurso por entender que o ATP era uma taxa; a maioria
entendeu ser contribuição, mas sem que fosse analisada a questão da lei
complementar. As duas únicas manifestações sobre o tema foram dos
Ministros Marco Aurélio e Sepulveda Pertence, que, apesar de entenderem
que 0 ATP era imposto residual, assim se pronunciaram:

"... a instituição de q u a lq u e r contribuição, além das previstas


no art. 195, inciso I, pressupõe lei c o m p le m e n ta r que defina os
respectivos parâmetros, e o Código T ributário Nacional é silente
sobre essa espécie de contribuição, não havendo sido editada,
até aqui, a lei com p le m e n ta r exigida e a p a rtir da qual poderia
a tual 0 legislador ordinário."*^

E continua o Ministro Marco Aurélio:

"A Importância do tem a projeta-se no te m po. 0 Supremo Tribunal


Federal é o guarda m a io r da Constituição, não podendo te r com o
sim plesm ente retórica a referência no artigo 149 da Carta ao
disposto no a rtig o 146, III, nela inserido. Fico a imaginar, até
m esm o, a a tuação m o n o c rá tica via m e d id a p ro visória, m eio

V o to p r o f e r id o n o ju l g a m e n t o d o RE n. 2 0 9 .3 6 5 -3 /S P , in DJ d e 0 7 .1 2 .2 0 0 0 , E m e n tá rio n. 2 0 1 5 -5 .

63
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T U A IS

no rm a tivo tã o deturpado, sob o ângulo constitucional, nos dias


de hoje. A atuação seria livre, sem as pelas decorrentes de normas
gerais previstas, de form a menos flexível, em lei complementar.
Lembre-se, mais uma vez, a razão de ser da remissão ao referido
a rtig o 146, inciso III: o u tr a não é senão c o la r segurança à
atuação do legislador, a n te a e x ce p c io n a lid a d e da previsão
co n stitu cio n a l de criação do tr ib u to , ou seja, de intervenção
nos dom ínios m encionados exau stiva m e n te..."'"

No mesmo sentido, o Ministro Sepulveda Pertence:

"Por esse te rce iro viés - o da contribuição econômica - deixou-


se arrastar a maioria. Não a comoveu a réplica que lhe opôs o
M in istro M arco A urélio de falta r-lh e a definição da espécie em
lei complementar, prevista no art. 146, III, a cuja observância o
a r t. 149 da C o n s t it u iç ã o s u b m e te ra a in s t it u iç ã o das
c o n tr ib u iç õ e s p o r e le g e n e ric a m e n te a u to riz a d a à U niã o .
Somente eu prestei reverência ao argum ento. E sigo convencido
da necessidade de mais detida reflexão sobre o tem a, a evitar
qu e a d e fin iç ã o e x tr e m a m e n te fle x ív e l da c o n tr ib u iç ã o de
intervenção no dom ínio econômico, da qual se partiu, se converta
em d e s a g u a d o u ro c ô m o d o às d e rra m a s Im a g in a d a s pela
voracidade fiscal da União, à custa da dinam itação do sistema
trib u tá rio da federação.""^

Como se vê, o Supremo Tribunal Federal poderá evoluir sobre o tema no


sentido de exigir prévia lei complementar para regular a contribuição de
intervenção ou, caso contrário, terá que tomar para si a responsabilidade de
definir-lhe os contornos, sob pena de, como disse o M h is tro Pertence, a
contribuição ser Instrumento da dinamitação do sistema tributário da federação.
E nem se alegue que a ausência de lei complementar não inibe o
exercício da co m p etê ncia trib u tá ria , p or força do a rt. 24, § 3^, da
Constituição. É que o dispositivo beneficia apenas os Estados e Municípios,
que não podem ser reféns do legislador c o m p lem en tar federal, cuja
omissão, de o u tro modo, os Im pediria de in s titu ir os im postos que a
Constituição diretamente lhes outorga. 0 raciocínio não vale para a União,
a qual evidentemente pode ser prejudicada pela própria omissão. Se quiser
in stitu ir os impostos e as contribuições que a Constituição lhe defere,
deve antes editar a necessária lel complementar, sob pena de Invalidade
do exercício de sua competência.

V o to p r o f e r id o n o j u lg a m e n t o d o RE n. 2 6 5 .7 2 1 -2 /S P , in DJ d e 0 9 .0 6 .2 0 0 0 , E m e n t á rio n, 1 99 4 -6 .
V o to p r o f e r i d o n o j u l g a m e n t o d o RE n, 2 6 5 .7 2 1 -2 /S P , in DJ d e 0 9 .0 6 .2 0 0 0 , E m e n t á rio n. 1 9 9 4 -6 .

64
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Uma vez firmada a nossa posição de que qualquer contribuição de


intervenção no domínio econômico só será legítima se criada por lei ordinária
precedida de lei complementar que defina os contornos, passamos agora a
discorrer sobre quais seriam estes elementos essenciais das CIDE's.
A causa da contribuição é o fato do Estado praticar atos de Intervenção
com a finalidade de atender aos objetivos e princípios contemplados no art.
170 da Constituição, dentre eles a defesa do consumidor, do meio ambiente,
da função social da propriedade, da soberania nacional, etc. Discordamos
daqueles que vislumbram no art. 21 da Constituição os limites materiais da
contribuição. Entendemos que não é possível cobrar contribuições onde o
Poder Público já presta serviços públicos ou explora diretamente a atividade.
Obviamente, a intervenção, pela via da contribuição, deve se dar nos setores
explorados pela iniciativa privada, ou seja, em campo que originariamente
não compete ao Estado.
Daí, oportuna a indagação sobre o modo como a contribuição atingirá
a finalidade interventiva, isto é, se diretam ente, tal como um imposto
extrafiscal, ou se indiretam ente, custeando a atividade de intervenção.
Marco Aurélio Greco admite os dois modos. Confira-se:

"Ampliou-se o ca b im e n to das contrib u içõ e s para a dm itir, não


apenas a co n trib u içã o para e n fre n ta r despesas públicas, mas
tam bém , a utilização da própria contribuição com o instru m e n to
de intervenção (equalizações financeiras, de custos dos agentes
econômicos e tc .).'"*

Hugo de Brito Machado Segundo afasta a Ideia de contribuição como


fonte de custeio. Veja:

"... as c o n trib u iç õ e s de in te rv e n ç ã o no d o m ín io e c o n ô m ico


caracterizam-se pela finalidade interventiva. M u ita semelhança
guardam com os im postos ditos regulatórios. Por isto mesmo,
aliás, a sugestão dada p e lo S e c re tá rio da Receita Federal à
Reforma Constitucional T ributária substituía todos os impostos
de finalidade tip ica m e n te interventiva p o r contribuição."'*^

Com o devido respeito, a contribuição de Intervenção ser um fim em


si mesma é inaceitável. Estamos com Ricardo Mariz de Oliveira^, para quem

GRECO, M a r c o A u r é lio . " C o n t r i b u i ç ã o d e in t e r v e n ç ã o n o d o m í n i o e c o n ô m ic o - P a r â m e tr o s p a ra


su a c r ia ç ã o " , m C o n tr í ò u iç õ e s d e i n t e r v e n ç õ o n o d o m í n i o e c o n ô m ic o e f i g u r a s o /in s . S ã o P a u lo ;
D ia l é t ic a . 2 0 0 1 .
SEGUNDO , H u g o d e B r i t o M a c h a d o - " P e r f il c o n s t it u c io n a l d a s c o n t r ib u iç õ e s d e i n t e r v e n ç ã o n o
d o m í n i o e c o n ô m ic o " , in C o n t r i b u i ç õ e s d e i n t e r v e n ç ã o n o d o m i n i o e c o n ô m i c o e f i g u r a s a f i n s . S3o
P a u lo ; D ia lé t ic a , 2 0 0 1 .

65
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT U AIS

0 term o contribuição liga-se indissociavelmente ao conceito de custeio de


alguma utilidade. 0 montante arrecadado deve ser aplicado na finalidade, e
o valor da contribuição deve ser correspondente ao custo da intervenção. 0
sujeito passivo, de sua vez, deve ter alguma vinculação com a intervenção,
ou melhor, com a finalidade interventiva da contribuição.
Ora, como adm itir que a intervenção possa se resumir na própria
incidência da contribuição sobre determ inada atividade? Se isto fosse
possível, a receita decorrente dessa incidência não teria outro destino que
não 0 orçamento em geral, porque a intervenção não teria qualquer custo.
Estaríamos, na verdade criando im postos residuais, sob a rubrica de
contribuição de intervenção, sem observância ao disposto no art. 154, I, da
Constituição que exige a sua instituição por lei complementar.

5. Das espécies tributárias e suas respectivas bases de cálculo

A Constituição vincula a cobrança dos impostos à capacidade econômica


do contribuinte e proíbe, ao mesmo tempo, que as taxas tenham bases de
cálculo semelhantes às dos impostos. A base de cálculo dos impostos, além
de q ua n tifica r o va lor da prestação trib u tá ria , mensura a capacidade
econômica do contribuinte.
O fa to gerador das taxas é, necessariamente, um serviço estatal
prestado ou posto à disposição do contribuinte e a sua base de cálculo deve
medir, ponderada e razoavelmente, o serviço prestado pelo Estado, Jamais
a capacidade econômica daquele que o recebe.
Sobre a sistemática e as distinções entre os dois tributos, assim se
pronunciou Aliomar Baleeiro, ao tempo da Constituição de 1967:

"BILAC PINTO, em erud ito parecer, já teve oportunidade de afirmar


e provar a tese de que o característico fu n d a m e n ta l da taxa,
com o estam os ve n d o da sua d e fin iç ã o (Dec. Lei n. 1.804, de
1939), é 0 de c o n s titu ir contraprestação de serviços especiais
prestados ou postos à disposição do co n trib u in te . 0 benefício
especial objetivo, mensurável, é condição essencial para que o
trib u to seja conceituado com o taxa.
Variou esse conceito? Em absoluto, isso não aconteceu, pois
n ã o só as re c e n te s re e d iç õ e s de o b ra s de e s c r ito r e s já
c o n s a g ra d o s e n t r e as d u a s g ra n d e s g u e rra s m a n tê m
pacificam ente o caráter de contraprestação, mas este elem ento

** OLIVEIRA, R ica rd o M a r iz . " C o n tr ib u iç õ e s d e in t e r v e n ç ã o n o d o m í n io e c o n ô m ic o - C on ce ssio n á ria s,


p e rm is s io n á ria s e a u to riz a d a s d e e n e rg ia e lé tric a - 'A p lic a ç ã o ' o b r ig a t ó r ia d e re cu rso s (Lei n. 9 .9 9 1)",
in C o n tr ib u iç õ e s d e i n t e r v e n ç S o n o d o m í n i o e c o n ô m ic o e f i g u r a s a fin s . São P a u lo : D ia lé tic a , 2 0 0 1 .

66
DIRE ITO T R IB U T Á R IO . QUESTÕES ATUAIS

essencial fig u ra na e d içã o das o b ra s apa re cid a s d e p o is da


ú ltim a guerra.
(...)

P a ra d o x a lm e n te , à p ro p o rç ã o q u e se d ifu n d iu no Brasil a
noção te ó ric a das taxas, os gove rn o s estaduais e m unicipais
dela d e s e rta ra m , ensaiando b itrib u ta ç õ e s que se mascaravam
c o m 0 n o m e desse t r ib u t o . Para isso, c o n c o rre r a m duas
razões-. 1^) o c o n ce ito e rrô n e o dos Dec.-Leis n. 1 .8 0 4 ^ 9 e 2.416Í/
40; 2^) confusões co m a d o u trin a e stra n g e ira p ro v e n ie n te de
países, cujas C o n s titu iç õ e s não se r e fe ria m àq u e la noção
te ó ric a .
M a s os t r ib u n a is , s o b r e t u d o o STF, c o r r ig ir a m a q u e la s
deturpações, fu lm in a n d o de inconstitucionalidade várias falsas
taxas, que dissimulavam impostos de alheia competência. (Vide
Súmulas do STF ns. 128, 135, 144, 551, 595 etc.).
A Constituição, inspirada no p ro p ó s ito de p ôr um p o n to final
em tais abusos, que burla va m os p rincipais pon to s cardeais
do sistema tr ib u tá rio e m u ltip lica va m os litígios, estabeleceu
a regra do § 2? do art. 18: - taxa não pode te r a mesma base de
cálculo que te n h a se rvido à incidência de im postos. Embora
não fo sse in c o n s titu c io n a l, no re g im e a n te rio r, a taxa em
d is fa rc e de im p o s to da c o m p e tê n c ia da pessoa de D ire ito
P ú b lic o q u e a e x ig is s e , a p r á t ic a e ra ir r a c i o n a l e
c o n tra p ro d u c e n te . Hoje, p o r e fe ito desse § 2S do a rt. 18, há
in c o n s titu c io n a lid a d e a in d a q u a n d o a ta xa , na re a lid a d e ,
representa duplicata de im p o sto com pre e n d id o na com petência
do governo que a decreta.'"*^

A base de cálculo das taxas deve mensurar o custo da atividade estatal,


refletindo o caráter sinalagmático que lhe é inerente. A graduação nas taxas
não se opera, tecnicamente, de acordo com os rendimentos do contribuinte,
seu p a trim ô n io ou capacidade fin an ce ira em geral, mas segundo a
intensidade da utilização do serviço pelo c o n trib u in te ou dos gastos
provocados.
A base de cálculo das taxas, repita-se, deve mensurar o custo da atuação
estatal que constitui o aspecto material de seu fato gerador (serviço público
específico e divisível ou exercício do poder de polícia}.
Não se pode ignorar, contudo, a virtual impossibilidade de aferição
matemática direta do custo de cada atuação do Estado (a coleta do lixo de
um determinado domicílio, ao longo de um mês; a emissão de um passaporte;
etc.). Quanto à coleta de lixo imagine-se o ridículo de obrigarem-se os lixeiros

BALEEIRO, A lio m a r. D ir e i to T r i b u t á r i o B ra sile ir o . 10. e d . Rio d e J a n e iro : Fo re nse , 1 981, p, 3 2 7 -3 2 8 .

67
D IRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕ ES AT UAIS

a pesarem com balança de precisão os detritos produzidos dia a dia por cada
domicílio, para que a taxa pudesse corresponder ao total de lixo produzido
a cada mês pelo contribuinte.
Em relação às contribuições de melhoria, dispõe o CTN:

"Art. 81. A contribuição de m elhoria cobrada pela União, pelos


Estados, pelo D istrito Federal ou pelos Municípios, no âm bito
de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao
custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária,
te n d o c o m o lim ite to ta l a despesa realizada e c o m o lim ite
individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada
imóvel beneficiado.
Art. 82. A lei relativa à co ntribuição de m elhoria observará os
seguintes requisitos mínim os:
a) m em orial descritivo do projeto;
b) orçam ento do custo da obra;
c) determ inação da parcela do custo da obra a ser financiada
pela co n trib u içã o ;
d) delim itação da zona beneficiada;
e) d e te r m in a ç ã o d o f a t o r de a b s o rç ã o do b e n e fíc io da
v a lo riz a çã o para to d a a zona ou para cada uma das áreas
diferenciadas, nelas contidas;
(...)

§ is . A c o n trib u iç ã o rela tiva a cada im óvel será determ in a d a


pelo ra te io da parcela do custo da obra a que se refere a alínea
c, do inciso I, pelos imóveis situados na zona beneficiada em
função dos respectivos fatores individuais de valorização."

A redação do Código é confusa e pode levar a conclusões equivocadas.


O fato gerador da contribuição de melhoria é a realização de obra pública da
qual decorra valorização imobiliária para o contribuinte. Desse modo, obra
mais valorização é o aspecto material da hipótese de incidência. A base de
cálculo é parcela do custo da obra (art. 82, c, do CTN), e não o seu custo total,
e a alíquota deverá representar o fator individual de valorização do imóvel
(art. 82, § l^ ) que irá orientar o rateio dentre os beneficiários da parcela do
custo da obra. Se o custo a ser rateado for de R$ 1.000.000,00 (um milhão de
reais) entre 1.000 proprietários beneficiários, verlflcar-se-á a Intensidade
da valorização de cada imóvel para encontrar-se o percentual ou alíquota de
sua contribuição, a ser aplicada sobre a parcela do custo que será rateada. 0
valor apurado da contribuição deverá ser inferior ao valor da valorização
individual.
Não concordamos com aqueles que consideram que a base de cálculo
será o valor do benefício individual, limitado pelo custo da obra. Seria mais
fá cil eleger sim p le sm e nte o v a lo r do ben e fício in d iv id u a l porque,

68
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

obviamente, o custo da obra nunca será lim ite de nada, porque sempre
representará valores m u ito mais expressivos do que a valorização
individualizada. 0 que deverá ser rateado e, portanto, deverá servir de base
de cálculo é o custo da obra, em que cada contribuinte contribuirá na medida
da valorização do seu imóvel. Assim, a intensidade da valorização imobiliária
será representada por um percentual (alíquota) a incidir sobre o custo da
obra (base de cálculo). 0 quantum debeatur terá sempre por referência de
limite, não o custo da obra, mas a mais-valia que a obra propiciou ao imóvel
de cada contribuinte.
No tocante às contribuições sociais destinadas à seguridade social, a
base de cálculo segue a mesma sistemática dos impostos. É que ditas
c o ntribuições são verdadeiros im postos afetados à seguridade e são
exemplos de bis in iden constitucionalmente autorizados, pois incidem sobre
0 lucro, a receita das empresas, a folha de salários, etc. 0 mesmo se dá em
relação aos empréstimos compulsórios do art. 148, I, que, na condição de
impostos restituíveis e causais, devem ter base de cálculo pertinente com o
fato de relevância econômica escolhido para ser seu fa to gerador e, se
estiverem em bis in iden com imposto já existente, devem seguir-lhe a
sistemática.
Neste sentido, a lição de Geraldo Atallba:

"D ificilm e n te surgem contribuições cuja hipótese de incidência


corresponde ao exato conceito técnico-jurídico da espécie. Salvo
a 'd e m e lh o ria ’, no Brasil, to d a s as c o n trib u iç õ e s tê m tid o
h ip ó te s e de in c id ê n c ia de im p o s to , na c o n fig u ra ç ã o q u e o
imaginoso - mas sem técnica - legislador lhes te m dado.
A esse p ropósito é imprescindível considerar que a adoção, pelo
le g is la d o r o rd in á rio fe d e ra l, de h ip ó te s e s de in c id ê n c ia de
im p o s to s que tê m re g im e especial - p o r fo rç a de p re ce ito s
constitucionais - obriga-o (ao legislador) a respeitar esse regime.
E se ele o não fizer, o in té rp re te assim in te rp re ta rá a lei, em
acatam ento à Constituição. Se isso não fo r possível ao intérprete,
então a lei deve ser considerada inconstitucional.
É q u e a a d o ç ã o do n o m e n iu r is 'c o n t r ib u iç ã o ' - q u a n d o
corresponde à finalidade de supo rta r financeiram ente objetivos
c o n s titu c io n a lm e n te p re s tig ia d o s - e m b o ra a c a rre te certas
derrogações ao regime geral dos trib u to s , não é palavra mágica
que pe rm ita b u rla r as exigências constitucionais específicas a
certos trib u to s.
Assim, se a lei adotar, para a mesma contribuição a hipótese de
incidência do IPI (art. 153, IV), o tr ib u to será 'não-cum ulativo e
seletivo' (art. 153, §32); se a d o ta r a hipótese de incidência do
im po sto de renda, aplicam-se as deduções e abatim entos gerais
(art. 150, II), etc.

69
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Sim, p o rq u e os valores co n s titu c io n a is p ro te g id o s p o r esses


p re ceitos específicos, tip ific a d o re s desses regim es especiais,
não p o d e m ser c o n to rn a d o s , superados, nem viola d o s, em
n e n h u m a h ip ó te s e . A circ u n s tâ n c ia de q u e re r a lei fe d e ra l
fin a n c ia r c e rta s fin a lid a d e s , m e d ia n te c o n tr ib u iç ã o , não
s ig n ific a q u e possa d e s c a ra c te riz a r ou v io la r as p rin c ip a is
regras co n stitucionais que aos im p o sto s são aplicáveis.
0 mesmo é de dizer-se das imunidades. Desde que a lei federal
adote hipótese de incidência de im posto, implica, ipso fa c to , a
a p lica çã o de seu re g im e ; essa 'lim ita ç ã o c o n s titu c io n a l' à
trib u ta çã o aplicar-se-á integralm ente (art. 150, VI).
Em conseqüência, as entidades imunes - ex vi do art, 150, VI do
Texto M agno - não poderão ser sujeito passivo de contribuição
que tenha hipótese de incidência traduzida num fa to qualquer
não consistente em atuação estatal. Entender o contrá rio seria
a d m itir que - mediante o expediente de batizar de 'contribuição'
um im p o s to - a U n iã o p u d e s s e c o n t o r n a r o re g im e das
im u n id a d e s e p o s te r g a r os p r in c íp io s c o n s titu c io n a is
fundam entais que estão em sua base."^*^

Em relação às contribuições de intervenção no domínio econômico,


entendemos que se trata de trib u to s vinculados cujo fa to gerador é a
intervenção estatal, e a contribuição deve ser suficiente para custear a atuação
estatal de intervir, devendo sua base de cálculo seguir a mesma sistemática
adotada para as taxas, isto é, devendo mensurar o custo da intervenção. A
Constituição, no entanto, não diz que as contribuições de intervenção, bem
como os empréstimos compulsórios instituídos para fins de investimento
relevantes e urgentes, não possam ter base de cálculo própria dos impostos.
No entanto, é evidente que tais tributos vinculados não podem se valer de
bases de cálculo próprias dos impostos estaduais e municipais, sob pena de
se caracterizar invasão de competência.
Esta nova proposta de classificação das espécies reflete-se no modo
de compreender a sistemática da base de cálculo. A base de cálculo dos
tributos não-vinculados (impostos) é apurável por um critério de pertinência
entre o aspecto material da hipótese de incidência e a base de cálculo,
c u m prindo esta o papel de quantificação do trib u to , confirm ação ou
informação da espécie e de graduação da capacidade contributiva. A base
de cálculo nos tributos não vinculados pode ainda ser real (o que é a regra)
ou presumida (exceção).

ATALIBA, G e ra ld o . H ip ó te s e d e In c i d ê n c i a t r i b u t á r i a . 6^ e d . São P a u lo : M a lh e ir o s , 2 0 0 3 , p p . 2 0 8 -
209.

70
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

A base de cálculo dos tributos vinculados, no entanto, deve sempre


representar o custo da atuação estatal e, ao contrário do que ocorre com a
base de cálculo dos trib u to s nâo-vinculados, ela não é objetivam ente
apurável, mas estimada. Estima-se {e não se presume) a partir de critérios
razoáveis o custo da atividade estatal que deverá ser rateado entre os
beneficiários. 0 quantum debeatur, porém, não tem relação direta com a
base de cálculo, isto é, não é o resultado de uma operação matemática que
envolve a base de cálculo, qual seja, o custo da atividade.

71
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

POR QUE M OTIVO, EM VIRTUDE DE QUE PROTEÇÃO, DE QUE


GARANTIA, SE PAGAM NESTA CIDADE IMPOSTOS?

Eduardo Paz Ferreira^^

1. introdução

Foi com 0 maior orgulho que aceitei o honroso convite do Presidente


da Comissão Especial de Direito Tributário do Conselho Federal da Ordem
dos Advogados do Brasil, Luiz Cláudio A lle m a nd , hom enageando,
simultaneamente o Meu Ilustre Colega e uma Instituição que tem um papel
fundamental na defesa dos direitos dos cidadãos.
0 títu lo deste artigo foi retirado de um texto do grande escritor
português Eça de Queiroz. Com ironia também é possível tratar de assuntos
graves. Não tra ta r deles é que nada mais fará do que aum entar a sua
gravidade.
Se a problemática fiscal sempre esteve ligada à situação da economia
e das finanças, nunca ta n to com o agora ela te m de ser lida nesse
enquadramento. Por isso optei por dar notícias (tristes) daquilo que se passa
do outro lado do Atlântico.
Um conjunto recente de dados sobre a evolução econômica mundial,
associado a artigos de opinião cada vez mais alarmados e, por fim, ao Economic
Outlook do Fundo Monetário Internacional, do mês de Outubro, vieram repor
a questão dos caminhos que estão a ser seguidos na política econômica
mundial e da forma como certas orientações, persistentemente assumidas
por governantes sem chama, visão ou sequer simples compaixão pelos seu
povos, podem estar a hipotecar a qualidade de vida a nível mundial.
A globalização tro u x e consigo uma in te rd e p e n d ê n cia e n tre as
economias que faz com que seja impossível um grupo de países ficar imune
às dificuldades econômicas que se sintam em qualquer zona. No deflagrar
da crise de 2008, essa percepção esteve bem patente na Cimeira do G-20 e
traduziu-se na ação conjunta levada a cabo pelos responsáveis de política
econômica, opção que evitou uma depressão econômica de proporções
imprevisíveis.
Esse consenso em torno de uma resposta coletiva esteve longe de se
manter, num ambiente em que se foi tornando progressivamente evidente

- P ro fe s s o r C a te d rá tic o da Fa cu ld a d e d e D ir e ito d a U n iv e rs id a d e d e Lisboa. P r e s id e n te d o In s titu t o


d e D ir e i t o E c o n ô m ic o , F in a n c e ir o e Fiscal (IDEFF) E x -P r e s id e n te d a A s s o c ia ç ã o Fiscal P o rtu g u e s a .

73
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT UAIS

que as transformações econômicas mundiais e a ascensão de um conjunto


de países, reagrupados na sigla BRICS, não eram digeridas facilmente por
potências habituadas a passados faustosos, como sucede com a Europa.
A divisão que se foi instalando entre BRICS e aquilo que ironicamente
se pode designar por SICKS tornou-se, seguramente, difícil de suportar
nalguns destes últimos. 0 velado prazer com que certos comentadores dão
conta do aparecimento de dificuldades nos BRICS é sintomático. Mas, mesmo
esse não deixa de reconhecer que a raiz dessas dificuldades se encontra nos
SICKS.
O problema para todos é, no entanto, que os SICKS, que se não
preocupam com o mal que fazem a si próprios, ainda menos se interessam
com o dos outros. Por isso, enquanto os BRICS procuram novos caminhos,
como atestam as medidas anunciadas recentemente pela Presidente Dilma,
os SICKS insistem nas terapias que os conduziram à doença, numa espiral
em que se tenta passar da letargia à coma.
A Presidente brasileira, forte do sucesso econômico do seu País e
conhecedora dos efeitos das terapias de austeridade, repetidamente tem
"puxado as orelhas" à União Européia. Não está só. Recentemente até a
Presidente do FMI se juntou a esse coro, sem qualquer resultado.
Um ano depois de ter ido a Bruxelas expor a sua perspectiva de política
econômica num mundo globalizado, a Presidente Dilma voltou a encontrar-
se, desta vez em Nova Iorque, com o Presidente da Comissão Européia. O
Presidente Durão Barroso, que parece te r tanta falta de je ito para as
metáforas com tem para tirar a Europa no sarilho em que ela está metida,
falando com os jornalistas brasileiros, gracejou: "Como eu estou a falar para
um país que gosta muito de futebol, permitam-me que compare isto a um
jogo de futebol: julgaram que íamos ser eliminados logo na primeira parte,
mas não! Estamos no intervalo e ainda aqui estamos, mas agora temos que
marcar uns golos para evitar te r que ir a prolongamento".
Não sei bem se quando acabar jogo a questão é de prolongamento ou
de despromoção imediata. O que merecemos, sei: é a despromoção. Se
ainda teremos a sorte de ter prolongamento não sei.
Daquilo que fazem os BRICS e, particularmente, o Brasil, um farol de
esperança para os que acreditam que são possíveis novas políticas econômicas
e novas respostas sociais, outros, melhor do que eu, escreverão. Daqui em
diante é do que se passa na Europa e em Portugal, em especial, que vou falar
até porque, como cantaria o Chico Buarque, a coisa por lá está preta.

2. Da Europa do Tratado de Roma à Europa do Tratado de Lisboa

Quando Portugal aderiu à União Européia (as Comunidades Européias


na altura) o processo de integração, encetado no pós-guerra, encontrava-se

74
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

já em fase adiantada de desenvolvimento. Foi com entusiasmo que Portugal,


que negociara a adesão pacientem ente durante dez anos, entrou nas
Comunidades Européias, olhadas como a terra do leite e do mel, onde a
nossa tribo poderia assentar. A Europa era uma garantia do fortalecimento
das in s titu iç õ e s dem ocráticas e uma esperança de desenvolvim ento
econômico.
A União Européia nascera, de fato, sob o signo da solidariedade e da
entre ajuda, concebida como um instrumento por excelência para assegurar
a paz na Europa e reintegrar a Alemanha no contexto das nações democráticas.
M uito recentemente, o Prêmio Nobel da Paz viria recordar essa gênese,
numa decisão de sabor agridoce para quem vive a crise Européia dos nossos
dias.
Num célebre discurso, proferido em Setembro de 1946, Winston
Churchill, a quem a Europa e a o Mundo, tanto ficaram a dever pela coragem
e lucidez únicas com que soube orientar a luta pela liberdade contra as
forças da barbárie, proclamava: "é imperioso construir uma espécie de
Estados Unidos da Europa. Só dessa fo rm a centenas de m ilhões de
trabalhadores poderão recuperar as alegrias e esperanças simples que dão
sentido à vida. 0 processo é simples. Basta a determinação de centenas de
milhões de homens e mulheres empenhados em fazer o que está certo em
vez do que está errado, para te r por recompensa felicidade em vez de
sofrim ento..."
Churchill não viria a ter um papel relevante na Europa do pós-guerra,
em resultado das opções do eleitorado britânico, mas ficou-se-lhe, ainda, a
dever esse impulso fundador daquilo que viria a ser a União Européia, o que
não deixa de ser irônico quando são conhecidas as dificuldades posteriores
de relacionamento entre a Grã-Bretanha e as Comunidades Européias. No
seu discurso perpassava o legado que filósofos, historiadores, escritores e
outros foram construindo ao longo dos séculos, mas, sobretudo a percepção
da necessidade imperiosa de construir um caminho de paz. Resolvido
m ilitarm ente o conflito, havia que organizar o quotidiano, dar uma vida
digna a todos e criar uma esperança de paz futura.
A célebre Declaração Schuman, normalmente considerada como texto
fundador da União Européia, proclamava categoricamente:
A paz mundial só poderá ser salvaguardada com esforços criativos à
medida dos perigos que a ameaçam.
A Europa não se construirá de uma só vez, nem pela concretização de
um projeto global predeterminado: resultará, sim, de realizações concretas
- criando em primeiro lugar solidariedades de fato. A mobilização das nações
europeias exige que seja eliminada a oposição secular entre a França e a
Alemanha: a ação a levar a cabo deve dizer respeito em primeiro lugar à
França e à Alemanha.

75
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Abriu-se, assim, o caminho à criação da Comunidade Européia de


Carvão e Aço e a que, em 1957, no Tratado de Roma, os chefes de Estado da
Bélgica, Alemanha Federal, França, Itália, Luxemburgo e Holanda firmassem
o Tratado de Roma, através do qual criaram a Comunidade Econômica
Européia, declarando-se determinados a estabelecer os fundamentos de
uma união cada vez mais estreita entre os povos europeus, decididos a
assegurar, mediante uma ação comum, o progresso econômico e social dos
seus países, eliminando as barreiras que dividem a Europa, preocupados em
reforçar a unidade das suas economias e assegurar o seu desenvolvimento
harmonioso pela redução das desigualdades entre as diversas regiões e do
atraso das menos favorecidas e resolvidos a consolidar, pela união dos seus
recursos, a defesa da paz e da liberdade e apelando para os outros povos da
Europa que partilham dos seus ideais para que se associem aos seus esforços".
Sessenta e cinco anos depois, não pode deixar de se admirar aquilo
que foram os enormes progressos no processo de unificação europeia, bem
expressos nos sucessivos alargam entos, bem com o na passagem das
Comunidades para a União, ao mesmo tempo que nos interrogamos como
não foi possível re tira r deste longo caminho energia e inspiração para
construir os caminhos do futuro.
Na impossibilidade de seguir, nesta sede, o percurso que levou das
Comunidades à União Europeia e dos seis Estados fundadores aos atuais
vinte e sete, recorde-se, apenas, que este processo se caracterizou por um
progressiva integração econômica, seguida por uma mais tímida Integração
política.
À consagração no Tratado de Maastricht, de 1993, de uma União
Econômica e Monetária deveria ter-se seguido um fo rte m ovim ento de
centralização política, bem expresso no Projeto de Constituição Europeia,
que foi recusado em diversos referendos nacionais, ainda que algumas das
soluções então preconizadas tivesse sido recuperadas no Tratado de Lisboa
de 2007. Paradoxalmente, quando se desencadeou a crise financeira de 2008
tornou-se evidente que nada no Tratado facilitava a solução da crise, pelo
que se avançou para novas soluções institucionais, tais como as constantes
do Tratado Intergovernamental.
A opção pela fó rm u la Tratado Inte rg ove rn a m e nta l parece
corresponder à verificação de que seria impossível prosseguir no esforço de
adaptação da estrutura jurídica de base, tornando necessário o recurso a um
procedimento mais adequado ao tradicional direito internacional do que ao
direito europeu, admitindo-se, assim, uma profunda desconfiança quanto
às possibilidades de reforço da integração.
Mas é, sobretudo, na inspiração subjacente aos dois Tratados que se
encontra o aspecto mais interessante. Onde, no Tratado de Roma, se podia
ver um esforço de solidariedade e de colocação das soberanias em comum

76
D I R t I T O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

ao serviço de uma Europa unida e sem desigualdades regionais, encontra-


se, agora uma inspiração de claro domínio pelas duas maiores potências
europeias e de total desvalorização de qualquer objetivo social ou solidário.
Confrontada com uma situação de destruição e pavor, a Europa soube
reagir de uma forma ambiciosa e generosa que se foi mantendo ao longo de
décadas e assegurou um longo período de prosperidade e bem estar.
D iferentem ente, quando acossada por uma crise financeira, a Europa
respondeu afirmando os egoísmos nacionais, desinteressando-se da política
social e optando pelo caminho da recessão.
Será que, invertendo o Conselho de Churchill estaremos a fazer o
errado em vez de fazer o que está certo?

3. Uma união econômica e monetária coxa

0 Tratado de Maastricht ficou a assinalar a fusão das Comunidades,


integradas numa só instituição - a União Européia - com vocação a tornar-se
uma potência central do sistema econômico e político internacional.
Seguindo uma estratégia que vem desde a origem do processo de
integração, avançou-se em primeiro lugar no domínio econômico, esperando
que, de seguida, inspirada e condicionada por esse movimento a integração
política se desenvolvesse.
A criação de uma moeda comum - o euro - que hoje une dezessete
dos vinte e sete estados d a U E - é a face mais visível de um processo através
do qual os países da DEM abdicaram de políticas monetárias próprias,
entregando a sua condução ao Sistema Europeu de Bancos Centrais e ao
Banco Central Europeu, se comprometeram com um projeto de aproximação
das políticas econômicas e assumiram o dever de manter o déficit orçamentai
anual inferior a três por cento e a dívida pública abaixo dos sessenta por
cento do PIB.
Para ter acesso à moeda única foi criado um conjunto de critérios que
assentavam na estabilidade dos preços, na solidez cambial, na obediência
às regras relativas à dívida e ao déficit, bem como na independência do
Banco Central.
O controlo do déficit orçamentai e da dívida pública eram a peça central
de todo esse mecanismo, sendo o seu reforço alcançado através do Pacto de
Estabilidade que amarraria, ainda mais os países, sobretudo após a revisão,
operada em 2011, de todos os regulamentos que o integram.
Em Portugal, uma esmagadora maioria de economistas encontrou
motivos de júbilo no desenho da União Econômica e Monetária, ficando em
minoria muito clara aqueles que entenderam que uma união econômica se
não podia estabelecer com uma simples convergência nominal, mas antes
devia assentar numa convergência real, resultante de uma política de
redistribuição e solidariedade.

77
D(REITO TR IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Também não tiveram maior sucesso aqueles que apontaram para a


necessidade de criação de um orçamento com unitário dotado de meios
importantes para assegurar objetivos de estabilização econômica e combate
às crises.
Igual destino tiveram, ainda, os que alertaram contra os riscos da
excessiva independência do Banco Central, que não era respaldada na
tradição europeia e era dotado de um mandato exclusivo de combate à
inflação, sem levar em consideração o b je tiv o s como o com bate ao
desemprego.
As d ificulda d es das populações europeias são, in fe lizm e n te ,
demasiado grandes para que os minoritários possam hoje tira r prazer e
vingança do cum prim ento das suas previsões tão ferozm ente julgadas
quando o sucesso era um adquirido inquestionável.

4. As finanças europeias

0 processo de integração europeia foi naturalmente, complexo quer


pelas cicatrizes que a segunda Guerra Mundial deixara, quer pelo apego de
m uitos estados à soberania política e econôm ica. Desde o início, os
promotores da União desenharam uma estratégia assente no avanço do
processo de integração econômica, ao qual se seguiria a integração política
exigida e determinada pela econômica.
Na área das finanças públicas e da fiscalldade os progressos foram, no
entanto, muito tênues. 0 orçamento comunitário teve sempre um caráter
residual em relação aos orçamentos nacionais (menos de 1% do PIB europeu)
e a fiscalidade só avançou no domínio da definição de um modelo comum
de tributação do consumo - O imposto sobre o Valor Acrescentado - ainda
que salvaguardando uma ampla margem de conformação para os Estados
membros. Quanto à tributação direta, ela tem sido considerada, sobretudo
através de instrumentos de soft law.
A simples existência de uma nova e n tid a d e que, pelas suas
características próprias, ia muito para além da simples união aduaneira
d e te rm in o u , tod a via , a necessidade de criação de uma m áquina
adm inistrativa própria e a realização de políticas comuns distintas ou
complementares das dos Estados membros, como aquelas que resultaram
da criação do Fundo Social Europeu, instituído no próprio Tratado ou da
Política Agrícola Comum, rapidamente posta de pé por um Regulamento de
1962, da Política de Desenvolvimento Regional e de diversas outras políticas
comuns com relevo para a da Coesão.
A par da tradicional satisfação de necessidades públicas pela via dos
Estados ou das entidades infra-estaduais, surge um novo agente - a
Comunidade Econômica Europeia - que assume a produção de bens públicos.

78
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

0 que coloca problemas de financiamento que podem, em abstrato, ser


resolvidos por duas vias fundamentais: ou através de contribuições dos
Estados membros ou pela atribuição de poderes de obtenção de receitas
próprias da nova instituição, assentes num poder de impor coativamente
sacrifícios de natureza financeira.
A opção seguida nos primeiros tempos da integração foi, claramente,
a primeira, por razões facilmente compreensíveis, uma vez que, por um
lado, a integração ainda não atingia dimensões apreciáveis e, por outro, se
não podia encontrar uma entidade política legitimada para aprovar um
orçamento público.
Não se pode também ignorar que, desde os primórdios, se não encarou
um processo de unificação das finanças públicas, que substituísse de forma
significativa a ação nacional pela ação das Comunidades. Mesmo nas fases
de maior otimismo europeísta e com exceção dos nunca muito numerosos
pensadores federalistas, se viu afirmar-se uma vontade clara de assegurar
uma dimensão financeira mais importante das Comunidades.
Apenas a nível teórico se foi tentando advogar o peso crescente das
finanças públicas das Comunidades. A Comissão também se tentou pela
ideia, tendo encomendado, em 1977, o estudo das alternativas de evolução
nessa área, em comparação com as experiências federais, dai resultando a
elaboração do Relatório MacDougall que, ainda hoje, é possível ler com o
sentim ento de que se tivesse seguido os caminhos apontados talvez se
tivesse feito aquilo que está certo e não aquilo que está errado.
Pode-se, pois, c o n c lu ir com alguma tra n q ü ilid a d e que o
aprofundamento da integração europeia não foi feito pela via das finanças
públicas, mas basicamente pela afirmação, fo rte m e n te respaldada na
jurisprudência do Tribunal de Justiça das Comunidades, das liberdades de
circulação que conduziram à criação de um mercado interno assente muito
em especial na liberdade de circulação de mercadorias e capitais.
A ju ris p ru d ê n c ia do Tribunal de Justiça que d e te rm in o u um
aprofundamento da integração europeia, que não pode deixar de ser saudado
induziu, por o utro lado, um crescente esbatimento da possibilidade de
utilização a nível nacional dos instrumentos de finanças públicas para fins
de intervenção.
Trata-se de um caminho que deveria ter tido como contrapartida o
aumento das finanças europeias e a possibilidade de utilização do Orçamento
Europeu para efeitos de redistribuição e estabilização. A culpa de assim não
ter acontecido não pode, todavia, ser assacada ao Tribunal.

5. A limitação do poder de decisão econômica nacional

Na seqüência da eclosão da crise financeira de 2007/2008, a União


Europeia, relutantem ente e sob a pressão das conclusões do G-20 e das

79
DIRE ITO T R IB U T Á R IO ; QUESTÕ ES ATUAtS

políticas de auxílio público então decididas e que vieram a revelar-se decisivas


para evitar uma depressão mundial, pôs de pé políticas expansionistas que
tiveram reflexos no desequilíbrio das contas públicas nacionais.
Aproveitando a crise grega, os defensores da ortodoxia financeira
viriam a inverter radicalmente esse caminho, avançando no sentido da
austeridade e do equilíbrio orçamentai, entendidos como única forma para
superar a crise.
As insuficiências e a inutilidade do Tratado de Lisboa, que ignorara
totalmente as questões da União Econômica e Monetária, ficaram, então,
patentes. Impressiona que, não obstante estarem identificadas desde há
muito, nunca se verificou da parte dos Estados-membros uma vontade de
colm atar as lacunas existentes na a rq u ite tu ra da União Econômica e
Monetária, pelo menos pela via da revisão dos tratados institutivos da União
e da Comunidade Européia. Pelo contrário, as sucessivas revisões pós-
Maastricht deixaram essa matéria sempre intocada.
A única alteração a nível do Tratado da União Européia, foi a cirúrgica
previsão dapossibilidade de criação de um mecanismo de estabilidade
financeira.
Por decisão do Conselho Europeu de 25 de Março de 2011 foi alterado
o artigo 136.0 do TFUE, ao qual foi aditado o seguinte número:

3 - Os Estados m em bros cuja m oeda seja o euro podem criar um


m ecanism o de estabilidade a acionar caso seja indispensável
para salvaguardar a estabilidade da área do euro no seu todo.
A concessão de q u a lq u e r assistência financeira necessária ao
a b rig o d o m e c a n is m o fic a rá s u je ita à rig o ro s a
c o n d ic io n a lid a d e .

Afastada a possibilidade de alterar significativamente o Tratado e


reafirmada a opção pela continuidade da moeda comum, a União procurou
resolver os problemas com recurso aos instrumentos de direito derivado,
na esteira do Pacto de Estabilidade
Pressionada pelas críticas quanto à ausência de instrumentos para
lidar com a crise, designadamente no que díz respeito à existência de um
efetivo governo econômico europeu, em Novembro de 2011 (cf. JO L 306, de
23.11.2011) a União Européia publicou vários regulamentos e uma diretiva
tentando formular uma estratégia de reação.
A Diretiva estabelece requisitos aplicáveis aos quadros orçamentais
dos Estados-Membros (Diretiva 2011/^VUE), um novo regulamento relativo
à prevenção e correção dos desequilíbrios macroeconômicos (Regulamento
1176/2011). Um novo regulamento relativo a medidas de execução para
corrigir os desequilíbrios macroeconômicos excessivos na área do euro
(Regulamento 117^2011).

80
D IRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

No Regulamento 1174/2011 estabelece-se um quadro adicionai de


sanções, que acrescem às multas já previstas no artigo 126.o do TFUE e no
Regulamento n.o 1467/97, definindo-se um procedim ento relativo aos
desequilíbrios macroeconômicos excessivos, ao qual também são associadas
sanções pecuniárias para os países da área do euro, procurando reproduzir
ao nível da coordenação das políticas econômicas (artigo 121.0 do TFUE) o
mesmo quadro sancionatório existente no plano estritamente orçamentai
(artigo 126.0 do TFUE).
Acrescem mais duas propostas de regulamentos apresentadas pela
Comissão em 23 de Novembro de 2011:

- R egulamento rela tivo ao reforço da supervisão econômica e


orçam entai dos Estados-Membros afetados ou ameaçados por
graves d ific u ld a d e s no q u e diz re s p e ito à sua e s ta b ilid a d e
financeira na área do euro (COM(2011) 819) prevendo a figura
dos E stados m e m b ro s s u je ito s a s u p e rv is ã o re fo rç a d a , o
p r o c e d im e n to d e assistê n cia fin a n c e ir a e de a ju s ta m e n to
m acroeconôm ico, incluindo a supervisão pós-program a
- R e g u la m e n to q u e e s ta b e le c e d isposições co m u n s para o
a co m p a n h a m e n to e a avaliação dos p ro je to s de planos. Esta
p ro p o sta de re g u la m e n to prevê a apre se n ta ção anual pelos
Estados- M e m b ro s , à Com issão e ao E u ro g ru p o , a té 15 de
O utubro, de um p ro je to de plano orçam entai para o ano seguinte,
que será o b je to de parecer da Comissão e de avaliação pelo
E u ro g ru p o e a fis c a liz a ç ã o m a is rig o ro s a das p o lític a s
orçam entais dos Estados-Membros o b je to de um procedim ento
relativo aos deficits excessivos, a fim de assegurar uma correção
o p o rtu n a e d u ra d o u ra das situações de d é fic it excessivo, a
avaliação dos projetos de planos orçamentais e para a correção
do d é fic it excessivo dos E s ta d o s -M e m b ro s da área do euro
(COM(2011) 821) que visa com ple m e n ta r o Semestre Europeu,
de finindo um calendário orçam entai com um .

Pouco depois, veio a pre vale ce r o e n te n d im e n to de que uma


intervenção ao nível do direito derivado seria insuficiente, aventurando-se
a União no projeto de um novo tratado intergovernamental, figura atípica no
ordenamento europeu, ainda que se possa invocar o antecedente criado
pelo Tratado de Schengen.
0 projeto de novo Tratado vem exigir aos Estados participantes a
consagração nas respectivas C onstituições, ou em norm as de va lor
equivalente, do princípio do equilíbrio ou excedente orçamentai estrutural,
o qual apenas admite desvios temporários em circunstâncias excepcionais,
devendo sempre regressar-se a uma situação de equilíbrio ou excedente
orçamentai (art. 3.9, n.s 2, 1.2 parte). Vem igualmente impor à instituição, a

81
D IRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

nível nacional de mecanismos de correção automática dos desequilíbrios


orçamentais, com base em princípios comuns, a propor pela Comissão
Européia, designadamente, quanto ao papel e independência de instituições
responsáveis, a nível nacional, por controlar o cum prim ento das regras
orçamentais (art. 3.9, n.^ 2, 2.^ parte), bem como a obrigação de redução da
dívida pública à razão de 5% ao ano (1/20) sempre que esta exceda 60% do
PIB (art. 4.5). É igualmente imposta a obrigação de implementação de um
programa de reformas estruturais (econômicas e orçamentais) vinculatívo
em caso de déficit excessivo (art. 5.9) e a apresentação antecipada ao
Conselho e à Comissão dos planos de emissão de dívida pública nacional
(art.2 5.9). 0 projeto de Tratado consagra ainda a regra de votação por maioria
qualificada invertida (art. 7.9) e atribui ao Tribunal de Justiça de poderes de
controlo quanto à consagração a nível constitucional ou equivalente do
princípio do equilíbrio ou excedente orçamentai estrutural e respectivos
mecanismos de correção automática, incluindo a sua vertente institucional
(art. 8.9). Prevê ainda, a figura da convergência e competitividade reforçadas
de form a a melhorar o funcionam ento da UEM (art. 9.^), a cooperação
reforçada em matérias essenciais para o funcionamento da área do euro,
sem pôr em causa o mercado interno (art. 10.9) e a prévia coordenação das
reformas econômicas a implementar em cada Estado-membro (art. 11.s),
institucionalizando as cimeiras da zona euro (art. 12.9) e as conferências
orçamentais entre as comissões pertinentes do Parlamento Europeu e dos
Parlamentos Nacionais (artigo 13.2). Finalmente, para entrar em vigor, basta
que o novo tratado Intergovernamental seja ratificado por doze Estados,
m uito embora apenas se aplique àqueles que procederam à respectiva
ratificação (art. 14.e), salvo quanto aos mecanismos institucionais criados
(cimeiras da zona euro e conferências orçamentais a nível do Parlamento
Europeu e dos Parlamentos nacionais) que são aplicáveis a todas as partes
contratantes, mesmo que não tenham ratificado o Tratado (art. 14.9, p.9 4).
Estabelece-se ainda uma cláusula de 'opting in' para os Estados membros da
União Européia que não sejam partes contratantes (artigo 15.9) e prevê-se
uma futura fusão deste Tratado com o Tratado da União Européia (TUE) e com
0 Tratado sobre o Funcionamento da União Européia (TFUE), o mais tardar
cinco anos após a data da sua entrada em vigor (artigo 16.9).
Uma análise do Tratado permite pensar que se trata, no essencial, de
uma tentativa de elevar ao nível de tratado o fracassado (não por acaso)
Pacto de Estabilidade e Crescimento como contrapartida da criação do
Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE).
As soluções consagradas não traduzem qualquer passo num avanço
real em sentido federal. A esse nível, as disposições do Projeto, embora
implicando uma disciplina mais rigorosa sobre as finanças públicas dos países
contratantes, não introduzem qualquer inovação significativa. Nem poderiam
fazê-lo sem a assunção pelos 27 Estados-membros.

82
D IRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

0 Projeto de Tratado reincide no erro de instituir um regime econômico


sem flexibilidade, em resultado do ainda maior espartilho decorrente das
regras orçam entais. Os Estados-m em bros mais frágeis - já bastante
condicionados pela dependência de financiamentos de instituições da União
- ficam totalmente desprovidos de instrumentos de política econômica para
prosseguir os seus objetivos específicos. E não podem sequer beneficiar,
como nos Estados Unidos, dos in stru m en to s próprios do federalism o
(designadamente de um poderoso orçamento redistributivo ao nível da
União), ficando assim no pior de dois mundos
Uma das m aiores deb ilid a de s do P rojeto de Tratado consiste,
precisamente, em criar um modelo único de resposta para todos os países
da União sem levar em conta os diferentes graus de desenvolvimento, ou a
natureza das dificuldades com que estão confrontados. A austeridade nos
países d e fic itá rio s deveria sem pre ser compensada p or políticas
expansionistas nos países excedentários, de forma a permitir uma expansão
das exportações daqueles.
A prioridade das regras fixas - ainda que com algumas confusas e
ligeiras possibilidades de escape - traduz a consagração de uma forma de
pensamento rígido, assente na desvalorização da política e na afirmação da
perversidade implícita em toda a decisão de política econômica. As regras,
em vez de terem um enviesamento no sentido das políticas orçamentais
restritivas, que limitam o crescimento econômico, deveriam não só permitir,
mas até im por, políticas orçam entais expansionistas aos países com
excedentes substanciais e persistentes, de modo a reduzir os desequilíbrios
financeiros no interior da Zona Euro e a facilitar o ajustamento nos países
com maiores deficits externos.
O Tratado Intergovernamental ser interpretado a luz do Pacto Euro
+do para a necessidade do Tratado Intergovernamental ser avia, a inverter
radicalmente esse caminho, anamcaà luz do "Pacto para o Euro Mais" {países
da zona euro + Bulgária, Dinamarca, Letônia, Lituânia, Polônia e Romênia)
decidido em Março de 2011, com o objetivo de reforçar o pilar econômico da
união monetária, mas conferindo à coordenação das políticas econômicas
uma nova dimensão, assente, não tan to em iniciativas comunitárias ou
baseadas no enquadramento institucional oferecido pela União, mas em
iniciativas nacionais, coordenadas a nível intergovernamental pelo Conselho.

• Repare-se que é assumido que o "Pacto para o Euro Mais" se centra,


primordialmente, em domínios da competência nacional, e que em
áreas políticas escolhidas, serão acordados objetivos comuns a nível
dos Chefes de Estado ou de Governo. É também assumido que este
processo estará em plena consonância com oTUE e com oTFUE e que
o pacto respeitará plenamente a integridade do mercado único.

83
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

• Os Estados-Membros participantes prosseguirão, então, esses


objetivos, de acordo com a sua própria combinação de políticas,
tendo em conta os desafios específicos que se lhes colocam.
• Todos os anos, cada Chefe de Estado ou de Governo assumirá
compromissos nacionais concretos.
• Ao fazê-lo, os Estados-Membros terão em conta as melhores práticas
e os marcos de referência em função dos melhores desempenhos
na Europa e em relação a outros parceiros estratégicos.

0 cumprimento dos compromissos e os progressos na realização dos


objetivos políticos comuns serão objeto de um acompanhamento político
anual por parte dos Chefes de Estado ou de Governo da área do euro e dos
países participantes, com base num relatório da Comissão.
Antes da opção dos com prom issos, os Estados-M em bros
co m p rom ete m -se a c o n s u lta r os seus parceiros sobre cada reform a
econômica importante que possa ter efeitos de contágio.
No âmbito do "Pacto Euro Mais", os Estados-Membros participantes
comprometem-se a tomar todas as medidas necessárias para prosseguir os
seguintes objetivos;

• Fomentar a competitividade;
• Fomentar o emprego;
• Dar um m aior co n trib u to para a sustentabilidade das finanças
públicas;
• Reforçar a e s ta b ilid a de fin a n c e ira Cada E stado-M em bro
participante apresenta as medidas específicas que irá tom ar para
atingir estes objetivos;
• Se um Estado-Membro puder demonstrar que não são necessárias
medidas numa ou noutra área, não as incluirá. A escolha das
medidas específicas necessárias para atingir os objetivos comuns
continua a ser da responsabilidade de cada país, mas será prestada
especial atenção ao c o n ju n to de medidas possíveis
especificamente mencionadas no pacto;
• Os progressos na realização dos objetivos comuns são objeto de
um acompanhamento político por parte dos Chefes de Estado ou
de Governo com base numa série de indicadores que abrangem a
competitividade, o emprego, a sustentabilidade orçamentai e a
estabilidade financeira;
• Serão identificados os países que enfrentam desafios importantes
em qualquer uma destas áreas, os quais terão de se comprometer
a dar-lhes resposta num determinado prazo.

84
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Todo este conjunto de textos já aprovados, em conjugação com o


Tratado Intergovernamental em vias de entrar em vigor, depois de François
Holiande te r quebrado a promessa e leito ra l de o recusar e prom over
in s tru m en to s a lterna tivos, criam uma União Européia espartilhada e
controlada por uma ditadura tecnocrática, quem fazendo tábua rasa de
noções fundam entais do Estado Democrático, como a das populações
determ inarem através dos seus representantes as escolhas de política
econômica.
Esta é, todavia, uma Europa muito longe de todos os ideais generosos
e democráticos que estiveram na sua gênese. Antigos dissidentes do bloco
soviético têm avançado a ideia de que a União Européia é a sucessora da
União Soviética. Termos condições para os refutar linearmente?

6. Os países do protetorado

Se a nível da União Européia se assiste a uma tentativa de lim itar


drasticamente os poderes econômicos nacionais, essa situação é extremada
no caso dos países que recorreram a auxílio econômico externo.
Por um conjunto de circunstâncias que são por demais conhecidas e
que têm a ver, por um lado, com o esforço financeiro desenvolvido no
combate à crise, por outro com a existência de desequilíbrios estruturais
das finanças públicas que o crédito barato permitira conservar, bem com
erros de política econômica e, sobretudo com a especulação dos mercados
financeiros sem que houvesse uma resposta europeia adequada, alguns
dos Estados mais frágeis economicamente viram-se obrigados a pedir auxílio
financeiro ao Fundo Monetário Internacional e à Comissão Europeia.
Foi este o caso da Irlanda - apresentada como o caso europeu de
maior sucesso - foi o segundo Estado, logo a seguir à Grécia a solicitar apoio
e, depois, veio Portugal. Neste momento, está praticamente acordado o
apoio a Chipre e, apesar de uma telenovela confusa em que o governo
espanhol se envolveu já ninguém acredita que não haverá um pedido de
apoio global de Espanha, depois do anterior pedido para o sector financeiro.
As apostas são, agora, as de saber quem se seguirá. A ameaça maior é que
seja a Itália e se ai chegarmos, ou será que se deve escrever quando aí
chegarmos? the game is over, sem o tempo suplementar em que aposta o Dr.
Durão Barroso.
0 apoio financeiro negociado entre esses Estados e aquilo que se
convencionou chamar a troika (FMI, Comissão Europeia, Banco Central Europeu),
assentou na celebração de memorandos de entendimento que, pelo menos no
caso português, levantam sérios problemas de constitucionalidade.
0 fin a n c ia m e n to o b tid o e v ito u uma situação de ru p tu ra de
pagamento, mas instalou um clima de austeridade draconiana, denunciada

85
DIRE ITO T R IB U T Á R IO ; QUESTÕ ES AT U AIS

recentemente - pasme-se - pela Presidente do FMI, Christine Lagarde, como


uma das causas da má situação econômica mundial.
Felizmente já não vivemos em ditadura política em Portugal, nem na
Grécia, mas, a partir do momento em que foram assinados acordos com a
Troika, não temos política econômica, nem orçamentai, nem fiscal. Não as
fazemos: fazem-nas por nós.
E importa questionar o que resultou desse quadro.
A Irlanda foi fazendo um percurso razoável, embora continue com
problemas gravíssimos, designadamente no sector financeiro.
A Grécia esteve várias vezes à beira do abismo: Nos dias que correm
está outra vez nessa posição. A chanceler Merkel que, em todos os anos de
crise, não fora a Atenas, deslocou-se finalm ente em pessoa. Foi recebida
por um governo cercado que colocou sete mil polícias na rua para que os
gregos se não aproximassem da área onde decorria a "visita" da líder alemã
a Atenas. Um verdadeiro exemplo da Europa dos não cidadãos que tomou o
lugar da Europa dos cidadãos.
A Espanha, colocada na situação de não se saber bem se vai te r a
assistência geral ou não, já obteve uma assistência ao sector financeiro,
enquanto a situação política se degrada p ro fu n da m e nte e os hábeis
equilíbrios e compromissos que conduziram à democratização do país e
asseguram a sua unidade vão sendo destruídos. A ameaça independentista
da Catalunha é a conseqüência mais visível, assim como a agitação social
que se apropriou das ruas, alimentada por uma taxa de desemprego que
ronda os vinte e cinco por cento.
Neste quadro geral, Portugal parecia ser a exceção. Sujeito a uma
política extremada de austeridade, com redução drástica das despesas sociais
e um aum ento m u ito vio le nto da carga fiscal - o segundo nos países
desenvolvidos nos últimos três anos, segundo o FMI, o país manteve uma
posição de paz social que foi permitindo à troika, apresentá-lo como exemplo
de como era possível impor programas deste tipo sem provocar qualquer
agitação popular.
Infelizmente, o grande esforço realizado pelo povo português não
teve qualquer correspondência nos resultados econômicos obtidos. Após
um ano de memorando, tornou-se claro que o déficit com que o Governo se
comprometera - 4,5 % do PIB - era totalmente inexequível, apesar de todas
as manobras financeiras para obter receitas de caráter excepcional.
Chegamos aqui mais pobres individualm ente e como sociedade.
Privatízamos quase tudo o que restava do sector público empresarial, cada
vez estudamos menos ou investim os no conhecim ento científico e na
evolução tecnológica.
Numa desajeitada tentativa de conseguir mais receita, o Governo
anunciou a subida da Taxa Social Única (contribuição para a segurança social)

86
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

paga pelos trabalhadores em sete pontos, ao mesmo tempo que a reduzia


em 4,5 para os empresários para aumentar a competitividade.
A violenta reação popular, com um milhão de pessoas na rua a protestar
co ntra a m edida, e as p ró prias divergências no seio da coligação
governamental, levaram a um recuo do Executivo. Ao anunciar as linhas
gerais do Orçamento para 2013, o Governo anunciou, todavia, um esforço
fiscal sem precedentes e que levanta graves problem as de natureza
econômica, política e constitucional.
Indiferente aos péssimos resultados da última subida generalizada
dos im postos, que conduziu a uma quebra da receita fiscal, fru to da
conjugação do desemprego e da redução do rendimento pessoal disponível,
com a conseqüente descida de consumo, anuncia-se mais uma subida que
atinge praticamente todos os impostos.
No caso do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, os
titulares de mais de oitenta mil euros por ano passarão a pagar cinqüenta e
quatro por cento de imposto, ao qual acrescerá, pelo menos, mais dez por
cento para a segurança social. Nos impostos sobre o patrimônio a subida
pode atingir três mil por cento.
Do lado da despesa, em que três quartos do total são consumidos
pelo pagamento de juros, anunciam-se novos cortes na despesa social e
despedimentos na função pública.
Aqui chegados parece-me que atingimos um ponto sem regresso. A
coesão econômica e social foi vio lentam ente destruída e será penoso
retomá-la. 0 pacto fiscal - elemento fundamental da vida em comunidade -
foi denunciado violentamente e por forma unilateral, que levanta a questão
de saber se não estamos em condições de exercer o direito de resistência ao
pagamento dos impostos que a Constituição Portuguesa expressamente
prevê.
0 nível atingido pela carga fiscal é, de fato, de tal modo elevado que
não só o direito de propriedade privada é fortemente atingido, como nos
podemos e devemos interrogar sobre se a esfera de liberdade dos cidadãos
em relação ao Estado se não encontra igualmente ameaçada. De resto, o
que está em causa não é apenas o aumento da carga fiscal, mas sucessiva
legislação e práticas administrativas que violam abertamente a Constituição.
Alguns comentadores têm assinalado com preocupação que estamos
num terreno em que a Constituição parece te r sido suspensa a benefício de
um estado de exceção financeira, enquanto que outros criticam a tentativa
de opor as regras jurídicas às medidas de política econômica, exigindo o
respeito pela lei fundamental.
0 esvaziamento da Constituição foi feito com base numa tolerância
prolongada do Tribunal Constitucional que parte da premissa de que os
direitos econômicos e sociais não são tão relevantes como os políticos. Nessa

87
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

base e em sucessivas decisões, o Tribunal que, por força da Constituição,


tem um papel central no controlo da constitucionalidade, redimensionou
princípios tão basilares como os da tutela das expectativas, a confiança no
Estado Democrático ou a proteção dos direitos garantidos.
Apenas numa decisão recente, o Tribunal considerou inconstitucional
uma medida de supressão de dois subsídios - férias e Natal - aos funcionários
públicos que não teve paralelo no sector privado, considerando estar-se em
presença da violação de um princípio da proporcionalidade.
A resolução do Tribunal Constitucional teve um acolhimento muito
favorável da comunidade jurídica, ainda que uma parte dela pensasse que o
Tribunal deveria te r declarado a inconstitucionalidade com base noutros
motivos que não foram sequer objeto de consideração. Diferentemente, o
Governo e a generalidade dos empresários não hesitaram em criticar uma
decisão jurisprudencial que mereceu, tam bém , o reparo da Comissão
Européia, em mais uma exibição de arrogância e incom preensão dos
mecanismos do Estado Democrático.
Nesse terreno tão pantanoso, a vida dos contribuintes é tudo menos
fácil. Nem certeza nos seus direitos, nem estabilidade para as suas previsões.
Nem proibição contra o arbítrio.
Tudo isto, não se trata de uma novidade. Criado em 1982, o Tribunal
C o nstitu cio na l, logo no p rim e iro acórdão de fiscalização da
constitucionalidade, considerou constitucional um imposto extraordinário
que incidia sobre os rendimentos do ano anterior, entendo que a crise
financeira legitimava essa medida e devia passar à frente dos princípios
constitucionais.

Conclusão

Quando analisamos aquilo que a União Européia tem vindo a fazer nos
últimos tempos parece lógico questionar, como já o fiz, se a Europa será
estúpida, uma vez que é claro que, ao insistir em programas de drástica
austeridade, que apenas pioram a situação financeira dos Estados e a sua
capacidade para re sp eita r os com prom issos, enveredam os políticos
europeus por um caminho totalm ente lesivo daqueles interesses.
Lembrei-me, então, do brilhante ensaio de Cario Cipolla "As Leis da
Estupidez Humana" e da sua regra de ouro da estupidez - uma pessoa
estúpida é aquela que causa um dano a outra pessoa ou a um grupo de
pessoas, sem retirar qualquer vantagem para si, podendo até sofrer um
prejuízo com isso. A nossa vida - recorda-nos o historiador italiano - "está
tam bém recheada de episódios que nos fazem incorrer em perdas de
dinheiro, tempo, energia, apetite, tranqüilidade e bom hum or por causa
das ações improváveis de uma qualquer absurda criatura, que surgem nos

88
dire ; i t o t r i b u t á r i o , q u e s t õ e s a t u a i s

momentos mais impensáveis e inconvenientes e nos provocam prejuízos,


frustrações e dificuldades, sem que a ela tragam ganhos de qualquer
natureza".
Pelos vistos 0 que é válido para as pessoas tam bém o é para as
instituições.
E quanto a Portugal, o que devemos pensar?
Quanto a mim, aquilo que tantos anos atrás, o nosso grande Eça de
Queiroz escreveu, a propósito da situação na cidade de Évora:

Por que m otivo, em virtude de que proteção, de que garantia, se


pagam nesta cidade impostos? É porventura pela regalia de poder
p isa r as calçadas e receber a luz do sol? É pela g a ra n tia de p o der
sem ear pela liberdade de p o d e r viver? 0 Estado não tem nesta
cidade o direito de receber o preço dos serviços que não presta. Ele
nõo protege, nõo defende, não policia; nõo cura da higiene, não
fa z nada, e hõo de os contribuintes fa z e r o sacrifício do seu sustento
p ara terem o prazer de ser desprezados ?".

89
D IRE IT O T R IB U T Á R IO QUESTÕES ATUAIS

A INTERPRETAÇÃO DAS N O R M A S N O PLANEJAMENTO


TRIBUTÁRIO E O USO DE CLÁUSULAS ANTIELISIVAS

Erích Endrillo Santos Simas"

Partindo-se da premissa de que reside no imaginário popular a ideia


de que recolher tributo trata-se de uma imposição penosa e castigante, não
são poucas as tentativas de se procurar eximir da sujeição passiva tributária.
A par disso, o contribuinte passa a olhar o complexo de normas fiscais
e adotar as interpretações que lhe são mais caras para o bom aproveitamento
de economia trib u tá ria . Por vezes, esses co ntribu in te s se pautam em
diretrizes ortodoxas, de modo a escolher os recantos da legislação tributária
que lhes perm item regimes tributários menos onerosos; Outras vezes a
interpretação dos instrumentos privados ou societários são postos a toda
prova, incluindo-se ai seu manuseio dessas formas através do uso e abuso,
configurando-se verdadeiras simulações.
A regra no sistema seria a de que o contribuinte deve recolher os
tributos devidos na razão em que exteriorizem suas respectivas capacidades
econômicas contributivas. Essa seria a vontade de nossa Carta da República.
A liberdade de utilizar dos meios negociais com o franco intuito de
minimizar a carga fiscal tem ensejado inúmeras discussões por parte dos
operadores do direito tributário.
É dizer, de um lado o Estado, que tem no tributo a principal jazida de
obtenção de suas receitas a fim de que possa prover sua manutenção e, via
de conseqüência, interagir com a comunidade para lhe proporcionar bem-
estar {Welfare States) e, de outro lado, o indivíduo, que, muito embora
possua o dever fundamental de pagar tributos, é titular de inúmeras garantias
fundadas no corpo constitucional.
Força é buscar um equilíbrio nesse imbricamento de sujeitos, de modo
a traçar limites para ambos os lados quando estiverem exercendo seus
respectivos direitos para que eles não venham a atuar sob o manto do abuso.
Quer no campo arrecadatório, quer no campo da liberdade negociai.
Nossa missão aqui é lançar pequenas luzes sobre o desafiante tema
acerca do planejam ento trib u tá rio e seus lim ites, de modo a ressaltar
algumas teorias jurídicas que o permeia, sabendo que a sociedade precisa
da arrecadação dos tributos para a satisfação de suas pretensões coletivas,

M e m b r o d a C om is sã o Especial d e D ir e i t o T r i b u t á r i o . P ro fe s s o r d e D ir e ito T r i b u t á r i o d o U n ic e u b e
d a ESA/DF. Pós g r a d u a d o e m D ir e i t o T r ib u t á r i o .

91
D IRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES ATUAIS

mas sem olvidar que o Indivíduo possui garantias constitucionais que lhe
permitem gerir e organizar seus negócios e atividades dentro do prisma da
liberdade contratual, valor igualmente caro.

O Estado físcalísta e a Constituição atual

Como ponto de partida, devemos entender que o modelo prevalecente


na atualidade (pós - modernidade] é o da concepção de um Estado dotado
de feição marcadamente fiscal.
Essa conotação encontra justificativa quando observamos que coube
a esse Estado Moderno (ou pós-moderno), por imposição constitucional,
velar pela implementação das principais balizas no campo das tutelas sociais.
Assim, na busca da efetividade dessas missões, cabe a ele ser o
principal indutor na diminuição das diferenças que naturalmente se revelam
entre os indivíduos e seus pares. Por isso, valores como os da seguridade
social, políticas públicas em relação à mulher, criança e adolescente, idosos,
portadores de necessidades especiais são programas extrem am ente
necessários, senão imprescindíveis, porém muito custosos sob o aspecto
econômico, ficando a cargo de toda sociedade custeá-los, sob o olhar do
constitucional principio da solidariedade.
Daí a abertura de nossa Constituição ao exercício do poder de tributar,
porquanto não seria possível a implementação de inúmeras e custosas
missões se, de outro lado, não se abrissem ao Estado portais para a obtenção
dos recursos necessários, sob pena de içar uma flâmula vazia.
Por isso, e não somente por isso, a fiscalídade tem sido a marca maior
dos Estados politicamente organizados e com compromissos democráticos,
notadamente os de objetivar o alcance de uma sociedade justa e com a
erradicação das desigualdades, de toda sorte.
Grosso modo, esse Estado fiscalista se vale da riqueza produzida pelo
alheio para auferir sua receita. É na imposição unaliteral (potestade) da
vontade estatal que, sublimando-se na condição de principal protagonista
das políticas públicas coletivas, pesa sua mão sobre o particular e suas
atividades, restando a esse submeter-se a um estado de verdadeira sujeição.
A compulsoriedade, nessa quadra, seria a pedra de toque para a
funcionabiiidade dessa proposta, de modo que o exaurimento da vontade
do sujeito passivo seria fato irrelevante para o desfecho de sua obrigação.
Notabiliza-se, aqui, nessa estrutura de imposição, a figura do tributo.
Há de se ressaltar, ainda, que existe outro modelo de auferimento da
receita pública, neste caso sob o prisma da contratualidade, balizado na
regra de que o Estado, valendo-se de seu p a trim ô n io ou serviços,
respectivamente, os explora, agora em pé de igualdade com o particular. A
doutrina convencionou denominá-la de receita pública originária. Esse

92
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

modus o p e ra n d i de a u fe rim e n to de re ceita, m algrado exista, vem


enfraquecendo anos a fio, em face de neovisão imprimida ao papel do Estado
de que cabe a ele somente interagir como elemento interventor ou indutor,
deixando que a lógica da composição e produção da riqueza seja empreendida
pelo particular, tendo-se em vista ser ele vocacionado.
Em sendo a relação tributária oriunda e advinda de um discurso formulado
sob 0 unilateralismo da imposição, força é perscrutar qual seria a limitação desse
poder e contextualizá-lo nas diretrizes da árvore constitucional.
É cediço que nosso texto constitucional abrira capítulo específico ao
tema tributário criando um verdadeiro "Sistema Tributário Nacional", de modo
a dispor quais seriam as figuras tributárias e seus respectivos titulares. Mas
não fez somente isso. Tracejou, nas suas dobras, o arquétipo de tributação
escolhida e elegeu, ainda que em abstrato, quais seriam os fatos signos
presuntivos capazes de atrair a incidência das exações possíveis.
Esses signos, uma vez exteriorizados no mundo concreto, se abririam
à captação da norma, no caso uma lei em sentido estrito, e, uma vez
devidamente corporificados à forma da linguagem individual e concreta,
vinculariam seus destinatários à obrigação do dever de recolher tributo.
Mas o Sistema fora além: fixara limites para o exercício da atividade
tributária e, ainda, declinara os horizontes possíveis a serem palmilhados
pelo Estado.
Como direito é linguagem, a leitura criteriosa do texto constitucional
nos revela mensagens subliminares de que a relação tributária atual prima
pela hiperposição dos valores e axiomas que subjazem nas razões
constitucionais, dando azo a vetores como o da capacidade contributiva;
transparência fiscal, solidariedade fiscal, in trib u ta b ilid a d e do mínimo
existencial, m o ra lid ad e trib u tá ria , cidadania fiscal, razoabilidade e
proporcionalidade.
Portanto, o poder de tributar o cidadão encontra-se bem delimitado
no corpo de nossa Constituição.
Quando se fala em p od e r de trib u ta r, que floresce no campo
constitucional, necessário se torna compreender os limites dessa abertura,
porquanto não nos parece que se tenha pretendido tributar a tudo e a todos,
senão determinados comportamentos constitucionalmente qualificados e
que se revelam em um plano ju ríd ic o , mas com inegável co nteúdo
econômico.
Ao se afirmar que a imputação tributária é fenômeno jurídico com
conseqüências econômicas, deve-se escandir o contexto constitucional, com
0 fito de saber se a autorização dali advinda para se legislar acerca de
incidências tributárias seria permeada por uma interpretação de tipologia
cerrada ou pontos de partida para a tributação econômica das circunstancias
que revelariam capacidade contributiva.

93
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

E mais. Há de se perquirir, também, se o Estado Fiscalista poderia


descortinar os procedimentos adotados pelo cidadão quando eles modificam,
na legalidade, as formas jurídicas ortodoxas e costumeiras e passam a
palmilhar outros formatos negociais com o flagrante intuito de minimizar a
incidência da tributação a ser recaída sobre sua atividade.
Esse desafio se impõe, na medida em que proliferam teorias das mais
diversas matizes; ora defendo a plena possibilidade de o Estado dimensionar
os conceitos e conteúdos do direito privado utilizados pelo legislador fiscal
sob o aspecto da sua revelação econômica, porquanto seria injusto com a
sociedade engessar tais conceitos sob o apêndice de suas raízes civilistas, o
que enfraqueceria por demais a autonomia do direito tributário e que não
seria possível o contribuinte se esconder no véu de formas jurídicas que não
revelariam seus verdadeiros negócios propositais {business purposes).
Outrora, sustentando que os conceitos de direito privado utilizados
pelo legislador seriam intocáveis em relação às suas raízes, dada a ideia de
uma uniformidade sistemática, de modo que, v.g., uma propriedade para
fins de tributação sempre deveria ser aquela assim conceituada na quadra
do direito privado. Para essa teoria não pode haver dualidades conceituais,
sob pena de se ocasionar uma desarmonia sistemática porquanto não seria
possível alguém ser proprietário para fins fiscais e não verdadeiramente sê-
lo no campo da vida privada.
Portanto, deve-se buscar uma harmonização, se for possível, nesse
embate de visões.

Direito Tributário: Autonomia e métodos de interpretação

Notadamente, o Direito Tributário é ramo autônomo no campo de seu


estudo. Possui objeto de investigação, diretrizes, princípios e postulados
próprios. É considerado como ramo de direito público, em face da flagrante
conotação pública do tributo como receita do Estado.
De início, o contexto da tributação fora entendida como pertencente
aos quadros do Direito Administrativo. Assim defendiam juristas de escol
como Blumenstein^^ e Gíannini^" porquanto haveria manifesto monopólio
da realização da atividade fiscal à autoridade administrativa.
Dino Jarach^^ contrapondo-se a essa posição, utiliza-se da metáfora
do Direito Penal em que a atividade de investigação do crime é do Estado,

" S is te m a d i D i r i t t o d e lle im p o s te . M i la n o : G i u f f r è , 1984.


” I n s t i t u z i o n i d i D i r r i t o T r ib u t á r io . M i l a n o : G iu ffr è , 1 96 0 .
^ J arach, D ín o. D e r e c h o F in a n c e ir o . B u e n o s A ire s ; D e p a lm a , 1 98 7 , v. 1, p. 34.

94
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

mas, nem por isso, cogitara-se incluir o Direito Penal no teo r do Direito
Adm inistrativo.
Também houve a dissociação do direito Tributário em relação ao Direito
Financeiro, pois a relação tributária disciplinaria a criação, fiscalização e
arrecadação de tributos enquanto o Direito das Finanças se preocuparia com
os Investimentos e despesas públicas, sendo, portanto, inconfundíveis.
É bem verdade que essa dissociação ocorreria apenas no campo
didático haja vista que trib u to e investim entos públicos encontram-se
umbilicalmente integrados, em face de ser a tributação a grande provedora
dos recursos públicos.
Muito se critica essa suposta autonomia do Direito Tributário, de modo
a isolá-lo dos demais contextos em relação ao produto de sua investigação:
0 tributo.
Cabe sintetizar aqui que o ilustre professor Roberto Wagner Lima
Oliveira^^ em prestigioso artigo postado na internet, entende que:

Na p ó s -m o d e rn id a d e não há mais espaços para a firm ações


com o de o u trora, e.g., o d ire ito trib u tá rio te m com o lim ite de seu
cam po de especulação, o pagamento do trib u to . Tributo pago
torna-se recurso público, p o rta n to m atéria de d ire ito financeiro,
in fe n s a à in c o n s t it u c io n a lid a d e , s u je ita tã o s o m e n te à
fiscalização dos Tribunais de Contas quanto à responsabilidade
do g e s to r da re p ú b lic a . Na p ó s -m o d e r n id a d e p re v a le c e o
complexo, o híbrido, logo, ta n to o d ire ito trib u tá rio q u anto o
d ire ito finan ce iro dialogam e n tre si, para ju n to s declararem a
justeza ou não dos valores arrecadados e gastos a títu lo de
despesas públicas. Daí porque ressai fo rte no pós*positivismo,
o princípio constitucional do ju s to gasto do trib u to arrecadado,
p rin c íp io que tra n s ita à v o n ta d e em am bas as searas, sem
q u a lquer pretensão à exclusividade de ram o, senão apenas o
fo rte desejo de dar eficácia ao princípio m a io r justiça trib u tá ria
e da eficácia social do gasto público.

A visão da unicidade do Direito Tributário com os demais ramos em


que 05 conjuntos dos resultados atingiriam um todo constitucional ganha
inúmeros adeptos, na modernidade. Para esses, a autonomia seria apenas
didática em face de que a regra maior seria a de que todos deveriam
submeterem-se às implicações tributárias conquanto revelassem capacidade
contributiva, ainda que necessário fosse buscar-se essa riqueza sob o prisma
de uma interpretação abrangente, fora das limitações do direito privado.

“ w w w .trib u tá rio n e t/a rtig o s .

95
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Aos seus sectários não haveria falar-se em obséquio do direito Tributário às


formas descritivas do direito civil. Ambas os ramos se entrelaçariam, sempre
na busca de uma sociedade fraterna e com justiça fiscal.
0 em bate da autonom ia do D ireito T rib u tá rio encontrou m aior
repercussão na França e na metade do século passado. Fraçols Geny e Louis
Trotabas, ambos catedráticos da Universidade de Nancy, se debruçaram sobre
a necessidade/desnecessidade de se asseverar a autonom ia do Direito
Tributário.
Coube a Trotabas^^ envidar tenaz crítica à tendência costumeira de se
atribuir a utilização da interpretação literal ou gramatical, como único método
passível. Para ele, não haveria mais necessidade de se estabelecer formas
rígidas de concepção interpretative da lei fiscal. 0 apego à segurança jurídica,
não justificaria o tratamento privilegiado na exegese das leis fiscais. Devido à
prevalência do direito privado, Trotabas passa a defender a valorização dos
institutos de Direito Tributário, apregoando que nem sempre a forma utilizada
pelos civilistas poderia ser utilizada no Direito Fiscal. Para ele, a prioridade
seria buscar a solução na dogmática do Direito Público e não no Direito Privado,
porquanto neste campo civilista as regras seriam válidas àquela realidade,
sendo elementos estranhos às relações de conotação pública.
Para Geny^®, a tese da autonomia do Direito Tributário seria sedutora,
porém capaz de deformar as realidades que a legislação pretenderia traduzir.
Para esse jurista;

Q u a n d o se faz In c id ir t r ib u t o s s o b re c irc u n s tâ n c ia s ou
operações de d ire ito , o legislador age sabiamente, se respeita a
o rg a nização ju ríd ic a e x is te n te e buscar h a rm o n iz a r as suas
medidas com o d ire ito com um , em face do qual eles a estabelece;
e m caso c o n trá rio , c o rre ria o risco de causar, p o r tr ib u t o s
in c o m p a tív e is co m as suas fó r m u la s ju ríd ic a s , u m a grave
desordem no seio da vida social.

0 discurso de Geny procura respaldo em uma concepção de cunho


form a lista inserido em um se n tim e n to m u ito com um à sua época: a
supremacia do d ire ito privado em relação ao d ire ito fiscal. Para ele, o
pretexto da autonomia não poderia possibilitar ao intérprete buscar as
finalidades da norma ao seu talante, de modo arbitrário.
E aí se mantém a principal divergência entre os dois juristas, cujo desate
permeia nos dias atuais. Sabe-se que ainda hoje há Inúmeras divergências quanto

" TROTABAS, Louis. "A i n t e r p r e t a ç ã o d as leis fisc a is ". R evista d e D i r e i t o A d m i n i s t r a t i v o 1 :3 8 e 46,


1945.
GENY, Fra n çois. " 0 p a r t ic u l a r l s m o d o d i r e i t o fis c a l". Revista d e D ir e i t o A d m i n i s t r a t i v o 2 0:7 , 1950.

96
D IR E IT O TRIBUTÁRIO-, QUESTÕES ATUA.ÍS

ao melhor método de interpretação. Se o calcado na concepção formalista dos


conceitos ou se o da plena autonomia do Direito Tributário, que poderia construir,
através de seus axiomas, suas próprias realidades conceituais.

0 método da jurisprudência dos conceitos e o Direito Tributário

Na verdade, essa discussão advém de todo um dado histórico acerca da


concepção de interpretação das normas fiscais. A forma de interpretar as leis
tributárias seguiu, no aspecto histórico, diversos movimentos pendulares.
De início, não havia um método seguro na interpretação de leis fiscais
em razão de que essas foram emergidas no seio da vontade unilateral dos
monarcas, que não somente as criavam, como também davam-lhes feição e
conotação que mais lhes parecessem favorável. Permeava, nessa época,
uma profunda insegurança.
Como forma de rompimento ao Estado despótico, exsurgiu uma forte
reação, dando azo a um mundo liberal e individualista, que encontrara na
descrição da lei uma proteção objetiva, de modo que ali estaria presente a
tão almejada segurança jurídica. Com o surgimento do Código Napolônico,
em 1804, houve grande euforia, porquanto a interpretação das relações
jurídicas dar-se-ia, a partir de textos que definiam de modo estrutural os
comportamentos, institutos e suas conseqüências jurídicas. Tudo fruto de
uma aspiração por segurança nos negócios. Acreditara-se que o método da
exegese do texto seria a saída para se evitar arbítrios, significando a vitória
da razão sobre outros elementos de expressão cultural.
Esse pensamento permeou o século XIX, ten d o em Putcha” seu
principal defensor. Para este, a ciência do direito se organiza a partir de um
sistema lógico, no estilo de uma pirâmide de conceitos, aonde cada conceito
anterior autoriza certas afirmações. Prevalecera aqui o se denominara de
Jurisprudência dos Conceitos, cujas bases retomam um formalismo jurídico,
que mais tarde seria revisitada por Kelsen, em reação ao positivism o
sociológico da jurisprudência dos interesses de Philip Heck e ao movimento
ao Direito Livre de Kantorowicz. Esta concepção formalista da jurisprudência
dos conceitos e n tro n iz o u o v a lo r da segurança, m o ld an d o o que se
convencionara cham ar de "Estado Guarda Noturno^'^", fru to de uma

” LARENZ, K a rl. M e t o d o l o g i a d a c iê n c ia d o D ir e i t o . L isb o a : F u n d a ç ã o C a lo u e s t e G u íb e k ia n , 1 99 7 ,


p . 2 1 e ss.
C o n c e p ç ã o d e u m s i s te m a l i b e r a l q u e r e g i a - s e p e la l iv r e i n i c i a t i v a e p e la m e n o r i n t e r f e r ê n c i a
p o s s í v e l d o E s t a d o n a s l i b e r d a d e s i n d i v i d u a i s . A r e s t r i ç ã o d a s f u n ç õ e s e s t a t a i s f e z L a s s a le
d e n o m in a r o E s ta d o lib e r a l d e g u a r d a - n o t u r n o d e m o n s t r a n d o q u e suas a t r ib u iç õ e s n a q u e le
c o n t e x t o e r a m b a s t a n t e s r e s t r i t a s , u ti li z a d a s a p e n a s p a r a g a r a n t i r a q u i l o q u e e le ( o E s ta d o ] n ã o
p o d e ria a tin g ir, n e m m a c u la r: a lib e r d a d e in d iv id u a l.

97
D IRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES A T UAIS

sociedade Introspectiva e Individualista, que detinha como supremo valor a


proteção da liberdade do indivíduo.
Também denominado de método sistemático, a Jurisprudência dos
Conceitos fora transposta ao Direito Tributário, de modo a garantir proteção
ao indivíduo/contribuinte, na interpretação de que os conceitos formais por
ele utilizados subordinariam o direito tributário.
Assim, em prevalecendo as categorias privadas, ao contribuinte seria
possível gerir seus negócios ou atos, dando-lhe possibilidade de se afastar
da tributação, desde que estes atos fossem civilmente concebíveis. Aqui se
revela a legitimidade da elisão fiscal, que será tomada adiante.
A capacidade contributiva corria ao largo da interpretação, aonde a
legalidade estrita criara um legislador super-herói, capaz de elucubrar todas
as hipóteses e sem lacunas.
A esta escola diversos sectários acompanharam: A.D. Giannini, Georges
Morange e Glan Antonio MIchell. No Brasil a concepção formalista encontra
grande receptividade entre inúmeros juristas, destacando-se: Alberto Xavier,
Alfredo Augusto Becker, Geraldo Atalíba, Rubens Gomes de Sousa, Paulo de
Barros Carvalho e Sacha Calmon.

Jurisprudência dos interesses

Exsurge, no fin a l do século XIX, m o v im e n to c o n tra c e p tiv o à


formalidade dos conceitos, escola capitaneada por Philipp Heck também
denominada de escola da Jurisprudência dos Interesses.
Aqui, na visão de Larenz, haveria no direito uma tutela de interesses,
de modo que as leis trariam finalidades materiais muito além das descrições
formais que estariam a expressar em suas tintas. A norma conteria viés
sociológico, econômico ou histórico. Desloca-se o centro do problema da
norma e passa-se a contextuallzar o interesse teleológico do legislador.
0 princípio da legalidade cerrada dos conceitos formais não mais
prevalece de modo sobranceiro. Esta teoria encontrou sua grande incursão
em obra do relator do anteprojeto do Código Tributário Alemão Enno Becker,
cujo art. 49 dispunha que "na interpretação das leis tributárias, devem ser
observadas sua finalidade, seu significado econômico e 0 desenvolvimento
das relações."
Aqui não mais seria possível abrir espaço à elisão fiscal, na medida em
que caberia ao aplicador verificar se o contribuinte obedeceu à finalidade
normativa, de modo a prevalecer o aspecto econômico ou substantivo.
Enormes críticas foram tecidas a essa escola, que afastaria de vez a tão
sonhada segurança jurídica em troca da possibilidade de o Estado arrecadar
sem respeitar os conceitos. Grande influência teve a jurisprudência dos
interesses entre os italianos, notadamente os que compunham a Escola de

98
D IR E IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Pavia. Cite-se Dino Jarach^^ a quem justificava a cobrança dos impostos com
base na teoria da capacidade contributiva e o mesmo se diga em relação a
Mario Pugliese^. No Brasil, foi precursor dessa escola o ilustre Aliomar
Baleeiro.

Jurisprudência dos valores - última etapa

A p artir da virada neokantiana, verificada na obra de John Rawis,


passou-se a a d m itir uma ju risp ru dê n cia valoratíva que rom pe com o
positivismo, seja em seu aspecto formalista conceituai, seja por sua pretensão
de viés meramente econômico. Surge a Jurisprudência dos Valores.
Na concepção da Jurisprudência dos Vaiores, os m étodos de
interpretação devem ser equilibrados, de modo que a form alidade do
conceito deve ser o início de uma interpretação, mas nunca um fim, em si
mesma.
Se na Jurisprudência dos Conceitos o legislador era o único intérprete,
posição essa ocupada pelo juiz na Jurisprudência dos Interesses, na era da
Jurisprudência dos Valores, acaba-se por adotar a diversidade de intérpretes,
envolvendo to d o s os agentes, desde o legislador, magistrados,
doutrinadores etc. Haveria uma diversidade ou pluralidade metodológica.
A partir do pensamento de Larenz e J. Raws,^^ passa-se a descortinar
uma teoria marcada pela ética, justiça e direitos humanos, abrindo-se tais
perspectivas ao Direito Tributário. Para Ricardo Lobo Torres^ algumas teses
pós positivistas passam a ser defendidas na in te rp re ta ç ã o do d ire ito
tributário: (!) preeminência dos princípios fundantes do Estado Democrático
de Direito; (ii) ponderação entre o princípio da capacidade contributiva e a
segurança jurídica; (üi) harmonização entre o direito e a economia.
A norma passa a ser vista a partir de seus conceitos, porém estes não
seriam, por vezes, suficientes para exaurir a vontade do legislador. Em assim
sendo, buscar-se-ia o fim almejado da norma.

Os posicionamentos atuais acerca do tema

Pode-se afirmar que a maior parte dos juristas dedicados ao estudo


do Direito Tributário, veem na segurança jurídica o bem maior a ser tutelado.

0 f a t o i m p o n ív e l - T e o r ia G e ra l d o D i r e i t o T r i b u t á r i o S u b s t a n t iv o . São P a u lo : Ed. R e v ista s d os


T r ib u n a is , 1 98 9 , p. 9 9 e 100).
R ifle s s io n i d i D i r i t t o i n t e r n a c i o n a l i , p o l ít ic a , e c o n o m ia e f i n a n z a a p u d PUGLIESE, M a r io .
A t h e o r y o f J u s tic e . C a m b r id g e ; H a r v a r d U n i v e r s it y Press.
^ TORRES, R ic a r d o L o b o . " L e g a lid a d e T r i b u t á r i a e Riscos S o c ia is ,R D D T 5 9 : 1 0 5 , 2 0 0 0 .

99
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

devendo prevalecer, portanto a lógica conceituai. Para eles, em havendo


um sistema constitucional sistematizante da relação trib u tá ria , onde o
princípio da legalidade seria a mola mestra na descrição dos comportamentos
possíveis de serem exacionados, caberia à lei se o único modal de introdução
das valorações fiscais. Isso tudo a partir da Constituição que declinaria a
competência tributária e descreveria, no âmbito de cada competência, quais
os institutos repercutiriam a deflagração da relação tributária.
Haveria, de todo modo, um conceito Implícito na própria Constituição
para m elhor conceituar os in stitutos a serem utilizados. Portanto, v.g.,
quando se autorizaria a trib u ta çã o acerca da propriedade de veículos
automotores pelos Estados e Distrito Federal, não caberia a estes entes
disciplinarem o conceito de propriedade, porquanto haveria na Constituição
uma descrição implícita acerca do tema.
Acima de tudo a tributação seria permeada por uma tipificação cerrada,
onde o exclusivismo da lei encerraria uma descrição numerus clousus. Assim,
em sendo a lei oriunda de uma legítima representação popular, não se
poderia cogitar, no campo fiscal, alcance fora de seus limites.
Portanto a interpretação adviria basicamente das fontes formais
prim árias que desenham a lógica trib u tá ria : em p rim e iro plano a
Constituição, prenotando as normas de fundamento e declinando, de modo
cirúrgico, os fatos significativos à introdução das exações, inclusive limitando
0 p od e r de trib u ta r. Em segundo plano, as norm as geriam , via leis
complementares, que amoldariam o sistema, de modo a uniformizar os
conceitos necessários a fim de se evitar um sistema de grande porosidade e
as leis ordinárias, que criariam as exações em seu aspecto concreto, mas
sempre observando os limites intrínsecos e extrinsecos da Constituição.
A p a rtir dessa concepção, seria v ita n d o o uso de conceitos
indeterminados, analogias ou cláusulas gerais, para ampliar o que já viera
bem definido em todo o sistema constitucional. Não seria lícito ao intérprete
e nem ao legislador ordinário avançarem além dos conceitos insertos na
Constituição em relação à competência tributária. Cite-se Alberto Xavier®^:

Qual a im portância teórica e prática do princípio da tipicidade


no D ireito Tributário? Não é certo que de pouco m onta a menção
a este princípio se com ele afinal se pretende a clássica noção
de legalidade ou, se preferir, estrita legalidade? É nossa opinião
firm e que numerosos equívocos, dúvidas e confusões se teriam
já evitado no D ireito T rib u tá rio se a d o u trin a tivesse há mais

(XAVIER, A l b e r t o . T ip ic id a d e d a t r i b u t a ç ã o , s i m u l a ç ã o e n o r m a a n t ie lis iv a - E d ito r a D ia lé t ic a - p.


20 - 2001) .

100
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

te m p o - c o m o o fez com ê x ito no d ir e ito penal - exp lo ra d o


convenientem ente as potencialidades dogmáticas do conceito.

Assim, 0 comportamento do contribuinte não poderia ser levado à


tributação se este viesse a realizar comportamentos fora dos estritos limites
da Constituição, ainda que dali denotasse uma realidade econômica. Haveria
uma proteção constitucional ao indivíduo, de modo que este somente seria
tributado nos estritos limites da lei.
De outra banda, há juristas que entendem estar superada a teoria da
tipificação cerrada no direito tributário, porquanto a descrição normativa jamais
seria capaz de descrever todas as hipóteses que derivasse capacidade
co ntribu tiva. Para esses, o positivism o seria insuficiente na descrição
normativa, de modo que o principal cânone seria o da capacidade contributiva,
onde uma vez revelada essa capacidade, ética seria a respectiva tributação.
A valoração desse argumento também parte da Constituição, mas sob
0 signo de uma hermenêutica pós-positivista, sob o olhar de um sistema
aberto de valores. Essa ideia de abertura firm aria o dire ito trib u tá rio a
dialogar com a Constituição de modo a revelar a sua permeabilidade a
elementos externos e a impossibilidade da descrição de um infinito conjunto
de possibilidades econômicas na vida real.
A interpretação seria realizada a partir das perspectivas plurais, não
somente sob a angularidade da norma e sua significação literal, mas também
sob o viés é tico e o sistem a ju ríd ic o , observando as aspirações da
comunidade, que não seria enfocada somente através do Judiciário, não
sendo possível eleger o numerus c/ausu/us ou a tipicidade cerrada como o
único protagonista do jogo tributário. Ricardo Lobo Torres^® bem percebe
isso ao enfatizar que a ciência tributária:

Ela vai b u sc a r fo r a de si, na é tic a e na filo s o f ia , os seus


fu n d a m e n to s e a definição básica de seus valores. Temas como
o da justiça fiscal, da redistribuição de rendas, do federalism o
fin a n c e iro , da m o ra lid a d e nos gastos públicos, v o lta m a ser
examinados sob a perspectiva da ética, da filoso fia política e
da teoria da justiça, que recuperaram o seu prestígio nos últim os
anos.

Assim, a lógica formalista da norma não resolveria o problema do


Direito Tributário, em face de que os signos que exteriorizam a riqueza e, via
de conseqüência, a capacidade contributiva está m uito além da própria
descrição da norma em si.

Torres, R ica rd o L ob o . Os d i r e i t o s h u m a n o s e a t r i b u t a ç ã o 7^ Ed. - Ed. Renovar.

101
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Logo, poderia ocorrer injustiças no sistema em razão de que haveria


pessoas sendo obrigadas a recolher trib u to à sociedade p orqu an to a
descrição n o rm a tiv a lhe ser Im p u tá v e l e o u tra s tan ta s, ainda que
revelassem capacidade de contribuir o tributo, estariam fora do jogo, em
face de suas atividades não serem, cirurgicamente, captadas pela descrição
da norma.

Posicionamento do Judiciário

O Poder Judiciário de nosso país, nas oportunidades em que enfrentara


a tributação em razão dos conceitos jurídicos e a capacidade contributiva,
tende a contemplar a interpretação lógico-sistemática, partindo da premissa
dos conceitos e a competência tributária estatuídas na Constituição.
No RE n. 121.336, o Plenário da Corte declarou inconstitucional a
devolução do empréstimo compulsório instituído pelo Decreto n. 228S/86
em contas do Fundo de Desenvolvimento Nacional. Com força no art. 1.256
do Código Civil da época, prevaleceu o conceito civil de que ao mutuário
caberia devolver ao mutuante coisa do mesmo gênero. No RE 176.733, o STF
declara a inconstitucionalidade da Lei 7787/^9, no que se refere à cobrança
de contribuição previdenciária sobre as remunerações pagas a autônomos,
avulsos e administradores, por entender que a exação não poderia ser
instituída, com base na folha de salário, conquanto a definição fornecida
pela legislação do trabalho (CLT, art. 457), não abrangeria ditas parcelas. No
RE 116.121/SP, a Corte Suprema entendeu a não incidência do ÍSSQN sobre a
atividade de locação de bens móveis em face ao conceito civil de prestação
de serviços.
Para a Suprema Corte, haveria em cada autorização de competência
tributária uma disposição conceituai de institutos de direito privado cujo
conteúdo e alcance estariam estampados nos demais ramos do direito do
qual foram fecundados. Assim pensa a Corte, pois, do contrário, se estaria
autorizando o legislador fiscal a ampliar o espectro de suas possibilidades
tributárias.
Deve, de todo modo, prevalecer a segurança jurídica no trato tributário,
então se admite a autonomia do Direito Tributário, para as conseqüências
tributárias e não para modificar os conceitos que se materializaram no sistema
jurídico.
Há, notadamente, uma predileção do Judiciário em não permitir que
0 intérprete saia dos conceitos jurídicos ainda que haja uma conseqüência
econômica. E esse posicionamento ficou bem exteriorizado na oportunidade
do julgamento do RE 116.121/SP que não permitiu a incidência de ISSQN nas
atividades de locação de bens imóveis, ainda que haja grandes corporações
empresariais que se dedicam a esse mister.

102
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

0 planejamento tributário e as interpretações no Direito Tributário.

Como 0 sistema positivista é naturalmente fluido, posto que seria


impossível o legislador formal se atentar para todos os comportamentos
que denotassem exteriorização de riquezas, é comum que este se valha de
Instrumentos e institutos que buscam fechar os vazios descritivos.
Instrumentos como o uso das presunções, ficções, pautas fiscais,
substituição tributária por antecipação, preços de transferências {transfers
prices), regras de subcapitalização (subcapitalization rules) e normas antielisivas
são os principais fios condutores que tentam buscar (ou evitar a fuga) as riquezas
produzidas, para trazê-las à tributação. Na concepção de um estado fiscal essas
figuras são de imprescindível importância para a arrecadação.
Nesse meio surge uma passagem do Código Tributário Nacional (art.
116, parágrafo único), que passa a dotar a autoridade administrativa do poder
de desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de
dissimular a ocorrência do fa to gerador do trib u to ou a natureza dos
e lem en tos c o n s titu tiv o s da obrigação trib u tá ria , observados os
procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
De início, houve divergência no alcance deste instituto: se seria norma
combativa aos negócios simulatórios e com vícios e aí estaríamos ante uma
norma antievasiva ou se a administração tributária buscaria a verdade entre
a substância e a form a, de modo que há de prevalecer o princípio da
capacidade contributiva.
Para o professor A lberto Xavier^^ o novo parágrafo do art. 116
estabelece que a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou
negócios jurídicos com simulação ou vício Na mesma esteira segue Ives
Gandra M artins, Mizabel Derzi e Gabriel Lacerda Troianelli. Para essa
doutrina, a administração tributária poderá desconsiderar as formalidades
advindas da ilicitude, ou seja, quando o sujeito passivo se conduz ao largo
das descrições normativas para envidar vontade de enganar o FISCO. Todavia,
isso não seria possível quando este sujeito passivo valer-se de instrumentos
ou institutos lícitos com o fito de amainar seus tributos, porquanto essa
possibilidade estaria no feixe das garantias individuais da livre iniciativa e
da liberdade contratual. Sustentam, também, que toda e qualquer nulidade
no campo dos atos privados não poderia ser efetivado à míngua da reserva
da jurisdição, ainda mais pelo credor interessado, que agiria de modo parcial.
A tipificação cerrada, a reserva da lei, a licitude da organização societária
seriam valores intangíveis e beatificados à luz da Carta Republicana.

o p . c it. p. 68-

103
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT UAIS

Sustenta-se, aqui nessa teoria, que o uso de cláusulas gerais para o


combate às formalidades do sujeito passivo não seriam bem vindas ao
sistema, porquanto instalarem uma tremenda insegurança jurídica. 0 ideal
seria que o legislador emana-se normas específicas para cada caso. Portanto,
a não ser para extirpar negócios fraudulentos, o uso do parágrafo único do
art. 116 do CTN seria inconstitucional.
Em contraponto a essa perspectiva, há juristas que enxergam a plena
validade da norma antielisão, p orqu an to ainda que o sujeito passivo
estivesse na legalidade ou licitude, teria ele se válido da fluidez do sistema
e se encoberto sob o manto de uma formalidade para escamotear a realidade.
Aqui prevaleceria a substância e não a forma.
É dizer, não pode o sujeito passivo abusar das formas jurídicas para
minimizar o impacto de sua tributação.
A priori, temos que enfatizar que o uso de normas antielisivas ou
evasivas, a depender da teoria, não é formulação brasileira. A maior parte
dos países que se valem das normas que visam desconsiderar o negócio
efetivado parte do pressuposto da teoria do "propósito mercantil" (business
purpose), que se caracteriza quando o sujeito passivo se afasta do propósito
mercantil de suas atividades e passa para predominantemente gozar de
benefício fiscal.
Pode-se a firm a r que o equacionam ento de qual v e rten te há de
prevalecer passa pelos métodos de interpretação no Direito Tributário.
A prevalecer a visão formalista dos atos negociais e a llcitude de suas
conseqüências, não se pode afastar o negócio empreendido pelo particular
se este se comportou nos limites da lei. Em assim sendo, se uma pessoa
física detentora da propriedade de vários imóveis vier a constituir uma
pessoa jurídica com o fito único e exclusivo de recolher menos tributo, não
há falar-se em desconsideração do ato em face da licitude da operação.
Todavia há de se reconhecer que a constituição da pessoa jurídica, ao
exemplo acima, pode ter ocorrido somente com a intenção de minimizar a
carga tributária. Assim, a não ser por esse atrativo fiscal, provavelmente a
pessoa física jamais haveria se revestido na condição de pessoa jurídica,
posto que esse não seria o seu propósito negociai.
No campo das decisões, diversos são os julgados emanados pelos
trib u n a is adm inistrativos que desconsideraram certos planejam entos
tributários e admitiram a autuação de diversas pessoas jurídicas sob o enfoque
de que teriam abusado dos institutos e procedimentos empresariais. Cíte-
se o caso de conhecida indústria de cosmético que adquirira debentures
com os lucros de seus controladores e deduzira todos os juros pagos a estes
debenturistas na base de cálculo do lucro real. A rigor, não haveria ilicitude
neste planejamento tributário, entretanto a corte administrativa enxergara
um abuso nos procedimentos de modo que restaria configurado o desvio do
negócio proposital.

104
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

0 Poder Judiciário ainda carece de melhor visualização sobre o tema


relativo ao planejamento tributário, mas colhe-se um acórdão exarado pelo
antigo Tribunal Federal de Recursos, onde ao ju lg ar o caso Grendene,
entendera que houve abuso na forma jurídica. Os sócios desta indústria
criaram 8 (oito) sociedades de pequeno porte com o objetivo de manipular
os preços das m ercadorias, aproveitando-se da diferença no regime
tributário do tributo federal. 0 tribunal desconsiderou o fracionamento da
empresa para efeito de pagamento de imposto de renda embora não tivesse
desconstituído os atos jurídicos. Veja-se o a resto:

"le g itim id a d e da a tuação do FISCO, em face dos e le m e n to s


constantes nos autos. C onstituídas fo ra m , no m esm o dia, de
uma só vez, pelas m esm as pessoas físicas, to d a s sócias da
a u to r a , 8 ( o ito ) s o c ie d a d e s c o m o o b je t iv o de e x p lo r a r
c o m e rc ia lm e n te , no a ta ca d o e no v a re jo , calçados e o u tro s
p ro d u to s m anufa tu ra d o s em plásticos, no m ercado in te rn o e
in te rn a c io n a l.
Tais so cie d a d e s, em d e c o rrê n c ia de suas c a ra c te rís tic a s e
pequeno porte, estavam enquadradas no regime trib u tá rio de
apuração e resultados com base no lucro presum ido, quando
sua fo rn e c e d o ra única, a a u to ra , pagava tr ib u t o c o n fo rm e o
lucro real.
Reconhece-se à autora, apenas, o d ire ito de compensação do
im po sto de renda pago pelas aludidas empresas.
Reforma parcial da sentença." (Apelação Cível n? 115.478,/RS.
Ac. da Turma do TFR, Rei. min. A m érico Luz, 18.02.87)

Não temos dúvida de que o parágrafo único do art. 116 do CTN ainda
será objeto de análise da Suprema Corte em face de que ambas as vertentes
invocam dispositivos constitucionais.

Conclusão

Bem, a par de todo o exposto, de fato não se trata de tarefa simplória


equacionar o embate porquanto ambos possuem fundamentos sólidos em
suas respectivas acepções.
Se, de um lado, a C onstituição Federal contem pla a liberdade
contratual como garantia do indivíduo e ilustra a ideia de que há uma
sistemática tributária cujos campos de incidência são ali postos, por meio da
competência trib u tá ria , força é reconhecer que as hipóteses estariam
hauridas nessa lógica sistemática, notadam ente na descrição dos fatos
geradores, que seriam aqueles inseridos na lógica e conteúdo da norma. De
outro lado, sabe-se que o positivismo exacerbado ganha na dimensão da
segurança jurídica, porém é certo que o legislador form al é incapaz de

105
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

descrever todas as formas fáticas que prenotam conseqüências econômicas.


Também sabemos que se estampa o princípio da capacidade contributiva e o
da praticidade da administração de buscar a verdadeira dimensão material
desse valor.
Nossa visão é a de que a relação entre O Estado Fiscalista e o indivíduo
não se dá em pé de igualdade. Ao revés, consoante disposto acima, a
tributação é veículo típico da compulsoriedade estatal. Assim, cabe ao
contribuinte submeter-se a essa realidade.
Por isso, entendemos que a segurança deve ser contemplada mesmo
sabendo da fluidez e porosidade que reveste o positivismo. É o preço que se
paga por esse modelo. Não se trata de formalismo ou visão ortodoxa.
As aberturas ou lacunas poderão ser gradativamente fechadas pelo
exercício do legislador. Esse é o seu papel. Mas somos da opinião, também,
de que é possível se desconsiderar os negócios entabulados sob o signo do
malogro, fraude, simulação, porquanto serem estes vícios que contaminam
a boa condução da capacidade contributiva.
A teoria da proposição negociai como método de aferição da higidez
dos atos do contribuinte para os efeitos fiscais deve ser buscada a cada caso,
por isso cláusulas gerais podem tornar-se polêmicas, senão injustas.
Mas tudo isso passará aos olhos da Suprema Corte, que novamente será
chamada a p o n d e ra r os valores do in d iv id u a lis m o e da capacidade
contributiva.

106
D IRE IT O T R IB U T Á R IO ' QUESTÕES ATUAIS

O ICMS IMPORTAÇÃO NAS OPERAÇÕES REALIZADAS POR


NÃO CONTRIBUINTE HABITUAL DO IMPOSTO (PESSOA FÍSICA
OU JURÍDICA NÃO CONTRIBUINTE DO ICMS). ANÁLISE DA
JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE IMPOSTOS E TAXAS DO
ESTADO DE SÃO PAULO E DOS TRIBUNAIS SUPERIORES (STJ
ESTF)

German Alejandro San M artin Fernández^

Introdução

0 presente ensaio tem por finalidade analisar a incidência do iCMS


nas importações realizadas por não contribuintes habituais do imposto
(pessoas físicas e jurídicas que não realizam operações mercantis ou
prestação de serviços de transporte interm unicipal e interestadual e de
comunicação), realizadas antes e após a Emenda Constitucional n. 33/
2001, além de acompanhar a evolução da jurisprudência do Tribunal de
Impostos e Taxas do Estado de São Paulo e dos Tribunais Superiores sobre
0 tema.
Para isso, necessária breve incursão na evolução d o u trin á ria e
ju ris p ru d e n c ia l sobre o tem a, cujo início se dá ainda sob a égide da
Constituição passada. Isso porque remontam àquela época as discussões
sobre a incidência, do até então ICM, nas operações de importação de bens
de capital (inclusive por não contribuintes). Em seguida, serão objeto de
análise as mudanças ocorridas a partir da promulgação da Constituição da
República de 1988 (CR/88), antes e após a Emenda Constitucional n. 33/5001
(EC n. 33/2001), e da Lei Complementar n. 114/5002 (LC 114/2002). Por fim,
proceder-se-á à análise da legislação estadual paulista reguladora da exação
e à evolução da jurisprudência do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de
São Paulo e dos Tribunais Superiores em relação ao tema.

M e s t r e e d o u t o r a n d o e m D ir e i t o d o E s ta d o ( D ir e i t o T r i b u t á r i o ) p e la PUC/SP. Juiz d o T r i b u n a l de
Im p o s to s e Taxas d o Estado d e São Paulo. C o n s e lh e iro d o CARF (C o n s e lh o A d m in i s t r a t i v o d e Recursos
F is c a is d o M i n i s t é r i o d a F a z e n d a ) P r o f e s s o r d o c u r s o de p ó s - g r a d u a ç ã o de D i r e i t o T r i b u t á r i o e
E m p r e s a r ia l d a FAAP e p r o f e s s o r c o n v i d a d o d o s c u r s o s d e p ó s - g r a d u a ç ã o e e x t e n s ã o e m D ir e i t o
T r i b u t á r i o e E m p r e s a r ia l l a t o s e n s u d a Escola P a ulista d e D ir e i t o (EPD), F G V /o w e Fu n da ce /U S P . É
m e m b r o d o C o n s e lh o C ie n tíf ic o e E d it o r ia l d a APET ( A s s o c ia ç ã o P a u lis ta d e E s tu d o s T r i b u t á r i o s ) e
C o o r d e n a d o r d o C o m i t ê d e A s s u n t o s lig a d o s a o C o n t e n c i o s o A d m i n i s t r a t i v o T r i b u t á r i o Es ta d u al da
C o m is s ã o d o C o n t e n c i o s o A d m i n i s t r a t i v o T r i b u t á r i o d a OAB/SP.

107
DIREIT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES ATUAIS

1. Do ICMS importação (bens). Breve histórico

Com a edição da Emenda Constitucional n. 1 ^ 5 e a criação do ICM,


coube ao Decreto-lei n. 406(^8 d efin ir a hipótese de Incidência possível
do imposto de competência dos Estados (e DF) e determ inar sua incidência
nas operações de importação de bens do exterior, nos termos do artigo
19, inciso 11®^.
À quela época já se tra v a v a discussão d o u trin á r ia sobre a
inconstitucionalidade da trib u ta çã o, pelo ICM modalidade im portação,
de bens de c a p ita l, operação na qual o a d q u ire n te de m áquinas e
equ ip a m e n to s não realizaria ato de revenda, mas de incorporação
destas ao ativo fixo da pessoa jurídica. Para A lio m a r Baleeiro, defensor
da in trib u ta b ilid a d e de tal operação, além de bem im p o rtad o não se
tratar de "mercadoria", no caso específico da importação, a "operação"
ocorreria no exterior, de modo que a "circulação" necessária se encerraria
no país de origem , sem qualquer reflexo ju ríd ico, econômico e fiscal
para o adquirente nacional^°. Na mesma linha, Geraldo Ataliba'^^ e Ruy
Barbosa Nogueira'’^.
Em sentido contrário, Alcides Jorge Costa e José Souto M aior Borges,
para quem a aplicação extraterritorial da lei tributária não seria empecilho
para a exigência do imposto estadual nas operações de importação de bens
para uso próprio, por se tratar de competência do legislador complementar,
a eleição da entrada ou da saída da m ercadoria do estabelecim ento
comercial. Industrial ou produtor; ademais, não haveria Impeditivo para que
a "circulação", pressuposto indispensável para fins de ocorrência do fato
imponível do ICM, se iniciasse em um país e terminasse em outro, de sorte
que: "a entrada, tanto quanto a saída, exterioriza o fa to gerador e pode ser
eleita pelo legislador como o fa to que determina o momento do nascimento
da obrigação tributária.
Inevitável que tal discussão chega-se à Corte Suprema. Foi então
editada a Súmula STF n. 570: " 0 imposto de circulação de mercadorias não
incide sobre a importação de bens de capital".

" A r t . 18 0 i m p ô s t o s ô b r e o p e r a ç õ e s re la tiv a s a c ir c u la ç ã o d e m e r c a d o r ia s t e m c o m o f a t o g e r a d o r :
(...)

II - a e n t r a d a , e m e s t a b e l e c im e n t o c o m e r c i a l, i n d u s t r i a l o u p r o d u t o r , d e m e r c a d o r ia i m p o r t a d a d o
e x te r io r p e lo t i t u l a r d o e s ta b e le c im e n to ;
RDT n. 2/49.
” R evisto F orense v o l. 250, p. 1 46 -1 4 7 .
I m p o s t o d e C ir c u la ç ã o d e M e r c a d o r ia s , D i r e i t o T r i b u t á r i o , 5 - c o le t â n e a . São P a u lo : B u s h a ts k y ,
1 9 7 3 . p. 93.
O IC M n a C o n s titu iç ã o e n a Lei C o m p le m e n ta r . São P aulo: R esenha T r ib u t á r ia , 1978. p. 107.).

108
DIREIT O T R IB U T Á R IO ' QUESTÕES ATUAIS

Nos acórdãos que culminaram com a pacificação da questão frente ao


STF, a fundamentação girou em torno da: i) ampliação indevida do termo
"m ercadoria" aos "bens de capital", pela legislação dos Estados, o que
implicaria violação ao disposto no artigo 110 do CTN; ii) impossibilidade de
aplicação da não cumulatividade nessa espécie de operação, em razão da
impossibilidade de tomada do crédito por operação anterior ocorrida no
exterior; iii) ausência de circulação posterior do bem adquirido, e; iv) violação
ao artigo 23 da Constituição de 1946 (e emendas}^'*.
Diante da postura adotada pelo STF foi realizada a “ correção da
ju ris p ru d ê n c ia c o n s titu c io n a l"^ \ m e d ian te a edição da Emenda
Constitucional n. 23 à Constituição de 1946 (EC n. 23/%3), de sorte a incluir
expressamente a importação de bens destinada ao ativo fixo como hipótese
de incidência possível do ICfVI?*.
Após a prom ulgação da Emenda C o nstitu cio na l n. 23/83, a
jurisprudência seguiu pacífica pela incidência do ICM sobre a importação
realizada por pessoa física ou por prestador de serviços não contribuinte do
imposto, levada a cabo pelos Estados (e DF).
A promulgação da Constituição Federal de 1988 em nada alterou o
regime jurídico-constitucional do ICMS importação "mercadorias" e "bens".
Não se perdeu, nas palavras de Roque Antonio Carrazza, "a continuidade do
o rd e n a m e n to , porque não fo i a lterad o o seu fu n d a m e n to ú/t/m o de
validade"'^'’ . A partir de então, solidificou-se a jurisprudência do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo^® e do Superior Tribunal de Justiça, pela
incidência do ICMS na importação de "mercadoria" por pessoa física, ainda
que para uso próprio^®.

RE n. 7 9951.
"(...) ra d ic a l r e p ú d io à in te rp re ta ç ã o ju d ic ia l, p e la e d iç ã o de n orm a in te n c io n a lm e n te
c o n tr a s ta n te c o m a ju r is p r u d ê n c ia e na re tific a ç ã o da n o r m a a n te rio r, q u e , p o r a m b ig ü id a d e ou
f a l t a d e c lareza, te n h a le v a d o o J u d ic iá r io a a d o t a r i n t e r p r e t a ç ã o in c o m p a t ív e l c o m os p re s s u p o s to s
d o u t r i n á r i o s d a m a t é r i a . " TORRES, R ic a r d o L o b o . A I n t e g r a ç ã o e n t r e a Lei e a J u r is p r u d ê n c i a e m
M a t é r i a T r i b u t á r i a . C a d e r n o s d e D i r e i t o T r i b u t á r i o e F i n a n ç a s P ú b lic o s . São P a u lo ; R e v is ta d os
T r ib u n a is , a n o 1, n. 3, a b r i l - ju l h o , 1 99 3 . p. 12.
"A n te s d o a d v e n t o da EC 2 3 / 8 3 os Estados, c o m base e m le g is la ç ã o o r d i n á r i a , t e n t a r a m ( e m vão)
t r i b u t a r , a t í t u l o d e IC M , a in d a q u e a d e s c o b e r t o d e p r e v i s ã o c o n s t i t u c i o n a l , as i m p o r t a ç õ e s
e f e t u a d a s p o r p r o d u t o r e s , i n d u s t r i a i s e c o m e r c i a n t e s . C o m e s ta E m e n d a C o n s t i t u c i o n a l v ia b i li z o u -
se a p r e t e n s ã o d os Estados, s e m p r e á v id o s e m a u m e n t a r suas re c e ita s ." (CARRAZZA, R oq u e A n to n io .
ICMS. 9. ed. r e v is ta e a m p l i a d a . São P a u lo : M a lh e ir o s , s.d. p. 5 6 -5 7 .)
” “ R e s s a lta m o s q u e o a tu a l t e x t o c o n s t it u c io n a l , s a lv o a a lu s ã o a o 's e r v iç o p r e s t a d o n o e x t e r i o r '
( h i p ó t e s e q u e n ã o n o s i n t e r e s s a a g o r a e s t u d a r ) m a n t e v e , e m r e l a ç ã o a o IC M ( h o j e IC M S ) na
im p o r ta ç ã o , a m a te r ia lid a d e da r e g r a - m a tr iz d e in c id ê n c ia da C o n s titu iç ã o a n te rio r , e x is te n te
d e s d e a EC 2 3 /8 3 . N e s te p o n t o n ã o se p e r d e u , p ois , a c o n t i n u i d a d e d o o r d e n a m e n t o , p o r q u e não
fo i a lt e r a d o seu f u n d a m e n t o ú l t i m o tie v a lid a d e , o b . c it., p . 57, n o t a d e r o d a p é n . 43.
A p e la ç ã o Cível n. 1 6 6 .5 1 5 - 2 .
REsp 3 7 6 4 8 '3 / S P ; Resp 3 0 . 7 5 6 - 0 /S P e Resp 31.383-5/SP.

109
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Entretanto, parte da doutrina demonstrava inconformism o com a


interpretação dada ao enunciado constitucional contido do inciso IX, alínea
"a" do § 25, do artigo 155, II, cuja redação original outorgava competência
aos Estados-membros e ao DF para instituir o ICMS na importação, sobre
toda e qualquer entrada de mercadoria importada do exterior, ainda que
destinada a consumo ou ativo fixo do estabelecimento, bem como sobre
serviço prestado no exterior.®°®^
Dada a amplitude do enunciado constitucional, os Estados (e DF) não
hesitaram em Instituir e exigir, de não contribuintes do ICMS, aí incluídos
pessoas jurídicas e pessoas físicas, o ICMS modalidade importação. Nesse
cenário, o que Importava era a promoção da entrada de mercadoria do
exterior, sem qualquer ressalva no tocante ao aspecto subjetivo de "quem"
e sob "qual" qualificação a "mercadoria" era importada.
A insurgência doutrinária que antecedeu as manifestações da Corte
Suprema sobre o tema, se erigiu sobre os seguintes fundam entos: a) a
exegese possível do enunciado constitucional somente poderia incluir como
sujeitos passivos possíveis do ICMS, na modalidade importação, aqueles
que praticam atos de comércio com habitualidade, nunca aqueles que
adquirem "bens" para uso próprio; b) o uso do term o "estabelecimento"
denota que o comando constitucional é dirigido somente àqueles que
praticam atos de comércio ("mercantis"); c) a ampliação do critério pessoal
passivo do imposto criaria problema insolúvel quanto à não cumulatividade
no ICMS, pela inexistência de operação posterior, d) ausência de "circulação"
de mercadoria ou "circulação" realizada fora do alcance te rrito ria l da lei
estadual, e; e) falta de definição na legislação complementar sobre qual o
alcance do termo "estabelecimento" para pessoas físicas, cuja conseqüência
seria a criação de conflitos de competência, para os quais a solução normativa
somente poderia ser veiculada por lei complementar, nos termos do artigo
146 ,1, da CR/88.
O STF, nos seguintes julgamentos: RE n. 203.075-9/DF, Plenário, "DJ"
de 29.10.1999; RE 185.789, Plenário, RE 191.34^RS, Min. Carlos Velloso, 2^
Turma, "DJ" de 20.11.1998 e RE 298.630/SP, Min. Moreira Alves, 1^ Turma,
"DJ" de 09.11.2001, decidiu pela não tributação do ICMS na importação por
não c o n trib u in te s , p o r ausente "operação m e rc a n til" e p o r falta de

"(...) IX - in c id ir á ta m b é m :
a) s o b r e a e n tr a d a d e m e r c a d o r ia im p o r ta d a d o e x te r io r , a in d a q u a n d o se t r a t a r d e b e m
d e s t i n a d o a c o n s u m o o u a t i v o f i x o d o e s t a b e l e c i m e n t o , a s s im c o m o s o b r e s e r v iç o p r e s t a d o n o
e x t e r i o r , c a b e n d o o i m p o s t o a o E s ta d o o n d e e s t i v e r s i t u a d o o e s t a b e l e c i m e n t o d e s t i n a t á r i o da
m e r c a d o r ia o u d o s e r v iç o ; (...)"
* ' Por to d o s , CHIESA, C lé lio . ÍC M S - S iste m a C o n s titu c io n a l T r ib u tá r io - A l g u m a s I n c o n s titu d o n a lid a d e s
d a LC 8 7/9 B . São Paulo: LTR, 1 99 7 . p. 9 2 -9 3 .

110
D IRE IT O TR IB U T Á R IO . QUESTÕES ATUAIS

"estabelecimento" nos termos do art. 1.142 do Código Civil, além de ressaltar


a impossibilidade, em face do sujeito passivo não ser contribuinte habitual
do imposto, da realização do princípio constitucional da não cumulatividade.
Dessa reiterada jurisprudência, resultou a edição, em 2003, da Súmula n. 660
pela Corte Suprenna®^ e em 2005, da Súmula TIT n.

2. A Súmula TIT n. 7

Em 22 de fevereiro de 2005, em Sessão Plenária, as extintas Câmaras


Reunidas do TIT deliberaram a edição da Súmula n. 7, com a seguinte redação:
"Até a vigência da Emenda Constitucional n. 33/2001, não incide o ICIVIS na
importação de hens por pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do
imposto." {publicada no DOE em 07/35/2005).
A proposta de Súmula submetida às Câmaras Reunidas, além dos
preenchim entos dos requisitos legais, regulam entares e regim entais
vigentes à época, se baseou na pacífica jurisprudência do E. Supremo Tribunal
Federal, traduzida na Súmula n.5 660 (de 9 de março de 2003), editada sob a
vigência da redação original da alínea “ a", do inciso IX, do § 2s, do artigo 155,
II, da Constituição da República.
A proposta de edição de Súmula TIT faz menção à suposta alteração na
redação da Súmula n. 660 do STF, que após a Emenda Constitucional n. 33/
2001, teria sido modificada em sessão plenária da Corte Suprema realizada
em 26/11/2001 (s/c). De acordo com trecho da proposta, da lavra da então
Presidente Eliana Bertachini, a alteração da redação teria sido acolhida por
sugestão dos Ministros Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence^".
A "nova redação" supostamente adotada pelo STF seria a seguinte:
"Até a vigência da EC 33/2001, não incide ICIVIS na importação de bens por
pessoa física ou jurídica que não seja contribuinte do imposto/'
Entretanto, data maxima venia, não foi isso que ocorreu. Na sessão
plenária de 26/11/2003 e não de 2001, houve, sim, rejeição da proposta de
alteração da Súmula 560, constante do Adendo n. 7. Em 2S/3/2006, 29/5/2006
e 30/5/2006, foi republicado o enunciado da Súmula n. 660 com o teor
aprovado na sessão plenária de 24/9/2003, qual seja: "Nôo incide iCMS na
importação de bens por pessoa física ou jurídica que não seja contríbuinte do
imposto".

" N Ã O INCIDE ICMS NA IM PO R T A Ç Ã O DE BENS POR PESSOA FÍSICA OU JU RÍDICA QUE N ÃO SEJA
CONTRIBUINTE DO IMPOSTO".
"A té a v ig ê n c ia da E m e n d a C o n s ti tu c i o n a l n. 3 3 ^ 0 0 1 , n ã o in c id e o ICMS na im p o r t a ç ã o d e bens
p o r pessoa fís ic a o u j u r í d i c a q u e n ã o s e ja c o n t r i b u i n t e d o i m p o s t o . "
F o n te :h ttp ;//in fo .fa z e n d a .s p .g o v .b r/N X T /g a te w a y .d ll? f= te m p (a te s & fn = d e fa u (t.h tm & v id = s e fa z _
s u m u la s ;v s u m u la

111
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

Vale dizer, a redação adotada para a edição da Súmula n. 7 do TIT se


baseou em suposta alteração da Súmula n. 660, na realidade, rejeitada pelo
SXF85.86 fyjQ entanto, a limitação temporal imposta pela Súmula TIT n. 7 teve
por efeito prático sepultar em grande parte as discussões a respeito da
incidência do ICMS nas im portações realizadas por não co ntribu in te s
habituais, após a edição da EC n. 33/2001, a seguir.

3. A jurisprudência do Tribunal de Impostos e Taxas e as discussões


colaterais à redação da Súmula TIT n. 7

Como não poderia deixar de ser, dado o caráter vinculante das súmulas
TIT®’ , os órgãos de julgamento administrativos estaduais, a partir da edição
da Súmula TIT n. 7, têm se utilizado de c rité rio objetivo, qual seja, o
temporal, para decidir pela incidência do ICMS em operações de importação
realizadas por não contribuintes do imposto (pessoas físicas ou jurídicas).
Ou seja, se antes da EC n. 33/2001, pela não incidência; se após, pela tributação
da operação de importação.
Dos ju lg ad o s analisados, é de se o b se rva r que o T ribu na l de
Impostos e Taxas reconhece o caráter vinculante da Súmula n. 7 para as
importações realizadas por não contribuintes até a edição da EC n. 3 3 /

C o n s id e r a n d o q u e o T r ib u n a l, na sessão p le n á ria d e 2 6 /1 1 /2 0 0 3 , re c u s o u a p ro p o s ta d e a lte r a ç ã o


da S ú m u la 6 6 0 , c o n s t a n t e d o A d e n d o n. 7, f o i r e p u b li c a d o o r e s p e c t i v o e n u n c i a d o n os D iá r io s da
J u s tiç a d e 2 8 / 3 /2 0 0 6 , 2 9 / 3 / 2 0 0 6 e 3 0 / 3 / 2 0 0 6 , c o m o t e o r a p r o v a d o n a s e s s ã o p l e n á r i a d e 2 4 / 9 /
2003: " N ã o in c id e ICMS na im p o r ta ç ã o d e b e n s p o r pessoa física o u ju r íd ic a q u e n ão seja c o n t r ib u in t e
d o i m p o s t o " . F o n te : h t t p : / / w w w . s t f . j u s . b r / p o r t a l / ] u r i s p r u d e n c i a / l i s t a r J u r i s p r u d e n c i a . a s p ? s l = 6 6 0 .
N U M E . & b a s e = b a s e S u m u la s
C u ja i m p r e c i s ã o t e m l e v a d o a lg u n s j u l g a d o s a m e n c i o n a r a s u p o s t a a l t e r a ç ã o n a r e d a ç ã o da
S ú m u la 6 6 0 d o STF, n ã o o c o r r i d a . A seguir:
\CMS. FALTA DE PAGAMENTO DO IMPOSTO POR GU IA ESPECIAL N A IMPORTAÇÃO DE BEM ATIVO. N ã o hã
n u l i d a d e a se r d e c la r a d a . A c h a m a d a UJPD t e m c o m p e t ê n c i a p a r a j u l g a r d é b i t o fis c a l d e q u a l q u e r
valo r. A d e c is ã o r e c o r r id a n ã o d e ix o u d e a p r e c ia r n e n h u m a a le g a ç ão i m p o r t a n t e d e d efe s a. MÉRITO:
A Súm ula n. 6 6 0 d o S up rem o Trib u n al Federal - STF d e te rm in a a incidência d o ICM S na im p o rta ç ã o de
q u a lq u e r bem p o r pessoa física o u ju ríd ic a não c o n trib u in te , após a ediç ã o d a Em enda C onstitucional
3 3 , d e 2 0 0 1 . 0 Egrégio T r ib u n a l d e Im p o s to s e Taxas d o E sta do d e São Paulo ta m b é m e d i to u a S ú m ula
n. 7, q u e de ve s e r o b s e rv a d a p o r seus ó r g ã o s d e ju l g a m e n t o , e q ue te m a m e s m a re d a ç ã o d a S úm ula
d o STF, verbis: "Até a vigê n c ia d a EC 3 3/2 00 1 , n ã o inc id e ICMS n a i m p o r t a ç ã o d e bens p o r pessoas fis ic a
o u j u r í d i c a q u e n ã o s e ja c o n t r i b u i n t e d o i m p o s t o . " A d e m a is , a d e c is ã o in d ic a d a a c o n f r o n t o t r a t o u
d e i m p o r t a ç ã o e f e tu a d a a nte s da e d iç ã o da r e fe r id a E m e n d a C o n s titu c io n a l n. 33, d e 2 00 1 . RECURSO
NÃO CONHECID O. DECISÃO U N Â N IM E . DRT l A - 4 8 6 2 8 2 / 2 0 0 4 . 0 9 / 1 0 / 2 0 1 0 . 2 & 0 9 / 2 0 1 0 . (D e s ta q u e s
m eus).
A r t . 3 9 da Lei n, 1 0 .9 4 1 /2 0 0 1 , v ig e n te à é po c a , a tu a l a r tig o 5 2 d a Lei n. 1 3 , 4 5 7 ^ 0 0 9 , a r tig o 1 08 d o
R e g i m e n t o I n t e r n o d o T r i b u n a l d e I m p o s t o s e Taxas (RITIT) e a r t i g o 1 0 0 , II d o C ó d ig o T r i b u t á r i o
N a c io n a l.

112
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

2001^8-89.90-91 Após a edição da EC n. 33/2001, nos termos da redação dada


à Súmula 7, as extintas Câmaras Reunidas e a atual Câmara Superior têm
decidido pela tributação dessas operações. Por fim, há julgados pelo não
conhecimento dos recursos especiais interpostos relativos a operações
realizadas após a EC n. 33/^001, diante da apresentação de paradigmas
inservíveis, em regra, relacionados a operações de importação realizadas
antes da alteração constitucional^^-^\
Dos julgados pesquisados, o processo DRTC-111-512037/2003, merece
especial atenção. Nessa decisão, cujo julgamento se iniciou pelas extintas
Câmaras Reunidas e foi encerrado pela então recém-criada Câmara Superior,
decidiu-se pela tributação do ICMS em operação de importação realizada
por pessoa física, em 24 de janeiro de 2002, ou seja, após a EC n. 33/2001;
entretanto, antes da edição da Lei Complementar n. 114, de 16 de dezembro
de 2002.
O voto de preferência vencedor, da lavra do i. Juiz Paulo Gor^çalves da
Costa Junior, após conhecer o recurso especial pela presença de paradigma
a caracterizar a necessária divergência ju risp ru d e n cia l, restou assim
fundam entado:

(...) It - No to ca n te ao m é rito , pese o fa to de que o STF tenha


c o n s id e ra d o in c o n s titu c io n a l a e xigência do ICMS so b re o
re cebim ento dos bens im portados antes da aludida Emenda 3 3 /
2001, não fo ra m retiradas do o rd e n a m e n to as norm as que, ao
meu ver, mostravam-se hábeis a em basar a incidência fiscal e
c u ja e fic á c ia e ra p le n a a p ó s o a d v e n to de m o d ific a ç ã o
c o n s titu cio n a l. N o u tro s te rm o s ; o arcabouço n o rm a tiv o - Lei
c o m p le m e n ta r e Lei o rd in á ria - coadunavam -se à pretensão
fis c a l, s u p o r ta v a m a p re te n s ã o fis c a l e m o s tra v a m -s e
c o n s titu c io n a is após o a d v e n to da Emenda 3 3 /01, sem que
houvesse a necessidade de u lte río re s alterações legislativas
in fra c o n s titu c lo n a is .

** ICMS. FALTA DE PAGAMENTO DO IMPOSTO. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. AQUISIÇÃO DE MERCADORIA


IM P O RT ADA DO EXTERIOR POR AR R E N D A M E N T O MERCANTIL. C u ld a n d o - s e d e i m p o r t a ç ã o e fe tu a d a
a n te s d e i m p l e m e n t a d a a le g is la ç ã o e s ta d u a l q u e te v e e s to fo a EC 3 3 / 2 0 0 1 , o p e r a ç ã o c o n c r e tiz a d a
p o r p r e s t a d o r d e s e rv iç o ( n ã o c o n t r ib u in t e d o ICMS), o f a t o n ã o era passível d e s u b s u n ç ã o a o ICMS,
m o t i v o p elo q u a l NEGO PROVIMENTO a o REsp da Fazenda Pública, in c lu siv e p o r se r m a té r ia su m u la d a
n es ta C o rte A d m in i s t r a t i v a . RECURSO CONHECIDO. NEGADO PROVIM ENTO. DECISÃO N ÃO U N Â N IM E .
V e n c i d o o v o t o d o i. Juiz r e la to r , q u e c o n h e c e u e d e u p r o v i m e n t o a o r e c u r s o f a z e n d á r io . DRT 0 2 -
6 9 3 2 1 5 / 2 0 0 2 . 2 5 ^ ) 5 /2 0 0 7 , 1 5 / 5 /2 0 0 7 .
DRT 0 1 - 8 8 9 3 / 1 9 9 0 . 2 # Q ^ 0 0 7 . 0 9 y D ^ 0 0 7 .
DRT 1C- 6 4 9 2 1 / 2 0 0 4 . 2 ^ ^ 6 / 2 0 0 8 . 2 0 /5 /2 0 0 8 .
DRT 0 5 - 1 2 4 / 1 9 9 8 . 0 6 ^ 2 / 2 0 1 0 . 2 6 ^ 1 / 2 0 1 0 .
DRT 0 3 - 3 1 2 2 5 8 / 2 0 0 4 . 1 9 / 0 6 / 2 0 0 7 . 2 2 ^ 3 5 /2 0 0 7 .
” DRT 1 5 - 3 1 7 9 7 0 / 2 0 0 7 . 1 6 / 1 0 / 2 0 1 0 . 0 5 / 1 0 / 2 0 1 0 .

113
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES A T UAIS

Não bastasse, no caso o recebim ento da mercadoria im portada


ocorreu em 2002, quando já vigente e eficaz a lei ordinária estadual 11.001,
de 2001, apta a suportar a incidência fiscal, dado que, como cediço, compete
à lei ordinária do ente tributante a instituição de tributo, atribuição que não
é da lei complementar.
Ante 0 exposto, conheço e dou provimento ao recurso da Fazenda.
Convém ressaltar que o resultado, pelo conhecimento e provimento
do recurso especial interposto pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo,
se deu pelo voto de qualidade do Presidente do TIT, nos termos do artigo
61 da Lei n. 13.457/!2009^\ Vale dizer, não há se falar em consenso ou em
pacífica ju ris p ru d ê n c ia . O re su ltad o fo i o de em pate e n tre os votos
favoráveis e desfavoráveis à não tributação de operações de importação
realizadas após a EC n. 33/2001, mas antes da edição da Lei Complementar
n. 114/2002.
Ademais, data vênia do e n te n d im e n to vencedor, a alegada
"constitucionalização superveniente" das leis estaduais pela tributação do
ICMS im portação de não co ntribu in te s, ou da redação original da Lei
Complementar n. S7/96, apenas em decorrência da alteração promovida pela
EC n. 33/2001, não encontra suporte na tradição jurisprudencial constitucional
brasileira. Além do mais, o atropelo tem poral na edição da Lei estadual
paulista n. 11.001/2001, antes da edição da LC n. 114/2002, ou seja, editada
em momento anterior à aparição no ordenamento jurídico de enunciado
que lhe desse o respectivo suporte de validade, a meu ver, torna a questão
relativa à incidência do ICMS na Importação de bens de pessoas físicas e
jurídicas não contribuintes habituais do imposto, após a EC n. 33/2001, ainda
passível de discussão e longe de ser tratada como matéria pacificada pelo E.
Tribunal de Impostos e Taxas e pelo Poder Judiciário. A seguir.

4. A inexígibilidade do (CMS na importação de bens de pessoas físicas


e jurídicas não contribuintes habituais do imposto, após a EC n. 33/
2001. As recentes manifestações do STF

Com a edição da EC n. 33/2001 e a ampliação da sujeição passiva


c o n s titu c io n a l do ICMS na m odalidade im p o rta çã o , se encontrava
aparentemente legitimada a incidência do imposto, mesmo para aqueles
promoventes de operações de Importação de bens provenientes do exterior,
ainda que não contribuintes habituais da exação estadual.

A r t . 6 1. A s d e c is õ e s d a s C â m a ra s s e r ã o t o r n a d a s p o r m a io r i a d e v o t o s d o s ju i z e s p r e s e n te s . Em
c a so d e e m p a t e , p r e v a l e c e r á o v o t o d e q u a l id a d e d o P r e s id e n t e d a C â m a ra .

114
DIRE IT O T R IB U T Á R IO QUESTÕES ATUAIS

Foi essa a posição externada em várias decisões do TIT. No mesmo


caminho seguiram as decisões do Poder Judiciário, inclusive do Superior
Tribunal de Justiça®^
Entretanto, a alteração/ampliação do critério pessoal da regra-matriz
constitucional do imposto promovida pela EC n. 33/2001, dada a prescrição
expressa do artigo 146,111, "a" e 155, § 2^, inciso XII, alínea "a", "c" e “d", todos
da CR/88, impôs a necessária adequação da legislação infraconstitucional,
leia-se, lei complementar e lei ordinária estadual instituidora do imposto,
para fins de definição do fato gerador (hipótese de incidência), base de
cálculo e c o n trib u in te s do im p o sto , bem com o para re g ula r a não
cumulatividade ou o regime de compensação, a que se refere a alínea "c" do
inciso XII, do § 22, do artigo 155, II, da CR/88.
Na pretensão de exercer essa atribuição constitucional, foi editada a Lei
Complementar n. 114/2002 (LC n. 1 1 ^ 2 ) , responsável pela adequação da
ampliação do aspecto material e pessoal (passivo) do ICMS importação por
contribuinte não habitual, além de disciplinar o "estabelecimento responsável"
do importador não contribuinte, qual seja, o "domicílio do adquirente".
É de ressaltar, contudo, que o legislativo paulista, na pretensão de se
adequar a mudança ocorrida no plano constitucional, às pressas alterou a
legislação referente à tributação do ICMS na importação por não contribuinte,
por intermédio do artigo 19, inciso VII, da Lei n. 11.001, de 21 de dezembro
de 2001, responsável pela alteração da redação do artigo 1^, V, da Lei n.
6.37489; isto é, antes da edição da LC n. 114, de 16 de dezembro de 2002. Não
bastasse isso, o RICMS/2000, somente foi alterado com a edição do Decreto
Estadual n. 46.529, de 04.02.2002, cujo enunciado lhe atribuiu eficácia
retroativa, a partir de 22.12.2001!
Vale dizer, quando da edição da lei paulista (Lei 11.001/2001), esta
carecia de fundamento de validade, em face de ausência de lei complementar,
que de acordo com os artigos 146, III, "a" e 155, II, § 22, "a", "c" e "d", ambos da
CR/88, se fazia necessária para lhe conferir o devido suporte, de sorte a
legitimar a sua entrada válida no ordenamento jurídico.

« PROCESSUAL C IV IL . RECURSO E SPE C IA L IC M S , IM P O R T A Ç Ã O DE M E R C A D O R IA POR EMPRESA


PRESTADORA DE SERVIÇO, QUE NÃO É CONTRIBUINTE DO ICMS. PERÍODO POSTERIOR À VIGÊNCIA DA EC
3 3 / 2 0 0 1 . IN C ID Ê N C IA . 1. C o m a e n t r a d a e m v i g o r d a E m e n d a C o n s t i t u c i o n a l n . 3 3 d e 2 0 0 1 , q u e
a lt e r o u a r e d a ç ã o d o a r t . 1 5 5 , in c . II, §22, ix, " a ", h o u v e a m p l i a ç ã o d a s u je iç ã o p assiva t r i b u t á r i a ,
c u ja i n t e r p r e t a ç ã o c o n s i d e r o u c o m o c o n t r i b u i n t e d o i m p o s t o q u a l q u e r p e s s o a fís ic a o u j u r í d i c a
q u e , m e s m o s e m h a b itu a lí d a d e , i m p o r t e m e r c a d o r ia s d o e x te r io r , a in d a q u e d e s tin a d a s ao
c o n s u m o p r ó p r i o o u a o a t i v o p e r m a n e n t e d o e s t a b e l e c im e n t o . 2. D e s t a r t e , a j u r i s p r u d ê n c ia d o STJ
e STF, p assou a a d o t a r a o r ie n t a ç ã o s e g u n d o a q u a l a p ó s a v ig ê n c ia da EC 3 3 ,0 1 , o ICMS p assou a
i n c i d ir s o b r e a i m p o r t a ç ã o d e b e n s p o r p essoas físic as o u ju r í d ic a s , a in d a q u e n ã o c o n t r i b u i n t e s d o
i m p o s t o . 3 . R e c u r s o e s p e c ia l p r o v i d o . REsp 1 2 0 3 0 9 9 /R S . RECURSO ESPECIAL. 2 0 1 0 / 3 1 2 5 3 9 1 - 4 . 2§
T u rm a . M i n i s t r o M A U R O CAMPBELL M ARQUES. J. e m 16»09/2010. DJe 0 ^ /1 0 /2 0 1 0 .

115
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Não se trata aqui de defender a tese tricotômica®^ de necessária


edição de lei complementar, com vistas a dar suficiente suporte de validade
na edição da lei ordinária in s titu id o ra da hipótese de incidência dos
impostos, sem qualquer ressalva ou critério. 0 que se pretende, sim, é o
reconhecimento, que ao menos em matéria de ICMS, dado seu caráter
nacional e do necessário perfil não cumulativo exigido pela Constituição
Federal, a edição prévia de lei complementar editora de normas gerais é
sempre necessária e imprescindível para dar o devido suporte de validade à
lei ordinária instituidora do imposto.
Do mesmo m odo, não há se fa la r em co nstitu cio na liza ção
superveniente da legislação paulista pela edição posterior da LC n. 1 1 ^ 0 0 2 ,
diante da já pacífica e cinqüentenária jurisprudência do STF, no sentido de
que a lei editada em desconformidade com a Constituição Federal não pode
receber suporte de validade a posteriori, vez que o vício a atinge em seu
berço, fulminando inclusive a sua eficácia ab-rogativa em relação à legislação
então vigente, Foi o decidido e reafirmado pelo Plenário da Corte Suprema,

" A n a l is a n d o o a r t . 18, § 19, CF/&7, q u a n t o a o se u a lc a n c e e f u n ç ã o , d u a s c o r r e n t e s d e o p in iõ e s


d i s t i n t a s p a s s a r a m a d i s p u t a r e s p a ç o a c a d ê m ic o , U m a p r i m e i r a , e n t e n d e n d o q u e t a l d i s p o s i t i v o
m a n i f e s t a r i a t r ê s d i s t i n t a s f u n ç õ e s p a r a a lei c o m p l e m e n t a r : a) e m i t i r n o r m a s g e r a i s d e d i r e i t o
t r i b u t á r i o ; b ) d is p o r s o b r e c o n f li t o s d e c o m p e t ê n c i a e n t r e a U n iã o , os Estados, o D is t r it o F e d era l e
o s M u n ic íp io s ; e c) r e g u la r as lim ita ç õ e s c o n s t it u c io n a is a o p o d e r d e t r i b u t a r . É a c h a m a d a c o r r e n te
' t r i c o t ô m i c a ' . D u t r a v e r t e n t e d e p e n s a m e n t o , t o d a v ia , e a q u e m a is p r o s p e r o u d o u t r i n a r i a m e n t e ,
d e u o r i e n t a ç ã o d iv e r s a à q u e s t ã o , a l e g a n d o q u e a q u e l a v i s ã o t r i c o t ô m i c a p e c a r i a p o r p r a t i c a r
u m a h e r m e n ê u t i c a l i t e r a l , a o n ã o d e l i m i t a r o c o n t e ú d o d as n o r m a s g e r a is d e d i r e i t o t r i b o t á h o , o
q u e p o s s i b il i t a r ia a o le g i s la d o r d a U n i ã o c o m e t e r a g re s s õ e s a o s i s te m a f e d e r a t i v o e a o p r in c í p i o
da a u t o n o m i a d o s m u n ic íp io s , n a m e d id a q u e fic a r ia p e r m i t i d o à le g is la ç ã o c o m p l e m e n t a r p ro d u z ir ,
i n d i s c r i m i n a d a m e n t e , r e g r a s j u r í d i c a s q u e p e r p e t r a s s e m o r e c i n t o d as c o m p e t ê n c i a s o u t o r g a d a s
a os E s t a d o s - M e m b r o s , a t i n g i n d o o p a c t o f e d e r a t i v o , e i n v a d is s e m as p r e r r o g a t iv a s c o n s t it u c io n a i s
d e q u e u s u f r u e m o s M u n i c í p i o s , m a c u l a n d o o p r i n c í p i o d a a u t o n o m i a d o s m u n i c í p i o s . A d e m a is ,
p o r q u e os d ir e ito s f u n d a m e n ta is d o s c o n t r ib u in t e s n ã o p o d e r ia m ser re d u z id o s n o r e s p e c tiv o
a lc a n c e e c o n t e ú d o , a t í t u l o d e ‘d is p o r s o b r e l im ita ç õ e s c o n s t it u c io n a is a o p o d e r d e t r i b u t a r ' . C om o
v i s t o , a p r e v a l e c e r t a l e n t e n d i m e n t o , a q u e l e d a c o r r e n t e t r i c o t ô m i c a , t u d o e s t a r ia p e r m i t i d o ao
l e g i s la d o r c o m p l e m e n t a r , o q u e d e c e r t o n ã o se c o m p a t i b i l i z a r i a c o m t o d a a e s t r u t u r a d o s is te m a
i m p l a n t a d o p e la p r ó p r i a C o n s t i t u i ç ã o . Esta o r i e n t a ç ã o , c h a m a d a d e ‘d i c o t ô m i c a ’, p a u t a n d o - s e
n u m a c o m p r e e n s ã o s i s t e m á t ic a , d iz ia q u e o d is p o s i t i v o e m a n a l is e t e r i a a p e n a s u m a f i n a l i d a d e :
as leis c o m p l e m e n t a r e s s e r v ir i a m p a r a v e i c u l a r u n i c a m e n t e n o r m a s g e r a i s d e d i r e i t o t r i b u t á r i o ,
q u e e x e r c e r i a m d u a s f u n ç õ e s : i) d i s p o r s o b r e c o n f l i t o s d e c o m p e t ê n c i a e n t r e as e n t i d a d e s
t r i b u t a n t e s e ii) r e g u l a r as l i m i t a ç õ e s c o n s t i t u c i o n a i s a o p o d e r d e t r i b u t a r , C o m is s o, f i c a r i a m
r e s g u a r d a d o s os p r in c íp io s d o f e d e r a lis m o e da a u t o n o m i a d o s M u n i c í p i o s . M a s c o m o as
c o m p e t ê n c i a s são t o d a s p r iv a ti v a s e já e s tã o d i s t r ib u í d a s e os d i r e i t o s e g a r a n t i a s c o n s t it u c io n a i s
n ã o p o d e r ia m s o f r e r c o a r c t a ç õ e s p e l o le g i s la d o r i n f r a c o n s t i t u c i o n a l , e n t ã o s o b r a r i a m u i t o p o u c o
e s p a ç o p a r a s e r r e g u l a d o p e la s c h a m a d a s 'n o r m a s g e r a i s d e d i r e i t o t r i b u t á r i o ' . M e l h o r d iz e n d o ,
n e n h u m e s p a ç o , n a o p i n i ã o d e G e r a ld o A t a l i b a , se u m a i o r d e f e n s o r . " TÔRRES, H e l e n o T a v e ir a .
F u n ç õ e s d as leis c o m p l e m e n t a r e s n o s is te m a t r i b u t á r i o n a c io n a l - h i e r a r q u i a d e n o r m a s - p a p e l
d o CTN n o o r d e n a m e n t o . Revista D iá lo g o J u ríd ic o , Salvador, CAJ - C e n tr o d e A tu a liz a ç ã o J u ríd ic a , n.
10, j a n e i r o , 2 0 0 2 . D is p o n í v e l na I n t e r n e t : < h t t p : / / w / w w . d i r e i t o p u b l i c o . c o m . b r >. A c e s s o e m ; 2 5 de
m a r ç o d e 2 01 1 .

116
D IR E IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

no ju lg a m e n to do RE n. 357.950-9, no qual restou vencida a tese de


convalidaçâo da legislação editada sem fulcro constitucional, defendida pelo
então Ministro Eros Roberto Grau, nos termos do voto condutor do Ministro
Marco Aurélio:

A dm ita-se a inco n stitu cio n a lid a d e progressiva. No e n ta n to , a


c o n s titu c io n a lid a d e p o s te rio r c o n tra ria a o rd e m n a tu ra l das
coisas. A h ie ra rq u ia das fo n te s legais, a rigidez da Carta, a
revelá-la d o cum ento supremo, conduz à necessidade de as leis
h ie r a r q u ic a m e n te in fe r io r e s , o b s e rv a re m -n a sob pen a de
transm udá-la, com nefasta inversão de valores. Ou bem a lei
surge no c e n á rio ju ríd ic o em h a rm o n ia com a C o n s titu iç ã o
Federal, ou com ela co nflita, e aí, afigura-se irrita, nào sendo
possível 0 a p ro v e ita m e n to , co n siderado te x to constitu cio n a l
posterior e que, p o rta n to , à época não existia. Está consagrado
que 0 vício da constitucionalidade a de ser assinalado em face
dos parâm etros maiores, dos parâm etros da Lei Fundamental
existentes no m o m e n to em que aperfeiçoado o ato norm ativo.
( .. .)

Esse acórdão nada mais fez do que confirmar a já tradicional orientação


da Corte Suprema em relação ao tema, conforme se constata pela leitura de
ementa de acórdão julgado pelo Pleno e relatado pelo então Ministro Paulo
Brossard:

EMENTA: CONSTITUIÇÃO. LEI ANTERIOR QUE A CONTRARIE.


REVOGAÇÃO. INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE.
IMPOSSIBILIDADE. 1. A lel ou é constitucional ou não é lei. Lei
inconstitucional é uma contradição em si. A lei é constitucional
quando fiel à Constituição; inconstitucional na m edida em que
a desrespeita, dispondo sobre o que lhe era vedado. 0 vício da
inconstitucionalidade é congênito à lei e há de ser apurado em
face da Constituição vigente ao te m p o de sua elaboração. Lei
a n te rio r não pode ser inconstitucional em relação à Constituição
superveniente; nem o legislador poderia in frin g ir Constituição
fu tu ra . A C onstituição sobrevinda não to rn a inconstitucionais
leis anteriores com ela conflitantes: revoga-as. Pelo fa to de ser
s u p e rio r, a C o n s titu iç ã o n ã o d e ix a de p r o d u z ir e fe ito s
re v o g a tó rio s . Seria iló g ic o q u e a lei fu n d a m e n ta l, p o r ser
suprema, não revogasse, ao ser prom ulgada, leis ordinárias. A
lei m aior valeria menos que a lei ordinária. 2. Reafirmação da
antiga jurisprudência do STF, mais que cinqüentenária. 3. Ação
d ire ta de que se não conhece p o r im possibilidade jurídica do
p e d id o . ADI 2 /D F - DISTRITO FEDERAL. AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. R elator: M in . PAULO BROSSARD.
Julgamento: 0 ^ 2 / 1 9 9 2 . Tribunal Pleno.

117
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

Ademais, é de se observar que a alteração às pressas da antiga redação


do inciso V, do artigo 19, da lei n. 6.374^9, promovida pela Lei 11.001, de 21/
12/2001, logo após a edição da EC n. 33/2001 e antes da LC n. 1 1 ^ 0 0 2 , traduz
o reconhecimento, pelo Estado de São Paulo, da ausência de enunciado
legal hábil a suportar a exigência do ICMS nas importações realizadas por
não contribuintes habituais do imposto. Se não, qual seria a razão da alteração
pelo legislativo paulista da redação do enunciado legal logo após a alteração
constitucional, se, de acordo com a tese vencedora na Câmara Superior do
TIT, a redação antiga do inciso V, do artigo 1^, da Lei n. 6 .3 7 ^ 9 (e redação
original do artigo 1^, § 1?, inciso I, da Lei Complementar n. 87/96), por não ter
sido retirada do ordenamento jurídico, pelo STF, mostrava-se hábil a embasar
a incidência fiscal?
A comparação entre a redação original e a modificação promovida
pela Lei n. 11.001/2001, ao inciso V, do artigo 1^ da lei paulista (Lei n. 6.374/
89), por si só é suficiente para reconhecer que a ampliação da sujeição passiva
do ICMS nas operações de importação, somente se deu, no plano estadual,
e sem fundamento em norma geral de âmbito nacional, após a publicação
da Lei n. 11.001/2001. O acréscimo feito ao enunciado da expressão “ {...)
qualquer que seja a sua finalidade;", coloca à toda evidência a intentio
legislatoris em incluir como sujeitos passivos do im posto estadual, nas
operações de importação, contribuintes não habituais do ICMS, antes
excluídos do polo passivo nessa modalidade de exigência do imposto.
Logo, não há se falar em lei ordinária estadual (redação antiga do
inciso V, do artigo i s da Lei n. 6.374/89®^) e lei com plem entar nacional
(redação original do artigo 19, §19, inciso I, da LC n. 87/96), a suportar a
exigência do ICMS nas importações por não contribuintes. Se de fato não
houvesse a necessidade de u lte rio re s alterações legislativas
infraconstitucionais, após o advento da EC n. 33/2001, por que então tanto a
lei paulista quanto a norma geral de âmbito nacional foram modificadas?
Sob outro ponto de vista, não há como admitir que a legislação paulista
tenha sido editada com vistas a exercer a com petência suplem entar
outorgada pelos §§ 29, 3^ e 49, do art. 24, da CR/88, de sorte a possibilitar o
exercício de sua competência plena, até a superveniência da respectiva
legislação complementar. Explico.

A r t . 12, 0 I m p o s to s o b r e O p e ra ç õ e s R ela tivas à C irc u la ç ã o d e M e r c a d o r ia s e s o b re Pre sta çõ es de


S e rv iç o s d e T r a n s p o r te I n t e r e s t a d u a l e I n t e r m u n i c i p a l e d e C o m u n ic a ç ã o - ICMS in c id e s o b r e : (...)
" V - e n t r a d a d e m e r c a d o r ia i m p o r t a d a d o e x t e r i o r p o r p essoa física o u ju r í d i c a , a in d a q u e se t r a t e
de b e m d e s t i n a d o a c o n s u m o o u a t i v o p e r m a n e n t e d o e s t a b e l e c i m e n t o ; " [R e d a ç ã o A n t i g a d a d a
p e la Lei n. 1 0 . 6 1 9 d e 1 9 . 0 7 . 2 0 0 0 ) . (...) V - e n t r a d a d e m e r c a d o r ia s o u b e m , i m p o r ta d o s d o e x te r io r
p o r p essoa físic a o u j u r i d ic a , q u a l q u e r q u e se ja a sua f i n a l i d a d e ; " (r e d a ç ã o d a d a a o in c is o p ela Lei
11. 001 / 2001 ).

118
D IR E IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Tais dispositivos constitucionais têm por finalidade evitar que a inércia


do Congresso Nacional, na edição de normas gerais nacionais, obste o
exercício pleno da competência legislativa dos Estados e do DF, em prejuízo
à autonomia que estes receberam da CR^8. Ademais, trata-se de enunciado
constitucional geral, aplicável a toda sorte de situações, inclusive, em matéria
tributária, e.g., a exigência de IPVA pelos Estados e DF, sem que haja até a
presente data edição de lei complementar editora de normas gerais.^®
Entretanto, a aplicação dos §§ 2^, 3^ e 4^ do art. 24 da CR/88 não
prescinde da interpretação sistemática e em harmonia com os artigos 155, §
2^, inciso XII, alínea "a" e " i" e 146, III, "a", todos da CRjSS, cujos enunciados
exigem a prévia edição de lei complementar para dispor e evitar conflitos
de competência em matéria tributária entre os entes da federação, bem
como, dispor a respeito do fato gerador, base de cálculo, contribuintes e
especialmente sobre o regime de compensação do imposto, na hipótese de
ampliação do campo de sujeição do ICMS. Isso porque, dado o perfil nacional
do ICMS, determinadas regras, mormente aquelas que visam evitar conflitos
de co m petência e n tre os entes federados, tais como d e fin iç ã o de
estabelecimento e regime de compensação do imposto, devem ser uniformes
para todos os Estados (e DF). Daí a impossibilidade da edição de legislação
ordinária sem que haja disciplina prévia dessas matérias por normas gerais
de âmbito nacional.
Se não, como tributar o ICMS importação, sem saber qual o conceito
de estabelecimento a ser adotado, dado o critério de competência adotado
pela CR/88, pelo qual o Estado competente para trib u ta r é o da unidade
federada onde estiver localizado o estabelecimento importador? Ou então,
como se dará o sistema de abatimento de débitos e créditos, se não há
operações seguintes sujeitas ao imposto na hipótese de importação por não
contribuinte?
Isso quer dizer que os Estados (e DF) ficam impedidos de, a pretexto
de exercer a sua competência trib u tá ria plena em relação ao ICMS na
modalidade importação, editar legislação própria, sem aguardara necessária
edição de norma geral a ser editada por lei com plem entar. Qualquer
interpretação em sentido co ntrá rio im plicaria em a d m itir a criação de

M o s t r a - s e c o n s t i t u c i o n a l a d is c i p li n a d o I m p o s t o s o b r e P r o p r i e d a d e d e V e íc u lo s A u t o m o t o r e s
m e d i a n t e n o r m a lo c a l. D e ix a n d o a U n iã o d e e d i t a r n o r m a s g e ra is , e x e r c e a u n i d a d e d a fe d e r a ç ã o
a c o m p e tê n c ia le g is la tiv a p le n a - § 32 d o a r ti g o 2 4 , d o c o r p o p e r m a n e n t e da Carta d e 1 98 8 -, se nd o
q u e , c o m a e n t r a d a e m v i g o r d o s i s te m a t r i b u t á r i o n a c i o n a l , a b r i u - s e à U n i ã o , a o s E s ta d o s , a o
D i s t r it o F e d e ra l e aos M u n i c í p i o s , a v ia d a e d iç ã o d e leis n e c e s s á ria s à r e s p e c tiv a a p lic a ç ã o - § 3S
d o a r ti g o 3 4 d o A t o das D is p o s iç õ e s C o n s titu c io n a is T r a n s it ó r ia s d a C arta d e 1 98 8 . A l 1 6 7 7 7 7 A g R /
SP - SÃO PAULO. AG. REG. NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. R elato r: M i n . MARCO AURÉLIO. Ju lg a m e n to :
0 4 0 3 / 1 9 9 7 . S e g u n d a T u r m a d o STF.

119
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

c o n flito s de com petência insolúveis, te n d o como conseqüência, por


evidente abalo ao princípio federativo, a inexigibllidade do Imposto.
Por idêntica razão, o STF quando provocado, decidiu ser o extinto
AIRE - adicional estadual do imposto de renda - inconstitucional, conforme
se depreende de trecho abaixo transcrito:

Adicional estadual do im posto sobre a renda (art. 155, II, da CF).


Impossibilidade de sua cobrança, sem previa lei complementar
(a rt. 146 da C.F.). sendo ela m aterialm en te indispensável a
dirimencia de conflitos de competência en tre os estados da
federação, não bastam, para dispensar sua edição, os permissivos
inscritos no art. 24, par. 3., da Constituição e no art. 34, e seus
pa rá g ra fo s , do ADCT. Recurso e x tr a o rd in á r io p ro v id o para
declarar a inconstitucionalidade da lei n. 1.394, de 2-12-88, do
Estado do Rio de Janeiro, concedendo-se a segurança. RE 136215/
RJ - Rio de Janeiro. Recurso extraordinário. Relator: Min. Octavio
Gallotti. Julgamento: 18^02/1993. Tribunal Pleno, (grifos meus).

Ainda que mediante licença exegética, os argumentos acima expostos


não sejam suficientes para reconhecer a inexigibllidade do ICMS na operação
de importação por não contribuinte, mesmo após a EC n. 33/2001, de modo a
adm itir a possibilidade de convalidação da legislação paulista pela edição
superveniente da LC n. 114(2002, com fulcro nos §§ 2^, 39 e 4^ do art. 24 da
CR/88, identifico outro óbice intransponível para fins de legitimação da
incidência da exação estadual nessa modalidade.
Com efeito, as decisões do STF que levaram à edição da Súmula n. 660
se apegaram basicamente a três fun d am en tos para decretar a
inconstitucionalidade da exação: a) impossibilidade de se atribuir a qualidade
de sujeito passivo de imposto a pessoa física ou jurídica, contribuinte não
habitual, por ausência de previsão expressa na Constituição Federal; b) no
caso da pessoa física, o agravante de esta não possuir estabelecimento, nos
termos do artigo 1.142 do CC/2002, e; c) ausência de integração legislativa que
venha a dispor sobre a forma de compensação do imposto, de modo a conferir
efetividade ao princípio constitucional da não cumulatividade da exação.
Pois bem.
Em relação à ausência de disposição expressa no enunciado
constitucional a respeito da sujeição passiva de pessoas físicas e jurídicas
não contribuintes habituais do ICMS, não há mais nada a se falar. A nova
redação dada ao inciso XI, alínea "a" pela EC n. 33/2001^ sepulta qualquer

” " ( ... } IX ■ i n c id ir á t a m b é m : a) s o b r e a e n t r a d a d e b e m o u m e r c a d o r ia im p o r t a d o s d o e x t e r i o r p o r
pessoa física ou ju rídica, a ind a q u e não seja c o n trib u in te hab itu a l d o im posto, q u alq u e r q u e seja a sua
fin aiid a d e , assim c o m o so bre o serviç o p restad o n o e xte rio r, c a b e n d o o im p o s to a o Estado o n d e e s tiver
s i t u a d o o d o m i c í l i o o u o e s t a b e l e c im e n t o d o d e s t in a t á r i o d a m e r c a d o r ia , b e m o u s e r v iç o (...).

120
D IR E IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT UAIS

discussão nesse sentido. Do mesmo modo, a definição de estabelecimento


dada pela Lei Complementar n. 114(2002, em especial no caso da importação
por pessoas físicas, também supre uma das razões que levaram a Corte
Suprema a reconhecer a invalidade da exigência. Entretanto, a ausência de
solução a respeito de como o princípio da não cumulatividade do ICMS será
prestigiado na hipótese de Importação por não contribuinte do imposto,
não foi resolvida pela EC n. 33/2001, pela LC n. 114/2002, muito menos pela
legislação paulista, se admitido o exercício de sua competência suplementar.
Vale dizer, um dos fundamentos que levaram o STF a pacificar a sua
jurisprudência em relação ao tema ainda persiste e continua vivo e latente,
qual seja, ausência de integração legislativa que venha a dispor sobre a forma
de compensação do Imposto, de modo a conferir efetividade ao princípio
constitucional da não cumulatividade do ICMS na modalidade importação.
E mais: nem lei paulista, lei complementar ou emenda constitucional
são capazes de solucionar esse obstáculo já reconhecido pelo STF, de modo
a legitimar a incidência do iCMS na importação. Isso fica claro nas recentes
decisões da Corte Suprema referentes a fatos geradores ocorridos antes da
edição da EC n. 33/2001, e - por que não - diante da rejeição de proposta de
alteração da redação da Súmula n. 660 pelo STF:

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO.


CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. PRESTADOR DE SERVIÇOS. EXIGÊNCIA
DE PAGAMENTO DO ICMS POR OCASIÃO DO DESEMBARAÇO
ADUANEIRO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A incidência do ICMS na
im portação de mercadoria te m com o fa to gerador operação de
natureza m ercantil ou assemelhada. Inexigibilidade do imposto
qu a n d o se tr a ta r de bem im p o rta d o p o r pessoa física ou por
entidade prestadora de serviço. 2. Princípio da não-cumulatividade
do ICMS. Importação de bens realizada por entidade que, sendo
p re s ta d o ra de se rviço , não é n ã o - c o n tr ib u in te do t r ib u t o .
Inocorrência do fa to gerador do trib u to e, conseqüentemente,
inexigibilidade da exação. 3. Hipótese anterior à promulgação EC
33/^001, que, embora tenha previsto a possibilidade de cobrança
do ICMS na im portação nas operações efetuadas p or quem não
seja c o n t r ib u in t e h a b itu a l do im p o s to , não prescin d e de
integração legislativa para disciplinar a realização da compensação
do tributo, de modo a conferir efetividade ao princípio constitucional
da não-cumulatividade da exação. Agravo regimental não provido.
RE 4 0 1 5 5 2 AgR/SP - SÃO PAULO. AG.REG.NO RECURSO
EXTRAORDINÁRIO. Relator Min. EROS GRAU. Julgamento: 21X39/2004.
Primeira Turma, (grifos meus).

Convém transcrever trecho do voto do então M inistro Eros Grau, a


re fle tir a questão da ausência de legislação integ ra tiva do regime de

121
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

compensação do ICMS, na hipótese de operação de importação realizada


por não contribuinte:

Por o u tro lado, é de ser o b servado que so m e n te a previsão


co n stitucional de incidência do ICMS, m esm o na hipótese de
operação realizada p o r não c o n trib u in te habitual do im posto,
na im portação do e xte rio r po r pessoa física ou jurídica, não é o
b a s ta n te em si para le g itim a r a e x ig ib ilid a d e da exação. É
imprescindível, ante os princípios que se apóia o ICMS, a edição
de legislação ordinária disciplinado a maneira como será realizada
compensação, ten d o em consideração a necessidade de ser
observado o princípio da não-cum ulativade do ICMS, o que não
se tem na espécie. (...)". (Grifos meus.)
0 P le n á rio do S u p re m o T rib u n a l Federal, ao a p re c ia r o Al
715.423'QO/RS, Rei. M in . ELLEN GRACIE, firm o u e n te n d im e n to ,
p o s te rio rm e n te c o n firm a d o no ju lg a m e n to do RE 540.410-Q O /
RS, Rei. M in . CEZAR PELUSO, no s e n tid o de que ta m b é m se
aplica o d isp o s to no a rt. 543-B do Código de Processo Civil
aos re c u rs o s d e d u z id o s c o n tra a có rd ã o s p u b lic a d o s a ntes
de 03 de m a io de 200 7 e q u e v e ic u le m te m a e m relação ao
qu a l já fo i re c o n h e c id a a e xis tê n c ia de re p e rc u s sã o geral.
Esta Suprem a Corte, em sessão realizada p o r m e io e le trô n ico ,
apreciando o RE 594.996/RS, Rei. M in . EROS GRAU, reconheceu
e xiste n te a repercussão geral da q u estão c o n s titu c io n a l nele
suscitada, e que co incide, em to d o s os seus aspectos, com a
mesma c o n tro vé rsia ju ríd ic a ora versada na p re se n te causa.
0 te m a o b je to do recurso e x tra o rd in á rio re p re s e n ta tiv o de
m e ncionada c o n tro v é rs ia ju ríd ica , passível de se re p ro d u z ir
em m ú lt ip lo s f e it o s , re fe r e - s e à d is c u s s ã o e m t o r n o da
incidência, ou não, de ICMS na im p o rta ç ã o , após a edição da
EC n.5 33/2001, de bens e /o u m ercadorias p o r pessoa física
o u ju r íd ic a que não seja c o n tr ib u in te d o re fe r id o t r ib u t o .
Sendo assim, e pelas razões expostas, afa sto o s o b re s ta m e n to
d e s ta c a u s a , d o u p r o v i m e n t o a o p r e s e n t e a g r a v o de
in s tru m e n to , para a d m itir o recurso e x tra o rd in á rio a que ele
se refere, e, nos te rm o s do a rt. 328 do RISTF, na redação dada
pela Emenda R egim ental n.2 21/2007, d e te rm in o a devolução
dos presentes a utos ao T ribunal de orig e m , para que, neste,
seja o b s e r v a d o o d is p o s t o no a r t . 5 4 3 -B e re s p e c tiv o s
parágrafos do CPC (Lei n.® 1 1 . 4 1 ^ 0 0 6 ) . P ublique-se. Brasília,
18 de ju n h o de 2009. M in is tro CELSO DE MELLO Relator. Al
6 5 0 9 8 2 /M G - M INAS GERAIS. AGRAVO DE INSTRUMENTO.
Relator: M in . CELSO DE MELLO. Julgam ento: 1 ^ 6 ^ 0 0 9 . No
m e s m o s e n tid o RE 5 8 6 8 9 4 ED/RS - RIO GRANDE DO SUL.
EMB.DECL.no RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator M in . CELSO
DE MELLO. Julgam ento; 1 8 ^6/2009.

122
D IRE IT O T R IB U T Á R IO QUESTÕES ATUAIS

Não por outra razão, o STF (tema 171), nos autos do RE n. 594.996,
decidiu reconhecer a repercussão geral sobre a alegada inconstitucionalidade
do ICMS importação por não contribuinte após a EC n. 33/2001^°°.
Mesmo após o reconhecimento da repercussão geral sobre o tema, o
Plenário do STF reiniciou, em 16 de dezembro de 2010, julgamento de dois
recursos extraordinários (RE n. 439.796 e RE n. 474.267, Rei. Ministro Joaquim
Barbosa), adiado por pedido de vista do M inistro Dias Toffoli^°\ Nesses
recursos, a discussão versa sobre a necessidade da edição de legislação
complementar e local com vistas a suportar a ampliação da sujeição passiva
constitucional no ICMS modalidade importação, após a EC n. 33/2001. 0 voto
vista apresentado reconhece a possibilidade da incidência do ICMS sobre
operações de importação de bens realizadas por pessoas jurídicas que não
se dedicam habitualmente ao comércio, após a vigência da EC n. 33/2001;
e n tre ta n to , faz expressa ressalva q uanto à necessidade de prévia lei
complementar editora de normas gerais a dispor sobre a nova modalidade
de tributação e pela ausência, no caso em julgamento, de legislação local
"(.••) pora dar concreçao à ampliada competência tributária’'.
De acordo com o Informativo 613 do STF, o Ministro Dias Toffoli;

"(...) A sseverou que a p r ó p r ia C o n s titu içã o f a r ia m e n çã o à


exigência de lei com plea^entar p a ra d isciplinar a cobrança do
referido trib u to (...)", bem com o "(...) Assinalou que se deveria
exam in a r se a LC 87/96 seria co m patível com a am pliação da
hipótese de incidência do ICMS na im porta çã o veiculada pela EC
33/2001 e se h a ve ria legislação re g io n a l in te g ra d o ra a p ta a
viabilizar a cobrança do im posto nas operações de im porta çã o de
bens efetuadas p o r pessoas físicas ou jurídicas não comerciantes".
Para o M in istro: "(...) som ente com o advento da LC 114/2002 —
mais de 1 ano após a e n trada em vigor da EC 33/2001 teriam
sido definidos os aspectos da hipótese de incidência do ICMS, a
re c a ir ta m b é m sobre os bens im p o rta d o s , seja q u a l f o r sua
fin a lid a d e " . Para e n tã o , e n fa tiz a r: "(...) que, na espécie, as
operações te riam sido efetuadas em d a ta a n te rio r à m odificação
da LC 87/&6 pela LC 114/2002, o que to rn a ria m insubsistentes as
exaçôes. Rejeitou, ta m b é m , a possib ilid a d e de utiliza çã o das
normas estaduais anteriorm ente editadas sobre o tema, porquanto
possuiriam como fu n d a m e n to de validade a LC 87/^6".

EM ENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA, ICMS, EC 3 3/2 0 0 1 , 0


d e b a t e t r a v a d o n o s p r e s e n te s a u t o s diz c o m a in c id ê n c ia d e ICMS na i m p o r t a ç ã o d e e q u i p a m e n t o
m é d ic o p o r s o c ie d a d e c iv il n ã o - c o n t r i b u i n t e d o im p o s to , a p ó s a E m e n d a C o n s ti tu c i o n a l n, 3 3/2 0 0 1 ,
q u e c o n f e r i u n ov a re d a ç ã o a o d is p o s to n o a r t i g o 155, § 2 ^, IX, a lín e a "a ", d a C o n s titu iç ã o d o Brasil,
R e p e r c u s s ã o G e r a l r e c o n h e c i d a . R E /5 9 4 9 9 6 . 1 3 / 0 6 / 2 0 0 9 -
^ i n f o r m a t i v o STF n. 613.

123
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

0 julgamento, após a leitura do voto vista do Ministro Dias Toffoli, foi


adiado a pedido do Relator, Ministro Joaquim Barbosa, em 16/12/2010.
Pela leitura das informações contidas no Inform ativo 613, é de se
observar que o voto vista do M inistro Toffoli, reconhece expressamente
que a ampliação da sujeição passiva constitucional do ICMS importação
demanda a adequação de legislação complementar e da legislação local. E
mais, admite expressamente que a legislação editada pelos Estados antes
da modificação da LC n. 87/^6 pela LC n. 114/2002, carece de suporte de validade
suficiente para embasar a exigência do ICMS de não contribuintes habituais
do ICMS.

4. Conclusão

É de se reconhecer que a jurisprudência do TIT e dos Tribunais


Superiores em relação à matéria, está longe de ser considerada pacífica.
O único julgado administrativo no qual foram analisados Importantes
aspectos da importação por não contribuintes após a EC n. 33/2001, em
especial a questão re la tiva à necessidade da prévia edição de lei
com plem entar, a regular a inequívoca am pliação da sujeição passiva
constitucional, foi decidido por voto de qualidade do Presidente do TIT.
Ademais, a fundamentação utilizada se baseou na validade da antiga redação
do inciso V, do artigo 1^, da Lei n. 6.374^9, editada com fulcro na redação
original do artigo 19, § l@, inciso I, da Lei Complementar n. 87/^6.
Logo, é de se concluir que, a depender do desfecho do julgamento
dos recursos extraordinários n. 439.796 e 474.267, e do RE n. 594.996, cuja
repercussão geral restou reconhecida pelo STF (Tema 171), a Súmula n. 7 do
TIT poderá ser revista ou até mesmo cancelada.
Não tenho dúvidas de que a simples alteração da redação do inciso IX,
alínea "a", do § 2^, do artigo 155, II, da CR/88, isoladamente, não é causa
suficiente para legitim ar a incidência do ICMS na im portação por não
contribuintes habituais do imposto {pessoas físicas e jurídicas).
Tanto isso é verdade que as discussões quanto à constitucionalidade
da EC n. 33/2001, frente aos princípios da não cumulatividade e da necessidade
de edição prévia de lei complementar, a legitimar a edição de lei estadual
ampliativa da sujeição passiva do imposto, ainda não foram objeto de decisão
definitiva pelo STF, e, no âmbito administrativo estadual, ainda prevalece
decisão dividida da Câmara Superior do E. TIT.
Entendo que, mesmo após a "correção da ju ris p ru d ê n c ia
constitucional", proporcionada pela EC n. 33/2001, a Súmula STF n. 660 se
encontra em plena vigência, sem qualquer limitação temporal à sua aplicação,
ao menos até que sobrevenha decisão do STF em sentido contrário, no RE n.
594.996, submetido ao rito da repercussão geral.

124
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

Mesm o que o re su ltad o seja pela lim ita çã o te m p o ra l à


Intributabilidade do ICMS importação de não contribuintes, até a edição da
EC n. 33/2001, deverá ser observada, para fins de exigência do imposto pelos
Estados e DF, a correta adequação da legislação local a ser realizada após as
mudanças proporcionadas pela LC n. 114^002.

125
D IR E IT O T R IB U T Á R IO : Q U E S T Õ E S A T U A IS

ASPECTOS CONSTITUCIONAIS DO DIREITO DE CRÉDITO NO


ICMS

Gustavo Ventura^^^

1. Introdução

O p re s e n te e s tu d o t e m o o b je t iv o d e t r a t a r da n â o -c u m u la tiv d a d e do
ICMS e suas im p lic a ç õ e s nas re la ç õ e s ju r íd ic a s fir m a d a s e n t r e o FISCO e o
c o n t r ib u i n t e . Ir e m o s e s c r e v e r as su a s p r in c ip a is c a r a c te r ís tic a s , a lé m d e
a n a lis a r o e n t e n d i m e n t o d o s T rib u n a is S u p e rio r e s s o b re as g a ra n tia s e os
lim ite s d o uso d e d ir e it o d e c ré d ito .
0 a r t ig o 1 5 5 da C o n s t it u iç ã o tr a z o f u n d a m e n t o c o n s titu c io n a l q u e
g a ra n te o d ir e it o d e c r é d ito n o â m b it o d o ICMS:

" A r t.155. C om pete aos Estados e ao D is trito Federal in s titu ir


im postos sobre:
II - operações relativas à circulação de m e rcadorias e sobre
p re s ta ç õ e s de s e rv iç o s de tr a n s p o r t e in t e r e s t a d u a l e
interm unicipal e de comunicação, ainda que as operações e as
prestações se iniciem no exterior;
§ 2.2 0 im posto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
I - será não-cum ulativo, compensando-se o que fo r devido em
cada o p e ra ç ã o r e la tiv a à c irc u la ç ã o de m e r c a d o r ia s ou
prestação de serviços com o m o n ta n te cobrado nas anteriores
pelo mesmo ou o u tro Estado ou pelo D istrito Federal;
II - a isenção ou não-incidência, salvo determ inação em contrário
da legislação:
a) não im plicará c ré d ito para compensação com o m o n ta n te
devido nas operações ou prestações seguintes;
b) a c a rre ta rá a a n u la çã o do c ré d ito re la tiv o às o p e ra çõ e s
a n te riores;
XII - cabe à Lei Com plementar:
c) disciplinar o regime de compensação do imposto;
f) p re v e r casos de m a n u te n ç ã o de c ré d ito , re la tiv a m e n te à
remessa para o u tr o Estado e e xp o rta çã o para o e xterior, de
serviços e de mercadorias;"

^ M e s t r e e m D ir e i t o T r i b u t á r i o p e la PUC/SP. E s p e c ia lis ta e m D i r e i t o T r i b u t á r i o In t e r n a c io n a l p ela


U n i v e r s id a d e d e S a n t ia g o d e C o m p o s t e la , E s p a n h a . P r o fe s s o r d e D i r e i t o T r i b u t á r i o d a F a c u ld a d e
M a r is t a . M e m b r o d a C o m is s ã o E special d e D ir e i t o T r i b u t á r i o d o C o n s e lh o F e d e ra l d a OAB.

127
DIRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES ATUAtS

Tais preceitos encontram-se vigentes há mais de vinte anos, todavia


ainda existe espaço para a doutrina e a jurisprudência tratarem dos seus
termos. 0 que propomos aqui é a análise da não-cumulatividade do ICIVIS
sem a atribuir-lhe a característica de príncípio, característica atribuída pela
maioria da doutrina, o que necessariamente traz conseqüências sob a ótica
da aplicação do seu conteúdo.

2. Não-cumulatividade: Princípio Constitucional?

A Constituição do Brasil é da categoria das rígidas e como tal demarca,


explicita ou implicitamente, todos os valores e preceitos que os legisladores
e a sociedade em geral devem cumprir.
Podemos tra tar os princípios como valores existentes, implícita ou
explicitamente na Constituição Federal, que irradia os seus efeitos por todo
0 ordenamento jurídico, de forma a impor, quando da criação das proposições
normativas e nas relações jurídicas, os seus comandos.
Para verificarmos se estamos diante de uma norma constitucional ou
um princípio constitucional, o português Joaquim Gomes Canotilho traz os
seguintes elementos diferenciadores^®^:

"(I) 0 grau de abstração, o que leva a não acentuar a diferença


q u a lita tiv a e n tr e p rin c íp io s e n o rm a s, e a in s is tir no grau
te n d e c ia lm e n te mais a b stra c to dos p rincípios em relação às
normas;
(II) o grau de d e te rm in a b ilid a d e de aplicação é um c rité rio
c o n d u c e n te à id é ia de n e ce s s id a d e de c o n c re tiz a ç ã o dos
p rincípios em com p a ra çã o com a possibilidade de aplicação
directa das normas;
(III) o co n te ú d o de inform a çã o é um c rité rio que conduz, em
geral a se p a ra r os p rin c íp io s a b e rto s ou in fo rm a tiv o s , sem
densidade de aplicação concreta, e as normas, com disciplina
ju r íd ic a im e d ia ta p a ra d e te r m in a d o s " T a tb e s ta n d e " ou
pressupostos de facto;
(IV) o c rité rio de separação radical aponta para uma rigorosa
distinção qualitativa, quer q u anto à e strutura lógica, que quanto
à ite n cionalidade norm ativa."

Ao fa la rm o s dos p rin c íp io s , devem os tr a ta r da sua aplicação


efetiva no m undo ju ríd ic o , pois os seus valores, geralm ente, são de

D i r e i t o C o n s t i t u c i o n a l , pág. 1 1 9 , 4 ^ E d iç ã o , 1 98 9 , E d it o r a A i m e d i n a .

128
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

difícil determinação. Por não existir um te o r prescritivo objetivo, a sua


aplicação, m uitas vezes, é ignorada pelo legislador, pela autoridade
a dm inistrativa e tam bém por mem bros do Poder Judiciário, que não
ra ro o p ta m pela "s e g u ra n ç a " de uma n o rm a , a inda que
in fra c o n s titu c io n a l.
Essa breve introdução, sobre o papel dos princípios dentro do sistema
do d ire ito p ositivo , nos p e rm ite avançar sobre o alcance da não-
cumulativtdade.
A Constituição Federal determina a aplicação da não-cumulatividade
em relação ao ICMS, ao IPI (inciso II, do § 3^, do art. 153), o PIS e a COFINS (§
12, do art.195).
Assim, enco n tram os em q u a tro trib u to s a previsão da não-
cumulatividade. Porém, chamamos a atenção que não estamos falando de
uma não-cumulatividade, pois a Constituição estabelece características
específicas de aplicação em cada tributo.
Por outro lado, a maioria dos tributos incidem em cascata, a exemplo
do ISS, do IRPJ, da CSLL, das contribuições previdenciárias etc. Assim, a própria
constituição afasta a não-cumulatividade como preceito universal dentro do
Sistema Tributário Nacional.
A nossa pretensão é chamar atenção para o fato da não-cumulativade
não apresentar os requisitos necessários para se considerado princípio
c o n s titu c io n a l. G rande p a rte da boa d o u trin a co m e te o equívoco
in te r p r e ta tiv o ao cla s s ific a r a n ã o -c u m u la tiv id a d e com o p rin c íp io
constitucional, o que em nossa opinião gera distorções nas investigações
de seu conteúdo.
Muitas vezes, o termo princípio é utilizado para vários mandamentos,
constitucionais ou não, sem uma maior atenção para a sua importância
axiológica. Ora, isso é o mesmo que simplificar ou retirar a sua importância.
Para que certa determinação constitucional seja considerada princípio é
necessário que existam valores que à Constituição pretende defender ampla
e irrestritamente.
De certo, existem princípios, normas e proposições jurídicas na
Constituição. 0 mais difícil é reconhecer quando determ inada norma
constitucional é também princípio. Esse ato de valoração cabe ao intérprete
e, em última instância, aos Tribunais.
Uma das formas de verificar se determinada previsão constitucional
é ou não princípio, seria especular sobre as conseqüências geradas com o
seu descumprimento. Se ao não atendermos aos preceitos de determinada
norma co n s titu c io n a l, a e s tru tu ra de d ire ito p ositivo fosse abalada,
gerando situações que poderiam levar, em última conseqüência, a perda

129
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

do seu caráter autopoético, estamos diante de um p r i n c í p i o . S e tal


situ açã o não o c o rre , podem os a firm a r a e xistência de uma mera
inconstitucionalidade. De fato, o caráter autopoético do Direito desaparece
quando os seus princípios são descumpridos com frequência.
Vamos exemplificar o nosso entendimento. Se um Ministro de Estado
deixar de apresentar o relatório anual das ações do seu Ministério ao Presidente
da República estará cometendo uma inconstitucionalidade, por violar o inciso
III, do parágrafo único, do art. 87 da Constituição. Porém, sua omissão não
desestabiliza o sistema de direito positivo. Mesmo que nenhum ministro tenha
obedecido até hoje tal determinação, esse descumprimento não traria maiores
problemas. Mas se a igualdade, a segurança jurídica forem sistematicamente
violadas, o direito certamente perderia o seu caráter autopoético, trazendo
inúmeros problemas para o Estado Democrático de Direito. Princípios são os
valores fundamentais para o sistema de direito positivo.
Assim, encontra-se em qualquer princípio, necessariamente, uma
carga axiológica de m a io r intensidade, onde o seu descu m p rim en to
não seria um m ero p ro b le m a de e ficácia do d ire ito , mas algo que
colocaria em xeque o p ró p rio d ire ito . Não acre dita m o s que a não-
cum ulatividade possua tal relevância e afastamos a ideia de caracterizá-
la como principio.
É oportuno citar a opinião de Paulo de Barros Carvalho, que apesar de
interpretar a não-cumulatividade como princípio, descarta a possibilidade
de ser um valor^°^:

" 0 princípio da não-cum ulatividade dista de ser um valor. É um


"lim ite o b jetivo", mas se volta, m ediatam ente, à realização de
certos valores, com o o da justiça da tributação, o do respeito à
capacidade c o n trib u tiv a do a d m in istra d o , o da u n ifo rm id a d e
na d istribuição da carga tributária."^®®

A própria Constituição lim ita a aplicação da não-cumulatividade a


determinados tributos, sendo que no caso das contribuições sociais (art.195),
permite ao legislador utilizá-la ou não, o que por si só seria suficiente para
demonstrar a fragilidade da tese da não-cumulatividade como princípio.

S o b r e o t e m a , M a r c e l o N eve s " A C o n s t i t u c i o n a l iz a ç ã o S im b ó lic a " , págs. 1 1 3 - 1 2 3 .


V a m o s a q u i u t i li z a r a liç ã o d e M i g u e l Reale: " 0 d i r e i t o t u t e l a d e t e r m i n a d o s v a lo re s , q u e r e p u ta
p o s itiv o s , e i m p e d e d e t e r m i n a d o s a to s , c o n s id e ra d o s n e g a tiv o s d e v a lo r e s : a té c e r t o p o n t o , p o d e r -
se-ia d iz e r q u e o d ir e i t o e x is te p o r q u e há p o s s ib ilid a d e d e s e re m v io la d o s os v a lo re s q u e a socie d a de
r e c o n h e c e c o m o e s s e n c ia is à c o n v i v ê n c i a " ( F ilo s o fia d o D i r e i t o , 19^ E d iç ã o , 32 t i r a g e m . E d it o r a
S a raiv a , p á g . 1 89 ).
Is e n ç õ es T r ib u t á r ia s d o IPI, e m Face d o P r in c í p io d a n ã o - c u m u la t i v i d a d e , in Revista D ia lé t ic a d e
D ir e i t o T r i b u t á r i o n ^ 3 3, pág. 1 5 6 , 1 99 8 , E d ito r a D ia lé t ic a .

130
D IR E IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Como já afirmado, a nao-cumulatividade tem aplicação restrita dentro


do Sistema Tributário Nacional e a própria constituição estabelece critérios
que diferenciam a sua aplicação no ICMS, no IPI e nas contribuições sociais.
Não existe um elem ento unificador que congregue as diversas normas
constitucionais sobre a não-cumulatividade.
Para nós, a não-cumulatividade tributária não tem o status de princípio,
da forma aqui tratada. Não traz uma carga axiológica por si só e, mesmo que
admitamos que trouxesse, não seria o suficiente para classificá-la como princípio.
De fato. 0 ICMS poderia ter sido estruturado, assim como o IPI o PIS e
a COFINS, sem existência da não-cum ulatividade trib u tá ria , e isso não
abalaria a estrutura do sistema de direito positivo^°\ Por outro lado, não
queremos dizer que a previsão não seja correta ou bem-vinda, apenas
afirm am os que a incum ulatividade não é fun d a m e n to nem mesmo do
Sistema Tributário Nacional como um todo.
Princípios são aqueles sem os quais o sistema de direito positivo não
se sustenta. Justiça, isonomia, segurança jurídica e legalidade são exemplos
de princípios jurídicos^°®. Ter fo rte conteúdo axiológico e ser elemento
estruturador do sistema são condições necessárias para determ inar que
determina previsão constitucional tem status de princípio.
É evidente que o legislador constitucional atribui importância a não-
cumulatividade, por entender que dentro da mesma cadeia econômica deve-
se com pensar os im postos a n te rio rm e n te exigidos^®^ Além disso, é
indiscutível que a não-cumulatividade é uma regra de estrutura, usando a
terminologia de Paulo de Barros Carvalho, pois se preocupa em direcionar
as atividades do poder legislativo e executivo, no sentido de criar normas
infraconstitucionais que atendam ao seu desígnio.

A nossa o p i n i ã o é m i n o r i t á r i a , p o is a m a io r i a d a d o u t r i n a e n t e n d e q u e e s t a m o s d ia n t e d e u m
p rin c íp io . 0 P r o fe s s o r R oq u e A n t ô n i o Carrazza é u m d os m a io r e s d e f e n s o r e s da n ã o - c u m u la tiv id a d e
c o m o p r i n c i p i o : " 0 IC M S d e v e n e c e s s a r i a m e n t e s u j e i t a r - s e a o p r i n c í p i o d a n ã o - c u m u l a t i v i d a d e ,
q u e t e n d o s i d o c o n s i d e r a d o , p e la C o n s t i t u i ç ã o , u m d o s t r a ç o s c a r a c t e r í s t i c o s d e s t e t r i b u t o , n ã o
pode te r seu a lc a n c e nem d im in u íd o nem , m u ito m enos, a n u la d o por norm a s
i n f r a c o n s t i t u c i o n a i s . . . " (IC M S, IC MS. 8^ E diç ão, M a l l i e i r o s E d it o r e s p ág . 2 5 5 ) ."
José S o uto M a io r Borges t r a t a n d o d o p r in c ip io da segu ra n ça ju r íd ic a e x põ e : "A segu ra n ça tr i b u t á r i a
nã o se r e p r o d u z - p o n d e r a ç ã o t r i v i a l n ã o f o r a s u m a m e n t e n ece ssá ria à a r q u i t e t u r a d a d e m o n s tr a ç ã o
s u b s e q ü e n t e - à p r o i b i ç ã o d e le i s t r i b u t á r i a s r e t r o a t i v a s . B e m p o r is so e la é s i n t a t i c a m e n t e
d e p e n d e n te d e o u t r o s d ir e ito s e g a ra n tia s c o n s t it u c io n a is . N e n h u m a s e g u ra n ç a sem ju s tiç a
t r i b u t á r i a ; n e n h u m a s e g u ra n ç a s e m le g a lid a d e , e tc . 0 p r iv ile g ia m e n t o da e n u n c ia ç ã o d esses
d ir e i t o s n ã o e xc lu i c o n t u d o o u t r o s d ir e i t o s e g a r a n tia s q u e a CF a d o t a . Eles são " a p e n a s " os d ir e ito s
e g a r a n t i a s m a is e m i n e n t e s , o s m a is d ig n o s d e s e r e m q u e s t i o n a d o s . P o r is s o a CF o s n o m e i a
" fu n d a m e n t a i s " . O p r in c íp io da Segura nça J uríd ic a na C riação e A p lic a ção d o T r ib u to . Revista Dialética
de D ir e ito T r i b u t á r i o nS 22, pág. 2 5 , 1997, E d ito ra D ia létic a .
C o m o v e r e m o s o i m p o s t o d e s t a c a d o n a n o t a fis c a l r a r a m e n t e r e p r e s e n t a u m v a l o r d e v i d o e m
sua t o t a l i d a d e , p o r fo r ç a d o c r é d i t o q u e a n o r m a da n ã o - c u m u la t i v i d a d e c o n f e r e a o c o n t r i b u i n t e .

131
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

Porém, a não-cumulatividade não está prevista para todos os tributos


e nem é possível aplicá-lo em todos os tributos/^" Mesmo nos tributos que
a utilizam (como o ICMS e o IPI) existem variações de suas características"^
e em outros não é obrigatória (como no COFINS e no PIS)"^. Assim, afirmamos
que a não-cumulatividade, além de não ser um princípio constitucional,
apresenta características distintas dentro da própria Constituição.
Por outro lado, não existe menção alguma a não-cumulatividade na
Seção I (dos princípios gerais) e na Seção II (das limitações constitucionais do
poder de tributar), do Capítulo I (Do Sistema Tributário Nacional), do Título VI
(Da Tributação e do Orçamento), da Constituição, o que para nós não representa
uma falha do legislador, mas uma demonstração de sua vontade.
A Constituição trata da não-cumulatividade do ICMS, do IPI, do PIS e
da COFINS de maneira individual, apresentando as características específicas
de cada tributo, não existindo uma regra geral. Tal situação é perfeitamente
possível, pois estamos diante de normas constitucionais que estabelecem
critérios jurídicos rígidos, onde a permissão, a proibição e a obrigaçao estão
claramente apresentadas.
Por exemplo, as diferenças entre a não-cumulatividade do ICMS e da
COFINS são tantas que torna árdua a tarefa de equipará-las. Porém, tal
situação não ocorre na aplicação dos princípios da segurança jurídica e da
isonomia, pois as suas características não mudam em função do tributo.
Interpretar as previsões contidas nos incisos I e II, do § 2“, do art.155,
da Constituição como normas, esquecendo a falsa ideia de princípio, permite
conhecer melhor as suas características e seus limites.
Em parecer inédito, José Souto Maior Borges corrobora com a opinião
aqui apresentada:

Em a lg u n s i m p o s t o s , c o m o IPTU e IPVA, nas ta x a s e nas c o n t r i b u i ç õ e s d e m e l h o r i a n ã o se ria


p o s s ív e l a p l i c a r a té c n ic o d a n ã o - c u m u l a t i v i d a d e .
M a is u m a ve z u t i l i z a m o s a d o u t r i n a d e P a u lo d e B a r r o s C a r v a l h o . A n a l i s a n d o o s a r t i g o s da
C o n s titu iç ã o q u e t r a t a m d a n ã o - c u m u la t i v i d a d e d o IPI e d o ICMS a f i r m a : " A vã t e n t a t i v a d e b usc a r
s e m e l h a n ç a s e n t r e e ss es d o i s d i s p o s i t i v o s p a r e c e t o l d a r a v i s ã o d o e x e g e t a p a r a as i n ú m e r a s
d ife r e n ç a s q u e o i n d iv id u a liz a m . A in d a q u e possa fig u r a r - s e ó b v i o , h a v e rá e s pa ço , a q u i, p ara a lg u n s
e s c l a r e c i m e n t o s : (I) e s t ã o d i s p o s t o s e m a r t i g o s d i v e r s o s ; ( II) u m se r e f e r e a i m p o s t o f e d e r a l ,
e n q u a n t o o o u t r o a i m p o s t o e s t a d u a l e d i s t r i t a l ; ( iü ) a h ip ó t e s e t r i b u t á r i a d o p r i m e i r o i m p o s t o
c o n t e m p la c o n d u ta s q u e t e n h a m p o r o b j e t o " p r o d u t o s in d u s tr ia liz a d o s " , a o passo q u e a d o s e g u n d o
r e c a i s o b r e " o p e r a ç õ e s d e c i r c u l a ç ã o d e m e r c a d o r i a s e s e r v i ç o s " ; ( iv ) n o IC M S , p e r a n t e n o r m a
is e n tiv a , há r e s tr iç ã o d o d i r e i t o a o c r é d ito , o q u e n ã o a c o n t e c e n o caso d o IPI." Is e n çõ es T rib u tá ria s
no IPI, e m Face d o P r in c í p io d a N ã o - C u m u l a t iv i d a d e . R evista D ia lé t ic a d e D ir e i t o T r i b u t á r i o ns 33,
1 9 9 8 , p ág . 160.
" z 0 § 12, d o A r t. 1 9 5 , da C o n s titu iç ã o Fe d era l, a o t r a t a r d as c o n t r ib u iç õ e s s o cia is in c i d e n t e s s o b re
a r e c e i t a o u f a t u r a m e n t o , d e t e r m i n a : " a lei d e f i n i r á o s s e t o r e s d e a t i v i d a d e e c o n ô m ic a p a r a os
q u a is as c o n t r ib u iç õ e s in c i d e n t e s n a f o r m a d o s in c is o s I, b ; e IV, c a p u t , s e r ã o n ã o - c u m u la t i v a s . "

132
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

"Há erro interpretativo quando se estuda a incumulatividade do


IPI e a do ICMS, como técnicas de tributação submetidas a idênticos
critérios de determinação constitucional. E, no entanto, se
meditarmos sobre a causa desse equívoco, chegaremos à conclusão
de que ele é induzido pelo vezo, tão usual na doutrina, de caracteriza-
la como um princípio constitucional. (...) a consideração da
incumulatividade como princípio é uma premissa falsa que implica
a conclusão, logicamente também falsa, de que as restrições
existentes para o creditamento do imposto na área do ICMS são
aplicáveis, nas mesmas condições, ao campo do IPI. Nada mais
equivocado, porém, como se passará a demonstrar. Não sem antes
alertar que a consideração do inexistente "princípio" de não-
cumulatividade acarreta, como conseqüência, a conclusão de que
a matéria, regulada na CF, é idêntica tanto para o IPI, quanto para
0 ICMS. (...) Se as regras sobre a incumulatividade do IPI e do ICMS
forem consideradas princípios, então todas as normas
constitucionais poderão ser havidas como normas-princípio. E
assim sendo a distinção entre normas e princípios constitucionais
perderia toda a sua efetividade.(...)""^

Caracterizar a não-cumulatividade como princípio, o que para muitos


serve para valorizá-la, acaba por dificultar o estudo das suas verdadeiras
características. Tal fato pode ser comprovado por meio de várias decisões do
Supremo Tribunal Federal que, apesar de caracterizar a não-cumulatividade
como princípio, em vários julgados, demonstra, claramente, que a não-
c u m u la tiv id a d e é norm a c o n s titu c io n a l e que a im p o rtâ n c ia da Lei
Complementar 87y^6 para disciplinar a matéria é maior do que defende a
maioria da doutrina, em função especialmente de não conferir a devida
importância ao preceito contido na alínea "c'\ do inciso XII, do § 2?, do art.
155 da Constituição que permite a Lei Complementar a disciplinar o regime
de compensação do imposto.
Dessa forma, resta apresentada nossa posição no sentido de afastar a
ideia de interpretar a não-cumulatividade como princípio constitucional.
Por outro lado, nos parece simplificar por demais defender a tese de
que a não-cumulatividade é mera técnica de arrecadação. É evidente que o
legislador constitucional e infraconstitucionaí não conferiu o destaque a
não-cumulatividade simplesmente para estabelecer uma forma de recolher
o tributo. Foi além, estabelecendo critérios que representam a importância

” 3 " P a r e c e r s o b r e a i n c u m u l a t i v i d a d e d o IPI, a q u i s iç ã o d e in s u m o s s u je i t o s à a lí q u o t a z e r o , sua


e q u iv a lê n c ia a is e n ç ã o para e fe ito de a p r o v e it a m e n to dos c r é d ito s d e im p o s to " , 200 3 , in é d ito .
R e c e b i a a u t o r i z a ç ã o d o P r o fe s s o r p a r a t r a s n c r iç ã o .

133
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

que 0 dire ito positivo lhe confere. Se fosse uma mera técnica, normas
infralegais poderiam criar mecanismos que atenderiam os interesses do
FISCO que atuaria dentro de uma permissão conferida pelo Direito e não
como uma obrigação a que está submetido no imposto aqui estudado. A
técnica é vinculada aos preceitos constitucionais e legais.
Sobre o tema, defende Hugo de Brito Machado:

"A técnica, p o rtanto, é que define o regime juríd ico do princípio


da não-cum ulatividade do im posto, regime juríd ico este que se
define em duas espécies, a saber, o regime do crédito finan ce iro
e o regime do crédito físico, ou ainda po r uma terceira espécie,
na qual são albergados elem entos de um e do o u tro daqueles
dois regimes ju ríd ic o s ."""

A partir do momento que se estuda a não-cumulatividade do ICMS, do


IPI, do PIS e da COFINS de maneira independente, não atreladas a um
p rincípio, mas a pre ceito s de norm as co n s titu cio n a is , conseguim os
estabelecer de maneira mais clara as suas características, o que facilita a
interpretação das leis complementares e seus verdadeiros limites.
Somos da opinião que a não-cumulatividade trib u tá ria no ICMS^^^
prevista na Constituição é uma norma jurídica de superior hierarquia, que
visa permitir aos contribuintes o direito de recolher tributo, compensando o
valor devido na operação ou prestação anterior.
A não-cumulatividade está subordinada, entre outros, aos princípios
da isonomia, da capacidade contributiva e de vedação ao confisco, existindo
clara hierarquia entre tais preceitos e a não-cumulatividade.
Apenas para o devido registro, a não-cumulatividade tem origem na
economia, inspirada na ideia de neutralidade da tributação e no estímulo a
livre circulação de bens e a prestação de serviços. De fato, na essência da
não-cum ulatividade encontra-se no fenôm eno econômico, geralm ente
ignorado pelos juristas. Em verdade, a análise econômica é indispensável
para conhecer em maior profundidade a não-cumulatividade tributária, o que
certamente ajudaria o legislador na criação das norma que disciplinam o tema.

“ ^ A sp e c to s F u n d a m e n ta is d o IC MS, 2^ E diç ão, Ed. D ia lé t ic a , pág. 133.


P a u lo d e B a r r o s C a r v a l h o e x p l i c a ; " 0 p r i m a d o d a n ã o - c u m u l a t i v i d a d e é u m a d e t e r m i n a ç ã o
c o n s t i t u c i o n a l q u e d e v e s e r c u m p r i d a , a s s im p o r a q u e l e s q u e d e l a se b e n e f i c i a m , c o m o p e lo s
p r ó p r i o s a ge n te s da A d m in is tr a ç ã o Pública. E t a n t o é v e r d a d e , q u e a p r á tic a r e it e r a d a pela a plic açã o
c o t i d i a n a d o p le x o d e n o r m a s re la tiv a s a o IC M e a o IPI c o n s a g ra a o b r i g a t o r ie d a d e d o fu n c io n á r io ,
e n c a r r e g a d o d e a p u r a r a q u a n t i a d e v id a p e lo ' c o n t r i b u i n t e ' , d e c o n s i d e r a r - l h e os c r é d i t o s , a in d a
q u e c o n t r a a sua v o n t a d e " (A R e g r a - M a t r iz d o IC M , te s e d e liv r e - d o c ê n c ia , a p r e s e n ta d a a Facu ld a d e
d e D ir e i t o d a PUC/SP, 1 98 1 , pág. 377).

134
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Penso que a ciência do direito tributário deveria se aproximar da ciência


econômica para melhor conhecer os fenômenos econômicos que regulam.
Após tal registro, queremos destacar que: (!) a não-cumuíatividade é
norma constitucional, mas não é princípio; (II) trata-se de uma garantia do
contribuinte; (III) apenas o contribuinte do imposto pode se valer da não-
cumulatividade, sendo vedado ao não-contribuinte pretender compensar o
valor suportado.

2.1. A relação jurídica com base na não-cumulativídade

Ultrapassada a etapa de caracterizar a não-cumulatividade como


princípio, norma ou técnica de arrecadação, passamos agora a analisar quais
são as determinações constitucionais acerca do tema.
Vamos iniciar o nosso estudo por uma análise formal do inciso I, do §
25, do art.155, da Constituição. Partindo da hipótese do direito ser um sistema
de normas que visa regular a conduta humana, verificamos, de logo, que
existe um direcionamento da Constituição de impedir a cumulatividade na
cobrança do ICMS.
Esse direcionamento leva, obrigatoriamente, a termos que estudar
qual a relação jurídica que a Constituição determina. Em tese, poderíamos
falar em uma obrigação do Estado, ou uma mera permissão ou até mesmo
uma obrigação do contribuinte, haja vista o forte conteúdo deôntico no
sentido do direcionamento de uma conduta. Porém, como bem ensinou
Lourival Vilanova: "Um termo necessário de uma relação jurídica é o sujeito-
de-direito"^^^ Assim, não vemos o contribuinte obrigado a atender a não-
cum ulatividade, mas perm itido, tendo um d ire ito constitucionalm ente
constituído.
A não-cumulatividade apresenta a prerrogativa de atuar, de maneira
indireta, em prol da justiça fiscal, da capacidade contributiva, entre outros.
Nesse sentido, a não-cumulatividade é um instrum ento que favorece o
contribuinte (sujeito passivo) que, ao contrário do que acontece na relação
jurídica tributária em sentido estrito, torna-se o sujeito ativo, em uma relação
que não se confunde com a de pagar tributo.
A previsão contida no inciso I, do § 2^, do art.155, da Constituição gera,
ao menos, duas conseqüências: (i) obriga ao legislador ordinário estruturar
a cobrança do ICMS tendo por base a não-cumulatividade e (ii) permite aos
contribuintes do ICMS compensar como crédito^^’ o imposto devido nas
operações e prestações anteriores.

’ ’ ^ C a s u a lid a d e e R ela ç ã o n o D ir e i t o , 4^ e d iç ã o . E d ito r a R evista d o s T r ib u n a is , pág. 121.

135
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

Em um plano e stritam en te te ó rico , a Constituição não obriga o


contribuinte a se valer da nâo-cumulatividade, tendo em vista que não
vislumbramos uma possibilidade de sanção pela falta da não compensação
do crédito do imposto. A adoção do princípio deôntico do quarto excluído,
leva a conclusão de que o sujeito ativo de uma relação está permitido a fazer
uma conduta e a sua eventual omissão está dentro de sua prerrogativa.
Por outro lado, os Estados e o Distrito Federal estão obrigados a aceitar
o uso do crédito por parte dos contribuintes. Caso não se cumpra tal
determinação é possível acionar o Poder Judiciário para exigir a obediência
aos desígnios constitucionais.
Partindo da premissa de que a casualidade jurídica é construída
normativamente, não podemos negar a existência de uma regra jurídica que
vincule o contribuinte, como sujeito ativo, e o estado, como sujeito passivo,
onde este fica obrigado a aceitar o crédito de ICMS originados da entrada de
mercadorias ou de prestações de serviço. Se a não-cumulatividade não
pudesse criar uma norma jurídica em sentido estrito, seria impossível exigir
0 seu cumprimento. Trata-se de uma relação, fundada em mandamento
constitucional, entre dois sujeitos, tendo como objeto o direito de crédito.
Portanto, é indiscutível que a Constituição estruturou o ordenamento
jurídico de forma a estabelecer uma relação jurídica diversa da relação jurídica
tributária em sentido estrito, no momento em que conferiu ao contribuinte
0 direito de poder compensar o crédito do ICMS cobrado nas operações
posteriores com o valor do tributo devido.
A norma jurídica de d ire ito de cré d ito do c o n trib u in te tem , no
antecedente, o fato do ingresso de mercadorias ou de prestação de serviços
onde seria devido o ICMS e, no conseqüente, tem como sujeito ativo o
c o n trib u in te e como s u je ito passivo o Estado ou o D is trito Federal,
estabelecendo o direito de se creditar do valor do ICMS devido nas operações
e prestações anteriores^^®.
A Constituição Federal deixa claro que a norma jurídica da não-
cumulatividade não depende da norma de incidência do ICMS. Tanto isso é

Não n e c e s s a ria m e n te o im p o s to d e v id o fo r a r e c o lh id o , m as isso n ão i m p o r t a para q u e m v a i e fe tu a r


a c o m p e n s a ç ã o , in c lu s iv e p o r n ã o t e r q u a l q u e r in g e r ê n c ia e m re la ç ã o a t a l r e c o l h im e n to . Tal o p in iã o
é r a t i f i c a d a p o r E u r ic o M a r c o s D in iz d e S a n ti: " 0 d i r e i t o a o c r é d i t o n ã o n a sc e d o a d i m p l e m e n t o
(p a g a m e n to ) d o c r é d ito t r i b u t á r i o d e v id o p e lo c o n t r ib u in t e d e d ir e ito , d e c o r r e d o p r ó p r io f a to gerador.
Ou seja, n ão d e c o r r e d o f a t o g e r a d o r e m si - c ircun s tâ n cia e s p a ç o -te m p o ra l q u e , sabe m o s, se co nso m e
n o te m p o - h i s t ó r ic o e n o e s pa ç o socia l - d e c o r r e d e p ro v a ju r í d ic a d o f a t o g e r a d o r : a d o c u m e n ta ç ã o
fiscal idô n e a". ICMS Im p o r ta ç ã o : Perspectiva d im e n sív e l e " F a to G e r a d o r " d o D ir e ito ao C réd ito . Revista
D ia lé tic a d e D ir e i t o T r i b u t á r i o ns 102, pág. 6 3, 2 0 0 4 , E d ito ra D ia lé tic a .
J o sé R o b e r t o V i e i r a n o s a p r e s e n t a r e l e v a n t e d i s t i n ç ã o ; " 0 i m p o s t o s o b r e o v a l o r a g r e g a d o
c a r a c t e r i z a - s e j u r i d i c a m e n t e c o m o t a l p o r i n c i d i r e f e t i v a m e n t e s o b r e a p a r c e la a c r e s c id a , i s to é,
s o b r e a d if e r e n ç a p o s itiv a d e v a l o r q u e se v e r if ic a e n t r e d u a s o p e r a ç õ e s e m s e q ü ê n c ia , a lc a n ç a d o
0 n o v o c o n t r ib u in t e na ju s ta p r o p o r ç ã o d o q u e e le a d ic io n o u a o b e m . N ão é o caso d o IPI o u d o ICMS,
q u e g r a v a m o v a lo r t o t a l d a o p e r a ç ã o . " C r é d ito d e IPI r e la t i v o a O p e ra ç õ e s A n te r io r e s B e n e fic ia d a s :
M a i ô C o m p l e t o o u C o m p l e t a N u d e z . C u r s o d e E s p e c ia liz a ç ã o e m D i r e i t o T r i b u t á r i o - e s t u d o s e m
h o m e n a g e m a P a u lo d e B a r r o s C a r v a lh o , p á g . 7 2 4 , 2 0 0 4 , E d it o r a Fo re n s e .

136
D IRE IT O T R IB U T Á R IO QUESTÕES ATUAIS

verdade, que mesmo quando o contribuinte não realiza uma operação ou


prestação sequer, o seu direito de crédito está garantido.^^^ 0 crédito poderá
ser utilizado em um momento posterior, na hipótese da existir ICMS a recolher.
Por outro lado, quando a Constituição trata do montante cobrado nas
operações e prestações anteriores, não significa dizer que o imposto deve
ter sido cobrado e recolhido. Na verdade, como o comprador da mercadoria
ou tom ador do serviço não tem ingerência sobre o recolhimento do ICMS
constante da nota fiscal ou do conhecimento de transporte, basta para ele a
existência do destaque do valor devido para poder se creditar, sendo
irrelevante o pagamento ou a cobrança do crédito tributário. De fato, salvo
algumas restrições, o direito ao crédito é amplo e goza de eficácia jurídica
Assim, entendem os que a Constituição p erm ite ao co n trib u in te
compensar o c ré d ito do im posto devido nas operações e prestações
anteriores e obriga ao estado a aceitar a compensação. A norma jurídica de
direito de crédito é independente da regra de incidência tributária.

2.2. O alcance da não-cumuiatívídade no plano constitucional

Questão relevante é saber qual o alcance da nâo-cumulatividade tributária,


e como podemos interpretá-la. As previsões contidas nos incisos I e II, do § 2^,
do art.155, da Constituição traçam alguns rumos que merecem destaque.
É de grande im p o rtâ n cia conhecer os lim ite s da expressão
"compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação
de mercadorias ou prestação de serviços com o m ontante cobrado nas
anteriores". Quais seriam essas operações e prestações anteriores? Vamos
expor a nossa opinião.
O ICMS busca onerar as operações^^^ de circulação de mercadorias e
determinadas prestações de serviço. De acordo com o inciso I, do § 2^, do
art. 155 da Constituição, o crédito que pode ser compensado deve estar.

P a u lo d e B a rro s C a r v a lh o d e s ta c a : " 0 c o m a n d o c o n s t it u c io n a l da n ã o - c u m u la tiv id a d e , no


a r c a b o u ç o d o p la n o n o r m a t i v o d o IC M , e s tá j u n g i d o t ã o s o m e n t e a o m é t o d o d e c o n s i d e r a ç ã o d o
v a lo r p e r i ó d i c o d e ca d a r e c o l h im e n t o . Nada t e m q u e v e r c o m a base d e c á lc u lo , q u e se c o n g re g a à
a lí q u o ta p ara d e t e r m i n a r o s ig n o p a t r im o n ia l, c o r r e la t iv o à in c id ê n c ia t r ib u t á r ia , e m cada
o p e r a ç ã o " (A R e g r a - M a t r iz , .,, O b r a C it a d a , pág. 2 14 ).
S o b re 0 t e m a , a d v e r t e R o q u e A n t ô n i o C arra zza : " N ã o e s ta m o s , n a h ip ó te s e , d i a n t e d a s im p le s
r e c o m e n d a ç ã o d o le g is la d o r c o n s titu in te , m a s d e n o r m a c o g e n te que, p o r isso m e sm o, n e m o le g is la d o r
o r d in á r io , n e m o a d m i n is t r a d o r nem , m u it o m e n o s o i n t é r p r e te p o d e d e s c o n s id e ra r (ICMS, o b r a cita da,
pág. 2 5 7 - g rifo s d o o r ig i n a l ) . "
José S o u t o M a i o r B o rg e s e x p lic a : " ...o q u e n o s p a r e c e b e m d if íc i l - ta lv e z im p o s s ív e l - é q u e a
m e r c a d o r ia seja o b j e t o d e o p e r a ç ã o le g ít im a se m q u e o c o r r a a t o o u n e g ó c io j u r í d i c o . C r e m o s q u e
o l e g i s l a d o r a m p l i o u o IVC d o s n e g ó c i o s j u r í d i c o s d e v e n d a p a r a q u a i s q u e r a t o s j u r í d i c o s q u e
t r a n s f i r a m o d o m í n i o s o b r e m e r c a d o r ia s e n t r e g u e s à c i r c u l a ç ã o e c o n ô m i c a . " 0 F a to G e r a d o r d o
IC M e os E s ta b e le c i m e n to s A u t ô n o m o s . R evista D ia lé tic a d e D ir e i t o A d m i n i s t r a t i v o , n^ 103, 1971,
pág. 3 5, E d it o r a R en o va r.

137
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

direta ou in d ire ta m e n te , relacionado com a atividade realizada pelo


contribuinte.
A ideia é que as operações e as prestações anteriores representem
fatos jurídicos que estejam relacionados com a atividade do contribuinte do
ICMS. Entendemos que a ideia de ciclo econômico é elemento indispensável
para reconhecer o direito ao crédito tributário.
Sacha Calmon Navarro Coelho e Mizabel Abreu Machado Derzi afirmam
que "a operação que dá ensejo à circulação é no dizer de Aliomar Baleeiro,
"todo negócio jurídico que transfere a mercadoria desde o produtor até o
consumidor final" ou, segundo Alcides Jorge Costa, "qualquer negócio jurídico
ou ato jurídico material, que seja relativo à circulação de mercadorias/'
Posteriormente, os Professores da UFMG afirmam:

"A ssim , o p e ra ç ã o , c irc u la ç ã o e m e rc a d o ria s são c o n c e ito s


pro fu n d a m e n te interligados e com plem entares, que não podem
ser analisados em separado, sem que o inté rp re te se dê conta
de suas profundas inter-relações... a circulação de mercadorias
é c o n c e ito c o m p le m e n ta r im p o rta n te p o rq u e re p re s e n ta a
tr a d iç ã o da co isa , e x e c u ç ã o de u m c o n t r a t o tr a n s la t iv o ,
m ovim entação que faz a transferência do d om ínio a configura
c irc u la ç ã o ju r íd ic a , m a rc a d a p e lo a n im u s de a lt e r a r a
titu la rid a d e .""^

Assim, a expressão "o que for devido em cada operação" representa a


atividade relacionada com o objeto social do contribuinte do ICMS de maneira
individualizada, ou seja, cada venda de mercadoria ou cada prestação de
serviço.
Porém, 0 que certamente traz maiores problemas de interpretação é
a expressão "com o m o n ta n te cobrado nas operações anteriores". A
dificuldade está em saber o alcance da expressão e qual deve ser a relação
com as atividades realizadas pelo contribuinte.
Cabe o registro que o montante cobrado não significa dizer nem que
o montante fora efetivamente exigido e, muito menos, recolhido. A palavra
cobrado significa devido, e passível de cobrança por parte do sujeito ativo.^^"^
Aqui estamos falando da norma de direito ao crédito do contribuinte.
Para quantificar o direito é necessário estabelecer como chegar ao montante.

ICMS - D ir e ito a o C r e d i ta m e n t o - P rincípio da N ã o - c u m u la tiv id a d e , In Revista D ia létic a d e D ir e ito


T r i b u t á r i o , n s 1 0 2 , pág. 1 4 3 , 2 0 0 4 , E d ito r a D ia lé t ic a .
IC MS..., A r t i g o c ita d o , pág. 144.
Nesse s e n t id o . R oq u e A n t o n i o C arrazza: " I s t o s ig n ific a q u e o d i r e i t o à c o m p e n s a ç ã o p e r m a n e c e
í n te g r o a in d a q u e u m d o s c o n t r i b u i n t e s d e ix e d e r e c o l h e r o t r i b u t o o u a Fazenda Pú blic a d e lançá-
lo (s a lv o , é c la ro , p o r m o t i v o d e is e n ç ã o o u d e n ã o - in c id ê n c ia ) . Basta q u e as leis d e ICMS te n h a m
i n c i d in d o s o b r e as o p e r a ç õ e s o u p r e s ta ç õ e s a n t e r i o r e s p ara q u e o a b a t i m e n t o seja d e v i d o " (ICMS,
9. e d iç ã o , o b r a c ita d a , p ág . 2 5 9 ).

138
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

previsto no inciso I, do § 2°, do art.155 da Constituição. Evidentemente que


0 montante representa uma soma que pode ser apurada pelo contribuinte
por força das suas aquisições de mercadorias ou de serviços a ele prestados.
Tais valores estão no conseqüente, na parte prescrítiva da norma jurídica de
direito de crédito.
0 m o n ta n te cobrado nas operações a nteriores seriam todas e
quaisquer operações? 0 tema gera uma grande discussão na doutrina, onde
uma parte defende um amplo direito ao crédito, e outra parte que interpreta
a norma constitucional de uma maneira mais restrita, corrente a qual me
filio .
A firm a r que nem todas as m ercadorias que ingressam no
estabelecimento do contribuinte geram direito ao crédito, apesar de estar
devidamente destacado o valor do imposto devido na nota fiscal de venda
ou de prestação de serviços, está longe de ser uma opinião unânime. Porém,
acreditamos que essa é a melhor interpretação do art.155, da Constituição,
como será demonstrado.
Inicialmente, entendemos que o contribuinte do ICMS pode ser, ao
mesmo tempo, consumidor final de determinado bem. Nesses casos, ocorre
o fim do ciclo econômico. Aqui não estamos tratando de uma mercadoria ou
insumo, mas de um bem, de uma coisa^^^. Em tal hipótese, a Constituição
não confere necessariamente direito a crédito, pois não existe operação de
circulação de mercadoria ou prestação de serviço posterior.
Assim, em tal hipótese, não ocorre à previsão contida no inciso I, do §
2", do a r t . 155, da C onstituição, pois o ICMS "será n ã o -cu m u la tivo,
compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de
m ercadorias ou prestação de serviços com o m o n ta n te cobrado nas
anteriores." Para nós, a Constituição é clara no sentido de evitar a incidência
em cascata do imposto, mas apenas nos casos em que o ciclo econômico da
mercadoria não terminou.
0 contribuinte pode adquirir um bem, uma mercadoria ou um insumo
relacionado à produção, a prestação de serviços, ou mesmo para um posterior
ato de comércio. Também pode adquirir bens que não estejam relacionados
diretamente a sua atividade empresarial. Entendo que existem diferenças
%"cas entre tais situações e isso não escapou da análise dos Tribunais
Superiores, como veremos.

P a u lo d e B a r r o s C a r v a l h o e n s in a c o m m a e s t r i a : " a n a t u r e z a m e r c a n t i l d o p r o d u t o n ã o e s tá ,
a b s o l u t a m e n t e , e n t r e o s r e q u i s i t o s q u e lh e sã o in t r í n s e c o s , m a s na d e s t in a ç ã o q u e se lh e d ê . É
m e r c a d o r ia a c a n e t a e x p o s t a à v e n d a e n t r e o u t r a s a d q u i r i d a s p a r a esse f i m . N ão se rá a q u e la q ue
m a n t e n h o e m m e u b o ls o e se d e s t in a a m e u u s o p ess o a l, N ã o se o p e r o u a m e n o r m o d i fi c a ç ã o na
ín d o le d o o b j e t o r e f e r i d o . A p e n a s su a d e s t in a ç ã o v e io a c o n f e r i r - l h e a t r i b u t o s d e m e r c a d o r ia s (A
Regra M a t r i z . . , O b r a c ita d a , p ág . 2 0 7 )."

139
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

As mercadorias ou bens, conforme descreve à Constituição, apenas


geram direito ao crédito quando:

(í) são adquiridas para revenda;


(ii) utilizadas na produção de outra mercadoria que se pretende
vender;
(iii) necessária na prestação de serviços;

Existem a nosso ver duas hipóteses bem distintas, (!) a do contribuinte


consumidor^^^ e (ii) a do contribuinte que adquire mercadorias com fins de
comercialização ou prestação de serviços. Quando se adquire um bem que
não é utilizado para posterior ato de comércio ou prestação de serviço, está
terminado o ciclo econômico e não se gera direito ao crédito, ao menos sob
a perspectiva de uma garantia constitucional, o que não impede a lei
complementar de ampliar tais termos.
A não-cumulatividade objetiva im pedir que o ICMS incida sobre o
imposto anteriormente devido, evitando o pagamento em duplicidade, o
que não acontece nos casos em que o contribuinte é o consumidor final de
bem não utilizado diretamente em sua atividade empresarial.
Quando, por exemplo, uma transportadora adquire um software, acaba
pagando o ICMS embutido no preço, digamos R$ 1.000,00 (mil reais). O valor
pago a título do ICMS não tem qualquer relação com a sua atividade (por
exem plo, o tra n s p o rte ro d o v iá rio de passageiros). O s o ftw a re para
transportadora não é uma mercadoria, faz parte do seu patrimônio e não
voltará a ser objeto de uma operação de compra e venda. A transportadora
é 0 consumidor final e não utilizará o programa para a prestação de suas
atividades, assim, ainda que seja contribuinte do ICMS, tal aquisição não
gera obrigatoriamente direito ao crédito do imposto.
A Constituição quer que o ciclo econômico (da matéria-prima até o
consumidor final) ocorra sem a incidência dúpHce do ICMS. A garantia da

0 M i n i s t r o N elson Jo b im , e m seu v o t o na AD IN n° 1 60 0 faz a d is tin ç ã o q u e a qu i fa z e m o s , d e f o r m a


a e s ta b e l e c e r as d if e r e n ç a s e n t r e o c o n t r i b u i n t e d o ICMS q u a n d o f o r o u n ã o c o n s u m i d o r fi n a i . Em
r e la ç ã o a o c o n t r i b u i n t e c o n s u m i d o r f i n a l , o M i n i s t r o d e f e n d e : " 0 c o n t r i b u i n t e c r e d i t a r - s e - à d o
v a l o r pago, d e p e n d e n d o d e a te n d e r , o u n ã o , as re g ra s e s p e c ífic a s d a LC 87/96 ( a r t . 20, § 1 ' ) " . A ç ã o
j u l g a d a e m 2 6 / 1 1 / 2 0 0 1 e p u b l ic a d a n o DJ d e 2 9 / 0 3 / 2 0 0 3 ,
E v id e n te m e n t e e x is te m o p in iõ e s e m s e n t id o c o n t r á r i o , c o m o a m a n ife s ta d a p o r P e d ro L u n a rd e lii:
"... para os casos em q u e s u j e i t o s p a s s i v o s d o IC M S a d q u i r a m m e rc a d o ria d e v e n d e d o re s
c o m e r c i a n t e s , t a m b é m s u je i t o s a e s te i m p o s t o , p o r é m as d e s t in e m p a r a o s e u " u s o e c o n s u m o " ,
t a l a q u i s iç ã o n ã o a lt e r a a n a t u r e z a j u r í d i c a d o b e m a d q u i r i d o , q u e , c o m o v i s t o , c o n t i n u a s e n d o
m e r c a d o r ia in d e p e n d e n te m e n te da d e s tin a ç ã o q u e v e n h a a ser d ad a p e lo a d q u ir e n te ." A n ào -
c u m u l a t i v i d a d e d o IC M S - U m a V i s ã o C r ític a d a P o s iç ã o d o IC M S . R e v is ta s D ia l é t ic a d e D ir e i t o
T r i b u t á r i o n@ 1 0 3 , pág. 1 4 3 , 2 0 0 4 , E d ito r a D ia lé t ic a ) .

140
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

não-cum ulatividade é restrita as operações, ainda que in diretam ente


relacionadas. Caso a Carta Magna pretendesse que todo e qualquer ingresso
pudesse gerar crédito, certamente não haveria um vínculo entre as operações
e prestações realizadas pelo contribuinte, com as operações anteriores,
bastaria falar em aquisições ou serviços tomados. Registro que tal opinião
não se baseia em uma mera in te rp re ta ç ã o lite ra l, mas na e stru tu ra
constitucional do imposto.
É necessário esclarecer que os bens utilizados na prestação de serviços
como insumos geram crédito do ICMS. Dessa forma, caso uma empresa
transportadora adquira óleo diesel para o consumo de seus caminhões é
permitido utilizar o valor destacado do ICMS na nota fiscal de compra^^®.
Porém, a compra de material de limpeza não deve gerar direito ao crédito,
pois não está relacionada diretamente à atividade da empresa.
Especificamente em relação à prestação de serviço de transporte, vale
transcrever o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ORDINÁRIO EM


M A N D A D O DE SEGURANÇA. CREDITAMENTO DE ICMS NA
AQUISIÇÃO DE COMBUSTÍVEIS E LUBRIFICANTES. SOCIEDADE
EMPRESÁRIA PRESTADORA DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE. BENS
QUE SE CARACTERIZAM COMO INSUMO NECESSÁRIOÀ PRESTAÇÃO
DO SERVIÇO.
1. Recurso o rd in á rio em m a n d a d o de segurança em que se
pretende o reconhecim ento do d ire ito de sociedade empresária
prestadora de serviços de tra n s p o rte flu via l ao cre d ita m e n to
do ICMS realizado no período de jan e iro a dezem bro de 2006,
referente à aquisição de combustíveis e lubrificantes.

'28 S o bre o t e m a , v a le a t r a n s c r iç ã o d o e n t e n d i m e n t o d a s e g u in te d e c is ã o d o STJ;


TRIBUTÁRIO - ICMS - APROVEITAMENTO DE C R É D IT O - UTILIZAÇÃO MATERIAL DE C ONSUM O NO PROCESSO
PRODUTIVO (ÓLEO DIESEL PARA TRANSPORTE INTERNO DO FERRO GUSA) - DECRETO-LEI 4 0 6 ^ 8 , CONVÊNIO
6 ^ 8 E LEI COMPLEMENTAR 8 7 / 9 6 - T A X A SELIC - FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE - S Ú M U L A 284/STF. 1,
C o n s id e r a - s e d e f i c i e n t e a f u n d a m e n t a ç ã o d o r e c u r s o e s p e c ia l q u e in d ic a c o m o v i o l a d o d i s p o s it iv o
d e lei f e d e r a l q u e n ã o s e rv e d e s u s te n ta ç ã o à te s e d e f e n d id a . P re ju d ic a d a a te s e s o b re a le g a lid a d e
da a plic açã o d a ta xa SELIC. 2. Na vig ê n c ia d o D e c r e to - le i 4 06/68 e d o C o n v ê n io 6 ^ 8 , a a q u is iç ã o de
p r o d u t o s o u m e r c a d o r ia s q u e , a p e s a r d e i n t e g r a r e m o p r o c e s s o d e in d u s tr ia liz a ç ã o , n e le n ão e r a m
c o m p l e t a m e n t e c o n s u m id o s e n e m i n t e g r a v a m o p r o d u t o fi n a l , n ã o g e ra v a d i r e i t o a o c r e d i t a m e n t o
d o IC M S . P r e v is ã o e x p r e s s a d o n ã o - c r e d i t a m e n t o ( i n c i s o III d o a r t . 3 1 d o C o n v ê n io 6 6 / 8 8 ) . 3.
E n tre ta n to , a LC 87/56 (Lei K andir) v e io a re c o n h e c e r o d ir e i t o ao c r é d ito d e ICMS r e la tiv o à a quisiç ão
d e bens d e s t in a d o s a o a t i v o i m o b iliz a d o , m a te r ia l d e u so e c o n s u m o , b e m c o m o a o r e c e b i m e n t o de
s e r v iç o d e t r a n s p o r t e . J u r is p r u d ê n c ia p a c ific a d a n e s ta C o r t e . 4 . R e c o n h e c im e n t o , n o caso c o n c r e to ,
d a le g a lid a d e d o a p r o v e i t a m e n t o d e c r é d i t o d o ICMS s o b r e a q u is iç ã o d e ó le o d ie s e l c o n s u m i d o no
p roc e s so p r o d u t i v o a p a r t ir d e I s d e ja n e ir o d e 1998, d e a c o r d o c o m o a r t . 3 3 d a LC 87/96 (e m sua
redação o rig ina l). 5. Recurso especial da Fazenda n ã o c o n h e c id o e p r o v id o e m p a r t e o re c u rs o especial
d a USIM IN AS (STJ, RESP 8 5 0 3 6 2 , 2^ T u rm a , M in is tr a Eliana C a lm o n , DJ 0 2 ^ 3 / 2 0 0 7 ) .

141
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

2. A jurisprudência do STJ tem reconhecido o direito das prestadoras


de serviços de transporte ao creditamento do ICMS recolhido na
compra de combustível, que se carateriza como insumo, quando
co n sum ido, necessariam ente, na a tiv id a d e fim da sociedade
empresária. Precedentes: REsp 1.090.15^SC, Rei. Ministra Eliana
Calmon, Segunda Turma, DJe 2 0 ^ 0 ^ 0 1 0 ; REsp 117516^M G , Rei.
Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 2 ^ 3 /2 0 1 0 .
3. A n te o o b je to social da sociedade em presária re co rre n te ,
deve-se re co n h e ce r que os com b u stíve is e lu b rific a n te s são
insu m o s necessários à p re s ta ç ã o do serviço de tra n s p o rte
flu v ia l, e não bens de s im p le s uso e c o n s u m o , c o m o te m
in te rp re ta d o a a dm inistração trib u tá ria estadual.
4. Recurso ordinário provido para reconhecer o direito da impetrante
ao creditamento do ICMS referente aos combustíveis e lubrificantes
que utilizou na prestação do serviço de transporte fluvial."^^^

0 Superior Tribunal de Justiça também confere o direito de crédito as


empresas de telecomunicação:

"TRIBUTÁRIO. SERVIÇOS DE TELECOMUNICAÇÃO. ENERGIA


ELÉTRICA. CREDITAMENTO. POSSIBILIDADE. ART. 33, II, "B", DA LC
87y^6. DECRETO 6 4 0 ^ 2 . EQUIPARAÇÃO À INDÚSTRIA BÁSICA PARA
TODOS OS EFEITOS LEGAIS. VALIDADE E COMPATIBILIDADE COM 0
ORDENAMENTO JURÍDICO ATUAL. MATÉRIA DECIDIDA PELA
PRIMEIRA SEÇÃO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. 0 art. 15 do Decreto n.5 640/S2, que equiparou, para todos os
efeitos legais, os serviços de telecom unicação à indústria básica,
é compatível com o o rd e n a m e n to juríd ico vigente, em especial
com a Lei Geral de Telecomunicações, com o Regulamento do IPI
e com o Código T ributário Nacional.
2 . 0 art. 33, II, "b", da LC 87/96 autoriza o creditam ento do imposto
incidente sobre energia elétrica quando "consumida no processo
de industrialização". Como o art. do Decreto 640/62 equipara,
para to d o s os e feitos legais, a atividade de telecom unicações
ao processo ind u stria l, faz jus a im p e tra n te ao cre d ita m e n to
pretendido.
3. Segundo a regra do art. 155, II, da CF/88, o ICMS com porta três
núcleos distintos de incidência: (i) circulação de mercadorias;
(ii) serviços de tra n sp o rte ; e (iii) serviços de comunicação.

STJ, ROMS - RECURSO ORDINÁRIO EM M A N D A D O DE SEGURANÇA - 3 2 1 1 0 ,1 ^ Tu rm a , M i n i s tr o B e ne d ito


G o n ç a lv e s , DJ d e 2 0 / 1 0 / 2 0 1 0

142
D IRE IT O T R IB U T Á R IO QUESTÕES ATUAIS

4. 0 princípio da não cum ulatividade, previsto no § 2@ do art.


155 da CF/88, a b range os trê s n ú cle o s de in c id ê n c ia , sem
exceção, sob pena de to rn a r o im po sto cum ulativo em relação a
um deles.
5. No caso dos serviços de telecomunicação, a energia elétrica,
além de essencial, revela-se com o único insumo, de m odo que
im p e d ir o c re d ita m e n to eqüivale a to rn a r o Im posto cum ulativo,
em afronta ao te x to constitucional.
6. 0 art. 33, II, da LC 87/96 precisa ser interpretado conform e a
C onstituição, de m o d o a p e rm itir que a não c u m u la tiv id a d e
alcance os três núcleos de incidência do ICIVIS previstos no Texto
C o n s titu c io n a l, e não apenas a c irc u la ç ã o de m e rcad o ria s,
v e rte n te central, mas não única da hipótese de incidência do
imposto.
7. 0 ICMS incidente sobre a energia elétrica consumida pelas
empresas de telefonia, que pro m o ve m processo industrial por
equiparação, pode ser cre d ita do para a b a tim e n to do im posto
devido quando da prestação dos serviços.
8. M atéria decidida pela Primeira Seção no julg a m e n to do REsp
842.270/RS, Rei. M in. Luiz Fux, Rei. p / acórdão M in. Castro Meira,
DJ de 26.6.2012.
9. Recurso especial provido.

De fato, caso a Constituição prescrevesse que qualquer aquisição ou


prestação de serviço gerasse direito a crédito de ICMS, certamente não traria
a expressão "compensando-se o que f o r devido em cada operação... com o
montante cobrado nas anteriores." Temos em mente que a ideia de ciclo
econômico é que fundamenta o direito de crédito na Carta Magna.
Bem sabemos que a nossa opinião não é compartilhada por boa parcela
dos tributaristas que entendem que basta ser contribuinte do ICMS para
poder compensar todo e qualquer crédito. Porém, tal posição não condiz
com a previsão constitucional, conforme demonstramos. Acredito que a
defesa da não-cumulatividade, como princípio constitucional é o que motiva
tal posicionamento.
Não existe problema algum que, em certos casos, o contribuinte seja
0 consumidor final e que suporte o ônus do imposto. A Constituição não
conferiu a não-cumulatividade um valor intrínseco que deve alcançar toda e
qualquer aquisição.
Há alguns anos, esse é o entendimento do Supremo Tribunal Federal:

STJ, REsp 1 286617/R R , 2 * T u r m a , R e la to r M i n i s t r o C astro M e ir a , 2 * T u r m a , DJ d e 1 1 /0 9 /2 0 1 2 .

143
DIREIT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES ATUAIS

"EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO.


TRIBUTÁRIO. OPERAÇÕES DE CONSUMO DE ENERGIA ELÉTRICA, DE
UTILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO OU DE AQUISIÇÃO
DE BENS DESTINADOS AO ATIVO FIXO E DE MATERIAIS DE USO E
CONSUMO. IMPOSSIBLIDADE DE COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
FISCAIS DE ICMS. LC 102/2000. OFENSA AO PRINCÍPIO DA NÃO-
CUMULATIVIDADE. INEXISTÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO.

I - Não enseja ofensa ao p rin c íp io da não c u m u la tiv id a d e a


situação de inexistência de d ire ito a cré d ito de ICMS pago em
razão de operações de consum o de energia elétrica, de utilização
de serviços de comunicação ou de aquisição de bens destinados
ao a tivo fixo e de m ateriais de uso e consumo. Precedentes.
II - A m odificação introduzida no art. 20, § 52, da LC 87y96, e as
alterações ocorridas no art. 33 da mencionada lei, não ofendem
o princípio da não-cum ulatividade. Precedentes.
III - A existência de decisão plenária, em co n trole abstrato, de
que te n h a re s u lta d o o in d e fe rim e n to do p e d id o de m edida
cautelar, não im pede o julg a m e n to de o u tro s processos sobre
id ê n tic a c o n tro v é rs ia . P rece d e n te s. IV - A gra vo re g im e n ta l
im p ro v id o .""^

"IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS -


ICMS - PRINCÍPIO DA NÃO-CUMULATIVIDADE - CRÉDITO - BENS
INTEGRADOS AO ATIVO FIXO - INEXISTÊNCIA DE ELO CONSIDERADA
MERCADORIA PRODUZIDA. A aquisição de equipam entos que irão
inte g ra r o ativo fixo da empresa ou p rodutos destinados ao uso
e consumo não gera o d ire ito ao crédito, te n d o em conta o fa to
de a adquirente, na realidade, ser destinatária final. AGRAVO -
ARTIGO 557, § 2^, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL - MULTA. Se o
agravo é m a n ifestam ente infundado, impõe-se a aplicação da
m u lta prevista no § 22 do a rtig o 557 do Código de Processo
Civil, arcando a p arte com o ônus d e c o rre n te da litigância de
m á -fé ." ^ 3 ^

Concordamos apenas parcialm ente com a decisão acima, pois é


inegável que a energia elétrica é insumo para qualquer atividade empresarial,
especialmente para a indústria, o comércio e a prestação de serviços de
telecomunicação.

STF, Al 7 6 1 9 9 0 A g R /G D , R e la to r M i n . RICARDO LEWANDOWSKI. J u lg a m e n t o : 0 2 / 1 2 / 2 0 1 0 , P rim e ira


Turm a.
STF, Al 4 6 3 5 6 9 AgR / RS , R ela to r(a): M i n . M ARCO AURÉLIO, P rim e ira T u rm a , DJ d e 0 6 .0 2 .2 0 0 9 .

144
D IR E IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Assim, concluímos a nossa análise das características constitucionais


do inciso I, do § 25, do art.155 da Constituição.

2.3. Não-cumulatívidade, isenções e não-incidênda

Por fim , passamos a tra ta r do inciso II, do § 22, do art.155, da


Constituição. Ressalto que, ao contrário do que afirma parte da doutrina
mais a b a l i z a d a , t a l preceito não impede o direito à compensação nos
casos de isenção e não-incidência. Se existisse uma expressa proibição
constitucional ao direito ao crédito, à Lei Complementar (que aparece no
texto como legislação) não poderia perm itir, pois, simplesmente, seria
inconstitucional, por não encontrar fundamento de validade em norma de
superior hierarquia.
Aqui encontram os uma situação curiosa. Na verdade, o que a
Constituição determina é que nos casos específicos de isenção ou não-
incidência - ou includente em term os de lógica jurídica - o legislador
com plem entar é com petente para disciplinar a matéria, perm itindo ou
proibindo. Assim, não existe garantia constitucional de direito ao crédito
nos casos de isenção e não-incidência do ICMS, mas está perm itido ao
legislador infraconstitucional a disciplinar a matéria de forma a autorizar a
compensação. A alínea "c", do inciso XII, do § 22, do art. 155 da Constituição
representa a decisão do le gislador c o n s titu in te em c o n fe rir à lei
complementar um papel determinante acerca da não-cumulatividade do
ICMS.
Registre-se que não existe diferença entre isenção e não-incidência
no plano concreto de aplicação do Direito, pois, em ambos os casos, não
estamos diante de uma norma jurídica tributária em sentido estrito. Para
nós, isenção é hipótese de não-incidência^” . Assim, a expressão "isenção
ou não-incidência" prevista na Constituição não devem ser interpretadas
com um ou in c lu d e n te , nos term o s das lições trazidas por Lourival
Vilanova^^^ mas apenas como termos sinônimos.

^ A e x e m p lo d e R oq u e Carrazza: "A ú nic a v e d a ç ã o a o c r é d i t o a se r c o n s id e ra d a é a p o s ta n o inciso


II d o § 22 d o A r t . 1 5 5 d o Te x to C o n s titu c io n a l. No mais, o d i r e i t o a o c r é d i t o d o ICMS é s e m p r e a m p lo
e i r r e s t r i t o " (ICMS, o b r a c ita d a , pág. 260).
N o m e s m o s e n t i d o , José E d u a r d o S o a re s d e M e l o : " S e m p r e q u e o p e r a ç ã o e p r e s t a ç ã o f o r e m
is enta s, o u n ão se c o n f ig u r a r h ip ó te s e d e in c id ê n c ia d e ICMS ... n ã o p o d e r á a p r o p r ia r os re s p e c tiv o s
c r é d i t o s d o v a l o r t r i b u t á r i o " (ICMS, O b r a c ita d a , pág. 2 31 ).
C o n f o r m e le c i o n a Jo s é S o u t o M a i o r B o rg e s n o l i v r o " Is e n ç õ e s T r i b u t á r i a s " , p á g . 1 8 2 , E d it o r a
S u g e s tõ e s lite r á r ia s .
As e s t r u t u r a s ló g ic as e o s is te m a d e d i r e i t o p o s i t i v o , 1 9 9 7 , E d it o r a M a x Li m o n a d , pág. 122.

145
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Ainda sobre a questão das operações isentas e não tributadas, a


Constituição houve por bem ressalvar a diferença entre a impossibilidade
de aproveitamento de crédito para compensação com o montante devido
nas operações ou prestações seguintes {alínea a, do inciso II, do § 2?, do
a rt.155, da Constituição) e a anulação do crédito relativo às operações
anteriores {alínea b, do inciso II, do § 2^, do art.155, da Constituição).
Na hipótese da alínea a, não haverá direito ao crédito se na operação
ou prestação anterior não Incidiu o ICMS. Porém na alínea b, apenas nos
casos de operações em que o contribuinte vier a realizar fo r hipótese de
não-incidência, é que estaria vedado direito ao crédito do ICMS. É evidente
que existe uma distinção conceituai entre os termos prestação e operação,
fato que não foi ignorado pela Constituição, conforme se verifica por meio
da leitura do seu art.155, inciso II. Assim, acreditamos que a Constituição
realmente teve por objetivo garantir o d ire ito de crédito as empresas,
alcançadas pela isenção ou não-incidência do ICMS na realização de suas
a tiv id a d e s ,q u a n d o a prestação de serviço for considerada essencial a sua
atividade.

3. Considerações finais

0 estudo da não-cumulatividade dentro do Sistema Tributário Nacional


deve avançar no sentido da aproximação do m elhor conhecim ento do
fenômeno econômico, o que permitirá uma aproximação com a realidade
social, além de uma melhor compreensão do seu alcance.
Defender a ideia da não-cumulatividade como norma constitucional,
afastando caracterizá-la como princípio, em nossa opinião representa a
melhor interpretação dos preceitos garantidores do direito de crédito no
ICMS, IPI, PIS e COFINS. Além disso, ajuda a aclarar as diferenças dogmáticas
existentes em as normas constitucionais que garantem o direito de crédito
nos citados tributos.
0 Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal vem
in te rp re ta n d o as características da n ã o -c u m u la tiv id a d e trib u tá ria ,
especialmente em relação ao ICMS e ao IPI de forma a estabelecer um maior
grau de certeza do direito, indispensável para a atividade empresarial. Apesar
de não concordamos integralmente com a jurisprudência firmada nos últimos

R atific a ta l o p in iã o d e P e d r o G u i lh e r m e A cc o rs i L u n a r d e lli a o c o n c lu ir ;a c e r c a d o inciso II, d o § 22,


d o A r t. 1 5 5 , d a C o n s titu iç ã o : " L o g o , c o n s id e r a n d o q u e os te r m o s " o p e r a ç õ e s ” e ‘ p r e s ta ç õ e s "
a p r e s e n t a m lim ite s s e m â n tic o s d is t in t o s , n ã o há q u e se fa z e r o e s t o r n o d as a n t e r i o r e s re la ç õ e s de
c r é d i t o d e ICMS q u a n d o h o u v e r p r e s t a ç õ e s i s e n ta s d e s se t r i b u t o . " A n ã o - c u m u la t i v i d a d e d o ICMS
- U m a V is ã o C rític a da P o s iç ã o d o IC MS. R e v ista D ia lé t ic a d e D ir e i t o T r i b u t á r i o nO 1 0 3 , p á g . 131,
2 0 0 4 , E d i t o r a D ia l é t ic a .

146
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

anos, é inegável que os limites ao uso do crédito, nos levam a concluir pela
existência de n orm as e não de p rincípios c o nstitu cio na is da nôo-
cumulat\v\óaàe, uma vez que se busca aplicar os preceitos objetivamente
determinados pela Constituição, o que não é característica dos princípios,
em regra de difícil determinação.
A Lei Complementar ns 87/^6, como norma que disciplina o regime de
compensação do imposto, atendendo ao que prescreve a Constituição, pode
e deve ser interpretada - e porque não inovada - como instrumento capaz
de trazer clareza e segurança jurídica para o aproveitamento de crédito por
parte dos contribuintes, o que, inclusive, busca fundamento de validade no
princípio da eficiência da administração pública.

147
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

DEFINIÇÃO DOS LIMITES DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA EM


MATÉRIA DE INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA, À LUZ
DA LC N. llE iA 3

Gustavo Brígagão^^^

Introdução

A Lei Complementar n. 116, de 31 de julho de 2003, promoveu diversas


alterações nas regras de incidência do Im posto sobre Serviços (ISS),
revogando quase totalmente^^^ as normas do Decreto-Lei n. 406, de 31 de
dezembro de 1968, que antes regulavam a matéria.
Uma dessas alterações retirou a ressalva antes existente de que o ISS
somente incidiria sobre determinados serviços se eles tivessem por objeto
bens não destinados à in du stria liza çã o ou à com ercialização (v.g.
recondicionamento, acondicionamento e beneficiamento). Na redação atual
dos itens que tratam dessas atividades, a única condição existente para a
incidência do ISS é a de que sejam tais atividades exercidas em bens de
terceiros.
Surge, então, a dúvida sobre o tratam ento trib u tá rio a ser dado à
denominada "industrialização por encomenda", na modalidade em que o
encomendante envia produtos intermediários ou outros materiais de sua
propriedade ao executor da encomenda, que, após industrializá-los (o que
poderá ser fe ito mediante o seu beneficiam ento, recondicionam ento,
montagem ou acondicionamento), retorna-os ao encomendante que, por
sua vez, destina-os ao comércio ou a novas etapas de industrialização.
É 0 que se examinará neste estudo.

Atribuição constitucional de competência tributária

A re partição da com petência im p o sitiva nos países u nitá rio s é


relativamente simples, de um modo geral. Atribui-se ao governo central
competência para instituir os chamados "impostos diretos", entregando-se
aos governos provinciais os "impostos indiretos".

Só cio d o E s c r itó r io U lh ô a C a n to - A d v o g a d o s , P r o fe s s o r d e D ir e i t o T r i b u t á r i o e m C ursos d e Pós-


G r a d u a ç ã o d a F u n d a ç ã o G e t ú l io V a rgas; P r e s id e n te d a C â m a ra B r itâ n ic a n o Rio d e J a n e iro ; D ir e t o r
S e c r e t á r i o - G e r a l d a A s s o c ia ç ã o B r a s il e ir a d e D i r e i t o F in a n c e ir o (ABDF).
0 a r t. 9 ' n ã o f o i r e v o g a d o n e m e x pre ss a n e m t a c i t a m e n t e .

149
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Essa divisão de competências mostra-se bem mais complexa nos países


federados, especialmente, como no caso do Brasil, quando a federação é
integrada por três órbitas de governo.
Desde a promulgação da nossa primeira Constituição republicana, em
1891, a política de discriminação de rendas tem sido a de atribuir-se a cada
ó rbita de governo (aos M unicípios, a p a rtir da Constituição de 1934)
competência privativa para a instituição de determinados impostos.
Visa-se, com isso, im pedir a sobreposição de incidências, objetivo
que é possível alcançar do ponto de vista estritamente jurídico (na medida
em que é viável distinguir-se juridicamente as hipóteses de Incidência, a
fim de que não ocorra a indesejada sobreposição), mas que não se mostra
atingível do ponto de vista econômico, como demonstra a operação de
importação, que é gravada por três impostos, sendo dois federais e um
estadual, a saber: o imposto de importação (II), o IPI e o imposto sobre
operações relativas à circulação de mercadorias e serviços (ICMS), sendo de
notar que essas incidências ocorrem "em cascata", ou seja, com o valor do II
integrando a base de cálculo do IPl, e os valores desses dois impostos federais
incluindo-se na base de cálculo do ICMS.
Busca-se, também, com essa definição rígida de competências, evitar
que um ente político, ao definir as regras relativas à incidência de tributo
seu, dê-lhe contornos tais que acabe por resultar na extrapolação dos limites
que lhe foram constitucionalmente impostos, ou, até mesmo, na invasão da
competência atribuída a outro ente.

Regras para solução de conflitos de competência

Até o advento da Emenda Constitucional n. lQ/65 Inexistia regra


c o n s titu c io n a l ou in fra -c o n s titu c io n a l que dispusesse, genérica ou
especificamente, sobre os conflitos de competência em matéria tributária,
cabendo, então, ao Poder Judiciário, quando Instado, decidir se determinada
incidência Incorria em InconstItucionalidade por "exportação ou Invasão de
competência".
Com a promulgação da EC n. 18^5, que reformulou integralmente o
"sistema trib u tá rio nacional" e que representou uma efetiva "reform a
tributária", introduziu-se regra que previa a edição de lei complementar
para dirim ir conflitos de competência tributária especificamente entre o ISS
e 0 antigo Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias
(ICM). Eis 0 que dispunha o art. 15, parágrafo único, da EC n. 18/65: "Art. 15.
(...) Parágrafo único. Lei complementar estabelecerá critérios para distinguir
as atividades a que se refere este artigo (serviços sujeitos ao imposto
municipal das previstas no art. 12 - incidência do ICM)".
Com o advento da Constituição Federal de 24 de janeiro de 1967, a
questão passou a ser regulada pelo § 1” do art. 18, nos termos seguintes:

150
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

"Art. 18. (...) § V . Lei complementar estabelecerá normas gerais de direito


tributário, disporá sobre os conflitos de competência tributária entre a União,
os Estados, o D istrito Federal e os Municípios, e regulará as limitações
constitucionais do poder de tributar. (...)"
A Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, alterou
ligeiram ente a redação do dispositivo constitucional acima transcrito,
mantendo intacto seu conteúdo. Eis a sua redação; "Lei complem entar
estabelecerá normas gerais de direito tributário, disporá sobre os conflitos
de competência nesta matéria entre a União, os Estados, o Distrito Federal e
os Municípios, e regulará as limitações constitucionais do poder de tributar
(...)" (grifou-se a modificação).
De acordo com o art. 146 da Constituição Federal de 1988, a primeira
função atribuida à Lei Complementar é a de "dispor sobre conflitos de
competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito
Federal e os Municípios".
A ausência de regra em lei complem entar que defina como serão
dirimidos esses conflitos de competência pode até impedir a incidência
do tr ib u to , co n fo rm e decidiu o Supremo T ribunal Federal ao ju lg a r
inconstitucional a cobrança do Adicional do Imposto sobre a Renda (ADIR),
por não haver lei complementar que indicasse as regras que solucionariam
eventuais conflitos de competência decorrentes das leis estaduais que
dispusessem sobre o assunto. Eis a ementa da decisão proferida na Ação
Direta de Inconstitucional idade 28-SP, julgada pelo Tribunal Pleno do
STF, que ilustra, com exatidão, o entendim ento desse Tribunal sobre a
matéria:

Ação Direta de Incon stitu c io n a lid a d e . Lei n. 6.352, de 29 de


dezembro de 1988, do Estado de São Paulo. Tributário. Adicional
de Im posto de Renda (CF, art. 155, II), arts. 146 e 24, § 32 da parte
perm anente da CF e art. 34, §§ 39,4“ e 5“, do ADCT. O adicional do
im posto de renda, de que tra ta o Inciso II do art. 155, não pode
ser Instituído pelos Estados e D istrito Federal, sem que, antes, a
lei c o m p le m e n ta r n a cio n a l, p re v is ta no c a p u t do a rt. 146,
disponha sobre as matérias referidas em seus incisos e alíneas,
não estando sua edição dispensada pelo § 3" do art. 24 da parte
perm anente da Constituição Federal, n em pelos §§ 3 “, 4" e 5” do
a r t . 34 d o ADCT. A çã o ju lg a d a p r o c e d e n t e , d e c la ra d a a
in c on stitucio n a lida d e da Lei n. 6.352, de 29 de deze m b ro de
1 9 8 8 , d o Estado de São P a u lo . (R e vis ta T rim e s tr a l de
Jurisprudência, v. 151, p. 657).

O mesmo ocorreu com o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e


Serviços (ICMS) incidente nos serviços de transporte aéreo, conforme se vê
na ementa abaixo transcrita:

151
DIR E IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Ementa: C on stitu cio na l. T rib u tá rio . Lei C o m p le m e n ta r n. 87/


96. ICMS e sua in s titu iç ã o . A rts. 150, II; 155, § 2^, VII, a, e VIM,
da CF. C onceitos de passageiro e de d e stin a tá rio do serviço.
F a to g e ra d o r. O c o r r ê n c ia . A lí q u o t a s p ara as o p e ra ç õ e s
in tere sta du ais e para as operações inte rn a s. Inaplicabilidade
da fó r m u la c o n s titu c io n a l de p a rtiç ã o da re c e ita d o ICMS
e n tre os Estados. Omissão q u a n to a e le m e n to s necessários à
in s titu iç ã o d o ICMS s o b re navegação aérea. O perações de
trá fe g o a éreo in te rn a c io n a l. T ra n s p o rte a éreo inte rn a c io n a l
de cargas. T rib u ta ç ã o das e m p re sa s n a c io n a is. Q u a n to às
e m p re sa s e s tra n g e ira s , v a le m os a c o rd o s in te rn a c io n a is -
r e c i p r o c id a d e . V ia g e n s n a c io n a is o u i n t e r n a c i o n a is -
d ife re n ç a de tr a ta m e n to . Ausência de normas de solução de
conflitos de competência entre as unidades federadas. Â m b ito
de aplicação do a rt. 151, CF, é o das relações das entidades
fede ra da s e n tre si. Não te m p o r o b je to a U nião qu a n d o esta
se a p re s e n ta na o r d e m e x te r n a . N ã o - in c id ê n c ia s o b re a
prestação de serviços de tra n s p o rte aéreo, de passageiros -
in te r m u n ic ip a l, in te re s ta d u a l e i n t e r n a c i o n a l.
In c o n s titu c io n a lid a d e da exigência do ICMS na prestação de
serviços de tr a n s p o rte a é re o in te rn a c io n a l de cargas pelas
e m p r e s a s a é re a s n a c io n a is , e n q u a n t o p e r s i s t i r e m os
c o n v ê n io s de is e n ç ã o de e m p r e s a s e s t r a n g e ir a s . A ç ã o
julgada, p arc ia lm e n te p ro ce d en te." (ADIn 1600-uf, em 26 de
n o v e m b ro de 2001, pleno, un ân im e , DJ 20 de ju n h o de 2003
P-00056). (g rifo nosso)

Considerando que, no exercício da competência impositiva que lhes


é deferida pela CF/S8, podem os entes tributantes estabelecer regras que
criem conflitos de incidência, torna-se indispensável que nessas hipóteses
lei com plem entar disponha sobre o modo como serão dirim idos esses
conflitos, sob pena de a própria competência impositiva não se poder exercer,
como já decidido pelo STF, nos casos acima indicados.

Da com petência constitucionalm ente atrib u íd a à União e aos


M unicípios, respectivam en te, para trib u ta r atividades de
industrialização (IPI) e Serviços de Qualquer Natureza (ISS)

O IPI e 0 ISS foram criados pela FC n. 1E^5 e, desde então, sempre


foram da competência da União e dos Municípios, respectivamente. Os
dispositivos da EC n. 1 ^ 5 que os regulavam eram os seguintes:

" A r t. 11. C o m p e te à U n iã o o im p o s to s o b re p r o d u to s
in d u s tria liz a d o s .

152
DIR EIT O T RIB U TÁ R IO : QUESTÕES ATUAIS

A rt. 15. Com pete aos Municípios o im posto sobre serviços de


qualquer natureza, nâo compreendidos na competência tributária
da União e dos Estados.
Parágrafo único. Lei complennentar estabelecerá critérios para
distinguir as atividades a que se refere este artigo das previstas
no art. 12 (ICM)." {grifo nosso)

A CF/67 determinava em seus arts. 22 e 25, respectivamente, que:

"Art. 22. Compete à União decretar impostos sobre:


(...)

V - produtos industrializados.
A rt. 25. Compete aos M unicípios decretar impostos sobre:
(...)
II - s e rv iç o s de q u a lq u e r n a tu re z a nâo compreendidos na
competência tributária da União ou dos Estados, definidos em lei
com plementar." (grifo nosso)

A EC n. 1/69 nâo m o d ifico u a redação desses dispositivos,


renumerando-os para arts. 21 e 24, respectivamente.
Nos termos do art. 153, IV, da CF^8, compete à União Federal instituir
imposto sobre "produtos industrializados". Já nos termos do seu art. 156, III,
compete aos Municípios instituir o imposto sobre "serviços de qualquer
natureza, nâo com preendidos no art. 155, II (ICMS), definidos em lei
complementar", (grifo nosso).
Vê-se que a Constituição em vigor, diferentemente do que faziam as
anteriores, não mais faz referência à impossibilidade de o ISS incidir sobre
serviços que estejam compreendidos na competência tributária da União.
Ela simplesmente veda que os Municípios tributem com o ISS os serviços
que sejam da competência dos Estados (que estão enumerados no art. 155,
10 . 14°
Mas isso não implica dizer que os Municípios podem tributar atividades
que sejam exercidas no ciclo de industrialização, na medida em que elas se
com preendem na com petência p riva tiva da União. E, p or ciclo de
industrialização, deve-se entender o conjunto de etapas necessárias à
fabricação do produto ou ao seu recondicionamento. Essas etapas se dão na
fase anterior à aquisição do produto para consumo final e, por conseguinte,
estão sujeitas aos impostos que oneram a produção e a circulação (IPI e ICMS).

A n ã o r e f e r ê n c i a à t r i b u t a ç ã o d o s s e r v iç o s q u e e s t i v e s s e m s u j e i t o s à i n c i d ê n c i a d e t r i b u t o s
fe d e ra is p a r e c e - n o s d e v e r - s e a o f a t o d e q u e c o m o a d v e n t o d a CF/88, o s s e r v iç o s q u e a n te s e r a m
da c o m p e tê n c ia da U n iã o (tra n s p o rte s e c o m u n ic a ç õ e s ) p assa ra m , e m sua to t a lid a d e , a
c o m p e t ê n c i a d o s E s ta d o s .

153
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

A partir daquela aquisição, as atividades que tenham aqueles bens por


o b je to passam a t e r a natureza de serviço, su je ita n d o -se ,
consequentemente, ao ISS (se constarem da lista dos serviços tributáveis
pelo imposto municipal).
Essa foi, portanto, a forma adotada pelo legislador constituinte, para
definir, com exatidão, as competências da União e dos Municípios: à primeira
cabe 0 ciclo de produção industrial em todas as suas fases; aos Municípios
permite-se a tributação de serviços que tenham por objeto produtos cujo
ciclo industrial já tenha term inado ou que sejam realizados de maneira
personalizada e destinados ao consumidor final.

As regras de solução de conflitos relativos ao IPI e ao ISS até a vigência


da LC n. 1 1 ^ 3

Tão logo promulgada a EC n. 18^5, foi editado o Código Tributário


Nacional - CTN,"^ que, ao tratar da incidência do IPI, determinou em ser art.
46, parágrafo único: "Art. 46. (...) Parágrafo único. Para os efeitos deste
imposto, considera-se industrializado o produto que tenha sido submetido
a qualquer operação que lhe modifique a natureza ou a finalidade, ou o
aperfeiçoe para o consumo."
Por serem compatíveis com as novas regras, foram recepcionados pelo
CTN e estão em vigor até hoje os dispositivos da legislação referente ao
antigo Imposto sobre Consumo (Lei n. 4.502, de 30 de novembro de 1964),
segundo os quais o conceito de "industrialização" abrange as seguintes
operações: transformação, beneficiamento, montagem, recondicionamento
(restauração), acondicionamento e recondicionamento.
Nos termos do Regulamento do IPI (RIPI - Decreto ns 7.212, de 15 de
junho de 2010), caracteriza industrialização qualquer operação que modifique
a natureza, o funcionamento, o acabamento, a apresentação ou a finalidade
do produto, ou o aperfeiçoe para consumo, tais como:

I - a q u e , e x e rc id a s o b re m a t é r ia s - p r im a s ou p r o d u t o s
i n t e r m e d iá r io s . Im p o r ta na o b te n ç ã o de e s p é c ie n o va
(transform ação);
II - a que im p o rte em modificar, aperfeiçoar ou, de qualquer
form a, alterar o funcionam ento, a utilização, o acabamento ou
a aparência do p ro d u to (beneficiam ento);

" " E m b o r a e d i t a d o c o m o lei o r d i n á r i a - Lei n. 5 ,1 7 2 , d e 2 5 d e o u t u b r o d e 1 9 6 6 • f o i r e c e p c io n a d o


c o m o le i c o m p l e m e n t a r r a t i o n e m a t e r ia e , p e lo m e n o s n o q u e d iz r e s p e i to às m a té r ia s q u e o t e x t o
c o n s t i t u c i o n a l p r e v i u q u e f o s s e m d is c i p li n a d a s p o r lei d e s sa n a t u r e z a .

154
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

III - a que consista na reunião de produtos, peças ou partes e de


que resulte um novo p rod u to ou unidade autônom a, ainda que
sob a mesma classificação fiscal (m ontagem );
IV - a que im p o rte em alterar a apresentação do prod u to , pela
c o lo c a ç ã o da e m b a la g e m , a in d a q u e em s u b s titu iç ã o da
original, salvo quando a embalagem colocada se destine apenas
ao tra n s p o rte da m e r c a d o r ia ( a c o n d ic io n a m e n t o ou
reacondicionam ento); ou
V - a que, exercida sobre p ro d u to usado ou parte remanescente
de p ro d u to d e te rio ra d o ou in u tiliza d o , renove ou restaure o
p ro d u to para utilização (renovação ou recondicionam ento).

Por força do art. 4^, III, da Lei n. 4.502^4, acima referida, segundo o
qual equiparam -se a esta b elecim en to in d u s tria l os que "enviarem
estabelecimento de terceiro, matérias-primas, produtos intermediários,
m ateriais de embalagem , moldes, matrizes ou modelos destinados à
industrialização de produtos do seu comércio", criou-se o in s titu to da
"industrialização por encomenda", sujeita à incidência do IPI porque realizada
na fase de circulação industrial do bem a ser comercializado.
Ao tratar do ISS, o CTN determinou, em seu art. 71:

"A rt. 71. 0 im p o s to de c o m p e tê n c ia dos M u n ic íp io s sobre


s e rv iç o s de q u a lq u e r n a tu re z a te m c o m o f a t o g e r a d o r a
prestação por empresa ou profissional autônom o, com ou sem
estabelecim ento fixo, de serviço que não configure, por si só,
fa to gerador de im posto de competência da União ou dos Estados.
Parágrafo único. Para os e fe ito s d es te a rtig o , considera-se
serviço:
1 - o f o r n e c im e n t o de tr a b a lh o , co m ou sem u tiliz a ç ã o de
máquinas, ferram entas ou veículos, a usuários ou consumidores
fin a is." (grifo nosso)

M uito embora a regra constitucional em vigor à época em que foi


e d ita d o o CTN previsse apenas a edição de lei c o m p le m e n ta r que
distinguisse os serviços que ficariam sujeitos à incidência do imposto
municipal das atividades que se sujeitariam ao ICM (hoje, ICMS), na definição
dos primeiros, o art. 71, parágrafo único, I, do CTN, já estabelecia parâmetro
que servia para distinguir, igualmente, os serviços que se poderiam submeter
ao ISS das atividades de industrialização que configuram a incidência do IPl.
De fato, ao estabelecer que o ISS incidiria sobre o fornecimento de
trabalho "a usuários finais ou consumidores" (expressão que grifamos quando
transcrevemos o artigo), traçava o CTN a linha divisória entre serviços e
atividades que envolvessem mercadorias destinadas a com ércio ou à
indústria pelo seu proprietário.

155
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Com 0 advento do DL n. 834^9, o ISS passou a incidir sobre:

"41. Conserto e restauração de quaisquer o b je tos (exclusive,


em qualquer caso, o fo rn ecim e n to de peças e partes de máquinas
e aparelhos, cujo valor fica sujeito ao im posto de circulação de
m ercadorias).
(...)

47. B e n e fic ia m e n t o , la v a g e m , secagem , t in g im e n to s ,


g alvanoplastia, a c o n d ic io n a m e n to e operações sim ilares, de
o bjetos não destinados à comercialização ou industrialização.
( .. .)
57. Recauchutagem ou regeneração de pneumáticos."

A últim a alteração da lista de serviços antes da edição da LC n.


116/33 foi Introduzida pela LC n. 56/87. Dos 100 itens que compunham
essa lista, destacamos os seguintes, que interessam para o presente
estudo:

" 7 0 - R e c o n d ic io n a m e n to de m o to re s (o v a lo r das peças


fornecidas pelo prestador do serviço fica sujeito ao ICM).
71 - Recauchutagem ou regeneração de pneus para o usuário final.
72 - R e c o n d ic io n a m e n to , a c o n d ic io n a m e n to , p in t u r a ,
beneficiam ento, lavagem, secagem, tin g im en to , galvanoplastia,
a n o d iz a ç ã o , c o r t e , r e c o r t e , p o li m e n t o , p la s tific a ç ã o e
congêneres, de o b je to s não destinados a industrialização ou
com ercialização.
73 * Lustração de bens móveis quando o serviço fo r prestado
para usuário final do o b je to lustrado.
74 - In s ta la ç ã o e m o n ta g e m de a p a re lh o s , m á q u in a s e
e q u ip a m e n to s , p re s ta d o s ao u s u á rio f in a l d o s e rv iç o ,
exclusivamente com m aterial por ele fornecido.
75 - M ontagem industrial, prestada ao usuário final do serviço,
exclusivamente com material po r ele fornecido."

Vê-se, portanto, que as regras em vigor até a edição da LC n. 116/


03 relativas aos possíveis conflitos de competência entre o IPI e o ISS,
estavam contidas nos itens 71, 72, 73 e 75 da lista de serviços anexa à LC
n. 56/87. Por essas regras, a destinação dos bens o b je to s daquelas
atividades é que determinava a incidência de um imposto ou de outro.
Havia, assim , em co n s o n â n c ia com o e s ta b e le c id o no te x to
constitucional, nítida distinção dos campos de incidência do IPI e do
ISS, no que concerne a atividades relacionadas à “ industrialização por
encomenda": tratando-se de bens destinados a comércio ou a indústria,
dentro, porta n to , do ciclo industrial do produto, o im posto incidente
seria o IPI; se tais a tivida d es fossem exercidas fo ra desse ciclo ou

156
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

personalizadas (destinadas ao usuário final), o imposto incidente seria


0 IS S /"'
Na vigência dessas regras, houve várias decisões dos nossos tribunais
relativas às atividades de composição gráfica em que se deixou claro que é
a "personalização" (destinação a consumo final) que caracteriza a incidência
do Im posto m unicipal (em contraposição à Incidência do ICMS e, por
conseguinte, do IPI).
De fato, em 18 de junho de 1976, a 2^ Turma do E. Supremo Tribunal
Federal (STF), por unanimidade, sendo Relator o Ministro Thompson Flores,
decidiu que os serviços de composição gráfica (ai compreendidas a confecção
e impressão de notas fiscais, fichas, talões, cartões e outros) sujeitavam-se
apenas ao ISS (Recurso Extraordinário - RE n. 84.387).
Nesse julgado, ficaram assentadas algumas questões importantes na
matéria. Acatando os argumentos constantes da decisão de primeira instância
que deferira mandado de segurança à empresa, tanto o Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo quanto o STF decidiram que os serviços de impressão
e feitura de notas fiscais, fichas de contas correntes, cartas, talões de pedidos,
cartões e similares confeccionados com papel adquirido pelo contribuinte
ou fornecidos pelos encomendantes ficam sujeitos apenas ao ISS, porque
personalizados.

N o q u e c o n c e r n e às regras r e fe r e n t e s aos c o n f lito s d e c o m p e tê n c ia e n t r e os Estados e M u n ic íp io s


r e la t i v a m e n t e à in c id ê n c ia d o ICMS e ISS, d i s p u n h a m o DL n. 4 06 /6 8 ( q u e , c o m o d it o , a p e s a r d e t e r
s i d o e d i t a d o c o m o d e c r e t o - l e i , t i n h a f o r ç a d e le i c o m p l e m e n t a r , c o n f o r m e j á d e c i d i r a m n o s so s
t r i b u n a is ) e a LC n. 8 7 , d e 13 d e s e t e m b r o d e 1 99 6 (a in d a e m v ig o r ) , d a s e g u in te f o r m a :
DL n 4 0 ^ 8 ( q u e re g u la v a a in c id ê n c ia d o ISS)
“A r t, 8 ' . 0 i m p o s to d e c o m p e tê n c ia d os M u n ic íp io s , s o b re se rviç o s d e q u a l q u e r n a tu re z a , t e m c o m o
fa to g e r a d o r a p re s ta ç ã o p o r e m p re s a ou p ro fis s io n a l a u t ô n o m o , co m ou sem e s ta b e le c im e n to
fi x o , d e s e r v iç o c o n s t a n t e d a lis ta a n e x a .
§ 1°. Os s e rv iç o s in c lu íd o s n a lis t a f i c a m s u je ito s a p e n a s a o i m p o s t o p r e v i s to n es te a r tig o , a in d a q ue
s u a p r e s t a ç ã o e n v o l v a f o r n e c i m e r i t o d e m e r c a d o r ia s " , ( g r if o n os so )
LC n. 87/96 (q u e re g u la a in c id ê n c ia d o ICMS)
'Art. 2°. 0 i m p o s to in c id e s o b r e : (...)
IV • f o r n e c i m e n t o d e m e r c a d o r ia s c o m p r e s t a ç ã o d e s e r v iç o s n ã o c o m p r e e n d i d o s na c o m p e t ê n c i a
tr ib u t á r ia dos M u n ic íp io s ;
V - f o r n e c i m e n t o d e m e r c a d o r ia s c o m p r e s t a ç ã o d e s e rv iç o s s u je ito s a o i m p o s t o s o b r e se rviç o s, d e
c o m p e tê n c ia dos M u n ic íp io s , q u a n d o a lei c o m p le m e n t a r a p lic á v e l e x p re s s a m e n te o s u je ita r à
in c i d ê n c i a d o i m p o s t o e s t a d u a l " ; (...)
A in d a r e l a t i v a m e n t e a essa m a t é r ia , d e t e r m i n a o a r t . 1 5 5 , § 2°, IX, d a CF/88, q u e o IC M S in c id ir á
" s o b r e o v a lo r t o t a l da o p e r a ç ã o q u a n d o m e r c a d o r ia s f o r e m f o r n e c id a s c o m s e r v iç o s n ã o
c o m p r e e n d i d o s na c o m p e t ê n c i a t r i b u t á r i a d o s M u n i c í p i o s " .
As s im , te m - s e q u e ; (a) o ICMS in c id ir á s o b r e o v a lo r t o t a l d a o p e r a ç ã o , q u a n d o m e r c a d o r ia s f o r e m
fo r n e c id a s c o m se rv iç o s n ã o tr i b u t a d o s p e lo ISS (o u seja, n ã o in c lu íd o s na lis ta c o n t id a na LC 5 ^ 7 ) ;
(b ) 0 IC M S e 0 ISS i n c i d i r ã o s o b r e as r e s p e c t i v o s b a s e s d e c á l c u l o , q u a n d o m e r c a d o r i a s f o r e m
f o r n e c i d a s c o m s e r v iç o s t r i b u t a d o s p e lo ú l t i m o i m p o s t o e o r e s p e c t i v o i t e m d a lis ta da LC 56/87
fiz e r expressa m e n ç ã o à in c id ên c ia d o ICMS; (c) o ISS in c id irá s o b re o v a lo r t o t a l da o p e ra ç ã o , q ua n d o
m e r c a d o r ia s f o r e m fo r n e c id a s c o m s e rv iç o s t r i b u t a d o s p e lo im p o s t o , s e m q u e o r e s p e c tiv o ite m da
lis ta fa ç a e x p r e s s a m e n ç ã o à in c i d ê n c i a d o ICMS,

157
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Em 20 de novembro de 1984, por unanimidade, a 1^ Turma do STF, ao


julgar 0RE n. 102.608, assentou os seguintes conceitos:

"C o nsta ta -se qu e a e m b a rg a n te possui a tiv id a d e s diversas,


e fe tu a n d o im p re s s o s p e rs o n a liz a d o s p a ra uso dos
encomendantes, com o ta m b é m efetua impressos destinados à
comercialização com o m ercadorias sujeitas à revenda.
( .. .)
Exato é que a jurisprudência te m sido pacifica no e n ten d im e nto
de que o im posto cobrado (ICM) não incide sobre fornecim entos
de trabalhtos g rá fic o s e n c o m e n d a d o s p o r fre g u e s e s fin a is,
personalizados em nome destes.
(...)

Q u a n d o , to d a v ia , a c o m p o s iç ã o g rá fic a é d e s tin a d a à
com ercialização em geral, não sendo personalizada, ai deve
incidir o ICM.
Entre os impressos encomendados (os que não fo ra m sujeitos
ao ICM), apurar-se-á os que fo ra m adquiridos para consumo do
p r ó p r i o e n c o m e n d a n te , e s ta n d o nesse caso os r ó tu lo s ,
embalagens, e tiq u e ta s e o u tro s nessas circunstâncias, m u ito
em bora tenham -se Integrado ao p ro d u to a ser vendido, como
roupagem. Sobre esses não incidirá o ICM e apenas o im posto
sobre serviços."

Em decisão datada de 11 de outubro de 1985, no RE n. 106.069, a 1^


Turma do E. STF, sendo Relator o Ministro Rafael Mayer, assim decidiu:

ISS. Serviço gráfico por encomenda e personalizado. Utilização


em produtos vendidos a terceiros.
A fe itu ra de rótulos, fitas, etiquetas adesivas e de identificação
de p ro d u to s e m e r c a d o r ia s , sob encom enda e
personalizadamente, é atividade de empresa gráfica sujeita ao
ISS, o q u e nã o se d e s fig u ra p o r u tiliz á - lo s o c lie n t e e
encom endante na embalagem de produtos po r ele fabricados e
vendidos a terceiro.
Recurso e x tra ord iná rio coniiecido e provido.

Apreciando o RE interposto pelo contribuinte, afirmou o Min. Rafael


Mayer:

Como está incontroverso nos autos, a d m itid o em todos os juízos,


a atividade da Recorrente se cum pre na feitura de rótulos, fitas,
etiquetas adesivas e de identificação de produtos e mercadorias,
para embalagens etc. Não há a m e n o r dúvida de que tais serviços
são prestados por encom enda do cliente, e o que a empresa
oferece nos seus trabalhos é rigorosamente personalizado em

158
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

atenção ao exclusivo interesse do encom endante. A diferença


que o venerando acórdão te m por específica, capaz de desfigurar
a prestação do serviço gráfico, po r encomenda e personalizado,
está em que eles são u tiliz a d o s p elos e n c o m e n d a n te s nos
produtos po r eles fabricados e vendidos a terceiros. Assim, os
artigos não seriam consum idos pelo e n co m e n d a n te mas po r
este utilizados em p ro d uto s para revenda. Diz o acórdão que
essa finalidade é tão im p o rta n te q uanto a marca nele impressa,
o que não se dá em relação a outros impressos, cuja composição
é principal em relação ao papel que as recebe.
Na v e rd a d e , a a tiv id a d e da e m p re sa é típ ica p re s ta çã o de
serviços a d e te rm in a d o s clientes, p o r e n co m e n d a , e para a
confecção de artigos que som ente eles utilizam.
Não há, nessa atuação, um ingresso na circulação dos produtos
pela qual se devesse sujeitar ao ICM. Tenho que o uso fe ito pelo
encom endante, e o uso a que se destina o artigo, não reflui para
descaracterizar a tip ic id a d e do serviço gráfico personalizado
que faz subsumi-lo na incidência do ISS, po r suas características,
sendo aquela uma atividade de empresa prestadora de serviço.

Podem ainda ser citadas as seguintes decisões do STF, todas no sentido


de que os serviços gráficos realizados sob encomenda do cliente e para seu
uso ficam sujeitos apenas ao ISS:

RE 87.633 - SP, e m 15 d e d e z e m b r o d e 1978; RE 110.944 - SP,


e m 30 d e s e t e m b r o d e 1986; RE91.562 - MG, e m 26 d e o u t u b r o d e
1979; RE 111.566 - SP, e m 25 d e n o v e m b r o d e 1986; RE 92.481 -
RS, e m 08 d e s e t e m b r o d e 1981; RE 113.114 - MG,e m 05 d e a b ril
d e 1988; RE 93.053 - MG, e m 19 d e m a i o d e 1981; AGR 78.816 -
MG, e m 05 d e a g o s to d e 1980; RE 93.319 - SP, e m 24 d e n o v e m b r o
d e 1981; AGR 80209 - SP, e m 16 d e m a r ç o d e 1981; RE 93.993 - RJ,
e m 05 d e m a i o d e 1981; AGR 80.500 - SP, e m 02 d e a b r il d e 1981;
RE 94.939 - RJ, e m 03 d e n o v e m b r o d e 1981; AGR 80.626 ■ SP,.e m
04 d e a b r il d e 1981; RE 96.047 - SP, e m 12 d e f e v e r e ir o d e 1982;
AGR 80.662 - SP, em 08 de m a i o de 1981; RE 97.537 - AM, em 28
de setem bro de 1982; AGR 80.778 - SP, em 06 de o u tu b ro de 1980;
RE 102.482 - SP, em 01 de ju n h o de 1984; AGR 81.113 - SP,.em 04
de a b r il de 1981; RE 102.608 - SP, em 20 de novem bro de 1984;
AGR 81.867 - PR,.em 23 de a b r il de 1981; RE 102.948 - SP, em 14
de agosto de 1984; AGR 82.608 - RJ, em 25 de março de 1981; RE
106.069 - SP, em 11 de o u tu b ro de 1985; AGR 83.983 - RJ, em 26
de agosto de 1981; RE 106.438 - SP, em 15 de a b r il de 1986; AGR
87.411 - SP, em 29 de a b r il de 1982; RE 106.800 - SP, em 11 de
outubro de 1986; AGR 88.277 - SP, em 29 de ju n h o de 1982; RE
107.111 - SP, em 18 de f e v e r e ir o de 1986; AGR 88.389 - SP, em 03
de agosto de 1982.

159
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

N o S u p e r i o r T r i b u n a l d e J u s tiç a (STJ), c h e g o u a s e r S u m u la d o o
e n t e n d i m e n t o d e q u e " a p r e s t a ç ã o d e s e r v iç o d e c o m p o s i ç ã o g r á f ic a ,
p e r s o n a l iz a d a e s o b e n c o m e n d a , a in d a q u e e n v o lv a f o r n e c i m e n t o d e
m e rc a d o ria s , está s u je ita , a p e n as, a o ISS". (S ú m u la n. 156).
Eis as e m e n ta s d e a lg u m a s das vá rias d e cis õ e s q u e le v a ra m o T rib u n a l
a e d it a r essa S ú m u la :

"Tributário. Serviço gráfico por encomenda e personalizado.


Incidência, apenas, de ISS. - A fe itura de rótulos, fitas, etiquetas
adesivas e de id e n tific a ç ã o de p ro d u to s e m e rca d o ria s sob
encomenda e personalizadamente é atividade de empresa gráfica
sujeita ao ISS, o que não se desfigura po r utilizá-los o cliente e
o encom endante na embalagem de produtos po r ele fabricados
e vendidos a terceiros. - Precedentes do STF e do STJ. - Recurso
conhecido e provido.
(REsp. 1.23E/SP, j. em 21 de agosto de 1991, 2^ Turma, unânime,
Rei. Min. Hélio M osim ann, Revista do Superior Tribunal de Justiça
_ R S T Jn.86, p .l3 7 )

"Tributário. ISS. ICM. Etiquetas adesivas feitas sob encomenda.


Adjunção a produtos destinados à venda. DL n. 4 0 ^ 8 . CC, art.
6 1 5 , § 1. A c o m p o s iç ã o de e tiq u e ta s a de s iva s fe ita s sob
encom enda de d e te rm in a d o c liente que as a ju nta rá a produtos
finais com o e le m e n to de identificação garantia ao DL n. 4 0 ^
66, como hipótese incidência de ISS - não de ICM. A circunstância
de tais e tiq u e ta s serem ajuntadas a p ro d u to s vendidos pelo
e n c o m e n d a n te é Irre le v a n te , pois a e tiq u e ta te rá p e rd id o
identidade, pelo fe nôm eno da adjunção {CC, art. 615, § T ) .
(REsp. 5.808-0/SP, j. Em 02 de dezem bro de 1992, 1^ Turma,
unânim e. Rei. M in . H u m b e rto Gomes de Barros, RSTJ n. 86, p.
140)

"ICMS. Atividades de composição gráfica. Embalagem. Não-


ín cidên cia. Os s e rv iç o s de c o m p o s iç ã o g rá fic a q u e e stã o
incluídos na lista só estão sujeitos ao ISS e não ao ICM, mesmo
q u a n d o sua pre s ta ç ã o e nvolva ta m b é m o fo r n e c im e n to de
m e rca d o ria s . Não fez o le g is la d o r q u a lq u e r d is tin ç ã o e n tre
serviços personalizados, fe ito s p o r e n co m e n d a , de serviços
g e néricos de c o m p o siç ã o grá fica d e stin a do s ao p ú b lico em
geral. Recurso Im p ro vid o ."
(REsp. 37.548-7/SC, ju lg a d o em 15 de s e te m b ro de 1993, 1§
Turma, unânim e. Rei. M in. Garcia Vieira, RSTJ n. 86, p. 149)

Da ju r is p r u d ê n c ia d o STF e d o STJ a c im a c ita d a , e x tr a e m -s e as s e g u in te s


c o n c lu s õ e s :

160
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

a) para sujeitar-se apenas ao ISS deve o serviço gráfico ser realizado


sob “encomenda" do cliente;
b} é indispensável que os produtos se destinem ao uso próprio do
encomendante, isto é, que não se destinem a industrialização ou
comercialização, entendida a expressão "uso p ró prio" como a
utilização do produto no fim a que se destina; não é necessário
que 0 produto seja consumido em definitivo pela encomendante,
mas que este dê ao produto sua destinação própria (cartões de
visita destinam-se a ser entregues a terceiros; notas fiscais são
emitidas para remessa aos compradores de mercadorias, etiquetas
são utilizadas na marcação de produtos do encomendante e assim
por diante);
c) os produtos devem ser "personalizados", de forma a torná-los
impróprios ao uso de terceiros, e confeccionados, desde o início,
para certo e determinado cliente.

Se, por outro lado, não houver a personalização acima referida e as


atividades em questão forem exercidas no ciclo industrial, o imposto
incidente será o ICMS (e consequentemente o IPI), conforme se verifica na
decisão cuja ementa transcrevemos abaixo:

T r ib u t á r io . A c o n d ic io n a m e n to de gases in d u s t r ia is .
Comercialização. Incidência de ICM. 0 item 47 da relação anexa
ao DL n. 4 0 6 ^ 8 referia-se ao acondicionam ento de coisas não
d e s tin a d a s à in d u s t r ia liz a ç ã o ou c o m e rc ia liz a ç ã o . 0
a c o n d ic io n a m e n to de gases in d u s t r ia is , v e n d id o s p e lo
fa b ric a n te , não c o n s titu i o p era çã o g e ra triz do ISS. Recurso
Im provido."
(REsp. 385.873/SP,j, Em 16 de maio de 1 9 94 ,1 ^ Turma, unânime,
DJ S.l 05 de ju n h o de 1994, p. 14.237)

A incidência do IPI e do ISS na "industrialização por encomenda"


após a vigência da LC n. 1 1 ^ 3

Como visto na seção anterior, segundo a regra em vigor antes da edição


da Lei Complementar n. 116^3, as operações de industrialização ficariam
sujeitas ao IPI e ao ICMS se os produtos resultantes se destinassem ao
comércio ou à indústria, ficando submetidas ao ISS se destinados ao uso
próprio do encomendante.
A Lei Complementar n. 116/33, ao definir os serviços que podem ser
colhidos pelo imposto municipal, estabelece, em seu inciso 14, que o ISS
incide sobre "serviços relativos a bens de terceiros", sem alusão ao fato de
que esses "terceiros" sejam os consumidores finais do produto.

161
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Na atual lista, podem configurar industrialização as seguintes atividades:

"1 4 .0 1 - L u b rific a ç ã o , lim p e za , lu s tra ç ã o , revisão, carga e


re ca rg a, c o n s e rto , restauração, b lin d a g e m , m a n u te n ç ã o e
conservação de máquinas, veículos, aparelhos, equipamentos,
motores, elevadores ou de qualquer o bjeto (exceto peças e partes
empregadas, que ficam sujeitas ao ICMS).
(...)

14.03 - Recondicionamento de motores (exceto peças e partes


empregadas, que ficara sujeitas ao ICMS).
14.04 - Recauchutogem ou regeneração de pneus.
14.05- Restauração, recondicionamento, acondicionamento,
p in t u r a , beneficiamento, la v a g e m , s e c a g e m , tingimento,
galvanoplastia, anodização, c o r t e , r e c o r t e , p o lim e n t o ,
plastificação e congêneres, de objetos quaisquer.
( .. .)

14.08 - Encadernação, gravação e douração de livros, revistas e


congêneres.
(...)

14.11 - Tapeçaria e reforma de estofamentos em geral.


14.12 - Funilaria e lanternagem." (grifos nossos)

A não referência pela LC n. 1 1 ^ 3 ao fato de o serviço se destinar a


consumidor fina! poderá ensejar que os Municípios pretendam fazer incidir
0 ISS sobre operação que se encontra no ciclo de industrialização do produto,
o que nos parece violar o princípio de competência privativa que informa
nosso sistema tributário, que reserva à competência federal e estadual os
impostos sobre a produção e a circulação de mercadorias, respectivamente
(CTN, Livro i, capítulo IV).
De fato, se uma indústria remete produtos semimanufaturados para
serem beneficiados em estabelecimento industrial de terceiro, devendo
os produtos beneficiados retornar ao estabelecimento encomendante para
fins de comércio ou industrialização, a operação de "beneficiamento" nada
mais é do que uma etapa do processo de industrialização, que, por se
inserir na fase industrial, deve ficar sujeita à incidência do IPI e do ICMS, e
não do ISS.
Vários dos subitens do item 14 da LC n. 1 1 ^ 3 compreendem serviços
que poderão, ou não, ser prestados ao usuário final; se o encomendante
não fo r o usuário final, mas destina os bens à comercialização ou à
industrialização, o serviço estará ainda na fase Industrial, e deve ficar sujeito
à incidência do IPI e do ICMS.
Note-se, ainda, que o item 14.06 trata de "instalação e montagem de
aparelhos e máquinas, inclusive montagem industrial, prestados ao usuário
final, exclusivamente com material por ele fornecido; da mesma forma, o

162
D IR E IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

item 14.09 cuida de serviços de "alfaiataria e costura, quando o material for


fornecido pelo usuário final, exceto aviamento".
A circunstância de alguns poucos itens da lista de serviços fazerem
referência ao fato de os mesmos serem prestados a "consumidor final" não
significa que os demais - que não contêm tal Indicação - possam ficar
indiscriminadamente sujeitos à incidência do ISS, quando os produtos sobre
os quais se exerçam as atividades neles referidas se encontrem no ciclo de
produção industrial. Sustentar-se o contrário será perm itir a invasão da
competência federal pelos Municípios.
Esse nosso entendimento não foi acolhido no âmbito das duas Turmas
de Direito Público do STJ, tribunal com petente para decidir em última
instância as questões de ordem infraconstitucional, como se verifica:

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO


AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARTIGOS97 E 110 DO CTN. REPETIÇÃO
DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL APRECIAÇÃO VEDADA EM
RECURSO ESPECIAL INDUSTRIALIZAÇÃO POR ENCOMENDA. ISS.
INCIDÊNCIA. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A
JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. SÚMULA N. 83/STJ. 1. Caso em
que a agravante insurge-se contra a decisão a quo que reconheceu
cabível a incidência do ISS nas operações de industrialização
por encomenda. 2. A análise da violação dos artigos 97 e 110 do
C ód ig o T r ib u t á r io N a c io n a l, p o r re p r o d u z ir e m p rin c íp io s
e n ca rta d o s em norm a s da C on stitu içã o da República, não é
admitida na via especial, sob pena de usurpaçao da competência
do Supremo Tribunal Federal. Precedentes: REsp 828.93VPR» Rei.
M inistro Castro Meira, Segunda Turma, DJ 29/5(2006: e AgRg nos
EDcl no REsp 1.098.21S/SP, Rei. M in is tro H erm an B enjam in,
Segunda Turma, DJe 9/11/2009. 3. A jurisprudência do STJ firm ou-
se no s e n tid o de que "a 'in d u s tria liz a ç ã o p o r e n co m en d a ',
elencada na Lista de Serviços da Lei C om plem entar 116/2003,
caracteriza prestação de serviço (obrigação de fazer), fato jurídico
tributável pelo ISS". Precedentes: REsp 1.097.249/ES, Rei. Ministra
Denise A rrud a , Prim eira Turm a, DJe 26/11/2009; AgRg no Ag
1.279.303/RS, Rei. M in istro Herman Benjamin, Segunda Turma,
DJe 2 1 / ^ 0 1 0 e REsp 888.8S2/ES, Rei. M inistro Luiz Fux, Primeira
Turma, DJe 1/12/2008. 4. Agravo regimental não provido."
(Agravo Regimental no Agravo de In strum ento - AgRg no Ag
1362310/RS, re la to r M in istro BENEDITO GONÇALVES, Primeira
Turma, em 01.09.2011)

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO POR


ENCOMENDA. ISSQN. INCIDÊNCIA. 1. A "in d u stria liz a çã o por
encomenda", elencada na Lista de Serviços da Lei Com plementar
116/2003, caracteriza prestação de serviço (obrigação de fazer).

163
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

fa to jurídico tributável pelo ISS. Precedentes do STJ. 2. Agravo


Regimental não provido."
(AgRg no Ag 1279303/RS, relator M in istro HERMAN BENJAMIN,
Segunda Turma, em 06.05.2010)

Entretanto, em abril de 2011, o Plenário do STF, ao julgar a Medida


Cautelar proposta na Ação Direta de Inconstitucionalldade ns 4.389-DF, de
que foi relator o Ministro JOAQUIM BARBOSA, adotou o nosso entendimento,
como se verifica:

"CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONFLITO ENTRE IMPOSTO


SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA E IMPOSTO SOBRE
OPERAÇÃO DE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E DE SERVIÇOS
DE COMUNICAÇÃO E DE TRANSPORTE INTERMUNICIPAL E
INTERESTADUAL PRODUÇÃO DE EMBALAGENS SOB ENCOMENDA
PARA POSTERIOR INDUSTRIALIZAÇÃO (SERVIÇOS GRÁFICOS).
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE AJUIZADA PARA DAR
INTERPRETAÇÃO CONFORME AO O ART. 1^, CAPUT E § 29, DA LEI
COMPLEMENTAR 116/2003 E 0 SUBITEM 13.05 DA LISTA DE
SERVIÇOS ANEXA. FIXAÇÃO DA INCIDÊNCIA DO ICMS E NÃO DO
ISS. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA. A té o ju lg a m e n to final e com
eficácia apenas para o fu t u r o (ex nunc), concede-se m edida
c a u te la r para i n t e r p r e t a r o a r t. i s , c a p u t e § 2 S, da Lei
C o m p le m e n ta r 1 1 ^ 0 0 3 e o su b ite m 13.05 da lista de serviços
anexa, para re co n h e ce r que o ISS não incide sobre operações
d e i n d u s t r i a li z a ç ã o p o r e n c o m e n d a d e e m b a la g e n s
d e s tin a d a s à in te g ra ç ã o ou u tiliz a ç ã o d ir e ta em processo
s u b s e q ü e n t e de I n d u s t r i a li z a ç ã o o u de c ir c u la ç ã o de
m ercad oria . Presentes os req u is ito s con stitu cio n a is e legais,
incid irá o ICMS."

Transcreve-se, abaixo, trechos dos votos proferidos por ocasião do


julgamento:

0 SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA (RELATOR):

"(...) Para o aparente co n flito entre o ISS e o ICMS nos serviços


g rá fic o s , n e n h u m a q u a lid a d e in trín s e c a da p r o d u ç ã o de
embalagens resolverá o impasse. A solução está no papel que
essa atividade te m no ciclo produtivo. C onforme se depreende
d os a u to s , as e m b a la g e n s tê m fu n ç ã o té c n ic a na
industrialização, ao pe rm itire m a conservação das propriedades
fís ic o -q u ím ic a s dos p r o d u t o s , b e m c o m o o t r a n s p o r te , o
m a n u s e io e o a rm a z e n a m e n to dos p ro d u to s . Por fo rç a da
legislação, tais em balagens podem ainda e x ib ir inform ações
relevantes aos consum idores e a quaisquer pessoas que com

164
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

ela terão contato. Trata-se de típico ínsumo. Neste m o m en to de


juízo inicial, te n h o com o densamente plausível a caracterização
desse ti p o de a tiv id a d e c o m o c irc u la ç ã o de m e rc a d o ria s
("venda"), ainda que fabricadas as embalagens de acordo com
especificações do cliente, e não como a contratação de serviço.
Aliás, a ênfase na encom enda da industrialização parece-m e
insuficiente para c o n tra ria r a tese oposta. Diante da sempre
crescente com plexidade técnica das atividades econômicas e
da legislação regulatória, não é razoável esperar que todos os
tip o s de in v ó lu c ro sejam p ro d u zid o s de a n te m ã o e postos,
in d is tin ta m e n te , à disposição das p a rte s interessadas para
eventual aquisição.
Nem é a d e q u a d o p re te n d e r q u e as a tiv id a d e s econôm icas
passem a ser verticalizadas, de m o d o a levar os agentes de
mercado a absorver todas as etapas do ciclo produtivo.
A s s im , não há com o e q u ip a r a r a p ro d u ç ã o g rá fic a
personalizada e encom endada para uso p o n tu a l, pessoal ou
empresarial, e a produção personalizada e encom endada para
fazer parte de com plexo processo p ro d u tiv o destinado a por
bens em com ércio. Por fim , há d etalh e final que m erece ser
exposto. A alíquota média do ICMS é de 18%, m u ito s up e rior à
a líquota máxima do ISS, de 5%. A pretensão dos co n trib u in te s
te m am paro econôm ico e se alinha com a harm onia e ntre carga
e benefício e co n ôm ico que deve o rie n ta r a trib u ta ç ã o . Se o
ICMS incidir, o va lo r cobrado poderá ser usado para calibrar
0 tr ib u to devido na operação subseqüente, nos te rm o s da regra
co n stitu cio n a l da n ã o -cu m u la tivid a d e. Em se n tido c o n trá rio ,
ainda que n o m in a lm e n te inferior, a incidência do ISS agrega-
se ao custo da p rodução e da venda subseqüentes, onerando-
as sem a p o s s ib ilid a d e de c o m p e n sa ç ã o . Não se tr a ta de
s im p le s m e n t e de p a g a r m e n o s , m as de r e c o lh e r o qu e
e fe t iv a m e n te d e v id o e a q u e m é o s u je ito a tiv o p re v is to
c o n s titu c io n a lm e n te .

A SENHORA MINISTRA ELLEN 6RACIE;

"{...) No que diz respeito ao ICMS e ao ISS, fez com que fossem
excludentes um do o utro: ou a situação enseja a instituição de
ICMS ou de ISS, jam ais dos dois sim ultaneam ente.
No art. 155, II, colocou as operações relativas à circulação de
mercadorias e a prestação de alguns poucos serviços (transporte
interestadual e interm unicipal e comunicações) na competência
dos Estados, a títu lo de ICMS. No art. 156, III, colocou os demais
serviços de qualquer natureza, definidos em lei complementar,
na com petência dos Municípios.
Assim, a circulação de mercadorias ficou com os Estados.

165
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

A prestação de serviços ficou dividida e n tre os Estados (quando


de tra n sp o rte interestadual e interm unicipal e de comunicação)
e os Municípios (os demais, listados em lei com plem entar). (...)

8. No caso dos autos, o o b je to principal do c o n tra to é a produção


e a entrega de embalagens. Este o fim colimado. Por ce rto que as
embalagens devem te r tais ou quais características e que sua
p rodução seja fe ita sob encom enda, para a c o n dic io n am e n to
dos produtos do con tra ta n te, conte nd o a impressão da marca e
demais inform ações necessárias ou úteis. Mas o o b je tivo final
é a produção e a circulação das embalagens com o um to d o , em
grande núm ero, para utilização pela co n tra ta n te em seu próprio
processo produtivo.
Podemos te r uma em balagem sem q ualquer impressão e não
d e ix a rá de se r um a e m b a la g e m , ca p a z de a c o n d ic io n a r
mercadorias, protegendo-as e fa cilita n do seu tra nspo rte . Mas
a im pressão em um m a te ria l incapaz de a c o n d ic io n a r uma
mercadoria não é uma embalagem. A atividade de impressão de
marca e inform ações na embalagem não constitui senão uma
das etapas do processo pro d u tivo e sequer pode ser considerada
c o m o das m ais im p o r ta n t e s . De nada a d ia n ta à in d ú s tria
com pradora das embalagens que delas constem as inscrições
necessárias, se fo re m entregues em dimensões inadequadas ao
p ro d u to que nelas será acondicionado, se o m aterial não fo r
a p ro p ria d o à sua p ro te ç ã o ou co n se rva ç ã o , se não t iv e r a
re s is tê n c ia n ecessária para o e m p ilh a m e n t o e tr a n s p o r te
pretendidos.
Aliás, c o n fo rm e bem destacado no parecer de M arco A uré lio
Greco: " 0 cerne da contratação não é o 'im p r im ir papel (ou
p lá s t ic o ) e m b r a n c o c o m c e r t o s d iz e r e s ', m as f o r n e c e r
embalagens de papel (ou plástico) com certas características
de ta m a n h o , fo rm a , re sistê n cia , q u a lid a d e s físico quím icas
etc. e nas quais e stejam impressos certos dizeres, desenhos
etc.". (...)

9. Cabe destacar, ainda, que a incidência de ICMS na venda


de em balagens preserva o m ecanism o da n ã o-cu m u la tivid a d e ,
p e r m i t i n d o q u e fl u a o s is te m a de c r é d i t o s e d é b it o s
re sp e ctivo s.
C o n fo rm e bem e s c la re c id o p o r M a rc o A u ré lio G reco no já
re fe rid o parecer, a fabricação das em balagens é "e ve n to que
se e n c o n tra no m e io do ciclo de fabrica çã o do p ro d u to fin a l
a ser colocado no m ercado", sendo que a sua caracterização
c o m o s im p le s p r e s t a ç ã o d e s e r v iç o s g r á f ic o s , a lé m de
equivocada, im p lica ria o e s to rn o dos cré d ito s a n te rio rm e n te
a p r o p r i a d o s p e la s i n d ú s t r i a s g r á f ic a s e i m p e d i r i a o
c re d ita m e n to petas em presas a dq u ire n te s.

166
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

A dem ais, geraria "u m a d is to rç ã o na n ã o -c u m u la tiv id a d e do


ICMS; a rigor, frustra o o b jetivo constitucional desse mecanismo
( d ilu ir a exigência do ICMS p o r t o d o o ciclo e c o n ô m ic o de
c irc u la ç ã o de m e r c a d o r ia s ), p o is i n t r o d u z u m im p o s to
cum ulativo (I5S) no ciclo econôm ico de mercadorias sujeitas a
um im posto não-cum ulativo (ICMS). Rompe-se a seqüência da
n ã o - c u m u la tiv id a d e e o n e ra m - s e os c u s to s de a m b o s
(fabricantes e adquirentes de embalagens). {...)"

Embora esse julgado faça referência aos serviços de composição gráfica


previstos no subitem 13.05 da lista de serviços anexa à LC ns 116/33, parece-
nos perfeitamente aplicável aos demais serviços objeto do nosso exame, na
medida em que as suas razões deixam claro que o entendimento do Plenário
do STF (ainda que em sede de medida cautelar) é no sentido de que não
estão sujeitas à incidência do ISS as atividades exercidas no ciclo de
industrialização dos produtos.
Tem-se, portanto, que, mesmo após a edição da LC 116/33, as
operações de industrialização por encomenda relacionadas com o ciclo de
industrialização ou comercialização continuam sujeitas ao IPI.

Conclusão

As atividades de recondicionamento, acondicionamento, montagem


e beneficiamento, quando isoladamente consideradas, podem configurar
industrialização ou prestação de serviços.
Nos termos em que atribuída constitucionalmente a competência
tributária à União e aos Municípios, essas atividades serão tributadas pelo
IPI quando configurarem industrialização, e pelo ISS, quando configurarem
prestação de serviços.
Mas, tais a tividades, em si consideradas, não apresentam
características próprias que permitam identificar quando se está diante de
uma situação ou de outra. 0 que permite essa definição é a constatação de
tais atividades estarem sendo exercidas no ciclo de industrialização do
produto. Se fo r esse o caso, o trib u to incidente será o IPI, em razão da
expressa atribuição de competência à União para trib u ta r os produtos
decorrentes daquele ciclo. Nas demais hipóteses, em que aquelas atividades
estejam sendo exercidas por encomenda de um usuário final, o imposto
incidente será o ISS.
Na "industrialização por encomenda", é indiscutível que aquelas
atividades se dão no ciclo de industrialização, na medida em que o
encom endante, co n fo rm e o que d ete rm in a a legislação em vigor,
necessariamente destina o produto dela resultante ou à nova fase de
industrialização ou à comercialização.

167
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

Essa é a conclusão a que se chega à luz do modo como foi atribuída


competência tributária à União e aos Municípios. Interpretação contrária
acarretaria violação dos princípios constitucionais que regem a matéria.
A ausência na LC n. 1 1 ^ 3 de regra que determine com clareza quando
se dará a incidência daqueles impostos poderia levar a uma das seguintes
conclusões:

a) im possibilidade de incidência de ambos os trib u to s na


"industrialização por encomenda" por falta de regra que discipline
como 0 conflito de competências se resolve na hipótese, conforme
decidiu o STF no julgamento do ADIR e do ICMS sobre transporte
aéreo; ou
b) incidência exclusiva do IPI quando o exercício dessas atividades se
dê no ciclo de industrialização do produto.

Essa segunda opção parece-nos ser a que deva prevalecer, na medida


em que está em conformidade com as normas constitucionais que definem
a competência impositiva da União Federal.
De acordo com a sistemática decorrente dessas normas, a União tem
competência para trib u ta r operações (transform ação, beneficiam ento,
montagem, recondicionamento e acondicionamento) que sejam realizadas
nas etapas que integram o ciclo industrial, ou seja, que destinem os produtos
delas decorrentes a novas fases de industrialização ou ao comércio.
A competência dos Municípios, desde a CF/%7, sempre foi residual,
conforme anteriormente demonstrado. Assim, nada impede que constem
da lista de serviços tributáveis pelo ISS atividades que, objetivam ente
consideradas, tenham as mesmas características daquelas que configuram
industrialização, nos termos das regras que regem a incidência do IPI. Mas,
tais atividades jamais poderão sujeitar-se ao imposto municipal se realizadas
numa das etapas do ciclo de industrialização.
Assim, a interpretação dos subitens 14.01, 14.03, 14.04, 14.05, 14.06,
14.12 e 14.13 da LC n. 1 1 ^ 3 , deve ser no sentido de que as atividades neles
elencadas, quando realizadas numa operação de "industrialização por
encom enda", não poderão sujeitar-se à incidência do ISS p or serem
atividades exercidas ainda no ciclo de industrialização dos produtos, dentro,
portanto, da competência federal.

168
D IRE IT O T R IB U T Á R IO QUESTÕES ATUAIS

OBRIGAÇÕES TRIBUTÁRIAS ACESSÓRIAS NA PERSPECTIVA


DO DEVER FUNDAMENTAL DE CONTRIBUIR COM OS GASTOS
PÚBLICOS: U M A REFLEXÃO ACERCA DOS CRITÉRIOS PARA
SUA INSTITUIÇÃO*

Henrique da Cunha Tavares"^


Adriano Sant'Ana Pedra

RESUMO

0 cu m p rim e n to do dever fundam ental de co n trib u ir com os gastos públicos é essencial


para a arrecadação dos recursos financeiros necessários à concretização dos direitos
fundam entais pelo Estado. As obrigações tribu tária s ditas acessórias desempenham
um papel p rim o rd ia l na fiscalização do c u m p rim e n to desse d e ve r fu n d a m e n ta l.
C ontudo, a in s titu içã o de deveres in s tru m e n ta is a serem desem penhados pelos
c o n trib u in te s e te rce iro s, em uma escalada progressiva de tra nsferência para os
particulares de tarefas de administração, gestão e fiscalização de trib u to s inerentes
ao Estado, deve ser examinada não só sob o aspecto do princípio da legalidade,
p ró p rio da seara trib u tá ria , mas ta m b ém à luz dos direitos, liberdades e garantias
fu n d a m e n ta is das pessoas. Este a rtig o busca analisar, sob o viés da te o ria dos
deveres fundam entais, os critérios que devem ser observados para a instituição das
obrigações trib u tá ria s acessórias.

Palavras-chave: dever fun dam ental. Obrigação trib u tá ria acessória. Critérios.

ABSTRACT

The a ccom plishm ent o f th e fu n d a m e n ta l d u ty to c o n trib u te to public spending is


essential fo r collection th e financial resources needed to materialize th e constitutional
rights. The accessory tax obligations play th e role o f th e ancillary in the enforcem ent
o f this fu n d a m e n ta l duty. However, th e im p o s itio n o f in s tru m e n ta l d uties to be
p erfo rm e d by taxpayers and th ird parties, in an escalating progressive tra nsfe r to
th e private a d m in istra tio n, m anagem ent and supervision o f taxes in h e re n t to the

• A r tlg o p r o d u z id o a p a r t i r das d is cu ssõ e s d o g r u p o d e p esquisa " E s ta d o , D e m o c r a c ia C o n s titu c io n a l


e D ir e i t o s F u n d a m e n t a i s ” d o P r o g r a m a d e P ó s - G r a d u a ç ã o S t r i c t o S e ns u e m D ir e i t o s e G a r a n t ia s
F u n d a m e n ta is d a F a c u ld a d e d e D ir e i t o d e V i t ó r i a - FDV.
M e s t r a n d o e m D ir e i t o s e G a r a n t ia s F u n d a m e n t a i s p e la F a c u ld a d e d e D i r e i t o d e V i t ó r i a . Pós-
g r a d u a d o e m D ir e ito T r i b u t á r i o p ela F a c u ld a d e C â n d id o M e n d e s . A d v o g a d o . P re s id e n te da C om issão
Especial d e E s tu d o s T r i b u t á r i o s da OAB d o E sp írito S anto.
D o u t o r e m D ir e ito C o n s titu c io n a l (PUC/SP). M e s t r e e m D ir e ito s e G a r a n tia s F u n d a m e n ta is (FDV).
M e s t r e e m F ís ic a (UFES), P r o f e s s o r d o P r o g r a m a d e P ó s - G r a d u a ç ã o e m D i r e i t o s e G a r a n t i a s
F u n d a m e n ta is - M e s t r a d o e D o u t o r a d o - d a FDV. P r o c u r a d o r Fe d era l.

169
DIRE IT O TR IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

State, must be examined no t only fro m th e aspect o f th e principle o f legality, b u t also


in light o f th e rights, freedom s and guarantees o f citizens. This article seeks, through
a literature review, and under th e bias o f th e th e o ry o f th e fundam ental duties, th ro w
some thoughts about th e lim its th a t should be observed fo r th e im position o f accessory
tax obligations.

1. Introdução

0 tema dos deveres fundamentais foi relativamente esquecido pela


doutrina e jurisprudência, principalm ente se comparado à importância
dispensada aos direitos. A prevalência no tratamento dos direitos em relação
aos deveres é ainda mais verificado em países que promulgaram suas atuais
constituições logo após a queda de regimes totalitários ou autoritários
{NABAIS, 2004, p. 16), como é o caso do Brasil.
Para a maioria das pessoas, o vocábulo dever fundam ental ainda
remete à ideia de limitação de direitos, castração de liberdades Individuais
e autoritarismo Estatal. Contudo, o estudo dos deveres fundamentais tem
se consolidado exatam ente no sentido contrário: o cu m p rim e n to dos
deveres fundamentais como meio de concretizar direitos constitucionais.
0 d ire ito c o n stitu c io n a l ao m eio a m b ien te ecologicam ente
equilibrado, por exemplo, está intim am ente ligado ao cum prim ento do
dever fundam ental que cada cidadão tem de protegê-lo e preservá-lo,
conforme dispõe o caput do art. 225, da Constituição Federal^"\
0 dever fundamental de contribuir para os gastos públicos, por sua
vez, está diretamente associado à concretização da maioria dos direitos,
constitucionais ou não. Isso ocorre por uma razão simples e inegável: direitos
custam dinheiro.
A concretização de d ire ito s como educação, saúde, segurança,
habitação, entre outros, só se realiza por meio de relevantes recursos
financeiros. Até mesmo direitos constitucionais relativos a liberdades
individuais do cidadão, cuja participação esperada do Estado é negativa
(GARZÓN VALDÉS, 1986, p. 17-33; LAPORTA, 1986, p. 55-63), isto é, não
interferir ou limitar a liberdade, custam dinheiro. A liberdade de locomoção,
por exemplo, é um direito que, para o seu exercício, exige, além da abstenção
do Estado no sentido de não impedi-la, uma atuação Estatal positiva tendente
a torná-la possível a todos, por meio de medidas como editar legislação
própria, contratar agentes de trânsito, fixar faixas, passarelas e sinais para a
locomoção e mobilidade dos pedestres, etc.

In v e rb is :" A rt. 225. Todos t ê m d ir e i t o a o m e io a m b i e n t e e c o l o g ic a m e n t e e q u ilib r a d o , b e m d e uso


c o m u m d o p o v o e essencial à sadia q u a lid a d e d e vid a , i m p o n d o - s e a o P o d e r P ú blico e à c o le tiv id a d e
0 d e v e r d e d e f e n d ê - lo e p r e s e r v á - lo p a r a as p r e s e n te s e f u t u r a s g e r a ç õ e s ."

170
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

A fim de facilitar a fiscalização e exigir o efetivo cum prim ento do


dever fun d a m e n ta l de pagar trib u to , é p e rm itid o ao Estado in s titu ir
obrigações de fazer (em itir nota fiscal, apresentar declaração de tributos,
escriturar livros fiscais, etc.) e não fazer (não impedir o acesso da fiscalização
aos livros fiscais, não tra n s p o rta r m ercadoria desacompanhada de
docum ento fiscal) ao c o n trib u in te e a terceiros. Essas obrigações, na
linguagem própria do subsistema de direito tributário e disposição literal
do §29, art. 113, do Código Tributário Nacional (Lei n.^ 5.172/66)^^^, são
chamadas obrigações tributárias acessórias^^\
Contudo, o que se vê atualmente - nas três esferas da Federação
brasileira - é a entrega aos particulares (contribuintes e terceiros) de parte
significativa das tarefas de administração, gestão e até mesmo fiscalização
dos tributos, por meio da instituição de centenas de diferentes obrigações
acessórias.
Este estudo propõe-se a analisar, tendo em vista o dever fundamental
de contribuir com os gastos públicos, em que medida é possível converter
p rogressivam ente os p a rticu la re s e suas organizações em uma
"administração fiscal indireta ad hoc" (NABAIS, 2004, p. 557), sem que isso
viole os direitos, liberdades e garantias fundamentais das pessoas.

2. O dever fundam ental de contribuir com os gastos públicos na


Constituição Federal Brasileira de 1988

Segundo José Casalta Nabais (2007, p. 169),

Os deveres fu n d a m e ntais co n s titu e m uma categoria jurídlco-


co n stitu c io n a l p ró p ria colocada ao lado e co rrela tiv e da dos
d ireitos fu ndam entais, uma categoria que, com o co rretivo da
liberdade, traduz a mobilização do hom em e do cidadão para a
realização dos objetivos do bem comum.

In v e r b is :" A r t. 1 1 3 . A o b r i g a ç ã o t r i b u t á r i a é p r in c i p a l o u a ce s só ria .
( ,..) § 2 9 . A o b r i g a ç ã o a c e s s ó r ia d e c o r r e d a le g is la ç ã o t r i b u t á r i a e t e m p o r o b j e t o as p r e s t a ç õ e s ,
p o s itiv a s o u n e g a tiv a s , n e la p r e v is ta s n o in t e r e s s e d a a r r e c a d a ç ã o o u d a fis c a liz a ç ã o d os t r i b u t o s " .
0 t e r m o " a c e s s ó r ia " é d u r a m e n t e c r itic a d o p ela d o u t r i n a . S e g u n d o R ic a rd o L ob o T o rre s (2 0 0 5 , p.
2 3 8 ) : "A e x p r e s s ã o ' d e v e r e s i n s t r u m e n t a i s ' é a p r e f e r i d a d a d o u t r i n a m a is m o d e r n a , b r a s ile ir a o u
e s tr a n g e ir a . (...) A e x p r e s s ã o ' o b r i g a ç ã o a c e s s ó ria ' v e m s e n d o s e v e r a m e n t e c r itic a d a p ela d o u t r i n a .
Em p r im e i r o lugar, p o r q u e , p o r lhe f a l t a r c o n t e ú d o p a t r im o n ia l , n ã o se p o d e d e f i n i r c o m o o brig aç ã o ,
v i n c u l o s e m p r e lig a d o a o p a t r i m ô n i o d e a lg u é m . Em s e g u n d o lu g a r, p o r q u e n e m s e m p r e o d e v e r
in s tru m e n ta l é a c e s s ó rio da o b rig a ç ã o p rin c ip a l, te n d o em v is ta que pode s u rg ir
i n d e p e n d e n t e m e n t e da e x is t ê n c i a d e c r é d i t o t r i b u t á r i o , c o m o a c o n t e c e na d e c l a r a ç ã o d e r e n d a .
Em t e r c e i r o lugar, p o r q u e o t e r m o d e v e r i a s e r r e s e r v a d o p ara a q u e la s o b r ig a ç õ e s q u e se c o lo c a m
a c e s s o r i a m e n t e a o la d o d a o b r i g a ç ã o t r i b u t á r i a p r in c i p a l , c o m o s e ja m as p e n a l id a d e s p e c u n iá r ia s
e os ju r o s e a c ré s c im o s m o r a tó r io s ."

171
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

D iferentem ente de outros deveres fundamentais^**®, o dever de


c o n trib u ir com os gastos públicos não possui expressa previsão na
Constituição Federal brasileira de 1988. Contudo, é ponto pacífico que a
Carta Magna reconheceu, ainda que implicitamente, o status fundamental
do referido dever, principalmente em razão da abundante normatização
constitucional acerca da tributação e do orçamento (Título VI, arts. 145 a
169).
Considerando que o Brasil, assim como a maioria dos países na
contemporaneidade, abdicou da exploração direta de atividade econômica
e reservou esse direito primordialmente à iniciativa privada (art. 173, da CF/
os recursos necessários à manutenção do Estado e consequentemente
ao custeio dos direitos e garantias constitucionais dar-se-á essencialmente
através da arrecadação de tributos, ou seja, do cumprimento, por toda a
sociedade, do dever fundamental de contribuir com os gastos públicos, o
que deixa ainda mais evidente e inegável o caráter essencial desse dever. A
doutrina portuguesa, referindo-se à sua Constituição, que, assim como a
brasileira, não traz expressa previsão do dever fundamental de contribuir
com os gastos públicos, sustenta que:

Os deveres fu n d a m e n ta is não carecem de uma consagração


c o n s titu c io n a l expressa, bastando-se com uma consagração
im p líc ita co m o acontece a c tu a lm e n te e n tre nós com o d e ve r
de pagar im p o sto s, d e v e r este que n in g ué m duvida que te m
c o n s a g ra ç ã o na nossa C o n s titu iç ã o , p o is q u e e le re s u lta
c la r a m e n te , q u e r da a m p la e d e s e n v o lv id a " c o n s titu iç ã o
fiscal" que c o n té m (arts. 106^ e 1075), q u e r da própria natureza
do e s ta d o fiscal que in c o rp o ra e que o re c o n h e c im e n to e
garantia dos d ire ito s fu n d a m e n ta is pressupõe. (NABAIS, 2004,
p. 63)

Há, inclusive, quem classifique os deveres fundamentais em implícitos


e explícitos (SIQUEIRA, 2012, p. 173-174), não deixando dúvidas, pois, que o
dever de contribuir com os gastos públicos é fundamental e está positivado
na Constituição brasileira, não obstante ausência de expressa previsão no
texto constitucional.

C o m o é 0 caso d o d e v e r da fa m ilia d e p r o m o v e r e in c e n tiv a r a e du ca çã o , d is p o s to e xp re s s a m e n te


n o a r t . 2 0 5 , d a CF/88, e d o d e v e r d e t o d a a s o c ie d a d e d e p r e s e r v a r e p r o t e g e r o m e io a m b i e n t e ,
p r e v i s t o n o a r t . 2 2 5 , e d a c i ta ç ã o e x p re s s a n o T í tu lo I I , c a p í t u l o I, d a C o n s t i t u i ç ã o , e n t r e o u t r o s .
In v e r b is : " A r t . 1 7 3 . R essa lvad o s o s casos p r e v i s t o s n e s ta C o n s t i t u i ç ã o , a e x p l o r a ç ã o d ir e t a de
a t iv id a d e e c o n ô m ic a p e lo E s ta d o só s e rá p e r m i t i d a q u a n d o n e c e s s á ria aos im p e r a t i v o s da
s e g u r a n ç a n a c io n a l o u a r e le v a n t e i n t e r e s s e c o le t i v o , c o n f o r m e d e f i n i d o s e m le i."

172
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

2.1. 0 dever fundamental de contribuir com os gastos públicos e o


subsistema de Direito Tributário

0 estudo do direito tributário sob a ótica do dever fundamental de


c o n trib u ir com os gastos públicos não é algo com que se ocupam os
trib u ta ris ta s , sendo m atéria praticam ente inexistente nos "cursos" e
"manuais" de direito tributário, ao menos sob essa terminologia.
Com efeito, a lógica do direito tributário desenvolve-se geralmente
limitado à norma - sentido lato. 0 princípio da legalidade é o responsável
por garantir, em última análise, segurança jurídica às partes que compõem -
na linguagem própria do tributarista - a relação jurídica tributária: sujeito
ativo^^° (Estado) e o sujeito passivo^^^ (contribuinte ou responsável).
A fim de aproximar o tema tratado neste artigo da linguagem própria
do subsistema de direito tributário, pode-se dizer que o dever fundamental
de contribuir com os gastos públicos abarca a obrigação principal, prevista
no art. 113, §15, do Código Tributário Nacional^” . Para Aliomar Baleeiro (2000,
697), a obrigação principal (pagar trib u to ) "constitui o núcleo do direito
tributário, como Direito Obrigacional que é".
Segundo parte majoritária da doutrina tributária clássica, o vínculo
entre o FISCO e o contribuinte decorre de uma relação de poder tributário,
necessariamente prevista em lei e a ela lim ita d a ,in te rp re ta d a a partir da
lógica das instituições obrigacionais do direito privado.
No e n ta n to , im p o rta n te parte da d o u trin a , p rin cip a lm e n te
Ínternacional^^\ estuda a relação jurídica tributária a partir do enfoque
constitucional, afastando-se das relações jurídicas do direito privado. Destaca
Ricardo Lobo Torres (2005, p. 235) que "a imbricação constitucional na relação
tributária orienta a sua problemática para o campo das conexões entre a
receita e os gastos públicos, dado importantíssimo na atual fase das finanças
públicas".
Nas palavras do referido autor (TORRES, 1999, p. 6), essa nova forma
de enxergar a obrigação de pagar tributo decorre da "virada kantiana", por
meio da qual "a liberdade deixa de se confundir com a lei no sentido jurídico
para ganhar a conotação ética, legitimando os direitos humanos". Assim, o

A r t . 119, d o C ó d ig o T r i b u t á r i o N ac io na l.
A r t . 121, d o C ó d ig o T r i b u t á r i o N ac io na l.
In v e r b is : " A r t . 1 1 3 . A o b r i g a ç ã o t r i b u t á r i a é p r in c i p a l o u a c e s s ó r ia . § i e . A o b r i g a ç ã o p r in c i p a l
s u r g e c o m a o c o r r ê n c ia d o f a t o g e r a d o r , t e m p o r o b j e t o o p a g a m e n t o d e t r i b u t o o u p e n a l id a d e
p e c u n i á r i a e e x tI n g u e - s e j u n t a m e n t e c o m o c r é d i t o d e la d e c o r r e n t e . "
N e s te s e n t id o ; M A C H A D O , 1 99 8 , p. 45.
S e g u n d o R ic ardo L ob o Torres (2 0 0 5 , p. 235), q u e há te m p o s se d estaca n o Brasil c o m o e s tu d o d o
D ir e i t o T r i b u t á r i o à luz d a C o n s titu iç ã o e d o s d i r e i t o s f u n d a m e n t a is , o s p r in c ip a is e x p o e n te s nesse
e s tu d o sã o K. T ip k e e B irk na A l e m a n h a e F. E s c rib a n o na Esp anha.

173
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

tributo assume "sua dimensão de dever fundamental, que se paga não porque
seja prazeroso, mas por ser também obrigação moral e virtude do cidadão".
É essa nova visão, da interpretação das obrigações impostas ao
contribuinte a partir do viés do dever fundamental de contribuir com os
gastos públicos e para além da estrita legalidade, que se pretende abordar
neste artigo.
Não se quer com isso dizer que a obrigação de pagar tributo deve ou
pode se desvincular da lei e do princípio da legalidade, o que seria certamente
uma temeridade e um retrocesso. Mas, por certo, a norma legal que regula
a relação mantida entre o Estado e o cidadão no interesse da arrecadação
tributária deve ser enxergada (interpretada) através da lente dos direitos e
garantias constitucionais, extraindo daí suas limitações e seu campo de
atuação.
Ao co ntrário do que possa parecer, a proposta de in te rp re ta r a
legislação tributária - aqui, especificamente, as normas que instituem as
obrigações acessórias pelo viés do dever fundamental de contribuir com
os gastos públicos, apresenta-se como uma a lte rn a tiv a de tra ze r
racionalidade e justiça fiscal à norma tributária e ao sistema tributário como
um todo.
Isso ocorre porque o princípio da legalidade, acompanhado de um
método de interpretação dedutivo, literal, não impediu que a carga tributária
brasileira se transformasse na m aior dentre os países com estágio de
desenvolvimento equivalente ao brasileiro (IBPT, 2010, 1-3)^” . Não obstante
isso, parte importante da doutrina, paradoxalmente, continua a indicá-lo
como 0 principal e até mesmo o único arsenal de proteção dos cidadãos
frente ao Estado.
Para José Casalta Nabais (2004, p. 218), o princípio da legalidade,
atualmente, revela-se "claudicante, pois que, ao contrário do que sucedia
no estado liberal, não estamos mais perante um estado mínimo, nem há
garantia de que a lei seja expressão do bem comum".
Assim, não se pode mais considerar a legislação - sentido lato - como
fundam ento único e suficiente para o nascimento da obrigação de dar
(principal), fazer ou não fazer (acessória), imposta ao contribuinte, em uma

155 0 e s tu d o c o m p a r a t i v o fo i r e a liz a d o p e lo I n s t i t u t o B r a s ile ir o d e P l a n e ja m e n to T r i b u t á r i o (IBPT) no


a n o d e 2 0 1 0 e v e r if ic o u a ca rga t r i b u t á r i a e m t e r m o s p e r c e n tu a is d o PIB d o s s e g u in te s países, e m
o r d e m d e c r e s c e n te d e ca rga t r i b u t á r i a : B ra sil, C o r é ia , T u r q u ia , Rússia, C h in a , C h ile , M é x ic o , ín d ia .
As s im , c o n c lu iu o e s tu d o q u e o Brasil p os su i a m a io r carga t r i b u t á r i a da A m e r ic a L a tin a , b e m c o m o
a m a i o r ca rga e n t r e o s BRICs, s e n d o q u e e m t e r m o s g lo b a is o país é a 14^ m a io r ca rga t r i b u t á r i a ,
r a n q u e a n d o - s e a b a i x o a p e n a s d e p aís e s b e m m a is d e s e n v o lv i d o s , c o m o é o c a s o d o s p aíse s da
E s c a n d in á v ia (S u é c ia , N o r u e g a , D i n a m a r c a e F in lâ n d ia ) , q u e , s e g u n d o o e s t u d o , a o c o n t r á r i o d o
B r a s il, p r e s t a m s e r v iç o s p ú b l ic o s d e q u a l i d a d e , g a r a n t i n d o à su a p o p u l a ç ã o s a ú d e , s e g u r a n ç a ,
e d u c a ç ã o , p r e v i d ê n c i a s o c ia l, b o a s e s t r a d a s , r e e m b o l s o d e m e d i c a m e n t o s , a u x í li o m o r a d i a e tc .

174
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

lógica meramente obrigacional do direito privado. A relação tributária deve


ser enxergada como decorrência do dever fundamental de contribuir para
os gastos públicos, de fo rm a que as norm as que re g u la m e n ta m as
obrigações do c o n trib u in te sejam sopesadas ta m b é m p o r m eio de
modernas técnicas de interpretação constitucional, fazendo-se a correlação
com os direitos constitucionais do contribuinte e da coletividade, evitando
que, a pretexto de concretizar direitos, se esteja promovendo na realidade
0 seu aniquilamento.

2.2. A obrigação acessória como elemento do dever fundamental de


contribuir com os gastos públicos

As obrigações acessórias, como dito na parte introdutória deste artigo,


são as obrigações formais de fazer e não fazer impostas ao contribuinte e a
terceiros no intuito de assegurar o cumprimento da obrigação de pagar o
trib u to , o que efetiva o dever fundamental de contribuir com os gastos
públicos. Daí já se extrai, sem muito esforço, que as chamadas obrigações
acessórias possuem íntima ligação com o dever fundamental aqui tratado,
sendo parte integrante do seu núcleo. Neste particular, as obrigações
acessórias se apresentam como o dever de cooperação do contribuinte na
gestão e fiscalização de tributos.
Soma-se a isso o fato de que, por força do disposto no §3^, do art. 113,
do CTN, "a obrigação acessória, pelo simples fato de sua inobservância,
converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária",
ou seja, na hipótese de descumprimento da obrigação formal nascerá o
próprio dever principal de pagar.
Assim, seja porque tem por finalidade garantir o cumprimento do
dever de pagar o tributo, apresentando-se como dever de cooperação, seja
pelo fato de que sua inobservância transforma a obrigação acessória em
principal, resta clara a inter-relação entre a obrigação dita acessória e o dever
fundamental de contribuir com os gastos públicos.

2 .2 .1 . 0 crescente protagonism o das obrigações acessórias:


necessidade de fixar critérios à instituição dos deveres formais

Talvez em razão da própria terminologia "acessória"^^^ as obrigações


de fazer e não fazer impostas ao contribuinte nunca foram devidamente

175
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

enfrentadas pela doutrina, que sempre se ocupou com mais acuidade do


estudo da obrigação principal: pagar o tributo.
Contudo, é cada vez maior o protagonismo dos deveres instrumentais
impostos aos contribuintes e a terceiros na relação jurídica tributária. Basta
v e rific a r que os principais trib u to s são a tu a lm e n te co nstitu ído s
o rig in a lm e n te pelo p ró p rio c o n trib u in te , como conseqüência do
cumprimento de obrigações acessórias a ele impostas.
0 Imposto de Renda, as principais contribuições sociais, o Imposto de
competência dos Estados sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços
(ICMS), o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), dentre outros,
são exemplos de tributos em que o contribuinte tem a obrigação de calcular,
recolher aos cofres públicos e transm itir a declaração por meio eletrônico
que vai levar as informações do tributo até o sistema da fiscalização. Tudo
isso, sem qualquer participação do Estado, a quem é reservado o poder de
análise da correção dos procedimentos realizados pelo contribuinte, ou por
terceiro, dentro do prazo decadencial de cinco anos.
E para garantir que o contribuinte executará os procedimentos próprios
de gestão, arrecadação e fiscalização tributária, são impostas a ele e a terceiros
pesadas penalidades pecuniárias para o caso de descum prim ento das
centenas de obrigações acessórias que veiculam tais procedimentos.
A sistemática legislativa prevista para a instituição de obrigações
acessórias também favorece sobremaneira sua proliferação. Isso acontece
porque, por força do que dispõe o próprio Código Tributário Nacional^” , as
obrigações instrumentais podem ser criadas por normas infralegais, editadas
pela Administração Pública (Decretos, Instruções Normativas, Portarias, etc.).
E, muito embora as penalidades pelo descumprimento do dever acessório
devam ser previstas em lei o rd in á ria , tais previsões legislativas são
veiculadas por terminologias abertas e condutas típicas genéricas como
"documento inidôneo"^^®, "embaraço à fiscalização" ou "falta de entrega de
declaração", técnica que premeditadamente abarca um sem número de
condutas e obrigações instrumentais impostas aos contribuintes e terceiros
pelos atos infralegais.

A r t. 113, §28, c / c 96, d o CTN.


E x e m p lo d is s o é a q u e t e m c o m o t i p o " u t i l i z a r d o c u m e n t o fis c a l in i d ô n e o " , u s u a l m e n t e a plicad a
p ara um e no rm e n úm e ro de o b rig a ç õ e s in s tru m e n ta is , com o, por e x e m p lo , o caso de
d e s c u m p r im e n t o d a n o r m a d o a r t. 21, §108, d o RICMS - Dec. 1 .0 9 0 ^ )2 , d o Estado d o E s p írito Santo,
a s e g u ir tr a n s c r ita :
"A r t. 75. A p en a d e m u lt a será a plic ad a nos ca sos p re v is to s n os p a rá g ra fo s l . s a 8.2 d e s te a r tig o .(...)
§ 3 .9 F a lta s r e l a t i v a s à d o c u m e n t a ç ã o f i s c a l: ( . . . ) V I I - u t i l i z a r d o c u m e n t o i n i d ô n e o p a r a i l u d i r a
fi s c a li z a ç ã o o u e x im i r - s e d o p a g a m e n t o t o t a l o u p a r c i a l d o i m p o s t o , o u a in d a , p a r a p r o p i c i a r a
t e r c e i r o s o n ã o - p a g a m e n t o d o i m p o s t o o u q u a l q u e r o u t r a v a n t a g e m fis c a l i n d e v id a : (...) a) m u lt a
de 50% ( c in q ü e n ta p o r c e n to ) d o v a lo r da o p e r a ç ã o o u p res taç ã o , n un c a i n f e r i o r a 1 0 0 ( c e m ) VRTE's
p o r d o c u m e n t o , s e m p r e ju íz o d o p a g a m e n t o d o i m p o s t o d e v i d o ; "

176
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Enfim, as obrigações tributárias acessórias podem ser livremente


instituídas pelo mesmo poder que d ire ta m e n te delas se beneficia: a
Administração tributária. Usando o ditado popular: é colocar o rato para
guardar o queijo.
Para se te r uma ideia, só no âmbito do Estado do Espírito Santo, o
Título III do Regulamento do ICMS^^^ que é dedicado às obrigações acessórias,
possui mais de 200 artigos, com quase todas as letras do alfabeto, acrescidos
de inúmeros incisos, parágrafos e alíneas, o que por certo deve Importar em
mais de 1.000 obrigações instrumentais veiculadas aos contribuintes e a
terceiros. Existem ainda obrigações espalhadas ao longo do p ró p rio
Regulamento e de outros instrumentos normativos estaduais, que vão se
somar às obrigações - não menos numerosas e dispendiosas - instituídas
pelas Fazendas Federais e Municipais.
Por esses motivos, pode-se concluir que o simples atendimento ao
princípio da estrita legalidade, isto é, preenchimento das regras formais
para a instituição das obrigações acessórias - órgão competente, veículo
n o rm a tiv o específico, etc. - não é s u fic ie n te para c o n fe rir lim ite ,
proporcionalidade e racionalidade à criação de obrigações acessórias
tributárias, que são responsáveis por transferir ao particular, em escalada
geom étrica, o ônus das tarefas essencialm ente estatais de gestão e
fiscalização tributária.

3. Quais seriam os critérios para a instituição de obrigações acessórias?

Mas se o princípio da legalidade não se mostra suficiente para impedir


o excesso na instituição de obrigações acessórias, quais seriam os critérios
para a instituição de deveres de cooperação do contribuinte na gestão e
fiscalização de tributos?
Victor Uckmar, citado por Ricardo Lobo Torres (1999, p. 25-26), propõe
alguns princípios fundamentais que devem ser reservados aos contribuintes
para Impedir prevaricações e abusos por parte da Administração Pública.
Dentre eles, todos importantes, destaca-se um especialmente relevante
para este estudo: "o d ire ito de não ser obrigado a deveres inúteis ou
excessivamente dispendiosos com relação aos resultados".
Essa máxima, extraída da obra do tributarista italiano, exprime o limite
da proporcionalidade que deve ser observado quando da instituição de
obrigações acessórias.
José Ca salta Nabais (2004, p. 557) entende que é necessário, na análise
das normas que veiculam obrigações acessórias, “ haver de se ponderar se a

D e c r e to 1 . 0 9 0 / 2 0 0 2 , d o E s p ír ito S anto.

177
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

afectação jusfundamental por elas provocada é adequada, necessária e


proporcional (...) à materialização desse interesse fiscal instrumental da
realização do dever fundamental de pagar impostos".
Obrigações acessórias, p or exem plo, que o fe n de m o d ire ito
constitucional ao sigilo das informações e da privacidade - como é o caso do
dever das instituições financeiras de in form ar ao FISCO dados de seus
correntistas - ou deveres instrumentais impostos aos contribuintes que
limitam gravemente o princípio da livre iniciativa - como a obrigação descrita
no art. 21, §109, do Decreto 1.090/32, do Estado do Espírito Santo, que
praticamente proíbe a venda de mercadorias e a prestação de serviços a
contribuinte não habilitado com a Fazenda Estadual mostram-se, em um
primeiro olhar, sacrifícios desproporcionais a princípios fundamentais. Nada
obstante, continuam a ser utilizados, simplesmente por preencherem os
requisitos formais da estrita legalidade.
A desproporcionalidade também pode ser observada no excesso de
obrigações acessórias que visam o mesmo fim. É comum a instituição de
diversas obrigações ao contribuinte, pelo mesmo ou por órgãos diversos,
para in fo rm a r a mesma coisa. M u ita s das vezes a receita o btid a no
desenvolvimento da atividade econômica tem que ser informada pelo
c o n trib u in te à Fazenda Nacional, por exem plo, mensalmente^^® ou
trim estralm ente^", e posteriormente de forma acumulada anual^“ . Essa
mesma informação deverá ser lançada em outra base de dados para que
seja entregue também à Fazenda Estadual ou Municipal, o que não se mostra
razoável, mesmo levando em consideração a a uto no m ia dos entes
federados, principalmente porque o Código Tributário Nacional, em seu art.
199^“ , impõe à União, aos Estados e Municípios o dever de cooperação e
troca de informações. Some-se a isso os livros, arquivos magnéticos, licenças,
alvarás, inscrições, etc., enfim, obrigações que se avolumam, nunca no
sentido de simplificar, mas sim de transferir e concentrar no contribuinte
atribuições que originalmente são do Estado.

‘ * ° D A C 0 N - D e m o n s t r a t i v o d e A p u r a ç ã o d e C o n t r i b u i ç õ e s S o c ia is, o b r i g a ç ã o t r i b u t á r i a a c e s s ó r ia
p re v is ta na a r t. 12 d a I n s tr u ç ã o N o r m a t i v a RFB n.e 9 6 9 / 2 0 0 9 e a r t. i s , da In s tr u ç ã o N o r m a ti v a RFB
n9 1 . 0 3 6 / 2 0 1 0 .
DCTF - D e c la r a ç ã o d e D é b i t o s e C r é d i t o s T r i b u t á r i o s F e d e r a is , o b r i g a ç ã o t r i b u t á r i a a c e s s ó r ia
p re v is ta na a r t. 12 d a In s tr u ç ã o N o r m a t i v a RFB n.s 9 6 9 / 2 0 0 9 e a r t. 1^, d a In s tr u ç ã o N o r m a ti v a RFB
ne 1 . 0 3 6 / 2 0 1 0 .
DIPJ - D e c l a r a ç ã o d e I n f o r m a ç õ e s E c o n ô m ic o - F is c a is d a P essoa J u r íd ic a , o b r i g a ç ã o t r i b u t á r i a
a c e s s ó r i a p r e v i s t a n a a r t . l e d a I n s t r u ç ã o N o r m a t i v a RFB n.e 9 6 9 / 2 0 0 9 e a r t . 19, d a I n s t r u ç ã o
N o r m a t i v a RFB n® 1 .0 3 6 /2 0 1 0 .
In v e r b is : " A r t . 1 9 9 . A Fa z e n d a P ú b lic a d a U n i ã o e as d o s E s ta d o s , d o D i s t r i t o F e d e r a l e d os
M u n i c í p i o s p r e s t a r - s e - ã o m u t u a m e n t e a s s is t ê n c ia p a r a a fi s c a li z a ç ã o d o s t r i b u t o s r e s p e c t i v o s e
p e r m u t a d e i n f o r m a ç õ e s , n a f o r m a e s t a b e l e c i d a , e m c a r á t e r g e r a l o u e s p e c í f i c o , p o r le i o u
c o n v ê n io ."

178
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Enfim, há que se exigir, como crité rio principal, que a obrigação


instrumental a ser imposta ao contribuinte seja necessária e útil na tarefa
de auxiliar, mediante sacrifício proporcional e suportável {GARZON VALDÉS,
1986, p. 17), a concretização do dever fundamental de contribuir com os
gastos públicos.
Considerando que a análise do excesso, para a identificação dos
critérios, propriamente, se dará, via de regra, por meio da proporcionalidade,
não há outro modo senão a análise caso a caso, visto que “ o critério da
proporcionalidade é tóp ico , volve-se para a justiça do caso concreto
aparentando-se consideravelmente com a equidade" (PEDRA, 2006, p. 198).
Assim, cada norma que institui a respectiva obrigação acessória, ou o
c o n ju n to delas, deverá ser analisada p or m eio do postulado da
p ro p o rcio n a lid a d e , mais especificam ente, pelo exame dos seus três
subprincípios: adequação; necessidade; e proporcionalidade em sentido
estrito (ÁVILA, 2011, p. 174-175). Ao fim e ao cabo, haverá ofensa ao princípio
da proporcionalidade sempre que houver desproporção entre um ou vários
fins objetivados pela norma que institui a obrigação acessória e os meios
utilizados em sua concretização (BARROSO, 1999, p. 215).

4. Considerações Finais

Os deveres fundamentais constituem-se como um critério genérico


de solidariedade entre os membros da sociedade (ROlG, 1999, p. 401). As
obrigações tributárias acessórias, por sua vez, constituem-se um dever de
cooperação dos c o ntribu in te s ou terceiros na concretização do dever
fundamental de contribuir com os gastos públicos.
Contudo, como decorrência da própria ideia de solidariedade, não se
pode impor aos contribuintes sacrifícios extraordinários (GARZON VALDÉS,
1986, p. 17) - ou desproporcionais - a pretexto do cumprimento dos deveres
fundamentais.
Não é demais lembrar que sobre os particulares já recai o ônus - que
não é leve - de pagar os tributos. 0 Estado não está autorizado a transferir
aos contribuintes, de qualquer forma e a qualquer preço, as obrigações de
a dm inistrar, arrecadar e fiscalizar, que são o rig in a lm e n te suas,
principalmente quando esses deveres instrumentais representam, como
ocorre hoje, relevante ônus a dm inistrativo e financeiro, sem falar nas
hipóteses em que afetam direitos e garantias constitucionais.

Referências

ÁVILA, Humberto. Teoria dos princípios. 12 ed. São Paulo: Malheiros Editores,
2 011 .

179
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT UAIS

BALEEIRO; Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11^ ed. Rio de Janeiro:


Forense, 2000.

BARROSO, Luís Roberto, interpretação e apiicação da Constituição. 3. Ed. São


Paulo: Saraiva, 1999.

GARZÓN VALDÉS, Ernesto. Los deberes positivos generales y su


fundamentación. Doxa, Alicante, n. 3, 1986.

INSTITUTO BRASILEIRO DE PLANEJAMENTO TRIBUTÁRIO. Brasil sobe no


ranicing mundiai dos países com maior carga tributária. São Paulo, 2010.
Disponível em: <http://vy/ww.ibpt.com.br/img/_publicacao/13891/189.pdf>
Acesso em: 02 out. 2012.

LAPORTA, Francisco J. Algunos problemas de los deberes positivos generales


(observaciones a un artículo de Ernesto Garzón Vaidés). Doxa, Alicante, n. 3,
1986, p. 55-63.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 14. ed. São Paulo:
Malheiros, 1998.

NABAIS, José Casalta. O dever fundamental de pagar impostos. Coimbra:


Almedina, 2004.

________. Por uma liberdade com responsabilidade. Coimbra: Coimbra


Editora, 2007.

PEDRA, Anderson Sant ana. O Controle da constitucionalidade dos atos


legislativos. Bel Horizonte: Del Rey, 2006.

ROlG, Rafael de Assis. Deberes y obligaciones em Ia Constitucion. Madri:


Centro de Estúdios Constitucionales, 1991.

SIQUEIRA. Julio Pinheiro Faro Homem de. Deveres como condição para a
concretização de direitos. Revista de Direito Constitucional e Internacional.
São Paulo: RT, ano 20, v. 79, p. 168-209, abr.-jun. 2012.

TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 12^ ed. Rio
de Janeiro: Renovar, 2005.

_______ . Tratado de direito constitucional financeiro e tributário; os direitos


humanos e a tributação: imunidade e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar,
1999.

180
DIREITO TRIBUTÁRIO: QUESTÕES ATUAIS

COISA JULGADA E PRECEDENTES NAS RELAÇÕES


TRIBUTÁRIAS CONTINUATIVAS

Heleno Taveíra Torres^®^

1. Considerações iniciais

A demora na duração dos processos administrativos ou judiciais já


foi um dos mais preocupantes problemas do contencioso tributário, mas
nada comparado à sucessão de decisões contraditórias ou divergentes
nessa matéria, o que atingiu estágios insustentáveis em nosso País, com
graves afetações aos princípios de certeza do direito e estabilidade das
relações processuais na solução de conflitos tributários. Encontrar meios
para superação desse qua d ro de insegurança ju ríd ic a , que envolve
c o n tr ib u in te s e A d m in is tra ç ã o , exige f o r t e c o m p ro m is s o com a
efetividade dos direitos fundamentais, especialmente no que concerne
à isonomia, à irretroatividade e à preservação da coisa julgada.
Em matéria trib u tá ria , a jurisprudência galgou espaço de capital
importância na teoria das fontes do direito e, ainda que não se equipare
à le galidade na capacidade de edição de regras para fu t u r o , seus
conteúdos são normas individuais e concretas com eficácia inter partes
e, como atos jurídicos públicos, concorrem para a formação do "direito
vivo", n a q u ilo que co rre spo n de à o rie n ta ç ã o das e xpectativas dos
destinatários do sistema tributário e a própria reprodução normativa dos
órgãos da jurisdição.
A segurança jurídica é um princípio expresso em nossa Constituição,
no seu preâmbulo, no art. 5? caput e em várias disposições autônomas.
Trata-se de uma garantia lato sensu que, juntamente com suas garantias
específicas, como as proteções ao devido processo legal, à coisa julgada
e outras, perm ite a efetividade do Estado Democrático de Direito e a
concretização dos direitos e liberdades fundamentais. Dentre estes, a
dignidade da pessoa humana ganha espaço preponderante, pois o mínimo
de dignidade consiste justamente na preservação da confiança e da boa
fé na a tu a ç ã o dos poderes e, em especial, nos que exercem a
interpretação da legalidade. Se a segurança jurídica na furiçôo certeza
tem a legalidade com o fu n d a m e n to ; a segurança jurídica na função

P ro fe s s o r e L ivre D o c e n te d e D ir e ito T r ib u t á r io d a F a c u ld a d e d e D ir e ito da U n iv e rs id a d e d e São


P a u lo - USP- V ic e - P r e s id e n te d a I n t e r n a t i o n a l Fiscal A s s o c ia tio n - IFA. A d v o g a d o .

181
D IRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES A T UAIS

igualdade tem a confiança e a dignidade da pessoa humana como bases


fundamentais para determinação das suas conseqüências.
E, ao mesmo te m p o que a garantia de segurança jurídica deve
proteger o direito fundamental da dignidade da pessoa humana, o exercício
ou efetividade deste pressupõe a segurança jurídica como conteúdo. Por
isso, de nada adiantaria o ordenamento constitucional proteger a dignidade
da pessoa humana como princípio fundamental (art. is , da CF) se, a um só
tempo, não contemplasse a segurança jurídica como seu conteúdo mínimo
(i) e adotasse garantias de segurança jurídica à efetivid a de daquele
princípio preambular (ü). Ora, ter direito à segurança jurídica quer dizer o
mesmo que, dentre outros, ter direito às declarações de certeza e justiça^®®
na aplicação das leis peta Administração ou pelos tribunais.
Nesse sentido, o d ire ito ao c o n tro le de segurança juríd ica na
afirmação de precedentes, consolidação ou modificação da Jurisprudência,
como de resto qualquer outra fonte do Direito, é implícito às garantias de
certeza do d ire ito e de proteção da justiça que inform am o conteúdo
mínimo do princípio de dignidade da pessoa humana e realização do
p rin c íp io de separação dos poderes e do im p é rio da legalidade. A
confiabilidade no ordenamento determina, como eficácia necessária, o
d ire ito subjetivo fundam ental à proteção daquilo que foi estabilizado
pelos órgãos do Estado Democrático de Direito, a exemplo da coisa julgada,
ademais da proibição firme à irretroatividade do não benigno.^®^
Os precedentes, assim como a consolidação de jurisprudência,
contribuem fortem ente para a construção do ordenamento jurídico, na
medida que oferecem conteúdos para a decidibilidade, admitido segundo
os cânones de direito positivo.
Afastado de um realism o ju ríd ic o renovado, o m é to d o da
argumentação jurídica por precedentes, em geral, pode ser de grande
importância, ao tem po que o precedente deve sempre prevalecer sobre
outros tipos de argumentos e seus enunciados assumem um caráter de
generalidade difusa e vinculante, não bem porque possuam essa eficácia,
mas porque reflete a eficácia da lei ou do texto normativo que a fundamenta.
Diante disso, como bem observa Robert Alexy, em atenção ao princípio de
segurança jurídica, argumentar por precedentes auxilia a justificação de

Para u m a m p l o d e b a te s o b r e a d e c is ã o j u s t a e p ro c e s s o , v e ja - s e : T A R U F fO , M ic h e le . S o b re Ias
f r o n t e r a s : e s c r ito s s o b r e Ia ju s t ic ia c iv il. B o g o tá : T em is, 2 0 0 6 . p. 1 9 9 e ss.;
B e m o b s e r v a R o q u e C arra zza : " É -n o s d a d o ver, c o m c r is ta lin a e v id ê n c ia , q u e a g a r a n tia f o r m a l
v ia b iliz a a g a r a n tia m a te r ia l, C om e fe it o , d e n ad a a d ia n ta - r ia n os so o r d e n a m e n t o j u r í d ic o e s tip u la r
q u e 0 c o n t r ib u in t e só p o d e se r c o m p e lid o a p a g a r t r ib u t o s c o m re s p a ld o e m lei se n ã o fo sse possível
a o J u d ic iá r io p e rq u irir , s e m p re q u e p ro v o c a d o , se a t r ib u t a ç ã o está s e n d o levada a e f e it o d e a c o rd o
c o m e s ta m e s -m a lei, e m ais, se ela é, o u n ã o , c o n s t it u c io n a l" CARRAZZA, R o q u e A n to n io . C urso de
d i r e i t o c o n s t it u c io n a l t r i b u t á r i o . 25. e d . São P a u lo : M a lh e ir o s , 2 0 0 9 . p. 2 5 9 .

182
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

decisões, mas não exclui a possibilidade argumentativa. E resume: quem


quiser se afastar de um precedente, assume a carga da argumentação.^®^
E isso é o que pode levar à superação do p recedente ou da
jurisprudência consolidada, na forma de súmula e outros, tanto em virtude
do surgimento de aspectos não examinados nos julgamentos antecedentes
(distinguishing), quanto pela refutação integral do seu conteúdo [overruling),
por via de fundamentação e construções argumentativas convincentes.
Destarte, é válido assumir a congruência sistemática entre o conteúdo
dos precedentes e os fundamentos das decisões judiciais^®* como parte da
dinâmica interna da ordem jurídica. Exigências de certeza, confiabilidade e
coerência o justificam. E como as formas e condições típicas de "modificação
da jurisprudência" são multifacetadas, impõe-se seu estudo rigoroso,
especialm ente em m atéria trib u tá ria , haja vista as conseqüências
patrimoniais decorrentes para o contribuinte ou para a Fazenda Pública.
O Estado, por meios dos seus órgãos legislativos e judiciários, atua em
conformidade com uma garantia de continuidade e, como não poderia ser
diferente, convive com a mudança e a renovação das leis e das decisões
judiciais. A questão exige, pois, adequado controle dessas alterações, cuja
m e to d o lo g ia enco n tra na segurança ju ríd ica meios a rg um e n tativo s
fundamentais, que são o certeza jurídica e imutabilidade das situações já
consolidadas, de um lado; e a proteçõo de confiança, de outro.
Ocorre, porém, indagar, como faz Hartmut Maurer "se e até que ponto
a confiança do cidadão na constância da jurisprudência é protegida, se e até
que ponto a jurisprudência está obrigada à c o n tin u id a d e " .E s s a dúvida
inquietante prospera justamente porque a garantia de independência dos
juizes lhes autoriza a decidir em liberdade, ao que levará em conta os
precedentes existentes relativos à matéria, mas sem qualquer vinculação
{salvo os casos de eficácia erga omnes e vinculação obrigatória). Abre-se,
assim, oportunidade para a elaboração do que chamamos de "D ireito
Jurisprudencial Tributário", ante todas as questões pertinentes às mais

ALEXY, R o b e r t. Te o ria d a A r g u m e n t a ç ã o J u r íd ic a : A Te o ria d o D is c u rs o R a c io n a l c o m o T eoria d a


J u s tific a ç ã o Ju ríd ica . Trad. Z ild a H u t c h in s o n S ch itd Silva. São P a u lo : Landy, 2 0 0 5 , p. 2 6 7 . Cf. a in d a :
T O U L M IN , S te p h e n E d e ls to n . The uses o f A r g u m e n t . N e w Y o rk: C a m b r id g e U n iv e r s it y Press, 2 0 0 3 ,
M AC CO RM ICK, N e il. A r g u m e n t a ç ã o J u r id ic a e T eoria d o D ir e ito . Trad. W a ld é a B a rc e llo s . São Paulo:
M a r t i n s F o n te s , 2 0 0 6 . ATIENZA, M a n u e l. ra z õ e s d o D ir e i t o : t e o r ia s d a a r g u m e n t a ç ã o j u r i d ic a .
T ra d . M a r i a C r is t in a G u m a r ã e s C u p e r t i n o . 3 . e d . S ã o P a u lo : L a n d y , 2 0 0 6 . P E R E L M A N , C h a im ;
OLBRECHTS-TYTECA, L u cie . T r a t a d o d a a r g u m e n t a ç ã o : A n o v a r e tó r ic a . T ra d . M a r ia E r m a n t in a de
A lm e id a P ra d o G a iv ã o . São P a u lo : M a r t i n s F o n te s , 2 0 0 6 .
TARUFFO, M ic h e le . S o ò re la s f r o n t e r a s : e s crito s s o b re la ju s t ic ia civ il. B o g o ta : Tem is, 2 0 0 6 . p. 191;
C o m o a c e n t u a H a r t m u t M a u r e r : " a g a r a n t ia d a c o n t in u i d a d e c a n a liz a , a p r o t e ç ã o à c o n fia n ç a
b a r ra " . M AU RER , H a r t m u t . C o n t r i b u t o s p a r a o d i r e i t o d o e s ta d o . HECK, Luis A fo n s o (T ra d .). P o rto
A le g r e : L iv r a r ia d o A d v o g a d o , 2 0 0 7 . p. 61.
Ib id e m , p. 135.

183
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

diversas relações jurídicas deco rre n tes das m últip la s possibilidades


organizativas entre decisões e precedentes.

2. Precedentes, modificação e consolidação da jurisprudência em


m atéria tributária.

A re le vân cia p rá tic a dos p re c e d e n te s (decisões isoladas de


tribunais), da consolidação da jurisprudência (conjunto de decisões) ou
dos mecanismos de uniformização de jurisprudência (súmulas) tem como
principal objetivo garantir a estabilidade das decisões/^^ como forma de
preservação da isonomia, especialmente nas questões de direito arguidas
em processos semelhantes, e a observância dos seus conteúdos pelos
órgãos do E s ta d o .C o m o standard jurídico, a prevalência da jurisprudência
assentada ou uniforme é um valor positivo para ordenamento. Contudo,
nenhuma prevalência da "jurisprudência dominante" poderá ser alegada
contra o catálogo das limitações constitucionais ao poder de tributar.
Por isso mesmo, razões de justiça podem motivar sua inaplicabilidade
em certos casos, o que se exige ta n to mais quando favoráveis ao
contribuinte, em observância de direitos fundamentais. E, a depender das
hipóteses de alteração, pode-se justificar a modificação da jurisprudência
pelo tribunal ou órgão jurisdicional competente, inclusive a revogação da
súmula que a ampara, a partir da chamada "linha de precedentes".
Assim, do mesmo m o d o que se faz re le v a n te a consolidação
jurisprudenclal, razões legítimas - especialmente aquelas de proteção
de direitos fundamentais - podem motivar sua alterabilidade. Além disso,
novas questões suscitadas ao conhecimento do tribunal podem refugir
ao te o r da ra tio decidendi dos julgados ou da súmula dos julgados
precedentes e consolidados, o que deve justificar o reconhecimento do
tratam ento excepcional e a reformulação da jurisprudência. Em todas
essas fases ou regimes, exsurgem diversos efeitos e apresentam-se como
capitais os problemas da afetação à coisa julgada em matéria tributária e
dos lim ite s ao pod e r de re tro açã o de e fe ito s para a tin g ir fato s no
passado, o que merece nossa preocupação nesse estudo.

P a ra u m e s t u d o d a s e g u r a n ç a j u r í d i c a p o r e s t a b i l i d a d e a p l i c a d o a o d i r e i t o a d m i n i s t r a t i v o e
t r i b u t á r i o , v e ja -s e : R AIM BAU LT, P h ilip p e . R e c h e rc h e s u r Ia s é c u r i t é j u r i d i q u e e n d r o i t a d m i n i s t r a t i f
fr a n ç a i s . Pa ris: LGDJ, 2 0 0 9 , p. 4 1 - 1 2 3 . Para r e f l e x õ e s s o b r e a i d é ia d e p r e v i s i b i l id a d e : G O M E TZ,
G ia n m a rc o . La ce rte zza g iu r id ic a c o m e p r e v e d ib i li t ò . T o r in o : G. G ia p p ic h e lli, 2 0 0 5 . 3 1 0 p . ; TRIVELLIN,
M a u r o . II p r in c i p i o d i b u o n a f e d e n e l r a p p o r t o t r i b u t a r i a . M ila n o : G i u ffr è , 2 0 0 9 , 4 0 5 p .
C o m o o b s e r v a R o b e r t A le x y , o s p r e c e d e n t e s c o n c o r r e m p a ra a g a r a n t i a d e e s t a b il id a d e d o s
d ir e ito s e, c o m isso, p re s ta i m p o r t a n t e c o n t r ib u iç ã o à s e g u ra n ç a ju r í d ic a e à p ro t e ç ã o d a c o n fia n ç a
le g itim a na a p lica çã o d o d ir e ito . ALEXY, R o b e rt. Teoria d a a r g u m e n ta ç ã o ju r í d ic a : A te o r ia d o d iscu rso
ra c io n a l c o m o t e o r i a d a fu n d a m e n t a ç ã o ju r í d i c a . São P a u lo : L andy, 2 0 0 5 . p. 2 6 6 .

184
D IR E IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

Ainda que a igualdade processual sugira tratam ento idêntico nas


relações entre as partes de qualquer processo, em matéria tributária,
ressalte-se, única a c o n te m p la r tra ta m e n to especializado na ordem
constitucional, a consolidação da jurisprudência favorável do Estado não
pode receber o mesmo tratam ento jurídico daquela que se aperfeiçoa
em face do contribuinte. Militam em favor dessa distinção as exigências
de e fe tiv id a d e dos d ire ito s e liberdades fu n d a m e n ta is in erentes ao
catálogo de "limitações ao poder de trib u ta r" do contribuinte, de estatura
constitucional, a presunção de proteção das expectativas de confiança
le g ítim a h a u rid a da p re v is ib ilid a d e e c o nvicçã o fu n d a d a s nos
precedentes, o d ire ito de tra ta m e n to não d iscrim ina tório , diante de
situações equivalentes (art. 150, II da CF), e o dever de a Fazenda Pública
sujeitar-se à legalidade, à moralidade e à impessoalidade.
E, no sentido converso, a modificação da jurisprudência deve ser
controlada e acompanhada de cautelas necessárias para preservar a
confiança no ju diciário e a harmonia da separação dos poderes, com
proteção diferenciada para os contribuintes, por ser a coisa julgada do
contribuinte direito fundamental, nos termos do art. 5® da CF, ser defeso
a retroatividade do não benigno em qualquer hipótese {art. 150, III da
CF), e, diante de qualquer declaração de "constitucionalidade" de exações
tributárias, esta durará o tem po que não se tenha o reconhecimento, em
controle concentrado, da "inconstitucionalidade do tributo, por meio de
novos argumentos. Razões de segurança jurídica justificam essa presunção
relativa de observância dos precedentes. Por isso, medidas de bloqueio
às conseqüências danosas oriundas de modificação de jurisprudência
consolidada devem ser adotadas pelos tribunais, como atribuição de
eficácia "ex nunc" aos j u l g a d o s , p a r a preservar os atos praticados sob o

DERZI, M is a b e l A b r e u M a c h a d o . M o d ific a ç õ e s d a j u r i s p r u d ê n c ia : p r o t e ç ã o d a c o n f ia n ç a , b o a - fé
o b je tiv a e i r r e t r o a t i v i d a d e c o m o lim ita ç õ e s c o n s tit u c io n a is a o p o d e r ju d ic ia l d e t r i b u t a r . São Paulo:
Noeses, 2 009, p. 2 9 5 e ss.; ARCOS RAMÍREZ, Federico. La s e g u r id a d ju r í d ic a . U na te o r ia fo r m a l. M a d rid :
D ykin so n , 2 0 0 0 . p. 2 1 7 ; RAITiO, Juha. The p r in c ip le o f le g a l c e r t a in t y in EC la w . N e th e rla n d s : Kluw er,
2 0 0 3 . 3 9 8 p .; FERRAZ JR., T e rc io S a m p a io . Ir r e t r o a t i v id a d e e j u r i s p r u d ê n c ia j u d ic ia l. In: FERRAZ JR.,
Tercio Sam pa io ; CARRAZZA, R oque A n to n io ; NERY JUNIOR, N elso n. E feito e x n u n c e as decisões d o STJ.
B a ru e ri: M a n o le , 2 0 0 7 . p. 1 -3 2 ; CARVALHO, Paulo d e B a rros. 0 s o b r e p r in c ip io d a s e gu ra n ç a ju ríd ic a
e a re v o g a ç ã o d e n o r m a s t r i b u t á r i a s . In : C r é d i t o - p r ê m i o d e IPI: e s tu d o s e p a r e c e r e s III. B a ru e r i:
M a n o le , 2 005. p. 1 -32. LARENZ, Karl. M e t o d o l o g i a d o c iên c ia d o d ir e ito . 2. ed. LAMEGO, José (Trad.).
L isb o a : F u n d a çã o C a lo u s te G u lb e n k ia n , 1 9 8 3 . p. 6 1 8 ; CARRAZZA, R oq u e A n t o n io . Segu ra n ça ju r íd ic a
e e fic á c ia te m p o r a l das a lte ra ç õ e s ju r is p r u d e n c ia is : c o m p e tê n c ia d o s t r ib u n a is s u p e r io r e s p a ra fix á -
la - que stõe s conexas. In: FERRAZ JR., Tercio Sam paio; CARRAZZA, Roque A n to n io ; NERY JUNIOR, Nelson.
E feito e x n un c e as decisões d o STJ. B a rue ri: M a n o le , 2007. p. 3 3-73; NERY JUNIOR, Nelson. Boa-fé o b je tiv a
e segurança ju ríd ic a : eficácia da d e cis ã o ju d ic ia l q u e a lte ra ju r is p ru d ê n c ia a n t e r io r d o m e s m o Trib un a l
S u pe rio r. In: FERRAZ JR., Tercio S a m p a io ; CARRAZZA, R oque A n to n io ; NERY JUNIOR, N elso n. Efeito ex
n u n c e os decisões d o STJ. B a ru e ri: M a n o le , 2007. p. 7 5 -1 0 7 . ARCOS RAMÍREZ, Federico. La s e g u rid a d
ju ríd ic o . Una te o ria fo rm a l. M a d rid : D ykinson, 2 000. p. 217; RAITIO, Juha. The p rin c ip ie o f le g a l c e rta in ty
in EC la w . N e th e rla n d s : Kluw er, 2 0 0 3 . 3 98 p.; CAMPOS, D iogo L eite de. O sis te m a t r ib u t á r io n o estado
dos cid a d ã o s. C o im b ra : A lm e d in a , 2 0 0 6 .1 3 5 p.; DICIOTTI, Enrico. V erità e certe zza n e ll'in te r p r e ta z io n e
d e lla leg g e . T o rin o : G ia p p ic h e lli, 1 9 9 9 , p. 6 3 -6 5 ;

185
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

manto da presunção de legalidade ou de constitucionaiidade favorável


ao contribuinte.
E isso vale para q ua lq u e r trib u n a l, seja ele estadual, regional
federal, STJ ou STF, na medida que o princípio de segurança jurídica é
fundam ento de toda a ordem jurídica constituída.^^'' No direito norte-
americano,^^^ para os casos de m odificaçõ e s de precedentes, há o
prospective overruling, que atribui eficácia ex nunc ao julgado.
Em qualquer tribunal, e mesmo nos administrativos, o precedente
ou a "jurisprudência" consolidada terão sempre uma função interna, que
é aquela de prover estabilidade, credibilidade, redução de litígios e
coerência funcional, pelo quanto auxiliam ao dever constitucional de
que todas as decisões serão fundamentadas, sob pena de nulidade (art.
93, IX da CF), e uma f u n ç ã o e x te rn a com o m eio para c o n fe rir
previsibilidade, segurança jurídica e certeza à orientação de condutas de
tercelros^^^ alheios às demandas decididas (à semelhança dos persuasive

C om o diz Paulo d e B a rros C arva lho : "T o do p r in c íp io a tu a para im p la n t a r seus va lo re s. Há, c o n tu d o ,


c o n j u n t o s d e p r in c í p io s q u e o p e r a m p a ra re a liz a r, a lé m d o s r e s p e c t i v o s c o n t e ú d o s a x io ló g ic o s ,
p r in c íp io s d e m a io r h ie r a r q u i a , aos q u a is c h a m a r e m o s d e s o b r e p r in c í p i o s . E n tre esses e s tá o da
s e g u r a n ç a j u r í d i c a " . E c o n t in u a : " t r a n s p o r t a n d o - s e a r e fle x ã o p a ra o d o m í n i o d o s s o b re p r in c íp io s ,
e m p a r t ic u l a r o d a s e g u r a n ç a j u r í d i c a , é p o ss ív e l d iz e r m o s q u e n ã o e x is tir á , e f e t i v a m e n t e , a q u e le
v a lo r , s e m p r e q u e os p r in c í p io s q u e o r e a liz e m f o r e m v io la d o s " . C ARVALH O, P a u lo d e B a r ro s . 0
p r in c íp io da s e g u ra n ç a ju r í d ic a e m m a té r ia t r i b u t á r i a . R e v is ta d e D ir e i t o T r ib u t á r io . SP: M a lh e ir o s ,
n. 6 1 , p. 7 4 -9 0 ;
Cf. CÔRTES, O s m a r M e n d e s Paixão. S ú m u la v in c u la n te e s e g u ra n ç a j u r í d ic a . São Paulo; Revista dos
T rib u n a is , 2 0 0 8 , p. 1 2 3 e ss.;
Essa q u e s t ã o , e m m a té r ia t r i b u t á r i a , a s s u m e t a n t o ou m a is r e le v â n c i a , p e lo s d i r e i t o s
f u n d a m e n t a is e n v o lv id o s . C o m o o b s e r v a H a r t m u t M a u r e r : "A m o d ific a ç ã o d a j u r i s p r u d ê n c ia a tu a ,
e m si, s o m e n te p a ra o f u t u r o , c o m p r e e n d e , p o r é m , fa to s , e m g e ra l, s itu a d o s n o p assa d o , q u a n d o
e p o r q u e e le s a g o ra a in d a sã o d e p e n d e n t e s d e a p r e c ia ç ã o j u d ic ia l. 0 c id a d ã o q u e c o n t o u c o m a
ju r is p r u d ê n c ia a té ag o ra e d is p ô s em c o n fo rm id a d e é d e c e p c io n a d o quando, p e la nova
ju ris p r u d ê n c ia , é r e tir a d o o f u n d a m e n t o ju r í d ic o d e suas d isp o s iç õ e s . Para e le , n ã o e x is te n e n h u m a
d i f e r e n ç a se u m d e s a g r a v o d e i m p o s t o p a r a d e t e r m i n a d o s i n v e s t i m e n t o s é e l i m i n a d o p o r le i
r e tr o a tiv a o u deixa d e e x is tir p o r q u e a lei, s e m d ú v id a , p e rm a n e c e e x is tin d o , mas, p o r u m a m u d a n ça
d e j u r i s p r u d ê n c ia , é i n t e r p r e t a d a l im i t a t i v a m e n t e . Na l it e r a t u r a é, p o r c o n s e g u in te , s u s te n ta d a a
o p in iã o q u e a m o d ific a ç ã o d e ju r is p r u d ê n c ia r e tr o a tiv a te m , p a r a o c i d a d ã o , as m e s m a s
re p e rc u s s õ e s c o m o a m o d ific a ç ã o da lei r e tr o a t iv a e, p o r isso, e n c o n tr a os m e s m o s lim ite s ju r í d ic o -
c o n s t it u c io n a i s c o m o a r e t r o a t iv i d a d e d e le is ." M A U R E R , H a r t m u t . C o n t r i b u t o s p a r o o d i r e i t o d o
esta d o . HECK, Luís A fo n s o (T ra d .). P o rto A le g r e : L ivra ria d o A d v o g a d o , 2 0 0 7 . p. 138.
Nas palavras d e José R ogério Cruz e Tucci: " 0 J u d ic iá rio n ã o se p re sta e x c lu s iv a m e n te para d e c id ir
c o n f lit o s c o n c r e to s , m a s a in d a d e v e c u id a r p a ra q u e as suas d e c is õ e s p o s s a m s e r v ir d e o r ie n ta ç õ e s
para casos fu tu r o s " . TUCCI, José R og é rio Cruz e. P re c ed e n te j u d i c ia l c o m o f o n t e d o d ir e ito . São Paulo:
R evista d o s T r ib u n a is , 2 0 0 4 , p. 25.

186
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

precedents)}^^ Esta segurança jurídica por orientação dos precedentes


não pode ser negada, antes, é de superna im p o rtân cia , haja vista a
necessidade de se gu ra nça ju r í d ic a de c o n fo rm id a d e das relações
intersubjetivas, enquanto perdurarem sem divergências constantes ou
superação, por assumirem, se não a generalidade e abstração das leis, a
condição de expectativa legítima de confiabilidade no Direito.
Por mais co n s o lid a d a que seja a ju r is p r u d ê n c ia , urge que o
equilíbrio entre os poderes permita sua contínua observância. Não restam
dúvidas que a harm onia e ntre os poderes mostra-se afetada com o
preocupante descumprimento de ordens judiciais pela Fazenda Pública,
como se vê no caso dos precatórios, pelas diversas tentativas de superação
do princípio-garantia da coisa julgada e pela própria crise de credibilidade
das instituições ju diciárias que resulta, em parte, das instabilidades
decisórias, quando o legislador resolve insistir na edição de leis contrárias
ao entendimento dos tribunais, unicamente para afastar-se do cumprimento
da coisa julgada. É o que se vê com frequência nas legislações municipais ou
estaduais, em relação ao IPTU e ao ICMS.

C o m o e x e m p lo , a Lei 1 3 . 4 5 7 , d e 1 8 d e m a r ç o d e 2 0 0 9 , q u e d is p õ e s o b r e o p r o c e s s o
a d m i n i s t r a t i v o t r i b u t á r i o d o E s ta d o d e S ã o P a u lo , a s s im p r e v ê o t r a t a m e n t o d a c o n s o lid a ç ã o de
ju r i s p r u d ê n c ia e x te r n a e in t e r n a , r e s p e c tiv a m e n t e : " A r tig o 5 0 - Cabe r e f o r m a da d e c is ã o c o n trá r ia
à F a z e n d a P ú b lic a d o E s ta d o , d a q u a l n ã o c a ib a a i n t e r p o s i ç ã o d e r e c u r s o , q u a n d o a d e c is ã o
r e f o r m a n d a : ( ...) II - a d o t a r i n t e r p r e t a ç ã o d a le g is la ç ã o t r i b u t á r i a d i v e r g e n t e d a a d o t a d a p ela
ju r is p r u d ê n c ia fir m a d a nos tr ib u n a is ju d ic iá r io s . " " A r tig o 52 - P o r p ro p o s ta d o D ir e to r da
R e p r e s e n t a ç ã o Fiscal o u d o P r e s id e n te d o T r i b u n a l d e Im p o s t o s e Taxas, a c o lh id a p e la C â m a ra
S u p e rio r, e m d e lib e r a ç ã o to m a d a p o r v o to s d e , p e lo m e n o s , 3 /4 ( trê s q u a r to s ) d o n ú m e r o t o t a l de
ju iz e s q u e a in t e g r a m , a j u r i s p r u d ê n c ia f i r m a d a p e lo T r ib u n a l d e Im p o s to s e Taxas se rá o b j e t o de
s ú m u la , q u e te r á c a rá te r v in c u la n t e n o â m b it o d o s ó rg ã o s d e j u l g a m e n t o das D elegacias T rib u tá ria s
d e J u lg a m e n to e d o T rib u n a l d e Im p o s to s e Taxas. (...) § 28 - A s ú m u la p o d e rá ser re vista o u cancelada
se c o n t r a r i a r a j u r i s p r u d ê n c ia fi r m a d a n o s T r ib u n a is d o P o d e r J u d ic iá r io , o b e d e c id o a o d is p o s to n o
" c a p u t" e n o § 1 9 d e s te a rtig o ." N o â m b it o d o proce sso a d m in is t r a t iv o f e d e r a i, a Lei nS 1 1 .9 4 1 , d e 27
d e m a io d e 2 0 0 9 , a m o d ific a ç ã o o u c o n s o lid a ç ã o da j u r is p r u d ê n c ia f o i a ssim d is c ip lin a d a : " A r t. 26-
A. N o â m b i t o d o p ro c e s s o a d m i n i s t r a t i v o fis c a l, fic a v e d a d o a o s ó r g ã o s d e j u l g a m e n t o a f a s t a r a
a p lic a ç ã o o u d e ix a r d e o b s e r v a r t r a t a d o , a c o r d o in t e r n a c io n a l, lei o u d e c r e to , s o b f u n d a m e n t o de
in c o n s titu c io n a lid a d e . (...) § 6 * 0 d is p o s to n o c a p u t d e s te a r tig o n ão se aplica aos casos d e tra ta d o ,
a c o r d o in t e r n a c io n a l, le i o u a t o n o r m a t i v o : I - q u e já t e n h a s id o d e c l a r a d o in c o n s t i t u c i o n a l p o r
d e c is ã o d e f i n i t i v a p le n á r i a d o S u p r e m o T r ib u n a l F e d e ra l; II - q u e f u n d a m e n t e c r é d i t o t r i b u t á r i o
o b je to d e : a) d is p e n s a legal d e c o n s t it u iç ã o o u d e a to d e c la r a t ó r io d o P r o c u ra d o r-G e ra l d a Fazenda
N acio na l, na fo r m a d o s arts. 18 e 19 da Lei n “ 10.5 22 , d e 19 d e j u lh o d e 2 0 0 2 ; b) sú m u la da A d voca cia -
G e ra l d a U n iã o , na f o r m a d o a r t. 4 3 da Lei C o m p le m e n ta r n" 7 3 , d e 1 0 d e f e v e r e i r o d e 1 9 9 3 ; o u c)
p a r e c e r e s d o A d v o g a d o - G e r a l d a U n iã o a p r o v a d o s p e lo P r e s id e n te da R e p ú b lic a , na f o r m a d o a rt.
4 0 da Lei C o m p le m e n t a r n® 7 3 , d e 1 0 d e fe v e r e ir o d e 1 9 9 3 ."

187
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT UAIS

É recente a introdução do instituto das súmulas vinculantes'^'’^ e da


repercussão geral, procedim entos que dispõem m u ta tis mutandis de
e fe ito equiva le nte a um stare decisis para o c o n tro le d ifuso de
constitucionalidade. Até então, somente com resolução do Senado Federal
poder-se-ia suspender a eficácia da lei declarada inconstitucional (art. 52, X,
da CF). Mesmo o julgamento uniforme de recursos repetitivos, no âmbito
do STJ, nos termos da Lei ns 11.672, de 8 de maio de 2008, que acresce o art.
543-C ao CPC e visa a garantir a celeridade processual, mediante o julgamento
de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, não se tem
mostrado como suficiente para eliminar divergências, até porque não dispõe
de eficácia vinculante erga omnes em relação aos demais processos.
No mais, somente o controle concentrado de (in)constitucionalidade
pod e ria t e r s e m e lha n te e fe ito , m e d ia n te : i) declaração de
in c o n s titu c io n a lid a d e com redução de te x to ii) declaração de
inconstitucionalidade parcial sem redução de texto ou, iii) interpretação
conforme a Constituição. E para assegurar a proteção a direitos ou garantias
fundamentais prejudicados, tem o contribuinte em seu favor, o direito à
arguição de descumprimento de preceito fundamental, nos moldes da Lei
ns 9882, de 03 de dezembro de 1999. Afora estes, o ordenamento brasileiro
não contempla qualquer espécie de efeito vinculante erga omnes para
"precedentes" ou para a "jurisprudência consolidada". Diante disso, novas
regras de bloqueio devem ser pensadas para mitigar as conseqüências das
mutações jurisprudenciais, defeso ao juiz ou tribunal qualquer esforço de
ativismo ou consequencialismo judicial co ntrário aos efeitos de coisa
julgada, como se pretende demonstrar.
Naquelas hipóteses de eficácia erga omnes e efeito vinculante em
relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal,
estadual e municipal, do parágrafo único do art. 28, da Lei n? 9.86^1999,^®°
a noção de "mudança jurisprudencial" parece não te r a força que seu
s e n tid o p ra g m á tic o sugere possuir. D ific ilm e n te um c o n t r ib u in te
conseguiria utilizar-se desta noção para fazer valer alguma pretensão de
modificação de coisa julgada desfavorável, em ação revisional típica de
relação jurídica continuativa, segundo o art. 471, I do CPC.

D e n t r e o u t r o s : PESSÔA, L e o n e l C e s a r in o ( C o o r d .) . S ú m u la v i n c u l a n t e e s e g u r a n ç a j u r í d i c a . São
Paulo: LTr., 2 0 0 7 ; TAVARES, A n d r é R am os. N o v a Lei d a s ú m u la v in c u la n te . 3 * ed., São P aulo: M é to d o ,
2 0 0 9 ; M A C H A D O , H u g o d e B rito . S ú m u la v in c u la n t e , r e c u rs o e x t r a o r d i n á r i o e re p e rc u s s ã o g e ra l, e
re c u r s o s r e p e t i t i v o s p e r a n t e o STJ, e m m a té r ia t r i b u t á r i a . In : ROCHA, V a ld ir d e O liv e ir a ( C o o rd .).
Gra n de s que stõe s a tu a is d o d ir e i t o tr i b u t á r i o . São Paulo; D ia lética , 2 0 0 8 . p. 2 2 0 -2 4 0 ; PIMENTA, Paulo
R o b e r to L yrio . 0 p r in c íp io da s e g u ra n ç a ju r í d ic a e m fa c e d e m u d a n ç a da ju r is p r u d ê n c ia tr i b u t á r i a .
In : ROCHA, V a ld ir d e O liv e ir a ( C o o r d .) . G r a n d e s q u e s tõ e s a t u a is d o d i r e i t o t r i b u t á r i o . São P a u lo ;
D ia lé t ic a , 2 0 0 6 . p. 3 5 9 - 3 7 2 ;
Vale le m b r a r q u e o a r t. 27 d e sta Lei a in d a e n c o n tr a - s e s o b as AD I ns 2 1 5 4 e 2258.

188
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

A u n ic id a d e da ju ris d iç ã o c o n s titu c io n a l/® ^ p o ré m , há de


c o m p re e n d e r a coisa ju lg a d a d e n tro de um siste m a de normas
c o n s titu c io n a is e dos d ire ito s fu n d a m e n ta is que c o n te m p la , no
relativismo axiológico próprio do Estado Democrático de Direito, no qual
todo 0 poder estatal subordina-se à Constituição, para conferir a esta a
mais a b ran ge n te e fe tiv id a d e , m o rm e n te ao Sistema C onstitu cio na l
Tributário. No controle da jurisprudência, prevalece o exame segundo o
pedido e causa de pedir, não se admitindo a existência de única resposta
como "correta" dos textos normativos,^®^ na abertura semântica que a
hermenêutica jurídica permite às múltiplas interpretações. E justamente
com fu n d a m e n to nesse p re ss u p o s to de necessária v a ria b ilid a d e
semântica e pragmática de sentido nas decisões, é que se deve construir
a busca do "consenso" judicial ou administrativo, mediante estabilidade
da jurisprudência.
Passa-se a examinar a coisa julgada como direito fundamental do
contribuinte, no âmbito das "limitações constitucionais do poder judicial
de t r i b u t a r " , c o m o q u a lific a M isabel Derzi. Neste s e n tid o , para
e fe tiv id a d e do p rin c íp io de segurança ju ríd ic a nas m odificações de
ju risprudência, urge saber se a coisa julgada resiste à declaração de
(in )c o n s titu c io n a lid a d e do STF, se esta decisão pode a u to riz a r a
re troatividade dos atos trib u tá rio s , para alcançar as situações fáticas
estabilizadas sob a égide da coisa julgada (sobre o passado) ou se pode
inibir a continuidade da eficácia desta (quando disponha para futuro),
nas chamadas relações trib u tá ria s c o n tin u a tiva s. Ademais, dúvidas
re le van tes im p õ em -se para d e te rm in a r se o e fe ito v in c u la n te das
decisões do STF fazem cessar, de modo automático, a eficácia da coisa
julgada para o futuro (i), se estas podem ser aplicadas às relações jurídicas
constituídas no passado, desconstituindo-as (ü) ou se não são suficientes
para d esconstituir a "coisa julgada m a te ria l" (iii). Neste ú ltim o caso,
q u a n to ao p ro c e d im e n to , se para ta n t o faz-se im p re s c in d ív e l
p ro ce d im e n to p ró p rio de “ revisão" da coisa julgada (a) ou se seria
desnecessária tal pretensão, em virtude do efeito vinculante aos órgãos

STRECK, L e n io Luiz. Ju ris d iç ã o c o n s t it u c io n a l e h e r m e n ê u t ic a : u m a n ov a c r itic a d o d ir e i t o . 2. ed.


Rio d e J a n e iro : F o re n se , 2 0 0 4 . 9 1 9 p .; A Z A M B U J A , C a rm e n Luiza D ias d e . C o n tr o le ju d ic ia l e d ifu s o
d e c o n s t it u c io n a l i d a d e n o d i r e i t o b r a s i l e i r o e c o m p a r a d o : e f e i t o e rg a o m n e s d e seu j u l g a m e n t o .
P o r to A le g r e : Fa b ris, 2 0 0 8 . p. 4 9 1 e ss.;
C o m o a ss u m e Bros G ra u : " n e g o , a ssim , a e x is tê n c ia d e u m a ú n ic a re s p o s ta c o r r e t a (v e r d a d e ir a ,
p o r t a n t o ) para to d o s os casos ju r íd ic o s ." GRAU, Eros R o b e rto . 0 d ir e i t o p o s to e o d ir e ito pressuposto.
São P a u lo : M a lh e ir o s , 2 0 0 8 . p. 4 1 ;
DERZI, M is a b e l A b r e u M a c h a d o . M o d ific a ç õ e s d a j u r i s p r u d ê n c ia : p r o t e ç ã o d a c o n f ia n ç a , b o a - fé
o b je tiv a e i r r e t r o a t i v i d a d e c o m o lim ita ç õ e s c o n s t it u c io n a is a o p o d e r Ju d icia l d e t r i b u t a r . São Paulo:
N o e se s, 2 0 0 9 , p. 6 0 7 .

189
DIRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES A T UAIS

adm inistrativos, para exigibilidade de trib u to s e outros efeitos (b). E,


por fim, se esta exigibilidade pode se dar de imediato ou se deve atender
80 princípio de não-surpresa, como a aplicação do prazo de anterioridade
previsto no art. 150, III, da

3. Divergências da jurisprudência e relações tributárias

0 estudo da divergência jurisprudencial em matéria trib u tá ria é


um capítulo da teoria das fontes do direito, malgrado a dubiedade sobre
o caráter vinculativo do seu conteúdo.
Não é somente um tema de processo tributário. E, ao mesmo tempo
em que consiste numa firm e aplicação do princípio da segurança jurídica,
traz consigo a possibilidade de m odificar o funcionam ento de todo o
ord e n a m e n to e com im plicações sobre o prin cípio de separação de
poderes.
A jurisprudência pode ser concebida segundo graus de vinculação
e de eficácia. Numa prim eira form u laçã o , consiste no resultado das
atividades jurisdicionais dos tribunais sobre uma determinada matéria.
Ou como prefere Rodolfo Mancuso, trata-se de uma "seqüência ordenada
de acórdãos consonantes sobre um mesmo tema, prolatados em modo
reiterado e constante, por órgão jurisdicional colegiado, num mesmo
foro ou ju s t iç a " . E s t a jurisprudência poderá consolidar-se como pacífica,
reiterada, mas tam bém poderá apresentar-se divergente, ainda que
persista "dom inante" certo entendimento. Nos casos de prevalência da
jurisprudência dominante ou pacífica, para lhe atribuir maior efetividade.

E sta m o s c o n v e n c id o s q u e a h e r m e n ê u t ic a d a co isa ju lg a d a d e v e r e s p e i t a r a i r r e t r o a t i v i d a d e e
a a n t e r i o r id a d e , p o is, e n q u a n t o p e r d u r a m se u s e f e it o s , e x tin g u e - s e o c r é d i t o t r i b u t á r i o na ca d e ia
d e a to s d a r e la ç ã o c o n t in u a d a e m o d ific a ç õ e s d e c r ité r io s só v a le m p a ra la n ç a m e n to s f u tu r o s , p o r
fo r ç a d o p r in c íp io d a a n t e r io r id a d e , m a s t a m b é m p ela a p lic a ç ã o e fe tiv a d o s a rt. 100, 1 4 6 e 1 5 6 , X
d o CTN. C o m o e n s in a José S o u to M a io r Borges: "A C o n s titu iç ã o Fe d era l d iz q u e a lei n ã o re tro a g irá
p a ra a lc a n ç a r a co isa ju lg a d a ( a r t. 5.9, XXXVI, da C F /1 9 8 8 ). Q u e se ja a c o isa ju lg a d a é n o e n t a n t o
a lg o i n d e t e r m i n a d o n o t e x t o c o n s t i t u c i o n a l . A d e t e r m i n a ç ã o d o c o n t e ú d o , l i m i t e s o b j e t i v o s e
s u b je tiv o s d a c o is a j u l g a d a , d á -se na da le g a lid a d e in te g r a tiv a da C o n s titu iç ã o F e d e r a l,
in a u g u ra lm e n te p e lo a rt, 156, X, d o CTN. A eficácia d a coisa ju lg a d a é a lg o q u e c a be à lei in te g ra tiv a
m a te r ia l (CTN) e p roce ssu a l (CPC) fix a r e d e lim ita r. Em ú lt im a a ná lise , e m b o r a os d ir e ito s e g a ra n tia s
in d iv id u a is t e n h a m a p lic a b ilid a d e im e d ia ta (a rt. 5.9, § i . e , da CF/1988), a e fe tiv id a d e da coisa ju lg a d a
n ã o p o d e s e r e x t r a í d a só d a C o n s t i t u i ç ã o F e d e r a l: e la d e p e n d e d a l e g is la ç ã o c o m p l e m e n t a r e
o r d i n á r i a f e d e r a l , p o r q u e é n e ss e p la n o i n f r a c o n s t i t u c i o n a l q u e se d á c o n s is tê n c ia n o r m a t i v a ao
se u c o n t e ú d o e lim ite s .” BORGES, José S o u to M a io r. L im ite s C o n s titu c io n a is e In fr a c o n s titu c io n a is
d a Coisa Ju lgada T r ib u t á r ia ( C o n tr ib u iç ã o Social s o b re o L u cro ). R evista d o s T rib u n a is - C ad e rno s de
D ir e i t o T r ib u t á r io e F in a n ç a s P ú b lic a s . São P aulo, v o l. 2 7 , 1 9 9 9 , p. 179.
Passim , M ANCUSO, R o d o lfo d e C a m a rg o . D iv e r g ê n c ia J u r is p r u d e n c ia l e s ú m u la v in c u la n t e . 4. ed.,
São P aulo; R evista d o s T rib u n a is , 2 0 1 0 , p. 4 7 ; TUCCI, José R o g é rio Cruz e. P re c e d e n te j u d i c i a l c o m o
f o n te d o d ire ito . São P a u lo ; R evista d o s T r ib u n a is , 2 0 0 4 . 3 5 0 p .

190
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

0 direito oriundo da uniformizaçao de jurisprudência recebe a condição


de "D ireito Sumular", que poderá ser vinculante (art. 103-A, da CF)/®®
com eficácia para anular o ato administrativo ou cassar a decisão judicial
impugnada, ou do tipo não vinculante, de eficácia meramente persuasiva,
mas com inequívoca influência sobre as condutas humanas, bem como
sobre as decisões de juizes e tribunais.
O papel de instrumento de segurarjça jurídica p o r orientação que
os p re c e d e n te s assum em na o rd e m ju ríd ic a tra z ainda e fe ito s de
estabilidade da eficácia das normas jurídicas, ainda que não se possa
consolidar na forma de um direito à imutabilidade das decisões judiciais,
mas que preserva ao menos a confiança de expectativas a p a rtir da
confirmação dos entendimentos dos tribunais em questões de direito. A
c o n s o lid a ç ã o da ju ris p ru d ê n c ia c o n fe re uma m ed ida razoável de
previsibilidade, ainda que não se faça vinculante ultra partes.
Aqui, nosso intuito deve ser aquele de examinar como e em que
lim ite a coisa ju lg a d a pode ser m o d ific a d a pela c o n s o lid a ç ã o da
ju ris p ru d ê n c ia ou suas d iv e rg ê n cia s . C o n tu d o , apesar da fu n ç ã o
jurisdicional agir sempre "o posteriori" ou post factum, e sendo a criação
de norm as fu n ç ã o p ró p ria do legislador, não se pode descurar da
necessidade de enunciados jurisprudências que sirvam à funcionalidade
sistêmica de se evitar a propositura de novas demandas e de orientar as
condutas a partir do entendimento consagrado nos tribunais.
No Brasil, o sistema de controle de constitucionalidade, por muito
tempo, foi pautado exclusivamente no controle difuso. Somente em 1965,
surge entre nós o controle concentrado de constitucionalidade, o que se
viu largamente aperfeiçoado com a Constituição de 1988. 0 surgimento
do direito sumular também data de 1963, por incentivo de Victor Nunes
Leal.^®^ Nos últim os anos, porém, este sistema jurídico, assentado na
tra d iç ã o de "c iv il law/" passou a re c e b e r diversas in flu ê n c ia s das
experiências de "Common Law" e do direito comunitário.^®® As regras de
tratam ento da jurisprudência consolidada (súmula vinculante e outros)
e de "precedentes" com efeitos de stare decisis (vide repercussão geral)
são exemplos marcantes dessa interferência de sistemas.

N ão n o s p a re c e a p lic á v e l às s ú m u la s v in c u la n t e s o r e g im e t í p i c o d o s p r e c e d e n t e s d o C o m m o n
L aw , p o r q u e n ã o há n e c e s s id a d e d e d e m o n s tr a ç ã o v i n c u l a n t e da r a t i o d e c id e n d i. D iv e r s a m e n te , o
i m p o r t a n t e e s tu d o : NUNES, Jo rg e A m a u r y M a ia . S e g u r a n ç a ju r í d i c a e s ú m u la v in c u la n t e . São Paulo;
S a ra iva , 2 0 1 0 , p. 1 3 9 ;

191
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Nos países de in flu ê n c ia inglesa, o p re c e d e n te pode ser


simplesmente persuasive {persuasive precedent), quando a matéria não
é co nsid e ra da de re le vân cia ou se presta apenas à persuasão ou
convicção do juiz, como pode ser do tip o vinculante {biding precedent),
que c o n s is te n a q u e le a ser o b s e rv a d o em casos análogos,
necessariamente. A condição de "precedente" é definida pelo Tribunal
e independe de haver jurisp ru dê n cia consolidada sobre o o b je to da
decisão. Declarado o p re c e d e n te , d o ra v a n te , para to d o s os casos
análogos, assim considerados segundo a razão d e te rm in a n te {ratio
d ecid e nd i ou h old in g ), excetuados os c o n te ú d o s p e rifé ric o s ou os
a rg um e n tos ancilares { o b ite r d icta), lhes serão aplicadas idênticas
conseqüências {stare decisis e t non q uieta movere). Neste sistema,
prevalece a razão de decidir e a verificação de equiparação entre casos
é feita d iretam ente pelo juiz, que distingue entre os fatos e motivos
alegados em cada processo e aqueles contemplados no "precedente"
adotado pelo Tribunal. Em havendo divergência, o juiz deve comunicar
ao Tribunal, para que este examine o c a bim en to de se e d ita r novo
precedente, com revogação do a nte rio r {overstatement).
E caso 0 precedente deva ser revogado por completo {overruling)
ou te r 0 seu âmbito de aplicação restringido, em face de uma situação
p o s te rio r {o v e rrid in g ), o T rib u n a l deverá sem pre p ro n u n c ia r-s e
expressamente para declarar a modificação ou sua efetiva extinção.
Entre nós, uma estabilidade de jurisprudência significa uma forte
o rie n ta ç ã o dos trib u n a is , para s e rv ir com o c o n tro le para im p e d ir
p r e q u e s tio n a m e n to de re c u rs o s , s o lu ç õ e s de c o n f lit o s de

Cf. ZAVASCKI, Teori A lb in o . E fic á c ia d as s e n te n ç a s n a j u r i s d iç ã o c o n s t it u c io n a l. São Paulo, Revista


d o s T r ib u n a is , 2 0 0 1 , p. 23.
Cf. CROSS, R u p e rt. HARRIS, W . P re c e d e n t in English Law . 4 . ed. N e w York; O x fo rd U n iv e rs ity Press,
c l 9 9 1 . 2 4 6 p .; GERHARDT, M ic h a e l J. The P o w e r o f P r e c e d e n t. N e w York: O x fo r d U n iv e r s it y Press,
2 0 0 8 . 3 4 0 p .; GORLERO, M a u r iz io P e dra zza . 11 p r e c e d e n t e n e l l a g i u r i s p r u d e m a d e l l a c o r t e
c o s t i t u z io n a le . P a d o v a : C E D A M , 2 0 0 8 . 3 1 2 p .; POSNER, R ic h a rd A . T h e p r o b l e m s o f ju r i s p r u d e n c e .
C a m b r id g e : H a r v a r d U n iv e r s it y Press, 1 9 9 3 . 4 8 5 p .; CHIASSONI, P ie r lu ig i. II p r e c e d e n t e g iu d iz ia le :
t r e e sercizi d i d is in c a n to . In: C O M A N D U C C I, P a o lo ; GU ASTINI, R ic ca rd o . R ic e rc h e d i g iu r i s p r u d e m a
a n a lit ic o . T o r in o : G. G ia p p ic h e lli, c2 00 S . p. 7 5 -1 0 1 ; MELLO, P a tric ia P e rro n e C a m p o s . P re ced e n te s:
0 d e s e n v o lv im e n to ju d ic ia l d o d ir e it o n o c o n s t it u c io n a lis m o c o n te m p o r â n e o . R io d e J a n e ir o :
R e n o v a r, 2 0 0 8 . 3 4 8 p . ; T A R U FFO , M i c h e l e . P re c e d e n te e g iu r is p r u d e m a . N a p o li : S c i e n t i f i c a ,
2 0 0 7 . 4 5 p .; OLLERO, A n d ré s . Ig u a ld a d en la apU ca ció n d e la le y y p r e c e d e n t e ju d i c ia l . 2. e d . a u m . e
a t u a l. M a d r i d : C e n t r o d e E s tu d io s P o litic o s y C o n s t i t u c i o n a l e s , 2 0 0 5 . 1 7 1 p .; C H IA R L O N I, S e rg io .
E ffica cia d e l p r e c e d e n t e g iu d iz ia r io e t i p o lo g ia d e i c o n t r a s t i d i g iu r is p ru d e n z a . In: BESSONE, M á r io .
La r e g o l a d e l c a s o : m a t e r i a l ! su l r a g i o n a m e n t o g i u r i d i c o . P a d o v a : C E D A M , 1 9 9 5 . p. 2 2 5 - 2 6 6 ;
V IN C E N T ], U m b e r t o ; SANTUCCI, G ia n n i ( e i o /.). II v a lo r e d e i p r e c e d e n t ! g iu d i z i a l i n e l l a t r a d iz i o n e
e u ro p e a . P a d o v a : C E D A M , 1 9 9 8 . 2 5 2 p .; SO R IA N O , L e o n o r M o r a l . El p r e c e d e n t e j u d i c i a l . M a d r i d :
M a rc ia l Pons, 2002, 269p.; STRECK, Lenio Luiz. Sumulas N o D ire ito Brasileiro. 29 ed., P o rto Alegre: Uvraria
d o Ad vog a d o, 1 998, 1 20 p.; SANCHES, Sidney. U n ifo rm iz a ç ã o d a ju r is p r u d ê n c ia . São Paulo: Revista dos
t r ib u n a is , 1975. 57p. LLEW/ELLYN, Karl. A re a listic ju r is p ru d e n c e : t h e n e x t s te p . In: PATTERSON, D ennis.
P h ilo sop h y o f l o w a n d le g a l th e o ry a n a n th o lo g y . O xfo rd : B lackw e ll, 2 003. p. 22-45.

192
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

competência^®^ ou a té a ss u m ir a c o n d iç ã o de "s ú m u la ", mas não


desempenha o papel de fo n te primária de dire ito positivo. É certo que
em alguns casos cumpre papel de relevo, como na condição para motivar
o pedido de repercussão geral, mas não com força de stare decisis ou
similar. Seja como for, que nunca se esqueça que súmula não tem o
condão de assumir a condição de "lei", por não perder sua condição de
interpretação do dire ito a p artir de casos concretos (ainda que seja do
tip o das "vinculantes", dotada de efeitos u ltra p a rte e erga omnes),
afora a vitanda carência de legitimidade democrática. A propósito, não

E xe m p lo , CPC, " a r t . 1 2 0 . P o de rá o re la to r , d e o fíc io , o u a r e q u e r im e n t o d e q u a l q u e r d a s p a rte s ,


d e te rm in a r, q u a n d o o c o n f lito f o r p o sitiv o , seja s o b re s ta d o o processo, m as, n es te caso, b e m c o m o no
d e c o n f lito n eg a tivo , designará u m d o s juize s para resolver, e m c a rá te r p ro v isó rio , as m e d id a s urgentes.
P a rá g ra fo ú n ic o . H a v e n d o j u r i s p r u d ê n c ia d o m i n a n t e d o t r i b u n a l s o b r e a q u e s t õ o s u s c ita d a , o r e la to r
p o d e rá d e c id ir d e p la n o o c o n f lit o d e c o m p e tê n c ia , c a b e n d o a g ra vo , n o p ra zo d e c in co d ias, c o n ta d o
d a i n t im a ç ã o d a d e c is ã o às p a r t e s , p a ra o ó r g ã o r e c u r s a l c o m p e t e n t e . "
" A rt. 4 7 5 . Está s u je ita a o d u p lo g ra u d e ju ris d iç ã o , n ão p ro d u z in d o e fe it o s e nã o d e p o is d e c o n firm a d a
p e lo t r i b u n a l, a s e n t e n ç a : (...)
§ 3 ° T a m b é m n ã o se a p l i c a o d is p o s t o n e s t e a r t i g o q u a n d o a s e n t e n ç a e s t i v e r f u n d a d a e m
ju r is p r u d ê n c ia d o p le n á rio d o S u p re m o T rib u n a l Federal o u e m s ú m u la d e s te T rib u n a l o u d o trib u n a l
s u p e rio r c o m p e te n te ,"
" A r t . 4 8 1 . Se a a le g a ç ã o f o r r e je i t a d a , p r o s s e g u ir á o j u l g a m e n t o ; se f o r a c o lh id a , s e rá la v r a d o o
a c ó rd ã o , a f i m d e s e r s u b m e t id a a q u e s t ã o a o t r i b u n a l p le n o .
P a r á g r a fo ú n ic o . Os ó r g ã o s f r a c i o n á r io s d o s t r i b u n a i s n ã o s u b m e t e r ã o a o p le n á r i o , o u a o ó r g ã o
e s p e c ia l, a a r g ü i ç ã o d e i n c o n s t i t u c i o n a l i d a d e , q u a n d o já h o u v e r p r o n u n c i a m e n t o d e s t e s o u d o
p le n á r i o d o S u p r e m o T r ib u n a l F e d e ra l s o b r e a q u e s t ã o ."
" A r t. 5 1 8 . I n te r p o s ta a a p e la ç ã o , o ju iz , d e c la r a n d o os e fe it o s e m q u e a r e c e b e , m a n d a r á d a r vis ta
a o a p e la d o p a ra re s p o n d e r .
§ 1° O ju iz n ã o re c e b e rá o r e c u r s o d e a p e la ç ã o q u a n d o a s e n te n ç a e s t i v e r e m c o n f o r m i d a d e c o m
s ú m u la d o S u p e r io r T r ib u n a l d e Ju s tiç a o u d o S u p r e m o T r ib u n a l F e d e ra l."
" A r t. 5 4 3 -B . Q u a n d o h o u v e r m u l t ip l ic i d a d e d e re c u r s o s c o m f u n d a m e n t o e m i d ê n t i c a c o n t r o v é r s ia ,
a a n á lis e d a re p e r c u s s ã o g e r a l s e rá p r o c e s s a d a n o s t e r m o s d o R e g im e n t o I n t e r n o d o S u p r e m o
T r ib u n a l F e d e ra l, o b s e r v a d o o d is p o s to n e s t e a r t i g o . "
" A r t. 5 4 3 -C . Q u a n d o h o u v e r m u l t i p l i c i d a d e d e r e c u r s o s c o m f u n d a m e n t o e m i d ê n t i c a q u e s t õ o d e
d i r e i t o , o r e c u r s o e s p e c ia l s e rá p r o c e s s a d o n o s t e r m o s d e s t e a r t i g o . "
" A r t . 5 4 4 . N ã o a d m i t i d o o r e c u r s o e x t r a o r d i n á r i o o u o r e c u r s o e s p e c i a l, c a b e r á a g r a v o de-
in s t r u m e n to , n o p ra zo d e 1 0 (dez) d ias, para o S u p re m o T rib u n a l Federal o u p a ra o S u p e r io r T rib u n a l
d e J u stiça , c o n f o r m e o c a so . (...)
§ 3.2 P oderá o re la to r, se o a c ó rd ã o re c o r r id o e s tiv e r e m c o n f r o n t o c o m a s ú m u la o u ju r is p r u d ê n c ia
d o m in a n te d o S u p e rio r Trib un a l d e Justiça, c o n h e c e r d o a gravo para d a r p r o v im e n to a o p ró p r io recurso
e spe cia l; p o d e rá a inda, se o in s t r u m e n to c o n t iv e r os e le m e n to s necessários a o j u lg a m e n to d o m é rito ,
d e te rm in a r sua co n v e rsã o , o b s e rv a n d o -s e , d a í e m d ia n te , o p r o c e d im e n to re la tiv o a o re cu rso especial,
§ 4.2 0 d is p o s to n o p a rá g ra fo a n t e rio r aplica-se ta m b é m a o a g ra v o d e in s t r u m e n to c o n t r a d e n e g açã o
d e r e c u r s o e x tr a o r d in á r io , sa lvo q u a n d o , na m e s m a causa, h o u v e r r e c u r s o e s p e c ia l a d m i t i d o e q u e
d e v a s e r ju lg a d o e m p r im e i r o lu g a r."
" A r t . 5 5 7 . 0 r e l a t o r n e g a r á s e g u i m e n t o a r e c u r s o m a n i f e s t a m e n t e in a d m is s í v e l, i m p r o c e d e n t e ,
p r e ju d ic a d o o u e m c o n f r o n t o c o m s ú m u la o u c o m ju r is p r u d ê n c ia d o m i n a n t e d o r e s p e c tiv o tr ib u n a l,
d o S u p r e m o T r ib u n a l F e d e ra l, o u d e T r ib u n a l S u p e rio r.
§ r - A Se a decisão recorrida e stiver e m m a nife sto c o n fro n to co m súmula o u c o m jurisprudência d o m in an te
do S u p re m o T rib u n a l Federal, o u d e Trib un a l Superior, o re la to r p od e rá d a r p r o v im e n to ao recurso."

193
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

há no Brasil, ao menos em matéria trib u tá ria , a figura dos chamados


"precedentes normativos." Em vista disso, mesmo que contrária a
súmula vinculante, a coisa julgada deve prevalecer, seja esta obtida
antes ou depois da edição da referida s ú m u l a . A segurança jurídica e
a p ro te ç ã o a d ir e it o s fu n d a m e n ta is p ro s p e ra so b re q u a lq u e r
expediente de uniformização de jurisprudência.
A tempestividade da prestação jurisdicional demanda tam bém o
cum p rim e n to de todas as etapas processuais e recursais disponíveis.
Celeridade processual não pode ser apanágio para inibir o atendimento
do devido processo legal na sua inteireza, sob pena de se transformar em
meio de cerceamento de defesa ou negação da própria jurisdição. Como
forma de antecipação da tutela judicial, atendido o duplo grau de jurisdição,
deve-se garantir o direito de acesso aos tribunais até atingir o término da
relação processual, o que se opera mediante a coisa julgada, que atribui a
qualidade de imutabilidade aos efeitos da sentença. Em matéria tributária,
afastados os casos que demandam avaliação probatória ou o exame de
casos isolados, persistem as questões de direito, com tutelas declaratórias
ou constitutivas para demonstrar a ilegalidade ou a inconstitucionalidade
da exigibilidade de tributos. Não é de estranhar que o acesso aos tribunais
superiores seja a regra das vias recursais no Brasil.
A prestação jurisdicional nas lides com a Fazenda Pública é tanto
um dever do Estado quanto um d ire ito fundam ental do contribuinte,
que se inicia com o direito de livre acesso ao Judiciário (art. 5^, XXXV -
a lei nõo excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a
direito), prossegue com a observância do devido processo legal (art. 5®,
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo le g a l e LV - aos lit ig a n t e s , em processo j u d i c i a l ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório
e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes) e culmina na
autoridade da coisa julgada (art. 52 , XXXV! da CF). A eficiência processual
e a efetividade dessas garantias constitucionais, porém, não cessam
com 0 a te n dim en to desses requisitos. Além de celeridade e duração
razoável do processo, espera-se, d e n tro do possível, a isonomia de
tratam ento dos contribuintes em relação a demandas semelhantes (art.
150, II da CF), 0 que se pode atingir mediante redução de divergências,
sem p re ju íz o s à coisa ju lg a d a e a p ro te ç ã o de o u tr o s d ir e ito s
fundam en tais.

C o n t r a r i o se n su : MELLO, P a tríc ia P e r r o n e C a m p o s . P re c e d e n te s : o d e s e n v o lv im e n t o ju d i c ia l d o
d i r e i t o n o c o n s t it u c io n a l i s m o c o n t e m p o r â n e o . Rio d e J a n e ir o : R e n o v a r, 2 0 0 8 . p. 6 3 e 104;
Cf. CÔRTES, O sm a r M e n d e s Paixão. S ú m u la v in c u la n te e s e g u ra n ç a j u r í d ic a . São Paulo: Revista dos
T rib u n a is , 2 0 0 8 , p. 2 2 9 e ss.;

194
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

Após examinar detidam ente toda a diferenciação de tratam ento


re la tiv a à ju r is p r u d ê n c ia , M is a b e l Derzi faz d is t in g u ir e n tre os
precedentes ju d ic ia is que co n fig u ra m "com andos de aplicação com
caráter vinculativo" (para os tribunais inferiores), que seriam aqueles
hauridos nas súmulas e na ju risprudência à qual se a trib u i e fe ito de
repercussão geral (I); e a simples "ju ris p ru d ê n c ia co nsolidada" (em
re la ç ã o ao p r ó p r io t r ib u n a l) , na fo r m a de "m a n d a m e n to s de
re c o m e n d a ç ã o " para casos s e m e lha n te s, sem q u a lq u e r vedação a
divergências ou "p roibição de desvio".^®^
Em g eral, o que é m o tiv o das m a io re s p e rp le x id a d e s dos
c o n tr ib u in te s é m esm o o t r a t o com a cham ada ju ris p ru d ê n c ia
"persuasiva", que orienta condutas ainda que desprovida de eficácia
vinculante. Para manter a ratio decidendi destes precedentes na formação
de convicção de magistrados ou como motivo para justificar a confiança
legítima de "orientação" (para terceiros), como tam bém para justificar
sua m utação, razões de segurança ju ríd ic a e de confiança legítim a
concorrem para o exame dos seus elementos e suas repercussões. Esse
tipo de jurisprudência pode conviver com a divergência, convergir para a
predominância e a pacificidade ou atingir a plena consolidação, quando
se te m uma sucessão de p re c e d e n te s no m esm o s e n tid o sobre
d e te rm in a d a m a té ria {fine o f p re ce d e n ts ). Nestes p re c e d e n te s , a
persuasão pode servir como limite para recursos ou outros efeitos, mas
sem que isso signifique qualquer medida de eficácia "normativa", como
autorizar eventual ação revisional nas chamadas relações continuativas
em matéria tributária.
O estado de latente insegurança jurídica decorrente da excessiva
mutação jurisprudencial, m ediante afetação da estabilidade da ordem
ju ríd ic a e da c o n fia n ç a le g ítim a nos atos d a q u e le que é o p o d e r
responsável pela aplicação do d ire ito e pela pacificação s o c i a l . E m
todas as hipóteses, vê-se presente o esforço pelo c u m p rim e n to do

DERZI, M is a b e l A b r e u M a c h a d o . M o d if i c a ç õ e s d a j u r i s p r u d ê n c ia : p r o t e ç ã o d a c o n f ia n ç a , b o a - fé
o b je tiv a e ir r e t r o a t i v i d a d e c o m o l im ita ç õ e s c o n s tit u c io n a is a o p o d e r j u d ic ia l d e t r i b u t a r . São Paulo;
N oe se s, 2 0 0 9 , p. 5 8 9 .
V e ja -s e , p o r e x e m p l o : C o n s e il D 'É ta t. R a p p o r t p u b l i c a n n u e l 2 0 0 6 . La s é c u r i t é j u r i d i q u e e t la
c o m p l e x it é d u d r o i t . P a ris ; La D o c u m e n t a t i o n F ra n ç a is e , 2 0 0 6 .

195
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

princípio da igualdade^^'^ e a busca de garantia de não discriminação a


sujeitos que se encontram em situações semelhantes (demandas com
base na mesma questão de direito). A pretensão de o bte r uma tutela
judicial justa é, antes de tudo, uma postulação de isonomia em face da
legalidade e do devido processo legal. A certeza do dire ito não se vê
atendida com a imprevisibilidade das decisões judiciais em questões de
direito, mediante controle permanente da coerência das decisões, tanto
interna quanto externamente (em face de tribunais s u p e r io r e s ) . P a r a
que stõe s de d ir e it o id ê n tic o s , deve ser s e m e lh a n te prestação
jurisdicional, m orm ente em matéria trib u tá ria , cujo princípio da não
discriminação integra o rol das limitações constitucionais ao poder de
tributar, para garantir que contribuintes que se encontrem em situação
equivalente devem receber o mesmo tratamento.
A segurança reclama a conjugação de duas variáveis axiológicas que
se complementam, a certeza e a i g u a l d a d e , na medida em que, na função
certeza, o valor predo m in a nte da previsibilidade, como requisito de
determinação prévia dos efeitos que o ordenamento jurídico atribui aos
comportamentos, na regulação normativa da açao-tipo, exigirá sempre a

C o m o o b s e r v a T e o ri Z a v a s c k i: " A s s im , p õ e - s e e m f o c o , o b j e t i v a m e n t e , a q u e s t ã o d e c o m o
h a r m o n iz a r a e fic á c ia da d e c is ã o s o b r e a c o n s t it u c io n a l i d a d e d a n o r m a n o ca s o c o n c r e t o c o m as
i m p o s iç õ e s d o s p r in c í p io s c o n s t it u c io n a i s d a is o n o m ia - q u e é a b s o l u t a m e n t e in c o m p a t í v e l c o m
e v e n t u a is t r a t a m e n t o s d if e r e n t e s e m fa c e d a m e s m a le i q u a n d o f o r e m id ê n tic a s as s itu a ç õ e s e
da s e g u ra n ç a ju r í d ic a , q u e r e c o m e n d a o g r a u m a is e le v a d o p o s s ív e l d e c e rte z a e e s ta b ilid a d e dos
c o m a n d o s n o r m a tiv o s ." ZAVASCKI, T e o ri A lb in o . E fic á c ia d as s e n te n ç a s n o j u r i s d iç ã o c o n s t it u c io n a l.
São P a u lo , R evista d o s T r ib u n a is , 2 0 0 1 , p. 26.
C o m o o b s e rv a R o d o lfo M a n c u s o : " D a i a n e c e s s id a d e d e a j u r is p r u d ê n c ia d o s T rib u n a is o d q u e m
te n d e a se p a u t a r p e lo e n u n c ia d o da sú m u la q u e rege a m a té ria , e isso se aplica d esd e log o n o juízo
d e a d m is s ib ilid a d e d o s re c u r s o s (CPC, a r t. 5 5 7 , c a p u t e § 1®)." M A N C U S O , R o d o lf o d e C a m a rg o .
D iv e r g ê n c ia J u r is p r u d ê n c ia ! e s ú m u la v in c u ia n t e . 4 . ed-, São P a u lo : R evista d o s T rib u n a is , 2 0 1 0 , p.
286;
Cf r.: FERRAZ JR., Tércio Sa m pa io . Segurança Jurídica - N o rm a s Gerais T rib u tá ria s , Revista d e D ire ito
T r i b u t á r i o . SP: RT, 1 9 8 1 , n o 1 7 /1 8 , p. 4 2 . A s s i n a l a C é s a r G a r c ía N o v o a : " A Ia p r e t e n s i o n d e
d e f in i t i v id a d d e Ia n o r m a h a y q u e u n i r Ia p r e t e n s io n d e e s ta b ilid a d d e Ia m is m a , e x p r e s ió n f o r m a l
d e Ia c o n fia n za dei c iu d a d a n o en el D e re ch o , Io q u e d e b e s e rv ir para r e p r o b a r los câ m b io s n o rm a tiv o s
e x c e s iv o s e in ju s t i f i c a d o s . Y f i n a l m e n t e . Ia p l e n i t u d d e Ia n o r m a . La re g u la c ió n n o r m a t i v a ha de
e x p re s a rs e d e ta l m a n e ra q u e Ia d e fin ic ió n d e los s u p u e s to s d e h e c h o c o m p r e n d a u n â m b it o d e Ia
r e a lid a d n o r m a d a Io m á s a m p lio p o s ib le , d e f o r m a q u e se a m in o r e n Ias la g u n a s " GARCÍA N OVOA,
César. El p r in c i p i o d e s e g u r i d a d j u r í d i c a e n m a t e r i a t r i b u t a r i a , M a d r i d : M a r c ia l P ons, 2 0 0 0 , p. 7 7 .
^ O b s e r v a C ésa r G a rc ía N o v o a : "A Ia p r e t e n s i o n d e d e f i n i t i v i d a d d e Ia n o r m a h a y q u e u n i r Ia
p re te n s io n d e e sta b ilid a d d e Ia m ism a , e x p re s ió n f o r m a l d e Ia co n fia n za d e i c iu d a d a n o e n el D ere ch o,
Io q u e d e b e s e r v ir p a ra r e p r o b a r los c â m b io s n o r m a t i v o s e xc e s iv o s e i n ju s tific a d o s . Y f i n a l m e n t e ,
Ia p le n it u d d e Ia n o rm a . La r e g u la c ió n n o r m a tiv a ha d e e x p re s a rs e d e t a l m a n e ra q u e Ia d e fin ic ió n
d e los s u p u e s to s d e h e c h o c o m p r e n d a u n â m b it o d e Ia r e a lid a d n o r m a d a Io m á s a m p lio p o s ib le , de
f o r m a q u e se a m in o r e n Ias la g u n a s " GAR C ÍA N O V O A , César. El p r i n c i p i o d e s e g u r i d a d j u r í d i c a en
m a t e r ia t r i b u t a r i a , M a d r id ; M a r c ia l Pons, 2 0 0 0 , p. 7 7 . Cf. OSVALDO CASÁS, José. S e g u rid a d ju r íd ic a ,
le g a lid a d y le g it im id a d e n Ia im p o s ic ió n t r i b u t a r i a . In: IBET. J u s tiç a T r ib u t á r ia . SP: M a x L im o n a d ,
1998, p. 3 2 9 -4 1 3 .

196
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

igualdade, como respeito que todos os órgãos de produção de normas devem


ter para com a garantia de cumprimento das leis de modo imparcial e não
d iscrim ina tório , no processo de positivação do d ire ito . Com isso, da
legalidade num sentido form al, passa-se à legalidade material, pois a
legalidade substantiva condiciona o poder, põe-no dentro de limites,
circunscrevendo seu campo de ação material, quanto a uma dada matéria,
como meio de assegurar os valores constitucionais.
Só é possível conceber a ação do Estado quando seus atos encontram-
se submetidos ao império da legalidade e à consagração da separação dos
poderes. Na preciosa síntese de Elias Díaz: "El Estado de Derecho es Ia
institucionalización jurídico-política de Ia democracia"^^^ Ora, a interpretação
das leis resolve-se como medida de segurança jurídica e a realização da
justiça ou a atribuição de estabilidade às relações é uma ação típica de um
Estado Democrático de Direito, pela proteção de direitos fundamentais dos
cidadãos.
O Judiciário tem o dever institucional de o ferecer à sociedade
respostas coerentes e com redução de eventuais contradições de
entendimentos sobre uma mesma matéria. Para tanto, as divergências
jurisprudenciais podem ser resolvidas em dois níveis: a) no interior de um
mesmo tribunal (plenário, órgão especial e outros), entre órgãos colegiados
deste {turmas, seções, câmaras) ou mesmo entre as decisões monocráticas
(presidentes, relatores) e aqueles órgãos ou o plenário; e b) entre cortes
diferentes, como entre tribunais estaduais e o STJ ou o STF.^^^ No primeiro
caso, são vários os mecanismos disponíveis para eliminar o dissenso nas
respostas judiciais. Embargos de divergência, embargos infringentes e outros
(CPC, arts. 530, 546, 557 etc.) são exemplos. No segundo, a eliminação da
contradição decorre da própria estrutura decisória entre os tribunais e dos
meios habilitados pela Constituição e leis específicas para esse propósito.
Mesmo que estes funcionem por provocação, para solução de eventuais
divergências, a uniformização de entendimentos sobre as quaestio juris é um
dever que se impõe a todos os tribunais, tanto interna quanto externamente.
Divergência jurisprudencial ou mesmo contrariedade às súmulas
das cortes superiores não autorizam, porém, qualquer recurso à ação
rescisória, para anular a coisa julgada. Não se pode afirmar a existência
de algum vício formal pela contrariedade com a jurisprudência dominante
de um dado tribunal. 0 efeito erga omnes da súmula vinculante {Art. 7^,
da Lei n? 11417, de 2005 e art. 103-A, da CF), sim, motiva eventual cassação
ou nulidade de atos praticados, como também no caso da condição de

D ÍAZ, Elias. E s ta d o d e D e r e c h o y l e g i t i m id a d d e m o c r á tic a . In; DÍAZ, Elias; COLOM ER, José Luis.
E sta d o , ju s t ic i a , d e re c h o s . M a d r i d : A lia n z a , 2 0 0 2 , p. 75;
Cf- M ancuso, R o d o lfo d e C a m a rg o . D iv e r g ê n c ia ju r is p r u d e n c ia l... c it., p. 285.

197
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

"repercussão geral" atribuída aos recursos extraordinários (CPC, art. 543-


A, § 3° - haverá repercussão geral sempre que o recurso impugnar decisõo
contrária a súmula ou jurisprudência dominante do Tribunal)}^ E, assim, o
quanto prescreve o art. 102, § 2 ®, da Constituição, no controle concentrado:
"As decisões definitivas de m érito, proferidas pelo Supremo Tribunal
Federal, nas ações d ire ta s de in c o n s titu c io n a l idade e nas ações
declaratórias de constitucionalidade produzirão eficácia contra todos e
efeito vincuiante, relativamente aos demais órgãos do Poder Judiciário e à
administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e
municipal". Nestes casos, a decisão age sobre a lei diretamente considerada
como anticonstitucional e vê-se assim considerada no dispositivo, com
sua declaração de nulidade com eficácia geral e vincuiante.
A ocorrência de uma jurisprudência em permanente cambiamento
tolhe a justiça a desvirtua a segurança jurídica no ordenamento. É certo
que não se espera c o n te ú d o unívoco e estável, à perfe içã o, e n tre
tribunais. A não observância da jurisprudência dom inante em matéria
t r ib u t á r ia (nas q u e s tõ e s de d ir e it o ) e q ü iv a le a d e fic iê n c ia s de
fundamentação (art. 93, IX, da CF). Sua gravidade, pois, não está na sua
constatação, mas sim nas formas de prevenção e de resolução e nas
conseqüências danosas às relações entre FISCO e contribuintes.

4. A p ro teção da coisa ju lg a d a em face de d eclaração de


ínconstitucionalídade

Como assinalado acima, três instru m en to s jurídicos podem ser


oponíveis à permanência da coisa julgada em matéria tributária, quanto
à constitucionalidade de tributos, nas hipóteses de decisão favorável à
Fazenda Pública: a) mudança do suporte jurídico após a decisão do STF,
como fundam ento para ação revisional nas relações continuativas (art.
471, I, do CPC); b) ação rescisória e c) para os fins de impugnação ou
embargos, a inexigibilidade de títulos judiciais fundados em lei ou ato
normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal,
ou fundados em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas
pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição
Federal. Afora esses casos, não há como mitigar a eficácia da coisa julgada

™ CF - a r t. 1 0 2 , § 38 " N o r e c u r s o e x t r a o r d i n á r i o o r e c o r r e n t e d e v e rá d e m o n s t r a r a r e p e r c u s s ã o
g e r a l d a s q u e s tõ e s c o n s t it u c io n a is d is c u tid a s n o caso, n o s te r m o s d a le i, a f i m d e q u e o T r ib u n a l
e x a m in e a a d m is s ã o d o r e c u rs o , s o m e n te p o d e n d o re c u s á - lo p e la m a n ife s ta ç ã o d e d o is te r ç o s de
se u s m e m b r o s " .
Para m a io r e s c o n s id e ra ç õ e s : M AURER, H a r t m u t . C o n tr ib u t o s p a r a o d ir e i t o d o e s ta d o . HECK, Lu is
A fo n s o (T ra d .). P o r to A le g re : L iv r a r ia d o A d v o g a d o , 2 0 0 7 . p. 3 0 3 .

198
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

em matéria tributária sem que isso implique o expresso descumprimento


da ordem jurídica.
Nessas hipóteses, não parece correto falar de "relativização" da
coisa j u l g a d a , em que se d is c u te sua p e rm a n ê n c ia após
reconhecimento, pelo STF, de in constitucionalidade da lei que se lhe
serviu de fun d am en to, constituída sob a condição de “ presunção de
c o n s titu c io n a lid a d e " dos atos do legislador d e m o c rá tic o . Q ualquer
presunção dura o tem po da sua confirmação e acertamento, enquanto
perdura a admissibilidade da sua constitucionalidade. 0 direito adquirido
- a p a rtir de uma dada coisa julgada que lhe o fe rta im u ta bilida d e e
irrevisibilidade - opera-se em relação a certa situação de fa to ou de
direito verificados sob a égide da Constituição vigente. Essa hipótese de
base corresponde ta n to ao texto em vigor quanto à interpretação que
dele faça o STF em controle de constitucionalidade com eficácia erga
omnes e efeitos vinculantes típicos. Contudo, diante da presença de coisa
ju lg a d a em fa v o r do c o n t r ib u in te que te n h a re c o n h e c id o a
in c o n s titu c io n a lid a d e na espécie, na ausência de prazo para ação
re scisó ria (a rt. 485, do CPC), a e ficácia da decisão do STF pela
c o n s titu c io n a lid a d e do t r ib u t o deve s e rv ir de b lo q u e io para a
c o n tin u id a d e da e ficácia da coisa ju lg a d a (ex nunc) - vedada a
retroatividade, haja vista a extinção do crédito tributário ao longo da sua
p e rm a n ê n c ia {a rt. 156, X, do CTN) - e a u to riz a d o o e m p re g o da
inexigibilidade de títu lo s judiciais fundados em lei ou ato norm ativo
declarados in c o n s titu c io n a is pelo STF (art. 475-L e 741, I, do CPC)
exclusivamente para eventuais créditos surgidos após a declaração de
constitucionalidade, defesa qualquer retroatividade, para alcançar títulos
fundados em créditos apurados anteriormente à decisão do STF. Este é o
regime que permite adequar a coisa julgada inconstitucional "a posteriori"
à ordem constitu cio na l, sob restrições que não afetam ao conteúdo
essencial do princípio de direito fundamental que é a coisa julgada.
Quanto ao emprego de ação rescisória fundada em coisa julgada
inconstitucional, coextensiva à aplicação do art. 485, V, do CPC, pode-se
falar de coisa julgada inconstitucional "prima fa d e ", quando a sentença

Cf. COELHO, Sacha C a lm o n N ava rro . 0 c o n tr o le d a c o n s t itu c io n a lid a d e das leis e d o p o d e r d e t r i b u t a r


na c o n s titu iç ã o d e 1988. 3. ed. Belo H o riz o n te : Del Rey, 1 999. 5 4 4 p.; FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio.
C oisa Ju lgada e m m a té r ia t r i b u t á r i a e as a lt e r a ç õ e s s o fr id a s p e la le g is la ç ã o da C o n t r ib u iç ã o Social
s o b re o Lucro (Lei n. 7 .6 8 9 /8 8 ). R evista D ia lé tic a d e D ir e ito T r ib u tá r io . São P aulo: D ia lé tic a , 2 0 0 2 , p.
7 2 - 9 1 . LINS, R o b s o n M a la . C o n t r o l e d e c o n s t i t u c i o n a l i d a d e d a n o r m a t r i b u t á r i a : d e c a d ê n c ia e
p re sc riçã o . São P aulo: Q u a r t ie r Latin , 2 0 0 5 . p. 2 4 4 . ZAVASCKI, Teori A lb in o . S e n te n ç a e coisa ju lg a d a
e m m a té ria tr i b u t á r i a . Revista d e Estudos Trib u tá rio s , v.7, n. 42, p. 1 44 -1 6 3 , m a r./a b r. 2005. PONTES,
H e le n ils o n C u n h a . R e la ç ã o j u r í d i c a t r i b u t á r i a , i n c o n s t i t u c i o n a l i d a d e e c o is a j u l g a d a e m m a t é r i a
tr ib u tá r ia . São P a u lo : USP, 2 0 0 4 . p. 1 3 3 e ss.; M A C H A D O , H u g o d e B r ito . Coisa ju lg a d a e re la ç ã o
ju r í d ic a c o n t in u a t i v a t r i b u t á r i a . R e v is ta d os T rib u n a is . São Pa ulo , v o l. 6 4 2 , p. 3 3 -4 2 , 1 9 9 3 .

199
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

baseia-se em ato eivado de inconstitucionalidade ab initio; e, ao lado


desta, a coisa julgada inconstitucional "a posteriori", quando sobrevenha
decisão que c o n sid e ra d e te rm in a d a m a té ria c o m p a tív e l com a
Constituição, em contrariedade a sentenças rescindíveis, ou seja, desde
que ainda persista prazo suficiente dentro do biênio legal.
Não há que se falar em coisa julgada inconstitucional para o passado.
0 que se discute é sua alegação após a declaração de inconstitucionalidade
pelo STF, unicamente em relação ao futuro, como se verifica com as chamadas
relações continuativas. É outra coisa. A soberania da prestação jurisdicional
vincula todos os atos de Estado. Entretanto, somente quando sobrevenha
decisão relativa à inconstitucionalidade, presente efeito vinculante e eficácia
ex tunc, pode-se adm itir alcance para todas as situações antecedentes,
amparadas ou não pela coisa julgada, autorizado o recurso à ação rescisória
para pleitear sua desconstltuição, bem como a observância do art. 19, II, e §
42 e 52, da Lei n. 10.522/01, com cessação imediata das exigências de tributos.
0 poder público não pode alegar p rivilégios ou pretender-se
equivalente ao cidadão para pleitear vantagens quanto à desconstltuição da
coisa julgada, cuja eficácia é aquela de ser típico direito fundamental, do
qual promanam direito subjetivo à imutabilidade e certeza das relações
oponíveis ao estado ou a terceiros. A eficácia da coisa julgada eqüivale ao
acatamento necessário da ordem constitucional na sua integralidade, vedada
sua desobediência ou a resistência à sua observância.
A especificidade das decisões de controle difuso ou concentrado
de constitucionalidade colocam um desafio fundamental em virtude do
tip o de eficácia d e s c o n s tltu tiv a da vigência (d ifu so) ou da p ró pria
validade da lei (concentrado) às relações entre contribuintes. Deve-se
p o n d e ra r que a m a n u te n ç ã o de coisa ju lg a d a in c o n s titu c io n a l no
ordenamento, após decisão do STF que reconhece a constitucionalidade
de d e te rm in a d o t rib u to , traz ig ua lm en te prejuízos à isonom ia e ao
equilíbrio concorrencial,^®^ porquanto nenhum dos demais contribuintes
poderá obter 0 mesmo direito à exclusão do tributo. 0 que não se admite,
porém, é a simples pretensão de se arguir 0 relativismo da coisa julgada
ou o consequencialismo judicial para m otivar alegações isonômicas.^®^

Cf. SCAFF, F e rn a n d o Facury. E fe ito s d a coisa ju lg a d a e m m a té r ia t r i b u t á r i a e liv re c o n c o r rê n c ia . In:


G ra n d e s q u e s tõ e s a t u a is d o d i r e i t o t r i b u t á r i o . São P a u lo : D ia lé tic a , 2 0 0 5 . p . 1 1 0 -1 3 5 .
™ Cf. "A t u t e l a d e b o a fé e x ig e q u e , e m d e t e r m in a d a s c ir c u n s tâ n c ia s , n o t a d a m e n t e q u a n d o , s o b a
le i a in d a n ã o d e c la r a d a i n c o n s t i t u c i o n a l, se e s ta b e le c e r a m r e la ç õ e s e n t r e o p a r t ic u l a r e o p o d e r
p ú b l ic o , se a p u r e , p r u d e n c i a l m e n t e , a té q u e p o n t o a r e t r o a t i v i d a d e d a d e c is ã o , q u e d e c r e t a a
in c o n s titu c io n a lid a d e , p o d e a tin g ir, p r e ju d ic a n d o - o , o a g e n te q u e te v e p o r le g ít im o o a to e, fu n d a d o
nele, o p e r o u na p re s u n ç ã o d e q u e estava p r o c e d e n d o so b o a m p a r o d o d ir e ito o b je tiv o ." RE 9 3 .3 5 6 -
5, Ac. da 2* T u rm a , Rei. M in , L e itã o d e A b r e u , DJ 4 .5 .8 1 ; AD IN nS 513-DF, Ac. d o Pleno, d e 14.6 .9 1, Rei.
M in , C élio Bo rja , RTJ 141 : 7 3 9 ; RE 150.76 4 , Ac. d e 1 6 .1 2 .1 9 9 2 , d o Pleno, Rei, M in . M a rc o A u r é lio , RTJ
147: 1 0 2 4 . A ç ã o D e c la ra tó r ia d e C o n s titu c io n a lid a d e ns i , Ac. d e 1 .1 2 .9 3 , Rei M in . M o r e i r a Alves.
RE 4 6 .4 5 0 , Ac. d a 2@ T u rm a , d e 1 0 .1 .6 1 , Rei. M in . V ila s Boas, DJ 3 1 .0 5 .1 9 6 1 .

200
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Como v is to , te m o s na espécie um co rp o bem d e lim ita d o de


"garantias" constitucionais a direitos fundam entais e, por conseguinte,
qualquer restrição legal que se aplique nunca poderá chegar ao limite de
afetação ao seu conteúdo essencial, ou seja, a afastar a coisa julgada, o
ato jurídico perfeito ou o direito adquirido na estabilização do passado.
Desafios, porém , são postos às relações ju ríd ic a s contin u ad as e a
e v e n tu a is m o d ific a ç õ e s ju ris p ru d e n c ia is pela d ecla ra çã o de
constitucionalidade de leis pelo STF, como veremos mais adiante.
Deveras, qualquer declaração de constitucionalidade ou de
inconstitucionaiidade em controle difuso ou concentrado do STF não prejudica
a coisa julgada em favor do contribuinte, salvo a disponibilidade de prazo
suficiente para propositura da ação rescisória própria. Na falta de prazo
suficiente, há de prevalecer a coisa julgada, ainda que cessados seus efeitos
para futuro, pela mudança das circunstâncias jurídicas que lhe amparavam. A
segurança jurídica veda qualquer flexibilidade da coisa julgada relativamente
aos fatos verificados sob a égide da sua regência, como exercício de soberania
do poder judiciário. Atentar contra a coisa julgada eqüivale a agir contra a
Constituição e em contrariedade aos d ire itos fundam entais por ela
consagrados, ao que sequer a lei ou emenda a Constituição podem contrariar.
Como observou argutamente o Ministro Celso de Mello, no RE 594350/RS: "a
segurança jurídica, como direito fundamental, é limite que não permite a
anulação do julgado com fundamento na decisão do STF. 0 único instrumento
processual cabível para essa anulação, quanto aos efeitos já produzidos pela
sentença transitada em julgado, é a ação rescisória, se ainda subsistir o prazo
para a sua propositura." E ressalta que esta posição tem sido mantida naquele
Tribunal por mais de quatro décadas,^°^ quanto à intangibilidade da coisa
julgada material, ainda que inconstitucional, admitida unicamente a via da
ação rescisória para sua superação, e desde que dentro do prazo legal, como
instrumento processual legítimo para sua possível desconstituição em relação
aos fatos sob sua regência. Sequer as decisões com eficácia "ex tunc", do
controle concentrado, autorizam regime diverso.

5. Coisa julgada nas relações tributárias continuativas

Deve-se distinguir entre a coisa julgada garantidora de fatos (oponível


ad praeteritum), cuja imutabilidade deve ser garantida como efeito de direito
fundamental à qual não se opõe qualquer possibilidade de resistência ou
revisão; da coisa julgada garantidora de direito "In abstracto" {ad futurum),
que decorre de decisão em ação declaratória como ato Jurisdicional prescritivo,
no qual a coisa julgada deve adequar-se à unicidade do sistema constitucional
(evitar discriminação, garantir equilíbrio de concorrência etc.), ao que se
impõe a cessação dos seus efeitos caso sobrevenha decisão do STF em

201
i
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT UAIS

sentido co n trá rio . Em nenhuma hipótese, porém , deve-se a d m itir a


retroatividade desconstitutiva da coisa julgada em relação aos fatos passados,
submetidos ao regime assentado na respectiva sentença judicial.
Dúvidas, porém, justificam saber se o d ire ito vigente exige uma
declaração judicial de revisão da coisa julgada^®® para dizer em que termos
e limites esta poderá ocorrer nas hipóteses de decfaratórías prescritivas
que afastam o dever de arrecadação de tributos e quando lhes sobrevêm
decisão do STF com eficácia erga omnes pela constitucionalidade da
exigibilidade do trib u to .
A "coisa julg ad a " é d ire ito fu n d a m e n ta l e a lei pode até criar
"restrições", mas nunca a ponto de e lim inar o conteúdo essencial do
princípio, 0 seu núcleo fundamental. Assumida essa premissa, resta saber
se a desconstituição da presunção de constitucionalidade que amparava
determ inada lei ou o reconhecim ento judicial de constitucionalidade
que, num ou noutro caso, tenham justificado a formação da "coisa julgada",
podem ser afastadas, e, se sim, sob qual regime, após decisão do STF em
sentido diverso do que fora definido na coisa julgada. As leis de processo
civil criam um regime geral, sem exceções, aplicáveis a todas as relações
jurídicas e não podem levar à extinção do direito à coisa julgada.
Segundo o art. 471, I, do CPC, "Nenhum juiz decidirá novamente as
questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo: I - se, tratando-se
de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fa to
ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi
estatuído na sentença".

"A suspensão da vigência da lei p o r in co n stitu cion a lid ad e to rn a sem e fe ito to d o s os atos praticados sob
0 im p é rio da lei in c o n stitu cio n a l- C on tu d o , a n u lid a d e da d ecisão ju d ic ia l tra n s ita d a e m ju lg a d o só p od e
ser declarada p o r via d e ação rescisória, se nd o im p r ó p r io o m a n d a d o d e segurança RMS 17.97^SP,
Rei. M in . AMARAL SANTOS (RTJ 5 ^7 4 4 , 1968); Cf. Al 723.357/RS, Rei. M in . CEZAR PELUSO. RE 593.160/RN, Rei.
M in . EROS GRAU. RE 473.715-AgR/CE, Rei. M in . AYRES BRITTO. RE 431.014-AgR /R N , Rei. M in . SEPULVEDA
PERTENCE. "COISA JULGADA - INTANGIBILIDADE - C u m p re re s cin d ir a d ecisão d e m é r it o que, a p a rtir de
ju lg a m e n to d e c e rto recurso, te n h a re sulta d o na ofensa à coisa julgada, c u jo re spe ito diz necessariam ente
c o m a preservação da segurança ju ríd ic a " AR 1461/PE. Rei. M in . M a rc o A u rélio. Coisa julg ad a e m m a té ria
fiscal (identidade de objeto). FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Revisto d e Direito Tributário. São Paulo, ns 43,
p. 73-82, ja n e iro -m a rç o d e 1988; NOGUEIRA, Ruy Barbosa. A coisa julgada e m d ire ito trib u tá rio . Revista de
D ire ito M e rc a n til, Industriai, E conôm ico e Financeiro. São Paulo: Revista d o s Tribunais, 1974, n° 14, p. 19.
2“ "As p a la vra s co isa j u l g a d a in d ic a m u m a d e c is ã o q u e n ã o p e n d e m a is d o s re c u rs o s o r d in á r io s , ou
p o r q u e a lei n ã o os c o n c e d e (se gu n d o lei das alçadas), o u p o r q u e a p a r te n ã o usou d e le s nos te r m o s
fatais e p e re m p tó rio s, o u p o rq u e já fo r a m esgotados. Os efeitos d e u m a t a l decisão é s e r tid a p o r verdade;
assim, to d a s as nulidades e injustiças relativas, q u e p o r v e n tu r a se com etessem co nta o d ire ito das partes,
j á n ão são susceptíveis d e re vog a çã o." Pontes de M ira n d a . Com entá rio s a o Código de Processo Civil, Tomo
V, Rio de Janeiro: Forense, 1976, p. 172. Q u a n to às diversas questões relativas à coisa julg ad a e m relações
c o n tin u a tiva s: M ACHADO, Hugo d e Brito . Coisa ju lg a d a e c o n tro le d e co n s titu c io n a lid a d e e de legalidade
e m m a té ria tr ib u tá r ia . In; M AC HAD O, Hugo d e B rito . Coisa ju l g a d o - c o n s titu c io n a lid a d e e d e lega lid a de
em m a t é r ia tr i b u t á r i a . São P aulo: D ia lética , 2 0 0 6 , p. 1 4 8 -1 7 4 .

202
D IRE IT O T R IB U T Á R IO - QUESTÕES ATUAIS

Diante desse regime, nas relações ditas "continuativas", a parte


tem direito disponível para pedir, a qualquer tempo, a revisão do que foi
determinado como objeto da coisa julgada. A ação revisional é cabível
de forma subsidiária em matéria t r ib u t á r ia , d e s n e c e s s á r ia , em todo
caso, para a exigência de t r ib u t o s após a d ecla ra çã o de
c onstitucionalidade de lei pelo STF. Em qualquer hipótese, a decisão
será sempre ex nunc, ou seja, somente surtirá efeitos a partir da decisão
de revisão da coisa julgada, sem qualquer possibilidade de retroatividade.
Relações tributárias continuativas são aquelas caracterizadas por
um estado que se prolonga no tem po, de eventos que ten d em a se
repetir, numa sucessão de fatos jurídicos trib u tá rio s . Não decorre de
"estado de sujeição perm anente" à tributação, mas do encadeamento
de fatos jurídicos tribu tá rio s sucessivos, segundo critérios semelhantes
definidos em lei. Relações estáticas ou isoladas são aquelas pertinentes
à exigência de multas pecuniárias, à cobrança do ITCMD sobre uma dada
sucessão causa mortis, a aplicação isolada de retenções na fonte, dentre
outros.
Não é correto dizer que no caso das relações continuativas aplica-
se regime semelhante aos efeitos da cláusula rebus sic stantibus, dado
que aquilo que foi decidido gerará efeitos unicamente quando mantidas
as circunstâncias fáticas ou jurídicas existentes ao tem po da formação da
coisa julgada. Nada que ver com o cabimento de ação rescisória, de todo
im própria para o tra ta m e n to da matéria sob exame à semelhança de
im previsibilidades contratuais.
A ocorrência de alterações nas circunstâncias fáticas ou jurídicas
existentes quando proferida a decisão transitada em julgado podem motivar
a revisão da coisa julgada, mas não sua ineficácia automática, salvo no que
concerne às alterações legislativas que modifiquem, de modo substancial, a
situação jurídica do objeto do pedido ou a causa de pedir, ou no que concerne
às declarações de in co n stitu c io n a lid a d e do STF. Nestes, cessam os
fundamentos de constitucionalidade e de legalidade que motivavam os
requisitos de certeza da coisa julgada, mas em condições sobremodo

Cf, " A c o is a j u l g a d a n a s e a r a t r i b u t á r i a é m i t i g a d a p e la s m o d i f i c a ç õ e s d e f a t o e d e d i r e i t o
e x is t e n t e s n a r e la ç ã o j u r í d i c o - t r i b u t á r i a , d e f o r m a q u e se fa z n e c e s s á ria a i n t e r p r e t a ç ã o d o t í t u l o
ju d i c ia i p a ra lh e d e f in i r o s e n t id o e o a lc a n c e c o m p a tí v e l c o m a O r d e m C o n s titu c io n a l. " (AgRg no
REsp 8 4 1 8 1 8 /D F , M i n . E liana C a lm o n , DJe 1 0 / 3 2 /2 0 1 0 ).

203
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

excepcionais.^^® Essa condição é inerente à mutação das relações jurídico-


tributárias continuativas e nenhuma ofensa ou relativização se opera ao
instituto da coisa julgada.
Em te rm o s m a te ria is , o p r im e iro p re s s u p o sto diz re s p e ito à
modificação no estado de fato , que se dá em casos de modificação das
a tiv id a d e s do c o n t r ib u in te ou das co nd iç õ e s exigidas para o
adimplemento do d i r e i t o . O s exemplos são fartos.

3. Todavia, há ce rta s re la çõ es ju ríd ic a s sucessivas q u e n ascem d e u m s u p o r te fá tic o co m p le xo ,


fo r m a d o p o r u m fa to g e ra d o r in s ta n tâ n e o , inserido n um a relação jurídica p e rm a n e n te . Ora, nesses casos,
p od e o c o rre r q u e a controvérsia decidid a pela sentença te n h a p o r o rig e m não o fa to g era d o r instantâneo,
m as a situ açã o ju ríd ic a d e c a rá te r p e rm a n e n te na q ua l e le se e n c o n tra in se rid o , e q ue ta m b é m c o m p õ e
0 s u p o rte d ese n ca de a do r d o fe n ô m e n o d e incidência. Tal situação, p o r seu c a r á t e r d u ra d o u ro , está a p ta
a p e r d u r a r n o te m p o , p o d e n d o p e rs is tir q ua n d o , n o fu t u r o , h o u v e r a re p e tiç ã o d e o u fro s f a t o s gera d o res
instantâneos, semelhantes a o exam inado n a sentença. Nestes casos, adm ite-s e a eficácia vinculante d a sentença
ta m b é m e m relação aos eventos recorrentes. Isso p o rq u e o ju iz o de certeza desenvolvido pela sentença sobre
d e te rm in a d a re la çã o ju r íd ic a co n cre ta decorreu, n a verdade, d e Juizo d e c erteza so b re a s itu a ç ã o ju ríd ic a
m a is a m p la , d e c a r á t e r d u ra d o u r o , c o m p o n e n te , a in d a q u e m e d ia ta , d o fe n ô m e n o d e incid ên cia . Essas
sentenças co nse rva rã o sua e ficácia vinc u lan te e n q u a n to se m a n t iv e r e m in a lte ra d o s o d ir e ito e o s u p o rte
fá tic o sobre os quais estatieleceu o ju íz o d e certeza. 4. No caso p resente; h ou ve sentença que, b em o u mal,
fez ju íz o a re sp e ito , n ão d e u m a re la çã o t r ib u t á r ia isolada, nascida d e u m e sp e c ific o f a t o gera d o r, mas
d e u m a s itu a ç ã o ju r íd ic a m a is a m p la , d e t r a t o sucessivo, d e s o b r ig a n d o as i m p e tr a n te s d e se s u je ita r
a o r e c o l h im e n t o d a c o n t r ib u iç ã o p re v is ta na Lei 7 .6 8 9 /8 8 , c o n s id e ra d a i n c o n s titu c io n a l. T o d a v ia , o
q u a d r o n o r m a tiv o fo i a lte r a d o pelas Leis 7.856Í/89, 8 . 0 3 4 ^ 0 e 8 .2 1 2 /9 1 , c u ja s d isp o s iç õ e s n ã o fo r a m ,
n e m p o d e r ia m ser, a p r e c ia d a s p e lo p r o v i m e n t o a n t e r i o r t r a n s i t a d o e m j u l g a d o , c a r a c t e r iz a n d o
a lt e r a ç ã o n o q u a d r o n o r m a t i v o c a p a z d e fa z e r ce ss a r s u a e fic á c ia v i n c u l a n t e . 5 . R e c u rs o e s p e c ia l
p r o v id o ." (AGRESP 7 03 S 2 6 -M G STJ, 1# Tu rm a , j u lg a m e n to : 0 2 ^ ^ 0 0 5 . Rei. M in . Francisco Falcão).
209 "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. COISA JULGADA, EFEITOS E LIMITES. LEI 7689/88. APLICAÇÃO. 1. Pode
h a v e r c o b r a n ç a d e t r i b u t o a p ó s cada f a t o g e r a d o r n o s p e r ío d o s s u p e rv e n ie n te s à coisa ju lg a d a pela
prese n ça d e relações ju ríd ic a s d e t r a to sucessivo. 2. Os T rib u n a is, d e q u a lq u e r g rau, p o d e m d e c la ra r a
inc o n stitu cio n a lid a d e d e lei ou a to n o rm a tiv o d o p o d e r p úb lico , m as c o m e fe ito m e ra m e n te d e cla rató rio ,
sem q u a lq u e r carga d e executabilidade, m e sm o que alcance a coisa julgada. 3. Há lim ite s a serem im postos
à segurança jurídica, e m face de regras postas na Carta M a io r c o m o o de q ue ela, q ua n d o construída pelo
d ir e ito fo r m a l, não p o d e se im p o r so b re os p rin cíp io s c o n stitu cio n a is. 4. Recurso especial p ro v id o . (REsp
233 6 6 2/G O . STJ. 1* T urm a. M in is tr o JOSÉ DELGADO. Ju lg a m en to: 1<V12/1999)." "V I- N o caso dos autos, o
a c ó rd ã o q u e re c o n h e c e u a in c o n s titu c io n a lid a d e da Lei ns 7 . 6 8 9 ^ 8 , na AC n® 9 1 .0 1 .0 1 7 6 9 -1 , tr a n s ito u
e m ju lg a d o n o dia 25 d e fe ve reiro d e 1992, sendo q u e e m 24 d e ju lh o d e 1991 fo i publicada a Lei ns 8.212,
q u e n o v a m e n te in s titu iu a c o n trib u iç ã o so b re o lucro , p re va le ce n d o para a im p e tr a n te o d ir e ito d e não
pagar ta l c o n trib u iç ã o a té a edição da nova lei, sendo, a p a r tir d e sua p ublicação, devida a c o n trib u içã o ,
n ão c o m base na Lei nS 7 .6 8 9 ^ 8 , m as c o m e s te io na Lei nS 8 .2 1 2 /9 2 ." (AgRg n o REsp 9 0 2 5 0 3 /M G . Rei.
M in is tro FRANCISCO FALCÃO. 1? Turma, julg a m e n to ; 04/12/2007). "TRIBUTÁRIO - CONTRIBUIÇÃO INSTITUÍDA
PELA LEI N e 7 .6 8 9 ^ 8 - MODIFICAÇÃO DO ESTADO DE FATO - APLICAÇÃO DA SÚMULA N? 239/STJ. Em se tra ta n d o
de relação c o n tin u a tiv a é possível re ve r decisão tra n sita d a e m ju lg a d o , se o c o r re r a ltera çã o n o e stado de
fato. Recurso im pro vido ." (REsp 193500/PE, Rei. M in . GARCIA VIEIRA, DJ 13.09.1999 p. 43). "Processual. Art.
4 7 1 , I, d o CPC. Coisa ju lg a d a . Revisão d o calcu lo d o b e n e ficio . Relação c o n tin u a tiv a . 1. N ão há o fensa a
coisa julg ad a q u a n d o na relação jurídica c o n tin u a tiv a o c o rre altera çã o n o e sta d o d e fa to o u d e d ire ito . 2.
Recurso co nh e cido e p rovid o." (REsp 5702^SP, Rei. M in . ANSELMO SANTIAGO, DJ 26.05.1997 p. 22571). Cf.
REsp 7 20953/SC . STJ, 1* T u rm a . J u lg a m e n to : 2 ^ 0 6 /2 0 0 5 . RESP n@ 3 8 1 .9 1 1 -P R , STJ, Rei. M in . H u m b e r to
G o m e s d e B a rros. J u lg a m e n to : 0 2 /1 2 /2 0 0 3 . Cf. BORGES, José S o u to M a io r. L im ite s C o n s titu c io n a is e
In fra c o n s titu c io n a is da Coisa Julgada T rib u tá ria (C o n trib u iç ã o Social s o b re o Lucro). C ad e rno s d e D ire ito
T rib u tá rio e Finanças Públicas, São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 27, p. 170-194, a b r./ju n . 1999.
A J u r is p r u d ê n c ia c o m u m e n t e fa z c o n fu s õ e s e n t r e os p re s s u p o s to s q u e ju s t if ic a m a m u ta ç ã o da
c o is a j u l g a d a n ess a s h ip ó te s e s , c o m o se p o d e v e r i f i c a r ; " M O D IF IC A Ç Ã O DO ESTADO DE FATO -
APLICAÇÃO DA S Ú M U L A N@ 239/STJ. Em se t r a t a n d o d e re la çã o c o n t in u a tiv a é possível r e v e r decisão
t r a n s it a d a e m ju lg a d o , se o c o r r e r a lt e r a ç ã o n o e s ta d o d e f a t o . R ecu rs o im p r o v i d o . " (REsp 1 9 3 5 0 0 /
PE, R e la to r G a rc ia V ie ir a , DJ 1 3 / 3 9 / 1 9 9 9 p. 43),

204
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

A im p revisibilidade é inerente ao m undo dos fatos e à própria


continuidade e permanência das normas jurídicas. Por isso mesmo, no
que concerne à modificação no estado de direito, deve-se levar em conta
precipuamente as questões jurídicas que ensejaram o pedido e a causa
de pedir. Por exemplo, a p a rtir de m odificação da base normativa, o
cabimento da revisão deve tom ar em conta o exame de efetiva alteração
daquilo que serviu de pressuposto jurídico do pedido ou da "causa de
p e d ir" {r a tio decidendi), inservível a sim ples edição de nova lei. A
separação de poderes não pode servir como expediente para que o
Estado possa, querendo, usurpar os limites da garantia fundamental da
coisa julgada por intermédio da atuação do poder legislativo no exercício
das competências do poder de tributar.
Deixemos presente que as decisões em matérias fáticas reportam-se
sempre a casos concretos onde, por dessemelhanças várias do suporte fático,
das partes, da base normativa ou das circunstâncias espaço-temporais, a
jurisprudência pode perfeitamente variar ou estabilizar-se, sem qualquer
restrição. O problema, porém, persiste no tratamento conferido às relações
jurídicas continuativas, pela potencialidade de interferência sobre a isonomia,
a concorrência e outros efeitos, na medida que mudanças de entendimento
podem alterar substancialmente o tratamento aplicado em casa caso. São
muitos os instrumentos processuais e recursais disponíveis para garantir essa
uniformidade e a solução de divergências entre os processos.
Sobre a m odificação no estado de d ireito, tem -se ta n to aquela
pertinente à afetação a critérios da regra-matriz de incidência tributária^^^

^ " A fir m a d a a i n c o n s titu c io n a lid a d e m a te r ia l d a c o b r a n ç a da CSLL, n ã o t e m a p lic a ç ã o o e n u n c ia d o


2 3 9 da S ú m u la d o S u p r e m o T r ib u n a l Fe d era l, s e g u n d o o q u a l a " D e c is ã o q u e d e c la ra in d e v id a a
c o b r a n ç a d o im p o s t o e m d e t e r m i n a d o e x e rc íc io n ã o fa z c o is a ju lg a d a e m re la ç ã o a o s p o s te rio r e s ."
2. A l e i p o s t e r i o r q u e se l i m i t a a m o d i f i c a r a s a l í q u o t a s e a b a s e d e c á lc u lo d e t r i b u t o d e c la r a d o
i n c o r ) s t i t u c i o n a l v io la a c o is a j u l g a d a . 3. P r e c e d e n te " (EREsp ns 7 3 1 .2 5 0 /P E , R e la to r M i n i s t r o José
D e lg a d o , in DJe 1 6 ^ 0 0 8 ) . 4 . A g ra v o r e g im e n t a l im p r o v id o . (AgRg n o s EREsp 8 8 5 7 6 3 / GO, R e la to r
H A M IL TO N CARVALHID O, Seção, D je 2 4 /3 2 /2 0 1 0 ). " E fe ito s d a coisa ju lg a d a q u e r e c o n h e c e u , sem
e x a m e p e lo STF, s e r in c o n s titu c io n a l to d a a Lei ns 7 . 6 8 9 ^ 8 , e s u p e rv e n iê n c ia d a Lei ns 8 .2 1 2 , d e 24/
0 7 /9 1 q u e r e a f i r m o u a i n s t i t u i ç ã o d a c o n t r i b u i ç ã o s o c ia l s o b r e o l u c r o d a s p e s s o a s j u r í d i c a s .
S u p e r v e n iê n c ia d e s itu a ç õ e s ju r í d ic a s q u e a f e t a m a i m u t a b i li d a d e d a c o is a j u l g a d a q u a n d o se t r a t a
d e d e c la ra ç ã o d e in c o n s titu c io n a lid a d e n ã o e x a m in a d a , n a s itu a ç ã o d e b a tid a , p e lo STF e p r o c la m a d a
n a a p re c ia ç ã o d e re la ç ã o j u r i d ic o - t r i b u t á r í a d e n a t u r e z a c o n t ín u a t iv a . N o caso d o s a u to s , o a c ó r d ã o
q u e r e c o n h e c e u a in c o n s t i t u c i o n a li d a d e d a L ei n® 7 .6 8 9 / 8 8 , n a A C nS 9 1 . 0 1 . 0 1 7 6 9 - 1 , t r a n s i t o u e m
ju l g a d o n o d ia 2 5 d e fe v e r e ir o d e 1992, se nd o q u e e m 2 4 d e j u l h o d e 1991 f o i p u b lic a d a a Lei n ^ 8.2 12,
q u e n o v a m e n t e i n s t it u i u a c o n t r ib u iç ã o s o b r e o lu c ro , p r e v a le c e n d o p a r a a i m p e t r a n t e o d ir e i t o de
n ã o p a g a r t a l c o n t r ib u iç ã o a t é a e d iç ã o d a n o v a lei, s e n d o , a p a r t i r d e s u a p u b lic a ç ã o , d e v id a a
c o n t r ib u iç ã o , n ã o c o m b a s e n a L ei n s 7 .6 8 9 /8 8 , m a s c o m e s te io n a L ei nS 8 .2 1 2 / 9 2 . (AgRg n o REsp
9 0 2 5 0 3 / M G , R e la to r Francisco Falcão, V- T, DJ 0 1 /3 2 /2 0 0 8 ). "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AÇÃO
RESCISÓRIA, COFINS. R EVOGAÇ ÃO DE ISENÇÃO C O N C E D ID A PELA LC 7 0 / 1 9 9 1 , S Ú M U L A 343/STF,
INAPLIC ABILIDADE, 1, A P rim e ira Seção, na a s s e n ta d a d e 1 2 .1 1 .2 0 0 8 , p o r o c a s iã o d o j u l g a m e n t o da
AR 3 .8 4 4 /S C , d a r e la t o r i a d a M i n i s t r a E lia n a C a lm o n , a fa s to u a a p lic a ç ã o d a S ú m u la 3 4 3 /S T F às
a çõ e s q u e v e rs e m s o b r e r e v o g a ç ã o d a is e n ç ã o da C o fin s, t e n d o e m v is ta a n a tu re z a c o n s t it u c io n a l
d a m a t é r ia d is c u t id a . C o n c lu iu - s e , n o m é r it o , q u e a ju r i s p r u d ê n c ia p a c ific a d o S u p r e m o T r ib u n a l
F e d e ra l re c o n h e c e le g ít im a a r e v o g a ç ã o d o b e n e fí c io fis c a l c o n t id o n a Lei C o m p l e m e n t a r 7 0 /1 9 9 1
p e lo a rt. 5 6 d a Lei 9 .4 3 0 /1 9 9 6 . 2. A çã o Rescisória ju lg a d a p ro c e d e n te ." (AR 4 3 2 ^ P R , R e la to r M in is tr o
H e r m a n B e n ja m in , DJe 2 4 / 0 3 / 2 0 1 0 ) .

205
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

aplicada na decisão passada em julgado em face da introdução de normas


jurídicas no sistema, sempre de ordem legislativa, quanto da própria
cessação de efeitos da l e g i s l a ç ã o . A divergência e a constante oscilação
de decisões não favorece à implantação de um estado de segurança jurídica.
Em matéria tributária, porém, isso é particularmente preocupante, pelas
infindáveis afetações às relações econômicas, à organização de negócios
e à estabilidade das relações econômicas na ordem jurídica/^^ Contudo, a

N esse p a r t ic u l a r ; "A e fic á c ia d a s e n t e n ç a e m a ç ã o d e c l a r a t ó r ia h a v e rá d e p e r d u r a r e n q u a n t o


e s t i v e r e m v i g o r a le i e m q u e se b a s e o u , e q u e i n t e r p r e t o u p a ra j u l g a r a a ç ã o p r o c e d e n t e " {Resp
179-SP, M i n . A m é r ic o Luz, JSTJ 1 0 / 8 8 ) . " 1 . A d e c i s ã o e m a ç ã o d e c l a r a t ó r i a q u e r e c o n h e c e , e m
m a n i f e s t a ç ã o t r â n s i t a , o d i r e i t o à n ã o - i n c i d ê n c i a d e IC M S s o b r e p r o d u t o s i n d u s t r i a l i z a d o s
e x p o r t a d o s , e m f a c e d e i m u n i d a d e c o n s t i t u c i o n a l ( a r t . 1 5 5 , § 22, X, " a " } , é a t o j u r i s d i c i o n a l
p re s c ritiv o , q u e to r n a in d is c u tív e l a e x ig ib ilid a d e d o t r i b u t o , s o b p e n a d e v io la ç ã o d a coisa ju lg a d a .
2. A e f i c á c i a p r e c l u s iv a d a c o is a j u l g a d a m a t e r i a l a l c a n ç a o d is p o s it iv o d a s e n t e n ç a q u a n t o a o
p e d i d o e a c a u s a d e p e d ir, c o m o e x p re s s o s n o p e t i ç ã o i n i c i a l e a d o t a d o s n a f u n d a m e n t a ç ã o d o
decisu m . 3. D eve ra s, in t e g r a m a res j u d i c a t a , u m a vez q u e a tu a m c o m o d e lim it a d o r e s d o c o n t e ú d o
e d a e x te n s ã o da p a r t e d is p o s itiv a d a s e n te n ç a . Dessa f o r m a , e n q u a n t o p e r d u r a r a s itu a ç ã o f á t i c o -
j u r i d i c a d e s c r ito n a c a u s a d e p e d ir , a q u e le c o m a n d o n o r m a t i v o e m a n a d o n a s e n fe n ç o , d e s d e q u e
e s ta t r a n s it e em j u l g a d o , c o n t in u a r á s e n d o a p lic a d o , p r o t r a i n d a - s e n o te m p o , s a lv o a
s u p e r v e n i ê n c i a d e o u t r o n o r m a e m s e n t i d o d i v e r s o . " (R E sp 8 7 5 6 3 5 M G , 1 T u ., R ei. L u iz Fux,
J u lg a m e n to : 1 6 /1 0 /2 0 0 8 ).
José A u g u s to D e lg a d o , e m e s tu d o i n é d it o , in t it u l a d o "a im p r e v is ib ilid a d e d o s d ecisões ju d i c iá r i a s
e seus r e fle x o s n a s e g u r a n ç a j u r í d i c a ”, a p r e s e n to u u m a s é r ie d e e n t e n d i m e n t o s c o n t r a d i t ó r i o s d o
STJ, s o b r e v á r ia s m a t é r ia s , a e x e m p l o d a s s e g u in te s , d e n t r e o u t r o s . L e a s in g : " N ã o i n c i d e ICMS
s o b re a e n t r a d a d e b e m o u m e r c a d o r ia i m p o r ta d o s m e d ia n t e le a s in g ." Ó rg ã o s J u lg a d o re s : 1^ S, 1#
T, 23 T ( ú lt im a decisã o : 17^)3/2007 - T - REsp 726166/RJ). In cid e ICMS s o b re a e n tra d a d e b e m ou
m e r c a d o r ia im p o r ta d o s m e d ia n t e le a sin g . Ó rg ã o s J u lg a d o re s ; 1^ T ( ú lt im a d e c is ã o : 1 9 /0 4 /2 0 0 7 - 1^
T - REsp 7 8 3 8 1 4 /RJ)' E xe cu çã o p r o v is ó r ia c o n t r a a fa z e n d a p ú b lic a : " M e s m o a p ó s a EC 3 0 /2 0 0 0 , é
p o ss ív e l a e x e c u ç ã o p r o v is ó r ia c o n t r a a F a zenda P ú b lic a a té a fa s e d o s e m b a r g o s , n ã o se e x ig in d o
0 t r â n s it o e m ju lg a d o p a ra a e x p e d iç ã o d e p r e c a t ó r i o n a s e x e c u ç õ e s in ic ia d a s a n te s da a lt e r a ç ã o
c o n s titu c io n a l." Ó rgãos J u lg a d o re s; T ( ú lt im a d e c is ã o : 0 6 /1 2 /2 0 0 5 1 - T - REsp 7 02 264/SP). "Após
a EC 3 0 ^ 0 0 0 , n ã o é possível a e x e c u ç ã o p r o v is ó r ia c o n t r a a Fazenda P ú blica, e x ig in d o -s e o tr â n s it o
e m j u l g a d o p a r a a e x p e d i ç ã o d e p r e c a t ó r i o m e s m o nas e x e c u ç õ e s in ic ia d a s a n t e s d a a lt e r a ç ã o
c o n s titu c io n a l. - Ó rgãos Julg adores: 2^ T " (ú ltim a d e cis ã o ; ISOS'SOOS 2 ^ 7 - REsp 791896/PA). Efeitos
d e r e c u r s o a d m i n is t r a t iv o ; "S u s p e n d e a e x ig ib ilid a d e d o c r é d it o t r i b u t á r i o o r e c u rs o a d m in is t r a t iv o
n o q u a l se d is c u te a h o m o lo g a ç ã o d e co m p e n s a ç ã o ". - Ó rgãos J ulgadores; 1^ T, 2 * T (ú ltim a decisão:
1 9/0 4 /2 0 0 7 - l â T - AgRg n o REsp 6 7 1 1 2 1 /R S ). " N ã o s u s p e n d e a e x ig ib ilid a d e d o c r é d ito t r i b u t á r i o o
r e c u rs o a d m in is t r a t iv o n o q u a l se d is c u te a h o m o lo g a ç ã o d e c o m p e n s a ç ã o ." Ó rg ã o s Ju lg a d o re s ; 1^
5, 1# T, 2? T (ú ltim a decisão: 1 9 /0 9 /2 0 0 6 - 2^ T - REsp 5 29 7 9 9 /P R ). C ob ra nça d e ICMS s o b re a ve nd a de
b e n s s a lv a d o s d e s in is tr o s ; " I n c id e o ICMS n a v e n d a d e b e n s s a lv a d o s d e s in is tr o s re a liz a d a p e lo
s e g u r a d o r (S ú m u la 152 d o STJ)." - D e c r e to -le i 40É /1 97 6 , a rt. 69, § 1 I. - S ú m u la 1 52 d o STJ. " N ã o
in c id e o IC M S n a v e n d a d e b e n s s a lv a d o s d e s in is t r o s re a liz a d a p e lo s e g u r a d o r , p o r q u a n t o essa
o p e r a ç ã o c o n f ig u r a u m a d a s fa s e s d o c o n t r a t o d e s e g u r o ." - D e c r e to - le i 4 0 6 /1 9 7 6 , a r t. 62, § 12, I,
S úm ula 152 d o STJ. 1* 5 • REsp 7 2 2 0 4 RJ DECISÃO:1S'10/2004 DJ:1Q04/2005 (m a io ria ) M in . João O tá v io
d e N o r o n h a . P r e s c riç ã o i n t e r c o r r e n t e na e x e c u ç ã o fis c a l: "É p o s s ív e l a d e c r e t a ç ã o d e o f í c i o da
p r e s c r iç ã o i n t e r c o r r e n t e nas e x e c u ç õ e s fis c a is , d e s d e q u e p r e c e d id a d e o it iv a d a Faze nd a P ú blica,
n o s t e r m o s d o § 12 d o a r t i g o 4 0 d a Lei 6 .8 3 0 / 1 9 8 0 , a c r e s c e n ta d o p e la Lei 1 1 . 0 5 1 /2 0 0 4 . " Ó rg ã o s
Julgadores: 1 - T, 2 - T ( ú lt im a d e c isã o ; 0 5 /1 2 /2 0 0 6 - 1 - T - RESP 8 9 6 7 0 ^ R S ) . "É possíve l a d e c re ta ç ã o
d e o f í c i o d a p r e s c r i ç ã o i n t e r c o r r e n t e n a s e x e c u ç õ e s f is c a is , i n d e p e n d e n t e m e n t e d a o i t i v a da
Fa zenda P ú b lic a o u d e se t r a t a r d e d ir e ito s p a t r im o n ia is , e m ra zã o d a a lt e r a ç ã o d o § 5 o d o a r tig o
21 9 d o CPC, p r o m o v id a p e la Lei 1 1 .2 8 0 /2 0 0 6 ." Ó rg ã o s Ju lg a d o re s : 1^ T ( ú lt im a d e c is ã o : 2 1 /1 1 /2 0 0 6
- 13 T - RESP 8 55 52S/R S). " N ã o é p o s s ív e l a d e c r e ta ç ã o d e o f í c i o d a p r e s c r iç ã o i n t e r c o r r e n t e nas
e x e c u ç õ e s fis c a is , p o r e n v o lv e r d ir e i t o s p a t r im o n ia i s . " Ó rg ã o s J u lg a d o re s : 1® S, 1^ T, 2« T ( ú lt im a
d e c isã o : 1 9 /1 0 /2 0 0 6 - 2? T - RESP 6 13 4 6 0 /P E ).

206
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

consolidação ou a modificação de jurisprudência não se pode prestar como


motivo suficiente para impor eventual revisão da coisa julgada, na hipótese
do art. 471, do CPC.
A coisa julgada veda a possibilidade de renovação do fe ito em
relação ao mesmo juiz (efeito positivo da coisa julgada). Ora, ao tempo
que nenhum c o n trib u in te poderia pedir o reconhecim ento de direito
declarado por "in c o n s titu c io n a l" , deve ser sua e xtinção do m undo
jurídico, pela cessação de efeitos. E quando a lei passa a tra ta r como
tr ib u t á v e l h ip ó te s e de in cid ê n c ia s u je ita a isenção ou m o d ific a
substancialmente o regime tributário, do mesmo modo, há de cessar a
eficácia da coisa julgada, limitada que se encontra ao âmbito material da
lide. As relações jurídicas sucessivas no tem po e amparadas por coisa
julgada que dispõe sobre a matéria de direito somente podem encontrar
n ovo re g im e ju r íd ic o em nova o rd e m le g is la tiv a que a lte ra
substancialmente o direito ou em decisão do STF com eficácia erga omnes
e v in culan te. Defeso q u a lq u e r e fe ito re la tiv a m e n te ao passado, na
medida que a eficácia da coisa julgada mantém sua força vinculante sobre
as relações já efetivamente concretizadas.
O surgimento de jurisprudência inovadora, que altera jurisprudência
anterior e se consolida no seio de dado Tribunal pode, quando muito, motivar
a modificação do fundamento jurídico quando a razão de decidir fundava-se
unicamente em construção jurisprudencial, para os fins da ação revisional.
A interpretação da legalidade por decisões isoladas, pela instituição de
súmula ou a solução de divergência entre turmas, por exemplo, não seria
suficiente para tanto. Nessas situações, diga-se desde logo, de rara aplicação
no direito tributário, justifica-se a alegação de mudança do pressuposto
jurídico pela mutação da jurisprudência.
Deveras, quando determinada sentença de mérito torna-se irrecorrível
e sobre esta atua a eficácia da garantia constitucional da segurança jurídica,
a conferir ao respectivo titular um direito fundamental de alegar, a qualquer
tempo, os efeitos da "coisa julgada", cuja observância é devida pelas partes
e por te rc e iro s que possam ser afetados, sua eficácia é de ordem
constitucional e vincula todos os órgãos estatais à imutabilidade dos atos
aperfeiçoados e garantidos pela coisa julgada. A dúvida é saber se estes
resistem a uma declaração de inconstitucionalidade do STF e se esta decisão
pode retroagir, para alcançar as situações fáticas estabilizadas sob a égide
da coisa julgada (o fim próprio das decisões judiciais é o de dispor sobre o
passado), ou se pode in ib ir a continuidade da eficácia desta (quando
excepcionalmente dispõe para futuro), nas chamadas relações tributárias
continuativas (tributos plurifásicos etc.).
No que diz respeito ao controle de constitucionalidade por qualquer
medida com eficácia erga omnes, quando todos aqueles atos-fatos pretéritos

207
D IRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES ATUAIS

{porque ocorridos antes do início da vigência da nova jurisprudência), sob a


vigência do precedente superado, deverão ser protegidos (na hipótese de
coisa julgada), autorizada apenas a ação rescisória no biênio legal. Nestas,
descabe falar de qualquer recurso a ação revlsional, na medida que a eficácia
da coisa julgada deve adaptar-se necessariamente ao efeito vincuiante
daquelas decisões do STF. Enfatize-se, vedada sua retroação, a
prospectividade dos efeitos da decisão [ex nunc) deve ser a regra, nos casos
de declaração de constitucionalidade;^^^ eficácia de preservação da coisa
julgada que som ente pode cessar nos casos de declaração de
inconstitucionalidade, em benefício do contribuinte, para desconstituir a
coisa julgada que tenha declarado constitucional a exigência de qualquer
tributo, pela nulldade da lel ex tunc (excetuadas as hipóteses de modulação
ou a prospectividade atribuída à eficácia da decisão).
A coisa julgada nas relações tributárias que, processualmente, possam
ser qualificadas como “ relações jurídicas continuativas" não se limitam pela
súmula n. 239 do STF, de tal modo que a coisa julgada formada em processo
que trata da relação tributária em determinado exercício financeiro poderá,
em diversos casos, alcançar os exercícios futuros.^^^ Nesse aspecto, nas
relações jurídicas continuativas, a coisa julgada não perde sua eficácia com a
simples ocorrência de alterações nas circunstâncias fáticas ou jurídicas
existentes quando da sua formação.

6. Eficácias da coisa julgada inconstitucional "a posteriori" em


matéria tributária - considerações finais

A coisa julgada é im o d ificá vel pela simples acomodação da


jurisprudência em determinado sentido diverso da lide e das questões nela
decididas. Isso não configura o regime típico que autoriza quer a ação
rescisória quer a revisibilidade da coisa julgada em relações continuativas,

Em d iv e rsa s situ a ç õ e s , sua a p lic a ç ã o re c la m a e m p r e g o in e x o rá v e l, c o m o se v e r ific a c o m q u e s tõ e s


r e la tiv a s a c o m p e tê n c ia s m a te r ia is , d a d a a s e m e lh a n ç a c o m a c r ia ç ã o o u a u m e n t o d e t r i b u t o na
e s p é c ie . C o m o já d e c i d i u o STF; " 0 S u p r e m o T r i b u n a l F e d e r a l, g u a r d i õ o - m o r d a C o n s t i t u i ç õ o
fíep u b íican a , p o d e e deve, e m p r o l d a se gu ra n ça ju ríd ic a , a t r i b u i r e fic á c ia p r o s p e c tiv e às suas decisões,
c o m a d e lim it a ç ã o p re cisa dos re s p e c tiv o s efe ito s, t o d a vez q u e p ro c e d e r a re visõ e s d e ju r is p ru d ê n c ia
d e f in id o r a d e c o m p e tê n c ia "e x r a tio n e m a te r ia e " . 0 e s c o p o é p r e s e r v a r os ju r ls d ic lo n a d o s de
a lte ra ç õ e s ju r is p r u d e n c ia ls q u e o c o r r a m s e m m u d a n ç a f o r m a l d o M a g n o Texto“ . (CC 7 . 2 0 ^ M G , STF,
P le n o , Rei. M i n . C a rlo s B r i t t o , e m 2 9 .6 .2 0 0 5 ) .
A S ú m u la ns 2 3 9 , d o STF, já n ão goza d a p re v a lê n c ia h a v id a n o passa d o , m a s se a p re s e n ta co m
e v id e n te a p lic a ç ã o r e s t r i t a n a J u ris p ru d ê n c ia ; "1. A e x is tê n c ia d e co isa J u lg a d a e m a ç ã o d e c la r a t ó r ia
d e i n e x i s t ê n c ia d e r e la ç ã o j u r i d i c o - t r i b u t á r i a r e la t i v a a o p e r a ç õ e s m e r c a n t i s s o b r e m a t e r i a l d e
c o n s tru ç ã o im p e d e a co b ra n ç a f u t u r a d e c ré d ito s d e c o rre n te s destes f a t o s ju ríd ic o s , a t é q u e s o b re v e n h a
m o d ific a ç ã o n a s circu n stâ n cia s d e f a t o e d e d ir e ito o b je to dos e fe ito s d a p re c lu s ã o m á x im a ." (AgRg n o
A g 1 0 5 1 4 1 2 /M S , M i n i s t r a E liana C a lm o n , DJ 0 4 / 1 1 / ^ 0 0 8 ) .

208
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

como alguns supõem, pois todas as decisões são de caráter individual,


desprovidas de eficácia erga omnes. Alegações de isonomia ou de afetação
à concorrência não colhem oportunidade para justificar a exclusão da coisa
julgada.
Sabe-se, limitações a direitos fundamentais, como é o caso da "coisa
julgada", não podem ir além do seu conteúdo essencial, cuja preservação é
imprescindível. Por isso, deve-se destacar uma distinção relevante, na
regulação da perda de eficácia da coisa julgada, entre: a) coisa julgada
garantidora de fatos (oponível ad praeteritum), cuja imutabilidade deve ser
garantida como efeito de direito fundamentai; e b) coisa julgada garantidora
de d ire ito "in a bstra cto " {fu turo), para a qual a te o ria da jurisdição
constitucional una ou o princípio de unicidade do sistema constitucional
(para evitar privilégios, garantir equilíbrio de concorrência etc.), impõe seu
necessário controle.
Em verdade, os regimes decorrentes variam conforme a decisão do
STF. As declarações de inconstitucionalidade no controle concentrado ou
difuso com efeitos erga omnes e eficácia vinculante ex tunc retiram a base
normativa da coisa julgada por nulidade e, doravante, é como se o direito de
antes não fosse "recepcionado" pela ordem constitucional vigente, o que
autoriza ao contribuinte a promover os respectivos pedidos de devolução
do crédito trib u tá rio anteriormente recolhidos aos cofres públicos ou à
manutenção da coisa julgada definitiva, com efeito extintivo do crédito
tributário. No que concerne à declaração de constitucionalidade, nos casos
prote g ido s pelo m anto da coisa julgada que ten h am declarado a
inconstitucionalidade da lei no caso concreto, preservada a coisa julgada
m a terial e ate n dido s os c rité rio s de segurança ju ríd ic a q u a n to à
irretroatividade, para que seja iniciada a cobrança do crédito tributário (efeito
ex nunc), deve-se observar ademais o princípio da anterloridade, após a
notificação dos órgãos competentes, bem como as regras pertinentes à
prescrição.
No caso da coisa Julgada garantidora de direito "in abstracto" (futuro),
os fatos jurídicos tributários que estão por vir, na sucessão das relações
continuativas, e que se subsumem ao regime jurídico previsto na norma
abstrata requerem tratamento pautado pelo princípio da isonomia ou da
não discrim inação, dado que tod o s que se e n co n trem em situação
e quivalente devem receber tra ta m e n to semelhante, na harmonia da

A esse r e s p e ito , cf. CARVALHO, P a u lo d e B a rro s . D ir e i t o t r i b u t á r i o : lin g u a g e m e m é t o d o . São


P a u lo ; N oe se s, 2 0 0 8 . p. 5 6 8 e ss.; LINS, R o b s o n M a la . C o n tr o le d e c o n s t it u c io n a l i d o d e d a n o r m a
t r i b u t á r i a : d e c a d ê n c ia e p re s c riç ã o . São P aulo; Q u a r t ie r L a tin , 2 0 0 5 . p. 2 4 4 . V e r a in d a : Cf. PONTES,
H e l e n i l s o n C u n h a . C oisa j u l g a d a t r i b u t á r i a e c o n s t i t u c i o n a l i d o d e . São P a u lo : D ia lé t ic a , 2 0 0 5 , p.
1 51 a 153.

209
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

integração dos direitos individuais amparados pela Constituição. O que é


"constitucional" para um tem que ser "constitucional" para todos após a
decisão do controle de constitucionalidade abstrato.
Como e fe ito de re co nhecim ento dos princípios de eficiência e
m oralidade adm inistrativa, o art. 19, II, da Lei n. 10.522A)1 afasta a
continuidade de recursos e a própria exigência de tributos pela Receita
Federal no caso das matérias que, em virtude de jurisprudência pacífica
do Supremo Tribunal Federal, ou do Superior Tribunal de Justiça, sejam
objeto de ato declaratório do Procurador-Geral da Fazenda Nacional,
aprovado pelo Ministro de Estado da Fazenda. Conforme os parágrafos
45 e 52 do referido artigo, a SRF não constituirá os créditos tributários e,
na h ip ó te s e de c ré d ito s t r ib u t á r io s ]á c o n s titu íd o s , 0 a u to rid a d e
lançadora deverá rever de ofício o lançamento, para efeito de alterar total
ou parcialmente o crédito tributário, conforme o caso. Esse tratam ento
vale para qualquer situação do sujeito passivo, inclusive para os casos de
créditos tributários relativos a contribuintes cuja coisa julgada lhe seja
desfavorável.
Em qualquer caso, a Fazenda Pública encontra-se autorizada a exigir
trib u to de contribuinte amparado por coisa julgada (que reconhecia a
in c o n s titu cio n a lid a d e da exação) a p a rtir do re co nh ecim e nto da
constitucionalidade de determinado trib u to pelo STF, com eficácia erga
omnes. Isso não quer dizer que a coisa julgada vê-se "anulada" pela declaração
do STF, efeito que somente poderia ser obtido pela ação rescisória {no prazo
legal de dois anos do trânsito em julgado); mas que cessam seus efeitos a
partir daquela decisão, sem qualquer eficácia para o passado, insiste-se,
cabível unicamente quanto às situações sujeitas á ação rescisória. Por
conseguinte, a cessação dos efeitos da coisa julgada projeta-se, em qualquer
caso, somente para futuro {ex nunc).
0 Ministro Celso de Mello, no RE 594350/RS,^^^ fez ver os limites da
coisa julgada como proteção máxima da segurança jurídica e da certeza do
direito, como instrumento de estabilidade da ordem jurídica, como assentado
na Ementa cuja transcrição é obrigatória, em face das suas repercussões
sobre toda a ordem jurídica e, especialmente, quanto aos propósitos de
relativização da coisa julgada, a saber:

A s e n te n ç a de m é r it o tr a n s it a d a e m ju lg a d o só p o d e ser
d e s c o n s titu í d a m e d i a n t e a j u i z a m e n t o de e sp e c ífica ação
a u tô n o m a de im p u g n a ç ã o (ação res cis ória) qu e haja sido
proposta na fluência do prazo decadência! previsto em lei, pois.

^ d e c is ã o p u b lic a d a n o DJE d e 1 1 ,6 .2 0 1 0 .

210
D IR E IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕ ES AT U AIS

com 0 exaurimento de referido lapso temporal, estar-se-á diante


da coisa soberanamente julgada, insuscetível de ulterior
modificação, ainda que o ato sentenciai encontre fundamento
em legislação que, em momento posterior, tenha sido declarada
inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, quer em sede
de controle abstrato, quer no âmbito de fiscalização incidental
de constitucionalidade.
- A decisão do Supremo Tribunal Federal que haja declarado
inconstitucional determinado diploma legislativo em que se
apoie 0 título judicial, ainda que impregnada de eficácia "ex
tunc", como sucede com os julgamentos proferidos em sede de
fiscalização concentrada (RTJ 87/758 - RTJ 164/506-509 - RTJ
201/765), detém-se ante a autoridade da coisa julgada, que
traduz, nesse contexto, limite insuperável à força retroativa
resultante dos pronunciamentos que emanam, "in abstracto",
da Suprema Corte. Doutrina. Precedentes.

A exigência de respeito incondicional às decisões judiciais transitadas


em julgado traduz imposição constitucional justificada pelo princípio da
separação de poderes e fundada nos postulados que informam, em nosso
sistema jurídico, a própria concepção de Estado Democrático de Direito. A
separação de poderes e a relação entre particulares exigem a efetividade
do princípio-garantia da coisa julgada, na sua mais expressiva efetividade.
Esta proteção ao direito adquirido (i), ao ato jurídico perfeito (ii) e à
coisa julgada (ili) eqüivale a garantia constitucional que preserva os cidadãos
contra a retroatividade e protege direitos e liberdades fundamentais em
matéria tributária, numa otimização diferenciada em relação a qualquer outra
m atéria no nosso o rd e n a m e n to , dada a com posição com o Sistema
Constitucional Tributário. De se ver que este conteúdo coordenado entre
direitos fundamentais (art. 52 da CF) e limitações ao poder de tributar (art.
150 da CF) deverá alcançar igualmente as decisões judiciais em matéria
tributária. Impede-se, assim, a retroatividade destas, vedada a criação de
obrigações trib u tá ria s para atos ou fatos passados, com o tam bém a
modificação ou superação das situações jurídicas que já se encontram
consolidadas como direitos adquiridos, atos jurídicos perfeitos ou coisa
julgada.
0 reconhecimento de ineficácia de julgados coincide com o parágrafo
único do art. 741 do CPC, ao determ inar a cessação de efeitos do título
executivo (inexigibilidade do título) quando/unc/oc/o em lei ou ato normativo
declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em
aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo
Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal. Numa
interpretação conforme a Constituição, esta regra aplica-se unicamente para
o futuro (títulos constituídos após a decisão do STF), dado que seria de todo

211
!
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T U A IS |

inconstitucional sua aplicação retroativa, para atingir os títulos relativos a


obrigações constituídas sob a égide de coisa julgada. Portanto, somente
nesses casos, e não em qualquer outro tipo de jurisprudência consolidada,
pode o contribuinte arguir a inexigibilidade de títu lo executivo contra a
Fazenda Pública. E, na execução, o reconhecimento de inconstituclonalidade
pode ser alegado com base no art. 475-L, § is , do CPC, sempre com efeitos
futuros.

212
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES AT U AIS

INTRIBUTABILIDADE DOS JUROS DE MORA PELO IMPOSTO


DE RENDA (PESSOA FÍSICA E JU R ÍD IC A ) E PELA
CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO

Igor M auler Santiago^"

1. Natureza jurídica dos juros de mora. Sua autonomia frente à verba


sobre que incidem

Como se sabe, os juros podem ser compensatórios ou moratórios. Os


prim eiros constituem a remuneração devida por uma pessoa pelo uso
temporário e consentido do capital de outra. São frutos do capital, riqueza
nova decorrente deste.
Falar em uso consentido eqüivale a reconhecer a licitude do ato que
dá origem à dívida geradora dos juros - normalmente, um mútuo.
Os juros de mora, por sua vez, correspondem à indenização do dano
causado por aquele que não paga dívida no vencimento ou não restitui no
instante azado dinheiro alheio de que tenha a posse.
Sua incidência pressupõe, portanto, a prática de ato ilícito (rectius, de
omissão ilícita: a impontualidade) pelo devedor.
A distinção é referendada pela melhor doutrina nacional:

Entende-se por juros o que o credor pode exigir pelo fato de ter
prestado^^® ou de não ter recebido o que se lhe devia prestar^^°.
(...)

Os juros moratórios são usurae punitorieae. (...) Juros


moratórios não se infligem por lucro dos demandantes, mas
por mora dos solventes." (PONTES DE MIRANDA. Tratado de Direito
Privado, tomo 24. Campinas: Bookseller, p. 46 a 50, grifo nosso)
Em se verificando a impontualidade, pode o credor exigir a
prestação devida e a indenização do dano sofrido em
conseqüência do atraso na execução.
(. . . )

Nas dívidas pecuniárias, as perdas e danos consistem nos juros


moratórios. É intuitiva a razão dessa especificidade. A privação
do capital em conseqüência do retardamento na sua entrega
ocasiona prejuízo que se apura facilmente pela estimativa de
quanto renderia, em média, se já estivesse em poder do credor.

- M e s tr e e D o u t o r e m D ir e ito T r i b u t á r i o p e la U F M G . A d v o g a d o
^ R e fe re -s e o A u t o r a o s j u r o s r e m u n e r a t ó r io s .
™ A r e m is s ã o a q u i é aos ju r o s d e m o ra .

213
D IR E IT O T R IB U T Á R IO ; Q U E S T Õ E S A T U A IS

( ...)
Se bem que os juros de mora constituam a indenização específica,
devida em conseqüência de retardamento culposo no
cumprimento da obrigação, não é necessário, para exigi-los,
que o credor alegue prejuízo. 0 devedor é obrigado a pagá-los
independentemente de qualquer postulação, porque a lei os
presume." (ORLANDO GOMES. Obrigações. Rio de Janeiro:
Forense, p. 199 e 200, grifo nosso)
Distinguem-se os juros em compensatórios e moratórios.
Quando compensatórios, os juros são os frutos do capital
empregado e nesse sentido é que melhor assenta o conceito
acima formulado. Quando moratórios, constituem indenização
pelo prejuízo resultante do retardamento culposo." (SÍLVIO
RODRIGUES. Direito Civil, vol. 2. São Paulo: Saraiva, p. 258, grifo
nosso)
Os juros remuneratórios são devidos desde o trespasse; os
moratórios - que correspondem à indenização pela
inadimplência nas obrigações de dar {ou pagar), por ato
imputável ao devedor - fluem a partir do momento em que se
caracteriza a mora. Importante, pois, definir em que momento
ela ocorre." (RUY ROSADO DE AGUIR JR. Os contratos bancários
e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, In Revista
dos Tribunais, ano 92, v. 811, p. 99-14)

A natureza indenizatória dos juros de mora era expressamente atestada


pelo Código Civil de 1916 (art. 1.061), e continua a sê-lo pelo atuai (art. 404).
É conferir:

Art. 1.061. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em


dinheiro, consistem nos juros da mora e custas, sem prejuízo da
pena convencional."
Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em
dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo
índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros,
custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena
convencional.
Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o
prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder
ao credor indenização suplementar.

Nenhuma diferença substancial há entre os dois dispositivos, senão a


autorização do Código atual para que o Juiz - verificando que os juros de
mora não bastam para recompor o patrim ônio lesado, e constatando a
inexistência de cláusula penal - condene o devedor em indenização
suplementar (expressão que, permita-se a insistência, reforça o caráter
indenizatório dos Juros de mora).

214
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Vale notar ainda que a lei e a doutrina jamais vincularam a natureza


jurídica dos juros de mora à natureza jurídica das verbas cujo inadimplemento
lhes dá ensejo, e sobre as quais incidem.
Assim, os ju ro s de mora têm caráter in de n iza tó rio quer incidam
so b re in d e n iz a ç ã o não h o n ra d a no m o m e n to o p o r tu n o {p e rd a s
causadas p o r a c id e n te de a u to m ó v e is , v.g.), q u e r in c id a m sobre
o b rig a ç ã o d e c o rre n te de a to h'cito não s a tis fe ita no v e n c im e n to
(restituição de depósito, pagam ento de m útuo, de aluguel, de trib u to ,
de salário, etc.).
De fato, não nascendo da exploração econômica normal do dinheiro
por seu proprietário {m útuo feneratício), mas sim de acidente indesejado
pelo credor a qualquer título de dívida de dinheiro (a impontualidade do
devedor), os juros de mora decididamente não podem ser considerados como
frutos do capital, sutileza de resto percebida por SÍLVIO RODRIGUES no trecho
acima transcrito, em que limita tal qualificação aos juros remuneratórios.
A conclusão acima se reforça ante a constatação de que a dívida de
dinheiro cujo inadimplemento enseja os juros de mora não tem por origem
única a aplicação de capital pelo respectivo proprietário (hipótese em que
se poderia pensar na qualificação dos juros de mora como frutos do dinheiro
aplicado), podendo decorrer de fatos tão diversos quanto à contratação de
depósito, a prestação de serviços dependentes ou independentes, a cessão
onerosa da posse de bens móveis ou imóveis, a sujeição do contribuinte à
soberania fiscal do Estado, etc.
Não sendo frutos, produtos ou rendimentos do dinheiro, os juros de
mora não são acessórios da parcela que lhes subjaz. Bem por isso, não se
sujeitavam ao art. 59 do Código Civil antigo, dispositivo aliás não reproduzido
no atual. É ver o contexto normativo em que se inseria o comando:

A rt. 58. P rincipal é a coisa q u e existe so b re si, a b stra ta ou


co n cre ta m e n te . Acessória, aquela cuja existência supõe a da
p rin c ip a l.
Art. 59. Salvo disposição especial em contrário, a coisa acessória
segue a principal.
A r t. 60. E n tra m na classe das coisas acessórias os fr u to s ,
produtos e rendimentos." (grifo nosso)

Não havendo nessa verba "qualquer conotação de riqueza nova", é


descabida a exigência de imposto de renda. Nesse sentido, o recente acórdão
unânime da 2^ Turma desta Corte no REsp. n^ 1.037.452, assim conduzido
peta Min. ELIANA CALMON:

Entretanto, neste processo o enfrentam ento passa pela nova visão


dos ju ro s m o ra tó rio s a p a r t ir do a tu a l C ódigo Civil que, no

215
i
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES AT U AIS

parágrafo único do art. 404, deu aos juros moratórios a conotação


de indenização, como pode ser visto na transcrição seguinte:
Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em
dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo
índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros,
custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena
convencional.
Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o
prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder
ao credor indenização suplementar.
Segundo decidiu o Tribunal de Apelação:
1) A indenização representada pelos juros moratórios
corresponde aos danos emergentes, ou seja aquilo que o credor
perdeu em virtude da mora do devedor.
Houve a concreta diminuição do patrimônio do autor, por ter
sido privado de perceber o salário de forma integral, no tempo
em que deveria ter sido adimplido. Os juros moratórios, nesse
sentido, correspondem a uma estimativa prefixada do dano
emergente, nos termos dos arts. 395 do Código Civil vigente e
1.061 do Código Civil de 1916.
2) Não há falar, aqui, em interpretação ampliativa da hipótese
de isenção prevista na legislação de regência, porque não se
trata, no caso, de isenção, mas, sim, de não-incidência.'
Detive-me na tese de fundo e a conclusão a que chego, diante
dos claros termos do parágrafo único do Código Civil, é a de que
os juros de mora têm natureza indenizatória e, como tal, não
sofrem a incidência de tributação. A questão não passa pelo
Direito Tributário, como faz crer a Fazenda, quando invoca o
instituto da isenção para dizer que houve dispensa de pagamento
de tributo sem lei que assim o determine.
A questão é simples e está ligada à natureza jurídica dos juros
moratórios, que a partir do novo Código Civil não mais deixou
espaço para especulações, na medida em que está expressa a
natureza indenizatória dos juros de mora.
Estou consciente de que o entendimento alterará profundamente
a disciplina dos juros moratórios, como estabelecido há anos e
que proclamava a sua natureza acessória, de tal forma que se
amolda à caracterização da obrigação a que se refere, como um
apêndice.
Se assim é, certa está a tese constante do julgado do Tribunal
de São Paulo, a partir do entendimento sedimentado no direito
pretoriano desta Corte, uniformizado na Primeira Seção e que
pode ser assim resumido: a) as parcelas salariais são
consideradas como remuneração, ou seja, rendimento,
incidindo pois o imposto de renda; b) em se tratando de
indenizações, não há rendimento algum e, como tal, não incide
o imposto de renda.

216
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

0 acórdão, que abandonou antiga a criticável concepção da Corte^^\


merece reparo apenas quando atribui ao Código Civil de 2002 suposta
transformação da natureza jurídica dos juros de mora, quando a verdade é
que nenhuma distinção de monta há entre o art. 1.061 do Código de 1916 e o
art. 404 do atual, visto que um e o u tro os incluem e ntre as parcelas
reparadoras das perdas e danos sofridas pelo credor de obrigação pecuniária.

2. Não-incidência de imposto de renda (pessoa física ou jurídica) e de


CSLL sobre os juros de mora recebidos pelo contribuinte

0 art. 153, III, da Constituição atribui à União competência para instituir


imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza.
Renda, na definição do art. 43, I, do CTN é "o produto do capital, do
trabalho ou da combinação de ambos"; proventos de qualquer natureza
acresce o II do mesmo a rtig o , são "os acréscimos p a trim o n ia is não
compreendidos no inciso anterior".
Numa e noutra hipótese, portanto, a incidência do imposto pressupõe
o surgimento de riqueza nova, o aumento patrimonial líquido, com o que
não se confunde a mera recondução do patrim ônio ao nível em que se
encontrava antes da ocorrência de evento danoso.
Se pode haver alguma dúvida q uanto à natureza e s tritam en te
indenizatória - e, portanto, não sujeita ao imposto de renda - da recomposição
do dano moral (matéria que não será tratada neste artigo), nenhuma incerteza
subsiste no que toca à reparação do dano patrimonial, enquanto limitada à
extensão deste (excluídos os lucros cessantes, v.g.). Esta a jurisprudência firme
do STJ, como se verifica do seguinte acórdão unânime da 1^ Turma:

Tributário. Imposto de renda. Pagamento de complementaçâo


tem porária de proventos de aposentadoria. Benefício saldado
inicial. Natureza. Regime tributário das indenizações. Distinção
e n tre indenização por danos ao p a trim ô n io m a te ria l e ao
patrimônio imaterial.
1. 0 imposto sobre renda e proventos de qualquer natureza tem
como fato gerador, nos termos do art. 43 e seus parágrafos do
CTN, os ‘acréscimos patrimoniais', assim entendidos os
acréscimos ao patrimônio material do contribuinte.
2. Indenização é a prestação destinada a reparar ou recompensar
o dano causado a um bem jurídico. Os bens jurídicos lesados
podem ser (a) de natureza patrimonial (= integrantes do
patrimônio material) ou (b) de natureza não-patrimonial (=

^ Segundo a q ua l os ju r o s d e m o ra - n a o t e n d o n atu re z a ju ríd ic a p ró p ria - se ria m acessórios da verba


sobre a q ua l in cid e m , s u je ita n d o -s e o u n ão ao IR s e gu n d o aquela fosse o u não alcançável p elo im p o s to .

217
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

integrantes do patrimônio imaterial ou moral), e, em qualquer


das hipóteses, quando não recompostos in natura, obrigam o
causador do dano a uma prestação substitutiva em dinheiro.
3.0 pagamento de indenização pode ou não acarretar acréscimo
patrimonial, dependendo da natureza do bem jurídico a que se
refere. Quando se indeniza dano efetivamente verificado no
patrimônio material (= dano emergente), o pagamento em
dinheiro simplesmente reconstitui a perda patrimonial ocornda
em virtude da lesão, e, portanto, não acarreta qualquer aumento
no patrimônio. Todavia, ocorre acréscimo patrimonial quando
a indenização (a) ultrapassar o valor do dano material verificado
(= dano emergente), ou (b) se destinar a compensar o ganho que
deixou de ser auferido (= lucro cessante), ou (c) se referir a dano
causado a bem do patrimônio imaterial (= dano que não
importou redução do patrimônio material).
4. A indenização que acarreta acréscimo patrimonial [o que
não é o caso dos autos] configura fato gerador do imposto de
renda e, como tal, ficará sujeita a tributação, a não ser que o
crédito tributário esteja excluído por isenção legal, como é o
caso das hipóteses dos incisos XVI, XVII, XIX, XX e XXIII do art.
39 do Regulamento do Imposto de Renda e Proventos de Qualquer
Natureza, aprovado pelo Decreto 3.000, de 31.03.99.
5. 0 pagamento, ajustado em dissídio coletivo, de complementação
de proventos de aposentadoria (denominado benefício" e
"vantagem"), gera acréscimo patrimonial ao aposentado. Não se
tratando de indenização por dano material e nem estando
contemplada por qualquer espécie de isenção, a complementação
dos proventos está sujeita a tributação pelo mesmo regime fiscal
aplicável à parcela complementada. (...)" (STJ, 1^ Turma, REsp. ns
786.769/RS, Rei. Min. TEORI ZAVASCKI, DJ 03.04.2006, p. 276)

0 acórdão é claríssimo: a reparação do dano patrimonial, limitada ao


valor deste, está além do campo de Incidência do Imposto de renda, e Isso
independentemente da existência de qualquer regra de isenção - que se
exige apenas para as indenizações que geram ganho patrimonial (lucros
cessantes e outras).
Trata-se aqui da diferença entre não-incidência natural - que ocorre
quando o fato em tela situa-se fora do campo definido pela intersecção
entre a lei instituidora e a norma atributiva de competência, já descontadas
as imunidades - e não-incidência juridicam ente qualificada, que ocorre
quando o fato considerado recairia em princípio em tal campo, sendo dele
expelido por força de comando legal expresso (isenção).
Ora, a correspondência mínima entre os juros de mora e as perdas e
danos sofridas pelo credor da dívida de dinheiro é - como anota ORLANDO
GOMES no último parágrafo da citação constante do item 1 supra - presumida

218
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

juris et de iure pelo Código Civil, que chega a adm itir que aqueles sejam
inferiores a estas (perm itindo ao Juiz fixar reparação suplementar), mas
nunca que as superem.
Nesse sentido, igualmente, o acórdão da 4^ Turma do STJ no REsp. n^
244.296/RJ, no qual ficou estabelecido que "os juros de mora se destinam a
reparar os danos emergentes, ou positivos, e a pena convencional é a prévia
estipulaçôo para reparar os lucros cessantes, que são os danos negativos,
vale dizer, o lucro que a inadimplência nõo deixou que se auferisse, resultando
na perda de um ganho esperável" (Rei. Min. CÉSAR ÁSFOR ROCHA, DJ
05.08.2002, p. 345).
O caso é, portanto, nitidamente de não-incidência natural, como aliás
reconhecido pela Presidência do STF na decisão abaixo:

No tocante à retenção do Im posto de Renda, é de se rechaçar a


inclusão, na conta elaborada, desse tr ib u to rela tivam e n te aos
juros de m ora e honorários advocatícios, po rq ua n to ambos se
m o stra m de natureza ind en iza tó ria . É q u e os ju ro s de m ora
correspondem à reparação pelo re tard a m e n to na observância
de c e rto d ire ito , e n q u a n to os h o n o rá rio s estão lastrados na
premissa de que a parte compelida a v ir a juízo para defender
d ir e ito p ró p rio não deve, caso v encedora, so fre r d im in u içã o
patrim onial, Daí condenar-se o sucum bente ao pagam ento dos
h o n o r á r io s , q u e g a n h a m , p o r isso m e s m o , c o n to r n o s de
reembolso." (Execução na AGO ns 3 6 9 -SP, Presidente Min. MARCO
AURÉLIO, DJ de 13.11.2002, p. 42, grifos nossos)

As considerações fe ita s para o im p o s to de renda aplicam -se


inteiramente à CSLL, seja pela identificação quase total entre as respectivas
bases de cálculo, seja pela clara impossibilidade de considerar-se como
formadora de lucro parcela que mais não faz do que compensar perdas
financeiras anteriores, reconduzindo o patrimônio ao nível em que se situava
antes do evento danoso (e não o aumentando).

3. Conclusão

Pelo exposto, concluímos pela não-incidência natural de imposto de


renda (pessoa física ou jurídica) e de CSLL sobre os juros de mora recebidos
pelo c o n trib u in te , mesmo que não exista norm a isencional (p o r ser
desnecessária) ou que haja lei expressa im pondo a tributação (por ser
inconstitucional e ofensiva ao art. 43 do CTN, caso, v.g., do art. 16, parágrafo
único, da Lei ns 4 .5 0 ^ 4 ).

219
í
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

REPERCUSSÃO GERAL NO CARF

Ives Gandra da Silva Martins^"

A Emenda Constitucional n^ 4 ^ 5 introduziu o instituto da Súmula


Vinculante pelo artigo 103-A, assim redigido:

Art. 103-A. 0 Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por


provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros,
após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar
súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá
efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário
e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal,
estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou
cancelamento, na forma estabelecida em lei. (Incluído pela Emenda
Constitucional ne 45, de 2004) (Vide Lei ns 11.417, de 2006).
§ 12 A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a
eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja
controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a
administração pública que acarrete grave insegurança jurídica
e relevante multiplicação de processos sobre questão
Idêntica. (Incluído pela Emenda Constitucional ns 45, de 2004)
§ 29 Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a
aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser
provocada por aqueles que podem propor a ação direta de
inconstitucionalidade.(Incluído pela Emenda Constitucional ns
45, de 2004)
§ 32 Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a
súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá
reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a
procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão
judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com
ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. (Incluído pela
Emenda Constitucional ns 45, de 2004).

Este dispositivo influenciou a promulgação da Lei n® 1141QC6, a qual


conformou, definitivamente, o instituto da repercussão geral no processo civil.

Professor E m é rito das U niversid ades M a cken zie, UNIP, UNIFIED, U N IFM U , d o ClEE/O ESTADO DE SÃO
PAULO, das Escolas d e C o m a n d o e E s ta d o - M a io r d o Exé rcito - ECEME, S u p e r io r d e G u e rra - ESG e da
M a g is tra tu ra d o T rib u n a l R eg ional Federal - Região; P ro fe s s o r H o n o r á r io das U niv e rs id a d e s A u stral
( A r g e n t i n a ) , San M a r t i n d e P o r r e s ( P e r u ) e V a s ili G o l d i s ( R o m ê n ia ) ; D o u t o r H o n o r is C au s a das
U n i v e r s id a d e s d e C ra io v a ( R o m ê n ia ) e d a P U C -P a ra n á , e C a t e d r á t i c o d a U n i v e r s id a d e d o M i n h o
(P o rtu g a l); P re s id e n te d o C o n s e lh o S u p e r io r d e D ir e ito da FECOMERCIO - SP; F u n d a d o r e P r e s id e n te
H o n o rá r io d o C e n tro d e Exte n sã o U n iv e r s itá r ia - C E U / In s titu to In te r n a c io n a l d e Ciê ncia s Sociais - IICS

221
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES AT U AIS

A discussão maior que se coloca, na atualidade, com intenso debate


sobre sua p e rtin ê n c ia ou não nos T ribu na is A d m in is tra tiv o s e,
principalmente, no CARF, é saber se a sobrestação de um processo, com
teses discutidas simultaneamente no Judiciário e na Administração Pública,
te ria os mesmos e fe ito s , vale d izer da mesma fo rm a que gera o
sobrestamento do curso de outras ações judiciais em instâncias inferiores,
sobrestaria também o andamento dos processos administrativos.
Tenho para mim que, pela própria natureza do processo administrativo,
cuja essência é a busca da verdade material, sendo as regras processuais
administrativas aplicadas com elasticidade maior do que no Judiciário, em
todas as hipóteses dos arts. 543-B e C deve o CARF seguir a orientação das
decisões emanadas do STF e STJ, inclusive, nos casos de repercussão geral,
sobrestando o andamento de processos ^
Em outras palavras, havendo o sobrestamento, porque definida a
repercussão geral, e havendo julgamento do caso, a referência à sistemática
do artigo 543-B no acórdão é despicienda.

™ Os a r tig o s 5 43 -B e C d o C ó d ig o d e Processo Civil t ê m a s e g u in te re d a ç ã o :


" A r t. 5 4 3 -B . Q u a n d o h o u v e r m u lt ip l ic i d a d e d e re c u rs o s c o m f u n d a m e n t o e m i d ê n tic a c o n tr o v é r s ia ,
a a n á lis e d a r e p e r c u s s ã o g e r a l s e rá p r o c e s s a d a n o s t e r m o s d o R e g i m e n t o I n t e r n o d o S u p r e m o
T r ib u n a l F e d e ra l, o b s e r v a d o o d is p o s t o n e s te a r t i g o . ( In c lu í d o p e la Lei ns 1 1 .4 1 8 , d e 2 0 0 6 ).
§ l e C aberá a o T r ib u n a l d e o r ig e m s e le c io n a r u m o u m a is re c u rs o s re p r e s e n ta tiv o s d a c o n tr o v é r s ia
e e n c a m i n h á - l o s a o S u p r e m o T r i b u n a l F e d e r a l, s o b r e s t a n d o o s d e m a i s a t é o p r o n u n c i a m e n t o
d e f i n i t i v o d a C o r t e . ( In c lu í d o p e la Lei n s 1 1 .4 1 8 , d e 2 0 0 6 ).
§ 22 N e g a d a a e x i s t ê n c i a d e r e p e r c u s s ã o g e r a l , o s r e c u r s o s s o b r e s t a d o s c o n s i d e r a r - s e - ã o
a u t o m a t i c a m e n t e n ã o a d m i t i d o s . ( I n c l u í d o p eta Lei 1 1 . 4 1 8 , d e 2 0 0 6 ).
§ 32 J u lg a d o 0 m é r i t o d o r e c u r s o e x t r a o r d i n á r i o , os re c u r s o s s o b r e s ta d o s s e r ã o a p r e c ia d o s p e lo s
T rib u n a is , T u rm a s d e U n ifo r m iz a ç ã o o u T u r m a s R ecursais, q u e p o d e r ã o d e c la r á - lo s p r e ju d ic a d o s o u
r e t r a t a r - s e . ( In c lu í d o p e la Lei ns 1 1 .4 1 8 , d e 2 0 0 6 ).
§ 45 M a n t id a a d e c is ã o e a d m i t i d o 0 r e c u r s o , p o d e r á 0 S u p r e m o T r ib u n a l F e d e ra i, n os t e r m o s d o
R e g i m e n t o In t e r n o , ca ssa r o u r e f o r m a r , l i m i n a r m e n t e , o a c ó r d ã o c o n t r á r i o à o r ie n t a ç ã o f i r m a d a .
(In c lu í d o p e la Lei ns 1 1 .4 1 8 , d e 2 0 0 6 ).
§ 52 0 R eg im en to In te rn o d o S u p re m o Trib u n a l Federal d is p o rá so b re as a trib u iç õ e s d o s M in is tro s , das
T u rm a s e d e o u tro s órgãos, na a nális e da re pe rc u s s ã o g eral. (In c lu íd o p e la Lei n@ 11.4 18 , d e 2 006).
A rt. 543-C. Q u a n d o h o u v e r m u ltip lic id a d e d e re cursos c o m fu n d a m e n to e m idê n tic a q u e s tã o d e d ire ito ,
o re c u r s o e spe cia l será p ro c e s s a d o n os t e r m o s d e s te a r tig o . ( In c lu íd o p e la Lei n^ 1 1 .6 7 2 , d e 2 0 0 8 ).
§ 12 C a b e rá a o p r e s i d e n t e d o t r i b u n a l d e o r ig e m a d m i t i r u m o u m a is re c u r s o s r e p r e s e n t a t i v o s da
c o n t r o v é r s i a , os q u a is s e rã o e n c a m in h a d o s a o S u p e r i o r T r ib u n a l d e J u s tiç a , f i c a n d o s u s p e n s o s os
d e m a is re c u rs o s e sp e cia is a té 0 p r o n u n c ia m e n t o d e f in i t i v o d o S u p e r io r T rib u n a l d e Justiça. (In c lu íd o
p e la Lei n2 1 1 .5 7 2 , d e 2 00 8 ).
§ 22 N ã o a d o t a d a a p r o v i d ê n c i a d e s c r i t a n o § 12 d e s t e a r t i g o , 0 r e l a t o r n o S u p e r i o r T r ib u n a l d e
J ustiça, ao id e n t i f i c a r q u e s o b re a c o n t r o v é r s ia já e x is te ju r is p r u d ê n c ia d o m i n a n t e o u q u e a m a té r ia
já e s tá a f e t a a o c o le g ia d o , p o d e r á d e t e r m i n a r a s u s p e n s ã o , n o s t r i b u n a i s d e s e g u n d a i n s t â n c ia ,
d os re c u r s o s n os q u a is a c o n t r o v é r s i a e s te ja e s t a b e le c id a . ( In c lu í d o p e la Lei n2 1 1 .6 7 2 , d e 2 0 0 8 ).
§ 32 0 r e la to r p o d e rá s o lic ita r in fo rm a ç õ e s , a s e re m p re s ta d a s n o p ra z o d e q u in z e dias, aos tr ib u n a is
f e d e r a i s o u e s ta d u a is a r e s p e i t o d a c o n t r o v é r s i a . ( I n c l u í d o p e la Lei n ^ 1 1 .6 7 2 , d e 2 0 0 8 ).
§ 42 0 re la to r, c o n f o rm e d is p u s e r 0 r e g im e n t o in t e r n o d o S u p e rio r T rib u n a l d e Justiça e c o n s id e ra n d o
a r e le v â n c i a d a m a t é r i a , p o d e r á a d m i t i r m a n i f e s t a ç ã o d e p e s s o a s , ó r g ã o s o u e n t i d a d e s c o m
i n t e r e s s e n a c o n t r o v é r s i a . ( In c lu í d o p e la Lei n2 1 1 . 6 7 2 , d e 2 0 0 8 ) .
§ 52 R ece b id a s as i n f o rm a ç õ e s e, se f o r 0 caso, a pó s c u m p r i d o 0 d is p o s to n o § 42 d e s te a r tig o , te r á
v is ta 0 M i n i s t é r i o P ú b lic o p e lo p ra z o d e q u in z e dia s. ( In c lu í d o p ela Lei n2 1 1 .6 7 2 , d e 2 00 8 ).

222
I
DIRE IT O TR IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

É de se lem brar que o in s titu to da repercussão geral tem sede


constitucional, podendo ser provocado por qualquer recorrente, em recurso
extraordinário, vaie dizer, com espectro mais abrangente, estando o § 35 do
artigo 102 da CF assim redigido:

§ 32 No recurso e xtraordinário 0 recorrente deverá dem onstrar


a repercussão geral das questões c o n s titu c io n a is discutidas
no caso, nos term os da lei, a fim de que 0 Tribunal examine a
a d m is s ã o d o re c u rs o , s o m e n te p o d e n d o r e c u s á -lo pela
manifestação de dois terços de seus m em bros, (incluída pela
Emenda Constitucional n^ 45, de 2004)^^“*

0 que 0 artigo 543-B disciplinou foi seu estabelecimento pela Corte,


independentemente de solicitação do recorrente. Ora, uma vez reconhecida
pela Corte a existência de repercussão geral, nos termos do § 35 do artigo 102 da
CF -a lei processual está subordinada aos parâmetros impostos pela lei maior-
qualquer que seja a decisão que venha a ser proferida estará ela lastreada na
preferência dada àquele processo para estabelecer uma diretriz para todos os
demais casos, independentemente de menção meramente formal ao artigo
543-C ou à razão que lhe deu origem e que definitivamente a conformou.

§ 62 T r a n s c o r r i d o o p r a z o p a ra o M i n i s t é r i o P ú b lic o e r e m e t i d a c ó p i a d o r e l a t ó r i o a o s d e m a i s
M i n i s t r o s , o p ro c e s s o se rá i n c l u í d o e m p a u t a n a s e ç ã o o u n a C o r t e E sp ecia l, d e v e n d o s e r ju lg a d o
c o m p r e f e r ê n c i a s o b re o s d e m a is fe i t o s , re s s a lv a d o s o s q u e e n v o lv a m r é u p r e s o e o s p e d id o s d e
h abeas corpus. ( In c lu íd o p e la Lei n@ 1 1 .6 7 2 , d e 2 00 8 ).
§ 72 P u b lic a d o 0 a c ó r d ã o d o S u p e r i o r T r i b u n a l d e J u s tiç a , o s r e c u r s o s e s p e c ia is s o b r e s t a d o s na
o r ig e m : ( In c lu í d o p ela Lei n^ 1 1 .6 7 2 , d e 2 0 0 8 ).
I - t e r ã o s e g u i m e n t o d e n e g a d o na h ip ó te s e d e 0 a c ó r d ã o r e c o r r i d o c o in c i d i r c o m a o r ie n t a ç ã o d o
S u p e r io r T r ib u n a l d e Ju s tiç a ; o u ( In c lu í d o p e la Lei n^ 1 1 .6 7 2 , d e 2 0 0 8 ).
II - se rã o n o v a m e n te e x a m in a d o s p e lo t r ib u n a l d e o r ig e m na h ip ó te s e d e 0 a c ó rd ã o r e c o r r id o d iv e r g ir
da o r ie n t a ç ã o d o S u p e r io r T r ib u n a l d e J u s tiç a . ( In c lu í d o p e la Lei n ^ 1 1 .6 7 2 , d e 2 0 0 8 ).
§ 80 Na hip ó te se prevista n o inciso II d o § 7 o deste artigo, m a n tid a a decisão dive rg en te pelo trib u n a l de
o rig e m , far-se-á 0 e x a m e d e a d m is s ib ilid a d e d o re curso especial. (In c lu íd o pela Lei ns 11.672, de 2008).
§ 9o 0 S u p e rio r T rib u n a l d e Justiça e os tr i b u n a is d e s e g u n d a in s tâ n c ia r e g u la m e n ta r ã o , n o â m b ito
d e su as c o m p e t ê n c i a s , o s p r o c e d i m e n t o s r e l a t i v o s a o p r o c e s s a m e n t o e j u l g a m e n t o d o r e c u r s o
e s p e c ia l n o s casos p r e v i s t o s n e s te a r t i g o . ( I n c l u i d o p e la Lei n^ 1 1 .6 7 2 , d e 2 0 0 8 ) ” .
A le x a n d r e d e M o r a e s le m b r a q u e :
" T r a ta - s e d e i m p o r t a n t e a l t e r a ç ã o n o s r e q u i s i t o s d e a d m i s s i b i l i d a d e d o r e c u r s o e x t r a o r d i n á r i o ,
p o i s p o s s i b il i t a a o S u p r e m o T r i b u n a l F e d e r a l a a n á l is e d a r e le v â n c i a c o n s t i t u c i o n a l d a m a t é r ia ,
b e m c o m o d o i n t e r e s s e p ú b l ic o e m d is c u t i - l a , n a t e n t a t i v a d e a fa s tá - lo d o J u lg a m e n t o d e causas
r e le v a n t e s s o m e n t e a os in t e r e s s e s p a r t ic u l a r e s . A m e s m a i d e ia é d e f e n d i d a p o r O s c a r V i lh e n a
V ie ira , a o a fir m a r q ue "a idé ia d e d a r a o S u p re m a T rib u n a l F e deral 0 p o d e r d e e s c o lh e r — c o m c e r to
g ra u d e d is c r ic io n a r ie d a d e — as causas q u e ju lg a r á é da m a io r r e le v â n c ia . A fin a l, a im e n s a m a io r ia
d o s casos q u e chega à c o r te já passou p e lo d u p lo g ra u d e ju r is d iç ã o . A ssim , já se e n c o n tr a s a tis fe ito
o p r in c í p i o f u n d a m e n t a l d o d u p l o g ra u d e ju r i s d iç ã o . N esse s e n t id o , 0 a c es s o à j u r i s d iç ã o d o STF,
p o r m e io d e r e c u r s o e x t r a o r d i n á r i o , n ã o se ria u m d i r e i t o s u b j e t i v o a b s o l u t o , n o s e n t id o d e q u e ,
s a tis fe it a s a lg u m a s c o n d iç õ e s o b j e t i v a s , o b r i g a d o e s ta r ia 0 STF d e c o n h e c e r 0 r e c u r s o "
( C o n s titu iç ã o d o B ra sil i n t e r p r e t a d a e le g is la ç ã o c o n s t i t u c i o n a l , 8 ^. e d ., E d it o r a A tla s , São P aulo,
2 0 1 1 , p . 1 4 0 0 ).

223
D IRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES ATUAIS

Vale lembrar que o artigo 543-C não cuida de súmulas vinculantes,


estas sim com um regime especial para sua edição, estabelecido pelo art.
103-A, conforme transcrito no início deste trabalho
Em outras palavras, muito embora o instituto da repercussão geral
possa desembocar numa Súmula vinculante, não é fundamental que isto
ocorra. Mas pelo art. 543-B, se a decisão ocorrer, por decorrência da
repercussão geral, todos os efeitos da repercussão geral seguirão a decisão.
Desta forma, entendo que, pela integração das linhas mestras do
processo civil com as do processo administrativo, cujo objetivo é realçar a
busca da verdade material, em primeiro lugar, servindo as regras processuais
administrativas mais como uma proteção ao contribuinte, no seu direito de
impugnar o lançamento formalizado nos termos do artigo 142 do CTN
todas as conseqüências exegéticas, todas as soluções consagradas pela
jurisprudência judicial na aplicação dos artigos 543-B e C devem ser seguidas
pela CARF, a fim de evitar-se que suas decisões, se contrárias, venham a ser
contestadas e derrubadas no judiciário.
Entendo, pois, que, em havendo sobrestamento pelo STF, o mesmo
deve ser determinado pelo CARF em relação aos processos que tratem de
idêntica matéria. Em havendo repercussão geral, ela implicará igual postura
pelo CARF. E se houver decisão em questão suscitada como de repercussão
geral, é despicienda a referência expressa no ju lg a m e n to de m érito,
devendo, entretanto, a decisão ser seguida pelo CARF de forma obrigatória,
que é, de rigor, o que deflui da Portaria 256 do Ministério da Fazenda

™ José A fo n s o da Silva s in te tiz a :


" O u tr a co isa sã o as S ú m u la s v i n c u la n t e s , q u e c o n s t it u e m re g ra s p r e t o r ia n a s , c ria d a s p e lo STF. São
t a m b é m re g ra s sín te se s da j u r i s p r u d ê n c ia p r e d o m in a n t e c o m fo r ç a n o r m a tiv a e i m p e r a t i v a , c o m o
v i s t o a c im a . S ã o p r e s s u p o s t o s d e su a i n s t i t u i ç ã o ; (a ) r e i t e r a d a s d e c i s õ e s s o b r e m a t é r i a
c o n s t it u c io n a l ; (b) a p r o v a ç ã o p o r d o is te r ç o s d o s m e m b r o s d o STF, d e o fíc io o u p o r p ro v o c a ç ã o de
u m a das a u t o r i d a d e s , e n t id a d e s o u i n s t it u i ç õ e s l e g itim a d a s p a ra a p r o p o s it u r a d e a ç ã o d ir e t a de
i n c o n s t i t u c í o n a l i d a d e , n os t e r m o s d o a r t . 1 0 3 ; (c) s u a p u b l i c a ç ã o n a I m p r e n s a O fic ia ), q u e n ã o é
p re s s u p o s to d e in s t it u iç ã o , m as de sua e fic á c ia v in c u la n t e " (C o m e n tá rio s c o n t e x tu a l à
C o n s titu iç ã o , 73. e d ., M a lh e ir o s E d ito r e s , São P a u lo , 2 0 1 0 , p. 5 7 2 ),
™ 0 a r tig o 142 d o CTN está assim re d ig id o :
" A rt. 1 42 . C o m p e te p r iv a t i v a m e n t e à a u t o r i d a d e a d m i n is t r a t iv a c o n s t i t u i r o c r é d i t o t r i b u t á r i o p e lo
l a n ç a m e n t o , a ssim e n t e n d i d o o p r o c e d im e n t o a d m i n i s t r a t i v o t e n d e n t e a v e r if ic a r a o c o r r ê n c ia d o
f a t o g e r a d o r da o b r ig a ç ã o c o r r e s p o n d e n te , d e t e r m i n a r a m a té r ia t r i b u t á v e l , c a lc u la r o m o n t a n t e d o
t r i b u t o d e v i d o , i d e n t i f i c a r o s u je i t o p assiv o e, s e n d o caso, p r o p o r a a p lic a ç ã o da p e n a lid a d e cabível.
P a r á g r a fo ú n ic o . A a t i v id a d e a d m i n is t r a t iv a d e l a n ç a m e n t o é v i n c u la d a e o b r i g a t ó r ia , s o b p e n a d e
r e s p o n s a b ilid a d e fu n c io n a l. "
"M IN ISTÉRIO DA FAZENDA - GABINETE DO MINISTRO
PORTARIA N2 256, DE 22 DE JUNHO DE 2009
A p r o v a 0 R e g im e n to I n t e r n o d o C o n s e lh o A d m i n i s t r a t i v o d e R ec u rso s ...
A r t . 62-A. As d ecisões d e f in itiv a s d e m é r it o , p r o fe rid a s p e lo S u p re m o T rib u n a l Federal e p e lo S u p e rio r
T r i b u n a l d e J u s ti ç a e m m a t é r i a i n f r a c o n s t i t u c i o n a l . n a s i s t e m á t ic a p r e v i s t a p e lo s a r t i g o s 5 4 3 - B e
5 43-C da Lei n° 5 .8 6 9 , d e 11 d e ja n e ir o d e 1 97 3 , C ó d ig o d e Processo Civil, d e v e r ã o s e r re p ro d u z id a s
p e lo s c o n s e lh e ir o s n o j u l g a m e n t o d o s re c u r s o s n o â m b i t o d o CARF.
§ 10 Ficarão sobrestados os ju lgam entos dos recursos s em pre que o STF ta m b é m sobrestar o julg a m e n to dos
recursos e xtra o rd in á rio s da m esm a m a té ria , a té q ue seja p ro fe rid a decisão nos te r m o s d o art. 543-6.
§ 2 ° 0 so bre s ta m e n to de q u e tra ta o § 10 será fe ito d e ofício p elo r e la to r o u p o r provocação das partes."

224
f
D IR E IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

O PROTOCOLO CONFAZ 2 1 /ÍO ll E O ICMS INCIDENTE SOBRE


OPERAÇÕES MEDIADAS PELA INTERNET: U M A NECESSÁRIA
(RE)ANÁLISE DO CONCEITO DE ESTABELECIMENTO.

Jonathan Barros

1. Introdução

As introduções de textos científicos servem para estabelecer o sistema


de re ferên cia em pregado, d e lim ita n d o as premissas teó ricas e
desenvolvendo a estrutura encadeada entre este sistema e o seu objeto de
estudo, finalizando com conclusões sintéticas, que deverão ser compatíveis
com tais discursos empregados.
Neste sentido, o sistema de referência empregado^^® agrega vários
desenvolvim entos de teorias já estabelecidas e, especialmente, muda
constantemente de posição de observação.
Contextual e interessantemente, tem-se que o tema proposto por
este artigo científico, que é a discussão sobre o Protocolo CONFAZ 21, é um
dos mais atuais no plano da pragmática do ICMS, mas não tem sido abordado
da forma correta.
As discussões a tu a lm e n te travadas nas ADIs (Ações Diretas de
Inconstitucionalidade) 4564, 4996, 4599, 4642 e 4705, propostas pela Ordem
dos Advogados do Brasil relativas à legislação, respectivamente, do Piauí,
do Ceará, do Mato Grosso, do M ato Grosso do Sul e da Paraíba, e nas ADls
4628 proposta pela Confederação Nacional do Comércio e 4713 proposta
pela Confederação Nacional da Indústria em relação ao Protocolo 21 de 2011,
utilizam como base de suas argumentações jurídicas que já culminaram em
algumas liminares afastando a cobrança do dito ICMS sobre estas operações,
sinteticam ente;

A d v o g a d o , C o n s u l t o r J u r í d ic o e C o n t a d o r . E s p e c i a li s t a e m D i r e i t o T r i b u t á r i o p e l o I n s t i t u t o
B ra s ile iro d e Estu d o s T r ib u t á r io s - IBET-SP, M e s tr e e D o u t o r e m D ir e ito d o T r i b u t á r i o p e la P o n tifíc ia
U n iv e rs id a d e C a tó lic a d e São P a ulo - PUC-SP e M e s t r e e m S e g u n d o N ív e l e m D ir e i t o T r i b u t á r i o da
E m p re s a p e la U n i v e r s id a d e C o m e r c ia l L u ig t B o c c o n i - M i l ã o - I t á lia . P r o fe s s o r d o M e s t r a d o e m
S e g u n d o n ív e l e m D i r e i t o T r i b u t á r i o d a E m p r e s a n a U n i v e r s i d a d e C o m e r c i a l L u ig i B o c c o n i, d o
M e s tr a d o e d a G ra d ua çã o d a U N IM A R e d a s espe cia liza çõe s e m D ir e ito T r ib u t á r io d a PUC-SP/COGEAE,
18ET, FAAP e EPD e e m D ir e ito In te r n a c io n a l da EPD. C o n s e lh e iro d o CARF - C o n s e lh o A d m in is tr a tiv o
de Recursos Fiscais e d o C o n s e lh o M u n ic ip a l d e T r ib u to s d e São Paulo. Juiz d o T rib u n a l d e Im p o s to s
e Taxas d o E sta d o d e São P a u lo . M e m b r o d a C o m is s ã o E s p e c ia l d e D ir e i t o T r i b u t á r i o d o C o n s e lh o
Federal da OAB e da C om issã o d e C o n te n c io s o A d m in is tr a tiv o d a OAB-SP. Sócio d o IBDT, d a ABDF, IFA,
lASP, CBAr e CONPEDI.
Para a visão m a is a tu a l d e s te s is te m a d e r e fe rê n c ia p r o p o s to : VITA, J o n a th a n B a rros. Teoria G eral
d o D ire ito : D ir e ito in te rn a c io n a l e D ir e ito T r ib u tá rio . São P a u lo ; Q u a r t i e r L a tin 2 0 1 1 .

225
DIRE ITO T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES AT U AIS


Im p ossibilida d e de b itrib u ta ç ã o por p arte do ICMS com o
conseqüência da não-cumulatividade;
• Vedação à não discriminação entre origem e destino de mercadorias
(artigo 152 da Carta);
• Liberdade de tráfego de bens e pessoas (artigo 150, V da CF);
• Quebra do pacto federativo;
• Ferir a livre concorrência e livre iniciativa (art. 170, IV e parágrafo
único da CF);
• Inconstitucionalidade form al ta n to das leis estaduais como do
Protocolo 21/2011^^°; e
• Outros argumentos ligados a problemas em relação à fixação da
alíquota e ampliação do âmbito de incidência do ICMS.
Este trabalho não tentará estabelecer a validade destes argumentos,
mas, tão somente, estabelecer o fato que nem todas as questões teóricas
estão sendo levantadas no cam po da in te rp re ta ç ã o dos te x to s
c o n stitu c io n a is e legais e nvolvidos, e specialm ente para (re d is c u tlr/
(re)definir o conceito de estabelecimento para fins de ICMS com o advento
das novas tecnologias.
Aqui, tem -se que o núcleo de especulações é a necessidade de
interpretação dinâmica da legislação nacional, especialmente da combinação
entre o artigo 155, § 2°, VII, b da Carta e o artigo 11 da Lei Complementar 87/
1996.
Para tanto, inicialmente definir-se-á os limites jurídicos da definição
e tipificação do comércio eletrônico (e-commerce), espacialmente seus
desdobramentos no campo da noção de estabelecimento em vários tributos
e na experiência internacional, culminando com a delimitação dos limites
das competências tributárias dos Estados para os fins de ICMS incidentes
sobre o (erroneamente) chamado comércio eletrônico.

2. 0 e s ta b e le c im e n to c o m e rc ia l no d ir e ito c iv il b r a s il e ir o e su a
d escorpo rificação na in te r n e t

Antes de estabelecer os e lem en tos ca racterlzadores de um


estabelecimento comercial, tem-se que vários podem ser os indícios de
localização da atividade desenvolvida por uma dada empresa.
É dizer, o registro de uma companhia nos órgãos competentes é
fundamento para determinar, tão somente, o domicílio da mesma, não sendo
idêntico ao conceito de estabelecimento, especialmente o comercial, ou.

C o m o a u t o r q u e a p r o f u n d a o e s tu d o d e s ta s i n c o n s titu c io n a lid a d e s f o r m a is , e s p e c ific a n d o , q u a t r o


h ip ó te s e s : CARVALHO, O sva ldo S a nto s de. G u e rra Fisca l.com In: V III Congresso n a c io n al d e estudos
trib u tá rio s : d e riv a ç ã o e po sitiv aç ã o n o d ire ito t r ib u tá r io . São P aulo: N oe se s, p. 9 0 9 - 7 6 2 , 2 01 1 .

226
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

mesmo, de sede, lembrando que o CC, em seu artigo 1.126, caput, somente
determina a nacionalidade das pessoas jurídicas, nunca seu domicílio específico.
Este domicílio possui várias subespécies, como tributário, societário,
entre outros, termos que se conectam (reciprocamente), em alguns casos,
para determinação desta localidade para a realidade jurídica ou para a
vinculação com um dado sistem a ju ríd ic o ou, mesmo, apenas para
comunicações, inclusive em meio eletrônico.
Neste contexto, a RFB criou, com a IN 664/2006, nos termos da nova
redação do parágrafo 4° do artigo 23 do Decreto 70.23^1972 dada pela Lei
1 1 .1 9 ^0 0 5 , o chamado domicílio tributário eletrônico, lembrando que esta
denominação é imprópria, pois este chamado domicílio seria, tão somente,
um endereço para correspondência.
Paralelamente, lembra-se que os artigos 3°, 1c/c 5° da Lei 8.934 e seus
espelhos nos artigos 3°, II e 5°, caput do Decreto 1.800/1996 são lacônicos
sobre a questão do dom icílio em presarial para os fins de registro de
empresas, lembrando que o registro e certificações virtuais são realizados
nos moldes da MP 2200-2/2001.
Sob outro ângulo, tem-se que, dentro dos componentes indiciários para
delimitação de uma conexão com a competência de uma dada parcela do
território, o local da formação dos contratos regulado pelos artigos 435 do CC
c/c 0 9°, §2° da LINDB estabelecem, respectivamente, como fundamentais: o
local da proposta e da residência do proponente^^\ sem olvidar as hipóteses
nas quais pode ocorrer a eleição de tal local pelos contratantes.
Concluindo p arcialm ente, de q u a lq ue r m aneira, a definição de
estabelecimento, de acordo com o artigo 1.142 do CC, seria um conjunto
ordenado de capitais como meio para exercício de uma atividade empresarial,
algo que, quando vendido, seria o fundam ento conceituai (e econômico)
para a expressão fundo de comércio quando vendido.
Não se olvida que o term o estabelecimento era utilizado no antigo
Código Civil e ainda o é no Código Comercial, entretanto, seus contornos
jurídicos não eram bem definidos, o que exige uma interpretação dinâmica,
da legislação, não olvidando que, também o texto citado do novo código
civil também exige tal adaptabilidade interpretativa.
Lembra-se que estabelecimento e pessoa jurídica são termos análogos,
mas não coincidentes, vez que uma pessoa jurídica deverá ter, de alguma forma.

Lem b ra -se q u e , p a ra os fin s d e a plic a ç ã o d o CDC esta p r e s u n ç ã o é re la tív iz a d a , d a n d o c o m p e tê n c ia


t e r r i t o r i a l p a ra o d o m i c í l i o d o a u t o r d a d e m a n d a d e a c o r d o c o m o a r t i g o 1 0 1 , I d e s te t e x t o legal,
q ue segue;
A r t . 1 0 1 . Na a çã o d e r e s p o n s a b ilid a d e c iv il d o f o r n e c e d o r d e p r o d u t o s e s e rv iç o s , s e m p r e ju íz o d o
d is p o s t o n o s C a p ít u lo s I e II d e s t e t í t u l o , s e r ã o o b s e r v a d a s as s e g u i n t e s n o r m a s ;
I • a a ção p o d e se r p r o p o s ta n o d o m ic ílio d o a u t o r ;

227
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

um estabelecimento como forma de quase corporificação de sua existência


comercial, uma sede de negócios organizada, dependência da empresa.
Da mesma forma, não se confunde este termo com ponto comercial,
pois este é, apenas, um de seus elementos constituidores, lembrando que
este conceito de ponto comercial também é relativizado, como na hospedagem
em sites de grande fluxo ou, mesmo, com a Ideia de domínio de internet.
Prosseguindo, para que este conceito seja aplicado ao campo da
in te rn e t, algumas observações seriam necessárias, p a rtin d o da
decomposição dos requisitos para ingresso neste conceito e verificar sua
aplicabilidade ao campo virtual.
É dizer, cabe determ inar se o estabelecimento virtual é um efetivo
estabelecimento comerciaP^^ e a forma jurídica de localizar este conjunto
de bens voltado a um fim comum^^^.
Correlatamente, tem-se uma discussão (e que não será abordada aqui)
que tra ta da d ete rm in a ção da a u to n o m ia ou dependência de um
estabelecimento virtual em relação a um estabelecimento real^^\ deixando
claro que pode existir, atualmente, uma empresa completamente virtual^^\
Aparentemente, os critérios para determinação da existência de um
estabelecimento comercial seriam simples, pois existe um capital e este é
organizado com fim empresarial, sendo até desnecessária a analogia de
Coelho^^^ reproduzida por Forgloni^^^ de que a ideia de estabelecimento
pressuporia um lugar físico que foi materializado no campo virtuaP^*®^^®.

Para um a extensa pesquisa sobre as atuais d o u trin a s so b re o te m a , espe cia lm e n te através d o te m a da


chamada universalidade constante dos artigos 9 0 e 1.146 d o CC: PERON, W a ine Domingos. Estabelecimento
em presarial no espaço cibernético. Dissertação ( M e s tra d o e m D ire ito ) - FADISP, São Paulo, 2009.
U t i li z a n d o u m a n ã o a d o t a d a c la s s ific a ç ã o d e s te s e s t a b e l e c im e n t o s ; BALAN JÚ NIOR , O s v a ld o . 0
e s ta b e lec im e n to v irtu a l na sociedade técnica: a necessária busca d e segurança ju rídic a nas transações
c o m e r c ia is . D is s e r t a ç ã o ( M e s t r a d o e m D i r e i t o ) - F a c u ld a d e d e C iê n c ia s H u m a n a s e S o c ia is ,
U n iv e r s id a d e E s ta d u a l P a u lis ta " J ú lio d e M e s q u i t a F ilh o " , F ra n c a , 2 0 1 1 .
C o m o a u t o r q u e c ritic a esta in d e p e n d ê n c ia : CARVALHO, O s v a ldo Santos d e . G u e rra Fiscal.com In:
V III C ongresso n a c io n a l d e e stu d o s tr ib u tá r io s : d e riv a ç ã o e p o s itiv a ç ã o n o d ire ito tr ib u tá r io . São
P a u lo : N o e s e s , p. 9 0 9 - 7 6 2 , 2 0 1 1 .
A re s p e ito d e ta l a u to n o m ia , e n t r e o u t r o s ; PERON, W a in e D om in g o s . E stab elecim ento em p resarial
n o espaço c ib e rn é tic o . D is s e rta ç ã o ( M e s t r a d o e m D ir e i t o ) - FADISP, São P a ulo, 2 00 9 .
^36 COEIH O, Fábio UJhoa. 0 e s ta b e le c im e n to v i r t u a l e o e n d e r e ç o e le tr ô n ic o . In: T rib u n a d o D ire ito .
São P aulo; E d ito ra TD, nov. 1 9 9 9 , p. 32.
^ FO RG IO NI, P aula. N o m e d e d o m i n i o e t í t u l o d e e s t a b e l e c im e n t o : n o v a f u n ç ã o p a ra u m a n t ig o
in s t i t u t o . In : D ir e ito & in t e r n e t: a sp e c to s ju ríd ic o s re le v a n te s . V o l. II. São P a u lo ; Q u a r t i e r L a tin ,
2 0 0 8 , p. 5 0 7 - 5 1 9 .
N o m e s m o s e n t id o a q u i a p r e s e n ta d o , o u seja , q u e o c o n c e i t o d e e s t a b e l e c im e n t o p r e s c in d e de
u m a s p e c to físic o : CASTRO, A ld e m a r io A r a u jo . Os m e io s e le tr ô n ic o s e a tr ib u t a ç ã o . In : Jus Navtgandi,
T e r e s in a , ano 5, n. 48, dez. 2000. D is p o n ív e l em; h ttp ://ju s 2 .u o l.c o m .b r /d o u tr in a /
te x t o . a s p ? id = l S 1 3 . A c e s s o e m : 3 0 nov. 2 0 1 1 .
™ R e ite r a n d o a in d i s t i n ç ã o e n t r e o e s t a b e l e c im e n t o fí s ic o e v i r t u a l s o b o p o n t o d e v is ta j u r í d i c o :
FINKELSTEIN, M a ria Eugênia Reis. Aspectos jurídicos d o com ércio eletrônico. P o rto Alegre: Síntese, 2004.

228
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Quanto a critérios de localização das comunicações entre partes


contratantes no campo virtual, lembra-se que a Lei Modelo da UNCITRAL
estabelece, em seu artigo 15, § 4°, critérios para aferição, aparentemente,
da sede de uma companhia virtual.
Neste artigo, o elemento de conexão desta sede a uma dada jurisdição
estaria ligado, em ordem de preferência: ao local de sua efetiva sede
principal; ou, em caso de múltiplas sedes, aquela mais vinculada a transação;
ou, em caso de ausência de sede efetiva ou existência de sede móvel, o da
residência da empresa, que pode ser considerada como local da constituição
desta.
O bviam ente, existem autores que te n d em , neste am b ien te de
maximização da virtualidade, estabelecer como critério de conexão, no caso
de grande mobilidade da sede da empresa, o local do servidor^'^, opção esta
criticada^“^ por sua maior ainda dificuldade de aferição, pois vários podem
ser os servidores de uma mesma empresa ou que estes pode ser de
propriedades de terceiros, a exemplos.
Prosseguindo e finalm ente, aparentem ente, a determ inação dos
estabelecimentos, no caso, tributários, deveria seguir a questão do registro
estadual ou municipal, lembrando que para os fins de cadastro das pessoas
jurídicas, este é centralizado através da Receita Federal, sem distinção
geográfica.
Obviamente, a determinação deste domicílio fiscal para fins de IR (e
IPI) afetaria o FPM (Fundo de Participação dos Municípios) e FPE (Fundo de
Participação dos Estados), entretanto, esta não é uma preocupação maior da
RFB.
Logo, a necessidade de cadastro específico com delimitação territorial
controlada seria mais fortemente importante para os fins do ISS e ICMS, pelos
clássicos conflitos de competência imanentes a estes tributos, como será visto.

3. O estabelecimento para fins tributários

3.1. Notas iniciais sobre o conceito tributário de estabelecimento

Inicialmente, é importante mencionar que o artigo 127 do CTN possui


um texto lacônico sobre a matéria e coube a cada um dos tributos em espécie
definir o critério jurídico (útil) para determ inar um centro de ímputação
jurídica geograficamente localizado.

TOSI, Emilio. La conclusion di c o n tra tti "onlin e". In: I problem giuridici dl In ternet. M ila n o : Giuffre, 1999.
E n tre o u t r o s ; LORENZETTI, R ic a rd o Luis. C o n tr a to s " e le tr ô n ic o s " . In : D ir e ito & In te r n e t: aspectos
ju ríd ic o s r e le v a n te s . V o l. II. São P aulo: Q u a r t i e r L a tin , 2 0 0 8 , p. 5 4 1 -5 9 4 .

229
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT UAIS

Mais ainda, não se pode olvidar que tem-se como fundam ental a
determinação de que o direito tributário não poderia, por força do artigo 110 do
CTN, criar artificialidades em relação aos chamados conceitos de direito privado.
Entretanto, tal assertiva deve ser temperada com o fato que o direito
tributário, em muitos casos, cria subclasses de conceitos do direito privado,
estabelecendo diferenças pontuais em relação aqueles institutos.
Neste sentido, tem-se como im portante o fa to que as marcas de
identificação de um dado estabelecimento tributário não podem ser distintas
daquelas dos estabelecimentos cíveis.
Entretanto, o direito tributário pode criar ficções jurídicas ou, mesmo,
critérios mais distintos para sua determinação, desde que o estabelecimento
tributário, no caso, permaneça como subclasse do estabelecimento como
desenhado no direito privado.
Para tanto, este item será decorrência lógica do anterior para utilizar
a definição do conceito de estabelecimento no campo cível, incluindo a
disciplina jurídica dos contratos celebrados na internet e o específico local
de sua constituição, como elementos que servem como indícios de uma
tendência de (re)iocalização das prestações e determinação do local da
constituição destas obrigações.
Tais indícios são mais fundam entais ainda quando se considera a
inexistência de uma base física de negócios, especialmente no caso das
compras completamente on-line, que possuem uma dificuldade imanente
na detecção da efetivação destas operações.
Obviamente, no caso das operações off-line, tais preocupações são
reduzidas pelo mero fato que a tangibilidade facilita o estabelecimento de
um elemento de conexão com um dado sistema jurídico (parcial, no caso) e
sua conseqüente tributação.
Tendo sido definidos os contornos jurídicos do direito empresarial
vinculados à definição (e localização) dos estabelecim entos virtu a is,
utilizando-se das teorias clássicas da definição deste conceito e os modernos
doutrinadores do chamado do direito virtual ou eletrônico, tem-se como
necessário estabelecer algumas notas sobre como certos tributos atuam na
delimitação do conceito de estabelecimento.
Mais especificamente, o direito tributário tem sido alvo de intensos
debates a respeito desta matéria, pelo simples fato que, para determinados
trib u to s, tal aferição do conceito de estabelecim ento (e os correlatos
conceitos de residência e domicílio) implica conseqüências efetivas, que
seja, a alocação de sujeições ativas e correspondentes receitas tributárias e
deveres de fiscalização.
Neste campo de multiplicidade de residências e estabelecimentos,
no direito brasileiro, basicamente o IPI, o ISS, o IR e o ICMS tem-se destacado,
sendo que estes dois últimos serão objetos de tópicos mais profundos e
específicos, infra.

230
I
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

3.2. 0 comércio eletrônico e a vis atractiva do estabelecimento virtual


no campo da tributação da renda: o exemplo da OCDE na definição
do conceito de estabelecimento permanente"^

Classicamente, o conceito de estabelecimento, aparentemente, não


é tão im portante para a delimitação do conceito de imputação da renda
trib u tá ve l, vez que este subramo didaticam ente autônom o do d ire ito
tributário trataria de conceitos como domicílio e residência, matriz e filial.
Entretanto, por conta do aspecto internacional, que a OCDE vem
expressando seu interesse neste tema e vem defendendo que o cenário
virtual é apto a utilização de uma lógica tributária (principiologicamente)
que não difere muito da tradicional^'*^
Neste sentido, os tratados para evitar a dupla tributação que seguem
o M odelo OCDE têm constituído um im p o rtan te avanço neste campo,
determinando que estruturas jurídicas não consideradas como residentes^'”
podem ser um centro de imputação de rendas, consubstanciado na ficção
jurídica chamada de estabelecimento permanente.
S in te tica m e nte d efin in d o , e sta b elecim en to perm anente é uma
estrutura jurídico-tributária que eqüivale a um centro de imputação de rendas
e foi positivada no artigo 5° dos tratados que seguem o modelo OCDE (e
também nos que seguem o modelo ONU e EUA), sendo uma figura clássica
do direito internacional tributário^"\
Mais especificamente, o estabelecimento permanente é uma ficção
exclusiva do direito tributário que prescinde da formalização sob o ponto de
vista cível e, mesmo, fiscal para sua operatividade.
É dizer, não se trata de uma pessoa jurídica, mas de uma filial, branch,
que perfaz uma base fixa de negócios para realização de um determinando

^ Para m a is s o b r e e s te h is t ó r i c o ; A N D R A D E , M a r ia Is a b e l d e T o le d o . R e f o r m a t r i b u t a r i a : c o m o
t r i b u t a r o c o m é r c io e le tr ô n ic o ? A p o u c a e x p e r iê n c ia i n t e r n a c io n a l. In: In fo rm e -s e - BNDES. Brasília:
S e c r e ta ria p a ra a s s u n to s fis c a is - SF, n® 14, m a io 2 00 0 .
E n tre o u t r o s q u e e n t e n d e m a p o s tu ra da OCDE d es ta fo r m a : FERREIRA, A n a A m e lia M e n n a B a rreto
d e C astro. T rib u ta ç ã o c o m é r c io e le tr ô n ic o . In: R evista d e D e re c h o In fo rm á tic o . Lim a: A lfa -R e d i, N2.
0 4 5 - A b r il 2 00 2 ; e KRAKOVIAK, Leo; e KRAKQVIAK, Ricardo. T rib u ta ç ã o a d u a n e ira e p ro b le m a s ju ríd ic o s
d e c o r r e n te s d a i n f o r m a t i z a ç ã o d o c o m é r c i o e x te r io r . In: D ir e ito e In te r n e t - Relações Jurídicas na
S ocie d a d e In fo rm a tiz a d a . São P a u lo : Ed. R evista d o s T r ib u n a is , 2 0 0 1 , p. 58.
M e n c io n a - s e , a q u i, q u e , m e s m o c o m o c a s o S a in t G o b a in d a CJE ( C o m p a g n ie d e S a in t- G o b a in ,
Z w e ig n ie d e rla s s u n g D e u ts c h la n d v F in a n z a m t A a c h e n - l n n e n s t a d t - Caso C-307/9 7 da CJE - C o rte de
Ju stiça E u ro p é ia , ju l g a d o e m 1 99 9 ), p e r m a n e c e a i n t e r p r e t a ç ã o clássica d e s te a r t i g o q u e c o n s id e ra
q u e o s EP n ã o são re s id e n t e s .
A p e s a r d e a lg u m a s p re m is s a s d is t in ta s p o d e m s e r d e s ta c a d a s , c o m m u it a s c ita ç õ e s d as clássicas
c o n c e p ç õ e s d e s te in s t it u t o : TAVOLARO, A g o s t in h o T o ffo li. 0 e s ta b e l e c im e n t o p e r m a n e n t e : i n s t it u t o
p r ó p r io d o d ir e i t o t r i b u t á r i o in t e r n a c io n a l. In: Trib utação, Justiça e Liberd ad e. C u r itib a : Juruá Editora,
Jan/2005, pg. 35; TÔRRES, H e le n o Taveira. P lu rítrib u ta ç ã o In tern a c io n a l sobre as rendas d e empresas.
2® e d . São P aulo: Revista d os T rib u n a is , 2 0 0 1 ; e XAVIER, A lb e r t o . D ire ito tr ib u tá r io in te rn a c io n a l do
B rasil. 6 * e d iç ã o . Rio d e J a n e ir o , Fo re n s e , 2 00 3 .

231
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT U AIS

conjunto orientado de atividades, agregando todos os elementos positivos


e/ou negativos da renda, sendo considerada como pessoa jurídica para este
fim determinado.
Como conseqüência prática, no lugar de ser tributado tão somente
através das retenções na fonte (tributação na fonte), tem-se tributação
Idêntica aquela das pessoas jurídicas, com receitas e despesas contrapostas
sendo apenas tributado seu resultado (lucro auferido), como se residente
fosse naquele estado.
Tais estabelecimentos são classicamente classificados em: materiais,
com presença física; e pessoais, ou seja, sem a necessidade de uma sede
juridicamente consolidada e, portanto, registrada civilmente naquele país.
Interessantemente, tais conceitos estão sendo reavaliados por conta
das novas formas eletrônicas de prestação de serviços (vide os itens 42.1 a
42.10 dos Com entários ao a rtig o 5° do M o d e lo OCDE), pois há uma
necessidade de compreensão destas novas formas de atuação transnacional.
Não se olvide, entretanto, que também estes comentários estão sob
análise no campo da OCDE, sendo relevante mencionar que ainda estão em
fase de consulta pública, mas que não alteram os parágrafos mencionados.
E ntretanto, tais modificações fazem menção ao fa to que, com a
proposta de alteração do parágrafo 22 dos comentários a este artigo, o termo
goods e merchandise não compreenderiam aqueles bens digitais, posição
criticada, mesmo que exista uma advertência ao fato que esta interpretação
restritiva seria vinculada apenas aos termos do parágrafo 4° do artigo 5° do
Modelo.
Antes de mencionar qual o conteúdo destes itens interpretativos
agregados ao Modelo OCDE, lembra-se que, especificamente em relação a
eles 0 Brasil apôs reservas na sua posição em relação aos comentários,
lembrando que tal reserva diz respeito à questão da tributação no estado da
fo n te e não especificamente a certas considerações trazidas por estes
comentários.
Basicamente, após uma pequena introdução (42.1) estes comentários
estabelecem que um site não seria em si só um e sta b e le cim e n to
permanente, entretanto, o local dos seus servidores pode ser considerado
como tal (42.2), obviamente se estes permaneçam em um lugar um tempo
relevante (o tempo mencionado no artigo 5° (42.4) e forem de propriedade
da empresa (42.3), excluindo o uso de ISPs (42.10).
Im portante mencionar que a aferição do quantum do negócio ser
imputável a este servidor somente pode ser analisado caso a caso (42.5), o
mesmo devendo ocorrer em relação a determinação de qual espécie de
a tivida d e (p re p a ra tó ria ou a u xilia r) está sendo desenvolvida (42.7),
lembrando que somente se estas atividades forem relevantes (nos dizeres
do item 42.9) é que se pode permitir a existência do EP (42.8).

232
I
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Como nota adicional, lembra-se que o fato de inexistir pessoas no


local do servidor afeta esta característica (42.6, que, aparentemente, reflete
o julgamento do caso Pipeline UrteiP'’®).
Conclusivamente, tem-se como im p o rtan te mencionar que todos
estes comentários ao Modelo (especialmente o 42.9} tem como fundamento
principal o tip o de negócio realizado, se somente preparatório ou parte
necessária do comércio, especialmente em suas funções típicas como
assinatura ou aceite do contrato, processamento do pagamento (no caso em
que a venda é do tip o off-line) e/ou entrega da mercadoria ou serviço
(comércio on-line) é que determinam a força de atração ou existência de
um estabelecimento virtual, mas fixo em um provedor, autônomo em relação
ao estabelecimento real.
Portanto, apesar de algumas diferenças em relação a esta ideia, o
elemento fundamental é verificar que ocorreu uma escolha consciente da
OCDE que utilizou-se de um critério de conexão para atrair a competência
tributária (em relação àquela estabelecimento (permanente)) para o local
do servidor que permite o comércio on ou off-line.

4. O ICMS incidente sobre o comércio eletrônico e a necessária


redefinição do conceito de estabelecimento: nova chave de leitura
para o Protocolo 2 1 ^ 0 1 1 " '

4.1. Notas sobre a concepção do estabelecimento para fins de ICMS

Dentro do sistema federativo brasileiro, em especial em relação à


matéria tributária, ocorreram uma série de tomadas e posição política que
estabelecem a regra geral de repartição das receitas tributárias (entre origem
e destino) quando o ICMS incide sobre operações interestaduais.
Esta regra geral possui algumas exceções, especialmente, o ICMS-
importação (art. 155, § 2°, IX, a) e aquela incidente sobre combustíveis e
lubrificantes que são tributáveis somente no destino (§ 4°, I) e o ICMS

Este caso fo i c ita d o p o r : TAVOLARO, A g o s t in h o T o ffo li. 0 e s t a b e l e c im e n t o p e r m a n e n t e : i n s t it u t o


p r ó p r io d o d ir e i t o t r i b u t á r i o in t e r n a c io n a l. In: Trib utação, Justiça e Liberd ad e. C u ritib a : Juruá Editora,
Ja n ^ O O S , pg. 35.
C o m o t e x t o q u e to c a s u p e r f i c i a l m e n t e n o t e m a d o e s t a b e l e c im e n t o v i r t u a l e IC M S, s e m t o m a r
p osição d e lib e r a d a s o b re o a r tig o 11, § 3S d a LC: BARASUOL, Eliana M a r a Soares. In c idê n c ia d o ICMS
n o c o m é r c io e le tr ô n ic o - In: Jus N av ig an dl. Teresin a: a n o 8, n. 6 4 , 1 abr. 2 00 3 . D is p o nív e l e m : < h t t p : /
/ju s .c o m .b r /r e v is t a /te x to /3 9 9 2 > . Acesso e m : 29 nov. 2011.
VITA, J o n a th a n B arros. IC MS na im p o r t a ç ã o d e m e r c a d o r ia s e tr ia n g u la ç ã o in t e r n a d e o p e ra ç õ e s :
u m a n o va p e rs p e c tiv a pós-D N CAT 3 e C o n v ê n io 85 d e 2 0 0 9 . In: Revista d ire ito tr ib u tá r io a tu a l, Vol.
2 3 . São P a u lo : D ia lé t ic a , 2 0 0 9 . p. 2 5 8 -2 7 6 .

233
DIRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES ATUAIS

com venda para consumidor localizado em Estado distinto (parágrafo 2°, VII,
b) e nas exceções do inciso III do parágrafo 4° do artigo 155 da CF.
De qualquer form a, para determ inar o que significam estados de
origem e destino de mercadorias, a legislação do ICMS utilizou-se do conceito
de operação de circulação de m ercadorias como o núcleo de suas
especulações, tendo o estabelecimentos como o local de saída para um
consumidor final como um de seus elementos principais na definição de
circulação.
in te re s sa n te m e n te , a h istó ria da d e fin iç ã o do co nce ito de
estabelecimento no direito brasileiro para os fins do ICMS surge com a
definição do direito comercial em seu código de 1850, seguindo-se o Código
Civil de 1916, passa-se pelo lacônico artigo 127 do CTN e segue-se com o
artigo 11 da LC 87/1996, que cumpre a determinação do artigo 155, § 2°, XII da
CF de 1988.
Este artigo 11 é o que preencheria semanticamente este conceito,
deixando claro que a forma legalmente escolhida foi de dar uma definição
genérica para este no seu parágrafo 3°, acompanhando-a de ficções (inciso
III e parágrafo 5°) e presunções jurídicas (inciso I) são utilizadas para
determinar situações limítrofes.
Mais ainda, este artigo também circunda este conceito com definições
d en o ta tiva s de situações em que a d e te rm in a ç ã o deste e le m e n to é
importante para atrair a competência tributária de um Estado, perfazendo a
função de dirim ir conflitos de competência do artigo 146, III da CF.
Não se olvide que este artigo pressupõe, também, uma autonomia
entre eles {§ 3°, II), o que implica que há uma tendência a que cada unidade
de negócios que atenda o requisito de ser um lugar (público ou privado,
e difica d o ou não) no qual sejam exercidas atividades com erciais
(permanentes ou não).
Obviamente, no campo deste trabalho, será importante verificar como
este conceito se relaciona aos casos de comercialização de mercadorias
mencionado no inciso I, como será visto, com a intermediação do mundo virtual.

4.2. A competência tributária e o ICIVIS nas vendas virtuais

Como dito, a lógica do ICMS nas vendas interestaduais é mediada


pelas alíneas a e b do inciso IX do parágrafo 2^ do artigo 155 da CF, tendo duas
hipóteses distintas: a venda para consumidores finais (b) e as vendas para
contribuintes (a), lembrando que neste caso, aplica-se a regra do inciso VIII.
Mais ainda, também como já acenado, é óbvio que toda a preocupação
doutrinária em relação à necessidade de uma definição precisa (e unívoca)
do conceito de esta b elecim en to para estabelecer, ju rid ic a m e n te , os
contornos geográficos de uma operação de circulação de mercadorias serve

234
I
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

para determinar o Estado que detém a competência (e as receitas tributárias)


do ICMS.
Neste sentido, d e n tro da evolução histórica apresentada para o
conceito de estabelecimento, com a maior difusão da internet, os problemas
relativos às vendas realizadas por este meio foram se acumulando, tanto na
já citada (e resolvida) situação do comércio on-line e sua tributabilidade
pelo ICMS, como naquela do comércio off-line.
C o nte xtua lm e n te, surgiu o Convênio 51/2000^“® que tratava da
re p a rtiçã o de receita e n tre as unidades federadas nas operações
interestaduais com veículos automotores em que há faturamento direto a
consumidor final, dividindo as receitas entre origem e destino no caso em
que estas vendas de veículos fossem realizadas pela internet.
Neste caso, a divisão seria entre o Estado da sede da montadora e
aquele da sede da concessionária que entregava o veículo, lembrando que
toda a venda de automóveis novos passa por estes sujeitos segundo o artigo
15 da Lei 6.729/1979.
Para tanto, contextualmente, criou-se uma forma de justiça tributária
(no co nte xto da repartição de receitas) com esta divisão de receitas,
lembrando que os veículos são submetidos à substituição tributária.
In te re ssa n te m e n te que este te x to p o te n cia lm e n te não seria
compatível (inválido) com os limites traçados para seu procedimento (e
matéria) de produção normativa pelo artigo 10 da LC 24/1975 (combinado
com o artigo 3, I do Regimento Interno do CONFAZ (Convênio ICMS 133/
1997)), pois estes não deveriam tra ta r (m aterialmente) de repartição de
receitas tributárias^^°.
De qualquer maneira e prosseguindo, nenhum dos textos legais
citados que definem o conceito de estabelecimento para os fins tributários
(e do ICMS) havia sido criado no contexto da (re)definição deste conceito
e m p ree n dida pelo cita do a rtig o 1142 do Código Civil, cuja (quase)
incontroversa interpretação permite menção ao chamado estabelecimento
virtual como categoria autônoma e cuja vinculação te rrito ria l pode ser,
inclusive, transferida ao local do domicílio do comprador (ou do servidor, a
exem plo).
Logo, dada a dinâm ica interpretativa^^^ do co nce ito de
estabelecimento, especialmente no campo virtual, merece ser revisitada

Lem b ra -se q u e e s te C o n v ê n io te v e sua le g a lid a d e q u e s t io n a d a na ADI 2 74 7 , q u e n ã o fo i analisada


p o r a s p e c t o s d e l e g i t i m a ç ã o a tiv a .
D e ix a -s e c l a r o q u e , a p e s a r d e s t a s c r ít ic a s f o r m a i s e m a t e r ia i s q u e a f e t a r i a m a v a li d a d e d e s te
t e x t o le g a l, t e m - s e q u e , p r a g m a t i c a m e n t e , o m e s m o p o s s u i g r a n d e fo r ç a , p o is é r e s u l t a d o d e u m
a c o r d o u n â n im e d o CONFAZ.
L em b ra -se q u e , n o j u l g a m e n t o d a ADI 1945, o STF ( r e ) a f ir m o u , j u s t a m e n te , a nece ssid ad e d e u m a
i n t e r p r e t a ç ã o d in â m ic a d o s t e x t o s j u r í d i c o s q u e se r e la c i o n a m c o m n o v a s te c n o lo g ia s .

235
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

para os fins do ICMS, pois a venda intermediada pela internet é muito distinta
da venda por catálogo^^^ sendo mais próxima de uma venda porta a porta
(que pode ser sujeita à substituição tributária, como no Convênio 0 ^ 0 0 6 ).
Para tanto, deixa-se claro que o site pode ser considerado como
estabelecimento virtual e, portanto estabelecimento para fins do ICMS tal através
da porta aberta semântica que a possibilidade de interpretação dinâmica (e
compatível com o novo texto do CC) é o parágrafo 3° do artigo 11 da LC, não sendo
considerado como mera extensão física do estabelecimento "real"^^^®^^.
Para operacionalizar tal premissa, recorda-se que, além do já clássico
(e aqui condenado) critério de conexão do local dos servidores, existem
duas outras manifestações físicas do estabelecim ento, o local onde o
consumidor realize sua compra ou, mesmo, o local de entrega, como a agência
dos correios, a exemplo do ICMS importação.
Como exemplos pragmáticos de incorporação destes critérios de atração
de competência para o local do servidor onde se realiza o processamento
eletrônico de suas operações, o Estado de São Paulo determina que o local do
servidor seria suficiente para atrair a mesma, a teor do artigo 12, parágrafo 3^, da
Lei 6.374^989, lembrando que o parágrafo 49 autorizaria edição de regulamento
para determinar que um site da internet seria um estabelecimento autônomo
(registrado como filial/contribuinte para fins de ICMS).
Tal interpretação é possível pelo simples fato que o estabelecimento
pode, nos dizeres do multicitado parágrafo 3°, ser não edificado, de terceiros
e onde as pessoas jurídicas exerçam sua atividade em caráter temporário,
incluindo a possibilidade de que armazéns gerais sejam considerados
estabelecimentos, o que não é o caso.
Mais ainda, caso penda dúvida na identificação do estabelecimento,
no teor do inciso primeiro deste parágrafo, o local onde seja constatada a
operação pode também ser utilizado e, ainda assim, ter-se-ia a atração da
competência para o Estado de destino.
Isto ocorreria pelo simples fato que, nas vendas pela internet, existiria
a transferência entre mercadorias de dois estabelecimentos do mesmo
contribuinte (ainda que o virtual não possua específico CNPJ de filial) para

Em s e n t id o c o n t r á r io , m a s se m t r a t a r das v á ria s h ip ó te s e s le v a n ta d a s , a e x e m p lo , p o r G re c o (In:


GRECO, M a r c o A u ré lio . E s ta b e le c im e n to T r ib u t á r io e Sites na In te r n e t. In: D ireito e In te rn e t: Aspectos
Jurídicos R e le v a n te s , V o lu m e I. São P a u lo : Q u a r t i e r L a tin , 2 0 0 8 , p. 3 5 0 .): BIFANO, E lid ie Pa lm a , O
N eg óc io E letrô n ico e o Sis te m a T rib u tá rio B rasileiro . São P a u lo ; Q u a r t i e r L a tin , 2 0 0 4 .
Em s e n t id o c o n t r á r i o : CASTRO, A l d e m a r io A r a u j o . Os m e io s e le t r ô n ic o s e a t r i b u t a ç ã o . In : Jus
N a v ig a n d í, T e r e s in a , a n o 5 , n . 4 8 , d e z . 2 0 0 0 . D is p o n í v e l e m : h t t p : / / j u s 2 . u o l . c o m . b r / d o u t r i n a /
te x t o . a s p ? id = 1 8 1 3 . A c e s s o e m : 3 0 nov. 2 0 1 1 .
A d o t a n d o u m a p o s iç ã o i n t e r m e d i á r i a , e m q u e c e r t o s s ite s s ã o e s t a b e l e c im e n t o s p a r a f i n s d e
ICMS e o u t r o s n ã o : GRECO, M a r c o A u r é lio . E s ta b e le c im e n to T r ib u t á r io e Sites na In te r n e t. In: D ireito
e In te r n e t: A sp ectos ju ríd ic o s R elev a nte s , V o lu m e I. Sã o P a ulo : Q u a r t i e r L a tin , 2 0 0 8 , p. 3 50.

236
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

depois ocorrer a entrega desta mercadoria para o consumidor final através


do agente transportador.
Com a ideia apresentada, subverte-se a já clássica interpretação do
artigo 155, § 2°, VII, b combinado com o inciso XII, d do mesmo artigo da CF
em que o ICMS incidente sobre vendas na internet teria sua tributação
apenas na origem^” , pois seria aplicável a sua alínea a.
Deixa-se claro, como conclusão parcial que, potencialmente, vários
são os conflitos de competência no campo da eleição dos critérios de
conexão, pois há a possibilidade de se te r um sujeito vendedor localizado
em um estado A, com servidor no estado B e armazém de onde parte as
mercadorias no estado C com destino a um consumidor localizado no estado
D que comprou a mercadoria a p artir de um com putador localizado no
estado E.
De q ua lq ue r maneira, deveria o c o rre r uma inovação legislativa
também para que a LC 87 cumpra sua função de d irim ir os conflitos de
competência em casos desta natureza ou, ao menos, os Estados deveriam
realizar o cadastro/registro dos estabelecim entos virtuais como sendo
autônomos em relação aquele estabelecimento físico ou local de atração de
competência citados, ainda que de maneira concorrente.
É dizer, um mesmo site poderia ser registrado em vários estados
diversos como filial e, portanto, ser contribuinte de ICMS para aquele estado
quando o c o rre r a com pra para su jeito d e stin a tá rio das mercadorias
localizado no mesmo.
Paliativamente, para dar uma maior aceitabilidade de uma subversão
desta interpretação já ha muito consolidada, poder-se-ia utilizar a repartição
das receitas deste comércio, sendo uma forma potencialmente mais alinhada
com 0 princípio do pacto federativo, dando legitimidade material a esta
nova interpretação.
Da mesma forma, deixa-se claro que seria interessante que, para não
sobrecarregar a fiscalização, talvez tam bém fosse o caso de se utilizar
substituição tributária (como, a exemplo, no Protocolo 21 e nos Convênios
51/2000 e 52/2005) ou, mesmo, determinar que apenas mercadorias acima
de um determinado valor (relevante) fossem tributadas nesta situação, como

C o m o e x e m p lo d e t e x to n o q u a l se consid e ra inescapável a a tu a l i n te r p r e ta ç ã o d o a r tig o 155 da CF,


o u se ja , q u e n o ca so d e in t e r m e d ia ç ã o e le t r ô n ic a s o m e n t e e x is te t r i b u t a ç ã o na o r ig e m : SAMPAIO ,
A n d e rs o n Peixoto; LI NO, Â n ge lo D ou ra d o Cruz; SANTOS FILHO, João M e lo dos; e SILVA, M a rc e lo M a tte d i
e. o desafio d a trib u taç ã o n o com ércio eletrônico: um a análise sob a ótica d o ICM S. M o n o g r a fia (Curso
de p ós-g ra d ua çã o l a t u sensu e m gestão t r ib u t á r ia C o n v ê n io UNIFACS - S ecretaria da Fazenda d a Bahia,
2 0 0 2 ; e BATISTA, C íce ro R ub e n s. C o m é r c io e le t r ô n ic o e o s d e s a fio s p a ra a a d m in is t r a ç ã o t r i b u t á r i a
dos Estados- In: Revista d e d ire ito trib u tá rio da APET. Vol. 27. São Paulo: M P Editora, p, 15-40, set. 2010.
™ A p enas c o m o e x e m p lo d e t e x t o legal q u e estabelece u m lim ite m ín im o para a tr ib u t a ç ã o da difere n ça
de a líq u o ta s e n t r e o r ig e m e d e s t in o n o caso d o c o m é r c io e le tr ô n ic o , cita -s e o A r t i g o 6 -A d o D e c re to
Esta d u al n* 2 9 . 5 6 0 /2 0 0 8 , c o m a re d a ç ã o e m v ig o r d a d a p e lo D e c r e to E sta d u a l n o 3 0 .1 1 5 /2 0 1 0 .

237
DIRE ITO T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES ATUAIS

em algumas das legislações atacadas pelas citadas ADIs que tratam das leis
estaduais relativas ao comércio eletrônico” ®.
Prosseguindo, aparte os problemas já mencionados no caso do ICMS
in cid e n te sobre vendas de veículos na in te rn e t, com o crescim ento
exponencial do comércio eletrônico ta n to on como off-line, foi editado
durante a 141^ reunião ordinária do Conselho Nacional de Política Fazendária
(CONFAZ), no Rio de Janeiro, o (criticado por sua atecnia) Protocolo 21 de 12
de abril de 2011 (e publicado no dia 07 do mesmo mês).
Neste caso ocorreu a ratificação imediata pelos Estados do Acre,
Alagoas, Amapá, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Mato Grosso,
Pará, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Roraima, Rondônia,
Sergipe e o Distrito Federal, sem olvidar que os Estados do Mato Grosso do
Sul e Tocantins aderiram ao mesmo, p o s te rio rm e n te , através,
respectivamente, dos Protocolos 31/^011 e 43/2011.
Este m ulticitado protocolo criou uma espécie de distribuição das
receitas do ICMS nas vendas realizadas através de internet, telemarketing
ou show/room, quando esta fo r realizada entre os estados signatários e, caso
tenha operação entre estados signatários e não signatários, obriga a cobrança
do diferencial de alíquota na fronteira.
Obviamente, este Protocolo possui uma série de problemas formais^” e
materiais, como bem apontado por Santos de Carvalho^^®, mas, interessantemente,
apesar da citada atecnia/invalidade, o Protocolo 21 fez, ainda que indiretamente,
uma forma de interpretação uniformizadora (quase no teor do artigo 3°, III do Rl-
CONFAZ), ainda que sem citar, do conceito de estabelecimento.
Finalmente, aparte tod o o dito, muitos autores” ^ criticam a atual
intributabilidade no destino no caso do ICMS em vendas eletrônicas dando como
solução apenas uma mudança constitucional, da LC 87 ou com um Convênio.
Neste sentido, já existe a PEC 3 ^ 0 0 6 (arquivada), mais geral, e as
mais específicas PEC 227/2008, que foi acoplada a PEC da reforma tributária,
a 37/2001, e a 5 ^ 0 1 1 '“ .

S i n t e t lc a m e n t e , as i n c o n s t i t u c i o n a li d a d e s a p o n ta d a s e m r e la ç ã o a o P r o t o c o lo s e r ia m q u e e s te :
se ria c o n t r á r i o a o a r tig o 38, p a rá g ra fo ú n ic o d o R e g im e n to In te r n o d o CONFAZ; t r a ta r ia d o c o n c e ito
d e e s t a b e le c im e n to , q u e se ria , d e a c o r d o c o m o in c is o I d o a r t . 22 d a CF, m a té r ia d e c o m p e tê n c ia
p r iv a tiv a d a U niã o ; t e n ta r ia m o d ific a r d iv e rs o s a sp e c to s a R M IT d o ICMS; e p o r t r a t a r d e s u b s titu iç ã o
t r i b u t á r i a p o r m e io d e p r o t o c o l o e m d e t r i m e n t o d e LC e s p e c ífic a o u C o n v ê n io .
25: CARVALHO, O sva ldo Santos de. G u e rra Fiscal.com In: V III Congresso nacional d e estudos tribu tário s:
d e riv a ç ã o e p o s itív aç ã o no d ire ito t r ib u tá r io . São P a u lo : N oeses, p. 9 0 9 -7 6 2 , 2 0 1 1 .
E n tr e o u t r o s : NICHOLAS, P a u lo . C o m é r c io e le t r ô n ic o e ICMS. In : w w iw .d ir e ito .c c m .b r/d o u trin a .
A r t i g o f o r n e c i d o p e la C O M U T /U N IS IN O S , e m d e z /2 0 0 0 . (a cesso 0 1 ^ ) 1 / 2 0 1 2 às 2 0 :0 0 )
Estas p r o p o s ta s le g is la tiv a s f o r a m b e m e s tu d a d a s e m : CARVALHO, O s v a ld o S a n to s d e . G u e r r a
F is c a l.c o m In: V III C ongresso n a c io n a l d e e stu d o s tr ib u tá r io s : d e riv a ç ã o e p o s itiv a ç ã o n o d ire ito
t r ib u t á r io . São P a u lo : N oe se s, p. 9 0 9 - 7 6 2 , 2 01 1 .

238
í
D I R t f T O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Também existe o PLC 17/2011 que cria hipótese de divisão de receitas


nestas operações, quase que alterando o citado inciso b do artigo 155, II, § 2°
da CF, 0 que não seria a m elhor solução para o problema, por não ser
compatível com a CF.
Interessantem ente, esta solução já fo i (in co n stitu cio n a lm e n te )
realizada através da adição do parágrafo 6° do artigo 11 da LC 87 e a
correspondente edição do (também ilegal e inconstitucional) Convênio 52/
2005, que trata sobre a divisão de receitas nos chamados serviços não
medidos de comunicação relativos à TVs por assinatura via satélite.
Sob outro giro, uma constitucional mudança da LC, caso não se aceite
a interpretação dada ao parágrafo 3° do artigo 11, deveria ser concentrada
na alteração do conceito de estabelecimento.
Finalmente, lembra-se que já existe a proposta de Convênio 1 3 ^ 0 0 9 do
MT, que emula os citados Convênios 51/2000 e 52/2005, mas que não se considera
como compatível com a LC 24 e com o RI-CONFAZ pelos motivos já explicitados.

6. Conclusões

1. 0 direito tributário, como dito, de acordo com o artigo 110 do CTN


apenas p e rm ite cria r c rité rio s para subclassificar seus in s titu to s ,
estabelecendo diferenças específicas em relação ao conceito estabelecido
pelo direito civil.
2. Estabelecimento é, sinteticamente, o conjunto de capitais voltados
para a consecução de um negócio, sendo considerado tam bém como
estabelecim ento (autônom o) aquele virtu a l, ten d o como fundam ento
jurídico atual o artigo 1142 do Código Civil de 2002.
3. Este estabelecimento virtual pode servir como plataforma para o
chamado comércio on ou off-line, ou seja, instantâneas ou completamente
virtuais ou diferidas ou com parcela virtual (venda em si) e parcela não virtual
(entrega física), respectivamente.
4. A determinação deste conceito para o direito trib u tá rio é mais
im portante para o ICMS e ISS, pois determina a competência (e receitas
tributárias) destes tributos, mas também é citado fortemente na legislação
do IPI e do IR, especialmente no artigo 5° do Modelo OCDE.
5. Para o IR, o conceito de estabelecimento surge com força na menção
ao chamado pelo artigo 5° do Modelo OCDE de estabelecimento permanente,
que foi objeto de (re)estudo em seus comentários (42,1 a 42.10), permitindo
a regra de atração de bases imponíveis para o local do servidor quando se
tra ta r de com ércio on ou o ff-lin e em que haja atividade principal que
viabilize os atos do comércio.
6. No caso do ICMS, a definição do conceito de estabelecimento foi
incluída no parágrafo 3° do artigo 11 da LC 87 e admite, assim como nos outros
tributos, certas ficçÕes e presunções jurídicas para sua implementação.

239
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

7. Historicamente, esta definição é anterior àquela do novo Código


Civil e, através da aplicação do artigo 110 do CTN, deve-se interpretá-lo de
maneira dinâmica e respeitando as definições do direito civil.
8. Neste sentido, no caso das vendas off-line em que exista atividade
principal sendo praticada on-line (como pagamento, a exemplo), tem-se
como regra de atração do estabelecimento o local do acesso, do servidor ou
na fronteira, implicando competência para tributação no destino, pois tem-
se situação assemelhada a venda de porta em porta e não às vendas por
catálogo, sendo esta operação precedida por uma transferência entre
estabelecimentos do mesmo proprietário.
9. Tanto os Convênios 51/2000 e 52/2005 como o Protocolo 21/2011
possuem vícios formais e materiais, sendo incompatíveis com o objeto dos
mesmos como preconizado pela LC 24/1975 e o RI-CONFAZ.
lO.Sendo assim, em não se aceitando a interpretação proposta para o
parágrafo 3° do artigo 11 da LC 87, somente uma Emenda Constitucional ou
uma alteração do conceito de estabelecimento (e permitindo o registro do
site como estabelecimento autônomo) é que seriam as formas possíveis
para permitir a tributação no destino (ou a repartição entre origem e destino)
das mercadorias comercializadas pela internet.

240
DIR E IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

ISENÇÕES TRIBUTÁRIAS NO PACTO FEDERALISTA - ZONA


FRANCA DE MANAUS

Jean Cleuter Simões Mendonça“ ^

1. Introdução

Uma breve abordagem sobre o modelo ZFM - Zona Franca de Manaus


é pertinente para uma melhor interpretação conceitua! fático-jurídica e
tributária das isenções do PIS e da COFINS.
A Lei nasce com o b je tiv o de c u m p rir uma missão e deve ser
interpretada sob análise multifocal, sempre com a amplitude necessária
para uma melhor interpretação da finalidade expressa de atender os anseios
federalistas e sociais.
A história deve ser citada para uma análise aprimorada da Lei, portanto,
é necessário citar que na década de sessenta a Floresta Amazônica despertava
a cobiça internacional. Todo mundo queria ser dono ou se apossar. Então,
era de suma importância o reforço da ocupação da região norte para mostrar
ao mundo que a região era nossa e fazia parte do território brasileiro.
A concepção de um projeto de ocupação da região era inadiável e, sob
esse aspecto, foi concebido um projeto específico para a área da cidade de
Manaus. Nasceu o Decreto Lei ns 282^7, dispondo sobre vários incentivos
para o comércio e a indústria que tivessem interesse em se instalar na região.
O projeto Zona Franca de Manaus sofreu várias mutações. O comércio
de importados era muito forte na região, os brasileiros se deslocavam para
Manaus com objetivo exclusivo de fazer compras. Seria a mesma coisa que ir
para os Estados Unidos nos dias de hoje. Mas com advento da concorrência
desleal do comércio ilegal, como a feira do Paraguai em Brasília, Foz do
Iguaçu e a rua 25 de Março em São Paulo, o comércio na região ficou inviável
para os turistas de compras brasileiros.
Com a dificuldade no comércio, a região mudou o foco e desenvolveu
um imenso parque industrial que gera mais de cem mil empregos, sendo
importante destacar que as indústrias, para gozarem dos incentivos, devem
elaborar projetos para aprovação nos órgãos competentes e cumprir o PPB -
Processo Produtivo Básico.

261- A d v o g a d o . P ó s - g r a d u a d o e m p ro c e s s o c ivil p ela U n iv e r s id a d e Fe d era l d o A m a z o n a s . M e m b r o d o


C o n s e lh o A d m i n i s t r a t i v o d e R e c u r s o s Fisc a is d o M i n i s t é r i o d a F a z e n d a C o n s e l h e i r o F e d e r a l da
O r d e m d o s A d v o g a d o s d o Brasil. S e c r e t á r io da C o m is s ã o E special d e D ir e i t o T r i b u t á r i o d o C on s e lh o
F e d e r a l d a O r d e m d o s A d v o g a d o s d o Brasil- P r o fe s s o r U n i v e r s i t á r i o d e D i r e i t o P ro c e s s u a l Civil

241
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

Apesar de o Brasil ser um país federalista e o esforço dos governantes


para manter um equilíbrio desenvolvimentista dos Estados, a questão fiscal
sempre é discutida nos Tribunais, tanto nos administrativos, quanto nos
ju diciais, gerando alguma insegurança ju ríd ica aos in vestid o re s que
pretendem se instalar na região, fato que gera um enorme prejuízo para
nosso país.
A questão da segurança jurídica é uma questão que o Brasil deve
resolver com maior urgência para ampliar os investimentos em território
nacional. Espero que esta crítica seja vista sob a ótica construtiva, pois uma
das anáfíses dos investidores é a segurança jurídica em todas as esferas:
tributária, comercial, industrial, trabalhista, ambiental e cível.

2. Isenções do PIS e da COFINS das vendas à Zona Franca de Manaus

A Zona Franca de Manaus tam bém é prejudicada em razão dos


confrontos de teses jurídicas tributárias entre a Fazenda e o Contribuinte.
Então, uma das matérias de grande interesse é a equiparação das vendas
para a Zona Franca de Manaus à exportação, tema técnico jurídico a ser
analisado.
Para uma análise detalhada, entendo necessário o cotejo entre a tese
da Fazenda e a do Contribuinte, começando pela tese da Fazenda.
Os argumentos podem ser resumidos em dois pontos. 0 primeiro
consiste em que os créditos apurados pelo c o n trib u in te referem-se à
aquisição de insumos imunes, isentos ou de alíquota zero e que o pleito
está amparado no artigo 153, Inciso IV, e 3°, II da Constituição Federal. Todavia
a legislação federal que rege a matéria, não reconhece o direito aos créditos
fiscais solicitados. Não existe fundamento constitucional, legal ou teleológico
que justifique o direito ao creditamento em exame.
0 segundo argumento é que a isenção da contribuição em relação às
vendas efetuadas às pessoas jurídicas estabelecidas na Zona Franca de
Manaus, decorrente da edição da Medida Provisória ns 2.037-25, de 2000, e
suas reedições, e se aplica unicamente para as receitas dos incisos IV, VI, VIII
e IX do art. 14 do citado dispositivo legal.
O utrossim , o argum ento Fazendário para in d e fe rir o pedido de
ressarcimento ou autuar o contribuinte se cinge ao não reconhecimento do
crédito tributário para as vendas realizadas à Zona Franca de Manaus.
Desta forma, a questão gira em torno da isenção do PIS e COFINS de
mercadorias de origem nacional, vendidas às empresas da Zona Franca de
Manaus para consumo ou industrialização.
0 DL -Decreto-Lei n^ 288, de 28 de fevereiro de 1967, regula a ZFM -
Zona Franca de Manaus. Torna-se interessante e necessário o conhecimento
de dois artigos desse Decreto-Lei, essenciais para o deslinde da questão. Em

242
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES A T UAIS

primeiro lugar vejamos o artigo 19, que nos mostra a natureza e o objetivo
da Zona Franca de Manaus, verbis:

A rt. 19 A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio


de im p o rta çã o e exportação e de incentivos fiscais especiais,
estabelecida com a finalidade de criar no in te rio r da Amazônia
um c e n tr o in d u s tria l, c o m e rc ia l e a g ro p e c u á rio d o ta d o de
condições econômicas que p e rm ita m seu desenvolvim ento, em
face dos fatores locais e da grande distância, a que se encontram ,
os centros consumidores de seus produtos.

Em segundo lugar, podemos passar a ver o que diz o art. 4°, do DL ns


288/S7 que nos abre a porta para o cerne da questão, verbis:

A rt. 45 A exportação de m ercadorias de origem nacional para


consum o ou indu stria lização na Zona Franca de M anaus, ou
ree xp o rta çã o para o estra n g e iro , será para to d o s os e fe ito s
fiscais, constantes da legislação em vigor, equivalente a uma
exportação brasileira para o e s tra n g e iro .(g rifo nosso)

Pelos dois dispositivos expostos retro, podemos concluir que a ZFM é


tratada de forma especial pelo legislador, que concedeu incentivos para
estimular o desenvolvimento da Região Amazônica e, consequentemente,
a geração de emprego na região norte, conferindo os produtos adquiridos
por empresas nela sediadas, s condição de produtos exportados para fora
do Brasil.
Em 1988 a Zona Franca de Manaus ganhou status constitucional pelo
disposto no art. 40 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, verbis:

A r t. 40. É m a n tid a a Zona Franca de M a n a u s , co m suas


c a ra cte rística s de área liv re de c o m é rc io , de e x p o rta ç ã o e
im portação, e de incentivos fiscais, pelo prazo de vinte e cinco
anos, a p a rtir da prom ulgação da Constituição.
Parágrafo único. Somente po r lei federal podem ser m odificados
os c r ité r io s q u e d is c ip lin a ra m ou v e n h a m a d is c ip lin a r a
aprovação dos projetos na Zona Franca de Manaus.

Nesses termos, a ZFM teria sua existência garantida até outubro de


2013. Mais tarde, no entanto, a emenda n^ 42 de 19 de dezembro de 2003,
incluiu 0 art. 92 na Constituição Federal, prorrogando a vida da ZFM com a
seguinte redação: " A r t 92. Sao acrescidos dez onos ao prazo fixado no art.
40 deste Ato dos Disposições Constitucionais Transitórias".
Dessa forma, a Zona Franca de Manaus ganhou sobrevida, passando a
ter sua existência garantida até outubro de 2023. Sendo necessário destacar

243
D IRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES ATUAIS

que hoje a ZFM está voltada exclusivamente para a industrialização de


produtos de vários segmentos, por empresas instaladas no PIM - Pólo
Industrial de Manaus.
Ratificando o já afirmado acima, a ZFM tem tratamento especial, e os
produtos adquiridos para consumo ou industrialização devem receber o
mesmo tratamento tributário dos produtos exportados. Dessa forma, faz-se
necessário analisarm os a legislação que in s titu iu a COFÍNS, Lei
Complementar N e 70 de 31 de dezembrol991, que em seu art. T , inciso VI,
dispõe sobre a isenção para exportação, in verbis: "Art. 7^Sâo também isentas
da contribuição as receitas decorrentes (...) VI - das demais v e n d a s d e
m e rc a d o ria s o u serviços p a r a o e x te rio r, nas condições estabelecidas pelo
Poder Executivo, (grifo nosso)"
Dois anos mais tarde, o Decreto n® 1.030, publicado no DOU em 30 de
dezembro de 1993, que veio regulamentar o art. 72 da Lei Complementar n 5
70 de 1991, excluiu das operações de venda para empresas da ZFM, a isenção
tratada acima, tirando os incentivos referentes à COFINS da ZFM , dispondo
0 seguinte;

A rt. 19 Na d e te rm in a çã o da base de cálculo da C ontribuição


para F inanciam ento da Seguridade Social - COFINS, instituída
pelo art. l ^ da Lei C om plem entar ns 70, de 30 de dezem bro de
1991, serão excluídas as receitas decorrentes da exportação de
m ercadorias ou serviços, assim entendidas;
(...)

Parágrafo único. A exclusão de que tra ta este artigo não alcança


as vendas efetuadas;
a) a em pre sa e sta b e le c id a na Zona Franca de M a n a u s, na
Amazônia Ocidental ou em Área de Livre Comércio.

Quanto ao PIS/PASEP, a isenção para as exportações vem exposta no


art. 5° da Lei ns 7.714, de 29 de dezembro de 1988, nestes termos;

A rt. 59 Para e fe ito de cálculo da contribuição para o Programa


de Formação do P atrim ônio do Servidor Público (PASEP) e para
o Programa de Integração Social (PIS), de que tra ta 0 Decreto-Lei
ns 2.445, de 29 de junho de 1988, o valor da receita de exportação
de produtos manufaturados nacionais poderá ser excluído da
receita operacional bruta.(grifo nosso)

A MP (Medida Provisória) 1.858-6 de 29 de junho de 1999, retirou a


isenção das vendas efetuadas para as empresas da ZFM referente ao PIS/
PASEP e corroborou a cobrança da COFINS originada da venda para as mesmas
empresas. Isso eliminou os incentivos da ZFM relativos a essas contribuições.
Essa MP n9 1.858-6 foi reeditada várias vezes, até chegar à MP ns 2.037-24, de

244
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

23 de novembro de 2000, dispondo no caput do art. 14 e seus parágrafos o


seguinte:

A rt. 14. Em relação aos fatos geradores ocorridos a p a rtir de 1°


de fe ve reiro de 1999, são isentas da COFINS as receitas:
II - da exportação de m ercadorias para o exterior;
§ 1° São isentas da con trib u iç ã o para o PIS/PASEP as receitas
referidas nos incisos I a IX do caput.
§ 2° As isenções previstas no caput e no parágrafo anterior não
alcançam as receitas de vendas efetuadas:
I - a empresa estabelecida na Zona Franca de Manaus, na Amazônia
Ocidental ou em área de livre com ércio.(grifo nosso)

Inconformado com a retirada dos incentivos da ZFM, o governador do


Estado do Amazonas ajuizou, junto ao STF (Supremo Tribunal Federal) a ADIN
(Ação Direta de Inconstitucionalidade) n® 2.348-9, que foi distribuída em 09/
11/2000, alegando que a Medida Provisória n^ 2.037-24 de 2000, supracitada,
afrontava o Decreto-Lei que regula a Zona Franca de Manaus, bem como as
determinações constitucionais que garantem tratam ento diferenciado à
ZFM.
0 STF deferiu medida cautelar, com efeito ex nunc, para que fosse
suspendida a eficácia da expressão "na Zona Franca de Manaus" do art. 14,
parágrafo 2° , inciso I da Medida Provisória n^ 2.037-24 de 2000. A decisão
liminar foi publicada no Diário Oficial da União no dia 14 dezembro 2000.
Porém, a ADIN foi extinta sem julgamento do mérito por te r perdido o seu
objeto, pois, antes do julgam ento final, foi editada uma nova Medida
Provisória, a MP 2.037-25 de 21 de dezembro de 2000, atual MP 2158-
35 de 2001, com o mesmo texto da MP ns 2037-24 (objeto da Adin), contudo,
sem 0 termo "na Zona Franca de Manaus", vejamos:

Art. 14. Em relação aos fatos geradores ocorridos a p a rtir de 1°


de fevereiro de 1999, são isentas da COFINS as receitas:
(...)
II - da exportação de mercadorias para o exterior;
(. ..)

§ 1° São isentas da co n trib u iç ã o para o PIS/PASEP as receitas


referidas nos incisos I a IX do caput.
§ 2° As isenções previstas no caput e no § 1° não alcançam as
receitas de vendas efetuadas:
1 - a empresa estabelecida na Amazônia Ocidental ou em área
de livre comércio".

Para que não houvesse dúvidas referentes ao restabelecimento do


incentivo dado à ZFM sobre a COFINS, a Medida Provisória ns 2158-35, de 24

245
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

de agosto de 2001, tam bém revogou expressam ente o a rt. 7" da Lei
C o m plem entar 70, que regulava as isenções da COFINS, tira n d o ,
automaticamente, o objeto e eficácia do Decreto n° 1.030 de 1993, que,
regulamentando o art. 7° da Lei Complementar n°70, tirava os Incentivos da
ZFM referente à COFINS, observados o que segue:

A rt. 92. Esta M edida Provisória entra em vigor na data de sua


publicação, produ zindo efeitos:
( ...)
A rt. 93. Ficam revogados:
(...)
II - a p a rtir de 30 de Junho de 1999:
(...)

b) o a rt. 7° da Lei C om plem entar n° 70, de 1991, e a Lei


C om plem entar n° 85, de 15 de fevereiro de 1996".

Assim, a isenção do PIS/PASEP e da COFINS, concedida às operações


de exportação, também deve ser concedida para as operações de vendas
realizadas às empresas da Zona Franca de Manaus, a partir de 21/12/2000,
data em que foi publicada a Medida Provisória ns 2.037-25 de 2000.

3. Considerações Finais

A questão apresentada é amplo. Nõo fica apenas na visõo jurídica.


Deve ser considerado todo um contexto sociológico e político. Desta forma,
chega-se à conclusão de que no pacto federalista as questões regionais devem
ser contextualizadas no sistema tributário nacional.
Como 0 desenvolvimento regional é constante, deve ser defendida a
tese que o modelo fiscal das indústrias instaladas na Zona Franca de Manaus
será perenizado.
Outro ponto importante para o desenvolvimento regional é buscar a
potencialidade de cada Estado da Federação, para fortificar o seu modelo
econômico, sem afrontar os já existentes, sempre respeitando o Sistema
Tributário Nacional.
Para m elhor interpretação das leis fiscais, as questões periféricas
devem ser incorporadas pelo operador do direito, a fim de ampliar o sentido
do espírito da legislação tributária.

246
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

0 IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA NA


CONSTRUÇÃO CIVIL E A INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA

José Augusto Torres Potiguar^"

0 Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza integra o Sistema


Tributário Nacional pois tem sua regra de competência definida pelo artigo
155, Ml, da Constituição Federal que, estabelecendo a discriminação das
rendas públicas, define a competência impositiva municipal, e o faz sobre
os serviços de qualquer natureza não compreendidos no art. 155, II, definidos
em lei complementar.
Inicialmente, tais serviços foram definidos em lista constante do
Decreto-Lei 406 com as diversas alterações posteriores até que na atualidade
temos a Lei Complementar ns 116 instituindo as normas gerais acerca do
Imposto em questão, a qual vincula os titulares da respectiva competência,
o que significa dizer que os municípios ao legislarem sobre o ISSQN estão
limitados aos preceitos contidos na norma complementar.
Para o caso em exame, a lista de serviços tributáveis contém em seu
número sete os "Serviços relativos a engenharia, arquitetura, geologia,
urbanism o, construção civil , m anutenção, lim peza, m eio am biente,
saneamento e congêneres" E na atividade de construção civil, o item 7.2
indica que essa atividade somente será alcançada pela incidência tributária
quando desenvolvida m e d ian te trê s tip o s de vínculos ju ríd ic o s : a
administração, a empreitada ou a sub-empreitada.
Tendo em vista que o Direito Tributário consagra, dentre outros, os
Princípios da Reserva Legal e da Tipologia, forçoso é reconhecer que a regra
da Lei Complementar 116, ao definir a regra matriz de incidência do iSS na
atividade de construção civil, restringe-se aos contratos de administração,
empreitada e sub-empreitada, nos quais encontramos o vinculo direto entre
to m a d o r e p re s ta d o r do serviço, vin culo este indispensável para
caracterização do conceito da PRESTAÇÃO DE SERVIÇO.
Ocorre que, com a criação do in s titu to jurídico da Incorporação
Imobiliária, através da Lei 4.591^4, e a conseqüente implantação das vendas
de imóveis em construção, ou seja, venda de coisa futura certa, inicialmente
através do falido Sistema Financeiro da Habitação, e atualm ente pelos
Contratos Particulares de Promessas de Venda e Compra com posterior
financiamento bancário, diversos municípios brasileiros passaram a exigir

0 a u t o r é m e s tr e e m D ir e i t o T r i b u t á r i o e M e m b r o da C o m is s ã o d e D ir e i t o T r i b u t á r i o d a CFOAB

247
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

das construtoras-incorporadoras o pagamento do ISS, numa verdadeira


extensão da regra de incidência tributaria.
A incorporação imobiliária gera contrato completamente diverso da
empreitada e da administração. Nestes dois, temos duas figuras distintas
entre o dono da obra e o prestador do serviço. Na incorporação, a construção
é feita, geralmente, pelo próprio dono da obra, que é o incorporador. Com
isso, não se estabelece vinculo entre tomador e prestador e serviço, o que
só ocorre nos contratos de administração e empreitada (e obviamente na
sub-empreitada) pela diversidade de agentes.
Pretender estender a regra matriz de incidência tributária do ISS da
construção civil aos casos de incorporação imobiliária, ofende os princípios
fundamentais que estruturam o Sistema Tributário Nacional, como o da
Reserva Legal e da Tipicidade, como tam bém o disposto no parágrafo
primeiro do artigo 108 do CTN, que impede o uso da analogia como forma de
exigência de tributo. É que, dado o princípio da reserva legal, não é lícito ao
Poder Público exigir tributo sem expressa lei que o defina, pelo que o uso
de interpretação analogia de regra de incidência já existente, é conduta que
se opõe aos fundamentos do sistema.
0 assunto em comento nessas breves linhas já foi apreciado pelo
Colendo Superior Tribunal de Justiça que, em duas decisões em 2010, firmou
0 entendimento de que na atividade de incorporação imobiliária, onde o
construtor desenvolve tal atividade em seu próprio benefício, não há que se
falar em prestação de serviços. Vejamos as decisões:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇO. INCORPORAÇÃO


IMOBILIÁRIA DIRETA. CONSTRUÇÃO FEITA PELO INCORPORADOR
EM TERRENO PRÓPRIO. NÃO INCIDÊNCIA. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO
DE SERVIÇO ATERCEIRO. 1. Não incide ISSQN na hipótese em que
a construção é feita pelo p ró p rio incorporador, uma vez que a
atuação do incorporador é com o construtor. 2. In casu, o Tribunal
"a q u o " firm o u a prem issa de que "n a h ip ó te s e e m q u e o
incorporador atua tam bém com o construtor, não há a incidência
do im p osto sobre serviços, sim plesm ente porque, para que haja
p re s ta ç ã o de se rviço s s u je ito à tr ib u ta ç ã o , é necessária a
existência de um to m a d o r dos serviços, o que não o co rre na
hipótese". 3. Precedentes: REsp 922.9S^RN, Rei. M in. Teori Albino
Zavascki, Primeira Turma, julg ado em 22.62010, DJe 1".7.2010;
REsp 1.166.039/R N , Rei. M in . Castro M e ira , Segunda Turma,
julgado em r . 6.2010, DJe 11.6.2010. Agravo regim ental provido.
(AgRg no REsp 935.323/PR, Rei. M in is tro HUMBERTO MARTINS,
SEGUNDA TURMA, julgado em 14/12/2010, DJe 02^)2/2011)

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO SOBRE SERVIÇO. INCORPORAÇÃO


IMOBILIÁRIA DIRETA. CONSTRUÇÃO FEITA PELO INCORPORADOR
EM TERRENO PRÓPRIO, POR SUA CONTA E RISCO. NÃO INCIDÊNCIA.

248
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : Q U E S T Õ E S ATUAIS

AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO A TERCEIRO. 1. A


incorporação im obiliária é um negócio juríd ico que, nos term os
previstos no parágrafo único do art. 28 da Lei 4 .5 9 1 ^ 4 , tem por
fin a lid a d e p ro m o v e r e realiza r a co n stru çã o , para alienação
t o t a l ou p a rc ia l, de e d ific a ç õ e s c o m p o s ta s de u n id a d e s
autônom as. 2. Consoante disciplina o art. 48 da Lei 4.591/64, a
in c o rp o ra ç ã o p o d e rá a d o ta r um dos s e g u in te s re g im e s de
construção; (a) p or em preitada, a preço fixo, ou reajustável por
índices previam ente d eterm inados (Lei 4 .5 9 1 ^ 4 , art. 55); (b) por
administração ou "a preço de custo" (Lei 4.591/S4, art. 58); ou
(c) diretam ente, por contratação direta e n tre os adquirentes e o
con stru tor (Lei 4.591/64, art. 41). 3. Nos dois prim eiros regimes,
a c o n s tr u ç ã o é c o n tr a ta d a p e lo in c o r p o r a d o r ou p e lo
c o n d o m ín io de a d q u ire n te s , m e d ia n te a ce le b ra ç ã o de um
co ntrato de prestação de serviços, em que aqueles figuram como
tom adores, sendo o co n stru to r um típico prestador de serviços.
Nessas h ip ó te s e s , em razão de o s e rv iç o p r e s ta d o e s ta r
perfeitam ente caracterizado no contrato, o exercício da atividade
en q u a d ra -se no ite m 32 da Lista de Serviços, c o n fig u ra n d o
situação passível de incidência do ISSQN. 4. Na incorporação
direta, por sua vez, o incorpo ra d o r constrói em te rre n o próprio,
p o r sua c o n ta e ris c o , re a liz a n d o a v e n d a das u n id a d e s
autônom as p or "preço global", com preensivo da cota de te rre n o
e construção. Ele assume o risco da construção, obrigando-se a
e n tre g á -la p ro n ta e a ve rbad a no R egistro de Im ó ve is. Já o
adquirente te m em vista a aquisição da propriedade de unidade
im o b iliária, d e vid a m e n te individualizada, e, para isso, paga o
preço acordado em parcelas. 5. Como a sua finalidade é a venda
d e u n id a d e s im o b iliá r ia s f u t u r a s , c o n c lu íd a s , c o n fo r m e
previamente acertado no contrato de promessa de compra e venda,
a construção é simples m eio para atingir-se o obje tivo final da
in c o rp o ra ç ã o d ire ta ; o in c o rp o ra d o r não p resta se rviço de
"construção civil" ao adquirente, mas para si próprio. 6. Logo, não
cabe a incidência de ISSQN na incorporação direta, já que o alvo
desse imposto é atividade humana prestada em favor de terceiros
como fim ou objeto; tributa-se o serviço-fim, nunca o serviço-meio,
re a liza d o para a lcançar d e te rm in a d a fin a lid a d e . As etapas
intermediárias são realizadas em benefício do próprio prestador,
para que atinja o objetivo final, não podendo, assim, serem tidas
como fatos geradores da exação. 7. Recurso especial não provido.
(REsp 1166039/R N , Rei. M in is tro CASTRO MEIRA, SEGUNDA
TURMA, julgado em 0 1 / 0 ^ 0 1 0 , DJe l ly O ^ O l O )

Os pressupostos lançados pelo STJ evidenciam que não haverá


incidência do ISS quando o incorporador realizar a construção para si mesmo,
procedendo a venda de coisa futura certa, sendo assim, indevida qualquer
cobrança nesse sentido.
É como penso.

249
DIRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES ATUAIS

NOTA SOBRE O DEVER FUNDAMENTAL DE PAGAR TRIBUTOS

José Casalta Nabais^"

SUMÁRIO. I. 0 sentido do co n tra to social: liberdade e responsabilidade; direitos e


deveres fu n d a m e n ta is; d ire ito s e custos dos d ire ito s . II. Os deveres e os d ire ito s
fundam entais; os deveres com o m atéria dos direitos; a lista aberta (direitos) e lista
fechada (deveres); aplicação dire ta (direitos) e aplicação ind ire ta (deveres). III. Os
custos financeiros do estado: estado p a trim on ial ou em presário, estado ta xa d o r e
estado fiscal. IV. A form ula çã o constitucional do d e ve r de pagar trib u to s : positiva
(Brasil) ou negativa (Portugal). V. 0 dever fun dam e n ta l de pagar trib u to s face aos
atuais desafios da trib u ta ç ã o .

1. O sentido do contrato social: liberdade e responsabilidade; direitos


e deveres fundamentais; direitos e custos dos direitos

A prim e ira consideração a fazer sobre este tem a é a de que a


compreensão dos deveres fundamentais parte da própria ideia de contrato
(ou pacto) social, que tem a sua concreta expressão escrita na respectiva
constituição. Com efeito, na adoção do contrato social, para assegurar a
liberdade, isto é, os direitos, liberdades e garantias fundamentais de cada
um dos indivíduos, vai implicada a correspondente responsabilidade, isto é,
os correspondentes deveres fundamentais de cada um dos indivíduos para
com a respectiva comunidade.
Trata-se, por conseguinte, das duas faces da mesma moeda que o
contrato social, enquanto suporte da comunidade organizada em estado,
efetivamente materializa. Faces estas cuja articulação tornam cada indivíduo
solitário em indivíduo solidário, ou seja, numa pessoa humana cuja dignidade
os d ire ito s (e deveres) visam ju s ta m e n te assegurar. Deste modo,
compreende-se que não haja liberdade sem responsabilidade, isto é, que
não seja possível garantir um catálogo mais ou menos amplo de direitos e
lib e rd ad es fu n d a m e n ta is sem que vá im plicada a exigência dos
correspondentes deveres comunitários.

P r o fe s s o r a s s o c ia d o na F a c u ld a d e d e D ir e i t o d e C o im b r a , o n d e le c c io n a D ir e i t o A d m i n i s t r a t i v o
111 e D i r e i t o F is c a l n a l i c e n c i a t u r a , D i r e i t o d o P a t r i m ô n i o H i s t ó r i c o - C u l t u r a f n o C u r s o d e Pós-
g r a d u a ç ã o e m D i r e i t o d o O r d e n a m e n t o , U r b a n is m o e A m b i e n t e e D i r e i t o Fiscal d as E m p r e s a s n o
C u rso d e P ó s - G r a d u a ç ã o e m D ir e i t o d as E m p re s a s . L e c c io n a D ir e i t o Fiscal 11 n o C u rs o d e M e s tr a d o .
É D o u t o r na e s p e c i a li d a d e d e C iê n c ia s J u r í d ic o - P o lí t i c a s , g r a u q u e o b t e v e c o m a d is s e r t a ç ã o " 0
D e v e r F u n d a m e n t a l d e P a ga r I m p o s t o s " .

251
D IR E IT O r R í B U T Á R í O ; QUESTÕES A T U A IS

Por outras palavras, não é admissível que do contrato social, que é a


base da comunidade estadual, se façam derivar os commoda individuais
sem aceitar os correspondentes incommoda comunitários. Na verdade, a
garantia da eminente dignidade da pessoa humana, presente em cada
membro da correspondente comunidade, implica suportar os custos \ato
sensu originados pela existência, funcionam ento e financiamento dessa
mesma comunidade. Custos que, sendo o outro lado, o lado passivo da nossa
relação com a comunidade estadual, mais não são, a bem dizer, do que uma
outra designação para os deveres fundamentais relativos à existência, ao
funcionamento e ao financiamento comunitário. Por isso, num estado de
direito democrático, como são ou pretendem ser presentemente todos os
estados atuais, podemos dizer que encontramos basicamente três tipos de
custos em sentido amplo que o suportam.
De facto , aí enco n tram os: custos re sp e ita n te s à existência e
subsistência da comunidade estadual congregados no dever de defesa da
pátria, integre-se no âmbito deste ou não um específico dever de serviço
militar; custos referentes ao funcionamento democrático do estado, que se
materializam nos deveres de sufrágio traduzam-se estes em votar na eleição
de representantes ou em v o ta r d ire ta m e n te questões subm etidas a
referendo ou plebiscito; e custos ligados ao financiamento da administração
comunitária que podemos designar por custos em sentido estrito ou custos
financeiros públicos concretizados basicamente no dever fundamental de
pagar tributos, sobretudo impostos.
A este respeito, é de sublinhar que, ao contrário do que, por vezes,
parece admitir-se, todos os direitos fundamentais têm custos financeiros
públicos. Têm portanto custos públicos não só os modernos direitos sociais,
aos quais facilmente se apontam esses custos, mas também têm custos
públicos os clássicos direitos e liberdades, em relação aos quais, por via de
regra, tais custos tendem a ficar na sombra. Não tem, por Isso, o menor
suporte a ideia, assente numa ficção de pendor lib e rtá rio ou mesmo
anarquista, de que a realização e proteção dos assim chamados direitos
negativos, polarizados no clássico d ire ito de propriedade e na clássica
liberdade contratual, teriam apenas custos privados, sendo assim imunes a
quaisquer custos comunitários. Do ponto de vista do seu suporte financeiro,
bem podemos dizer que os clássicos direitos e liberdades são, afinal de
contas, tão positivos como os outros, como os ditos direitos positivos. Pois,
a menos que tais direitos e liberdades não passem de promessas piedosas,
a sua realização e a sua proteção pelas autoridades públicas exigem avultados
recursos financeiros^®'’ .

Para m a ) o r e s d e s e n v o lv i m e n t o s , v. o n o s s o t e x t o « A fa c e o c u l t a d o s d i r e i t o s f u n d a m e n t a i s : os
d e v e r e s e os c u s to s d o s d i r e i t o s » , e m P o r u m a L ib e r d a d e c o m R e s p o n s a b i li d a d e - E s tu d o s s o b r e
D ire ito s e D everes F u n d a m e n ta is , C o im b r a E d ito ra , C o im b r a , 2 0 0 7 , p. 1 63 e ss. .

252
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

2. Os deveres e os direitos fundamentais: os deveres como matéria


dos direitos; a lista aberta (direitos) e lista fechada (deveres); aplicação
direta (direitos) e aplicação indireta (deveres)

Aprofundando um pouco o que vimos de dizer, impõe-se relacionar


os deveres com os direitos fundamentais, a fim de dar conta e de sublinhar
que os deveres fundamentais em nada põem em causa a ideia de primazia
da liberdade, polarizando a realização da ideia de dignidade humana nos
direitos e liberdades fundam entais. 0 que tem diversas expressões no
estatuto constitucional dos deveres fundamentais, às quais é de todo o
interesse fazer menção aqui.

Desde logo, os deveres fundam entais co n stitu e m motéria dos


direitos fundamentais.Corr\ efeito, o ente n d im e n to que tem os por
m ais a d e q u a d o para os d e ve re s fu n d a m e n ta is é o q u e os
considera um a categoria jurídica co n s titu c io n a l p ró p ria . Uma
categoria que, não obstante isso, integra o dom ínio ou a matéria
dos direitos fundam entais, na m edida em que este dom ínio ou
esta m atéria polariza to d o o e s ta tu to co n stitu cio n a l (a tivo e
passivo, os direitos e os deveres) do indivíduo. Indivíduo que,
com o já referim os, não pode deixar de ser e n te n d id o com o um
ser sim u lta n e a m e n te liv re e responsável, ou seja, com o uma
pessoa. Uma ideia que bem precisa de ser reafirm ada na época
a tu a l, em q u e a e m e rg ê n cia d o in d iv id u a lis m o possessivo,
apresentado aliás com o um dos apports da pós-m odernidade,
se vem revelando cada vez mais com o um verdadeiro corrosivo
co m u n itá rio .
Uma perspectiva que te m a conseqüência decisiva de os deveres
fundam entais integrarem a constituição do indivíduo, isto é, a
c o n s titu iç ã o dos d ire ito s (e deveres) fu n d a m e n ta is , e não a
constituição da sociedade, isto é, a constituição econômica ou
da organização económica^®^ nem a constituição do estado ou
da organização política, isto é, a que tra d icio n a lm e n te era vista
com a c o n s titu iç ã o tout court. Por c o n se g u in te , os deveres
fu n d a m e n ta is in s e re m -s e na c o n s titu iç ã o p o la riz a d a nos
d ire ito s e lib e rd a d e s fu n d a m e n ta is , ao serviço p o rta n to da

Q u e c o n t é m o q u a d r o da i n t e r v e n ç ã o e r e g u la ç ã o e c o n ô m ic a s d o e s ta d o . C o n s titu iç ã o e c o n ô m ic a
q u e , n o s e s ta d o s q u e i n t e g r a m a U n iã o E u r o p é ia , t r a n s i t o u n a q u a s e t o t a l i d a d e p a r a o d i r e i t o da
U n iã o . Foi, d e r e s to , p a r a a l u d i r a e s ta r e a l i d a d e q u e J. J. G o m e s C a n o t i l h o f a l o u e m « m o r t e da
c o n s titu iç ã o d ir ig e n te » p o rtu g u e s a , a q u a l passou de u m a c o n s titu iç ã o e c o n ô m ic a n a c io n a l de
p e n d o r s o c ia lis t a p a r a a c o n s t i t u i ç ã o e c o n ô m ic a e u r o p e i a d e n a t u r e z a m a r c a d a m e n t e l ib e r a l - v.
J. J. GOMES CANOTíHO, « Esta do a d je c tiv a d o e t e o r ia da c o n s t it u iç ã o » . Revista d a A c a d e m ia B rasileira
d e D ir e i to C o n s ti tu c i o n a l , ns 3, 2 0 0 3 , p . 4 5 3 e ss. (4 6 9 e %.).

253
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

dignidade do indivíduo enquanto ser solidário e não m eram ente


solitário, em suma enquanto pessoa.
De o u tro lado e em conseqüência do que vim os de dizer, os
deveres fundam entais integram uma lista fechada, um numerus
clausus, não sendo considerados com o tal senão os previstos
na constituição. 0 que obviam ente não acontece com os direitos
fundam entais em que é freqüe nte encontrarm os uma lista aberta,
um n u m e ru s a p e rtu s , c o m o te m a c o n te c id o na tr a d iç ã o
constitucional portuguesa, a qual te m a sua concretização atual
no art. 17^ da Constituição de 1976, em que expressamente se
prescreve uma dupla abertura^®®. 0 que te m paralelo no Brasil
cujo § 22 do art. 5S da Constituição de 1988 contém idêntica
abertura^®\ 0 que significa que, tanto a Constituição Portuguesa
com o a C onstituição Brasileira, tê m sub ja ce n te um co nceito
material de direitos fundamentais que se impõe independentemente
destes de constarem ou não do catálogo constitucional.

Finalm ente, os pre ceito s co n s titu c io n a is re la tivo s aos deveres


fundamentais não têm aplicabilidade direta. Efetivamente, ao contrário do
que ocorre com os preceitos respeltantes aos direitos, liberdades e garantias
fundamentais, em Portugal, ou com os direitos fundamentais em geral,
incluindo os próprios direitos sociais no Brasil (nos termos do § is do art. 14^
da Constituição^®®, os deveres, salvo relativamente aos escassos segmentos
ou vetores concretizados na própria constituição, carecem da mediação do
legislador que concretize o respectivo conteúdo com estrito respeito pelos
pre ceito s c o n stitu cio n a is. 0 que significa, designadam ente, que na
concretização do conteúdo de cada dever fundamental deve o legislador
tem em devida conta diversos p rincípios c o n stitu cio n a is em que,
naturalmente, se destaca o princípio da proporcionalidade, de modo a que o
mesmo se apresente o menos oneroso possível para os seus destinatários^®^.

Nestes t e r m o s : «3.- Os d ir e i t o s fu n d a m e n t a is c o n s a g ra d o s n a C o n s titu iç ã o n ã o e x c lu e m q u a is q u e r


o u t r o s c o n s t a n t e s d a s le is e d a s r e g r a s a p l i c á v e i s d e d i r e i t o i n t e r n a c i o n a l ; 2. Os p r e c e i t o s
c o n s t it u c io n a i s e leg a is r e la t i v o s aos d ir e i t o s f u n d a m e n t a i s d e v e m se r i n t e r p r e t a d o s e in t e g r a d o s
d e h a r m o n ia c o m a D e c la r a ç ã o U n iv e r s a l d o s d i r e i t o s d o H o m e m »
Q u e d is p õ e : «Os d ir e i t o s e g a r a n tia s e x p re s s o s n e s ta C o n s titu iç ã o n ã o e x c lu e m o u t r o s
d e c o r r e n t e s d o r e g i m e e d o s p r in c íp i o s p o r ela d o t a d o s , o u d o s t r a t a d o s i n t e r n a c io n a is e m q u e a
R e p ú b li c a F e d e r a t iv a d o B r a s il seja p a r t e » .
268 0 q u e t e m o s ig n ific a d o p r o f u n d o d e u m a v e r d a d e ir a t r a n s f e r ê n c i a d o p o d e r d e r e a liz a ç ã o das
m e lin d ro s a s opções p o lític a s , que a a fe ta ç ã o de re curso s fin a n c e iro s p ú b lic o s escassos
n e c e s s a r ia m e n t e i m p l i c a , d o s ó r g ã o s d o t a d o s d e l e g i t i m i d a d e e r e s p o n s a b i l i d a d e p o l í t ic a s p ara
ó rg ã o s d e s p ro v id o s dessas le g itim id a d e e re s p o n s a b ilid a d e .
Para m a i o r e s d e s e n v o l v i m e n t o s , v. o n o s s o l i v r o 0 D e v e r F u n d a m e n t a l d e P a g a r I m p o s t o s .
C o n t r i b u t o p a r a a c o m p r e e n s ã o c o n s t it u c io n a l d o e s t a d o f i s c a l c o n t e m p o r â n e o , A lm e d in a , C o im b r a ,
1 9 9 8 , 3^ r e im p r e s s ã o d e 2 0 1 2 , esp. p. 1 39 e ss.

254
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

3. Os custos financeiros do estado; estado patrimonial ou empresário,


estado taxador e estado fiscal

Como referimos, entre os custos em sentido amplo destacam-se os


custos financeiros da comunidade estaduai^^°, cujo suporte pode, ao menos
teo ricam ente, assumir diversas formas, pois, olhando para o suporte
financeiro do estado contemporâneo, o que vemos é um estado fiscal, um
estado que tem nos impostos o seu principal suporte financeiro. 0 que,
atenta a razão de ser do estado, que é a realização da pessoa humana, o
estado fiscal não pode deixar de se configurar como um instrumento dessa
realização.
Porventura o instrumento que historicamente se revelou e continua
a revelar como o mais adequado à materialização desse desiderato, uma vez
que, como se expressou Olivier Wendell Holmes «os impostos são o que
pagamos por uma sociedade civilizada». O que significa que os atuais
impostos são um preço: o preço que todos, enquanto integrantes de uma
dada comunidade organizada na forma de estado, pagamos por termos a
sociedade que temos. Ou seja, por dispormos de uma sociedade assente na
ideia de liberdade, de um lado, e na ideia de um mínimo de solidariedade,
de outro lado. Por isso, não pode ser um preço qualquer, mormente um
preço de montante muito elevado, pois, a ser assim, não vemos como possa
preservar a liberdade que esse preço é suposto servir. Na verdade, apenas
perante um estado fiscal, cujo preço seja aceitável, podemos conceber os
impostos como um indeclinável dever de cidadania, cujo cumprimento a
todos deve honrar.
Uma ideia que, na sua formulação negativa, exclui tanto um estado
patrimonial ou empresarial como o rejeita a falsa alternativa de um puro
estado taxador. Na verdade, de um lado, não parece minimamente viável
um estado patrimonial nem aceitável um estado empresarial. Pois, quanto
ao primeiro, podemos dizer que ele foi caraterístico do época medieval, em
que 0 estado, ou melhor a coroa, era titular de um conjunto significativo de
re n d im e n to s p ro v e n ie n te s do seu p a trim ô n io e d ire ito s realengos..
Rendimentos a que se ju n ta ra m , com o andar do tem po, tam bém os
provenientes da atividade empresarial que o estado começou a assumir
sobretudo com o advento do iluminismo.

E n tre os q u ais a in d a s o b re s s a e m os custos c om o q u e v im o s d e s ig n a n d o p o r « c o n s e lh o de


a d m in is tra ç ã o » d a c o m u n id a d e e s ta d u a i, e m q u e se in te g ra m to d o s os custos c om os titu ia re s de
cargos poiíticos, a d m in istra tiv o s e ju diciais, eleitos ou designados, os quais n ã o po d e m d e ix a r d e te r
u m a e s trita ade qua ç ã o à dim e ns ã o d a p o pulação, d o te rr itó rio e d o PIB c orrespon dentes - v. o nosso
e stu do « D a s u s ten tab ilid a d e d o Estado fiscal», e m JOSÉ CASALTA NABAIS / SUZANA TAVARES DA SILVA,
(C oord.), S uste n ta b ilid a d e Fiscal em Tempos de Crise, A lm e d in a , C o im b ra , 2 0 1 1 , p. 54.

255
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

De outro lado, não é aceitável presentemente um estado empresarial,


em que o estado se assuma como agente econômico, que produz e distribui
primariamente a generalidade dos bens e serviços, como foi (ou é, na medida
em que ainda subsiste) o estado socialista. Uma forma de estado que,
devemos sublinhar, teve algum êxito relativamente a economias atrasadas,
como era indiscutivelmente a russa quando caiu a monarquia czarista em
1917, na medida em que Industrializou os países que adotaram uma tal forma
de estado. Mas, para além ter conseguido dar o salto correspondente às
sociedades desenvolvidas, esse êxito foi conseguido à custa de tremendos custos
humanos. Custos estes que, é bom lembrar, não estiveram totalmente ausentes
dos processos de industrialização que se desenrolaram no século XIX.
Enfim, tam bém a possib ilida d e de um estado taxador, isto é,
financiado predominantemente através de tributos bilaterais ou taxas, em
vez de tributos unilaterais ou Impostos, é mais aparente do que real. E isto
seja em sede geral ou reportado a certos sectores da mais recente atuação
do estado, como o relativo à tutela do ambiente. Assim e em sede geral,
para além da figura das taxas ser inadequada para suportar o financiamento
dos bens públicos, ela releva mais do que vimos designando por duplicação
do estado fiscal do que de qualquer tentativa séria de substituição de
impostos por taxas.
Por seu turno, no respeitante a setores específicos, com destaque
para o da proteção do meio ambiente, em que o princípio do poluidor-
pagador parece favorecer o estado taxador, concretizando a Idela de cada
um suportar, pagar a poluição que produz, fin an cia nd o -se as
correspondentes despesas públicas através de eco-taxas (em vez de eco-
impostos), o certo é que, em virtude de muitas vezes não se saber quem é o
efetivo poluidor ou, conhecendo-se este, ser muito difícil proceder ao teste
da proporcionalidade em que a poluição e a correspondente taxa, a opção
pela figura dos tributos bilaterais acabe em certa medida impraticáveP’ \

4. A formulação constitucional do dever de pagar tributos: positiva


(Brasil) ou negativa (Portugal)

Por fim, uma referência à maneira como o dever fundamental de pagar


tributos se encontra consagrado na constituição, servindo-nos aqui das atuais
textos constitucionais português e brasileiro. Pois bem, analisando as
disposições que se reportam mais concretamente a esse dever fundamental.

v . s o b r e esses a sp e to s , o n os so e s t u d o « R e fle x õ e s s o b r e q u e m paga a c o n t a d o e s ta d o so c ia l» ,


a g o r a e m P o r u m E s ta d o Fisc a l S u p o r t á v e l • E s tu d o s d e D i r e i t o Fiscal, v o l. Ill, A l m e d i n a , C o im b r a ,
2 01 0 , p. 1 1 5 e ss.

256
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

verificamos que há assinaláveis diferenças entre as constituições em causa.


Mais especificamente, enquanto na Constituição brasileira encontramos uma
formulação de caráter positivo, na Constituição portuguesa deparamo-nos
com uma forma marcadamente negativa.
Pois dispõe aquela, no caput e §1^ do seu art. 145^, que a União, os
Estados, o D istrito Federal e os M unicípios poderão in s titu ir trib u to s,
especificando que, «sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal
e serão graduados segundo a capacidade econômica do c o ntribu in te ,
facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade
a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos
da lei, o p a trim ô n io , os re ndim entos e as atividades econômicas do
contribuinte». Já a constituição portuguesa, prescreve, no ns 3 do seu art.,
1032, que «ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido
criados nos termos da Constituição, que tenham natureza retroativa ou cuja
liquidação e cobrança se não façam nos termos da lei». 0 que significa que,
na concretização do dever fundam ental de pagar impostos, o legislador
português parte de um verdadeiro direito de nõo pagar impostos, a não ser
os criados em conformidade com a Constituição, que não tenham natureza
retroativa e a sua liquidação e cobrança respeitem as correspondentes leis.
Uma ideia que, não pondo minimamente em causa o sentido e o alcance
profundos desse dever fundam ental, enquanto base imprescindível do
suporte financeiro do estado, deve ser, todavia, sublinhada, na medida em
que não deixa, a seu modo, de co n s titu ir uma expressão, porventura
qualificada, da referida polaridade dos direitos fundamentais face aos deveres.

5. O dever fundamental de pagar tributos e os atuais desafios da


tributação

Por fim, importa aludir aos desafios que presentemente se colocam à


trib u ta çã o em geral com em inentes reflexos, naturalm ente, no dever
fundamental de pagar tributos. Pois bem, muito embora, numa certa visão
das coisas, se possam elencar diversos desafios à tributação, ta n to de
natureza interna como externa^’ ^ limitamo-nos aqui a aludir às fronteiras,
em que tradicionalmente se tem encerrado o fenômeno da tributação e
que, atualmente, de algum modo, ameaçam ceder. Trata-se das fronteiras
territorial, conceituai e finalística dos tributos ou, mais especificamente,
dos impostos.

C o m o os q u e nós r e fe r im o s n o nosso e s tu d o « 0 p r in c íp io da le g a lid a d e fisc a l e os a ctu als desafios


d a tr i b u t a ç ã o » , V o lu m e C o m e m o r a t iv o d os 75 A n o s d o B o le ti m d a F a c u ld a d e d e D ir e i to d e C o im b ra ,
2 0 0 3 , p. 1 07 3 e ss.

257
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

Assim e quanto à fronteira territorial, dento da qual a tributação se


encontrava encerrada, vem esta sendo posta em causa pelos conhecidos
fenômenos da internacionalização das relações tributárias, da integração
econôm ica-política dos estados e da globalização econômica. 0 que,
limitando significativamente o poder tributário dos estados, pÕe em causa a
tradicional visão da soberania tributária. Por outras palavras. A soberania
fiscal, que constitui a base (ou melhor, o pressuposto) da soberania estadual,
encontra-se irremediavelmente em crise.
Por seu lado, em term os conceituais, a trib u ta çã o deixou de se
reportar, como no passado, à figura precisa e bem recortada dogmaticamente
dos impostos, pois tem em conta igualmente múltiplas figuras tributárias
que, embora próximas dos impostos, frequentem ente muitas vezes se
apresentam de difícil qualificação. De facto, em rigor, não sendo impostos,
também não se reconduzem às taxas ou às clássicas contribuições especiais.
Uma situação que vem contribuindo para a referida duplicação do atual
estado fiscal. Duplicação que, reportando-se fundamentalmente aos «cativos
fiscais», isto é, àqueles que, por falta de dimensão ou de capacidade econômica,
não conseguem Internacionalizar ou globalizar a sua base tributável, não deixa
de ser uma manifestação eloqüente do que vimos designando por «apartheid
fiscal» que beneficia cada vez mais os «fugitivos fiscais»^” .
Finalmente, também em sede da finalidade dos tributos, a tributação
enfrenta hoje problemas, pondo à prova as suas fronteiras. Efetivamente, o
fenômeno da extrafiscalidade, que vem alastrando por toda a parte, perturba
a bem precisa finalidade de obtenção de receitas públicas que não pode deixar
de ser a finalidade fundamental dos impostos^^". Extrafiscalidade essa que,
devemos sublinhar é, em larga medida falsa, porquanto o direito tributário
socorre-se dela não para determinar comportamentos, incentivando-os ou
penalizando-os, mas, pura e simplesmente, para obter (mais) receitas públicas
com base muitas vezes em figuras trib u tá ria s de difícil qualificação e
enquadramento. O que nos leva a perguntar se o direito tributário atual não
está, de algum modo, convertendo-se em «barriga de aluguer» de outros
ramos do direito, como o direito do ambiente, o direito do urbanismo, o direito
da regulação, etc., alargando assim o universo dos tributos que a cada vez
mais visível escassez dos verdadeiros objetos tributáveis reclama.
Em suma, o estado fiscal, que foi o suporte inabalável do estado
moderno e do reconhecido êxito que alcançou na segunda metade do século
passado, na sua configuração de estado fiscal social, parece enfrentar
presentemente o desafio decisivo da sua sobrevivência.

V. o n o s s o e s tu d o «Da s u s te n ta b i l id a d e d o E sta d o fis c a l» , ob . c it., p. 3 6 e ss.


^ Q u e n ó s c o n s id e r a m o s r e le v a r d o « d i r e i t o e c o n ô m ic o fis c a l» e n ã o d o d i r e i t o fisc a l t o u t c o u r t -
V. OS nossos liv ro s 0 D e v e r F u n d a m e n t a l d e P a g a r Inripostos, c it, p. 6 2 7 e ss., e D ir e i to Fiscal, 6 : ed.,
A l m e d i n a , C o im b r a , 2 0 1 0 , p. 4 2 5 e ss.

258
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

DA ESTRUTURA À FUNÇÃO NO DIREITO TRIBUTÁRIO - SOBRE


O PENSAMENTO COMPLEXO

José Souto Maior Borges^^^

1. A nossa herança e sobre o estágio atual dos estudos tributários

A doutrina brasileira do Direito Tributário é herdeira e depositária de


um rico acervo teórico, originário de autores clássicos e modernos. Não devo
exem plificativam ente enunciá-los, porque, assim o fazendo, cometeria
inevitáveis injustiças. Toda enunciação exemplificativa, numa análise mais
detida, é injusta pela omissão de nomes neta não contemplados, embora
merecedores de inclusão pelos seus méritos. E, além disso, todos os que
labutam nos estudos do Direito Tributário conhecem esses autores e utilizam
- ao interpretá-lo e aplicá-lo - seus ensinamentos teóricos.
Mas a dogmática do Direito Tributário, no seu processo evolutivo,
atingiu um ponto de saturação ou, o que é uma conseqüência superveniente,
um ponto de mutação. Aí onde está a sua riqueza conceituai, está a sua
fraqueza. Se prevalecer a mesma abordagem tradicional, dar-se-á uma
impossibilidade de avanços doutrinários, porque estamos submetidos, todos
nós - eu inclusive - a esse ponto de estancamento conceituai. Não mais é
possível, a partir do nível teórico atual e em idênticas bases conceituais,
atingir um progresso efetivo nos estudos jurídicos sobre o tributo. Somente
é viável su b stitu ir opinião por opinião {doxa), num jogo in térm in o de
exposições teóricas polêmicas e, pois emulativas (opinião versus opinião).
É como se estivéssemos todos submetidos a uma lei do eterno retorno do

- P ro fe s s o r h o n o r á r io d a P o n tifíc ia U n iv e r s id a d e C atólic a (PUC) d e São Paulo. Ex-P ro fe sso r T itu la r


d e D ir e i t o T r i b u t á r i o n o s C ursos d e P ó s -G ra du a ç ã o d a F a c u ld a d e d e D ir e ito d a U n iv e r s id a d e Federal
d e P e r n a m b u c o . A d v o g a d o e C o n s u lt o r J u r íd ic o e m R ecife .
Cl N o se u p o s fá c io a o liv r o d e A d o r n o [ M i n i m a M o r a l i a , p. 2 5 5 , o seu tr a d u t o r , G a b rie l C ohn, a d v e rte
p ara as d if ic u ld a d e s desse t e r m o a le m ã o : " O u t r o p r o b l e m a dessa tr a d u ç ã o p o d e se r c o m p a r t i l h a d o
c o m t o d o s os q u e j á e n f r e n t a r a m t e x t o s a le m ã e s n os q ua is a p a r e c e o p e s a d e lo m á x im o q u e n o s fo i
l e g a d o p o r H e g e l. T r a ta - s e d a t e m í v e l " a u f h e b u n g " , e m g e r a l t r a d u z i d a p o r " s u p e r a ç ã o " q u a n d o
n ã o p e la s o lu ç ã o h e r ó i c a d a " s u p r a s s u n ç ã o " , t e r m o h í b r i d o c r i a d o p e l o p a d r e P a u lo M e n e s e s ao
t r a d u z i r a F e n o m e n o lo g ia d o E s p ir ito , na t e n t a t i v a d e r e p r o d u z ir n u m a ú nic a p a la v ra a j u n ç ã o e n t r e
a b o lir , e le v a r e c o n s e r v a r p r e s e n t e e m " a u f h e b u n g " . Há s o lu ç ã o m a is e l e g a n t e e b a s t a n t e fe liz na
c a p t a ç ã o d o c o m p l e x o d e s i g n i f i c a d o s o r i g i n a l , c o n t u d o . D e v e - s e e la a L e a n d r o K o n d e r , e a
r e e n c o n tr e i n o b e lo liv r o s o b r e c rític a m u s ic a l em A d o r n o d e J o rg e de A lm e id a ( ...) . É p u ra e
s i m p l e s m e n t e " s u s p e n d e r " , q u e a d o t e i c o m as v a r ia ç õ e s q u e a d m i t e " , P o rém , a tra d u ç ã o com o
" s u s p e n d e r " t e m o in c o n v e n i e n t e d e n ã o d e i x a r c la r o o e f e it o d e s u p e r a ç ã o , e ssencial ao A u fh e b e n .
A f u n ç ã o d e " c o n s e r v a r " é i g u a lm e n t e i m p o r t a n t e nesse t e r m o . C o n s e r v a r a d o u t r i n a d o g m á ti c a d o
D ir e ito T r i b u t á r i o é f u n ç ã o , p ois , q u e n ã o a fa s ta a n e c e s s id a d e d e su a s u p e r a ç ã o (= e v o lu ç ã o para
n o vo s e s tu d o s e x tra d o g m á tic o s ).

259
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

mesmo. Há descrições explicações teóricas muito bem elaboradas e outras


não tanto, gravitando todas elas em torno dessa temática conceituai hoje
esgotada. Este esgotamento conceituai abrange o campo todo de exploração
dogmática, assim considerado o âmbito de estudos tributários fulcrados na
semântica (teoria do significado normativo) e sintaxe (teoria das relações
hierárquicas internormativas). Se a doutrina persistir no círculo estrito dessas
categorias e relações dogmáticas tradicionais, não haverá como lograr
resultados diversos dos que foram até agora obtidos. Para o mesmo caminho
de investigação teórica, os mesmos resultados de sempre.
Objetar-se-á contudo que, se forem adotadas as conclusões do
presente ensaio, persistirá, em outro campo, o entrechoque de opiniões
doutrinárias. Decerto que sim. Mas o problema é metodológico: será a
disputa doutrinária em torno da matéria nova e em campo de pesquisa até
então praticamente inexplorado. Não basta, pois, o enfrentamento complexo
de tradicionais dificuldades, mas deve-se evoluir para a análise teórica
praticamente inexplorada de aspectos inusitados da função financeira. Nisso
se revela a fertilidade teórica deste ensaio.
Por tudo isso, e sem incorrer em afirmação paradoxal, ouso enunciar
esta proposição algo provocadora, mas, nesse co nte xto, necessária:
ingressamos na era d o //m da dogmática do direito tributário, alicerçada que
é na semântica e sintaxe jurídicas. 0 que temos, a nossa herança teórica, já
nos basta, para efeitos de interpretação e aplicação do Direito. É um
riquíssimo acervo. 0 fim da dogmática não é porém um perecimento, mas
um ponto de intercessão, a inspirar novas perspectivas de estudo fiéis,
entretanto, ao nosso legado. Em tais condições, a superação da dogmática é
um Aufheben, te rm o hegeliano (suprassunção, na tradução de Paulo
Meneses), que significa um suprimir conservando". Supera-se, sem invalidá-
la, a abordagem tem ática atual, conservando-se porém, todas as suas
contribuições que, ao cabo de contas, deverão inspirar a preocupação teórica
atual e futura. Sob esse prisma, estou na confortável companhia de Paulo de
Barros Carvalho: "Antes de caracterizar-se como singela procura de
originalidade, em certa medida providência necessária nas elaborações da
Academia, o caráter expansionista, em termos metodológicos, é o resultado
da busca de novos modelos, de outras formas de expressão de paradigmas
diferentes dos usuais no trato com o fenômeno do direito ("Que cabe ao
jurista fazer", in Cadernos de Direito Tributário, X vol., 115, pp. 7 e 8). A
intencionalidade do presente estudo é, em síntese, a busca de um paradigma
diferente para a abordagem teórica, tal como nessa passagem transcrita se
recomenda.

260
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

2. Como, d ian te desse impasse, evo lu ir para uma revolução


epistemológíca no âmbito do Direito Tributário?

Neste tópico, impõe-se a superação (=abandono) do m étodo de


redução das complexidades, responsável pela especialização exacerbada
das disciplinas jurídicas. Propõe-se, então, um paradigma diverso e inovador:
0 modelo do enfrentamento das complexidades (v. Edgar Morin, Introduction
à Ia Pensée Complexe ou, na tradução brasileira. Introdução ao Pensamento
Complexo, 4® ed.. Editora Sulina, 2005). Preconiza-se, noutras palavras, um
o utro paradigma de estudos, inspirado na complexidade tem ática: Essa
atitude científica heterodoxa acarretará, se efetivam ente adotada, uma
verdadeira "revolução copernicana" no âm bito dos estudos do Direito
Tributário.
0 paradigma complexo não repudia, contudo, a simplificação das
hipóteses científicas, no âmbito do Direito Tributário. A hipótese simples
deve prevalecer sobre a hipótese complicada, se idêntico o conteúdo-da-
verdade das duas. E a simplicidade é, ademais, uma categoria estética. Não
se deve, pois, confundir o simples com o simplório. Esta é uma verdade
trivial, mas nem por isso menos relevante e pertinente a este estudo.
Como, em longo processo evolutivo, se impôs e interpôs, no âmbito
tributário, o paradigma da redução de complexidades? Nos primórdios, era
0 Direito Financeiro, ordenação jurídica total das atividades financeiras do
Estado, um gênero cujas espécies são constituídos pelas (a) receitas estatais
trib u tá ria s (coativas) e e x tra trib u tá ria s (patrim oniais, decorrentes da
exploração de seus bens e serviços pelo Estado), (b) despesa, (c) orçamento,
e d) crédito público. Mas o Direito Financeiro, dantes um mero capítulo do
D ire ito A d m in is tra tiv o , sofreu, ele p ró p rio , um processo de
compartimentalizaçâo. Dele destacou-se, pela sua importância peculiar no
Estado Moderno, o Direito Tributário, desconsiderados os demais aspectos
da atividade financeira. Essa tendência redutora não para aí. Já se anuncia e
insinua uma nova discip lin a, o D ire ito T rib u tá rio A m b ie n ta l, onde
predominam os denominados "tributos verdes", inspirados, p. ex., na regra
"p oluidor- pagador" Caminhamos céleres para sermos especialistas na
cabeça de um alfinete.
Mas a especialização, decorrente da demarcação do objeto, não deve
co nstitu ir pretexto im peditivo da abordagem de novas perspectivas de
exploração conceituai, abertas ao Jurista especializado em dogmática
tributária. Não terá, pois, nenhuma relevância eventual objeção de que a
perspectiva ora propugnada não é de Direito Tributário, mas Financeiro.
Retruca-se: é problema convencional e até meramente terminológico: não
é Direito Tributário, mas deve ser enfrentado pelo especialista no regime
jurídico-tributário. Distinguir o Direito Tributário do Financeiro, com fulcro

261
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

na demarcação conceituai, é erigir uma questão de nomenclatura num


indevido obstáculo teórico. As conseqüências nefastas dessa atitude redutora
serão esclarecidas ao longo deste trabalho.
O método redutor não é desprovido de relevantíssimas conseqüências
negativas. Por um critério de demarcação conceituai, que envolve esses
cortes teóricos, restou ao Direito Tributário o campo restrito e circunscrito à
obrigação tributária, desde a sua instauração (CTN, art. 113, §15) até a sua
extinção, pelo pagamento ou outro modo extintivo da relação tributária
(CTN, art. 156). Todo o mais: lançam ento, cré d ito fiscal, decadência,
prescrição etc, é desdobramento dogmático desse conceito fundamental -
a obrigação tributária. A partir daí, o mais, inclusive a destinaçâo do tributo,
é matéria reservada a campo distinto: o Direito Financeiro.
"Obrigação trib u tá ria " pode, no estágio atual do conhecim ento
teórico, ser considerada então um conceito-chave para a ciência do Direito
Tributário, que é um desdobramento desse conceito "nuclear". Assim como
dantes, para os clássicos, dominava e predominava outro conceito-chave, o
de "fato gerador da obrigação tributária" (fato jurídico-tributário); conceito
este basilar para o desdobramento dos estudos jurídicos sobre o tributo.
Optar por um ou outro na sua recíproca demarcação é questão meramente
convencional. Depende, pois, do ponto de vista inicial de apreensão, adotado
pelos estudos tributários (as premissas). Por que no entanto estancar a
análise na estrutura do tributo, sem atenção às suas funções, ou seja, à
teleologia das categorias e institutos da dogmática no Direito Tributário?
Nada o indica e tudo contraindica. A questão das finalidades da atividade
tributária deve prevalecer.

3. Inconvenientes da opção metodológica redutora

0 primeiro e o mais grave deles - ao qual nem eu próprio escapei - é


a alienação - um fenômeno objetivo. 0 estudo da utilização dos recursos
públicos oriundos do cumprimento das obrigações tributárias é interdito ao
ju rista especializado. Problema de D ireito Financeiro, e x tra trib u tá rio ,
portanto. Com a extinção da obrigação, instaura-se uma outra e diversa
relação, a de Direito Financeiro, inexpugnável pela doutrina do Direito
Tributário. Sob esse aspecto, todo jurista que estuda o tributo será um não
especialista em Direito Financeiro. E reciprocamente: todo especialista em
Direito Financeiro será um não especialista em Direito Tributário.
Com esse paradigma redutor, a doutrina do D ireito Tributário se
demitiu do dever que lhe incumbe - hoje fundamentalíssimo - de investigar
criticamente a aplicação dos recursos públicos. Embora justamente indignada
com os desvios desses recursos, a doutrina nada pode contra essas práticas,
sendo-lhe vedado manifestar-se sobre elas. Em sentido diverso e reverso, a

262
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

doutrina deve identificar e analisar criticamente como vem sendo aplicados


tais recursos e contribuir para a utilização correta da receita tributária. Em
síntese: deve ela propugnar pela instauração de fórmulas adequadas da
gestão pública. Rastrear assim a utilização da receita tributária incumbe ao
jurista especializado. Mas, quem só o descreve e explica não pode ir além:
criticar o ordenamento jurídico-positivo.
A redução paradigmática im peditiva da análise da aplicação dos
recursos públicos corresponde a um grau superlativo de alienação no campo
tributário. Decorrente da mera e convencional consideração de que estes
seriam problemas... financeiros! Fundamentação enferma pela inocultaçâo
do germe da especialização radical e redutora. Direito Tributário e Ética
A d m in is tra tiv a são havidos como c o m p a rtim e n to s estanques,
incom unicáveis e n tre si. E ademais, a d ou trin a não a trib u i nenhuma
relevância às conexões conceituais do D ireito Tributário com o Direito
Financeiro. E, sem embargo, não é de todo estranha, para a doutrina, uma
função paranormativa (questionadora).
Com a redução conceituai se interpõe um efeito indesejado: converte-
se em letra morta, como se fora uma inutilidade balofa, um dos mais
eminentes princípios constitucionais - o da moralidade da administração
{CF, art. 37, caput). E, assim sendo, a Magna Carta não apenas admite, mas
impõe, dentre as conseqüências que dela advêm, a juridicização da moral.
Na prática, porém, é como se este dispositivo constitucional inexistisse.E
abre-se uma fenda para a consumação das mais graves ilicitudes.
Em importante estudo, Henrique Claudio de Lima Vaz denuncia tais
práticas: "A sociedade, como o indivíduo, tem seu excesso, sua hybris, que
se traduz em formas degeneradas ou perversas de politéia ou na própria
perversão do Direito" (Ética e Direito, Edições Loyola, 2002, p. 206). Politéia é
aí term o grego que significa a doutrina da lei justa.
E, no entanto, basta essa recepção constitucional das normas morais
no âmbito da administração fiscal para legitim ar as respectivas relações
interssistêmicas sobre Direito Tributário e Moral positiva. Numa época de
desvios de recursos públicos, prática de ilícitos tão escandalosos quanto
repulsivos, não há a titude mais nociva de alienação teórica do jurista
especializado em Direito Tributário.

4. Mais estragos do método de redução de complexidades

Sob o império indisputado das especializações, o aspecto econômico


do fenômeno tributário se mostra interdito ao jurista tributário. Pretende-
se que seria confundir Direito e Economia.
Com essa a titu d e re d u to ra , co ntra o pensam ento com plexo,
desconsidera-se, sob esse aspecto, um importante instrumento de justiça

263
DIRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES A T UAIS

fiscal, relacionado com a capacidade contríbutiva individual (CF, art. 145,


§12) em si um fenômeno jurídico-econômico. Não será por outra razão que,
sendo o de confisco tributário um conceito revestido de altíssimo nível da
in d e te rm in a ç ã o ju ríd ic a , e numa consideração e xtradogm atica,
p re d o m in a nte m e nte um fa to econôm ico, o ju ris ta especializado não
consegue caracterizá-lo com o rigor que a sua abordagem científica exige.
Desloca-se o problema do confisco tributário para o ato de aplicação da lei
tributária e assim o caso individual e concreto é o seu campo próprio de
eleição. Como fenômeno jurídico, o confisco tributário ainda aguarda a sua
caracterização, inobstante alguns m eritórios esforços doutrinários nesse
sentido.

5. E a questão da segurança jurídica sob perspectiva pragmática?

Sob essa perspectiva - aberta a todos nós que militamos na área


tributária - um universo em expansão desafia a argúcia de estudiosos da
m atéria. Qual é esse vastíssimo campo inexplorado? É a perspectiva
pragmática. A rigor, o seu estudo jamais foi consolidado. E estar atrasado
esse estudo não é um impedimento para o enfrentamento do desafio. É
uma razão adicional e estimulante para que ele seja enfrentado. Registre-
se duas importantes exceções brasileiras, Tércio Sampaio Ferraz e André
Folloni. São pioneiros no campo da doutrina pragmática.
Estudar a segurança jurídica, como qualquer outro tema de Direito
Tributário sob perspectiva pragmática, é uma inversão radical - a mais radical I
- de todas as inversões teóricas. Até agora a preocupação doutrinária é só
com a dogmática, dividida em semântica (o que o preceito significa) e sintaxe
(relações hierárquicas internormativas). Diante desse campo, a pragmática
é um m u n d o ju ríd ic o in v e rtid o . Porque desloca a analise jurídica da regra
abstrata de conduta para a conduta normada existencial, aqui-e-agora. A
dogmática do Direito Tributário, tradicionalmente, não abrange em geral a
pragmática. Mas ocupa-se com normas de conduta, na sua abstração. Éclássica
a lição de Hensel: a hipótese de incidência (pressuposto legal) é, como que
a imagem abstrata do concreto estado de coisas. Enquanto que a pragmática,
inversamente, volta-se para a conduta normada. É relevante assinalar que a
norma abstrata de conduta (semântica e sintaxe) não está no tem po,
enquanto a conduta normada insere-se na ordem temporal (pragmática).
Inversão mais radical, impossível. Tão radical que relativiza a pretensa
separação entre os mundos do ser {Sein) e dever-ser {Sollen); dualismo
estudado pela doutrina como se houvesse um abismo intransponível entre
ambos.
Sob perspectiva pragmática, a segurança jurídica, como sobreprincípio
constitucional tributário (CF, art. 5s, caput) deverá ser estudada na região

264
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

ôntico-jurídica da conduta concreta e não a rigor na região deôntica das


condutas normadas em abstrato (dever-ser normativo). Cabe-lhe indagar
"para que" "com o" e "a quem " vêm servindo as receitas oriundas do
cumprimento das obrigações tributárias. Esta não é uma indagação qualquer
- é a mais eminente das questões tributárias. Não mais estará o jurista
tributário condenado a assistir passivamente o desvio de receita pública,
sob alegação que é problem a de D ire ito Financeiro, ou, mais
especificada mente, de Direito Penal Financeiro. Acaso será esta a mais
relevante convocação epistemológica e a reversão m etodológica mais
im portante a exigir uma resposta no seu campo próprio de investigação
doutrinária.
Pode-se dizer que o estudo do Direito Tributário - a acatar-se as
ponderações deste breve ensaio - deverá evoluir da "estrutura à função",
tema de um belo estudo de Norberto Bobbio. Os estudos estruturais da
relação obrigacional tributária devem então - forçoso é dizê-lo - passar a
um plano a uxiliar da perspectiva fu n cio n al. Não que eles devam ser
desconsiderados - longe disso. O que eles não devem é m ostrar-se
exclusivos, como vem ocorrendo. O seu papel é o de inspiradores de novos
rumos e não objetivamente impeditivos de novos estudos {supra, 1.4).

6. Implicações da jurísdícização da moral pela CF

Há quem pretenda que a justiça é mera ideologia e não uma categoria


jurídica fundamental. Esse modo de ver, segundo o qual a justiça é um ideal
irracional, inapreensível, portanto, por uma análise dogmática rigorosa, topa
com 0 art. 37, caput, da CF. Tal crítica é, ela própria, uma ideologia avessa à
justiça e desconsidera que esta deve ser estudada, como nos ensinou o
jurista romano, no campo da arte do Direito e, pois, em termos modernos,
enquanto resultante da função tributária no ato de aplicação da norma ao
caso concreto.
E, ta m b é m , sob esse ângulo, são repudiadas as relações
intersistêmicas. Relações, p. ex., entre Direito e Moral. Mas, seria de grande
utilidade teórica, fossem analisadas essas relações entre sistemas diversos,
porém convergentes.
As relações entre Direito e Moral não devem mais ser havidas como
relações de mútua excludência. O subsistema do Direito Tributário deve ser
"aberto" e não "fechado" à moral e vice-versa, porque ambos os campos de
conhecimento - Ética e Direito - mantêm entre si relações de inclusão: a
moral deve estar contida na esfera da função administrativa tributária, por
determinação constitucional.
No âmbito da administração tributária se incluem, entre outros, os
estudos jurídicos sobre o lançamento, que é um procedimento administrativo

265
D IRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES ATUAIS

ifieri) tendente a um fato {factum), o ato conclusivo desse procedimento. É,


pois, procedimento (CTN, art. 142, caput) e ato administrativo (CTN, art.
150, caput). De toda sorte, porém, matéria de D ireito A dm inistrativo
Tributário stricto sensu. No fundamental, o lançamento deve então estar
e fe tiv a m e n te in spira do e regido pelo p rin c íp io da m o ra lid ad e da
administração fazendária.
Os aspectos administrativos da função tributária não podem assim
escapar da sua subsunçâo ao princípio da moralidade administrativa. Em tais
condições, a justiça tributária não deve ser havida, nunca, como um ideal
irracional. Mas deverá ser abordada como uma categoria fundamental do
Direito Administrativo Tributário. E sabemos, desde a nossa herança romana,
que a justiça consiste na "arte de dar a cada um o que é seu" (suum cuique
tribuere).
Não acredito mais no falso ideal - a falácia de um conhecimento
científico “ asséptico", sem emoção, impotente para manifestar oposição e
indignação diante dos desvios dos recursos públicos, que envolvem graves
atentados à Federação e à República. Não que o jurista especializado deva
abdicar da sua missão, convertendo-se num moralista. Esses recursos são
oriundos em grande parte do suor dos deserdados de benefícios sociais.
Cada vez que se consuma um desses desvios, um serviço público essencial é
preterido - disse-o com propriedade o Ministro Luis Fux. Estou firmemente
convencido que o jurista trib u tá rio , no exercício de sua cidadania e da
dignidade de sua ciência, deve até protestar contra essas práticas ilícitas e
im orais, so bretu do , não exclusivam ente, p orém , degradadas pelos
detentores de mandatos eletivos. A crítica da ilicitude tem a sua interface
no dever de denunciar atribuído ao jurista tributário. 0 STF está sinalizando
para essa direção, num dos mais relevantes julgamentos da sua história: a
ação penal 470 em que, ao ju lg a r os responsáveis p or uma ilic itu d e
superlativa, como efeito de uma consciência-de-si em atitude reflexiva, o
STF está julgando-se a si mesmo, e sendo julgado pela sociedade.
Se 0 jurista trib u tá rio a tentar para esses novos rumos abertos à
dogmática converterá ipso facto o exercício de sua profissão num autêntico
apostolado. Não há ideal mais nobre, nem mais elevado para a função
teleológica das normas fiscais e sua interpretação. Ideal de que é o legítimo
guardião quem se dedica ao estudo do Direito Tributário. E não apenas o STF
a quem é atribuída, veja-se bem, "precipuamente" (s/c), a guarda da CF (art.
102, caput). O advérbio de modo não é aí preexcludente da preocupação e
ocupação dos juristas especializados com o império da Constituição, que
determina a moralidade da administração fiscal. E, assim, a Constituição
projeta os seus efeitos para além do redutoramente normativo.
O ordenamento tributário e o ordenamento moral, sob esse aspecto,
se complementam. Tudo que é lícito, deve ser honesto (justiça tributária) e

266
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

não o contrário, como expressava em equívoco a velha parêmia: "nem tudo


que é lícito, é honesto" (injustiça tributária). Ex vi do art. 37, caput da CF,
devem então ser estudados os aspectos éticos da função administrativa -
seus caminhos e descaminhos. Conclui-se, então, que a esses aspectos da
função administrativa tributária deve corresponder um posto proeminente
na interpretação e aplicação do Direito Tributário. É a convocação mais
instigante a demandar o esforço teórico de assegurar, não uma recíproca
antinomia, mas a solidariedade entre Direito e Moral.

7. Abertura para a Política-Jurídica no Direito Tributário

Neste tópico, abre-se espaço para a consideração de que a doutrina


pragmática do Direito Tributário deve envolver e enfrentar a zetética, termo
inusual, mas rico de significados. Caracteriza a zetética ju ríd ic a o
questionamento de direito posto. 0 termo não esconde a sua vetusta origem
na antiga filosofia céptica. A atitude zetética é dubitativa, por duvidar e
indagar de todas as coisas e todas as conclusões sobre elas. A maiêutica
socrática é um dos seus mais longínquos antepassados. A zetética fornece
então um conjunto de preceitos para a resolução de problemas jurídicos,
visualizados sob o ângulo pragmático. É esse, ao cabo das contas, um método
que assenta as suas bases na inconformação teórica. Meta sem fim, mas
necessária: a busca incessante de novos conhecimentos e horizontes na
área tributária - é o que a inspira e conceitualmente a abastece.
Porque é fundam entalm ente questionante, a investigação zetética
postula também a intercessão da Política Jurídica, como a pesquisa crítica
dos fins a que vem servindo concretamente, aqui e agora, a função tributária.
Sob esse prisma, é crucial a distinção entre (a) o ato humano de
aplicação da lei tributária e normas infralegais, e (b) a norma ou, se se prefira,
o preceito abstrato, exprimindo um dever-ser em matéria tributária. A norma,
então, ingressa no sistema tributário, por um ato normado, o ato de aplicação
do Direito posto, que o jurista efetua. Aí se insinua a função zetética, a
a titu d e questionadora do ju rista . Viabilizada porque discute as várias
alternativas da aplicação de normas tributárias, dentre as quais o intérprete
e aplicador escolhe uma. Não existe, pois, uma única interpretação do
sentido normativo, a correta e verdadeira. É útil exemplificar esse ponto
com o preceito que determina sejam interpretadas em favor do consumidor
normas contratuais {Lei 8.070/90, dita de Proteção e Defesa do Consumidor,
art. 47). Se é assim, é porque estão abertas diversas a lternativas de
interpretação dessas cláusulas. Na ausência da determinação legal, seria
livre interpretar essas normas tanto a favor, quanto contra o consumidor.
Descabe transform ar normas jurídico-tributárias em normas éticas.
Porém cabe ao jurista lutar para in troduzir no ordenam ento trib u tá rio

267
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

conteúdos de eticidade, dentre as funções próprias da doutrina. Porque


esta submissão é, como visto uma exigência constitucional voltada para a
administração pública.
A abordagem da moralidade no direito administrativo tributário deve
recair sobre (i) o ordenam ento trib u tá rio como um tod o e (li) sobre as
Instituições tributárias particulares (leis e regulamentos) ou individuais (p.
ex.: lançamento), no ato de aplicação, que é ponente de normas. Na
integração da CF, cada um desses atos ingressa no ordenamento tributário
pelo modo previsto no ordenam ento ju ríd ico em seus diversos níveis
hierárquicos. Mas a CF é supraordenada e fornece-lhes o fundam ento
bastante de validação. Recorde-se a lição clássica de Seabra Fagundes:
"a d m in is tra r é aplicar de o fício a legalidade". Essa lição p e rtin e
especificamente à função tributária. Assim, o Direito Tributário posto estará
saturado com os conteúdos que lhe determinam os preceitos constitucionais
vigentes, como a exigência de praticar a justiça; de proibir as desigualdades
sociais desarrazoadas e arbitrárias; de vedação da aplicação do tributo no
caso concreto com desconsideração da capacidade contributiva individual;
de preservar a capacidade contributiva individual eventualmente afetada,
p. ex., no ato tributário confiscatório (CF, art. 150, IV); de limitação ao mínimo
da autonomia da vontade; e, sobretudo pela determinação de preservar a
liberdade. A imunidade constitucional a certos impostos (art. 150, VI) é, no
fundamental, uma técnica de preservação da liberdade. Em todas essas
atividades, normas éticas são jurídícizadas. 0 princípio de moralidade da
administração vincula, embora diversamente e cada um a seu modo, não só
o FISCO, como tam bém os contribuintes e ainda a doutrina do Direito
Tributário.
Vastíssimo o campo zetético de exercício da atividade pragmática.
Cabe-lhe identificar as atecnias na legislação que dão ensejo às fraudes
fiscais. Mas, também, demonstrar os atentados à ordem jurídica, decorrentes
da aplicação distorcida dos textos constitucionais. E, ainda, denunciar os
abusos da função regulamentar (CF., art. 84, IV, in fine). E tantas e tantas
outras funções igualmente relevantes poderiam ser assinadas à função
pra gm á tico -ze té tica . D ecerto as relações sin tática s de supra- e
infraordenação entre leis e regulamentos tributários e desvios da função
integrativa regulamentar (regulamentos ditos "autônomos", p. ex., contra a
CF, art. 84, IV) são criticados pela doutrina. Mas o exame dessas relações se
circunscreve quase sempre aos aspectos estruturais delas, com omissão da
sua função teleológica (= abstenção de interpretação pragmática).
Essas a titu d e s críticas vêm sendo praticadas aqui-e-acolá,
independentemente da consciência da sua "topografia" pragmática, por
eminentes juristas. Mas sempre estão eles submetidos a críticas redutoras
de complexidade. Sob pretexto implícito ou explícito de transbordamento

268
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

dos limites da dogmática jurídico-tributária. Essas críticas à doutrina do


Direito Tributário, no particular, são injustas e, portanto improcedem e não
devem ser prestigiadas, porque acarretam a automutilação de uma das mais
nobres missões do jurista, tão relevantes que se confunde com o fim no
Direito Tributário - primado da justiça distributiva nas relações entre FISCO
e contribuinte. A expressão retórica corrente "juiz fiscalista" é um "ferro de
madeira", uma contradição em termos e um agravo à função jurisdicional. A
interpretação a aplicação de normas fiscais não deve ser a priori nem pro
FISCO nem contra FISCO, mas em prol da lei. Como ensina a velha sabedoria
jurídica, somos escravos da lei para poder sermos livre. Que paradoxal e
bela consigna.

8. Revisítando Alfredo Augusto Becker

Na sua Teoria Geral do D ireito T rib u tá rio (1^ ed., Saraiva, São
Pauto,1963), Becker se inclina enfaticamente pelo método da redução de
complexidades. É expressão dessa tomada de posição o seguinte trecho:

" 0 problem a da separação rigorosa e n tre a Ciência das Finanças


e 0 D ireito Tributário é de im portância vital, pois o conúbio do
D ireito Tributário com a Ciência das Finanças {com o o festejado
por BENVENUTO GRIZIOTTI e seus discípulos) provoca a gestação
de um se r h íb r id o e te r a to ló g ic o ; o D ir e ito T r ib u t á r io
Invertebrado" (op. cit., ns 07}.

É preciso remontar à época em que esse livro foi escrito (hermenêutica


histórica). Até então, a dogmática era um campo praticamente inexplorado.
E m b rio n a ria m e n te estudado em manuais, com pêndios d idá tico s e
comentários a textos legais. A obra de Becker foi então um avanço doutrinário
significativo, que inspirou os estudos subsequentes do Direito Tributário
(interpretação histórico-evolutiva). Becker chegou a afirmar, numa atitude
mais reducionista ainda, que o jurista é o semântico do Direito, abstraindo
assim a própria sintaxe jurídica, integrante, também ela, dos campos da
dogmática tradicional. Mais reducionismo, impossível.
0 tempo, que é o senhor da razão, mostrou como eram improcedentes
as críticas a Grizziotti, com a intercessão posterior e aceitação crescente do
método da complexidade. Mas essa posição redutora de Becker influenciou
decisivam ente a evolução da dogmática. E acabou por acarretar uma
estagnação teórica; fenômeno que ocorre de regra nas revoluções científicas,
como a que Becker, na sua época, empreendeu.
"Expulse-se porém, o natural e ele retorna com rapidez cibernética".
Nessa mesma obra, Becker não se lim ita, malgrado ele próprio, à face
estruturalista do tributo. Nela há um longo e fundamentado capítulo (n^ V,

269
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

§§ 12 e 22) sobre a revolução social e o Direito Tributário e sobre o finalismo


extrafiscal do tributo. Para a doutrina é como se essa parte não integrasse a
obra. Como, no e n ta n to , c o n c ilia r a função d o g m á tic o -re d u to ra de
complexidade amplamente, majoritária na obra de Becker, e a aceitação
concomitante da função extrafiscal do tributo {cap. V, §22} é questão ainda
em aberto na doutrina.
Aqui se insinua uma desapercebida observação. 0 finalismo extrafiscal
do tributo é um outro nome do método funcional. Assim sendo, reintroduz-
se, no âmbito dos estudos jurídico-tributários, o paradigma da complexidade.
Sob esse ângulo de análise - curiosa observação - Becker e Grizziotti se
reconciliam.
Uma curiosa observação, porém: abandonando uma visão holística, os
juristas trib u tá rio s sempre se inspiraram - e enalteceram - a posição
estruturalista da obra de Becker, abstraindo totalmente o aspecto funcional
nela abordado. Não poderia haver exemplo mais expressivo das injunções
teóricas de método que governa a dogmática de ponta a ponta: a redução de
complexidades. 0 que não mutila a complexidade não está no mundo - dir-
se-ia, parodiando a velha processualística.
Concluo retomando e apropriando a bela metáfora: a magna missão
social do jurista é andar no meio dos homens e repartir entre eles o pão da
legalidade (= justiça distributiva, digo-o, em explicitação).

270
D IR E IT O T R IB U T Á R IO : Q U E S T Õ E S A TU AIS

O MERCADO INTERNO COMO DIREITO DA SOCIEDADE

Luiz Cláudio Silva Allemand^^^

1. Introdução

A Adm inistração Pública está, desde o fin al do século passado,


ingressando em uma nova fase, qual seja de uma coexistência pacífica
entre o administrador e o administrado, exercendo, este último, um papel
de moderador de um diálogo democrático. Essa sociedade participativa
ganhou força perante a A dm inistração Pública graças à nova ordem
constitucional.
Existe, hoje, tanto na Europa, como no Brasil, uma maior participação
e cobrança da sociedade, através de audiências públicas e das agências
reguladoras. Assim, a sociedade, pautada no constitucionalismo expandido,
tem, hoje, na Administração Pública, um instrumento para a consecução de
seus interesses.
A mudança que p e rm itiu a tra n s fo rm a ç ã o da C onstituição em
instrumento de aplicação dos conteúdos substantivos no ápice das estruturas
legais vem sendo denominada, nas doutrinas espanholas e italianas, de
neoconstitucionalismo.
Aqui no Brasil, através de Paulo Bonavides, ao longo de 20 anos, temos
nos acostumado ao term o pós-positivismo, que, nas palavras de Pietro
Sanchís, citado por Antonio Cavalcanti Maia, sintetiza que: "A Constituição já
não é mais uma norma normarum à moda de Kelsen, encarregada somente
de distribuir e organizar o poder entre os órgãos estatais, mas é uma norma
com amplo e denso conteúdo substantivo que os juizes ordinários devem
conhecer e aplicar a todo conflito jurídico".
Desta forma, o tema abordado será analisado sob essa nova vertente
que os juristas vêm concedendo à Constituição, a saber, a aplicação de
seus fundam entos subjetivos como pacificadores de uma sociedade em
constante mutação, que se organiza, bem como, exige serviços públicos
de qualidade.

™ - A d v o g a d o e m V itó r ia /E S . M e s tr e e m D ir e ito p e la U CAM /RJ, D ir e i t o d a A s s o c ia ç ã o B ra s ile ira de


D ir e ito T r i b u t á r i o (A B R ADT). P r e s id e n te d a C o m is s ã o E sp ecia l d e D ir e i t o T r i b u t á r i o d o CFOAB.
Cf- S A N C H ÍS o p u d M A I A , A n t o n i o C a v a l c a n t i. A s T r a n s f o r m a ç õ e s d o s S i s t e m a s J u r í d ic o s
C o n t e m p o r â n e o s : A p o n t a m e n t o s a c e rc a d o N e o c o n s t i t u c io n a l i s m o . R e v is to d e D ir e i t o d o E s ta d o ,
Rio d e J a n e iro , a n o 2, v.05, j a n e ir o a m a r ç o d e 2 0 0 7 , p. 244.

271
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

1.2. 0 art. 219 da Constituição de 1988

0 art. 219 da CF,%8 assim dispõe:

Capítulo IV
Da Ciência e Tecnologia
(...)

Art. 219. 0 mercado interno integra o patrim ônio nacional e será


incentivado de m odo a viabilizar o desenvolvim ento c u ltu ra l e
sócio-econôm ico, o b e m -e s ta r da p o p u la ç ã o e a a u to n o m ia
tecnológica do País, nos term os de lei federal, (grifo nosso)

Em uma primeira análise do art. 219 da CF^8 Já é possível verificar-se um


problema de cunho legislativo, visto que o conteúdo deste artigo deveria estar
inserido no Título VII, que trata da Ordem Econômica e Financeira, mais
precisamente no art. 170 e, não, no Capítulo IV, que trata da Ciência e Tecnologia.
Poderia ser dito, em uma primeira leitura, que o dispositivo versa
sobre a necessidade do Poder Público incentivar apenas o desenvolvimento
do mercado tecnológico no País, uma análise mais detida nos leva a concluir
que realmente o art. 219 da CF^8 está fora do contexto.
Assim, tentar-se-á mostrar que o art. 219 da CF^S tem grande valia,
principalmente quando associado aos arts. 1^, 3^ e 170, todos da CF^B.

2. Conceituação de mercado interno

Definir o que seja mercado interno representa um grande desafio, pois


os próprios economistas já encontram dificuldades para conceituar apenas o
que seja mercado. Entretanto, deve-se ter em mente que o termo mercado
pode ter uma definição ampla, visto existirem vários conceitos econômicos.
Assim, nesta oportunidade, convém apenas definir o que seja mercado
interno, que vem a ser um sistema de organização econômica no qual os
próprios naturais asseguram, independentemente de qualquer intervenção
do Estado ou dos monopólios, o equilíbrio permanente da oferta e da procura,
cabendo à Administração Pública cuidar para que esta entidade abstrata
seja protegida em te rritó rio nacional contra especulações, monopólios,
cartelização, planos econômicos, etc....
Tendo a Constituição elevado o mercado Interno à categoria de
patrimônio nacional, é certo que o legislador considerou sua dimensão social
"...sob a idela de que, em seu sentido puramente econômico, pode fixar
preços, mas não pode fixar valores sociais, porque este é que tem que fixar
a natureza e os limites dele"^^®.

™ Cf. DA SILVA, José A fo n s o . C o m e n tá r io s C o n t e x t u a l à C o n s titu iç ã o . 6 . Ed. M a lh e ir o s . São P a ulo;


2 0 0 9 , p. 8 2 3 .

272
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

0 mercado interno se reveste de cunho social, quando se leva em


consideração que o art. 219 da CF/^8 repulsa o estado liberal, tal qual ensina
José Afonso da Silva: "...a Constituição, considerados os fundam entos e
princípios da Ordem Econômica (art. 170), as bases da ordem social (art. 193)
e 0 mercado como patrimônio nacional, em última análise, não adotou pura
e simplesmente uma economia de mercado, mas uma economia social de
mercado, que seja compatível com o respeito e a vigência dos direitos
sociais".
Assim, cabe investigar se, diante da lição do ilustre constitucionalista,
0 mercado interno, previsto no art. 219 da CF, se adjetiva como um direito
fundamental do cidadão.

3. Direitos fundamentais

0 conceito de direito fundamental não se confunde com o norma


fundamental, pois o primeiro será sempre algo subjetivo, e pressupõe uma
norma de dire ito fundam ental que o reconheça, embora nem todas as
normas de direito fundamental reconheçam necessariamente um direito
subjetivo fundamental ou somente existam quando existente um direito
subjetivo fundamental. Por isso o conceito de norma de direito fundamental
é mais abrangente do que o de direito fundamental".^®®
Os d ire ito s fu n d a m e n ta is estão sedim entados na C onstituição
Brasileira no preâmbulo e nos arts. 19, 32 e 52, mas é certo que não se trata
de hipótese numerus clausus. A importância dos direitos fundamentais se
apresenta quando se leva em conta que "o indivíduo tem, primeiro, direitos,
e, depois, deveres perante o Estado, e que os direitos que o Estado tem em
relação ao in d iv íd u o se ordenam ao o b je tiv o de m e lh o r cuidar das
necessidades dos cidadãos".^®^
Fato marcante, que im põe breves com entários, consiste está na
evolução dos direitos fundamentais, que se iniciaram com os chamados
direitos fundamentais de 1^ geração, voltados para a prevalência do cidadão
em face ao poder dos governantes; os chamados de 2^ geração, também
chamados de sociais, por estarem ligados à justiça social; e, por fim, os de 3^
geração, que buscam a proteção não do homem isoladamente, mas de uma
coletividade, de grupos, com o objetivo de alcançar os direitos que atendam

Cf. DA SILVA, op. c it., p. 823.


Cf. JEVEAUX, G e o v a n y C a rd o s o . D ir e i t o C o n s t i t u c i o n a l - Te o ria d a C o n s titu iç ã o . Fo re n s e . Rio d e
J a n e ir o : 2 0 0 8 , p . 3 4 4 - 3 4 5 .
Cf. MENDES, G ilm a r F e rre ira , COELHO, In o c ê n c io M á r tir e s , BRANCO, P aulo G u s ta v o G o n e t. (Org.),
C urso d e D ir e i t o C o n s titu c io n a l. São P a u lo : E d ito r a S a raiva e I n s t i t u t o B ra s ilie n s e d e D ir e i t o P ú blic o
S a ra iva . São P a u lo : 2 0 0 7 , p. 2 2 3 .

273
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

a titularidade difusa ou coletiva, tais como o direito à paz, o direito ao


dese n volvim en to , à qualidade do m eio am bien te, à conservação do
patrimônio histórico e cultural.
Assim, o fato de estarem previstos na Constituição, imputa aos Poderes
Constituídos sua observância, principalmente à Administração Pública, pois
qualquer inobservância aos direitos fundam entais "to rn a nula os atos
praticados com ofensa ao sistema desses direitos".

3 .1 . O preceito do a rt. 219 se caracteriza como um d ire ito


fundamental?

0 art. 219 da CF/88 eleva o mercado interno a patrimônio nacional,


incluindo-o como bens da União por força do Inciso I, do art. 20, já que assim
foi atribuído, senão vejamos: "Capítulo II. Da União Art. 20. São bens da
Unido: I - 05 que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos;"
Como cabe à Administração Pública incentivar o mercado interno, com
o objetivo de promover o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o
bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País, já se denota a
preocupação que se tem com o social e o desenvolvimento nacional.
O art. 219 da CF^^S integra os direitos fundamentais, pois garante à
sociedade bem estar e ao desenvolvimento (preâmbulo), a dignidade da
pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (Incisos III
e IV do art. 1§ da CF/88), a garantia do desenvolvim ento nacional e a
erradicação da pobreza e a marginalização e redução das desigualdades
sociais e regionais (Incisos II e III do art. 3^ da CF^8).
Assim, fica evidente que o art. 219, mesmo deslocado do seu contexto,
pois deveria estar no Capítulo que trata da Ordem Econômica, pois além de
integrar o rol dos bens da União, também garante os direitos previstos nos
Incisos II, III e IV do art. 1? e nos Incisos II e III do art. 39, ambos da Constituição
Federal.

4. O Estado e a Ordem Econômica

Através de uma concentração de poder, o Estado exerce sobre as


pessoas e bens, d en tro do seu te rritó rio , a finalidade para a qual foi
instituído^®*^ e sua criação passa pela vontade dos membros do grupo social.

Cf, MENDES, COELHO e BRANCO (Org), op. d t . p. 223 -2 2 4.


Cf. MENDES, COELHO e BRANCO (Org), Op. Cit., p. 237.
Cf. M OREIR A NETO, D io g o d e F ig u e ire d o . C urso d e D ir e ito A d m in i s t r a t i v o . Fo re nse . 14. ed. Rio d e
J a n e ir o : 2 0 0 5 , p. 21.

274
D IR E IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

OU seja, segundo Burdeau, citado por Darcy Azambuja "o instituto social leva
ao Estado, que a razão e a vontade criam e organizam. Tendo em vista sobre
tudo os dois últimos fatores, é que Burdeau disse que o Estado é um 'artifício'
da inteligência humana".^®®
Quando organizada em Estado, a sociedade cria seu sistema de normas,
que autoriza um Poder Estatal, mas com a finalidade exclusiva de "servir aos
interesses públicos, que, também, se designa como Poder Público".^®®
Com a finalidade de propiciar o bem estar desta sociedade, foram
garantidos ao Estado poderes, direitos e limitações que estão bem
defin idos nas C o nstitu ições m odernas. A través de um a atuação
administrativa na vida econômica do Estado, a Administração Pública,
fundada na valorização do trabalho hum ano e na livre iniciativa,
assegurará a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça
social, bem como a observância dos princípios de iniciativa privada,
função social de propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor,
dentre outros listados no art. 170 da CF/88.
Deverá, a Administração Pública ainda, exercer as funções de fiscalização,
incentivo e planejamento, sendo este último instituto fator determinante para
o setor público e indicativo para o setor privado (art. 174 CF^8).
Assim, sendo o Estado uma criação do grupo social, cabe à
Administração Pública atuar para que o mesmo se desenvolva dentro de
uma economia de mercado.

5. Atuação do Estado

A sociedade espera do Estado uma atuação que traga desenvolvimento


e bem-estar, observando o princípio da eficácia^®^ Para isto, poderá se valer
do planejamento do desenvolvimento econômico e do Incentivo (art. 174
da CF); da repressão ao abuso de poder econômico (§49, do art. 173 da CF); e,
da exploração direta da atividade econômica (art. 173 da CF), todos esses,

" Cf. BURDEAU a p u d AZAMBUJA, Darcy. Teoria G e ra l d o Estado. 36. ed. G lo b o . São Paulo: 1997, p. 03.
™ Cf. MOREIR A NETO, op. c it., p. 21.
S e g u n d o C A R V A L H O F ILH O : "A E m e n d a C o n s t i t u c i o n a l nS 1 9 / 9 8 , q u e g u i n d o u a o p la n o
c o n s t it u c io n a l as re g ra s r e la tiv a s a o p r o j e t o d e r e f o r m a d o E sta d o , a c r e s c e n to u , a o c a p u t d o a rt.
3 7 , o u t r o p r in c íp io : o da e fic iê n c ia ( d e n o m in a d o d e ' q u a l id a d e d o s e r v iç o p r e s t a d o ' n o p r o j e t o da
E m e n d a ). (...) Vale a p en a o b s e rv a r, e n t r e t a n t o , q u e o p r in c íp io d a e fic iê n c ia n ã o a lc a n ç a a p e n a s os
s e rv iç o s p ú b lic o s p r e s t a d o s d ir e t a m e n t e à c o le tiv id a d e . A o c o n t r á r i o , d e v e s e r o b s e r v a d o t a m b é m
e m r e la ç ã o a o s s e r v iç o s a d m i n i s t r a t i v o s i n t e r n o s d a s p e s s o a s f e d e r a t i v a s e d as p e s s o a s a ela s
v in c u la d a s . S ig n ific a q u e a A d m in i s t r a ç ã o d e v e r e c o r r e r à m o d e r n a te c n o lo g ia e aos m é t o d o s h o je
a d o t a d o s p a ra o b t e r a q u a l id a d e t o t a l da e x e c u ç ã o das a tiv id a d e s a seu c a rg o , c r i a n d o , in c lu s iv e ,
n o v o o r g a n o g r a m a e m q u e se d e s t a q u e m as f u n ç õ e s g e r e n c ia is e a c o m p e t ê n c i a d o s a g e n te s q u e
d e v e m e x e r c ê -la s " . C ARVALHO FILHO, José d o s S a n to s . M a n u a l d e D ir e i t o A d m i n i s t r a t i v o . 19. ed.
L u m e n J u ris. Rio d e J a n e ir o : 2 0 0 8 , p. 2 3 -2 4 .

275
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

in s tru m e n to s de in terven ção do Estado na Economia, presentes na


Constituição Federai.
Entretanto, Não há mais espaço para planos econômicos milagrosos,
com apelos políticos manchados de arbitrariedades e imediatismo, mas de
planejam ento, visando "dar organicidade à intervenção, tornada esta
atividade vinculada. Fundamental se faz lembrar que o papel do Estado no
Direito Moderno é estimular o desenvolvimento da sociedade, observado o
p rin cípio da livre in icia tiva , cabendo ao Estado zelar para que esse
desenvolvimento ocorra, ainda que ele próprio tenha que exercer as ações
consideradas indispensáveis para tal fim".^®®

6. 0 Direto da Sociedade

Como exposto, uma sociedade p a rtic ip a tiv a espera que a


Administração Pública não cometa os mesmos erros do passado, quando
planos econômicos estagnaram o desenvolvimento do País, afetando a
produção industrial, a criação de empregos, a iniciativa privada etc.
Nos dias atuais, não é mais concebível tais artimanhas políticas com a
economia do País, pois, se assim se fizer, estará a Administração Pública
violando os limites impostos ao Estado, em total colisão com os direitos
fundamentais previstos na Carta Magna.

7. Conciusão

Sendo o "mercado interno" um bem da União Federal (art. 20 c/c Art.


219 da Constituição Federal), deve ser protegido para garantir os valores
fundamentais listados nos Incisos II, III e IV do art. 12 da CF^8), bem como
garantir o desenvolvimento nacional e a erradicação da pobreza (Incisos II e
III do art. 3^, ambos da CF^8).
Diante da análise sistemática do Texto Constitucional é possível afirmar-
se que uma carga tributária em patamares acima de 35% (trinta e cinco por
cento) do PIB, planos econômicos mirabolantes, inflação, corrupção e
burocracia fiscal, inobservância da Lei de Responsabilidade Fiscal e gastos
públicos elevados, sem qualquer demonstração de que o gestor público está
seguindo um Plano para o desenvolvimento da Nação, estão em rota de colisão
com a proteção que a Constituição Federal confere ao "mercado interno",
este sim, garantidor dos direitos fundamentais da sociedade participativa.

Cf. SOU TO , M a r c o s J u ru e n a V i ll e la . D ir e i t o A d m i n i s t r a t i v o d a E c o n o m ia . 3. e d . Rio d e J a n e ir o :


L u m e n Juris : 2 0 0 3 , p. 16.
* T e x to o r ig i n a l m e n t e p u b lic a d o n o v o lu m e " P r in c íp io s e L im ite s da T r ib u t a ç ã o - 2 " , c o o r d . R o b e r to
Fe rra z, São P a u lo : Q u a r t i e r L a tin , 2 0 0 9 .

276
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

DO PODER À FUNÇÃO TRIBUTÁRIA*

Marco Aurélio Greco^^^

0 tributo encontra suas raízes históricas no uso da força; espólio de


guerra e ressarcimento pelo vencido das despesas realizadas pelo vencedor
são figuras que remontam à Antiguidade e marcam a tensão inerente à
relação FISCO/contribuinte.
Esta circunstância impregna, em certa medida, a experiência tributária
dos países ocidentais que passaram a ver no trib u to a manifestação do
exercício de poder pelo Estado, visto como um aparato.
A investidura divina dada ao poder terreno do Rei contribuiu para a
concepção de distanciamento entre a estrutura estatal e os destinatários de
suas determinações.^^° Instaurou-se uma relação em que "nós" contribuintes
estávamos subm etidos a "eles" exercentes do poder como se nenhum
vínculo ou recondução à legitimidade efetiva existisse nesta fórmula.
Com as conquistas de limites ao exercício do poder de trib u ta r que
parcialmente remontam à Magna Carta^^^ e principalmente encontram no
Bill o f Rights seu diploma verdadeiramente protetivo do povo, iniciou-se a
estruturação da tributação sob o desenho de um poder não mais absoluto,
pois, embora de fato, dependia de condições para seu exercício.
Por fim, com a Revolução Francesa - e a substituição do divino, como
fonte de legitimação do poder terreno do Rei, pelo povo como base da
legitimidade - principia a modificação da relação básica que subjaz ao
fenômeno tributário. Ela deixa de ser pura relação de poder - ainda que
pendente de condições de exercício - para se tornar uma relação instaurada
debaixo do manto do denominado Estado de Direito que, por definição, é
aquele que se submete à lei, à jurisdição e garante os direitos individuais.
A partir do século XIX, crescem os esforços no sentido de sistematizar
0 arcabouço conceituai pertinente à disciplina do fenômeno tributário; não
que antes não existisse tal preocupação, nessa época apenas assume uma
conformação mais "científica" e abrangente à luz da concepção de ciência
positiva que então se difundia amplamente. Os resultados deste vetor na
direção da sistematização e do tratamento científico do fenômeno aparecem

" - A d v o g a d o e D o u t o r e m D ire ito


S obre a o r ig e m d a s e pa ra ç ã o e n t r e o Rei e a C oroa q ue está na base d o s u r g im e n t o da buro cra cia
e s ta ta l, v e ja -s e E rn st K a n t o r o w ic z , Os d o is c o r p o s d o Rei, São P a u lo : C o m p a n h ia das L e tra s , 1998.
O b tid a p e lo s b a r õ e s p a ra p r o t e g ê - lo s , e n ã o a o p o v o .

277
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES AT U AIS

claramente no século XX com o Código Tributário Alemão, a sempre crescente


produção doutrinária, a formulação de modelos de "Sistema Tributário" etc.
O Brasil, embora fisicamente distante do palco político dessa evolução,
não esteve distante dos debates teóricos sobre a tributação. Só que, neste
ponto, sofreu influências contraditórias que acabaram por ser incorporadas,
ambas, à nossa experiência e ao nosso ordenam ento positivo, a gerar
perplexidades, conflitos e impasses.
De fato, o Direito Tributário brasileiro recebeu uma forte influência
dos estudos no âmbito do Direito Constitucional. Autores de magnitude
situam o ponto de partida das discussões em matéria tributária no patamar
constitucional.^®^
Ocorre que o Direito constitucional brasileiro fo i profundam ente
influenciado pela experiência e pelo modelo americano cujo ponto de
partida é o reconhecimento dos direitos individuais como base da disciplina
gerada pelo Estado. Até historicamente, o povo (os pilgrims) existiu antes
do Estado americano que foi por eles concebido e criado a partir de suas
convicções.
Aquilo que correspondia a uma criação fru to da história vivida foi
trazido para o Brasil como se fora um modelo de disciplina "ideal". Tão
significativa foi a influência do constitucionalismo americano na estruturação
da disciplina constitucional brasileira (recorde-se a atuação de Rui Barbosa)
que 0 Decreto n. 848, de 11 de outubro de 1890, ao criar o Supremo Tribunal
Federal e d isc ip lin a r o processo no â m b ito fe d e ra l estabeleceu
categoricamente em seu artigo 386 que:

"Art. 386. Constituirão legislação subsidiaria em casos omissos


as antigas leis do processo crim ina l, civil e c o m m ercia l, não
sendo contrarias ás disposições e espirito do presente decreto.
Os estatutos dos povos cultos e especialmente os que regem as
relações jurídicas na Republica dos Estados Unidos da America
do N orte, os casos de co m m o n law e equity, serão ta m b e m
subsidiários da ju risp rudê n cia e processo federal."

Vale dizer, à falta de uma vivência concreta, buscava-se a solução das


lacunas do ordenamento brasileiro nos "estatutos... que regem as relações
jurídicas na República dos Estados Unidos da América do Norte, os casos de
common law e equity, serão também subsidiários da jurisprudência e processo
federal"!

292 V e ja -se V i c t o r Uckmar, P rincípio s c o m u n s d e D ir e ito C o n s titu c io n a l T rib u tá rio , 2^ e dição, São Paulo:
M a lh e ir o s , 1 9 9 9 , t r a d , d e M a r c o A u r é l i o G r e c o , p á g . 13. L e m b r e - s e , t a m b é m , a i m p o r t â n c i a q u e
t e v e 0 S is te m a C o n s t i t u c i o n a l T r i b u t á r i o B r a s i l e i r o d e G e r a ld o A t a l i b a , São P a u lo , R e v is ta d o s
T r i b u n a is , 1 9 6 8 .

278
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

Até mesmo colmatação de lacunas do ordenamento brasileiro pelos


fru tos da experiência norte-am ericana! Que m aior integração poderia
existir?
Esta visão oriunda do constitucionalismo americano que prestigia os
direitos e liberdades individuais retrata-se também em matéria tributária,
posto que a CF/1891 na parte dedicada à "Declaração de Direitos" {artigo 72),
além da legalidade geral {§ 15), inclui entre os direitos dos cidadãos brasileiros
a legalidade tributária, prevista no § 30 do dispositivo, nos seguintes termos:
"§ 30) Nenhum imposto de qualquer natureza poderá ser cobrado senão em
virtude de uma lei que o autorize."
Esta inserção - e neste capítulo - gera efeitos; o principal deles é dar
às limitações ao poder de trib u ta r o status de direito individual, arguível
diretamente perante o Poder Judiciário.
Ao "poder" do Estado, opunha-se um limite que se operacionalizava
através de um "direito" do cidadão contra ele exercível.^”
À vertente constitucional de inegável influência norte-americana,
justapunha-se, porém, a vertente administrativa fortem ente enraizada no
Direito Administrativo europeu. Não é o caso de estender este exame, basta
lembrar a importância que, durante décadas, tiveram as obras de Guido
Zanobini, Renato Alessi, Santi Romano, Jean Rivero, Georges Vedei e outros.
Ora, a vertente europeia continental do Direito Administrativo formou-
se à luz de uma realidade política que encontrava na figura da autoridade
real seu elemento fundamental. Daí a disseminação - quase como dogma a
ser seguido - do princípio da "supremacia" do interesse público sobre o
particular. Claro! Pois o interesse público no contexto europeu era o
interesse titularizado originariamente pelo Rei do qual foi posteriormente
investido o Estado-aparato.
Dizer que um dos princípios fundam entais é o da supremacia do
interesse público é, ademais, afirmar que ser este o critério de solução dos
eventuais impasses que envolvam o relacionamento entre cidadão e Estado
os quais serão sempre e a priori resolvidos em benefício do Estado, pois seu
interesse prevalecerá. É negar, de plano, a possibilidade de ponderação de
valores no caso concreto, da qual pode também resultar a prevalência do
interesse individual ou o coletivo da sociedade civil.
No contexto europeu, aliás, em segundo, ou terceiro plano ficava a
sociedade civil que não tinha verdadeiros direitos subjetivos oponíveis ao
Estado, mas meros interesses legítimos a que não houvesse excesso ou desvio
no exercício do poder pelo aparato estatal.

M e n c i o n o " c id a d ã o ” e n ã o " c o n t r i b u i n t e " , p o is e s te é o t e r m o u t i l i z a d o p e la C o n s t i t u i ç ã o d e


1891.

279
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Isto levou a uma certa "dupla personalidade" do D ireito Público


brasileiro que, ao mesmo tempo, prestigiou a liberdade individual no plano
constitucional e a autoridade estatal no piano administrativo.
No Direito Tributário, a dupla influência foi ainda mais nítida, pois
vinculada aos textos de autores ita lia no s (Vanoni, A.D. G iannini) ou
traduzidos para o italiano (Hensel, Blumenstein). Ler a obra dos clássicos
como Aliomar Baleeiro e Rubens Gomes de Sousa, e dos mais modernos
como Geraldo Ataliba, é suficiente para demonstrar essa influência.
Ocorre que - como mostra LUCA ANTONINP®“ - o Direito Tributário
italiano também foi formado a partir de uma fusão de tradições jurídicas: a
anglo-saxônica, que prestigia a liberdade e os direitos individuais contra o
Estado e a germânica que se apoia na ideia dos poderes do Estado em matéria
tributária.
Desta reunião de concepções e vivências do fenôm eno trib u tá rio
resultou o Direito Tributário brasileiro impregnado dessa tensão imanente
entre autoridade e liberdade; tensão que é própria do perfil do denominado
Estado de Direito que, em última análise, prestigia a autoridade que, por
sua vez, encontra lim ites apenas nas garantias deferidas à liberdade
individual. Por isso, o elemento chave da disciplina positiva corresponde ao
"poder de tributar", por sua vez submetido a "limitações".
Sublinhe-se: poder; vale dizer, expressão de a uto rid a d e , de
supremacia ao qual corresponde a posição de submissão ou sujeição
"passiva" ao seu exercício.
Isto trouxe vários desdobramentos.
O principal deles está na circunstância de o poder se legitimar pela
investidura, vale dizer, pelo processo que antecede a sua atribuição a, ou
sua conquista por, alguém. Legítima a investidura, o exercício passa a estar
protegido contra impugnações. Passa a ser incontrastável, salvo excesso,
abuso ou desvio.
Daí a amplitude do debate desenvolvido em relação à competência
tributária, pois corresponde à área dentro da qual o poder será exercido.
Neste campo, são detectadas duas posturas distintas: de um lado, o
Poder Público procura amplíá-la, basicamente via alterações legislativas,
pois esta é que dá legitimidade ao exercício do poder; em menor número de
vezes as tentativas de ampliação se dão via interpretação do direito posto.
A estratégia de produzir alterações legislativas surte efeito, basta ver
o número de novos instrumentos de proteção ao crédito tributário surgidos
nos últimos anos (cautelar fiscal, arrolamento, CADIN, penhora on line etc.)

D o v e r e t r i b u t á r i o , in te re s s e f i s c a le e d i r i t t i c o s titu z io n a li, G lu ffr è , M ila n o , 1996.

280
DIRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES AT U AIS

que tra nsfo rm a ra m a legalidade - o rig in a lm e n te um in stru m e n to de


libertação do cidadão - em verdadeiro instrumento de sua dominação.
Por outro lado, focar o debate na ideia de poder levou os contribuintes
a adotarem apenas uma estratégia de bloqueio aplicada no momento da
produção de novas modificações legislativas ou através do recurso ao Poder
Judiciário.
A estratégia de bloqueio à produção legislativa raras vezes surge
(lembro da reação à MP-66, à denominada MP do Bem e mais recentemente
à prorrogação da CPMF). Por sua vez, o recurso ao Poder Judiciário, à parte a
sua natural pulverização (salvo casos específicos em que pode caber uma
Ação Direta de Inconstitucionalidade), submete-se ao tempo próprio dessa
discussão.
Vale dizer, as estratégias de ampliação acabam tendo maior eficácia
prática do que as de bloqueio.
De fato, a estratégia de bloqueio - salvo o caso da CPMF - em nada
c o n trib u i para a lte ra r a situação e x is te n te ; ao c o n trá rio , b loquear
modificações é assegurar a manutenção do stotus quo. Além disso, ela,
paradoxalmente, reforça a ideia de "p o d e r" pois, se a estratégia não se
revelar eficaz e a alteração legislativa ocorrer, a m odificação estará
legitim ada, pois subm etida ao crivo dos que a ela se opunham e ao
julgamento no âmbito do processo político pertinente.
Mais do que isso, a mera estratégia de bloqueio deixa na penumbra
aquilo que - ao lado das condições jurídicas para a cobrança de tributo - de
mais importante existe, qual seja a destinação do respectivo produto da
arrecadação.
De fato, se o núcleo da tributação é o poder de exigir, uma vez que
esteja legitimado pela lei, então se encerra o debate tributário, posto que a
destinação estaria fora do objeto a considerar.
Isto leva à paradoxal constatação de que focar o debate tributário
apenas nas condições e limites da instituição e cobrança de tributos - vale
dizer, tratá-lo exclusivamente como fenômeno de poder - é exatamente
fazer o "jogo do poder", pois centra o debate nos pressupostos de exercício
que, uma vez superados, deixam livre o titular do poder para exercê-lo dentro
de uma amplitude cada vez maior.
Assim, os debates sobre competência e suas diversas formatações,
sobre as limitações constitucionais, sobre a capacidade contributiva vista
apenas como limite etc, embora importantes, acabam por reforçar o poder
tornando-o sempre mais aparelhado juridicamente.

" Veja-se o m e u Três p a p é is d a le g a lid a d e tr i b u t á r i a , n o v o lu m e "L e g a lid a d e e t i p ic i d a d e n o D ir e ito


T r i b u t á r io " , c o o r d . R ic a rd o Lodi R ib e ir o e S é rgio A n d r é R ocha, São P aulo; Q u a r t i e r L a tin , 2 0 0 8 , pág.
101 e segs.

281
D IREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Esta visão encontrou seara fértil no período que vai de 1964 a 1988 em
que o contexto político praticamente impedia o debate substancial {sobre
isonomia, disparidades sociais etc.) e em que se desenvolveu uma teoria
jurídica positivo-normativista (talvez a única viável à época) que foi eficaz
como instrumento de proteção do contribuinte no bloqueio das investidas
do FISCO, mas que pouco acrescentou quanto às diretrizes positivas a serem
seguidas pela tributação.
Neste campo, a Constituição de 1988 não foi mero rearranjo de
dispositivos; ao revés, tro u x e alteração no p ró p rio fu n d a m e n to
constitucional da tributação.
De fato, na CF/^7 o fundam ento da tributação era o poder de que
investido o Estado. Poder juridicizado, mas sempre poder.
Na CF/88, 0 Estado surge como criatura da sociedade civil para que
atue na direção do atendimento às prioridades e objetivos por ela definidos
no próprio texto constitucional. Vale dizer, o Estado é criado pela sociedade
civil para servi-la.
Como tal, 0 Estado não está originariamente investido de poder; ao
revés, a ele é originariamente atribuída uma função que se qualifica como
atividade de busca de objetivos no Interesse de outrem {a sociedade civil).
Isto altera o fundamento último da tributação, que passa a ser a ideia
de solidariedade ou coesão social a partir da qual se identificam os objetivos
buscados e à luz dos quais encontrará espaço a cobrança de tributos. A razão
da criação de trib u to s não é mais o mero poder do Estado (por vezes,
disfarçado no debate sobre capacidade contributiva), mas como ensina com
precisão CLAUDIO SACCHETTO ao examinar o conceito de tributo: "The useful
and essential definition o f tax revealed by its groundings could be as a
fulfillment of a civic duty of cohesion expressed by the contribution to the
public expenses on the basis of a person's ability to pay".^®’
Note-se que o fundamento do trib u to é o dever social ou cívico de
solidariedade que se atende pelo ato de contribuir para as despesas públicas
de acordo com a capacidade contributiva manifestada. Fundamento não é o
poder do Estado, mas a situação de convívio em sociedade que faz nascer o
dever de solidariedade.
Isto, aliás, está em sintonia com a formulação do artigo 19 da CF/88
que consagra um Estado Democrático de Direito; vale dizer, não um Estado
de Direito (apenas protetivo dos valores individuais), mas também um Estado

V id e 0 P r e â m b u lo da CF/88 e seus a r tig o s i s e 3^. A re s p e ito , ve ja -s e o m e u S o lid a r ie d a d e s o c ia l


e tr ib u t a ç ã o , n o v o lu m e d e m e s m o n o m e q u e c o o r d e n e i c o m M a r c ia n o Seabra d e G o d ó i, São Paulo:
D ia lé tic a , 2 0 0 5 .
The n o t io n o f t a x a n d th e p r in c ip le o f c o h e s io n ~ th e It a lia n p e rs p e c tiv e , e m " T h e c o n c e p t o f ta x "
EATLP In t e r n a t i o n a l Tax S erie s v o lu m e 3, 2 0 0 5 , c o o r d . B r u n o Pe te rs, p. 325.

282
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Democrático, modificador da realidade que procura reduzir as desigualdades.


É, da mesma forma, a diretriz que emana do seu artigo 3?, I que aponta como
primeiro objetivo do Brasil a construção de uma sociedade não só livre, nem
apenas solidária, mas que reúna ambos os valores como condição para ser
justa.
Dizer que o Estado está investido de uma função de tributar ao invés de
um poder de fazê-lo, não é conclusão meramente teórica. As conseqüências
práticas são imensas como procurei exemplificar no texto de 2005 mencionado
em rodapé. Retomo algumas delas e ressalto outras que se acrescem, por
dizerem respeito mais diretamente ao tema aqui examinado.
A primeira é a de que a função - diversamente do poder - não se
legitima pela investidura, mas pelo desempenho. Vale dizer, seu corolário é
existir um controle sobre a efetiva aplicação dos recursos arrecadados, não
apenas em te rm o s de destinação, mas inclusive de eficiência e
economicidade da aplicação à luz das políticas públicas a serem por eles
atendidos. Controlar a aplicação do produto da arrecadação, mais do que
instrumento de proteção do contribuinte é mecanismo de controle sobre o
modo pelo qual está sendo desempenhada a função tributária.
A segunda é a de que a tributação não se resolve por si e em si; a
tributação, em especial (por dizer respeito ao financiamento do Estado)
deve estar em sintonia com os objetivos constitucionais e ser adequada
(co m p atíve l) com a realidade à qual se aplica. 0 c o n tro le de
constitucionalidade das exigências tributárias não deve dar-se apenas das
perspectivas formal e material, mas principalmente das substancial (valores)
e funcional (objetivos).
A terceira é a de que o Interesse arrecadatório e os poderes da
fiscalização - que emanam do capítulo do Sistema Tributário e, inclusive do
§ 15 do artigo 145 da CF/S8 - é um interesse secundário, dependente do
interesse prim ário consistente na busca do a tingim ento dos objetivos
constitucionais. Exigência tributária que conflite com os objetivos do artigo
3- ou implique em retrocesso na sua busca é tão inconstitucional quanto
cobrança sem lei ou retroativa.
A quarta é a de que a instituição, a permanência da cobrança do tributo,
bem como a aplicação dos respectivos recursos, devem estar em sintonia
com as políticas públicas que justificaram sua criação. Vale dizer, o debate
trib u tá rio - posto que focado no desempenho de uma função - supõe
necessariam ente a inserção da exigência pecuniária no â m b ito dos
instrumentos para o atendimento a certa política pública, consagrada no
Plano Plurianual o qual deve te r coerência com a plataform a eleitoral
escolhida democraticamente pela via eleitoral.
A quinta é a de que o debate tributário, mais do que debate meramente
técnico, é debate predominantemente cívico; contribuir para as despesas

283
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT U AIS

públicas é desdobramento da cidadania em sentido amplo (não apenas no


sentido de votar e ser votado), mas vista da perspectiva da solidariedade
social.
Outras conseqüências - relevantes - certamente existem e podem
ser lembradas, desde que se aprofunde a análise a partir da perspectiva
funcional.
Em suma, um dos principais passos que vejo a serem dados na direção
da busca do equilíbrio da relação FISCO/contribuinte atualmente no Brasil,
é ultrapassar a ideia de trib u to como expressão de manifestação de um
poder, para evoluir na direção do reconhecimento de que o núcleo do
fenômeno tributário está em conceber a tributação como exercício de uma
atividade no desempenho de uma função, pois isto implicará deslocar a
sociedade civil de mera destinatária e submetida ao poder form al, para
assumir o papel de protagonista positiva do direcionamento a im prim ir a
esta função.
Além de tud o , esta mudança de perspectiva poderá c o n trib u ir
firm em e n te para a mudança do perfil que a legalidade trib u tá ria vem
a presentando e tra n s fo rm á -la de in s tru m e n to de dom inação em
instrumento de emancipação da sociedade civil no âmbito tributário.

284
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

EFETIVAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E A ESCASSEZ DE


RECURSOS FINANCEIROS

Maria de Fátima Ribeiro” ®

RESUMO

o orça m e nto éo principal in strum e n to de realização de políticas públicas. Assim, a


finalidade do Estado, ao o b te r recursos, para em seguida gastá-los sob a fo rm a de
obras, prestação de serviços, ou qualquer outra política pública, é a de realizar os
objetivos fundam entais da Constituição Federal. D entre estes objetivos, destaca-se
o da dignidade da pessoa humana, cujo lim ite de partida será sem pre o m ínim o
existencial, e que ao mesmo te m p o vem d elim ita d o em linhas gerais pelos princípios
constitucionais e pelos d ireitos e garantias individuais e coletivos. Será avaliada a
necessidade da atuação do Poder Judiciário, garantindo a aplicabilidade do princípio
da separação dos poderes, e, ao mesmo tem po , prom oven d o a efetivação dos direitos
fundam entais através de decisões judiciais. Havendo necessidade dessa atuação, é
de se v e rific a r q uais os p a râ m e tro s de c o n tr o le a se re m o b s e rv a d o s e co m o
o peracionaliza-los, de m o d o a o b te r uma e fe tiv id a d e dos d ire ito s que exigem a
prestação de serviço ou de a te n dim en to público, sem perder de vista os contornos
con stitu cio n ais. A realização do m ín im o existencial não pode d e p e n d e r de uma
discricionariedade dos Poderes Executivo e Legislativo, c o m p ro m e te n d o recursos
financeiros para atender algumas áreas em d e trim e n to de outras mais essenciais.

Palavras-Chave: O rçam ento público; Políticas públicas; Recursos financeiros.

1. Introdução

0 debate em torno da efetividade das políticas públicas que visam


garantir os direitos fundamentais preconizados pela Carta Constitucional
ainda demanda discussões doutrinárias e principalmente a apreciação desses
d ireitos pelo Poder Judiciário, que fre q u e n te m e n te é provocado para
manifestar sobre a liberação de recursos públicos. Com isso, é necessário
v e rific a r a possib ilida d e de aplicar os d ispo sitivo s c o n s titu cio na is
pertinentes, com vistas às ações do Estado, deliberadamente em políticas
públicas, considerando a costumeira escassez de recursos.
O Estado moderno necessita cada vez mais recursos financeiros para
atender às necessidades coletivas. Tais despesas integram o orçamento

™ - D o u to ra e m D ire ito T r ib u t á r io pela PUC/SP, Professora e C o o r d e n a d o ra d o P ro gra m a d e M e s tra d o


e m D ir e ito d a U N IM A R - U n iv e r s id a d e d e M a r íiia - SP

285
DiR E IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT U AIS

público. 0 orçamento não é um mero documento contábil e administrativo.


Ele deve considerar o interesse da sociedade. Assim sendo, o orçamento
deve refletir um plano de ação governamental. Diversas são as diretrizes,
tanto constitucionais quanto infraconstitucionais para orientar a realização
e execução do orçamento público.
A destinação e os valores que serão utilizados para a implementação
dos serviços públicos, dependem de decisão política quando da elaboração
do orçamento público. Neste contexto há que se falar no desenvolvimento de
políticas públicas, antes, porém, a sua inclusão no orçamento. É o Estado que
elege quais despesas pretende realizar e suas respectivas prioridades. Há
então o controle quanto aos gastos públicos que o Estado deve realizar nos
termos da legislação aplicável, sob pena de nulidade da despesa realizada.
A Constituição Federal de 1988 é considerada como uma das Cartas
mais avançadas em matéria de proteção dos direitos fundamentais. Então, a
questão que se apresenta é a de saber quais as prioridades a serem adotadas
no momento da definição e da execução dos gastos públicos. Posteriormente,
poderá ser avaliada a necessidade da atuação do Poder Judiciário, garantido
a aplicabilidade do princípio da separação dos poderes, e, ao mesmo tempo,
promovendo a efetivação dos direitos fundamentais através de decisões
judiciais. Havendo necessidade dessa atuação, é de se verificar quais os
parâmetros de controle a serem observados e como operacionalizá-los, de
modo a obter uma efetividade dos direitos que exigem a prestação de serviço
ou de atendimento público, sem perder de vista os contornos constitucionais.
Devem ser considerados tam bém os objetivos e os valores
fundamentais da República, estatuídos no art. 39 da Constituição Federal bem
como os limites constitucionais que são representados pelos valores, objetivos
fundamentais da República e programas trazidos pelo texto constitucional,
conforme estão demonstrados: I - construir uma sociedade livre, justa e
solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras formas de discriminação. Todos estes objetivos fundamentais devem
ser observados pelo Poder Público, notadamente pela edição de normas e
demais comandos para o seu atendim ento por meio do planejamento e
consequentemente nos orçamentos de cada ente político da Federação.
Ao comentar sobre as limitações aos gastos públicos, Scaff^^ pontifica
que estes também podem ser materiais, pois o uso de recursos públicos
deve se dar de forma a permitir que os objetivos estabelecidos no Art. 3 ^ da
Constituição sejam alcançados. Scaff^°°, citando Roberto Alexy, destacou: é

™ - SCAFF, F e rn an d o Facury. Reserva d o Possível, M í n i m o Existe ncia l e D ire ito s l-iu m a no s in D ir e ito e
Justiça - Refle xões Ju ríd ica s. Tem as d e D ir e i t o E c o n ô m ic o e T r ib u t á r io . (O rg. A s tr id H e r in g e r e t ali).
Ed. U ri, A n o 5, nS 8, ju rílio /2 0 0 6 , p. 152.
- Id. Ib id e m .

286
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

imprescindível que sejam realizados gastos públicos em direitos fundamentais


sociais, a fim de permitir que as pessoas possam exercer sua liberdade jurídica
obtendo condições de exercer sua liberdade real. Assim, os gastos públicos
não perm item que o legislador, e m ulto menos o administrador, realize
gastos de acordo com suas livre consciência, de forma desvinculada aos
objetivos estatuídos no Artigo 3^ da Constituição Federal.
Para a implementação dos direitos fundamentais, é de se verificar a
questão orçam entária, em que medida há disponibilidade de recursos
públicos para custear os direitos sociais. Com a distribuição das competências,
a Constituição Federal estabelece quais são as fontes de receita da União,
dos Estados, Distrito Federal e dos Municípios, bem como a repartição da
receita entre os respectivos entes políticos da Federação. O próprio legislador
constitucional indicou algumas situações (com finalidades específicas) cuja
receita deverá estar vinculada e comprometida, devendo o gestor público
se ater a elas, sob pena de Improbidade administrativa.

2. O Orçamento Público: Questões Relevantes

Integram o orçamento da administração pública todas as previsões de


receitas quanto às despesas que serão realizadas, conforme dispõe a Lei
4.320/64 que estatui as Normas Gerais de Direito Financeiro para elaboração
e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios
e do Distrito Federal.
As receitas públicas correspondem aos ingressos, procedentes da
arrecadação de tributos ou de outras fontes e são destinadas à satisfação
das necessidades públicas, mantidas pelo Estado. Para Aliomar Baleelro^°\
a receita pública é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem
quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer
0 seu vulto, como elemento novo e positivo.
A Despesa Pública, por sua vez, é o conjunto dos dispêndios do Estado,
ou de outra pessoa de direito público, para o funcionamento dos serviços
p ú b l i c o s . Em face do princípio da legalidade da despesa pública, ao
administrador público é imposta a obrigação de observar as autorizações e
lim ite s constantes nas leis orça m en tá ria s. Sob pena de crim e de

™ - BALEEIRO, A lio m a r. U m a In tr o d u ç ã o à Ciência d a s Finanças. Rio de Ja ne iro: Forense, 2004


3“ - Parágrafos 52, 69 e d o A r t. 165, A rts . 1 6 7 e 169 e incisos V a IX d o a rt. 52. As despesas públicas
devem se r le g a lm e n te a u to riz a d a s p e lo C o n g re s s o N a c i o n a l , q u a n d o d a a p r o v a ç ã o d a le i
o r ç a m e n t á r i a , c o n f o r m e d e p r e e n d e o t e x t o c o n s t it u c io n a l .
™ - BALEEIRO, A lio m a r. U m a In tr o d u ç ã o ò C iência d a s Finanças. Rio d e Ja n e iro : Forense, 2 00 4 , p. 73.
- BALEEIRO, A l io m a r U m a In tr o d u ç ã o à Ciência d a s Finanças. Rio de J a n e iro : Forense, 20
" - SILVA, José A fo n s o da. Curso d e D ir e ito C o n s titu c io n a l Positivo, São Paulo: M a lh e iro s , 2010, p. 703.

287
D IRE ITO T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES AT U AIS

responsabilidade previsto pelo art. 85, VI da Constituição Federal, é vedado


ao administrador realizar qualquer despesa sem previsão orçamentária, nos
termos do art. 167, inciso II.
Na Constituição Federal, o orçamento está previsto no art. 165, assim
disposto: Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I - o plano
plurianual; II - as diretrizes orçamentárias; II) - os orçamentos anuais. 0
parágrafo 1® ressalta que a lei que instituir o plano plurianual estabelecerá,
de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração
pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para
as relativas aos programas de duração continuada. Já a lei de diretrizes
orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração
pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro
subsequente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre
as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação
das agências financeiras oficiais de fomento, como está disposto no parágrafo
25 do referido Artigo.
O parágrafo 4^, consequentem ente, estabelece que os planos e
programas nacionais, regionais e setoriais previstos na Constituição Federal
serão elaborados em consonância com o plano plurianual e apreciados pelo
Congresso Nacional.
A lei orçamentária anual, como determina o parágrafo 59 do Art. 165
da Constituição Federal compreenderá:

I - o o rç a m e n to fiscal re fe re n te aos Poderes da União, seus


fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta,
inclusive fundações instituídas e m antidas pelo Poder Público;
II - 0 orçam ento de investim ento das empresas em que a União,
d ire ta ou in d ire ta m e n te , de te n h a a m aioria do capital social
com dire ito a voto;
III - o o rç a m e n to da seguridade social, abrangendo to d a s as
entidades e órgãos a ela vinculados, da adm inistração direta
ou in d ire ta , bem co m o os fu n d o s e fu ndações in s titu íd o s e
m antidos pelo Poder Público.

0 projeto de lei orçamentária será acompanhado de demonstrativo


regionalizado do efeito, sobre as receitas e despesas, decorrente de isenções,
anistias, remissões, subsídios e benefícios de natureza financeira, tributária
e creditícia {§ 6^ do art. 165 da Constituição Federal).
Os orçam entos p revistos no § 59, | e I) do a rt. 165 da Carta
Constitucional, compatibilizados com o plano plurianual, terão entre suas
funções a de reduzir desigualdades inter-re gion ais, segundo c rité rio
populacional. Referido destaque é relevante para analisar este conteúdo
juntamente com o artigo 3^, bem como com o artigo 170 da Constituição

288
D IR E IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

Federal que estabelece os objetivos fundamentais da República e os princípios


e fundamentos da ordem econômica. Com isso, a Constituição Federal, oferece
todas as diretrizes para a elaboração, execução e controle do orçamento do
Governo Federal. De igual modo, tais parâmetros são estabelecidos nas
Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas dos Municípios.
Aliomar Baleeiro conceitua orçamento como o ato pelo qual o Poder
legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por certo período e em
pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e
outros fins adotados peia política econômica ou geral do país, assim como a
arrecadação das receitas já criadas em lei.^°^
Já, José Afonso da Silva destaca que o orçamento é o processo, é o
conjunto integrado de documentos pelos quais se elaboram, se expressam,
se aprovam, se executam e se avaliam os planos e programas de obras,
serviços e encargos governamentais, com estimativa de receita e fixação das
despesas de cada exercício financeiroJ°^
Desta fo rm a , o o rç a m e n to deverá p re ver as políticas públicas
constituídas com a finalidade de atender os ditames constitucionais.
0 Art. 22 da Lei 4.320^4, estabelece que a Lei do Orçamento deverá
conter a discriminação da receita e despesa de forma a evidenciar a política
econômica financeira e o programa de trabalho do Governo, obedecidos os
princípios de unidade universalidade e anualidade. 0 Art. 39 destaca que a
Lei de Orçamentos compreenderá todas as receitas, inclusive as de operações
de c ré d ito autorizadas em lê. 0 A rt. 4® enaltece que re fe rid a lei
compreenderá todas as despesas próprias dos órgãos do Governo e da
administração centralizada, ou que, por intermédio deles se devam realizar,
observado o disposto no artigo 22.
0 orçamento é o principal instrum ento de realização de políticas
públicas. Assim, a finalidade do Estado, ao obter recursos, para em seguida
gastá-los sob a forma de obras, prestação de serviços, ou qualquer outra
política pública, é a de realizar os objetivos fundamentais da Constituição
Federal. Dentre estes objetivos, destaca-se o da dignidade da pessoa
humana, cujo limite de partida será sempre o mínimo existencial, e que ao
mesmo te m p o vem d e lim ita d o em linhas gerais pelos princípios
constitucionais e pelos direitos e garantias individuais e coletivos.

^ - LEAL, R ogério Gesta. 0 c o n tr o le ju r is d ic io n a l d e políticas púb lic a s n o Brasil: p os s ibilidades m ateria is.
In: SARLET, tngo Vlfol%ang (Org.). Jurisdição e dire ito s fu n d a m e n ta is . A n u á rio 2 0 0 4 2 0 0 5 da Escola Superior
da M a g is tra tu r a d o Rio G ra n de d o Sul - Ajuris. P o rto A legre: Livraria d o A d v o g a d o , 2006, p. 177.
- Cf. 0 In c XXIII d o a r t . 8 4 d a C o n s t i t u i ç ã o F e d e r a l: C o m p e te p r i v a t i v a m e n t e a o P r e s id e n te d a
R e p ú b lic a : e n v ia r a o C o n g re s s o N a c io n a l o p la n o p lu r ia n u a l, o p r o j e t o d e le i d e d ire tr iz e s
o r ç a m e n t á r ia s e a s p r o p o s ta s d e o r ç a m e n t o s p r e v is to s n e s t a C o n s titu iç ã o .
- PISCITELLI, R o b e r t o B o c a c c io e t a l. C o n t a b i li d a d e p ú b l ic a : u m a a b o r d a g e m d a a d m i n is t r a ç ã o
fi n a n c e i r a p ú b lic a . 8^ e d . São P a u lo ; A tla s , 2 .0 0 4 , p . 1 8/20.

289
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES AT U AIS

É no orçamento-programa que o Governo^'^^ estabelece sua política


com previsões de despesas e respectivas receitas. Tem-se, entõo que afunçõo
de traçar as políticas públicas é de iriiciativa do Poder Executivo, com a
aprovação do Poder Legislativo na elaboração orçamentária, para posterior
aprovação pefo Congresso Nacional, em se tratando do orçamento federal.
A Constituição Federal incluiu o orçamento público como importante
instrumento de governo, tanto para o desenvolvimento econômico quanto
para o desenvolvimento social e político. Destacou, para tanto, a necessidade
de aprovação de três leis, sendo: a Lei do Plano Plurianual (PPA) nos termos
do A r t 165, § 4^, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) como dita o Art. 166,
§ 4S e a Lei Orçamentária A nual (LOA). Todos os planos e programas
governamentais devem estar em harmonia com o plano plurianual e a LDO
deverá estar em harmonia com o PPA.
Deve ser demonstrado pela Administração Pública que os objetivos
constitucionalmente estabelecidos (A rt 3^) foram previstos no planejamento
orçamentário, pois a Constituição cuidou de direcionar a conduta do legislador
e do administrador, impondo diretrizes a serem necessariamente cumpridas.
Portanto, a discricionariedade da Administração indica o modo como irá
concretizar os objetivos da República, não devendo ser confundido com ampla
liberdade, conforme enfatiza Piscitelli^^^:

Seja na produção e fo rn e cim e n to de bens e serviços públicos, seja


atuando nas clássicas funções tendentes a prom over o crescimento,
a redistribuiçõo e a estabilização, o Estado é o agente fu n d a m e n ta l
que, p o r m eio de diferentes políticas, pode in te rfe rir decisivamente
na atividade econômica de q u alq uer país.

Acrescenta, que por tais razões é que afunçõo orçamentária e financeira


da Administração Pública é tao importante. Em países em que já se adquiriu
a consciência p o lític a de sua relevância em todas as atividades
governamentais, os cidadãos e as instituições participam mais ativamente
do processo de alocação e utilização dos recursos públicos.
Ao tratar da Lei Orçamentária anual, confirma o autor^°® que:

- Id . Ib id e m , p . 1 ^ 2 0 ,
A M A R A L , G u s ta v o ; M ELO, D a n ie lle . H á d ir e ito s a c im a d os o r ç a m e n to s ? In S a rle t, In g o W o lfg a n g .
T I M M , L u cia n o B e n e t ti (O rg .). D ir e ito s f u n d a m e n t a is , o r ç a m e n t o e re s e rv a d o p ossíve l. P o r to A leg re :
L iv ra r ia d o A d v o g a d o , 2 0 0 8 , p . 102.
A M A R A L, G u sta vo ; MELO, D an ie lle . H á d ir e ito s a c im a d o s o r ç a m e n to s ? O b ra c it. pág. 102. N ão se
q u e r d iz e r q u e a p a r t i r de u m p a t a m a r m o n e t á r io o d ir e i t o m u d e , m a s q u e n e c e s s id a d e s e
p o s s ib ilid a d e s d e v e m s e r p o n d e r a d a s e q u e essa p o n d e r a ç ã o d e v e o c o r r e r p r e f e r e n c i a l m e n t e no
c a m p o d o c o n t r o l e d as e s c o lh a s p ú b lic a s , na a t i v i d a d e o r ç a m e n t á r i a , s e g u n d o o s a u t o r e s .

290
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

(...] essa lei, com base nas e stim a tiv a s e autorização para a
o b te n ç ã o de re c e ita s , fix a , a té o e n c e rra m e n to da sessão
le g is la tiv a , os g a stos p a ra o e x e rc íc io s e g u in te . Este é o
c a le n d á r io p r e v is to , t u d o d e n t r o de um a p e rs p e c tiv a de
plan e ja m e n to a m édio prazo, com planos plurianual nacionais,
regionais e setoriais. E que o planejam ento é uma fo rm a de a
sociedade, po r m eio de seus representantes e instituições, aferir
suas potencialidades e limitações, coordenando seus recursos
e esforços para realizar, por inte rm éd io das estruturas do Estado,
as açõ e s n e c e s s á ria s ao a t i n g im e n t o [s ic ] dos o b je t iv o s
n a cio n ais.

Portanto, é irrecusável a tarefa de identificar e avaliar a direção e o


papel do Estado, a gestão dos recursos e a destinação final do gasto público.
É preciso conquistar o orçamento, torná-lo, de fato e de direito, o que
ele deveria ser, é o que assegura Gustavo AmaraP^°, ao salientar que é o
momento máximo da cidadania, em que as escolhas públicas são feitas e
controladas. A experiência brasileira, contudo, é antiorçam entária, não
apenas pela hipertrofia do Executivo, mas pela própria desconfiança quanto
ao orçamento. Destaca que a realidade brasileira é a de progressiva vinculação
de recursos para os mais variados fins. Há, portanto, um longo caminho a
percorrer. Ele depende, c o n tu d o , que não se tenha como "d ire ito
fundam ental incontrastável com questões menores" como as finanças
públicas e o fornecimento de todo e qualquer medicamento.
E, nesse contexto, destaca-se que o orçamento é o palco no qual
devem estar explicitadas as políticas públicas de um Estado em um
determ inado m om ento. E, nele, o Estado, conjuntam ente as funções
Executiva e Legislativa devem se fazer presente via processo orçamentário,
desde a elaboração do plano plurianual, passando pela lei de diretrizes
orçamentárias, e com a lei orçamentária anual.
O Poder Ju diciário deve, exercer seu papel c o n s titu c io n a l de
julgamento das políticas públicas no sentido de implementação gradual dos

- PISCITELLI, R uy M a g a lh ã e s . A D ig n id a d e d a Pessoa e os L im ite s a e la im p o s to s p e la re s e rv a d o


p o s s í v e l. In h ttp ://w w w íl.tjr s .ju s b r /in s titu /c _ e s tu d o s /d o u tr in a /D ig n id a d e _ d a _ p e s s o a .d o c
(a c e s s o e m 1 9 / 1 2 / 2 0 1 0 ) . D e s ta c a o a u t o r : M a s , p a ra is s o , n o d ia - a - d i a d o s f o r o s , d e v e r i a m os
M a g is tr a d o s a t e n t a r p a ra a e x e c u ç ã o o r ç a m e n t á r ia e a r e s e r v a d o p o s s ív e l, p o n d e r a n d o a g a r a n tia
a o m í n i m o e x is t e n c ia l, d e s d e q u e c o m p r e v is ã o o r ç a m e n t á r ia , c o m as n e c e s s id a d e s i li m i t a d a s de
t o d a a c o le t i v i d a d e , c o n f o r m e o p ç õ e s f e i t a s p r e v i a m e n t e n a q u e la p e ç a , q u e d e v e r i a s e r a m a is
im p o r t a n t e g a r a n tia cid a d ã d e c o n c r e ç ã o d e d ir e ito s . L íc ito a o M a g is tr a d o , e m acaso n ã o h a v e n d o
d o t a ç ã o e e x e c u ç ã o o r ç a m e n t á r ia , aí sim , a p r o v is ã o p o r a t o ju r i s d t c i o n a l d a e fe tiv a ç ã o d o d ir e i t o
f u n d a m e n t a l o ra b u s c a d o . A n ã o s e r a s s im , p e n s a m o s q u e o J u d ic iá r io n ã o s ó e s ta r ia a s s u m in d o
a ta re fa do le g is la d o r e d o a d m in is t r a d o r (o q u e não d e ve o c o rre r), m a s p e r d e n d o su a
im p a r c i a l i d a d e p a r a j u l g a m e n t o d e e v e n t u a l p o l í t ic a p ú b l ic a .
- OLIVEIRA, Régis F e rn a n d e s d e . C urso d e D ir e i t o F in a n c e iro . São P a u lo : RT, 2 0 0 6 , p . 4 0 4 .

291
DIRE ITO T R IB U T Á R IO ; QUESTÕ ES AT U AtS

direitos fundam entais à prestação e de garantia da dignidade humana,


alcançando o bem da vida àqueles que lhe s o c o rre re m .E s ta é uma questão
polêmica que requer cuidadosa análise.
Embora, sendo objeto de apreciação no item 4 e 5, serão, desde já,
traçadas considerações a respeito da atuação do Poder Judiciário, quando
da liberação de recursos financeiros para atender interesses individuais ou
coletivos. Vem a calhar, então, a posição de Régis Oliveira"^ quando escreve
que:

[...] descabe ao Judiciário, decisão de tal quilate. No entanto, se


0 fizer, determ inando, por exemplo, a construção de moradias,
creches, etc., e transitada em julgado a decisão, coisa não cabe
ao Prefeito que cu m p rir a ordem . Para tanto, deverá Incluir, no
o r ç a m e n t o do p r ó x im o e x e rc íc io , a p re v is ã o f in a n c e ir a .
E sc la re ce rá à a u to r id a d e ju d ic ia l a im p o s s ib ilid a d e de
c u m p rim e n to im e d ia to da decisão com trâ n s ito em julgado,
diante da falta de previsão orçamentária, e obrigar-se-á a incluir
na fu tu ra lei o rç a m e n tá ria recursos para o c u m p rim e n to da
decisão.

Há doutrinadores^^^ que defendem a posição de que diante da escassez


de recursos e da multiplicidade de necessidades sociais, cabe ao Estado
e fetuar escolhas, estabelecendo c rité rio s e prioridades. Tais escolhas
consistem na definição de políticas públicas, cuja implementação depende
de previsão e execução orçamentária. E, que as escolhas realizadas pelo
Estado devem ser pautadas pela Constituição Federal, docum ento que
estabelece os objetivos fundam entais que deverão ser satisfeitos pela
autoridade estatal.
A título de complementação serão incluídas algumas notas sobre a
participação popular na discussão, aprovação e execução do orçamento
participativo e de audiências públicas que envolvam interesses relacionados
à destinação de recursos financeiros para aprovação e implementação de
políticas públicas.

- Id. Ib id e m , p. 404.
• M Â N IC A , F e rn a n d o Borge s. T e o ria d a R eserva d o Possível: D ir e ito s F u n d a m e n ta is a P re sta çõ es
e a I n t e r v e n ç ã o d o P o d e r J u d i c i á r i o n a I m p l e m e n t a ç ã o d e P o lític a s P ú b lic a s . R e v is ta B r a s ile ir a d e
D i r e i t o P ú b lic o , B e lo H o r i z o n t e , a n o 5, n . 1 8 , j u l . / s e t . 2 0 0 7 , p á g . 1 8 . A c r e s c e n t a o a u t o r q u e a
v i n c u l a ç ã o d o s g a s t o s p ú b lic o s a o s o b j e t i v o s c o n s t i t u c i o n a i s é ló g ic a .
- De igu a l m o d o t a m b é m p r e v ê a Lei d e R e s p o n s a b ilid a d e Fiscal ( a r t. 4 8 ), e a Lei ns 1 0.257/2001
(E s ta tu to d a C idade: a rt. 22, II e 4^, III, alínea f, e a rts , 4 3 a 45.)
- M Â N IC A , F e rn a n d o Borges, Te o ria da re s e rv a d o p ossíve l: d ir e i t o s fu n d a m e n t a is a p r e s ta ç õ e s e
a i n t e r v e n ç ã o d o p o d e r j u d i c i á r i o na i m p l e m e n t a ç ã o d e p o lít ic a s p ú b lic a s . R e v is ta B r a s il e ir a de
D ir e i t o P ú b lico . B e lo H o r iz o n t e , a n o 5, n. 18, p. 1 6 9 -1 8 6 , J u l./s e t. 2 0 0 7 . p. 3.

292
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

3. Orçamento Participativo, Audiências Públicas e os indicativos legais

A iniciativa na elaboração do orçamento é do Poder Executivo e é


encaminhada ao Poder Legislativo, por previsão constitucional como já
e x p lic ita d o a n te rio rm e n te . No e n ta n to , o inciso XII do a rtig o 29 da
Constituição Federal prevê a cooperação de associações representativas no
planejamento m u n i c i p a l , o que possibilita a participação da sociedade
direta ou indiretamente na discussão da alocação de recursos para atender
as finalidades pertinentes.
A democracia participativa, para ser exercida, necessita contar com
uma sociedade civil organizada, cobrando de seus governantes uma postura
que se coadune com os interesses desta sociedade e n tre outras
circunstâncias.
Nesse sentido ressalta Fernando Borges Mânica:

No E stado Social e D e m o c rá tic o de D ire ito , o o rç a m e n to


i n s t r u m e n t a liz a as p o lític a s p ú b lic a s e d e fin e o g ra u de
concretização dos valores fu n d a m e n ta is constantes do te x to
c o n s titu c io n a l. Dele d e p e n d e a c o n c re tiz a ç ã o dos d ir e ito s
fundam entais. Neste cenário, a C onstituição de 1988 alçou o
orçam ento público a im p o rta n te in stru m e n to de governo, ta n to
p a ra o d e s e n v o lv im e n t o e c o n ô m ic o q u a n to p a ra o
desenvolvim ento social e político.

A elaboração do orçamento participativo é possibilitar o exercício de


cidadania ativa, possibilitando aos cidadãos a participação nas decisões
políticas, especialmente no processo de elaboração e execução do orçamento
do município, visando à efetivação de políticas públicas.
Embora não conste expressamente do texto constitucional de 1988, a
participação da comunidade na realização do orçamento é possível verificar
esse instituto, a exemplo do art. 48, parágrafo único da Lei Complementar
n® 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) que assevera: Sdo instrumentos
de transparência da gestõo fiscal, aos quais será dada ampla divulgação,
inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis
de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer
prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de
Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.

- ASSONI FILHO, S érgio. D e m o c ra c ia e c o n tr o le s o c ia l d o o r ç a m e n to p ú b lic o . In: Juris Síntese, n. 55,


s e t . / o u t . 2 0 0 5 , p. 5.
- KEL6ERT, Fabiana O kc h s te in e SARLET, Ingo W o lfg a n g ( o r ie n ta d o r ) . A r^ecessária p o n d e r a ç ã o e ntre
0 te o ria d a reserva d o possível e a p r o te ç ã o d o n úcleo essencial d o s d ire ito s fu n d a m e n ta is . M e s tra d o em
D ir e ito , Fa cu ld a d e d e D ir e ito , PUCRS III M o s tr a d e Pesquisa da P ó s -G ra du a ç ã o - PUCRS, 2 00 8 , p. 02.

293
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

Referida Lei também destaca que a transparência será assegurada


também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências
públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei
de diretrizes orçamentárias e orçamentos. Assim, há previsão legal para que
a sociedade possa participar da discussão orçamentária, como plano da
respectiva sociedade de receitas e despesas.
0 art. 48, §35 e art. 44 da Lei n@ 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), em
especial esse últim o artigo que impõe a discussão do orçamento como
pressuposto o b rig a tó rio para aprovação do p ro je to pelas câmaras
municipais, merece ser destacado. Estabelece 0 art. 44, que no âmbito
municipal, a gestão orçamentária participativa de que trata a alínea / do
inciso III do art. 4^ desta Lei, incluirá a realização de debates, audiências e
consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretrizes
orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua
aprovação pela Câmara Municipal.
Escreve Sergio Assoni Filho^^® que 0 controle social do orçamento
público no âmbito local aproxima as decisões governamentais do genuíno
anseio popular, tornando a ação estatal mais efetiva e à medida do cidadão
individualmente considerado, se prestando também ao seguinte: a) propicia
maior eficiência na alocação de recursos; b) assegura maior efetividade no
planejamento econômico; c) enseja a hierarquização de prioridades; d) obsta
0 arbítrio governamental, mediante um controle da execução orçamentária
mais profícua; e) promove a democratização do poder, conferindo visibilidade
ao processo de tomada de decisões políticas; f ) favorece a continuidade
adm inistrativa; g) educa para a cidadania, contendo um fo r te caráter
pedagógico.
Pode-se, então, afirmar que existem diversos dispositivos legais que
possibilitam a participação popular na elaboração e aprovação do orçamento
e destinação de verbas públicas entre outras participações que envolvem
interesses da sociedade, conforme apontado. Embora de maneira ainda
pouco expressiva, deve ser considerada uma breve evolução neste sentido,
para a inclusão de políticas públicas no orçamento no âmbito municipal.

4. Políticas Públicas: Uma questão orçamentária

A Constituição Federal de 1988 elegeu os direitos sociais à categoria


de direitos fundamentais, dispondo no Título II - Dos Direitos e Garantias
Fundamentais. Por isso, esses direitos tam bém estão sujeitos ao que
determina 0 art. 52 , § 1?, da Constituição Federal, que prevê a aplicação

- Id. Ib id e m ., p. 02.

294
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

imediata das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais.


Aplicabilidade Imediata, não significa, contudo, que o Estado está obrigado
a prestar e a garantir os direitos de forma absoluta. Nesse sentido é possível,
portanto, ver uma possibilidade de aplicação da teoria da reserva do possível,
uma vez que não há como negar fatores como escassez de recursos ou mesmo
disponibilidade de verbas orçamentárias.^^®
Referidos direitos reclamam, quanto a sua efetivação, um mínimo de
concretização. Isso significa que a reserva do possível não pode ser usada
para justificar nenhuma concretização. Isso eqüivale a lesar o direito social
em q u e s tã o .P o r ta n to , deve ser verificado qual o mínimo de conteúdo
que pode ser exigido do Estado quando da realização dos direitos sociais,
considerando a impossibilidade de realização plena.
Canotilho^^^ destaca a questão financeira para a garantia dos direitos
sociais, econômicos e culturais previstos na Constituição Federal, sendo que
a realização desses está atrelada à capacidade financeira do Estado,
apresentando a reserva do possível como:

1. "Reserva do possível" significa a to ta l desvinculação jurídica


d o le g is la d o r q u a n to à d in a m iz a ç ã o dos d ir e it o s sociais
co n s titu cio n a lm e n te consagrados.
2. Reserva do possível significa a "te n d ê n c ia para z e ro " da
eficácia jurídica das norm as constitucionais consagradoras de
d ire ito s sociais.
3. Reserva do possível significa gradualidade [s/c] com dimensão
lógica e necessária da concretização dos direitos sociais, tendo
sobretudo em conta os lim ites financeiros.
4. Reserva do possível significa indicabilidade jurisdicional das
opções legislativas q ua n to à densificação legislativa das normas
constitucionais reconhecedora de dire ito s sociais.

Ao escrever sobre a reserva do possível, Fernando Scaff^^^ apresenta,


que como o Estado nao cria recursos, mas apenas gerencia os que recebe da
sociedade, é imperioso que haja uma correlação entre as metas sociais e os
recursos que gerência, seja através de arrecadação própria ou de empréstimos
obtidos junto ao mercado. Destaca ainda que, quem estabelece para o Estado

- C ANO TIL H O, José J o a q u im G o m e s . E s tu d o s o b r e d ir e ito s fu n d a m e n t a is . 1. e d . b r a s ile ir a , 2. ed.


p o r t u g u e s a . São P a u lo : RT; P o r tu g a l: C o im b r a E d ito r a , 2 0 0 8 , p. 107.
- SCAFF, F e rn a n d o Facury. R eserva d o Possível, M í n i m o E xis te n c ia l e D ir e ito s H u m a n o s in D ir e ito e
Justiça - Refle xões Ju ríd ica s. Tem as d e D ir e ito E c o n ô m ic o e T r ib u t á r io , (O rg. A s tr id H e r in g e r e t all).
Ed. Uri, A n o 5, ns 8, j u n h o /2 0 0 5 , p. 147.
Id. Ib id e m , p. 147.
- FIGUEIREDO, M a r ia n a F ilc h t in e r . D ir e i t o f u n d a m e n t a l à s a ú d e : p a r â m e tr o s p a ra sua e fic á c ia e
e f e t i v id a d e . P o r to A le g r e : L iv ra ria d o A d v o g a d o : 2 0 0 7 , p. 78.

295
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

estas metas e o volume de recursos a serem utilizados para seu o/conce é a


sociedade através de seu ordenamento jurídicoJ^^
A reserva do financeiramente possível pode ser entendida como a
realização dos direitos sociais condicionada à disponibilidade e ao volume
de recursos suscetíveis, para que não se inviabilize todo o sistema, localizada
no campo discricionário das decisões oriundas das políticas de governo e
das atividades legislativas, as quais estão sintetizadas no orçamento público.
Ou, como apresenta Mariana Filchtiner Figueiredo^^'*, ao comentar sobre o
sistema de saúde:
A reserva do financeiramente possível pode ser assim interpretada
como objeção à efetividade dos direitos fundamentais, especialmente dos
direitos sociais a prestações materiais, consistente no respeito às decisões
orçamentárias estabelecidas pelo legislador democrático, na ponderação
concreta entre a escassez dos recursos financeiros disponíveis e o dever de
otimizar a concretização dos direitos fundamentais.
Como todos os direitos custam dinheiro, a reserva do possível só pode
ser invocada para aquelas situações que extrapolem o mínimo existencial e
que se refiram aos indivíduos que possuam meios de obter por si sós a
prestação pretendida. No que parece ser desatenção sobre o uso da reserva
do possível, costuma-se dizer que "as necessidades humanas são infinitas e
os recursos financeiros para atendê-las são escassos." De fato, elementos
que devem ser considerados no embate entre os direitos a prestações e a
escassez de recursos são os ditames econômicos nacionais.^^®
Neste sentido, é comum a confusão entre reserva do possível e reserva
orçamentária, pela qual se entende que certos direitos, notadamente os
d ire ito s sociais, estão s u jeito s à dotação o rça m e n tá ria , isto é, à
disponibilidade financeira ou m a t e r i a l . A realização do mínimo existencial
não pode depender de uma discricionariedade dos Poderes Executivo e
Legislativo, comprometendo recursos financeiros para atender algumas áreas
em detrimento de outras mais essenciais.

- SCAFF, F e rn an d o Facury. Reserva d o possível, m ín im o existen cia l e d ire ito s hum a n o s. In: COUTINHO,
Jacinto Nelson d e M ira n d a ; LIM A, M a r to n io M o n t'A lv e r n e B a rreto (org.). Diálogos co ns titu c io n ais : dire ito ,
n e o lib e r a iis m o e d e s e n v o lv im e n t o e m países p e r ifé r ic o s . Rio d e J a n e iro : Renovar, 2 00 6 , p. 148.
- OLIVEIRA, Rafael S érgio U m a de; CALIL, M á r io Lúcio Garcez. Reserva d o Possível, N a tu re z a Juríd ica
e M í n i m o Essencial: P a ra d ig m a s p a r a u m a D c /fn /ç ô o .? T ra b alh o p u b lic a d o nos Anais d o XVIl Congresso
N acio na l d o CONPEDl, re a liz a d o e m Brasília - DF nos dias 20, 2 1 e 22 d e n o v e m b r o d e 2008, p. 3734.
- NOVAIS, Jorge Reis. A s re s triç õ e s a os d ir e ito s f u n d a m e n t a is n õ o e x p re s s a m e n te a u to riz a d a s p e la
C o n s t i t u i ç ã o . C o im b r a : C o im b r a , 2 0 0 3 , p . 135.
™ - OLIVEIRA, Rafael S érgio U m a de; CALIL, M á r io Lúcio Garcez. Reserva d o Possível, N a tu re z a Juríd ica
e M í n i m o Essencial: P a ra d ig m a s p a r a u m a D e fin iç ã o .? T ra b a lh o p u b lic a d o nos A nais d o XVII Congresso
N acio na l d o CONPEDI, re a liza d o e m Brasília - DF nos dias 20, 21 e 22 d e n o v e m b r o d e 2 00 8 , p. 3734.
- M Â N IC A , F e rn a n d o B orge s. T e o ria d a R eserva d o Possível: D ir e ito s F u n d a m e n ta is a P re s ta ç õ e s
e a I n t e r v e n ç ã o d o P o d e r J u d i c i á r i o n a I m p l e m e n t a ç ã o d e P o lític a s P ú b lic a s R e v is ta B r a s ile ir a d e
D ir e i t o P ú b lico , B e lo H o r iz o n t e , a n o 5, n. 18, j u l . / s e t . 2 0 0 7 , p . 12,

296
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

A reserva do possível não deve ser observada somente sob o prisma


econômico, mas, também, pelo fato de que mesmo as leis orçamentárias
têm um grau jurídico-normativo.^^®
No que se refere à jurisprudência, pode-se verificar uma linha de
transição. Após o entendimento segundo o qual não cabe ao Poder Judiciário
intervir na definição de quaisquer políticas públicas, por óbice decorrente
do princípio da separação de poderes e da discricionariedade administrativa,
algumas decisões passaram conceber tal intervenção, nos casos em que se
discutisse a efetivação de direitos fundamentais. Passou-se a admitir, assim,
a prevalência absoluta dos direitos fundamentais. Entretanto, em face da
limitação de recursos orçamentários e da conseqüente impossibilidade de
efetivação de todos os diretos fundam entais sociais ao mesmo tem po,
passou-se a sustentar, como restrição a tal intervenção do Poder Judiciário
em caráter absoluto, a teoria da reserva do possívelJ^^

5. Efetivação das Políticas Públicas e a escassez de recursos financeiros

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, em 1948, destaca no


art. 25 que toda pessoa tem d ire ito a um nível de vida suficiente para
assegurar a sua saúde, o seu bem estar e o de sua família, especialmente
para alimentação, o vestuário, a moradia, a assistência médica e para os
serviços sociais necessários.
A Constituição Federal de 1988 estabelece que constituem objetivos
fundamentais da República Federativa do Brasil a erradicação da pobreza e
da marginallzação bem como a redução das desigualdades sociais e regionais
(art. 35, III). Por sua vez, a positivação do direito ao mínimo existencial se dá
pela legislação infraconstítucional.^^°
Estabelece o artigo 196 da Constituição Federal que é direito de todos
e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que
visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal
às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. Ao mesmo

- C om o f o i 0 caso da Lei ns 8 .7 4 2 d e 0 7 .1 2 .9 3 , a o d is p o r s o b re a o rg a n iz a ç ã o da assistência social


d e s ta c a n d o q u e a a ssistê n c ia s ocia l, d ir e i t o d o c id a d ã o e d e v e r d o Esta d o , é P o lític a d e S e g u rid a d e
Social n ã o c o n t r ib u t i v a , q u e p r o v ê o s m ín im o s so cia is, re a liz a d a a tr a v é s d e u m c o n j u n t o i n t e g r a d o
d e a çõ e s d e in ic ia tiv a p ú b lic a e d a s o c ie d a d e , p a ra g a r a n t i r o a t e n d i m e n t o às n ece s s id a d e s básicas
(a r t. 18),
- TORRES, R icardo Lobo. Os D ire ito s H u m a n o s e a T r ib u ta ç ã o - Im u n id a d e s e Iso n o m ia . Rio d e Janeiro:
R e n o v a r, 1 9 9 5 , p . 1 4 7 /8 . D e s ta c a o a u t o r q u e as c a m p a n h a s d e v a c in a ç ã o , a e r r a d i c a ç ã o das
d o e n ç a s e n d ê m ic a s e o c o m b a t e a e p i d e m i a s s ã o o b r i g a ç õ e s b á s ic a s d o E s ta d o .
- 0 M in i s t é r i o P ú blico na d efe s a d os d ir e ito s e c o n ô m ic o s , sociais e c u ltu ra is . R evista d a Faculd ade
d e D ir e i t o d a U F M G , B e lo H o r i z o n t e , ns 4 0 , p á g .7 2 / 7 3 . A id e ia f o i e x p o s t a e m t r a b a l h o a n t e r i o r :
Ensaio s o b re o ju í z o d e c o n s t it u c io n a l i d a d e d e p o lític a s p ú b lic a s . R e v is ta d e I n fo r m a ç ã o L eg is la tiv a ,
B ra sília , a n o 3 5 , n@134, a b r . / j u n . 1 9 9 8 .

297
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT U AIS

tem po, 0 art. 6^ afirma que são direitos sociais a educação, a saúde, o
trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, à proteção à maternidade
e à infância e a assistência aos desamparados.
A Constituição Federal fez distinção entre as prestações de saúde que
constituem a proteção do mínimo existencial e das condições necessárias à
existência, que são gratuitas, e as que se classificam como direitos sociais e
que podem ser custeadas por contribuições. Com isso, inclui as atividades
preventivas em geral, o direito ao atendimento integral e gratuito, afirma
Ricardo Lobo Torres^^\ Por sua vez, a medicina curativa e o atendimento nos
hospitais públicos, são remunerados pelos pagamentos das contribuições,
ao sistema de seguridade público ou privado. No e nta nto , deve ser
considerada a exceção das situações de atendimento de pessoas que têm o
d ire ito ao mínimo de saúde, sem qualquer contraprestação financeira,
considerando tratar-se de direitos fundamentais.
Para tanto, política pública deve ser compreendida como um conjunto
de atuações do Poder Público e não como ato ou atos isolados. Como
esclarece Fábio Konder Comparato^^^ "é um programa governamental", não
se restringindo as normas ou atos singulares, mas antes consistindo “ numa
atividade, ou seja, uma série ordenada de normas e atos, do mais variado
tip o , conjugados para a realização de um o b je tiv o dete rm in a do ". Na
sequencia, acrescenta que toda política pública, como programa de agir,
envolve uma meta a ser alcançada e um conjunto ordenado de meios ou
in s tru m en to s (pessoais, in stitu cio n a is e fin an ce iro s), tais como leis,
regulamentos, contratos e atos administrativos.
Nessa mesma esteira Cristiane Derani^^^ afirma que política pública é
um conjunto de ações coordenadas pelos entes estatais, em grande parte,
por eles realizadas destinadas a alterar as relações sociais existentes.
Sob o p o n to de vista de C ano tilh o , o destaque da d o u trin a
constitucionalista demarca:
Ao legislador compete, dentro das reservas orçamentárias, dos planos
econômicos e financeiros, das condições sociais e econômicas do país,
garantir as prestações integradoras dos direitos sociais, econômicos e
culturais.

' DERANI, C ristia n e. P olítica p ú b lic a e n o r m a p o lític a . R e v is ta d a F a c u ld a d e d e D ir e ito - UFPR. 41,


2 0 0 4 , p. 22.
- CANOTILHO, J o a q u im José G o m e s , C o n s titu iç ã o d ir ig e n te e v in c u la ç S o d o le g is la d o r. C o im b ra :
£d. C o im b r a . 1 98 2 , p. 369.
- TORRES, R icardo Lobo. T ra ta d o d e D ir e ito C o n s titu c io n a l F in a n c e iro e T rib u tá rio . V. 5. 0 O rç a m e n to
na C o n s titu iç ã o . 2. e d . Rio d e J a n e ir o e São P aulo: R en o va r, 2 0 0 0 , p. 110.
™ - BUCCI, M a ria Paula D allari. D ir e ito A d m in is tr a tiv o e p o litic o s púb lica s. São Paulo: Saraiva, 2002,
p ág . 2 41 .

298
D IRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

A relação entre as políticas públicas e o orçamento é ponderada por


Ricardo Lobo Torres ao destacar que o relacionamento entre políticas públicas
e orçamento é dialético: o orçamento prevê e autoriza as despesas para a
implementação das políticas públicas; mas estas fic a m lim itadas pelas
possibilidades financeiras e por valores e princípios como o do equilíbrio
orçamentário.^^^
Por sua vez, o conceito de política pública está relacionado com o
orçamento, conforme ressalta Bucci:^^® Políticas públicas são programas de
ação governamental visando a coordenar os meios à disposição do Estado e
as atividades privadas, para a realização de objetivos socialmente relevantes
e politicamente determinados. E prossegue^^’ : Parece relativamente tranqüila
a idéia de que as grandes linhas das políticas públicas, as diretrizes, os
objetivos, sõo opções políticas que cabem aos representantes do povo, e,
portanto, ao Poder Legislativo, que as organiza sob fo rm a de leis, para
execução pelo Poder Executivo, segundo a clássica tripartiçõo das funções
estatais em legislativa, executiva e judiciária. Entretanto, a realização concreta
das políticas públicas demonstra que o próprio caráter diretivo do plano ou
do p ro g ra m a im p lica a perm anência de uma parcela da a tivid a d e
"formadora" do direito nas mõos do governo (Poder Executivo), perdendo-
se a nitidez da separação entre os dois centros de atribuições.
De qualquer forma, a relação entre orçamento público e políticas
públicas, é bem estreita como menciona Régís Fernandes de Oliveira: a
decisão de gastar é, fundamentalmente, uma decisão política. O administrador
elabora um plano de ação, descreve-o no orçamento, aponta os meios
disponíveis para seu atendimento e efetua o gasto. A decisão política já vem
inserta no documento solene de previsão de despesas.^^^
As políticas públicas atuam de forma complementar, preenchendo os
espaços normativos e concretizando os princípios e regras, com vista a
objetivos determinados.^^® Frequentemente, para a efetivação dos direitos

- Id. Ib id e m , p. 269.
™ - OLIVEIRA, Régis F e rn a n d e s d e . Curso d e D ir e ito F in a n c e iro . São P a u lo : RT, 2 00 6 , p, 243.
- E nsin a P a u lo B e n a v id e s q u e : A t r i b u i n d o - s e e fic á c ia v i n c u l a n t e à n o r m a p r o g r a m á t ic a , p o u c o
i m p o r t a q u e a C o n s t i t u i ç ã o e s te ja o u n ã o r e p l e t a d e p r o p o s iç õ e s d e s s e te o r , o u s e ja , d e r e g ra s
r e la t i v a s a f u t u r o s c o m p o r t a m e n t o s e s t a t a i s . 0 c u m p r i m e n t o d o s c â n o n e s c o n s t i t u c i o n a i s p e la
o r d e m j u r i d i c a t e r á d a d a u m la r g o p as s o a f r e n t e . Já n ã o s e rá fá c il c o m r e s p e i t o à C o n s t i t u i ç ã o
te rg iv e rs a -lh e a a p lic a b ilid a d e e e fic á c ia das n o rm a s com o os j u r is t a s abra ça d os à te s e
a n t in o r m a t i v a , os q u a is , a le g a n d o p r o g r a m a t ic id a d e de c o n t e ú d o , c o s tu m a m e v a d ir - s e ao
c u m p r i m e n t o o u o b s e rv â n c ia d e re g ra s e p r in c íp io s c o n s t it u c io n a is . Curso d e D ir e i t o C o n s titu c io n a l,
5ã Ed., São P a u lo , M a lh e ir o s , 1 99 4 , p. 211.
™ - R AM A LH O , Paula A fo n c in a Barros. A R evisão Ju d ic ia l das Escolhas e d a Execução O r ç a m e n tá ria s
c o m o e s tr a té g ia d e e fe tiv a ç ã o d o s D ir e ito s F u n d a m e n ta is p r e s t a c io n a is in R e v is ta P a ra h y b a
J u d ic iá ria . Seção J u d ic iá ria d a Paraíba - a. 6, v. 7 (N o v e m b r o , 2 0 0 8 ). J o ão Pessoa; e d ., 2 00 8 , p. 171.
- BÜRKLE, Rudi Rigo. 0 c o n tr o le j u d i c ia l d a a d m in is t r a ç ã o p ú b lic a f a c e a n ã o o b s e rv â n c ia dos d ire ito s
fu n d a m e n t a is . D is p o n ív e l e m h t t p : / / w w w . m p . p r . g o v . b r / e v e n t o s / D 5 r u d i . d o c . A c e s s o e m 1 9 .1 2 .2 0 1 0 .

299
D IR E IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES AT U AIS

sociais a reserva do possível como limite, mas não se tem explorado tal
reserva como obrigação de gastar todos os recursos possíveis/disponíveis
para implementar os direitos fundamentais. Dá-se realce ao signo "reserva",
mas nõo ao qualificativo "possível". Afinal, o que é possível para o Estado
Brasileiro em matéria de alocação de recursos para a efetivação dos direitos
sociais a prestações materiais? Será que nõo há mesmo dinheiro suficiente
para investir em políticas públicas atinentes aos direitos sociais? Nõo, caso se
queira resolver tudo de uma hora para outra. Mas sim, quando se projeta
uma obrigação de progressiva satisfação desses direitos.^^^
0 M inistro Celso de Melo, no julgam ento da ADIn n.s 1458-7 DF,
manifestou: se o Estado deixar de adotar as medidas necessárias à realização
concreta dos preceitos da Constituição, em ordem a torná-los efetivos,
operantes e exeqüíveis, abstendo-se, em conseqüência, de cumprir o dever
de prestação que a Constituição lhe impôs, incidirá em violação negativa do
texto constitucional. E ainda adiantou: Não se pode tolerar que os órgãos do
Poder Público, descumprindo, por inércia e omissão, o dever de emanação
n orm ativa que lhes f o i imposto, in frin ja m , com esse co m p orta m e nto
negativo, a própria autoridade da Constituição e efetuem, em conseqüência,
0 conteúdo eficaciai dos preceitos que compõem a estrutura normativa da
Lei M a io r Explicitou tam bém , que a cláusula da 'reserva do possível' -
ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente auferível - não pode
ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do cumprimento
de suas obrigações constitucionais, notadamente quando, dessa conduta
gove rn am en tal negativa, puder re s u lta r n ulificação ou, até mesmo,
aniquilação de direitos constitucionais impregnados de um sentido de
essencial fundamentalidade.
De Igual modo é a manifestação de Burkle^"'^; a omissÔo do Estado que
deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo
texto constitucional qualifica-se como comportamento revestido da maior
gravidade político-jurídica, eis que, mediante inércia, o Poder Público também
desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e
tam bém impede, p o r ausência de medidas concretizadoras, a própria
aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.
0 que se tem observado é que o Poder Judiciário tem verificado e
exigido, não a mera alegação de inexistência de recursos, mas a comprovação

' N ã o se m o s t r a r á l í c i t o , n o e n t a n t o , a o P o d e r P ú b lic o , e m t a l h ip ó t e s e - m e d i a n t e in d e v id a
m a n i p u l a ç ã o d e su a a t i v i d a d e f i n a n c e i r a e / o u p o l í t i c o - a d m i n i s t r a t i v a - c r i a r o b s t á c u l o a r t i f i c i a l
q u e re v e le o ile g í t i m o , a r b i t r á r i o e c e n s u r á v e l p r o p ó s it o d e fr a u d a r , d e f r u s t r a r e d e i n v ia b iliz a r o
e s t a b e l e c i m e n t o e a p r e s e r v a ç ã o , e m f a v o r d a p e s s o a e d o s c i d a d ã o s , d e c o n d i ç õ e s m a t e r ia i s
m ín im a s d e e x is tê n c ia . (STF, ADPF n. 4 5 , Rei. M i n . C elso d e M e ll o , ju lg . 2 9 .0 4 .0 4 )
- STF, ADPF n. 4 5 , M C /D F. Rei. M in . Celso d e M e llo , ju lg . 2 9.0 4 .0 4 , D iá rio da Justiça, Ed. 84, seção
I, p u b lic a d a e m 0 4 ^ V 2 0 0 4 . RTJ - 2 0 0 - 0 1 , p . 191.

300
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

de ausência total de recursos. Nesse sentido, é a decisão do Supremo Tribunal


Federal: É que a realizaçao dos direitos econômicos, sociais e culturais - além
de caracterizar-se pela gradualidade de seu processo de concretização -
depende, em grande m edida, de um inescapável vínculo fin a n c e iro
subordinado às possibilidades orçamentárias do Estado, de tal modo que,
comprovada, objetivamente, a incapacidade econômico-financeira da pessoa
estatal, desta não se poderá razoavelmente exigir, considerada a limitação
material referida, a imediata efetivação do comando fundado no texto da
Corta Política.^'*^
Na decisão pode ser observado também que a cláusula da "reserva do
possível" - ressalvada a ocorrência de justo motivo objetivamente aferível -
não pode ser invocada, pelo Estado, com a finalidade de exonerar-se do
cumprimento de suas obrigações constitucionais, notadamente quando,
dessa conduta governamental negativa, puder resultar nulificaçõo ou, até
mesmo, aniquilaçao de direitos constitucionais impregnados de um sentido
de essencial fundamentalidade}^^
Após estas considerações pode-se questionar: E se o orçamento não
prever determinada despesa nem comportar a transferência ou realocação
de verbas? Pode o Poder Judiciário determinar que o Gestor Público preste
um serviço, ou atue de modo a atender um direito fundamental de forma
isolada ou com vistas à execução de políticas públicas?
O grande número de pedidos para atendimento dos direitos sociais
poderá provocar um desequilíbrio financeiro, com o comprometimento nas
finanças públicas. Daí a reserva do possível fo rja r a abstenção de despesas
desproporcionais, como é o caso de dispêndio de elevadíssima quantia em
prol de um único beneficiário^'^. Por isso, deve ser realizada análise cuidadosa

- NOBRE J U N IO R , E d ils o n P e r e i r a . 0 C o n t r o l e d e P o lí t i c a s P ú b l i c a s : U m D e s a f i o à J u r is d i ç ã o
C o n s t i t u c i o n a l . R e v is ta P a r a h y b a J u d i c i á r i o d o P o d e r J u d i c i á r i o - J u s tiç a F e d e r a i d a P a ra íb a , João
Pessoa, A n o 6, n? 7, n o v e m b r o / 2 0 0 8 , p. 232.
- APPIO, E d u a rd o . C o n tro le j u d i c i a l d as p o lític a s p ú b lic a s n o Brasil. C u r itib a : Juruá, 2 00 9 , pág. 184.
Q u a lq u e r m e d id a ju d ic ia l q u e v e n h a a im p o r u m a o b r ig a ç ã o e s p e c ífic a , v in c u la d a a u m caso
c o n c r e t o - c o m o , p o r e x e m p lo , a a q u is iç ã o d e u m m e d i c a m e n t o d e a lt o c u s to p e lo sis te m a p ú b lic o
de sa ú d e - im p lic a rá a re d e s tin a ç ã o de ve rb a s a lo c a d a s de a c o rd o co m os c rité r io s do
a d m in is tr a d o r . A vid a d e u m p o d e r á r e p r e s e n ta r a s u pre ss ã o d a v id a d e m u it o s , p o r q u e o c u s to dos
d i r e i t o s socia is é s u p o r t a d o p e lo o r ç a m e n t o já a p r o v a d o p e lo C on g ress o . [...) 0 a r g u m e n t o d e q ue
os d ir e i t o s q u e n ã o e n c o n t r a m m e c a n i s m o s j u r í d i c o s d e p r o t e ç ã o j u d i c i a l s e r ia m o e q u i v a l e n t e a
n ã o d ir e i t o s , d e s c o n s i d e r a o e s p a ç o d e s t in a d o a o P o d e r E x e c u t iv o p e la C o n s t i t u i ç ã o d e 1 9 8 8 , na
m e d id a e m q u e o j u i z n ã o t e m c o n d iç õ e s d e e le g e r, d e f o r m a d is c r ic io n á r ia , o c o n t e ú d o e s p e c ífic o
d e s te s d ir e ito s . M u ito e m bo ra aos c id a d ã o s deva se r asseg u ra do o m ín im o e x is te n c ia l,
e s p e c ia lm e n te nas á rea s d e e d u c a ç ã o e sa úd e , a c a p a c id a d e d o s g o v e rn o s n ã o é ilim ita d a , e a
u n iv e r s a liz a ç ã o d e p e n d e d a e x e c u ç ã o d e u m p r o j e t o d e g o v e r n o . O b r a c it., p. 187.
- E x e m p lo disso sã o os p o d e r e s J u d ic iá r io e L eg is la tiv o q u e e x e r c e m , n o â m b i t o i n t e r n o , a fu n ç ã o
p r ó p r i a d o A d m in i s t r a t i v o , o u seja , ta is p o d e r e s p o s s u e m u m a e s t r u t u r a a d m i n is t r a t iv a , q u e im p lic a
na e m a n a ç ã o d e a to s a d m i n is t r a t iv o s , os q u a is sã o p o r e le s e m it id o s . SILVA, G u s ta v o A p a r e c i d o da.
D o C o n tr o le J u d ic ia l d a A d m in i s t r a ç ã o P ú blica. D is p o n ív e l e m h t t p : / / w w w . l f g . c o m . b r e m 1 2 .1 2 .2 0 1 0 .

301
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

sobre esta situação, considerando que em alguns casos, os possíveis


beneficiários dispõem de condições financeiras para pagar tais serviços.
Eduardo Appio, ao tratar do controle judicial das políticas públicas no
Brasil enaltece que:

Existe, p o rta n to , um co n flito d ire to e ntre o d ire ito à vida de um


cidadão, o qual busca através [sic] do Poder Judiciário, a sua
sobrevivência, e o d ire ito à vida de o u tro s cidadãos, os quais
d e p e n d e m do o rça m e n to p ú b lico para sobreviver. A decisão
acerca das p rioridades a serem conferidas pelo Estado nesta
área é essencialmente uma decisão política e moral, que refoge
do â m b ito do c o n tr o le ju d ic ia l, m o tiv o p e lo qual as ações
in d iv id u a is e m fa c e d o E s ta d o n ã o p o d e m im p lic a r a
'su b stitu iç ã o da ativid a d e a d m in istra tiva .

Para analisar esta possibilidade de atuação do Poder Judiciário na


destinação de recursos, se faz necessário abordar algumas considerações sobre
a separação de poderes, que embora uno, é dividido em três: Poder Executivo,
Poder Legislativo e Poder Judiciário. Poderes esses, independentes entre si,
não podendo um deles sofrer interferência de outro. Muitas vezes, é observada
relativa intervenção do Poder Judiciário junto aos demais Poderes, que por
certo, coaduna com o objetivo descrito neste contexto.
Há, todavia, o entendimento segundo o qual, na verdade, no Brasil,
não é adotado o m ecanism o da separação dos poderes, e sim o do
balanceamento dos poderes, pelo qual as funções típicas de cada poder
podem, eventualmente, ser exercidas por outro.
A C onstituição Federal contem pla ampla proteção aos d ire itos
fundamentais, especialmente na defesa do princípio da dignidade da pessoa
humana. Por isso, para alguns doutrinadores, seria possível ao Poder
Judiciário intervir na esfera administrativa, quando o Poder Executivo deixar
de atender os princípios fundamentais.
Mesmo que o princípio da separação dos poderes não resulte na não
interferência do Poder Judiciário na esfera dos direitos sociais, é certo que
deverá sempre haver um respeito pelo papel dos demais poderes da República.
Destaca Fernando Scaff que:

0 papel do Poder Judiciário não é o d e substituir o Poder Legislativo,


não é o de tr a n s fo rm a r "d is c ric io n a rie d a d e le g is la tiv a " em

- SCAFF, F e rn a n d o Facury. Se ntenças a ditiva s , d ir e ito s socia is e re s erv a d o possive l. In: SARLET, Ingo
W o l f g a n g ; T I M M , L u c ia n o B e n e t t i (O rg .). D ir e i to s f u n d a m e n t a i s : o r ç a m e n t o e r e s e r v a d o p ossível.
P o r to A le g r e : L iv ra ria d o A d v o g a d o , 2 0 0 8 , p. 157,
- !b. ib id e m , p. 157.

302
DIRE IT O T R IB U TÁ R IO : QUESTÕES A T UAIS

"discricionariedade judicial", mas o de d irim ir conflitos nos termos


da lei. P ro fe rir sentenças aditiva s sob o im p a c to da pressão
dos fa tos, m esm o que dos fa to s sociais mais tristes, com o a
possib ilid a d e da perda de uma vida ou de fa lta de recursos
para a c o m p ra de re m é d io s , não é p a p e l do J u d ic iá rio /" ^
(destaques do original)

Na seqüência enaltece o autor:

Este não cria din h e iro , ele re d is trib u i o d in h e iro que possuía
outras destinações estabelecidas pelo Legislativo e cumpridas
pelo Executivo - é o "L im ite do O rça m e n to " de que falam os
econom istas, ou a "Reserva do Possível" dos juristas. Ocorre
que os recursos são escassos e as necessidades infinitas. Como
0 sistema financeiro é um sistema de vasos comunicantes, para
se gastar de um lado precisa-se re tira r d in heiro do outro . E aí
será fe ito aquilo que no ditado popular se diz com o "descobrir
um santo para co b rir outro".

Nesse mesmo sentido destaca o Prof. Ricardo Lobo Torres, se valendo


de análise do direito americano, ressalta que a ordem para que o Poder
Legislativo edite a lei, necessária à apropriação de recursos para a garantia
dos direitos humanos, com a conseqüente reformulação do orçamento, passa
a ser vista como compatível com a separação dos poderes e o federalismo.^'*^
Referindo-se à reserva do possíveP^°, com possível desequilíbrio no
orçamento público, envolvendo questões pertinentes ao direito à saúde,
Ingo Wolfgang Sarlet, ao comentar sobre o tema cita o Ministro do Supremo
Tribunal Federal Gilmar Mendes:

- TORRES, Ricardo Lobo. Os D ire ito s H u m a n o s e a T rib u ta ç ã o - Im u n id a d e s e Iso n o m ia . Rio d e Janeiro;


R en o va r, 1 9 9 5 , p. 169.
- A re se rv a d o p oss ív e l c o n s t it u i e m v e r d a d e ( c o n s id e r a d a t o d a a su a c o m p le x id a d e ) e s p é c ie d e
lim ite ju r íd ic o e fá tic o dos d ir e ito s fu n d a m e n ta is , mas ta m b é m p o d e rá a tu a r, e m d e te rm in a d a s
c irc u n s tâ n c ia s , c o m o g a r a n tia s d o s d ir e i t o s fu n d a m e n t a is , p o r e x e m p lo , na h ip ó te s e d e c o n f li t o s de
d ir e i t o , q u a n d o se c u id a r d a i n v o c a ç ã o (d e s d e q u e r e s p e ita d o s os c r i t é r io s da p r o p o r c io n a li d a d e e
da g a r a n tia d o m í n i m o e x is te n c ia l e m re la ç ã o a to d o s os d ir e i t o s f u n d a m e n ta is ) d a in d is p o n ib ilid a d e
d e re curso s c o m o i n t u i t o d e s a lv a g u ard a r o n ú c le o essencial d e o u t r o d ir e i t o fu n d a m e n ta l. - SARLET,
I n g o W o lfg a n g ; FIGUEIREDO, M a r ia n a F. R eserva d o Possível, m í n i m o e x is t e n c ia l e D ir e i t o à S a ú d e :
A lg u m a s a p r o x im a ç õ e s . In D ir e ito s F u n d a m e n ta is & Justiça n^ 1 - o u t / d e z 2 00 7 , p. 189.
- S u p r e m o T r i b u n a l F e d e r a l. A u d i ê n c i a p ú b l i c a : s a ú d e . B r a s ília : S e c r e t a r i a d e D o c u m e n t a ç ã o ,
C o o r d e n a d o r i a d e D iv u l g a ç ã o d e J u r i s p r u d ê n c i a , 2 0 0 9 . p á g . 7 4 - 8 1 . In g o V i /o lf g a n g S a r l e t , na
A u d iê n c ia P ú b lic a m e n c io n a d a r e s s a lto u ser e v id e n t e a n e c e s s id a d e da r e f o r m a d o s is te m a
o r ç a m e n t á r io e, q u a n t o à ju d íc ia liz a ç ã o d a s a ú d e , d e s t a c a n d o q u e a s o lu ç ã o m e lh o r n ã o é a fa s ta r
os trib u n a is do d ir e ito à saúde.
• SILVA, G u s ta v o A p a r e c i d o d a. D o C o n t r o l e J u d i c i a l d a A d m i n i s t r a ç ã o P ú b lic a . D is p o n í v e l e m
h t t p : / / w w w . lf g . c o m . b r em 1 2.12.2010.

303
D IRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES ATUAIS

0 Ministro Gilmar Mendes tam bém já lembrou, em decisão recente,


que existe um dever co n stitucional de investir recursos e até
mesmo limites e pisos, que devem ser investidos na área da Saúde.
Há estudos atuais comprovando, categoricamente, que a União
não gasta em n e n h u m a rubrica o rç a m e n tá ria a q u ilo que fo i
disponibilizado pelo orçam ento, inclusive na área da Saúde. Há
provas cabais de Estados e Municípios que não investem naquilo
que foi imposto pela União no direito à Saúde. Alegar reserva do
possível nessas circunstâncias é uma alegação vazia. [...] 0 ônus
da demonstração, o ônus da prova da falta de recurso é do Poder
Público; 0 ônus da necessidade do pedido é do particular.^^^

Há tam bém o argum ento de que ao adm inistrador é dada certa


discricionariedade, segundo a qual lhe é permitido fazer ou deixar de fazer
algo em virtude da oportunidade e conveniência. Com isso, pode registrar a
possibilidade do administrador se valer da reserva do possível, pela qual só
se faz algo se os recursos o permitirem. Nesse sentido ressalta Gustavo Silva
que engana-se, todavia, quem assim postula, isso, porque em se tratando
de direitos fundamentais, tem-se, na verdade, opfões vinculativas que o
constituinte legou ao legislador infraconstitucional, isto é, algum direito
fundamental só pode sofrer restrição em face de outro direito igualmente
fundamental; grosso modo, valendo-se da cláusula da reserva do possível,
ao administrador cabe optar por realizar um entre dois direitos fundamentais,
na impossibilidade de realizar os dois, e do modo mais adequado possível.
É também, o entendim ento de Germano Schwartz” ^ que pontifica
que não há como alegar ausência de verba orçamentária para a consecução
da saúde que é um direito de todos e dever do Estado.

- SCHWARTZ, G e r m a n o A n d r é D o e d e rle in . D ir e ito à sa úd e \ e fe tiv a ç ã o e m u m a p e rs p e c tiv a sistê m ica.


P o r to A le g r e : L iv ra ria d o A d v o g a d o , 2 0 0 1 , p. 164/5.
• TORRES, R icardo Lobo. Os D ire ito s H u m a n o s e a T rib u ta ç ã o - Im u n id a d e s e is a n o m ia . Rio d e Janeiro;
R e n o v a r, 1 9 9 5 , p á g . 1 7 0 . D e s ta c a q u e p o d e r i a o m a n d a d o d e i n j u n ç â o , d e s d e q u e r e s tr i n g i s s e à
re fo r m a das in s titu iç õ e s a d m in is t r a t iv a s v io la d o ra s dos d ir e ito s fu n d a m e n ta is , sem o fe n s a à
le g a lid a d e o r ç a m e n tá r ia e t r ib u t á r ia , t e r e x t r a o r d in á r ia im p o r tâ n c ia p ara a g a ra n tia e o
a p e r f e i ç o a m e n t o d o m í n i m o e x is t e n c i a l n o B ra sil. D e s ta f o r m a , as e s c o la s , o s h o s p i t a i s p ú b lic o s ,
a s ilo s , c re c h e s , p r is õ e s e n t r e o u t r o s b e m q u e lu c r a r ia m c o m a fis c a liz a ç ã o e a p e r m a n e n t e
in t e r v e n ç ã o d o P o d e r J u d ic iá rio , a tra v é s d e n o rm a s q u e e s ta b e le c e s s e m o p a d rã o m ín im o
c o m p a t í v e l c o m a d ig n id a d e d o h o m e m .
- R A M A LH O , Paula A fo n c in a B arros. A R evisão J u d ic ia l d as Escolh os e d o Execução O rç a m e n t á ria s
c o m o e s tr a té g ia d e e fe tiv a ç ã o d o s D ire ito s F u n d a m e n ta is p r e s ta c io n a is in R evista P a r a h y b a J u diciária .
Seção J u d ic iá r ia da P araíba - a. 6, v. 7 ( N o v e m b r o , 2 0 0 8 ). Jo ã o Pessoa: e d., 2 0 0 8 , p. 172. A a u t o r a
d e s ta c a a in d a q u e o p r o b l e m a a p a r e c e , j u s t a m e n t e q u a n d o o ó r g ã o d e m o c r a t i c a m e n t e l e g i t i m a d o
p e r m a n e c e In e r te , a o n ã o p re ve r, p o r e x e m p lo , a lo c a ç ã o d e re curs o s p ara a i m p l e m e n t a ç ã o d e u m a
p o lít ic a p ú b lic a já tr a ç a d a , o u e n t ã o q u a n d o a g e e m d e s c o n f o r m i d a d e c o m as e s c o lh a s p r io r i t á r ia s
f e i ta s p ela C o n s titu iç ã o , a o d e i x a r d e d e s e n v o lv e r u m a p o lít ic a p ú b lic a d e h a b ita ç ã o s o b as escusas
d e f a l t a d e d in h e ir o , a o passo e m q u e v e ic u la , na peça o r ç a m e n t á r ia , u m a e x p o n e n c ia l r u b r ic a para
a p r o p a g a n d a g o v e r n a m e n ta l, p ara a c o m p r a d e lu x u o s o s v e íc u lo s p a r a o t r a n s p o r t e d e a u t o r id a d e s
p ú b lic a s , p a r a a r e a l i z a ç ã o f r e q ü e n t e d e s h o w s , e t c . N e s te s casos, p a r e c e c l a r o q u e é f u n ç ã o d o
J u d ic iá r io c o r r ig i r essas d is to r ç õ e s , a in d a q u e Isso i m p l i q u e a s s u m ir u m a p o s iç ã o c o n t r a m a jo r i tá r ia .
M a s a o fa zê -lo , n ã o p o d e base a r-se e m razões d e p o lític a . O b r a c it., p. 170.

304
D IR E IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Ao comentar sobre o mandando de injunção, o professor Ricardo Lobo


Torres destaca que o mesmo deixou de ser instrum ento de garantia dos
direitos da liberdade e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à
soberania, à cidadania que estão interligados para assegurar também os
direitos sociais e até os econômicos. Mas, segundo o autor^^\ estes direitos
que vivem sob a "reserva do possível", subordirjados à concessão do legislador
e à previsão orçamentária, não poderiam ser adjudicados de acordo com
normas estabelecidas pelo juiz.
Ainda há controvérsias sobre a efetivação de políticas públicas em
determinados casos concretos, por parte da atuação do Poder Judiciário como
destaca Paula A foncina Barros Ramalho^” , que algumas decisões
principalmente de primeira instância, têm acenado para a possibilidade de
revisão judicial das escolhas orçamentárias. Outras a têm negado, com base
numa concepção ortodoxa do princípio da separação dos poderes e numa
visão potencializadora dos espaços de discridonariedade administrativa.
Falta, ainda, uma teorização consistente e um esforço analítico para a fixação
de parâmetros de controle judicial, de modo a m inorar essas oscilações
Jurísprudenciais, sempre danosas à segurança jurídica.
Ricardo Augusto Dias da Silva^^®, ao tratar da jurisprudência nacional e
a reserva do possível, destacou que:

A ju ris p ru d ê n c ia nacional, n o ta d a m e n te o Suprem o Tribunal


Federal e o Superior Tribunal de Justiça, com o referido [...] sobre
o m ín im o e x is te n c ia l, te m p a u ta d o m a jo r ita r ia m e n te seu

- SILVA, R ic ardo A u g u s to Dias da. D ir e ito f u n d a m e n t a l à sa úd e : o d ile m a e n t r e o m í n i m o existencial


e a re s e rv a d o p ossíve l. B e lo H o r i z o n t e : F ó r u m , 2 01 0 . p. 1 98 . Os t r i b u n a i s s u p e r io r e s t ê m a p lic a d o
a t e o r i a d a r e s e r v a d o p o s s í v e l n as d e m a n d a s v e r s a n d o s o b r e d i r e i t o s s o c ia is , e x c e p c i o n a n d o
a p e n a s as q u e se r e f e r e m a o D i r e i t o F u n d a m e n t a l à s a ú d e e à e d u c a ç ã o , m o m e n t o e m q u e t e m
a p l i c a d o o p r i n c í p i o d o m í n i m o e x is t e n c i a l, e s c r e v e o a u t o r . A d r ia n a D r a g o n e S ilv e ir a d e m o n s t r a
e m sua te s e d e d o u t o r a d o q u e as a ç õ e s c o m p e d id o s in d iv id u a is são a te n d id a s c o m m a is fa c ilid a d e ,
m a s q u a n d o r e q u i s i t a m m e d i d a s p a r a a m p l i a ç ã o d o a t e n d i m e n t o o u p a r a c r i a ç ã o d e p o l í t ic a s
p úb lic a s 0 T r ib u n a l d e Justiça d e São Paulo, n ã o se m o s tr o u coeso para a co nce ssã o , t e n d o e m vista
a i m p o s s i b i l i d a d e d e i n t e r f e r ê n c i a d o P o d e r J u d i c i á r i o n a c o n d u ç ã o d e p o l í t i c a s p ú b l ic a s e na
q u e s t ã o o r ç a m e n t á r ia . SILVEIRA, A d r ia n a A. D r a g o n e . A G a r a n t ia d o D ir e i t o à E d uc a çã o Básic a e os
D esa fio s d e N a t u r e z a O r ç a m e n t á r i a : D iscussão s o b r e a Teoria d a R eserv a d o Possível. A N P E D / GT 5.
C u r itib a , 12 e 13 d e a g o s to d e 2 0 1 0 , p. 6.
355 p ó s - D o u t o r a e m D ir e i t o T r i b u t á r i o p ela U n iv e r s id a d e Clássica d e Lis boa - P o r tu g a l. D o u to r a e m
D ir e i t o T r i b u t á r i o (PUC/SP). M e s t r e e m D ir e i t o P ú b lic o (UFPE). P ó s -g ra d u a ç ã o e m D ir e i t o T r i b u t á r i o
I n t e r n a c io n a l: U n iv e r s id a d e d e Sala m a n ca - E spanha e U n iv e r s id a d e A u s tr a l - A r g e n t in a . P re s id e n te
d o C en tro d e Estudos Ava nça d o s d e D ir e ito T r ib u t á r io e Finanças Públicas d o Brasil - CEAT. Pre sid e n te
d o I n s t i t u t o P e r n a m b u c a n o d e E s tu d o s T r i b u t á r i o s - IPET. M e m b r o T i t u l a r I m o r t a l d a A c a d e m ia
B r a s il e ir a d e C iê n c ia s E c o n ô m i c a s , P o lí t i c a s e S o c ia is - A N E . C o o r d e n a d o r a d o C u r s o d e Pós-
g r a d u a ç ã o d o IBET/IPET e m Recife/PE. P ro fe sso ra d e c u rsos d e p ó s -g ra d u a ç ã o : IBET/SP; P U C /C o g ea e /
SP; U FBA ; ID P/D F. E x - A u d i t o r a F is ca l d a R e c e ita F e d e r a l d o B r a s il. E x - m e m b r o d o C o n s e lh o d e
C o n t r i b u i n t e s d o M i n i s t é r i o d a F a z e nd a . A d v o g a d a só cia d e Q u e ir o z A d v o g a d o s A s s o c ia d o s .
BANDEIRA DE MELLO, Celso. Curso d e D ir e ito A d m in is tr a tiv o . São P aulo: M a lh e ir o s . 2005, p p 48-5 5.

305
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

e n te n d im e n to pela aplicabilidade e recepção da teoria da reserva


do possível, fu n d a m e n ta n d o as decisões não s o m e n te pela
disp o n ib ilid a d e de recursos, mas ta m b é m ao a rg u m e n to das
c o m p e tê n cia s co n s titu c io n a is estabelecidas, do p rin c íp io da
separação dos Poderes, da reserva da lei orçam entária e ainda
do princípio federa tivo , (destaques do original)

6. Conclusão

Cada um dos poderes constituídos deverá exercer o seu papel para


implementar os direitos fundamentais, considerando que o orçamento de
cada ente da Federação, deve in c lu ir as políticas públicas, conform e
previsões legais que as autorizem.
0 Estado não pode perder de vista os objetivos fundamentais, traçados
no artigo 3^ da Constituição Federal. E, para atender tais objetivos, deve
elaborar um planejamento adequado, com um orçamento que lhe permita a
viabilização dos direitos sociais, assegurando existência digna a todos.
De igual modo, o Estado não pode alegar escassez de recursos, a fim
de justificar sua omissão, se os limites constitucionais não tiverem sido
observados. Por isso a reserva do possível não pode ser alegada para justificar
o comportamento omissivo do Gestor Público.
Os direitos mínimos garantidos constitucionalm ente e as políticas
publicas necessárias para sua implementação, necessitam de recursos, para
serem concretizados. É papel do Estado, ta n to rever q uanto aplicar
adequadamente esses recursos arrecadados para atender as necessidades
coletivas.
0 orçamento é o principal instrum ento de realização de políticas
públicas, de modo que o controle judicial dessas políticas que viabilizam os
direitos sociais que necessitam efetivar determinadas prestações passa
necessariam ente, pelo c o n tro le da d ispo n ib ilid ad e de recursos e da
execução orçamentária.
Até que ponto o Poder Judiciário pode exigir do Poder Executivo, a
disponibilidade de recursos para atender os interesses da coletividade
(necessidades públicas individuais e coletivas), em sede de d ire itos
fundamentais? Não é uma tarefa fácil devido à subjetividade da situação.
Isto porque, se o Poder Judiciário determinar ações para o cumprimento do
Estado, que coloca em risco o equilíbrio orçamentário, em detrimento da
garantia do a te n d im e n to de outro s d ire ito s de igual calibre, poderá
comprometer outros Programas e Projetos, igualmente prioritários.
Deve ser avaliada que a reserva do possível pode ser requerida e
concedida pelo Poder Judiciário para as situações individuais em demandem
as condições, em cada caso, que se encontrem abaixo do mínimo existencial.

306
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

A sociedade deverá continuar participando de forma mais expressiva


na elaboração e aprovação dos orçamentos, das audiências públicas e da
execução do mesmo, viabilizando assim, a adoção de políticas públicas
adequadas à realidade e às necessidades coletivas.
De igual modo, por meio das entidades representativas a sociedade
poder participar ativamente, verificando a execução do orçamento e as
respectivas aplicações de recursos financeiros destinados à execução e
implementação de políticas públicas.

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310
D IR E IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

A PROPORCIONALIDADE NO Â M B ITO A D M INISTRATIVO -


TRIBUTÁRIO

M ary Elbe Queiroz^”

SUMÁRIO. 1. C onsid e ra çõ e s gerais. 2. 0 p rin c íp io da p ro p o rc io n a lid a d e . 3. A


p ro p o rcio n a lid a d e no â m b ito a d m in is tra tiv o -trib u tá rio . 4. Conclusão.

1. Considerações gerais

A partir da estruturação do Estado e da necessidade de harmonização


dos interesses individuais e coletivos, as liberdades passaram a ser mitigadas
em prol da convivência social, dando-se poderes ao Estado para que ele
pudesse atingir os seus fins e objetivos. 0 Estado, para atender ao interesse
público, atua por meio dos seus órgãos e agentes que são limitados pelo
Direito. Essa limitação do poder é imprescindível para prevenir possíveis
abusos e excessos.
Aqui se coloca o interesse público na sua real dimensão de interesse
do todo social, isto é, a dimensão pública dos interesses individuais, que
não se confunde com o interesse das pessoas de d ire ito público que
representam o Estado. Como no dizer de Celso Antônio Bandeira de Melo,
"os interesses públicos correspondem à dimensão pública dos interesses
individuais."^^® Portanto, para que seja respeitada a ordem jurídica o interesse
público tem que estar em equilíbrio fre n te à tute la dos interesses das
pessoas. Daí porque no campo tributário não se pode dizer que sempre haja
estrita coincidência entre o interesse público e o interesse da Fazenda
Pública na arrecadação.
0 verdadeiro interesse público a ser atingido é a proteção dos bens
jurídicos de interesse coletivo sobre os quais atua o Estado e decorre da
necessidade de que os direitos fundam entais e a ordem jurídica sejam

35’ p ó s - D o u t o r a e m D ir e i t o T r i b u t á r i o p ela U n iv e r s id a d e Clássica d e Lis boa - P o r tu g a l. D o u to r a e m


D ir e i t o T r i b u t á r i o {PUC/SP). M e s t r e e m D ir e i t o P ú b lic o (UFPE). P ó s - g r a d u a ç ã o e m D ir e i t o T r i b u t á r i o
I n t e r n a c io n a l: U n iv e r s id a d e d e Sala m a n ca - Espanha e U n iv e r s id a d e A u s tr a l - A r g e n t in a . P re s id e n te
d o C en tro d e Estudos Ava nça d o s d e D ir e ito T r ib u t á r io e Finança s Públicas d o Brasil - CEAT. Pre sid ente
d o I n s t i t u t o P e r n a m b u c a n o d e E s tu d o s T r i b u t á r i o s - IPET. M e m b r o T i t u l a r I m o r t a l d a A c a d e m ia
B r a s il e ir a d e C iê n c ia s E c o n ô m i c a s , P o lí t i c a s e S o c ia is - A N E . C o o r d e n a d o r a d o C u r s o d e Pós-
g r a d u a ç ã o d o IBET/IPET e m Recife/PE. Pro fe ssora d e cu rs o s d e p ó s-g ra d u a ç ã o : IBET/SP; PU C /C o g ea e /
SP; U FBA; ID P/D F. E x - A u d i t o r a Fiscal d a R e c e ita F e d e r a l d o B r a s il. E x - m e m b r o d o C o n s e lh o d e
C o n t r i b u i n t e s d o M i n i s t é r i o d a F a z e n d a . A d v o g a d a s ó c ia d e Q u e ir o z A d v o g a d o s A s s o c ia d o s .
BANDEIRA DE MELLO, Celso. Curso d e D ire ito A d m in is tr a tiv o . São Paulo: M a lh e ir o s . 2 00 5 , p p 48-55.

311
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

respeitados, o exercício do poder obedeça aos seus limites e haja segurança


jurídica. A segurança jurídica traduzida na proteção da confiança, na
estabilidade e na previsibilidade.
É para atender a esse objetivo que a proporcionalidade deve ser
aplicada, seja quando da elaboração das leis seja na atuação administrativa
ou judicial. A opção pelo Estado Democrático de Direito traz consigo a
exigência do cum prim ento das pretensões constitucionais, que somente
serão eficazes se a proporcionalidade fo r a diretriz utilizada na busca da
realização do interesse público. Tal ilação pode ser inferida da visualização
conjunta das disposições dos artigos 1®; 39; 5^ e seu parágrafo 29; 37; 60, § 49;
145; 150; 170 e 194 da Magna Carta.
Entre o Estado e o cidadão se estabelece uma relação jurídica não
opcional, pois não decorre da vontade do indivíduo submeter-se ou não às
regras previamente estabelecidas. Porém, essa relação deve ser norteada
pela ética tributária da qual decorrem direitos e deveres para ambos que
nem sempre são cumpridos por eles daí se originando os conflitos.
A relação Estado/cidadão torna-se mais conflituosa no campo tributário
quando se defrontam o poder do Estado e o direito à liberdade do cidadão
(pessoal, patrimonial), uma vez que cada um tenta se sobrepor ao outro em
busca dos seus interesses, muita da vez, dando lugar a abusos. 0 Estado,
com todo seu poder e força, age sob a justificativa de proteção ao interesse
público; e o cidadão, ao abrigo dos direitos fundam entais, age sob o
argumento do respeito à liberdade e de que é a ele quem cabe prover os
meios para que o Estado possa atuar.
Para a harmonia e o equilíbrio dessa relação é dado poder ao Estado,
porém, paralelamente, esse poder é controlado pelas amarras dos direitos
fun d am en tais assegurados aos cidadãos, consagrados em princípios
expressos ou decorrentes da visão conjunta de Estado de Direito, que se
sobrepõem e formam o arcabouço em que se assentam a ordem jurídica, a
dignidade humana e a cidadania.
Por conseguinte, qualquer restrição que a liberdade venha a sofrer
tem que ser limitada, mesmo que em prol da proteção de outro bem jurídico
ou de outro interesse aparentemente de maior peso. Daí para justificar a
intervenção na esfera individual deve haver moderação do Estado na escolha
dos seus meios de atuação, bem assim deve existir estrita vinculação entre
os fins desejados e o resultado a ser alcançado.
0 poder de polícia, o poder de administrar a coisa pública, o poder de
legislar e o poder de julgar, para que estejam conforme a ordem jurídica
precisam ser exercidos mediante a ponderação dos valores envolvidos. Todos
devem ajustar a sua atuação aos limites da necessidade e devendo graduar
a utilização dos meios em relação ao fim que se deseja alcançar de modo a
guardar o maior equilíbrio possível na adoção de qualquer medida que
coloque barreiras à liberdade.

312
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Ao re g u la m e n ta r os p rincípios que devem n o rte a r o agir da


Administração Pública, inclusive a tributária, como colocados no artigo 37 da
Constituição Federal, a Lei n® 9.784/1999, no seu artigo 2^, impôs a todos os
Poderes a obediência, dentre outros à legalidade, à finalidade, à motivação,
à razoabilidade, à proporcionalidade, à moralidade, à ampla defesa, ao
contraditório, à segurança jurídica, ao interesse público e à eficiência.

2. 0 princípio da proporcionalidade

Dentre os direitos fundamentais assegurados ao cidadão, destaca-se


0 princípio da proporcionalidade como uma ferramenta eficaz para o controle
do exercício do poder estatal. 0 Estado Democrático de Direito assenta-se
no princípio geral da liberdade, porém, essa liberdade não pode ser absoluta.
Contudo, somente se adm ite a sua limitação dentro de critérios, isto é,
q u a lq u e r re striçã o à lib e rd ad e precisa ser adequada, necessária e
proporcional.
A atuação do Estado por meio dos seus agentes deve se dar em cada
caso concreto mediante o cotejo da norma aplicável para que se alcance o
maior equilíbrio entre o interesse público a ser atendido e os direitos
fundamentais a serem protegidos. O interesse público a ser considerado,
por quem exerce o poder em nome do povo, é a máxima satisfação dos
interesses individuais e coletivos que a sociedade deseja atender com a
mínima intervenção possível.
É a proporcionalidade que funciona como limite, inibindo a atuação
do poder desprovido do respeito à Constituição, para dar o norte a ser seguido
pela Administração Pública e legitimar o seu agir, com vista à efetivação do
interesse público.
0 termo proporcionalidade é vago e impreciso o que leva à aparente
dificuldade na sua aplicação. A dimensão do que é proporcional tem que ser
vista em relação a duas grandezas, em um juízo relacionai, chegando-se a
maior aproximação possível da efetivação da proporcionalidade mais pelo
aspecto inverso do seu conceito, por ser mais fácil identificar o que é
desproporcional, isto é, o que não é ou não guarda proporcionalidade.
O que é proporcional, porém, não pode ser fruto de simples valoração
subjetiva ou decorrente de ideologias pessoais. 0 que é proporcionai pode
ser identificado pelo sentir em relação aos valores do homem médio (o
pater bonus no Direito Civil), pois não se tem como estabelecer um critério
objetivo que permita aferir a exata medida da proporcionalidade para os
casos em geral, ligando-se à ideia de o que for proporcional será justo e
aceitável e o que estiver em desproporção será injusto e desmedido.
Não é de hoje que existe a procura da justa medida do exercício do
poder, aparecendo a proporcionalidade como um instrumento para o alcance

313
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

de tal objetivo. A concepção clássica da proporcionalidade foi delineada


pela ju ris p ru d ê n cia do T ribunal C o nstitu cio na l Alem ão no caso
"Aphothekenurteil"^^^ onde foram colocados os critérios que até hoje
norteiam a aplicação da proporcionalidade: adequação, necessidade e
proporcionalidade em sentido restrito, consagrando-se que nenhum direito
fundamental poderia ser violado na sua essência.
Nesse paradigmático julgamento, foram definidos, assim, os critérios
de que: i) qualquer medida estatal restritiva deveria ser adequada às
limitações impostas ao direito fundamental; ü) a atuação estatal deveria ser
absolutamente necessária e na medida indispensável à menor limitação
possível dos direitos fundamentais protegidos; e iii) a limitação deveria ser
considerada indispensável na relação m e io -fim , isto é, deveria ser
assegurada a proporção entre a atuação estatal, a restrição colocada e o fim
que se desejava obter com essa medida.
No Brasil, a Constituição não faz menção expressa ao princípio, porém
ele pode ser visualizado como uma diretriz constitucional ínsita não só à
opção do Estado D em ocrático de D ire ito , à p ro te çã o dos d ire ito s
fundamentais, como à própria segurança jurídica. A proporcionalidade é
corolário da ordem jurídica, para que possam ser realizados os demais
princípios cuja obediência obriga a Administração Pública de todos os poderes
e que se encontram sintetizados no artigo 37 do Texto constitucional como:
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
A Lei n^ 9.784/1999, no parágrafo único do a rtig o 29, inciso VI,
expressamente, determ ina que: "Nos processos adm inistrativos serõo
observados, entre outros, os critérios de: I - atuação conforme a lei e o Direito;
(...) VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações,
restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias
ao atendimento do interesse público."^^°

N o c a s o " A p h o t h e k e n u r t e i l " d is c u t i a - s e o s l i m i t e s q u e a Lei F u n d a m e n t a l A l e m ã i m p u n h a ao


l e g is la d o r p ara d is c i p li n a r o d i r e i t o f u n d a m e n t a l à l ib e r d a d e d e p r o f is s ã o . T ra ta v a -s e d a dis cu ssã o
a c erc a d a p o s s ib ilid a d e d e o Esta do d a B a vária p o d e r c r ia r r e s tr iç õ e s à c o n c e s s ã o d e lic e n ç as p ara
i n s t a l a ç ã o d e n o v a s fa r m á c ia s , n o t o c a n t e à n e c e s s id a d e d e se p r o v a r a v i a b i l i d a d e c o m e r c i a l e
t a m b é m e v it a r d a n o s c o n c o r r ê n c ia s . C o m esse f u n d a m e n t o f o i n eg a d a lic e n ç a p ara u m e m ig r a n t e
q u e e ra f a r m a c ê u t i c o lic e n c ia d o o q u a l, c o n s id e r a n d o - s e le s a d o , p r o p ô s r e c la m a ç ã o c o n s t it u c io n a l
c o n t r a o g o v e r n o d a Bavária. A C o rte d e c id iu q u e razões d e ín d o le o b j e ti v a co lo c a d as d e f o r m a vaga
e c o n d i c i o n a l n ã o j u s t i f i c a r i a m l i m i t a ç õ e s a d i r e i t o f u n d a m e n t a l , p o is a i n t e r v e n ç ã o e s t a t a l e m
d i r e i t o f u n d a m e n t a l d e v e s e r a b s o l u t a m e n t e n e c e s s á r ia p a r a q u e se a lc a n c e o i n t e r e s s e p ú b l ic o
p r o t e g i d o e d e f o r m a q u e p r o d u z a a m e n o r le s ã o p o s s í v e l a o d i r e i t o f u n d a m e n t a l a s s e g u r a d o
c o n s t i t u c i o n a l m e n t e . C o n f o r m e : PONTES, H e le n ils o n C u n h a . O P r in c í p io d a P r o p o r c i o n a l id a d e e o
D i r e i t o T r i b u t á r i o . São P a u lo : D ia l é t ic a . 2 0 0 0 .
A r t . 37. A a d m in is t r a ç ã o p ú b lic a d ir e ta e in d ir e t a d e q u a l q u e r d os Po de re s d a U n iã o , d os Estados,
d o D i s t r i t o F e d e r a l e d o s M u n i c í p i o s o b e d e c e r á a o s p r i n c í p i o s d e l e g a li d a d e , i m p e s s o a l i d a d e ,
m o r a l i d a d e , p u b l i c i d a d e e e f i c iê n c ia e, t a m b é m , a o s e g u i n t e (...).

314
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

A proporcionalidade é uma diretriz em busca da justiça que há muito


fun d am enta a ju risp ru d ê n cia do Supremo Tribunal Federal, como no
pensamento de Bilac Pinto: " 0 poder de taxar somente pode ser exercido
dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, de
comércio e de indústria e com o d ire ito de propriedade." Tal ideia foi
consagrada na célebre decisão do Min. Orosimbo Nonato, que, aplicando o
pensamento de Marshall {The power to tax is the power to keep alive) no RE
18.331/S P -09/1951, entendeu que: "Majoração excessiva de imposto. Nuliun
census sine legis. 0 exercício do poder de taxar (imposto proibitivo) não
pode chegar à desmedida do poder de destruir."
A observância da proporcionalidade pode ser visualizada tanto como
a limitação ou desvantagem que o indivíduo tem que suportar em prol dos
interesses gerais e do interesse público; como a vedação ao arbítrio; a
proibição de excesso de poder ou à garantia do respeito aos direitos
fundam entais e a necessidade de buscar o equilíbrio entre os valores
protegidos e os fins que se deseja alcançar. A aplicação da proporcionalidade
está visceralmente ligada à ideia de justiça.
As obrigações trib u tá ria s de dar, fazer, não-fazer e suportar {por
exemplo: artigo 113 do CTN), por si sós já impõem deveres e limites aos
particulares com relação à liberdade, ao patrimônio e à propriedade. Daí
exsurge a proporcionalidade como o instrum ento eficaz para controlar e
também coibir excessos quando da intervenção do Estado na esfera particular,
por meio da cobrança de tributos ou imposição de sanções. Tais exigências
somente serão suportadas se acontecerem no mínimo possível a atender ao
interesse público, sob pena de se tornarem desproporcionais e afetarem o
indispensável equilíbrio imprescindível à convivência social que justificou o
próprio Estado.
Todo agir do Estado precisa ser justificado (motivado), pois se até
mesmo as legítimas exigências de tributos precisam estar lastreadas em
m o tivo s ju s to s , que p o s s ib ilite m ao p a rtic u la r id e n tific a r a sua
correspondente compensação (destinação dos tributos, serviços prestados
pelo Estado etc.), que se dirá quando essa cobrança se tornar desproporcional
em relação ao ônus imposto ao particular na situação concreta.
0 interesse público protegido constitucionalmente, todavia, não pode
ser alcançado por meios que resultem em aniquilar, obstar ou destruir outros
bens que igualmente estão sob o abrigo constitucional. Qualquer intromissão
estatal na esfera particular em busca da realização do bem estar social,
todavia, deverá ser no mínimo necessário e causar os menores prejuízos.
No mom ento da criação das hipóteses de incidências, o legislador
deve observar a realidade factu a l para que a lei possa a te n d e r às
necessidades, anseios e atingir o seu objetivo, inclusive para buscar ajustar
a incidência tributária à capacidade contributiva e à isonomia, bem assim

315
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

estabelecer as sanções adequadas às infrações de modo que nem sejam


excessivas nem insuficientes. Um dos mais tormentosos temas, segundo
Gilmar Ferreira Mendes, é o controle do excesso do poder de legislar.^®^
Já na fase de execução, aplicação e julgamento a proporcionalidade
se apresenta no processo de compreensão e interpretação do direito, na
construção do sentido, do conteúdo e do alcance da regra jurídica que irá
conferir a materialização do fenômeno normativo.
A proporcionalidade é um dever que obriga a todos aqueles que
exercem o poder seja por meio de atividades típicas ou atípicas, como uma
ferramenta de ajuste dos comandos gerais ao caso específico e solução dos
conflitos: tanto para o Executivo, quando ele edita atos normativos, pratica
atos executórios ou aprecia os atos de seus agentes em sede de controle ou
contencioso; como para o Legislativo, quando esse faz leis e edita atos
regimentais ou quando realiza julgamentos dos seus membros (Comissões
Parlamentares de Inquérito - CPI); e, para o Judiciário, quando esse faz seus
regulamentos e também quando exerce o seu poder jurisdicional na busca
de fazer justiça.
A adequação se relaciona ao exame objetivo dos meios utilizados
para alcançar determinado fim (interesse público protegido). O cumprimento
do dever de adequação obriga a que o meio utilizado na busca do fim
desejado seja apropriado, isto é, deve Inaver uma conexão racional do meio-
fim, entre a medida utilizada e o fim desejado. 0 meio escolhido não precisa
ser o melhor ou mais apropriado, basta que seja suficiente para obter o fim.
Isto é, 0 meio deve simplesmente estar apto a atingir o fim.
A proporcionalidade estará violada se o meio empregado não for
idôneo, a p rop ria d o ou suscetível de realizar o fim perseguido. Para
reconhecimento dessa violação basta ser constatado que a medida adotada,
por si só, é incompatível ou não é suficiente ou é inadequada para realizar o
fim .
Já a necessidade diz respeito ao exame do ônus que recai sobre o
particular como resultado dos meios aplicados para se alcançar os fins
desejados (a satisfação do interesse público). Diz respeito à moderação, à
intensidade, à indispensabilldade do peso a ser suportado pelo indivíduo
para que o Estado atenda aos seus fins. O dever de cumprir a necessidade
obriga que sejam utilizados os meios mais moderados e suaves possíveis
para a limitação dos direitos dos particulares e que tais meios sejam os
estritamente necessários ao alcance dos objetivos.

MENDES. G i l m a r F e r r e ir a . D ir e i to s F u n d a m e n t a is e C o n t r o l e d e C o n s ti t u c i o n a l id a d e . São Paulo:


S a ra iv a : 2 0 0 7 , p p. 4 6 - 5 0 .
CARVALHO, Paulo d e B arres. Curso d e D ir e ito T r ib u tá r io . São Paulo, p p . 9 5 -9 6 .

316
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Para a realização da necessidade, deverão ser examinados todos os


meios disponíveis de serem utilizados para alcançar o objetivo pretendido e
a escolha deverá recair sobre aquele que produza o resultado desejado,
mas que cause a menor restrição e ônus ao particular. Deve ser apurado,
inclusive, se som ente por aquele m eio poderia ser alcançado o fim
pretendido.
A proporcionalidade estará violada se, no caso concreto, o fim
perseguido pelo Estado puder ser atendido por outros meios igualmente
eficazes que não lim item ou resultem na mínima restrição dos direitos
fundamentas. Este critério é o que bem traduz a proibição de excesso.
No tocante à proporcionalidade em sentido estrito, ela se refere ao
exame e à avaliação do equilíbrio e a conformidade entre os meios utilizados
em relação aos fins desejados (interesse público a ser obtido). Diz respeito
à análise concreta dos interesses público e particular em conflito, mediante
a comparação e o sopesamento, no caso concreto, do ônus imposto ao
particular em relação ao benefício a ser obtido na busca da realização do
interesse público.
0 benefício que se deseja alcançar deve justificar a adoção das medidas
que resultarão em limitação dos direitos do particular, que também são
protegidos e cuja intervenção estatal poderá causar prejuízos ao interesse
individual. Porém, a busca do fim desejado, por exemplo, a capacidade
contributiva, não pode ela própria ser aniquilada inteiramente na sua busca
como um fim. Para tanto, é que a extensão, a quantidade, a qualidade e a
intensidade dessa limitação terão que se dar no mínimo necessário e com a
menor carga possível, para não produzir o efeito contrário de aniquilar a
liberdade ou exterminar o patrimônio do particular que também se encontra
sob proteção.
Estará violada a proporcionalidade em sentido estrito se for constatado
que as medidas adotadas são intoleráveis para o indivíduo, bem assim as
vantagens obtidas são de tão pequena monta que não compensem o sacrifício
suportado pelo particular.
No iter do exame da proporcionalidade, primeira se verifica se o meio
utilizado é adequado para atingir o fim; depois se as medidas adotadas são
necessárias e representam as menos onerosas e opressoras, se comparadas
com as várias alternativas existentes como possíveis de serem aplicadas; e,
por último, se essas medidas eram toleráveis e se estão em uma relação
razoável entre os meios escolhidos e os fins desejados, isto é se eles
efetivamente eram proporcionais.
A decisão de agir ou não agir não é da autoridade, a previsão da ação
tem que estar na lei. Porém, nessa atuação a proporcionalidade também
terá que estar presente sob os seus aspectos essenciais - adequação
(aptidão), necessidade (intensidade e indispensabilidade) e a proporção

317
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

em sentido restrito (conformidade), o que expõe o ato à verificação, à


avaliação e ao controle ainda dentro do âmbito da própria Administração. É
neste momento que ela exerce a atividade atípica de apreciar e controlar a
perfectibilidade dos atos de seus agentes.
A proporcionalidade tem reflexos diretos na seara tributária quando
ela se relaciona diretamente com os princípios do devido processo legal, da
igualdade, da solidariedade e da capacidade contributiva na busca da justiça
tributária. Tais princípios têm por substrato que aqueles que têm mais devem
contribuir mais com a repartição da carga tributária e a graduação das incidências
deverá obedecer às necessidades tip icam en te diferenciadas, devendo
qualquer expropriação de bem se dar por meio do devido processo legal.
A capacidade contributiva é um dos pilares em que se assenta e a
exigência tributária, para justificar a necessidade de se sacrificar os interesses
individuais em nome da solidariedade, da isonomia e do interesse público.
Esse princípio, porém, tem que ser visualizado na sua amplitude, não só
para exigir que os que tenham mais contribuam mais, mas para determinar
que os que tenham menos também contribuam menos ou sejam dispensados
de contribuir.
É aqui que surge a proporcionalidade como um das vigas mestras em
que deve assentar a incidência tributária. A criação e a cobrança de tributos
somente atenderão ao interesse público quando se encontrar o necessário
equilíbrio, por meio do ajuste entre os princípios da capacidade contributiva
e os da proteção ao patrimônio e da livre iniciativa. Nesse campo, o interesse
público a ser protegido é a realização da justiça fiscal e o respeito à liberdade,
que só poderá sofrer restrições d en tro dos critérios estabelecidos no
ordenamento jurídico.
É inegável que existe o dever de pagar tributos e o interesse público
da arrecadação, porém as exações não podem violar a proporcionalidade,
pois é ela que afiança que nesse mister tanto o legislador, como o aplicador
e o julgador buscarão aplicar o meio mais adequado, necessário e menos
gravoso capaz de assegurar a arrecadação ao Estado e, paralelamente, garantir
os direitos fundamentais.
Q ualquer in terven ção e statal, p o rta n to , mesmo na busca da
capacidade contributiva e da justiça fiscal, somente poderá restringir a
liberdade ou reduzir o patrimônio do particular na medida mínima necessária
à realização desse fim.

3. A proporcionalidade no âmbito administrativo-tríbutário

Se a aplicação objetiva da proporcionalidade encontra dificuldades


no â m b ito dos trib u n a is ju diciais, m aiores dúvidas, resistências e
questionamentos surgem quando se tra ta da sua efetivação no âmbito

318
D IRE IT O T R IB U T Á R IO QUESTÕES ATUAIS

administrativo: seja na elaboração de atos normativos infralegais; seja no


exercício típico de execução dos atos normativos; seja no limitado campo
em que é p e rm itid a a discricionariedade; ou no m om e nto em que a
administração atua em procedimentos fiscais e, também, quando ela atua
no exercício da competência de solucionar as lides tributárias em sede do
contencioso administrativo.^®^
No m om ento de elaboração das leis tributárias o legislador deve
acolher a p ro po rcionalidade por m eio de c rité rio s de graduação das
incidências tributárias e da fixação das sanções, de modo a prover o Estado
de recursos e, paralelamente, permitir que o aplicador possa confrontar o
evento do mundo com a previsão normativa e fazer o necessário ajuste, o
mais próximo possível, para equilibrar as condições materiais do fato, do
sujeito, do dano sofrido e do prejuízo imposto.
Ao agente público som ente é p e rm itid o agir de acordo com as
previsões e limites legais que expressamente dizem quando, como, onde e
a forma de sua atuação, sendo ele obrigado, também, a motivar todos os
seus atos mediante a justificação da sua atuação.
O princípio da legalidade, segundo Hely Lopes Meireles, traduz-se
exatamente na máxima de que "Na Administração Pública não há liberdade
nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer
tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o
que a lel autoriza. A lel para o particular significa pode fazer assim'; para o
administrador público significa 'deve fazer assim'."^®“
Cumpre observar que a legalidade em matéria tributária deve ser
visualizada sob os aspectos formal e material, como sempre defendemos.
Contudo, passamos agora a acrescentar uma terceira exigência: a
legalidade visualizada, também, sob a exigência de que o seu conteúdo
material e a sua aplicação deverão atender à proporcionalidade.
0 terceiro aspecto que aqui se apresenta é que a observância da
legalidade pressupõe a consonância do ato com o p rin cíp io da
proporcionalidade, isto é, a legalidade relacionada com o m elo-fim . A
legalidade somente estará atendida se os meios, os motivos e o conteúdo
do ato guardarem conformidade com os fins visados pela lei, ou seja, se os
meios u tiliza do s na edição do ato fo re m adequados, necessários e
proporcionais ao fim que se deseja alcançar: a realização do interesse público.

S o b re a a p lic a ç ã o da p r o p o r c io n a li d a d e n o p ro c e s so a d m i n is t r a t iv o t r i b u t á r i o ve r: NEDER, M a rc o s
V i n i c i u s e LÓPEZ, M a r ia Teresa M a r t i n e z . P ro c e s s o A d m i n i s t r a t i v o F is c a l F e d e r a l C o m e n ta d o . São
P a u lo : D ia lé t ic a . 2 0 0 4 , p p . 6 4 - 6 5 .
MEIRELLES, H ely L opes. D ir e i t o A d m i n i s t r a t i v o B r a s ile ir o . São P a u lo : M a lh e ir o s . 1 99 4 , p, 8 2-8 3 .
QUEIROZ. M a r y Elbe. Im p o s to s o b re a R enda e P ro v e n to s d e Q u a lq u e r N a tu re z a . São Paulo: M a n o le .
2 00 4 , p p. 1 2 -1 3 . QUEIROZ M A IA , M a r y Elbe. D o L a n ç a m e n t o T r i b u t á r i o - Exe cuçã o e C o n tr o le . São
P a u lo : D ia l é t ic a . 2 0 0 9 , p p . 1 0 4 - 1 0 7 .

319
DIREIT O TR IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

Qualquer ato editado com excesso ou abuso de poder, de forma


desmedida, irrazoável ou desproporcional estará em desconformidade com
a lei e os comandos constitucionais, sendo nulo de pleno direito por violar a
legalidade. Quando a autoridade apesar de competente para agir ultrapassa
ou excede os limites das suas atribuições, desvia-se das finalidades do seu
atuar ou executa ato irrazoável ou desproporcional à medida necessária
para atingir o interesse público, inexoravelmente pratica nulo.
0 processo adm inistrativo constitui uma ferram enta indispensável
para que a própria Administração proceda ao controle dos atos de seus
agentes, mediante a verificação do ato administrativo (normativo, executivo
ou decisório) na sua inteireza e a m p litu d e , alcançando, inclusive, o
cumprimento e o confronto do ato com os desígnios constitucionais. Um ato
só estará em harmonia e ao abrigo da ordem jurídica se ele se revestir da
roupagem constitucional.
Se um ato adm inistrativo desrespeitou ou ultrapassou as balizas
constitucionais pode-se concluir que ele foi praticado de forma contrária à
ordem jurídica e não atende à finalidade última da realização do interesse
público, exigindo, por decorrência, o reconhecimento do seu desajuste e a
declaração da sua invalidade, ilegalidade ou inconstitucionalidade. Esse é o
bem jurídico a ser protegido e o verdadeiro interesse público a ser atingido.
A Administração, em sede do contencioso administrativo, não pode
omitir-se, se recusar ou recear proceder à revisão dos atos dos seus agentes
para lhes aferir a perfectibilidade, isto é, a respectiva constitucionalidade,
legalidade e proporcionalidade. E ntendim ento em co ntrá rio implicaria
mitigar os poderes que lhe são ínsitos e justificam a sua existência e que
decorrem não só do devido processos legal, como do amplo direito de defesa,
da moralidade, da eficiência, da proporcionalidade, da razoabilidade e da
p ró pria legalidade, que, ig ualm ente, são aplicáveis ao processo
administrativo, cujo cumprimento se exige também em nome do interesse
público.
Na atualidade, a Administração não pode mais se furtar a aplicar a
proporcionalidade, pois tal posição significaria violar a própria legalidade,
uma vez que, apesar desse princípio derivar do Estado de Direito e do dever
de respeitar os direitos fundamentais, hoje ele consta também em texto
expresso na Lei ns 9.78^1999.
É injustificado o tem or de que a adoção da proporcionalidade resulte
em subjetividade, haja vista que para se evitar abusos ou arbitrariedades no
seu m anejo, o p ró p rio o rd e n a m e n to prevê form as de c o n tro le e a
necessidade de motivação do ato administrativo a fim de justificar a sua
edição: tanto no momento da constituição de direito para a administração
(por exemplo, no lançamento tributário de tributo ou imposição de penalidade)
como no tocante aos atos decisórios (julgamentos administrativos).

320
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Com esse fim, os critérios objetivos que devem nortear a aplicação da


proporcionalidade dizem respeito aos aspectos de: i) adequação dos meios
para a perfeita identificação do enquadramento do evento do mundo às
prescrições legais que estabelecem as hipóteses de incidência, a respectiva
transmudação em fatos-jurídicos tributários e a correspondente penalidade;
ii) necessidade de que os meios utilizados sejam os menos onerosos, no
sentido de somente ser admitida qualquer restrição da liberdade ou que
seja atingido o patrimônio ou a propriedade do particular, na medida mínima
indispensável à satisfação do interesse público; iii) proporcionalidade em
sentido estrito ou a conformação e o equilíbrio entre o meio utilizado e o
fim a ser atingido, a lesão causada e o prejuízo imposto.
A exigência de tributos e a imposição de penalidades deverão guardar
proporção razoável entre os meios utilizados e os fins a serem alcançados
por meio do uso do bom-senso e de moderação. A observância desses
aspectos será apurada por meio do sopesamento dos interesses em conflito,
para que a relação tributária se estabeleça de forma racional e haja equilíbrio
entre os meios empregados pela Administração e o fim visado pela lei e
pelo interesse público.
No procedimento e no processo administrativo, o dever de cumprir a
proporcionalidade não se restringe, apenas, à aplicação das sanções, esse
p rin cípio tam bém te m que ser observado no to c a n te à pesquisa do
surgimento de obrigações tributárias ditas principais. Deve ser verificado o
perfeito enquadram ento e subsunção do evento do mundo à hipótese
abstrata da lei, suficiente para transmudá-lo em fato gerador tributário e
fazer a nascer a obrigação de pagar trib u to ou dever instrumental, cujo
descumprimento Implicará em infração à lei.
O procedimento fiscal é realizado com respaldo no dever-poder legal
(a lei impõe o dever e dá poderes) conferido à Administração para investigar
a ocorrência ou não do fato gerador e da obrigação tributária, o respectivo
cumprimento ou descumprimento das disposições legais e a ocorrência de
infração à lei. Esse dever-poder tem que se exteriorizar e se realizar na
forma e na medida prevista na lei.
Contudo, a aplicação dos dispositivos legais pressupõe a interpretação
dos mesmos, bem assim não se pode deixar de reconhecer, apesar de a
autoridade administrativa estar estritamente vinculada à lei, que existe no
seu agir um certo grau de discricionariedade: na eleição das pessoas a serem
fiscalizadas; na escolha dos meios e procedimentos de fiscalização lícitos;
na colheita de provas; no uso das presunções legais e na liberdade de
investigação em decorrência da multiplicidade e complexidade das situações
fáticas que deverão ser examinadas, para id e n tific a r e q u a n tific a r a
ocorrência dos fatos jurídicos dos quais nascem as obrigações tributárias ou
para identificar possíveis infrações à lei.

321
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

Os atos administrativos de lançar tributo e impor sanção devem ser


praticados de modo que prestigiem a proporcionalidade. Igualmente, no
exercício do c o n tro le desses atos pela p ró pria A dm inistraçã o , a
proporcionalidade é a ferramenta eficaz a ser utilizada, uma vez que o direito
positivado não oferece apenas uma interpretação a ser seguida, pois, como
no pensamento de Kelsen, ele dá somente a moldura que direciona o
intérprete a quem cumpre aplicar a norma.
No agir da autoridade fiscal é imprescindível que haja adequação entre
o fato e a descrição da hipótese legal, bem assim que o ato expedido esteja
apto a realizar a finalidade por ele perseguida que é a proteção do bem
tutelado. Na execução de atos pela fiscalização, deve-se adotar a intervenção
mínima na esfera particular, tentando dimensionar e identificar o grau de
lesão sofrida pelo bem tutelado que vai justificar a intensidade da sanção e
do prejuízo a ser imposto ao infrator, pois nem toda transgressão repercute
com a mesma gravidade sobre o interesse protegido.
A adoção de medidas impositivas ou restritivas requer cuidados
especiais, mesmo quando previstas em lei, seja para cobrar tributo seja para
apurar a respectiva base de cálculo, quantificar o m ontante devido, no
exercício das atividades previstas no artigo 142 do CTN ou no exercício do
poder de fiscalizar previsto no artigo 195 do CTN. Do mesmo modo, a aplicação
de sanções, uma vez que no ato de penalizar podem ser violadas outras
normas que compõem o todo do sistema em que estão inseridas.
No tocante à imposição de sanções, maiores cautelas devem cercar a
atuação da autoridade competente para impor penalidades por meio da
constatação e prova da prática de infração, bem assim na identificação da
sanção mais adequada, necessária e proporcional na relação meio-fim. Para
tanto, devem ser consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes, a
intensidade e a qualidade do dano ou da lesão do bem jurídico protegido e
o prejuízo a ser imposto ao particular.
Na aplicação das sanções, é preciso sopesar os interesses protegidos
e em conflito, inclusive, mesmo quando a conduta se enquadre formalmente
como infração, deve-se buscar p on d era r a adoção dos princípios da
insignificância e da irrelevância penal do fa to , no se ntid o de que a
intensidade da sanção seja proporcional à ofensa do bem que se quer
resguardar.^^^

E x e m plo nesse s e n tid o fo i o j u l g a m e n t o p e lo STF d o HC-7 7.0 03/PE. Rei. M i n . M a r c o A u r é lio .: "JUSTA
CAUSA - INSIGNIFICÂNCIA DO ATO APONTADO C O M O DELITUOSO. U m a vez v e rific a d a a insig nificâ n cia
ju r í d i c a d o a t o a p o n t a d o c o m o d e l i tu o s o , i m p õ e - s e o t r a n c a m e n t o d a a ç ão p e n a l p o r f a lta d e ju s t a
c a u s a . A i s t o d ir e c i o n a m o s p r i n c í p i o s d a r a z o a b i l i d a d e e d a p r o p o r c i o n a l i d a d e . C o n s u b s t a n c i a
a to in s ig n ific a n te a c o n t r a t a ç ã o is ola da d e m ã o - d e - o b r a , v is a n d o à a t iv id a d e d e g ari, p o r m u n ic íp io ,
c o n s i d e r a d o p e r í o d o d i m i n u t o , v i n d o o p e d i d o f o r m u l a d o e m r e c la m a ç ã o t r a b a l h is t a a s e r j u l g a d o
i m p r o c e d e n t e , a n t e a n u l i d a d e d a r e la ç ã o j u r í d i c a p o r a u s ê n c ia d o c o n c u r s o p ú b l ic o .

322
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

De modo contrário, deve ser a atuação quando constatada a infração


mediante a prática de fraude, por exemplo, ou de atos lesivos de tal monta
que exigem maior rigor e sanções mais gravosas, como forma de prevenir,
reprimir e proteger o interesse público não só com relação à arrecadação,
mas no tocante à isonomia e à capacidade contributiva.
Com esse objetivo, há que se distinguir meros descumprimentos de
deveres instrumentais ou obrigações acessórias, dos quais não resultou falta
de pagamento de tributo ou óbice à necessária atividade de fiscalizar, para
verificar o atendimento de obrigações tributárias, daquelas infrações que
revelem dolo e intuito de fraudar.
A própria Lei ns 9.430/1966, no seu artigo 44, distingue as hipóteses de
meras infrações, daquelas que revelam evidente intuito de fraude fixando
penalidade mais gravosa nas hipóteses em que o sujeito passivo tenha agido
com manobras, manipulações e artifícios, bem assim ao estabelecer a multa
moratória pelo simples atraso no pagamento. Nesse sentido, tendo em vista
0 alto valor dos juros moratórios (juros Selic, hoje em torno de 10% ao ano)
cobrados também pelo não pagamento, deve-se pensar se a muita moratória
de 20% cumulativa com esses juros, não seria ela mesma desproporcional.
Maior relevância adquire a proporcionalidade quando a Administração
tributária exerce o seu poder de controle (auto-controle), tanto na busca da
perfectibilidade dos atos de seus agentes como para solucionar os conflitos
ainda na sua esfera. Esse exame amplo e irrestrito dentro do contencioso
administrativo deve se dar sob duas perspectivas: tanto para exigir que a
proporcionalidade seja o guia e o instrumento que dirigirá a ação de controle
das autoridades que detêm tal competência, como também ele se destina a
investigar se os atos praticados na fase de procedim ento fiscal, no ato
lançamento e no ato de imposição de penalidade, igualmente, atenderam à
proporcionalidade e aos desígnios da lei e do Direito.
No exercício da autotutela, com vista a conferir a legalidade dos atos
de seus agentes, já em sede do contencioso administrativo, quando surge o
processo adm inistrativo-tributário com a defesa do cidadão-contribuinte
contra o ato de lançamento ou de imposição, deve também ser examinada a
relação meio-fim, isto é: se o ato editado pelo agente (lançamento de tributo
ou imposição de penalidade) obedeceu à adequação, à necessidade e à
proporcionalidade em sentido estrito e à conformação do respectivo ato ao
verdadeiro interesse público.
A Administração age na busca do cumprimento da lei e do Direito,
para tanto ela tem o dever de controlar a perfectibilidade dos atos de seus
agentes por meio do poder de reexame total da aplicação da lei, na busca da
justiça fiscal. Esse c o n tro le , p o rta n to , alcança não só a aplicação da
proporcionalidade pelos próprios órgãos a quem a lei incumbe o poder de
co ntro la r, com o tam bé m alcança a a ferição do a te n d im e n to da
proporcionalidade na edição dos atos administrativos.

323
DIREIT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES A T UAIS

A Administração quando busca harmonizar interesses e atua no papel


de solucionar conflitos, em sede do contencioso adm inistrativo, exerce
atividade judicante (atividade atípica) cujos princípios diferem do agir da
Administração ativa (atividade típica). Enquanto a atividade típica (lançar e
impor penalidade) é regida pela inquisitoriedade, oficialidade e o interesse
público na arrecadação; na atividade atípica de julgar, sobressaem o devido
processo legal, o contraditório, ampla defesa e o Interesse que prevalece é
o resguardo e proteção da ordem jurídica.^®^
A atividade de controle também é realizada em nome do interesse
público, pois não se admite que o interesse da arrecadação seja maior do
que 0 interesse público de preservação dos pilares da ordem jurídica.
É importante ressaltar que o ônus da prova no âmbito tributário é da
autoridade fis c a l/^ É ela quem acusa o sujeito passivo da relação tributária
do não pagamento do tributo, da prática de infração ou de conduta delituosa
que revele evidente intuito de fraude. A própria lei impõe o dever de provar
à autoridade fiscal só admitindo a inversão do ônus da prova nas hipóteses
expressamente previstas em lei.

4. Conclusão

Na a tu a lid ad e não há mais com o se negar a aplicação da


proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido
estrito) no âmbito administrativo-tributário seja no procedimento fiscal seja
processo administrativo-tributário. Esse princípio é o que melhor atende à
legalidade e a todos os demais direitos fundam entais assegurados aos
in d ivíd u o s-co n trib u in te s, como form a de harm onizar e e q u ilib ra r os
interesses e direitos em colisão, por meio da ponderação dos valores
envolvidos e se alcançar a segurança jurídica. Assim, deverá ser considerada
a relação meio-fim com o objetivo de solucionar os conflitos e buscar realizar
o interesse público que é o bem jurídico protegido.
O verdadeiro interesse público, contudo, não se confunde com a ideia
imediatista da arrecadação, pois ele somente será alcançado se a ordem
jurídica for preservada, mediante a observância da lei e do Direito, em nome
da segurança jurídica.

XAVIER, A lb e r t. Princípios d o Processo A d m in i s t r a t i v o e J u d ic ia l T r ib u tá r io . Rio d e ja n e ir o : Forense.


2005, p p . 5 2 -5 3 .
De a c o r d o c o m os p r in c í p i o s c o n s a g r a d o s na C o n s t i t u i ç ã o F e d e r a l, n in g u é m será a c u s a d o se m
p rov a s e s e m q u e lhe seja a s s e g u ra d o o d ir e i t o d e c o n h e c e r e a p r e s e n ta r p rov a s e m c o n t r á r i o - a rt.
59, LIV e LV), b e m a s s im t a l ô n u s e n c o n t r a - s e e x p r e s s a m e n t e p r e v i s t o e m Lei, c o n s o a n te 0 a r ti g o
9S, § § 29 e 3G, d o D e c r e to - le i nS 1 . 5 9 ^ 1 9 7 7 (a r tig o s 9 2 4 e 9 25 d o R e g u la m e n to d o Im p o s to s o b re a
R e n d a /1 9 9 9 ).

324
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

A IRRETROATIVIDADE DO DIREITO NO DIREITO TRIBUTÁRIO

Mísabel Abreu Machado DerzP^^

1. A atualidade de JEREMY BENTHAM e o novo anteprojeto do Código


de Processo Civil

BENTHAM, que é considerado o pai do p o s itiv is m o m oderno,


descreveu sardonicamente o "common la w " como "lei do cão". Esse apelido,
por ele conferido ao direito inglês, tinha ficado relativamente esquecido
pelos juristas dos países do "civil law", acreditando alguns deles pertencerem
a um sistema de "lei de homens". Não obstante, quer juristas do "common
law", quer do "civil la w " passaram a evocar BENTHAM novamente, decorridos
quase duzentos anos de sua morte.
Assim resume SCOTT J. SHAPIRO, em 2011, a posição de BENTHAM,
para apoiá-la:

“ Quando seu cõo não fa z algo que você quer, para corrigi-lo, você
espera a té ele fa z e r de novo e então b a te nele p o r isso. Esse é o
m odo de fa z e r o dire ito p a ra o seu côo: e isso é o m odo de os juizes
fazerem o direito para você e para mim. Eles nôo querem co ntar ao
hom em p o r antecipação o que ele não deveria fazer..eles m entem
até que ele fa ç a algum a coisa que eles dizem que não deveria te r
sido fe ito , e então eles o enforcam p o r isso." (Legality - Harvard
Un.Press, Cambridge, London, 2011).

Recentemente, entre nós, a ilustre Comissão Especial, destinada a


proferir parecer ao Projeto de Lei no. 60251/2005 e 804E/2010, ambos do
Senado Federal, to rn o u a c ita r BENTHAM, exatam ente em relação à
passagem supra referida (ver exposição de motivos) e propôs que figure
no futuro Código de Processo Civil, na seção III, "Do Precedente Judicial",
o seguinte dispositivo:

"Art. 508. Os tribur}ais devem u n iform iza r sua jurisprudência e


m antê-la estável.
A rt. 509. Para d a r e fe tivid a d e ao disposto no a rt. 5 0 8 e aos
princípios da legalidade, da segurança jurídica, da duração razoável

3” - p r o f a . T i t u l a r d e D i r e i t o T r i b u t á r i o d a U F M G , P r o fa . T i t u l a r d a s F a c u ld a d e s M i l t o n C a m p o s,
P r e s id e n te d a ABRADT, f i l i a d a à FONDAFIP-Paris, C o n s u lto ra e A d v o g a d o

325
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

do processo, da proteção da confiança e da isonomia, as disposições


seguintes devem ser observadas: (omissis)
V- na hipótese de alteração de jurisprudência dominante, sumulada
ou não, os tribunais podem m o d u la r os efeitos da decisão que
supera o entendim ento anterior, lim ita n d o sua retro ativid ad e ou
lhe a trib u in d o efeitos prospectivos."

Ora, como somos um país "civil law" em que, portanto, leis prévias
fazem conhecer o Direito em comandos normativos genéricos, postos pelo
Poder Legislativo e nos quais deve se basear o juiz, a atualidade de BENTHAM
pode suscitar dúvidas nos espíritos mais incautos. Mesmo nos países do
"common law/", a força da legalidade em matéria penal e tributária - da qual
é símbolo universal a Carta de João Sem Terra, 1215, a "lei do cão" configuraria
uma advertência pertinente ou mera hipérbole de efeito?
De longa data, sabe-se que a lei, em seu enunciado lingüístico, tal
como adveio do Poder Legislativo, embora marco insuperável do Estado de
Direito, não é mais suficiente para garantir a segurança. Leis inconstitucionais,
ilegais - se hierarquicamente inferiores a outras leis - de conteúdo ambíguo,
polissêmico e inadequado socialm ente m ultiplicam -se nas sociedades
contemporâneas complexas. 0 encontro do Direito Tributário, portanto, não
é algo simples, mas requer a intervenção do Poder Judiciário que, por meio
do caso concreto, fixa, em jurisprudência consolidada, o sentido correto -
entre outros - aquele único, apto a criar a expectativa normativa legítima
para todos aqueles em situação similar. Aos contribuintes obedientes à lei,
segundo o sentido cristalizado pelas decisões judiciais, o Estado deve
proteção, razão pela qual o Poder Judiciário não pode inovar o seu entendimento
repentinamente e oferecer ao jurisdicionado, o "direito do cão".
De impressionante atualidade é o dito de BENTHAM. É inegável que o
princípio da irretroatividade não obriga apenas ao legislador, mas também
80 administrador e ao juiz. 0 que importa é a irretroatividade do Direito.

2. A Irretroatividade do direito

Dispõe o art. 52, XXXVI, da Constituição de 1988 que "a lei ndo
prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa Julgada". Por
sua vez, o caput e inciso I do art. 5® garantem:

"Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,


garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País
a inviolabilidade do d ire ito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos term os seguintes:"
"Homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos
desta Constituição".

326
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Nesses importantes dispositivos constitucionais estão em jogo valores


fundam entais da Constituição como segurança jurídica {desdobrada na
legalidade, na não surpresa e na irretroatividade da lei nova em face do fato
jurídico pretérito e da coisa julgada) e igualdade.
De certa forma um confronto, porque decisões judiciais contraditórias
{algumas reconhecendo o direito do contribuinte, outras negando-o podem
ser cristalizadas por meio da coisa julgada, de modo que a aplicação do Direito
pode ser diferente para uns e outros. A decisão judicial posterior, ainda que
advinda de instância superior àquela em que se operou a coisa julgada, não
será retroativa para destruir os efeitos da coisa julgada ocorrida inter alios.
Também o Poder Judiciário está sujeito à irretroatividade que diz respeito
ao Direito, reconhecido em suas próprias decisões, e não apenas às leis.
A título ilustrativo vamos relembrar um caso antigo ocorrido a partir
de junho de 2007. Naquele ano, o Supremo Tribunal Federal enfrentou
im p o rta n te questão de ordem , levantada pelo M in is tro RICARDO
LEWANDOWSKI, no RE ns. 370.682-SC, sobre a possibilidade de se
concederem efeitos prospectivos à decisão que, em 15 de fevereiro de 2007,
denegara o direito de crédito no IPI, relativo às entradas de produtos sujeitos
à alíquota zero, por maioria de um voto apenas. É que tal decisão, sem ter
havido qualquer mudança no Texto da Constituição ou da lei, alterou
entendimento anterior da mesma Corte que, no RE n^. 350.446-PR (Pleno),
concedera o direito ao creditamento do IPI, relativo às aquisições de insumos
sujeitos à alíquota zero.
Tal posição, consagrada em 2002, correspondera a um desdobramento
dos efeitos de antiga jurisprudência, firmada pela própria Corte, durante
décadas, que garantira aos contribuintes do IPI e do ICMS o direito de crédito
por operações isentas. Com o advento da Emenda Constitucional n^. 23/83 e,
superveniente m ente, da própria C onstituição da República de 1988,
proibindo a concessão de créditos presumidos, nos casos de isenção e de
não incidência apenas para o ICMS, a Corte Constitucional manteve o seu
entendimento anterior, agora restrito ao IPI. Assim, no RE n^. 212.484-RS,
assentara firmemente que o princípio da não cumulatividade recebera um
tratam ento diferenciado para o trib u to dos Estados Federados, o ICMS,
inaplicável ao IPI, para reconhecer o direito ao crédito em relação à aquisição
de insumos isentos somente em relação ao tributo federal. Posteriormente,
no já citado RE n^. 350.446-PR, o mesmo direito ao creditamento do IPI fora
estendido às compras de insumos, sujeitos à alíquota zero.
Quase cinco anos depois, a mudança de entendimento da Corte suscita
a questão de ordem , que envolve princípios de alta relevância como
segurança jurídica, irretroatividade, proteção da confiança e boa fé. Pela
primeira vez, foi posta a indagação em matéria tributária. Sabendo-se que,
durante o período em que vigorou o entendimento, ora superado pela Corte,

327
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT UAIS

cerca de sessenta recursos extraordinários, por causa dele e nele assentados,


foram julgados monocraticamente por vários ministros do próprio Tribunal,
então convencidos de sua definitividade, indagou-se, legitimamente, se os
contribuintes que, confiantes, se creditaram do IPI, mereceriam proteção
contra os efeitos da sentença inovadora, que os surpreendera. Contra o
voto vencido do Ministro LEWANDOWSKI, a Corte não reconheceu, no caso
em tela, confiança a ser p ro te g ida , nem d ire ito à segurança ou à
irretroatividade da nova decisão, ao argumento de que nenhuma sentença
anterior, relativa à alíquota zero, chegara a transitar em julgado.
Essa primeira aproximação, em recurso de fundo tributário, feita pelo
Supremo Tribunal Federal, parece colocar, em primeiro plano, a ideia de
que uma jurisprudência somente se consolida se houver trânsito em julgado,
ainda que, reiteradamente, decisões plenárias ou monocráticas se sucedam
no mesmo e idêntico sentido, durante largo período de tempo. Mas ela
deixa ainda sem resposta uma plêiade de indagações, a saber, se a segurança
jurídica envolveria o princípio da irretroatividade das decisões judiciais de
forma objetiva, como continuidade da norma judicial que regia os fatos no
tempo em que ocorreram, sendo nesse caso essencial o trânsito em julgado?
Haveria diferenciação no tratamento da questão pelo Tribunal, se o princípio
invocado fosse restrito à proteção da confiança (que tem nuance subjetiva,
embora objetivada), ou à boa fé, na hipótese concreta daqueles contribuintes
que tiveram, em seus processos, decisões monocráticas de ministros da
Corte, confirmatórias da definitividade do entendimento que os beneficiava?
Enfim, 0 Supremo Tribunal Federal não parece ter estabelecido nenhuma
discriminação entre tais princípios (segurança, irretroatividade, proteção da
confiança e da boa fé). A rigor, concedeu tratamento idêntico a todos, ainda
que as situações fáticas de uns fossem radicalmente diferentes daquelas de
outros.
Mas 0 julgamento da questão de ordem, no RE n^. 370.682-SC, apesar
de não responder a tais indagações (provavelmente porque não postas pelas
partes), há tantos anos Intensamente discutidas na doutrina e na prática
constitucional de outros países, assenta importante premissa: em nome da
segurança jurídica, ou da proteção da confiança (?), será possível à Corte, em
tese, graduar os efeitos de suas decisões (obedecidos determ inados
requisitos, faltantes no caso em julgamento), quer no exercício do controle
abstrato de constitucionalidade, quer no controle difuso dos casos concretos,
suscitado pelos recursos extraordinários. 0 julgam ento, portanto, abriu
caminhos, até então inusitados no campo do Direito Tributário.
Não são raros os precedentes do Supremo Tribunal Federal em Direito
Administrativo ou Penal. No Inquérito ns. 687-SP, em que se decidiu cancelar
a Súmula ns.394, que trata do foro privilegiado, mesmo após o abandono do
cargo, prevaleceu, por unanimidade, o entendim ento de que estariam

328
D IRE IT O T R IB U T Á R IO QUESTÕES ATUAIS

ressalvados todos os atos praticados, com base naquela Súmula, na ocasião


revogada. Da mesma forma, no Habeas Corpus n?. 82.959.7-SP, em que o
Supremo Tribunal declarou inconstitucional a vedação à progressividade de
regime nos crimes hediondos, foram ressalvadas as penas já extintas dos
efeitos da decisão. Em outros campos jurídicos, a evolução jurisprudencial
ultrapassou as Súmulas 346 e 473, que reconheciam à Administração Pública
o poder de declarar a nulidade de seus próprios atos por vício de ilegalidade,
a qualquer tempo, fazendo prevalecer sobre a legalidade estrita, a segurança
(continuidade) das situações de fato e de dire ito subjetivas, criadas na
vigência do ato, e aptas a sanar a nulidade.
Enfocando o tem a, especialm ente do p onto de vista do D ireito
Administrativo, os preciosismos artigos de ALMIRO DO COUTO E SILVA, há
anos, dão notícia dessa jurisprudência inovadora do Supremo Tribunal
FederaP^° e identificam, no RE n^. 85.179-RJ (1^. Turma, Rei. Min. BILAC
PINTO), 0 leading case que afirma, de forma insofismável, "o impossibilidade
de tardio desfazimento do ato administrativo, 'já criada situação de fa to e de
direito, que o tempo c o n s o l i d o u . Curioso observar que, em determinados
casos, para a Corte foi totalmente desnecessário investigar a existência de
trânsito em julgado, inexistindo mesmo decisão de m érito ou sentença.
Bastou a existência de simples liminar, criadora de determinada situação de
fato. NoRMSnS. 13.807-Guanabara (RTJ 37/248), a 3§. Turma do STF 7c/ec/c//r)c/o
caso relacionado com situação de aluno que se form ou e passou a exercer
profissão amparado em medida liminar em mandado de segurança, depois
revogada na sentença), guiada pelo voto do Min. PRADO KELLY, entendeu
que a liminar dera causa a uma situação de fa to e de direito que não conviria
fosse inovada. Não era isso outra coisa do que o reconhecimento da sanatoria
do nulo."^^^
Não resta dúvida de que a segurança jurídica e a proteção da confiança
são reconhecidas, de forma mais fácil, pela Corte Superior, quando estão
envolvidos atos administrativos, ou legislativos. Basta dizer que o princípio
da irretroatlvidade das leis é, rotineiramente, interpretado como princípio
que somente diz respeito ao Poder Legislativo. Graduar os efeitos dos atos
alterados ou anulados, da própria Corte, em hipóteses que a causa advém
inteiramente do Poder Judiciário, é situação muito mais rara e inexistente

370 C f " P r i n c í p i o s d a L e g a lid a d e d a A d m i n i s t r a ç ã o P ú b lic a e d a S e g u r a n ç a J u r íd ic a n o E s ta d o d e


D ir e ito C o n te m p o r â n e o " , RPGE, P o r to A le g re 2 7 ( 5 7 ):1 3 -3 1 , 2 0 0 4 ; t a m b é m " 0 P rinc ípio da Segurança
J u ríd ic a ( P r o te ç ã o à C o n fia n ç a ) n o D ir e i t o P ú b lic o B r a s il e ir o e o D ir e i t o d a A d m in i s t r a ç ã o P ú blica
d e A n u l a r seus P r ó p r i o s A t o s A d m i n i s t r a t i v o s : o P ra z o D e c a d e n c ia l d o a r t . 5 4 d a Lei d o P ro c ess o
A d m in i s t r a t i v o d a U n iã o (Lei n^, 9 .7 8 4 /9 9 )" , RBDP, B e lo H o r iz o n t e , a n o 2, n .6 , p. 7 - 5 9 , j u l / s e t . 2 0 0 4 .
Cf. P r in c íp io s d a Lega lid a de ... o p . c it, p . 31.
Cf. COUTO E SILVA, " P r in c íp io s d a L e g a lid a de ....o p . c it. p.3 0.

329
DIRE IT O TR IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

no Direito Tributário, em quadro que costuma desencadear obrigações de


valor financeiro muito elevado.
0 legislador tem procurado garantir a sobreposição da segurança, da
proteção da confiança e da justiça. A legalidade formal cede lugar, na ordem
jurídica nacional, ao Direito, pois ao Estado das leis sobrepõe-se o Estado de
Direito. Assim, o texto legal mais antigo localiza-se no notável Código
Tributário Nacional que, editado na década de sessenta, já estabelecera, no
art. 100, parágrafo único, que a observância pelo contribuinte das normas
complementares administrativas como decretos, instruções normativas,
práticas reiteradas, decisões com efeito normativo "exclui a imposição de
penalidades, a cobrança de juros de mora e a atualização do valor monetário
da base de cálculo"{o que hoje já se tornou insuficiente). E mais, se tiver
havido um ato a d m in is tra tiv o in d iv id u a l e co n cre to em relação a
determ inado contribuinte, dispõe o art. 146 do mesmo Código que "a
m o d ificaçã o in tro d u z id a de ofício ou em conseqüência de decisão
administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade
administrativa no exercício do lançamento somente poder ser efetuada, em
relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a f a t o gerador ocorrido
posteriormente à sua introdução." De longa data, portanto, protege o Código
Tributário Nacional a segurança do contribuinte, que não poderá sofrer a
retroatividade do ato administrativo, do qual já tenha sido notificado, se
houver alteração de critérios jurídicos, ainda que decorrente de mudança
de entendimento do Poder Judiciário.
Mais recentemente, a Lei n^. 9.784/99, que disciplina o processo
administrativo, além de estabelecer o prazo decadencial de cinco anos,
contados da data em que forem praticados, para que a Administração anule
os atos adm inistrativo s "de que decorram efeitos favo rá ve is para os
destinatários" (art. 54), vedou ainda a aplicação de nova interpretação de
norma jurídica a fatos pretéritos (art.2^., inciso XIII, par. único).
Finalmente, as Leis 9868/99, 9882/99 e 11.417^)6 preveem que o
Supremo Tribunal Federal, em nome da segurança jurídica e de relevante
interesse social, module os efeitos de seus julgados, quer nas declarações
de constitucionalidade ou inconstitucional idade, quer na hipótese de
arguíção de descumprimento de preceito fundamental e, finalmente, nas
decisões que elejam as súmulas vinculantes.
Já era tempo, portanto, que o Supremo Tribunal Federal estabelecesse
as condições para atenuar, no seio do D ire ito T rib u tá rio , os efeitos
decorrentes das mudanças de jurisprudência. Daí a relevância do julgamento
no RE n5. 370.682-SC, que desnudou o fato de que a Corte Constitucional faz
decisões políticas, criando e inovando a ordem jurídica. Em razão desse fato,
hoje não mais ocultável, nem do mais ingênuo cidadão, é que se tornou
imprescindível proteger a confiança daqueles contribuintes, que se pautaram

330
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

de acordo com a norma judicial posta nos julgados dos Tribunais Superiores.
É o que veremos a seguir.

3. Os limites do "potiticismo" das decisões de uma Corte Constitucional

Se 0 Poder Judiciário é um poder, ou seja, se a tarefa de todo juiz é


criativa, crescem as dificuldades na tarefa da Suprema Corte, eivada que
está a Constituição de princípios vagos, de alternativas abertas de sentido,
ambíguas ou obscuras, com que, semanticamente, o sistema jurídico se abre
ao a m b ien te e x te rio r ou se "acopla". A escolha e n tre a lterna tivas
controvertidas de política nacional no âmbito da Constituição, já se observou,
faz da função judicante, uma função também "política". Essa conclusão, não
obstante, não guarda incompatibilidade com o Estado de Direito, com o
recrudescimento da segurança jurídica no seio do Direito Tributário, nem
tam pouco com os modelos teóricos de sistemas jurídicos, que operam
fechados, sem interferências externas diretas, políticas ou econômicas, como
0 de NIKLAS LUHMANN/^
0 clássico artigo de ROBERT DAHL, intitulado "Decidindo em uma
Democracia: A Suprema Corte como geradora de políticas nacionais", editado
pela primeira vez em 1957 e reimpresso honorariamente pela Emory Law
Journal, 50, - 2001,^^^ influenciou toda uma geração de juristas e analistas
políticos: nele se enfrentou a imagem da Corte Suprema como instituição
"política" (ainda que muitos dos cidadãos, ingenuamente, não acreditem
nisso), que toma decisões em questões controvertidas de política nacional.
0 autor denomina de política aquela decisão que representa uma escolha
efetiva entre alternativas, propositadamente pensadas para serem abertas,
que pesa as conseqüências das alternativas eleitas; que considera o nível de
probabilidade de tais conseqüências e o valor relativo de cada uma das
preferências umas em face das outras. Nessas questões ainda se incluem os
problemas inerentes às interpretações em geral (vagueza, ambigüidade da
linguagem norm ativa, discordância e ntre os espertos da dogmática e
precedentes judiciais opostos que poderiam fundamentar tanto um sentido
como seu contrário).
A função da Corte Suprema, como geradora de política nacional,
desencadeia, a partir desses pressupostos, problemas de fundamentação
em uma sociedade democrática. Em geral, como lembra ROBERT DAHL,
invocam-se dois fundamentos à atuação da Corte Suprema, a saber, o critério

Cf. A Nova T e oria d o s Sistem as. C o o rd . CLARISSA BAETA NEVES e o u tr a . E. UFRGS, G o e th e In s titu t,
1 9 7 7 , p, 93.
Cf. ps. 5 3 6 a 581.

331
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT U AIS

da maioria (em especial a defesa das minorias políticas em face de uma


possível tirania da maioria) e o critério dos direitos fundamentais ou da
Justiça. Partindo da ideia básica e clássica de democracia - o poder de legislar
reside na maioria do povo e de seus representantes ROBERT DAHL assevera
que uma Corte Constitucional não está nunca muito longe da linha da opinião
dominante, aquela que advém dos "fabricantes majoritários de leis" e que
seria irreal supor que ela pudesse se opor vigorosamente contra a maioria
dos "fabricantes de leis", definidores de importantes pilares da política
nacional. E mais, afirma que, se a Corte apoiasse as minorias contra as
maiorias, "ela seria uma instituição extremamente anômala do ponto de
vista democráticoV^^ As estatísticas levantadas demonstram que a Corte
(nos EE.UU) demora, em média, quatro anos, para declarar inconstitucional
uma lei, contado o prazo a partir de sua publicação; que a renovação da
composição da Suprema Corte interfere diretam ente nos resultados; e,
finalm ente, nas ocasiões, aliás raríssimas, em que a Corte in terfe riu ,
declarando inconstitucional certa lei importante, logrou, pelo prazo máximo
de 25 anos, afastar a política indesejada, pois, na maioria dos casos, "os
fabricantes majoritários de leis" em período muito curto, de dois a oito anos,
no máximo, voltam a insistir nas mesmas leis, que acabam sendo acolhidas
por aquela Corte.
Sustenta fin alm en te o citado professor norte-am ericano que as
políticas nacionais, como ocorre nas demais dem ocracias estáveis, é
sustentada por alianças relativamente coesas, que duram períodos longos
(assim a aliança Jeffersoniana, a Jacksoniana, a dos Republicanos de pós
guerra civil, a de Roosevelt, etc.). Afirma, finalmente, que a Suprema Corte
é parte dessa aliança, mas não é seu agente. Dentro dos estreitos limites
postos na aliança, ela determina a form a constitucional de seu exercício, sua
oportunidade, sua efetividade e demais políticas subordinadas. Assim a Corte
Suprema não atua (ou atua pouco) contra uma maioria legislativa nacional
eficaz, mas ela é mais producente - sendo numerosas as suas decisões - na
política secundária ditada para funcionários, agências, governos estaduais
ou regionais^^^
Aparentemente, a longa pesquisa de ROBERT DAHL, que demonstra
estatisticamente a relação entre a nomeação de novos juizes integrantes da
Corte e a mudança de orientação em seus julgados, para acolher planos
econômicos do Executivo como o New Deal e outros, poderia contrariar a posição
de que o sistema jurídico não sofre, nem deverá sofrer, no Estado de Direito
interferências diretas externas. Mas dá-se o oposto, pelas seguintes razões:

Cf. p. 577.
Cf. p. 580.

332
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

a) o caráter "político" das decisões somente se revela por detrás da


adoção pela Corte de posições semânticas suportáveis, tomadas
em face de alternativas controvertidas de políticas nacionais,
deixadas em aberto pela Constituição, por meio da vagueza de
seus princípios e da indeterminação de conceitos jurídicos (na
verdade, os acopladores operacionais e estruturais do sistema
jurídico e político a que se refere LUHMANN), de tal modo que
sustentar, naquelas circunstâncias, a admissibilidade de um único
sentido seria igualmente arbitrário;
b) o "politicismo" inerente a tais decisões corresponde a operações
controladas internamente pelo sistema, quer pela demonstração
e fun d am en taçã o necessária dos julgados, d e n tro das
possibilidades sem ânticas a lte rn a tiv a s , p ro p o s ita d a m e n te
pensadas pela Constituição e limitadas pelos precedentes; quer
pelo sopesamento necessário das conseqüências alternativas, suas
probabilidades e seus efeitos, uns em face de outros, o que implica
a demonstração de que a solução judicia! é compatível com o
ambiente interno do sistema;
c) o "p o litic is m o " de tais decisões não aparece de form a nítida,
exatamente por ser "co n ve rtid o " em conceitos e concepções
jurídicas - acopladores estruturais e operacionais do sistema - e
por eles limitado, condicionado e deformado;
d) a coincidência, apontada por DAHL, entre a nomeação de novos
juizes com a mudança de entendim ento da Corte, se se fazem
presentes os pressupostos anteriores, somente indica que o
sistema ju ríd ic o tra ba lh a com seus p ró p rio s e lem entos, é
a u to p o ié tic o , porque se assim não fosse, as decisões novas
prescindiriam da mudança de seus membros. Porque e somente
porque o sistema é operacionalmente fechado ao ambiente, mas
cognitiva e semanticamente aberto, a adesão de novos juizes - de
formação e inclinação diferentes dos anteriores - pode levar a
interpretações e resultados decisórios também diversos;
e) finalmente, os paradoxos das decisões judiciais, os antecedentes
que se manipulam por meio da ratio decidendi ou por meio dos
obiter dicta, as conseqüências que não se podem realmente medir
e que mesmo assim são sopesadas, todos são problemas internos
ao sistema de qualquer modelo de direito, em qualquer sociedade.

Importa dizer ser essencial que o sistema jurídico se torne autopoiético,


a u to -re fe re n c ia l, com a meta de p o s s ib ilita r a vida social, para isso
oferecendo um mínimo de confiança e de segurança nos julgados dos
tribunais e de orientação às expectativas normativas, como ensina MARCELO

333
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT U AIS

N E V E S .P o r isso, importa ainda que também o Supremo Tribunal Federal,


mesmo em suas decisões mais difíceis e polêmicas, esteja submetido à
Constituição e não atue sem cuidar de proteger a confiança dos cidadãos em
seus julgados, enfim, de oferecer franca previsibilidade a suas decisões.
Uma vez definida a posição da Corte sobre certa matéria, os fatos iguais ao
leading case, que se realizam sob a sua regência, devem ser avaliados e
julgados segundo aquela posição, verdadeira norma "judicial" de orientação
da conduta humana. A fundamentação obrigatória da decisão, por meio de
argumentação adequada aos conceitos e princípios jurídicos; a limitação
imposta pelos precedentes; o sopesamento das conseqüências do julgado
como mera projeção; todos esses fatores são operacionais internos, que
devem ou deveriam proteger o cidadão contra o arbítrio e a insegurança.
Em decorrência, exatamente porque não aceitamos as conclusões de
NEVES na form a generalizada de como são tomadas, preocupa-nos a
crescente im p re v is ib ilid a d e das decisões ju d ic ia is em nosso País.
Considerando que, em termos de concepção de sistema autopoiético, a auto-
referência pertence à realidade do direito como sistema social e não é um
problema meramente lógico, MARCELO NEVES nega que o Brasil tenha
alcançado um sistema jurídico auto-referencial. Derivada etimologicamente
da palavra grega állos (outro) e poiesis (criação), o termo alopoiético designa
a "reprodução de um sistema através de critérios, programas e códigos de
seu ambiente. 0 sistema correspondente é determinado por imediatos fatores
da realidade externa, de modo que a verdadeira diferença entre sistema e
ambiente perde seu significadoV^^ Para o jurista pernambucano, evidencia-
se, então, "a precedência de outros códigos particularmente o econômico
(ter/não ter) e o político (poder/nõo poder) sobre o código direito/não direito
em detrimento da eficiência, funcionalidade e racionalidade do direito."^^^
Assim, MARCELO NEVES aponta, de um lado, a existência de distorções
semânticas no processo cotidiano de concretização do Texto constitucional
por meio das decisões judiciais dos casos concretos e, de outro, o problema
generalizado de 'exclusão social' d e n tro dos países periféricos, para
identificar neles, inclusive no Brasil, um sistema jurídico de determinação
alopoiética, implicando, no super complexo mundo contemporâneo, "uma
destrutiva insegurança em relação à prá tica de solução de conflitos e
orientação das expectativas normativas."^^°

Cf. Cf. « From th e A u to p o ie s is to th e A llo p oie s is o f L a w » in J o urnal o f Law a n d Society, v o l. 28, n2.2,
B la c k w e ll Pub., O x f o r d , j u n . 2 0 0 1 , p p . 2 4 2 - 6 4 . O c i t a d o a r t i g o r e fe r e o u t r a s o b r a s d o a u t o r s o b re o
te m a .
Cf. NEVES, o p . cit., p. 255.
Cf. NEVES, op. Clt. p. 258,
Cf. NEVES, o p . cit., p.263.

334
DIRE ITO T R IB U T Á R IO QUESTÕES ATUAIS

As palavras de MARCELO NEVES guardam grande dose de verdade, se


considerarmos a ideia de "concretização" da Constituição Federal, na última
hipótese, ou seja, em sentido muito amplo, como ideia de contraste entre o
texto normativo e a prática jurídica e política em seu todo. Superpondo-se o
modelo constitucional à realidade social, verifica-se um distanciamento
{algum seria de se esperar entre o dever ser normativo e o mundo do ser)
intolerável, uma abissal divergência, em que grandes grupos são excluídos,
pela miséria ou desinformação, dos mais elementares direitos humanos e
sociais. Mas se tomamos a ideia de "concretização" apenas em sentido técnico
jurídico estrito, de aplicação da Constituição a casos concretos, o sistema
jurídico funciona com relativa segurança e de form a operacionalmente
fechada. Pautar-se em pretensos desvios semânticos, como pretende NEVES,
para rejeitar a autoreferenciabilidade do direito em nosso País, demandaria
do crítico uma demonstração, em escala estatística aceitável, da recepção
pela Corte Suprema de semântica sistematicamente rejeitada pela doutrina
e pelos precedentes, além da regular contradição de seus julgados, sua
inconsistência e imprevisibilidade. Erros aqui e ali existem maiores ou
menores, com relativas inconsistências semânticas, mas não há um sistema
ju ríd ic o que não os ten h a. P orta n to, no s e n tid o té cn ico e s trito de
concretização, como aplicação da Constituição em casos concretos, nosso
sistema jurídico é autopoiético, auto-referencial. Explicar as razões pelas
quais um sistema jurídico pode se manter, do ponto de vista operacional,
fechado, embora não seja hábil, por meio apenas de suas aplicações caso a
caso, a transform ar a realidade social como um todo é algo muito mais
complexo e difícil de ser discutido, em especial no estreito espaço que nos
cabe. Limitemo-nos a pensar a aplicação da Constituição no sentido técnico
restrito.
Ora, o fechamento operacional do direito é essencial à segurança
jurídica, de modo que não é possível colher diretam ente do ambiente
exterior (o econômico ou político) os dados de determinação interna do
sistema. Embora os fatores externos do ambiente sejam básicos para o
sistema, que cognitiva e semanticamente para eles se abre, só através de
seleção, acopladores estruturais e operacionais, pode o sistema convertê-
los em dados próprios, geralmente adaptados e mesmo deformados e, a
p artir daí, atuar em processo contínuo. Exatamente por isso, um certo
"p o litic is m o " das decisões judiciais, em especial do Supremo Tribunal
Federal, é um fato, que não pode ser identificado como critério extrajurídico,
estranho ao ambiente interno do próprio sistema jurídico. Aos leigos, o
politicismo não aparece, porque somente se pode revelar na interpretação
com que é c o n v e rtid o (em conversão autorizada pelos acopladores)
internamente em conceitos jurídicos, aqui, em nosso País, como em outros,
em especial nos EE.UU, como apontou R. DAHL em seu clássico artigo. 0

335
DIRE ITO T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES AT U AIS

apontado "politicismo" das decisões judiciais tem como limite exatamente


a garantia da segurança, da proteção da confiança e da boa fé.

4. As projeções e o controle dos efeitos das decisões da corte suprema


e as insuficiências da Lei 986#99

Depois de demonstrar os paradoxos internos ao sistema jurídico (com


a observação de que todos os sistemas sociais os têm), NIKLAS LUHMANN
destaca que tais paradoxos, aliados aos antecedentes do caso, manipuláveis
ou manipulados, e ao dever de se anteciparem as conseqüências que não
podem ser adivinhadas, pois estão no fu tu ro (quando haverá novas
decisões), são superados pelo p ró p rio sistema, como condição da
continuidade das operações, por meio da fixação de algumas regras, a saber:

a) a primeira diz respeito à obrigatoriedade de o juiz decidir de


qualquer forma, não importa quão obscura seja a lei e complexo, o
caso a decidir, ou seja, a proibição de denegação da justiça;
b) a segunda é decorrência da a n te rio r, m anifesta-se na
irresponsabilidade pelas decisões tomadas^®^;
c) a terceira corresponde à independência do exercício das funções
judicantes, razão pela qual os tribunais ocupam uma posição central
d e n tro do sistem a ju ríd ic o (que os n o rte -a m e rica n os já
identificaram como a regra de que só é válido como direito o que
os juizes reconhecem como direito), posição de que decorre uma
diferenciação que se desenvolve no corpo social, a saber, os
trib u n a is têm organização p ró p ria e hierarquizada e alta
profissionalização da competência, de forma a ganharem uma
impermeabilização contra intervenções advindas do ambiente
exterior, de cunho não jurídico;
d) 0 comprom isso de vinculação das decisões ao te x to legal; e,
finalm ente,
e) a fundamentação da decisão, que assegura a vinculação à lei, aos
precedentes e à isonomia na sua aplicação^®^

A independência da função ju d ic ia l som ente se alcança com o


fechamento do sistema, do ponto de vista operacional (não cognitivo ou
semântico), de modo que as operações sejam determinadas por elementos

Cf. Cf- La C o s titu z io n e c o m e a c q u is iz io n e e v o lu tiv a . In II F u tu r o d e lia C o s titu z io n e . Org. GUSTAVO


ZAGREBELSKY, T o rin o , E in a u d i, 1 9 9 6 , ps: 8 3 - 1 2 8 .
V e r a in d a O D ir e i t o das So cie d a de s. D as R ec h t d e r G e s e ií sc h aft, o p . cit.
" C f L U H M A N N , o p . cit..

336
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

do próprio sistema, por meio de auto-referenciabilídade. 0 compromisso


de vinculação das decisões aos textos normativos é longa e tecnicamente
discutido e teorizado pela ciência especializada (e não há espaço, nesse
breve estudo, para tal abordagem). Mas o cumprimento desse compromisso
tem de ser demonstrado, pois a fundamentação da sentença é obrigatória.
A fundamentação, a lógica argumentativa, ratificada pelos precedentes, a
antecipação e a projeção das conseqüências e sua compatibilidade com o
sistema como um todo, tais são os aspectos das decisões, universalmente
reconhecidos, como chaves essenciais ao fechamento do sistema jurídico.
De fa to , observa NIKLAS LUHMANN, o ju iz , d ife re n te m e n te do
legislador, está vinculado às suas decisões e às premissas que as
fundamentaram, sendo mais estreito o seu espaço de liberdade.^^ Ou seja,
os princípios da igualdade e da segurança impõem que a sentença seja
obrigatoriam ente fundam entada, sob pena de nulidade (art. 93, IX, da
Constituição). E a mesma fundamentação deverá nortear idênticas decisões
futuras, em casos idênticos. Permitir a alteração do juízo, sem a demonstração
das diferenças em um novo caso concreto posterior, seria consentir no arbítrio
e no querer qualquer judicial, em franca ruptura do sistema. Essa abertura,
provocada pela inconsistência de fundamentação e pelo falseamento dos
precedentes, projeta as decisões judiciais para o campo da política, das razões
de estado, e da economia, com heterodeterminaçõo do sistema, afrontosa à
isonomia e à segurança.
0 fundamental nessa matéria reside no princípio incontornável de
que, institucionalmente, o Poder Judiciário deve criar as normas individuais,
cabe-lhe a realização da justiça pessoal, caso a caso. A sentença cria, descobre
ou revela a norma. Mas apenas a norma do caso. Em razão dessa realidade
constitucional, classicamente fundada na separação e harmonização entre
os Poderes, não cabe a um Tribunal substituir a aplicação da norma individual,
nem tampouco do princípio da justiça individual e da capacidade econômica
subjetiva por uma presunção iuris et de iure.
É ú til registrar que, na Alemanha, juristas como ISENSEE negam
competência ao Poder Judiciário para usar a praticidade como método que
leva a uma execução simplificadora da lei, embora reconheça essa faculdade
ao Poder Executivo. Para ele, o estado de necessidade somente se apresenta
para a Administração, que tem o dever de aplicar a lei em massa, pois o
Poder Judiciário é com prom etido, in stitucionalm ente, com a proteção
judiciária individual, estando obrigado a esgotar a potencialidade da norma
legal que aplica.^®^

Cf. S o c io lo g ia d o D ir e ito , II, Rio d e Ja n e iro , T e m p o B ra s ile iro , 1 98 5 , p .3 4 -4 3 .


cf. D ie T y p s ie re n d e V e r w a ltu n g . l a . B e rlin . D u n c k e r & H u m b l o t , 1 97 6 , p. 1 77 -1 8 2 .

337
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES AT U AIS

Entre nós, leciona RIBEIRO DE VILHENA: % senda aberta e palmilhada


pela súmula é a senda casuística, expressa em um compêndio fo rm a l
e nunciativo de ju lg a m e n to s uniform es e predom inantes, em linha de
precedentes"... Como norma emanada de um tribunal, a Súmula jamais perde
a sua natureza de s e n t e n ç a , com a característica de agregação e de
revestimento para outras sentenças futuras, dentro da mesma hipótese. A
força subsuntiva da súmula é imediata e certeira, já que a sua generalidade
nõo está contida no preceito ou no juízo hipotético, mas na permanência, em
função da sucessão de casos idênticos, entendendo-se por idênticos, os que
contenham os mesmos supostos que propiciaram a sua edição."
E conclui, finalmente, em juízo lapidar: "A interpretatividade é inerente
na súm ula (o e n te n d im e n to p re d o m in a nte ). Por ser, porém, direção
interpretativa que se sedimenta e peculiarmente se formaliza, nõo deixa de
ser operação interpretativa, isto é, o juiz, com executá-la, nõo pode fu g ir do
núcleo da regra legal interpretada. Nõo se desgarra dos supostos desta: dá-
lhes tão-só, ou a um deles, o sentido que lhe pareça correfo ^richtig) no
caso."^^^
Dessas lições se extrai o e n te n d im e n to claro de que a súmula
(quando corretamente compreendida) não se fundamenta em uma recusa
à investigação do caso ou ao levantamento de provas difíceis ou onerosas,
0 que ocorre com a simplificação da execução administrativa (que se utiliza
de várias técnicas de praticidade). Ao contrário, a súmula se forma ao longo
de decisões ite ra tiva s, tom adas em inúm eros casos exaustivam ente
examinados... na senda da casuística. UnÍformiza-se a interpretação, obtida
ao exame de casos isolados, mas a súmula, embora projetada para alcançar
sentenças futuras, só se entende aplicável aos casos idênticos, vale dizer,
àqueles que, depois de investigados, se ajustam ou se subsumem nos
mesmos pressupostos legais que nortearam a sua edição. Enfim, atrás de
toda decisão judicial, que dirime conflitos em um caso concreto, existem
pressupostos normativos, de aplicação geral para todos os casos idênticos.
Essa norma - sacada das decisões judiciais iterativas - muito mais densa e
d e te rm in a d a do que a norm a legal, não pode ser a lterad a
injustificadamente e de forma retroativa, para alcançar fatos ocorridos em
data anterior à sua modificação, que se consumaram sob a vigência da
norma antiga.
Em resumo, a função institucional do Poder Judiciário, mesmo em
face da existência de súmula, ainda que vinculante, permite-nos extrair
aspectos essenciais de sua natureza:

" Cf. A S úm ula 9 0 - o TST e a C o n s titu iç ã o . Separata d a Revista d e In fo r m a ç ã o Legislativa d o S enado


F e d e r a l, 2 2 , 8 7 : 3 5 5 - 3 7 4 , p p . 3 5 9 - 3 6 2 .

338
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

a) a acessibilidade constante do cidadão à prestação jurisdícional,


para exame da possível peculiaridade do caso singular, pois o Poder
Judiciário não pode criar presunções e tipificações como forma de
recusa da prestação jurisdícional, da aplicação da justiça no caso
concreto, ou seja, como singelo in stru m e n to de desafogo da
superlotação de encargos daquele Poder. Assim as próprias súmulas
devem ser form adas na razoabilidade dos casos médios ou
freqüentes, mas não podem servir de desculpa à recusa de exame
de um caso isolado, que não se enquadre nos pressupostos
sumuiares;
b) a necessária fundam entação do enquadram ento do caso aos
precedentes (ainda que sumulados);
c) a irretroatividade da norma judicialmente criada. Sem abandonar
a sua missão constitucional de encontrar a justiça para o caso isolado,
o Poder Judiciário, por meio da necessária fundamentação de suas
decisões, extrai uma norma, profundam ente densificada, que
haverá de reger o direito em um caso concreto, assim como nos
demais casos concretos iguais para o fu tu ro . Tal norma, assim
construída, não pode ser alterada retroativamente. Dá-se, então,
como p roteção da confiança e da segurança, o fechamento
operacional do sistema. Esse fecham ento ocorre por meio de
in s tru m e n to s sistem áticos, que acoplam e s tru tu ra lm e n te as
irritações provocadas. Portanto, a isonomia e a segurança impõem
a irretroatividade das normas judiciais;
d) a p ro jeçã o da decisão para o fu tu ro , com o o rie n ta ç ã o das
expectativas normativas, essenciais à segurança.

Parece-nos, portanto, que os critérios estabelecidos pela Lei 9868, de


10 de novembro de 1999, que permitem restringir os efeitos da decisão na
ação declaratória de inconstitucionalidade ou de constitucionalidade são
meramente declaratórios e não esgotam as possibilidades de o Supremo
Tribunal Federal estender o mesmo procedimento às hipóteses individuais
de ação extraordinária.
O apego à diferenciação entre decisões em ações declaratórias (em
abstrato) e decisões em casos concretos não tem substância, pois em ambos
a Corte deve decidir no presente, em relação ao passado, para antecipar o
futuro. A parte, em determinado caso, será sempre o representante de uma
classe. A norma in dividu a l que, em ce rto caso concreto se impÕe, é
pressuposto normativo de aplicação para todos os demais casos iguais. A
obrigatoriedade de antecipação do futuro ou de sua projeção está implícita
em toda decisão. Esse é, aliás, o pressuposto das súmulas. O art. 93, IX, da
Constituição, ao estabelecer a fundamentação como requisito de validade

339
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

da sentença, o faz tanto para vincular o julgador aos precedentes como aos
casos futuros, sem o que não pode o sistema jurídico criar expectativas
legítimas de normatividade, essenciais à segurança, nem tampouco exigir a
observância dos critérios legais.
A Lei 986^01 não reduz, anula ou subtrai da decisão da Corte Suprema
0 que a ela é inerente. Se a Constituição Federal não estabelece claramente
os e fe ito s da decisão ju d ic ia l, nos casos da declaração de
inconstitucionalidade, em abstrato ou nos casos concretos, então, os efeitos
da decisão podem ser pesados e lim itados à vista de critérios de alta
relevância, em especial por razões de segurança jurídica, que imantam a
própria Constituição.

5. A segurança jurídica e a irretroatívidade das decisões judiciais

Dentro da extrema mobilidade do mundo, o sistema jurídico se presta


a fornecer estabilidade, se presta a acolher as expectativas legitimamente
criadas e, portanto, a proteger a confiança. Se assim não for, a ordem jurídica
confundir-se-á com os elem entos do am biente, sociais, econômicos,
morais... enfim, fundir-se-á com os demais sistemas e desaparecerá como
instrum ento que possibilita a vida, o convívio e a tom ada de decisões
assentadas em um mínimo de confiança. Por isso mesmo, alguns filósofos
contemporâneos realçam o fato de que, embora o sistema jurídico seja
hermenêutica e cognitivamente aberto, ele somente opera fechado, e se
reproduz a partir de si mesmo. 0 conhecimento jurídico somente é possível
a p a rtir desse fe ch a m e n to e exatam ente em razão dele, como quer
LUHMANN""".
Ora, uma decisão judicial sempre se dá no presente, em relação a fato
p re té rito (re c o n s titu íd o ), p ro je ta n d o -se para o fu tu ro . A força dos
precedentes e das súmulas, dos quais se extraem as normas judiciais, supõe
a promessa de permanência das mesmas normas no tempo. 0 tem po do
Direito é diferente do tem po do resto do ambiente e, nisso reside a sua
própria natureza. Mas o m om ento da decisão, não obstante, atua com
operações intrassístêmicas, por meio dos acoplamentos simultâneos aos
demais sistemas do ambiente (acoplamento que se alcança por meio de
princípios e conceitos m uitas vezes in d e te rm in a d o s e vagos). É
absolutamente ilusório (e mesmo impossível) supor que a decisão do caso
reconstitua as mesmas pressões, a mesma realidade social e do intérprete,
tal como se deram no momento da ocorrência do fato, que está sub iudice. A
decisão somente poderá ocorrer no presente, relativamente a fato anterior.

Cf. L U H M A N N . C o n fia n z a . B a rc e lo n a , A n t h r o p o s , 1 99 6 .

340
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

É de se prever a possibilidade de uma nova decisão {nova interpretação, por


nova aquisição cognitiva e semântica). Daí o reconhecimento de que é comum
a existência de um conflito de normas (judiciais) no tempo: a norma que
presidiu a decisão em casos anteriores e a norma proposta para inspirar a
decisão em um caso sem elhante. Resulta disso a inafastabilldade da
irretroatividade das decisões judiciais, sob pena de se destruir a força dos
precedentes e de não se conseguir criar a mínima expectativa normativa.
Como se sabe, poucas Cartas C o nstitu cio na is consagram
expressamente o princípio da irretroatividade, havendo, não obstante,
algumas que somente o fazem em relação aos delitos e às penas (Constituição
da Alemanha e dos EE.UU) e outras que estabelecem a irretroatividade para
as leis sancionatórias em geral, além do princípio da capacidade contributiva
(Constituição da Itália). A fragilidade do princípio da irretroatividade, do
ponto de vista do Direito Constitucional, tem marcado a tolerância, em outros
países, com relação a certa retroatividade da lei no imposto sobre a renda,
isto é, apiicando-se a lei nova, vigente em dezembro do ano-base, a todo o
período já decorrido. Trata-se da retrospectiva dos alemães, ou da "pequena"
retroatividade dos franceses (fenômeno que tais ordens jurídicas estão a
abolir). Mas postas de lado tais fragilidades, como aquelas que se dão na
França, por ex., a irretroatividade é compreendida como irretroatividade do
direito e não apenas das leis.
Além disso, a força e a tradição de outros princípios constitucionais -
os princípios da proteção da confiança e da boa-fé objetiva, ao lado da
proporcionalidade - classicamente operantes na doutrina e na jurisprudência
germânicas, passaram a influenciar, decisivamente, nos últimos anos, as
decisões da Corte de Justiça Européia no Direito Tributário, de onde se
projetaram para todo o direito europeu contemporâneo.
No Brasil, ao co ntrário do que sucede no continente europeu, a
segurança jurídica e a proteção da confiança sõo amplamente reforçadas no
campo do Direito Tributário. Assentam-se na legalidade form a i e material
(especificidade conceituai determinante), consagradas nos arts. 5°. e 150, I,
da Constituição Federal; reforçadas pela exclusividade da lei que concede
subsídio, isenção ou outro benefício fiscal (art. 150, §6°. da CF^8); são
minuciosamente explicitadas pelo art. 97 do Código Tributário Nacional;
confirmadas e reconfirmadas pela proibição da analogia (art. 108, §1°., do
CTN) e, consequentemente, das presunções; pela rejeição da interpretação
econômica {art. 110) e da cláusula geral ant/e//s/vo (art. 109); pelo caráter
estritamente vinculado dos atos administrativos de cobrança do tributo (art.
3°. e 142 do CTN); desenvolvem-se, ainda, na proibição da surpresa e da
imprevisibilidade, por meio da vedação constitucional da irretroatividade do
direito em geral (a rt 5^, XXXVI), do Direito Penal (art. 5-., XL) e do Direito
Tributário em especial (art. 150,111, "a"); no princípio da anterioridade e da

341
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT UAIS

espera nonagesimal (art.150, III, "b " "c"). Finalmente, complementa-se a


proteção da confiança com a vedação do confisco e a observância da
capacidade econômica, art. 150, iV e § 1^ do art. 145 da Constituição da
República.
Portanto, a Constituição brasileira assegura que a lei não retroagirá,
respeitando-se o direito adquirido, a coisa julgada e o ato jurídico perfeito.
No contexto constitucional, a expressão lei, utilizada no art. 5^., XXXVI, tem
sido mal interpretada, de modo que a doutrina somente tem trabalhado,
tradicionalmente, o princípio da irretroatividade das "leis", como comando
endereçado ao Poder Legislativo. Ora, o que pode retroagir ou não é somente
a norma, que está contida na lei. A lei - como mero ato de vontade formal,
emanada do Poder Legislativo, despida de seu conteúdo - jamais retroagirá,
por ocorrer em certo momento determinado. Apenas as normas que dela sõo
sacadas (como decorrência do sentido do ato) é que podem atuar no passado,
atingindo direitos adquiridos ou atos jurídicos já aperfeiçoados. Como ensinou
HANS KELSEN, "o dever-ser- a norma - é o sentido de um querer, de um ato
de vontade e - se a norma constitui uma prescrição, um mandamento - é o
sentido de um ato dirigido à conduta de outrem, de um ato, cujo sentido é
que um outro (ou outros) deve (ou devem) conduzir-se de determinado
modo."^®^ É exatamente o Poder Judiciário aquele que fixa o sentido da
norma.
Portanto, o principio da irretroatividade tem alcance muito mais amplo
para significar a inteligência da lei em determinado momento, ou seja, certa
leitura da lei (dentre outras possíveis) que se incorporou como direito positivo,
abrangendo, assim, os atos que a ela se conformam, emanados do Poder
Judiciário e do Executivo. acepção do termo lei, no contexto constitucional,
à luz do principio de segurança que inspira o Estado de Direito, não pode ficar
restrita a enunciado ou a enunciação, como conjunto de signos lingüísticos
sem significação e objeto. Enfim, sem conteúdo. Compreender dessa form a o
princípio da irretroatividade seria restringir gravemente direito e garantia
fundam ental, e consagrar o desígnio de efeitos contrários aos valores
constitucionais, o arbítrio de um vazio qualquer
Parece-nos, pois, corrente, afirmar que a iei (como enunciado próprio
do Poder Legislativo) não se confunde com a norma jurídica. A norma jurídica
tem seu suporte físico no enunciado lingüístico do legislador, mas não se
esgota nele, nem poderia, resultando de uma construção contínua muito
mais complexa do texto e do contexto jurídico. O Direito nôo está pronto, é
continuamente deduzido das fórmulas legislativas, judiciais e administrativas

Cf. HANS KELSEN, T e o ria G e ra l d a s N o r m a s . T ra d . José F lo r e n t i n e D u a r te , P o r to A le g r e , Fabris,


1 9 8 6 , p p . 2 -3 .

342
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

(revela-se). A lei posta pelo Poder Legislativo pode comportar, assim, mais de
uma interpretação, mais de uma significação, de modo que a lei que vige, em
determinado momento, é a lei segundo uma de suas interpretações possíveis.
A certa altura, sem nenhuma mudança literal da fórm ula legislativa, que
conserva os mesmos enunciados lingüísticos, altera-se a interpretação que
da mesma lei faz a Administração ou fazem os Tribunais, que passam a decidir
conforme outra interpretação. Surge, então, sem lei nova como ato emanado
do Poder Legislativo, espécie de lei nova, proclamada pelos demais Poderes.
Por tais motivos, diz a Constituição, no art. 5^, XXXVI: "A lei não prejudicará
o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada."
Por isso mesmo, o princípio da irretroatividade estende-se a todos os
Poderes, sob pena de se frustrar a segurança jurídica.
Passa longe desse relato a ídeia de que devessem ser vedadas as
mudanças de interpretação ou a evolução da jurisprudência. A cristalização
da jurisprudência pode trazer prejuízos para a ordem jurídica e mesmo seu
insuportável desacoplamento em relação à ordem política ou econômica.
Mas o tem po e a impressionante celeridade com que se processam as
operações no campo político ou econômico não podem ser os mesmos no
sistema jurídico. É inconcebível que as mudanças jurisprudenciais sejam
danosas àquele contribuinte que pautou o seu comportamento na direção
indicada pelas decisões reiteradas dos tribunais, confiando legitimamente
no pensamento predominante da Corte Constitucional. Os efeitos de uma
decisão, que inova a ordem jurídica em relação ao posicionamento anterior
da própria Corte, somente podem se projetar para o futuro, em relação a
novos fatos geradores. Esse é um fenômeno decorrente do respeito às
fundamentações e aos precedentes e, em especial, ao papel da própria Corte.
Por isso mesmo, o princípio não deve ser lim ita d o às leis, mas
estendido às normas e atos administrativos ou judiciais. O que vale para o
legislador precisa valer para a Administração e os Tribunais. 0 que significa
que a Administração e o Poder Judiciário não podem tratar os casos que
estão no passado de modo que se desviem da prática até então utilizada, na
qual 0 contribuinte tinha confiado. Em síntese, é inexplicável o retrocesso
advindo das decisões jurisprudenciais mais recentes, não apenas em razão
de seu anacronismo em face dos princípios da proteção da confiança e da
boa fé, mas ainda em face da fragilização da segurança jurídica, que dissemina
a incerteza e a imprevisibilidade.
De imediato, sente-se aumentar a iitigiosidade em toda a parte. Se os
Tribunais superiores, após a consolidação em p le n á rio de certa
jurisprudência, alteram os seus julgados, atingindo os fatos que ocorreram à
luz da jurisprudência anterior, nem a Fazenda Pública, nem tampouco os
contribuintes desistem de suas demandas, em face de uma recente ou antiga
u nifo rm izaçã o do pensam ento daquelas Cortes. A esperança dos

343
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT U AIS

contribuintes de receber quantias vultosas em repetição (ou de simplesmente


não pagá-las) choca-se com a pretensão fazendária de coibir passivos
milionários ou de auferir arrecadações elevadas. As partes prosseguem assim
nos feitos, em regra de longa duração, até a exaustão, pois a passagem do
tempo poderá beneficiar uma delas (o risco será recíproco), com uma nova
posição jurisprudencial, uma vez que a uniformização do pensamento judicial
muitas vezes tem duração precária. 0 caráter lotérico da jurisprudência anima
a perspectiva de obtenção de vantagens das partes, mas d estrói a
previsibilidade dos com portam entos, a possibilidade de expectativas
normativas confiáveis. Por isso mesmo, a tese de que a irretroatividade obriga
a todos os Poderes, inclusive o Judiciário, é hoje universal.

5. As indagações resultantes DO RE N&. 370.682-SC. Conclusões

0 campo, por excelência, de aplicação da irretroatividade das decisões


judiciais refere-se às relações continuativas, tão comuns no Direito Tributário.
Tais relações, mais do que as demais, ensejam a aplicação das normas judiciais
sacadas das decisões reiteradas dos casos concretos, nos Tribunais
Superiores. Na verdade, onde quer que se apliquem as Súmulas, põe-se,
enfaticam ente, o princípio da irre tro a tivid ad e. A grande ressalva está
expressa na Constituição da República. Entre os direitos fundamentais,
somente se autoriza (ou m elhor se ordena) a retroação de uma nova
interpretação do Direito Penal, que beneficie o réu (art. 5S., XL).
0 julgam ento do RE n?. 370.682-SC, que diz respeito à segurança
jurídica, provoca uma série de indagações subsequentes. Ele envolveria
apenas o princípio da irretro a tivid ad e das decisões judiciais de forma
objetiva, como continuidade da norma judicial que regia os fatos no tempo
em que ocorreram, sendo, nesse caso, essencial apenas o trâ nsito em
julgado? A partir do trânsito em julgado da decisão anterior, e somente a
partir dela é que poderíamos falar em norma Judicial, estabilizadora das
expectativas de com portam ento? Mas se tivesse existido, então, uma
sentença, passada em julgado, poder-se-ia invocar então o princípio da
irre tro a tivid a d e do d ire ito , consagrado no art. 52. da Constituição da
República, a proteger o contribuinte?
Ora, tanto a irretroatividade do direito, como a proteção da confiança
e a boa fé são emanações da segurança jurídica e do Estado de Direito. Entre
eles, muitos juristas apontam interessantes diferenciações. Todos são, de
fato, decorrentes do valor segurança. Mas, em relação ao princípio da
irretroatividade, os debates prendem-se às modificações introduzidas em
relação aos fatos e aos efeitos. As discussões se alongam apenas nessa
direção, fatos e efeitos, sem questionamentos endereçados à formação da
legitima confiança do cidadão, desencadeada pela norma judicial, consagrada

344
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT UAlS

na Corte. Enfim, na proteção da confiança, como alerta COUTO E SILVA^®®, há


um teor de subjetividade, embora objetivada, ou legitimada, como referem
os franceses. Ou seja, não é necessário que atos específicos, individuais e
concretos tenham sido praticados em relação a certo contribuinte (liminares;
decisões monocráticas acolhendo o seu pedido, etc.), mas é essencial que a
definitividade do entendimento do STF tenha convencido o contribuinte,
portanto a confiança tenha se formado, de forma legítima, graças às reiteradas
decisões da Corte em casos idênticos de terceiros. Então, pergunta-se: se a
decisão do caso líder anterior, emanada do RE n^. 350.446-PR (Pleno)
convencera vários m inistros da própria Corte, a p o n to de decidirem
monocraticamente os recursos extraordinários, não seria de se supor a
confiança legítima dos contribuintes?
Como o princípio da boa fé também significa confiança, mas gerada
em casos concretos, poderíamos indagar se aqueles contribuintes que
tiveram, em seus processos, decisões monocráticas de ministros da Corte,
confirmatórias da definitividade do entendim ento que os beneficiava, e,
com base nisso, se creditaram do IPI, não estariam a merecer tratamento
também diferenciado? Enfim, o Supremo Tribunal Federal não parece ter
estabelecido nenhuma discrim inação entre tais princípios (segurança,
irretroatividade, proteção da confiança e da boa fé).
Em obra profunda sobre o tema, explica ROLAND KREIBICH que alguns
juristas alemães utilizam a expressão boa fé como sinônima de proteção da
confiança; outros, como KRIEGER, THIEL, etc., consideram a proteção da
confiança um resultado ou conseqüência legal da boa fé; há aqueles ainda,
como MATTERN, que sobrepõem o princípio da proteção da confiança, para
eles mais abrangente, como um "Tatbestand-mãe", ao princípio da boa fé.
Pondera KREIBICH que, de fato, existem aplicações inerentes ao princípio
da proteção da confiança, que não têm relação direta com a boa fé, a saber:

a) a irretroatividade das leis;


b) a obrigatoriedade do cumprimento de promessas e de prestação
de informações;
c) a proteção contra a quebra ou modificação de regras administrativas;
d) a proteção contra a modificação retroativa da jurisprudência;
e) a garantia da execução de planos governamentais...

E acrescenta que, em geral, prevalece a concepção, aliás dominante


nos tribunais superiores daquele País, de que o princípio da proteção da
confiança deve ser considerado um princípio mãe, deduzido do Estado de
Direito, através da segurança.^®®

" Cf. couro E SILVA. o p . cit.


Cf. op, cit- ps. 2 4-25.

345
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Assim, em toda hipótese de boa fé existe confiança a ser protegida.


Isso significa que uma das partes, por meio de seu comportamento objetivo
criou confiança em outra, que, em decorrência da firme crença na duração
dessa situação desencadeada pela confiança criada, foi levada a agir ou
manifestar-se externam ente, frustrando-se em suas expectativas. Mas
KREIBICH aponta como divergência existente entre o princípio da proteção
da confiança e o da boa fé, o fato de o primeiro, por ser mais abrangente,
aplicar-se às situações gerais, abstratas e àquelas concretas; já o segundo, o
princípio da boa fé somente alcança uma situação jurídica individual e
concreta, ou seja, alcança não as leis e os regulamentos normativos, mas
apenas os atos administrativos individuais e as decisões judiciais.^^°
Em conclusão, KREIBICH define o princípio da boa fé como um princípio
jurídico em geral (universal), válido para todas as áreas jurídicas, e sem
restrições no Direito Tributário, sendo direito não escrito, que exige um
comportamento leal e confiável de todos os envolvidos em uma relação
jurídica concreta, e que, sendo ainda expressão da idela da proteção da
confiança no Direito Constitucional, através da segurança jurídica, decorre
do Estado de Direito e da ideia de justiça, que lhe determinam o sentido.^^^
P orta n to, como se vê, há quem tra n s fo rm e o p rin cíp io da
irretroatividade das decisões judiciais em desdobramento da proteção da
confiança. Nesse caso, em vez de o intérprete se prender ao exame do
conflito entre normas no tempo a partir dos fatos e de seus efeitos, passará
a questionar se o cidadão teria agido em confiança, à luz da norma vigente
ao tempo do ato. Não tem sido essa a forma de tratar a irretroatividade do
direito em nosso sistema jurídico. Pode ser complexo investigar, em cada
caso, entre nós, se o contribuinte conhecia a norma judicial e se ele nela
confiou. Em princípio, a irre tro a tivid a d e beneficia a todos (ainda que
ignorantes do d ire ito), que preenchiam integralm ente os requisitos à
formação do direito adquirido. Os critérios da irretroatividade, em face da
Constituição Federai, são objetivos.
Mas a violação do princípio da irretroatividade, em cada caso concreto,
pode configurar ainda desrespeito à boa fé do jurisdicionado, que pautou a
sua conduta de acordo com a orientação dos tribunais superiores, então
vigente, à época da prática do ato. Nem a mudança na composição do
Supremo Tribunal Federal, nem a sincera alteração do entendimento relativo
a certa m atéria, cláusula ou princípio constitucional, nada ju stifica o
abandono da fundamentação coerente, da segurança e do Estado de Direito.

Cf. D er G ru n d s a tz vo nT reu u n d G la u b e n im S te u e rre c h t. Band 12. C.F. M u ll e r V e rla g , H e ild e lb e rg ,


1 9 9 2 , p. 59.
Cf. o p . cit. p. 198.

346
D IR E IT O T R lB U T Â R iO . QUESTÕ ES AT U AIS

As evoluções da jurisprudência devem operar para os casos futuros, sem


nenhuma quebra de confiança.
Ora, 0 sistema jurídico, que tem, no centro de seu próprio ambiente, as
decisões dos tribunais, deve ser protegido contra as heterodeterminações
externas. E uma das proteções mais eficientes radica exatamente no príncípio
da irretroatividade. Vale dizer, o sistema jurídico somente com a observância
da irretroatividade se torna autopoiético, auto-referenciai, com a meto de
possibilitar a vida social, para isso oferecendo um mínimo de confiança e de
segurança nos ju lg ad o s dos tribunais e de orientação às expectativas
normativas, como ensina NEVES.
Por isso, importa ainda que também o Supremo Tribunal Federal e os
demais tríbunais, mesmo em suas decisões mais difíceis e polêmicas, estando
submetidos à Constituição, não atuem sem cuidar de proteger a confiança
dos cidadãos em seus julgados, enfim, de oferecer franca previsibilidade a
suas decisões. Uma vez definida a posição da Corte sobre certa matéria, os
fatos iguais ao leading case, que se realizam sob a sua regência, devem ser
avaliados e julgados segundo aquela posição, verdadeira norma "judicial"
de oríentação da conduta humana, existente à época da prática do ato. A
fu n d a m e n ta ç ã o o b rig a tó ria da decisão, p o r meio de argum e n taçã o
adequada aos conceitos e príncípios jurídicos; a limitação imposta pelos
precedentes; o sopesamento das conseqüências do ju lgado como mera
projeção; todos esses fa to re s são operacionais internos, que devem ou
deveriam proteger o cidadão contra o arbítrio e a insegurança.
Enfim, 0 fato de não ter havido trânsito em julgado das decisões que
reconheciam o direito de creditam ento do IPI, nas operações sujeitas à
alíquota zero, não responde às demais questões: e a boa fé? Deverão receber
o mesmo tratamento aquele contribuinte, que teve decisão monocrática de
ministro da Corte Suprema, reconhecendo-lhe o direito ao crédito, e aquele
outro que sequer buscou o abrigo do Poder Judiciário? Existem aí situações
iguais?

347
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

TRÊS NOTAS SOBRE A ID E N TID A D E DO SISTEMA


JURiSDiCIONAL DA UNIÃO EUROPEIA

Nuno Piçarra^”

1. Introdução

Na sua versão originária, o Tratado de Roma, então denonünado Tratado


da Com unidade Econômica Européia (TCEE) e hoje, Tratado sobre o
Funcionamento da União Européia (TFUE), previa a criação de um único órgão
jurisdicional - o Tribunal de Justiça (TJ)^^^ - investido nas competências de
atribuição atualmente sintetizadas pelo artigo 19.2, n.s 3, do Tratado da União
Européia (TUE) e especificadas pelos artigos 251.5 q seguintes do primeiro
tratado (constantes da Parte VI, relativa às disposições institucionais e
financeiras), a que acresce o artigo 344.9, inserido na Parte VH (sobre
disposições gerais e finais). Tais competências tendem , no essencial, à
garantia do "respeito do d ire ito " na interpretação e aplicação daqueles
Tratados, o que fala por si acerca do papel que os seus autores entenderam
conferir à jurisdictio no projeto europeu desde as suas origens, pondo-a a
salvo da influência dos Estados-Membros - decisiva, em compensação, no
sistema de gubernacuium instituído pelos mesmos tratados^^**,
Tendo em conta que o antecessor do TJ (criado, como se recordou,
pelo TCECA) começou a funcionar em 10 de dezembro de 1952, conclui-se
que esta situação de "órgão jurisdicional único" no quadro institucional das
então três Comunidades Européias viria a manter-se por quase trinta e sete
anos. Com efeito, foi o Ato Único Europeu que introduziu no ainda TCEE uma
nova disposição - o então artigo 168.2-A, n.^ - nos termos da qual poderia
ser "associada ao Tribunal de Justiça uma jurisdição encarregada de conhecer
em primeira instância, sem prejuízo de recurso para o Tribunal de Justiça

_ P r o fe s s o r a s s o c ia d o d a F a c u ld a d e d e D ir e i t o d a U n i v e r s id a d e N o v a d e Lisboa.
Era 0 q u e p re v ia m ta m b é m , p o r u m lad o , o o u t r o t r a t a d o a s s in a d o e m R om a e m 25 d e m a rç o de
1 95 7 , q u e c r io u a C o m u n id a d e E u ro p é ia d a E n erg ia A tô m ic a (TCEEA), e, p o r o u t r o la d o , o T ra ta d o
a s s in a d o e m Paris e m 1 8 d e a b r il d e 1 9 5 1 , q u e c r io u a C o m u n id a d e E u r o p é ia d o C arv ã o e d o A ç o
(TCECA), Em c o n v e n ç ã o ig u a lm e n te c e le b ra d a e m 2 5 d e m a r ç o d e 1 95 7 , re la tiv a a c e rta s in s titu iç õ e s
c o m u n s às C o m u n id a d e s E u ro p é ia s ( a r tig o s 3.s e 4.2), f ic o u e s ta b e le c id o q u e as c o m p e tê n c ia s q u e
o s d o is t r a t a d o s d a m e s m a d a ta a t r i b u í a m a o r e s p e t i v o t r i b u n a l s e r ia m e x e r c id a s p o r u m t r i b u n a l
ú n ic o , 0 q u a l, p o r sua vez, s u b s t it u ir i a o t r i b u n a l c r i a d o p e lo TCECA.
C o m o o bs e rv o u re c e n te m e n te Jean-Louis Q u e r m o n n e , "La « F é d é ra tio n d 'É ta ts N atio n s » : c o n c e p t ou
c o n t r a d ic tio n ? " , in Revue f r a n ç a / s e d e D r o i t c o n s t it u ti o n n e l , n.s 84, 2 0 1 0 , pp. 6 8 5 -6 8 5 , " o p r o j e t o d e
integ ra çã o e u ro p e ia fez e m e r g ir u m m o d o específico d e fe d e ra lis m o q u e c o n fe re aos g o v e rn o s nacionais
u m lu g a r p r e p o n d e r a n t e n u m n o v o e q u ilí b r io fu n d a d o n o e x e rc íc io e m c o m u m das s o be ra n ia s ".
R e p ro d u z id o nos a rtig o s 1 4 0 ,s -A d o TCEEA e 32.2-D d o TCECA.

349
DIRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES AT U AIS

limitado às questões de direito (...), de certas categorias de ações propostas


por pessoas singulares ou coletivas. Essa jurisdição nâo teria competência
para conhecer de processos instaurados por Estados-Membros ou por
instituições comunitárias, nem de questões prejudiciais submetidas nos
termos do artigo 177.^" hoje 267.9 do TFUE.
Este novo órgão jurisdicional - denominado Tribunal de Primeira
Instância (TPI) - foi criado por decisão do Conselho de 24 de outubro de
1988. Na exposição de motivos Invocou-se, por um lado, a necessidade de
melhorar a proteção jurisdicional dos particulares criando "um segundo
tribunal" competente para julgar "ações que exijam um exame aprofundado
de fatos complexos" e, por outro lado, razões de boa administração da justiça,
principalm ente relacionadas com a necessidade de aliviar o volume de
processos que crescentemente afluía ao 0 TPI, que iniciou funções em
setembro de 1989, deveria perm itir que o TJ se concentrasse na missão
essencial de garantir a interpretação e a aplicação uniformes do direito
c o m u n itá rio no c o n ju n to dos te r ritó rio s dos E stados-M em bros,
descentralizadamente levadas a cabo, em medida decisiva, pelos respectivos
tribunais. A missão do TJ deveria ser desempenhada em estreita cooperação
com estes tribunais, principalmente no quadro do processo de questões
prejudiciais^^\
0 Tratado de Nice reviu a repartição de competências entre o TJ e o
TPI e veio p erm itir a criação de "câmaras jurisdicionais adstritas ao TPI,
encarregadas de conhecer em primeira Instância de certas categorias de
recursos em matérias específicas". Por decisão de 2 de novembro de 2004, o
Conselho criou o Tribunal da Função Pública da União Européia (TFPUE), cujo
primeiro acórdão foi proferido em 26 de abril de 2006.

A D ecisão d o C on se lh o 8 % 9 1 /C E C A , CEE, E u ra to m , na sua ve rs ã o re tific a d a , e n c o n tra -s e pub lic a d a


n o J o r n a l O fic ia l d a s C o m u n id a d e s Eu rop é ias C 215/1, d e 2 1 .8 .1 9 8 9 . Só a D ecisão d o C o n s e lh o d e 9 3 /
3 5 0 / E u r a to m , CECA, d e 8 d e J u n h o d e 1993, q u e a re v iu pela p r im e ir a vez, se r e fe r e e x p re s s a m e n te
a o p r in c íp io d o d u p l o g ra u d e j u r i s d iç ã o a p r o p ó s it o da c r ia ç ã o d o TPI.
R ecorde-se q u e , d esd e a e n tr a d a e m v ig o r d o T ra ta d o d e Rom a, os tr ib u n a is d os E s ta d o s -M e m b ro s
f ic a r a m o b r ig a d o s a a p lic a r d ir e t a m e n t e os r e g u la m e n to s e as d e c is õ e s c o m u n i t á r ia s ( p o r fo r ç a d o
e n t ã o a r t i g o 1 8 9 .-, h o je 2 88.9) g q u e , na s e q ü ê n c ia d o a c ó r d ã o p r e ju d ic ia l d o TJ d e 5 d e fe v e r e i r o
d e 1 96 3 , Van G e n d & Loos, 2 6 ^ 2 , passa ra m a d e v e r b u s c a r t a m b é m nas d is p o s iç õ e s claras, precisas
e i n c o n d ic i o n a i s d a q u e le T r a ta d o c r i t é r i o s d e s o lu ç ã o a p lic á v e is a os c a s o s c o n c r e t o s p e r a n t e si
p e n d e n t e s . C o m o o p r ó p r i o TJ te v e o c a s iã o d e c l a r i f i c a r , a s u a f u n ç ã o n o q u a d r o d o p r o c e s s o
p r e ju d ic ia l " c o n fir m a q u e os E s ta d o s - M e m b r o s re co n h e ce ra m ao d ir e ito c o m u n itá r io uma
a u t o r i d a d e s u s c e t ív e l d e s e r i n v o c a d a p e r a n t e a q u e le s t r i b u n a i s " . C o m o a c ó r d ã o p r e j u d i c i a l d e
15 d e j u l h o d e 1 9 6 4 , C o s ta /E N E L , 6/6 4, o s m e s m o s t r i b u n a i s f i c a r a m v i n c u l a d o s a p r e f e r i r esses
c r i t é r i o s d e s o lu ç ã o a o s c r i t é r i o s c o li d e n t e s r e s u l t a n t e s d o d i r e i t o n a c io n a l. " 0 e f e i t o d i r e t o de
to d a u m a s é r ie d e d is p o s iç õ e s " d e f o n t e e u r o p e ia , a p lic á v e is t a m b é m a o s p r ó p r i o s n a c io n a is d os
E s t a d o s - M e m b r o s , e o p r i m a d o d e s s a s d is p o s i ç õ e s " r e l a t i v a m e n t e a o s d i r e i t o s d o s E s ta d o s -
M e m b r o s " sã o " a s c a r a c t e r í s tic a s e s s e n c ia is d a n o v a o r d e m j u r í d i c a d a U n iã o a s s im c o n s t it u í d a " ,
a fa v o r da q u a l a q u e le s " li m it a r a m , e m d o m í n io s cada vez m a is a m p lo s , o s seus d ir e ito s s o b e ra n o s ".
V e r p o r ú lt im o o P a rece r 1/09 d o TJ d e 8 d e m a r ç o d e 2 01 1 , n.s 65, a n a lis a d o in f r a , II.

350
DIRE IT O T R IB U T Á R IO - QUESTÕES ATUAIS

Com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, em 1 de dezembro de


2009, 0 artigo 19.^, n.^ 1, do TUE adotou a designação "Tribunal de Justiça da
União Européia" para aquele conjunto, denominando-se agora o primeiro
dos três órgãos jurisdicionais simplesmente Tribunal de Justiça^^^. 0 TPI, por
seu lado, passou a denom inar-se T ribunal Geral (TG). As câmaras
jurisdicionais denominam-se agora tribunais especializados, ainda não tendo
sido criado, entretanto mais nenhum para além do TFPUE^” .
As regras fundamentais sobre a repartição de competências entre
aqueles tribunais constam dos artigos 256.2 e 257.2 do TFUE e do artigo 51.2
do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Européia (ETJUE). Delas resultam
que apenas em dois aspetos se evoluiu em relação ao comando do citado
artigo 168.^-A, n .2 i, in fine: (i) uma parte das "categorias de ações propostas
por pessoas singulares ou coletivas" passou a ser da competência de um
terceiro tribunal - o TFPUE - e (ii) o TG adquiriu competência para conhecer
de certas categorias de "processos instaurados por Estados-Membros". O TJ
continua, portanto, a dispor de competência exclusiva para conhecer de
“ processos instaurados por instituições da União" e de questões prejudiciais
nos termos do artigo 267.9 do TFUE™
No que respeita aos tribunais nacionais, a única evolução a registrar
desde as origens da construção europeia prende-se com o aprofundamento
do seu insubstituível papel de "tribunais de direito comum da União" e,
portanto, do caráter essencialmente descentralizado do sistema jurisdicional
em presença - mas exclusivo, em termos de operadores, no que respeita à
in te rp re ta çã o e aplicação do d ire ito da União. A estes dois traços
identificadores do sistema jurisdicional da UE, junta-se a sua autodefinição
como "sistema completo de vias de recurso e de meios processuais destinado
a garantir a fiscalização da legalidade dos atos da União""°^ - onde, porém,
(ainda) são detectáveis "incompletudes" que o Tratado de Lisboa atenuou
mas não suprimiu totalmente.
São estes três elementos identificadores do sistema jurisdicional da
UE, aparentemente menos perceptíveis como tal, que o presente estudo
tem por objeto, à luz do mais recente acervo jurisprudencial produzido no
seu âmbito.

C o n s i d e r a n d o e sta n o m e n c l a t u r a " i n e l e g a n t ’’. P a u l C raig , The L is b o n T re a ty. Law , P o litic s a n d


Tre a ty R e fo rm , O x fo rd , 2 0 1 0 , p. 123.
Para Paul Craig, o p . c it. na n o t a a n t e rio r , p p . 1 34 e 154, e d e la m e n t a r q u e a a r q u i t e t u r a g lo b a l
d e s te s is te m a n ã o t e n h a s id o r e p e n s a d a p o r o c a s iã o d e n e n h u m a r e v is ã o d o s T ra ta d o s da UE.
™ A p e s a r d e o a r tig o 2 5 6 .e, n.@ 3, d o TFUE t a m b é m a t r i b u i r a o TG c o m p e tê n c ia p a ra c o n h e c e r d e
q u e s t õ e s p r e j u d i c i a i s e m m a t é r ia s e s p e c ífic a s d e t e r m i n a d a s p e lo ETJUE, e s te a in d a n ã o p r o c e d e u
a ta l d e te rm in a ç ã o .
V e r p o r ú lt im o o P a re c e r 1/09, cit., n.s 70,

351
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT U AIS

2. 0 papel fulcral dos Tribunais dos Estados-Membros

Como se salientou liminarmente, nem mesmo a mais sumária das


abordagens ao sistema jurisdicional da UE dispensa uma referência, para
além dos próprios tribunais orgânico-institucionalm ente pertencentes
àquela (TJ, TG e TFP), todos eles especializados, à sua outra componente
essencial co nstitu ída pelos trib u n a is dos E stados-M em bros ou, na
denominação dos próprios Tratados da UE - que a eles se referem muito
discretamente os "órgãos jurísdlcionaís nacionais". Estes desempenham,
com efeito, um papel fulcral no sistema jurisdicional em análise, enquanto
trib u n a is comuns da UE, sem no e n ta n to perderem a sua qualidade
primordial de tribunais nacionais. Por outras palavras, cada juiz nacional é
também juiz da UE e, em certo sentido, mais naturalmente do que o TJ, o TG
e 0 TFP, cuja competência é somente de atribuição^^ passando a acumular
com a qualidade de tribunais encarregados da aplicação do respectivo direito
nacional a qualidade de tribunais encarregados de aplicar comummente o
direito da UE.
Isto significa, portanto que, a nível jurisdicional - e, paralelamente, a
nível adm inistrativo-, a UE organizou-se, desde as suas origens comunitárias,
de acordo com a ideia de subsidiariedade, levando na devida conta que
todos os Estados-Membros dispunham de organizações judiciárias (e de
adm inistrações públicas) p e rfe ita m e n te estruturadas, operacionais e
naturalmente mais próximas dos cidadãos. Por isso mesmo, renunciou-se à
criação de um sistem a de trib u n a is p ró p rio s, destinados a aplicar
especificamente o dire ito de fon te europeia no te rritó rio dos Estados-
IVlembros. Só ficaram reservadas aos tribunais orgânico-institucionalmente
pertencentes á União as competências insuscetíveis de serem atribuídas aos
tribunais nacionais, por só poderem ser exercidas em termos adequados a
nível daquela - em conform idade, precisam ente, com uma lógica de
subsidiariedade.
No exercício dessa competência comum descentralizada para aplicar
0 direito da UE (o qual, longe de constituir apenas mais um ramo específico
do direito, impregna atualmente, em maior ou menor escala, todos os ramos
e sub-ramos do d ire ito identificáveis nos ordenam entos dos Estados-
Membros), os tribunais nacionais não estão to ta lm e n te entregues a si
próprios, estabelecendo, a montante das suas próprias decisões, relações
de cooperação com o TJ, através do já referido processo previsto pelos artigos

A s s im , R o b e rt L e c o u rt, L 'E u ro p e des ju g e s , B ru x e la s , 1976, pp. 8 -9, P a ra m a io r e s


d e s e n v o lv im e n t o s , v e r p o r e x e m p lo O llv ie r D u b o s , Les j u r i d i c t i o n s n a t io n a le s : j u g e c o m m u n a u tQ ir e ,
P a ris, 2 0 0 1 ,

352
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

19.5, n ,2 3, alínea b), do TUE e 267.5 do TFUE - comummente denominado


reenvio prejudicial - por forma a garantir que o direito da União seja por
eles uniformemente interpretado e aplicado*°\
Para responder a essa "exigência existencial" sem a qual não se estaria
sequer em presença de um verdadeiro ordenamento jurídico, os Tratados
da UE não se inspiraram em modelos federais. Por isso, as relações entre o
TJ e os tribunais nacionais não são de hierarquia, mas de cooperação,
característica que permaneceu inalterada até aos dias de hoje.
0 papel que os tribunais nacionais desempenham no exercício da
função jurisdicional multinivelada da UE não pode, de todo, ser considerado
separadamente em relação ao método de cooperação entre juizes, assente
na distinção algo artificial entre interpretação e aplicação do direito‘*°‘*. Na
realidade, sem prejuízo de encontrar a sua base normativa primordial no
princípio da cooperação leal - que vincula a União e os Estados-Membros a
respeitarem-se e assistirem-se mutuamente "no cumprimento das missões
decorrentes dos Tratados", consagrado no artigo 4.2, n.s 3, do TUE"*°^ esse
papel ou "mandato europeu" dos juizes nacionais é essencialmente de fonte
jurisprudencial, isto é, encontra-se definido na jurisprudência proferida pelo
TJ em resposta às questões prejudiciais que lhe são colocadas por aqueles
tribunais - e assim influenciam também o conteúdo desse mandato'^®. Fala
por si a simples releitura, sob este prisma, do citado acórdão Van Gend &
Loos, "pedra basilar" da arquitetura desse mandato.
Entre o vasto elenco de "prerrogativas e obrigações europelas", para
os tribunais nacionais enquanto tribunais comuns da UE, criativamente
extraídas sobretudo do Tratado de Roma, avulta a de, no âmbito das suas

Dos a rtig o s 19.2, n.s 3 , alínea b), d o TUE e 267.® d o TFUE, c o n ju g a d o s c o m o a r tig o 256.8, n.s 3 (v e r
s u p r a , n o t a 8 ), r e s u l t a q u e 0 TJ d e c i d e " a t í t u l o p r e j u d i c i a l , a p e d i d o d o s ó r g ã o s j u r i s d i c i o n a i s
n a c io n a is , s o b re a i n t e r p r e t a ç ã o d o d i r e i t o d a U n iã o o u s o b r e a v a lid a d e d o s a to s a d o t a d o s pelas
i n s t it u iç õ e s " . Para u m c o m e n t á r i o à q u e le s d o is a r tig o s , v e r p o r u l t i m o J. N. C u n h a R o d r ig u e s /A . J.
R o b a lo C o r d e i r o e M a r ia E u g ê n ia M a r t i n s R ib e ir o , in M a n u e l L o p e s P o r t o e G o n ç a lo A n a s t á c io
( c o o r d .), T r a ta d o d e L is b o a A n o t a d o e C o m e n ta d o , C o im b r a , 2 0 1 2 , p p . 9 7 - 1 0 0 e 9 6 2 -9 6 6 .
Para m a io r e s d e s e n v o lv i m e n t o s v e r p o r e x e m p l o A . C a s t a n h e ir a N e v e s , M e t o d o l o g i a J u r íd ic a .
P r o b le m a s f u n d a m e n t a is , C o im b r a , 1993, e s p e c ia lm e n te p p . 8 3 segs. A í se s a lie n ta q u e " 0 p r o b le m a
j u r i d i c o - n o r m a t i v o d a i n t e r p r e t a ç ã o n ã o é 0 d e d e t e r m i n a r a s ig n ific a ç ã o , a in d a q u e s i g n ific a ç ã o
ju r í d ic a , q u e e x p r im a m as leis o u q u a is q u e r n o r m a s ju ríd ic a s , m as o d e o b t e r dessas leis o u n o rm a s
u m c r i t é r io p r á t ic o n o r m a t i v o a d e q u a d o d e d e c is ã o d e casos c o n c r e t o s " (ê n fa s e n o o r ig in a l) e q u e
" a n o r m a só v e m a s e r i n t e r p r e t a t i v ã m e n t e d e t e r m i n a d a a t r a v é s d a c o n c r e t a r e s o l u ç ã o d o s
p r o b l e m a s ju r í d i c o s q u e n e la se f u n d a m e n t e o u q u e a i n v o q u e c o m o seu c r i t é r i o "
Daí re su lta , t a m b é m p a ra os tr ib u n a is d os E s ta d o s -M e m b ro s , 0 d e v e r d e t o m a r " to d a s as m e d id a s
g e ra is o u e s p e c ífic a s a d e q u a d a s p a ra g a r a n t i r a e x e c u ç ã o das o b r ig a ç õ e s d e c o r r e n t e s d o s T ra ta d o s
ou r e s u l t a n t e s d o s a to s d as i n s t it u i ç õ e s d a U n i ã o " e d e se a b s t e r " d e q u a l q u e r m e d id a s u s c e tív e l
d e p ô r e m p e r i g o a r e a liz a ç ã o d o s o b j e t i v o s d a U n iã o ” .
N e s te s e n t id o , v e r S a c ha P r e c h a l, " N a t i o n a l C o u r t s in EU J u d ic ia l S t r u c t u r e s " in Yearbool< o f
E u r o p e a n L a w , n.s 25, 2 0 0 6 , p. 4 3 3 , q u e se r e fe r e e x p r e s s a m e n t e a o m a n d a t o d o s ju iz e s n a c io n a is
c o m o "a m a t t e r o f c a se l a w " , e m c o e r ê n c ia , d e r e s to , c o m a c a r a c te r ís tic a f u n d a m e n t a l d o d ir e i t o
da U n iã o , " m u c h m o r e o r ie n t e d t o case l a w " .

353
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT U AIS

competências, aplicarem integralmente o direito da União e protegerem os


direitos que este confere aos particulares, fazendo tudo o que for necessário
para garantir a sua plena eficácia. Com essa finalidade, os tribunais nacionais
podem inclusive exercer competências que não lhes são reconhecidas pelas
ordens jurídicas estaduais em que se integram e ver até reforçado o seu
estatuto constitucional perante outros poderes do Estado, designadamente
0 legislador. É a este propósito que se fala de um "empowerment" dos juizes
nacionais, determinado pelo “ empowering effect" do direito da
Como exem plo mais sig nificativo disso mesmo, é norm alm ente
referida a competência reconhecida pelo TJ a qualquer tribunal nacional de,
com vista a garantir a plena eficácia do direito da UE, desaplicar se necessário,
por sua própria autoridade, qualquer disposição contrária de direito nacional,
anterior ou posterior, sem ter que requerer ou aguardar a prévia eliminação
dela por via legislativa ou por qualquer outro processo constitucional^^® -
competência essa de que, fora de tal contexto, a generalidade dos tribunals
dos E stados-M em bros não dispõe'*®^ Mas pode citar-se tam bé m a
competência para suspender, nas mesmas condições, a títu lo de medida
provisória ou providência cautelar, a aplicação de uma lei nacional, até o TJ,
em decisão prejudicial, lhe fornecer elementos de interpretação do direito
da UE que lhe permitam concluir definitivamente pela incompatibilidade,
ou não, da lei suspensa com o direito prevalecente“^°.
0 artigo 19.5, n.5 i , segundo parágrafo, do TUE, ao impor aos Estados-
Membros a obrigação, originariam ente também de fonte pretoriana, de
estabelecerem nos respectivos ordenamentos jurídicos "as vias de recurso
necessárias para assegurar uma tutela jurisdicional efetiva nos domínios
abrangidos pelo direito da União"**^^ confirma e reforça o papel fulcral dos
tribunais nacionais no sistema jurisdicional da UE.
Recentemente, foi o próprio TJ a recordar o lugar e o papel dos
tribunais dos Estados-Membros no sistema jurisdicional da UE - para os
considerar parte integrante da identidade deste sistema e, nessa medida,
inalterável por ato de direito internacional público convencional, ou sequer
por revisão dos próprios Tratados da UE. Fê-lo em aplicação do artigo 218.9,
n.9 11, do TFUE, que lhe confere competência para, a pedido de qualquer
Estado-Membro, do Parlamento Europeu, do Conselho ou da Comissão,

Para m a io r e s d e s e n v o lv im e n to s , r e m e t e - s e p a ra N u n o P içarra e Fra n cisco P e re ira C o u tin h o , "T h e


E u r o p e a n iz a tio n o f t h e P o r tu g u e s e C o u r ts " , in N u n o S e v e r ia n o T e ix e ira e A n t o n io C osta P in to , The
E u ro p e a n iz a tio n o f P o rtu g u e s e D e m o c r a c y , N ov a lo r q u e , 2 0 1 2 , p p . I l l segs e b ib lio g r a fia aí cita d a .
V e r 0 a c ó r d ã o d o TJ d e 9 - 3 - 1 9 7 8 , S i m m e n t h a l, 1 0 ^ 7 , n.s 2 4 , “ ** U m a d as e x c e ç õ e s é P o r tu g a l,
o n d e , g r a ç a s à c o m p o n e n t e d if u s a d o s i s t e m a d e fis c a li z a ç ã o d e c o n s t i t u c i o n a l i d a d e e m v ig o r,
" n o s fe ito s s u b m e tid o s a ju lg a m e n to n ão p o d e m os tr ib u n a is a p lic a r n o rm a s q u e in fr in ja m a
C o n s t i t u i ç ã o o u os p r in c í p i o s n e la c o n s ig n a d o s " ( a r t i g o 2 04 .2 d a C o n s t i t u i ç ã o d e 7 6 ).
V e r 0 a c ó r d ã o d o TJ d e 1 9 -6 -1 9 9 0 , F a c to r ta m e , C -2 1 3 /8 9 , n.e 21.
Ver 0 a córdão d o TJ d e 25-2-2002, U nión d e Pequerios A g ricu lto res co ntra Conselho, C-SO/X) P, n.s 41.

354
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

emitir parecer sobre a compatibilidade com os Tratados da UE de um projeto


de acordo de direito internacional em que esta seja parte. O referido preceito
é interpretado pelo TJ como tendo por objetivo "evitar as complicações que
resultariam de impugnações judiciais relativas à com patibilidade com
aqueles Tratados de acordos internacionais que vinculam a União o que
não deixaria de criar não só a nível da União, mas também a nível das relações
internacionais, sérias dificuldades e correria o risco de provocar prejuízos a
todas as partes interessadas, incluindo os Estados terceiros"*^^
Se 0 parecer for negativo, o acordo projetado não pode entrar em
vigor, salvo alteração, ou então salvo revisão dos Tratados da UE - mas só na
m edida em que as disposições em causa destes ú ltim o s não sejam
materialm ente irrevisíveis, designadamente por estabelecerem, como o
próprio TJ já esclareceu a propósito do sistema jurisdicional da União, os
elementos estruturantes desse sistema"^\
0 projeto de acordo objeto de parecer negativo do TJ (que vincularia
a União e os Estados-Membros, por um lado, e um conjunto Estados terceiros,
por outro) criava um sistema unificado de resolução de litígios em matéria
de patentes, designado por Tribunal de Patentes Européias e Comunitárias
(TP)414 jg | como 0 TJ fez notar, tratava-se, "no essencial, de uma nova
estrutura jurisdicional", situada "fora do quadro institucional e jurisdicional
da União" - não fazendo, portanto, "parte do sistema jurisdicional previsto
no a rtig o 19.9, n.s i , do TUE" - , d otada de co m petência exclusiva
relativamente a um número importante de ações intentadas por particulares
no domínio das patentes - e designadamente no domínio da futura patente
comunitária''^^ A com patibilidade com os Tratados da UE desta últim a

Cf. o s n.ss 4 7 -4 8 d o P a re c e r 1/0 9, cit.


Para m a io re s d e s e n v o lv im e n to s , v e r J. L. Cruz V ila ç a e N u n o Piçarra, A r e There M a t e r i a l L im its to
t h e R evis ior) o f t h e T r e a ti e s o f t h e E u r o p e a n U n i o n ? , p u b l i c a ç ã o d o Z e n t r u m f ü r E u r o p a is c h e s
W i r t s c h a t t s r e c h t d a R h e in is c h e F r i e d r i c h - W i l h e l m s - U n i v e r s i t a t d e B o n a , n .s 4 6 , 1 9 9 5 .
R e c o rd e -s e q u e , s e g u n d o a D e c la r a ç ã o n.s 17, a p r o v a d a a q u a n d o d a a s s in a tu r a d o T r a ta d o d e
N ic e , r e la t i v a a o e n t ã o a r t i g o 2 2 9 .s - A e a tu a l a r t i g o 2 6 2 . ^ d o T r a ta d o d e R o m a , s o b r e a e v e n t u a l
c o m p e t ê n c i a d e u m t r i b u n a l d a U n i ã o p a r a " d e c i d i r s o b r e l i t í g i o s lig a d o s à a p l i c a ç ã o d o s a to s
a d o t a d o s c o m base n o p r e s e n te t r a t a d o q u e c r i e m t í t u lo s c o m u n i t á r io s d e p r o p r i e d a d e in d u s tr ia l" ,
t a l d is p o s iç ã o n ã o c o n d i c io n a v a " a e s c o lh a d o q u a d r o j u r i s d i c i o n a l e v e n t u a l m e n t e a c r i a r p a r a o
tr a ta m e n to [d e s te ] c o n te n c io s o " .
A f u t u r a p a t e n t e c o m u n i t á r i a d e v e r á t e r c a r a c t e r u n i t á r i o e a u t ô n o m o e p r o d u z i r os m e s m o s
e fe it o s e m t o d a a UE, só p o d e n d o s e r c o n c e d id a , t r a n s m it id a , d e c la ra d a n u la o u e x tin t a c o m e fe ito s
r e l a t i v a m e n t e a t o d o e s t e e s p a ç o t e r r i t o r i a l . N is t o se d i s t i n g u i r á s u b s t a n c i a l m e n t e d a p a t e n t e
e u r o p e ia , c o n c e d id a n os t e r m o s d a C o n v e n ç ã o h o m ô n im a , assin a d a e m M u n i q u e e m 5 d e o u t u b r o
d e 1 9 7 3 , n a q u a l sã o p a r t e s c o n t r a t a n t e s t r i n t a e o i t o E sta d o s , e n t r e o s q u a is t o d o s os E sta d o s -
M e m b r o s d a UE, m a s n ão e s ta ú lt im a . C om e fe it o , a p e s a r d e a p a t e n t e e u r o p e ia s e r c o n c e d id a p e lo
I n s t i t u t o E u ro p e u d e P a te n te s ( c r ia d o p o r a q u e la c o n v e n ç ã o ) , a tr a v é s d e u m p r o c e d im e n t o ú nic o ,
e la d iv i d e - s e n u m c o n j u n t o d e p a t e n t e s n a c io n a is , c a d a u m a r e g u l a d a p e l o d i r e i t o i n t e r n o d o s
E sta d o s d e s ig n a d o s p e lo t i t u l a r e a p e n a s p r o d u z in d o e f e it o s n o r e s p e t i v o t e r r i t ó r i o . Para m a io re s
d e s e n v o lv i m e n t o s , v e r p o r ú l t i m o A l b e r t o F ra n c is c o R ib e ir o d e A l m e i d a e m c o m e n t á r i o a o a r tig o
262-2 d o TRUE, in T r a ta d o d e L isb o a A n o t a d o e C o m e n ta d o , c it., p p . 9 4 2 -9 4 3 .

355
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

competência exclusiva do TP é que constituía a questão central formulada


no pedido de parecer^^®.
Organicamente, o TP seria composto por um tribunal de primeira instância,
compreendendo uma divisão central e divisões locais e regionais, bem como
por um tribunal de recurso. As competências territoriais das diferentes divisões
do tribunal de primeira instância eram delimitadas nos termos do artigo 15.9 do
projeto de acordo. Os tribunais dos Estados contratantes (Estados-Membros da
UE e Estados terceiros) só seriam "competentes para conhecer das ações
relacionadas com patentes comunitárias e patentes europeias que não sejam
da competência exclusiva do TP".
As características elencadas da nova estrutura jurisdicional bastam
para levar à conclusão de que ela se distingue substancialmente do sistema
ju ris d ic io n a l da UE. Ao c o n trá rio deste, tra ta -s e de uma e s tru tu ra
basicamente centralizada (embora com desconcentração territorial ao nível
do trib u n a l de p rim e ira instância), onde os trib u n a is nacionais
desempenham , p o rta n to , um papel m eram ente residual. Esta últim a
característica coloca a nova estrutura nos antípodas do sistema jurisdicional
da UE, em que os tribunais dos Estados-Membros estão na primeira linha,
enq u a n to trib u n a is de d ire ito com um . N outra perspectiva, a lógica
subjacente à nova estrutura jurisdicional opõe-se frontalmente à do sistema
jurisdicional da União, ao traduzir-se na criação de um sistema de tribunais
próprios, destinados a aplicar especificamente, em termos quase exclusivos,
0 direito das patentes, incluindo aquele cuja fonte é a UE.
Na ausência dessa nova estrutura jurisdicional, o direito das patentes
adotado no âmbito da UE seria em primeira linha aplicado pelos tribunais
dos Estados-Membros em cooperação com o TJ no quadro do reenvio
prejudicial, com vista a evitar divergências na interpretação do direito da
UE. É de salientar a este respeito que o artigo 48.2 do projeto de acordo
estabelecia uma relação de cooperação entre o TP e o TJ que evoca
manifestamente a estabelecida entre este último e os tribunais dos Estados-
Membros, nos termos do artigo 267.9 do TFUE.
Com efeito, nos termos do n.s 1 do artigo 48.®, se o Tribunal de Primeira
Instância depara com uma questão de interpretação do TFUE ou sobre a
validade ou interpretação de um ato da União, esse tribunal "pode, se o
considerar necessário para poder proferir uma decisão, solicitar uma decisão

Cf. os n.2s 64, 7 1 -7 2 e 5 9 d o P a re c e r 1 /3 9 . 0 TJ p recisa n es te c o n t e x to q u e , p o r fo r ç a d o a c o rd o


p r o j e t a d o , o ó r g ã o j u r i s d ic i o n a l n e le p r e v i s t o - TP - d is p o r ia d e c o m p e t ê n c i a p a ra i n t e r p r e t a r e
a p lic a r n ã o só as d isp o siçõ e s d o r e fe r id o a c o rd o , m as t a m b é m o f u t u r o r e g u la m e n to s o b re a p a te n te
c o m u n i t á r ia e o u t r o s in s t r u m e n t o s d e d i r e i t o da U n iã o c o m o s q u a is o r e f e r id o r e g u l a m e n t o d e ve ,
e v e n t u a l m e n t e , s e r l id o e m c o n j u g a ç ã o : d is p o s iç õ e s r e la t i v a s a o u t r o s r e g i m e s d e p r o p r i e d a d e
i n t e l e c t u a l e re g ra s d o TFUE r e la tiv a s a o m e r c a d o i n t e r n o e a o d i r e i t o d a c o n c o r r ê n c ia {n .s 78).

356
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

prejudicial ao Tribunal de Justiça (...). Se tal questão for levantada perante o


Tribunal de Recurso, este solicita [obrigatoriamente] uma decisão prejudicial
ao Tribunal de Justiça". Nos termos do n.5 2 do mesmo artigo, as decisões do TJ
sobre a interpretação do TFUE e a validade ou interpretação de atos da UE são
vinculativas para o Tribunal de Primeira Instância e para o Tribunal de Recurso“^’ .
0 caráter residual da competência dos tribunais dos Estados-Membros
no sistema unificado de resolução de litígios em matéria de patentes,
previsto pelo projeto de acordo, foi o primeiro fundamento avançado pelo
TJ para se pronunciar pela sua incompatibilidade com os Tratados da UE e,
concretamente, com o disposto no artigo 19.2 do TFUE, interpretado no
sentido de que os órgãos ju risd icio n ais nacionais desempenham, em
colaboração com o TJ, uma função que lhes é "atribuída em comum para
assegurar o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados da
UE" e que é, do mesmo passo, essencial para a preservação da própria
natureza do direito da União, concretamente, da sua força e efetividade.
Isto porque, por um lado, as violações desse direito pelos tribunais nacionais
são suscetíveis de obrigar o receptivo Estado-Membro a reparar os danos daí
resultantes para os particulares e, por outro lado, porque quando um órgão
jurisdictonal nacional viola o direito da União, os artigos 258.S a 260.5 do
TFUE preveem a possibilidade de recorrer ao TJ para que seja declarado esse
incum prim ento em relação ao Estado-Membro em causa'*^®. Ora, "uma
decisão do TP que viole o direito da União não pode ser objeto de uma ação
p or in c u m p rim e n to , nem dar origem a q u a lq u e r responsabilidade
patrimonial por parte de um ou vários Estados-Membros"“^^
Em conclusão, os Tratados da UE são irremediavelmente incompatíveis
com qualquer estrutura jurisdicional paralela que vote os tribunais nacionais
a um papel residual no que toca a interpretar e aplicar o direito da UE,
priva nd o -o s da sua "q u alida d e de juizes de « d ire ito com um » no
ordenamento da União e, assim, da faculdade prevista no artigo 267.5 do
TFUE, ou mesmo, eventualmente, da obrigação de reenvio prejudicial no
domínio em questão" 0 facto de o projeto de acordo prever, como se

Cf. 0 n.e 12 d o P a rece r 1/09.


A e ste p r o p ó s it o , é in te r e s s a n te n o t a r q u e o a c ó r d ã o d o TJ a q u e o P a re c e r e m a n á lis e se re fe re ,
de 9 d e d e z e m b ro d e 2 0 0 3 , C om is s ã o c o n t r a Itá lia , C-129/D 0, c o m o e x e m p lo d e u m a d e c la r a ç ã o de
in c u m p r im e n t o d e E stado p o r f a c t o i m p u tá v e l a u m seu t r ib u n a l, na re a lid a d e c o n d e n a f o r m a lm e n t e
0 E s ta d o - M e m b r o e m causa p e lo f a c t o d e n ã o t e r s id o a lt e r a d o , p e l o le g is la d o r, u m p r e c e ito legal
i n t e r p r e t a d o e a p l i c a d o e m c o n t r a d i ç ã o c o m o d i r e i t o d a U n i ã o " p e l a A d m in i s t r a ç ã o e p o r u m a
p a r t e s ig n ific a t iv a d o s ó r g ã o s j u r i s d ic i o n a i s , i n c l u in d o a C o r t e s u p r e m a d i c a s s a z io n e " . Seja c o m o
for, d e s d e o a c ó r d ã o d e 5 d e m a io d e 1970, C om issã o c o n t r a Bélg ica, 77/69, n.s 5, o in c u m p r im e n t o
d e u m E s ta d o - M e m b r o p o d e , e m p r in c íp io , s e r d e c la r a d o q u a l q u e r q u e seja o ó r g ã o c u ja a c ç ão ou
o m is s ã o e s te ja n a o r ig e m d o i n c u m p r i m e n t o , in c lu s iv e , p o r t a n t o , u m ó r g ã o c o n s t i t u c i o n a l m e n t e
i n d e p e n d e n t e , c o m o os t r i b u n a is .
Cf. os n.ss 6 9 e 8 5 a 8 8 d o Parecer 1/09.
™ C f o n.s 8 0 d o P a recer 1 ^ 9 .

357
D IRE ITO T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES AT U AIS

referiu, um mecanismo prejudicial idêntico ao do artigo 267.5 do TFUE,


aplicável, nos mesmos termos, às instâncias que compõem o TP não basta
para colm atar a brecha na identidade do sistema ju risdicional da UE,
provocada pela retirada aos tribunais nacionais da competência para aplicar
em primeira linha o direito da União e pela conversão, nesse âmbito, do TP
“ no interlocutor jurisdicional único" do TJ, em detrimento daqueles.
A alteração do projeto de acordo por forma a atribuir aos tribunais
nacionais um papel Idêntico ao que desempenham no sistema jurisdicional
da UE privaria a "nova estrutura jurisdicional" de tod o o seu sentido e
coerência, não cabendo sequer examinar neste contexto a possibilidade de
torna r extensivo ao TP o regime do processo por incum prim ento ou da
responsabilidade extracontratual por violação do direito da União. Estes
regimes só fazem, de resto, sentido quando os seus destinatários são os
tribunais dos Estados-Membros. Por seu lado, a revisão dos Tratados de modo
a com patibilizá-los com o pro jeto de acordo im plicaria a mudança de
identidade do sistema jurisdicional da UE, tornando-se eo ipso ilícita.

3. 0 monopólio de competência para interpretar e aplicar o direito


da União Européia

0 próprio texto do artigo 19.^ n.s 1, do TUE, na parte em que atribui ao


conjunto de tribunais da UE, tal como identificados acima, a missão de garantir
o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados - e que
remonta ao artigo 31.5 do TCECA, retomado pelo artigo 162.2 do TCEE - aponta
decisivamente no sentido de que se trata de uma competência exclusiva.
Foi sempre esse o entendimento do TJ - como o comprova, por último, o
Parecer 1/39 supra-analisado que igualmente reivindica a sua competência
de última instância a esse respeito e, portanto, a última palavra na definição
do próprio âmbito de aplicação do direito da UE, a começar pelo juízo de
validade sobre o direito derivado"*^\

0 a r tig o 41.8 d o TCECA era, aliás, expre sso a este re s p e ito :"S ó o T rib u n a l [d e Justiça] é c o m p e te n te
para decid ir, a t í t u lo p re ju d ic ia l, s o b re a v a lid a d e das d e lib e ra ç õ e s da A lta A u t o r id a d e e d o C onselh o,
se, e m l it íg io s u b m e t i d o a u m t r i b u n a l n a c io n a l, e s ta v a lid a d e f o r p o s ta e m c a us a ". N o â m b i t o d o
Tra ta d o d e Roma, o le a d in g case na m a té r ia é o a c ó r d ã o d e 2 2 d e o u t u b r o d e 1987, F o to -Fro st, 3 1 ^
8 5 , n.9s 15 a 18, q u e a u to re s c o m o J oseph W e ile r , " T h e T r a n s fo r m a t io n o f E u rop e ", in The Yale L aw
J o u r n a l, 1 99 1 , p p . 2 4 1 4 -2 4 1 5 , lê e m c o m o a r e iv in d ic a ç ã o p o r p a r t e d o TJ da K o m p e te n z - K o m p e te n z
p a ra a d e f in i ç ã o d o â m b i t o d e a p lic a ç ã o d o d i r e i t o d a UE. Para m a io r e s d e s e n v o lv i m e n t o s s o b r e
e s te c o n c e ito , v e r M ig u e l G a ivão Teles, "A c o m p e tê n c ia da c o m p e tê n c ia d o T rib u n a l C o n s titu c io n a l" ,
in A A VV, L e g i t i m id a d e e L e g i t i m a ç ã o d a J u s tiç a C o n s t i t u c i o n a l - C o l ó q u io n o JO.s A n iv e r s á r io d o
T rib u n a l C o n s titu c io n a l, C o im b ra , 1995, pp. 105 segs. S o b re os a s p e to s c o n tro v e rs o s da
c o m p e tê n c ia d o TJ na sua re la çã o c o m os tr ib u n a is n ac io n a is , v e r p o r ú lt im o na d o u t r in a p o rtu g u e s a
Patríc ia F ragoso M a r ti n s , “ V m n S u p r e m o T r ib u n a l» p ara a U n iã o ? Refle xões s o b r e o lu g a r d o TJCE na
a r q u i t e c t u r a j u d i c iá r i a e u r o p e ia " , in E s tu d o s d e d i c a d o s a o P r o fe s s o r D o u t o r Luís A l b e r t o C a r v a lh o
F e rn a n d e s , v o l. Ill, L isboa, 2 0 1 1 , p p . 9 9 segs.

358
DIRE ITO T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

No mesmo sentido aponta expressamente, embora de modo menos


genérico, outra disposição que remonta tam bém à versão originária do
Tratado de Roma (artigo 219.5) e hoje consta do já mencionado artigo 344.2
do TFUE, nos termos do qual "os Estados-Membros comprometem-se a não
subm eter qualquer diferendo relativo a interpretação ou aplicação do
Tratados a um modo de resolução diverso dos que neles estão previstos"
Porventura porque os próprios Estados-Membros tomaram a sério o
comando deste artigo, sobretudo a partir do momento em que o TJ, logo em
1964, baseando-se nele, afastou categoricamente do âmbito de aplicação
dos Tratados a regra inadimplenti non est adimplendum^^^, foi preciso esperar
mais de quarenta anos para o mesmo tribunal voltar a interpretar e aplicar o
preceito em análise, então constante do artigo 292.2 do Tratado de Roma'^^'^.
Só, portanto, de uma perspectiva exclusivamente jurisprudencial se pode
afirmar com segurança que o disposto no atual artigo 344.9 do TFUE tem
desempenhado um papel secundário, tratando-se de afirmar o monopólio
de interpretação e aplicação do direito da UE por parte do correspondente
sistema jurisdicional.
É o acórdão de 30 de maio de 2006 que a seguir se examina a respeito
de tal m onopólio. Mas não sem antes referir que, no Parecer 1/09, em
resposta à alegação de um Estado-Membro, segundo a qual o projeto de
acordo em causa violava tam bém o artigo 344.s - na medida em que
prejudicava o monopólio de jurisdição da UE para conhecer dos litígios
envolvendo o direito da União o TJ pronunciou-se pela inaplicabilidade
do mesmo artigo a um sistema de resolução de litígios de direito da UE entre
particuiares (no caso, o direito das patentes), criado à margem do sistema
jurisdicional da União. Interpretou-o literalm ente no sentido de que "se
limita a proibir os Estados-Membros de submeter um diferendo relativo à
interpretação ou à aplicação dos Tratados a um meio de resolução diferente
do previsto nestes" (ênfase acrescentada)''^^

S o b re e ste a r tig o , v e r o c o m e n t á r i o d e M a r ia J o ão D u a r te e b ib lio g r a f ia aí c ita d a , in T r a ta d o d e


L isb o a A n o t a d o e C o m e n ta d o , c it., p p , 1 2 0 7 - 1 2 1 1 .
V e r □ a có rd ã o d e 13 d e n o v e m b r o d e 1964, Com issão c o n tra Bélgica e L ux e m b u rgo , 9 0 e 9 1 /6 3 , n o
q u a l 0 TJ d e c l a r o u q u e , e s t a b e l e c e n d o o s T r a t a d o s o s p r o c e s s o s n e c e s s á r io s p a r a v e r i f i c a r e
s a n c i o n a r q u a l q u e r e v e n t u a l v io la ç ã o d o d i r e i t o d a UE, os E s ta d o s - M e m b r o s n ã o p o d e m fa z e r - s e
ju s t iç a a si p r ó p r io s , n e m r e s p o n d e r a u m a v io la ç ã o d o s T ra ta d o s p o r p a r t e d o s re s ta n te s Esta dos-
M e m b r o s c o m o u t r a v io la ç ã o .
N ão é p o r isso e xata a a fir m a ç ã o c o n s t a n t e d o p o n t o 1 das c o n c lu s õ e s d o a d v o g a d o -g e ra l M ig u e l
P o ia re s M a d u r o a p r e s e n ta d a s e m 1 8 d e j a n e i r o d e 2 0 0 6 n o p ro c e s s o C o m is s ã o c o n t r a I r la n d a , C-
4 5 9 / ) 3 , q u e c u lm in o u c o m o a c ó r d ã o d e 3 0 d e m a io d e 2 0 0 6 , s e g u n d o a q ua l o TJ fo i p e la p r im e ir a
ve z c h a m a d o n e s t e p r o c e s s o a p r o n u n c ia r - s e s o b r e u m a a le g a d a v i o l a ç ã o d o a t u a l a r t i g o 3 44 .2
c o m e t id a p o r u m E s t a d o - M e m b r o .
Cf. o s n.2s 2 2 e 6 3 d o P a re c e r 1 /0 9 , c it. In t e r p r e t a n d o - o , p o r é m , n o s e n t id o d e q u e o TJ n e le se
p r o n u n c ia n o s e n t id o d e q u e "a c r ia ç ã o d o T r ib u n a l d e P a te n te s E u ro p é ia s e C o m u n it á r ia s v io la r ia
0 d is p o s to n o a r tig o 344.8 d o TFUE, u m a vez q u e e s te t r i b u n a l s e ria c o m p e t e n t e p a ra i n t e r p r e t a r e
a p l i c a r d is p o s iç õ e s d o d i r e i t o da UE", v e r M a r ia J o ã o D u a r te , loc. c it., p. 1 21 1 .

359
DIRE IT O T R IB U T Á R IO QUESTÕES AT U AIS

Foi 0 desencadear, por parte da Irlanda, de um processo de resolução de


conflitos contra o Reino Unido perante um tribunal arbitrai, no quadro da
Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (na qual a UE e os Estados-
Membros são partes) que levou a Comissão Européia a acusá-la, num processo
por incumprimento, de violar nomeadamente o artigo 344.2. isto porque,
segundo a Comissão, o diferendo em matéria de proteção ambienta) submetido
pela Irlanda ao tribunal arbitrai estava abrangido pelo direito da UE, devendo
por conseguinte ser julgado no âmbito do sistema jurisdicional desta.
0 TJ começou por recordar, por um lado, que, na qualidade de acordo
misto, aquela convenção goza, no ordenamento da União, do mesmo estatuto
que os acordos exclusivos da UE, no que respeita às disposições nela contidas
que relevam da competência da União e, por outro lado, que as matérias
abrangidas pelas disposições da convenção invocadas pela Irlanda perante
0 tribunal arbitrai encontram-se amplamente regulamentadas pelo direito
da UE'*^®. Fazendo, assim, essas disposições da convenção parte integrante
do ordenamento da UE, o TJ torna-se eo ipso competente para conhecer dos
diferendos relativos à interpretação e à aplicação delas, bem como para
julgar da observância das mesmas por parte de um Estado-Membro e ainda
para identificar os elementos do diferendo que dizem respeito a disposições
do acordo internacional não abrangidas pela sua competência.
A exclusividade dessa competência, corolário da competência para
garantir o respeito do direito na interpretação e aplicação dos Tratados da
UE, cometida ao sistema jurisdicional da União no seu conjunto - e que
nenhum acordo de direito internacional pode infringir resulta do artigo
19.2, n .2 1, doTUE e é confirmada pelo artigo 344.9 doTFUE. Este, por sua vez,
constitui "uma manifestação específica do dever mais geral de lealdade"
decorrente do fulcral artigo 4.2 n.2 3, do TUE'*^^.
Foram precisamente estes artigos que o TJ entendeu obstarem a que
a Irlanda recorresse a um tribunal arbitrai para a resolução do diferendo com
o Reino Unido, im pondo-lhe, antes, a obrigação de recorrer ao sistema
jurisdicional da UE e de respeitar a competência exclusiva do TJ, "que dele
constitui um elemento fundamental", lançando mão designadamente da
ação por incumprimento prevista pelo artigo 259.2 do TFUE, para obter uma
declaração de que as disposições de direito europeu aplicáveis foram violadas
pelo segundo Estado-Membro'*^®. Por não o te r fe ito , o TJ im p u tou à

Cf. n ®s 84, H O e 9 5 d o a có rd ã o d o TJ d e 3 0 d e m a io d e 2006, c it


C f n 9s 121, 123, 132, 1 35 e 169 d o a c o r d ã o c it
C o n h e c id a a s i s t e m á t ic a r e lu t â n c ia m a n i f e s t a d a p e lo s E s t a d o s - M e m b r o s e m i n t e n t a r e m ações
p o r in c u m p r im e n to ao a b r i g o d o a tu a l a r t i g o 2 5 9 s d o TFUE, d e i x a n d o n o r m a l m e n t e o e nca rg o a
C om issã o, a o a b rig o d o a r tig o 2 58 a s u g e s tã o expre ssa d o TJ n o s e n t id o d e q u e o E s ta d o - M e m b r o
e m causa lançasse m ã o d a q u e le m e io p rocessual p o d e ser v is ta c o m o u m c o n v ite g e n e r ic o n o s e n tid o
da sua m a is f r e q ü e n t e u tiliz a ç ã o Para d a d o s c o n c r e to s s o b r e a a p lic a ç ã o d o a r tig o 2 5 9 2, v e r a n o ta
4 das cita d a s co nclu sõ es d o a d vo g a d o -g e ra l M ig u e l M a d u r o e, p o r u lt im o , G o n ç a lo Braga d a Cruz, e m
c o m e n tá r io aos a rtig o s 2 5 8 2 @ 2 5 9 9 d o TFUE, in T ra ta d o d e Lisboa A n o t a d o e C om e n ta d o , c i t , p 933

360
D IRE IT O TR IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

demandada o incumprimento das obrigações que lhe incumbem por força


dos artigos 4.9, n e 3, do TUE e 344.9 do TFUE'"".

4. As incompletudes subsistentes num sistema jurísdtcional que se


autodefine como "sistema completo de fiscalização da legalidade dos
atos da União"

Foi a partir da interpretação do Tratado de Roma, ainda na sua versão


anterior ao Ato Único Europeu, que o TJ chegou à conclusão de que nele se
estabelece "um sistema com pleto de vias de recurso e de processos
destinado a confiar-lhe o controlo da legalidade dos atos das instituições”
das então Comunidades. Em complemento disso, declarou o Tratado de Roma
a "carta constitucional de uma Comunidade de Direito", no sentido de que
nem esta nem os Estados-Membros se subtraem ao controle jurisdicional da
conformidade dos respectivos atos com tal instrumento jurídico'‘^°.
Todavia, a data, o "sistema de vias de recurso e de processos"
estabelecido pelo Tratado de Roma evidenciava lacunas a esse nível que
impediam de considerá-lo, em rigor, completo. Basta comparar o disposto
no então artigo 173.9, tan to a nível da legitimidade ativa e passiva das
Instituições com unitárias, em cujo elenco o Parlam ento Europeu não
figurava, como a nível do conceito de ato recorrível, com o que hoje dispõe
0 artigo 263.5 do TFUE, para se chegar sem dificuldade a uma conclusão
contrária à do TJ. A sua constatação, muito menos do que refletir a verdadeira
situação jurídica do Tratado de Roma a esse respeito, traduzia-se antes numa
espécie de "plano de ação", orientado pelo princípio do Estado de direito e
destinado a suprir as lacunas então verificáveis a respeito da fiscalização da
legalidade dos atos da UE - programa esse que o TJ logo levou à prática no
caso concreto, ao declarar recorríveis, sem qualquer base legal expressa no
Tratado de Roma, determinados atos do Parlamento Europeu que qualificou
como "atos destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros".
Não cabe recordar aqui as outras etapas da ação do TJ na matéria. Mas
em abono da imparcialidade, importa salientar que há pelo menos um aspeto
em que este tribunal não foi inteiramente coerente com o seu “ plano de
ação" tendente a converter o sistema jurisdicional da UE no proclamado
“ sistema completo de vias de recurso e de meios processuais destinado a
g a ra n tir a fiscalização da legalidade dos atos da União". Trata-se da
interpretação que sempre deu ao disposto nos anteriores artigos 173.9 e
230.9, quarto parágrafo, do Tratado de Roma - nos termos do qual qualquer

Cf. os n.2 152 e a p a r t e d is p o s it iv a d o a c ó r d ã o cit.


‘*30 V e r o a c ó r d ã o d o TJ d e 2 3 d e a b r i l d e 1 9 8 6 , P a r tid o E c o lo g is ta "O s V e r d e s " c o n t r a P a r la m e n t o
E u r o p e u , 2 9 4 /8 3 , n .s 2 3 .

361
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT UAIS

pessoa singular ou coletiva pode interpor recurso de anulação "das decisões


que, embora tomadas sob a forma de regulamento ou de decisão dirigida a
outra pessoa, lhe digam direta e individualmente respeito".
Ao interpretar esta norma no sentido de que, para serem recornVels,
tais decisões devem afetar a pessoa singular ou coletiva "em razão de
determinadas qualidades que lhe são específicas ou em razão de uma
situação de facto que a caracteriza em relação a qualquer outra pessoa e, por
isso, a individualiza de modo análogo ao do d estin a tá rio " - exigindo,
portanto, "uma afetação radicalmente distinta da de todos os outros"“^^ - o
TJ tornou praticamente impossível aos particulares a interposição de recurso
de atos normativos self executing, ju nto do competente tribunal da União.
No entanto, tais atos normativos, sem necessitarem de quaisquer atos
adm inistrativos individuais e concretos de execução, são suscetíveis de
afetar, de forma certa, substancial e atual, a situação jurídica dos particulares,
restringindo os seus direitos ou impondo-lhes obrigações.
0 então TPI pretendeu, é certo, suprir esta incompletude do sistema,
considerando não haver "razões imperiosas para entender que o conceito
de pessoa a quem um ato diz individualmente respeito, na acepção do artigo
230.5, quarto parágrafo, CE, pressupõe que o particular que pretenda
impugnar uma medida de caráter geral deve ser individualizado de modo
análogo ao de um destinatário" e declarando, ao arrepio da interpretação
restritiva do TJ, que "uma disposição comunitária de caráter geral que diz
d ire ta m e n te respeito a uma pessoa singular ou coletiva lhe diz
Individualmente respeito, se afetar, de forma certa e atual, a sua situação
jurídica, restringindo os seus direitos ou impondo-lhe obrigações" - e é,
portanto, recorrível por essa pessoa^^^
Porém, mesmo antes de o acórdão do TPI te r sido reapreciado em
recurso para o TJ, este reiterou a sua jurisprudência que exige ao particular
que pretenda recorrer de um ato de caráter geral self executing a prova da
sua individualização análoga à de um destinatário perante esse ato, fazendo
depender o abandono dessa jurisprudência de uma revisão dos Tratados'^^^
0 contributo do Tratado de Lisboa para superar esta Incompletude do
sistema jurisdicional da UE - obstinadamente mantida pelo próprio TJ,
aparentemente a título de autoproteção contra um suposto afluxo maciço
de recursos de anulação Interpostos p or particulares - pode não ser

A e xp re ssã o é d e Rui M a n u e l M o u r a R am os, " 0 acesso d o s p a r t ic u la r e s aos t r i b u n a is e u r o p e u s " ,


in A le s s a n d ra S ilveira (c o o rd .) 5 0 A n o s d o T r a ta d o d e R om a . Lisboa, 2 00 7 , p p . 2 5 5 -2 5 6 ; v e r t a m b é m
C a rlo s B o t e lh o M o n i z e M a r ia n a d e S o us a e A l v im , " A p o n t a m e n t o s s o b r e o s i s t e m a j u d i c i a l da
C o m u n id a d e E u r o p é ia " , Joc. c i t . , p . 2 7 3 .
‘*32 V e r 0 a c ó rd ã o d o TPI d e 3 d e m a io d e 2 00 2 , J é g o -Q u é ré c o n t r a C om issã o, T-177/Ol, n.Ss 4 9 -5 1 .
V e r os a có rd ã o s d o TJ d e 25 d e j u l h o d e 2 00 2 , U n io n d e P e qu e n os A g r ic u lto r e s , c it., n.^s 3 6 e 4 4-
4 5 e d e 1 d e a b r il d e 2 0 0 4 , C om is s ã o c o n t r a J é g o -Q u é ré , C - 2 3 & 0 2 P, n .^ 4S,

362
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

suficiente. Com efeito, de acordo com a nova redação do artigo 263.2, quarto
parágrafo, do TFUE, "qualquer pessoa singular ou coletiva pode interpor
recurso (...) contra os atos regulamentares que lhe digam diretam ente
respeito e não necessitem de medidas de execução". Se se entender que o
termo "ato regulamentar" não coincide com "regulamento" - o típico ato de
alcance geral, que ta n to pode assum ir natureza legislativa como
in fra le g is la tiv a ou re g u la m e n ta r'’^*’ - e que, p or conseguinte, só os
regulamentos se lf executing adotados em procedim ento não legislativo
podem ser objeto de recurso de anulação interposto por particulares, ter-
se-á fe ito pouco para re so lver os a n te rio re s problem as re la tivo s a
legitimidade ativa destes recorrentes não privilegiados, desde logo porque
não são de todo em todo de excluir atos jurídicos self executing adotados
por processo legislativo, suscetíveis de afetar, de forma certa, substancial e
atual, a situação jurídica dos particulares, restringindo os seus direitos ou
impondo-lhe obrigações
0 facto de mais de dois anos e meio depois da entrada em vigor do
Tratado de Lisboa o TJ ainda não te r tido ocasião de esclarecer em última
instância esta questão crucial prova de algum modo que, afinal, não era tão
sério o risco de interposição maciça de recursos contenciosos contra atos de
caráter geral self executing da UE, eles próprios seguramente não majoritários
enquanto espécie do gênero mais vasto ato normativo. Seja como for, tendo
em conta os antecedentes, é legítima a interrogação sobre se o TJ manterá
neste contexto a sua tendência para interpretações estritas ou restritivas.
Se se recuar até à entrada em vigor do TUE, com a sua estruturação da
União em pilares, a conclusão só pode ser a de que ta l c o n trib u iu
significativamente para tornar ainda mais afastada da realidade a ideia de
que o sistema ju risdicional em análise é constituído por um "sistema
completo de vias de recurso e de meios processuais destinado a garantir a
fiscalização dos atos da União".
A este respeito, o artigo L da versão originária daquele tratado fala
por si, ao excluir do controlo dos tribunais da UE todos os atos adotados no
âmbito da Política Externa e de Segurança Comum (PESC) e no da Cooperação
nos domínios da Justiça e dos Assuntos internos (CJAI), respectivamente o
Segundo e o Terceiro Pilar da União, com a única exceção, no âmbito deste
ú ltim o , da co m p etê ncia do TJ para in te r p re ta r p re ju d ic ia lm e n te as
convenções que a previssem e para decidir sobre todos os diferendos

R eco rd e-se q u e d e a c o r d o c o m o a r tig o 2 89 .^, n.s 3, d o TFUE, a to s leg isla tivo s são os a to s ju ríd ic o s
a d o ta d o s p o r p r o c e s s o le g i s la t i v o , s e n d o p o r t a n t o m e r a m e n t e p r o c e d i m e n t a l o q u e os d is t in g u e
d o s a to s n ã o l e g i s la t i v o s ( d e l e g a d o s e r e g u l a m e n t a r e s ) .
N este s e n t id o , v e r Paul Craig, The Lis bon Treaty..., c it, p. 131, para q u e m s e ria la m e n tá v e l d a r ao
t e r m o " a t o r e g u l a m e n t a r " u m s e n t id o r e s t r i t i v o . V e r t a m b é m C a rlo s B o t e lh o Mon»z, e m c o m e n t á r i o
a o a r tig o 263.2, jn T r a ta d o d e L is b o a A n o t a d o e C o m e n ta d o , c it., p. 950.

363
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

relativos à aplicação dessas convenções, de acordo com as modalidades por


elas eventualm ente especificadas [artigo K.3, n.s 2, alínea c), terceiro
parágrafo].
Em compensação, o artigo L, ao conferir ao TJ competência para
interpretar e aplicar o artigo M - nos termos do qual "nenhuma disposição
do presente Tratado afeta os Tratados das Comunidades Européias (...)" -
habilitava aquele tribunal a fiscalizar e, sendo caso disso, a anular os atos
adotados no âmbito da PESC ou da CJAI que invadissem ou usurpassem a
competência das Comunidades, então Primeiro Pilar da
0 que se seguiu, com vista a ultrapassar esta situação altam ente
crltlcável do ponto de vista do princípio do Estado de direito, ilustra bem o
famoso "método dos pequenos passos" inerente à construção europeia. A
primeira revisão de que o TUE foi objeto - pelo Tratado de Amsterdão -
manteve a estruturação da União em pilares, mas alargou consideravelmente
a competência do TJ para fiscalizar os atos adotados no âmbito do Terceiro
Pilar, ao mesmo te m p o que tra n s fe riu uma parte da com petência
originariamente afetada a esse Pilar para a Comunidade Europeia, criando
para o efeito um novo título (o Título IV) na Parte III do Tratado de Roma.
Porém, por força do artigo 68.2 aí inserido, a fiscalização dos atos adotados
no âmbito desse título conhecia algumas limitações em comparação com a
fiscalização jurisdicional a que estavam sujeitos os restantes atos adotados
ao abrigo do mesmo Tratado. Por outro lado, eram muito mais intensas, por
força do então artigo 35.5 do TUE, as limitações à fiscalização jurisdicional
dos atos adotados no âmbito do Terceiro Pilar, desde logo por não estarem
previstas vias de recurso como a ação por incumprimento, a ação por omissão
ou a ação de indemnização**^^. Os próprios tribunais da UE viram-se forçados
a constatar isso mesmo"^*.

V e r 0 a c ó rd ã o d e 12 d e m a io d e 1 99 8 , C om is s ã o c o n t r a C on s e lh o , C -17 0 /9 6 , n.@s 1 6-1 7 , e m q u e


0 TJ se d e c la r o u c o m p e t e n t e p a ra a p r e c ia r a d e l i m it a ç ã o d e c o m p e t ê n c i a s e n t r e o s p ila r e s d a UE
e p a ra a n u l a r a to s r e le v a n d o d a CJAI q u e , e m v io la ç ã o d o a r t i g o M , in v a d is s e m a c o m p e tê n c ia da
C o m u n id a d e . P o s t e r i o r m e n t e , já n a v ig ê n c ia d a " v e r s ã o N ic e " d o TUE, q u a n d o o a r t i g o M t i n h a
passado a se r o a rtig o 47.e, fo r a m d ois os a có rd ã o s e m q u e o TJ a n u lo u c o m fu n d a m e n t o e m vio la ç ã o
d e s t e p r e c e i t o a to s a d o t a d o s n o â m b i t o d a CJAI ( d e 1 3 d e s e t e m b r o d e 2 0 0 5 , C o m is s ã o c o n t r a
C o n s e lh o , C - 1 7 6 ^ 3 , e d e 2 3 d e o u t u b r o d e 2 0 0 7 , C o m is s ã o c o n t r a C o n s e lh o , C - 4 4 0 /0 5 ), e u m e m
q u e a n u lo u c o m i d ê n t i c o f u n d a m e n t o u m a d e c is ã o a d o t a d a n o â m b i t o d o S e g u n d o P ila r { a c ó rd ã o
de 2 0 d e m a io d e 2 0 0 8 , C o m is s ã o c o n t r a C o n s e lh o , C - 9 lA ) 5 ) . Para m a io r e s d e s e n v o lv im e n t o s , v e r
p o r ú lt im o M ig u e l d e Serpa Soares e m c o m e n tá r io ao a r tig o 40.® d o TFUE (infra-a n aíis a d o ), in Trata do
d e Lis boa A n o t a d o e C o m e n ta d o , c it., p. 154.
Para m a io r e s d e s e n v o lv i m e n t o s , r e m e t e - s e p a ra N u n o P iç a rra , " 0 T r a ta d o d e A m e s t e r d ã o e as
n o v a s c o m p e t ê n c i a s d o T r i b u n a l d e J u s tiç a d a s C o m u n id a d e s E u r o p é ia s , W o r k i n g P a p e r I J O I , in
h t t p : / / w w w . f d . u n l . p t / A n e x o s / D o w n l o a d s / 2 1 8 . p d f e b ib l i o g r a f i a a í c ita d a .
V e r 0 d e s p a c h o d o TPl d e 7 d e j u n h o d e 2 0 0 4 , Segi c o n t r a C o n s e lh o , T-338|02, n.es 3 4 e 3 8 , e o
a c ó r d ã o d o TJ de 2 7 de fe v e r e ir o d e 2 0 0 7 , Segi c o n t r a C o n s e lh o , C - 3 5 ^ 4 P, n .s 50.

364
DIRE IT O T R IB U T Á R IO QUESTÕES ATUAIS

Quanto ao Tratado de Nice, na parte em que reviu pela segunda vez o


TUE, a alteração mais digna de nota, orientada pelo princípio do Estado de
direito e, portanto, pelo reforço do controlo da legalidade dos atos da UE,
traduziu-se na atribuição ao TJ de competência para fiscalizar a observância
das disposições processuais - e apenas essas - aplicáveis às decisões do
Conselho tomadas ao abrigo do artigo 7.s (Introduzido, sem essa garantia,
pelo Tratado de Am sterdão), (i) ve rifica n d o a existência de um risco
manifesto de violação grave, por um Estado-Membro, dos princípios da
liberdade, da democracia, do respeito pelos direitos do Homem e pelas
liberdades fundamentais, ou do Estado de direito; (ii) verificando a existência
de uma violação grave e persistente de alguns desses princípios por um
Estado-Membro. E isto unicam ente "a pedido do Estado-M em bro em
questão, no prazo de um mês a contar da data da constatação do Conselho a
que se refere esse artigo" [artigo 46.5, alínea e)].
É porém controversa, do ponto de vista do princípio do Estado de
direito, a limitação da fiscalização da legalidade destes atos aos seus aspetos
adjetivos, com exclusão, portanto, dos importantes aspetos substantivos
que os rodeiam e que não parecem bastar-se com o controlo essencialmente
"value-free" para que aponta o preceito em questão“^®. Seja como for, o
disposto no artigo analisado transitou para o artigo 269.9 do TFUE, que lhe
adita a obrigação para o TJ de se pronunciar no prazo de um mês a contar da
data do pedido""".
É de recordar ainda, neste contexto, o co n trib u to no sentido da
superação das incompletudes do sistema jurisdicional da UE, dado pelo
próprio TJ, ao interpretar extensivamente o já citado artigo 35.^ do TUE
(revogado pelo Tratado de Lisboa), declarando-se competente para fiscalizar,
no quadro de um reenvio prejudicial mas não de um recurso de anulação
interposto pelo particular direta e individualmente afetado, a legalidade de
uma posição com um do Conselho, lite ra lm e n te subtraída a essa
competência'"'^ "que tenha, por força do seu conteúdo, um alcance que

P a ra u m a c r í t ic a f u n d a d a d e s t a s o lu ç ã o , v e r M a r i a Luísa D u a r t e , U n i ã o E u r o p é i a e D i r e i t o s
F u n d a m e n ta is . N o e s p a ç o d a i r ^ t e r n o r m a t i v i d a d e , L isboa, 2 0 0 6 , p. 2 0 0 .
Para u m c o m e n t á r i o a o a r t i g o 2 69.9, v e r J. L. C a r a m e lo G o m e s , in T r a ta d o d e L is b o a A n o t a d o e
C o m e n ta d o , c it., p p . 9 6 9 segs. 0 a u t o r v ê " c o m a lg u m a d if ic u l d a d e " a u tiliz a ç ã o d e s te a r t i g o " p a r a
a im p u g n a ç ã o d e u m a r e c o m e n d a ç ã o a d o ta d a nos te r m o s d o a tu a l a r t. 7.9, n.s 1, d o TUE, pela exclu são
e xp re s s a d as r e c o m e n d a ç õ e s e n q u a n t o o b j e t o d o r e c u r s o d e a n u la ç ã o n os t e r m o s d o a r t i g o 2 6 3 . s
d o TFUE" (ê n fa s e n o o r ig in a l) . M a s t a l o b s e r v a ç ã o im p lic a a n ã o c o n s id e ra ç ã o , p a ra a lé m d o c a r á te r
d e n o r m a e s p e c ia l d o a r t i g o 2 69 .9 r e la t i v a m e n t e a o a r t i g o 2 63 .2 , d e u m a ju r i s p r u d ê n c ia c o n s t a n t e
d o TJ, já e v o c a d a , q u e s u je i t a a f i s c a liz a ç ã o d a le g a li d a d e " t o d a s as d is p o s iç õ e s , q u a i s q u e r q u e
s e ja m a re s p e tiv a n a tu re z a o u f o r m a , q u e se d e s t in e m a p r o d u z ir e fe it o s ju r í d ic o s p e r a n te te rc e iro s ".
0 t e x t o r e le v a n t e d o a r t i g o 35.9, n.9 6, e ra o s e g u in te : " 0 T r ib u n a l d e J ustiça é c o m p e t e n t e para
fis c a liz a r a le g a lid a d e d a s d e c is õ e s - q u a d r o e d as d e c is õ e s n o â m b i t o d os r e c u r s o s (...) i n t e r p o s t o s
p o r u m E s t a d o - M e m b r o o u p ela C o m is s ã o " ( ê n f a s e a c r e s c e n ta d a ) .

365
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

ultrapasse o fixado pelo Tratado UE para esse tipo de ato", ou seja, "que se
destine a produzir efeitos jurídicos perante terceiros"**^.
Poder-se-ia pensar que a substituição e sucessão da UE à Comunidade
Européia, determinada pelo artigo l.s, terceiro parágrafo, in fine, do TUE na
sua "versão Lisboa", com a "despilarização" que isso implicou, determinasse
também a generalização do sistema jurisdicional - até então, como se viu,
exclusivo da Comunidade Européia - , a todo o âmbito de competências da
nova UE "despilarizada" e, consequentemente, a sujeição de todos os seus
atos ao proclamado "sistema com pleto de vias de recurso e de meios
processuais destinado a garantir a fiscalização da legalidade" desses atos.
Mas não: no que respeita à PESC, fica-se a saber pelo artigo 24.5, n.5 1,
in fine, do TUE que o TJUE não dispõe de competência nessa matéria, "com
exceção da competência para verificar a observância do artigo 40.s do
presente Tratado e fiscalizar a legalidade de determinadas decisões a que
se refere o segundo parágrafo do artigo 275.5" doTFUE. Em contrapartida, no
respeitante aos antigos domínios do Terceiro Pilar, a regra é, por força do
a rtig o 276.5 do TFUE, a sujeição global desses dom ínios ao sistema
jurisdicional da UE, e as exceções, apenas as previstas por este mesmo artigo.
Começando por indagar o significado do artigo 40.9 do TUE, sucessor
do artigo 47.s, para o sistema de fiscalização da legalidade dos atos da União,
pode dizer-se que, com o parágrafo que lhe foi acrescentado, ele atribui
uma dupla função ao TJUE: (i) defesa do núcleo de com petências
co rre spo n de n te ao "acervo c o m u n itá rio " das "investidas
intergovernamentais" agora só da PESC (única função do anterior artigo 47.2),
permitindo-lhe anular os atos da UE que extravasem este âmbito e (ii) defesa
do âmbito a que devem aplicar-se as regras e os procedimentos próprios da
PESC, perante as tentativas de o reduzir em benefício de atos adotados de
acordo com o "m étodo com unitário" que, com o Tratado de Lisboa, se
generalizou na UE''''^
Até à data o TJUE não teve oportunidade de interpretar e aplicar o
artigo 40.2, não parecendo assim confirmarem-se as previsões no sentido
de uma intensificação de conflitos desta natureza no período inicial de
aplicação do Tratado de Lisboa. E isto sem prejuízo de os regimes jurídicos
aplicáveis à PESC, baseada no Título V do TUE, e à ação externa da UE, baseada
na Parte V do TFUE, serem diferentes e de a linha de fronteira entre os dois
domínios nem sempre ser fácil de traçar.

V e r o a c ó r d ã o d o TJ d e 2 7 d e f e v e r e i r o d e 2 0 0 7 , C - 3 5 5 /0 4 P, c i t . , n .2 s 5 3 - 5 4 . Para m a io r e s
d e s e n v o lv i m e n t o s v e r N u n o P iç a r r a , " T e f r o r is m o e d i r e i t o ; f u n d a m e n t a i s ; as s m a r t s a n c t io n s na
j u r i s p r u d ê n c i a d o T r ib u n a l d e J u s tiç a d a U n iã o E u r o p é ia e n o T r a ta d o d e L is b o a ", in E s tu d o s e m
H o m e n a g e m a o P r o fe s s o r D o u t o r José J o a q u im G o m e s C an o tU h o , C o im b r a , 2 0 1 2 , p p . 7 3 1 segs.
Em s e n t id o s e m e lh a n t e , v e r M ig u e l d e Serpa Soares, op. c i t , p. 155.

366
D IRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES ATUAIS

Quanto ao artigo 275.5, ele apenas excepciona da regra que enuncia -


nos termos da qual o TJUE não dispõe de competência no que diz respeito à
PESC - para além do artigo 40.^ do TUE já analisado, os recursos de anulação
interpostos por particulares, relativos à fiscalização da legalidade das
decisões que estabeleçam medidas restritivas contra pessoas singulares ou
coletivas, adotadas pelo Conselho em execução da PESC, ao abrigo do Capítulo
2 do Título V do TUE.
Se a regra enunciada não é facilmente conciliável com os princípios
proclamados no artigo 2.2 do TUE e confirma que o sistema jurisdicional da
União (ainda) não é, afinal, "constituído por um sistema completo de vias de
recurso e de meios processuais destinado a garantir a fiscalização da
legalidade dos atos das instituições"*^, a não previsão sobretudo da última
exceção torná-lo-ia irrem ediavelm ente incom patível com os princípios
fundamentais proclamados no artigo 2.2 do TUE, tendo em conta a particular
suscetibilidade das medidas restritivas em causa para vulnerar tais princípios.
Uma das mais comuns é, com efeito, o congelamento de fundos, outros
ativos financeiros ou recursos econômicos dos destinatários, os quais são
em regra incluídos nominativamente em listas públicas organizadas para o
e feito'"'^
Na seqüência de uma decisão desta natureza aprovada no âmbito da
PESC, 0 Conselho pode completá-la adotando, sob proposta conjunta da
Comissão e do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e
a Política de Segurança, um regulamento baseado no artigo 215.5, n.e 2, do
TFUE, contendo, em conformidade com o n.G 3, "as disposições necessárias
em matéria de garantias jurídicas". Tal como o TJ esclareceu recentemente,
0 artigo 215.2, n.2 2, só pode ser utilizado como base jurídica quando uma
decisão tomada no âmbito da PESC preveja a adoção de "medidas restritivas
relativamente a pessoas singulares ou coletivas, a grupos ou a entidades
não estatais", não ten d o estas medidas que se lim ita r ao com bate ao
terrorismo, nem que se reportar unicamente aos movimentos de capitais e
pagamentos.
A outra base jurídica do TFUE ao abrigo do qual a UE também pode
adotar medidas restritivas do mesmo tipo - o artigo 75.9 do TFUE, incluído no
título dedicado à importante política interna da União cujo antecessor foi a

C om o n o ta m Carlos B o te lh o M o n iz e M a r ia n a d e Sousa e A lv im , op. c/f., p. 260, "a c o n c e p ç ã o que


t e m p r e v a le c id o , q u e n õ o e s tá i s e n t a d e c r i t i c a , é a d e q u e os a to s q u e as i n s t it u i ç õ e s da U n iã o
a d o t a m n o d o m í n io (da PESCl sã o a to s d e c a riz e s s e n c ia lm e n te p o l í t ic o , q u e n ã o se d e s t in a m , e le s
p r ó p r io s , a c r i a r d ir e i t o s o u a i m p o r o b r ig a ç õ e s , e q u e , p e la sua p r ó p r i a n a t u re z a , n ã o d e v e m ser
s u b m e t i d o s a c o n t r o l o j u r i s d i c i o n a l " ( ê n f a s e a c r e s c e n ta d a ) .
Para m a io r e s d e s e n v o lv im e n t o s s o b r e o t e m a r e m e t e - s e p a ra N u n o P içarra , " T e r r o r is m o e d ir e ito s
fu n d a m e n ta is ..." , c it. Para u m c o m e n t á r i o a o a r t i g o 275.9 v e r S o la n g e L e a n d ro , in T r a ta d o d e Lisboa
A n o t a d o e C o m e n ta d o , c it., p p . 9 8 9 - 9 9 1 .

367
DíRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES ATUAIS

CJAI e que dá pelo nome de espaço de liberdade, segurança e justiça (ELSJ)


- distingue-se do artigo 215.2 n.® 2, precisamente porque "não estabelece
nenhum vínculo com as decisões adotadas no â m b ito da PESC" e se
circunscreve "à prevenção do te rro ris m o e das ativida d es com ele
relacionadas" e "aos movimentos de capitais e aos pagamentos"'"^
Por últim o, quanto ao artigo 276.2 do TFUE, ele atesta que, no
respeitante à sujeição do ELSJ ao sistema jurisdicional da UE, o déficit de
fiscalização anteriormente verificado, sobretudo no âmbito do Terceiro Pilar,
foi no essencial suprido*” ’ . Como já se referiu, a situação é exatamente a
inversa da que se verifica em relação à PESC: enquanto nesta a regra é a falta
de competência fiscalizadora dos tribunais da UE, com as duas exceções
previstas pelo artigo 275.2, no ELSJ a regra é a competência fiscalizadora
daqueles tribunais, com as duas exceções previstas pelo artigo em análise.
Nos termos deste, nos domínios específicos da cooperação judiciária em
matéria penal e da cooperação policial (capítulos 4 e 5 do Título V da Parte III
do TFUE), não estão sujeitas ao controlo nem do TJ nem do TG (o que não
significa que não possam estar sujeitas ao controlo dos tribunais nacionais)
(i) "a validade ou a proporcionalidade de operações efetuadas pelos serviços
de polícia ou outros serviços responsáveis pela aplicação da lei num Estado-
M em bro" e (ii) "o exercício das responsabilidades que incumbem aos
Estados-Membros em matéria de manutenção da ordem pública e de garantia
da segurança interna".
Ambas as exceções foram retomadas do anterior artigo 35.2, n.2 5, do
TUE. Mas é de notar que a segunda exceção também se aplicava aos restantes
domínios materiais do ELSJ que, ou relevaram desde as suas origens da
competência da Comunidade (como certos elementos da política de vistos
de curta duração)^®, ou foram ulteriormente transferidas para ela, como as

V e r 0 a c ó r d ã o d o TJ d e 19 d e j u l h o d e 2 01 2 , P a r la m e n to E u rop e u c o n tr a C on s e lh o , C -13 0 /1 0 , n.ss


5 8 - 5 9 e 65. Aí se p re cisa ta m b é m , d is c u tiv e lm e n te , q u e " n a m e d id a e m q u e os a r tig o s 75.2 e 215.2
d o TFUE sã o a p lic á v e is n o â m b i t o d e p o l í t ic a s d a U n i ã o d i f e r e n t e s , q u e p r o s s e g u e m o b j e t i v o s
c o m p l e m e n t a r e i m a s q u e n ã o t ê m o m e s m o â m b i t o d e a plic a ç ã o , n ã o se a fig u r a p ossíve l c o n s id e ra r
0 a r tig o 75.2 TFUE c o m o u m a base ju r í d ic a m a is espe cífica d o q u e o a r tig o 215.2, n.2 2, TFUE". Para
u m c o m e n t á r i o a a m b o s o s a r tig o s , v e r r e s p e t i v a m e n t e D ia n a A i f a f a r e V i c t o r C a lv e te , in T r a ta d o
d e L is b o a A n o t a d o e C o m e n ta d o , c it., p p . 3 8 6 - 3 9 2 e p p . 8 2 5 -8 2 7 .
N o te -se q ue , p o r fo rç a d o d is p o s to nos a rtig o s 9.2 e 10.2 d o P ro to c o lo n.s 36, r e la tiv o às dis posiç ões
t r a n s it ó r ia s , a n e x o ao TUE e a o TFUE, esse s u p r i m e n t o fic o u a d ia d o p o r u m p e r í o d o tr a n s it ó r i o q ue
p o d e ir a té c in c o a n o s a c o n t a r d a d a ta d a e n t r a d a e m v i g o r d o T ra ta d o d e Lisboa. P o r o u t r o lado,
os p r o t o c o l o s r e la t i v o s a o s o p t - o u t n e g o c ia d o s p e la D in a m a r c a , p e la Ir la n d a e p e l o R e in o U n id o
e m r e la ç ã o a o ELSJ t a m b é m r e s tr in g e m e p e r t u r b a m , d e a lg u m m o d o , os p r o g re s s o s e m t e r m o s de
c o n tro lo ju r is d ic io n a l tra z id o s a e s te d o m ín io p e lo T ra ta d o de L is b o a . P a ra m a io re s
d e s e n v o lv i m e n t o s , v e r N u n o P iç a rra , " 0 T r a ta d o d e L is b o a e o e s p a ç o d e lib e r d a d e , s e g u r a n ç a e
ju s tiç a " , in N u n o P içarra (c o o r d .) , A U n iã o E u r o p e io s e g u n d o o T r a ta d o d e Lisboa. A s p e c t o s c e n tra is ,
C o im b r a , 2 0 1 1 , p p . 1 2 7 segs.
V e r 0 a r tig o lO O .s-c, n.2s 1, 3 e 5, d o T ra ta d o d e R om a na "v e rs ã o M a a s t r ic h t "

368
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

políticas de fronteiras, asilo e imigração, assim como a cooperação judiciária


em matéria civiM"^. A lim itação de ambas as exceções aos domínios da
cooperação judiciária em matéria penal e da cooperação policiai ieva à
conclusão de que, com a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, podem ser
ju ris d ic io n a im e n te sindicadas, a nível da UE, q u e r "a validade e a
proporcionalidade das operações efetuadas pelos serviços de polícia ou
outros serviços responsáveis pela aplicação da lei num Estado-Membro",
quer "o exercício das responsabilidades que incumbem aos Estados-Membros
em matéria de manutenção da ordem pública e de garantia da segurança
nacional", tratando-se designadamente da execução das regras de fonte
europeia em matéria de fronteiras, vistos, asilo, imigração e cooperação
judiciária civil. E isto, naturalmente, apenas no quadro das duas vias de
recurso aplicáveis neste contexto, em que se trata de sindicar atos dos
Estados-Membros e não da UE: a ação por Incum prim ento e o reenvio
prejudicial de interpretação.
Sob este prisma, a exceção à fiscalização ju risd icio n a l dos atos
adotados no âmbito do ELSJ, estabelecida pelo artigo 276.2, torna-se mais
dificilmente justificável perante os princípios do artigo 2.5 do TUE"^°.

5. Conclusão

A opção dos a utores do p ro je to de integ ra ção Europeia pelo


estabelecimento, no quadro institucional e normativo criado para o efeito,
da dualidade, que tam bém é por vezes tensão, entre gubernacuium e
jurisdictio, para além de muito original para a época, revelou-se decisiva
para a manutenção e o desenvolvimento desse projeto num plano porventura
não concebível à data em que tudo começou.
Apesar dos pontos fracos, o sistema jurisdicional da UE, com os seus
equilíbrios, sinergias e por vezes também tensões e conflitos, até à data

V e r o T ítu lo IV d a P arte III d o Tra ta d o d e Roma na "v e rs ã o A m e s te r d ã o " e o a n t e r io r a r tig o 64.®


1, do p r im e ir o tra ta d o .
P ara u m c o m e n t á r i o a o a r t i g o 2 7 6 . e, v e r A l e x a n d r e N o r i n h o d e O l iv e ir a , in T r a ta d o d e L is b o a
A n o t a d o e C o m e n ta d o , c it., p p . 9 9 2 - 9 9 4 . A o c o n t r á r i o d o q u e a f i r m a o a u to r, o a r t i g o 276.8 n ã o se
r e v e s t e d e q u a l q u e r " i m p o r t â n c i a p r i m o r i d i a l n o q u e c o n c e r n e às c o m p e t ê n c i a s d o TJUE p a r a
a p r e c i a r o s a to s n o â m b i t o d a E u r o p o l e E u r o j u s t " . P r i m e i r o , p o r q u e o a r t i g o 2 7 6 .9 se r e f e r e a
c o m p e t ê n c i a s o p e r a c i o n a i s d o s " s e r v i ç o s r e s p o n s á v e i s p e l a a p l i c a ç ã o d a l e i " n o s E s ta d o s -
M e m b r o s , a c o m e ç a r p e la s p o líc ia s , c o m p e t ê n c i a s essas d e q u e n e m a E u r o p o l n e m a E u r o ju s t
d is p õ e m e m t e r m o s c o m p a r á v e is . D e p o is p o r q u e os " a t o s n o â m b i t o d a E u r o p o l e d a E u r o ju s t" ,
" e n q u a n t o ó rg ã o s o u o r g a n is m o s d a U n iã o " , s ã o d e s d e lo g o s in d ic á v e is n o s t e r m o s d o a r t i g o 2 6 3 .-,
p r im e i r o e q u i n t o p a r á g r a fo s , d o TFUE. É p o r isso t o t a l m e n t e o c io s a a o p e r a ç ã o lin g ü ís tic a a q u e o
a u t o r se d e d ic a n o s e n t id o d e s a b e r se a E u r o p o l p o d e , o u n ã o , s e r a b r a n g id a n as v e r s õ e s ing lesa
e fra n c e s a d o a r t i g o 2 76 .2 - c u jo â m b i t o s u b j e t i v o d e a p lic a ç ã o , r e p ita - s e , e n g lo b a u n i c a m e n t e os
E s ta d o s -M e m b ro s .

369
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

sempre criativos, entre tribunais organicamente pertencentes à União e


trib u n a is dos Estados-M em bros, e n q u a n to trib u n a is fun cio n a lm e n te
adstritos àquela, tem-se revelado claramente o elo mais forte do projeto
europeu. Sem que caiba aqui discutir o bem-fundado da crítica de ativismo
judicial de que por vezes foi alvo'‘^^ a verdade é que, graças a esse sistema
jurisdicional, o direito da UE adquiriu um impacto na vida dos cidadãos e
uma efetividade de que nunca disporia, não fora o grau de justiciabilidade
que assim alcançou, típica do direito interno e não do direito Internacional.
Todavia, numa fase em que a União atravessa uma crise sem
precedentes e sem fim à vista, que torna real inclusive a possibilidade de
um fracasso do p ro je to e u ro p e u ”^” , não será razoável c o n ta r com o
desempenho do sistema jurisdicional para suprir a clamorosa falta de visão
e de liderança política e a perturbante erosão do valor solidariedade entre
os Estados-Membros, que se manifestam do lado do gubernacuium da UE,
frequentemente o mais fraco do projeto europeu'*^^. Mas é dele que, desta
vez, depende definitivamente a subsistência deste nobre e original projeto,
globalmente benéfico para os cidadãos, sem o qual a Europa dificilmente
deixará de ficar, no mínimo, votada à irrelevância política na comunidade
internacional globalizada do século XXI - e da qual nem as suas poucas
potências de média dimensão poderão salvá-la por si sós.

V er, p o r e x e m p l o , H ja l t e R a s m u s s e n , On L a w a n d P o li c y in t h e E u r o p e a n C o u r t o f J u s tic e . A
C o m p a r a t iv e S tu d y in J u d i c i a l P o li c y m a k in g . D o r d r e c h t , 1 9 8 6 , e " L e p o u v o i r d e d e c is io n p o l i t i q u e
d u ju g e e u r o p é e n e t ses lim i t e s " , in R evue f r a n ç a i s e d ' a d m i n i s t r a t i o n p u b l i q u e , n .? 6 3 , 1 9 9 2 , p p .
4 1 3 - 4 2 3 ; Joseph H, H. W e ile r, " T h e C o u r t o f Ju s tic e o n T ria l", in Com n^on M a rl< e t L a w R ev/ew , 1987,
p p . 5S5-589, e " J o u rn e y t o an U n k n o w n D e s tin a tio n : A R e tro s p e c tiv e a n d P ro s p e c tiv e o f t h e E u rop e a n
C o u r t o f Justice in t h e A re n a o f P o litic a l In te g r a tio n " , in J o u r n a l o f C o m m o n M a r k e t S tudie s, v o l. 31,
1993, p p . 417 -4 4 6.
A s s im , Ju rge n H a b e rm a s , U m e n s a io s o b r e a C o n s titu iç ã o d a E u ro p a , tr a d u ç ã o p o r t u g u e s a , c o m
p r e f á c io d e José J o a q u im G o m e s C a n o tilh o , Lisboa, 2 0 1 2 , p, 10, t a m b é m c o r r o b o r a d o , n o p la n o da
p o lític a a tiva , p o r ú lt im o p e lo P r i m e i r o - M in i s t r o d e Itá lia , e m e n t r e v is ta à r e v is ta a le m ã D e r Spiegef,
d e 6 d e a g o s to d e 2012.
Cabe a q u i r e c o r d a r o d im i n u t o , p a ra n ã o d iz e r n u lo - m a s p r e m o n i t ó r i o - e f e it o q u e p r o d u z iu na
U n iã o E c o n ô m ic a e M o n e t á r i a o a c ó r d ã o d o TJ d e 13 d e j u l h o d e 2 0 0 4 , C o m is s ã o c o n t r a C on s e lh o ,
C-27A)4, q u e a n u lo u as decisõ e s d o C on s e lh o d e 25 d e n o v e m b r o d e 2 00 3 (i) d e s u s p e n d e r e m relação
à A le m a n h a e à França o s p r o c e d im e n to s p o r d é fic e e x c e s s iv o in s ta u r a d o s a o a b r ig o d o a tu a l a r tig o
1 26 .2 d o TFUE c o n t r a a q u e le s E s t a d o s - M e m b r o s e (ii) d e a l t e r a r as r e c o m e n d a ç õ e s d ir ig id a s aos
m e s m o s E s ta d o s - M e m b r o s , a o a b r ig o d o n.e 6 d a q u e le a r t i g o , n o s e n t id o d e p ô r t e r m o , n o p ra z o
f i x a d o , a os d é f ic e s e x c e s s iv o s n e le s e f e t i v a m e n t e c o n s t a t a d o s .

370
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

ICMS E FEDERAÇÃO

Osvaldo Santos de Carvalho""


Valério Pimenta de Moraís'*^^

SUMÁRIO. 1. ICMS, em d u p lo aspecto: im portância arrecadatória e "a rm a " na "guerra


fiscal". 2. Federação: notas do federalism o fiscal. 3. "Reforma T ributária" e a "Guerra
Fiscal". 4. R eform a T rib u tá ria na dicção da PEC 23 3 /0 8 : p rin c ip a is aspectos. 5.
Conclusão. 6. Bibliografia.

1. ICMS: a importância arrecadatória e a "arma" na "guerra fiscal"

0 ICMS (imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias


e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e
de comunicação) revela-se como o mais importante tributo dos Estados, que,
por meio de suas receitas, torna em realidade a autonomia dos referidos
entes federativos, viabilizando, em últim a instância, conceitualmente, a
própria federação. Se por um lado, de maneira imediata, o traço de sua
arrecadação é pronunciado na garantia de princípios constitucionais - como
o é o federalismo -, por outro, o seu potencial de distorção, na dinâmica do
sistema tributário dos Estados e do Distrito Federal, também se apresenta
em relevo, sobretudo quando se tem em vista a corrosividade imanente da
intitulada "guerra fiscal", expressão que, de início, carrega imediatamente
uma inegável conotação política.
Com efeito, tal importância trib u tá ria - viabilizadora de receita e
autonomia dos entes federativos - pode ser aferida em quaisquer dados
estatísticos que compõem a distribuição dos recursos econômico-financeiros
entre os mesmos entes, os quais permitem a identificação, imediata e de
plano, dos potenciais elementos indutores para a gênese da chamada "guerra
fiscal", na medida em que os mesmos apresentam: (I.) a presença de forte
dependência, por alguns Estados, de repasse de recursos da União; (ii.)
associada à verificação do crescimento das demandas pela oferta de serviços
por parte dos Estados; e, por fim, (iii.) a evidenciaçâo da necessidade de
uma revisão da política de divisão dos recursos na Federação.

- M e s tr e e d o u t o r e m D ir e ito T r ib u t á r io pela PUC/SP, A g e n te Fiscal d e Rendas, C o o r d e n a d o r A d ju n to


da C o o r d e n a d o r ia d a A d m in i s t r a ç ã o T r i b u t á r ia d a S e c r e ta ria d a Fazenda d e São P aulo - CAT-SEFAZ,
Juiz d o T r ib u n a l d e Im p o s t o s e Taxas-TIT e P r o fe s s o r p a l e s t r a n t e d o s c u r s o s d e e s p e c ia liz a ç ã o da
COGEAE/PUC, IBET e GV/LAW.
- M e s t r a n d o e m D i r e i t o T r i b u t á r i o p e la PUC/SP, A g e n t e F is c a l d e R e n d a s , D i r e t o r A d j u n t o da
D ir e t o r i a d a R e p re s e n t a ç ã o Fiscal d a C o o r d e n a d o r i a d a A d m in i s t r a ç ã o T r i b u t á r i a da S e c r e t a ria da
Fazenda d e São P aulo - DRF-CAT-SEFAZ.

371
DIREIT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES AT UAIS

Tem-se, a p artir dessa nota inaugural, o quadro de desarranjo no


equacionamento de receitas, recursos e demandas dos entes federativos,
apontando, de sua parte, uma realidade decorrente na qual a sociedade
brasileira demonstra inequívocos sinais de profunda insatisfação com o
sistema tributário atual.

2. Federação; notas do federalismo fiscal

Há que se estabelecer um plano inaugural das atuações dos entes


federativos no escopo tributário, sobejamente do ICMS, e para tal temos
que apontar, mesmo que em linhas gerais, a expressão do que se pode
conceituar como federalismo, e mais especificamente na sua manifestação
do federalismo fiscal.
Pontua Sérgio Prado''^^ acerca do que se concebe por federalismo
fiscal como o conjunto de problemas, métodos e processos relativos à
d is trib u iç ã o de recursos fiscais em federações, via biliza nd o o bom
desempenho de cada nível de governo, em seus encargos.
Assim, é o federalismo fiscal, juridicamente, atrelado aos conceitos
de federalismo e Estado Federal, e se pronuncia na medida das relações,
constitucionalmente estruturadas, de: (i.) atribuição de impostos - que se
revela como nosso p rin cip a l o b je to de tra b a lh o ; (ii.) d is trib u iç ã o
in te rg o v e rn a m e n ta l de gastos públicos e; (iii.) tra nsfe rê ncias
intergovernamentais.
A manifestação do federalismo no Brasil apresentou vetor de valor
próprio e como tal, ingressamos na classificação que empreende os traços
básicos do que, doutrinariamente, denomina-se "federalismo por agregação"
(identificado na manifestação Inaugural do federalismo dos Estados Unidos
de 1787, oriundo das treze colônias britânicas instaladas na América do
Norte), em contraposição ao "federalismo por segregação" {identificado em
nossas raízes do federalismo).
Entre nós a envergadura federativa expressa-se, portanto, com o
advento da República, em especial com a Constituição de 1891, em que se
apontam, mesmo que em traços mínimos, a dualidade caracterizadora de
uma estrutura federal: a associação de uma estrutura constitucional rígida, a
par de um órgão constitucional incumbido do controle de constitucionalidade,
aqui na reveladora atuação do Supremo Tribunal Federal.

S é rg io P ra d o , E q u a liz a ç ã o e f e d e r a l i s m o f i s c a l: u m a a n á lis e c o m p a r a d o . Rio d e J a n e ir o : K o n ra d -


A d e n a u e r - S t if t u n g , 2 0 0 6 , p. 15.

372
DIRE IT O TR IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Um Estado Federal, expressão de uma aliança {relem bra-se a


etimologia da palavra/oedus no sentido de apontar este acoplamento), em
decorrência de um la stro c o n s titu c io n a l, pauta-se numa série de
características, em que o acoplamento dos entes federativos manifesta-se.
No ponto, amparamo-nos na doutrina de Dalmo Dallari'^^^ no apontamento
de oito de suas características fundamentais; (i.) a união faz nascer um novo
Estado e, concomitantemente, aqueles que aderiram à federação perdem a
condição de estados (no caso da espécie de federalismo por agregação, que
não é o modelo brasileiro); (li.) a base jurídica de um Estado Federal é a
Constituição, não um tratado, uma vez que este se revela limitado; (iii.) na
federação não existe direito de secessão, não podendo os entes federativos
retirarem -se do pacto c o nstitu cio na l; (iv.) som ente o Estado Federal
apresenta soberania, de form a que os entes federativos perdem a sua
soberania, com manutenção, contudo, de autonomia.
São, ainda, suas características fundamentais, segundo Dalmo Dallari:
(v.) no Estado Federal as atribuições da União e as das unidades federadas
são fixadas na Constituição, por meio de uma distribuição de competência
(essa característica toma toda relevância no presente trabalho, uma vez que
a "guerra fiscal" revela-se pela fricção das competências tributárias, em
d e trim e n to da força norm ativa co nstitucional); (vi.) a cada esfera de
competências se atribui renda própria (uma vez mais a relevância a apontada
característica, uma vez que para o cumprimento de seus encargos há que se
ter em vista uma fonte de recursos suficientes, que pode ser corrompida
pela dinâmica da "guerra fiscal", quando da produção de benefícios fiscais à
margem do mandamento constitucional, acenando, em decorrência, para o
desequilíbrio entre os entes federativos); (vii.) o poder político mostra-se
compartilhado pela União e as demais unidades federadas; (viii.) os cidadãos
do Estado que adere à federação adquirem a cidadania do Estado Federal e
perdem a anterior (característica válida, parece-nos, para o federalismo por
agregação).
Dentro desse núcleo de características apontadas, pode-se então partir
para uma conceituação de federação, em linhas básicas, como a união de
entes ou coletividades regionais, dotadas de autonomia, o que a doutrina,
conforme indica José Afonso da Silva“^®, cuida como "Estados federados",
"Estados-membros" ou simplesmente "Estados".
É importante aviar, frente ao que se colhe na doutrina e jurisprudência,
de que o federalismo é expressão de garantia da liberdade (vez que a

D a ím o d e A b r e u D a lla ri, E le m e n to s d e t e o r ia g e r a l d o E sta do. 19. e d . a tu a l. - São P aulo: Saraiva,


1 9 9 5 , p. 2 1 ^ 9 .
José A fo n s o d a S ilv a, C u rso d e d i r e i t o c o n s t i t u c i o n a l p o s i t i v o . 2 0 e d . rev. e a tu a l. - São P aulo:
M a lh e ir o s , 2 0 0 2 , p. 99.

373
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT UAIS

centralização guarda uma tendência de arbitrariedade) e como esteio fundante


da promoção da democracia (uma vez que o exercício do poder decisório
encontra-se próximo dos seus sujeitos), o que encontra conformidade com o
Min. Carlos Mário da Silva Velloso, trazido nas razões articuladas de petição
inicial da ADI 2250/DF, na relatoria do Min. Carlos Britto.
0 que se tem em vista, na manifestação do federalismo, e configurador
de sua essência, por outro ângulo, revela-se no acoplamento entre duas, ou
mais, entidades, na configuração constitucional, com papéis distintos: à
União, resultado da re u niã o das partes com ponentes, resta-lhe,
sobremaneira, a manifestação da soberania, de outra ponta, às coletividades
regionais, resta-lhes a sua expressão de autonomia. 0 que se pode ser
resumido na coalescência, básica, de três sistemas: o nacional; o federal e
os dos entes federativos.
E por soberania, para os limites deste trabalho, deve-se entender a
ordem de poder estatal incontrastável, que não apresenta qualquer vínculo
de subordinação, de o u tro lado, por autonom ia há que se te r presente
autodeterminação, com independência, porém, dentro de uma clara linha
demarcatória, emanada daquela.
Então, a te c itu ra c o n s titu c io n a l, pela perspectiva fe d e ra tiv a ,
em preendeu lim ites dem arcatórios à autuação dos entes federativos
subnacionais, como franca manifestação de sua autonomia, determinada
pela soberania constitucional. No ponto, revela-se nosso interesse, diante
do manifesto rompimento dos limites constitucionalmente determinados
quando os entes federativos empreendem concessão de benefícios fiscais à
margem dos convênios interestaduais, o que é, em verdade, manifesta
ofensa ao pacto federativo, encartado na disposição do artigo 155, § 2S, XII,
"g", da CF/B8.
Inafastável é, portanto, a conclusão de que, na seara de benefícios
fiscais do ICMS, qualquer estipulação prom ovida u nilateralm ente, em
desrespeito à determinação do preceito constitucional da necessidade de
convênios interestaduais, que estratificam os lim ites da autonom ia, é
reveladora de uma dinâmica corrosiva do desenho de nosso federalismo na
ordem da Constituição da República.
Por certo, o que se tem em consideração no desenho constitucional
rígido do federalism o brasileiro (e diga-se, ainda, com a premissa do
federalismo revelar-se como "cláusula pétrea" na Constituição de 1988, à
vista da disposição combinada dos mandamentos do artigo e do artigo 60,
§ 42, I, da Carta Maior) é 0 concerto entre os entes subnacionais, em que se
aponta, diante do mandamento constitucional estampado no artigo 25,
caput, da CF/88, 0 marco específico para o tra b a lh o , em relação ao
"federalismo fiscal", de que o limite ao ordenamento destes entes se perfaz
na justa medida dos parâmetros postos pelo corpo constitucional.

374
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Indubitavelmente, o federalismo há que ser verificado como fronteira


de atuação à autonomia, com a manifestação direta da nâo-cumulatividade
p ró pria da dinâm ica do ICMS. Assim, concebe-se que as normas
constitucionais - que, de sua parte, impõem disciplina nacional ao ICMS -
são preceitos estabelecidos, contra os quais não se pode fazer oposição a
autonomia do ente federativo, na justa medida, que se configuram, em
essência, lim itaçõ e s à mesma. E mais, o ro m p im e n to desses lim ites
c o n s titu c io n a is postos à a u to no m ia é o real in s ta b iliz a d o r do pacto
federativo, quando se tem em vista a chamada "guerra fiscal" do ICMS.
Então, tem-se que a regulação de concessão e revogação de benefícios
fiscais por meio de convênios revela-se como ponto de proteção da harmonia
federativa, uma vez que ao se evitar o regramento desuniforme, prestigia-
se, em contrapartida, a distribuição de competências num Estado Federal,
conforme lição já pregada pelo Mestre Aliomar Baleeiro"^^.
Anote-se que a competência tributária e seu exercício, claramente,
transcendem o interesse individual e para o federalismo a outorga da aptidão
de Instituir e arrecadar impostos (no caso ICMS) funciona, inegavelmente,
como instrumento para a equallzação - garantia de harmonia e equilíbrio -,
protegendo a possibilidade de obtenção de recursos de maneira direta, sem
qualquer interferência de outros entes federados.
0 que se procurou apontar, por certo, caminha para a conceituação da
expressão de nosso fe d e ra lis m o com o da m odalidade co operativa,
rompendo com a contradição do federalismo dualista, em que os níveis de
governo encontram-se em posição de atrito, se considerarmos a validade
de benefícios fiscais à margem da disposição constitucional. 0 que se põe à
prova, ao fim , é o tra ç o da e fe tiv id a d e co ns titu c io n a l, sob pena de
rompimento da estrutura federativa constitucional. Em outras palavras, o
pacto político é, em suma, a concretização do pacto federativo, expresso no
corpo constitucional.

3, "Reforma tributária" e a "Guerra FIscai"

Assenta-se, dentro do quadro de insatisfação da sociedade brasileira


com o sistema tributário, que "Reforma Tributária" cuida-se de conceito
plurívoco, m ultiform e e m ultifuncional, com portando diversas acepções
semânticas, Inexistindo conceito prévio enunciado nos vários projetos até
aqui apresentados no Congresso Nacional, desde o início dos anos 90. Certo
é que os Projetos de Reforma Tributária apresentados nos últimos anos não

V id e L e a n d ro Paulsen, D ir e i t o T r ib u t á r io : C o n s titu iç ã o e C ó d ig o T r ib u t á r io à luz d o d o u t r i n a e d o


ju r is p r u d ê n c ia . 11. e d . - P o r to A le g r e ; L iv ra ria d o A d v o g a d o E d ito r a ; ESMAFE, 2 0 0 9 , p 392.

375
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES A T UAIS

trazem mudanças sistêmicas profundas que alcançam os anseios que a


sociedade ta n to anela, cingindo-se a mudanças pontuais na estrutura
tributária brasileira, basicamente restringindo seu campo de alcance a um
tributo em espécie, tal seja, o (CIVIS, à guisa de eliminar a denominada "guerra
fiscal", travada entre os entes federativos.
Assim, tem-se como pressuposto de análise o próprio tema "guerra
fiscal", vez que se revela como um dos maiores apelos, ao se falar em
necessidade de Reforma Tributária.
Diante da inegável constatação de uma preocupação com o
desenvolvimento local, propiciador de geração de emprego e de renda para
0 ente federativo, manifestada num cenário de inexistência de uma política
de desenvolvimento regional mais efetiva, resta, como resultado, o espaço
para a adoção políticas agressivas de atração de investim entos, com o
conseqüente agravamento da situação de atrito dos sistemas tributários
dos mesmos entes fe d e ra tivo s. Aqui são reveladores os prejuízos
financeiros, aferidos na apropriação de parte de substanciosa da receita
devida a outros entes federativos.
Nessa adoção de políticas agressivas de atração de investimento, a
tributação do ICMS revela-se como instrumento utilizado como "arma de
fogo" na "guerra fiscal" entre os Estados, com sua renúncia no todo, ou em
parte, em que os entes federativos praticantes dessa política disputam novos
investim entos, ou mesmo atraem empresas estabelecidas em outras
unidades federadas, mediante a concessão de benefícios de natureza
diversificada, especialmente isenção, redução da base de cálculo e concessão
de crédito presumido de imposto**®®; com isso, outros Estados, interessados
em manter as empresas nele localizadas, também lançam mão da prática da
renúncia fiscal, levando a um maior nível de atrito das estruturas tributárias.
Aponta-se uma vez mais, à vista do seu caráter nacional, que a
concessão de benefícios fiscais do ICMS encontra tratam ento rígido no
ordenamento jurídico pátrio. Primeiro, no ápice da pirâmide jurídica - de
modelo kelseniano - a Constituição fixa os parâmetros para a concessão de
tais benefícios por parte das unidades federadas - Estados e Distrito Federal
re m e te n d o para a Lei C o m p le m en ta r a disciplina do enunciado
constitucional. A Lei Complementar n® 24/75, recepcionada pela CF de 1988“®^

Nesse s e n tid o , c o n s u lta r MELO, José E d u a rd o Soares d e . ICMS Teoria e p r á t ic a . 7@ e d . São Paulo:
D ia l é t ic a , 2 0 0 4 , p. 274/5.
0 a r t . 1 5 5 , § 22, In c. X II, a lín e a g " , d a CF d e t e r m i n a q u e c a b e à LC r e g u l a r c o m o , m e d i a n t e
d e l i b e r a ç ã o d o s E sta d o s e d o DF, in c e n t i v o s e b e n e fí c io s fis c a is s e r ã o c o n c e d id o s e r e v o g a d o s .
P o r to d o s , a p o n ta -s e ju lg a d o d o P r e tó r io Excelso, na ADI 2157-S/BA , j . 2 0 0 6 /2 0 0 0 , da r e la to r ia d o
M in . M o r e ir a Alves, e m q u e , d ia n te d a d is p o s iç ã o d o a r t. 34, § 89, da C F ^ 8 , re c o n h e c e -s e a re cep çã o
da LC n2 24/75.

376
D IRE IT O T R IB U T Á R IO ' QUESTÕES AT UAIS

exige que a concessão ou a revogação de isenções, benefícios ou incentivos


fiscais ocorram por meio de deliberação, com a aprovação unânime dos entes
federados. Tal deliberação resulta na celebração de Convênios que autorizam
os Estados e o Distrito Federal a ratificarem, ou não, os Convênios celebrados
no âmbito do CONFAZ"^^
De sua parte, a LC ns 24/75““ também prevê as sanções ao desrespeito
a seus preceitos, acarretando, cumulativam ente, a nulidade do ato e a
ineficácia do crédito fiscal atribuído ao estabelecim ento recebedor da
mercadoria, à exigibilidade do imposto pago ou devolvido e à ineficácia da
lei que concedeu o benefício ou isenção Irregular. Aqui se encontram
presentes os verdadeiros pressupostos do com etim ento de sanções aos
agentes políticos representantes dos entes federados que oferecem os
benefícios ou incentivos fiscais inconstitucionais, que ainda podem incorrer,
em tese, em crime de responsabilidade, improbidade adm inistrativa ou
ressarcimento de danos ao erário, podendo mesmo ser alvo de ações
populares.
Resultam, ademais, em grave ônus aos contribuintes do imposto, que
figuram no polo de adquirentes das mercadorias ou serviços gravados com a
renúncia fiscal concedida por parte dos entes federativos onde estão situados
os re m e te n te s das m ercadorias, que podem não te r seus créditos
reconhecidos, o que vem acontecendo com fre q u ê n cia , gerando
instabilidade jurídica. Em suma, ao fim, o que se percebe é um paradoxo,
onde a insegurança jurídica para os investidores, decorrente com a glosa de
créditos concedidos indevidamente acaba por prejudicar o próprio anseio
de desenvolvimento.
A "guerra fiscal", portanto, pode ser resumida na tensão formulada no
pacto federativo, com o atrito dos sistemas tributários dos entes federativos,
em seu acoplamento constitucional, por uma parte, a partir da concessão
unilateral de incentivos ou benefícios fiscais pelos Estados ou pelo Distrito
Federal, à margem da C onstituição Federal, com o in tu ito de a tra ir
investim entos, por outra parte, gerando, a retaliação de outros entes
federativos, que se perfaz seja com a lavratura de autos de infração e
imposição de multas aos contribuintes (em glosa unilateral), seja batendo
às portas do Judiciário''^^ almejando a retirada do ordenamento da medida
que concedeu o benefício inconstitucional.

0 a rt. 22, § 22, da LC 2 ^ 7 5 d e t e r m in a q u e a concessão d e b e n e fíc io s d e p e n d e r á s e m p r e d e decisão


u n â n im e dos e n te s fe d e ra tiv o s .
Cf. a rt. 8S da LC nS 2 4 7 5 .
A p o n ta -s e q u e o Estado d e São Paulo t e m se p o s ic io n a d o d e m a n e ir a m ais p r o n u n c ia d a na defesa
d o s p r e c e i t o s c o n s t i t u c i o n a i s e s t r u t u r a d o r e s d o IC M S n a F e d e r a ç ã o , m e r e c e n d o d e s t a q u e a
p r o p o s itu ra d e AD Is c o n tr a a legisla ção d e d iv e rs o s Estados: A M , BA, MS, RJ, MS, b u s c a n d o q u e o STF
re c o n d u z a a F e d e ra ç ã o a o c u m p r i m e n t o da o r d e m c o n s t i t u c i o n a l e a o e q u i l í b r i o F e d e r a t iv o .

377
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Ainda, nesta linha, registra-se na obra de Roque Antonio Carrazza''®®


de que, na prática, tem havido muitas isenções do ICMS, concedidas
unilateralm ente pela unidade federativa interessada. Para esse acatado
mestre, essas isenções autonômicas são manifestamente inconstitucionais
e, a qualquer tempo, podem ser contestadas no STF pelas unidades federadas
prejudicadas.
Aponta-se, de maneira inequívoca, frente ao expressivo número de
ações em sede de controle concentrado junto ao STF, que a "guerra fiscal"
está longe de ser resolvida pelo Poder Judiciário, retratando, em decorrência,
um problema de tutela jurídica do federalismo. Em conseqüência, viabiliza-
se mais um campo para a te n ta tiv a do re e q u ilíb rio fe d e ra tiv o , na
conformidade do anúncio de uma proposta de súmula vinculante, cuidando
em específico do assunto.
Mesmo as decisões definitivas em sede de ADI comportam discussão
quanto aos seus efeitos sobre o ordenamento jurídico, posto que, conforme
0 que foi tenuamente discorrido, ainda que o Supremo Tribunal Federal não
confira efeito ex tunc à decisão de inconstitucionalidade de determinada
norma que concede benefício fiscal à margem de Convênio - desmoldando,
portanto, do que prevê o texto constitucional teremos a continuidade de
demandas quanto ao período pretérito à prolação da decisão judicial, em
que, de um lado, os Estados promoverão a glosa dos créditos tidos como
ilegítimos, a p a rtir daí com o reforço do argum ento da decretação da
in c o n s titu c io n a lid a d e da lei que os o u to rg o u , e, de o u tro lado, os
contribuintes insurgir-se-ão, sob o argum ento de que a decretação de
inconstitucionalidade de uma norma não poderá operar ex tunc para atingir
o direito adquirido e o ato jurídico perfeito.
Assim, por certo, dentro do conjunto de razões construído em sede de
controle de constitucionalidade concentrado, tendo como objeto a chamada
“ guerra fiscal" do ICMS, na busca de que o Supremo Tribunal Federal
reconduza a Federação ao cum prim ento da ordem constitucional e ao
equilíbrio Federativo, verifica-se que o ambiente social apresenta uma carga
de complexidade e dinâmica superiores ao sistema jurídico. Nesse contexto,
a função do legislador, na atuação do sistema político, visa à redução da
complexidade do ambiente, examinando as alterações no quadro social num
processo de constante apreensão, para, por fim promover a evolução do
sistema jurídico, conjugando com os anseios sociais.
A teoria dos sistemas autopoéticos de Nikias Luhmann explica bem
esse fenômeno que denomina de acoplamento estrutural, em que o sistema

CARRAZZA, R oque A n to n io , ICMS. 9^ e d . São P aulo: M a lh e ir o s , 2 00 3 , p. 376.


V i d e a p r o p o s ta d e s ú m u la v in c u la n t e , so b o ns 6 9 , d e a u t o r ia d o M in . G ilm a r M e n d e s .

378
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

de direito é cognitivamente aberto ao ambiente da sociedade e, ao mesmo


tempo é operacionalmente fechado. Isso significa que o sistema de direito
deve buscar na sociedade aqueles fatos ou classe de fatos para integrarem
as hipóteses normativas, com o legislador ocupando a periferia do sistema
jurídico, atuando no ingresso desse estímulo externo.
Portanto, vale dizer que, o sistema jurídico opera apenas de acordo
com as normas e com os códigos internos do mesmo sistema jurídico, ficando
imune aos acontecimentos dinâmicos de outros sistemas sociais integrantes
do ambiente, tal como o sistema econômico - de maior influência nos casos
de "guerra fiscal". Esses demais sistemas operam com códigos próprios
distintos daqueles com os quais opera o sistema jurídico. No ponto, alinha-
se a precisa lição de Marcelo Neves“®® "a autodeterm inação do direito
fundamenta-se na distinção entre expectativas normativas e cognitivas, que
só se torna clara a partir da codificação binária
Consignamos, contudo, que somos partidários da tese de que esse
im b ró g lio criado pelos Estados e D is trito Federal não carece,
necessariamente, de uma Reforma Tributária em form a de Emenda à
Constituição, na medida em que há contornos jurídicos que podem ser
construídos em sede de lei complementar ou mesmo por meio de Convênios
no âmbito do CONFAZ.

4. "Reforma tributária" na dicção da PEC 233/)8: principais aspectos.

Em retorno ao quanto dimensionado, abordando-se ainda o aspecto


da Reforma Tributária, propomo-nos a tecer algumas considerações sobre
as alterações pretendidas no sistema tributário, em que procuraremos nos
ater aos seus aspectos relevantes sobre os três níveis de governo, municipal,
estadual e federal, nos limites da proposta de emenda constitucional, que
cuida da matéria, reconhecida como "PEC n^ 233yt)8" (última , de tantas.
Proposta de Emenda à Constituição Federal, efetivamente, apresentada ao
Congresso Nacional, até o momento).
A par do corte metodológico proposto, faz-se necessário também
registrar que, a exemplo de tantas outras propostas de reforma do sistema
tributário, as discussões são de difícil composição política, já que afetam
decisivamente a autonomia financeira dos entes federativos e a vida dos
contribuintes, o que vem a justificar a limitação da sua análise, que pode
apresentar novos contornos, com o andamento dos arranjos políticos até
seu desfecho final.

M a rc e lo Neves. En tre Temis e L ev ia tã : U m a re la ç ã o difíc il. Ed. M a r tin s Fontes, São Paulo, 2006, p.
81.

379
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Pode-se dizer também, com toda segurança e que já se fez presente,


que toda a sociedade deseja uma reforma tributária, restando, contudo,
responder a uma difícil pergunta: qual é a reforma desejada? É certo, porém,
que cada ente federado deseja um m odelo, ou seja, a União tem sua
proposta, os Estados a sua (o que não implica que todos esses entes
federativos sejam uníssonos numa proposta) e os Municípios, por seu turno,
também tem a sua proposta de Reforma Tributária. Da mesma forma o setor
produtivo e as entidades representativas dos contribuintes divergem entre
si quando se trata de uma Proposta de Reforma Tributária. Resumidamente,
todos querem uma Reforma Tributária, restando, repise-se, responder à
pergunta: qual a reforma pretendida?
É de se anotar incidentalmente, todavia, que, em matéria de ICMS, o
legislador constitucional já cuidou de regrar minudentemente seu arquétipo,
deixando pouco ao talante do legislador infraconstitucional, notadamente
do legislador das pessoas políticas parciais. Essa postura do legislador
constituinte é decorrente da circunstância de ter julgado necessário reduzir
ao mínimo a possibilidade de conflito entre os entes federativos.
Para G eraldo A taliba e Cleber G Íardino“^®, antes mesmo da
prom ulgação da Constituição de 1988, já apregoava que o legislador
constituinte, pelo fato de ter assumido "praticamente a fixação de todas as
diretrizes, princípios e regras concernentes a esse imposto, erigiu essa
matéria em tema preferencialmente constitucional", o que, por sua vez, vai
ter nas lições de Paulo de Barros Carvalho'‘^°, o caráter nacional que carrega
0 ICMS, manifestado por sua estruturação normativa em lei complementar
e resoluções do Senado Federal.
Reconhecemos, contudo, que a PEC ns 233/08, como faz parte do
processo de sua discussão, caso aprovada, poderá ampliar ainda mais o
debate que ora encontramos na doutrina sobre o pacto federativo e o papel
da Lei Complementar em matéria de legislação tributária, principalmente
quanto ao alcance do significado das normas gerais de direito tributário,
previstas no art. 146, III, da Carta Maior, diante da conferência de uma
centralização da competência tributária proposta.
Tem-se que o ICMS, à vista de seu pronunciado caráter nacional,
apresenta seu p erfil ju ríd ic o e fe tiva m e nte uniform izado pela própria
Constituição, pela Lei Complementar n^ 87/96, bem como, no que se refere
à fixação de alíquotas, por Resoluções do Senado Federal, de tal sorte que a
produção de normas legislativas parciais, que definem a incidência do

ATALIBA, G e ra ld o e G lA R DINO , C leber. Pre ssup o sto s d o e s tu d o j u r í d i c o d o IC M . Revista d e D ir e ito


T r ib u t á r io , n® 1 5 -1 6 . São P aulo: R evista d o s T rib u n a is , 1 9 8 1 , p. 113.
Paulo d e B a rros C arva lho . A r e g r a m a t r i z d o IC M . Tese d e liv re -d o c ê n c ia a p re s e n ta d a na Faculdade
d e D ir e ito d a PUC-SP São P aulo. 1 98 1 , p. 9 8 e 99.

380
OIP.EiTO T R IB U T Á R IO QUESTÕES AT UAIS

imposto, é exercida em grau atenuado pelos Estados e Distrito Federal, de


maneira que eventual alteração no sistema constitucional tributário focada
na centralização da competência tributária voltada para a produção de normas
de incidência do ICMS não configurará uma situação tão diversa da hoje
existente.
Em outras palavras, não romperá o pacto federativo, como às vezes é
apregoado, mesmo porque, no tocante à disciplina do ICMS, pelas leis
ordinárias das pessoas políticas parciais, a República brasileira vive um
pseudopacto federativo, haja vista a malsinada "guerra fiscal" travada entre
eles, fazendo tábula rasa do mandamento constitucional em vigor.
Como se sabe, não é papel da Ciência do Direito fazer juízo de valor
sobre as normas prescritivas de conduta do direito positivo, muito menos
sobre aquelas que ainda não ingressaram no ordenamento jurídico, tal como
a Proposta de Emenda à Constituição n@233/38. Seu papel, enquanto ciência,
circunscreve-se a descrever o fenômeno jurídico, investigando a validade
de tais normas.
Abstraindo esse aspecto, e adentrando ao campo da Política do Direito,
pensamos ser possível adm itir que a Lei Complementar disciplinadora do
ICMS que possa advir dessa proposta de Reforma Constitucional, ou de outra
no mesmo se ntid o , possam v e ic u la r ainda com m a io r densidade e
centralização as normas de incidência desse imposto estadual e distrital,
adstrita, porém, às normas gerais que se relacionem à solução do conflito de
competência"^^^entre os entes tributantes e às limitações constitucionais
ao poder de tributar.
Assim 0 fazendo, quanto ao ICMS, repita-se, de aptidão nacional,
somos da opinião de que se estará conferindo máxima efetividade ao
desiderato reservado às normas gerais em matéria de legislação tributária.
É Indiscutível que a autonomia financeira é a face mais visível da forma
fe d e ra tiva de Estado, p rotegida com cláusula pétrea na fo rm u laçã o

G e ra ld o A ta lib a e n s in a q u e n ã o é p os s ív e l a e x is tê n c ia d e c o n f l i t o d e c o m p e tê n c ia . São suas as


s e g u in te s p a la v r a s : "Se o s is te m a é esse: r íg id o e e x a u s t iv o , n ã o há p o s s ib ilid a d e d e c o n f l i t o de
c o m p e t ê n c i a . E n tã o , v e ja m q u e a p r im e i r a p r o p o s t a d o a r t . 1 4 6 é n o r m a g e r a l p a ra d is p o r s o b re
c o n f li t o s d e c o m p e t ê n c i a . M a s n ã o é p o s s ív e l c o n f l i t o d e c o m p e t ê n c i a ! È l ó g ic o q u e é p o s s ív e l a
v io la ç ã o d a C o n s titu iç ã o ; isso e x is te t o d o s o s dia s, é ó b v io q u e é p ossível d e s a c a ta r a C o n s titu iç ã o !
(...), m a s isso é o u t r a co is a : r e s o lv e - s e p e la d e c la r a ç ã o d e i n c o n s t í t u c io n a l i d a d e . O J u d ic iá r io não
a p lica a lei in c o n s t i t u c i o n a l e e s tá r e s o lv id o o p r o b le m a ; n ã o p re c is a d e n o r m a a lg u m a . Já e s tá na
C o n s titu iç ã o " . ATALIBA, o p . cít., p. 90,
Por o u t r o s c o n t o rn o s , Tatia na M a r ia M e llo d e Lim a, lo u v a n d o -s e nas liç ões d e Sacha C a lm o n N av a rro
C oê lh o , re g is tra q u e " a Lei C o m p l e m e n t a r q u e a tu a p a ra d i r i m i r c o n f lito s a p e n a s 'fa z v a le r ' o t e x to
c o n s t i t u c i o n a l , a tr a v é s d e c r i a ç ã o d e r e g r a s e x p l i c a t iv a s . T o d a v ia , é e x a t a m e n t e n o s e n t i d o d e
'fa z e r v a le r ' a C o n s titu iç ã o que se c o m p l e m e n t a e s c la re c e n d o o que ta lv e z não e s t e ja
s u fic ie n te m e n t e c la r o e m seu te x to " , L IM A , Ta tia n a M a r ia M e ll o e. A Lei C o m p l e m e n t a r e m m a té r ia
t r i b u t á r i a . Revisto d e E stu dos T rib u tá rio s , ns 36, P o r to A le g re ; I n s t i t u t o d e E stu d o s T r ib u tá r io s e lOB-
In f o r m a ç õ e s O b j e t iv a s P u b lic a ç õ e s J u ríd ic a s , 2 0 0 4 , p. 1 5 9 .

381
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

constitucional. A forma federativa não pode ser atingida com a supressão de


algo tido como inatingível pelo poder derivado, que promove emendas à
Constituição que violariam, por certo, a essência da federação, o que não
poderá ocorrer com a instituição de um ICMS nacional.
Essa autonomia deverá ser preservada, quiçá, com a proposta de maior
centralização da produção de normas jurídicas do ICMS no âm bito do
Congresso Nacional, no cumprimento de seu papel de legislador nacional
em sede de Lei Complementar, assegurando-se aos Estados-membros e ao
Distrito Federal a preservação de sua competência tributária.
Em outros termos, as normas gerais de direito tributário previstas em
novel Lei Complementar a ser editada após eventual aprovação da Reforma
Tributária tratada pela PEC ns 2 33 ^8 não poderão restringir a liberdade dos
contribuintes ou substituir a competência outorgada aos entes federativos
e c o n s titu c io n a lm e n te protegidas, mas deverão estabelecer
m inudentem ente os critérios a serem aplicados pelas pessoas políticas
estaduais e distrital, de forma a conferir o caráter sistêmico e uniforme ao
ICMS.
Passamos, por fim, em breve revista à proposta, em seus principais aspectos,
naquilo que cuida às competências trib u tá ria s dos entes federativos,
relembrando-se, contudo, que um dos objetivos de tal Reforma Tributária,
que, a rigor, cuida basicamente de reforma do ICMS, é pôr termo à "guerra
fiscal" entre os entes federativos, vedando aos Estados e Distrito Federal a
concessão de benefícios fiscais irregulares como têm feito até o presente
momento.

4.1 Alterações no âmbito Federal

Incorporação da Contribuição Social Sobre o Lucro Liquido ao Imposto


de Renda Pessoa Jurídica. Atualmente, a CSLL é, efetivamente, um Imposto
de Renda disfarçado de Previdência Social, o que permite à União partilhá-
lo com os Estados e Municípios.
Outra novidade nessa Proposta de Reforma Tributária é a criação do
denominado IVA-F, Imposto de Valor Agregado Federal, com a aglutinação
do PIS, COFINS, CIDE e Salário Educação sem, no entanto, incorporar a ele o
IPI. A par da saturação da base de tributação, já que o novo imposto recairá
sobre a mesma base de incidência do ISS e do ICMS, uma crítica que aqui
deve ser consignada é que não se trata de um imposto de valor agregado e
sim, um imposto sobre "operações com bens". 0 texto da PEC é silente sobre
que operações com bens recairão a Incidência tributária. Ora, temos 40 anos
de histórico de discussão nos Tribunais Superiores para definir o conceito de
mercadoria, de operação, de circulação. Estaremos transformando adotando
uma expressão absolutamente genérica: bens.

382
D IRE IT O TR IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Os clássicos do d ire ito trib u tá rio p á trio nos ensinam que a


materialidade do imposto é composta por um verbo e um complemento.
Aqui teremos a materialidade composta sinteticamente como "operações
com bens", sem declinar que tipo de operações de que se tratará.
Talvez aqui resida uma das principais preocupações da Reforma, afora
a acima apresentada. Como a Reforma de 2003, o Governo Federal sob o
argumento da falta de acordo entre os Estados para a aprovação de mudanças
no ICMS, pode propor o denominado "fatiamento" da reforma e aprovar a
alteração que lhe interessa, ou seja, a criação desse novo imposto, o IVA-F,
deixando as alterações do ICMS para as "calendas gregas", piorando, ainda
mais a caótica situação atual, no que pertine a concentração de recursos em
poder da União.

4.2 Alterações no âmbito Municipal

O projeto de reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional


não apresenta alteração nos impostos de competência dos Municípios. A
única mudança proposta é a desconstitucionalização dos critérios de partilha
do Fundo de Participação dos Municípios nos tributos federais e no ICMS,
atribuindo tal competência à lei complementar. É que atualmente no caso
de partilhamento da receita do ICMS com os Municípios o principal critério
previsto constitucionalmente é o valor adicionado (no mínimo, 3/4 da parcela
deve levar em consideração esse critério).
Historicamente, os municípios têm reclamado da preponderância
desse critério, sugerindo a adoção de outros fatores, como o IDH-índice de
Desenvolvimento Humano, por exemplo, no afã de reduzir as flagrantes
desigualdades na d is trib u iç ã o da Receita do ICMS p e rte n c e n te aos
municípios.

4.3 Alterações no âmbito Estadual e Distrital

No que diz respeito aos Estados e ao Distrito Federal é que a Proposta


de Emenda à Constituição, PEC n^ 233/38, apresenta as maiores alterações
no texto constitucional, notadamente no que diz respeito ao ICMS.
Inicialmente, a proposta inclui um novo artigo na Constituição, o art.
155-A, criando um novo ICMS em substituição ao atual, revogando-o. A
principal alteração é a harmonização da legislação do novo ICMS, a ser
instituído por lei complementar, sendo vedada a adoção de norma estadual,
exceto para estabelecer alíquotas diferenciadas para algumas operações
internas com mercadorias e prestação de serviços, previstas na própria lei
com plem entar que emergirá da pretendida reform a constitucional (Lei
Complementar irá estabelecer as mercadorias e serviços que poderão ter

383
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

sua alíquota aumentada ou diminuída por lei estadual, para as operações


internas).
Corolaríamente, o (CMS terá também regulamentação única.
A legislação única é um anseio de praticamente todos os setores
econômicos e não sofre rejeição maior por parte dos Estados, todavia, poderá
trazer exageros na regulamentação do imposto, o que pode dificultar sua
operacionalização.
0 Senado Federal d e fin irá as alíquotas do im p o sto , m ediante
aprovação ou rejeição de proposta do CONFAZ.
A proposta inverte a concentração do imposto para o destino nas
operações interestaduais, adotando-se o denominado principio do destino
mitigado ou misto, com a permanência de uma parcela residual de 2% no
Estado de Origem. Essa parcela residual é im portante para estim ular a
fiscalização e os investimentos em infraestrutura no Estado de origem.
A PEC prevê a possibilidade de criação de uma Câmara de Compensação
do ICMS, para p a rtilh a r o p ro d u to da arrecadação nas operações
in teresta du a is. A cobrança no Estado de Origem poderá ser fe ita
integralmente no Estado de origem e destinada a parcela devida ao Estado
de destino, numa espécie de substituição tributária.
Um ponto de grande preocupação para os Estados e o Distrito Federal
é com respeito às Leis Complementares necessárias à implementação da
Reforma Tributária.
A par das matérias atualmente reservadas a esse veículo normativos
(definição de fato gerador e contribuinte, base de cálculo, responsabilidade,
regim e de compensação do im p o sto, a p ro v e ita m e n to de cre d ito ,
substituição tributária etc.), tantos outros pontos necessariamente deverão
ser tratados por meio de Lei Complementar (processo administrativo fiscal,
competência no novo CONFAZ, punições relacionadas as descumprimento
das normas que disciplinam o imposto).
Tantos pontos im p o rta n te s deixados para disciplina em Lei
Complementar trás consigo a incerteza e insegurança dos Estados e do Distrito
Federal. Será necessário que o Governo Federal, que apresentou a Reforma
Tributária no Congresso Nacional, adiante as minutas ou enunciados de tais
comandos, pois o conteúdo dessas normas é decisivo para análise dos efeitos
da Proposta de Reforma. O contrário, é um verdadeiro "cheque em branco",
em que se deixará um conceito de sistema tributário, com seus problemas,
mas conhecido, para algo desconhecido e sem volta.
A alteração de um sistema tributário pressupõe a apresentação de
proposta completa de outro. A PEC n. 233/38 traz apenas o enunciado das
novas competências constitucionais, deixando na incógnita a sequencia do
"outro" sistema tributário que advirá. Em outras palavras, é dever do Governo
Federal que apresentou a proposta de reforma do sistema tributário explicitar
cada alteração sugerida.

384
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Um ponto interessante da PEC n. 233/t)8 é o estabelecimento de


gradativa redução do prazo de apropriação dos créditos de ICIVIS de
mercadorias destinadas ao ativo permanente, atualmente autorizado em 48
meses. Já quanto aos créditos de uso e consumo, a proposta não traz
nenhum a inovação, m a n te n do a p ossib ilida d e de aprop ria çã o to ta l
atualmente previsto na LC 87/^6 apenas para 2011, isso lá se não for prorrogado
novamente.
Sobre o p o n to que entendem os mais sensível da proposta, os
benefícios fiscais, já que são tidos como o motivo maior da reformulação do
ICMS, o Projeto de Reforma Tributária determ ina que as isenções ou
quaisquer incentivos ou benefícios fiscais vinculados ao im posto serão
definidos pelo novo CONFAZ e deverão ser uniformes em todo te rritó rio
nacional, salvo no caso de hipóteses relacionadas aos regimes especiais de
micro e pequenas empresas e a regimes aduaneiros especiais, as quais
poderão ser definidas em lei complementar.
Lembramos que um dos pontos principais que não atingiram o
consenso nas propostas anteriores de reforma tributária foi justamente a
convalidação dos benefícios concedidos sem aprovação do CONFAZ.
Os Estados que lançam mão da denominada "guerra fiscal" como
política de atração de investim entos e geração de empregos sempre
defenderam a permanência desses benefícios por longo prazo.
É de considerar, contudo, que com a concentração da tributação no
Estado de destino, o futuro da "guerra fiscal" estará solucionado, restando
aos Estados resolver a questão dos efeitos passados desses benefícios. Em
outras palavras, a adoção do principio de destino, ainda que misto, com a
manutenção de parcela de 2% do imposto no Estado de origem, é o suficiente
para por fim a guerra fiscal, na medida em que não haverá mais o que se
apregoa pelo adagio: "oferecer esmola (beneficio fiscal) com chapéu alheio",
o que acontece com o p rin c ip io de o rig em do ICMS, nas operações
interestaduais.
Sobre os benefícios irregulares atualmente existentes, pensamos que
o Projeto de Reforma deva contemplar uma solução para eles, em forma de
propostas de emendas ao Projeto de Reforma Tributária. Aliás, existem
muitas propostas de emendas nesse sentido, entre as incontáveis emendas
apresentadas ao projeto.
Dizemos isso, acreditando na certeza da solução para o porvir, já que a
adoção do principio do destino apresenta essa virtude, todavia, resta a
necessidade de se determinar a definição para o passado, não a deixando ao
talante dos Estados e do Poder Judiciário, que fará com que as discussões
prosperem por muitos anos, com a insegurança jurídica continuando a
prosperar para esses benefícios fiscais que atualmente tantas incertezas
apresentam para os diversos partícip e s das relações ju ríd icas deles
decorrentes.

385
D IRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES A T UAIS

Reconhecemos, por necessário, que a tarefa de criar uma regra de transição


para os atuais benefícios é uma das mais árduas e polêmicos (e que valeria
outra discussão científica quanto a sua constitucionalidade, eis que é de se
In q u irir se a q u ilo que é tid o como In c o n s titu c io n a l pode ser
constitucionalizado por meio de Emenda Constitucional), possibilitando sua
homologação e vigência por determinado período.

4.4 Outras alterações em discussão

Registra-se que o Governo Federal tem acenado para a apresentação


de uma nova proposta de Reforma Tributária, que, segundo noticiado pela
imprensa“’ ^ pautar-se-á no objetivo geral de não redução de carga tributária,
mas sim, voltando-se para a simplificação do sistema. Sua abordagem propõe-
se a se formular por meio de reformas por "fatias" - nas vertentes: Simples;
Previdenciária; sobre a folha de pagamentos e pelo ICMS.
Note-se que o ICMS, mais uma vez se revela como objeto de maior
preocupação. Todavia, ressalte-se, tal proposta não foi ainda aperfeiçoada,
a tal ponto de não ter sido, até agora, apresentada ao Congresso Nacional.
A imprensa noticia também que o Senado Federal instituiu pelo Ato
ns 11/2012, uma comissão de especialistas, largamente conhecidos no cenário
nacional, com a finalidade de analisar e p ropor solução para questões
relacionadas ao sistema federativo. Referida comissão está na iminência de
apresentar ao Presidente do Senado suas concussões e propostas que,
certamente contribuirão, em muito, para um encaminhamento de solução
para a grave crise federativa que se arrasta há décadas.

5. Considerações finais

Por certo, tem-se em vista que, ao se cuidar de Reforma Tributária,


não existe uma univocidade, com a formulação determinista de uma única
proposta ou modelo que atenda a todos os interesses postos na atuação dos
vários sujeitos e in té rp re te s da C onstitu içã o. É possível tom ar, em
em préstim o a máxima esportiva, como no futebol, quando se trata de
escalação de uma seleção de jogadores, cada torcedor tem sua escaíação
preferida, a p a rtir de tan to s c rité rio s possíveis. Uma escalação mais
defensora, outra mais voltada para o ataque, e assim por diante.
Com o propósito único de apontamento dos vários critérios para a
formulação de uma resposta ao tema de Reforma Tributária, houve uma
proposta de Reforma Tributária, originada no Senado Federal, da relatoria

C o n fo r m e v e ic u la ç ã o d o J o rn a l " 0 E s ta d o d e São P a ulo ", d a t a d o d e 11 d e m a io d e 2 01 1 .

386
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

do Senador Francisco Dornelles, muito mais ambiciosa que esta PEC n. 233/
08, criando um Imposto de Valor Agregado (IVA) nacional, partilhável entre
União, Estados e Distrito Federal. A ideia inspiradora de referida proposta é
organizar um novo sistema tributário, em vez de apenas promover uma
reforma no atual. Com a implantação do denominado IVA nacional seria
eliminado um "erro de origem", assim entendido por muitos, que é o ICMS
de co m petência dos Estados e do D is trito Federal, im p la n ta n d o
originalmente no Brasil em 1967, na forma do ICM.
Com adoção do IVA nacional, apregoado pela Reforma proposta pelo
Senado, seria extinto o ICMS. 0 IVA nacional substituiria o ICMS e cinco
outros tributos federais, o IPI, a COFINS, o PIS, o PAES e a CIDE. 0 novo
imposto ficaria sujeito à competência da União, seria cobrado integralmente
na origem e sua arrecadação seria fiscalizada pelos Estados e pelo distrito
Federal. 0 novo regime eliminaria a "guerra fiscal" e permitiria a desoneração
imediata das exportações e dos investimentos produtivos, graves problemas
do sistema tributário em vigor.
Tal proposta enfrentaria, certam ente, m aior resistência do que o
projeto apresentado pelo Poder Executivo Federal, já que dim inuiria em
muito mais o poder dos Estados em matéria tributária e ofenderia o pacto
federativo.
A par das propostas de Reforma Tributária, de sua parte, o Estado de
São Paulo tem sua perspectiva, manifestando-se na assunção plena de seu
papel In s titu c io n a l ju ríd ic o no qua d ro atu a l do sistem a trib u tá rio
constitucional do ICMS, com a adoção das seguintes medidas, voltadas,
essencialmente, para a retomada da confiança e da cooperação entre os
entes federativos: (i.) combate às medidas ilegítimas de "guerra fiscal",
através do acompanhamento da legislação de outros Estados, promovendo,
quando necessário, não só a glosa dos créditos trib u tá rio s ju n to aos
c o n trib u in te s , com o ta m b é m com o ingresso de ações de c o n tro le
concentrado de constitucionalidade; (ii.) concessão de benefícios sem afetar
a receita de outros entes federativos, promovida através de benefícios
apenas para operações interestaduais, de medidas que afetem a base de
cálculo e, por fim , com a adequação das medidas de arrecadação às
necessidades específicas de setores produtivos d en tro do Estado; (lii.)
proposta de uma agenda positiva de debates e de cooperação com os demais
entes federativos; e (iv.) medidas de celeridade e agilização de dados, com
a adoção de sistemas de tecnologia de informação para reduzir custos de
guarda e transmissão de dados ao FISCO Estadual, bem como coma redução
dos custos com medidas acessórias.
Assim, o que se assume são passos necessários para a promoção de
uma Reforma Tributária racional - ponto de Inegável preocupação para ser
levado a debate -, Impondo, necessariamente, uma análise das distorções

387
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

apresentadas pelo atual sistema tributário, sem, contudo, deixar de apontar


as virtudes do mesmo, naquilo que se revela por seu bom funcionamento.
E, dentro dessas premissas, reside o interesse por uma Reforma Tributária
mais ampla e consentânea com a Federação, retratado no respeito aos
pressupostos irrefutáveis: (i.) da autonomia financeira dos entes federativos;
(ii.) da revisão dos mecanismos de composição dos atuais fundos de
participação; (iii.) da revisão, ainda, dos atuais mecanismos de alocação das
competências tributárias; (iv.) da adoção de mecanismos de compensação
financeira a benefícios e perdas de recursos eventuais; (v.) da adoção de
uma política que permita a harmonização da legislação tributária; e (vi.) por
fim, da adoção de alíquota interestadual que desestimule a prática da "guerra
fiscal".
Mas 0 que resta é que, tom ando-se em conta a demarcação dos
critérios para eventual Reforma Tributária ou manutenção do sistema atual,
a questão gira em torno da robustez do constitucionalismo que se almeja
em nossa federação, que tem seu penhor, de m odo inequívoco, na
efetividade constitucional marcada pelos papéis das instituições jurídicas
- o que alcança os entes fe d e ra tiv o s - em seu processo de atuação
constitucional tributário, com marca na confiança e na cooperação, próprias
de uma Federação desenvolvida.

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391
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

ENTRE A FORMA E O CONTEÚDO NA DESCONSTITUIÇÃO DOS


NEGÓCIOS JURÍDICOS SIMULADOS

Paulo de Barros Carvalho^^^

1. Introdução

Antes de ingressar, p ro p ria m e n te , no assunto posto aos meus


cuidados, entendo serem oportunas algumas palavras sobre o modo e por
quais caminhos pretendo aproximar-me do objeto, para que seja possível
articular suas complexidades, refletir sobre elas e poder, ao fim, construir
conclusões consistentes capazes de acalmar o espírito instigado pela dúvida.
De fa to , to d o tra ba lh o com aspirações mais sérias há de expor
previamente seu método, assim entendido o conjunto de técnicas utilizadas
pelo analista para demarcar o objeto, colocando-o como foco temático e, de
seguida, penetrar no seu conteúdo. Parece apropriado efetuar breves
considerações sobre o itinerário do pensamento, no sentido de abrir caminho
para que o leitor possa percorrê-lo com desenvoltura, consciente do plano
traçado pelo autor. Tal informação, que é de grande utilidade para ensejar a
iterative conferência do rigor expositivo, volta-se, fundamentalmente, para
esclarecer o tra je to que vai ser trilh a d o , fa c ilita n d o sobrem aneira a
fundamentação das proposições apresentadas.
Tomarei o direito positivo como objeto cultural que se apresenta como
camada de linguagem em função prescritiva, projetando-se sobre o domínio
das condutas Intersubjetivas, para regulá-las com seus operadores deônticos
(permitido, obrigatório e proibido). Tais reflexões pedem atenção para o modo
pelo qual se opera a construção do sentido, interpretação do direito posto.
Para aprop ria d a com preensão do tem a, releva te ce r alguns
comentários sobre a função da linguagem na constituição da realidade
jurídica. É importante também dedicar algumas linhas à dicotomia forma e
conteúdo, que tem ocupado im portante espaço nas discussões sobre a
desconsideração de negócios jurídicos "simulados". Além disso, essa ordem
de considerações nos levará à conclusão de que som ente o fa to
ju rid ica m e n te qualificado pode ser tom ado para fins de d ete rm in a r a
form a ção do liam e trib u tá rio , sendo descabidas análises de ordem
meramente econômica.

- P r o fe s s o r e m é r i t o e t i t u l a r d a P o n t if í c i a U n i v e r s id a d e C a t ó lic a d e São P a u lo - PUC-SP e da


U n iv e r s id a d e d e São P a ulo - USP. M e m b r o d a A c a d e m ia B r a s ile ir a d e F ilo s o fia .

393
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

Com suporte em tais premissas, e tendo em vista o princípio da


autonom ia da vontade e da livre iniciativa, aliados àqueles da estrita
legalidade e da típícídade tributaria, passo à análise da possibilidade jurídica
de o contribuinte praticar fatos que lhe acarretem menor ônus tributário.
Somente nos casos de simulação, com a prática de atos fraudulentos e
dolosos, ter-se-á a possibilidade de o FISCO desconsiderar os negócios
praticados, fazendo recair a tributação sobre a forma negociai oculta (negócio
dissimulado). Examinarei, desse modo, a figura da simulação, demarcando-
lhe os traços característicos e discorrendo sobre seu uso na seara tributária.

2. Conhecimento e Linguagem

Decompondo-se o fenômeno do conhecimento, encontramos o dado


da linguagem, sem o qual ele não se fixa nem se transmite. Já existe um
quantum de conhecimento na percepção, mas ele se realiza mesmo, na
plenitude, no plano proposicional e, p orta n to , com a intervenção da
linguagem. "Conhecer", ainda que experim ente mais de uma acepção,
significa "saber proposições sobre". Conheço determinado objeto se posso
expedir enunciados sobre ele, de tal arte que o conhecimento, nesse caso,
se m anifesta pela linguagem , m e d ian te proposições descritivas ou
indicativas.
Por outro lado, a cada momento confirma-se a natureza da linguagem
como c o n s titu tiv a de nossa realidade. Já afirm ava W ittg e n s te in , na
proposição 5.6 do Tractatus Logico-Philosophicus, que "os limites da minha
linguagem são os limites do meu mundo", significando: meu mundo vai até
aonde for minha linguagem. A experiência o comprova: olhando para uma
folha de laranjeira, um botânico seria capaz de escrever laudas, relatando a
"realidade" que vê, ao passo que o leigo ficaria limitado a poucas linhas.
Dirigindo o olhar para uma radiografia de pulmão, o médico poderia sacar
m últiplas e im portantes informações, enquanto o advogado, ta n to no
primeiro caso, como neste último, ver-se-ia compelido a oferecer registros
ligeiros e superficiais. Por seu turno, examinando um fragmento do Texto
Constitucional brasileiro, um engenheiro não lograria mais do que construir
mensagem adstrita à fórmula literal utilizada pelo legislador, enquanto o
bacharel em Direito estaria em condições para desenvolver análise ampla,
contextual, trazendo à tona o conteúdo das normas jurídicas, identificando
valores e apontando princípios. Por que alguns têm acesso a esses campos e
outros não? Por que alguns ingressam em certos setores do mundo, ao
mesmo tempo em que outros se acham absolutamente impedidos de fazê-
lo? A resposta é uma só: a realidade do botânico, com relação à Botânica, é
bem mais abrangente do que a de outros profissionais, o mesmo ocorrendo
com a realidade do médico, do engenheiro e do bacharel em Direito. 0 fator

394
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

determinante para que essas realidades se expandissem, dilatando o domínio


dos respectivos conhecimentos, é a linguagem ou a morada do ser, como
proclamou Heidegger.
O laço que prende um termo a seu significado costuma apresentar-se
aos nossos olhos como algo dado a nós, um vínculo natural conhecido como
elemento da realidade. Todavia, essa relação entre a palavra e a coisa é
artificial. Quando aprendemos o nome de um objeto, não aprendemos algo
acerca da coisa, senão sobre os costumes lingüísticos de certo grupo ou povo
que fala o idioma no qual esse nome corresponde a um específico objeto.
Não obstante seja corriqueiro afirmar-se que uma coisa tem nome, seria
mais rigoroso dizer que nós é que temos um nome para essa coisa. Disso
decorre uma conclusão necessária: não existem nomes verdadeiros ou falsos.
Há, tão somente, nomes aceitos ou não aceitos. A possibilidade mesma de
in v e n ta r nomes, por sua vez, ta m b é m leva um nom e: lib e rd ad e de
estipulação. Nesse sentido, asseveram Guibourg, Ghigliani e Guarinoni''^^
cheios de convicção:

Estas consideraciones nos llevan a una nueva conclusion, más


profunda que Ia a nterior: al inventar nom bres (o al aceptar los
ya in v e n ta d o s ) tra za m o s lim ite s en Ia re a lid a d , c o m o se Ia
c o rtá ra m o s id e a lm e n te en tro zo s; y al asignar cada n o m b re
c o n s titu í m o s (es d e c ir, id e n t if ic a m o s , in d iv id u a liz a m o s ,
delim itam os) el tro zo que, según hemos decidido, corresponderá
a ese nom bre. (...) Por esto Ia realidad se nos presenta ya cortada
en trozos, com o una pizza dividida en porciones, y no se nos
ocurre que nosotros podríamos haber cortado Ias porciones de
o tro tam a n o o con o tra form a.

Decididamente, é também a linguagem que nos dá os fatos do mundo


físico e do social. Feita a observação, verifica-se que o homem vai criando
novos nomes e novos fatos, na conformidade de seus interesses e de suas
necessidades. Para nós, basta uma só palavra para designar "neve". Para os
esquimós, entretanto, envolvidos por circunstâncias bem diversas, impõe-
se a distinçã o e ntre as várias m odalidades de "n e v e " e a cada uma
corresponderá um termo. Não se pode precisar o motivo exato, mas os povos
de cultura portuguesa houveram por bem, em determinado momento de
sua evolução histórica, especificar a palavra "saudade", diferentemente de
outras culturas que a mantêm incluída em conceitos mais gerais, como
"nostalgia", "tristeza" etc. Em português, como em castelhano, temos
"relógio" {"reloj"); já em inglês discriminou-se “ clock" para o relógio de

I n t r o d u c d ó n a l c o n o c i m ie n t o c i e n t i f i c o , B u e n o s A ir e s ; EUDEBA, 1 98 5 , p. 37.

395
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

parede e "watch" para o de bolso ou de pulso. E, em francês, existem três


vocábulos distintos: "horloge" (de torre ou de parede), "pendule" (de mesa
ou de pé) e "montre" (de bolso ou de pulso).
0 esclarecimento das razões determinantes dessas especificações é,
multas vezes, encontrado na Gramática Histórica, disciplina incumbida de
estudar as dinâmicas que presidem a evolução do idioma. A observação
revela que tanto as palavras recém-criadas como as novas acepções atribuídas
àqueles termos já conhecidos, incorporam-se ao patrimônio lingüístico por
força de necessidades sociais. A Física tinha no átomo a unidade irredutível
da matéria. Com o progresso do interesse científico e o avanço pesquisa que
culminou com a possibilidade de decomposição daquela partícula, tornou-
se Imperiosa a expansão da linguagem para constituir a nova realidade: eis
0 "próton", 0 "nêutron", o "elétron".
Breve comparação entre dicionários de um mesmo idioma, editados
em momentos históricos diferentes, aponta para significativo crescimento
do número de palavras, assim na chamada "linguagem natural", como nos
discursos das várias ciências. É a linguagem constituindo realidades novas e
alargando as fronteiras do nosso conhecimento.

2.1. A constituição da "realidade jurídica" por meio da linguagem

A linguagem natural está para a realidade em que vivemos assim como


a linguagem do direito está para a nossa realidade jurídica. Dito de outra
maneira, da mesma forma que a linguagem natural constitui o mundo
circundante, por nós chamada de realidade, a linguagem do direito cria o
domínio do jurídico, isto é, o campo material das condutas intersubjetivas,
dentro do qual nascem, vivem e morrem as relações disciplinadas pelo
direito. Se não há fato sem articulação de linguagem, também inexistirá
fato jurídico sem a linguagem específica que o relate como tal. Se, por
exemplo, S' empresta quantia em dinheiro para S", mas não consegue
expressar sua reivindicação mediante as provas prescritas pelo direito como
ajustadas à espécie, vale dizer, faltando a linguagem jurídica competente
para narrar o acontecim ento, não se poderá falar em fato jurídico. A
circunstância conserva sua natureza factual porque descrita em linguagem
ordinária, porém não alcança a dignidade de fato jurídico por ausência da
expressão verbal adequada.
0 direito positivo é vertido em linguagem técnica, assim entendida
toda aquela que se assenta no discurso natural, aproveitando, em quantidade
considerável, palavras e expressões de cunho determinado, pertinentes ao
patrimônio das comunicações científicas. Projeta-se sobre o campo do social,
disciplinando os comportamentos interpessoais com seus três operadores
deônticos (obrigatório, proibido e permitido), orientando as condutas em

396
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

direção aos valores que a sociedade quer ver implantados. Sua função é
em inentem ente prescritiva, incidindo como um conjunto de ordens, de
comandos, produzidos com o intuito de alterar comportamentos sociais,
motivando seus destinatários.
Em termos de ação direta, é a linguagem do direito posto que constitui
as realidades do mundo jurídico. Mesmo quando mal aplicadas, as regras do
direito operam em nome do ordenamento em vigor, recortando-se o mundo
social na estrita co nfo rm id a de das determ inações contidas nos seus
comandos. Eis o fato meramente social adquirindo a dimensão de fato
jurídico. Foi juridicizado, na expressão empregada por Pontes de Miranda,
e, nesse momento, constituiu-se uma situação nova, ampliando a realidade
do direito pela ação de sua linguagem própria.

3. Interpretação dos fatos: definição de "fato puro" "fato contábil" e


"fato jurídico"

Feitas as necessárias considerações sobre a relevância da linguagem


prescritiva do direito na constituição da realidade jurídica, convém discorrer
sobre assunto de grande atualidade: os contornos constitutivos do fato
jurídico tributário. 0 fato que dá causa a uma relação jurídica pode ser objeto
de qualificações não-jurídicas? Em outras palavras, o fato, antecedente da
norma jurídica in dividu a l e concreta, pode ser e n te nd id o como fa to
econômico, fato contábil, fato político ou mesmo fato histórico? É o que
irem os examinar. A dianto, porém , que no c o n te x to ju ríd ic o , só tem
ca b im e n to falar-se em elem entos ju rid iciza d o s, sendo inadmissível
p re te n de r a trib u ir efeitos de d ire ito a fatos m eram ente econômicos,
contábeis, políticos ou históricos.
Retornem os da digressão para co nsid e ra r que, no degrau da
hermenêutica jurídica, o grande desafio de quem pretende desvelar o
conteúdo, sentido e alcance das regras de direito radica na inafastável
dicotomia entre a letra da lei e a natureza do fenômeno jurídico subjacente.
0 desprestígio da chamada interpretação literal dispensa meditações mais
profundas, bastando re c o rd a r que, prevalecendo com o m é tod o de
interpretação do direito, seriamos forçados a admitir estarem os meramente
alfabetizados, quem sabe com o auxílio de um dicionário de tecnologia
jurídica, credenciados a identificar a substância das mensagens legisladas,
explicitando as proporções de significado da lei. 0 reconhecimento de tal
possibilidade roubaria à Hermenêutica Jurídica e à Ciência do Direito todo o
teor de suas conquistas, relegando o ensino universitário a um esforço sem
expressão e sentido prático de existência. Talvez por isso, e sem o perceber,
Carlos Maximiliano haja sufragado, com suficiente ênfase, que todos os
métodos interpretativos são válidos, conquanto seus resultados coincidam
com aqueles colhidos na interpretação sistemática.

397
D I R f I T O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Não sobeja repetir: para nós, as normas jurídicas são as significações


que a leitura do texto desperta em nosso espírito e, nem sempre, coincidem
com os artigos nos quais o legislador distribui a matéria no campo escrito da
lei. D ito de o u tro m odo, na realidade social em que vivemos,
experimentamos sensações visuais, auditivas, tácteis, capazes de suscitar
noções. Estas, agrupadas em nosso intelecto, fazem surgir os juízos ou
pensamentos que, por sua vez, se exprimem verbalmente como proposições.
A proposição aparece como o enunciado de um juízo, da mesma maneira
que o termo expressa uma ideia ou noção. E a norma jurídica é, exatamente,
o juízo hipotético provocado pela percepção do texto provoca no plano de
nosso consciente, da mesma forma em que tantas outras noções não-jurídicas
poderiam ter sido originadas daquele mesmo conjunto de percepções físicas.
Diz-se, p orta n to , que a noção é ju ríd ica quando se enquadra a uma
determinada hipótese normativa.
Quer isto exprimir, por outros torneios, que a única forma de se
entender o fenômeno jurídico, conclusivamente, é analisando-o como um
sistema, visualizado no entrelaçamento vertical e horizontal dos inumeráveis
preceitos que se congregam e se aglutinam para disciplinar o comportamento
do ser humano, no convívio com seus semelhantes. 0 texto escrito, na singela
expressão de seus símbolos, não pode ser mais do que a porta de entrada
para o processo de apreensão da vontade da lei, jamais confundida com a
intenção do legislador. Sem nos darmos conta, adentramos a análise do
sistema normativo sob o enfoque semioticista, recortando, como sugere
uma análise mais séria, a realidade jurídica em seus diferentes campos
cognoscitivos; sintático, semântico e pragmático.
Bem sabido que não se pode p rio riza r qualquer das dimensões
semióticas, em detrim ento das demais. Todavia, o momento semântico,
num exame mais apurado sobre o tema ora tratado, chama a atenção pela
maneira intensa como qualifica e determina as questões submetidas ao
processo dialógico que prepara a decisão ou conclusão. Daí exclamar Alfredo
Augusto Becker, cheio de força retórica, ser o jurista nada mais que o
semântico da linguagem do direito. A ele cabe a árdua tarefa de examinar os
textos, quantas vezes obscuros, contraditórios, penetrados de erros e
im p e rfeiçõe s te rm in o ló g ica s, para ca pta r a essência dos in s titu to s ,
su rp reendendo, com n itidez, a função da regra, no im plexo quadro
normativo.
No processo de cognição da linguagem prescritiva de condutas, o
hermeneuta esbarra em numerosos entraves que a realidade jurídica mesma
lhe impõe. 0 primeiro obstáculo está cravado na própria matriz do direito. A
produção das normas de mais elevada hierarquia no sistema, que são gerais
e abstratas, está confiada aos parlamentos, casas legislativas de natural
heterogeneidade, p orquanto se pretendem . Com isso, a despeito dos

398
D I R t I T O TR IB U T Á R IO Q U E S T Õ E S A T U A IS

esforços na elaboração de uma linguagem técnica, dotada da racionalidade


suficiente para atingir padrões satisfatórios de eficácia social, a verdade é
que a mensagem legislada quase sempre vem penetrada de Imperfeições,
com problemas de ordem sintática e semântica, tornando muitas vezes difícil
sua compreensão pelos sujeitos destinatários. É neste ponto que a Dogmática
(Ciência do Direito em sentido estrito) cumpre papel de extrema relevância,
compondo os enunciados fre quentem ente dispersos em vários corpos
legislativos, ajeitando-os na estrutura lógica compatível e apontando as
correções sem ânticas sugeridas pela le itu ra c o n te x tu a l. Com tais
ponderações, a comunicação normativa flui mais facilmente do emissor ao
receptor, realizando os propósitos da regulação jurídica com mais clareza e
determinação.
Num segundo momento, depara-se o estudioso com uma realidade
juridicamente complexa. Analisando no contexto de uma visão sistemática,
onde as unidades normativas se interligam formando uma estrutura sintática;
onde há, inequivocamente, um referente semântico consubstanciado pela
região m a terial das condutas, p o n to de confluência das iniciativas
reguladoras do com portam ento intersubjetivo; e onde se verificam as
inesgotáveis manifestações dos fatores pragmáticos. Tudo isso, repito, traz
ao estudo do fenômeno jurídico complexidades imensas. Na qualidade de
exegeta, deve partir da literalidade do texto, e buscar as significações
sistêmicas, aquelas que retratam os específicos parâmetros instituídos pelo
sistema.
Do mesmo modo, a consistência material das regras há de encontrar
fu n d a m e n to no sistema, sob pena de não prevalecerem , vindo a ser
desconstituídas. Daí a tendência para cortar cerce o problema, ofertando
soluções simplistas e descomprometidas, como ocorre, por exemplo, com a
canhestra "interpretação lite ra l" das formulações normativas, que leva
consigo a doce ilusão segundo a qual as regras do direito podem ser isoladas
do sistema e, analisadas na sua com postura frásica, desde logo
"compreendidas". Vê-se o jurista, portanto, na contingência de consultar
diversos preceitos de um diploma e, até, a sair dele, fazendo incursões pelo
sistema.
Por fim, não nos esqueçamos de que a camada lingüística do direito
está imersa na complexidade do tecido social, cortada apenas para efeito de
aproxim ação cognoscitiva. O real, com a m u ltip lic id a d e de suas
determinações, só é suscetível de representação intuitiva, porém aberta
para receber inúmeros recortes cognoscitivos. Com tais ponderações, torna-
se hialina a afirmativa de que a partir de um mesmo evento, poderá o jurista
construir o fato jurídico; como também o contabilista, o fato contábil; e o
economista o fato econômico. Tudo, portanto, sob a dependência do corte
que se deseja promover daquele evento.

399
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

E quanto ao âmbito de compreensão desse fenômeno, retornando à linha


de raciocínio inicial, citem os que to d o s os fatos são construções de
linguagem, e, como tan to , são representações metafóricas do próprio
evento. Seguem a gramaticalidade própria do universo lingüístico a que
pertencem, o jurídico, quando constituinte do fato jurídico, ou o contábil,
por exemplo, quando construtores do fato contábil. As regras da gramática
cumprem função lingüística reguladora de um idioma historicamente dado.
Prescrevem a forma de combinação dos vocábulos e das expressões para
produzirm os oração, isto é, construção com sentido daquele universo
linguisticamente dado e não de outro. O direito, portanto, é linguagem
própria compositiva de uma realidade jurídica. Provém daí o nominar-se
Gramática Jurídica ao subconjunto das regras que estabelecem como outras
regras devem ser postas, modificadas ou extintas, dentro de certo sistema.
Posto isso, perceberemos que a construção do fato jurídico nada mais
é que a constituição de um fraseado normativo capaz de Justapor-se como
antecedente normativo de uma norma individual e concreta, dentro das
regras sintáticas ditadas pela gramática do direito, assim como de acordo
com os limites semânticos arquitetados pela hipótese da norma geral e
abstrata.
Há que inserir, neste caminho, relevante advertência: as palavras
componentes da frase "constitutiva de realidade jurídica" têm denotação: o
conjunto dos significados que representam o signo. Seus termos classificam
d icoto m ica m e n te os fatos em universos, estabelecendo as seguintes
categorias: a dos objetos representados e aqueloutra dos objetos por ele
não representados.
Tal ocorre com a expressão fato jurídico. Tem-se como certo, nos dias
de hoje, que o conhecimento científico do fenômeno social, seja ele qual
for, advém da experiência, aparecendo sem pre como uma síntese
necessariamente a posteriori. Na constituição do fato jurídico, a análise
relacionai entre a linguagem social e a linguagem jurídica, redutora da
primeira, sobrepõe-se a esse conhecim ento sinzetético, obtendo como
resultado um novo signo, individualizado no tempo e no espaço do direito e
recebendo qualificação jurídica: eis o fa to ju ríd ico. É, p orta n to , uma
construção de sobrelinguagem. Há duas sínteses: (i) do fenômeno social ao
fenômeno abstrato jurídico e (ii) do fenômeno abstrato jurídico ao fenômeno
concreto jurídico.
Adotados esses pressupostos, verificaremos que o termo ou expressão
ao adquirir o qualificativo "jurídico" não somente será representativo de
uma unidade do universo do d ire ito , como tam bé m d enotará seu
contraponto, isto é, todos os outros fatos linguisticamente possíveis de
serem construídos a p a rtir daquele mesmo evento, mas que não se
enquadram às regras sintáticas e semanticamente dadas pelo sistema de

400
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

linguagem do direito. A demarcação do objeto implica a delimitação do corte


de sua ciasse e, ao traçar esses limites o exegeta obtém como resultado
indireto a formação do conjunto dos fatos que não se qualificam como tal.
Trata-se de singela construção resultante da lógica, pois, no universo das
proposições normativas, “ p" (proposição) é diferente e oposto de "n-p" (não-
proposição), impedindo a quem se dispõe a conhecer o sistema incluir a
classe “ n-p" dentro do conjunto "p". São categorias que tomam o mesmo
universo, mas não se entrecruzam. Ou seja, de um mesmo evento pode-se
c o n s tru ir um fa to ju ríd ic o ou um fa to co ntá bil; mas um e o u tro são
sobrem aneira d ife re n te s , isso im pede de in scre ver o ú ltim o como
antecedente da norma individual e concreta, dado que representa unidade
carente de significação jurídica. O fato capaz de implicar o conseqüente
normativo haverá de ser sempre fato jurídico, mesmo que muitas vezes haja
situações nas quais num e noutro estejam presentes os mesmos conteúdos
denotativos. A partir desses dados é que poderemos demarcar o conjunto
dos fatos jurídicos, separando-o do conjunto dos fatos não-jurídicos, onde
se demoram os fatos econômicos, os fatos contábeis, os fatos históricos e
tantos outros quantas sejam as ciências que os constroem. 0 critério utilizado
para a separação desses dois domínios é justam ente a homogeneidade
sintática do universo jurídico.
Com tais considerações, cabe relembrar que todo conhecimento do
objeto requer cortes e mais recortes científicos, cuja função é simplificar a
complexa realidade existencial, delimitando o campo da análise. Não nos
esqueçamos que a camada lingüística do direito está imersa na complexidade
do tecido social, cortada apenas para efeito de aproximação cognoscitiva. 0
direito positivo é objeto do mundo da cultura e, como tal, torna árdua a tarefa
do exegeta em construir a plenitude de seus conteúdos de significação,
obrigando-o a reduzir a complexidade empírica, ora isolando ora selecionando
caracteres do dinâmico mundo do existencial. 0 objeto passa a ser uma
construção em linguagem feita pelo intérprete ao reduzir as características
próprias e imanentes daquilo que se toma do universo físico-social.
Eis uma barreira intransponível à concepção do "fato puro", seja ele
econômico, histórico, político, jurídico ou de qualquer outra qualidade que
se lhe pretenda atribuir. Tais fatos, como acrescenta Lourival Vilanova'*^®,
são elaborações conceptuais, subprodutos de técnicas de depuração de
ideias seletivamente ordenadas.
Pelo exposto, fica a ressalva de que não há fatos jurídicos puros ou
fatos econôm icos puros. Existem cortes de linguagem. Nós, juristas,
montamos a realidade jurídica que representa o corte. Desta maneira,

E s tr u tu r a s ló g ic a s e o s is te m a d o d i r e i t o p o s itiv o . São P aulo; N oe se s, 2 0 0 6 , p. 104.

401
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

construímos a interpretação jurídica. Nada disso impede que economistas


tomem a mesma base objetiva e produzam enunciados econômicos sobre
ela. Produzem-se, por sua vez, outros cortes sobre o mesmo acontecimento,
compondo novo signo. E a mesma coisa ocorre para o historiador, que
constitui o fato histórico; para o sociólogo, que constrói o fato sociológico,
entre tantos outros recortes que se possam produzir naquela realidade. À
confusão metodológica que se estabelece no instante do corte Becker
chamou de "mancebia irregular" do direito tributário com outras Ciências.
Aliás, foi precisamente pela pretensão de fixar como objeto a atividade
financeira do Estado, passando a examiná-la sob todos os ângulos possíveis
e imaginários, sem qualquer prioridade metodológica, que a Ciência das
Finanças rotundamente faliu, não mais existindo como disciplina nas grades
curriculares das Faculdades de Direito do Brasil.

Discorrendo acerca do modo de pensar algumas vezes irrefletido da doutrina


tradicional, também conhecida como "doutrina bem comportada do Direito
Tributário", Alfredo Augusto Becker esclarece:

Exemplo de carência de a titu d e m ental jurídica é a divulgadíssima


tese (aceita co m o coisa óbvia) que a firm a ser a hipótese de
incidência (“ fa to g e ra d o r" "fa to im ponfvel", "suporte fáctico")
se m p re um fa to eco n ô m ico . O u tro e x e m p lo atual é a m u lto
propagada d o u trin a da in te rp re ta ç ã o e aplicação do D ire ito
Tributário segundo a "realidade econômica do fe n ôm eno social".
Como se dem onstrará, ambas as teorias tê m com o resultado a
demolição da juridicidade do D ireito Tributário e a gestação de
um ser híbrido e teratológico: o D ireito T ributário Invertebrado"’^^

No âmbito dessas investigações, chegaremos à conclusão de que os


fatos, assim como toda construção de linguagem, podem ser observados
como jurídicos, econômicos, antropológicos, históricos, políticos, contábeis,
etc.; tu d o dependendo do c rité rio adotado pelo corte m etodológico
em preendido. Existe in te rp re ta çã o econômica do fato ? Sim, para os
economistas. Existirá interpretação contábil do fato? Certamente, para o
contabilista. No entanto, uma vez assumido o critério jurídico, o fato será,
única e exclusivamente, fato jurídico; e claro, fato de natureza jurídica, não
econômica ou contábil, entre outras matérias. Como já anotado, o direito
não pede emprestado conceitos de fatos para outras disciplinas. Ele mesmo
constrói sua realidade, seu objeto, suas categorias e unidades de significação.

Teoria G e r a l d o D ir e i t o T r ib u tá r io , 4^ e d ., São Paulo, M a r c ia l P o n s /N o e s e s , 2 00 7 , p. 17 (g rifo s d o


a u to r).

402
D IR E IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

4. Forma e Conteúdo

Que é o conteúdo de algo? Aquele que se depare com a pergunta:


"que é a federação brasileira?", poderia muito bem responder à indagação
com a frase "é a união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito
Federal", que consta do art. is da Constituição da República. Eis o conteúdo,
diria ele. Mas mesmo essa frase, terá ela também seu suporte físico, suas
marcas de tinta no papel (ou até mesmo pontos luminosos numa tela de
computador) que a encerram em uma forma. E não pode ser diferente: não
há maneira de ser senão pelo meio de uma forma.
Incisivas as palavras de Lourival Vilanova"'’ ®:

[...) Não há vida sem sê-lo em fo rm a . Já o corpo é a fo rm a -llm ite ,


que contrapõe o ser vivente ao seu conto rn o . Pouco im p o rta que
seja a mais ru d im e n ta r espécie de vida biológica: há sem pre um
c o n to rn o próprio, em face do m u n d o circundante. Sem isso, não
seria de um m icrocosm os im erso d e n tro do macrocosm os. A
vida social não escapa a essa c o n g ê n ita presença da fo rm a .
Apenas há um pluralism o de fo rm as m odeladoras da existência
social. O d ire ito pré-político, ou a sociedade jurid ica m e n te sem
Estado é, historicam ente, a p ro to fo rm a . Depois, vem o Estado e
dá-se a politizaçao do d ire ito , form a mais pote n te para co n te r a
m u ltip lic a ç ã o dos fa to re s sociais.

A prevalência do conteúdo sobre a forma é mais um dentre muitos


falsos problemas de que perturbam a compreensão do direito positivo. Isso
porque forma e conteúdo não são aspectos separáveis a ponto de tornar-se
possível p re te rir um em favor do outro, são dimensões de um objeto
incindível. Com propriedade, o escritor e crítico literário José Veríssimo: "a
form a é o fundo aparecendo". E não há outro jeito de se conhecer, descer às
entranhas do significado atribuindo-lhe significação, senão pela contato com
a forma com que se apresente o signo.
A expressão de São Paulo "o letra mata, mas o espírito
longe de refutar, o argumento reforça a importância da forma. Inexiste outro
meio de travar contato com um objeto senão pela forma, porquanto, diante
dela, não bastará a aproximação via intuição sensível: é preciso que haja
esforço do sujeito cognoscente para apreendê-lo e, assim, vMficá-lo em seu
espírito. Com outras palavras: é necessário interpretar a forma para outorgar-
lhe conteúdo.

o P o d e r d e J u lg a r e o N o r m a . In: E s c rito s J u r íd ic o s F ilo s ó fic o s , v . l . São P a u lo : IBET/A xis M u n d i,


2 0 0 3 . p .3 5 8 .
2 C o rín tio s 3:6 .

403
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

O conhecimento somente faz-se presente quando exterlorizado e,


para que possa romper as fronteiras do mundo intrasubjetivo, objetivando-
se, tornar-se-á imprescindível exprimir o sabido. Vertendo-o numa forma.
Assim também no direito, como já dizia Pontes de Miranda'*®®:

Todos os fatos jurídicos tê m conteúdo e form a. Mas só a forma


dos atos jurídicos é relevante para o d ireito. Qualquer que seja
a form a com que se m orre, o que im p o rta é o fa to da m orte,
com o só im p o rta o fa to do nascim ento ou o a to-fato da tom ada
de posse ou do pagam ento. Enquanto a v o n ta d e perm anece
íntim a, não-exteriorizada, não interessa ao direito.

Ao atribuir conteúdo, dá-se vida à forma e pela ação de interpretar, a


form a passa a im plicar um conteúdo. Mas form a a que não se atribua
conteúdo não pode aspirar ao status de signo, com o que o conteúdo, sempre
que seja objeto de enunciação, também implica forma. Insta dizer então:
num signo qualquer, forma e conteúdo coexistem e, mais que isso, se co-
implicam.
A forma é a um só tempo, a porta que nos dá acesso ao plano do
conteúdo e também é a saída para o domínio da intersubjetividade. Um
dicionário, por exemplo, ao explicitar o conteúdo de uma palavra qualquer,
não tem outro meio de fazê-lo senão pelo emprego de outros termos,
indubitavelmente formas para outros conteúdos. Assim também o fez o
Poder Constituinte ao grafar já no art. is uma definição de Federação. Tanto
na definição lexical de um verbete, como naquela estipulativa do direito,
vê-se logo que o conteúdo de um signo somente pode fazer-se aparente -
intersubjetivo - pelo emprego de outro signo e, com isso, mostram-se forma
e conteúdo unidos, inseparavelmente.
E que dizer então daquilo que está implícito, como os chamados
princípios implícitos? Como dizia Gomes Canotilho'^^^ ao citar como exemplo
0 princípio do procedimento justo (due process), arremata: "Este princípio
nõo está enunciado tinguisticamente; nao tem disposição, mas resulta de
várias disposições constitucionais {...)". Ora, se resulta de várias disposições
constitucionais, assenta-se não em um enunciado apenas, mas em vários.
Sucede que as construções de sentido têm de p a rtir da instância dos
enunciados lingüísticos, independentemente do número de formulações
expressas que venham a servir-lhe de fundamento.

PONTES DE M IR A N D A , Francisco C avalcanti. T ra ta d o d e D ir e ito P riv a d o , v.3. Rio d e J a n e iro : Borsoi,


1962, p .349.
C ANOTIL HO, J.J. D ir e i t o c o n s t it u c io n a l e t e o r ia d a C o n s titu iç ã o , 4 * e d , C o im b r a , A lm e d in a , 2000,
p. 2 0 8 .

404
D IRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES ATUAIS

Insta perceber que, mesmo quando se diga estar diante de uma ideia
implícita no texto, não se está a contemplar algo amorfo, ou aformal, como
escrevera Pontes de Mlranda^®^:

Se a form a, po r palavras ou atos, não é explícita, pode explicitar-


se p o r i n t e r p r e t a ç ã o a in d a que se h a ja m de in v o c a r
m a n ife s ta ç õ e s a n te r io re s de fo rm a s d ife re n te s , ou o u tra s
circunstâncias. Aí não se está a com ple m e n ta r o form al com o
aform al, mas sim a in te rp re ta r o to d o form a l. O fito é apenas de
se descobrir o sentido, com o se.

Mesmo o conhecimento daquilo que está "im p líc ito " faz-se pelo
contato com formas que o “explicitam" ou intérprete que, em sua enunciação
daquilo que construiu, haverá de referir-se ao conjunto de formas das quais
se valeu para construir seu enunciado.
Insisto que ao definir um conceito qualquer, não se produz somente
conteúdo, estar-se-á diante de uma forma, porque sem elas não é possível
travar contato com o objeto. Assim a aporia forma e conteúdo, mostra-se,
em verdade, relação entre uma e outra forma. É forma o termo república
federativa, como também o é sua definição no art. 15 da Constituição da
República. E da mesma natureza é o cotejo da forma produzida em uma
alteração de contrato ou estatuto social de uma sociedade empresarial com
aquela outra que diz o FISCO ser a "substância econômica do negócio".
Se há situações em que as formas põem-se em acordo mútuo, como
no caso das definições (mesmo aquelas chamadas estlpuiativas), haverá
ocasiões em um domínio lingüístico nas quais se verifique o conflito. Nesses
casos, é necessário que existam regras do próprio sistema para orientar a
decisão do interprete sempre que da divergência resultar a dúvida sobre
qual deve prevalecer.

5 . 0 Subsistema Constitucional Tributário e os princípios que orientam


a atividade interpretativa: estrita legalidade e tipicidade tributária

O conceito de sistema incide em todas as regiões ônticas: no mundo


dos objetos naturais, ideais, metafísicos e culturais. Falamos em sistema
nervoso, sistema solar, sistema social, sistema jurídico e outros mais. Aquele
que particularmente nos interessa é o sistema jurídico, locução referente
tanto ao direito positivo quanto à Ciência encarregada de sua descrição.

PONTES DE M IR A N D A , Francisco C ava lcan ti. Tra ta d o d e D ir e ito P riv a d o , v.3. Rio d e J a n e iro : Borsoi,
1 9 6 2 , p .3 4 9

405
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

Da concepção global de sistema jurídico-positivo, tomada a expressão


como conjunto de normas associadas segundo critérios de organização
prescritiva, e todas elas voltadas para o campo material das condutas
interpessoais, extraímos o subsistema das normas constitucionais e, dentro
dele, outro subsistema, qual seja o subsistema constitucional tributário.
Pode-se dizer, ainda que em traços largos e sobremodo abrangentes, serem
suas unidades integrantes as normas constitucionais relacionadas, direta ou
indiretamente, à matéria tributária.
0 subsistema do qual falamos é fortemente marcado por enunciados
de cunho axiológico, revelando a orientação do legislador constituinte em
impregnar as normas de inferior hierarquia com uma série de conteúdos de
preferência por núcleos significativos.
0 primeiro é o cânone da legalidade, projetando-se sobre todos os
domínios do direito e inserido no art. 5“, II, do Texto Constitucional vigente:
"ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senõo em
virtude de lei". No setor do direito tributário, porém, esse imperativo ganha
feição de maior severidade, por força do que se conclui da leitura do art.
150, I, do mesmo diploma: "sem prejuízo de outras garantias asseguradas
ao contribuinte, é vedado à Unido, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça". Em outras
palavras, qualquer das pessoas políticas de direito constitucional interno
somente poderá in s titu ir trib u to s, isto é, prescrever a regra-matriz de
incidência, ou aumentar os existentes, majorando a base de cálculo ou a
alíquota, mediante expedição de lei.
Quadra advertir que a mensagem não é dirigida somente ao legislador
das normas gerais e abstratas, mas, igualmente, ao administrador público,
ao juiz e a todos aqueles a quem Incumba cumprir ou fazer cumprir a lei. No
desempenho das respectivas funções, a todos se volta o mandamento
constitucional, que há de ser cumprido. Qualquer tipo de imposição tributária
a se instituir há de curvar-se aos ditames desse primado, conquista secular
dos povos civilizados que permanece como barreira intransponível para os
apetites arrecadatórios do Estado-Administração.
O mesmo cabe d izer das demais regras im positivas de
c o m p orta m e nto s aos c o n trib u in te s . Em linha de princípio, o veículo
in tro d u to r da norma tributária no ordenam ento há de ser sempre a lei
{sentido lato). O princípio da estrita legalidade, todavia, vem acrescer os
rigores procedimentais em matéria de trib u to , dizendo mais: estabelece
que a lei adventícia traga, no seu bojo, os elementos descritores do fato
jurídico e os dados prescritores da relação obrigacional. Esse plus caracteriza
a tipicidade tributária.
A tipicidade tributária significa a exata adequação do fato à norma, e,
por isso mesmo, o surgimento da obrigação se condicionará ao evento da

406
D I R E I T O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

subsunçâo, que é a plena correspondência entre o fato jurídico tributário e


a hipótese de incidência, fazendo surgir a obrigação correspondente, nos
exatos te rm o s previstos em lei. Não se v e rific a n d o o p e rfe ito
enquadramento do fato à norma, inexistirá obrigação trib u tá ria . Nesse
percurso, ou ocorre a subsunção do evento relatado à regra, ou não ocorre,
afastando-se terceira possibilidade. Perfaz-se aqui a eficácia da lei lógica do
terceiro excluído: a proposição "p" é verdadeira ou falsa, inadmitindo-se
situação intermediária.
Por outro lado, ocorrido o fato, a relação obrigacional que nasce há de
ser exatamente aquela estipulada no conseqüente normativo. Em síntese:
sem lei a n te rio r que descreva o fato im ponível, não nasce obrigação
tributária (princípio da legalidade); sem subsunção do evento descrito à
hipótese normativa, também não surge obrigação tributária (princípio da
tipicidade); e havendo previsão legal e a correspondente subsunção do fato
à norma, os elementos do Name jurídico irradiado devem eqüivaler àqueles
prescritos na leí (principio da tipicidade). São condições necessárias para o
estabelecimento de vínculo tributário válido.
O desrespeito a esses cânones fulminará, decisivamente, qualquer
pretensão de cunho tributário.

5.1 Comentários adicionais acerca da tipicidade e do caráter vinculado


da tributação

Como já anotei, o exercício do poder impositivo-fiscal, no Brasil,


encontra-se orientado por uma série de diretrizes, dirigidas especialmente
para organizar as relações que nesse setor se estabelecem. São os chamados
"princípios constitucionais tributários", na maioria explícitos, e aos quais
deve submeter-se a legislação in fra con stitucio n al, quando o tem a da
elaboração normativa seja a instituição, administração e cobrança de tributos.
Pois bem, entre tais comandos, em posição de indiscutível preeminência,
situa-se o prin cípio da tip icid a d e trib u tá ria , d e fin id o como a estrita
necessidade de que a lei adventícia traga no seu bojo, de maneira expressa
e inequívoca, os elem en tos descritore s do fa to ju ríd ic o e os dados
prescritores da relação obrigacional.
A aplicação do princípio exige, como se verifica, que os agentes da
Administração, no exercício de suas funções de gestão tributária, indiquem,
pormenorizadamente, todos os elementos do tipo normativo existentes na
concreção do fato, além dos traços jurídicos característicos da conduta ilícita.
De outra parte, o princípio da vinculabilidade da tributação, recortado
do Texto Supremo e inserido no art. 142 do Código Tributário Nacional, traduz
uma conquista no campo da segurança dos administrados, em face dos
poderes do Estado Moderno, de tal forma que o exercício da administração

407
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

trib u tá ria encontra-se tolhid o , em qualquer de seus movimentos, pela


necessidade de aderência total aos termos inequívocos da lei, não podendo
abrigar qualquer resíduo de subjetividade própria dos atos de competência
discricionária.
Por isso é que no procedimento administrativo de gestão tributária
não se p e rm ite ao fu n c io n á rio da Fazenda o em prego de recursos
imaginativos. Para tanto, a mesma lei reguladora do gravame, juntamente
com outros diplomas que regem a atividade administrativa, oferece um
quadro expressivo de providências, com expedientes das mais variadas
espécies, tu d o com o escopo de p ossibilitar a correta fiscalização do
cumprimento das obrigações e deveres estatuídos.
É imprescindível que os agentes da Administração, incumbidos da
constituição da obrigação tributária, ao relatarem o fato jurídico tributário,
demonstrem-no por meio de linguagem admitida pelo direito. Assim se diz
que as provas da ocorrência factual devem ser aptas para certificar a
ocorrência do evento narrado: comprovar a legitimidade da norma individual
e concreta que documenta a incidência trib u tá ria significa prom over a
verificação de que o acontecim ento fático narrado e a relação jurídica
Instaurada mantêm estrita correspondência com as provas montadas e
apresentadas m ediante form as lingüísticas selecionadas pelo d ire ito
positivo.

6. 0 princípio da autonomia da vontade

No exercício da atividade de fiscalização, compete à autoridade


administrativa investigar os fatos ocorridos, colhendo, com observância às
regras pertinentes ao d ireito das provas, elementos que possibilitem a
fo rm u la çã o de juízo q uanto à incidência das normas trib u tá ria s . Ao
desempenhar tal função, porém, deve ater-se a apurar os fatos praticados,
averiguando se estes preenchem as linhas definitórias circunscritas na
hipótese normativa: havendo o perfeito enquadramento, nasce a obrigação
tributária, mediante seu relato na linguagem prevista pelo direito positivo;
existindo algum ponto dissonante, a percussão jurídica fica obstada.
As considerações acima formuladas são de extrema relevância, pois
em virtude do princípio da autonomia da vontade, que viceja no âmbito do
D ireito Privado, pode o particula r adotar as mais variadas estruturas
negociais. Para atingir o resultado econômico pretendido, está habilitado a
escolher livremente o arcabouço negociai que melhor lhe aprouver, de forma
que os custos sejam reduzidos e os lucros multiplicados.
A títu lo de exem plo, são inegavelm ente lícitas as a titu d e s dos
contribuintes que objetivem à reestruturação e reorganização de seus
negócios. A própria Constituição da República, ao garantir o direito de

408
DIRE IT O T R IB U T Á R IO ' QUESTÕES ATUAIS

propriedade (art. 59, XXII) e o pleno direito ao exercício da autonomia da


vontade (art. 5^, IV, IX, XIII, XV e XVII; e art. 170 e seus incisos), dentre os
quais se encontra a liberdade contratual, confere ao contribuinte a permissão
para ordenar-se do modo que entender mais vantajoso, segundo o princípio
da livre iniciativa.
Consignadas tais anotações, impõe-se o registro segundo o qual,
prevendo a norma tributária, em sua hipótese, "tipo estrutural", somente
poderá ser aplicada com a ocorrência do negócio jurídico nela previsto. A
prática de negócio jurídico diverso, ainda que permita atingir resultado
econômico parecido, não autoriza à autoridade adm inistrativa lavrar o
lançamento, constituindo crédito tributário. A supremacia da segurança
jurídica nas relações entre Estado e indivíduo determ ina a tendência
conceptual classificatória no Direito Tributário, representada pelo princípio
da tipicidade cerrada, impedindo a juridicização de fatos outros que não
aqueles estipulados no antecedente da regra-matriz de incidência.
A opção negociai feita pelo contribuinte, para melhor operacionalizar
o desempenho de suas atividades, não pode ser desconsiderada pela
autoridade administrativa, para fins de tributação. 0 desprezo pela forma
adotada encontra óbice intransponível na legalidade tributária e na tipicidade
fechada.
Ademais, como já insistia Alfredo Augusto Becker''^^

[...] a d outrina da Interpretação do D ireito Tributário, segundo a


re a lid a d e e c o n ô m ic a , é filh a d o m a io r e q u ív o c o q u e te m
im pedido o D ireito Tributário de e voluir com o ciência jurídica.
Esta doutrin a , inconscientem ente, nega a utilidade do d ireito,
p o rquanto destrói precisamente o que há de jurídico de n tro do
D ire ito Tributário.

Em face da ta x a tiv id a d e da tip o lo g ia trib u tá ria , à a uto rid a d e


adm inistrativa não resta espaço para valoração econômica acerca dos
negócios praticados. 0 tipo estrutural exige, para que se efetue a subsunção,
que a parcela da realidade a qual se pretende tributar corresponda a exata
qualificação jurídica prevista na hipótese normativa. Se, em virtude dos
princípios da autonomia da vontade e da livre iniciativa, o fato for reputado,
pelo Direito Privado, como diverso daquele descrito no antecedente da
regra-matriz, não há que se falar em surgimento da obrigação tributária.
Inadmissível a desconsideração das formas adotadas pelo particular para,
usando critérios meramente econômicos, sujeitá-lo, à tributação, como se
diversa fosse a forma negociai por ele praticada.

Ob. cit., p. 130,

409
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

7. A figura da "simutação" no direito brasileiro

Uma coisa é eleger forma menos onerosa para o desempenho, pelo


particular, de suas atividades. Outra, bem diferente, é agir com malícia, no
intuito de prejudicar terceiros. Enquanto na primeira hipótese tem-se ato
lícito, cuja desconsideração é inconcebível, a segunda encontra-se no campo
da ilicitude, sendo repudiada pelo ordenamento jurídico.
0 Código Civil, ao regular o assunto, dispôs no art. 167, §19, sobre as
hipóteses em que se considera simulado o negócio jurídico:

§ 12 Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:


I - aparentarem co n fe rir ou tra n s m itir direitos a pessoas diversas
daquelas às quais realm ente se conferem , ou tra nsm item ;
II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não
verdadeira;
III - os in s tru m e n to s particulares fo re m antedatados, ou pós*
datados.

"Simular" significa disfarçar uma realidade jurídica, encobrindo outra


que é efetivamente praticada. Nas palavras de Marcos Bernardes de Mello'*®^,
"o que caracteriza a simulação é, precisamente, o ser não-verdadeira,
intencionalmente, a declaração de vontade. Na simulação quer-se o que
não aparece, não se querendo o que efetivamente aparece".
Além disso, para que o ocultamento da realidade seja considerado
defeito, é imprescindível haver intenção de prejudicar terceiros ou de violar
disposição de lei, isto é, dolo.
A simulação é, em síntese, uma declaração enganosa da vontade,
visando a produzir efeito diverso daquele que a declaração real da vontade
acarretaria. Nas palavras de Orlando Gomes''®^ ocorre a simulação quando
"em um negócio jurídico se verifica intencional divergência entre a vontade
real e a vontade declarada, com o fim de enganar terceiros". No negócio
simulado, as partes fingem um negócio que na realidade não desejam.
Aplicando esses conceitos ao campo do Direito Tributário, conclui-se
que os atos tendentes a ocultar ocorrência de fa to jurídico trib u tá rio
configuram operações simuladas, pois não obstante a intenção consista na
prática do fato que acarretará o nascimento da obrigação de pagar tributo,
este, ao ser concretizado, é mascarado para que aparente algo diverso do
negócio praticado pelas partes.

Teoria d o f a t o j u r í d i c o : p la n o d a v a lid a d e , e d ., São P aulo: Saraiva, 1997, p. 153.


I n t r o d u ç ã o a o e s tu d o d o d ir e ito , 7 * ed., Rio d e J a n e iro : Fo re nse , 1983, p. 374.

410
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Por outro lado, a celebração de negócio jurídico válido, cuja escolha


decorre da autonomia da vontade e livre iniciativa do particular, implicando
a ausência de subsunção do fato à norma trib u tá ria ou acarretando o
quadramento à norma tributária que prescreva exigências menos onerosas,
é perfeitamente lícita e não susceptível de desconsideração pela autoridade
adm inistrativa . Isso porque, como te n h o re ite rad a m e nte afirm ado, a
realidade jurídica é constituída pelo próprio direito: este prevê a forma e a
linguagem a ser adotada para que se tenha determinado fato ou não. Dessa
maneira, havendo preferência por certa forma, é inaceitável que esta seja
ignorada pela simples razão de seu resultado econômico vir a ser semelhante
ao de outra forma, diferençadamente tributada.
Pelo exposto, depreende-se que, te n d o a obrigação trib u tá ria
nascimento apenas se e quando o corrido o fa to previsto na hipótese
normativa, quaisquer atos do contribuinte que impliquem a verificação de
fato distinto daquele previsto pela legislação tributária impedirão, também,
o surgimento da respectiva obrigação. Esse modo de agir é lícito, não podendo
ser ignorado pelo FISCO. Tão só na hipótese de, já ocorrido o fato jurídico
trib u tá rio , v ir este a ser ocultado, m ediante atos simulados, é que a
fiscalização estará diante de autênticas "operações simuladas", susceptíveis
de serem desconhecidas para fins de tributação e imposição de penalidades.
Apenas as operações do contribuinte que mascarem determinada
transação jurídica, ocultando, por formas artificiosas, a realidade do direito,
co nfig u ram "operações sim uladas". Sucede, p or exem plo, quando o
comerciante registra a venda da mercadoria por uma quantia inferior àquela
realmente cobrada, objetivando reduzir o montante do ICMS a ser pago, ou
quando as partes, ao firmarem contrato, fixam remuneração em valor inferior
àquele acordado, com vistas a om itir receitas. Em ambos os casos, há duas
formas: uma aparente, outra dolosamente oculta.
Para que haja simulação é necessário, portanto: (i) conluio entre as
partes; (ii) divergência entre a forma do negócio praticado pelas partes e a
forma do negócio por elas declarado; e (iii) intenção de lograr o FISCO.Se
não há comprovado qualquer espécie de desvio jurídico na declaração de
vontade dos partícipes, ela é real, verdadeira e efetiva, condizente, portanto,
com a vontade das partes. Inexiste, consequentemente, o objetivo de burlar
o FISCO ou de ocultar a ocorrência de fato jurídico tributário, mas a finalidade
de praticar negócios lícitos, para reduzir custos e aum entar a eficiência
administrativa dos sujeitos envolvidos.

7.1. Interpretação dos atos praticados pelo contribuinte - a iilcitude


como requisito para desconsideração do negócio jurídico

A interpretação dos negócios jurídicos, bem como os efeitos deles


decorrentes, há de ser feita segundo as prescrições do direito posto. E a

411
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

legislação brasileira não admite sobreposição do conteúdo econômico em


relação à forma. Mesmo porque o conteúdo econômico é ele uma forma,
recortada do contínuo da realidade social segundo critérios próprios da
ciência econômica e não de acordo com os traços apontados pelo direito
positivo como aptos à produção de efeitos na realidade jurídica. Apenas
uma forma jurídica pode se sobrepor a outra e tão somente quando o direito
assim o determinar. Se lícito o ato, não pode ele ser desconsiderado pela
autoridade administrativa, com o tão só argumento de que implicaria menor
carga tributária.
Sem dúvida, é legítima a técnica de organização preventiva dos
negócios jurídicos a serem praticados, visando à economia de tributos. Com
maior razão, é admissível a realização de atos que, além da redução de carga
tributária, venham revestidos de propósito negociai.
A Lei Complementar n^ 104^001 acrescentou o parágrafo único ao art.
116 do Código T rib u tá rio Nacional, d ispo n do que "a a u to rid ad e
administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados
com a finalidade de dissimular a ocorrência do fa to gerador do tributo ou a
natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados
os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária". É de ver que
re fe rid o pre ceito não in tro d u z iu alteração alguma no o rd e n a m e n to
brasileiro, uma vez que este já autorizava a desconsideração de negócios
jurídicos dissimulados, a exemplo do disposto no art. 149, VII, do Código
Tributário Nacional.
0 enunciado acima transcrito veio apenas a ratificar regra existente
no direito pátrio. Todavia, necessário se faz enfatizar a recomendação acerca
do cuidado que se deve ter para não ampliar demasiadamente a aplicação
do comentado parágrafo único, vindo a considerar dissimulado negócio
jurídico lícito, pelo simples fato de acarretar vantagens de ordem tributária.
Neste último caso, as partes celebram negócio que, não obstante importe
redução ou eliminação da carga tributária, é legal e, dessa maneira, válido,
diferentemente dos atos dissimulados, consistentes na ilegal ocultação da
ocorrência do fato jurídico tributário. 0 parágrafo único do art. 116 do Código
Tributário Nacional não veio para impedir negócios tendentes a redução de
carga tributária; nem poderia fazê-lo, pois o contribuinte é livre para escolher
o ato que p re tende realizar, acarretando, co n fo rm e sua escolha, o
nascimento ou não de determinada obrigação tributária.
Demais disso, em face do princípio da estrita legalidade e da tipicidade
fechada, que já foram objeto de análise em tópico anterior, somente haverá
tributação se o fato concretizado guardar quadramento com a hipótese da
regra-matriz de incidência. Consequentemente, apenas os atos fraudulentos,
praticados com o único intuito de ocultar o verdadeiro negócio efetivado,
mascarando o fa to ju ríd ic o , são suscetíveis de desconsideração pela

412
OIREirO T R I B U T Á R I O : QUESTÕES A T U A IS

autoridade fiscal, com a correspondente lavratura do auto de infração. É o


que prescreve expressamente a legislação brasileira, a qual, ao delimitar o
conceito de simulação, exige a presença do dolo e a prática de ilícitos.
Vejamos o que dispõem os arts. 71, 72 e 73 da Lei nS 4.502/64, que
disciplinam as figuras da sonegação, fraude e conluio:

Art. 71. Sonegação é toda ação ou omissão dolosa tendente a


impedir ou retardar, total ou parcialmente, o conhecimento por
parte da autoridade fazendária;
I - da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária
principal, sua natureza ou circunstâncias materiais;
II - das condições pessoais de contribuinte, suscetíveis de afetar
a obrigação tributária principal ou o crédito tributário
correspondente.
Art. 72. Fraude é toda ação ou omissão dolosa tendente a impedir
ou retardar, total ou parcialmente, a ocorrência do fato gerador
da obrigação tributária principal, ou a excluir ou modificar as
suas características essenciais, de modo a reduzir o montante
do imposto devido, a evitar ou a diferir seu pagamento.
Art. 73. Conluio é o ajuste doloso entre duas ou mais pessoas
naturais ou jurídicas, visando qualquer dos efeitos referidos
nos arts. 71 e 72.

Nota-se que as figuras da sonegação e da fraude estão relacionadas


com a ocultação da realidade: pratica-se ato ensejador o nascimento da
obrigação tributária, mas impede-se o FISCO de tom ar conhecimento do
pactuado, seja mediante condutas mascaradoras do negócio realizado
(simulação), seja por meio de atitudes que, ilicitamente, modifiquem ou
excluam os caracteres do fato (fraude). 0 conluio, por sua vez, caracteriza-
se exatam ente pelo acordo entre duas ou mais pessoas, com vistas a
concretizar atos simulatórios ou fraudulentos.
Para que seja admissível a autuação fiscal, desconsiderando o negócio
jurídico praticado, não basta serem os efeitos econômicos de tal prática
semelhantes aos de ato diverso, mas passível de tributação. É imprescindível
que tenha havido ilicitude em tal realização, nos exatos termos dos arts. 71,
72 e 73, acima transcritos.

7.2. Imprescindibilidade do elemento subjetivo "dolo" para configurar


simulação

Tomadas as infrações trib u tá ria s na sua extensa generalidade,


podemos fixar o critério da participação subjetiva do agente na descrição
hipotética da norma e classificá-las em (i) infrações subjetivas e (ii) infrações
objetivas. Para que as primeiras se configurem, faz-se necessário que a lei

413
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

exija do autor do ilícito o haver operado com dolo ou culpa, esta, em qualquer
de suas três modalidades. No que atina às objetivas, a singela ausência do
elemento volitivo na composição da hipótese normativa já denuncia sua
presença. Nestas últimas, não é preciso apurar o comportamento subjetivo
do agente ao realizar o ilícito: tenha ele pretendido o resultado ou assumido
o risco de p ro du zi-lo , tenha descurado dos e fe ito s de sua conduta,
procedendo com negligência, imperícia ou imprudência, ou, finalmente, se
nada aconteceu, mas o resultado se verificou concretamente, basta para se
definir o vulto jurídico da infração objetiva.
Ainda que o princípio geral, no campo das infrações tributárias, seja o
da responsabilidade objetiva, o legislador não está tolhido de criar figuras
típicas de ilícitos subjetivos. São elas a sonegação, a fraude e o conluio, além
daquelas em que se elege a culpa como ingrediente necessário do tipo legal,
aplicando-se penalidade mais severa, exatamente em virtude da presença
do elemento subjetivo. Para que se configure a fraude, o agente deve atuar
de maneira dolosa. Consequentemente, Identificado esse ilícito, a multa é
agravada, dado o repúdio com que são tratadas as figuras onde o infrator age
com intenção de se locupletar indevidamente, em prejuízo do Erário.
A distinção entre infrações objetivas e subjetivas abre espaço à larga
aplicação prática. Tratando-se das primeiras, o único recurso de que dispõe
o suposto autor do ilícito, para defender-se, é concentrar razões no sentido
de demonstrar a inexistência material do fato acoimado de antijurídico,
descaracterizando-o em qualquer de seus elementos constituintes. Agora,
no setor das infrações subjetivas, em que penetram o dolo ou a culpa na
compostura do enunciado descritivo do fato ilícito, a situação inverte-se,
competindo à autoridade administrativa, com toda a gama instrumental dos
seus expedientes, exibir os fundamentos concretos reveladores da presença
do dolo ou da culpa, como nexo entre a participação do agente e o resultado
material que dessa forma se produziu. Os embaraços dessa comprovação,
nem sempre fácil, incumbem ao acusador, a quem o sistema atribui a tarefa
intransferível de evidenciar não só a m aterialidade do evento, como,
também, a presença inafastável do elem ento volitivo que propiciou ao
infrator atingir seus fins contrários às disposições da ordem jurídica vigente.
É com base em tais argumentos que se predica a inadmissibilidade
das presunções no que tange às infrações subjetivas. No direito brasileiro,
dolo e a culpa não se presumem: provam-se.

8. Requisitos para a realização do lançamento e para a aplicação das


sanções em face de operações simuladas: existência de provas

No hemisfério do direito, o uso competente da linguagem pressupõe


a manipulação adequada dos seus signos e, em especial, a simboiogia que

414
D I R E I T O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

diz respeito às provas, isto é, à técnica que o direito elegeu para articular os
enunciados fáticos com os quais opera. De ver está que o discurso prescritivo
do direito posto indica, fato por fato, os instrumentos credenciados para
constituí-los, assim os acontecimentos do mundo social que não puderem
ser relatados com tais ferramentas de linguagem não ingressam nos domínios
do direito, por mais evidentes que sejam.
Com efeito, surge como o u tro requisito indispensável à perfeita
configuração das hipóteses de incidência trib u tá ria , assim como da
simulação, a existência de provas aptos a atestar a vontade do agente de
criar situação ludibrlante para evitar que se conheça a ocorrência do evento
capaz de ensejar efeitos trib u tá rio s. Somente com a demonstração da
evidente intenção de fraudar é que será possível desencadear as normas
previstas pela legislação para coibir as práticas de burla à legislação fiscal.
Vale, nesse caso, reiterar a afirmação: não se adm item presunções ou
suposições no tocante à configuração de fraude, dolo e simulação, pois são
atos que dependem da vontade do agente.
Convém anotar que durante muitos anos foi admitida a tese segundo
a qual o ônus da prova, em matéria fiscal, era incumbência do contribuinte.
Com a evolução da doutrina, nos dias de hoje, não se apregoa mais a inversão
da prova por força da presunção de legitimidade dos atos administrativos e
tampouco se pensa que esse atributo exonera a Administração de provar as
ocorrências cuja existência é afirmada. Na própria configuração oficial do
lançamento, a lei institui a necessidade de que o ato jurídico administrativo
seja devidamente fundamentado, é dizer que o FISCO tem de oferecer prova
concludente da ocorrência do evento em estrita conformidade da previsão
genérica da hipótese normativa. Seguindo adiante, vindo o sujeito passivo
contestar a fundamentação do ato aplicativo lavrado pelo FISCO, o ônus de
exibir a improcedência dessa iniciativa impugnatória volta a ser, novamente,
da Fazenda, a quem co m p etirá p ro var o desca b im e nto ju ríd ic o da
impugnação, fazendo remanescer a exigência. Vê-se, no fundo, que é função
precípua do Esta d o-A d m in istra çã o em p reg a r a linguagem ju ríd ica
competente na produção dos atos de gestão tributária. 0 pressuposto de
fato da Incidência há de ser relatado de maneira transparente e cristalina,
com suporte nas provas admissíveis nesse setor do direito, para que possa
prevalecer, surtindo os efeitos de estilo, quais sejam os de constituir o vínculo
da obrigação, atrelando o particular ao FISCO, em termos da satisfação do
objeto prestacional.
Supor que um fato tenha acontecido ou que sua materialidade tenha
sido efetivada, porém, não é o mesmo que exibir a concretude de sua
existência, mediante prova, conferindo-lhe segurança e certeza. Esse o
motivo por que, no Direito Tributário, os recursos à presunção devem ser
utilizados com muito e especial cuidado. Nesse subdomínio jurídico, não

415
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT UAIS

deve a presunção ser concernente aos aspectos estruturados da norma de


incidência tributária.
Se levarmos em consideração os valores máximos abrangidos por nosso
Texto C onstitu cio na l, p rin c ip a lm e n te em te rm o s de trib u ta ç ã o , que
respaldam os cânones da legalidade e da tipicidade, torna-se extremamente
problem ático captar a figura da presunção, sempre fé rtil para suscitar
imprecisão, dubiedade e incerteza.
0 indício não é suficiente para acarretar a presunção da ocorrência de
determinado fato, sendo apenas o pretexto jurídico que autoriza a pesquisa,
na busca das provas necessárias. Juridicamente verificados os indícios,
servirão eles de ponto de partida para a procura daquilo que se chama
"verdade dos fatos", o que há de ser efetivado mediante a utilização dos
meios de prova em direito admitidos. O caminho seguro que os agentes do
Poder T ributante devem seguir, no se ntid o de manter-se d en tro dos
parâmetros do sistema constitucional trib u tá rio brasileiro, aponta para o
afastam ento de hipóteses presuntivas, ta n to quando diga respeito ao
acontecimento do fato jurídico como nas situações de infrações tributárias.
No procedimento administrativo de gestão tributária, é imprescindível
a cabal demonstração de causalidade entre o fato observado, considerado
como indício, e a efetiva existência do ato infrator. Em outras palavras, não
pode haver sombra de dúvida sobre a concreção do fato que dá causa à
autuação administrativa, sendo Inadmissível adotar a figura da presunção,
tendo em vista que esta consiste no processo lógico em que de um fato
conhecido infere-se fato desconhecido e, portanto, incerto.

9. Considerações Finais

Traçadas algumas ideias que julgo de grande importância para o tema,


penso ter demonstrado que a dícotomia entre forma e conteúdo não pode
ser resolvida com a prevalência de um sobre o outro.
A cada domínio de linguagem há de corresponder a forma que lhe é
própria e capaz de explicitar os conteúdos relevantes segundo as regras de
combinação e seleção dos signos para a formação dos enunciados. Também
assim no direito, que deve valer-se das regras apropriadas à construção de
seus fatos, desprezando tud o aquilo que não houver sido juridicizado.
Portanto, mostra-se inadequado o emprego de técnicas como a chamada
interpretação ecor\ômica do direito.
Quero dizer também que todo tipo é uma forma, assim também a
norma esquematizada na Regra-Matriz de Incidência Tributária. Quadrar
aquilo que foi vertido em linguagem sob uma forma, transmutando-o em
outra forma é fazer nova operação de subsunção, submetendo-se a todos os
requisitos existentes para tanto e outros mais, sem os quais não pode a
nova forma substituir a primeira.

416
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Que faz o contribuinte ao estruturar seu negócio? Uma forma. Que


pretende o FISCO ao reduzir a term o sua pretensão de "desconstituir" o
negócio jurídico produzido pelo contribuinte? Impor-lhe outra forma. Como
decidir o conflito entre essas formas? Há regras no sistema que preveem
tais possibilidades: o princípio da autonomia da vontade privada desempenha
aí papel fundamental, mas que comporta suas exceções, em especial a figura
da simulação. Afora essas situações é vedado à Administração intervir sob a
forma escolhida pelo sujeito.

417
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

0 INSTITUTO DA COMPENSAÇÃO TRIBUTÁRIA E A NATUREZA


JURÍDICA DAS ESTIMATIVAS MENSAIS DE IRPJ RECOLHIDAS
A M AIOR

Roberto Quiroga Mosquera^^^


Lia Barsi Drezza''^'

RESUMO

0 presente artigo terá po r enfoque a possibilidade de compensação do pagamento


ind e vid o das antecipações mensais do Im posto sobre a Renda da Pessoa Jurídica
("IRPJ"), antes do final do ano-calendário. Com efeito, é ao final do ano-calendário
que 0 c o n trib u in te realiza o "a ju ste " po r ocasião do fe c lia m e n to do balanço anual e
realiza a apuração do lucro real anual, m o m e n to no qual pode ser apurado um saldo
negativo a ser a p ro v e ita d o o p o rtu n a m e n te nos te rm o s da legislação a tu a lm e n te
vigente. C ontudo, q u ando a legislação d e te rm in e que as estim ativas antecipadas
com ponham o saldo negativo a com pensar ao final do período, refere-se aos valores
das estimativas recolhidas nos te rm o s do disposto no artigo 2® da Lei n® 9.430/1996.
A s s im , t e n d o esse p la n o de fu n d o , a p r o b le m á tic a d o t r a b a lh o re s id e no
questio n a m e n to sobre a natureza de valores que são recolhidos antecipadam ente
durante o ano, em m o ntante superior ao d e te rm in a d o pela Lei n® 9.430/1996, e, como
conseqüência, em qual m o m e n to se torna possível compensá-los.
PALAVRAS-CHAVES: Estimativas, In d ébito Tributário, Compensação

ABSTRACT

This p ro je c t analyses th e p o ssibility o f o ffs e ttin g th e tax estim ates overpaid by a


com pany w ith o th e r debts a d m inistrated by Brazilian Revenue Service before th e end
o f th e base period. It also analyzes th e legal classification o f th e tax estimates and
th e undue tax payment.

Key words: estimates, undue tax paym ent, com pensation, offse ttin g

1. Introdução

O presente trabalho terá por enfoque a possibilidade de compensação


do pagamento indevido das antecipações mensais do Imposto sobre a Renda
da Pessoa Jurídica ("IRPJ").

- P ro fe s s o r d e D ir e ito T r i b u t á r i o d a U5P e PUC/SP. M e s tr e e D o u t o r p ela PUC/SR


A d v o g a d a e m São P a u lo . M e s t r a n d a e m D ir e i t o T r i b u t á r i o p e la PUC/SP.

419
D IRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES ATUAIS

E esse enfoque será dado considerando-se aquele ofício do jurista


descrito pelo Professor Lourival Vilanova como o “ ponto de intersecção entre
a teoria e a prática'"*®®, a ciência e a experiência, embora sem qualquer
pretensão de se classificar como tal, o interesse pela análise do Imposto
sobre a Renda surgiu da relação cotidiana com a matéria e, prospectivamente,
do desejo de se levantar dados capazes de aprimorar o conhecimento e
servir a outros que possuam o mesmo gosto ou igual necessidade.
Com efeito, a legislação brasileira, quando trata da apuração anual do
IRPJ, prevê a possibilidade de o c o n trib u in te optar pela realização de
recolhimentos mensais mediante a aplicação de percentual aplicado à receita,
partindo-se dessa base estimada para apurar o IRPJ a ser recolhido no período.
Ao final do ano-caiendário o contribuinte realiza o "ajuste" por ocasião
do fechamento do balanço anual e realiza a apuração do lucro real anual,
momento no qual pode ser apurado um saldo negativo a ser aproveitado
oportunamente.
A problemática do trabalho decorre do fato de que as autoridades
fiscais não homologam as compensações de pagamentos indevidos mensais
realizados durante o ano por pessoas jurídicas optantes pelo lucro real, sob
a alegação de que estes valores caracterizariam estimativas recolhidas a
maior e, portanto, só poderiam ser aproveitados após o fechamento do ano,
quando tais valores comporiam o saldo negativo do período.
Contudo, quando se analisa o dispositivo da legislação ordinária que
traz 0 conceito do que viria a ser "estimativa", nota-se de imediato que, não
necessariamente, o recolhimento a maior realizado no mês se subsumirá a
esse conceito.
Bem por isso, dem onstra-se imprescindível buscar o alcance do
conteúdo da norma prevista no inciso IV do §32 do artigo 22 da Lei n® 9.430/
1996, buscando, como bem explicitou Carlos Maximiliano^®® (1947, p.161),
"conciliar as palavras antecedentes com as conseqüentes, e do exame das
regras em conjunto deduzir o sentido de cada uma." Isso porque, continua o
doutrinador:

0 dire ito o b je tivo não é um conglom erado caótico de preceitos;


co n s titu i vasta unid a d e , coordenadas, em in te rd e p e n d ê n c ia
m etódica, em bora fixada cada uma no seu p ró p rio lu g a r (...)
Confronta-se a prescrição positiva com outras de que proveio,
ou que da mesma dim anaram ; verifica-se o nexo e ntre a regra e
a exceção e ntre o geral e o particular, e deste m odo se obtém
esclarecim entos preciosos.

In Estruturas Lógicas e o Sistem a d o D ire ito Positivo. 4^ e d . Sâo P aulo; Noeses, 2010.
In H e rm e n ê u tic a e A plicação d o D ire ito , São P a ulo: L iv ra ria Fre ita s B astos, 3 * Ed. 1 9 4 7 , p. 161.

420
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Nesse contexto, este trabalho pretende demonstrar que a apuração a


maior de estimativas {cujo montante, de fato, só pode ser aproveitado após
a apuração do lucro real anual) não se confunde com o indébito tributário
gerado d u ra n te o a no -ca le nd á rio , em d ecorrência dos efe tivo s
recolhimentos realizados mensalmente (que não podem ser considerados
como sinônimos das estimativas declaradas às autoridades fiscais por
intermédio da DIPJ).

2. Da Regra-Matriz de Incidência Tributária ("RMIT")

Antes de ser analisada a regra-matriz do IRPJ, e mais especificamente


os aspectos quantitativos da RMIT desse imposto, importa esclarecer que a
norma jurídica tributária por excelência é aquela que prevê abstratamente o
tributo, estabelecendo a hipótese que, se realizada e devidamente convertida
em linguagem competente, faz nascer uma relação jurídico-tributária.
No Direito Tributário, essa norma jurídica primordial é conhecida mais
com um ente como regra-m atriz, a qual possui um antecedente e um
conseqüente interligados por um conector intraproposicional deôntico
{proibido, perm itido e obrigatório)*^”.
A h ip ó te s e (g eral e a b s tra ta ) é o a n te c e d e n te o u suposto da n o rm a e
te m a fu n ç ã o d e Id e n tific a r a c o n d u ta capaz d e e n s e ja r os e fe ito s d e d ire ito ,
c o m p o n d o -s e d e;

* C ritério M a te r ia l: é a conduta hipoteticamente descrita na norma


tributária capaz de gerar efeitos. Refere-se ao comportamento de
pessoas. Caracteriza-se pela junção de verbo e complemento;
* C rité rio Espacial: determina o local onde o fato deve ocorrer, a fim
de que irradie seus efeitos, definindo, dessa forma, a competência
territorial da pessoa jurídica;
* C rité rio T e m p o ra l: identifica em que instante o fato jurídico deve
ocorrer, a fim de irradiar seus efeitos. Fixa os limites de tempo, o
exato momento da incidência da norma tributária.

0 prescritor ou conseqüente da regra-matriz de incidência tributária


tem por função identificar o vínculo jurídico que nasce com a ocorrência do
fato tal como descrito no antecedente da norma geral e abstrata, compõe-
se de:

* C rité rio Pessoal: identifica os sujeitos da relação jurídico-tributária;

CARVALHO, P aulo d e 8 a rro s . D ire ito T rib u tá rio - F u n d a m en to s Jurídicos d a in cidência. 4. e d . São
P a u lo : S a raiva , 2 0 0 6 , p. 2 8/29.

421
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT UAIS

* C rité rio Q u a n tita tiv o : fixa os aspectos relacionados ao quantum


devido, capazes de mensurar a prestação, alíquota e base de
cálculo. Dimensiona o fato jurídico.

0 critério quantitativo, que será analisado mais detidam ente em


decorrência do enfoque do presente trabalho, se divide em dois elementos:
base de cálculo e alíquota. A base de cálculo é o in strum ento jurídico
destinado, p rim o rd ia lm e n te , a d im e n s io n a r a in te n sid ad e do
com portam ento previsto no antecedente da regra-matriz de incidência
tributária, para que, combinado com a alíquota, seja especificada a prestação
pecuniária devida*®^
Todavia, a base de cálculo possui outras duas funções: medir as
proporções reais do fato (identifica na hipótese tributária o elemento
valorativo capaz de compor o quantum) e confirmar, infirmar ou afirmar o
verdadeiro critério material da hipótese tributária'’®^
Estes cin co c rité rio s ( m a t e r ia l, te m p o r a l, e s p a c ia l, q u a n t ita t iv o e
pessoal) são o m ín im o d e ô n tic o d e co m p osição da re g ra -m a triz d e Incidência
tr ib u tá ria , o q u e significa dizer, q u e essa regra é a m e n o r p o rção q u e se p o d e
e x tra ir d e u m a n o rm a ju ríd ic a tr ib u tá ria e m s e n tid o e s trito . Isso p o rq u e , nas
palavras d o p ro fesso r P aulo d e Barros C arvalh o "a Im p o sição fo rm a l da re g ra -
m a triz d e incidência te m -s e m o s tra d o u m u tilíssim o In s tru m e n to c ie n tífic o ,
d e e x tra o rd in á ria fe rtilid a d e e riq u e za p ara a id e n tific a ç ã o e c o n h e c im e n to
a p ro fu n d a d o da u n id a d e irre d u tív e l q u e d e fin e a fe n o m e n o lo g ia básica da
im p o s iç ã o t r i b u t á r i a . S eu e m p r e g o , s o b re s e r fá c il, é e x t r e m a m e n t e
o p e ra tiv o e p rá tic o , p e rm itin d o , quase q u e d e fo rm a im e d ia ta , p e n e tra rm o s
na secreta in tim id a d e da essência n o rm a tiv a , d evas s a n d o -a e a n a lis a n d o -a
de m a n e ira minuciosa/"*®*

2.1. Da Regra-Matriz de Incidência do IRPJ - Critério Quantitativo

Verificadas essas preliminares sobre a regra-matriz de incidência


tributária, necessário se faz analisar especificamente a base de cálculo do
IRPJ.
O imposto de renda teve seus contornos delineados pelo artigo 153
da Constituição Federal de 1988“®* {CF/1988), de modo que o legislador

CARVALHO, Paulo d e B arros. C urso d e d ir e i t o t r i b u t á r i o . 2 3 . e d . São P aulo: Saraiva, 2 01 1 . p. 4 0 0 .


Id e m p. 400.
Id e m p. 419.
" A r t. 1 5 3 . C o m p e te à U n iã o i n s t i t u i r i m p o s t o s s o b r e : (...) I ll - r e n d a e p r o v e n t o s d e q u a l q u e r
n a tu re z a ; (...) §2s 0 im p o s to p r e v is to n o inciso III: I- será in f o r m a d o p elo s c i r té r io s da g e n e r a lid a d e ,
d a u n i v e r s a l i d a d e e d a p r o g r e s s iv id a d e , na f o r m a d a le i."

422
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

o rd in á rio , para d e fin ir a base trib u tá v e l deste im p o sto , teve,


necessariamente, que partir deste preceito constitucional, conforme explica
Antonio Lopo IVIartinez**^:

Para a formulação do conceito de "lucro", o legislador ordinário


goza de autonomia e liberdade relativas. Pode escolher entre os
diversos conceitos oferecidos pelos contadores e financistas,
ou criar um completamente distinto, desde que em consonância
com o que preceitua a Constituição.
Assim, se a significação jurídica atribuída ao termo "lucro"
implicar dissensâo entre a norma tributária de incidência e os
preceitos constitucionais, aquela estará inexoravelmente
sujeita a questionamento de constitucionalidade.
Caso a hipótese normativa da regra-matriz de incidência
estabeleça para tal palavra conceito que implique tributação
do patrimônio, e não da renda, a conceituação será inaceitável,
por ferir preceitos constitucionais.

Ainda, em observância ao disposto no inciso 111 do artigo 146 da CF/


1988, adefinição do fato gerador e da base de cálculo desse imposto deve
ser feita por meio de lei complementar, pelo que o artigo 43 do Código
Tributário Nacional {"CTN") definiu:

Art. 43. 0 imposto, de competência da União, sobre a renda e


proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a
aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica;
I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho
ou da combinação de ambos;
II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os
acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

Partindo-se desse dispositivo {artigo 43 do CTN), deve-se construir da


seguinte forma a regra-matriz de incidência tributária do IRPJ:

• C ritério M a terial: aquisição da disponibilidade econômica ou


jurídica, de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho
ou da combinação de ambos; e de proventos de qualquer natureza,
assim entendidos os acréscimos patrimoniais não mencionados
anteriorm ente.
• Critério Temporal: conforme Paulo de Barros Carvalho é "o grupo
de indicações, contidas no suposto da regra, e que nos oferecem

MAR TIN EZ, A n t o n io Lopo, A Lingu ag em C o n tá b il n o D ire ito T rib u tá rio , D is s e rta ç ã o d e M e s tr a d o
e m D ir e ito , São P a u lo : PUC-SP, 2 0 0 2 , p. 18.

423
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

elementos para saber, com exaüdão, em que preciso instante


acontece o fato descrito, passando a existir o liame jurídico que
amarra devedor e credor, em função de um objeto - o pagamento
de certa prestação pecuniária."'*®® 0 tempo de formação da renda
tributável não pode ser m uito curto, sob pena de prejudicar a
personalização do tributo e a adequação à capacidade contributiva.
0 indivíduo que, episodicamente, tem um rendim ento elevado
não possui a mesma capacidade contributiva de outro indivíduo
que perceba, constantemente, renda elevada. Por outro lado, o
período não pode ser multo longo, o que comprometeria o fluxo
de receita tributária do Tesouro. No caso do IRPJ, o critério temporal
pode ser trimestral ou anual.
• C rité rio Espacial: o c rité rio espacial não se confunde com o
â m b ito t e r r it o r ia l de a plicaçã o de leis. A q u i, p revalece o
princípio da universalidade, ou seja, são passíveis de tributação
tanto a renda auferida nos lindes do te rritó rio nacional, como a
renda obtida fora dos seus limites (Princípio da Universalidade).
Toda renda obtida por pessoa física ou jurídica sobre a qual o
Brasil possa exercitar sua soberania fica sujeita à incidência do
im posto, in dependentem ente do lugar onde tal renda tenha
sido gerada. Prevalece, então a soberania trib u tá ria do Estado
brasileiro.
• Critério Pessoal: sujeito passivo: o contribuinte do imposto sobre
a renda é o titu la r da disponibilidade econômica ou jurídica da
renda ou proventos de qualquer natureza. Contudo, poderá a lei
atribuir a terceiro possuidor, a qualquer título, dos bens produtores
de renda ou dos proventos tributários; sujeito ativo: União.
• Critério Quantitativo: a base de cálculo do referido imposto é o
montante real, arbitrado ou presumido da renda ou dos proventos
tributáveis. Para Paulo de Barros Carvalho, a "base calculada é a
grandeza do elemento quantitativo da relação jurídica tributária,
cumprindo papel mensurador e determinativo do valor que deve
ser prestado a título de tributo". A alíquota aplicada é de 15%, mais
adicional de 10% sobre o que exceder a R$ 20 mil mensais.

Pois bem, esse co nce ito de fa to g e ra d o r p re visto pela lei


co m p le m e n ta r deve estar em to ta l co m p a tib ilid a d e com os ditam es
constitucionais, pelo que, afirmou Roberto Quiroga Mosquera

CARVALHO, P aulo d e B arros. C u rs o d e d ir e i t o t r i b u t á r i o . 23. e d . São P aulo: Saraiva, 2 0 1 1 . p. 331.


MOSQUERA, R o b e r to Q u iro g a , R enda e P roven tos d e Q u a lq u e r N a tu re za : o im p o sto e o conceito
c o n s titu c io n a l, São P a u lo : D ia lé t ic a , 1 9 9 6 , p p . 1 0 6 - 1 0 7 .

424
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

A palavra 'renda' e a expressão 'p roventos de qualquer natureza'


significam os acréscimos de e le m e n to s p a trim o n ia is de uma
d e te rm in a d a pessoa, isto é, o in c re m e n to de d ire ito s reais e
pessoais ao p a tr im ô n io pessoal. Em o u tr o dizer, o aspecto
material da hipótese de incidência do im posto inserto no artigo
153, inciso III, da Carta R epublicana de 1988, representa a
mutação patrimonial que se constitui num acréscimo de seus
elementos. Esses acréscimos, em síntese, representam aqueles
va lo re s re c e b id o s p ro v e n ie n te s do tr a b a lh o , d o c a p ita l, da
a p o s e n ta d o ria e de q u a is q u e r o u tra s fo n te s g e ra d o ra s de
m a jo ra ç ã o p a tr im o n ia l. A ped ra de to q u e na co n ce itu a ç ã o
adotada é que esses valores recebidos representem riqueza nova.
Essa é a propriedade d e finitória do aspecto m aterial do im posto
sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Por interm édio
dela, d ife re -s e o re fe rid o im p o s to d aq u e les e n c a rta d o s no
sistema co n stitu c io n a l t r ib u t á r io brasileiro.

2.1.1. Apuração do Lucro Real

A base de cálculo do IRPJ veio definida pelo artigo 44 do CTN^^ Desse


modo, e considerando-se o acima exposto, deve-se ressaltar que para apurar
a base de cálculo do IRPJ, o sujeito passivo parte das informações econômico-
fiscais da pessoa jurídica, as quais servem de meio para mensuração da renda
efetivamente auferida, e que deve ser tributada.
De fato, para as pessoas jurídicas optantes pelo lucro real, a apuração
seguirá o seguinte procedimento:
(I) apura-se o lucro líquido do período, definido pelo artigo 191 da
Lei das S.A. como sendo o resultado do exercício que remanescer
depois de deduzidas as participações de que trata o artigo 190
do mesmo dispositivo, quais sejam, participações estatutárias
de empregados, administradores e partes beneficiárias, o que
o diferencia da definição do artigo 248 do RIR/99 que alarga a
base de cálculo ao definir o lucro líquido como sendo a soma
algébrica do lucro operacional, dos resultados não operacionais
e das participações;
(ii) realizam-se, então, as adições, exclusões e compensações
autorizadas pela legislação ordinária.

Assim, o Decreto n® 3.000/1999 (Regulamento do Imposto de Renda -


"RIR/99"), prescreve em seus artigos 247 e 248:

" A rt. 4 4 . A base d e c á lc u lo d o i m p o s t o é o m o n t a n t e , real, a r b i t r a d o o u p r e s u m id o , da re n d a ou


dos p ro v e n to s trib u tá v e is ."

425
D IRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES A T UAIS

Conceito de Lucro Real


A rt. 247. Lucro real é o lucro líquido do período de apuração
ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas
ou autorizadas por este Decreto (Decreto-Lei 1.598, de 1977,
art. 69).
§1. A determ inação do lucro real será precedida da apuração
do lucro líquido de cada período de apuração com observância
das disposições das leis comerciais (Lei nS 8.981, de 1995, art.
37, §19).

Conceito de Lucro Líquido


A rt. 248. 0 lucro líq u id o do p e río d o de a p uração é a soma
algébrica do lucro operacional (Capítulo V), dos resultados não
operacionais (Capítulo VII), e das participações, e deverá ser
d e te rm in a d o com observância dos preceitos da lei comercial
(Decreto-Lei n^ 1.598, de 1977, art. 6^, § 19, Lei n9 7.450, de 1985,
art. 18, e Lei ns 9.249, de 1995, art. 49).

Saliente-se que, até o advento da Lei n? 8.383/1991, o IRPJ era apurado


em sistema de "base anual", de modo que os fatos econômicos integrantes
do fato gerador desse tributo ocorriam ao longo do ano-base e somente em
31 de dezembro eram quantificados de maneira a propiciar a aferição da
base de cálculo sobre a qual incidia a exação.
Após a edição da citada norma, o IRPJ passou a ser apurado em sistema
de "bases correntes", em outras palavras, na medida em que os fatos
econômicos integrantes do fato gerador ocorrem, quantifica-se a base de
cálculo naquele mês e o contribuinte efetua mensalmente o pagamento
dos tributos.
São estes os chamados re co lhim en to s por estim ativa. Por esta
sistemática, ao final do ano-calendário, em 31 de dezembro, o contribuinte
deve elaborar sua declaração de ajuste, com a finalidade de verificar se o
montante que foi pago ao longo do ano excede ou fica aquém do que
realmente é devido.
Nesse sentido, vale transcrever as lições de Marco Aurélio Greco“^^:

M ensalm ente, o que se dá é apenas o "pagam ento do im posto


determ in a do sobre base de cálculo estim ada" (artigo 2", caput),
mas a m aterialidade tribu tad a é o lucro real apurado em 31 de
dezembro de cada ano (§39 do artigo 29).
Portanto, im posto e contribuição verdadeiram ente devidos, são
apenas apurados ao final do ano. 0 reco lh im e n to mensal não

In M u lta A grava e em D u p lic id a d e , Revista D ia lé tic a d e D ir e ito T r ib u t á r io ns 76, p. 159.

426
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES A T UAIS

resulta de o u tro fa to gerador d istin to do relativo ao período de


apuração anual; ao contrário, corresponde a mera antecipação
provisória de um re co lh im e nto , em co m p lem e n ta çã o ao fa to
gerador e uma base de cálculo positiva que se estima venha ou
possa vir a ocorrer no final do período. Tanto é provisória e em
com plem entação de evento fu tu ro que se reputa em form ação -
e que dele não pode se d is ta n c ia r-q u e , mesmo durante o período
de apuração, o co ntrib u in te pode suspender o recolhim ento se
o valor acumulado pago exceder o valor calculado com base no
lucro real do período em curso (artigo 35 da Lei n° 8.981/95). E
mais, o va lo r do re c o lh im e n to p o r e s tim a tiva é d ed u zid o do
valor do im posto e da contribuição devida ao final do período
(artigo 2°, §4“, IV da Lei n“ 9.430/96).

A in d a s o b re o a s s u n to , p a ra as pessoas ju r íd ic a s o p ta n t e s p e lo lu c ro
re a l, a Lei nS 9 .4 3 0 , d e 27 d e d e z e m b ro d e 1 9 9 6, p o s s ib ilito u ao c o n tr ib u in te
e f e t u a r r e c o lh im e n t o s m e n s a is a t í t u l o d e e s tim a t iv a , p re v is ta nos a rtig o s
19, 29^ 3 9 e 2 8 d a r e f e r id a le g is la ç ã o , s e g u n d o a q u a l d e v e m s e r f e i t o s
r e c o l h i m e n t o s m e n s a is , a p u r a d o s m e d i a n t e a a p lic a ç ã o d e p e r c e n t u a l
e s ta b e le c id o e m lei s o b re a re c e ita b r u ta a u fe r id a , verbis:

A rt. 15 A p a rtir do ano-calendário de 1997, o im p osto de renda


das pessoas jurídicas será dete rm in a d o com base no lucro real,
presum ido ou arbitrado, po r períodos de apuração trim estrais,
encerrados nos dias 31 de março, 30 de jun h o, 30 de setem bro
e 31 de dezembro de cada ano-calendário, observada a legislação
vigentes, com as alterações desta Lei.
A rt. 22 A pessoa jurídica sujeita à trib u ta çã o com base no lucro
real poderá o p ta r pelo pagam ento do im posto, em cada mês,
d e te r m in a d o so b re base de c á lc u lo e s tim a d a , m e d ia n te a
aplicação, sobre a receita b ru ta a u fe rid a m e nsa lm e n te , dos
percentuais de que trata 0 art. 15 da Lei 9.249, de 26 de dezembro
de 1995, observado o disposto nos §§ 1° e 2° do art. 29 e nos
arts. 30 a 32, 34 e 35 da Lei 8.981, de 20 de jan eiro de 1995, com
as alterações da Lei 9.065, de 20 de ju n h o de 1995. (...)
§1® 0 im p osto a ser pago mensalm ente na fo rm a deste artigo
será dete rm in ad o m ediante a aplicação, sobre a base de cálculo,
da alíquota de quinze po r cento.
§2 A parcela da base de cálculo, apurada m e nsalm ente, que
e x c e d e r a R$ 2 0 .0 0 0 ,0 0 ( v in te m il re a is ) fic a rá s u je ita à
incidência de adicional de im posto de renda à alíquota de dez
po r cento.
§3 A pessoa jurídica que o p ta r pelo pagam ento do im posto na
fo rm a deste artigo deverá apurar o lucro real em 31 de dezembro
de cada ano, exceto nas hipóteses de que tra ta m os §§ i s e 2s do
a rtig o anterior.

427
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT UAIS

§4 Para efeito de determ inação do saldo de im posto a pagar ou


a ser compensado, a pessoa jurídica poderá deduzir do imposto
devido o valor:
I - dos incentivos fiscais de dedução do im posto, observados os
lim ite s e prazos fixa d os na legislação v ig e n te , bem co m o o
disposto no § 49 do art. 39 da Lei ns 9.249, de 26 de dezem bro de
1995;
II - dos ince n tiv o s fiscais de re du çã o e isenção do im po sto,
calculados com base no lucro da exploração;
III - do im p o s to de renda pago ou re tid o na fo n te , incidente
sobre receitas computadas na determ inação do lucro real;
IV - do Im posto de renda pago na fo rm a deste artigo.
A rt. 35 . A adoção da form a de pagamento do im posto prevista no
art. 15, pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime do lucro real,
ou a opção pela fo rm a do art. 2® será irretratável para to d o o
a n o -ca le n d ário .
Parágrafo único. A opção pela fo rm a estabelecida no art. 2S
será manifestada com o pagamento do im posto correspondente
ao mês de jan e iro ou de início de atividade.(...)

Por fim, a legislação ordinária autoriza 0 contribuinte que apurar o


IRPJ devido com base no cálculo estimado, adotar 0 procedim ento de
suspender ou reduzir o recolhimento desses tributos, nos termos do que
dispõe 0 artigo 35 da Lei n° 8.981/1995, confira-se:

A rt. 35. A pessoa ju r íd ic a p o d e rá s u s p e n d e r ou re d u z ir o


p a g a m e n to do im p o s to d e v id o e m cada m ês, d es d e q u e
d e m on stre , através de balanços ou balancetes mensais, que 0
va lo r acum ulado já pago excede o va lo r do im posto. Inclusive
a dicionai, ca lcula d o com base no lu c ro real do p e río d o em
curso.

O que se depreende, portanto, é que a pessoa jurídica que optar pelo


lucro real anual pode optar por realizar recolhimentos mensais do tributo
(IRPJ), mediante a (i) aplicação da alíquota que lhe for aplicável, (ii) apuração
de uma base estimada, e (iii) cálculo do tributo a ser recolhido sobre a base
estimada apurada.
Diante desses primeiros esclarecimentos acerca dos procedimentos
previstos pela legislação brasileira para apuração do IRPJ, imprescindível
um breve co m e n tá rio sobre 0 in s titu to da com pensação, para,
posteriormente, adentrar no mérito do presente estudo.

428
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

3. Breves comentários sobre O Instituto da compensação tributária

A compensação é instituto de Direito Civil que foi instituído como


meio hábil e de notória vantagem prática no que se refere a extinção total
ou parcial das obrigações contraídas pelas partes. Isso porque, por meio da
compensação, as partes realizavam um "encontro de contas" e conseguiam
quitar mais facilmente suas obrigações.
Nas palavras do Professor Paulo de Barros Carvalho é instituto de
extinção de crédito trib u tá rio que pressupõe "duas relações jurídicas
diferentes, em que o credor de uma é devedor da outra e vice e versa".
Esclarece, ainda, o Professor que:

No q u a d ro da fe n o m e n o lo g ia das extinções, a compensação


ocupa 0 tópico de modalidade extintiva ta n to do dire ito subjetivo
c o m o do d e v e r ju r íd ic o , uma vez q u e o c ré d ito do s u je ito
pretensor, num dos vínculos, é anulado pelo seu débito, no outro,
0 mesmo se passando com o sujeito devedor.

De fato, quando se pensa no sistema tributário nacional, o instituto


a dquire in teressa nte papel, p rin c ip a lm e n te do p o n to de vista dos
contribuintes, pois propicia que os tributos indevidamente recolhidos aos
cofres públicos sejam devolvidos de maneira mais ágil, como bem afirmam
Maria Teresa Martinez Lopes e Emanuel Carlos Dantas de Assis (2007, p. 81}^°^:

Nos dias atuais, a compensação tribu tá ria , no âm b ito da esfera


a d m in is tra tiv a , é sem dúvida interessante aos co n trib u in te s,
t e n d o em v is ta q u e re p r e s e n ta u m a fo r m a m a is á g il de
recuperação de cré d ito s tr ib u tá rio s quand o em com paração
com a alternativa oferecida pela penosa via do precatório. Além
do que, na escolha da via judicial há o im p e d im e n to legal da
compensação imediata diante da inovação introduzida pelo art.
170-A do CTN, através da edição da Lei C om plem entar n® 104,
publicada em 11.1.2001.

A propósito do assunto, cumpre observar que a compensação no


Direito Tributário brasileiro passou por inúmeras alterações legislativas,
sobre o que se falará a seguir.

In Curso d e D ire ito T rib u tá rio . P. 4 9 6 e ss. - 19 e d . rev. São Paulo: Saraiva, 2007.
In C o m p e n s a ç ã o d e t r i b u t o s a d m i n i s t r a d o s p e ç a R e c e ita F e d e r a l d o B ra s il. R e g im e s j u r í d i c o s
d iv e r s o s , a d e p e n d e r d a d a t a d o p e d i d o o u d a PER/D COM P. P ra z o d e h o m o lo g a ç ã o . C o n fis s ã o d e
d ív id a . S e g u ra n ç a j u r í d i c a e i r r e t r o a t i v i d a d e d a s lei, p .8 1 e ss. C o m p e n s a ç ã o T r ib u tá ria - c o o r d .
K a re m J u r e id in i Dias e M a r c e l o M a g a lh ã e s P e ix o to . São P a u lo ; M P Ed., 2 00 7 .

429
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

3.1. Histórico da Legislação aplicável

A compensação foi considerada, pelo CTN, como um meio de extinção


do crédito tributárÍo^°^ e sua norma tem a seguinte estrutura, nas palavras
de Guilherme Adolfo Mendes^^^:

A regra da compensação é composta po r um antecedente e um


conseqüente. 0 c rité rio m aterial daquele corresponde a uma
co n d u ta relativa a d e te rm in a d a m a nifestação de v o n ta d e; o
espacial, ao local de realização da conduta; e o te m p o ra l, ao
instan te em que se considera p ro fe rid a a manifestação. Já o
co n seqüente apresenta co m o c rité rio pessoal o su je ito ativo
(aquele que possui o d ire ito ao encontro de contas) e o sujeito
passivo (o que se subm ete ao d ire ito alheio), e com o critério
quan tita tivo o exato valor que se pretende compensar.(...)
Paulo de Barros Carvalho, ao analisar a com pensação com o
d ire ito do particular, assevera "A nalisando o fe n ô m e n o pelo
â n g u lo lógico, c o n c lu i-se q u e o d e s a p a re c im e n to s o m e n te
ocorrerá se os valores compensados fo re m exatam ente iguais
ou se o crédito que o sujeito passivo opuser à Fazenda Pública
suplantar o m o n tan te devido a títu lo de trib u to .

De fato, dispõe o artigo do Código Tributário Nacional, que "A lei pode,
nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada
caso a trib u ir à autoridade adm inistrativa, autorizar a compensação de
créditos tributários líquidos e certos, vencidos e vincendos, do sujeito passivo
contra a Fazenda Pública."
Em dezembro de 1991, foi publicada a Lei n^ 8.383/1991, a qual, com a
redação dada pela Lei ns 9.069, de 29 de junho de 1995, ao disciplinar a
matéria no âm bito federal, dispôs que o co n trib u in te poderá efetuar,
espontaneamente, a compensação de valores pagos a maior com tributos
da mesma espécie, in verbis:

Art. 66 - Nos casos de pagam ento indevido ou a maior de tributos,


c o n trib u iç õ e s fe de ra is , inclusive p revid e n c iá ria s, e receitas
patrim oniais, mesmo quando resultante de reforma, anulação,
revogação ou rescisão de decisão condenatória, o co ntribuinte
poderá e fe tu ar a compensação desse valor no recolhim ento de
importância correspondente a período subseqüente.

A r t. 156. E x tin g u e m o c r é d i t o t r i b u t á r i o :
(...)

II - a c o m p e n s a ç ã o ;! ... )
In C o m p e n s a ç ã o d e O f íc io .Id e m , p. 59.

430
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

De acordo com o referido dispositivo legal, assim que o contribuinte


apurasse o crédito líquido e certo, decorrente de pagamento indevido ou a
maior que o devido, poderia utilizá-lo para compensar com tributos próprios,
e da mesma espécie, sem a necessidade de subm eter a compensação a
qualquer análise prévia dos órgãos administrativos.
Posteriormente, em janeiro de 1997, com a entrada em vigor da Lei n®
9.430/96, 0 sistema jurídico passou a prever a possibilidade de compensação
entre créditos e débitos tributários federais de naturezas diferentes, ou seja,
mediante prévio requerimento à Receita Federal do Brasil ("RFB"), tornou-
se possível a compensação entre tributos de quaisquer espécies, desde que
administrados peta RFB, de modo que, a contrário senso, para créditos de
mesma natureza continuou a inexistir a obrigatoriedade de, para fins de
compensação, ser efetuado prévio requerimento ju nto à RFB. Confira-se:

A rt. 74. Observado o disposto no artigo anterior, a Secretaria da


Receita Federal, a te n d e n d o a re q u e rim e n to do c o n trib u in te ,
p o d e rá a u t o r iz a r a u tiliz a ç ã o de c r é d ito s a s e re m a ele
restituídos ou ressarcidos para a quitação de quaisquer trib u to s
e c o n trib u iç õ e s sob sua a d m in istra çã o , (redação o riginal do
artigo)

A Lei n9 9.430/1996, regulamentada pelo Decreto n@2.13^1997 e pela


Instrução Normativa SRF nS 21/1997 ("IN 21/97"), veiculou a possibilidade de
a compensação acontecer entre quaisquer débitos e créditos administrados
pela, à época, Secretaria da Receita Federal, vencidos ou vincendos:

A rt. 29 Poderão ser o b je to de pedido de restituição os créditos


decorrentes de qualquer tr ib u to ou contribuição, seja qual fo r a
modalidade do seu pagamento, nos seguintes casos: (Redação
dada pela IN SRF ns 7 3 ^ 7 , de 1 ^ 9 / 1 9 9 7 )
I - cobrança ou pagam ento espontâneo, indevido ou a m aior
que 0 devido; (Redação dada pela IN SRF n^ 73/97, de 15y09/
1997)
II - e rro na identificação do su je ito passivo, na determ inação
da alíquota aplicável, no cálculo do m o n ta n te do d ébito ou na
elaboração ou conferência de q ualquer d o cum ento relativo ao
pagamento; (Redação dada pela IN SRF n^ 73/97, de 15^9/1997)
III - re fo rm a , a n u la ç ã o , rev o g a çã o ou rescisão de decisão
condenatória. (Redação dada pela IN SRF n® 73/97, de 1 ^ 9 /
1997)
A rt. 59 Poderão ser utilizados para compensação com débitos
de q u a lq u e r e sp é cie , re la tiv o s a t r ib u t o s e c o n tr ib u iç õ e s
administrados pela SRF, os créditos decorrentes das hipóteses
mencionadas no art. 2 9 , nos incisos í e II do art. 39 e no art. 49.

431
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

A rt. 12. Os créditos de que tra ta m os arts. 2S e 39, inclusive


q uando decorrentes de sentença judicial transitada em julgado,
serão utilizados para compensação com débitos do contribuinte,
em p ro cedim ento de ofício ou a re q u erim e n to do Interessado.
§ 1 9 A compensação será efetuada e n tre quaisquer trib u to s ou
contribuições sob a administração da SRF, ainda que não sejam
da m e s m a e s p é c ie n e m te n h a m a m e sm a d e s tin a ç ã o
co n s titu c io n a l.

Durante a vigência da IN 21/97, a exigência quanto ao requerimento


da compensação por parte do contribuinte referia-se apenas aos débitos e
créditos de tributos de naturezas diferentes, procedimento este que só veio
a ser modificado com a publicação da Instrução Normativa SRF ns 210, de 01
de dezembro 2002 ("IN 210/2002), pela qual a compensação de tributos de
mesma espécie c o n tin u o u sendo realizada sem q u a lq u e r tip o de
requerim ento prévio.
Com efeito, por intermédio da referida norma administrativa, passou-
se a exigir expressam ente, em seu a rtig o 21, abaixo tra n s c rito , a
obrigatoriedade de apresentação da "Declaração de Compensação", confira-
se:

A rt. 21. O sujeito passivo que apurar crédito relativo a trib u to


ou contribuição adm inistrado pela SRF, passível de restituição
ou de re s sa rc im e n to , p o d e rá u tiliz á -lo na com pensação de
débitos próprios, vencidos ou vincendos, relativos a quaisquer
trib u to s ou contribuições sob administração da SRF.
§ 1 9 A compensação de que tra ta o caput será efetuada pelo
s u je it o p a s siv o m e d ia n te o e n c a m in h a m e n to à SRF da
"Declaração de Compensação.

Ademais, com a promulgação da Lei n® 10.637/2002, passou a existir a


obrigatoriedade de se apresentar a referida declaração de compensação de
créditos de mesma natureza, obrigação essa que somente existia para os
casos de compensação entre tributos de espécies diferentes^°^.
Tal o briga to rie d a d e se re fle tiu com a publicação da Instrução
Normativa SRF nS 460/2004 ("IN 460/2004"), que, por sua vez, revogou a IN
210/2002, e adotou os termos da legislação vigente (artigo 74, da Lei ns 9.430/
1996), e passou a prever a apresentação de declaração de compensação em

" A r t. 7 4 . 0 s u je i t o p a s s iv o q u e a p u r a r c r é d i t o , in c lu s iv e o s j u d i c ia i s c o m t r â n s i t o e m j u l g a d o ,
r e l a t i v o a t r i b u t o o u c o n t r i b u i ç ã o a d m i n i s t r a d o p e la S e c r e t a r i a d a R e c e ita F e d e r a l, p a s s ív e l d e
r e s t i t u i ç ã o o u d e r e s s a r c i m e n t o , p o d e r á u t i li z á - lo na c o m p e n s a ç ã o d e d é b i t o s p r ó p r i o s r e la t i v o s
a q u a i s q u e r t r i b u t o s e c o n t r ib u iç õ e s a d m i n is t r a d o s p o r a q u e le Ó r g à o . ( R e d a ç ã o d a d a p e la Lei ns
1 0 . 6 3 7 , d e 2 0 0 2 )" .

432
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

relação às compensações de tributos de mesma espécie no seu artigo 26, §


85, inciso I, obrigação essa que permanece na atual legislação da matéria (IN
SRF n9 900/38, artigo 34, § 8^, inciso I).
Por fim, com a edição da Lei ns 1 1 .1 9 ^0 0 5 , foi introduzido o parágrafo
89 ao artigo 89 da Lei n^ 8.212/91, estendendo a compensação de ofício no
caso das c o n trib u iç õ e s para a seguridade social, bem como restou
determinado que a RFB deveria compensar os créditos do sujeito passivo
não só com os débitos oriundos de tributos sob sua responsabilidade, mas
com os provenientes das contribuições sociais.
Tecidas essas considerações iniciais e estabelecidas as premissas do
presente trabalho, passa-se agora à análise da possibilidade de compensação
das estim ativas mensais de IRPJ quando não se caracterizarem como
estimativas, mas sim como verdadeiro indébito tributário.

3.2. Da Compensação das Estimativas Mensais

Especificamente no caso da compensação das estimativas mensais,


prevê 0artigo 6^ da Lei nS 9.430/1996:

A rt. 65 0 im posto devido, apurado na form a do art. 2S, deverá


ser pago até o ú ltim o dia útil do mês subseqüente àquele a que
se referir.
§13 0 saldo do imposto apurado em 31 de dezembro será:
I - pago em quota única, até o ú ltim o dia útil do mês de março
do ano subseqüente, se positivo, observado o disposto no §29;
II - compensado com o imposto a ser pago a partir do mês de
abril do ano subseqüente, se negativo, assegurada a alternativa
de requerer, após a entrega da declaração de rendimentos, a
restituição do montante pago a maior.(...) (g.n.)

Depreende-se pela leitura do dispositivo transcrito, analisado em


concomitância com os artigos 12, 29 e 32 da Lei n9 9.430/1996, que os valores
das antecipações mensais pagos a titu lo de e s tim a tiv a deverão ser
considerados no momento do ajuste e, só então, poderão ser compensados,
por comporem o saldo negativo eventualmente apurado no período.
Porém, o que deve compor o saldo negativo ou reduzir o imposto
apurado a pagar no final do ano-calendário são as estimativas apuradas nos
termos do artigo 29 da Lei nS 9.430/1996 e artigo 35 da Lei nS 8.981/1995. 0
que não se subsumir a estes dispositivos não será chamado de estimativa e,
em caso de o pagamento ser indevido, será passível de compensação ou
restituição a qualquer tempo.
Diante disso, im p o s s ib ilita r a compensação de um pagam ento
indevido, por aplicar conceito jurídico que não lhe é próprio, é não cumprir

433
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

com princípios basilares de nosso ordenamento jurídico, como o da segurança


jurídica e o da tipicidade legal.
Nesse contexto, afirma Ricardo Lobo Torres:

A obrigação trib u tá ria subordina-se ao p rincipio da legalidade


e s t r it a . N e n h u m t r i b u t o será a u m e n t a d o sem q u e a lei
estabeleça (art. 153, parágrafo 29, da C onstituição). A atividade
de lançam ento é vinculada e o b rig a tó ria (art. 142, parágrafo
único do CTN). Para que haja tr ib u to , p o rta n to , é necessário
que a lei o tenha ins titu íd o e que a a utorid a d e a dm inistrativa
proceda ao lançam ento de acordo com a norm a preexistente.
Se 0 cidadão recolhe uma im p o rtâ ncia não prevista em lei ou
exigida pela a u to rid a d e a d m in is tra tiv a em d e sco n fo rm id a d e
co m a lei, a q u e la p re s ta ç ã o não será t r i b u t o , m as e rro ,
violência, engano, excesso, em suma, prestação de fa to . De
observar, por o u tro lado, que tr ib u t o é categoria de receita
p ú b lic a , d e f in id a p e lo CTN ( a r t i g o 3 2 ) c o m o p re s ta ç ã o
p e c u n iá ria c o m p u ls ó ria , q u e não c o n s titu a sanção de a to
ilí c it o , i n s t it u í d o e m le i e c o b r a d o m e d ia n t e a t iv id a d e
a dm inistrativa vinculada. 0 tr ib u t o com o categoria de receita,
se distingue com clareza do q u a n tu m que, com o despesa para
o ente público, será de vo lvid o para 0 c o n trib u in te por te r sido
ind evid am e n te recebido. ín tim o , p o rta n to , é o relacionam ento
e n tre a o brig a çã o t r ib u t á r ia a o brig a ç ã o de d ir e it o pú blico
que consiste na restituição.

Pois bem, diante disso, passa-se a demonstrar em que situação não


será possível atribuir ao pagamento a maior a natureza de estimativa, e,
portanto, deve-se atribuir ao contribuinte a possibilidade de compensá-lo a
qualquer momento.

4. Do pagamento a maior q u e o devido e da não subsunção deste


saldo à norma q u e conceitua as estimativas mensais

Como já m encionado, 0 presente estudo visa d e m o n s tra r a


possibilidade de compensação de saldo credor de IRPJ recolhidos
in d e vid a m en te nas antecipações mensais realizadas d u ra n te 0 ano-
calendário.
Para tornar clara a importância do tema, cumpre salientar que o antigo
Conselho de Contribuintes (atual Conselho A dm inistrativo de Recursos
Fiscais) sempre manifestou posicionamento majoritário no sentido de não

In R estitu ição d e Trib utos, Rio d e J a n e iro : Forense, 1 98 3 . p. 3 1-32.

434
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

admitir que os valores recolhidos indevidamente no momento do pagamento


das estimativas mensais de IRPJ fossem compensados com estimativas
mensais devidas no mesmo ano, alegando, para tanto, que o procedimento
correto para a utilização do referido saldo credor seria compensá-lo após a
apuração do ajuste ao final do ano-calendário. Confira-se:

RECOLHIMENTOS ESTIMADOS - EFEITOS TRIBUTÁRIOS - Como


regra, os recolhim entos antecipados de trib u to s e contribuições
determ inados pela legislação (estim ativa) não extinguem desde
logo o eventual crédito trib u tá rio a ser apurado po r ocasião do
ajuste periódico. No ano-calendário de 1992, as "estimativas"
f o r a m r e c o lh id a s a p ó s o e n c e r r a m e n to dos p e río d o s de
apuração sem estrais, sendo lícito a d m itir que a situação de
re co lh im e n to a m aio r que o devido deu-se com a entrega da
Declaração de Ajuste." (antigo 15 CC, 7^ Câmara, Acórdão n^
107-07.124).

De fato, analisando-se superficialmente essas decisões, poder-se-ia


concluir que elas se encontram em plena concordância com as regras jurídicas
veiculadas no sistema.
O corre que, em nenhum a delas é possível se c o n sta ta r um
aprofundamento do cerne da questão quanto à natureza jurídica desses
recolhimentos a maior realizados nas antecipações mensais.
Explique-se: ao analisar as compensações declaradas pelos
contribuintes, as autoridades administrativas partem do pressuposto de que
os valores que se p re te n d e com pensar d ecorrem de pagam ento de
estimativas, e não buscam analisar se estes valores pagos a maior poderiam
se subsumir ao conceito de indébito tributário, trazido pelo artigo 165 do
CTN, verbis:

A rt. 165. 0 sujeito passivo te m direito, ind ependentem ente de


p révio p ro te sto , à re stituiçã o to ta l ou parcial do tr ib u to , seja
qual fo r a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto
no §42 do art. 162, nos seguintes casos:
I - cobrança ou pagamento espontâneo de tr ib u to indevido ou a
m aior que o devido em face da legislação trib u tá ria aplicável,
ou da natureza ou circunstâncias m a te ria is do fa to g era d or
efe tiva m e n te ocorrido;
II - erro na identificação do sujeito passivo, na determ inação
da alíquota aplicável, no cálculo do m o n ta n te do d é b ito ou na
elaboração ou conferência de qualquer d o cu m e nto relativo ao
pagamento;
III - re fo rm a , a n u la çã o , re vo ga çã o ou rescisão de decisão
conden a tó ria.

435
DIRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES ATUAIS

De fato, como visto alhures, para as pessoas jurídicas optantes pelo


lucro real, a legislação possibilitou a apuração mensal, por intermédio da
qual 0 c o n trib u in te efe tu a pagam ento mensais (antecipações ou
estim ativas), seja com base na presunção de receita bruta, seja pelo
balancete mensal acumulado de suspensão e redução, de modo que, ao
fin al do ano-calendário (31 dezembro), apura o IRPJ devido no ano-
calendário, subtrai o montante das estimativas recolhidas durante o ano, e
apura o montante ainda devido aos cofres públicos ("ajuste anual").
A título exemplificatívo, a apuração mensal será, assim apresentada à
Autoridade Fiscal:

Su«p«nsâo/R educia SusDsnsío^Ríducâo Suspensâ»/R«ducão Sutp«ns&o/()«dvcao


Hvm mWM «br/D4

S a w d a c ilc u lo lfiP J 207.978,46 (24.053.437,01) 7.038.988,44 14.609.556,49

IRPJ<15% ) 31.196,77 0,00 1.055.848.27 2.191.433,47


A dkiW M ] d« IRPJ |1D%) 18.797 85 0,00 697.898.84 1.452 955,65
D td u ç S e i e ls«n (6ac (-) 0,00 0,00 0,00 (130 273,06)
n p j devido tm «nterto rM (•) 0,00 (49.994,62) (49.994.62) (1.753.747,11)
IRRF 0,00 0,00 (7.471,77) (216.646,93)
IR r«tldo po r órgAo p ú b llM {•) 0,00 0,00 (24.827,84) (1.487,50)
0,00
IR PJ a Pagar 4 9 ,8 K « 2 (49.994,62) 1.871.45239 1.542J34.S2

S uso«niáo A c(fu cáo Sv$p*n sâo i'R ed u(Ío SuspansiofRaducâo


m «M 4 iun/04 hiU04 W o /04

B u e d » cálculo IRPJ 9.540.315,4$ (184.048,79) (17.921.991.71) (31.810^40,63)

IR P J(15% ) 1.431.047,32 0,00 0,00 0,00


A d k lo M l d * IRPJ (10% | 944 031.55 0,00 0,00 0,00
D td u çA M a b«nç6«a 0,00 0,00 0,00 0,00
IRPJ devido «m antartorM (•) (3.514.116.06) (3.514 116,06) (3.514.116,06) <3.514.116,06)
IRRF 0,00 0,00 0,00 0,00
IR ratido po r òrgAo p ú u ic o <•) 0,00 0,00 0,00 0,00

R P J a Pagar {1.139.057,19) (3 .514.1H .06) |3,914.11«,0«) (3.914.116,96)

Suspensão/Redução Suspanslo/R sdução SusM Dsão/Reducão Suaoensão/Reducão


out/04 novflM <le</04
Baaa d * cálculo IRPJ (61.388.854.13) (78.249.374,17) (70.823.530,16) (58.993.488,33)

IRPJ (15% ) 0,00 0.00 0,00 0,00


A dW onal da IRPJ (10%) 0,00 0.00 0,00 0,00
D cduçO ai a taançAa* (•) 0,00 0,00 0,00 0,00
IR PJ davldo atn m aaa* an tario rM (•) (3.514.116,06) (3.514.116,06) (3.514.116,06) (3.514.116.06)
«R F 0,00 0,00 0,00 0,00
IR ratkio por 6r@ ã* público (-) 0,00 0,00 0.00 0,00

IRPJ a Pagar (3.514.119,0$) (3.S14.116,0<) (3.514.116,06) (3.514.116,96)

A planilha acima demonstra como é declarada à autoridade fiscal a


apuração do IRPJ de uma pessoa jurídica optante pelo lucro real anual que
efetua o pagamento com base nos balanços de suspensão e redução.
Trazendo os elementos gráficos acima para a linguagem literal, tem-
se o seguinte:
(i) No período de janeiro a abril de 2004, o contribuinte fictício
apurou um valor de R$ 3.644.389,12 a título de IRPJ/Estimativa;

436
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

(ii) Em abril de 2004, levantou balancete de redução/suspensão e


apurou a quantia a pagar de R$ 1.542.234,52, tendo em vista que
o saldo acumulado de IRPJ devido, nos meses anteriores, era de
R$1.753.747,11;
(iii) Em maio de 2004, o mesmo procedimento descrito nos itens (I)
e (ii) foi adotado, de modo que o c o n trib u in te apurou um
montante de IRPJ/Estimativa de R$ 2.375.078,87 e suspendeu o
recolhimento neste mês, tendo em vista que já tinha acumulado
o montante de R$ 3.514.116,06 a título de IRPJ/Estimativa de
meses anteriores,
(iv) Portanto, em maio de 2004, como decorrência do valor apurado
como "a pagar", o contribuinte nada teria a recolher aos cofres
públicos, visto que já havia recolhido m ontante superior ao
apurado como efetivamente devido.

Ao final do ano-calendário, nos termos do que determina a legislação


em vigor, o contribuinte apuraria o lucro real anual e poderia se ver diante
de duas situações, quais sejam:

(i) Aquela na qual apurou saldo negativo a recuperar, situação na


qual o montante das estimativas de IRPJ recolhidas seja superior
ao montante do IRPJ apurado no ano-calendário; e
(ii) Aquela na qual apurou saldo a pagar, caso o m ontante das
estimativas recolhidas tenha sido in ferior m ontante de IRPJ
apurado no ano-calendário.

Contudo, quando as autoridades administrativas analisam a apuração


acima, e verificam que o contribuinte pretendeu compensar saldo de IRPJ
recolhido a maior em determinado mês, simplesmente pressupõem que o
saldo credor compôs o saldo de estimativas recolhidas durante o ano-
calendário, e, portanto, manifestam-se no sentido de que a compensação
só pode ocorrer quando do ajuste ao final do ano-calendário, por intermédio
do aproveitamento de eventual saldo negativo apurado.
Entretanto, deixam de atentar para o fato de que o valor que consta
na apuração declarada ao FISCO (quando da entrega da Declaração de
Informações Econômico Fiscais da Pessoa Jurídica - "DIPJ") não corresponde,
necessariamente, ao valor recolhido aos cofres públicos, que apenas será
demonstrado em outro dever instrumental, que é a Declaração de Débitos e
Créditos Tributários Federais ("DCTF").
Com isso, atribuem ao saldo credor, a que faz jus o contribuinte,
natureza jurídica equivocada, proibindo-lhe de recuperar um verdadeiro
indébito tributário.

437
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT UAIS

De fato, o que se pretende demonstrar, pela análise da planilha


hipotética acima transcrita, é que apenas se poderia falar em compensação de
estimativas se o contribuinte pretendesse aproveitar o m ontante de R$
49.994,62, por exemplo, que foi o saldo credor apurado em fevereiro de 2004.
Entretanto, se por hipótese o contribuinte que apurou o IRPJ acima
d em on stra do tivesse re co lh id o e qu ivocadam ente, em guia DARF de
recolhimento, R$ 60.000,00 no mês de janeiro, não poderia o FISCO lhe negar
o direito de compensar esse pagamento indevido, que não se subsume ao
conceito de estimativas mensais nos termos da legislação vigente.
Sobre o assunto já se m anifestou o antigo Primeiro Conselho de
Contribuintes, por intermédio do Acórdão de ns 105-16205, de lavra dos
Conselheiros da Quinta Câmara, cuja ementa abaixo se transcreve:

RESTITUIÇÃO/COMPENSAÇÃO-RECOLHIMENTO DE ESTIMATIVA A
MAIOR QUE 0 DEVIDO - 0 v a lor do re co lh im e n to a títu lo de
e stim ativa m a io r que o devido segundo as regras a que está
s u b m e tid o o lu c ro real an u al, é passível de c o m p e n s a ç ã o /
restituição, a p a rtir do mês seguinte. 0 valor a que está vinculado
à apuração no final do ano é a estimativa recolhida de acordo
com a legislação de regência do referido sistema.

Para melhor compreensão da matéria discutida nesse acórdão, cite-


se tre c h o do vo to p ro fe rid o pelo Conselheiro José Clóvis Alves, cujo
posicionamento foi confirmado pela Câmara Superior de Recursos Fiscais,
em outubro de 2009;

A tese d efe n d id a pela Turm a da D RJ é ve rd a d eira sim, mas


som ente em relação ao valor recolhido a títu lo de estim ativa
d e n t r o das n o rm a s q u e re g e m ta l s is te m a . Os v a lo re s
c o rre ta m e n te calculados c o n fo rm e as regras da e stim a tiv a
realm ente só podem ser compensados quando da apuração do
lu c ro real anual ou base de cá lcu lo da CSLL ta m b é m anual
conform e inciso IV do §3“ do artigo 2° da Lei n° 9.430,
A lei, no entanto, não vincula valores recolhidos além do devido
com o estimativa à apuração anual, pois o inciso IV do §3* do
artigo 2" da Lei 9.430/96, vinculou o valor "do im posto de renda
pago na form a deste artigo", ou seja no valor exato devido como
estim ativa, nada disse a respeito de valores excedentes, logo
tem os uma interpretação restritiva.
Talvez o engano, ta n to da DRF como da D RJ foi o de ente n d er a
vinculação do valor da estimativa ao apurado no final do ano,
de fa to tê m razão q uanto ao valor devido a esse títu lo , porém
q u a nto a quaisquer o u tros valores recolhidos indevidam ente,
tem os que seguir as normas do CTN, artigo 165, (...)

438
DIREIT O T R IB U T Á R IO ' QUESTÕES AT UAIS

P oderia se a rg u m e n ta r q u e o fa t o g e ra d o r do im p o s to ou
c o n trib u iç ã o só se a p e rfe iço a no fin a l do ano, q u ando há o
levantam ento do balanço e a apuração do lucro real anual. De
fa to isso é verdadeiro, porém não há nenhum a dúvida de que
re colhim entos fe ito s acima dos valores apurados seguindo as
re g ra s de e s tim a tiv a m e n s a l p re v is ta s na leg isla çã o , são
re colhim entos indevidos, indevidos porque se há uma dúvida
em relação ao devido no final do ano a fa vo r do sujeito passivo.
Indevidos porque ultrapassam o valor que a legislação obrigou
0 c o ntrib u in te a recolher.
(...)

Cabe re ssa lta r q u e a legislação não e s ta b eleceu q u a is q u e r


re c o lh im e n to s a m a io r que os estabelecidos pelas regras de
e s tim a tiv a considerados antecipação daquele a ser apurado
no final do ano. Logo não cabe a in té rp re te restringir o que o
legislador não o fez, (...)

Conforme se extrai do voto proferido pelo Conselheiro José Clovis


Alves, no acórdão acima indicado, considerando-se o d isp o sto no Inciso IV
d o § 38 d o a rtig o 2s da Lei nS 9 .4 3 0 /1 9 9 6 , q u e co n c e itu a q u e a e s tim a tiv a
m en sal é a c o rre s p o n d e n te a o " im p o s to pago na fo rm a d e s te a rtig o " no
v a lo r e x a to a p u ra d o a títu lo d e e s tim a tiv a m en sal d e IRPJ, conclui-se que,
n o caso d e se a p u ra r u m d e te rm in a d o v a lo r e se re c o lh e r v a lo r s u p e rio r ao
a p u ra d o , n ã o se está a tr a t a r d e e s tim a tiv a , m as sim d e in d é b ito trib u tá rio ,
que pode ser compensado a qualquer tempo nos termos do que determina
0 artigo 165 do CTN, sob pena de se exigir do contribuinte montante que não
possui natureza de tributo, e, com isso, se ofender ao princípio da legalidade.
Ressalte-se que o referido acórdão foi referendado recentemente pela
Câmara Superior de Recursos Fiscais, a qual reconheceu o entendimento ora
defendido no sentido de que o montante que exceder ao apurado nos termos
do que determina a Lei n? 9.430/1996 poderá ser compensado a qualquer
tempo. Confira-se, por oportuno, o resultado do julgamento do Acórdão/CSRF
n2 01/00.406 (ainda pendente de formalização), abaixo transcrito:

"P or unanim idade de votos, dar p rovim e nto parcial ao Recurso


especial do co n trib u in te para afastar a negativa do pedido de
com pensação com base no fu n d a m e n to de não ser possível
re stitu ir valores recolhidos a m aior daqueles estabelecidos por
lei a títu lo de antecipa çã o (e stim ativa s) e, p o r conseguinte,
d e te rm in a r que seja examinadas as demais questões de m érito
in e r e n te s ao p e d id o de c o m p e n s a ç ã o f o r m u la d o p e lo
c o n t r ib u i n t e , in c lu s iv e no q u e se r e f e r e à c o rr e ç ã o das
retificações de declaração e ao eve ntua l a p ro v e ita m e n to do
citado cré d ito ao final do ano-calendário." (Acórdão CSRF 0 1 /
0 0 .4 0 6 - g . n .) .

439
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Ainda, o atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais também


referendou a tese aqui discutida:

"(...) APURAÇÃO DO INDÉBITO. COMPENSAÇÃO. ADMISSIBILIDADE.


Somente são dedutíveis do IRPJ apurado no ajuste anual as
estimativas pagas em conformidade com a iel, o pagamento a
m a io r de e s tim a tiv a c aracteriza in d é b ito na d a ta de seu
recolhimento e, com o acréscimo de juros à taxa SEUC, acumulados
a partir do mês subseqüente ao do recolhimento indevido, pode
ser compensado, mediante apresentação de DC0í\1P, inclusive
com o próprio IRPJ apurado no ajuste anual, mas sem a dedução
d a q u ele e x ce d en te e c o nsid e ra nd o, ta m b é m , os acréscimos
m oratórios incorridos desde de fevereiro do ano subseqüente,
na form a da lei." (Acórdão 1101-00.296 - g.n.)

De fato, conforme bem afirmou o Conselheiro José Clovis Alves, deve-


se ter em conta que o disposto no inciso IV do § 3^ do artigo 29 da Lei n9
9.430/1996, conceitua que a estimativa mensal é a correspondente ao
"imposto pago na forma deste artigo", no valor exato apurado a título de
estimativa mensal de IRPJ.
Porém, no caso de se apurar um determinado valor e se recolher valor
superior ao apurado, não se está a tratar de estimativa, mas sim de indébito
tributário, que pode ser compensado a qualquer tempo nos termos do que
determina o artigo 165 do CTN.
Pois bem, diante do que se expôs, confirma-se a tese de que a não
homologação das compensações de pagamentos a maior de saldo de IRPJ
recolhido mensalmente decorre de interpretação equivocada, frise-se, das
autoridades fiscais, que deixam de tipificar o fato como indébito tributário e
aplicam ao caso as normas referentes às estimativas mensais devidas na forma
da legislação vigente, o que fere frontalmente o princípio da tipicidade cerrada.

4.1. Da Ofensa ao Princípio da Legalidade

O sistem a trib u tá rio b ra s ile iro é regido p or princípios


constitucionalmente estabelecidos, que, inclusive, limitam o poder dos entes
tributantes. Dentre esses princípios um dos corolários é o da Legalidade,
que apenas admite a exigência de tributo Instituído por meio de lei.
Este princípio, o da Legalidade, prescreve que ninguém será obrigado
a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em decorrência de lei, e, no
caso de criação de tributos, "incontroverso, pois, que a cobrança de qualquer
trib u to pela Fazenda Pública (nacional, estadual, municipal ou distrital) só
poderá ser validamente operada se houver uma lei que a autorize. O princípio
da legalidade é um lim ite Intransponível à atuação do FISCO. O trib u to

440
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

subsume-se a esse princípio constitucional. Nisto estamos com Renato Alessi,


quando defende a idéia de que La amministrazione p uòfare soltanto cio che
Ia legge consente. Afinal, a vontade da lei, na obrigação tributária , substitui
a vontade das partes, na obrigação privada^®®."
Nesse contexto, a exação exigida deve se conformar às normas
constitucionais, até mesmo para que não se atente contra o princípio da
propriedade. Daí decorre também a conclusão de que, na hipótese de
pagamento indevido, como é o caso que se ilustrou no presente estudo, o
contribuinte tem o direito subjetivo de restituir, ou compensar o valor
indevidamente recolhido aos cofres públicos.
Confira-se, a propósito, o entendimento de José A rtur Lima Gonçalves e
Márcio Severo Marques sobre a matéria^®^, verbis:

Segundo o principio da legalidade, ninguém é obrigado a fazer ou


deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Em matéria
de criação de tributos, Instrumento principal de abastecimento
do Estado, esse princípio implica que apenas a lei pode descrever
as hipóteses de incidência tributária, dentro dos parâmetros
estabelecidos pelas normas constitucionais que fundam entam
sua validade (seja no que tange ao pro cedim ento fo rm a l, seja no
que respeita aos lim ites m ateriais da com petência Im positiva
c o n stitu cion a lm e nte estabelecida.
Em o u tra s palavras, a C o n s titu iç ã o o u to rg o u co m p e tê n c ia s
impositivas às pessoas políticas de d ire ito público interno para
a institu iç ã o de trib u to s , estabelecendo certos p a râm e tro s -
limites - para o válido desenvolvim ento da atividade legislativa
assim autorizada, harmonizando o exercício da trib u ta çã o com
os d ireitos e garantias individuais e fundam entais.
(...)

Em razão dessa circunstância, o particular tem direito subjetivo


de não sofrer qualquer diminuição patrimonial em virtude da
cobrança de tributos que não se conform em às exigências
estabelecidas pelas normas constitucionais que autorizam a sua
instituição, delim itando a competência impositiva outorgada à
pessoa política de direito público interno. (...) (g.n.)

Assim, verificando-se que o contribuinte apurou certo montante a


título de estimativas mensais de IRPJ (que é o valor que será computado na
declaração de ajustes ao final do ano-calendário), mas efetuou recolhimento

CARRAZA, Roque A n tô n io , Curso d e D ireito C onstitucional Trib utário, 2 0 ed. rev., a m p . e a tu a l., São
P a u lo : M a lh e ir o s E d it o r e s , 2 0 0 4 , p. 232.
In O D ire ito à re s titu iç ã o d o In d é b ito T rib u tá rio . P. 1 9 8 e ss.. R epetição do in d é b ito e c o m p e n s a çlo
no d ire ito t r ib u t á r io - c o o r d . H u g o d e B r i t o M a c h a d o . São P a u lo ; D ia lé tic a , 1999.

441
D IR k íT O TR IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

de um valor a maior do que o efetivamente apurado, não há motivação legal


suficiente para que a autoridade fiscal negue essa compensação, pois que
resta evidente a caracterização de um verdadeiro indébito tributário.

5. Conclusões

Em suma, as estimativas mensais são aquelas que se subsumem ao


disposto no inciso IV do § 3- do artigo 2e da Lei ns 9.430/^6, pelo que,
quaisquer recolhimentos realizados que não se adequem aos estritos termos
dessa norma não devem ser tomados como estimativas mensais.
Assim sendo, caso ocorra um recolhimento aos cofres públicos, que
não tenha sido apurado nos exatos termos da lei, e, tendo esse recolhimento
ocorrido em montante superior ao exigido na legislação vigente, é dever da
adm inistração pública devolver ao co n trib u in te o m ontante recolhido
indevidamente ou a maior, em obediência ao princípio da legalidade.
Isso porque, o sistema trib u tá rio nacional, levando em conta a
necessidade de sopesar os diversos princípios in stitu íd o s
constitucionalmente, garante aos contribuintes a segurança de que apenas
lhes será exigido tributo nos estritos termos da lei, se, e tão somente se,
ocorrer a hipótese de incidência prevista no RMIT e se todos os outros
critérios previstos na RMIT foram integralmente preenchidos.Bem por isso
é que o princípio da legalidade é o corolário do Direito Tributário.

6. Referências

AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2001.

ATALIBA, Geraldo, Hipótese de Incidência Tributária, 3^ ed., São Paulo:


Malheiros, 2001.

CARVALHO, Paulo de Barros, Curso de Direito Tributário, 19^ ed., São Paulo:
Saraiva, 2007.

CARRAZA, Roque Antônio, Curso de Direito Constitucional Tributário, 20 ed.


rev., amp. e atual., São Paulo: Malheiros Editores, 2004.

COELHO, Sacha Calmon Navarro, Curso de Direito Tributário, 5^ ed. Rio de


Janeiro: Forense, 2000.

DIAS, Karem Jureidini e PEIXOTO, M arcelo Magalhães, Compensação


Tributária, São Paulo: MP Editora, 2008.

GONÇALVES, José A rtu r Lima, Im posto sobre a Renda: pressupostos


constitucionais, São Paulo: Forense, 1997.

442
D I R E I T O TRIBLSTAPIO QUESTÕES ATUAIS

HIGUCHI, Hiromi, HIGUCHI, Fábio Hiroshi e HIGUCHI, Celso Hiroyuki, Imposto


de Renda das Empresas - Interpretação e Prática, 33^ ed., São Paulo: IR
Publicações, 2008.

MARTINEZ, A ntonio Lopo, A Linguagem Contábil no Direito Tributário,


Dissertação de Mestrado em Direito, Sao Paulo: PUC-SP, 2002.

MAXIMILIANO, Carlos, Hermenêutica e Aplicação do Direito, São Paulo: Livraria


Editora Freitas Bastos, 1947.

MOSQUERA, Roberto Quiroga, Renda e Proventos de Qualquer Natureza: o


imposto e o conceito constitucional, São Paulo: Dialética, 1996.

MOSQUERA, Roberto Quiroga. Direito tributário e tributação da moeda. São


Paulo: Dialética, 2006.

__________ . Os princípios informadores do direito do mercado financeiro e


de capitais. Artigo publicado no livro aspectos atuais do direito do mercado
financeiro e de capitais - Coordenador Roberto Quiroga Mosquera. São Paulo:
Dialética, 1999.

__________ . Tributação no mercado financeiro e de capitais. São Paulo:


Dialética, 1998.

TORRES, Ricardo Lobo. Restituição de Tributos, Rio de Janeiro: Forense, 1983.

443
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

O SU PR EM O TR IB U N A L FEDERAL E A FILOSOFIA DA
LINGUAGEM
anotações sobre o conceito de norma na jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal

Robson Maía Lins^^

1. A escolha do tema

Se para Viiém Flusser a Poesia aumenta o território do pensáveí, mas


não dim inui o te rritó rio do impensável, no sistema jurídico norm ativo
também as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), no exercício de
competência de controle de constitucional idade, aum entam o grau de
certeza das interpretações válidas (das normas jurídicas válidas). Entretanto,
essas decisões não dizem tudo sobre a certeza quanto às interpretações
que, no fu tu ro , venham a ser declaradas inválidas pelo próprio Poder
Judiciário. Com isso, querem os dizer que há sempre presunção de
constitucionalidade das normas jurídicas, mas não há certeza, visto que até
normas declaradas constitucionais, pelo próprio STF, em controle abstrato e
concentrado, podem vir a ser declaradas inconstitucionais, pelo próprio STF,
em momento posterior.
É certo que princípio da inesgotabilidade dos sentidos garante a
manutenção da dúvida em todos os objetos interpretados pelo homem. É
por isso que Flusser^^' diz que a língua "...é, a um tempo, a mais antiga e a
mais recente obra de arte, obra de arte majestosamente bela, porém sempre
imperfeita. E cada um de nós pode trabalhar esta obra, contribuindo, embora
modestamente, para aperfeiçoar-lhe a beleza."
Comparando a poesia às decisões judiciais, precisamente aquelas
produzidas pelo STF, teremos o campo propício para se fazer aproximações
entre essas duas categorias. Elas - as decisões judiciais - trabalham para
aperfeiçoar o sistema jurídico, que nunca está perfeito e acabado. Elas - as
decisões judiciais - assim como a poesia em relação à língua, atualizam o
sistema jurídico, constituindo-o.
0 ser jurídico, substrato do ser social, ocupou e ocupa o centro das
preocupações da Filosofia do Direito, com reflexos imediatos na Teoria Geral
do Direito e na Ciência do Direito em sentido estrito (Dogmática Jurídica).

™ - D o u to r e M e s tr e e m D ir e ito T r i b u t á r i o p e la PUC-SP. P ro fe s s o r d a F a c u ld a d e d e D ir e i t o d a PUC/


SP. P ro fe s s o r d o s c u rs o s d e E s p e c ia liz a ç ã o e m D ir e i t o T r i b u t á r i o d o IBET e A d v o g a d o
Língua e r e a lid a d e . 2 0 0 4 , p. 37.

445
DIREITO TRIBUTÁRIO: QUESTÕES ATUAIS

Este trabalho tem por finalidade examinar o ser jurídico das decisões
judiciais, precisamente das decisões do STF, elegendo como cenário a função
da linguagem na constituição das normas jurídicas, introduzindo-as no
sistema jurídico, atualizando-o com os valores predominantes no sistema
social.
Entre as várias competências atribuídas ao STF pela Constituição da
República escolhemos aquela que prescreve o exercício da jurisdição
constitucional, competência que permite à Corte Maior realizar o exame de
constitucionalidade das normas jurídicas, fiscalizando e preservando a
higidez da Constituição, tem sido o cenário propício para o debate acerca de
temas relacionados à Teoria Geral do Direito.
A produção de atos de fala pelo Poder põe no ordenamento jurídico
diversas interpretações, vale dizer, diferentes normas jurídicas. Quando
essas interpretações regulam condutas de forma contrária ou contraditória,
aparece o STF, órgão que ocupa a cúspide da pirâmide normativa, para
prescrever, com assomos de maior segurança jurídica, a interpretação que
vale, isto é, a norma jurídica que vale.
Um desses conceitos é o de norma jurídica, foco tem ático desta
abordagem. Para ta n to , associamos alguns temas já enfrentados pela
Jurisprudência constitucional brasileira, tais quais, efeito vinculante, efeitos
erga omnes, e fe ito s tra nsce n de n te s, in c o n s titu c io n a l idade por
"a rrasta m e nto ", a causa de p e d ir nas ações de c o n tro le abstrato de
constitucionalidade, onde o STF expôs o conceito de norma jurídica como
sendo, essencialmente, uma construção de sentido levada a cabo pelo
intérprete dos textos jurídicos.
Elegemos alguns tem as que, m encionados e u tiliza do s pela
jurisprudência do STF, norteiam a concepção de norma jurídica dominante
naquela Corte Constitucional, aproximando-a do construtivism o lógico-
sem ântico, onde a postura a analítica, e s tru tu ra l, cede espaço ao
hermenêutico, trazendo o lado cultural do fato jurídico.
Essa aproxim ação ocorrerá com os conceitos de declaração de
inconstitucionalidade parcial sem pronúncia de nulidade, efeito vinculante,
in te rp re ta ç ã o co n fo rm e a C onstitu içã o, in c o n s titu c io n a lid a d e por
arrastamento, efeitos transcendentes e normas paralelas e a declaração de
inconstitucionalidade.

2. Conceitos e associações utilizados pelo STF que perm item


identificar o paradigma filosófico utilizado na construção do conceito
de norma jurídica

A implantação de ação judicial específica de controle abstrato de


constitucionalidade, que ocorreu por intermédio da Emenda Constitucional

446
Ü IR E iT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

n5 18, de 1965, além de c o n trib u ir para o avanço do c o n tro le de


constitucionalidade no nosso sistema constitucional, instigou fortes debates
acerca dos paradigmas filosóficos adotados pelo STF em suas decisões.
Lembremos que, da Constituição Republicana de 1891 até a referida
Emenda Constitucional n. 18, de 1965, as decisões do STF, em matéria
constitucional, eram proferidas em relação apenas aos casos concretos,
circunstância que, de certa forma, facilitava o exame da matéria: quando
procedente a arguição de inconstitucionalidade, afastava-se a aplicação do
ato normativo maculado, decidia-se a causa, emprestava à decisão efeitos
ex tunc e inter partes. Esta linha de argumentação, ainda hoje majoritária no
STF, parte da premissa de que o ato normativo que está em contradição com
a Constituição, é um ato nulo. E nulo no sentido em duas acepções: (i) não
produzir efeitos ou, se efeitos houver gerado, (ii) que sejam retirados do
sistema jurídico.
A análise das p rim e ira s representações d ire ta s genéricas de
inconstitucionalidade contribuiu sobremodo para Corte Maior superar a
concepção de norma jurídica como suporte físico, letra da lei, foi cedendo
espaço às linhas construtivistas das normas jurídicas. Com isso, pavimentou-
se 0 caminho para o reconhecimento do método de interpretação sistemático
como sendo o mais adequado ao conhecim ento científico do d ire ito,
porquanto percorre os três planos da linguagem jurídica, quais sejam,
sintático, semântico e pragmático. Assim, a literalidade textual assume do
lugar de ponto de partida dos intérpretes, agentes competentes para realizar
a incidência, ou mesmo cientistas que pretende descrever o direito positivo.
0 aumento da complexidade do sistema jurídico normativo, com o
disciplinam ento de vários temas num mesmo texto norm ativo, levou o
Supremo Tribunal Federal, a pretexto de im p le m e n ta r as técnicas de
"declaração de inconstitucionalidade parcial sem pronúncia de nulidade" e
a "interpretação conforme a Constituição", a atribuir à interpretação à função
de constitutiva de normas jurídicas, cuja empreitada parte do suporte físico
(Sl), passando pelo plano das significações (S2), sistematizadas (S3) em
relações de coordenação e de subordinação (54).
Também contribuiu sobremodo para esta evolução a necessidade de
se implementar o que o STF vem denominando de "efeitos transcendentes
das decisões em controle abstrato de constitucionalidade", onde se sustenta
que não só a parte prescritiva da decisão do STF vincularia as partes, mas
também seus fundamentos.
Ainda mais, a técnica de controle de constitucionalidade das leis
aplicada correntem ente quando havia o prestígio o m étodo literal de
in te rp re ta ç ã o das norm as, que consistia na declaração de
inconstitucionalidade com pronúncia de nulidade (redução da literalidade
textual, efetivada com o risco no suporte físico) foi, juntam ente com a

447
DIREIT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES A T UAIS

inarredávei necessidade de im p le m e nta çã o do m é tod o sistem ático,


cedendo espaços a outros métodos de controle de constitucionaiidade dos
atos normativos, onde, ao invés de se mexer na llteraiidade textual, para, só
indiretamente, atingir-se o piano significações, mexe-se diretamente nos
conteúdos de significações, prestigiando umas e excluindo outras do sistema
normativo.
Até aí a interpretação funcionava como mecanismo de extração de
significados, como se do ser {suporte físico) se passasse para o dever ser
(enunciados); ou, pior, com se a interpretação permitisse tira r dos textos
outra realidade do mundo do ser, qual seja, a única interpretação possível.
Essa revolução que está por trás da adoção da interpretação conforme
a constituição, declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de
texto e a concessão de efeitos transcendentes somente foi possível por
causa do redimencionamento do conceito de norma jurídica. Este conceito,
por ser categorial,

3. Norma jurídica strícto sensu e lato sensu, leí, texto de lei, enunciado
prescritivo e outros conceitos conexos

Anotamos que os conceitos de norma jurídica, em sentido amplo e


restrito, de lel, de texto de lei, enunciado prescritivo e fontes do direito
também respondem por expressiva parte dos problemas e das evoluções
porque passa a Ciência do Direito. São conceitos que, para serem bem postos,
necessitam de p osicion a m en to em relação à Filosofia do D ireito ,
precisamente em relação à adoção dos paradigmas das linhas ditas retóricas,
onde a linguagem adquire im portância central'^', ou ontológicas, que
dispensam à linguagem a função descritiva de situações objetivas.
Para nosso trabalho, interessa-nos assentar que na declaração de
inconstitucionalidade nem sempre o te x to de lei (ou a lei) precisa ser
alterado para que a norma jurídica seja declarada inconstitucional. Assim é
na declaração de inconstitucionalidade sem redução de texto (adiante
retornaremos em detalhes) ou na interpretação conforme a constituição'^’.
Intencionalmente, deixamos por últim o a abordagem de norma jurídica,
conceito essencial nos passos seguintes desta empreitada. Ademais, o art.
102, I, a da Constituição Federal prescreve que é da competência exclusiva
do STF julgar ADIn e ADC propostas contra "lei" ou "ato normativo", o que
exige que fixemos o conteúdo semântico dessas expressões.

I n c lu í m o s o p e n s a m e n t o d e V i l é m F tusser e n t r e as lin h a s r e tó r ic a s .
OSWALDO LUÍS PALU. C o n tro le d e c o n s titu d o n o lid a d e , 2001, p. 1 88 e ss.; G ILM AR FERREIRA MENDES.
J u r is d iç ã o c o n s t it u d o r ) o l, 1 9 9 8 , p. 2 0 2 e ss,

448
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT UAIS

Lei e texto de lei abrigam conotações distintas, notadam ente na


jurisprudência constitucional. A palavra lei é predominantemente usada no
sentido de norma jurídica; ao passo que texto de lei significa a literalidade,
suporte físico.
Para nosso estudo, estipulamos que lei é uma espécie de norma
jurídica. Já a expressão “ texto de lei" é usada para conotar apenas o suporte
físico, sem significado. Quando adicionamos ao suporte físico um significado
atômico, chegamos ao nível do enunciado prescritivo. Ou seja, o enunciado
prescritivo é o texto de lei com significação. Ainda não estamos, contudo,
no campo das normas jurídicas em sentido estrito.
Norma jurídica, tomada na sua acepção sintática, é uma estrutura
bimembre constituída de um antecedente e de um conseqüente, capaz,
minimamente, de regular condutas*^', e encontra-se um passo adiante dos
enunciados prescritivos. Um conjunto de enunciados prescritivos, desde que
hábil a m odalizar, d e o n tic a m e n te , uma conduta naquela e stru tu ra
hipotético-condicional, compõe o que chamamos de norma jurídica em
sentido estrito.
De o u tra p arte, o co nce ito d o m in a n te de fo n te do d ire ito na
jurisprudência do STF oscilou entre dois mundos diversos; o primeiro, aquele
recortado pela Sociologia do Direito, onde se sustenta que fatos sociais
responsáveis pela movimentação do processo legislativo são as fontes do
direito; o segundo prega que a própria jurisprudência é fonte do direito.
Esses dois pontos de vista co ntribu íra m sobrem odo para d ific u lta r a
uniformidade do conceito de norma jurídica na jurisprudência do STF.

4. A filosofia da linguagem e seus paradigmas

A teoria do conhecimento - Gnosiologia - ganhou expressividade com


a Filosofia Moderna que buscou compreender e solucionar os problemas
relativos ao processo de conhecimento.
Originalmente a teoria do conhecimento centrava-se no estudo da
relação entre sujeito e objeto, ten d o como precursor Aristóteles, que
destacava apenas o o b je to a ser conhecido, pois, considerava o
conhecimento como o próprio objeto.
Com a chegada da filosofia da consciência, afirmavam que as coisas
tinham existência em pírica. Dentro desta teo ria podemos destacar o
pensamento de Kant'^^, que asseverava que o próprio dado real é fruto da
manifestação do pensamento, ou seja, o objeto é construído pelo homem

1*1 PAULO DE BARROS CARVALHO- F u n d a m e n to s ju r í d ic o s d o in c id ê n c ia , 2 00 8 , p. 9 4 e ss.


'^1 C ritic o d a ra z ã o p u r a , 1987.

449
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

através das categorias do conhecimento a partir das sensações ou mundo


pré-categoriai. Em outras palavras, o limite do conhecimento era imposto
pelo pensamento e pela experiência, de modo que a linguagem aparecia
nesses dois instantes, à linguagem era o instrumento que ligava o sujeito ao
objeto de conhecimento.

4.1. 0 giro lingüístico

Após, surgiu uma nova co rre nte filosófica conhecida como giro
lingüístico, que rompeu a tradicional forma de conceber a realização entre
linguagem e conhecimento, compreendendo a linguagem como edificadora
do próprio mundo circundante. Neste momento a teoria de Kant apresentou
parcialmente prejudicada, pois, a linguagem deixou de ser um meio entre o
ser cognoscente e realidade, convertendo em léxico capaz de criar tanto um
como o outro.
0 conhecimento não aparece como relação entre sujeito e objeto,
mas como relação entre linguagens, entre significações. Aqui a linguagem
ganhou um novo sentido, não aparecendo mais como um meio, como algo
que estaria entre o eu e o objeto, capaz de criar tanto o eu como a realidade.
0 marco inicial desta teoria foi à obra de Wittgenstein - Tractatus Lógico -
Philosophicus, com o trecho muito conhecido, "os limites do meu mundo
significam os limites da minha linguagem"'®'. A partir daí a linguagem passou
a ser vista como algo independente do mundo da experiência, e foi mais
além, ao afirmar que não só o objeto do conhecimento será arquitetado
pelo intelecto humano através da linguagem, mas também o próprio sujeito
cognoscente, que só existirá nos quadrantes da linguagem. Se assim é,
podemos afirmar que o próprio processo de conhecimento é uma relação
entre linguagens.'^'Se tudo é linguagem, nada existindo fora destes limites,
não só 0 objeto, como o próprio ser cognoscente, bem como o próprio
processo de conhecimento e, finalm ente, a própria realidade, só seriam
apreendidas enquanto sentido, cultura, construídos peto homem.
Esta corrente destrói a verdade objetiva e a correspondente tomada
de consciência dos limites intrínsecos do ser humano, com a subsequente
ruína do m odelo c ie n tific o representado p or m étodos aplicáveis aos
m últiplos setores da experiência física e social. 0 giro lingüístico está
plantado no principio da atuo referencialidade da linguagem.
Assim, 0 giro lingüístico supera os métodos científicos tradicionais,
dando uma nova postura cognoscitiva perante o que se entende por sujeito,

P A U LO DE B AR R O S C A R V A L H O .D ireito trib utário , linguagem e m é todo, 2 00 8, p. 25.


TÁREK M O U S S A L L E M . As fo ntes do direito trib utário , 2 0 0 6 , p . 2 4 ,

450
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

por objeto e pelo próprio conhecimento. Após o giro lingüístico passou-se a


exigir o próprio conhecer da linguagem, condição primeira para apresentação
do objeto.
0 mundo exterior, só existirá para o sujeito cognoscente se houver
uma linguagem que o constitua. Deste modo, a relação da linguagem com o
mundo, é que aquela é o único meio de compreender a realidade, uma vez,
que os signos se auto-sustentam, mantendo uma independência em face
dos objetos que eles representam. Sendo o conhecimento produzido pelo
homem, está condicionado ao contexto em que se opera, ou seja, depende
do meio social, do tempo histórico e até da vivência do sujeito cognoscente.
A relação do ser cognoscente como o objeto cognoscível só ganha
importância a partir do momento em que aceitamos a imprescindibilidade
da manifestação em linguagem. A realidade apreendida é fruto do próprio
pensamento do homem. Assim, quando o ser se aproxima do objeto com
fins epistemológicos, em verdade está se relacionando com uma linguagem
desse objeto. Ou melhor, com a ideia, utilizando a terminologia husserliana,
que 0 homem irá conhecer'®'.
Para filosofia o giro lingüístico significa um novo entendimento sobre
0 estudo da linguagem, a (linguagem) deixa de ser algo que estaria entre
"eu" e a realidade, ou seja, deixa de ser tida como relação entre o sujeito
cognoscente e o objeto, e se converte em um nexo capaz de criar tanto o
"eu" como a realidade.
De acordo com o giro lingüístico, a experiência, além de só se tornar
possível por causa da linguagem, resta condicionada pela própria linguagem.
A palavra não é só a materialização do pensamento, é o próprio pensamento'^1
As conseqüências da adoção do giro lingüístico pelo cientista do direito
são varias, quais sejam:

(i) 0 significado do significante não é seria mais a mesma coisa, o


significado passa a ser é um outro (novo) significante;
(ii) partindo do pressuposto de que a significação não depende de
referência, e se as palavras não representam o que estava
presente, então não se pode estabelecer uma distinção precisa
entre o discurso da ciência e o discurso da ficção. Não se pode
falar de uma linguagem literal e de outro significado. 0 discurso
literal seria aquele capaz de refletir os fatos como eles são, o
discurso figurado os deformariam. Mas se o significado de uma
palavra não depende da sua relação com outra coisa senão com
outra palavra, também o literal seria uma variante do figurado;

TÁREK MOU SSALLEM. A s f o n t e s d o d ir e ito t r i b u t á r i o , 2 0 0 6 , p. 26.


TÁREK MOU SSALLEM. A s f o n t e s d o d ir e i t o t r i b u t á r i o , 2 0 0 6 , p. 6.

451
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

{ iii} dado que um significante remete sempre a outro significante


e jamais a um referente, então os fatos não estão antes que
0 discurso.

Conform e discorreu N ietzclie: "n o existen hechos, solos


interpretaciones, y toda interpretacion interpreta outra interpretacion".
(eterno retorno, nunca houve uma primeira vez, a primeira vez era já uma
segunda vez ou uma repetição).
Desta forma, se os fatos não precedem a interpretação pois somente
aparecem depois de terem sido interpretados, então a interpretação cria os
fatos. Interpretar agora significa criar. Cada signo é em si mesmo não o que a
coisa se apresenta para interpretar, mas a interpretação de outros signos.

5. 0 percurso gerativo de sentido e a criação dos planos normativos

0 percurso gerativo de sentido bem demonstra a função criativa,


inovadora da linguagem, bem ao gosto de Vilém Flusser'^°l
Na firm e convicção de que o conhecim ento se opera mediante
construção lingüística, podemos afirm ar que um fato inexiste antes da
interpretação. São mediante interpretações, construções de sentido e
significações que o homem chega aos eventos, aos acontecimentos do mundo
circundante, sendo imprescindível a existência de um corpo lingüístico para
fazer a conexão entre o homem e a realidade. Todavia, isto não significa que
inexiste qualquer objeto físico quando não houver linguagem. O que estamos
falando é que, só teremos acesso às coisas que existe no mundo através da
linguagem, como leciona Paulo de Barros Carvalho'^^', "conheço determinado
objeto na medida em que posso expedir enunciado sobre ele, de tal arte
que o conhecimento se apresenta pela linguagem, mediante proposições
descritivas ou indicativas".
Por isto, o m undo não é um conjunto de coisa que prim eiro se
apresentam e, depois, são nomeadas ou representadas por uma linguagem.
Isso que chamamos de mundo nada mais é que uma interpretação, sem a
qual nada faria sentido.
0 conhecimento pressupõe a existência de linguagem, esta cria ou
constitui a realidade. Não é possível conhecer as coisas como elas se

GUSTAVO BERNARDO (A D ú v id a d e Fíusser, 2002, p. 149), bem resume o pensam ento de Flusser
sobre a função da língua; "Flusser, e s b o ç a n d o o n t o lo g ia b a s e a d a n a e s t r u t u r a d a lín g u a , a f i r m a q u e
u nive rs o, c o r ih e d m e n to , v e r d a d e e r e a lid a d e s ã o a s p e c to s lin g üístic o s . A q u i l o q u e n o s v e m p o r m e io
d os s e n tid o s e q u e c h a m a m o s d e 'r e a lid a d e 'é d a d o b r u t o , q u e se t o r n a r e a l n o c o n t e x t o d a lín gu a ,
ú nico c r ia d o r a d e re alida d e . N o e n t a n t o , c o m o as línguas, p lu ra is , d iv e r g e m n a su a e s tr u tu r a , d iv e r g e m
t a m b é m a s r e a lid a d e s c r ia d a s p o r e la s ."
D ir e i t o t r i b u t á r i o : F u n d a m e n to s j u r í d i c o s d a in c id ê n c ia , 2008, p. 109.
FABIANA DEL PADRE TOMÉ. A p r o v a n o d ir e ito t r i b u t á r i o , 2005, p. 5.

452
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

apresentam fisicamente, fora dos discursos que elas se referem. Nessa linha
esclarece Fabiana Del Padre Tomé'^^': "só há realidade onde atua a linguagem,
assim somente é possível conhecer o real mediante enunciados lingüísticos".
0 conhecimento se opera mediante construção lingüística, ou seja, a
linguagem não só fala do objeto (Ciência do Direito - metalinguagem), como
participa de sua constituição (direito positivo - linguagem-objeto). Assim,
não há manifestação do direito sem uma linguagem, idiomática ou não, que
lhe sirva de veículo de expressão, aqui tomado na sua acepção normativa,
como conjunto de normas jurídicas válidas vigentes num sistema, em um
determinado momento histórico.
A isto, acrescentam os as lições do pro fe sso r Paulo de Barros
Carvalho'^'", que

a linguagem, típica realização do espírito humano, é sempre


objeto do mundo cultural e, como tal, carrega consigo valores.
Por isso mesmo, o direito positivo se apresenta aos nossos
olhos como um objeto cultural por excelência, plasmado numa
linguagem que porta, necessariamente, conteúdos axiológicos.
Agora, esse oferecer-se em linguagem significa dizer que aparece
na amplitude de um texto, fincado este num determinado corpus
que nos permite construir o discurso, aqui utilizando a palavra
com sentido de plano de, a ser percorrido no processo gerativo
de sentido.

Gregório Robles'^^' afirma que direito é texto e explica que

a prova palpável de que direito é texto está em que todo


ordenamento jurídico é suscetível de ser escrito, isto é, de ser
convertido em palavras. Até mesmo as normas que não nascem
escritas, aquelas que são consuetudinárias, têm essa
característica. 0 direito é linguagem no sentido de que sua forma
de expressão consubstanciai é a linguagem verbalizada
suscetível de ser escrita. Isto aparece especialmente no direito
moderno, que já nasce escrito.

Desta forma, como só conhecemos o direito através da linguagem,


compreendendo-o, interpretando- o e construindo o conteúdo, sentido e
alcance da comunicação legislada. É através do discurso ou a interpretação
dos textos que construímos a norma jurídica, entendida como um "juízo

FABIANA DEL PADRE TO M É. A p r o v a n o d ir e ito tr i b u t á r i o , 2 0 0 5 , p. 7.


D ir e i t o t r i b u t á r i o lin g u a g e m e m é t o d o , 2 0 0 8 , p. 186.
0 d ir e ito c o m te xto , 2005, p. 2.

453
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT UAIS

implicacional produzido pelo intérprete em função da experiência no trato


com esses suportes comunicacionais".'^®'
Hans Kelsen'^^^ faz alusão a dois tipos de interpretação: a interpretação
das leis levada a efeito pelo aplicador do direito e a interpretação das leis
pelos indivíduos que a elas estão submetidos, ou ainda pelo cientista o
direito. Neste sentido, Tárek*^®' completa que o cientista, numa inesgotável
construção de sentido, atribui significados aos enunciados prescritivos para,
criar enunciados descritivos, enquanto o aplicador do d ire ito outorga
significações aos enunciados prescritivos para criar outros enunciados
prescritivos. Em qualquer destas hipóteses, interpretar significa construir
significações; implica forma juízos.
Lourival Vilanova ensina'^^’ que "in te rp re ta r é a trib uir valores aos
símbolos, isto é, adjudicar-lhes significações e, por meio dessas, referências
a objetos". É o interprete que atribui valor aos símbolos estruturados em
forma de frases pelo legislador e assim constrói o conteúdo significativo dos
textos. O valor, portanto, não está no suporte físico e sim na construção do
intérprete.
0 primeiro contato do Intérprete é sempre com o texto (suporte físico),
único dado o b je tiv o do d ire ito , e seu tra b a lh o é co m p ree n dê -lo . A
compreensão do texto se faz mediante um processo denominado trajetória
hermenêutica, sempre limitado pelo horizonte de nossa cultura, no qual o
intérprete vai construindo os conteúdos de significação, atribuindo, às
objetivações do legislador, teor de objetividade.
A linguagem oferece-nos três planos para entendermos o sentido do
texto, dentro de certo contexto. O processo de produção de sentido do
texto (suporte físico) começa com a etapa da literalidade ou expressão, ou
nível fundamental, que compreende o conjunto de letras, palavras, frases,
periódicos e parágrafos graficam ente m anifestados nos docum entos
concretos, postos intersubjetivamente entre os integrantes da comunidade
do discurso. A partir do momento em que o intérprete começa a edificar
uma construção do sentido da palavra, ele ingressa no plano do conteúdo.
Após isso, ele finalmente chega ao terceiro plano da linguagem, que consiste
na contextualização das significações obtidas no curso desse processo. O
discurso co nstru ído isoladam ente, até esse m o m e nto , passa a ser
compreendido em consonância com as demais significações, formando um
todo de sentido completo. Tal construção de sentido pode ser aplicada no

ii6i PAULO DE BARROS CARVALHO. D ir e i t o t r i b u t á r i o , lin g u a g e m e m é t o d o , 2 0 0 8 , p .188.


Teoria p u r a d o d ire to , 1986, p. 388.
R e v o g a ç ã o e m m a t é r i a t r i b u t á r i a , 2005, p. 103.
O u n ive rso d o f o r m a s ló g ic as e o d ir e ito , 2003, p. 15.
D ir e i t o t r i b u t á r i o : f u n d a m e n t o s ju r í d i c o s d a in c id ê n c ia , 2008, p. 67 e ss.

454
DIREIT O T R IB U TÁ R IO : QUESTÕES A T UAIS

campo da dogmática jurídica, na construção das normas jurídicas em sentido


estrito, conforme veremos.
Transportando para o direito, podemos concluir que o próprio direito
positivo se expressa por meio de enunciados (suporte físico), sobre o qual o
homem, buscará o seu sentido, na busca da construção da proposição, que,
por sua vez, significa conteúdo significativo do enunciado, ou seja, a
construção m ental do sentido do enunciado; em outras palavras, é a
proposição que dá forma à norma jurídica.
Esta construção de sentido foi aplicada pelo professor Paulo de Barros
Carvalho'^°' no campo da dogmática jurídica, na construção das normas
jurídicas tributárias, a partir de quatro subsistemas: o conjunto de enunciados
prescritivos (Sl); o conjunto das significações dos enunciados prescritivos
(S2); o conjunto das significações articuladas entre si (S3) e as normas que
dão a esse conjunto de normas o timbre de sistema, estabelecendo relações
de coordenação e de subordinação (54).
O primeiro subsistema está no plano da expressão, ou seja, no plano
material, físico, onde está o suporte físico dos enunciados prescritivos. Este
sistema marca o início do percurso da interpretação, onde a mensagem
expedida pelo autor se manifesta graficamente. Nessa fase, o intérprete
depara-se com os textos do direito positivo (constituição, lei complementar,
lei ordinária, decretos, acórdãos, contratos, dentre outros), introdutores de
enunciados prescritivos dotados de sentido. Estes são os únicos dados
objetivo de que dispõe o intérprete. Um só texto pode ser suficiente para o
intérprete conformar a norma jurídica. Nada obstante, não raras podem ser
as vezes em que tal missão requererá do intérprete uma detida incursão nos
vários textos do direito positivo’^^'.
U tilizan do o m é tod o analítico, podem os isolar os enunciados
prescritivos, formando o subsistema das significações proposicionais. Aqui,
0 intérprete ingressa no plano do conteúdo, no sistema S2 conhecido como
o conjunto de conteúdos de significação dos enunciados prescritivos. Nessa
fase, intérprete reúne e seleciona as significações construídas a partir dos
enunciados, considerados isoladamente, a fim de com por segmentos
portadores de sentido. A articulação dessas significações em relação de
coordenação e subordinação dá origem à norma jurídica. Sua formação dá-
se no mesmo plano (do conteúdo), porém, no terceiro subsistema. “Ao
terminar a movimentação por este subsistema, o interessado terá diante de
si um conjunto respeitável de enunciados, cujas significações já foram
produzidas e permanece à espera das novas junções que ocorrerão no outro
subdomínio".'^^' Neste ponto, o interprete entra no sistema S3 chamado de

'^'1 D ir e i t o t r i b u t á r i o : f u n d a m e n t o s j u r í d i c o s d a in c id ê n c ia , 2 0 0 8 , p. 66/67.
1^" PAULO DE BARROS CARVALHO. D ir e ito t r i b u t á r i o , lin g u a g e m e m é to d o , 2 0 0 8 , p. 189.

455
D IRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES ATUAIS

domínio das significações normativas, ele Já conhece vários enunciados


prescritivos, e consegue com este agrupamento de enunciados prescrever a
hipótese jurídica e sua conseqüência. É nessa fase (S3) que o intérprete
constrói a unidade mínima do deôntico‘^^K
As normas constituídas no plano S3 precisam ser dispostas sob a forma
de sistema. Entram em cena as norm as de e stru tu ra ç ã o (S4), que
estabelecem as relações coordenativas e subordinativas, atribuindo ao
direito positivo as características de sistema.
Sempre que necessário, o interprete poderá voltar as dois subdomínios SI e
S2, não saindo do percurso gerativo de sentido.
A interpretação não é o produto e sim o processo que se inicia no SI e
vai até o S3. Somente no domínio das significações normativas é que as
normas jurídicas aparecem como unidades mínimas e irredutíveis do
deôntico completo, estruturadas sempre a partir de juízos condicionais, em
que as suas variáveis são ligadas pelo d e v e rs e r ou pelo princípio da
implicação. Para finalizar, tem-se, o plano de organização do sistema - o S4,
ou seja, no S3 tem-se a regras jurídicas e neste sistema hierarquiza-se as
normas jurídicas dentro do sistema.
Paulo de Barros Carvalho'^'*' adverte que, construído o sentido da norma
jurídica, o intérprete, enquanto órgão do sistema, terá que formalizá-lo em
linguagem competente, inserindo, assim, mais um elemento (enunciado
prescritivo) no plano da expressão (Sl). Ainda que órgão não seja, terá o
in térpre te que revestir em linguagem o produto de sua interpretação,
regressando, destarte, ao plano material (Sl). Essa é a função do intérprete.
O processo de positivação do direito inicia com o texto de lei e avança,
gradativam ente, em direção aos com portam entos inter-hum anos para
discipliná-los e tornar possível a vida em sociedade. Não podemos esquecer
que a positivação do direito só ocorrerá com a linguagem competente, por
meio da linguagem das provas.
José Souto Maior Borges'^^’ já advertia que

a aplicação do D ire ito pressupõe a in te rp re ta ç ã o do Direito.


Sem p révia in te rp re ta ç ã o , é im p ossíve l a p lic a r a n o rm a . A
a p lic a ç ã o do D ir e it o c o lo c a -s e , p o is , n u m a p o s iç ã o de
d e p e n d ê n c ia no to c a n t e à sua in t e r p r e t a ç ã o . M a s, a
in terp re ta çã o pode lim itar-se apenas à pura obra do u trin ária
de e x e g e se , nã o im p lic a n d o , e m ta is c irc u n s tâ n c ia s , a
necessidade de p o s te rio r aplicação. A d o u trin a in te rp re ta a

D i r e i t o t r i b u t á r i o : f u n d a m e n t o s j u r í d i c o s d o in c i d ê n c i a , 2 0 0 8 , p.66.
D ire ito tr ib u tá r io : f u n d a n ^ e n t o s J u r íd ic o s d a in c id ê n c ia , 2008, p. 86.
T r a ta d o d e d ir e i t o b r a s ile ir o , 1981, p. 87.

456
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

norma; não a aplica. A aplicação do Direito, quem a pratica é o


órgão para ta n to autorizado pelo o rd en a m e nto jurídico.

Então, o procedimento de aplicação do direito e órgãos credenciados


para tan to estão previstos no direito positivo. Ele - o direito positivo -
prescreve como deve ser in te rp re ta d o e aplicado, florescendo dessa
aplicação outras normas jurídicas, que podem ser gerais e abstratas, gerais e
concretas, individuais e abstratas e individuais e concretas.

6 . 0 conceito de normas paralelas na declaração de inconstitucíonalldade

Exemplo bem amoldado ao contexto deste trabalho e que prova a


adoção, pelo STF, de concepções relacionadas à filosofia da linguagem, dentre
elas, aquele que atribui à linguagem a função constitutiva das realidades
social e jurídica, diz respeito às chamadas normas paralelas. Essas espécies
de normas são aquelas construídas a p a rtir de diferentes enunciados
prescritivos, de competência legislativa de diferentes órgãos, mas que têm
seus conteúdos idênticos. Noutro giro lingüístico, são normas jurídicas
introdutoras distintas, até por serem produzidas por agentes competentes
distintos, mas que introduzem normas jurídicas de idêntico conteúdo
normativo.
A declaração de inconstitucionalidade de norma jurídica " n l " pode
afetar a constitucionalidade de outra norma jurídica "n2" mesmo que o
sujeito com petente para produzir a norma " n l " seja diferente daquele
competente para produzir a norma "n2", e mesmo que as duas normas
jurídicas tenham âmbitos de validade distintos (p. ex.: uma lei ordinária
produzida pelo Estado de São Paulo (n l) e outra lei ordinária produzida pelo
Estado do Rio Grande do Norte (n2).
0 STF vem entendendo que a declaração de inconstitucionalidade de
norma " n l" produzida pelo Estado "E l" e que foi objeto de ação direta de
co n s titu c io n a lid a d e , te ria o condão de c o m p ro m e te r tam bé m a
constitucionalidade da norma "n2", produzida pelo Estado "E2" mesmo que
essa norma não tenha sido o bje to do pedido na ação de co ntro le de
constitucionalidade.
Interessante notar que a questão envolvendo das normas paralelas
está associada a dois outros pontos também examinados neste trabalho:
efeitos vinculantes e efeitos transcendentes das decisões em controle
abstrato de constitucionalidade. Com efeito, a aceitação no nosso sistema
jurídico da afetação de norma paralela "n2" em função da declaração de
inconstitucionalidade da norma " n l " é mais uma demonstração de que a
concepção de norma jurídica adotada pelo STF está inserida no paradigma
da filosofia da linguagem.

457
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

6.2. As "técnicas" de declaração de ínconstitucionalidade: interpretação


conforme a Constituição e declaração de ínconstitucionalidade sem
redução de texto

A retirada da vigência e, eventualmente, da validade de lei ou ato


norm ativo do sistema quando da declaração de Ínconstitucionalidade,
acompanhada da retirada do enunciado prescritivo (artigo, inciso e parágrafo,
ou parte dele), que, no entender do STF, serve de suporte físico para a
interpretação construtora da RMIT que se deseja espancar. É a chamada
declaração de Ínconstitucionalidade com pronúncia de nulidade. Neste caso,
nulidade do texto e da norma construída a partir dele. Interessante notar
que a declaração de ínconstitucionalidade com pronúncia de nulidade estava
em perfeita sintonia com o suposto prestigio do método de interpretação
literal.
Há Hipóteses, contudo, em que pelo menos uma das normas jurídicas
construídas a partir da lei (ou ato normativo) arguida de inconstitucional
está em consonância com o o rd e n a m e n to ju ríd ic o . Assim, se das
interpretações cabíveis na "m oldu ra " da norma, uma delas estiver em
consonância com a Constituição, o STF prescreve aquela significação como
possível de ser aplicada pelos órgãos competentes e, portanto, válida. Na
mesma linha, se dentre as várias interpretações possíveis, somente uma
não g uardar consonância com a C onstituição, será esta declarada
constitucional e as outras inconstitucionais. Na primeira hipótese, temos o
emprego da técnica de interpretação conforme a Constituição; na segunda,
a técnica empregada é a da declaração de Ínconstitucionalidade sem
pronúncia de nulidade (do texto).
Portanto, o alcance da interpretação conforme a Constituição não
abrange apesar das semelhanças e n tre a in te rp re ta ç ã o co n fo rm e a
C onstituição e a declaração, sem pronúncia de nulidade, de
Ínconstitucionalidade parciaP®', em rigor, somente nesta última hipótese
há declaração de ínconstitucionalidade das acepções (que são normas
jurídicas!) incompatíveis com a Constituição. Na interpretação conforme a
Constituição, não há declaração de ínconstitucionalidade das outras acepções
construídas a p a rtir do te x to n o rm a tiv o , mas declaração de
constitucíonalidade de uma acepção (que tam bém é norma jurídica!).

R e i t e r e m o s ; a f a l t a d e p r o n ú n c ia d e i n v a l id a d e é e m r e la ç ã o a o t e x t o { s u p o r t e fís ic o ) e n ã o à
n o rm a , e n te n d id a c o m o s ig n ific a ç ã o c o n s tru íd a a p a r t ir de e n u n c ia d o s p re s c ritiv o s .
GILM AR FERREIRA MENDES. In: Ju ris d iç ã o c o n s titu c io n a l, 1998, p. 228. A in d a s o b r e a in t e r p r e ta ç ã o
c o n f o rm e a C o n s titu iç ã o e a im p o s s ib ilid a d e de d e c la ra r a ín c o n s titu c io n a lid a d e de e v e n tu a is
s ig n ific a ç õ e s fu tu r a s , v e m b e m a le m b r a n ç a d o p r in c íp io g e ra l de H e r m e n ê u t ic a c h a m a d o de
i n e s g o t a b i l i d a d e d o s s e n t id o s . S i g n i fi c a , e m s ín te s e , q u e , d i a n t e d o s u p o r t e f í s ic o d e u m s i g n o
q u a l q u e r , os i n t é r p r e t e s p o d e m c o n s t r u i r s i g n i f i c a ç õ e s i n f i n i t a s .

458
D IRE IT O T R IB U T Á R IO . QUESTÕES ATUAIS

Ademais, consoante os ensinamentos de GILMAR FERREIRA MENDES/^^^ ao


doutrinar sobre as distinções entre uma e outra técnica: "A constatação de
que uma lei determinada é compatível à Lei Fundamental não significa que
apenas naquela interpretação deva ela ser considerada constitucional, uma
vez que a Corte Constitucional não pode proferir decisão sobre todas as
possíveis interpretações."
Interpretações examinadas, mas que não estejam contempladas na
parte dispositiva da decisão com o c o n s titu c io n a l, nem as possíveis
interpretações posteriores ao julgamento, podendo elas serem submetidas
à nova aferição de constitucionalidade perante o STF. Por outro lado, na
declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, as acepções
incompatíveis com a Constituição são declaradas inconstitucionais, não
podendo os órgãos do Poder Judiciário, ou mesmo do Executivo, positivar a
RMIT subm etida àquelas técnicas de controle, sob pena de dar azo à
interposição da ação de reclamação constitucional para o STF, de acordo com
o fundamento de garantia da autoridade de suas decisões (CF, art. 102, alínea
/), e representação ao órgão competente por crime de responsabilidade'^®'.
Essas "técnicas" de controle de constitucionalidade espelham bem a
distinção que o STF estabelece, propositadamente ou não, entre texto de
lei ou ato normativo e significação, e suporte físico (enunciado) e as normas
jurídicas (significações). Aquele está no piano físico, fenomenal; estas, no
plano da consciência dos intérpretes do direito positivo. Portanto, para
controlar a constitucionalidade das normas jurídicas, o STF pode ou não
expulsar parte do enunciado prescritivo correspondente. Advertimos, em
tempo, que a retirada dos enunciados prescritivos que, no entender do STF,
servem de suporte físico para construção da norma jurídica incompatível
com a Constituição não é condição suficiente, de p er s/,de expulsão da
referida RMIT do sistema. Isso porque, como a norma é a significação
construída na mente do intérprete e cuja estrutura é de um juízo hipotético
condicional, pode ocorrer que outros enunciados (não atacados na ADIn ou
ADC) sirvam de fundamento para a constituição da norma que o STF, com
simples retirada do enunciado, entendeu ter expulsado do sistema. Para
evitar esse tipo de ineficácia da decisão que pronuncia inconstitucionalidade
de RMIT, a parte dispositiva deve trazer, além da retirada do suporte físico.

Essa c o nclu sã o é t ir a d a d o p ará g ra fo ú n ic o d o a rt. 28, Lei n° 9 . 8 6 ^ 9 , q u e a tr i b u i e fe it o v in c u la n te


e e fic á c ia erga omnes in c lu s iv e à i n t e r p r e t a ç ã o c o n f o r m e a C o n s t i t u i ç ã o e à d e c l a r a ç ã o p a r c ia l de
i n c o n s t i t u c i o n a li d a d e s e m re d u ç ã o d e te x t o . Cabe frisa r, n o e n t a n t o , q u e o STF, na p en a d o M i n i s t r o
M o r e i r a A lves, d e i x o u e x p r e s s o q u e : "Essa n o va o r ie n t a ç ã o , a lé m d e se r m a is e x a t a , p ois, q u a n d o
só a d m i t i m o s c o m o c o n s t i t u c i o n a l u m a d a s i n t e r p r e t a ç õ e s p o s s ív e is d a le i i m p u g n a d a , estamos,
na re alidade, de c la ran do a in c o n s titu c io n a lid a d e das demais, t e m a v a n t a g e m d e q u e a p e n a s se
a d m i t e c o n s t it u c io n a l a i n t e r p r e t a ç ã o q u e i m p e d e a p r o c e d ê n c ia t o t a l da a ção d ir e t a de
in c o n s t i t u c i o n a li d a d e . " A D In n “ 5 81 /D F , j. 1 2 .0 8 .9 2 , in Revista Trimestral de Jurisprudência, RTJ, 144:
1 54 {g rifo acrescido).

459
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT UAIS

a proibição de que a RMIT seja construída a partir de outros enunciados


prescritivos válidos no sistema'^*!.
Apesar de não se re ferir à seara trib u tá ria convém mencionar o
exemplo da Lei n° 9 .4 9 ^ 7 , que foi julgada constitucional por intermédio da
ADC n“ 04, Rei. Min. Sydney Sanches, j. 10.09.1997, em sede de cautelar,
sendo conferida à medida efeito vinculante e eficácia erga omnes. Aquela
lei, dentre outras proibições, vedava a concessão de liminares contra a
Fazenda Pública que importasse despesas imediatas para o Erário. No
entanto, alguns Juizes, inclusive Ministros do STJ, vinham e vêm concedendo
liminares que implicam despesas imediatas para a Fazenda, sem, no entanto,
sequer examinarem a supracitada lei. Argumentam que o fundamento da
tutela antecipada concedida está diretamente previsto na Constituição, razão
porque não haveria infração ao efeito vinculante concedido pelo STF à
cautelar na referida ADC.
Sem ingressar no mérito das decisões judiciais, temos que retirar deste
exemplo lição sobre a qual já advertimos: é possível, com base noutros
enunciados prescritivos não declarados inconstitucionais, construir normas
jurídicas que foram consideradas inconstitucionais pelo STF. A perplexidade
continua no sentido de entender se tais enunciados prescritivos estariam
abrangidos pela eficácia subjetiva do efeito vinculante do julgamento do
STF.
Entendemos que o julgamento do STF, declarando constitucional ou
inconstitucional uma determinada norma, veda que a mesma norma seja
constituída a partir de qualquer outro texto normativo, mesmo que não
indicado nas petições iniciais da ADin e ADC, nem na respectiva decisão,
mas desde que postos no sistema até o respectivo julgamento da ação de
c o n tro le de c o n s titu cio n a lid a d e . Da mesma fo rm a , se declarada
constitucional determinada norma construída a partir de determinado texto,
não será dado ao Judiciário e ao Executivo deixarem de aplicar a norma a
pretexto de construir outra, a partir de outros enunciados prescritivos, que
discipline a conduta em sentido contrário à examinada pelo STF.
Na doutrina, essa propriedade da decisão da Suprema Corte é chamada
de efeito transcendente, isto é, o efeito que transcende aos enunciados
prescritivos que serviram de base para a construção da norma declarada
constitucional ou inconstitucional.
Em verdade, tomando a norma jurídica na sua compostura de Juízo
hipotético-condicional, isto é, uma hipótese "H" implicando um conseqüente

I " ' Cabe a n o t a r q u e n ã o se e s tá , à e v id ê n c ia , p r o p u g n a n d o p ela v in c u l a ç ã o d o le g i s la d o r à d ecisã o


d e i n c o n s t i t u c i o n a l i d a d e d o STF, n o s e n t i d o q u e , c o m a d e c is ã o , f i q u e o L e g i s la t iv o p r o i b i d o d e
in s e rir n o v a m e n te no s is te m a a n o rm a d e c la ra d a in c o n s titu c io n a l. E sta m o s fa la n d o de o u t r o s
e n u n c i a d o s p r e s c r i t i v o s j á i n s e r i d o s n o s i s te m a a o t e m p o d a d e c i s ã o d o STF.

460
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

"C" (H'!C), teremos que os efeitos transcendente implicarão no transito em


julgado das duas partes do juízo hipotético-condicional. Tanto a hipótese
"H", quando o conseqüente "C", passarão em julgado.
Com isso, apenas se a norma ju ríd ic a com pleta - hipótese e
conseqüente - for exatamente igual é que, em princípio, não poderia haver
novo exame de constitucionalidade da mesma norma jurídica. Essa estrutura
completa - hipótese e conseqüente - é que o STF tem denominado de
"conteúdo essencial".

6.3. Efeito vinculante e coisa julgada no controle abstrato de


con stitucionalidade: a relevância da causa de ped ir (efeitos
transcendentes)

A relevância do exame da causar de pedir nas ações de controle abstrato


de c o n stitu c io n a lid a d e apresenta três dim ensões im ediatas: (I) a
vinculabilidade dos fundamentos utilizados para se decidir o mérito, (ii) a
possibilidade de o próprio STF não ficar vinculado aos argumentos utilizados
pelos le gitim a do s ativos no m anejo da Ação C o nstitu cio na l e (iii) a
vinculabilidade do Poder Legislativo às decisões do STF em ações de controle
abstrato de constitucionalidade.
0 exame de mérito da constitucionalidade das normas jurídicas, que
deve ser realizado tendo como parâmetro as normas vigentes da Constituição
da República, pode implicar declaração de constitucionalidade - hipótese
em que a ADC é julgada procedente e a Adin é julgada improcedente - ou de
inconstitucionalidade, sendo, neste caso, julgada improcedente a ADC ou
procedente a Adin.
Sustemos que a causa de pedir, os escaninhos dos contrutivismo lógico-
semântico, compõe o antecedente da norma jurídico posta pelo STF quando
decide o mérito das ações diretas de controle de constitucionalidade. Por
isso, não há como apenas o conseqüente, vale dizer, a parte dispositiva da
decisão "passar em julgado", visto que, aqui, além da parte dispositiva da
decisão, que é o conseqüente da norma Introduzida, também ingressa no
sistema o antecedente, os chamados m otivos determ inantes, gerando
efeitos para além daquela decisão.

6.4. A inconstitucionalidade por "arrastamento"

A chamada inconstitucionalidade por arrastam ento dem onstra a


inclinação da Suprema Corte em direção aos conceitos operados pela filosofia
da linguagem. É comum o STF declarar inconstitucional determinada norma
jurídica, construída com fundamento no dispositivo "x" da Lei, sendo que os
demais dispositivos são seriam inconstitucionais. Entretanto, a permanência

461
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT UAIS

da "parte constitucional" ou ficaria sem sentido deôntico completo, isto é,


não haveria a modalização da conduta em obrigado, permitido ou proibido;
ou serviria para constituir outra norma jurídica que aquela (s) que seria (m)
criada (s) se não fosse declarada inconstitucional a parte violadora da
Constituição.
Numa ou noutra situação não haveria a modalização da (s) conduta (s)
disciplinada (s) se fosse mantida a constitucionalidade da parte que fora
declarada inconstitucional. A solução adotada pela jurisprudência do STF
tem sido a declaração de inconstitucionalidade total do diploma normativo
pelos seguintes fundamentos: (i) a parte inconstitucional, por violação da
constituição; e (ii) a parte constitucional, sob o fundamento de que a sua
permanência no sistema jurídico não modaliza as condutas que seriam
disciplinadas se o ato normativo tivesse sua constitucionalidade mantida ou
(ii) porque a parte constitucional, mantida sem a fração inconstitucional,
serviria para constituir outras normas jurídicas que não aquelas que seriam
construídas se fosse mantida no ordenamento a inteireza do ato normativo,
isto é, a parte constitucional e a inconstitucional.
Vemos com hialina clareza que na declaração de inconstitucionalidade
por "arrastamento" a parte constitucional do ato normativo que é declarada
inconstitucional não v io la -p e r s e - a Constituição. Entretanto, a interpretação
da parte constitucional constitui outra realidade jurídica, vale dizer, outra
norma jurídica distinta daquela que seria constituída se to d o o texto
normativo fosse, integralmente, constitucional.
É bem verdade que, para se chegar a essa compreensão de que há
uma parte do ato normativo que, embora constitucional, não serve para
construir as normas jurídicas que seriam construídas se todo o texto do ato
norm ativo fosse constitucional, requer-se interpretação não só do ato
normativo em si perante a Constituição. É imperioso que as demais normas
jurídicas que entram em cálculo com as normas construídas a partir do ato
normativo objeto de controle de constitucionalidade sejam examinadas, a
fim de que essa dependência sistêmica seja atestada.
Com isso, dizemos que a declaração de inconstitucionalidade depende
do exame de duas relações de dependência: a primeira é a relação de
dependência entre da parte constitucional em relação à inconstitucional; a
segunda, é a relação de dependência da parte constitucional com o sistema
jurídico total.

6.5. Ofensa direta e indireta a Constituição e a autonomia normativa

A autonomia da norma jurídica revela o grau de derivação em relação


à Constituição. Essa gradação da derivação norm ativa é medida pelo
fundamento imediato de validade do ato normativo.

462
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Nesta linha, se o ato normativo deriva diretamente da Constituição,


por exigência da própria Carta Maior, tem-se configurada sua autonomia,
sendo qualquer desconformidade com a Norma M aior ofensa direta e,
portanto, passível de controle via ADIn e ADC.
É com fundamento na falta de autonomia normativa que o não
aceita que ADin e ADC sejam propostas contra leis e atos normativos que
ofendam ainda que indiretamente à Constituição. Na seara tributária, seria
0 caso do regulamento de execução de RMIT. 0 regulamento, na hipótese
de desbordar dos limites da RMIT, estaria violando diretamente a própria
RMIT e, somente indiretamente, a Constituição. Seria hipótese de ilegalidade
e não de inconstitucionalidade. Apenas quando o ato regulamentar invadir
competência reservada à lei (outra lei que não a veiculadora da RMIT) é que,
segundo a jurisprudência do STF'^^', ter-se-ia hipótese de regulamento
autônomo, e, por não ser aceito no nosso ordenamento, desafiaria o controle
concentrado de constitucionalidade'^^'.
Nem toda norma jurídica, mesmo que abstrata e geral, pode ser objeto
de controle de constitucionalidade abstrato perante o STF. Requer-se, além
de abstração e generalidade, a impessoalidade e, o que nos interessa mais
de perto, a autonomia normativa.
Norma autônoma ou derivada diz respeito ao seu fundamento imediato
de validade. Sabemos que todas as normas jurídicas, independente do
modelo de sistema jurídico que se adote, devem buscar na Constituição da
República seu fundam ento de validade. De uma Portaria ou instrução
normativa, passando pelos decretos, medidas provisórias, leis ordinárias,
leis complementares - apenas para ficarmos nos atos normativos produzidos
pelos Poder Público - tod o s devem ser fun d am en tad o s em normas
constitucionais.
Entretanto, nem todas as normas jurídicas, mesmo que gerais e
abstratas, têm como fundamento de validade diretamente na Constituição
da República.
Como, então, saber se determinada norma tem ou não fundamento
direito na Constituição? A resposta está na própria Constituição. É que para
algumas matérias a Carta Magna reserva tratamento escalona, deixando que
algumas matéria sejam tratadas em termos de normas gerais, pela Lei
Complementar, e apenas as normas específicas sejam emitidas. Se ela - a

A D In - M c a n° 1.590-SP, Rei. M i n . S e p u lve da P e rte n c e, j. 1 9 .0 6 .1 9 9 7 , DJU 1 5 .0 8 .1 9 9 7 ; ADIn 360-DF,


Rei- M i n . M o r e i r a A lves , j . 2 1 . 0 9 . 1 9 9 0 , DJU 2 6 . 0 2 . 1 9 9 3 .
ADIn 1396-SC, Rei. M in . M a r c o A u ré lio , j. 0 8 .0 6 .1 9 9 8 , o n d e o STF d e c la ro u i n c o n s titu c io n a l d e c r e to
e s ta d u a l q u e v io la v a d iv is ã o f u n c io n a l d e p od e r. N o m e s m o s e n t id o A D in 360-DF, Rei. M i n . M o r e i r a
A lv e s , j . 2 1 . 0 9 . 1 9 9 0 . D JU d e 2 6 , 0 2 . 1 9 9 3 ; A D tn M C A 1 5 9 0 -S P , Rei. M i n . S e p u l v e d a P e r t e n c e , j.
1 9 . 0 6 . 1 9 9 7 , D JU d e 1 5 , 0 8 . 1 9 9 7 .
A D In n° 1.396-SC, Rei. M i n . M a r c o A u r é l i o , j. 0 8 .0 6 .1 9 9 8 .

463
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Constituição - exigir alguma ato normativo, no caso, lei complementar, para


que a lei ordinária possa prescrever as condutas de forma específica, então
a lei ordinária não é autônoma em relação à lei complementar. Há, nesse
caso, posição hierárquica superior da lei complementar em relação à lei
ordinária. Se esta disciplinar de forma diferente a matéria tratada pela lei
complementar, haverá ilegalidade direta. Inconstitucional idade poderá
existir, mas apenas indiretamente.

7. Considerações finais

0 STF, de há muito, ao examinar os conceitos de efeito vinculante,


nos seus aspectos objetivos e subjetivos, efeitos erga omnes, efeitos
p rospectivos das normas declaradas in co n stitu cio n a is, efeitos
transcendentes, declaração de inconstitucional idade sem pronúncia de
nulidade e interpretação, já sinalizava que o conceito de norma jurídica não
se confundia com a literalidade textual.
A m aioria das decisões do STF e nvolvendo c o n tro le de
constitucionalidade aponta que a Corte Constitucional está atenta aos
paradigmas do Giro Lingüístico, colocando em foco a atividade lingüística do
intérprete eleito pelo sistema como agente produtor de sentido por meio
de atos de fala.
A declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto e
a interpretação conforme a constituição são duas técnicas empregadas pelo
STF nas ações de controle de constitucionalidade abstrato que denunciam a
forte influência dos paradigmas da filosofia da linguagem nas decisões da
Corte Maior. Nelas, não declara inconstitucional (no caso da declaração de
inconstitucionalidade parcial sem pronúncia de nulidade) ou constitucional
(quando a hipótese for de interpretação conforme a constituição) o suporte
fático a partir do qual se constrói a norma jurídica (significação). É a própria
significação que é declarada inconstitucional ou constitucional.
Outro exemplo que mostra a proximidade das decisões do STF do
construtivismo lógico-semântico é a declaração de inconstitucionalidade
por arrastamento. Aqui, a parte constitucional do ato normativo, assim
reconhecida pelo STF, é declarada in c o n s titu c io n a l, seja porque,
isoladamente, não modaliza a conduta que seria modalizada se a totalidade
do ato normativo permanecesse no sistema (dependência interna), seja
porque os outros enunciados normativos do sistema jurídico (dependência
externa) não podem, por imposição normativa, ou não servem para modalizar
a referida conduta da forma que seria modalizada se a higidez constitucional
do ato normativo fosse integralmente mantida.

464
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

8. Referências

BERNARDO, Gustavo. A Dúvida de Flusser. São Paulo; Globo, 2002.

BORGES, José Souto Maior. Tratado do direito tributário brasileiro. Rio de


Janeiro: Forense, vol. 4, 1981.

CAVARLHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. São Paulo: Saraiva:


2008.

___________ . Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência. São


Paulo: Saraiva, 2008.

___________ . Direito tributário, linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2008.

FLUSSER, Vilém. Língua e Realidade. 2 ed. São Paulo: AnnaBlume, 2004.

___________ . 0 iVIundo Codificado. São Paulo: Cosacnaify, 2007.

KANT, I. Crítica da razâo. coleção: Os pensadores, Vol. I e II. São Paulo: Nova
Cultural, 1987.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. José Florentino Duarte. Porto
Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1986.

MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. 5 ed. São Paulo: Saraiva,


2007.

MARTINS, Ives Gandra da Silva & MENDES, Gilmar. 2 ed. Controle Concentrado
de Constitucionalidade. São Paulo: Saraiva, 2007.

MOUSSALEM, Tárek Moysés. Revogação em matéría tríbutária, São Paulo:


Noeses, 2005.

____________ . As fontes no direito tributário, São Paulo: Noeses, 2006.

PALU, Oswaldo Luiz. Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas e


efeitos. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.

ROBLES, Gregório. 0 direito como texto. São Paulo: Manole, 2005.

TOMÉ. Fabiana Del Padre. A prova no direito tributário. São Paulo: Noeses,
2005.

VILANOVA, Lourival. 0 universo das formas lógicas e o direito, in Escritos


jurídicos e filosóficos, São Paulo: IBET, 2003.

465
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

O ICMS C O M O IM P O S TO U N IF O R M E NAS OPERAÇÕES


INTERESTADUAIS; IN C O N S TITU C IO N A LID A D E DA
RESOLUÇÃO DO SENADO FEDERAL N@ 13/2012

Rodrigo Francisco de Paula^®®

SUMÁRIO. 1. Introd u çã o . 2. A disciplina do ICM nas operações inte re sta d u ais na


Constituição de 1967, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 3. 0
m odelo adotado pela Constituição de 1988. 4. 0 ICMS com o im posto uniform e nas
operações interestaduais: inconstitucionalidade da Resolução do Senado Federal n^
13/2012.

1. Introdução

A Resolução do Senado Federal - RSF 13/2012, publicada em


26.04.2012, fixou a alíquota do ICMS em 4% (quatro por cento) nas operações
in teresta du a is com bens e m ercadorias im p o rta d o s (art. is , caput),
explicitando que tal alíquota somente se aplica: (i) se os bens e mercadorias
não forem submetidos a processo de industrialização (art. 1?, § is, inc. I) ou
(ii) se, submetidos a qualquer processo de transformação, beneficiamento,
m ontagem , a co n d ic io n a m e n to , re a co n d ic io n a m e n to , renovação ou
recondicionamento, resultarem em mercadorias ou bens com Conteúdo de
Importação superior a 40% (quarenta por cento) (art. is , § is , inc. II), calculado
a partir do quociente entre o valor da parcela importada do exterior e o valor
total da operação de saída interestadual da mercadoria ou bem (art. is, § 2s),
atribuindo, ainda, ao Conselho Nacional de Política Fazendária - CONFAZ a
competência para baixar normas para fins de definição dos critérios e
procedimentos a serem observados no processo de Certificação de Conteúdo
de Importação (CCI) (art. is , § 3S).
Além disso, a RSF n^ 13/2012 excluiu a aplicação da alíquota de 4%
(quatro por cento) nas operações interestaduais com bens e mercadorias
importados que (!) não tenham similar nacional, segundo lista a ser editada
pelo Conselho de Ministros da Câmara de Comércio Exterior (art. is, § 4S,
inc. I), (ii) sejam produzidos em conformidade com os processos produtivos
básicos no âmbito da Zona Franca de Manaus (art. is , § 4S, inc. II).
Por fim, excluiu-se, também, a aplicação da alíquota de 4% (quatro
por cento) nas operações interestaduais com gás natural importado (art. 2S).

™ D o u t o r a n d o e M e s t r e e m D ire ito s e G a ra n tia s F u n d a m e n ta is p ela F a c u ld a d e d e D ir e i to d e V i t ó r ia


- FDV, A d v o g a d o e P r o c u r a d o r d o Esta do d o E s p írito Santo.

467
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT UAIS

Embora possam ser levantadas inúm eras objeções q ua n to à


(in)constitucionalidade da RSF n® 13^012 (já levadas ao Supremo Tribunal
Federal na ADI n5 4.85^ES, Rei. Min. Ricardo Lew/andowsici, proposta pela
Mesa Diretora da Assembleia Legislativa do Estado do Espírito Santo), o
objetivo, neste trabalho, é se analisar um problema específico e que se
revela central no debate: pode o Senado Federal, no exercício da competência
prevista no art. 155, § 29, inc. IV, da Constituição Federal, discriminar as
alíquotas do ICMS nas operações interestaduais?
Para tanto, se buscará o atual modelo constitucional do ICMS nas
operações interestaduais, herdeiro do tratamento dado pela Constituição
de 1967 ao antigo ICM nessas mesmas operações, segundo a jurisprudência
do Supremo Tribunal Federal.

2. A disciplina do ICMS nas operações interestaduais na Constituição


de 1967, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

Como anotou Aliomar Baleeiro, "a Constituição Federal de 1967, no


art. 24, § 49, dispunha que o Senado, em Resolução fundada nos termos
duma leí complementar, estabeleceria limites para as alíquotas do Imposto
sobre Circulação de Mercadorias nas operações destinadas a outro Estado
ou ao exterior".
Essa disposição constitucional foi alterada pelo art. 23, § 59, da Emenda
Constitucional ns 01/69, que colocou sob iniciativa do Presidente da República
deflagrar o procedimento para a edição da resolução, estabelecendo 03 (três)
categorias de operações cujas alíquotas máximas do antigo ICM deveriam
ser fixadas pelo Senado (internas, interestaduais e externas).
Eis a literalidade de tal dispositivo constitucional; "a alíquota do
imposto a que se refere o item II será uniforme para todas as mercadorias
nas operações internas e interestaduais; o Senado Federal, mediante
resolução tom ada por iniciativa do Presidente da República, fixará as
alíquotas máximas para as operações internas, as interestaduais e as de
exportação".
Já nessa ocasião, Aliomar Baleeiro, ressaltando que "o art. 20, III, da
Emenda ns 1 ^9 , veda aos Estados discriminação ou diferença tributária entre
bens de qualquer natureza, em razão da natureza, isto é, espécie, assim
como de sua procedência ou destino", deixou claro que "a alíquota do
Imposto sobre Operações de Circulação de Mercadorias será sempre a mesma
sob qualquer daqueles três aspectos ressalvado o disposto no art. 23, § 59, in

L im ita çõ es c o n s titu c io n a is a o p o d e r d e t r i b u t a r . 1. ed. a tu a l. M is a b e l A b r e u M a c h a d o Derzi. Rio de


J a n e i r o ; F o re n s e , 2 0 0 5 . p. 4 8 8 .

468
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

fine, da Constituição Federal de 1969. 0 Senado poderá estabelecer uma


alíquota para as operações internas; outra, para as interestaduais; e ainda
outra para as de exportação. Mas nem ele nem o Estado pode criar alíquota
para um Estado e outra para Estado ou país diferente. Nem diferenciá-las
pela espécie da mercadoria"
Nem mesmo a discriminação de alíquotas do antigo ICM nas operações
in teresta du a is segundo o status do d e s tin a tá rio da m ercadoria (se
contribuinte ou não do imposto) foi admitida pela jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal, que editou sobre o assunto a Súmula/STF n^ 569: "é
inconstitucional a discriminação de alíquotas do imposto de circulação de
mercadorias nas operações interestaduais, em razão do destinatário ser ou
não contribuinte".
Esse entendimento foi reafirmado no julgamento dos RE's n.°* 102.553
e 95.784, consoante relato preciso de Misabel Abreu Machado Derzi: "as
decisões do Supremo Tribunal Federal sobre o assunto perfazem uma
impressionante sequencia no sentido da inconstitucionalidade de alíquotas
interestaduais desuniformes. a) Editada a Resolução n^ eSpO do Senado, o
Supremo a derruba e erige a Súmula 569 (...}. b) Mais tarde, o Convênio 44/76
concede redução de base de cálculo às operações interestaduais destinadas
à industrialização e/ou comercialização. Novamente o plenário do Supremo
Tribunal Federal tacha de inconstitucional a regra (RE n^ 95.7844-MG). c)
Finalmente a Resolução ns 7/80 sobrevêm, numa terceira ten ta tiva, e
Igualmente é declarada inconstitucional pela Corte máxima (RE ns 102.553-
1-RJ)"."'
Para contornar esse entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre
0 assunto, foi aprovada a Emenda Constitucional n^ 2 3 ^3 , que deu nova
redação ao art. 23, § 5^, da Emenda Constitucional n® 0 1 ^9 : "a alíquota do
imposto a que se refere o item II será uniforme para todas as mercadorias
nas operações internas e interestaduais, bem como nas interestaduais
realizadas com consumidor final; o Senado Federal, mediante resolução
tomada por iniciativa do Presidente da República, fixará as alíquotas máximas
para cada uma dessas operações e para as de exportação".
Somente a partir daí passou a ser admitida a discriminação de alíquotas
do ICM, nas operações interestaduais, entre contribuintes e consumidores
finais. Todavia, como regra, permaneceu, na própria conformação do ICM
nas operações interestaduais, a impossibilidade de haver discriminação de
alíquotas por parte do Senado Federal, admitida apenas nessa distinção entre
os destinatários da mercadoria, se contribuintes ou consumidores finais.

Op. cit. p. 489.


In: BALEEIRO, A lio m a r. L im ita ç õ e s c o n s titu c io n a is a o p o d e r d e t r i b u t a r . 7. ed. a tu a l. M is a b e l Ab re u
M a c h a d o D erz i. Rio d e J a n e ir o : F o re n s e , 2 0 0 5 . p. 4 92 .

469
DIRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES A T UAIS

3. 0 modelo adotado peJa Constituição de 1988

A C onstituição de 1988, p or sua vez, in c o rp o ro u essa mesma


discriminação na conformação da disciplina do ÍCMS, já estabelecendo a
partilha do imposto nas operações interestaduais:

A rt. 155. C om pete aos Estados e ao D istrito Federal in s titu ir


impostos sobre; (...)
II - operac'oes relativas a circulac'ao de mercadorias e sobre
p re s ta c 'o e s de s e rv ic 'o s de tr a n s p o r t e in te r e s t a d u a l e
interm unicipal e de comunicac'ao, ainda que as operac'oes e as
prestac'oes se iniciem no exterior; (...)
§ 25 0 im posto previsto no inciso II atenderá o seguinte: (...)
VII - em relação às operações e prestações que destinem bens e
serviços a consum idor final localizado em o u tro Estado, adotar-
se-á:
a) a a líq u o ta i n t e r e s t a d u a l, q u a n d o o d e s t in a t á r io f o r
co n trib uin te do imposto;
b) a alíquota interna, quando o destinatário não fo r co n trib uin te
dele;
VIII - na hipótese da alinea "a " do inciso anterior, cabera ao
Estado da localizac'ao do destinatario o im posto correspondente
a diferenc'a entre a aliquota interna e a interestadual.

Coerente com a história do tratamento constitucional dado à questão


ainda para o antigo ICM, logo após o início da vigência do novo texto
constitucional, o Senado editou a Resolução n? 22/89, fixando a alíquota
interestadual do ICMS em 12% (doze por cento), com discriminação de
alíquota para as operações realizadas nas Regiões Sul e Sudeste e destinadas
à Região Norte, Nordeste, Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo, com
alíquota de 8% (oito por cento) em 1989 e de 7% (sete por cento) a partir de
1990.
Essa novidade trazida, com a discriminação de alíquotas interestaduais
do ICMS segundo a origem e o destino das operações, justifica-se, à luz do
sistema constitucional vigente, porque um dos objetivos fundamentais do
Estado brasileiro inaugurado pela Constituição de 1988 é, precisamente, a
redução das desigualdades sociais e regionais (art. 3S, inc. Ill, da Constituição
Federal), inclusive com previsão, e ntão in é d ita na história do
constitucionalismo brasileiro, de tratam ento trib u tá rio desuniforme pela
União para promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre
as diferentes regiões do país (art. 151, inc. I, da Constituição Federal).
É daí que d eco rre o fa v o re c im e n to , na fixação das alíquotas
interestaduais do ÍCMS, da Região IN/orte, Nordeste, Centro-Oeste e do Estado
do Espírito Santo, em detrimento das Regiões Sul e Sudeste, considerando

470
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

que quanto m enor a alíquota interestadual do im posto, m aior será a


arrecadação do Estado de destino, se o destinatário fo r contribuinte do
imposto (art. 155, § 22, inc. VIII, da Constituição Federal).
Registre-se que o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Al n^
630.997-AgRg(2^Turma, Rei. Min. Bros Grau, j. 24.04.2007), ao apreciar questão
relacionada à diferenciação de alíquotas do IPI, deixou expressamente
averbado que tal sistemática de tributação pode configurar o incentivo fiscal
a que alude o art. 151, inc. 1, da Constituição Federal.
Portanto, a diferenciação de alíquotas estabelecida na Resolução ns
22/89 é, sim, medida de incentivo fiscal fundada no art. 151, inc. I, da
Constituição Federal, com respaldo, ainda, no art. 32, inc. Ill, da Constituição
Federal.
Caberia, aqui, indagar se tal discriminação de alíquotas interestaduais
do ICMS não violaria o disposto no art. 152 da Constituição Federal, que
veda, expressamente, que os Estados e o Distrito Federal estabeleçam
diferença de tratamento tributário em razão da procedência ou do destino
dos bens, reproduzindo a antiga disposição do art. 20, inc. Ill, da Emenda
Constitucional n@ 01y^9.
A questão a ser enfrentada poderia ser deduzida nos seguintes termos:
o Senado, ao fixar a alíquota interestadual do ICMS, deve obediência ao
princípio da uniformidade geográfica, podendo se valer da discriminação
como fator de promoção do equilíbrio socioeconômico entre as regiões do
país (art. 151, inc. I, da Constituição Federal), ou, necessariamente, está
vinculado ao art. 152 da Constituição Federal, que veda discriminação
tributária em razão da procedência ou do destino dos bens?
Desde logo é im portante ressaltar o óbvio: o ICMS é imposto de
competência dos Estados e do Distrito Federal (art. 155, inc. II, da Constituição
Federal); vaie dizer, trata-se de um imposto estadual e distrital.
Se assim é, ainda que haja atuação do Senado, órgão da União, na
disciplina do im p o sto (o b via m e n te , apenas naquelas situações
expressamente previstas: art. 155, § 22, incs. IV e V, da Constituição Federal),
isso não o desnatura, tampouco o retira do feixe das competências tributárias
dos Estados e do D istrito Federal, estando, por isso mesmo, sujeito à
observância do art. 152 da Constituição Federal mesmo na disciplina das
operações interestaduais.
Isso não significa, porém, que não deva ser também observado o art.
151, inc. I, da Constituição Federal. Na fixação da alíquota interestadual do
ICMS, o Senado interfere em todas as operações e prestações sujeitas à
incidência do imposto que se realizam no território nacional. Sua atuação
eqüivale, nesse sentido, à própria atuação da União na instituição dos
im postos fed e ra is, razão pela qual deve obediência ao p rin c íp io da
u n ifo rm id a d e geográfica, a d m itin d o -s e a concessão de tra ta m e n to

471
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

diferenciado apenas para a promoção do equilíbrio socioeconômico entre


as regiões do país.
Logo, o Senado, ao fixar a alíquota interestadual do ICMS, (i) deve, de
um lado, atentar para o disposto no art. 152 da Constituição Federal, evitando
estabelecer discriminação de alíquota em razão da procedência ou do destino
das operações e prestações sujeitas à incidência do imposto, cumprindo desse
modo o princípio da uniformidade geográfica, previsto na primeira parte do
art. 151, inc. I, da Constituição Federal; (II) mas, de outro lado, pode discriminar
alíquotas interestaduais conforme a procedência ou o destino das operações
e prestações se, e somente se, tiver por finalidade atender à segunda parte
do art. 151, inc. I, da Constituição Federal, isto é, para se promover o equilíbrio
do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do país.
No mais, para os Estados e o Distrito Federal, permanece, na íntegra,
a diretriz quanto à proibição de discriminação de alíquota do ICMS em razão
da natureza, da procedência ou do destino dos bens e das mercadorias objeto
das operações, nos termos do art. 152 da Constituição Federal.
É bem verdade que a Constituição de 1988 não adotou, para o ICMS, em
toda a sua extensão, o caráter de imposto uniforme, como ocorria no regime
anterior, em virtude do disposto no art. 23, § 52, da Emenda Constitucional ns
01/69 (mesmo após a Emenda Constitucional n® 23/83), que estabelecia,
claramente, que a alíquota do imposto deveria ser "uniforme para todas as
mercadorias nas operações internas e interestaduais, bem como nas
interestaduais realizadas com consumidor final".
De fato, 0 art. 155, § 2^, inc. Ill, da Constituição de 1988, trouxe a
possibilidade de se adotar para o ICMS a discriminação de alíquotas em razão
da essencialidade das mercadorias e dos serviços. No sistema constitucional
anterior, essa discriminação de alíquotas em razão da essencialidade dos
produtos era nota característica apenas do ÍPÍ (art. 21, § 32, da Emenda
Constitucional ns 0 1^9), o que foi incorporado no art. 153, § 39, inc. I, da
Constituição de 1988.
Chegado até aqui, é hora de enfrentar a seguinte questão: no âmbito
das operações interestaduais sujeitas ao ICMS, é possível estabelecer a
discriminação de alíquotas levando em consideração a essencialidade das
mercadorias e dos serviços? Em outras palavras, seria possível adotar essa
sistemática no âmbito das operações interestaduais ou o seu alcance estaria
restrito tão somente às operações internas?

4. O ICMS como imposto uniforme nas operações Interestaduais:


Inconstitucionalidade da Resolução do Senado Federal 13^012

Mais uma vez, o que deve ser posto em relevo é que o ICMS é,
sobretudo, imposto de competência dos Estados e do Distrito Federal, como

472
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

já mencionado. Esse ponto não pode ser desconsiderado na discussão do


tema, pois a União, em matéria de ICMS, tem atuação restrita naqueles
assuntos expressamente indicados no texto constitucional, seja pela atuação
específica do Senado, fixando as alíquotas interestaduais ou estabelecendo
as alíquotas mínimas ou máximas das operações internas (art. 155, § 2®, incs.
IV e V, da Constituição Federal), seja por meio da edição de lei complementar
tratando dos assuntos especificados {art. 155, § 2?, inc. XII, da Constituição
Federal).
A bem da verdade, qualquer tentativa de se enlastecer o âmbito de
atuação da União na disciplina do ICMS não pode ser tolerada, porque
representaria inadmissível quebra do pacto federativo, in terfe rin d o na
autonomia dos Estados e do Distrito Federal (art. 18 da Constituição Federal)
no exercício da com petência trib u tá ria que lhes fo i o utorgada pela
Constituição.
Aliás, mesmo atribuindo à União, por meio da atuação do Senado, a
tarefa de evitar possíveis conflitos de competência trib u tá ria entre os
Estados e o Distrito Federal em torno do ICMS, cabendo-lhe fixar alíquotas
interestaduais e estabelecer alíquotas mínimas ou máximas das operações
internas {art. 155, § 2^, incs. IV e V, da Constituição Federal), a Constituição
reservou à lei complementar apenas a edição das normas gerais do imposto
(como fez, também, para os demais impostos- a r t . 146, inc. Ill, da Constituição
Federal), preservando a autonomia estadual e distrital quanto ao resto, isto
é, quanto à efetiva instituição do ICMS.
Por isso, cabem aos Estados e ao Distrito Federal, autonomamente,
fixarem as alíquotas do im posto, observando dois parâm etros: (i) a
essencialidade, ou não, das mercadorias e dos serviços {art. 155, § 25, inc. Ill,
da Constituição Federal); (ü) as alíquotas, mínimas e máximas, que forem
estabelecidas pelo Senado, por meio de resolução (art. 155, § 2^, incs. IV e V,
da Constituição Federal).
Evidentemente, esses parâmetros devem ser observados na fixação
das alíquotas internas do ICMS, uma vez que a fixação da alíquota do imposto
é inerente à sua instituição pelos Estados e pelo Distrito Federal, não estando
prevista no rol de assuntos reservados à lei com plem entar, sendo
competência da União, através do Senado, apenas a fixação das alíquotas
nas operações interestaduais. Esse é o complexo sistema constitucional que
rege o ICMS. Colocada a questão nesses termos, tem-se que a discriminação
das alíquotas do ICMS em razão da essencialidade das mercadorias e dos
serviços é m atéria que se insere, com exclusividade, no â m b ito da
competência tributária dos Estados e do Distrito Federal, alcançando, por
isso, apenas as operações internas.
Nas operações interestaduais, o imposto mantém o seu caráter de imposto
uniforme, admitindo-se, apenas, discriminação de alíquotas que tenha por

473
DIRE IT O TR IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

finalidade promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre


as diferentes regiões do país.
Do que se expôs até aqui, conclui-se que não é possível, ao Senado,
na fixação da alíquota interestadual do ICMS, pretender discriminá-la em
razão da essencialidade das mercadorias e dos serviços.
É importante deixar claro que a RSF ns 13^012, em sua justificativa,
sequer apresenta, como seu fundamento de validade, o disposto no art.
155, § 22, inc. Ill, da Constituição Federal. Até porque o que se pretende é
uma inequívoca discriminação de alíquotas interestaduais do ICMS levando-
se em consideração a natureza e a procedência dos bens e das mercadorias
que são objeto da operação interestadual, ou seja, serão alcançados apenas
os bens e mercadorias importados (natureza), que são, evidentemente,
provenientes do exterior (procedência).
Isso torna ainda mais clara a inconstitucional ida de da proposta
legislativa, porque se, nas operações interestaduais, a discriminação das
alíquotas do ICMS sequer pode se dar em razão da essencialidade das
mercadorias e dos serviços, jamais poderá ocorrer em razão de sua natureza,
procedência ou destino.
A única exceção fica por conta daquela situação, já mencionada
anteriormente, em que a discriminação de alíquotas interestaduais de ICMS
seja utilizada como mecanismo para se reduzir as desigualdades sociais e
regionais, promovendo-se o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico
entre as diferentes regiões do país, como ocorreu na edição da Resolução n^
22/89. Definitivamente, a justificativa trazida na RSF n^ 13/2012 não reflete
situação dessa natureza. Ao c o n trá rio , o que se p re te n de é, pura e
simplesmente, a discriminação de alíquotas interestaduais do ICMS levando-
se em consideração a natureza e a procedência dos bens e das mercadorias.
E o que é mais grave: a proposta acirra as desigualdades sociais e
regionais, pro m ove n do um d e se q u ilíb rio do d ese n vo lvim e n to
socioeconômico entre as diferentes regiões do país, na medida em que, por
vias transversas, altera a partilha do imposto nas operações interestaduais
estabelecida no art. 155, § 2S, incs. VII e VIII, da Constituição Federal,
privilegiando com isso as Regiões Sul e Sudeste - onde estão os principais
Estados destinatários de bens e mercadorias importados - , em detrimento
das Regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e do Estado do Espírito Santo.
Com efeito, fixar alíquota de 4% (quatro por cento) para as operações
interestaduais de circulação de bens e mercadorias importados eqüivale a
alterar o sistema constitucional de partilha do ICMS, haja vista que, quando
o destinatário for contribuinte do imposto, não receberá o crédito integral
relativo à operação anterior, pois, sendo tributada a operação interestadual
em 4% (quatro por cento), o a prove itam en to do crédito para fins de
compensação com o montante devido nas operações seguintes se dará apenas
por esse montante cobrado na operação interestadual.

474
D I R E I T O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Ora, o Supremo Tribunal Federal tem jurisprudência firme no sentido


de que o ICMS incidente sobre as operações de importação cabe ao Estado
onde estiver situado o destinatário jurídico do bem ou da mercadoria, de
maneira que, nas operações de importação realizadas por contribuintes do
ICMS situados nas Regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e no Estado do
Espírito Santo, o imposto que será pago não poderá ser integralmente
aproveitado na operação interestadual posterior, quando o destinatário
estiver nas Regiões Sul e Sudeste, o que inviabilizará as operações de
importação realizadas naqueles Estados.
Isso só seria possível se fosse alterada toda a sistemática de partilha
do ICMS, como ocorre nas operações de circulação de petroleo, inclusive
lubrificantes, combustíveis liquidos e gasosos dele derivados, e energia
elétrica, que têm disciplina própria (art. 155, § 2^, inc. XII, "h", e § 4^, da
Constituição Federal), que conta, de maneira coerente, com previsão de
não-incidência do imposto nas operações interestaduais (art. 155, § 2^, inc.
X, "b", da Constituição Federal). E a RSF n^ 13/2012, convém insistir nesse
ponto, não se amolda ao disposto no art. 151, inc. I, da Constituição Federal.
Enquanto a discriminação de alíquotas interestaduais da Resolução n?
22/S9, fixando alíquota menor quando o destinatário da operação ou da
prestação estiver nas Regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e no Estado
do Espírito Santo, constitui incentivo fiscal em favor dessas regiões do país,
tendo em vista a regra de partilha do imposto nas operações interestaduais
(art. 155, § 2^, inc. VIII, da Constituição Federal), a que foi estabelecida na
RSF n® 13/2012 favorece as Regiões Sul e Sudeste, que ficarão com a maior
parcela do imposto, já que a operação interestadual se sujeitará à alíquota
menor.
Por tu d o o que fo i exposto, conclui-se que a RSF ns 13/2012 é
inconstitucional, em virtude da proibição da discriminação da alíquota
interestadual do ICMS em razão da natureza ou da procedência do bem ou
da mercadoria (arts. 152, 155, § 2^, incs. Ill e IV, da Constituição Federal),
admitida apenas nos casos em que configure incentivo fiscal destinado a
p rom over o e qu ilíb rio do desenvolvim ento socioeconôm ico entre as
diferentes regiões do país (art. 151, inc. I, da Constituição Federal).

475
DIREIT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES ATUAIS

REGULARIZAÇÕES EXTRAORDINÁRIAS DE ELEMENTOS


PATRIMONIAIS NO EXTERIOR (O CASO PORTUGUÊS)™

Rogério M . Fernandes Ferreira®^^

1. Portugal teve já diversos regimes de regularização tributária, algun


dos quais abrangiam dívidas ao FISCO e à Segurança Social, tendo os mais
recentes abrangido, apenas, os contribuintes faltosos pelo não pagamento
de impostos relacionados com activos m antidos no e x te rio r e nunca
declarados em Portugal.
Assim, enquanto os prim eiros regimes se dirigiam, sobretudo, à
regularização de dívidas tributárias, com estabelecimento, naiguns casos,
de planos de pagamento em prestações ou beneficiando do não pagamento
de juros, os últimos regimes, desde 2005 até ao corrente ano, têm tido
particular enfoque na obtenção de receita fiscal.
Mas Portugal não foi pioneiro neste tipo de regimes de regularização
tributária, tendo seguido a tendência já adoptada previamente, por outros
países. Desde logo, salientamos o Reino Unido, que ultim am ente tem
estabelecido alguns regimes de regularização extraordinária para certas
categorias profissionais, tais como médicos, canalizadores ou electricistas
que não pagaram os impostos devidos pelo exercício da respectiva profissão.
Esta tendência tem, aliás, vindo a ser criticada no próprio Reino Unido,
pelos especialistas, que, para além de defenderem o alargamento destas
medidas a todos os contribuintes, sustentam que, na base de tais amnistias
fiscais, está a ineficácia e a falta de meios da sua Administração tributária
para cobrar, de forma coerciva, o imposto em falta.

- C o n fe r ê n c ia p r o f e r i d a n o XII C o n g re s s o I n t e r n a c io n a l d e D i r e i t o T r i b u t á r i o d e P e r n a m b u c o , no
Recife, p r o m o v i d a p e l o iPET ( I n s t i t u t o P e rn a m b u c a n o d e E s tu d o T r ib u t á r io s ) , e m 27 d e S e te m b r o de
2012.
- R o g é r io M . F e r n a n d e s F e r re ir a é lic e n c ia d o e m D ir e i t o , P ó s - G ra d u a d o e m E s tu d o s E u r o p e u s e
M e s t r e e m C iê n c ia s J u r í d i c o - E c o n ó m i c a s p e l a F a c u l d a d e d e D i r e i t o d a U n i v e r s i d a d e C a t ó l i c a
P o rtu g u e s a d e Lisboa. Foi m e m b r o d o G r u p o d e T r a b a lh o p ara a R e fo r m a da Lei d e E n q u a d r a m e n to
d o O r ç a m e n t o d o E s ta d o ( 1 9 9 7 1 9 9 8 ) e d a C o m i s s ã o d e E s tu d o d a T r i b u t a ç ã o d a s I n s t i t u i ç õ e s e
P r o d u to s F in a n c e iro s (1 9 9 8 - 1 9 9 9 ) , C o o r d e n a d o r d o G r u p o d e T r a b a lh o s o b r e o P ro c e d im e n to ,
P ro ces so e R ela çõe s e n t r e FISCO e C o n t r i b u i n t e s n a C o m is s ã o p a r a o E s tu d o d a C o m p e t i t i v i d a d e
Fisca l ( 2 0 0 8 - 2 0 0 9 ) e P r e s i d e n t e n a C o m i s s ã o d e R e f o r m a d o R e g i m e d o P a t r i m ô n i o I m o b i l i á r i o
P ú b l i c o ( 2 0 0 5 - 2 0 0 6 ) e o S e c r e t á ri o d e E s ta d o d o s A s s u n t o s Fiscais d o XIV G o v e r n o C o n s t i t u c i o n a l
d e P o r t u g a l ( 2 0 0 1 - 2 0 0 2 ) . É d o c e n t e u n i v e r s i t á r i o n a s á r e a s d o d i r e i t o fis c a l e f i n a n c e i r o e das
fin a n ç a s p úb lic a s. A d v o g a d o e e s p e c ia lis ta e m D ir e i to fiscal p ela o r d e m d os A d v o g a d o s Po rtu g ue se s,
a u t o r d e v á r i o s t r a b a l h o s p u b l i c a d o s n as á r e a s d o c o n t e n c i o s o t r i b u t á r i o e d o d i r e i t o f i s c a l ,
f i n a n c e i r o o r ç a m e n t a i e s e g u r a d o r , é o P r e s i d e n t e d a A s s o c i a ç ã o F is c a l P o r t u g u e s a , b r a n c h
p o r t u g u e s a d a I n t e r n a t i o n a l Fiscal A s s o c i a t i o n (IFA) e d o I n s t i t u t o L a t i n o a m e r i c a n o d e D e r e c h o
T r i b u t á r i o (ILADT) e s ó c io f u n d a d o r d a s o c ie d a d e d e a d v o g a d o s RFF & A s s o c ia d o s .

477
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Mais recentem ente, o Reino Unido celebrou um acordo com o


Liechtenstein, nos term o s do qual os in te rm e d iá rio s fin an ce iro s do
Liechtenstein deverão divulgar, às autoridades britânicas, os detalhes de
quaisquer clientes sujeitos a tributação no Reino Unido. Entretanto, as
autoridades britânicas lançaram o Liechtenstein Disclosure Facility (LDF), em
v igor e n tre Setem bro de 2009 e M arço de 2015, que c o n s titu i uma
oportunidade para que os contribuintes regularizem, voluntariamente, os
seus impostos até aos últimos 10 anos, com redução de pagamento de coimas.
Também em Itália têm vindo a ser adaptados regimes de regularização
tributária de activos mantidos no exterior, por diversas ocasiões e, sobretudo,
com vista à obtenção de receita pelo Estado e que têm vindo a dar frutos.
Assim, sucederam-se a primeira e a segunda amnistias fiscais que ocorreram
em 2001 e 2003, respectivamente, e que renderam cerca de 70 biliões de
euros.
Em 2009, foi introduzida uma terceira amnistia fiscal, com o objectivo
da receita de 100 biliões de euros, que obrigava ao pagamento de uma taxa
de 5% sobre o valor dos activos detidos no exterior em 31 de Dezembro de
2008 e cujo repatriamento para território italiano se exigia que ocorresse,
para o efeito da regularização.
Mais recentemente ainda, a Alemanha e a Suíça celebraram um acordo
de combate à evasão fiscal, que entrará em vigor em 1 de Janeiro de 2013 e
que contém regras com vista à regularização de activos não declarados por
contribuintes alemães e detidos na Suíça, através da aplicação de uma taxa
que poderá variar entre 21% e 41%.
No caso de estarem em causa rendimentos obtidos através de uma
herança, os herdeiros terão, ainda, de consentir no pagamento de imposto
a uma taxa de 50%, ou na divulgação dos rendim entos em causa às
autoridades alemãs.
Feita esta breve referência à conjuntura internacional, torna-se
im p o rta n te sum ariar os contornos do ú ltim o regime de regularização
tributária vigente em Portugal, começando por uma breve resenha histórica
sobre os regimes de regularização que o antecederam.

2. Assim, em Portugal, fo i in tro d u z id o , em 1996, o p rim e iro


antecedente dos mais recentes regimes de regularização tributária, e que
acabaria por ser baptizado de "P lan o M a te u s " (Decreto-Lei n.5 124/96, de 10
de Agosto).
A adesão a este "Plano Mateus" permitiu que os contribuintes com
dívidas ao FISCO e/ou à Segurança Social regularizassem a sua situação
perante o Estado em 150 prestações mensais. Os contribuintes devedores
comprometiam-se, assim, ao cumprimento dos planos prestacionais, sendo
excluídos se violassem o plano a que se c o m p ro m e te ra m e não

478
DIRE IT O TR IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

regularizassem a situação, caso em que passariam a estar abrangidos pelas


acções, no â m b ito do processo de cobrança executiva, consideradas
necessárias, designadamente as penhoras para a cobrança das dívidas.

3. Com resultados largam ente m e lh o r sucedidos que o "Plano


Mateus", tendo atingido o valor de mil milhões de euros, o “ Plano Ferreira
L e ite " (Decreto-Lei n.^ 248-A/2002, de 14 de Novembro), como ficou
conhecido, foi divulgado como sendo, não um programa de regularização de
dívidas, mas, sim, um regime de excepção que dispensou de juros de mora
e de juros compensatórios com o pagamento, no todo ou em parte, do capital
em dívida pelos contribuintes, até 31 de Dezembro de 2002.
Em sim ultâneo com a aprovação deste regime de excepção, foi
publicado um diploma (Decreto-Lei n.2229/2002, de 31 de Outubro) que
previa a extinção de benefícios fiscais nas situações de incumprimento de
dívidas tributárias e que terá tid o algum impacto no nível de adesão ao
referido regime.

4. A Lei do Orçamento do Estado (dito) "Rectificativo" para 2005 (Lei


n.2 39.5-A/2005, de 29 de Julho) trouxe, entre outras medidas de combate à
fraude e à evasão fiscal, o regime especial de "repatriamento de capitais",
com o intuito de garantir a declaração ao FISCO do dinheiro ilegalmente
colocado ou mantido no exterior, a troco de um "perdão" fiscal.
Este foi 0 primeiro dos regimes de regularização tributária que visou
permitir a tributação (futura) dos rendimentos de capitais, com uma ligeira
tributação, à entrada, dos capitais não declarados até à data, não se exigindo
0 repatriamento desses capitais.
Assim, os contribuintes que optassem por recolocar no circuito normal
de tributação a totalidade dos capitais que a 31 de Dezembro de 2004 se
encontrassem, em regra, em paraísos fiscais ou zonas fiscalmente mais
favoráveis poderiam fazê-lo através do regime excepcional de regularização
tributária (RERT 1), livres de qualquer sanção, salvo nos casos de processos
que se encontrassem já sob investigação.
O RERT I aplicava-se apenas a pessoas singulares que possuíssem
determinados elementos patrimoniais fora do território português a 31 de
Dezembro de 2004.
Para o efeito, os contribuintes (pessoas físicas) deveriam apresentar,
junto do Banco de Portugal ou de outros bancos estabelecidos em Portugal,
uma declaração de regularização tributária até ao dia 16 de Dezembro de
2005 e proceder ao pagamento de uma importância correspondente a 5%
dos valores declarados, reduzida a 2,5% caso o sujeito passivo optasse por
reinvestir os valores declarados em títulos do Estado a manter por um ano -
aspecto este que valeu a Portugal a condenação desta medida pela União

479
D IR E ITO T R IB U T Á R IO : Q U E S TÕ E S A TU AIS

Européia, na medida em que representava uma violação da liberdade de


circulação de capitais, tendo por isso sido eliminado nos regimes que se
seguiram.
Assim, quem não aderisse ao "perdão fiscal" e viesse a ser descoberto,
teria de suportar uma majoração de 50% do imposto que seria devido pelos
rendimentos correspondentes aos elementos patrimoniais não declarados,
omitidos ou inexactos.
Em caso de tributação fora do RERT, seriam passíveis de tributação,
em sede de IRS, apenas os rendim entos auferidos nos últim os quatro
exercícios, sem prejuízo das coimas que fossem aplicáveis.
Assim, 0 sucesso do objectivo de aumento significativo da receita
fiscal, que esteve na base da aprovação deste regime dependeria da
ponderação de alguns contribuintes quanto aos eventuais custos e benefícios
decorrentes do cumpnmento/íncumprimento do RERT.
Um outro possível entrave ao êxito deste regime era o facto de grande
parte dos capitais poderem estar depositados, não em nome das pessoas
físicas, mas antes em nome das denominadas "sociedades offshore", o que
im plicava uma m a io r d ificu ld a d e de fiscalização destes valores -
possivelmente os mais significativos.
Também por esta altura foi aprovada a Directiva da Poupança (Directiva
2003/4Q/CE, do Conselho, de 3 de Junho de 2003), obrigando os Estados-
Membros a uma troca automática de Informações, passando o Estado
Português a receber informações de outros países da União Européia sobre
os capitais aí detidos por residentes nacionais.

5. A Lei do Orçamento de Estado para 2010 (Lei 3-B/2010, de 28 de


Abril), consagrou um novo Regime Excepcional de Regularização Tributária
(RERT II), estabelecendo a aplicação de uma taxa especial de 5%, com vista a
extinção das obrigações tributárias associadas aos elementos patrimoniais
colocados no exterior.
Este regime fo i estendido, tam bé m , às pessoas colectivas que
possuíssem elementos patrimoniais que não se encontravam em território
português em 31 de Dezembro de 2009, e que consistissem em depósitos,
certificados de depósitos, valores m obiliários e o utro s in stru m en to s
financeiros, incluindo apólices de seguros do ramo Vida ligados a fundos de
investimento e operações de capitalização do ramo Vida.
A regulamentação deste regime ocorreu através de Portaria (n.s 260/
2010, de 10 de Maio) e que aprovou o modelo de Declaração de Regularização
Tributária e as respectivas instruções de preenchimento e que deveria ser
entregue, até 16 de Dezembro de 2010, junto do Banco de Portugal ou de
outros bancos estabelecidos em Portugal.

480
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

Este regime exigia, ao contrário do anterior, o efectivo repatriamento


dos activos em causa para Portugal, no caso de os mesmos se encontrarem
em Estados fora da União Européia e do Espaço Econômico Europeu.
Caso os referidos elementos patrimoniais já não se encontrassem na
titularida d e do c o n trib u in te no m om ento do repatriam ento, deveria o
mesmo repatriar outros activos financeiros de valor equivalente e que
tivessem substituído aqueles, ficando, de qualquer forma, ressalvados os
casos em que, à data da transferência, o valor dos elementos patrimoniais e
dos activos financeiros detidos pelo declarante fossem inferiores aos
declarados como constando da sua titularidade em 31 de Dezembro de 2009.
Perante esta situação, o montante a repatriar deveria ser o existente
à data da transferência, embora, pelo facto de não se exigir um tempo mínimo
pelo qual os elementos patrimoniais deveriam permanecer em Portugal,
muitos contribuintes tenham voltado a remeter os activos em causa para o
exterior após a regularização.
Outra novidade deste regime foi o facto de confirmar que a titularidade
dos elementos patrimoniais que podiam ser objecto de regularização no
âmbito do RERT II, poderia ser directa ou indirecta.
0 RERT li levou ao repatriamento de cerca de 1.600 milhões de euros
para o sistema financeiro nacional, tendo, com isso, o FISCO encaixado cerca
de 83 milhões de euros de receita. Os resultados da operação excederam as
expectativas, já que o encaixe fiscal ficou 38% acima do objectivo de 60
milhões.
0 valor foi ainda, praticamente, o dobro da receita arrecadada com o
primeiro RERT I, em 2005.
Também no que respeita ao valor dos activos repatriados para Portugal
foram ultrapassadas todas as expectativas, já que a quase totalidade dos
activos regularizados pelos contribuintes foi objecto de repatriam ento
efectivo.
Como factor determinante para uma muito maior adesão, o Governo
salientou, à data, o alargamento, ao longo do ano de 2010, da rede nacional
de Acordos de Troca de Informações com jurisdições ditas offshore, tendo
sido assinados, até ao final desse ano (2010), 14 destes acordos, os quais
permitem à Administração tributária portuguesa trocar informações com as
autoridades de Andorra, Antígua e Barbuda, Belize, Bermudas, Dominica,
Gibraltar, Guernsey, Ilha de Man, Ilhas Caimão, Ilhas Virgens Britânicas,
Jersey, Libéria, Saint Kitts and Nevis, Santa Lúcia e Turcos e Caicos.

6. Já no início deste ano de 2012, a Lei do Orçamento de Estado para


2012 {Lei n.5 64-B/2011, de 30 de Dezembro) consagrou um novo Regime
Excepcional de Regularização Tributária (RERT III), relativamente a elementos
patrimoniais colocados no exterior.

481
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

Este regime estabeleceu a aplicação de uma taxa especial de 7,5% - ao


invés da taxa de 5% prevista no RERT II - em moldes idênticos ao anterior
RERT II, mas deixando de ser exigido o re p atria m e n to para te rritó rio
português dos elementos regularizados, pelo que deixou de ser necessário
proceder à transferência dos elementos patrimoniais declarados para uma
conta aberta em nome do declarante ju nto de uma instituição de crédito
domiciliada em Portugal, caso os mesmos se encontrassem em Estados fora
da União Européia e do Espaço Econômico Europeu.
A liquidação do montante a pagar, na decorrência da aplicação da
referida taxa sobre o valor atribuído aos elementos patrimoniais declarados
seria, por seu turno, efectuada na própria Declaração de regularização,
devendo ser efectuada uma liquidação por cada declaração apresentada.
Puderam beneficiar deste regime as pessoas singulares e as pessoas
colectivas que possuíssem elementos patrimoniais que não se encontravam
em território português em 31 de Dezembro de 2010, e que consistiam em
depósitos, certificados de depósitos, partes de capital, valores mobiliários
e outros instrumentos financeiros, incluindo apólices de seguros do ramo
«Vida» ligados a fundos de investimento e operações de capitalização do
ramo «Vida».
A regulamentação deste regime ocorreu através da publicação de nova
Portaria (n.9 17 - A/^012, de 19 de Janeiro), e que aprovou o modelo de
Declaração de Regularização Tributária e que veio, igualmente, confirmar
que a titularidade dos elementos patrimoniais que podiam ser objecto de
regularização no âm bito do RERT III poderia ser directa ou indirecta,
incluindo-se no âmbito deste regime os elementos patrimoniais de que o
sujeito passivo tivesse o direito de dispor ou usufruir, nomeadamente os
detidos através de um instrumento de gestão fiduciária {trust), de um fundo,
in s tru m e n to ou co n tra to de in vestim en to (por exem plo, co n tra to de
beneficia! ownership), independentemente da sua forma jurídica, ou de uma
entidade que actue como mandatária, agente fiduciário ou administrador
(nominee).
A Declaração de Regularização Tributária deveria ser obrigatoriamente
assinada pelo sujeito passivo ou seu representante legal, sob pena de ser
recusada e acompanhada dos documentos comprovativos da titularidade
ou da qualidade de beneficiário efectivo do sujeito passivo em causa e do
depósito ou registo dos elem entos patrim oniais dela constantes. Esta
Declaração deveria, ainda, ser entregue, de acordo com o prazo inicialmente
previsto, até ao dia 30 de Junho de 2012, prazo este que acabou por ser
prorrogado por despacho do Secretário-geral dos Assuntos Fiscais, até ao
passado dia 13 de Julho de 2012 inclusive.
A entrega da Declaração deveria também ser feita junto do Banco de
Portugal ou de outros bancos estabelecidos em Portugal, sendo que, após a

482
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

confirmação do pagamento, a mesma produziu, relativamente aos elementos


patrim oniais constantes da declaração e respectivos rendim entos, os
seguintes efeitos: (i) a extinção das obrigações tributárias exigíveis em
relação àqueles elementos e rendimentos, respeitantes aos períodos de
tributação que tenham terminado até 31 de Dezembro de 2010, (ii) a exclusão
da responsabilidade por infracções tributárias que resultem de condutas
ilícitas conexas com aqueles elementos ou rendimentos, não podendo a
declaração de regularização ser apresentada como indício ou elemento
relevante para efeitos de qualquer procedimento tributário, penal ou contra-
ordenacional, (iii) a constituição de prova bastante para efeitos de não
aplicação de m étodos in d ire c to s , quando o c o n trib u in te evidencie
m anifestações de fo rtu n a que ponham em causa a veracidade dos
rendimentos por si declarados.
No entanto, os referidos efeitos não se verificavam quando, à data
da apresentação da Declaração, já tivesse tido início o procedimento de
inspecção ou qualquer outro procedimento para apuramento da situação
t r ib u tá r ia do c o n tr ib u in te , bem co m o q u a n d o já tive sse sido
desencadeado p ro ced im e n to penal ou contra -o rd en a cio na l de que o
su jeito passivo já tivesse tid o conhecim ento nos term os da lei e que
abrangessem os elem entos patrim oniais susceptíveis de beneficiar do
regime em causa.
0 pagamento associado à regularização tributária preconizada neste
regime excepcional deveria ser realizado no mom ento e em simultâneo
com a apresentação da referida Declaração, ou nos 10 dias posteriores a data
de recepção da mesma.
A falta de entrega da declaração de regularização trib u tá ria dos
elementos patrimoniais referidos, bem como as omissões ou inexactidões
re fle c tid a s na declaração im p lica m , re la tiv a m e n te aos elem entos
patrimoniais não declarados, omitidos ou inexactos, a majoração em 60% -
ao invés dos 50%, previstos no RERT II - do imposto que seria devido pelos
rendimentos correspondentes aos referidos elementos.
Tal como relativamente aos RERT anteriores, o Banco de Portugal foi
considerada a entidade competente para conservar em arquivo, por um
período mínimo de dez anos, todas as Declarações de regularização tributária
e respectivos documentos apresentadas, sendo que, tal como as restantes
entidades bancárias envolvidas neste processo, deverá assegurar o sigilo
relativamente às informações prestadas.
Para além das vantagens associadas aos efeitos e implicações da
adesão ao regime, acima mencionados, a opção pela regularização dos
elementos patrimoniais detidos pelo sujeito passivo no exterior, a 31 de
Dezembro de 2010, parece evitar que a Administração tributária questione a
origem de tais activos.

483
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES A T UAIS

Não obstante, subsistem os deveres impostos às instituições de


crédito, pelo Regime de Prevenção e Repressão do Branqueamento das
Vantagens de Proveniência Ilícita, tendo em vista a prevenção da utilização
do sistema financeiro para efeitos de branqueam ento de capitais e de
financiamento do terrorismo.
Caso 0 contribuinte tenha optado por não recorrer a este regime, tendo
elementos patrimoniais no exterior e não declarando à Administração tributária
os rendimentos auferidos, devendo os mesmos ser declarados e tributados em
Portugal, nos termos da legislação fiscal interna, o contribuinte será devedor à
Administração tributária, para além do imposto que deixou de ser entregue nos
cofres do Estado, de juros compensatórios contados diariamente desde o termo
do prazo de apresentação da declaração de rendimentos, até à data em que
venha a proceder ao pagamento do imposto em falta.
A este respeito, tem especial relevo o novo prazo de caducidade de
doze anos do direito à liquidação do imposto - ao invés do prazo normal de
quatro anos aprovado pela Lei do Orçamento de Estado para 2012, sempre
que tal direito se refira a factos tributários conexos: com (i) um país, território
ou região sujeito a um regime fiscal claramente mais favorável, constante
de lista aprovada por portaria do M inistro das Finanças {actualmente, a
Portaria n.5 292/2011), que devendo ser declarados à Administração tributária
o não sejam, ou (ii) com contas de depósito ou de títulos abertas em
instituições financeiras não residentes em Estados membros da União
Européia, cuja existência e id e n tifica çã o não seja mencionada pelos
contribuintes na correspondente declaração de rendimentos do ano em que
ocorram os factos tributários.
Acresce que o ilícito tributário cometido pelo sujeito passivo faz com
que este incorra em responsabilidade penal e contra-ordenacional, de
acordo com o Regime Geral das Infracções Tributárias, nomeadamente por
fraude fiscal, punível com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias
(não sendo punível, a título penal, se a vantagem patrimonial ilegítima for
inferior a • 15.000).
O ilíc ito trib u tá rio consubstanciará, no e n ta n to , fra u d e fiscal
qualificada, punível com pena de prisão de um a cinco anos para as pessoas
singulares e com pena de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas,
sempre que, em conjunto com outra circunstância qualificante do crime de
fraude fiscal, tenha sido tam bém utilizada a interposição de pessoas
singulares ou colectivas residentes fora do te r ritó rio português e aí
submetidas a um regime fiscal claramente mais favorável. De acordo com a
Lei do Orçamento de Estado para 2012, a mesma pena será ainda aplicável
quando: (i) a fraude ocorra através da utilização de facturas ou documentos
equivalentes por operações inexistentes ou por valores diferentes, ou ainda
com a intervenção de pessoas ou entidades diversas das da operação

484
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

subjacente, ou (ii) a vantagem patrimonial obtida for de valor superior a * 5 0


000. De salientar que, também de acordo com a Lei do Orçamento do Estado
para 2012, quando a vantagem patrimonial seja de valor superior a • 200.000,
aplicar-se-á uma pena de prisão de 2 a 8 anos para as pessoas singulares e
uma pena de multa de 480 a 1920 dias, para as pessoas colectivas.
Caso a conduta em causa não consubstancie crime fiscal, o sujeito
passivo incorrerá em responsabilidade contra-ordenacional pela falta de
entrega, ao credor trib u tá rio , do im posto devido e que devia te r sido
liquidado, punível com coima variável entre o valor da prestação em falta e
o seu dobro. Contudo, se a referida contra-ordenaçâo for imputável a título
de negligência, será aplicável coima variável entre 15% e metade do imposto
em falta (tratando-se de pessoa singular), ou entre 30% e a totalidade do
imposto em falta {se for pessoa colectiva).
Feito o balanço deste RERT III, podemos dizer que o terceiro regime
excepcional de regularização tributária constituiu uma oportunidade para
que os contribuintes faltosos declarassem, voluntariamente, cerca de 3,4
mil milhões de euros, de activos colocados no estrangeiro e não declarados.
0 Ministério das Finanças afirmou mesmo, em comunicado - e pass
a citar - que “ o imposto pago no âmbito do RERT III superou em 105% o total
da receita acumulada dos dois regimes de regularização anteriores (43,4
milhões de euros do RERT I e 82,8 milhões de euros do RERT II, no total de
126,2 milhões de euros)".
A larga adesão a este regime foi justificada, não só com o facto de terem
sido tornadas públicas, enquanto decorria o prazo para a respectiva adesão, as
investigações realizadas no âmbito da operação "Monte Branco", para desmontar
uma rede de branqueamento de capitais, mas, também, e sobretudo, a noticia
de que Portugal e a Suíça assinaram, em Lisboa, um protocolo que altera a
Convenção para evitar a Dupla Tributação em matéria de impostos sobre o
rendimento e o capital e que contém disposições específicas sobre troca de
informações, facilitando esse intercâmbio e nos termos das quais as autoridades
suíças não poderão escusar-se a transmitir as informações solicitadas pelas
autoridades Portuguesas alegando o sigilo bancário.

7. Embora, segundo o Governo português, não esteja previsto que


ocorra um novo regime excepcional de regularização trib u tá ria nesta
legislatura, a verdade é que existem diversos factores que poderão vir a
implicar o surgimento de amnistias fiscais no futuro, cada vez mais eficazes,
atento o contexto internacional de incremento de medidas de combate à
evasão e fraude fiscal, por vezes mesmo conflituando com o sigilo bancário,
e quanto mais não seja para satisfazer a necessidade de aumento de receita
com vista ao combate do défice.

Lisboa, 15 de Setembro de 2012.

485
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

DA N Ã O -IN C ID Ê N C IA DA COFINS SOBRE VALORES


MONETÁRIOS RECEBIDOS POR ASSOCIAÇÕES, SEM FINS
LUCRATIVOS, SEJA DE FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS, SEJA DE
FUNCIONÁRIOS DE EMPRESAS PRIVADAS

Roque Antonio Carrazza^^^

SUMÁRIO. 1. Introdução. PRIMEIRA PARTE: C onsiderações gerais. 2. 0 nascimento da


obrigação tributária. 3. 0 perfil constitucional das contribuições sociais: 3.1.
Generalidades--3.2. Das contribuições para o custeio da seguridade social ^contribuições
sociais para a seguridade social/; 3.2.1. A base de cálculo possível das contribuições
sociais para a seguridade social. 4. A COFINS e sua base de cálculo. 5. Noção jurídica
de faturamento. SEGUNDA PARTE: 0 assunto central. 6. Reequacionamento do problema.
7. A naturezajurídica das associações, semfins lucrativos, seja defuncionários públicos,
seja de funcionários de empresas privadas. 8. A ausência de fa tu ram ento, a impedir a
incidência da COFINS, sobre os valores recebidos por associações, sem fins lucrativos,
seja de funcionários públicos, seja de funcionários de empresas privadas: 8.1.
Generalidades-8.2. Da intributabilidade, por meio de COfiNS, dos valores recebidos a
título de aplicações financeiras, de taxas de hospedagem, de refeições fornecidos e de
vendas de medicamentos. 9. 0 interesse fazendário e sua necessária submissão ao
interesse público. 10. Conclusões. 11. Referências bibliográficas.

1. Introdução

Neste artigo, sustentaremos a não-incidência da contribuição para o


financiamento da seguridade social {COFINS) sobre os valores monetários que
as associações, sem fins lucrativos {pessoas jurídicas de direito privado, sem
finalidades lucrativas), seja de funcionários públicos, seja de funcionários de
empresas privadas, obtêm: a) com aplicações financeiras; bem como, b) com
a cobrança, de seus associados, (i) de taxas de hospedagem, que não chegam
a cobrir as despesas de manutenção de colônias de férias e (ii) de preços
subsidiados de fornecimento de refeições e de medicamentos.
Para tanto, dividiremos o trabalho em duas partes.
Na primeira, teceremos algumas considerações sobre: a) o nascimento
da obrigação tributária; b) o perfil constitucional das contribuições sociais e
suas bases de cálculo possíveis; c) a COFINS e sua base de cálculo; e, d) a
noção jurídica de faturamer)to.

- P ro fe s s o r T i t u l a r da C a d e ira de D ir e ito T r i b u t á r i o da F a c u ld a d e de D ir e it o d a P o n tifíc ia


U n i v e r s id a d e C a t ó lic a d e São P a u lo - A d v o g a d o e C o n s u l t o r T r i b u t á r i o - M e s t r e , D o u t o r e Liv re -
d o c e n t e e m D i r e i t o T r i b u t á r i o p ela PUC/SP - E x - P r e s id e n te d a A c a d e m i a P a u lis ta d e D ir e i to .

487
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

A to contínuo, com apoio nas premissas jurídicas que tive rm o s


assentado, esmiuçaremos o assunto central, em ordem a demonstrar, com
argumentos jurídicos, nossa tese.

PRIMEIRA PARTE: Considerações gerais

2. O nascimento da obrigação tributária

I - 0 trib u to nasce quando se verifica, no mundo em que vivemos


(mundo fenom ênico), o fato, lícito e não-voluntário, m inudentem ente
descrito na hipótese de incidência da norma jurídica tributária/^^
Hipótese de incidência é o fato, descrito em lei, que, acontecido, faz
nascer a relação jurídica tributária, que tem por objeto a dívida tributária.
Ou, invocando as lições clássicas de Geraldo Ataliba,^^’ é o fato, descrito em
lei, que, se e quando acontecido, faz nascer, para uma dada pessoa, o dever
de recolher o tributo.
Não devemos confundir este fato, descrito em lei, e por ela alçado à
condição de hipótese ou suposto, com a ocorrência real deste fato. Noutros
termos, mais técnicos, há que distinguir a hipótese de incidência tributária
{fato gerador "in abstracto" do tributo) do fa to imponível do tributo {fato
gerador "in concreto" do tributo).
Esta, diga-se de passagem, é uma distinção conceituai que a melhor
doutrina vem fazendo com clareza. Deveras, uma realidade é o fato descrito
em lei, que, acontecido, faz nascer o trib u to (a hipótese de incidência) e,
outra, muito diversa, é o fa to que aconteceu, isto é, que realizou o tipo
tributário e, por isso mesmo, determinou o surgimento, "in concreto", da
exação (o fa to imponível). Estamos, neste passo, diante de dois planos
distintos e, por isso mesmo, inconfundíveis: o primeiro, abstrato, normativo;
o outro, concreto, fático. Em suma, a hipótese de incidência está na lei; o fato
imponível, no mundo fenomênico.
Segue-se, pois, que o trib u to só pode ser validam ente lançado e
exigido quando um fa to ajustar-se rigorosam ente (subsumir-se) a uma
hipótese de incidência trib u tá ria . E este fa to outro não é senão o fa to
imponível. Valem, a propósito, as clássicas lições de Albert Hensel, para quem
"só deves pagar tributo se realizas o fato imponível".^^®

Para m a i o r a p r o f u n d a m e n t o d o a s sun to, v. n os so Reflexões sobre a Obrigação Tributária, E d itora


N oeses, São P a ulo , 2 0 1 1 , p p. 7 a 33.
Hipótese de Incidência Tributá ria, M a lh e ir o s E d it o re s , Sã o Paulo , 6 * e d., 2 0 0 6 .
D iritto Tributário, t r a d , d e D in o Jarach, M i la n o , D o tt. G iu ffrè - E d itore , 1956, p. 1 48 (tr a d u z im o s ) .

488
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

II - Portanto, para que nasça in concreto o trib u to , deve um fato


corresponder fielmente à figura delineada na lei {Tatbestand), o que implica
tipicidade {Typizitat).
Escandindo a ideia, a tipicidade pressupõe que o tributo só seja exigível
quando se realiza, no mundo fenomênico (mundo real), a hipótese, a cuja
ocorrência a lei que minuciosamente a descreve vincula o nascimento da
exação. Se não se realiza o fa to imponivei, isto é, se não se cumprem
integralmente os elementos da hipótese traçada pela lei, não há falar em
tributo, sendo inválidos, pois, seu lançamento e cobrança.
0 dever de recolher o tributo somente pode ser considerado existent
quando (i) uma lei houver descrito minuciosamente sua hipótese de incidência,
(ii) 0 fato nela previsto tiver ocorrido, em todos os seus aspectos, no mundo
real. Com a conjugação desses dois fatores haverá um sujeito ativo, com o
direito subjetivo à percepção de uma soma de dinheiro, a título de tributo, e
um sujeito passivo, com o dever jurídico de efetuar seu pagamento.

III - Sempre a propósito, já se disse que a hipótese de incidência traça


uma moldura e que o fa to imponivei, para assim ser considerado, deve
preenchê-la por inteiro. Se faltar um aspecto, prazo ou pormenor, por mais
singelo, ainda não ocorreu o fa to imponivei e, portanto, ainda não nasceu a
obrigação tributária.
Enfim, para que ocorra o fato imponivei é necessário que se concretizem,
no mundo real, todos os pressupostos erigidos pelo legislador, como condições
suficientes para o nascimento do trib u to .P o s itiv a m e n te não há espaço
jurídico para a cobrança do tributo por meio do emprego da analogia}^°
Assentada esta premissa, podemos vo ltar nossa atenção para as
contribuições sociais e suas bases de cálculo possíveis.

A d o u t r i n a ita li a n a f o i s o b r e m o d o fe l iz a o c u n h a r o te r m o fo t tis p e d e , p ala v r a q u e c o n t é m , e m


se u é t i m o , o v o c á b u l o l a t i n o s pe culum ( e s p e l h o ) . R e a l m e n t e , a s s im c o m o o e s p e l h o r e f l e t e as
im a g e n s q u e s o b r e e le i n c i d e m , o f a t o im ponivei, r e p r o d u z , n o m u n d o re al ( p o r t a n t o , in concreto],
a i m a g e m a b s t r a t a c o n s t r u í d a p e la hipótese de incidência da n o r m a j u r í d i c a t r i b u t á r i a . Só h a v e rá
t r i b u t o q u a n d o u m f a t o o c o r r i d o " e s p e l h a r " o a r q u é t i p o c o n t i d o n a h i p ó t e s e d e i n c id ê n c ia .
A a n a l o g i a é o p r o c e d i m e n t o l ó g i c o q u e c o n s i s t e e m a p l i c a r , a u m ca so n ã o e x p r e s s a m e n t e
r e g u la d o , n o r m a q u e d is c ip lin a o u t r o a e le s e m e l h a n t e . É m e i o d e i n t e g r a ç ã o das lacu n a s ju rídica s.
É 0 q u e e nsin a Tércio S a m p a io Ferraz; " 0 u so d a a n a lo g ia , n o d ir e i t o , f u n d a - s e n o p r in c íp io g era l de
q u e se d e v a d a r t r a t a m e n t o Ig u a l a c a sos s e m e l h a n t e s . S e g u e d a í q u e a s e m e l h a n ç a d e v e se r
d e m o n s t r a d a s o b o p o n t o d e v i s ta d o s e f e i t o s j u r í d i c o s , s u p o n d o - s e q u e as c o in c i d ê n c i a s s e ja m
m a i o r e s e j u r i d i c a m e n t e m a is s i g n i f i c a t iv a s q u e as d if e r e n ç a s . D e m o n s t r a d a a s e m e l h a n ç a e n t r e
d o i s c a sos , o i n t é r p r e t e p e r c e b e , s i m u l t a n e a m e n t e , q u e u m n ã o e s tá r e g u l a d o e a p l i c a a e le a
n o r m a d o o u t r o . A a n a l o g i a p e r m i t e c o n s t a t a r e p r e e n c h e r a l a c u n a " {In tro d u ç ã o a o Estudo do
D ire ito - Técnico, Decisão, Dom inação, A tla s , São P a ulo , 1 9 8 8 , p . 274).
N o c a m p o t r i b u t á r i o , t o d o ele s u b m e t i d o aos p r in c íp io s da estrita legalidade e da tipicidade fechada,
a a n a lo g ia , e m b o r a p o s s ív e l, há d e s e r e m p r e g a d a c o m p a r c i m ô n i a , q u a n d o n ã o c o m m ã o a vara .
Oe q u a l q u e r m o d o , n u n c a p a r a p r e j u d i c a r o c o n t r i b u i n t e ( a n a fo g ia in p e iu s ), c o m o , d e r e s to , ressai
d a só l e i t u r a d o a r t . 1 08 , I, d o C ó d i g o T r i b u t á r i o N a c i o n a l ( " 0 e m p r e g o d a a n a l o g i a n ã o p o d e r á
r e s u l t a r na e x ig ê n c ia d e t r i b u t o n ã o p r e v i s t o e m le i " ) .

489
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

3. O perfil constitucional das contribuições sociais

3.1. Generalidades

I - Com o advento da Constituição Federal de 1.988 desapareceram as


dúvidas acerca da natureza tributária das contribuições.
E nem poderia ser de outro modo, diante do que estipula o art. 149, da
Constituição Federal:

"Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições


sociais, de intervenção no dom ínio econômico e de interesse das
categorias profissionais ou econômicas, com o in s tru m e n to de
sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos
arts, 146, III, e 1 5 0 ,1e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, §
62, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo".

A só leitura deste dispositivo (que faz expressa alusão aos "arts. 146,
III, e 150, I e III" da Constituição Federal) revela que as contribuições devem
obedecer ao regime jurídico tributário.
Portanto, as contribuições são, sem sombra de dúvida, tributos, uma
vez que devem necessariamente obedecer, seja quanto à instituição, seja
quanto ao lançamento e ao modo de cobrança, aos princípios e regras que
informam a tributação.
Nunca é demais lembrar que o que define uma entidade do mundo
do Direito não é a denominação que recebe, mas o regime jurídico a que está
submetida. Ora, na medida em que as contribuições, por determinação
constitucional, devem obedecer ao regime jurídico tributário, segue-se que
são tributos. E trib u to s que - estamos convencidos - podem revestir a
natureza jurídica de imposto ou conforme as hipóteses de incidência
e bases de cálculo que tiverem.

A n o s s o s e n tir , n o Bra sil, o t r i b u t o é o g ê n e r o , d o q u a l o i m p o s t o , a ta xa e a c o n t r i b u i ç ã o de


m e l h o r i a sã o as e s p é c ie s . Para n ós , o s em préstim os com pulsório s ( a r t . 1 4 8 , d a C.F.) sã o trib u to s
re stituíveis, as contribuições parafiscais, t r i b u t o s a r r e c a d a d o s p o r p esso a d iv e r s a d a q u e l a q u e os
i n s t it u iu , os impostos extraordinários {a rt. 154, II, d a CF), sim ple s im p o s to s q u e a U n iã o , na im in ê n c ia
o u n o caso d e g u e r r a e x te r n a , p o d e r á criar, s e m o b s e r v a r o prin c ipio da reserva das competências
impositivas e, f i n a l m e n t e , as contribuições ( a r t. 149, d a C.F.), tributos qualificados p o r suo finalidade.
N ã o i g n o r a m o s , p o r é m , q u e d o u t r i n a d o r e s d a m a i o r s u p o s i ç ã o s u s t e n t a m q u e as con tribuiçõ es,
p e l a s é r ie d e c a r a c t e r í s t i c a s q u e p o s s u e m , s ã o u m a n o v a c a t e g o r i a d e t r i b u t o s (a o l a d o d os
i m p o s t o s , d as ta x a s , da c o n t r i b u i ç ã o d e m e l h o r i a , d o s e m p r é s t i m o s c o m p u l s ó r i o s e tc .) . Esta, p o r
e x e m p l o , é a o p i n i ã o d e E s te v ã o H o r v a t h {C o ntribu ições de In te rve n ç ã o no D om ínio Econômico,
D ia lé tic a , São Paulo , 2 0 0 9 , p p. 18 e 19).
Tais d i s c r e p â n c i a s n ã o n o s c a u s a m m a i o r e s e m b a r a ç o s . É q u e as c l a s s i f i c a ç õ e s - i n c l u s i v e as
ju ríd ic a s - t ê m u m q u ê d e a r b i tr á r i o . D e p e n d e m d o c r i t é r io e le ito p eío agente classífícador, ao d iv i d ir
u m c o n j u n t o d e se res ( o b j e t o s , c o is a s) e m c a te g o r ia s .
P e s s o a l m e n t e , a n a l is a n d o as n o r m a s c o n s t i t u c i o n a i s p e r t i n e n t e s (já q u e t í n h a m o s e m m i r a le v a r
a e f e i t o u m a cla s s ific a ç ã o j u r í d i c a d os t r i b u t o s ) e l e v a n d o e m c o n t a a p e n a s o c rité rio m a te ria l da

490
D IRE IT O T R I8 Ü 1 A R IÜ : QUESTÕES ATUAIS

Com efeito, ao contrário do que fez com os demais tributos, a Constituição,


ao tratar das contribuições, de regra não declinou, nem suas bases de cálculo
possíveis nem, por conseqüência, suas hipóteses de incidência possíveis.
Enfrentemos melhor a questão.

II - A Magna Carta, ao discrim inar as competências legislativa


tributárias entre as várias pessoas políticas, traçou a regra-matriz dos vários
tributos que elas, querendo, podem criar.
No caso das contribuições, porém, limitou-se, salvo em alguns poucos
casos (um dos quais o objeto deste artigo doutrinário) a indicar-lhes as
finalidades a alcançar; a saber: o) a intervenção no domínio econômico; b) o
interesse de categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de
atuação federal nas respectivas áreas; e, c) o custeio da seguridade social.
N o utros term o s, a União poderá criar, d e n tro de seu campo
co m p ete ncia l trib u tá rio e obedecidos os d ire ito s fu n d a m e n ta is dos
contribuintes, qualquer imposto ou taxa, explicitando que a exação terá por
escopo ou intervir no domínio econômico (contribuição interventiva), ou
atender ao interesse de uma dada categoria profissional ou econômica, como
instrumento de atuação federai na respectiva área (contribuição corporativa),
ou, ainda, custear a seguridade social (contribuição social).

3.2. Das contribuições para o custeio da seguridade social


("contribuições sociais para a seguridade social")

I - Como já afirmamos, a União, nos termos do art. 149, da Constituiçã


Federal, pode instituir contribuições sociais, que são verdadeiros tributos
(impostos ou taxas).
0 caráter tributário destas figuras jurídicas vem reforçado pelo § 6, do
art. 195, da Constituição Federal, que as submete - ainda que de modo
mitigado - ao princípio da anterioridade, inserido na seção que trata "das
limitações do poder de trib u ta r".” ^

h ip ó te s e d e in c id ê n c ia das e xações, c h e g a m o s à c o n c lu s ã o d e q u e há, n o País, a p e n a s tr ê s espécies


t r i b u t á r i a s : o s im p o s t o s , as ta x a s e a c o n t r i b u i ç ã o d e m e l t \ o r i a . E q u e as c o n t r i b u i ç õ e s p o d e m
e n q u a d r a r - s e nas d u a s p r i m e i r a s c a t e g o r i a s , d e p e n d e n d o da h i p ó t e s e d e i n c i d ê n c i a ( c o n f i r m a d a
p ela base d e c á lc u l o ) q u e t i v e r e m : o u na c a t e g o r i a i m p o s t o o u n a c a t e g o r i a ta x a .
N ad a im p e d e , p o r é m , q u e o u t r o s e s tu d io s o s , e le g e n d o c r i t é r io s c l a s s ific a tó r io s d iv e rs o s ,
s u b d i v i d a m o s t r i b u t o s e m q u a t r o , c in c o , s e te , o u , m e s m o , d ez o u t r a s m o d a l id a d e s .
0 q u e i m p o r t a c o n s i d e r a r é q u e , t a n t o n a c la s s ific a ç ã o d o s t r i b u t o s p o r n ós p r o p o s t a ( i m p o s t o s ,
ta x a s e c o n t r i b u i ç ã o d e m e lh o r ia ) , q u a n t o na le v a d a a e f e i t o p o r o u t r o s p e s q u i s a d o r e s (i m p o s to s ,
ta x a s , c o n t r i b u i ç ã o d e m e l h o r i a , e m p r é s t i m o s c o m p u l s ó r i o s , c o n t r i b u i ç õ e s e tc .) , as c o n t r ib u iç õ e s
d o a rt. 149, da CF, são t r i b u t o s , d e v e n d o , pois, r e s p e ita r os p r in c íp io s e n o r m a s c o n s t it u c io n a i s q ue
r e g u l a m a a çã o t r i b u t á r i a d o E s ta d o .
C o n s t i t u i ç ã o F e d e ra l - " A r t . 1 9 5 (‘o m i s s i s ’ ) - § 62. As c o n t r i b u i ç õ e s s o c ia is d e q u e t r a t a e ste
a r t i g o só p o d e r ã o se r e x ig id a s a p ó s d e c o r r i d o s n o v e n t a d ia s da d a t a da p u b l ic a ç ã o da le i q u e as
h o u v e r i n s t i t u í d o o u m o d i f i c a d o , n ã o se lhe s a p l i c a n d o o d is p o s t o n o a r t . 1 50 , III, 'b '".

491
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Pois bem. As contribuições sociais subdividem-se em (i) genéricas


(referidas no art. 149, caput, da Carta Suprema, que se destinam ao custeio
das metas apontadas no seu Título VIU, que trata da Ordem Social) e (ü)
específicas (apontadas no art. 195, da Constituição, que têm por escopo
financiar a seguridade social lato sensu, que, a teor dos arts. 194 a 204, do
mesmo Diploma Magno, abrange a saúde, a previdência e a assistência social).
Consideremos estas últimas (as contribuições sociais específicas) com
maior atenção.
O assunto vem explicitado no art. 1 95 ,1a IV e seus §§ 4?, 9^, 12 e 13, da
mesma Carta Fundamental; verbis:

"A rt. 195. A se g u rid a d e so cia l será fin a n c ia d a p o r to d a a


sociedade, de form a direta e indireta, nos te rm os da lei, mediante
recursos provenientes dos orçam entos da União, dos Estados,
d o D is t r it o F e d e ra l e dos M u n ic íp io s , e das s e g u in te s
c o n trib u iç õ e s sociais:
I- do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na
form a da lei, incidentes sobre;
a) a folha de salários e demais re n dim entos do tra b a lh o pagos
ou creditados, a q u a lquer titu lo , à pessoa física que lhe preste
serviço, mesmo sem vínculo empregatício;
b) a receita ou o fa tu ra m e n to ;
c) 0 lucro;
I I - d o tra b a lh a d o r e dos demais segurados da previdência social,
não in c id in d o c o n tr ib u iç ã o so b re a p o s e n ta d o ria e pensão
concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata
o art. 201;
ill- sobre a receita de concursos de prognósticos;
IV- do im p o rta d o r de bens ou serviços do exterior, ou de quem a
lei a ele equiparar. (...)
§ 49. A lei poderá in s titu ir outras fon te s destinadas a gara n tir a
m anute n çã o ou expansão da seguridade social, o b e d e cid o o
disposto no art. 1 5 4 , 1. (...)
§ 95 . As contrib u içõ e s sociais previstas no inciso I do 'c a pu t'
d e s te a r t ig o p o d e rã o t e r a líq u o ta s ou bases de c á lc u lo
diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização
intensiva de mão de obra, do p o rte da empresa ou da condição
estrutural do m ercado de trabalho.^^^ (...)
§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os
quais as contribuições incidentes na form a dos incisos I, 'b'; e
IV do 'caput', serão não-cumulativas.

Redaçã o d ad a pela EC n.s 47/2005, c o m e fe it o s r e t r o a t iv o s à d a ta d e v igê n c ia da EC n.® 4 1 / 2 0 0 3 .

492
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

§ 13. Aplica-se o disposto no § 12 inclusive na hipótese de


substituição gradual, total ou parcial, da contribuição incidente
na forma do inciso I, 'a', pela incidente sobre a receita ou o
faturamento".” '"

II - Indo 30 ponto que mais de perto interessa ao nosso assunto centra


temos que as contribuições patronais para o custeio da seguridade social
são impostos (embora qualificados pela finalidade do custeio da seguridade
social). Com efeito, o art. 195, I, da Lei Maior, apontou-lhes as bases de
cálculo possíveis-, o lucro, a folha de salários, o faturamento etc. Ora, como
adiante melhor veremos, a base de cálculo mede a hipótese de incidência
do tributo, estando com ela intimamente relacionada. Assim, na medida em
que estes in dicativo s co nstitu cio na is são p ró prios de irDpostos, está
sinalizada, já no Texto Supremo, a natureza específica das exações em foco.^^^
Em suma, nessas contribuições sociais, a hipótese de incidência é sempre um
fato qualquer, nâo-consistente numa atuação estatal, o que nos reconduz à
ideia de que revestem a natureza jurídica de imposto.
Vejamos, agora, qual é a base de cálculo possível destas exações.

3.2.1. A "base de cálculo possível" das "contribuições sociais para a


seguridade social"

I - Base de cálculo é a unidade de medida, apontada em lei, que traduz


numa expressão numérica, a hipótese de incidência tributária. É justamente
sobre essa expressão numérica que será aplicada a alíquota, o que permitirá
apurar o exato montante de tributo a recolher {quantum debeatur).^^^

Os in c is o s l e II, d o a r t . 1 9 5 , d a C o n s t i t u i ç ã o F e d e r a l, t i v e r a m e s ta r e d a ç ã o d a d a p e la E m e n d a
C o n s t i t u c i o n a l n .^ 2 0 , d e 1 5 . 1 2 . 9 8 , q u e a m p lio u a r e g r a - m a t r i z d a s c o n t r i b u i ç õ e s s o c ia is p a ra a
s e g u r i d a d e s o c i a l , o q u e , v e n ia concessa, n o s p a r e c e i n c o n s t i t u c i o n a l , c o n f o r m e t i v e m o s a
o p o r t u n i d a d e d e escrever, e m o u t r o c o n te x to , q u e n ão v e m para a qu i [Curso de Direito Constitucional
Tributá rio. M a lh e ir o s E d it o r e s , São Paulo , 28# e d . , 2 0 1 2 , p p . 6 8 4 a 6 89 ).
T o m e m o s c o m o e x e m p lo , a contribuição social sobre o lucro (CSLL). E x a m in a n d o a m a te r ia l id a d e
de sua h ip ó te s e d e in c id ê n c ia co n c lu ím o s , se m m a io r e s fo rç o , q u e e s ta m o s d ia n t e d e m e r o a dicion a l
d o i m p o s t o s o b r e a re n d a , c o m a só d if e r e n ç a d e q u e o p r o d u t o d e sua a r r e c a d a ç ã o é v i n c u la d o ao
c u s te io da S e g u r id a d e Social. T a m b é m a c o n t r i b u i ç ã o p r e v i d e n c i á r ia p a r a o e m p r e g a d o r ( e n q u a n t o
r e p r e s e n t a n t e d a e m p r e s a ) é u m i m p o s t o , cu ja h i p ó t e s e d e in c i d ê n c i a a ss im p o d e s e r s i n t e t iz a d a ;
r e m u n e r a r p e ss o a lig a d a à P r e v id ê n c ia Social (na v e r d a d e , q u a l q u e r p e sso a , já q u e a p r o t e ç ã o da
s e g u r i d a d e s o c ia l, é, t o r n a m o s a dizer, u n iv e r s a l) . A a r g u m e n t a ç ã o v a le , m u ta tis m u tand is , p ara as
d e m a i s c o n t r i b u i ç õ e s p a t r o n a i s p a r a a s e g u r i d a d e s o c ia l.
N o m e s m o s e n t i d o é a l iç ã o d e G e r a l d o A t a l i b a ; verbis: " ( b a s e d e c á l c u l o é a) p e r s p e c t i v a
d im e n s í v e l d o a s p e c t o m a t e r i a l d a h ip ó t e s e d e in c i d ê n c i a q u e a le i q u a l if ic a , c o m a f i n a l i d a d e d e
f i x a r c r i t é r i o p ara a d e t e r m i n a ç ã o , e m ca d a o b r i g a ç ã o t r i b u t á r i a c o n c r e t a , d o q u a n tu m d e b e a tu r"
(Hipótese de Incidência T ributá ria, S. P a ulo , M a l h e i r o s E d ito r e s , 5^ e d., 3^ t i r a g e m , 1 9 9 2 , p. 9 7 -
e s c la re c e m o s n o p a rê n te s e ).

493
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES AT UAIS

Abrimos um ligeiro parêntese para elucidar que estamos a tratar da


base de cálculo in abstracto {apontada na leí), que não se confunde com a
base de cálculo in concreto (ou base tributável ou base calculada), apurada
ao ensejo do lançamento.
M elhor dizendo, do mesmo modo pelo qual não se superpõem a
hipótese de incidência (o tipo tributário) e o fa to imponível (o fa to tipico do
tributo), não coincidem a base de cálculo In abstracto (descrição normativa
do valor econômico a considerar) e a base de cálculo in concreto {a real
apuração do valor econômico apontado na lei).
Podemos, pois, estabelecer a seguinte relação de proporcionalidade'.
a base de cálculo In abstracto está para a hipótese de incidência, assim como
a base de cálculo in concreto está para o fa to imponível.
Em apertada síntese, ao Legislativo compete definir a base de cálculo
in abstracto dos tributos; ao Executivo, apurar-lhes a base de cálculo In
concreto.
Mas, o assunto é rico e abre espaço a várias considerações, que
passamos a fazer.

II - As pessoas políticas, como adiantado, não têm total liberdade na


escolha da base de cálculo dos tributos que criam legislativamente, já que
ela tem seus paradigmas prefigurados na Constituição. Logo, ao tratarem do
assunto, devem necessariamente levar em conta a base de cálculo possivel
da exação.
Afinal, a natureza do tributo é obtida, não apenas pelas normas que
traçam sua hipótese de incidência, mas, também, por aquelas que apontam
sua base de cálculo. Se houver conflito entre ambas, o tributo deixa de ser o
previsto na lei tributária, como bem o percebeu José Juan Ferreiro Lapatza:
"uma mudança nas normas que regulam a base supõe, necessariamente,
uma variação no fato tipificado pela lei como fato imponível".

III- A base de cálculo dá critérios para a mensuração correta do aspecto


material da hipótese de incidência tributária. Serve não só para medir a
matéria tributável, como para determ inar - tanto quanto a hipótese de
incidência - a modalidade do tributo que será exigido do contribuinte.
Sendo a base de cálculo a expressão econômica da materialidade do
tributo, deve prestar-se a mensurar, de modo adequado, o fato descrito na
hipótese de incidência, em ordem a possibilitar a correta quantificação do
dever tributário, a cargo do contribuinte.

D ire ito T rib u tá rio - Teoria G e ra l d o Tributo, tra d , d e R o b e rto Barbosa Alves, M a rc ia l Pons - M a n o le ,
B a r u e r i , 2 0 0 7 , p. 2 5 7

494
DIREIT O T R I B U T Á R I O Q U E S T Õ E S ATUAIS

Diretamente relacionada com a hipótese de incidência, a base de


cálculo fornece, pois, critérios para, quando conjugada com a alíquota,
mensurar o fato imponível. É, nesse sentido, o ponto de partida das operações
matemáticas a serem realizadas pelo FISCO, tendo em vista a apuração do
quantum debeatur.
Não é por outra razão que a hipótese de incidência e a base de cálculo
do tributo devem interatuar. Uma, há de encontrar respaldo e confirmação
na outra, como, de resto, assinala Misabel Derzi; verbis\
“ Quando um tributo está posto em lei, tecnicamente correta, a base
de cálculo determina o retorno ao fato descrito na hipótese de incidência.
Portanto, o fato medido na base de cálculo deverá se o mesmo posto na
hipótese".” ®
Incumbe, pois, à base de cálculo, especificar, em termos matemáticos,
a hipótese de incidência do t r i b u t o . T u d o o que fugir disso, não estará
medindo de modo adequado o fa to imponível e, no momento da apuração
do quantum debeatur, fará com que o contribuinte pague além da conta,
circunstância que lhe vulnerará, o direito de propriedade.

IV - Por outro lado, uma base de cálculo im própria, é dizer, em


descompasso com a hipótese de incidência, põe por terra o rígido esquema
de repartição de competências tributárias, já que transforma o tributo em
entidade difusa, desajustada de seu arquétipo constitucional. E, pior; com a
apuração incorreta do montante a pagar, o contribuinte vê ruir a garantia,
que a Lei Maior lhe deu, de somente se submeter a encargos tributários que
lhe dizem respeito.

V - Parece-nos bem acrescentar que, na composição da base de cálculo


de qualquer tributo, devem ser tomados valores exprimíveis em moeda,
conforme, de resto, vem estatuído no art. 3^, do Código Tributário Nacional.
Mas, não apenas isso: é imprescindível que tais valores derivem da própria
natureza do trib u to que se pretende dimensionar (preço do serviço de
comunicação prestado, no caso do ICMS-comunicação; valor venal do veículo

™ N o ta s d e a t u a liz a ç ã o a o liv r o D ir e i t o T r i b u t á r i o B r a s ile ir o , d e A t i o m a r B a le e iro ( F o re nse , Rio d e


Ja n e iro , 1 1* e d., 2 0 0 2 ) , p. 65.
A s s im , p o r e x e m p l o , se a h ip ó t e s e d e in c id ê n c ia d o t r i b u t o f o r " p r e s t a r se r v iç o s " , sua b a s e d e
c á lc u l o s o m e n t e p o d e r á s e r o " p r e ç o d o s e r v iç o p r e s t a d o " .
A a ç ão d e t r i b u t a r d e a lg u m m o d o la n h a a p r o p r i e d a d e p r iv a d a , q u e se e n c o n t r a p r o t e g i d a nos
a rts . 52, XXII, e 1 70 , II, a m b o s da C o n s ti tu i ç ã o F e d era l. A ssim , a t r i b u t a ç ã o s o m e n t e será vá lid a se,
t a m b é m e la , e n c o n t r a r a p o i o n o T e x to S u p r e m o . Is to e x p lic a , p e l o m e n o s e m p a r t e , a r a zão pela
q ua l e le d is c i p li n o u , d e m o d o t ã o ríg id o , o m e c a n i s m o d e f u n c i o n a m e n t o da t r i b u t a ç ã o , a o m e s m o
t e m p o e m q u e a m p a r o u os c o n t r ib u in t e s c o m g r a n d e p le x o d e d ir e i t o s e g a r a n tia s c o n t r a e v e n tu a is
excessos tr ib u t á r io s .

495
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

autom otor do qual se é proprietário, no caso do IPVA; valor do produto


importado, no caso do imposto sobre a importação; valor do faturamento,
no caso da COFINS e assim por diante).
Portanto, é inconstitucional incluir na base de cálculo do trib u to -
pouco importando por meio de que artifício, ficção ou presunção - valores
que extrapolam sua materialidade, descaracterizando-o.

VI - Logo, como já adiantamos, a base de cálculo tem duas funções: a)


quantificar a prestação do sujeito passivo, devida desde o momento em que
nasce o tributo, com a ocorrência, no mundo fenomênico (mundo em que
vivemos), d o /o ío imponível; e, b) afirmar (ou confirmar) a natureza jurídica
do tributo.^^^
Realmente, a base de cálculo, é fundamental à identificação jurídica
dos tributos. Por isso mesmo, precisa ser congruente com a hipótese de
incidência tributária.
Esta peculiaridade vem ressaltada por Juan Ramallo Massanet; verbis:

"... deve-se entender por congruência, que a base, em relação à


hipótese de incidência, deve estar estre/tomenteentrocado (Sáinz
de Bujanda, Ferreiro, Araújo Falcão), deve guardar pertinência
ou inerência (Araújo Falcão) e adequação (Cortés), deve estar
vinculada diretamente".^^^

Sempre mais se patenteia, pois, que a base de cálculo deve guardar


uma correlação lógica (uma conexão, uma relação de inerência) com a hipótese
de incidência do tributo.
Seguindo esta linha de pensam ento, podem os dizer que a
materialidade de cada tributo já permite que se infira sua base de cálculo
possível.
Portanto, para tota l garantia do contribuinte, de que está sendo
tributado nos termos da Constituição, o Legislativo deve estabelecer uma
perfeita adequação entre a base de cálculo e a hipótese de incidência dos
tributos que cria in abstracto.

N o m e s m o s e n t id o , P a ulo d e B a rres C a r v a lh o e s c r e v e u : “ Te m o s p ara n ós q u e a base d e c á lc u lo


é a g ran d e za in s titu íd a na c o n s e q ü ê n c ia da re g ra -m a triz trib u tá ria , e que se d e s tin a ,
p rim o r d ia lm e n te , a d im e n s io n a r a in te n s id a d e d o c o m p o r ta m e n to in s e rto no n ú c le o d o fa to
j u r í d i c o , p a r a q u e . c o m b i n a n d o - s e à a l í q u o t a , s e ja d e t e r m i n a d o o v a l o r d a p r e s t a ç ã o p e c u n i á r i a .
P a r a l e l a m e n t e , t e m a v i r t u d e d e c o n f i r m a r , i n f i r m a r o u a f i r m a r o c r i t é r i o m a t e r i a l e x p r e s s o na
c o m p o s i ç ã o d o s u p o s t o n o r m a t i v o " (Curso de D ire ito Tributá rio, São Paulo , Saraiva, 1 9^ e d . , 2 0 0 7 ,
pp, 3 60 /36 1 ).
"Hecho Imponible y Cuantíficación de Ia Prestación Tributa ria" in Revista de D ireito Tributário 1 1 /
12:31 (tra d u z im o s ).

496
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

VII - Com tais colocações queremos reafirmar que o legislador, ao


definir a base de cálculo do trib u to , tem o dever inafastável de apenas
manejar grandezas ínsitas ao aspecto material de sua hipótese de incidência.
Em outras palavras, deve im prim ir uma conexão, uma relação de causa e
efeito, entre a hipótese de incidência tributária e a base de cálculo In abstracto
do tributo, que permitirá apurar quanto exatamente o contribuinte deverá
recolher (quantum debeatur) aos cofres públicos, a título de tributo, após a
ocorrência do fa to imponível.^^^
Daí ser interdito, ao legislador, distorcer a regra-matriz constitucional
do trib u to , elegendo-lhe base de cálculo inadequada, isto é, que não se
preste a medir o fa to tributável.
Caso isso venha a acontecer: a) o tributo será inconstitucional; b) o
contribuinte terá o direito subjetivo de não o recolher; e, c) o Judiciário,
quando provocado, terá o dever jurídico de amparar esta legítima pretensão.

Vila - Outras vezes, é o próprio aplicador da lei que distorce a base de


cálculo do tributo, efetuando um lançamento inadequado.
As conseqüências do equívoco são igualmente danosas, o que dá, ao
contribuinte, o pleno direito de, também neste caso, defender-se do abuso,
pleiteando e obtendo a tu te la do Poder Judiciário, que tam bém está
credenciado, pela Carta Magna, a realizar o controle da legalidade dos atos
administrativos.

VIII - No caso das contribuições sociais a cargo dos empregadores,


tem os que, em bora a Constituição Federal não tenha explicitam ente
apontado suas bases de cálculo possíveis, deu diretrizes acerca do assunto,
que nem o legislador, nem o intérprete, podem ignorar. De fato, ao estatuir
que, em seu art. 1 95 ,1, que tais tributos incidirão sobre "a) a folha de salários
e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à
pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a
receita ou o faturamento; e, cj o lucro", ela apontou-lhes as bases de cálculo
possíveis.
Dito de outro modo, a Constituição Federal implicitamente determina
que tudo o que não for folha de salários, rendimentos do trabalho, receita,
fa tu ra m e n to ou lucro, não pode ser tom ado como base de cálculo das
contribuições patronais para o custeio da seguridade social (a menos, é claro,
que venham obedecidos os requisitos do precitado art. 195, § 42, da CF). Dito
de outro modo, o legislador infraconstitucional está proibido, neste caso, de
estabelecer, para tais exações, bases de cálculo, diversas ou mais abrangentes.

Cf. M a tia s C ortés Oom ín gues, O r d e n a m ie n to T rib u tá rio Esponol, M a d r i d , Tecnos, 1968, pp. 4 4 4 e ss.

497
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Pois bem. Uma das bases de cálculo possíveis das contribuições


patronais para o custeio da seguridade social é justamente a receita bruta
ou faturam ento da empresa, que foi eleito, pelo legislador federal, como
sendo a base de cálculo da contribuição para o financiamento da seguridade
social {COFINS).

4. A COFINS e sua base de cálculo

Como já adiantamos, a COFINS é uma contribuição patronal para o


custeio da seguridade social. Foi instituída pela Lei Complementar n.^ 70, de
30 de dezembro de 1.991, em substituição à chamada contribuição para o
FINSOCIAL.^^^
Dispõe o art. 22, da aludida lei complementar, que a COFINS "incidirá
sobre o faturamento mensal, assim considerado a receita bruta das vendas
de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer
natureza". Portanto, a base de cálculo deste tributo é o faturamento (mensal)
do contribuinte.
Isso veio reiterado no art. 1? e seu § 1^, da Lei n.2 10.833/2003 {que
criou a chamada "COFINS não-cumulativa"^^^); verbis:

"Art. 15. A C ontribuição Para o Financiam ento da Seguridade


Social - COFINS, com incidência nào-cumulativa, te m com o fa to
g e ra d o r o fa tu ra m e n to mensal, assim e n te n d id o o to ta l das
receitas auferidas pela pessoa jurídica, independentem ente de
sua denom in a çã o ou classificação contá b il.
"§ 15. Para e feito do disposto neste artigo, o to ta l das receitas
com preende a receita bruta de venda de bens e serviços nas
operações em conta própria ou alheia e todas as demais receitas
auferidas pela pessoa jurídica".

E sta b e le ce o a r t. 1^, da Lei C o m p l e m e n t a r 7 0 / 9 1 ; "S e m p r e ju íz o d a c o b r a n ç a das c o n t r ib u iç õ e s


para o P ro gra m a d e In te g ra ç ã o Social - PIS e para o Pro g ra m a d e F o rm a ção d o P a tr i m ô n i o d o S e rvid o r
P ú b lic o - PASEP, fica in s t it u í d a a c o n t r ib u iç ã o so cia l p ara o f i n a n c i a m e n t o da s e g u rid a d e social, nos
t e r m o s d o in c is o I d o a r t i g o 1 95 , da C o n s t i t u i ç ã o F e d e ra l, d e v id a p ela s p essoas j u r í d ic a s , in c lu s iv e
as a e la e q u i p a r a d a s p e la le g is la ç ã o d o i m p o s t o d e re n d a , d e s t in a d a s e x c lu s i v a m e n t e as desp e sa s
c o m a t i v i d a d e s - f i n s d as á r e a s d e s a ú d e , p r e v i d ê n c i a e a s s is t ê n c i a s o c ia l" .
A t é r e c e n t e m e n t e , a COFINS e r a s e m p r e c u m u l a t i v a , o q u e p r o v o c a v a o i n d e s e j á v e l e f e i t o
c o n h e c i d o c o m o " c a s c a ta " o u " p i r a m id i z a ç ã o " , f e n ô m e n o q u e p r e j u d i c a as a ti v id a d e s e c o n ô m ic a s ,
já q u e o n e r a , r e p e t i d a e s o b r e p o s t a m e n t e , t o d a s as e t a p a s da c i r c u l a ç ã o d e b e n s e d e p r e s t a ç ã o
d e s e r v iç o s .
Para a t e n u a r o p r o b l e m a , o j á m e n c i o n a d o § 12, d o a r t . 195, d a C o n s t i t u i ç ã o F e d era l, i n t r o d u z i d o
e m n o ss o s is te m a j u r í d i c o p e la E m e n d a C o n s t i t u c i o n a l n.? 4 2 / 2 0 0 3 , a u t o r i z o u o le g i s la d o r fe d e ra l
a d e f i n i r " o s s e to r e s d e a t i v i d a d e e c o n ô m i c a p a ra o s q u a i s as c o n t r i b u i ç õ e s i n c i d e n t e s na f o r m a
d o s i n c i s o s I, ' b ' ; e IV d o ' c a p u t ' , s e r ã o n ã o - c u m u l a t i v a s " . Is to f o i f e i t o p e la Lei n.e 1 0 . 8 3 3 , d e
2 9 . 1 2 . 2 0 0 3 , c u ja s p e c u l i a r i d a d e s n ã o v ê m p a r a a q u i .

498
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES A T UAIS

Portanto, a base de cálculo da COFINS (quer a cumulativa, quer a não-


cumulativa) é o faturamento obtido, mês a mês ifaturamento mensal), pela
empresa.
Destaque-se que andou bem a legislação de regência ao assim dispor,
porquanto, como já vimos, a base de cálculo deve necessariamente traduzir,
numa expressão numérica, a hipótese de incidência do tributo.
Ora, na medida em que a hipótese de incidência da figura exacional
ora em análise é "obter faturamento", sua base de cálculo somente poderia,
mesmo, ser o montante do faturamento obtido, pela empresa, entre dois
marcos temporais {no caso concreto, a cada mês).
É 0 que melhor passamos a expor e fundamentar.

5. Noção jurídica de faturamento

I - Como acabamos de demonstrar a COFINS tem por base de cálculo


faturamento mensal obtido pela pessoa jurídica.
Faturamento (de fatura, que, em direito privado, significa "conta de
venda") é a expressão econômica de operações mercantis ou similares.
Corresponde, em última análise, ao somatório dos valores das operações
negociais realizadas pela empresa.
logo, faturar, em apertada síntese, é obter receita bruto,” ®proveniente
da atividade empresarial, que se traduz na venda de mercadorias ou, em
alguns casos, na prestação onerosa de serviços. N outras palavras,
faturamento é a contrapartida econômica, auferida, como riqueza própria,
pelas empresas, em conseqüência do desempenho de suas atividades
negociais típicas.
Este, de resto - pedimos vênia para repetir - foi o sentido encampado
pelo art. 2^, da Lei Complementar n.5 70/1991, que o define como sendo a
receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de
serviços de qualquer natureza.
Juridicamente há, pois, um vínculo inafastável e n tre /o fu ro m e n fo ,
vendas mercantis (efetuadas com fito de lucro) e/ou prestação negociai de
serviços.^^^

A Lei n .2 9 . 7 1 8 , d e 2 7 d e n o v e m b r o d e 1 9 9 8 , e s t e n d e u o c o n t e ú d o s e m â n t i c o d a p a l a v r a
f a t u r a m e n t o , " e q u i p a r a n d o - a " à e x p r e s s ã o r e c e i t a b r u t a d a p e s so a j u r í d i c a . A i n d a q u e se a c e ite
a c o n s t i t u c i o n a l i d a d e d e ta l " e q u ip a r a ç ã o " , o c e r t o é q u e a COFINS, p ara s e r v a l i d a m e n t e lançada
e c o b r a d a , d e m a n d a a p re s e n ç a d e u m a a ti v id a d e n e g o c ia i, o u seja, d e s e n v o lv id a c o m f i t o d e lucro.
Na m e d id a e m q ue os c o n c e ito s d e d ir e i t o p r i v a d o / o t u r o m e n f o , ve nd a d e m e rc a d o ria s e p re s ta ç ã o
d e se rv iç o s f o r a m u ti li z a d o s na C o n s ti tu i ç ã o F e d era l, e m se us a r ts . 195, I, b, 155, II e 156, III, para
d e f i n i r e l i m i t a r a c o m p e t ê n c i a t r i b u t á r i a , r e s p e c t i v a m e n t e d a U n iã o , d o s Esta dos e d o s M u n ic íp io s ,
s e g u e - s e q u e , n ã o p o d e m t e r a l t e r a d o s , p e l o l e g i s l a d o r o r d i n á r i o d e s t a s p e s s o a s p o l í t i c a s , "a
d e fin iç ã o , o c o n t e ú d o e o a lc a n c e " (cf. a r t. 110, d o CTN).

499
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

II - É justamente sobre essa expressão numérica que será aplicada a


alíquota, o que permitirá apurar o exato montante de tributo a recolher.
Enfatize-se que o conceito de receita, para fins da incidência da
COFINS, reclama uma correlação entre a atividade empresarial, os valores
recebidos e a produção de bens ou a prestação de serviços, tudo a configurar
a noção de "faturamento".^^®
Logo, por receita bruta, não se deve entender qualquer "ingresso” de
dinheiro, que venha adicionado a algum lançamento contábil da pessoa
jurídica, ainda que desvinculado das suas atividades típicas.
Pelo contrário, como já observamos, só há falar em receita bruta, se
houver uma relação de inerência entre a entrada financeira e as atividades
negociais típicas da empresa.

Ha - Esta relação de inerência, de resto, não é estranha ao nosso


ordenamento jurídico. Tanto não, que consta de regra expressa, no que tange
à apuração da base de cálculo do IRPJ. De fato, o art. 279, do Regulamento do
imposto sobre a Renda - RIR/^9 (veiculado pelo Decreto ns 3000^9), dispõe:

"Art. 279. A receita bruta das vendas e serviços com preende o


p ro d u to da venda de bens nas operações de conta própria, o
p re ç o d os s e rv iç o s p re s ta d o s e o re s u lta d o a u fe r id o nas
operações de conta alheia (Lei ns 4.506, de 1964, art. 44, e
Decreto-Lei nS 1.598, de 1977, art. 12)".

A te o r deste dispositivo, o conceito de receita bruta abrange as


operações por conta própria e o resultado das operações em conta alheia
(resultado - frise-se - no sentido da diferença entre a receita e a despesa
daquela respectiva operação em conta alheia).

Ilb - Seguindo a mesma linha de pensamento, José Antonio Minatel


analisou, com profundidade, as acepções do term o "receita” nas normas
tributárias, para concluir que:

"Receita é o conteúdo material qualificado pelo ingresso de recursos


fin an ce iro s no p a trim ô n io da pessoa ju ríd ic a , em caráter d e fin itiv o ,
proveniente dos negócios jurídicos que envolvam o exercício da atividade
empresarial, que corresponda à contraprestação pela venda de mercadorias,
pela prestação de serviços, assim como pela remuneração de investimentos

Cf. Rodrigo Caramori Petry. C o n trib u iç õ e s PIS/PASEP e Cofins: lim ite s c o n s titu c io n a is d a tr ib u t a ç ã o
s o b re o 'fa tu r a m e n t o ', a ' r e c e i ta ' e a 'r e c e ita o p e r a c io n a l' d a s e m p re s a s e o u t r o s e n tid a d e s n o Bra sil.
São Paulo; Q u a r t i e r L a t in , 2009. 646p.

500
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

OU pela cessão onerosa e temporária de bens e direitos a terceiros, aferido


in stantaneam ente pela c o n tra p a rtid a que rem unera cada um desses
eventos.

"D e sse c o n c e it o e x tr a ím o s as n o ta s d e t e r m in a n t e s q u e
qualificam o con te ú d o da realidade ali recortada, que no referido
estudo fo ra m assim sintetizadas:
a) C o n te ú d o m a te ria l: ingresso de recu rso s fin a n c e iro s no
p a trim ô n io da empresa;
b) Natureza do ingresso: vinculada ao exercício de ativid a d e
em p resarial;
c) Causa do ingresso: contraprestação em negócio jurídico que
envolva a venda de m ercadorias ou prestação de serviços, assim
com o pela cessão onerosa e te m p o rá ria de bens e dire ito s e
pela rem uneração de investimentos;
d) Disponibilidades: pela d e fin itivid a d e do ingresso; e
e) Mensuração instantânea: isolada em cada evento, abstraindo-
se dos custos e de periodicidade para a sua a p u ra ç ã o "” ^

0 douto jurista não poderia dizer mais, nem melhor.

Mc - Vai daí, que somente é possível considerar "receita" (i) aquilo que
for efetivam ente auferido pela pessoa jurídica, em operações negociais
(desenvolvidas com fito de lucro) por conta própria, ou (ii) o resultado {receita
menos respectiva despesa), nas operações negociais de conta alheia.
Assim agremiados, sentimo-nos confortáveis para ingressar em nosso
assunto central.

SEGUNDA PARTE: 0 assunto central

6. Reequacíonamento do problema

Como já adiantamos, associações, sem fins lucrativos (pessoas jurídicas


de direito privado, sem finalidades lucrativas), seja de funcionários públicos,
seja de funcionários de empresas privadas, recebem, corriqueiramente,
valores monetários quando (i) realizam aplicações financeiras, e, (ii) cobram,
de seus associados, preços mínimos (sem qualquer margem de lucro), a título
de taxas de hospedagem (em colônias de férias que mantém), de refeições
fornecidas e de vendas de medicamentos.

™ " O c o n c e ito d e re ceita , para e f e it o d a in c id ê n c ia d o PIS e d a COFINS" ( g rif o s nossos). In: COÊLHO,
Sacha C a l m o n N a v a r r o ( C o o r d ) . C o n t r i b u i ç õ e s p a r a s e g u r i d a d e s o c ia l. Sã o P a u lo : Q u a r t i e r L a tin ,
2 0 0 7 , p p . 5 3 6 /5 3 7 .

501
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Reduzindo o problema à dimensão mais simples, tudo está em se


saber se tais valores devem ser submetidos à tributação por meio de COFINS.
0 mesmo é propor a questão que lhe dar resposta negativa.
Para, no entanto, não ficarmos no plano das meras alegações, vamos
tratar de demonstrar nossa tese, o que faremos com base nos fundamentos
lançados na primeira parte deste estudo.

7. A natureza jurídica das associações, sem fins lucrativos, seja de


funcionários públicos, seja de funcionários de empresas privadas

I - Em cumprimento ao disposto em seus estatutos, as associações,


sem fins lucrativos, seja de funcionários públicos, seja de funcionários de
empresas privadas, costumam criar, para desfrute de seus associados e
membros agregados, serviços assistenciais nas áreas social, esportiva,
médico-hospitalar, de aperfeiçoamento cultural etc.
Juridicamente são, pois, pessoas jurídicas de direito privado, sem
finalidades lucrativas, o que vem confirm ado pela circunstância de não
distribuírem seus resultados econômicos positivos, nem fazerem retornar
seu patrimônio às pessoas que as criaram.
Demais disso, como acabamos de assinalar, visam a assistir, dentro de
suas possibilidades orça m en tá ria s, aos seus associados e m em bros
agregados, outorgando-lhes uma série de benefícios.
Entre estes benefícios podemos citar os serviços de restaurante,
prestados com preços subsidiados, as vendas, abaixo do preço de custo, de
medicamentos, bem assim, as módicas taxas de hospedagem, que não
chegam a cobrir as despesas de manutenção das suas colônias de férias.
Estas poucas colocações já deixam patenteado que tais associações,
quer quando realizam aplicações financeiras, quer quando cobram os
preditos valores de seus associados, não obtém faturam ento e, destarte,
passam ao largo da tributação por meio de COFINS, justamente por não
realizarem o fa to imponível desta figura exacional.s^i
Estas ideias serão mais bem escandidas no próximo item.

C o n f o r m e m a is a d i a n t e d e m o n s t r a r e m o s . Is to n ã o i m p e d e q u e , e m s u a a t u a ç ã o , o b t e n h a m
r e s u l t a d o s e c o n ô m ic o s p o s i ti v o s , i s t o é, in g re s s o s fi n a n c e i r o s s u p e r i o r e s às suas d e sp e s a s . É q u e ,
não p e rd e m a c o n d iç ã o de e n tid a d e s se m fin s lu c ra tiv o s a q u e la s q u e o b t ê m s u p e rá v its ,
r e I n v e s t i n d o - o s na c o n s e c u ç ã o d e s e us e l e v a d o s o b j e t i v o s .
V., su pra , ite m 2.

502
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

8. A ausência àe faturamento, a impedir a incidência da COFINS, sobre


os valores recebidos por associações, sem fins lucrativos, seja de
funcionários públicos, seja de funcionários de empresas privadas

8.1. Generalidades

I - Os valores mencionados no item anterior não tipificam faturamento


e - tornamos a proclamar - refogem à tributação por meio de COFINS.
De fato, conforme v i m o s , a União Federal recebeu do art. 195, I, b,
da Constituição da República, competência para trib u ta r, por meio de
contribuição patronal para a seguridade social, o faturamento.
Tal competência foi exercitada com a criação, in abstracto, da COFINS,
o que se deu com a edição da Lei Complementar n.2 70/1991 e da Lei n.2
10.833/2003.
Com base nestes atos normativos todas as pessoas jurídicas que obtém
faturamento, sujeitam-se, em tese, à COFINS.

II - A legislação de regência, todavia, não deu, à Receita Federal do


Brasil, total liberdade, para submeter à tributação por meio de COFINS,
quaisquer valores recebidos pelas pessoas jurídicas, mas, apenas, o que
efetivamente configurar faturamento.
R ele m b ra m o s q u e o tr ib u to e m fo co s o m e n te p o d e alcançar as receitas
b ru ta s p ro v e n ie n te s d e o p era ç õ e s negociais re a liza d a s p e lo c o n trib u in te .
N o u tro giro v e rb a l, ta is receitas bru tas, p ara d e te r m in a r e m a incidência da
COFINS, d e v e m n e c essa riam en te a d v ir d e a tiv id a d e s e m p re s a ria is (vendas
m e rcan tis ou p restações, co m fito de lucro, d e serviços).
D e v e r a s , s em a c ré s c im o p a t r im o n ia l, d e c o r r e n t e d o e x e rc íc io d e
a tiv id a d e s e m p res a riais, n ã o há fa t u r a m e n to , na acepção ju ríd ic a d o t e r m o .
Vai d a í, q u e n e m to d o s os valo res recebidos pela pessoa ju ríd ic a p o d e m ser
havidos p o r fa tu r a m e n to . Alguns deles (v.g., os reem b o lso s) não passam de
m o v im e n ta ç õ e s fin a n c e ira s (m e r o s ingresso s), q u e , p o r n ã o tip ific a r e m
receitas b ru tas , passam ao largo da COFINS.

III - Além de tudo, quando a Constituição aludiu, em seu art. 195, I, b,


a faturam ento, encampou conceito já perfeitam ente desenhado pela lei
comercial.
A ninguém deve causar estranheza assim seja, pois, como leciona Gian
Antonio Micheli, catedrático de Direito Tributário da Universidade de Roma,
o Direito Tributário é um direito de superposição, isto é, que capta conceitos

S upra, i t e m 3.

503
D IRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES A T UAIS

e assimila institutos que lhe são fornecidos pelo Direito Privado {v.g., pelo
Direito Comercial).
Esta colocação, diga-se de passagem, está em sintonia com os arts.
109 e 110, do Código Tributário Nacional:

"Art. 109. Os princípios gerais de direito privado utilizam-se


para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus
institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos
respectivos efeitos tributários.
Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo
e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado,
utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição
Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas
do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar
competências tributárias".

Valem, a propósito, as seguintes ponderações de Misabel Derzi:

"Quando a Constituição usa um conceito, um instituto ou forma


do Direito Privado, o nome empregado denota certo objeto,
segundo a conotação que ele tem na ciência jurídica particular,
da qual se origina. A conotação completa que advêm da ciência
do Direito Privado é condição prévia de inteligibilidade e
univocidade do discurso constitucional. E se a Constituição se
utiliza nesse sentido, extraído de certo ramo jurídico, para
assegurar a discriminação e delimitação de competência, enfim
o pacto federativo, não é dado ao legislador infraconstitucional
alterá-lo. Permitir ao intérprete ou ao legislador ordinário que
alterasse o sentido e alcance desses institutos e conceitos
constitucionalmente empregados seria permitir que firmasse
sem licença da Constituição, novo pacto federativo, nova
discriminação de competência. Sendo assim, o art. 110 do CTN
determina a cristalização da denotação e da conotação jurídica
daqueles institutos, conceitos e formas, vedando-se ao legislador
tributário a alteração de sentido que é própria do Direito
Privado". S43

Como se vê, os conceitos que a Constituição encampa do Direito


Privado, ao tratar das competências tributárias, não podem ser alterados,
nem mesmo pelo legislador,^ quanto mais pelo aplicador da legislação.

N o ta s ..., p. 4 9 2 ( g rif o s nossos}.


A e v e n t u a l a m p l i a ç ã o legal d o c o n c e i t o d e f a t u r a m e n t o , n ão t e m o c o n d ã o d e d il a r g a r o â m b i t o
d e in c i d ê n c i a d a COFINS, q u e , i n s i s t i m o s , e s tá d e s e n h a d o , c o m r e t o q u e s à p e r f e i ç ã o , na p r ó p r i a
C arta C o n s titu c io n a l.

504
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

P o rta n to , será in co n stitucio nal q u a lq u e r in te rp re ta ç ã o "m ais elástica"


da le g is la ç ã o e x is t e n t e , q u e le v e à c o n c lu s ã o d e q u e to d o s os v a lo re s
recebidos ou c red itad o s pela pessoa ju ríd ic a p o d e m ser a lv o d e trib u ta ç ã o
p o r m e io d e COFINS. Insistim os q u e s o m e n te são trib u tá v e is os q u e a d v ê m
d o fa tu r a m e n to .

IV - Pois bem. Nos precitados valores monetários recebidos pelas


associações, sem fins lucrativos, mostra-se de todo ausente este sentido de
fa tu ra m e n to , até pela com pleta ausência, na espécie, de atividades
empresariais. Demais disso, tais valores, no mais das vezes, não trazem
ganhos {riquezas novas), a estas entidades, mas, na melhor das hipóteses,
meras recomposições patrimoniais.
Logo, sobre tais valores monetários, não incide a COFINS.
E nem se diga que o art. 1^, da Lei n.e 10.833/2003, ao estabelecer
que 0 fa tu ra m e n to mensal compreende "o tota l das receitas auferidas
pela pessoa ju ríd ic a , in d e p e n d e n te m e n te de sua d en o m in açã o ou
classificação contábil", infirmaria a tese aqui esgrimida. É que, como vimos
e revimos somente as receitas brutas, advindas do exercício de atividades
empresariais, podem ser levadas à tributação por meio de COFINS. “A partir
destas colocações, podemos esmiuçar as situações por nós levantadas neste
estudo".

8.2. Da IntrIbutabilídade, por meio de COFINS, dos valores recebidos


a título de aplicações financeiras, "taxas de hospedagem" refeições
fornecidas e vendas de medicamentos

I - É comum, associações, sem fins lucrativos, seja de funcionário


públicos, seja de funcionários de empresas privadas, aplicarem, no mercado
financeiro, seus haveres, no que, diga-se de passagem, andam bem, porque,
com tal providência, precatam-se dos efeitos nefastos da desvalorização
monetária.
Ora, mesmo quando recebem os resultados positivos de tais aplicações,
não podem ser alcançadas pela COFINS, já que eles não passam de
recomposições p a trim o n ia is , vale dizer, do resultado econôm ico de
providências que mantêm o poder aquisitivo dos valores monetários que
pertencem à entidade, fruto, basicamente, das mensalidades pagas pelos
associados.
Ademais, estas associações não distribuem , aos seus dirigentes,
fundadores, funcionários ou colaboradores, os resultados positivos obtidos;
antes, aplicam-nos integralmente na consecução de seus elevados objetivos
estatutários. Não perdem, pois, a condição de "pessoas jurídicas de direito
privado, sem finalidades lucrativas".

505
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Ia - Observamos, por vir de molde, que nem mesmo os eventuais


superávits (que não se confundem com lucros), que possam advir das
referidas aplicações financeiras, tipificam /ofurom ento, pelo que, também
não rendem ensejo à tributação por meio de COFINS.
Saliente-se que a existência de superávit, além de não ser proibida, é
sinal inequívoco de boa administração, devendo, assim, ser estimulada. Afinal,
fazendo crescer seu patrimônio, as associações em foco disporão de maiores
e melhores meios materiais para atingir os fins que nortearam sua criação.
Com efeito, nada as obriga a fugirem dos resultados econômicos
positivos ou, mesmo, a ajustarem suas entradas, aos custos operacionais.
Pelo contrário, podem ter sobras financeiras, que as levem a melhor atingir
suas finalidades estatutárias. 0 que lhes é vedado é distribuir tais saldos
entre seus dirigentes, fundadores, funcionários ou colaboradores, bem
como, aplicá-los em descompasso com seus objetivos institucionais.
Vai daí que o fato "obter superávit", ainda que por meio de aplicações
financeiras, não suscita, para as associações, sem fins lucrativos, seja de
fun cio n ários públicos, seja de fun cio n ários de empresas privadas, o
nascimento do dever de recolher a COFINS.

Ib - Melhor explicitando, absolutamente não há confundir o excedente


contábil o btid o {superávit), com o experim entado no desempenho de
atividade econômica capitalista [lucro).
0 superávit é meio e, não,//m. Meio, convém que se frise, que trará, à
instituição, as receitas necessárias ao custeio das atividades desinteressadas
para as quais foi criada.
0 lucro, pelo contrário, é o objetivo precípuo da atividade empresarial.
Portanto, é fim e, não, meio.

Ic - Nunca é demais lembrar que as pessoas jurídicas de direito privado,


sem fins lucrativos são criadas para servir, vale dizer, para atingir, com a
máxima eficácia social possível (Bros Roberto Grau), objetivos que seus
estatutos consideram relevantes.
Já, 0 excedente contábil das empresas privadas, no desempenho de
suas atividades econômicas capitalistas, é - este sim - lucro. Elas são
preordenadas a obtê-lo, o que, em nosso sistema econômico, é, com algumas
limitações (determinadas pelos fins sociais que todas as empresas são
constitucionalmente obrigadas a perseguir), normal e legítimo, como se
depreende da análise dos arts. 5^, XIII, XXII e XXIII; 43, § 2^, II; 164, § 2@; e, 170
e ss., todos da Constituição Federal.

Id - Reforçando a assertiva: o excedente contábil - causa da atividade


privada capitalista - não influi decisivamente na formação dos atos típicos

506
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

das associações, sem fins lucrativos, seja de funcionários públicos, seja de


funcionários de empresas privadas.
Sobremais, a tendência do lucro é ser distribuído entre os capitalistas,
ao passo que o superávit sempre será reinvestido, para o melhor atingimento
dos objetivos da instituição.

le - Definitivam ente, as associações, sem fins lucrativos, seja de


funcionários públicos, seja de funcionários de empresas privadas, não devem
ser submetidas à tributação por meio de COFINS, quando auferem, em
aplicações financeiras, resultados econômicos positivos.

II - Por igual modo, elas não podem ser validamente compelidas


recolher este trib u to quando recebem valores, a títu lo de "taxas de
hospedagem”, refeições fornecidas e vendas de medicamentos.
É que, ao propiciar, exclusivamente a seus associados e membros
agregados, acesso a colônias de férias, serviços de re sta u ra n te e
m edicam entos, elas se lim ita n a a tin g ir seus escopos e sta tu tá rio s .
Positivamente, não desenvolvem atividades de natureza empresarial, até
porque, com tais atividades, jamais obtêm lucro; quando muito, se ressarcem
dos gastos a elas inerentes, já que é comum os preços praticados serem
subsidiados, vale dizer, inferiores aos custos operacionais.

Ma - Por todas estas razões, força é convir que, tam bém nestas
hipóteses, as associações, sem fins lucrativos, seja de funcionários públicos,
seja de funcionários de empresas privadas, por nortearem seu agir - em
estrita obediência a seus estatutos - pelo ideal da solidariedade {e, não,
pelo animus lucrandi), não desempenham atividades negociais. Vai daí
que, por ausência àe faturamento, não podem ser tributadas por meio de
COFINS.

9. 0 interesse fazendário e sua necessária submissão ao interesse


público

I - No caso em estudo, poderá talvez surgir um co nflito entre


interesse fazendário {meramente arrecadatório) e o interesse público.Não
resta dúvida de que o interesse fazendário é im p o rtan te . Só que não
sobrepaira o interesse público. Pelo contrário, a ele se subordina e, desta
forma, só poderá prevalecer quando houver perfeita sintonia entre eles.
Ora, 0 interesse público absolutamente não admite que se faça tabula rasa
do direito fundam ental do contribuinte, de só ser tributado nos estritos
termos da Constituição.

507
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

Segue-se, pois, que nenhuma ju s tific a tiv a e xtrajuríd ica {v.g., o


aumento da arrecadação) poderá subverter os princípios básicos de nosso
sistema constitucional tributário.
A p ró pria legislação de regência - no caso co ncreto , a Lei
Complementar n.^ 70/1991 e a Lei n.5 10.833/2003 - deve ser interpretada e,
acima de tudo, aplicada, dentro deste contexto; nunca a partir de uma visão
meramente fiscalista.
Afinal, 0 propósito de carrear dinheiro para os cofres públicos não
pode, num Estado Democrático de Direito como o nosso, chegar ao ponto de
lesar direitos subjetivos das pessoas (como este, de não serem compelidas
a recolher a COFINS sobre qualquer valor recebido, ainda que não tipifique
faturamento, na acepção jurídica do termo).

II “ É certo que as autoridades fazendárias poderiam eventualmente


observar - o que seria correto e verdadeiro - que há uma predominância do
interesse público sobre o interesse privado. Mas, é igualmente certo que
predominâr)cia do interesse público não é o mesmo que lesão de direitos.
Enfim, não se pode invocar o interesse fazendário para ju stificar
iniciativa que, seja no plano normativo, seja no exegético, não se contenha
dentro dos parâmetros constitucionais.
Com supedâneo nestas ideias, fica claro que a Fazenda Nacional
desrespeitaria, data maxima venia, as mais elementares exigências de nossa
ordem constitucional, caso, para aumentar sua arrecadação, viesse a exigir a
COFINS das pessoas jurídicas de direito privado, sem finalidade lucrativa,
sobre os valores obtidos com aplicações financeiras e com a cobrança, dos
associados, de preços mínimos {sem lucro), a título de taxas de hospedagem,
de fornecimento de refeições e de vendas de medicamentos.

10. Conclusões

As linhas argum entativas acima desenvolvidas - fru to do estudo


cuidadoso e aprofundado das questões que nos foram submetidas - levam-
nos a concluir que:

I - para que o tributo nasça é necessário que se concretizem, no mundo


fenomênico (mundo real), todos os pressupostos erigidos pelo legislador,
como condições suficientes para o nascimento do tributo;

II - as contribuições sociais são verdadeiros tributos, já que, por


injunção constitucional, devem obedecer, seja quanto à instituição, seja
quanto ao lançamento e ao modo de cobrança, aos princípios e regras que
informam a tributação;

508
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Ha - as contribuições patronais para o custeio da seguridade social


têm a natureza jurídica específica de impostos (embora qualificados pela
finalidade do custeio da seguridade social), como revela o art. 195, I, da
Constituição Federal, que lhes aponta as bases de cálculo possíveis: o lucro,
a folha de salários, o faturamento etc.;

III - a contribuição para o financiamento da seguridade social (COFINS)


é uma contribuição patronal para o custeio da seguridade social: sua hipótese
de incidência é obter faturam ento; sua base de cálculo é o faturam ento
obtido, mês a mês, pela empresa;

llla - faturamento (de fatura, que, em direito privado, significa "conta


de venda) é a expressão econômica de operações mercantis ou similares.
Corresponde, em última análise, ao somatório dos valores das operações
negociais realizadas pela empresa;

lllb - fa tu ra r é o b te r receita b ruta, p ro ve n ie n te da a tividade


empresarial, que se traduz na venda de mercadorias ou, em alguns casos, na
prestações onerosa de serviços;

lllc - por receita bruta não se deve entender qualquer "ingresso" de


dinheiro, que venha adicionado a algum lançamento contábil da pessoa
jurídica, ainda que desvinculado das suas atividades típicas;

llld - para que juridicamente exista receita bruta há de haver uma


relação de inerência entre a entrada financeira e as atividades negociais
típicas da empresa;

IV - em cumprimento ao disposto em seus estatutos, as associações,


sem fins lucrativos, seja de funcionários públicos, seja de empresas privadas,
costumam criar, para desfrute de seus associados e membros agregados,
serviços assistenciais nas áreas social, esportiva, médico-hospitalar, de
aperfeiçoamento cultural etc.;

IVa - tais associações são pessoas jurídicas de direito privado, sem


finalidades lucrativas, o que vem confirmado pela circunstância de não
distribuírem seus resultados econômicos positivos, nem fazerem retornar
seu patrimônio às pessoas que as criaram;

IVb - ademais, visam a assistir, d e n tro de suas possibilidades


orçamentárias, aos seus associados e membros agregados, outorgando-lhes,
mediante a cobrança de valores monetários módicos, uma série de benefícios
(serviços de restaurante, vendas de medicamentos, colônias de férias etc.);

509
DIREIT O T R IB U TÁ R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

IVc - tais valores não tipificam faturam ento e, destarte, passam ao


largo da tributação por meio de COFINS, justamente por não realizarem o
fa to imponível desta figura exacional;

V - a legislação de regência não deu, à Receita Federal do Brasil, total


liberdade, para submeter à tributação por meio de COFINS, quaisquer valores
recebidos pelas pessoas jurídicas, mas, apenas, o que e fe tiv a m e n te
configurar faturamento;

Va - sem acréscimo patrimonial, decorrente do exercício de atividades


empresariais, não há faturamento, na acepção jurídica do termo;

Vb - é inconstitucional qualquer interpretação "mais elástica" da


legislação, que leve à conclusão de que todos os valores recebidos ou
creditados pela pessoa jurídica podem ser alvo de tributação por meio de
COFINS, já que, ao lume de nosso direito positivo, somente são tributáveis
os que advêm do faturamento;

VI - nos precitados valores monetários recebidos pelas associações,


sem fins lucrativos, mostra-se de todo ausente o sentido de faturamento,
até pela completa ausência, na espécie, de atividades empresariais;

Via - logo sobre tais valores monetários, não incide a COFINS;

VII- 0 trib u to também não incide sobre os resultados positivos das


aplicações financeiras que as associações, sem fins lucrativos, fazem, já que
não passam de recomposições p a trim o n ia is , vale dizer, do resultado
econômico de providências que mantêm o poder aquisitivo dos valores
monetários que pertencem à entidade; e.

Vila - nem mesmo os eventuais superávits (que não se confundem


com lucros), que possam advir das referidas aplicações financeiras, tipificam
faturamento, pelo que, também não rendem ensejo à tributação por meio
de COFINS.

1 1 . R e fe rê n c ia s

ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 5^ ed., 3^ tin, São Paulo,


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510
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511
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT UAIS

PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA E O APORTE DE RECURSOS


PELO PODER PÚBLICO. CRÍTICA AO TRATAM ENTO
TRIBUTÁRIO CONFERIDO PELA M P N@ 575^012

Eduardo Junqueira Coelho” ^


Sacha Calmon Navarro Coêlho^^

1. Introdução

A recente MP 575, de 8 de agosto de 2012, trouxe im portantes


modificações à disciplina dos contratos de parceria público-privada, com a
introdução de novas disposições à Lei n? 11.079/2006, da qual colhemos os
excertos a seguir, relevantes ao presente estudo:

"Art. 65 A contraprestação da Administração Pública nos


contratos de parceria público-privada poderá ser feita por:
I - ordem bancária;
II - cessão de créditos não tributários;
III - outorga de direitos em face da Administração Pública;
IV - outorga de direitos sobre bens públicos dominicais;
V - outros meios admitidos em lei.
Parágrafo único. 0 contrato poderá prever o pagamento ao
parceiro privado de rem uneração variável vinculada ao seu
desempenho, conforme metas e padrões de qualidade e
disponibilidade definidos no contrato.
§ 19 0 contrato poderá prever o pagamento ao parceiro privado
de remuneração variável vinculada ao seu desempenho,
conforme metas e padrões de qualidade e disponibilidade
definidos no contrato.
§ 2^ 0 contrato poderá prever o aporte de recursos em favor do
parceiro privado, autorizado por lei específica, para a construção
ou aquisição de bens reversíveis, nos termos dos incisos X e XI
do caput do art. 18 da Lei n@8.987, de 13 de fevereiro de 1995.
(Incluído pela M edida Provisória ns 575, de 2012)
§ 3 - 0 valor do aporte de recursos realizado nos termos do § 2-
poderá ser excluído da determinação: (Incluído pela M edida
Provisória nS 575, de 2012)

- A d v o g a d o e E c o n o m is ta . M e s tr e e m E c o n o m ia . Ex A u d i t o r Fiscal da R eceita Federal. Ex Fiscal de


T r i b u t o s d a P r e f e it u r a d e B e lo H o r iz o n t e
- Pro fe sso r T i t u l a r d e D ir e ito T r ib u t á r io d a UFRJ (Faculd ade N a c io n a l d e D ire ito ). D o u to r e m D ire ito
P ú b lic o p e la U F M G . P re s id e n te d a ABDF.

513
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

I - do lucro líquido para fins de apuração do lucro real e da base


de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL; e
(Incluído pela M edida Provisória ns 575, de 2012)
II - da base de cálculo da Contribuição para o PIS/PASEP e da
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social • COFINS.
(Incluído pela M edida Provisória nS 575, de 2012)
§ 4^ A parcela excluída nos te rm os do § 3^ deverá ser computada
na determ inação do lucro líquido para fins de apuração do lucro
real, da base de cálculo da CSLL e da base de cálculo da Contribuição
para o PIS/PASEP e da COFINS, na proporção em que o custo para
a construção ou aquisição de bens a que se refere o § 2^ for
realizado, inclusive m e d ia n te depreciação ou extinção da
concessão, nos termos do art. 35 da Lei n® 8.987, de 1995. (Incluído
pela M edida Provisória n^ 575, de 2012)
A rt. 7° A c o n tr a p re s ta ç ã o da A d m in is tr a ç ã o P ú b lica será
o b r ig a to ria m e n te p re c e d id a da d isp o n ib iliz a ç ã o do serviço
o b je to do co n tra to de parceria público-privada.
§1° É facultado à A dm inistração Pública, nos te rm os do contrato,
efetuar o pagamento da contraprestação relativa a parcela fruível
d o serviço o b je to do c o n tr a to de p a rce ria p ú b lic o -p riv a d a .
(Incluído pela Medida Provisória n^ 575, de 2012)
§ 2° 0 aporte de recursos de que tra ta o § 2° do art. 6°, quando
realizado d u rante a fase dos investim entos a cargo do parceiro
p riva d o , deverá guardar pro p orcio nalid ad e com as etapas
efetivam ente executadas. (Incluído pela M edida Provisória nS
575, de 2012)

Embora a lei já previsse as contribuições pecuniárias da Administração


Pública, designando-as "contraprestações", estas deveriam, e ainda devem,
segundo a letra do art. 7?, caput, ser precedidas da disponibilização do serviço
objeto do contrato de parceria público-privada, ou pelo menos de sua parcela
fruível, segundo expressamente estabelecido no novel art. 7^, § le.
A principal novidade que aqui se discute é a previsão do chamado
"a p o rte de recursos" públicos para a construção e aquisição de bens
reversíveis, desde que autorizado por lei específica, ainda na fase dos
investimentos a cargo do parceiro privado (art. 6^, § 29), proporcionalmente
às etapas efetivamente executadas (art. 7^, § 29). Tais aportes não serão
computados nas bases de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, quando do seu
recebimento, mas deverão ser adicionados à base de cálculo dos tributos
mencionados, à medida que realizados os custos, inclusive mediante
depreciação e extinção da concessão (art. 6®, §§ 3® e 4).
A MP se propõe a trazer maior segurança jurídica e remover obstáculos
e ineflclências que dificultavam a implementação das parecerias e colocavam
em risco os indispensáveis e urgentes investimentos em infraestrutura. A
possibilidade do aporte de recursos públicos antes da disponibilização do

514
ÜIREtT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

serviço traz benefícios de ordem financeira, tanto para o Poder Concedente,


quanto para o Concessionário. Do lado do particular, traz maior segurança
jurídica, menores risco e custo financeiros. Ao parceiro público, permite um
menor dtspêndio nominal, já que a postergação do pagamento a seu cargo
implicava custos financeiros, minorados pela possibilidade de antecipação
dos pagamentos públicos que outrora a Lei das PPP não autorizava, eis que
os condicionava à disponibilização do serviço.
No entanto, a nova redação da Lei das PPP mantém a falta de clareza
terminológica, já presente na redação anterior da Lei ns 11.079/2004, que se
reportava indistintamente ao termo "contraprestação" para nominar todos
pagamentos efetuados pelo poder público no âmbito da parceria. Agora, as
referências a “contraprestação" e "aportes de recursos" se fazem acompanhar
de efeitos trib u tá rio s não devidamente discriminados, que perm item o
diferimento da tributação dos aportes públicos, como se receita fossem, de
modo diluído ao longo da realização dos custos e ativos o b je to dos
investimentos. Por esta via, a pretexto de se buscar maior equilíbrio à
tributação das parcerias, mas sem renúncia fiscal, o campo de incidência
trib u tá ria alargou-se in devidam ente, ao nosso sentir, para abranger
materialidades que se encontram fora do seu alcance e contra a meta optata
da estruturação legal dos contratos de PPP, para a qual a desoneração
tributária (não incidência) muito mais contribuiria. Do que passamos a nos
ocupar.

2. Breves considerações sobre as parcerias Púbtico-Prívadas

A Lei n5 11.079/2004 in s titu iu "norm as gerais para licitação e


contratação de parceria público-privada no âmbito dos Poderes da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios" (art. 19).
Conforme preceitua CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO, como "a
lei pretende que as parceiras público-privadas (PPPs) sejam consideradas
modalidades de concessão de serviço público, obviamente seu objeto só pode
ser a prestação de um serviço público (ainda que para isto necessite englobar
outras atividades); vale dizer: seu objeto será necessariamente a prestação
de u tilid a d e ou com odidade m a te r ia l f r u ív e l s in gu la rm e n te pelos
administrados"^'*'^. É o que se desume da Lei n^ 11.079^004

"Art. 2° Parceria público-privada é o contrato adm inistrativo de


concessão, na m o dalidade patrocinada ou a d m inistrativa.

MELLO, C elso A n t ô n io B a n d e ira d e . Curso d e D ir e i t o A d m in i s t r a t i v o . São P aulo: M a lh e ir o s , 2 01 2 ,


p. 7 9 0 ,

515
DIRE IT O TR IB U T Á R IO : QUESTÕ ES ATUAIS

§ 1° Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos


ou de obras públicas de que tr a ta a Lei nS 8.987, de 13 de
fe v e re iro de 1995, q u a n d o envolver, a d ic io n a lm e n te à ta rifa
cobrada dos usuários co ntraprestação pecuniária do parceiro
público ao parceiro privado.
§ 2° Concessão adm inistrativa é o c o n tra to de prestação de
serviços de que a A dm inistração Pública seja a usuária direta
ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecim ento
e instalação de bens.
§ S° Não constitui parceria público-privada a concessão comum,
assim entendida a concessão de serviços públicos ou de obras
públicas de que tra ta a Lei n^ 8.987, de 13 de fevereiro de 1995,
quando não envoiver contraprestação pecuniária do parceiro
público ao parceiro privado.

A primeira diferença que importa entre os dois marcos de concessão


é a gestão do serviço concedido. Enquanto na concessão prevista na Lei n^
8.987/95 a adjudicação do serviço poderá se dar ao próprio licitante vencedor
(pessoa ju ríd ica ou consórcio de empresas - a rt. 2^, II), nas PPPs o
adjudicatário da licitação deverá constituir uma sociedade de propósito
específico (art. 92 ), que será a concessionária do serviço. Outro diferencial
que aqui importa entre a concessão prevista na Lei nS 8.987/^5 e a concessão
patrocinada da Lei das PPPs é a remuneração do concessionário. Enquanto
na primeira a remuneração advirá das tarifas pagas pelos usuários, na PPP
soma-se a esta remuneração uma contraprestação, paga diretamente pela
Administração Pública, que só poderá ultrapassar o montante de 70% da
remuneração total do parceiro privado mediante autorização legislativa
específica (art. 10, §39).
Assim, será a hipótese de concessão patrocinada de obra e serviço
públicos, regida subsidiariamente pela lei geral das concessões (Lei ns 8.987/
95), quando, adicionalm ente à ta rifa cobrada dos usuários, houver a
contribuição pecuniária do parceiro público, que também irá arcar com parte
dos custos necessários aos empreendimentos, dos quais resultarão bens
reversíveis ao Estado. Nas concessões administrativas, o objeto do contrato
é um serviço público e o próprio poder público é colocado como o usuário
direto ou indireto do serviço. É forçoso reconhecer, todavia, que, em ambas
as hipóteses, a existência da contraprestação pelo parceiro público é o
critério de discriminação a que se remete o art. 25, § 3$, da Lei n® 11.079/
2004, para diferenciar a parceria público-privada das concessões em geral,
reguladas pela Lei n@ 8.987y^5.
0 uso do termo "contraprestação" pelo marco legal das PPPs encobre
diferenças entre tais contratos e os demais contratos adm inistrativos,
relevantes à apreensão dos efeitos tributários em um caso e outro. Nos
contratos administrativos em geral, a Administração, como tomadora do

516
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

serviço, obriga-se a rem unerar o particular pelos serviços que lhe são
prestados ou pelo fo rn e c im e n to dos bens contratados. Os contratos
administrativos são bilaterais, onerosos e comutativos, equivalendo-se entre
si as prestações das partes, mas apresentam características especiais, quais
sejam, a participação da Administração Pública em um dos polos da relação
jurídica e um procedimento legal próprio, com rígidos controles, pois o
administrador não tem liberdade para dispor da coisa pública. Geralmente,
os contratos administrativos são precedidos de licitação, em que se verificam
as condições pessoais do contratado, a fim de se constatar sua aptidão para
atender à finalidade pública a que se presta o contrato. As suas cláusulas são
definidas unilateralmente pela Administração, como um contrato de adesão,
0 que não afasta a consensualidade na sua celebração. Embora o contrato
administrativo seja uma espécie de contrato da Administração regido por
preceitos de Direito Público, a própria Lei 8.666/93 perm ite a aplicação
supletiva dos “ princípios da teoria geral dos contratos e as disposições de
direito privado" (art. 54, caput), quando as normas de Direito Público não
contemplem instrumentos para a regulação e solução do caso concreto.
Nessa toada, pertinentes as observações de EDIMUR FERREIRA DE
FARIA;^""

"As interferências estatais nas atividades laborai e econômica


levaram os d o u trinadores a desenvolverem a teoria do dirigismo
contratual, segundo a qual a livre manifestação da vontade na
estipulação das cláusulas contratuais sofre restrições impostas
pelo Estado.
No que tange à observância do c o n tra to (...) já se ad m ite a não-
execução ou não c u m p rim e n to {...), se fica r com p ro va d o que
este é danoso para a parte prestadora do obrigação contratada.
(...) 0 co n tra to só pode ser considerado lei e n tre as partes se fo r
ju s to e e q u ilibrado de m o d o a ser bom para ambas as partes.
Os pratos da balança representada pelo c o n tra to devem ficar
nivelados. Neste nível está o e q u ilíbrio contratual."

A marca distintiva das concessões em relação aos demais contratos


administrativos é a assunção dos riscos pelo concessionário, que deixa de
ser mero executor dos serviços encomendados, para extrair da exploração
da concessão, ou eventualmente de fontes alternativas, a sua remuneração.
Para isto, sujeita-se à álea ordinária do negócio, o que pressupõe agir em
nome próprio, por sua conta e risco. O que nos parece de maior relevo a ser
evidenciado nas parceiras p ú b lico -p riva d as, para d iferen ciá -la s das

Curso d e D ir e i t o A d m in i s t r a t i v o . B e lo H o r iz o n te : Del Rey. 2 0 0 0 , p. 334.

517
DIRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES A T UAIS

concessões em geral e dos demais contratos administrativos, é a especial


posição do parceiro público, ao lado do parceiro privado, concorrendo com
os recursos necessários ao Investimento a ser feito em parceria, com o fim
de prestação de um serviço público. A inferência guarda amparo na própria
Lei das PPP que adota como diretriz das parcerias, entre outras, a repartição
objetiva de riscos entre as partes (art. 42, VI). Daí se entender que os direitos
resguardadas ao parceiro privado pelo art. 8? da Lei n^ 11.079/2004 - tais
como vinculação de receitas, instituição de fundos especiais previstos em
lei, garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para
essa finalidade, entre outras garantias - os são a bem da parceria, como
meio necessário à preservação do bem público objeto do contrato, com o
menor ônus possível ao Estado, tendo em vista a satisfação do interesse da
coletividade.
Mas tanto nas concessões regidas pela Lei ns 11.079/2004, quanto nas
regidas pela Lei 8.987^5, o equilíbrio econômico financeiro do contrato deve
ser mantido, daí, entre outras, as cláusulas de reajuste e revisão de tarifas
previstas nos arts. 9S e 23 da Lei ns 8.987/95. A manutenção da equação
financeira e econômica do contrato é um direito do contratado, devendo
prever a remuneração do concessionário, a amortização do investimento e
os custos envolvidos na execução do objeto da parceria, os quais, de outro
modo, seriam incorridos a fundo perdido, se fossem os investim entos
efetuados diretam ente pelo poder público. Com efeito, inexiste óbice a
que o poder concedente adote alguma forma de subsídio para a manutenção
da fó rm u la re s u lta n te da avença. Note-se que a incapacidade ou a
impropriedade de o Estado, por si só, atuar em empreendimentos que,
embora atendam a um fim público, são vocacionados à iniciativa privada,
que deles é capaz de se desincumbir com maior eficiência e expertise, é um
dos principais motivadores das parcerias público-privadas. Os vultuosos
investimentos e custos que suportaria a Administração e o longo prazo de
retorno dos investimentos para a iniciativa privada justificam uma atuação
conjunta entre os entes privados e estatais. Aí avulta o que de fato diferencia
as parcerias público-privadas das demais concessões: o fato de o Estado
comparecer, não meramente como contraparte ao parceiro privado, mas ao
lado deste, concorrendo com os ônus de cobrir os custos destinados aos
investimentos em bens reversíveis necessários à prestação dos serviços
públicos.

3. Os aportes de recursos não se confundem com receitas

Embora somente com a nova redação trazida pela MP 575, a Lei 11.079
tenha passado a prever a contribuição por parte do parceiro público antes da
disponibilização do serviço, já era possível defender a antecipação dos

518
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

recursos, como uma modalidade de subvenção, com fulcro na Lei 4.320/


64, recepcionada como lei complementar em nosso ordenamento jurídico.
Também as normas tributárias permitiam e permitem a configuração dos
chamados a p o rte s /c o n tra p re s ta ç õ e s públicos como subvenção a
investim entos, desonerando-os de tributação, desde que atendidos os
requisitos legais para tanto. Todavia, ao tempo em que a MP 575 estabeleceu
a possibilidade de tais aportes antes da disponibilização dos serviços,
reforçando o seu caráter de auxílio ou contribuição a investimento, de caráter
não co n tra p re s ta c io n a l, c o n tra d ito ria m ente passou a tra tá -lo s
expressam ente como receitas, o que pressupõe sua natureza
contraprestacional, submetendo-os ao campo de incidência tributária.
Não há negar a existência de valores pagos pelo parceiro público,
efetivamente despendidos a título de remuneração, mas não se pode ignorar
que ele também concorre para a disponibilização do capital necessário à
obra e à implementação do serviço público, não se afigurando jurídico
im iscuir realidades tão distintas. Assim, as regras do co n tra to devem
estabelecer critérios claros que permitam com certeza avaliar a intensidade
das obrigações assumidas reciprocamente pelas partes. Os aportes públicos,
a nosso juízo, não se confundem com a efetiva remuneração do contratado,
esta sim de caráter contraprestacional, malgrado as novas regras tributárias
veiculadas pela MP 575 insistirem em equiparar ao conceito de receita a
co be rtu ra de custos ou d é ficits operacionais na im plem entação dos
investimentos, deixando de retratar fidedignamente a natureza jurídica dos
valores aportados à parceria pelo ente público.
Em sítios como o da imposição tributária, a função garantística do
Direito reclama da lei apreender os fatos sujeitos à incidência da norma, por
meio de signos representativos fixos e rígidos, ricos em notas irrenunciáveis
que esgotem a com preensão dos fenôm enos regulados, por m eio de
conexões lógicas, derivadas umas das outras de forma dedutiva. Este é o
modo de raciocinar por conceitos fechados, pelo qual as espécies distinguem-
se umas das outros com base em uma relação de exclusão "ou...ou", calcada
na regra da identidade, valendo a proposição lógica do terceiro excluído, de
modo que, se o fato ocorrido no mundo fenom ênico não corresponder
estritamente à descrição contida na hipótese normativa, não incidirá a norma
impositiva tributária. Devem, pois, ser afastadas do campo de incidência
trib u tá ria os fatos representados por aproximações gerais e cláusulas
indeterminadas. Não há espaço para o emprego de formas flexíveis, fluídas
e suaves de transição, que renunciem às especificidades do caso, para
uniform izar as situações da vida sujeitas à tributação. "O princípio da
conceitualizaçõo determinada e fechada realiza o princípio da legalidade
materialmente considerado, referindo-se ao conteúdo da lei e ao grau de
concreçao e especificidade de suas normas. (...) Onde quer o legislador

519
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

reforçar a segurança jurídica, impõe a legalidade material absoluta. A r)orma


legal colhe então o tipo (socialmente aberto) modelando-o e fechando-o em
conceitos determinados
Ora, a pretensão de se tributar o aporte de recursos representa um
alargamento semântico do conceito de receita, inadmissível em face do
princípio da especificação conceituai ou tipicidade em matéria tributária.

4. A Diferença entre aporte Público e contraprestação deduzida da


Legislação Financeira

A classificação das despesas no âmbito do Direito Financeiro (que é o


ramo jurídico responsável pela regulamentação da forma de investimento
do dinheiro arrecadado pelo Estado) é ofertada pela Lei ns 4.320^4, que foi
recepcionada pelo art. 165, § 92 da CR/88 como lei com plem entar. A
regulam entação das despesas públicas tem respaldo no inciso II do
mencionado dispositivo, assim redigido:

"Art. 165. {...). §99. Cabe à lei co m plem entar: II - estabelecer


norm as de gestão finan ce ira e p a trim o n ia l da adm inistra çã o
d ire ta e in d ire ta bem c o m o co n d içõ e s para a in s titu iç ã o e
funcio n a m e n to de fundos."
0 art. 12, § 25 extrema as transferências correntes e as
subvenções das dotações de despesas que ostentam a
natureza de contraprestações diretas a bens e serviços.
As subvenções econômicas identificam um tipo de auxílio,
para cobrir déficit operacional:
§ 25. Classificam-se com o Transferências Correntes as dotações
para despesas as quais não corresponda contraprestação direta
em bens ou serviços, inclusive para contribuições e subvenções
destinadas a a te n d e r à m anifestação de o utras entidades de
d ire ito público ou privado.
§ 32 . Consideram-se subvenções, para os efeitos desta lei, as
tra n s fe rê n c ia s d e stinadas a c o b rir despesas de c u s te io das
entidades beneficiadas, distinguindo-se como:
1- subvenções sociais, as que se destinem a instituições públicas
ou privadas de caráter assistencial ou cultural, sem finalidade
lu c ra tiv a ;
II - subvenções econômicas, as que se d estinem a empresas
públicas ou privadas de caráter industrial, comercial, agrícola
ou pastoril."

BALEEIRO, A lio m a r. Lim ita çõ es C o n stitu cio n a is a o P o d e r d e Trib utar. 78 Ed. N otas d e M ls a b e l Derzi.
R io d e J a n e ir o . Fo re n se . 2 0 1 1 . p. 1 2 1 -3 1 .

520
D IRE IT O T R IB U T Á R IO ' QUESTÕES ATUAIS

Também as transferências de capital distinguem -se das


contraprestações, podendo se desmembrar, entre outros, em auxílio a
in v e s tim e n to , d e riva d o d ire ta m e n te da lei o rça m e n tá ria , ou em
contribuições a investimento, derivadas de lei especial anterior, para suprir
déficit na realização de investimentos (art. 12, § 69).
P o rta n to , o a p o rte de recursos públicos d u ra n te a fase dos
investimentos, com o fim exclusivo de custeá-los ou cobrir déficit na sua
realização, encontra amparo na Lei nS 4.320^4, art. 12, que já o permitia.
Com efeito, por ostentar natureza jurídica distinta de contraprestação, a
realização do a po rte público durante a fase de investim entos já não
encontrava óbice legal, sendo certo que a vedação contida no caput do artigo
72 a tinge tã o som ente o pagam ento da c o ntra p re sta çã o antes da
disponibilização do serviço objeto do contrato de PPP, o que continua a
vigorar. Do ponto de vista tributário, o que fez a MP 575 foi postergar o
reconhecim ento das pretensas receitas à medida que os custos forem
realizados, inclusive mediante depreciação, eleita como forma de realização
dos ativos constituídos mediante o investim ento em bens reversíveis. A
técnica adotada apresenta pontos de semelhança com apuração do resultado
e a tributação das receitas advindas de contratos de longo prazo {superior a
um ano) de construção por empreitada ou de fornecimento, a preço pre­
determinado, de bens ou serviços, bem como as receitas decorrentes de
contratos de longo prazo de fornecimento a prazo de bens ou serviços a
pessoa jurídica de direito público ou empresa sob seu controle, empresa
pública, sociedade de economia mista ou sua subsidiária (arts. 407 e 409 do
RIR/99).
Todavia, ao nosso sentir, a espécie trazida pela MP n^ 575 (aporte
de recursos) não é apta a produzir os efeitos trib u tá rio s pretendidos.
Q uando nada a p o s te rg a ç ã o dos t r ib u to s d e v e ria se a p lic a r à
contraprestação e não ao aporte de recursos, pois este não se amolda ao
conceito de receita.
Remuneração é a paga pela prestação de um serviço. Subvenção é o
auxílio econômico destinado a custear, em parte, atividade de interesse
público exercida, no caso, por empresa privada, mitigando os prejuízos que
esta última terá no exercício de seus misteres. É ver^'*® a lição de CARLOS
MOTTA, ao tratar do tema das subvenções, deixando claro que as empresas
privadas podem recebê-las (a subvenção é paga com base em lei, o que
afastaria a vedação trazida pelo art. 19 da Lei n^ 4.320^4 de pagamento de
subvenções a empresas privadas com fins lucrativos):

™ M OTTA, C arlos P in to C o e lh o [ e t o l.]. R e s p o n s a b ilid a d e Fiscal. B e lo H o r iz o n t e : Del Rev. 2 0 0 0 , pp.


1 75-6.

521
D I R E Í T O T R I B U T Á R I O : QUESTÕES A T UAIS

"(.••) consideram-se subvenções as transferências de recursos


d e s tin a d o s a c o b r ir d e sp e sa s de c u s te io das e n tid a d e s
beneficiadas. Costuma-se distin g u ir as subvenções e n tre sociais
e econôm icas. Subvenções sociais são as que se d estinam a
instituições públicas ou privadas, sem fin a lid a d e lucrativa, de
caráter assistência! ou cultural; as subvenções econômicas sâo
as que se destinam a empresas públicas ou privadas de caráter
industrial, comercial, agrícola ou pastoril [Nota de rodapé: Com
base no §3® do art. 12, da Lei n° 4.320, de 17 de m arço de 1964]."

5. Subvenção sob a ótica do contribuinte (legislação tributária).

BULHÕES PEDREIRA assim trata do tema "subvenção", ]á sob a ótica do


Direito Tributárlo^^^:

"A le g is la ç ã o t r ib u t á r ia d e n o m in a de subvenção as
transferências de renda e capital recebidas pela pessoa jurídica
porque (a) em regra elas tê m origem no setor público (e assim
são designadas na orçam entação e contabilidades públicas) e
(b) a expressão é usada, com o sentido de transferência de renda,
no dire ito privado (Cód. Civil, art. 1.172)."

As subvenções para investim entos configuram transferências de


capital, que não sâo nem lucro operacional nem resultados operacionais,
inclusive as decorrentes de exonerações tributárias, como o estímulo à
im p la n ta çã o ou expansão de e m p re e n d im e n to s econômicos,
caracterizando-se como contribuição pecuniária, com destinação específica
a in v e s tim e n to em bens ou d ire ito s para im p la n ta r ou expandir
empreendimentos econômicos. Tanto o auxílio a investimentos, quanto as
subvenções econômicas a atividades que tenham como objeto investimentos
enquadram-se no conceito tributário de subvenção a investimento.
As subvenções para investimentos distinguem-se das subvenções para
custeio: as primeiras, não tributáveis, prestam-se à expansão de atividades
econômicas relevantes para o Estado, enquanto as subvenções correntes
(para custeio e operações) fazem face às despesas correntes da empresa
beneficiária, sendo alcançadas pela tributação.
Anteriorm ente às modificações trazidas pela Lei ns 1 1 .6 3 ^ 0 0 7 , a
subvenção a investimentos deveria ser contabilizada como reserva de capital
e não poderia ser objeto de distribuição de lucros, para não sofrer a incidência
do IRPJ e da CSLL, bem como do PIS e da COFINS, eis que não transitava por

PEDREIRA, Bulh ões. Im p o s to s o b re a Renda - Pessoas Jurídicas, v. II. Rio d e J a n e iro ; Justec-Editora,
1 9 7 9 , p. 6 85 .

522
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

conta de resultado. Após a lei referida, a subvenção passou a ser contabilizada


como receita e foi alterado o art. 182 da Lei das S.A. (Lei 5.404/77),
excluindo-se as doações, as subvenções para investimentos e o prêmio na
emissão de debentures do rol das contas classificadas como reserva de
capital.
0 aporte de recursos não se conforma ao conceito de receita, devendo
ser repelida a exigência de PIS/COFINS, pois não têm o titular dos valores
ingressados ao patrimônio livre disponibilidade sobre eles, lá transitando
com o único fim de ser reinvestido no múnus público. O aporte de recursos
não é resultado da exploração do serviço ou da utilização de um ativo, mas
sim um pressuposto à prestação do serviço e à obtenção de receitas, de
modo que, também por esta via, não se pode concluir pela sua subsunção ao
conceito de receita.
A par das modificações perpetradas pela Lei ns 1 1 .6 3 ^0 0 7 , foi editada
a MP n9 449/2008, que em sua exposição de motivo justifica a necessidade
de se manterem as isenções (não incidência legalmente qualificada) relativas
às subvenções para investimentos:

"11. 0 art. 38 do Decreto-Lei 1.598, de 26 de dezem bro de


1977, isenta do Im posto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas -
IRPJ as im portâncias relativas a subvenções para investim ento
e doações recebidas do Poder Público, bem com o o p rêm io na
emissão de debentures, desde que tais valores sejam mantidos
em reserva de capital. 0 Estado abre mão da trib u ta ç ã o para
capitalizar a empresa, razão pela qual ta l valor deve ser m antido
em reserva e não distribuído sob qualquer form a. Ocorre, porém,
que o art. 195-A, Inserido pela Lei nG 11.638, de 2007, na Lei n®
6.404, de 1976, crio u um o b s tá c u lo ao gozo da isenção, ao
de te rm in a r que tais valores transitem pelo resultado da empresa
e q u e p o s s a m c o m p o r a base de c á lc u lo d os d iv id e n d o s
obrigatórios. Assim, para que tais isenções sejam mantidas sem
perder a finalidade para a qual foram criadas - a capitalização
das empresas - são propostos os arts. 18 e 19 do Projeto, os
quais excluem ta is va lores da base trib u tá v e l do im p o s to de
renda, desde que m a ntidos em reservas de lucros, ainda que
tenham transitado pelo resultado da empresa."

Para atingir a finalidade pretendida pela MP, o art. 18 da Lei ns 11.941/


2009 determina a exclusão no Livro de Apuração do Lucro Real - LALUR das
subvenções para investimento, computadas previamente como receita na
demonstração do resultado do exercício. É dizer, a legislação fiscal passou a
prever expressamente a dedução das receitas contabilizadas atinentes às
subvenções para investim ento da base de cálculo do IRPJ e da CSLL,
estabelecendo, ainda, que tais receitas integrantes do lucro líquido, após a

523
DIREIT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕES ATUAIS

apuração deste, sejam transferidas para reserva de lucro a que se refere o


art. 195-A da Lei das S.A., até o limite do lucro líquido do exercício. 0 art. 195-
A, introduzido pela Lei ns 11.638, prevê a Reserva de Incentivos Fiscais onde
deve ser contabilizada a subvenção para investimentos (não mais em reserva
de capital), e permite que tal reserva de lucro não seja objeto de distribuição
aos acionistas, pela sua exclusão da base de cálculo dos dividendos mínimos
obrigatórios:
A Lei n 5 11.941 mantém a possibilidade de incorporação da subvenção
(reserva de lucro) ao capital, devendo ser observada a proibição de
d istrib uição (art. 18, §1®,IM) e re stituição aos sócios dos valores das
subvenções incorporados ao capital (art. 18, §12, I e II), como pressupostos
à sua não tributação. Vê-se que o legislador, após as modificações da lei
societária, manteve, em linhas gerais, o tratam ento fiscal já consagrado às
subvenções, adaptando-o aos comandos, de natureza contábil, previstos
na Lei n® 11.638/2007. Assim é que, incorporado ao capital o valor da
subvenção re g is tra d o com o reserva de lu c ro e have n do p o s te rio r
restituição de capital ao titular da participação societária mediante redução
do capital social, deve haver a tributação do valor restituído até o lim ite da
subvenção excluída anteriormente da base de cálculo do imposto (art. 18,
§19 I). Se, por outro lado, a redução do capital restituído aos sócios ou
acionistas se der em até cinco anos antes da data em que ocorreu a
subvenção, posteriormente incorporada ao capital, haverá a tributação do
valor restituído até o lim ite do valor da subvenção excluída da base de
cálculo do tributo (art. 18, §12, II). Assim, é indiferente à tributação o fato
de a restituição do capital aos sócios se dar antes ou depois da incorporação
do valor da subvenção ao capital social, atentando-se que a restituição de
capital havida em período superior a cinco anos antes da data de ocorrência
da subvenção não se sujeita à tributação. O art. 18 também dispõe que, se
não for destinado o valor da subvenção à reserva de lucros, incidirá o IRPJ,
esclarecendo, ainda, que, se no período de apuração dos lucros, não houver
lucro líquido superior ao valor das subvenções para investim ento e das
doações, nos exercícios subseqüentes, deverá ser transferido para a reserva
de lucros (Reserva de Incentivos Fiscais) o va lor da subvenção e das
doações não transferido no período base por insuficiência de lucros (art.
18, §32).
Considerando que as subvenções para investimento não se ajustam
ao conceito de receita, eleito pela Constituição como fato gerador do PIS e
da COFINS, o art. 110 do CTN impede um alargamento semântico que lhe
altere as feições já consolidadas no âmbito do direito privado, a fim de se
atribuírem efeitos tributários que não lhe são próprios. Os julgados abaixo
confirmam o que foi dito:

524
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

( ) "PIS. BASE DE CÁLCULO. ALARGAMENTO DECLARADO


INCONSTITUCIONAL PELOSUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.
0 Plenário do STF declarou a inconstitucionalidade do § do
art. 3® da Lei nS 9 .7 1 ^8, afastando o alargamento pretendido
por este dispositivo e assim restringindo a base de cálculo da
contribuição para o PIS e da COFINS ao faturamento, assim
compreendida a receita bruta da venda de mercadorias, de
serviços e mercadorias e serviços.
RECEITA FINANCEIRA. ALUGUEL, SUBVENÇÕES E INCENTIVOS
FISCAIS. Não configuram receita da venda de bens e serviços,
assim não se submetendo à incidência das contribuições, as
receitas financeiras - assim compreendidos os descontos
obtidos, dividendos e os ganhos de aplicações financeiras, bem
como, em relação às "Outras Receitas Operacionais", os valores
correspondentes à locação, créditos presumidos de IPI e de ICMS
e outros subsídios.
Recurso parcialmente provido." (CARF 3a. Seção/3^. Turma da
43. Câmara. Acórdão 3403-00.566 em 29/39/2010. Publicado no
DOU em: 16.02.2011)
"CONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE - ARTIGO 3®, § l^, DA
LEI N5 9.718, DE 27 DE NOVEMBRO DE 1998 - EMENDA
CONSTITUCIONAL N5 20, DE 15 DE DEZEMBRO DE 1998.0 sistema
jurídico brasileiro não contempla a figura da
constitucionalidade superveniente. TRIBUTÁRIO - INSTITUTOS •
EXPRESSÕES E VOCÁBULOS - SENTIDO. A norma pedagógica do
artigo 110 do Código Tributário Nacional ressalta a
impossibilidade de a lei tributária alterar a definição, o
conteúdo e o alcance de consagrados institutos, conceitos e
formas de direito privado utilizados expressa ou implicitamente.
Sobrepõe-se ao aspecto formal o princípio da realidade,
considerados os elementos tributários. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL
- PIS - RECEITA BRUTA - NOÇÃO - INCONSTITUCIONALIDADE DO §
19 DO ARTIGO 35 DA LEI N@9.71%Q8. A jurisprudência do Supremo,
ante a redação do artigo 195 da Carta Federal anterior à Emenda
Constitucional ns 20/98, consolidou-se no sentido de tomar as
expressões receita bruta e faturamento como sinônimas,
jungindo-as à venda de mercadorias, de serviços ou de
mercadorias e serviços. É inconstitucional 0 § 1^ do artigo 3® da
Lei n5 9 .7 1 ^8, no que ampliou o conceito de receita bruta para
envolver a totalidade das receitas auferidas por pessoas
jurídicas, independentemente da atividade por elas desenvolvida
e da classificação contábil adotada." {STF, Pleno. RE 390840/
MG. Relator: Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 09/11/^005.
Publicação DJ 15-08-2006 p. 25).

525
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES AT UAIS

6. Conclusão

Face ao exposto, com base em uma análise sistemática das normas


que disciplinam as PPPs, entendemos que o aporte de recursos a que se
refere a MP ns 575 não pode ser tratado como receita alcançada pelo PIS/
COFINS, uma vez que ausente o caráter contraprestacíonal de tais aportes.
No â m b ito do IRPJ/CSLL, a sua caracterização como subvenção a
investimentos afasta qualquer pretensão fiscal de vê-lo incluído no campo
de incidência tributária.

526
D IR E IT O T R IB U T Á R IO : Q U E S T Õ E S A T U A IS

ATRIBUTOS DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA

Tácio Lacerda Gama^^^

SUMÁRIO. 1 Notas sobre a caracterização das competências tributárias. 1.1. Quanto


à exclusividade. 1.2. Q uanto à possibilidade de delegação. 1.3. Q uanto ao lim ite de
te m p o . 1.4. Q u a n to à possibilidade de a lteração. 1.5. Q u a n to à possibilidade de
re n u n c ia r. 1 .6 . Q u a n t o à m o d a l iz a ç ã o d o e x e r c í c io . 2. C o n c lu s õ e s . 3.
R e fe rê n c ia s .

Resumo

Este trabalho versa sobre os atributos da competência tributária em suas


múltiplas manifestações. Alguns esclarecimentos, porém, devem anteceder
a exposição das ideias. Em brevíssima síntese: o que faremos é tomar, como
fonte de inspiração, o profícuo diálogo mantido entre Roque Antônio Carrazza
e Paulo de Barros Carvalho acerca da competência tributária legislativa,
estendendo, a partir dele, nossas considerações para as demais espécies de
co m petência. Ao fin a l, apresentarem os breve síntese das ideias
desenvolvidas, buscando Identificar características comuns entre as normas
que dispõem sobre como devem ser produzidas outras normas que venham
a dispor acerca da instituição, arrecadação e fiscalização de tributos.

1. Notas sobre a caracterização das competências tributárias

Sob a perspectiva semântica, as competências trib u tá ria s não se


sujeitam a uma caracterização uniforme, aplicável a toda e qualquer das
suas manifestações. Se são diferentes os sentidos, é de esperar que sejam
igualmente diversas as suas qualidades. E será tanto mais diferente o número
de atributos quanto maior for a variação de sentido. Por isso, dividiremos o
conjunto das competências em dois grandes blocos: o das competências
legislativas, compreendendo a criação de leis ou atos normativos com o
mesmo status, e o das com petências in fra leg isla tiva s ou infralegais,
abrangendo as competências administrativa, jurisdicional e privada. Com
isso nos manteremos num ponto equidistante entre a generalidade da forma
e 0 casuísmo de se analisar uma a uma as múltiplas espécies de competência
tributária.

D o u t o r e M e s t r e p e la PUC-SP, P r o fe s s o r d e D ir e i t o T r i b u t á r i o d a g r a d u a ç ã o e p ó s - g r a d u a ç ã o e m
d ir e i t o PUC-SP e d o IBET, A d v o g a d o .

527
DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES A T UAIS

Dividir assim o conjunto das competências, porém, exige alguns ajustes


em relação à classificação originalm ente proposta por Roque A ntônio
Carrazza.^^^ Em sua feição original, a competência tributária legislativa seria
caracterizada pelos a trib u to s de: p riv a tiv id a d e , indelegabilidade,
incaducabilidade, inalterabilidade, irrenunciabilidade e facultatividade de
exercício.^^^ Após o diálogo estabelecido por Paulo de Barros Carvalho,^”
três dos seis a trib u to s iniciais so freram ressalvas, de m odo que a
privatividade e a facultatividade” ®de exercício deixaram de ser vistas como
características de toda e qualquer espécie de competência legislativa.
Ademais, em v irtu d e das m odificações do te x to co n s titu c io n a l, que
possibilitaram a criação da Contribuição sobre Movimentação Financeira -
CPMF, a própria ideia de incaducabilidade perdeu sua condição de atributo
geral.
Para analisar as competências na forma proposta, confrontaremos os
a trib u to s que acabamos de relacionar, afe rind o se eles estão ou não
presentes. Cuidaremos de analisar as duas modalidades indicadas acima
com base nos seguintes critérios: a privatividade é qualidade relacionada à
exclusividade do sujeito que a exerce; a indelegabilidade tem a ver com ser
possível ou não a tr ib u ir a o u tre m a a ptid ã o de cria r norm as; a
incaducabilidade se refere à possibilidade de existir ou não limite de tempo
para o exercício da competência; a inalterabilidade leva em conta se o sujeito
competente pode alterar os termos em que a competência lhe foi atribuída;
e 0 fato de ser ou não obrigatória a criação de normas está relacionado à
fa c u lta tiv id a d e de exercício. Com e fe ito , no lugar das referências à
p riv a tiv id a d e , in de le g ab ilid a de , incad u cab ilida de , in a lte ra b ilid a d e ,
irrenunciabilidade e faculdade de exercício, falaremos nos critérios aos quais
essas normas fazem referência.

Curso d e d i r e i t o c o n s t it u c io n a l t r i b u t á r i o . 1 9 * e d ., 2ã tir, São P aulo; M a lh e ir o s , 2 0 0 3 , p. 4 5 1 e s.


Id e m , ib id e m .
Curso d e d ir e i t o t r i b u t á r i o p. 2 3 9 e ss.
556 " P o r se m d ú v id a q u e é re g ra g e ra l (a f a c u lt a t i v id a d e d o e x e r c íc io d as c o m p e tê n c ia s t r i b u t á r i a s ] .
A U n iã o t e m a f a c u l J a d e o u p e r m i s s ã o b i l a t e r a l d e c r i a r o i m p o s t o s o b r e g r a n d e s f o r t u n a s , na
fo r m a d o q u e e s ta tu i o in c is o VII d o a r t. 1 53 da CF. A té a g o ra n â o o fez, e x a t a m e n te p o r q u e t e m a
fa c u ld a d e d e in s t it u i r o u n ã o o g ra v a m e . E o m e s m o se dá c o m os m u n ic íp io s , q u e , e m sua m a io ria ,
n ã o p r o d u z ir a m a le g is la ç ã o d o i m p o s t o s o b r e s e r v iç o s d e q u a l q u e r n a t u re z a , c o n q u a n t o n ã o lhes
fa lte , p a r a is s o , a p t i d ã o le g is la tiv a . T o d a v ia , a e x c e ç ã o v e m a í p ara s o la p a r o c a r á t e r d e
u n iv e r s a l i d a d e d a p r o p o s iç ã o : r e f i r o - m e a o IC M S. P o r sua ín d o le e m i n e n t e m e n t e n a c io n a l, n ã o é
d a d o a q u a l q u e r E s t a d o - m e m b r o o u a o D is t r it o F e d e r a l o p e r a r p o r o m is s ã o , d e i x a n d o d e le g is la r
s o b r e e s s e g r a v a m e . C a so h o u v e s s e u m a s ó u n i d a d e d a f e d e r a ç ã o q u e e m p r e e n d e s s e t a l
p r o c e d i m e n t o e o s is te m a d o iC M S p e r d e r ia c o n s is tê n c ia , a b r i n d o - s e a o a c as o d a s m a n ip u la ç õ e s
e p is ó d ic a s , te n ta d a s c o m ta n ta f r e q ü ê n c i a n a q u e le c lim a q u e c o n h e c e m o s p o r 'g u e r r a fis c a l'. Seria
e f e t i v a m e n t e u m d e s a s t r e p a r a a s i s t e m á t i c a i m p o s i t i v a d a e x a ç ã o q u e m a is r e c u r s o s c a r r e i a
p a ra o e r á r i o d o País. 0 IC M S d e ix a r ia , p a u l a t i n a m e n t e , d e e x i s t i r " {C ARVALHO, P a u lo d e B a rros.
Curso d e d i r e i t o t r i b u t á r i o , p. 2 2 3 -2 2 4 ).

528
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

Assim, nos próximos itens, estudaremos as competências tributárias,


divididas em legais e infralegais, ou legislativas e infralegislativas, conforme
tenham titulares privativos ou concorrentes; sejam passíveis ou não de
delegação; possam ser ou não alteradas; possa o seu titular renunciar ou não
às suas prerrogativas e esteja ou não obrigado a legislar.

1.1. Quanto à exclusividade

As competências trib u tá ria s legislativas seriam exclusiva, pois o


legislador co nstitu in te cuidou de apontar critérios precisos para a sua
re p a rtiç ã o .F u n d a d o em forte argumento de Amílcar de Araújo Falcão,
esclarece Roque A ntô nio Carrazza que as normas constitucionais que
atribuem competência em matéria tributária encerram duplo comando: "1)
habilitam a pessoa contemplada - e somente ela - a criar, querendo, um
dado trib u to ; e 2} proíbem as demais de virem a in s titu í-lo ".” ® Sendo
competente uma pessoa, todas as demais seriam incompetentes.
A esse argumento, Paulo de Barros Carvalho” ^ opõe a crítica segundo
a qual os impostos extraordinários poderiam ser editados, com idênticas
hipóteses de incidência e base de cálculo, para vigorar na mesma área
territorial de tributos criados pelos Estados, Municípios e Distrito Federal.
Neste caso, haveria verdadeira superposição de competências. As regras-
matrizes criadas nessas circunstâncias incidiriam, conjuntamente, sobre a
mesma realidade, num caso de bitributação constitucionalmente regulada.
0 caráter excepcional dessas circunstâncias, para Roque Antônio Carrazza^^
seria su ficien te para, p or si só, a firm a r a característica p rivativa da
competência. Já para Paulo de Barros Carvalho,^^^ não se tratando de atributo
absoluto, não seria possível to rn a r a exclusiva característica dessas
competências.
No plano infralegislativo, a exclusiva não é, seguramente, atributo
das normas de competência tributária. Aqui, a característica adequada é a
concorrência. Tomemos como exem plo a competência para e fe tu ar o

CARRAZZA, R o q u e A n t ô n io . C urso d e d i r e i t o c o n s t it u c io n a l t r i b u t á r i o , p. 4 5 4 .
CARRAZZA, R o q u e A n t ô n io . C urso d e d i r e i t o c o r is t it u c i o n a l t r i b u t á r i o , p. 453.
"T e nh o para m im q u e a p riv a tiv id a d e é insu s te n tá v e l, le v a n d o e m c o n ta d is p o s iç ã o expressa da Lei
das Leis q u e , b e m o u m a l, é o p a d r ã o e m p í r ic o p a ra a e m is s ã o d e p r o p o s iç õ e s d e s c r itiv a s s o b r e o
d ir e i t o p o s to . A U niã o está c re d e n c ia d a a leg isla r s o b re seus im p o s to s e, na im in ê n c ia o u n o caso de
g u e r r a e x te r n a , s o b re im p o s to s d it o s 'e x tr a o r d in á r io s ', c o m p r e e n d i d o s o u n ã o e m sua c o m p e tê n c ia
t r i b u t á r i a , c o n s o a n te o q u e p r e s c r e v e o a r t . 154, II. D ir-se -á q u e se t r a t a d e e xc e ç ã o , m a s é o q u e
basta p a ra d e r r u b a r p ro p o s iç ã o a fir m a t iv a c o lo c a d a e m t e r m o s u n iv e rs a is , d e ta l s o r te q u e im p o s to s
p r iv a tiv o s , n o Brasil, s o m e n te os o u t o r g a d o s à U niã o . A p r iv a tiv id a d e fic a re d u z id a , assim , à fa ix a de
c o m p e tê n c ia d o P o d e r P ú b lic o F e d era l". {C urso d e d ir e i t o t r i b u t á r i o , p 223).
Curso d e d ir e i t o c o n s t it u c io r ^ a l t r i b u t á r i o , p. 4 5 1 , n o t a n, 21.
Cf. Curso d e d ir e i t o t r i b u t á r i o , p 241.

529
D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

autolançamento, consubstanciado na entrega da declaração de Imposto


sobre a Renda das Pessoas Físicas. Em geral, compete ao próprio sujeito
passivo da obrigação tributária promover a incidência da regra-matriz. É a
ele que compete traduzir o evento ocorrido em fato jurídico tributário, que
denote o acontecimento previsto abstratamente na norma jurídica tributária.
Transcorrido o prazo de entrega da declaração de IRPF, sem que o sujeito
passivo tenha editado a norma individual e concreta que lhe competia, sua
com petência privativa se to rn a conco rre n te. Isso porque ele poderá
apresentar uma declaração extem porânea, sanando sua omissão, e,
simultaneamente, o agente público competente poderá, ao se defrontar
com provas que atestem terem ocorrido eventos tributários não declarados,
lavrar lançamento de ofício para exigir o que deixou de ser declarado.
Um e outro podem editar normas, constituindo o mesmo fato jurídico
tributário de maneira igualmente legítima.
Dessa forma, inexiste consenso quanto ao atributo de exclusiva das
competências legislativas, em virtude das circunstâncias excepcionais que
autorizam a criação de impostos extraordinários. Todavia, não há dúvida
quanto à concorrência entre diversos sujeitos competentes para editar
normas relativas à mesma matéria no plano infralegal.

1.2. Quanto à possibilidade de delegação

A disposição hierárquica dos sujeitos com petentes evidencia a


existência de um sistema rígido de repartição de competências.^®^ Isso de
forma tal que não se pode tratar deste ou daquele tema sem se sujeitar ao
que estabelecem as normas de competência. Uma série de conseqüências
pode ser inferida desse modo de organização do sistema constitucional
tributário brasileiro. A primeira delas é a impossibilidade de o sujeito que
recebe a competência delegá-la a o u t r o s . F o s s e isso possível, não seria
rígido o sistema e de nada valeriam as atribuições de competência. Eis a

562 "Por certo, se adm itirm o s a tese de que nossa Constituição é rígida e que o con stituinte repartiu.
In c is iv a m e n te , as p o s s ib ilid a d e s le g if e r a n t e s e n t r e as e n tid a d e s d o ta d a s de p e rs o n a lid a d e
política, cuida ndo para que não houvesse c o n flito s e n tre as sub-ordens jurídicas estabelecidas no
E stado F e d e ra l, a ila ç ã o i m e d ia ta é r e c o n h e c e r a v e d a ç ã o da d e le g a b ilid a d e , b e m c o m o a
im po ssibilid ade de re núncia. Que sen tido haveria num a discrim in a çã o rigorosa de com petências,
q u a n d o se p e rm itis s e q u e um a pessoa delegasse a o u tra as h a b ilita ç õ e s recebida s? Em po uco
te m p o , no m a nejo das utilizações concretas, q u a n d o se manifestasse o d ir e ito no d in a m is m o de
seu e s t i l o p e c u lia r, o d e s e n h o das a t r i b u i ç õ e s c o m p e te n c ia is p a ss aria p o r d i f e r e n t e s e
im p r e v is ív e is c o n fig u ra ç õ e s , d is s ip a n d o a rig id e z e a e s ta b ilid a d e p r e te n d id a s pe lo le g is la d o r
c o n s titu in te . A dvém daí o e n te n d im e n to p e ra n te o qual a inde legab ilid ade e a irre n u n cia b ilid a d e
seria m p re rro g a tiv a s inafastáve is d o exercício c o m p e tê n c ia , n o sistem a b r a s ile iro " (CARVALHO,
Paulo de Barros. Curso de d ire ito trib u tá rio , p. 222).
CARRAZZA, Roque A n tôn io. Curso de d ire ito c o n stituciona l trib u tá rio , p. 578.

530
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

razão de ser esta uma característica sobre a qual não persistem maiores
divergências.
A indelegabilidade da competência legislativa pode ser percebida em
duas dimensões: a primeira, de sentido mais amplo, é a que veda a delegação
de toda e qualquer faixa de competência de uma pessoa política para outra,
ainda que se faça isso p or m eio de lei. A segunda diz re sp eito à
impossibilidade de ato normativo delegar ao poder executivo, ou este ao
legislativo, a competência que deverá ser exercida pelo ente federativo.
No plano infralegislativo, como é de imaginar, a indelegabilidade não
configura atributo absoluto. A possibilidade de cessão de créditos tributários
é exemplo de delegação de capacidade para exigir o crédito. 0 próprio direito
positivo, orientado à realização de valores de interesse público, cuida de
atribuir ao titular da competência a faculdade de transferi-la a outrem em
certas e específicas situações.

1.3. Quanto ao limite de tempo

O texto constitucional, até bem pouco tempo, não prescrevia qualquer


limitação de tem po para o exercício da competência tributária legislativa.
Eis o porquê de, nas primeiras versões do diálogo estabelecido entre Paulo
de Barros Carvalho^®'' e Roque Antônio Carrazza,^®^ existir plena concordância
quanto ao fato de ser incaducável^^® o seu exercício. Servia de exemplo
dessa incaducabilidade o chamado Imposto sobre Grandes Fortunas {art.
153, VII), previsto desde o início da vigência do texto constitucional sem
nunca ter sido efetivamente criado.
Há casos, todavia, em que a competência deve ser exercida dentro de
certo limite de tempo, sob pena de não mais ser exercida. O já citado exemplo
da CPMF é um caso paradigmático que afasta a possibilidade de ser mantido
o atributo da incaducabilidade para as competências legislativas.
No plano in fe rio r ao da Constituição e, com mais frequência, na
introdução de normas individuais e concretas que compõem a obrigação
tributária, a fixação de prazo para o exercício da competência é uma constante.
Por expressa disposição constitucional, prescrita pelo art. 146, III, b, compete

Curso d e d ir e i t o t r i b u t á r i o , p. 243.
Curso d e d i r e i t o c o n s t i t u c i o n a l t r i b u t á r i o , p. 578.
"Diga-se o u tro ta n to sobre a incaducabilidade. A C onstituição existe para d u ra r no te m p o . Se o
n io - u s o da faixa de a trib u iç õ e s fosse perecível, o p r ó p rio Texto S uprem o fic a ria c o m p ro m e tid o ,
po s to na co n tin g ê n cia de ir p e rd e n d o parcelas de seu v u lto , à m e d id a que o te m p o fluísse e os
p o d e re s re c e b id o s pela s pessoas p o lític a s não v iessem a ser a c io n a d o s , p o r q u a l q u e r ra zão
histó rica que se q u e ira im aginar. Im p õe-se, p o rta n to , a p e re n id a d e das com p e tê n cia s, q u e não
p o d e r ia m f i c a r s u b m e tid a s ao jo g o in s tá v e l dos in te re s s e s e dos p r o b le m a s p o r q u e passa
d e te rm in a d a sociedade." CARVALHO, Paulo de Barros. C urs o d e d i r e i t o t r i b u t á r i o , p. 222.

531
DIRE IT O T R IB U T Á R IO ; QUESTÕ ES A T UAIS

à lei complementar disciplinar os prazos de prescrição e decadência para a


elaboração de normas que documentem a incidência. Sob essa perspectiva,
a decadência nada mais seria do que o limite temporal para o exercício da
competência material que consiste em editar norma individual e concreta
que positiva um dever formal ou material. Já a prescrição seria o marco
temporal que põe fim ao direito de desencadear a formação da norma judicial
que assegura o direito material.
Assim, reafirmando a nossa premissa de que a competência deve ser
compreendida com base no direito positivo, podemos afirmar para as duas
modalidades de competência que vimos estudando que o a trib u to da
incaducabilidade estará ou não presente conforme o que prescreve o direito
positivo, não sendo, pois, um atributo universal.

1.4. Quanto à possibilidade de alteração

A Inalterabilidade é o utra qualidade da com petência trib u tá ria


legislativa sobre o qual não existem d ú v i d a s . A rigidez dos comandos
constitucionais não abre espaço para outra interpretação. Eis a razão de Roque
Antônio Carrazza afirmar ser a "competência tributária improrrogável, vale
dizer, não pode ter as suas dimensões ampliadas pela própria pessoa política
que a d e t é m " . F o s s e possível ao su jeito com petente m o d ifica r sua
competência, não caberia falar desta norma, mas do próprio sujeito que outorga
a si mesmo a aptidão de criar tributos, algo inconciliável com a atual forma de
organização do Estado brasileiro, que se funda, entre outros atributos, na
repartição das faculdades de criar normas jurídicas relativas à tributação.
A in a lte ra b ilid a d e pode ser enfocada, no m ínim o, sob duas
perspectivas: uma é a Inalterabilidade pelo próprio sujeito competente,
outra é a impossibilidade de emenda à Constituição promover qualquer
transformação no arranjo de competências previsto no seu texto original. A
prim eira perspectiva já foi exposta acima, no que toca à competência
legislativa. A segunda, relativa à modificação por emenda à Constituição ou
mesmo p or edição de lei com plem entar, costuma ser mais polêmica.
Vejamos cada qual de per si.

"(...) a a lte ra b llld a d e está ín sita no q u a d ro das p r e rro g a tiv a s de r e fo rm a c o n s titu c io n a l e a


e x p e riê n c ia b ra s ile ira t e m s id o rica em e x e m p lo s dessa n a tu re z a . Se a p r o u v e r ao le g isla d o r,
in v e s t id o d o c h a m a d o p o d e r c o n s t i t u i n t e d e r iv a d o , p r o m o v e r m o d ific a ç õ e s no e sq u e m a
d is c rim in a tiv e das com petê ncias, s o m e n te o u tro s lim ite s c o n stitu cio n a is p o d e rã o ser levantados
e, m esm o assim, d e n tro d o b in ô m io 'fed eraçã o e a u to n o m ia dos municípios'. A prática de inserir
alte raçõe s no pa in el das c o m petê ncias trib u tá r ia s , no Brasil, te m sido efe tiva d a re ite ra d a m e n te ,
sem que seu exercício haja suscitado oposições mais graves" (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de
d i r e i t o t r i b u t á r i o , p. 2 2 3 ). N o m e s m o s e n t i d o : CARRAZZA, R o q u e A n t ô n i o . Curso d e d i r e i t o
c o n s titu c io n a l t r ib u tá r io , p. 590.
CARRAZZA, Roque A n tôn io. Curso de d ire ito c on stituc iona l trib u tá rio , p. 590.

532
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

A possibilidade de m o d ificar a Constituição por emenda consta


autorizada pelo próprio texto constitucional. Cumpridas as formalidades
necessárias, é possível inserir modificações no sistema constitucional
tributário, desde que respeitadas as cláusulas pétreas. Neste sentido, é
vedado alterar a Constituição para restringir princípios, imunidades que
possuam natureza de direitos e garantias do contribuinte. Da mesma forma,
importam violações ao que dispõe o art. 60, § 4^, as propostas de emenda
tendentes a modificar a forma federativa de Estado.
O atributo da inalterabilidade das competências já foi, inclusive, objeto
da Ação Direta de Inconstitucional idade ns 939-DF, que reconheceu a
impossibilidade de, mediante emenda, inserir alterações que revoguem os
direitos e garantias individuais. Como proclamou o voto do Min. Sepúlveda
Pertence, os direitos e garantias individuais espalham-se por todo o texto
da Constituição, indo muito além dos previstos no art. 52 da Carta. Daí afirmar-
se, com razão, existirem direitos e garantias individuais relativos ao Sistema
Constitucional Tributário. Em vários casos, pode-se mesmo identificar a
vinculação direta entre direitos previstos genericamente no art. 5^ e outros
relativos à tributação.
No que diz respeito á lei complementar, a situação é sensivelmente
d istin ta . Esse veículo in tro d u to r de normas pode in serir enunciados
prescritivos para desempenhar uma série ampla de finalidades, quase todas
relativas à composição da competência. 0 art. 146 da CR, em seus incisos I, II
e III, por exemplo, outorga à lei complementar competência para regular
limitações constitucionais ao poder de tributar, estabelecer critérios para
solucionar conflitos de competência e veicular normas gerais de direito
tributário. Em outros lugares, a lei complementar surge como veículo dos
enunciados que disciplinam a forma como deve se dar o princípio da não-
cum ulatividade no ICMS ou definem as materialidades que podem ser
consideradas serviço para o fim de sofrerem a incidência do ISS.
Buscando uma referência comum para todas essas funções, observa-
se que a lei com plem entar desempenha o papel de colocar em termos
analíticos aquilo que a própria Constituição dispôs de forma sintética. Noutras
palavras, os enunciados inseridos em lei com plem entar mantêm com a
C onstitu içã o um vínculo de co m p lem en taçã o e subordinação. Esses
enunciados complementares prescrevem o que os de natureza constitucional
não estatuem, mas dentro dos lim ites fixados por estes. Por isso a lei
complementar, a pretexto de desempenhar qualquer das funções referidas
acima, não pode modificar os termos da mensagem constitucional tributária.
Assim, no plano infraconstitucional, seja ele o Judicial, o administrativo
ou 0 do particular, o que acabamos de afirmar continua a ser aplicável: o
sujeito com petente não pode modificar os termos da sua competência,
embora possa ela ser alterada por outros sujeitos competentes, na forma
prescrita pelo sistema de direito positivo.

533
DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

1.5. Quanto à possibilidade de renunciar

Renunciar à competência é uma modalidade de sua modificação.


Não sendo possível sua modificação, não será igualmente possível a sua
renúncia. Neste ponto, uma prim eira elucidação é necessária: não se
confundem a renúncia e o não exercício da competência tributária. Uma
coisa é, por decisão própria, alterar os term os da competência, abrindo
mão da faculdade de, posteriormente, editar normas. Outra, bem distinta,
é, simplesmente, exercer o dire ito de não exercitar a tal competência,
não criando norma.
Esse atributo é, inclusive, reconhecido, tanto por Paulo de Barros
Carvalho^®® quanto por Roque A ntônio Carrazza.^^° Uma crítica, porém,
formulada por aquele jurista e, de logo, acatada por esse, levantou o tema
de ser o ICMS tributo sobre o qual não existiria a tal facultatividade, sendo
compulsória a sua instituição.

1.6. Quanto à modalização do exercício

Exercer a competência tributária é criar norma jurídica®’ ^ 0 sujeito


competente exercita o ato/processo de enunciação que, realizado de forma
adequada, autoriza a inserção, no sistema jurídico, de normas para versar
sobre essa ou aquela matéria^^^. O que se analisa no tema relativo à
modalização do exercício da competência é se este "dever-ser" de criar norma
versando sobre instituição, arrecadação ou fiscalização de trib u to s é
p e rm itid o , p ro ib id o ou o b rig a tó rio . G enericam ente, poderiam ser
enunciadas duas regras, segundo as quais a competência legislativa é
condicionada ou não condicionada. Essa modalidade é de exercício livre,
não demanda o atendim ento de requisitos além daqueles necessários à
forma e à matéria. Já a competência condicionada exige o preenchimento
de certos requisitos para que possa ser validamente exercida. Vejamos como
compatibilizar essas regras com o direito positivo tributário.

C urso d e d ir e i t o t r i b u t á r i o , p. 224-227.
C urso d e d i r e i t o c o r is t it u c i o n a l t r i b u t á r i o , p. 593-603.
C urso d e d i r e i t o t r i b u t á r i o , p. 244 e Curso d e d i r e i t o c o n s t it u c io n a l t r i b u t á r i o , p. 98.
"M anifesta-se, de fato, a com petência trib u tá ria , ao desencadearem-se os mecanismos jurídicos
do processo legislativo, acionado, re spectivam ente , nos planos fe d e ra l, esta dual e m unicipal. Por
esse ite r , rig id a m e n te seg uido em ob ed iê n cia às proposições prescritivas existe ntes, a União, os
Estados, 0 Distrito Federal e os Municípios elaboram as leis (acepção larga), que são promulgadas e,
logo depois, expostas ao con hecim e nto geral pelo ato de publicação. Vencidas as dificuldades desse
curso formativo, ingressam os textos legislados no ordenam ento em vigor, surgindo a disciplina jurídica
de novas situações trib u tá ria s , no q u adro do re la c ionam ento da com unida de social. Foi exercida a
com petê ncia, enrique cendo -se o d ire ito p o sitivo com o acréscimo de ou tras unidades norm ativas
sobre trib u to s " (CARVALHO, Paulo de Barros. Curso d e d ir e ita t r i b u t á r i o , p. 244).

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DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

No plano legislativo, a regra geral é de exercício fa c u lta tiv o da


competência. Há permissão tanto para criar quanto para não criar a norma
jurídica^^'*. Paulo de Barros Carvaího/^^ nesse sentido, defende ser fora de
dúvida que a faculdade de exercício é a regra geral das competências
legislativas, exemplificando com o próprio Imposto sobre Grandes Fortunas,
cuja competência foi atribuída à União pelo artigo 153, inciso VII, da
Constituição da República, sem, contudo, jamais ter sido instituído.
José Souto M aior Borges, tratando do mesmo tema, equipara os
conceitos de co m p etê ncia e faculdade im p o s itiv a , ao a firm a r que;
"competência tributária significa, na lição de Hensel, a faculdade de exercer
0 p od e r trib u tá rio , do p o n to de vista m a te ria l, sobre um s e to r
determinado".^^® A distribuição constitucional de competências tributárias
consistiria, segundo ele, na faculdade de vincular aspectos formal e material
da criação de um tr ib u to , sem obrigar, como regra geral, os entes
competentes a fazê-lo.
Se é difundida a ideia de faculdade das competências legislativas, é
igualm ente reconhecido ser o b riga tório o exercício das competências
infralegais em quase todas as suas modalidades. Celso Antônio Bandeira de

"E nquanto a com petê ncia trib u tá ria são as norm as de produção norm ativa ou m etanormas vistas
sob 0 prisma está tico do direito, o exercício da com petência são essas norm as vistas pela dinâmica
da po sitiv a ção d o d ire ito , i.e., a aplicação das norm as gerais e abstratas de produçã o através da
exp edição de no rm as gerais e concretas v eic ula dora s de no rm as m a te ria is de c o n d u ta , gerais e
abstrata s (leis, decreto s, regulam entos) ou individuais e concreta s (lançam ento, a u to-d e-infração )"
(CARVALHO, Cristiano. Teoria d o S is te m a J u ríd ic o - d ir e ito , e c o n õ m ia , t r i b u t a ç d o . São Paulo: Quartier
Latin, 2005. p. 322).
Delia Teresa Echave, M a ria Eugenia U rq u ijo e Ricardo A, G u ib o u rg d ife re n c ia m p e rm iss ã o e
fa c u ld a d e , na m e d id a em q u e a p r im e ir a em te r m o s ló g ic o s s ig n ific a ap enas a p e rm is s ã o ao
c u m p rim e n to da ação, e n q u a n to a permissão de c u m p rir ou o m it ir a ação é a fa culdade: "(...) Ias
a c c io n e s q u e e s tá n ‘ p e r m i t i d a s ’ en ese s e n t i d o b id ir e c c io n a l d e Ia p e r m is ió n se lla m a rá n
facultativas. Pero hay que aclarar que cuando décimos de una acción que está pe rm itid a (Pp), sólo
q u e re m o s a fir m a r que está p e r m itid o c u m p riria (...) Estas precisiones nos p e rm ite n in tr o d u c ir el
o p e ra d o r 'F' (...) Su d e fin ic ió n pude sim bo liza rse así: Fp a " (Pp . P-p)Es d e c ir que una acción es
fa c u lta tiv a si (y so lo si) está p e r m itid o c u m p riria y ta m b ié n está p e r m itid o o m it ir ia .” (ECHAVE,
Delia Teresa; URQUIJO, Maria Eugenia; GUIBOURG, Ricardo. A. Lógica, p ro p o s ic ió n y n o r m a . 6. reimp.
Buenos Aires, Depalm a, 2002. p. 134-135).
^'’ ^Curso d e d ir e i t o t r i b u t á r i o , p. 223,
™ BORGES, José Souto Maior. Teoria g e r a l d a is en çã o tr i b u t á r i a . 3^ ed., 2# t i r , São Paulo; Malheiros,
2007. p. 30.
Não é divergente a op in ião de H éctor B. Villegas, segundo q u em a com petência não exercida é
uma faculdade outorg ada pelo d ire ito aos seus titula res "(...) quando o Estado se converte no titula r
de um d ire ito subje tivo trib u tá rio , terá, dian te dele, obrigados a dar, a fazer ou a não fazer alguma
coisa. Enquanto isto não acontece e a com petê ncia tr ib u tá r ia se m a n té m no plano ab s trato como
mera faculdade, o Estado en co n tra rá d ia n te de si a c o m u n id a d e em seu co n ju n to , im p o rta dizer,
um c o n g lo m e r a d o de s u je ito s in d e te r m in a d o s , o b rig a d o s a s u p o r t a r o e x e rc ic io c o n c r e to da
com petê ncia t r ib u tá r ia " (VILLEGAS, H éctor B., C urso d e d i r e i t o t r i b u t á r i o , p. 82).

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DIRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

M e llo , por exem plo, estudando as características da com petência


adm inistrativa/^* assevera:

(...) As competências são: a) de exercício obrigatório para os


órgãos e agentes públicos. Vale dizer; exercitá-las não é questão
entregue à livre decisão de quem as titularize. Não está em pauta
o problema pessoal do sujeito, ao qual ele possa dar a solução
que mais lhe apraz. Está sotoposto ao dever jurídico de atender
à finalidade legal e, pois, de deflagrar os poderes requeridos
para tanto sem pre que presentes os pressupostos de seu
desencadeamento; ^ (grifamos)

Assim, observamos que, em regra, as competências legislativas são


facultativas e as infralegals obrigatórias. 0 direito positivo, no entanto,
prescreve algumas exceções. No que se refere às competências infralegais,
devemos distinguir as que possuem natureza condicionada das demais. No
direito tributário positivo, são condicionadas as competências legislativas
infralegais, jurisdicionais, privadas e, em alguns casos, as administrativas.
Dissemos "em alguns casos", pois é preciso separar as competências
regulamentares daquelas que se voltam à aplicação de normas ao caso
concreto, produzindo lançamentos de ofício e autos de infração. Estas últimas
são condicionadas, pois exigem a identificação de circunstâncias concretas
como pressuposto de seu exercício. Sempre que as competências sejam
condicionadas, o seu exercício será o b rig a tó rio . Por isso, ao agente
administrativo não é permitido apurar a ocorrência do fato tributário e não
lavrar o auto de infração; da mesma forma que, ao juiz, não é facultado se
recusar a decidir um caso submetido à sua jurisdição; ou, ao particular, não
se permite deixar de apresentar sua declaração de imposto sobre a renda,
segundo a forma, data e local exigidos. Todos esses casos evidenciam o que
Celso A ntônio Bandeira de Mello^®^ chamou de “ pressupostos do seu
desencadeam ento", cuja presença im põe o dever de exercício da
competência.

Em re lação aos demais a trib u to s da c om petê ncia ad m in istra tiva , d ife rentes da m odalização do
exe rcício, a fir m a : b) irre n u n c iá v e is , s ig n ific a n d o is to q u e seu t i t u l a r não po de a b r ir m ã o delas
e n q u a n to as titu la riz a r;c ) intra n sfe ríve is, vale dizer, não p o d e m ser o b je to d e tra nsaçã o, de tal
s o r te que descaberia repassá-las a o u tr e m , cab e n d o , tã o -s o m e n te , nos casos p re v is to s em leí,
delegação de seu exercício, sem que o de le g a n te , p o r ta n to , perca, com isto , a po ss ib ilid ade de
reto m a r-lhe s o exercício, re tira n d o -o do dele gado;d) im odificáveis pela vo n ta d e do p ró p rio titula r,
0 qual, pois, não pode dilatá-las ou restringi-las, pois sua com postu ra é a que decorre de lei. (...);c)
im prescritíve is, is to é, in o c o rre n d o hipó teses de sua utilizaçã o, não im p o rta p o r q u a n to te m p o ,
nem p o r isto deixarão de persistir e xistind o" {BANDEIRA DE MELLO, Celso A n tôn io. Curso d e D ir e ito
A d m i n i s t r a t i v o . 17^ ed., São Paulo: M a lh eiros, 2004, p. 134).
Curso d e d i r e i t o a d m i n is t r a t iv o , p. 135.
5®° Curso d e d ir e i t o a d m i n is t r a t iv o , p. 137.

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D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

No caso da competência administrativa regulamentar, não existem


requisitos de desencadeamento. Tampouco se exige que todo o conteúdo
da norma seja regulamentado. Muito menos é indicado como deve ser o seu
exercício ou quanto tempo depois de publicada a norma deve-se editar o
regulamento. 0 exercício dessa competência é fruto de juízo de conveniência
e oportunidade, formado pelo sujeito titular da competência infralegislativa
regulamentar. Noutras palavras, o exercício da competência regulamentar é
facultativo, comprometendo, assim, a regra geral que formulamos acima
sobre as competências infralegais.
Mas não é só. Também as competências legais não são, em sua
to ta lid a d e , previstas como faculdades dependentes do juízo de
oportunidade do sujeito passivo. Paulo de Barros Carvalho^®^ e, num segundo
m om ento. Roque A ntô nio Carrazza^®^ convergem no sentido de que a
competência para a instituição do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias
e Serviços - ICMS seria de exercício obrigatório. Um excerto do texto de
Paulo de Barros Carvalho sobre o tema confirma o que acabamos de expor;

Por sua índole eminentemente nacional, não é dado a qualquer


Estado-membro ou ao Distrito Federal operar por omissão,
deixando de legislar sobre esse gravame. Caso houvesse uma
só unidade da federação que empreendesse tal procedimento e
0 sistema do ICMS perderia consistência, abrindo-se ao acaso
das manipulações episódicas, tentadas com tanta freqüência
naquele clima que conhecemos por guerra fiscal. Seria
efetivamente um desastre para a sistemática impositiva da
exação que mais recursos carreia para o erário do País. 0 ICMS
deixaria, paulatinamente, de existir.®®^

Sob tal perspectiva, o Estado que queira reduzir ou afastar a incidência


do ICMS, sobre certas pessoas ou em determinadas situações, deve ter
autorização expressa do CONFAZ. Sem ela, ao Estado só resta uma opção;
instituir e cobrar o tributo em sua integralidade. Por outro lado, se o CONFAZ,
mediante deliberação dos Estados e D istrito Federal, dispuser sobre a
possibilidade de ser concedida redução de alíquota ou concessão de
isenções, os Estados poderão ratificar o convênio e alterar a form a de
incidência do imposto.
Se o CONFAZ pode d e lib e ra r sobre a form a de exercício da
competência do ICMS, inclusive para regular as situações em que pode não
ser criada a norma do ICMS, surge uma pergunta; de quem é a competência

Curso de d ire ito trib u tá rio , p. 244.


Curso de d ire ito c o n stitu cio n a l trib u tá rio , p. 593.
Curso de d ire ito trib u tá rio , p. 244.

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DIREIT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

do ICMS para conceder isenções e benefícios fiscais, dos Estados ou do


COM FAZ? Por expressa determinação constitucional, a competência para
legislar sobre o ICMS, a cerca da outorga de benefícios fiscais, é do CONFAZ
e não dos entes federativos. Trata-se de uma outorga de competência
complexa, onde a faculdade para perm itir ou não a instituição da norma
tributária é dada ao CONFAZ e não aos Estados. Para esses, a competência é
condicional, pois, na ausência de autorização do órgão co m petente,
positivada num Convênio, só lhe resta instituir o tributo obrigatoriamente.

2. Conclusões

2.1. A análise dos atributos gerais da competência pode ser feita,


também, sob duas perspectivas, sendo uma a legislativa ou legal e a outra a
infralegal ou infralegislativa.

2.2. Para analisar as duas espécies de competência que acabamos de


apontar utilizamos como critérios: o fato de a competência ser privativa; de
existir lim ite tem poral para o exercício da competência; de ser possível
promover alguma alteração; de ser possível renunciar de ser obrigatório ou
facultativo o seu exercício.

2.3. As competências são inalteráveis pelo próprio sujeito constituído


como competente.

2.4. Se a competência não pode ser modificada pelo próprio sujeito


competente, este sujeito também não poderá: renunciar e transferir os
poderes a ele atribuídos.

2.5. As competências, sejam elas legislativas ou infralegislativas, não


são privativas, pois podem ser exercidas por mais de um sujeito. As
competências extraordinárias são o exemplo para afastar o a trib u to da
privatividade no âmbito legislativo e as competências para lançar o crédito
são infralegislativo.

2.6. As competências podem ser de exercício facultativo ou obrigatório.


São desta modalidade as competências que têm como pressuposto de seu
exercício o preenchimento de algum requisito, por exemplo, a competência
para lançar o trib u to que, segundo o CTN, deve ser exercida sempre que
identificado o "fato gerador". No âm bito legislativo, a competência dos
Estados para a instituição do ICMS é do tipo condicionada, só podem editar
normas com benefícios fiscais se e x istir autorização do CONFAZ. A
competência deste, por outro lado, não é condicionada e pode ser exercida

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D IRE IT O T R IB U T Á R IO : QUESTÕES ATUAIS

a qualquer tempo, segundo juízo de conveniência e oportunidade feito pelos


integrantes do órgão.

3. Referências

BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. São


Paulo: Max Limonad, 1998.

BARRETO, Aires; BARRETO, Paulo Ayres. Imunidades tributárias: limitações


constitucionais ao poder de tributar. 2. ed. São Paulo: Dialética, 2001.

BARRETO, Paulo Ayres. Contribuições: regime jurídico, destinação e controle.


São Paulo: Noeses, 2006.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 21® ed.


São Paulo: Malheiros, 2011.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 24® ed. São Paulo:
Saraiva, 2010

GAMA, Tácio Lacerda. Competência tributária - fundamentos para uma teoria


da nulidade. São Paulo: Noeses, 2009.

________ . Contribuição de intervenção no domínio econômico. São Paulo:


Quartier Latin, 2003.

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