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Coleção de Textos

Ivo Tonet

Salvador ム Maceió
23/08/2012
 Índice de Textos

Ciência/Categorias

1. A Crise das Ciências Sociais


2. Cidadania ou Emancipação Humana?
3. Cidadão ou Homem Livre?
4. Ciência: quando o Diálogo se Torna Impossível
5. Do Conceito de Sociedade Civil
6. Ética e Capitalismo
7. Interdisciplinaridade, Formação e Emancipação Humana
8. Mercado e Liberdade
9. Modernidade, Pós-Modernidade e Razão
10. Para Além dos Direitos Humanos
11. Pluralismo Metodológico: Falso Caminho

Educação

1. A Educação Numa Encruzilhada


2. Educação e Concepções de Sociedade
3. Educação e Formação Humana
4. Educação e Revolução
5. Educar para a Cidadania ou para a Liberdade
6. Um Novo Horizonte para a Educação
7. Universidade Pública o Sentido da Nossa Luta

Esquerda/Marxismo/Atualidade

1. As Tarefas dos Intelectuais, Hoje


2. Crise Atual e Alternativa Socialista
3. Descaminhos da Esquerda: da Centralidade do Trabalho à Centralidade do Política (Com Adriano Nascimento)
4. Eleições: Repensando Caminhos
5. Esquerda Perplexa
6. Expressões Sócio-Culturais da Crise Capitalista na Atualidade
7. Introdução a Filosofia de Marx (Com Sérgio Lessa)
8. Lukács e as Esquerdas Brasileiras
9. Marxismo e Democracia
10. Marxismo e Educação
11. Marxismo para o Século XXI
12. O Batismo de Marx
13. Para Além das Eleições (Com Sérgio Lessa e Belmira Magalhães)
14. Qual Marxismo?
15. Recomeçar com Marx
16. Revolução Francesa: de 1789 a 1989

Prefácios/Introduções/Resenhas

1. Introdução a Ideologia Alemã Karl Marx


2. À Propósito de Glosas Críticas
3. Prefácio a Mészáros e a Incontrolabilidade do Capital Cristina Paniago
4. Sobre Mudar o Mundo sem Tomar o Poder John Holloway
5. Sobre O Declínio do Marxismo e a Herança Hegeliana. Lucio Colleti e o Debate Italiano (1945- Orlando Tambosi
6. Utopia Mal Armada

Trabalho/Socialismo

1. O grande Ausente
2. Sobre o Socialismo
3. Socialismo e Democracia
4. Socialismo: Obstáculos a uma Discussão
5. Trabalho Associado e Revolução Proletária
6. Trabalho, Educação e Luta de Classes (Prefácio)
Ciência e Categorias

 




 



 

        

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CIDADANIA OU EMANCIPAÇÃO HUMANA?

Introdução
Fala-se muito, hoje, em cidadania como se esse termo fosse sinônimo de liberdade tout
court. Supõe-se que lutar por um mundo cidadão equivaleria a lutar por uma sociedade
efetivamente livre e humana. Supõe-se, também, que com a cidadania, que é certamente
inseparável da democracia, se haveria descoberto a forma mais aperfeiçoada possível da
sociabilidade.Não porque ela fosse perfeita, mas porque estaria indefinidamente aberta a novos
aperfeiçoamentos.
Ao contrário, parece-nos equivocado pensar que a cidadania expressa a forma superior da
liberdade humana. Por suas origens e sua função na reprodução do ser social, ela representa uma
forma de liberdade, certamente muito importante, mas essencialmente limitada. Ao nosso ver, a
efetiva emancipação humana é, por seus fundamentos e sua função social, algo radicalmente
distinto e superior à cidadania, que é parte integrante da emancipação política. É da máxima
importância esclarecer, hoje, essa distinção se queremos que a luta social esteja orientada no
sentido da superação dessa forma desumanizadora de sociabilidade, cujas raízes se encontram no
capital. Por sua vez, esse esclarecimento supõe a busca da natureza mais íntima da cidadania e da
emancipação humana. É o que nos propomos fazer brevemente nesse texto.

1. O ponto de partida
O caminho mais comum, quando se pretende entender a questão da cidadania, é tentar
refazer a sua trajetória histórica. Não cremos que esse seja, de fato, o melhor caminho. Sem
dúvida, o conhecimento da história é muito importante. No entanto, o processo histórico é algo
muito complexo e variado. Como evitar que nos percamos em meio a essa complexidade e
variedade de aspectos? Precisamos de um fio condutor que nos permita compreender a lógica do
processo histórico. Esse fio, ao nosso ver, são as determinações gerais que caracterizam o
processo de autoconstrução humana. Ou seja, a primeira pergunta não pode ser a respeito do que é
a cidadania, mas a respeito do que é o homem, do que são essas determinações fundamentais que
demarcam o processo de tornar-se homem do homem. Esse é o caminho que nos parece mais
adequado para compreender todo e qualquer fenômeno social.
Na perspectiva marxiana, esse fio tem como ponto de partida o ato que, para Marx, é o ato
originário do ser social, vale dizer, o ato do trabalho. Segundo ele, se queremos respeitar o
processo real temos que partir não de especulações ou fantasias, mas de fatos reais,
“empiricamente verificáveis”, ou seja, dos indivíduos concretos, o que fazem, as relações que
estabelecem entre si e suas condições reais de existência. E o primeiro ato dos homens é
exatamente o ato de trabalhar. Somente desse modo, seremos capazes de capturar as
determinações fundamentais que caracterizam o ser social e seu processo de reprodução. O exame
rigoroso do ato de trabalho permite a Marx perceber que este se compõe de dois momentos: a
teleologia e a causalidade. Dois momentos, ressalte-se, de igual estatuto ontológico. Ou seja, de
um ponto de vista ontológico, a consciência é tão importante como a realidade objetiva. Trabalhar
é, portanto, conceber antecipadamente o fim que se pretende alcançar e atuar sobre a natureza
para transformá-la segundo esse objetivo. Por outro lado, ao transformar a natureza, o homem
cria, ao mesmo tempo, o seu próprio ser. Tanto Marx, como Lukács insistem em que é por
intermédio do ato do trabalho que se realiza o salto ontológico do ser natural para o ser social.
A partir dessa análise mais rigorosa da estrutura ontológica do trabalho, pode-se perceber
que o ser social é um ser radicalmente histórico e social. Isso quer dizer que nada existe, no ser
social, que seja imutável; que a totalidade deste ser é sempre o resultado dos atos humanos. Como
conseqüência, nenhum tipo de ordem social pode afirmar a sua insuperabilidade. A partir da
análise do trabalho, também se pode perceber que o ser social é é um ser que se caracteriza
essencialmente pela atividade, a socialidade, a consciência, a liberdade e a universalidade. Essas
determinações constituem elementos essenciais do ser social. No entanto, é preciso ressaltar
enfaticamente: a noção marxiana de essência não é, de modo algum uma noção metafísica, mas
inteiramente histórica. O que significa que essas determinações também têm suas origens nos atos
humanos. O que as distingue dos aspectos fenomênicos não é sua imutabilidade, mas a sua maior
continuidade e unidade.
No entanto, apesar de ser o ato originário e fundante do ser social, o trabalho não esgota a
natureza deste ser. Por sua natureza, o ato do trabalho é um ato que tem a possibilidade de
produzir de maneira cada vez mais ampla. O que tem como conseqüência o fato de que a
complexificação sempre mais intensa é uma característica própria do ser social. Essa
intensificação da complexificação é responsável pelo surgimento de problemas e necessidades que
não podem ser resolvidos ou satisfeitas diretamente pelo trabalho. A resolução desses problemas e
necessidades exige a estruturação de outras dimensões específicas, como a linguagem, a ciência, a
arte, a educação, o direito, a política, etc. Todas essas dimensões têm a sua origem na dimensão
fundante do trabalho, o que não significa, de modo algum que sto se dê por derivação mecânica
ou direta. A autonomia relativa é-lhes necessária para que possam cumprir suas funções na
reprodução do ser social. Em conseqüência disso, para compreender qualquer uma dessas
dimensões teremos sempre que buscar as suas origens histórico-ontológicas e a função que devem
cumprir na reprodução do ser social.

2. Cidadania e emancipação humana


Com esses pressupostos, podemos agora investigar a natureza na cidadania e da
emancipação humana.
Para Marx, a cidadania é parte integrante do que ele denomina emancipação política. Logo,
faz parte do campo da política. E a política é, para ele, em essência, uma forma de opressão.
Como diz, junto com Engels, no Manifesto Comunista (1998: 31): Em sentido próprio, o poder
político é o poder organizado de uma classe para a opressão de outras.
Ao contrário dos autores liberais, que consideram a política como a dimensão fundante da
sociedade, Marx afirma que a emancipação política tem seu fundamento no que ele denomina
sociedade civil, ou seja, as relações econômicas. E a emancipação política é uma dimensão que
tem suas origens históricas na passagem do feudalismo ao capitalismo. Suas raízes histórico-
ontológicas se encontram no ato de compra e venda de força de trabalho, com todas as suas
conseqüências para a constituição da base material da sociedade capitalista. Esse ato originário
produz, necessariamente, a desigualdade social, já que opõe o proprietário dos meios de produção
ao simples possuidor da força de trabalho. E o que ocorre às nossas vistas, hoje, mostra que a
produção da desigualdade social é uma tendência crescente e não decrescente da reprodução do
capital. O que significa que será cada vez mais forte a impossibilidade de construção de uma
autêntica comunidade humana sob o capital.
Todavia, esse ato originário necessita para sua efetivação, de homens livres, iguais e
proprietários. Porém, na efetivamente livres, iguais e proprietários, mas apenas sob o aspecto
formal. Vale dizer, somente na dimensão jurídico-política e nunca na dimensão social. Essa
situação é responsável pela divisão da sociedade capitalista em uma dimensão privada e em uma
dimensão pública, sendo a primeira a matriz da segunda. O que significa que essa segunda esfera
não é indefinidamente aperfeiçoável, mas, pelo contrário, essencialmente limitada. Ser cidadão é
ser participante dessa dimensão pública. Portanto, ser cidadão não é ser efetivamente, mas apenas
formalmente livre, igual e proprietário. Por mais direitos que o cidadão tenha e por mais que esses
direitos sejam aperfeiçoados, a desigualdade de raiz jamais será inteiramente eliminada. Há uma
barreira intransponível no interior da ordem social capitalista. Como conseqüência, a busca, hoje,
pela construção de um mundo cidadão é uma impossibilidade absoluta.Em resumo: sem
desmerecer os aspectos positivos que a cidadania representa para a autoconstrução humana, fica
claro que ela é, por sua natureza mais essencial, ao mesmo tempo, expressão e condição de
reprodução da desigualdade social e, por isso, de desumanização. Por isso mesmo, deve ser
superada, porém não em direção a uma forma autoritária de sociabilidade, mas em direção à
efetiva liberdade humana.
O que realmente deve ser buscado é a emancipação humana. Ora, essa é algo muito
diferente da cidadania e da totalidade da emancipação política. O emancipação humana, ou seja,
uma forma de sociabilidade na qual os homens sejam efetivamente livres, supõe a erradicação do
capital e de todas as suas categorias. Sem essa erradicação, é impossível a construção de uma
autêntica comunidade humana. E essa erradicação não significa, de modo algum, o
aperfeiçoamento da cidadania, mas a sua mais completa superação. Como diz Marx, nas Glosas
críticas, há uma distância infinita entre o homem e o cidadão assim como entre a vida humana e a
vida política.
Assim como o ato fundante da emancipação política é a compra e venda de força de
trabalho, o ato originário da emancipação humana tem que ser, necessariamente, o trabalho
associado. Esse ato pode ser definido, de início, como uma forma de relações que os homens
estabelecem entre si na produção econômica, na qual as forças individuais são colocadas em
comum e permanecem sempre sob o controle coletivo. Porém, a existência desse ato de trabalho –
associado – exige, para sua efetivação, duas condições. Primeira: um grande desenvolvimento das
forças produtivas, que permita a produção de bens capazes de satisfazer as necessidades de todos.
Segunda: a diminuição do tempo de trabalho, de tal modo que os homens possam dedicar-se a
atividades mais propriamente humanas. Tais condições são o resultado do desenvolvimento do
próprio capitalismo, embora, sob o capital, isto se realize de uma maneira deformada e
desumanizadora.
Essa forma de trabalho é a única que pode impedir a apropriação privada das forças sociais
e, com isso, permitir a eliminação do capital, das classes sociais, da divisão social do trabalho, do
mercado e de todas as objetivações democrático-cidadãs. Por isso mesmo, é também a única que
pode permitir a construção de uma autêntica comunidade onde todo os indivíduos poderão ter um
acesso amplo a todas as objetivações – materiais e espirituais – que constituem o patrimônio da
humanidade; poderão desenvolver amplamente as suas potencialidades; onde se encontrarão em
situação de solidariedade efetiva uns com os outros e não de oposição e concorrência.
Nesse momento, os homens terão chegado ao patamar mais elevado de sua entificação. E,
ao contrário da emancipação política, esse é um patamar que abre um processo indefinidamente
aperfeiçoável para a humanidade. Só então se poderá dizer que os homens são, de fato, livres. O
que não significa, de modo nenhum, afirmar que são nem completa, nem perfeita e nem
totalmente livres, mas que serão, como seres humanos, o mais plenamente livres possível.
Todavia, é importante ressaltar: a emancipação humana não é algo inevitável. É somente
uma possibilidade. Se se realizará efetivamente ou não, depende da luta dos próprios homens.
Porém, ao contrário da impossível cidadania mundial, ela é uma possibilidade real, cujas bases se
encontram na materialidade do próprio ser social.
 

   

  

 
 

  
  
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1
ÉTICA E CAPITALISMO

Ivo Tonet

Introdução

Nunca, como hoje, se enfatizou tanto a importância dos direitos humanos, a


necessidade do respeito à vida humana, de uma relação harmônica com a natureza, de uma
ação política eticamente orientada, de uma recuperação dos verdadeiros valores. De outro
lado, nunca foi tão disseminada a consciência de que há uma enorme confusão na área dos
valores. Em todas as dimensões da vida social, valores que antes eram considerados sólidos e
estáveis sofreram profundos abalos. Há uma sensação geral de desnorteamento e de
insegurança. Parece que, de uma hora para outra, a sociedade se transformou num vale-tudo,
onde não se tem mais certeza do que é bom ou mau, correto ou incorreto. E, sobretudo, parece
que os valores que mais se impõem são os de caráter, individualista, imediatista e utilitário,
chegando, muitas vezes, ao cinismo mais aberto. Aspira-se a um mundo justo, solidário e
humano, mas parece que estes valores se tornam cada vez mais distantes.
O objetivo desse texto não é o de refletir sobre o conjunto das questões implicadas
no título acima. Pretendemos abordar apenas um aspecto. Trata-se da fratura, cada vez maior,
que se está abrindo no mundo de hoje, entre a realidade objetiva e os valores éticos
proclamados.
Que há uma dissociação entre estes dois momentos, na sociedade capitalista, é algo
da natureza desta forma de sociabilidade. Que hoje, com as possibilidades que estão à
disposição da humanidade para superá-la ela esteja se tornando cada vez maior, eis o que
move a nossa reflexão.

1. Um período de decadência.

Para aqueles que admitem que as classes sociais são os sujeitos fundamentais
(embora de modo nenhum únicos) da história, o ano de 1848 marca o início do período de
decadência da sociabilidade burguesa. Isto porque foi neste ano que a burguesia derrotou um
conjunto de tentativas feitas pela classe trabalhadora de vários países europeus, para eliminar,
pela raiz, a exploração do homem pelo homem. Sem dúvida esta não foi uma vitória definitiva
– mesmo porque isto é algo impossível – do capital sobre o trabalho. Contudo, esta vitória, de

Prof. do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Alagoas. Doutor em educação pela UNESP-
Marília.
2
grande importância exatamente porque se deu sobre a classe trabalhadora dos países mais
desenvolvidos, permitiu à burguesia consolidar plenamente o seu poder econômico e político.
Viu, então, abertas diante de si as portas para um desenvolvimento extraordinário das forças
produtivas e para a configuração de uma ordem social à sua imagem e semelhança. Contudo,
isto também significou, como foi muito bem expresso pelo lema positivista “ordem e
progresso”, que o desenvolvimento da humanidade, daí para diante, se faria tendo por base a
propriedade privada e, portanto, a continuidade da exploração do homem pelo homem.
Como conseqüência, aquele impulso progressista, que levava a burguesia, desde o
seu nascimento, a demolir as barreiras que a ordem feudal colocava ao desenvolvimento da
humanidade, agora se transformava em uma força conservadora.
Naquele primeiro momento, em sua luta contra a ordem feudal, a burguesia foi
responsável pelo impulso conferido ao desenvolvimento da ciência e da tecnologia; pela
supressão dos privilégios feudais e, portanto, pela ênfase na igualdade de todos os indivíduos;
pela valorização da razão e da atividade humanas; pela intensificação do caráter universal da
humanidade e pela ampliação do processo de individuação.
Tudo isso, não obstante ter sido realizado a um custo altíssimo de violência e
exploração, abriu caminho para a elevação de toda a humanidade a um novo patamar de
existência. Neste sentido, vale a pena ressaltar o caráter decisivo que a revolução industrial
(1760-1830), capitaneada pela burguesia, teve para o desenvolvimento da humanidade. Com a
revolução industrial, a humanidade viu abrir-se, pela primeira vez na sua história, a
possibilidade de produzir riqueza suficiente para satisfazer as necessidades de todos os
homens. Contudo, foi exatamente o enorme desenvolvimento das forças produtivas, que se
iniciou a partir dela, que tornou claro, desde então, que a desigualdade social, com todo o seu
cortejo dos chamados “problemas sociais”, já não era uma questão de escassez de
conhecimentos, de recursos, de tecnologia ou de bens, mas um problema de exclusiva e total
responsabilidade das relações entre os próprios homens.
Este é exatamente o fundamento da decadência desta forma de sociabilidade. Uma
ordem social que, tendo alcançado a possibilidade de criar riquezas capazes de satisfazer as
necessidades de todos, vê-se impossibilitada de atender essa exigência. E que, para manter-se
em funcionamento, precisa impedir, de maneira cada vez mais aberta e brutal, o acesso da
maior parte da humanidade à riqueza social. Em vez de impulsionar a humanidade toda no
sentido de uma elevação, cada vez mais ampla e profunda, do seu padrão de ser (ontológica e
não apenas material e empiricamente entendido), o que se vê é uma intensa e crescente
degradação da vida humana.
3
2. O que é decadência

Para evitar mal-entendidos, vale a pena clarificar um pouco esse conceito. Quando
falamos em decadência não estamos afirmando que, de 1848 para cá, as coisas se tornaram
piores em todos os aspectos. Tal afirmação não faria sentido, uma vez que ela é contraditada
pelos próprios fatos.
Na esteira marxiano-lukacsiana, entendemos que a sociedade é um complexo de
complexos. Vale dizer, uma totalidade (sempre em processo), articulada e formada por
inúmeras partes. Embora matrizadas ontologicamente pelo trabalho, cada uma destas partes
tem uma especificidade própria e uma autonomia relativa. Deste modo, a natureza delas e a
função que exercem na reprodução do ser social são elementos importantes para o seu próprio
desenvolvimento. Não há, pois, um evolver uniforme e homogêneo do conjunto do ser social.
O mesmo vale para o processo que se dá no interior de cada uma das partes que o compõem.
Poderá haver avanços em certos aspectos ao mesmo tempo que, em outros, poderá haver
recuos.
Contudo, assim como o desenvolvimento da totalidade é o momento predominante
em relação ao desenvolvimento de cada uma das partes, assim também podemos dizer que a
direção – positiva ou negativa – que a totalidade toma é um dos critérios mais importantes
para aferir o caráter de ascenso ou decadência de uma forma de sociabilidade. A questão,
assim, é: considerado o patamar geral atingido pela humanidade, qual é a tendência geral em
relação aos indivíduos singulares? A apropriação, ampla e profunda, do patrimônio
acumulado; a possibilidade dos indivíduos, por meio dessa apropriação, realizarem
largamente as suas potencialidades ou a exclusão e/ou o acesso limitado, estreito,
unilateralizado e deformado? Uma vida cada vez mais digna e autenticamente humana ou uma
vida sempre mais pobre e esvaziada de sentido?
Mas, há um outro critério, também da maior importância, para esse julgamento.
Trata-se da resposta à pergunta: o que é que nos permite distinguir o que é positivo e o que é
negativo no processo geral de tornar-se homem do homem? Evidentemente, esta reposta só
pode ser dada na medida que definirmos quais são as linhas essenciais deste processo de
tornar-se homem do homem.
Sem podermos nos alongar aqui a respeito dessa questão, e tomando como base o
pensamento marxiano-lukacsiano, diremos, resumidamente, o que segue. Partindo do trabalho
como momento fundante do ser social, podemos constatar que ser homem é (obviamente de
modo sempre processual) ser criativo, social, consciente, livre e universal. De modo que o que
permitir ao homem expandir, cada vez mais, as suas potencialidades, construir um mundo
4
adequado a uma vida digna, criar bens que possam atender as suas necessidades, apropriar-se
(cada indivíduo) do patrimônio – material e espiritual – comum ao gênero humano, participar,
de modo cada vez mais consciente, do processo histórico, sendo seu sujeito efetivo, terá um
caráter positivo. Tudo que se transformar em obstáculo a esse andamento, terá um caráter
negativo.
Se articularmos esses dois critérios, poderemos com facilidade confirmar, sem cair
numa homogeneização simplificadora, a decadência que marca a atual forma de sociabilidade.
Sem dúvida, não há como negar que, de 1848 para cá, houve um enorme
desenvolvimento das forças produtivas. E que houve inúmeros avanços científicos e
tecnológicos, que resultaram no melhoramento da vida de um número significativo de
pessoas.
Vale ressaltar, contudo, já aqui, que não é por acaso que é no conhecimento e na
transformação da natureza ou daqueles setores sociais que mais podem contribuir para a
reprodução do capital que se fizeram sentir esses progressos. Exatamente porque aí se trata
dos aspectos que mais contribuem para a produção de mercadorias, o que é uma exigência da
própria dinâmica interna do capital.
Contudo, também não há como negar que, mesmo esse desenvolvimento científico e
tecnológico não tem contribuído para melhorar a vida de toda a humanidade. Mas, não só não
tem contribuído para melhorar como, sob certos aspectos, tem sido um fator de degradação
profunda da vida humana. Basta lembrar dos avanços no campo da medicina. Sob o aspecto
científico e tecnológico são enormes, enquanto sob o aspecto da socialização desses
benefícios as coisas andam em sentido contrário.
O agravamento crescente dos problemas sociais de toda ordem está aí para confirmar
que a dinâmica desta ordem social não vai no sentido de ampliar, mas de diminuir –
relativamente – o universo daqueles que têm acesso ao patrimônio da humanidade. Se houve,
ao longo desses últimos cento e cinqüenta anos, ilhas e períodos de elevação do padrão de
vida (sem levar em conta que mesmo esse conceito de padrão de vida é muito questionável),
da maioria da população de alguns países (welfare state), também houve, do ponto de vista do
conjunto espaço-temporal da humanidade, um crescente retrocesso.
Mas, não é apenas no âmbito da produção e do acesso à riqueza material que se
verifica essa decadência. É na degradação do conjunto da vida humana, na crescente
mercantilização de todos os aspectos da realidade social; na transformação das pessoas em
meros objetos, e mais ainda, descartáveis; no individualismo exacerbado; no apequenamento
da vida cotidiana, reduzida a uma luta inglória pela sobrevivência; no rebaixamento do
5
horizonte da humanidade que leva a aceitar, com bovina resignação, a exploração do homem
pelo homem sob a forma capitalista, como patamar mais elevado da realização humana.
Vale a pena relembrar, aqui, o que dissemos acerca da importância da revolução
industrial para a história da humanidade. Ela significou a possibilidade de a humanidade
produzir riquezas suficientes para atender as necessidades de toda a humanidade. Se, apesar
disso, se verifica uma tendência geral no sentido da degradação da vida humana, então pode-
se dizer que estamos vivendo um momento de decadência e não de progresso.
Sabemos que a exploração do homem pelo homem é da natureza do capitalismo. E
que, portanto, a desumanização da vida humana está sempre presente, independente de qual
seja o momento histórico. O que distingue, porém, o primeiro (primórdios até 1848) do
segundo período do mundo moderno é que no primeiro a burguesia representava, ainda que
apenas de modo limitado, os interesses de toda a humanidade. Ao contrário, no segundo seus
interesses de classe particular colocam-se inteiramente em primeiro plano. Obviamente, em
detrimento do restante da humanidade. Esse predomínio dos interesses dessa classe particular
é o responsável maior pela crescente decadência – em todos os setores – dessa forma de
sociabilidade.
Em resumo, esta forma de sociabilidade já não tem mais como abrir novos
horizontes para a totalidade da humanidade. A concentração brutal da riqueza em
pouquíssimas mãos e o cinismo dos que a detêm são apenas os aspectos mais visíveis desse
fato.
Contudo, de algumas décadas para cá, este segundo momento (de 1848 a nossos
dias), o da decadência, ganhou contornos muito particulares. Com a eclosão da crise, não mais
conjuntural, mas agora estrutural, do capital, aquilo que era um processo mais ou menos lento
de decadência se tornou uma perspectiva de catástrofe iminente. Não no sentido da implosão
imediata do sistema, mas no sentido de que os caminhos pelos quais a lógica do capital está
conduzindo a humanidade colocam claramente em perigo a própria sobrevivência desta. A
devastação da natureza e a violência, sob todas as formas, cuja matriz é a absurda
concentração da riqueza em poucas mãos, levarão, fatalmente, a humanidade pelo caminho da
sua destruição. Não é preciso citar os inúmeros estudos que comprovam essa afirmação.
Ora, é verdade que nenhuma forma de vida assiste passivamente a sua morte. Não
enquanto puder lutar contra ela. Também é verdade que sua defesa face ao perigo implicará
na ativação de todos os meios de que possa dispor. É exatamente o que acontece com a forma
de vida burguesa. Sentindo-se ameaçada, lança mão de todos os meios para defender a sua
existência. Mesmo que isso signifique a barbarização mais brutal de toda a humanidade.
Nesse sentido, o exemplo mais estarrecedor não é tanto o fato do atual presidente dos Estados
6
Unidos invocar, descaradamente, a lei da força nas relações internacionais, mas o fato de o
seu cinismo ser largamente aceito sem grandes resistências.

3. A fratura entre os valores e a realidade objetiva


Diante desse quadro assustador, o que se passa no terreno dos valores? Mesmo entre
a maioria daqueles que se pretendem comprometidos com a construção de uma ordem social
justa? Uma dissociação cada vez maior entre o discurso e a realidade objetiva. Enquanto esta
última vai no sentido acima apontado, de um aprofundamento na degradação da vida humana,
o primeiro vai para o lado oposto: ou do apelo moralizante (solidariedade, ajuda, preocupação
com o bem comum, etc.) ou das tentativas de fundar uma ética capaz de fazer frente a essa
avalanche devastadora. Não é outro o sentido das tentativas em curso, tanto no sentido de
exigir um comportamento ético no campo da política, quanto no sentido de buscar novos
fundamentos para a justiça social ou, então, de alcançar um impossível desenvolvimento
sustentável, que tenha entre seus pilares o objetivo de uma vida realmente digna para todos.
A conseqüência disto é uma fratura cada vez mais ampla entre os valores éticos
proclamados e a lógica da realidade objetiva. Concretamente: uma é a lógica do ser, outra a
lógica do dever-ser. A um ser que vai no sentido de tratar tudo, inclusive os indivíduos, como
coisas, opõe-se o dever de tratar os indivíduos como fim. A um ser que se move no sentido
cada vez mais individualista, opõe-se o dever de ser solidário. A uma realidade objetiva que
está nucleada, cada vez mais, pelo interesse privado, se opõe o dever de preocupar-se com o
interesse público, com o bem comum. A uma lógica que, por exigência da reprodução do
capital, caminha sempre mais no sentido da devastação e da degradação da natureza, opõe-se
o dever de ter maior respeito pela natureza. E assim por diante. Estamos diante de uma clara
visão idealista da problemática dos valores. O que leva a pensar, por exemplo, que se nos
conscientizarmos de que temos de ser solidários, justos e pacíficos, o mundo se tornará ipso
facto solidário, justo e pacífico..
No entanto, por incrível que pareça, essa relação não harmônica entre ser e dever-ser
é perfeitamente coerente Mais ainda, é a única maneira de articular esses dois momentos
numa forma de sociabilidade que, por sua própria natureza, impossibilita uma articulação
harmônica.
Consideremos: qual é o valor supremo que rege esta forma de sociabilidade? Parece-
nos que não há dúvida de que é a produção de mercadorias e, portanto, a reprodução do
próprio capital. Qual é o valor supremo proclamado pela ética dominante? A vida humana, na
sua forma mais digna possível. É evidente que entre esses dois valores há uma
incompatibilidade radical. A produção de mercadorias implica, necessariamente, a
7
transformação do próprio homem em mercadoria e, portanto, a manutenção da exploração do
homem pelo homem. A conseqüência disto é a completa destituição do sentido mais genuíno
da vida humana.
Ora, admitido esse pressuposto, a única possibilidade de fundar uma ética é a
dissociação entre o reino da realidade objetiva e o reino dos valores. Estes,
transcendentalmente fundados, teriam por missão orientar a transformação da realidade.
Foi este o grande feito de Kant e é por isso que ele é, ao nosso ver, o autor que deu a
contribuição mais genial, no terreno da ética, mas não só, para a sustentação dessa ordem
social. E não é por outro motivo que todos os pensadores pós-Kant, que não questionam
radicalmente o capital, têm retornado a esse mesmo autor como fonte inspiradora. É o caso de
H. Arendt, de Rawls, de Habermas e outros. O que Kant fez foi elaborar uma ética fundada
transcendentalmente e não de modo objetivo e imanente. Com isso, ele apenas realizou, de
modo intelectual, aquilo que é uma exigência do processo social regido pelo capital. Com
efeito, a matriz ontológica do processo social é inteiramente regida pelo princípio do interesse
particular. Coisa, aliás, reconhecida pelo próprio Kant quando diz que o homem tem uma
natureza “socialmente insociável”. Ao contrário, o universo dos valores pretende-se voltado
para o interesse universal. Salta aos olhos a radical inconciliabilidade desses dois universos.
Como, ao nosso ver, o primeiro é o fundamento do ser social na sua totalidade e, portanto,
também do universo dos valores éticos, então o segundo só pode comparecer sob a forma de
uma dimensão abstrata. Vale dizer, o universo dos valores éticos só pode aparecer como um
discurso vazio, que jamais pode ser efetivado praticamente. Trata-se, então, de um discurso
vazio, mas socialmente necessário. Como argumento adicional, este discurso vazio se
apresenta com um caráter de “princípio regulador”, ou seja, como algo necessário, mas
configurado como um horizonte que jamais pode ser alcançado.

4. O alargamento da fratura

Já vimos como é da natureza da sociabilidade capitalista a existência de uma fratura


insuperável entre a lógica da realidade objetiva e o universo dos valores. E que essa fratura
existiu e existe mesmo nos espaços e nos momentos menos brutais do capitalismo. Porém
hoje a crise estrutural do capital confere a esse fato um caráter novo. Ou seja, essa dissociação
não só existe, como tende a se tornar cada vez maior e a assumir um caráter sempre mais
perverso. Como falar em respeito à vida, em tratar as pessoas como fins e não como meios,
em preocupação com a natureza e o bem-comum, em desenvolvimento integral do homem
quando a realidade objetiva se encaminha a passos largos em rumos totalmente opostos?
8
Argumenta-se, muitas vezes, que nunca, como hoje, houve tanta preocupação com
os direitos humanos, com as questões ecológicas, com a problemática ligada à qualidade de
vida e ao espaço público. Isso é verdade. Contudo, em vez de tomar isso como sintoma de
decadência, considera-se como uma demonstração de positividade. Ao contrário, ao nosso
ver, a ênfase em todos esses aspectos é uma clara demonstração da decadência dessa forma de
sociabilidade. Ela constitui a expressão de que quanto mais a realidade objetiva evolui no
sentido da desumanização, mais o universo dos valores ganha um estridente caráter de
discurso vazio e até de moralismo barato. Ou seja, quanto menos se vai no sentido de mudar a
realidade objetiva, tanto mais se acentua o discurso sobre a necessidade de mudar a realidade.
Como esse discurso não aponta em direção às causas mais profundas – a própria existência do
capital – , mas apenas em direção aos efeitos – o neoliberalismo – , ele se perde no vazio. Se
forem necessários exemplos, veja-se a reunião realizada recentemente na África do Sul,
denominada Rio+10, sobre questões ambientais. A constatação, quase unânime, foi de que
não só não houve avanços significativos, como houve, de modo geral, um retrocesso muito
claro. Ditado por quem? Pela lógica de reprodução do capital.
Talvez um dos aspectos mais trágicos dessa decadência seja o fato de que a oposição
a essa ordem social, que impossibilita uma vida efetivamente digna, se expresse, no universo
dos valores, sob uma forma que, não obstante a intenção em contrário, é aquela que interessa
à reprodução dessa própria ordem social. Vale a pena acentuar: essa ética abstrata, não só não
se opõe à desumanização da vida, como é um elemento funcional a ela. Isso pode parecer
absurdo. Como, então, a ênfase naqueles valores universais acima mencionados pode
contribuir para a desumanização da vida humana? É fácil demonstrar isso. A lógica do capital,
tomada na sua pura dimensão econômica, é tão perversa que, em pouco tempo, levaria à
destruição do próprio capital. Como se sabe, o “desejo” mais profundo do capital, o seu
“sonho dourado” seria destruir aquele que o produz, mas é necessariamente seu antagonista, o
próprio trabalhador. Além das lutas dos que se opõem ao capital, são as outras dimensões
sociais, entre as quais a ética, abstratamente posta, que impedem que essa lógica se realize de
modo direto e brutal. Constituem elas uma espécie de freio, que, como no caso de um veículo,
não impede que este se mova, mas lhe impõem um certo ritmo. Contudo, à diferença dos
freios do veículo, que podem alterar radicalmente o seu movimento e a sua direção, esses
freios, por terem naquela lógica o seu fundamento, não podem impedir nem mudar
integralmente esse movimento desumanizador. Quando muito, contribuem para amenizar, e
mesmo assim de forma bastante tópica e epidérmica, os aspectos mais gravosos e perversos.
Ora, é exatamente nisso que reside a sua funcionalidade para a reprodução da ordem do
9
capital. Permitir que ela funcione sem perder a sua natureza essencial, mas também sem
deixar que as suas contradições internas emerjam com toda a sua força.

5. É sanável a fratura?

Milhões de pessoas, de todos os quadrantes e de todos os níveis intelectuais, acham


que é possível realizar o impossível, mas não o possível. Desejando, no entanto, que esse
último se torne realidade. Eis um dos aspectos mais trágicos desse momento de decadência. O
que é o impossível? Construir uma autêntica comunidade humana, um mundo onde os valores
universais tenham realidade objetiva sem questionar a lógica do capital. Portanto, humanizar
o capital. Ora, sob essa lógica nem mesmo um mundo “mais justo, mais livre e mais
igualitário” é possível, dada a dinâmica intrínseca do próprio capital. O que é o possível?
Erradicar o capital, e então construir uma autêntica comunidade humana, na qual os
indivíduos possam transformar em prática cotidiana os valores universais, encontrando nisso a
realização de uma vida verdadeiramente digna e cheia de sentido. (Nota sobre a possibilidade
ontológica e a possibilidade histórico-estrututural).
Como se pode ver, a distinção que fizemos, aqui, foi entre possível e impossível e
não entre fácil e difícil ou entre mediato e imediato. O que não pode ser realizado tem a
aparência de factível, ao passo que o que pode ser realizado (embora seja apenas uma
possibilidade), aparece como não efetivável. Parece mais fácil realizar o que é impossível e
mais difícil efetivar o que é possível. Como se explica isso? Em primeiro lugar, porque há
uma inversão de sentido entre o primeiro e o segundo. O que é intrinsecamente impossível – a
humanização do capital – é visto, dado o desconhecimento de sua lógica mais profunda e o
peso esmagador de sua realidade imediata, como realizável, ainda que de modo lento e
gradual. O que é possível – a erradicação do capital – é tido, dado o desconhecimento da
lógica mais profunda e imanente do processo histórico e a enorme dificuldade de visualizar as
mediações necessárias, – como de fato irrealizável. Em segundo lugar, porque no primeiro
caso, a ação imediata e tópica pode mostrar um sucesso visível. Como, porém, a conexão
dessa ação com o objetivo maior pode ser apenas suposta, mas não demonstrada porque, de
fato, não existe, sua possibilidade passa, imperceptível e sorrateiramente, para o âmbito da fé
e não da racionalidade. Non intelligo, sed credo (Não entendo, mas acredito). Ou seja, não
posso demonstrar a relação que existe entre o que estou fazendo e a humanização do capital,
mas mesmo assim acredito!
No segundo caso, uma ação imediata e tópica, que pretenda estar voltada para a
alteração radical da atual ordem social, não apresenta, neste momento histórico, nenhum
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sucesso visível. E sabe-se como é importante sentir que se está realizando algo de positivo. A
conexão pode existir, mas é praticamente impossível de ser percebida. Só um conhecimento
profundo da realidade social, orientado por uma perspectiva teórica revolucionária, que
permita apreender o seu movimento integral e não apenas superficial ou parcial, pode, de
algum modo, possibilitar a captura dessa conexão. E mesmo assim, sem nenhuma garantia
sólida, até porque se trata de uma questão eminentemente prática, ou seja, que diz respeito ao
movimento da realidade social como totalidade. Daí porque, aqui, a questão se coloca assim:
Non intelligo et non credo (Não entendo e não acredito). Vale dizer, não compreendo que se
possa fundamentar a possibilidade de erradicação do capital e por isso não creio nisso.
Baseados numa compreensão ontológica do ser social e numa análise da sociedade
capitalista, cremos que é possível afirmar, com tranqüilidade, que a dissociação entre a
realidade objetiva e o mundo dos valores é superável. Mas, somente na medida em que houver
uma radical transformação da atual ordem social. Ou seja, na medida em que, eliminado o
capital, com todas as suas decorrências, for instaurada uma outra forma de sociabilidade
fundada no trabalho livre. Somente a superação da propriedade privada e a instauração de
uma forma de sociabilidade cujo fundamento seja o trabalho associado possibilitará ao
discurso ético deixar de ser apenas um discurso abstrato para se tornar vida real.
Considerando, pois, a impossibilidade de um mundo verdadeiramente humano sob a
regência do capital e a possibilidade deste mundo para além dele, toda discussão sobre valores
éticos tem que, necessariamente, ter como ponto de partida o questionamento radical do
capital, da propriedade privada. Toda discussão que desconheça, passe ao largo ou não admita
que a lógica do capital é o fundamento ontológico dessa forma de sociabilidade, é uma
discussão estéril, falseadora e fadada ao fracasso. É compreensível que os gregos, medievais e
modernos pré-1848 buscassem como viver justamente numa cidade injusta (isto é, numa
cidade fundada sobre a propriedade privada). Isto porque eles não tinham como compreender
a matriz que se constituía no fundamento da cidade injusta e muito menos a conexão
ontológica entre esta matriz (o trabalho sob a forma da propriedade privada) e o universo dos
valores éticos. Mas, depois que Marx desvendou essas questões, não há mais como deixar de
tomá-las como ponto de partida. Qualquer exemplo mostra isso com meridiana clareza. Basta
um: como discutir acerca do respeito à vida humana, acerca de uma vida realmente digna e
cheia de sentido sem por em questão o ato fundante dessa sociedade, responsável final por
tornar esse respeito e essa vida impossíveis?
De modo que antes de qualquer discussão ética é preciso responder a pergunta: é
possível e, portanto, constitui-se num valor decisivo para a humanidade, a superação da
sociabilidade regida pelo capital? Se a resposta for negativa, então não haverá como superar a
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fratura entre o mundo da realidade objetiva e o mundo dos valores. Deste modo, a ética jamais
poderá deixar de ser abstrata, no sentido de dissociada da vida real. Se, como pensamos, a
resposta for afirmativa, então estará aberto o caminho para pensar uma ética que possa vir a
tornar-se concreta.
O mais interessante, e isto convém salientar, é que nos dois casos a ética é, hoje,
necessariamente abstrata. Ou seja, não pode se tornar vida cotidiana real. Mas, há uma
enorme diferença entre a abstração da ética pensada no interior da sociabilidade do capital e
daquela pensada em direção a uma futura sociabilidade do trabalho. No primeiro caso, a
abstração é o outro lado da moeda da concretude da matriz do capital. Situa-se, portanto, no
interior da ordem do capital. Por isso, jamais poderá deixar de ser uma ética alienada e
alienante.
No segundo caso, tendo (a reflexão ética) por base o processo de tornar-se homem
do homem e compreendendo os obstáculos postos pelo capital à autêntica realização humana
e as possibilidades apontadas pelo trabalho, a abstração é apenas um momento que aponta
para além de si mesma, ou seja, para uma forma de sociabilidade onde ela possa se tornar
concreta. Por isso mesmo, uma ética ontologicamente fundada tem, necessariamente, um
caráter revolucionário. Porque, ao fundar os valores na objetividade do processo histórico-
social e ao evidenciar a impossibilidade de realizar esses valores universais no interior da
ordem social do capital, ela se inscreve no movimento de luta pela superação dessa mesma
ordem.

A guisa de conclusão

Em resumo, podemos dizer que ética e capitalismo se excluem radicalmente. Se por


ética entendemos aqueles valores que elevam o indivíduo a superar a esfera da particularidade
para conectar-se com a universalidade do gênero humano, e se a sociabilidade regida pelo
capital está fundada no interesse particular, então não há como conciliar estas duas dimensões.
Se isto é verdade, duas constatações se impõem. Primeira: toda tentativa de fundar uma ética
no interior desta forma de sociabilidade só pode resultar numa ética abstrata e contribui, não
obstante intenção em contrário, para a reprodução dessa ordem social essencialmente injusta.
Mais ainda: a ênfase dada, hoje, à questão dos valores, sem um questionamento radical da
matriz fundante desta ordem social, não tem nada de positivo. Pelo contrário, é a expressão do
extravio e da impotência de uma consciência que, ignorando a dinâmica da realidade objetiva,
pretende ditar normas do alto de um pedestal transcendental. Segunda: a fundamentação de
qualquer ética autêntica tem de ser precedida, necessariamente, pela demonstração da
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possibilidade e da necessidade – ontológicas – da superação da exploração do homem pelo
homem. Somente assim o discurso ético deixará de ter apenas uma coerência lógica para ter
uma coerência ontológica, vale dizer, terá a possibilidade (ainda que só a possibilidade) de se
transformar, em outra ordem social, em prática cotidiana.

Referências bibliográficas

ARENDT, H. A condição humana. São Paulo: Martins Fontes, 1997.


BOBBIO, N. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992.
HABERMAS, J. La teoría de la acción comunicativa. Madrid: Taurus, 1987.
HOBSBAWN, E. A era do capital. São Paulo: Paz e Terra, 1999.
LUKACS, G. Ontologia dell’Essere Sociale. Roma: Riuniti, 1976.
KANT, I. Fundamentação da Metafísica dos Costumes e outros escritos. São Paulo: Martin
Claret, 2002.
MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Martín Claret, 2001.
____. El Capital. México: Fondo de Cultura Econômica, 1995.
MÉSZÁROS, I. Para além do capital. São Paulo: Boitempo/Ed. da Unicamp, 2002.
RAWLS, J. Uma teoria da justiça. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
1

INTERDISCIPLINARIDADE, FORMAÇÃO E
EMANCIPAÇÃO HUMANA

Introdução
Fala-se muito, hoje, em interdisciplinaridade, transdisciplinaridade, multidisciplinaridade,
pluridisciplinaridade e outras denominações semelhantes. Todas essas seriam formas de superar o
problema da fragmentação do saber e da formação profissional.
Não é nossa intenção discutir, aqui, em detalhes, essa problemática. Não desconhecemos as
diferenças que são feitas entre as várias denominações acima referidas e entre a
interdisciplinaridade na pesquisa científica e na ação pedagógica. Também não é nosso objetivo
discutir a interdisciplinaridade entendida como proposta epistemológica e como atitude pedagógica.
Nossa intenção, nesse texto, é fazer uma crítica dos fundamentos da proposta da
interdisciplinaridade, demonstrando que, apesar do seu caráter atraente e dos seus aparentes
resultados, é uma solução equivocada para um problema mal equacionado.
Qual é o estado da questão?
Há uma sensação generalizada e causadora de mal-estar de que o conhecimento está
excessivamente fragmentado; de que cada disciplina trata isoladamente de um determinado aspecto
– econômico, histórico, sociológico, psicológico, filosófico, artístico, etc – e que, assim, não é
possível adquirir uma visão de conjunto dos objetos estudados. O resultado disto é uma formação
construída com fragmentos desconexos e justapostos. Em conseqüência dessa visão fragmentada da
realidade, a intervenção prática para o enfrentamento dos problemas sociais também se vê
comprometida, levando a buscar soluções isoladas.
Para essa formação fragmentada colaboraria, também, a intensa especialização, que levaria
a uma concentração cada vez mais localizada em aspectos restritos, tornando, de novo, o indivíduo,
incapaz de uma percepção da totalidade.
A causa mais comum dessa fragmentação é atribuída à crescente complexificação da
realidade social e à conseqüente ampliação do território do conhecimento. Salta aos olhos a enorme
amplitude que esse território adquiriu, em especial a partir da modernidade. É um fato amplamente
reconhecido o avanço extremamente rápido do conhecimento nos mais variados aspectos a partir do
Renascimento. Se na Antiguidade era admissível a existência de uma figura enciclopédica como
Aristóteles, que não era a única, mas certamente a maior, e no Renascimento ainda podemos
admirar uma mente que dominava saberes tão vastos e diversificados como Leonardo da Vinci, hoje
seria impensável, diante da vastidão do que já foi descoberto, que alguém pudesse abarcar,
2

minimamente, o conjunto do conhecimento. A revolução industrial e a disseminação do capitalismo


por todo o globo terrestre também contribuíram enormemente para a ampliação e a variedade dos
domínios do saber. Daí a crescente especialização, necessária para o domínio, em profundidade, de
um determinado campo do saber. A conseqüência dessa ampliação e dessa especialização seria,
segundo os cultores da interdisciplinaridade, a compartimentação e o isolamento cada vez mais
intensos de cada campo do saber. Assim, complexificação, especialização e fragmentação seriam
conseqüências necessárias na trajetória do processo social.
Diante do reconhecimento das conseqüências negativas desse processo, busca-se encontrar
uma solução que restitua ao conhecimento aquele caráter de totalidade que permita, tanto na
realização de pesquisas teóricas, como na formação profissional e no tratamento dos problemas
sociais, superar aquela visão atomizada dos objetos. Daí o surgimento das propostas de inter, trans,
multi, pluri disciplinaridade. Por mais que haja diferenças entre essas propostas, o cerne da questão
é que a abordagem de um mesmo objeto sob vários aspectos, no caso das ciências humanas –
filosófico, econômico, sociológico, histórico, etc. – seria o caminho para a superação dessa
fragmentação do saber. Por outro lado, a própria realidade indicaria a necessidade de evitar a
rigidez da compartimentação. O recente surgimento de alguns novos campos da ciência, cujos
limites são bastante fluidos, evidenciaria que é praticamente impossível definir claramente onde
começa e onde termina um determinado território científico.
Esse modo de pensar se tornou extremamente atraente, dando origem a teorizações
sistematizadas e sendo incorporado, no Brasil, nos PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais. Tão
atraente que dificilmente se imaginaria alguém fazendo uma crítica no sentido de afirmar que se
trata de um equívoco.
Poderíamos perguntar, ao final dessa introdução, porque esse modo de pensar se torna tão
atraente? E por que sua atração é tanta que, provavelmente, o fato de o questionarmos provocará,
imediatamente, uma reação de espanto ou de rejeição?
Essa atração decorre, a nosso ver, do seu caráter de obviedade, do fato de se apoiar em
aspectos empíricos verdadeiros e facilmente identificáveis, de se apresentar como a única via para
superar a fragmentação do saber e de apresentar resultados aparentemente positivos.
É um fato que houve, ao longo da história da humanidade, mas especialmente, nas últimas
centenas de anos, e mais ainda nas últimas dezenas, uma grande complexificação da realidade social
e uma enorme ampliação do território do saber. Também é incontestável que isso levou a uma
especialização crescente, dada a impossibilidade de um indivíduo só dominar o conjunto do saber e
dado o surgimento de novos campos de atuação profissional. Ao longo desse processo foram sendo
criadas inúmeras disciplinas sem conexão entre si, fazendo da pesquisa e do ensino uma autêntica
colcha de retalhos. Em conseqüência, a formação se dá pela justaposição de pedaços desconexos,
3

impedindo uma visão de totalidade. Do mesmo modo, também são visíveis os variados e complexos
problemas sociais que foram surgindo a partir da revolução industrial e a impossibilidade de
resolver cada um deles de modo isolado.
Diante disso, parece que, de fato, o trabalho interdisciplinar é um procedimento que tem
resultados imediatos positivos. Pois, é certamente verdade que a soma de aspectos econômicos,
sociológicos, filosóficos, históricos e outros, trará um conhecimento mais ampliado do que se esse
tratamento se limitasse a apenas uma dessas áreas. Por outro lado, um conhecimento mais amplo
permitiria um tratamento menos isolado de cada problema, seja no âmbito profissional, seja na
esfera da ação social.
Tudo isso confere a esse modo de pensar essa aura de obviedade, pois entre
disciplinaridade (fragmentação) e interdisciplinaridade (unificação) a escolha só poderia ser óbvia.
Em resumo, entre a fragmentação resultante da compartimentação do saber e a ação
focalizada sobre os problemas sociais, de um lado, e a visão de totalidade que seria fornecida pela
interdisciplinaridade e a possibilidade de uma ação social que considerasse os vários aspectos como
partes de uma totalidade, de outro lado, não há dúvida que esta última alternativa é, obviamente, a
mais atraente. Ela se impõe com o poder de algo inteiramente evidente.
Deste modo, não se trataria de discutir a validade da interdisciplinaridade, mas apenas as
suas formas concretas. E é sobre isso que se debruçam autores conhecidos, no Brasil, como Ivani
Fazenda, Hilton Japiassú e Antonio Joaquim Severino, entre outros.

1. Os equívocos desse modo de pensar


A contrapelo dessas idéias dominantes , defendemos a tese de que esse modo de pensar é
profundamente equivocado. E que a interdisciplinaridade é uma solução equivocada para um
problema mal equacionado.
Por que isto? Em primeiro lugar, porque pressupõe que a complexificação e a
fragmentação são simplesmente resultados naturais do processo social, sendo a segunda uma
conseqüência necessária da primeira.
Em segundo lugar, porque desfaz a dependência ontológica do conhecer em relação ao ser.
Por mais que faça referência ao processo histórico que levou à fragmentação do saber, não percebe,
ou não aceita a relação de dependência ontológica do conhecimento em relação às condições
materiais. Deste modo, termina por atribuir ao conhecimento uma autonomia que ele de fato não
tem, tratando, assim, a fragmentação do saber como um processo que se dá no interior do próprio
saber.
Daí porque também se impõe como algo evidente a necessidade de refazer a totalidade
perdida, através da reaproximação desses novos campos.
4

Pressupõe-se, portanto, que da soma desses diversos fragmentos é possível obter um


conhecimento totalizante de um determinado objeto.
Em terceiro lugar, porque, pressupondo a autonomia do saber, não toma como ponto de
partida uma crítica do próprio processo material de fragmentação. Sua teorização se limita a buscar
superar a fragmentação pelas vias epistêmica, pedagógica ou comportamental.
Em quarto lugar, porque toma o padrão moderno de cientificidade como o verdadeiro
caminho para a produção do conhecimento científico, ignorando que a fragmentação do saber faz
parte da natureza desse padrão e que a origem dessa cisão não está no próprio saber, mas no solo
social que lhe deu origem.
Em quinto lugar, porque, ao tomar o padrão moderno de cientificidade como o verdadeiro
caminho para a produção do conhecimento científico, também ignora que este padrão tem no sujeito
o pólo regente do conhecimento, o que resulta, como veremos, em graves e negativas
consequências.
Passemos, então, a um exame crítico dessa problemática.

2. Equacionando o problema
Parafraseando Marx, em sua referência à religião, poderíamos afirmar que a crítica da
interdisciplinaridade não é a crítica da interdisciplinaridade, mas a crítica do mundo que produz e
necessita dessa forma de produção do saber. A questão inicial e fundamental, então é: que mundo é
este?
Considerando, pois, esse pressuposto, antes de propor qualquer fórmula de superação da
fragmentação do saber é preciso explicar esse fenômeno e não aceitá-lo como um fato natural. É
necessário compreender, desde suas raízes materiais, o processo que levou a esse resultado.
Contudo, a compreensão desse processo não pode partir de um momento já bem avançado do ser
social que é a modernidade. Partir da modernidade é tomar como ponto de partida uma situação que
já é o resultado de um determinado processo histórico. Seria, de novo, tomar como pressuposto
exatamente aquilo que deve ser explicado.
Para entender como se chegou até esta situação faz-se necessário apreender a trajetória do
ser social a partir dos seus fundamentos originais, tanto em termos históricos como em termos
ontológicos. Em termos históricos, porque a própria modernidade já é o resultado de uma longa
trajetória. E em termos ontológicos, porque é preciso buscar, na natureza do ser social, os
fundamentos que deram origem ao processo de fragmentação.
Somente assim se poderá compreender tanto a natureza mais profunda da realidade social
quanto os seus desdobramentos ao longo da história. Vale dizer, só é possível compreender tanto o
processo de complexificação quanto o de fragmentação apreendendo o caráter unitário do ser social
5

e o processo social que deu origem à quebra dessa unidade. E isto, tanto em termos da sua
materialidade quanto no que se refere ao processo de conhecimento. Para isso, é preciso partir do
ato fundante do ser social. Na esteira de Marx, pressupomos que esse ato é o trabalho1.
É a partir da análise do trabalho e de suas relações com as demais dimensões do ser social
– tais como linguagem, socialidade, arte, ciência, política, direito, educação, filosofia, etc. – que se
compreende que o ser social é uma totalidade, isto é, um conjunto de partes articuladas, em
constante processo. O trabalho, esse intercâmbio do homem com a natureza, através do qual são
produzidos os bens materiais necessários à existência humana é o ato que funda o mundo social.
Porém, a própria realização do trabalho exige a intervenção de outras dimensões, como linguagem,
socialidade, conhecimento, educação para a sua realização. Por outro lado, a complexificação da
sociedade a partir do trabalho, faz surgir novas situações, problemas e necessidades que demandam
outras dimensões sociais para o seu enfrentamento. Pense-se na arte, na religião, na ciência, na
política, no Direito. Nenhuma dessas dimensões é trabalho, mas todas têm a sua origem a partir do
trabalho. Vale dizer, todas elas têm uma dependência ontológica em relação ao trabalho. O ser
social, assim, é, na feliz expressão de Lukács, um complexo de complexos, mas matrizado pelo
trabalho. Desse modo, fica claro que a categoria da totalidade, antes de ser uma categoria
epistemológica é uma categoria ontológica, isto é, constitutiva da própria natureza essencial do ser
social.
A análise do trabalho também nos permite perceber que ele é uma categoria que remete
sempre para além de si mesmo, vale dizer, que possibilita a criação permanente do novo e não a
simples reposição do mesmo como acontece no reino animal. Deste modo, é próprio do ser social
tornar-se cada vez mais complexo e universal. Isto significa que a complexificação não é um
defeito, mas uma determinação ontológica do ser social.
É também a partir da análise do trabalho – uma síntese entre teleologia e causalidade, ou
consciência e realidade natural – que se compreende que o conhecimento é um momento que,
juntamente com a realidade natural, constitui uma unidade indissolúvel, cuja efetivação resulta na
constituição da realidade social. Porém, esta análise também permite compreender que o
conhecimento tem uma relação de dependência ontológica em relação ao trabalho. Repetindo Marx
e Engels (1984, p. 37): “Não é a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a
consciência”. Isto significa, sem nenhuma relação mecânica, mas levando em conta todas as
mediações insuprimíveis, que a forma do trabalho, ou seja, o modo como os indivíduos concretos se
relacionam entre si no processo de transformação da natureza, é o fundamento da forma como se

1
A esse respeito, ver, de K. Marx. Manuscritos econômico-filosóficos e O Capital; de G. Lukács, Ontologia
dell´Essere Sociale e Prolegomeni ad una ontologia oggi divenuta possibile e As bases ontológicas do pensamento e da
atividade do homem; de S. Lessa, Mundo dos homens; de José Paulo Netto e Marcelo Braz, Economia Política – uma
introdução crítica, cap. 1.
6

estrutura o conhecimento da realidade. Como síntese e exemplo disto poderíamos dizer que a
cientificidade (não simplesmente a ciência) do mundo moderno é a forma do fazer científico
historicamente condicionada pelo mundo moderno.
Trata-se, então, de compreender, a partir dessa unidade originária do ser social, como se
deu, ao longo da história, seu processo de entificação, que levou tanto à complexificação e à
especialização quanto à fragmentação e isso tanto na realidade material quanto no âmbito do
conhecimento.
Partindo-se, pois, desse ato fundante do ser social, que é o trabalho, pode-se perceber como
a complexificação é uma característica ontológica, e por isso insuprimível, do ser social. Dos
grupos primitivos e mais simples ao mundo atual, temos um processo ao longo do qual a realidade
social vai se tornando cada vez mais complexa e universal. Por seu lado, a complexificação resulta,
necessariamente, na especialização pois, de fato, é impossível a um único indivíduo abarcar a
totalidade do fazer e do saber sociais.
Porém, a entrada em cena da divisão social do trabalho e da propriedade privada imprimem
a essa complexificação uma especificidade própria e radicalmente diferente daquela que existia no
interior da comunidade primitiva. Opera-se, então, no interior do ser social, uma profunda cisão.
Trata-se da divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual. Esta divisão não é, de modo
nenhum, natural, embora adquira um caráter de naturalidade. Pelo contrário, resulta de um processo
claramente social. Saber e fazer são separados e essa separação é justificada teoricamente e
contribui poderosamente para manter a exploração e a dominação de classes.
Essa cisão ganha uma forma toda particular na sociedade burguesa através da
fragmentação no interior do próprio processo de trabalho. Como se sabe, esta fragmentação faz do
trabalhador uma mera peça na engrenagem de produção, impedindo-o de ter o conhecimento e o
controle da totalidade do processo produtivo. Este conhecimento e este controle são detidos pelo
capital e são instrumento fundamental de sua dominação sobre o trabalho. Além disso, pelo
processo de fetichização, cuja origem está na forma específica da produção da mercadoria, a
realidade social é recoberta por um caráter de naturalidade. Deste modo, tanto a fragmentação do
processo de trabalho como do conhecimento se apresentam como desdobramentos naturais na atual
forma da realidade social.

3. A crítica desse modo de pensar


Partindo dessa materialidade do mundo moderno, podemos entender por que a
fragmentação é uma característica típica da cientificidade moderna e porque é equivocada a
proposta da interdisciplinaridade.
7

Sabe-se que a ciência moderna surgiu no período de transição do feudalismo ao


capitalismo. O cerne dessa transição – no âmbito do conhecimento – se situa na passagem da
centralidade do objeto (na concepção greco-medieval) para a centralidade do sujeito (na concepção
moderna). Mas, é importante acentuar que essa mudança se deveu, em primeiro lugar, às
transformações materiais que se deram nesse período. A um mundo largamente estático, finito e
hierarquicamente ordenado, sucedeu-se um mundo em rápidas transformações, cada vez mais
amplo e sem nenhuma hierarquia. A uma ordem social diante da qual o sujeito se via apenas como
expectador e contemplador, sucedeu-se uma ordem na qual o homem se via como construtor ativo,
tanto prática como teoricamente. Conhecer o mundo, especialmente a natureza, para transformá-lo
se tornou a característica central desse novo modo de estar no mundo.
Resumindo um processo extremamente complexo e de longa duração, podemos recorrer a
Kant, não por acaso conhecido como aquele que realizou, na problemática do conhecimento, a
mesma revolução efetivada por Copérnico na concepção de mundo. Daí ser ele conhecido como
autor da “revolução copernicana” na concepção do conhecimento. Em síntese, essa revolução
significava que, em vez de o objeto ser o pólo regente do conhecimento, seria o sujeito a ocupar
esse lugar. As causas dessa mudança estão nas transformações que o mundo sofreu ao longo desse
período, gerando a demanda por um novo padrão de conhecimento.
Tendo perdido os fundamentos da ordem do mundo que, na concepção greco-medieval,
estariam na natureza do próprio mundo (na sua essência), o homem precisava buscar esses
fundamentos em si mesmo. O “cogito” cartesiano é emblemático disso, assim como o empirismo
típico inglês. Eis porque, ao contrário dos gregos e medievais, para os quais a primeira tarefa era a
elaboração de uma teoria geral do ser, os pensadores modernos começam por elaborar uma teoria do
conhecimento, buscando construir fundamentos considerados mais sólidos para o novo tipo de
saber.
Mas, essa busca dos fundamentos no interior da própria subjetividade implicava a
impossibilidade e a nulidade de buscar a essência das coisas e, portanto, de encontrar a ordem
estabelecida pela hierarquia das essências inerente à própria realidade, como propunha a concepção
greco-medieval. Na concepção moderna, a mediação inescapável entre a subjetividade e a realidade
do mundo são os dados dos sentidos. Nenhum conhecimento seria científico se não se apoiasse
nesses dados e se extrapolasse o campo por eles permitido. Porém, esses dados são, em si mesmos,
sempre singulares, parciais, múltiplos e caóticos. Faz-se, então, necessária a intervenção da razão
para ordená-los.
Propondo-se a superar o dissenso, sobejamente conhecido entre racionalismo e empirismo,
Kant elabora a sua síntese que implica a articulação entre razão e dados da sensibilidade. Os
sentidos colhem os dados e a razão classifica, organiza, extrai as legalidades e elabora uma
8

teorização a partir deles. Deste modo, o objeto de conhecimento já não é o mundo real, mas aquilo
que o sujeito constrói a partir dos dados colhidos pelos sentidos.
A conseqüência lógica, também extraída por Kant é que nós não podemos conhecer a
“coisa em si” (o númeno); só podemos conhecer a coisa como ela é para nós (o fenômeno). Vale
dizer, por esse andamento, a categoria da essência, tão cara à concepção greco-medieval, se torna
inatingível e a categoria da totalidade se transforma em uma categoria puramente lógica. A
realidade já não é mais um compósito de essência e aparência, mas apenas fenômeno. Por isso
mesmo, a ordem do mundo já não se encontra nele, mas é o sujeito que imputa ao mundo um
determinado ordenamento.
Em síntese, nessa transição do mundo greco-medieval ao mundo moderno há uma
passagem de uma perspectiva ontológica – centralidade do ser, embora de caráter metafísico – para
uma perspectiva gnosiológica – centralidade do conhecer.
Por outro lado, na origem da ciência moderna também encontra-se uma acirrada disputa
entre a concepção de mundo cristã e as novas tendências profanas do conhecimento. Disputa que,
como se sabe, não era meramente teórica, mas tinha conseqüências práticas da maior gravidade. A
solução intermediária encontrada foi atribuir a cada ciência a competência de falar sobre um
determinado campo restrito da realidade. À religião se reservava a competência de elaborar uma
visão de mundo totalizante. Deste modo, as diversas ciências se viam impedidas de extrair das suas
pesquisas considerações a respeito do mundo em geral.
Mas, havia ainda outro aspecto da maior importância. Como se sabe, a sociedade burguesa
é marcada, como nenhuma outra anterior, por uma intensa divisão social do trabalho, resultado da
lógica auto-expansiva do capital. Divisão esta que se acentuou extraordinariamente com a entrada
em cena da revolução industrial.
Como a sociedade burguesa seria a expressão da própria natureza humana (“socialmente
insociável”, no dizer de Kant), nada mais justo que essa divisão do trabalho fosse considerada o
modo natural de manifestar-se dessa natureza. A naturalidade dessa divisão social do trabalho, por
sua vez, esteve na origem das chamadas ciências humanas, cada uma delas surgindo a partir da
delimitação de um território específico. Essa delimitação partia do pressuposto de que a realidade
social não era um conjunto de partes intimamente articuladas, mas uma soma de partes sem conexão
essencial entre si. Daí porque cada uma das disciplinas – economia, sociologia, ciência política,
psicologia, antropologia, etc. – poderia reivindicar o tratamento isolado de uma parte da realidade
social.
Ora, a teoria da interdisciplinaridade, como vimos acima, não tem como ponto de partida
uma teoria da fragmentação. Vale dizer, não começa buscando uma explicação para o processo de
fragmentação do saber. Apenas reconhece esse fato e as suas consequências negativas. Mesmo
9

quando faz referência à fragmentação do processo produtivo capitalista, a conexão desta com o que
acontece na dimensão científica é muito tênue. Deste modo, a proposta de superação da
fragmentação do saber ganha um caráter marcadamente subjetivo. Deixando de lado as raízes
materiais da fragmentação do conhecimento, e mesmo admitindo que este é um processo natural,
pressupõe que se trate de um problema meramente epistêmico e que, portanto, pode ser superado
também no plano epistêmico. Quando muito, além desse plano meramente epistêmico também se
agrega um plano moralista, enfatizando a necessidade de ter atitudes pedagógicas integradoras.
Por sua vez, a articulação entre o caráter fenomênico da cientificidade moderna, ao qual já
aludimos acima, e o fetichismo da mercadoria, faz com que a realidade social seja resumida à
aparência, ao fenômeno, aos dados empíricos, perdendo-se, deste modo, as categorias da totalidade
e da essência, que, como vimos, são constitutivas da natureza do ser social.
Vale lembrar, ainda, que a constituição da sociedade burguesa é um processo que,
começando por volta do século XV, continua até hoje. No interior dele, podemos distinguir dois
grandes momentos. O momento de ascensão, que vai do século XV até a metade do século XIX.
Nesse período, a burguesia, que é o sujeito fundamental desse processo, é uma classe
revolucionária, ou seja, está impulsionando a abertura de uma nova forma de sociabilidade, mais
favorável ao desenvolvimento da humanidade. Para isso, ela precisa de uma forma de conhecimento
mais adequada a esse novo empreendimento. Daí a necessidade de um conhecimento da natureza e
da própria realidade social de caráter mais empírico e não especulativo. Como o seu antagonista é a
nobreza feudal e ainda não o proletariado, sua demanda por um conhecimento mais verdadeiro da
realidade, inclusive social, pode ter um impulso muito positivo. Ainda que não seja um padrão de
conhecimento que vá até a raiz do ser social ou que se equivoque na identificação dessa raiz, trata-
se de uma aproximação à realidade bem mais efetiva do que aquela proporcionada pela perspectiva
greco-medieval. Exemplos desse impulso positivo são autores como Maquiavel, na política, Smith e
Ricardo, na economia, Vico, na história e Bacon e Galileu, no âmbito da ciência.
Contudo, esse impulso positivo sofre uma profunda inflexão negativa quando a burguesia
se torna classe dominante. A partir desse momento, a burguesia tem necessidade de bloquear uma
compreensão mais profunda da realidade social. Trata-se, da perspectiva dessa classe, de
compreender a realidade social na forma e até o limite que permita a reprodução dessa ordem social
considerada, não por acaso, a mais consentânea com a natureza humana. Nada disso é intencional
no sentido conspirativo, mas certamente é intencional no sentido de que os pensadores tem
consciência do que estão fazendo e acreditam que esse é o caminho mais adequado para a
humanidade.
É exatamente nesse momento que se constituem as chamadas ciências sociais.
Respondendo à fragmentação da materialidade do ser social, mas também à necessidade de
10

justificar a nova forma da sociabilidade, elas se configuram ao redor de dimensões isoladas da


realidade social, que só se conectam entre si de forma inteiramente superficial e a critério do
próprio sujeito. Temos, assim, a economia, a sociologia, a ciência política, a psicologia, a
antropologia, etc., e, em cada uma delas, muitas subdivisões, todas elas delimitando seus campos de
estudo e seus métodos de abordagem dos objetos como se fossem partes inteiramente autônomas.
Ora, ao eliminar as categorias da totalidade e da essência da realidade social, joga-se,
necessariamente, sobre os ombros do sujeito a tarefa de realizar os recortes do objeto a ser estudado
e de conferir unidade aos dados empíricos. A aparência e o empírico se tornam a matéria sobre a
qual trabalha a cientificidade moderna. Como expressa muito bem José Paulo Netto, referindo-se às
“duas posições fundamentais em face do conhecimento do social, no âmbito do racionalismo
contemporâneo”(1989, p. 143):

A primeira (...) concebe a análise dos fenômenos a partir de sua expressão empírica
(...). Nesta ótica, o trabalho teórico tem na sistematização operada sobre o material
empírico (seleção, organização, classificação, tipificação, categorização) um
patamar prévio: é sobre ela que a teoria se estrutura, produzindo um símile ideal que
procura contemplar a organização interna da empiria abordada através de um
rigoroso tratamento analítico. A resultante da elaboração teórica, o produto teórico
por excelência, é um modelo que a razão elabora e cria a partir do objeto
empiricamente dado.

4. A superação da fragmentação do saber


Do que foi dito até aqui infere-se que a fragmentação do saber tem sua origem na divisão
social do trabalho surgida com a propriedade privada e, na sua forma específica moderna, na
fragmentação do processo capitalista de produção da riqueza material e é funcional à reprodução
deste. Não por acaso, esta forma de sociedade é que permite a exploração do capital sobre o
trabalho e, portanto, a manutenção dos interesses da classe burguesa. Ao impedir uma visão de
totalidade do processo social e ao gerar uma compreensão desse mesmo processo apenas em sua
aparência, esta forma de saber contribui para reproduzir um tipo de sociedade que favorece os
interesses da burguesia.
Não há, pois, a menor possibilidade de superar a fragmentação do saber pela via
puramente epistemológica e nem mesmo por nenhum esforço pedagógico ou comportamental. E
mais ainda: quanto mais perdura esta forma de sociabilidade, mais se intensifica a fragmentação,
pois isto é da lógica do capital e, portanto, mais forte se torna a mistificação do saber, independente
de quantos esforços forem envidados para superá-la por via puramente epistemológica.
11

A efetiva superação dessa cisão no âmbito do saber passa, necessariamente, pela


transformação radical do mundo que deu origem e necessita dessa forma de produção do
conhecimento. Somente a constituição de um mundo que elimine a divisão social do trabalho e,
portanto, a separação entre interesse particular e interesse geral, entre trabalho manual e trabalho
intelectual, que suprima as classes com seus interesses antagônicos, vale dizer, um mundo que seja
uma totalidade humana não cindida, somente neste mundo será possível superar, integralmente, a
fragmentação do saber. Em resumo, somente uma forma de sociabilidade comunista pode superar,
efetivamente, o caráter fragmentado do saber, pois um saber unitário deve ter na categoria da
totalidade a sua categoria fundamental. Ora, esta categoria, como já afirmamos mais acima, antes de
ser gnosiológica é ontológica, isto é, expressa o caráter do próprio mundo.
Com isto, não queremos afirmar que não seja possível, hoje, produzir um conhecimento
que não seja fragmentado. Pelo contrário, isto não só é possível como também necessário. Afinal, se
um saber fragmentado é funcional à manutenção dos interesses da classe burguesa, um saber que
tenha na categoria da totalidade a sua chave metodológica e que, pela articulação entre as categorias
da essência e da aparência (de caráter histórico e social), permita a desmistificação da realidade
social, é do interesse da classe proletária. Esta última, para orientar a sua luta no sentido de
transformar o mundo todo e não apenas alguma parte; de superar radicalmente a exploração do
homem pelo homem e de construir uma forma de sociabilidade que seja uma autêntica comunidade
humana, precisa de um saber que permita compreender a realidade até a sua raiz – sua essência – e
como uma totalidade. Afinal trata-se de transformar o mundo todo e não apenas alguma parte dele.
Ora, este tipo de saber, esse padrão metodológico originado e exigido pela classe
trabalhadora foi exatamente aquele cujos fundamentos foram lançados por Marx. Como já
argumentamos em outros textos2, Marx lançou os fundamentos de uma concepção radicalmente
nova de mundo, de um padrão de conhecimento profundamente novo e que, não por acaso, tem na
categoria da totalidade a sua categoria fundamental. É este padrão que permite compreender a
realidade social como um complexo de complexos que tem no trabalho a sua categoria ontológico-
primária. É também este padrão que permite compreender a natureza própria do ser social, sua
complexificação e sua fragmentação, tanto material como espiritual e a articulação entre esses dois
momentos.
Como se pode ver, o mundo continuará sendo cada vez mais complexo e exigirá sempre
novas especializações. Isto não implica, necessariamente, a fragmentação do conhecimento. Na
medida em que a forma do trabalho tiver um caráter coletivo, social, tanto na produção como na
apropriação da riqueza, e, portanto, eliminar a formação de classes sociais, a realidade social

2
Marxismo para o século XXI e Educação, cidadania e emancipação humana, cap. 1. Ver, também, de J.
Chasin, Marx: Estatuto ontológico e resolução metodológica.
12

deixará de ser fragmentada e mistificada e, portanto, já não haverá necessidade de uma forma de
saber que impeça sua compreensão como totalidade, até a sua raiz, e se transforme num instrumento
de opressão e dominação.
Em resumo, complexificação e especialização fazem parte da natureza mesma do processo
de reprodução do ser social. Pelo contrário, a fragmentação é um processo social típico da
sociedade de classes (no sentido da separação entre trabalho manual e trabalho intelectual) e, na sua
forma mais desenvolvida, típico da sociedade capitalista.
Vale salientar que a superação da fragmentação no processo de produção da riqueza
material e a superação da fragmentação no processo de produção do conhecimento são dois
momentos articulados. Cada um tem uma especificidade própria, mas condicionam-se mutuamente
nesta trajetória de construção de outra forma de sociabilidade. É preciso, contudo, acrescentar que,
entre os dois, a fragmentação material é o momento fundamental. Sua eliminação é conditio sine
qua non para por um fim efetivo à cisão no interior do saber.
Do que foi dito até aqui, seguem-se algumas consequências importantes.
Primeira: a forma atual do mundo, regida pelo capital, fundamenta e exige a fragmentação
do saber como um instrumento necessário à sua reprodução. Por isso, enquanto o capital for a força
dominante, a fragmentação do saber será também a forma dominante deste. Em síntese: um saber
de um mundo fragmentado é um saber de um mundo fragmentado
Segunda: do ponto de vista estritamente científico, a superação da fragmentação não passa
pela soma ou pela justaposição ou, ainda, por atitudes e esforços do sujeito em integrar várias áreas
de conhecimento. A propósito disto, Lukács faz referência a Max Weber, um intelectual que
abrigava em si variadas áreas de conhecimento. Ele era economista, sociólogo, historiador, filósofo
e cientista político. No entanto, diz Lukács (1992, p. 123), “...não existe nele qualquer sombra de
um verdadeiro universalismo”. Esta incapacidade provinha, segundo Lukács, exatamente dos
fundamentos metodológicos – típicos da cientificidade moderna – das ciências dominadas por
Weber.
A eliminação da fragmentação do saber passa, sim, pela superação da perspectiva da
cientificidade moderna, de caráter gnosiológico, onde o sujeito detém a centralidade, e pela
apropriação da perspectiva metodológica (de caráter onto-metodológico)3 fundada por Marx, onde o
objeto (de caráter histórico-social e não metafísico) tem a regência e o sujeito a tarefa ativa de
traduzir teoricamente o processo social. Não basta ter boa vontade ou envidar esforços ou criar
novos métodos a talante do sujeito. É preciso assumir e dominar o método que, tendo se originado,

3
A esse respeito, ver, de G. Lukács, Ontologia dell´Essere sociale; O marxismo ortodoxo; A ontologia de
Marx: questões metodológicas preliminares; de J. Chasin, Marx: Estatuto ontológico e resolução metodológica; de S.
Lessa: Lukács: o método e seu fundamento ontológico e de I. Tonet, A questão dos fundamentos.
13

em seus fundamentos, do mundo, permita voltar a ele para compreendê-lo como uma totalidade e
segundo a sua lógica própria e não ao arbítrio do sujeito.
Terceira: uma formação, em geral, voltada para a emancipação humana, hoje, só pode
significar uma contribuição para o engajamento na radical superação da sociedade capitalista e na
construção de uma sociedade comunista. Por isso, uma atividade educativa que se pretenda
emancipadora passa, necessariamente, pela apropriação de um saber que permita a compreensão
desta sociedade como uma totalidade, até a sua raiz mais profunda, e que também possibilite
compreender a origem, a natureza e a função social da fragmentação, desmistificando, ao mesmo
tempo, a sua forma atual.

Concluindo
Como se pode ver ao longo desse texto, a pretensão de superar a fragmentação do
conhecimento através de uma reordenação epistêmica, mas sem o pressuposto da dependência
ontológica do saber em relação ao mundo objetivo e sem buscar a origem, a natureza e a função
social do processo de fragmentação, tanto material quanto intelectual e sem a superação da
perspectiva moderna da cientificidade, pode ser muito atraente, porém é inteiramente equivocada e
fadada ao insucesso. Não é a soma de partes justapostas que produz um conhecimento totalizante.
Este só pode ser produzido a partir de fundamentos metodológicos radicalmente diversos daqueles
que embasam a perspectiva da cientificidade moderna. Estes fundamentos implicam uma teoria
geral do ser social (uma ontologia – histórico-social – do ser social) e tem na categoria ontológica
da totalidade a sua chave mestra!
Deste modo, para todos aqueles que se propõem como objetivo contribuir com suas
atividades educativas para a construção de uma autêntica comunidade humana, plenamente
emancipada, é imperativo o domínio da perspectiva metodológica – de caráter ontológico – à qual
nos referimos acima, pois só ela permite a produção de um saber totalizante. Considerando que,
para essa perspectiva, o real é sempre um complexo de complexos, então qualquer parte dele só
pode ser efetivamente compreendida se remetida, com todas as mediações necessárias, para o todo
do qual faz parte. Assim, produção de um saber totalizante e luta pela construção de um mundo
unitário e emancipado são dois momentos de uma mesma atividade revolucionária.
14

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Parâmetros Nacionais Curriculares: Ensino Médio. Brasília. Ministério da Educação,
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6
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PARA ALÉM DOS DIREITOS HUMANOS*

Ivo Tonet

Introdução

Juntamente com a cidadania e a democracia, a problemática dos chamados Direitos


Humanos tem assumido, nos últimos tempos, uma importância toda especial. Isto,
provavelmente, pode ser atribuído a dois motivos interligados. O primeiro seria o fato da
maior consciência que a humanidade está adquirindo da importância destes direitos para a
construção de uma sociedade mais justa. O segundo seria o fato de que os desrespeitos a estes
direitos também assumiram maior contundência e maior intensidade.
Nas considerações acerca dos Direitos Humanos, tem-se enfatizado, de modo geral, os
seus aspectos positivos, como um instrumento na luta por aquilo que é mais fundamental para
a pessoa humana e, portanto, como um meio que se insere em uma luta mais ampla pelo
aperfeiçoamento de uma sociedade cidadã e democrática. O que, em última análise
significaria a construção de uma sociedade cada vez mais livre, igual e justa.
Gostaria de tecer algumas considerações críticas a este respeito.
Antes de mais nada, e para facilitar o acompanhamento da minha reflexão, gostaria de
expor, resumidamente, a tese que pretendo defender. Trata-se do seguinte: A luta pelos
chamados Direitos Humanos só adquire seu pleno e mais progressista sentido se tiver como
fim último a extinção dos próprios direitos humanos. Portanto, não se estiver voltada para o
aperfeiçoamento da cidadania e da democracia, mas para a superação radical da ordem social
capitalista, da qual as dimensões jurídica e política – onde se encontram a cidadania e a
democracia – são parte intimamente integrante.
Sei que esta é uma tese extremamente polêmica, de modo que tentarei ser o mais
rigoroso que puder na argumentação em seu favor. E como a reação imediata é,
provavelmente, de espanto e rejeição, peço aos leitores que procurem dispor-se, inicialmente,
de modo o mais aberto possível, procurando apreender a argumentação no seu conjunto, para
só então exercer o seu legítimo direito à crítica.

1. Do estado de direito ao estado de sociedade: política e direito

.
*Professor do Dep. de Filosofia da Universidade Federal de Alagoas.
2

Não entrarei no mérito do conceito de Direitos Humanos. Ele tem uma história
complexa e sofreu muitas alterações desde a sua elaboração inicial até o momento presente.
Utilizarei, aqui, este termo com o sentido de direitos básicos, de direitos mais elementares, de
direitos considerados os mais fundamentais.
Os chamados Direitos Humanos foram oficialmente proclamados, pelas primeiras
vezes, nas constituições dos Estados Unidos e da França, entre 1776 e 1789. Sua afirmação,
porém, como sobejamente sabido, é muito anterior e vem inserida no combate ao absolutismo
e à sociedade feudal.
Seu ponto de partida era a pressuposição de que o homem, como parte da natureza, era
portador de uma natureza anterior ao seu estado de sociedade. E de que esta natureza era
dotada de algumas determinações que não poderiam ser modificadas pela intervenção dos
próprios indivíduos. Nas primeiras formulações, entre estas determinações fundamentais
encontravam-se: a liberdade, a igualdade, a propriedade, a segurança e a felicidade. Esta
natureza era a base para a afirmação de que os homens eram portadores de direitos – por isso
chamados de naturais – cuja fonte não eram nem o Estado nem a sociedade, mas este núcleo
imutável da natureza humana.
De passagem, vale a pena notar que a idéia de uma natureza humana não histórico-
social não resultou de uma análise do processo social na sua integralidade e concretude, mas
de uma necessidade de encontrar uma base para a burguesia opor-se ao sistema feudal. Era,
portanto, mais uma exigência lógica, amparada em dados empíricos muito frágeis (as
descobertas dos povos “primitivos”). Algo semelhante – mutatis mutandis – ocorrerá com a
idéia do caráter universal dos Direitos Humanos.
Contudo, julgavam os pensadores jusnaturalistas e os filósofos políticos desta época
que a simples existência destes direitos potenciais não teria sido suficiente para a sua
efetivação. Na ausência de qualquer limite, para além dos próprios interesses de cada
indivíduo, o exercício destes direitos degeneraria em uma guerra de todos contra todos e
anularia o fim ao qual eles estariam dirigidos, ou seja, a auto-realização humana.
De modo que se teria feito necessária a estruturação de uma dimensão jurídico-política
capaz de proclamar oficialmente estes direitos e velar pela sua proteção. Por outro lado, a
própria natureza destes direitos os colocava acima da sociedade e também do Estado. Todo
poder e todo ordenamento social deveriam ter como fim a defesa e o estabelecimento de
condições para o pleno florescimento destes direitos. Esta teria sido a origem da sociedade
como sociedade. Certamente, a idéia de que a lei e a política fundam a sociedade como
sociedade não é nada nova. Os gregos já pensavam assim. Basta lembrar do exemplo de
Sócrates. Mas o desconhecimento de que existiria uma natureza humana como fundamento de
3

determinados direitos e séculos de poder arbitrário tinham obscurecido esta problemática. Ela
voltou a ser reposta com toda a intensidade pelo jusnaturalismo e pela filosofia política
clássica moderna. Daí para diante, até os nossos dias, esta idéia ganhou o estatuto de um
pressuposto absolutamente evidente. Seria óbvio que sem lei e sem poder político a
“sociedade” não seria mais do que o entrechoque desordenado de indivíduos regidos pela
única lei possível, a lei do mais forte. E seria de per si evidente que em uma situação como
esta não se poderia falar em liberdade, determinação sem a qual também não se poderia falar
em homem. Donde se segue, com toda coerência, a idéia de que o indivíduo não pode ser livre
a não ser em sociedade, mas – frise-se, embora por tautológico – em uma sociedade jurídica e
politicamente organizada.
É claro que, sendo este pressuposto de fato correto, não caberia pensar nem propor a
extinção do direito e da política porque isto equivaleria à extinção da própria sociedade.
Caberia apenas buscar o aperfeiçoamento destas duas dimensões, uma vez que seriam
dimensões insuprimíveis do ser social. E, ainda mais, na medida em que se foi instaurando o
sistema democrático-cidadão, estaria posto o espaço indefinidamente aberto ao
aperfeiçoamento desta ordem social. Política e direito não só teriam fundado e continuariam a
fundar a sociedade, mas ainda teriam, hoje, a atribuição de controlar a dinâmica do capital,
buscando impor-lhe limites e orientá-lo no sentido do interesse comum. O que significaria que
seriam também estas duas dimensões os carros-chefe que conduziriam à construção de uma
sociedade cada vez mais igualitária e humana.
Esta idéia se tornou mais evidente ainda com o fracasso das revoluções ditas
socialistas. Pretendendo seguir as idéias de Marx, todas elas se propunham a extinguir o
direito e a política. No entanto, o que sucedeu foi mais do que o contrário. Não só estas duas
dimensões não foram extintas, senão que ambas retrocederam a níveis muito inferiores ao que
de melhor existia na sociedade burguesa. Em vez de se tornarem mais livres, os homens se
tornaram muito menos livres. O que, além de comprovar a inviabilidade do socialismo,
também seria prova de que qualquer tentativa de extinguir o direito e a política não fazia
progredir e sim regredir a humanidade.

2 Marx: origem e natureza da política e do direito

Ao contrário da maioria dos outros autores, ao buscar a origem da política e do direito,


Marx não parte de uma suposta natureza humana, de um imaginário estado de natureza ou de
uma presumida ordem cósmica ou divina. Seu ponto de partida são os indivíduos concretos e
as relações que eles travam entre si na produção econômica.
4

Partindo disto, ele constata que, durante o longo período primitivo, o trabalho, devido
ao seu precário desenvolvimento, apenas produzia o suficiente para a subsistência imediata.
Durante este período, as forças sociais eram diretamente sociais, quer dizer, eram
imediatamente as forças de todos os indivíduos postas em comum. Não havia, pois,
propriedade privada nem oposição antagônica entre interesses particulares e coletivos.
Certamente, também neste período a comunidade humana se encontrava em um estado de
sociedade e não em um pretenso estado de natureza. Também ali havia conflitos, também ali
era necessário levar os indivíduos a agir de acordo com os interesses da coletividade. Deste
modo, também ali se faziam necessárias “leis” e “poder”, mas essas eram representadas pelos
usos e costumes e este pela autoridade paterna, grupal ou tribal.
Com o surgimento da propriedade privada e das classes sociais, a partir da apropriação
particular da força de trabalho coletiva, a sociabilidade humana sofre uma mudança muito
profunda. As relações entre os homens já não são comunitárias, mas antagônicas. Assim, a
reprodução deste tipo de relações já não seria possível apenas com base nas “leis” e no tipo de
poder até então vigentes. O poder político, que como diz Marx (1998: 31) no Manifesto, “é o
poder organizado de uma classe para opressão de outra”, tornou-se, então, uma condição
indispensável para a reprodução social. Assim, o poder político, nada mais é do que a força
social apropriada por determinados grupos particulares e posta a serviço da reprodução de
uma forma de sociabilidade na qual os interesses desses grupos são predominantes. Esta força
social privatizada, cujo núcleo é o Estado, com todo o seu aparato político, jurídico,
ideológico e administrativo, apresenta-se – sob formas, ao longo do tempo cada vez mais
diferenciadas – como algo destacado da sociedade, pairando por cima dela e representando os
interesses coletivos.
Contudo, apenas o poder político não seria suficiente para garantir a reprodução de uma
forma de sociabilidade marcada pelo antagonismo de classes. Outras dimensões, como a
educação, a religião, a ciência, etc., também passaram a contribuir para isto, embora esta não
fosse a sua finalidade essencial. Contudo, uma nova dimensão, além da política, também
surgiu com a função precípua de garantir a reprodução desta forma de sociabilidade. Trata-se
do direito.Certamente, o uso da força direta era o elemento mais adequado para dirimir os
conflitos quando se tratava da sociedade escravista. Mesmo aí, no entanto, como observa
Lukács (1981: 207), o conflito entre escravos e proprietários de escravos não era o único
existente. Havia outros, entre os quais avultava o conflito entre credores e devedores.
Porém, como observa ainda este autor, a crescente socialização e complexificação da
sociedade – fundada no antagonismo social – tornava impossível a solução de todos os
conflitos através do uso da força direta. Impunha-se um outro tipo de força – indireta, mas
5

apoiada numa força direta (a força pública armada) – para regular os conflitos sociais. Esta
força é o direito. Por isso, Lukács (1981: 208) pode concluir que : “O direito, surgido porque
existe a sociedade de classes é, por sua essência, necessariamente um direito de classe: um
sistema para ordenar a sociedade segundo os interesses e o poder da classe dominante”.
A desigualdade social é, portanto, o solo matrizador do direito. Vale dizer, o direito
regula a atividade social no interior de uma sociabilidade fundada na desigualdade social sem,
em nenhum momento, atingir a raiz desta desigualdade. Assim como a política, o direito é
expressão e condição de reprodução da desigualdade social. E isto é verdade, segundo Marx
(1971), mesmo no caso daquele período de transição, denominado socialismo, entre o
capitalismo e o comunismo, quando já está bastante atenuada a vigência das relações
capitalistas. Reconhecendo o tratamento formalmente igualitário que o direito dá aos
trabalhadores nesta fase, diz ele: “Este direito igual é um direito desigual para um trabalho
desigual. (...) Portanto, no seu teor, é um direito baseado na desigualdade, como todo direito”
(1971: 20).
A conclusão salta aos olhos: superada – em uma sociedade efetivamente emancipada –
a desigualdade social (o que só pode ser feito mediante o desenvolvimento extraordinário e
humanamente adequado das forças produtivas), estará eliminado o solo matrizador do direito.
Nesta sociedade, o acesso à riqueza já não terá como critério o trabalho de cada um, mas as
necessidades de cada um.
De acordo com o que vimos acima, as dimensões política e jurídica têm uma origem e
uma natureza histórico-ontológicas muito precisas. Elas não são dimensões eternas e
constituintes da natureza mais essencial do ser social. O solo social que as chama à existência
e que lhes confere sua específica função social é a sociabilidade antagonicamente estruturada,
o que significa que o término do antagonismo também significará a sua supressão.
Mas há um outro elemento importante que caracteriza estes dois momentos do ser
social. Como se pôde ver da sua origem e da sua natureza, eles se configuram, na sua
concreticidade, como obstáculos à entificação plenamente humana dos indivíduos. Se
constituir-se como indivíduo plenamente humano implica a apropriação do patrimônio
comum ao gênero humano, política e direito constituem, em última instância, obstáculos a
esta realização. Pois eles são precisamente instrumentos de reprodução de ordens sociais que
não permitem a todos os indivíduos o acesso aos bens materiais e espirituais que constituem, a
cada momento, a riqueza do gênero humano.
Assim sendo, por mais progressistas que sejam, em momentos e aspectos tópicos, estas
duas dimensões não podem deixar de ser superadas quando o objetivo maior é a construção de
uma forma de sociabilidade plenamente emancipada.
6

3. Direitos humanos: De Marx ao marxismo

Voltemos, agora, à questão dos Direitos Humanos. Em um texto intitulado A Questão


Judaica, de 1844, Marx critica estes direitos, argumentando que o homem, ao qual eles se
reportavam, nada mais era do que o indivíduo burguês, portanto, o indivíduo voltado para os
seus interesses particulares e em oposição aos outros indivíduos. Este não é o homem em
geral, mas o homem como produto típico das relações capitalistas. Por isso, diz ele que
liberdade, igualdade, segurança e propriedade nada mais eram do que expressões deste
indivíduo autocentrado, cujo movimento visava apenas o seu interesse particular. Não por
outro motivo, o direito de propriedade privada era considerado, efetivamente, o direito mais
fundamental, sem o qual nem o próprio direito de liberdade teria a possibilidade de realizar-
se.
Ora, no clima de luta contra o capitalismo, sistema no qual o indivíduo é o pólo ao
redor de cujos interesses tudo gira, o socialismo foi entendido como o seu oposto, ou seja,
como um sistema social no qual o pólo fundamental seria a coletividade e não o indivíduo.
Deste modo, indivíduo e indivíduo burguês eram tomados como sinônimos. Mais ainda.
Entendendo a categoria da essência como uma categoria de cunho metafísico, ela foi
totalmente rejeitada em nome do caráter integralmente histórico da concepção marxiana do
ser social. Negava-se, pois, por metafísica, a idéia de que existiria uma essência humana
comum a todos os homens. Admitia-se, certamente, a existência de elementos comuns a todos
os homens. Mas estes seriam secundários, nada tendo a ver com uma suposta essência
humana. A identidade mais profunda de um grupo social proviria de suas relações concretas.
Ora, entre estas relações, as mais importantes eram consideradas as relações econômicas.
Deste modo, seriam as relações de classe que constituiriam o elemento mais fundamental na
identidade dos grupos. Assim, indivíduo burguês seria algo essencialmente diferente de
indivíduo proletário. O primeiro, com todos os seus atributos, inclusive jurídico-políticos, se
constituiria no pólo regente da sociabilidade. O segundo só teria sentido na medida em que
tivesse como pólo regente a comunidade, representada pela sua classe. Em consequência, a
superação da sociedade burguesa pelo socialismo devia significar a supressão do indivíduo,
com todos os direitos que lhe eram inerentes. No socialismo, o indivíduo propriamente dito
não teria direitos, visto que nem mesmo existiria. Quem determinaria a que o “indivíduo”
teria direito não seria sua natureza, mas a coletividade, representada pelo Estado
(representante da totalidade da sociedade) que, por sua vez estava em mãos de um partido, ao
7

final sob as ordens de um indivíduo, supostamente a encarnação da coletividade (Stalin, Mao,


Kim, Fidel, etc.).
De fato, alguns anos após a tomada do poder, teve início o processo de supressão dos
direitos e liberdades democráticos. Obviamente, não como um simples ato de vontade, mas
como resultado de um processo histórico extremamente complexo. E, para ser mais preciso, é
preciso ressaltar que, dado o atraso da sociedade russa e, portanto, da quase inexistência de
objetivações democráticas, muito pouco foi realmente suprimido. Mais do que supressão, o
que de fato ocorreu, na maioria dos casos, foi a configuração de uma forma de sociabilidade
que não permitiu a emergência e institucionalização destas objetivações. De todo modo,
aquelas idéias, a que me referi acima, acerca do caráter burguês dos direitos e liberdades
democráticos também contribuíram para que se trilhasse este caminho. A partir de então, os
direitos não seriam mais direitos do indivíduo, mas direitos atribuídos pelo Estado. Como se
sabe, a revolução soviética, feita em nome do marxismo e com o intuito de instaurar o
socialismo, degenerou em uma brutal ditadura, na qual o indivíduo ficava inteiramente à
mercê do poder do Estado.
Esta degeneração, que veio à tona especialmente a partir do XX Congresso do PCUS,
em 1956, com as denúncias apresentadas por Krutschev, ensejou a descoberta, por inúmeros
marxistas, da problemática dos chamados Direitos Humanos. Foram, então, retomadas as
idéias de Marx e os seus desdobramentos na revolução soviética, sendo aquelas criticadas por
sua suposta estreiteza. Segundo estes críticos, as consequências derivadas daquela concepção
manifestavam claramente a sua falsidade. O raciocínio, em resumo era o seguinte: a
concepção de que os Direitos Humanos têm como sujeito o indivíduo burguês se constituiu
em um poderoso argumento para a sua supressão pelos regimes “socialistas”. O resultado era
que todos estes regimes sempre acabavam em ditadura. No entanto, assim como indivíduo não
é sinônimo de indivíduo burguês, também os Direitos Humanos não são sinônimo de direitos
de caráter meramente burguês. Estes direitos têm um caráter universal, ou seja, são
objetivações que estendem sua validade para além da sociedade capitalista. Por isso mesmo,
em vez de serem suprimidos ou impedidos de se desenvolver, deveriam ser defendidos e
ampliados numa sociedade socialista. Sua origem estaria, inegavelmente, na sociedade
capitalista, mas sua validade ultrapassaria esta forma de sociabilidade para alcançar também a
sociabilidade socialista. Somente assim se evitaria a supressão não só das limitações
burguesas dos Direitos Humanos, mas, juntamente com os direitos, também do indivíduo.
Esta luta pelos Direitos Humanos deveria estar articulada com a luta pela defesa, ampliação e
melhoria do conjunto dos direitos e instituições que constituem a cidadania e a democracia
bem como com a democratização do Estado e do capital. Para alguns autores atuais, nem
8

mesmo a propriedade privada deveria ser inteiramente eliminada. O que se deveria fazer seria
conferir-lhe um forte conteúdo social. Este seria o caminho, certamente tortuoso e complexo,
mas indefinidamente aberto para a construção de uma sociedade mais justa e humana.

4. Direitos humanos: três posições

Expressivos filósofos liberais (democráticos) atuais, tais como H. Arendt (1979) e N.


Bobbio (1992), já não aceitam a idéia de que seja possível fundar os Direitos Humanos em
uma pretensa natureza humana a-histórica. Arendt afirma, com toda clareza, que nós não
nascemos iguais, mas diferentes. E que a igualdade é o resultado do processo de inserção na
comunidade jurídico-política. Bobbio, por sua vez, diz que o importante, hoje, não é discutir a
questão do fundamento dos Direitos Humanos, mas sim a problemática da sua proteção. A
questão do fundamento poderia limitar-se ao fato de que seriam considerados direitos
fundamentais aqueles que, em determinado momento histórico, obtivessem um assentimento
razoavelmente consensual da comunidade internacional. A luta pela consolidação, pela defesa
e pela ampliação destes direitos estaria inserida em uma luta maior pela construção de uma
sociedade mais justa e democrática.
Teríamos, então, três posições a respeito da problemática dos Direitos Humanos. A
primeira, do marxismo tradicional, para a qual estes direitos, por serem direitos de caráter
burguês, deveriam ser suprimidos por qualquer revolução socialista. A segunda, que também
propugna uma sociedade socialista, mas que entende que aqueles direitos (e o conjunto dos
direitos e institutos democrático-cidadãos), por terem um caráter universal, não só não devem
ser suprimidos, como devem ter sua validade implementada nesta nova sociedade. A terceira,
a posição liberal-democrática, que defende o aperfeiçoamento desta ordem social, e para a
qual a luta pela proteção, ampliação e melhoria dos Direitos Humanos estaria inserida nesta
luta maior pelo aperfeiçoamento de uma sociedade cada vez mais democrática.
A posição liberal, ao meu ver, é equivocada e por vários motivos. Em primeiro lugar
porque pressupõe que esta forma de sociabilidade, capitalista, é a última, sendo utópica uma
forma superior pretensamente socialista. Em segundo lugar, porque pressupõe como fato
indiscutível que são o direito e a política que fundam a sociedade e que sem eles não é
possível haver sociedade. Em terceiro lugar, porque toma o caráter pretensamente socialista
da revolução soviética e outras como prova empírica da impossibilidade de uma outra forma
de sociabilidade e da inviabilidade da extinção do direito e da política. E, em último lugar,
porque pressupõe que direito e política tenham a capacidade de controlar a dinâmica do
capital.
9

As duas outras concepções estão equivocadas porque também se fundam na


pressuposição de que a revolução soviética tinha um caráter socialista. Em nome disto, os
marxistas tradicionais entenderam como justa a supressão ou a interdição da emergência dos
direitos e garantias individuais e a instauração de uma forma de sociabilidade onde o interesse
coletivo predominasse sobre o individual. Os marxistas críticos, por seu lado, com
fundamento na degeneração da revolução soviética, também considerada socialista,
defenderam a validade universal destes direitos. De modo que a luta pelos Direitos Humanos,
pela cidadania e pela democracia teria, por si mesma, uma caráter revolucionário na medida
em que, no limite, se chocaria com a dinâmica do capital de modo que sua plena realização
somente seria possível com a supressão deste último.

5. Direitos humanos e socialismo

Não pretendemos, obviamente, discutir todo o conjunto de pressupostos que sustentam


as idéias acima mencionadas. Parece-nos mais interessante partir da seguinte questão: e se a
revolução soviética não tiver tido um caráter socialista? Se o que se tomou por socialismo,
nada tiver a ver com socialismo? É evidente que, então, tudo teria que ser rediscutido. Tanto
os pressupostos do liberalismo, quanto as idéias dos marxistas tradicionais e dos críticos
acima mencionadas teriam que ser reexaminados.
Vejamos esta questão de modo um pouco mais detalhado. Há algo em comum nas três
posições anteriores acerca da idéia de socialismo. Para todas elas socialismo se caracteriza,
essencialmente, pela socialização da economia, ou seja, pela supressão da propriedade
privada; pela estatização dos meios de produção e distribuição; pelo planejamento
centralizado da economia; pela produção voltada para o atendimento das necessidades básicas
da maioria da população; pelo trabalho realizado com uma consciência voltada para os
interesses coletivos; pela direção das fábricas e fazendas coletivas pelos próprios
trabalhadores. Para os marxistas tradicionais, isto seria o fundamental para colocar claramente
a sociedade no caminho do socialismo. Por isso mesmo, os direitos individuais, de caráter
burguês, poderiam ser tranqüilamente suprimidos. Para os críticos, aquilo seria condição
fundamental, mas não suficiente. O efetivo encaminhamento para o socialismo requereria,
necessariamente, não a supressão, mas a defesa e a implementação das liberdades
democráticas. De fato, sua rejeição teria sido uma das causas da degeneração da revolução
socialista. E, para os liberais, o fracasso do socialismo seria prova da sua impossibilidade e de
que sem direito e sem política não há sociedade possível.
10

Ora, mas o que é, de fato, socialismo, para Marx? Não como ideal especulativo, mas
como abstração do processo histórico concreto. Não posso, dada a limitação do texto, fazer
uma exposição detalhada a respeito desta questão. Direi apenas, e sempre a meu ver, que, para
Marx, socialismo implica uma forma de sociabilidade cujo fundamento é o trabalho
associado. Forma esta de trabalho que tem como condições indispensáveis um alto grau de
desenvolvimento das forças produtivas e uma grande redução do tempo de trabalho
necessário. Além disso, tem por núcleo decisivo o fato de que os indivíduos põem em comum
as suas forças e de que estas permanecem sempre comuns, tanto na produção, como na
distribuição e no consumo. É esta base material que permite aos homens serem plenamente
livres, ou seja, terem o controle consciente e coletivo do processo de trabalho e,
conseqüentemente, de todo o processo social. É esta base material, também, que permite a
todos o acesso à riqueza universal – tanto material como espiritual – de modo a poderem
realizar plenamente as suas potencialidades e dar um sentido autêntico à sua vida. É evidente
que isto não acontece de um dia para o outro. Contudo, é meridianamente claro que, em
nenhum lugar onde se tentou realizar uma revolução de caráter socialista, existiam estes
pressupostos reais (aí incluídos com destaque os próprios indivíduos) para que se pudesse
caminhar nesta direção. Nenhum daqueles elementos mencionados acima (estatização,
supressão da propriedade privada, etc.) caracteriza, realmente uma sociedade socialista.
Porque nenhum deles resulta no controle consciente e coletivo dos próprios produtores sobre
o processo social, que é sinônimo de plena e efetiva liberdade e de instauração de um patamar
de possibilidade de ampla realização para todos os indivíduos.
Por isso mesmo, para Marx, socialismo não é o contrário de capitalismo. Quer dizer,
para ele o eixo do socialismo não é a coletividade, em oposição ao indivíduo como eixo da
sociabilidade capitalista. Segundo ele, a predominância da coletividade sobre o indivíduo teve
lugar em formas de sociabilidade anteriores ao capitalismo. O socialismo, contudo, só pode
ser uma articulação harmônica – não isenta de conflitos e tensões – entre indivíduo e
coletividade. Isto porque socialismo é – não por uma simples aspiração do sujeito, mas por
determinação do processo histórico-social – a apropriação, pelos indivíduos, da riqueza
humana universal – material e espiritual – e sua conseqüente configuração como um indivíduo
rico, multifacetado, omnilateralmente desenvolvido. E como resultado disto, e em
determinação recíproca, o enriquecimento do gênero humano. O pleno desenvolvimento do
indivíduo , mas entendido como indivíduo social, é inseparável do socialismo. Deste modo, a
subsunção do indivíduo à coletividade ou o inverso nada têm a ver com socialismo. O que
deveria ser suprimido, então, seria o caráter burguês do indivíduo – cuja origem é material e
não um simples fato de consciência – com todas as suas consequências, e não o próprio
11

indivíduo. De modo que a minha afirmação enfática é de que a revolução soviética não foi –
porque não podia ser – uma revolução de caráter socialista. Pode-se até afirmar que nela
foram realizadas tarefas prévias relativas à desmontagem do poder político das classes
dominantes, mas não aquelas que são próprias do socialismo.
Da concepção de socialismo exposta acima decorre a correção ao pressuposto dos
marxistas tradicionais. Os direitos e institutos democrático-cidadãos só poderiam ser
suprimidos por via social, ou seja, na medida em que deixassem de existir as bases objetivas
que requerem a sua existência, e jamais por via da coerção jurídico-política. O que, aliás,
Marx deixou bem claro desde o texto das Glosas Críticas, de 1844. Assim como o Estado,
todo este conjunto de objetivações democrático-cidadãs somente deveria desaparecer quando
lhes fosse tirado o chão social que lhes dava origem. Qualquer outra tentativa de supressão
estaria fatalmente fadada ao fracasso. O que de fato aconteceu. Realizou-se simplesmente
aquilo que Marx (1984: 50) previu em A Ideologia Alemã, quando dizia: ... por outro lado,
este desenvolvimento das forças produtivas (que contém simultaneamente uma verdadeira
existência humana empírica, dada num plano ‘histórico-mundial’ e não na vida puramente
local dos homens) é um pressuposto prático, absolutamente necessário, porque, sem ele,
apenas generalizar-se-ia a escassez e, portanto, com a ‘carência’ recomeçaria novamente a
luta pelo necessário e toda a imundície anterior seria restabelecida.
Mas, há mais uma questão. Ao contrário do que pensava o marxismo tradicional, Marx
não rejeita a categoria da essência humana, e isto não apenas nos textos de juventude, mas
também nos da maturidade. O que ele fez foi mostrar que, tanto quanto o fenômeno, ela é
histórica. Ela é histórica, mas não deixa de ser essência, ou seja, algo distinto do fenômeno.
Lukács (1981: 357ss), por sua vez, argumenta, baseado em Marx, que o que caracteriza a
diferença entre fenômeno e essência é o grau de continuidade de cada um.Ou seja, a essência
humana é constituída de um conjunto de determinações, que resultam de relações sociais e
que, por sua maior continuidade, garantem a identidade do ser social como ser social. Deste
modo, o argumento da inexistência de uma essência humana como base para sustentar a
supressão dos Direitos Humanos ficava totalmente prejudicado. Como também ficava
prejudicada a base para a afirmação da naturalidade de qualquer direito.
Por outro lado, dessa noção de socialismo, também decorre a problematização da
crítica à concepção marxiana dos Direitos Humanos. Com efeito, é interessante notar que esta
crítica tem por pano de fundo o suposto fracasso da revolução soviética por causa do
menosprezo das dimensões jurídica e política. Estas críticas não partiram da problematização
da noção de socialismo como “socialização da economia”. Pelo contrário, aceitaram-na como
válida. Por isso mesmo, só poderiam buscar a correção no âmbito jurídico-político. Daí
12

porque se esforçaram por conferir aos Direitos Humanos um caráter universal. Daí, também,
porque o socialismo se tornou “socialismo democrático”, como se fosse possível a existência
de um socialismo autocrático. Vê-se logo que a intenção era deixar clara a caracterização do
socialismo como uma forma de sociabilidade efetivamente livre. Contudo, em vez de partir da
própria natureza do socialismo, foi-lhe agregada a única forma de liberdade conhecida, a
liberdade democrático-cidadã. O que tornava a idéia de “socialismo democrático” uma
contradição nos termos. Quando, no entanto se parte do socialismo do modo como foi por
mim conceituado acima, não há necessidade de agregar-lhe o conjunto de objetivações
democrático-cidadãs, alçadas a valores universais, para garantir-lhe o caráter de efetiva
liberdade. Socialismo – como exigência do processo social – é o patamar mais elevado
possível da sociabilidade humana, e portanto, da liberdade, ou não é socialismo.
Mas, para fins de exame, admitamos que direito e política possam subsistir em uma
sociedade socialista. É evidente que isto não poderia ser concluído senão após uma profunda
discussão acerca do que é socialismo. Com efeito, para Marx, assim como a crítica da religião
não é a crítica da religião, mas do solo social que lhe dá origem e sustentação, também no
caso do direito e da política (e de toda outra atividade humana) a crítica de qualquer uma
delas é a crítica de sua matriz originária. Se, pois, posto o matrizamento ontológico de uma
sociedade socialista (a forma específica do trabalho) – visto sempre numa perspectiva da
autoconstrução humana – direito e política fossem uma condição necessária para a reprodução
do ser social neste novo patamar, então eles teriam, por força das coisas, sua existência
garantida. Sem o exame crítico da problemática do socialismo, a partir do solo matrizador do
trabalho, e sem a eliminação, por completo, do pressuposto falso do chamado “socialismo
real”, toda a discussão fica desfocada e, a meu ver, toda tentativa de fundamentar a
perenidade do direito e da política e a validade universal dos Direitos Humanos, se torna, no
mínimo, problemática.
Por sua vez, a concepção liberal-democrática perde o argumento de que o fracasso da
revolução soviética é prova da inviabilidade do socialismo. Obviamente, o que não existiu não
pode servir de argumento para nada. Também não vale argumentar que socialismo não é um
ideal, mas o que de fato aconteceu. Tal argumento equivaleria a dizer que a teoria do arquiteto
que ideou uma casa não é válida porque o mestre-de-obras que a construiu, na ausência de
material de primeira, usou material de quinta categoria e por isso ela ruiu. É óbvio que este
último fato não torna inválida aquela teoria. Isto porque, dadas as condições por ela exigidas,
a casa poderia ter sido construída e poderia funcionar perfeitamente. O mesmo se dá com a
teoria marxiana do socialismo. Para Marx, a construção de uma sociedade socialista exigia
determinadas condições, em cuja ausência isto seria impossível. Mas, para sepultar de vez
13

esse argumento, bastaria um exemplo tirado da história da ciência. Sabe-se que a teoria do
heliocentrismo, já conhecida na antiguidade, foi durante muitos séculos rejeitada como falsa.
Seria ela menos verdadeira (ou até efetivamente falsa) porque, por circunstâncias históricas
concretas, não pode se tornar a teoria dominante? Vê-se logo que a relação entre a teoria e o
processo histórico concreto é muito diferente do que supõe o argumento acima.
Ora, ao se instaurar uma forma de sociabilidade efetivamente socialista já não haverá
direito à propriedade, muito menos à propriedade privada, como também não haverá direito à
liberdade, à igualdade, à vida, à segurança, ao trabalho, à saúde, à educação, etc. Vale reforçar
mais uma vez: estes direitos, por mais aperfeiçoados que possam ser, enquanto permanecerem
como direitos sempre serão essencialmente diferentes de sua realização efetiva numa
sociedade socialista. E, por isto mesmo, sempre expressarão uma forma de sociabilidade
humanamente inferior à sociabilidade socialista. Estes direitos continuarão a existir, segundo
Marx, como direitos de caráter burguês, no período de transição do capitalismo ao
comunismo, mas de modo nenhum na própria sociedade comunista. Aqui chegamos ao
verdadeiro punctum saliens: onde algo efetivamente existe por força da natureza das coisas,
não pode existir como direito. Por exemplo: onde todos podem apropriar-se da riqueza
universal – porque ela existe em abundância e sob forma adequada a uma vida humana,
historicamente falando, digna – esta apropriação já não necessita de nenhuma garantia
jurídico-política. Deixa de existir o direito à propriedade para existir simplesmente o acesso
natural à riqueza. O mesmo se dá em relação a todos os outros direitos. Em resumo, uma
sociedade plenamente emancipada, onde foi suprimida radicalmente a desigualdade social,
onde os homens são efetivamente livres e iguais, onde os indivíduos podem, de fato,
construir-se como indivíduos plenamente humanos porque têm acesso ao patrimônio genérico
comum, não faz sentido a exist6encia de qualquer tipo de poder político e de direito.
Sei que, neste ponto, se levanta uma questão que, infelizmente, não posso desenvolver
aqui. Trata-se do seguinte: Se o direito desaparecer, o que, então, regulará as relações sociais,
já que algum tipo de regulação é intrínseco à existência da sociedade? Pode-se dizer, muito
brevemente que, em primeiro lugar, é impossível saber isto, em detalhes, com antecedência.
Em segundo lugar, que os valores morais e éticos terão ali um papel primordial. Mas, é óbvio
que não basta afirmar isto. Seria preciso evidenciar os lineamentos da nova forma de
sociabilidade para mostrar este papel da moral e da ética na regulação da vida social. Como
não podemos alongar-nos sobre isto, remetemos de novo à Ontologia do Ser Social, de G.
Lukács. Embora este autor não tenha escrito uma ética, nesta obra se encontram elementos
interessantes para pensar esta problemática.
14

Se o que dissemos acima está no caminho certo pode-se, então, afirmar que os Direitos
Humanos, como todos os outros direitos têm um caráter essencialmente limitado. Vale dizer,
eles só têm validade em uma forma de sociabilidade em que a efetiva realização do indivíduo
é impossível. Onde ela é possível, eles perdem a sua validade. Neste sentido, os Direitos
Humanos têm, sim, um caráter burguês. São direitos, como todos os outros, que integram a
sociabilidade que se ergue sobre os alicerces do capital, da propriedade privada. Nem por isso
são menosprezáveis agora nem suprimíveis no socialismo, a não ser por via social. Pois, se de
um lado, eles contribuem – independentemente das intenções dos que os defendem – para a
reprodução da sociabilidade capitalista, de outro lado, eles também possibilitam a defesa e a
ampliação do espaço de realização do indivíduo e, portanto, do gênero humano nesta mesma
sociedade. De modo que a luta pelos Direitos Humanos, como pelo conjunto das objetivações
democrático-cidadãs, não só é válida como pode ter um papel muito importante. Mas é
preciso ter claro que ela pode ter um caráter reformista ou revolucionário. Terá um caráter
reformista e, portanto, contribuirá para a reprodução desta ordem social desumana se tiver
como fim último o aperfeiçoamento da cidadania e da democracia. Terá um caráter
revolucionário se tiver clareza quanto aos seus limites e se estiver articulada com lutas clara e
radicalmente anti-capitalistas.
Infelizmente, o que predomina, hoje, é a primeira perspectiva. Esta perspectiva
fundamenta-se no pressuposto, falso, de que são as dimensões jurídica e política que fundam a
sociedade ou, pelo menos de que elas integram a insuprimível natureza do ser social, devendo,
portanto, continuar a existir numa sociedade socialista. O que quer dizer que sem direito e
sem política não é possível existir sociedade. Se isto for verdade, não faz sentido pensar e
lutar por uma sociedade onde não exista nem direito nem política. Trata-se, então, de
aperfeiçoar a sociabilidade por elas integrada ou, então, eliminar os obstáculos que impedem a
sua plena efetivação. Minha enfática afirmação, ao contrário, é de que onde existirem o direito
e a política a humanidade não poderá atingir o grau mais elevado e possível da sua realização.
De que, por mais que se aperfeiçoe a ordem jurídica e política, ela jamais será capaz de por
em questão as raízes da ordem social do capital. De modo que direito e política continuarão a
ser, sempre, expressões e condições de reprodução da desigualdade social. E onde a
desigualdade social tiver sido eliminada pela raiz já não haverá necessidade nem de direito
nem de política.
Retomo, pois, a minha tese inicial. A luta pelos Direitos Humanos só adquire seu mais
pleno e progressista sentido, hoje, se tiver como fim último a própria extinção dos Direitos
Humanos. Portanto, não se estiver voltada para o aperfeiçoamento da cidadania e da
democracia, mas para a radical superação da ordem social capitalista, da qual cidadania e
15

democracia são parte indestacável. E creio ter argumentado o suficiente para deixar claro que
a extinção destes direitos – no socialismo – não significará uma regressão, mas um progresso
na autoconstrução do ser social.

Referências Bibliográficas

MARX, K. e ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Hucitec, 1986.


______, Crítica do Programa de Gotha. Porto: Portucalense Editora, 1971.
______, Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Cortez, 1998.
______, A questão judaica. São Paulo: Moraes, 1991.
LUKÁCS, G. Ontologia del’Essere Sociale. Roma: Riuniti, 1976-1981.
ARENDT, A. As origens do totalitarismo. 2.ed., Rio de Janeiro: Documentário, 1979
BOBBIO, N. A era dos direitos. Rio de janeiro: Campus, 1992.

  





 
      
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Educação
1
A EDUCAÇÃO NUMA ENCRUZILHADA

Esse artigo pretende contribuir para pensar a educação partindo da crise do mundo
atual. A crise estrutural do capital, fruto da própria lógica deste, põe, hoje, a
humanidade diante de uma clara disjuntiva: ou a intensificação da barbárie do capital
ou a superação deste em direção ao socialismo. Como parte dessa sociabilidade, e
como mediação para a reprodução social, a educação também se vê diante de uma
encruzilhada: ou contribui para a reprodução do capital e sua barbárie ou para a
construção de uma nova e superior forma de sociabilidade. Palavras-chave: Crise.
Emancipação humana. Educação. Via colonial.

Introdução

Não é de se admirar que a educação, assim como todas as outras dimensões sociais,
estejam em crise. Não só nos países periféricos, mas, embora de modos diferentes, também
nos países centrais. Afinal, o mundo todo está em crise. Há algumas décadas ele vem sendo
sacudido por intensas, amplas e profundas transformações que, tendo seu epicentro na
economia, se espraiam por todas as dimensões sociais.
A existência de crises no capitalismo não é nova. Por isso mesmo, muitos pensam
que esta, à semelhança de outras, é uma crise de caráter conjuntural, após a qual a
humanidade encontrará um outro patamar superior de desenvolvimento. E que, como toda
crise tem aspectos positivos e negativos, não há porque cair no pessimismo. Seria preciso
apenas trabalhar no sentido do desenvolvimento dos aspectos positivos.
Outros, porém, entendem que há uma diferença substancial entre esta crise e as
crises precedentes. Não que ela significasse o colapso inevitável do capitalismo, mas que ela
estaria atingindo as estruturas mais profundas desta ordem social. A consequência mais geral
disto seria que, para reproduzir-se, o capital agravaria cada vez mais os problemas da
humanidade.1
Por motivos que exporemos mais adiante, partilhamos esta segunda idéia. E, em
consequência, achamos que a educação não poderia deixar de ser profundamente afetada por
essa crise estrutural. De modo que a atividade educativa se vê diante de uma encruzilhada:
contribuir para a reprodução ou para a superação desta ordem social? Nossa reflexão irá no
sentido de pensar a atividade educativa voltada para esta segunda alternativa, uma vez que o

1
Não estamos nos referindo a esta crise como se fosse a última. Sua importância não está no fato de que possa
ser insuperável, mas de implicar um agravamento de tal ordem dos problemas sociais, que põe em perigo a
existência da própria humanidade.
2
compromisso com a primeira significaria a perenização de uma ordem social fundada na
exploração do homem pelo homem. Contudo, surgem aí algumas perguntas inevitáveis: de
que modo a educação é afetada por esta crise estrutural? Como conduzir a atividade educativa
de modo a que ela contribua para a superação desta ordem social? Isto é possível? Em que
medida?
A resposta não é de modo nenhum fácil, uma vez que envolve inúmeros e
complexos aspectos. A dificuldade é ainda maior, se levarmos em consideração a gravidade e
a urgência dos problemas a exigirem soluções imediatas. Contudo, por maior que seja a
urgência, é preciso fazer um esforço no sentido de uma reflexão serena e rigorosa, pois desta
depende uma prática lucidamente orientada.
No intuito de contribuir para responder àquelas questões, exporemos aqui algumas
idéias.

1. A lógica do capital

Antes de mais nada, é preciso apreender a lógica mais profunda que preside o
evolver da sociedade capitalista, já que ela é a matriz a partir da qual se ergue todo este
edifício social. Não se pretende, com isto, deduzir mecanicamente a situação da educação a
partir de crise do capital. Quer-se, apenas, deixar claro que é impossível compreender a
primeira sem buscar as suas raízes na segunda.
Como se sabe, o capital é uma relação social e não uma coisa. Esta relação, por sua
vez, tem sua origem na compra-e-venda da força de trabalho do produtor pelo capitalista.
Vale enfatizar que esta compra-e-venda pode assumir as mais variadas formas, implicando
sempre a dominação do capital sobre o trabalho e a apropriação privada (ainda que de forma
indireta) da maior parte da riqueza produzida. Nesta relação, o capitalista paga ao trabalhador
um salário, que representa o custo – socialmente estabelecido – da reprodução da força de
trabalho. Como o custo dessa reprodução é menor do que aquilo que o trabalhador produz
durante o tempo de trabalho contratado, a parte que sobra – em geral a parte maior – vai para
as mãos do capitalista, transformando-se nas várias formas da propriedade privada.
É por si evidente que esta relação implica, necessariamente, uma relação de
exploração e de dominação do capitalista sobre o trabalhador. O que significa que a produção
da desigualdade social não é um defeito, mas algo que faz parte da natureza mais essencial
desta matriz geradora do capitalismo. O que, por sua vez, significa que é impossível construir,
a partir dela, uma autêntica comunidade humana, vale dizer, humanizar o capital.
3
Desde que este ato originário seja admitido como insuperável, toda reflexão e toda
ação não poderão deixar de resumir-se à busca das melhores formas possíveis – jurídicas,
políticas, éticas, educativas, etc. – de convivência social, no interior dos limites por ele
demarcados.
Porém, esta lógica, uma vez posta em movimento, adquire uma vida própria, um
evolver que é sempre resultado dos atos humanos singulares e que pode assumir as mais
variadas formas, mas que nenhum poder é capaz de controlar.2. Daí porque Marx chama de
férreas as leis que regem o capitalismo. Não vai aí nenhum determinismo porque, à diferença
das leis da natureza, as leis do capitalismo são oriundas de atos humanos e, portanto, são de
caráter histórico-social e não natural. Enquanto permanecerem vigentes os atos que lhes dão
origem, nenhum outro ato – jurídico, político, ético, etc. – poderá controlar essa lógica.
Para evitar mal-entendidos, vale esclarecer que a incontrolabilidade do capital não
significa a impossibilidade de qualquer controle ou limitação. Significa sim, e precisamente,
que é impossível impor ao capital uma outra lógica que não seja a da sua própria reprodução.
Por exemplo: obrigá-lo a ter como objetivo primeiro uma produção voltada para o
atendimento das necessidades humanas. O capital é como um rio, cada vez mais caudaloso. É
possível opor-lhe obstáculos, desvios, limites provisórios, mas ele sempre encontrará meios e
modos de superá-los. Basta ver o que aconteceu tanto nos países ditos socialistas quanto nos
próprios países capitalistas.
Dessa lógica do capital faz parte o fato de que há, necessariamente, uma disputa,
tanto entre os próprios capitalistas, quanto entre estes e os trabalhadores. É a já velha e ainda
insuperada luta de classes. Um dos resultados desta disputa é uma modificação crescente
naquilo que é conhecido como composição orgânica do capital. Sabe-se que o capital é
composto de duas grandes partes: o capital constante (máquinas, imóveis) e o capital variável
(mão-de-obra). A disputa mencionada acima é responsável (Não única e nem sempre direta,
mas fundamental) pelo desenvolvimento científico e tecnológico. Com a incorporação de
novas tecnologias, os capitalistas tanto podem superar-se uns aos outros como manter,
sempre, sob controle a classe trabalhadora. Ora, na medida em que novas máquinas, com
todas as suas exigências, são incorporadas ao processo de produção, é possível produzir mais
com menos custos e, portanto, com menos mão-de-obra, resultando isto no barateamento dos
produtos. Aumenta, assim, o capital constante e diminui o capital variável. Resultado
imediato: crescimento da capacidade produtiva, mas, ao mesmo tempo, aumento do

2
Sobre a questão da incontrolabilidade do capital ver, de I. Mészáros, Para além do capital. São Paulo:
Boitempo, 2002.
4
desemprego, rebaixamento dos salários e da capacidade de consumo. Em decorrência,
diminuição dos lucros dos capitalistas, acirramento da concorrência, etc.
Como se apresenta esta situação no momento atual? A introdução crescente de novas
e avançadas tecnologias levou aquelas determinações normais do processo capitalista a um
nível sem precedentes. Em consequência, todo o processo produtivo sofreu e continua a sofrer
uma enorme e profunda reestruturação.3 Como resultados, temos o aumento do desemprego,
porém agora de uma forma avassaladora e irreversível; a precarização do trabalho; a corrosão
dos direitos trabalhistas e sociais; a ampliação do trabalho informal; o processo de
mercantilização das empresas e serviços públicos; uma produção cada vez mais destrutiva, ou
seja, obrigada a tornar os bens cada vez mais rapidamente obsoletos; uma competição cada
vez mais violenta entre as empresas e entre os Estados nacionais; a submissão mais direta dos
Estados aos interesses do capital e inúmeros outros fenômenos. Tudo isto, juntamente com o
enorme agravamento dos problemas sociais de toda ordem: miséria, pobreza, fome,
violências, degradação dos serviços de saúde, habitação, saneamento, educação, etc.
Vale, aqui, acentuar, porém: tudo isto acontece em um momento da história da
humanidade em que existiriam condições tecnológicas para produzir bens suficientes de modo
a satisfazer as necessidades básicas (materiais e espirituais) de toda a humanidade. De modo
que não é pela falta de desenvolvimento das forças produtivas, mas pela forma que este
desenvolvimento assume como resultado de determinadas relações sociais assentadas na
apropriação privada da riqueza socialmente produzida que se dá o agravamento dos
problemas. Esta forma, que é a manifestação da lógica férrea do capital, tende a caminhar no
sentido de um agravamento cada vez maior dos problemas da humanidade e não, como
pensam muitos autores, no sentido da sua solução.
Mas, as conseqüências não se fazem sentir apenas na área mais diretamente
econômica. Elas afetam, também e poderosamente, o mundo das idéias, dos valores e das
relações sociais. Diante dessa lógica perversa e poderosa do capital, o indivíduo humano se
sente perdido, nulificado e completamente impotente. Exacerba-se, com isto, o
individualismo, a “guerra de todos contra todos”, levando a um empobrecimento e a uma
brutalização crescente da vida humana.
O mais interessante é que a maioria dos pensadores passa até a elaborar teorias para
confirmar e sustentar essa impotência como algo que deve ser aceito já que expressaria a
efetiva condição humana. Teorias da morte do sujeito, do fim da história, da diminuição do
poder da razão e, especialmente, teorias para demonstrar a insuperabilidade desta ordem

3
Sobre a reestruturação produtiva e suas conseqüências existe uma vasta e conhecida bibliografia, o que
dispensa referências.
5
social, cabendo apenas o seu aperfeiçoamento. Nestas duas vertentes podem ser encontrados
intelectuais considerados dos mais expressivos no mundo de hoje e no passado recente, tais
como: Foucault, Lyotard, Baudrillard, Vattimo, Habermas, Rawls, Rorty, Touraine, B. de
Souza Santos e tantos outros.

2. A educação e a crise

É neste quadro que a educação tem que ser pensada, hoje, tanto no sentido geral
como no sentido específico do Brasil.
Na esteira de Marx, entendemos que o trabalho é o fundamento ontológico do ser
social. E que todas as outras dimensões sociais – a exemplo da política, do direito, da ciência,
da arte, etc. – mantêm com ele uma relação de dependência ontológica e de autonomia
relativa. Ao trabalho, pois, pertence este caráter matrizador que nenhuma das outras
dimensões pode assumir. Quanto às outras dimensões, embora se originem a partir do
trabalho, sua natureza e legalidade específicas mostram que elas não são uma expressão direta
e mecânica dele. Deste modo, na dinâmica social, sempre temos uma determinação recíproca
tanto entre trabalho e outras dimensões como entre estas mesmas.
É, pois, fácil entender que, na medida em que a matriz do mundo, que é o trabalho,
está em crise, a educação não poderia deixar de participar desta mesma crise. Como, porém,
esta crise rebate na educação? Das mais variadas formas, mas, sinteticamente, em primeiro
lugar, revelando a inadequação da forma anterior da educação frente às exigências do novo
padrão de produção e das novas relações sociais; constatando que as teorias, os métodos, as
formas, os conteúdos, as técnicas, as políticas educacionais anteriores já não permitem
preparar os indivíduos para a nova realidade. Em segundo lugar, levando à busca, em todos os
aspectos, de alternativas para esta situação.4 Em terceiro lugar, imprimindo a esta atividade,
de modo cada vez mais forte, um caráter mercantil. Isto acontece porque, como consequência
direta de sua crise, o capital precisa apoderar-se, de modo cada vez mais intenso, de novas
áreas para investir. A educação é uma delas. Daí a intensificação do processo de privatização
e de transformação desta atividade em uma simples mercadoria. Não é preciso referir as
conseqüências danosas que este processo traz para o conjunto da atividade educativa.
Frente a esta situação de crise, duas são as respostas mais importantes dos teóricos
da educação. Uma primeira (desnecessário dizer que não há homogeneidade no seu interior),
que pode ser chamada de conservadora, vai no sentido de apontar a necessidade de novas leis,

4
Também aqui a bibliografia é ampla e muito conhecida, dispensando referências.
6
novas políticas educacionais, novos métodos, técnicas e conteúdos, que permitam formar os
indivíduos de modo que eles se adequem às novas exigências e, especialmente, de enfatizar a
necessidade de parcerias da escola com a “comunidade” e com as empresas. Neste sentido, é
sintomático o uso de termos como qualidade total, formação flexível e polivalente, novas
qualificações, competências, empregabilidade, etc. Tudo isso recoberto com o manto de
valores humanistas, solidários e cidadãos.
Esta primeira resposta tem por certo que a crise do mundo atual, como outras, é
passageira e terá como resultado um novo patamar de desenvolvimento que trará benefícios
para toda a humanidade. Vale dizer, partilha a convicção da perenidade desta ordem social,
cabendo buscar o seu aperfeiçoamento, mas respondendo, fundamentalmente, aos interesses
expressos pelo mercado.
Uma segunda, que poderia ser chamada de progressista (e que também não é
homogênea), entende que são as políticas neoliberais as responsáveis pelo agravamento dos
problemas da humanidade. Outras políticas poderiam levar à construção de uma sociedade
mais justa e igualitária. Isto mostra que esta segunda resposta pressupõe aquilo que antes
afirmamos ser inviável: a possibilidade de controlar a lógica mais profunda do capital. Supõe
que “um outro mundo é possível”, “uma outra educação é possível” sem, contudo, exigir a
superação radical do capital.
É esta segunda resposta que põe a ênfase numa “educação cidadã crítica”. Vale
dizer, numa educação que não vise apenas a formar indivíduos para a reprodução direta e
imediata desta ordem social, que não os prepare apenas para servirem de mão-de-obra para o
capital, mas que sejam trabalhadores e cidadãos. Capacitados para atender às novas
exigências do processo produtivo, mas também conscientes dos seus direitos e dispostos a
participar ativa e criticamente da construção de uma sociedade mais justa, mais humana e
mais igualitária. Daí porque as palavras-chave são “educação cidadã crítica”, “educação
democrática”, “educação participativa”, “educação emancipadora”, “educação
humanizadora”.
Ambas as respostas, ao nosso ver, estão fadadas ao insucesso. A primeira porque
supõe que esta crise seja de caráter conjuntural e que, uma vez ultrapassada, se abrirá um
novo ciclo de bem-estar extensivo a toda a humanidade. Além do mais, esta concepção de
educação, inteiramente voltada – apesar do discurso humanista – para a reprodução do capital,
contribui poderosamente para a mais profunda desumanização do homem, uma vez que aceita
e consolida o seu caráter de mercadoria e, portanto, aceita como um fato consumado a
exploração do homem pelo homem.
7
A segunda porque supõe, sem nenhuma base para demonstração e desconhecendo a
lógica mais profunda do capital, a possibilidade de controle e humanização deste, quando isto
é impossível. Supõe que cidadania seja sinônimo de liberdade, bastando agregar-lhe o termo
“crítica” para que ela ganhe uma qualidade superior. Supõe, portanto, que quanto mais ampla
e profunda a cidadania, maior será o grau de liberdade e de humanização dos indivíduos, sem
que isto implique uma ruptura radical com a ordem do capital. Entendemos que isto é falso.
Já demonstramos em nossa tese de doutorado, intitulada “Educação, cidadania e
emancipação humana”, e em outros escritos, a natureza essencialmente limitada da
cidadania.5 A cidadania moderna tem a sua base no ato que funda o capitalismo, que é o ato
de compra-e-venda de força de trabalho. Ao realizar este contrato, capitalista e trabalhador se
enfrentam como dois indivíduos livres, iguais e proprietários. E esta é a base do
desenvolvimento – certamente processual e conflitivo – de todos os subseqüentes direitos
civis, políticos e sociais. Contudo, ao entrar em ação o processo de trabalho assim contratado,
evidencia-se imediatamente a não simetria dos dois contratantes. O capitalista evidencia-se
como mais igual, mais livre e mais proprietário. Afinal, é ele que explora, domina e se
apropria da maior parte da riqueza e não o trabalhador. Fica claro, deste modo, que cidadania
é forma política de reprodução do capital e que, por isso, jamais poderá expressar a autêntica
liberdade humana.
Está, pois, instaurada, no coração mesmo do ato que funda a sociabilidade do
capital, a desigualdade social. A dimensão jurídico-política poderá, certamente, contribuir
para impor-lhe limites, mas não para erradicá-la. Nenhum aperfeiçoamento, melhoria,
ampliação, correção ou conquista de direitos que compõem a cidadania poderá eliminar a raiz
que produz a desigualdade social. Pelo contrário, o exercício daqueles direitos permite, ao
aparar as arestas e ao tornar menos brutal a escravidão assalariada, que este sistema social,
fundado na desigualdade, funcione melhor, pois conta com o beneplácito dos próprios
explorados e dominados.
Reconhecer as limitações intrínsecas da cidadania não significa, de modo nenhum,
menosprezar a importância que ela teve e tem no processo de autoconstrução do ser social.
Significa apenas reconhecer que ela integra necessariamente– ainda que de modo
contraditório e tensionado – a sociabilidade regida pelo capital. De modo que cidadania, por
mais plena que seja, jamais será sinônimo de liberdade plena.6

5
Democracia ou Liberdade. Maceió, Edufal, 1997. e Educação e Concepções de Sociedade. In: Universidade e
Sociedade, 19 (9), 1999, p. 100-104.
6
Por liberdade plena não entendemos liberdade absoluta, total, irrestrita, mas uma liberdade que expresse o fato
de que os homens são efetivamente senhores da sua história.
8
Conservando a questão neste nível de generalidade, isto é, sem discutir, ainda, as
situações e as mediações histórico-concretas, o que se conclui das afirmações anteriores é que
toda atividade educativa que pretenda contribuir para a formação de indivíduos efetivamente
livres – definida a liberdade no seu patamar mais elevado historicamente hoje possível – deve
ter como horizonte norteador a emancipação humana e não a emancipação política, da qual a
cidadania é parte integrante..
Em que consiste a emancipação humana? Para uma explicitação e fundamentação
mais ampla da natureza e da possibilidade desta categoria, remetemos, de novo, à nossa tese
de doutorado acima citada. Aqui referiremos apenas os elementos essenciais.
Os homens serão efetivamente (plenamente) livres quando puderem, de fato, ser
senhores do seu destino. Isto nada tem a ver com liberdade absoluta, anárquica ou irrestrita.
Tem a ver apenas (e isto é essencial) com a possibilidade de os homens estarem em condições
– a partir de uma base material capaz de criar riquezas suficientes para satisfazer as
necessidades de todos – de serem efetivamente sujeitos da sua história. Como o capital é o
sujeito fundamental da atual forma de sociabilidade – nesta sociedade quem é livre é o capital
e não os homens – a plena liberdade humana só pode florescer para além do capital. Este para
além do capital se chama comunismo.7 Uma forma de sociabilidade que deve,
necessariamente, ter como base o trabalho associado. Este – que nada tem a ver com o
trabalho em cooperativas no interior do capitalismo – tem como característica essencial o fato
de os produtores controlarem, de forma livre, consciente e coletiva o processo de produção e
distribuição da riqueza. Vale dizer, estabelecerem o que, quanto e em que condições os bens
serão produzidos e distribuídos. Como todos trabalharão, na medida das suas possibilidades e
capacidades, estará eliminado o fundamento da desigualdade social – a exploração e a
dominação do homem pelo homem – com todo o seu cortejo de categorias (capital, mais-
valia, trabalho assalariado, mercadoria, divisão social do trabalho, alienação, etc.) e todo o
conjunto de mediações essenciais para a sua reprodução (estado, política, direito, etc.).
É claro que a instauração do trabalho associado exigirá forças produtivas muitíssimo
desenvolvidas, já que é impossível construir uma sociedade comunista (homens plenamente
livres) sobre uma base material precária. Serão estas forças produtivas altamente
desenvolvidas que permitirão diminuir o tempo de trabalho necessário e aumentar o tempo
livre. Tempo livre só é efetivamente livre quando não estiver sujeito à lógica do capital. Frise-
se: o tempo livre é a exata medida da emancipação humana. Pois é ele que possibilitará o

7
Poucas noções foram tão deformadas pela luta ideológica como esta de comunismo. Por isso, é preciso retomar
essa problemática do começo, ou seja, a partir da natureza do próprio ser social, sob pena de entrar em inúmeros
becos-sem-saída. Procuramos expressar nossas idéias a esse respeito, de forma bem introdutória, no livro
intitulado Sobre o socialismo, publicado pela HDLivros, de Curitiba, em 2002.
9
desabrochamento das potencialidades dos indivíduos a serviço da sua autoconstrução e não da
reprodução do capital.
Neste momento estará aberto um patamar de sociabilidade – Marx chama isso de
história humana propriamente dita – no qual os homens terão a regência – na forma mais
ampla e profunda humanamente possível – do processo histórico.
Parece-nos claro que a educação, sendo uma mediação para a reprodução social,
terá, sendo esta uma sociedade de classes, suas funções sociais voltadas predominantemente
para a reprodução das relações dominantes desta forma de sociabilidade. Nesse sentido,
parece-nos fadada ao insucesso qualquer tentativa de criar uma escola, uma política
educacional, uma educação como algo universal, que não tenha – ainda que em formas e
intensidades diferentes – aquela tendência acima referida. Contudo, esta não é a única
possibilidade. Por isso mesmo, a afirmação acima não significa nenhum imobilismo ou
acomodação. Pelo contrário, significa realizar o que é possível, ainda que este pareça pouco,
mas na direção certa. Mas, qual é a direção certa? O que é o possível?
Aqui vale a pena um pequeno excurso sobre a categoria do possível. Esta categoria é
freqüentemente utilizada para justificar objetivos que demonstrem uma viabilidade imediata,
opondo-se, assim, a objetivos julgados de difícil ou impossível obtenção. O sentido atribuído
a essa categoria por Aristóteles, pode nos ajudar a equacionar melhor o problema. Segundo
ele, o possível é um conjunto de determinações do objeto que podem ou não vir a se realizar.
Em princípio, todas são possíveis. Contudo, nem todas se realizarão. Esta realização depende
de muitas coisas. O rumo, porém, que ela tomará – o que é da maior importância – depende
do fim que se quer atingir. O que significa que é incorreto definir o que é possível pela sua
viabilidade imediata. Muito mais importante do que isso é verificar em que medida aquilo que
está sendo realizado se conecta, através de quais mediações, com qual fim. Não se trata,
portanto, de menosprezar a viabilidade, mas de compreender que, sendo esta sempre
importante, sua definição, em termos de amplitude, profundidade e prazos, sempre estará –
explícita ou implicitamente – vinculada ao fim almejado. Portanto, a primeira e principal
questão é: qual a natureza do fim pretendido?
O desconhecimento ou o uso impreciso desta categoria da possibilidade e,
juntamente com ele, o estabelecimento de fins que contrariam aquilo que se diz pretender (no
caso, cidadania plena como sinônimo de liberdade plena), são responsáveis, em larga medida,
pelo extravio da reflexão pedagógica progressista atual. Pois esta, em sua ampla maioria e
independente das diferenças entre os autores, põe como fim um mundo de cidadania plena e
como mediação uma educação (políticas, conteúdos, métodos, técnicas, etc.) cidadã crítica.
Vale dizer, busca um fim impossível e que não significa a plena liberdade humana e
10
estabelece meios, que aparentam uma viabilidade imediata, mas que, a um prazo maior,
revelam-se apenas instrumentos de reprodução de uma forma de sociabilidade marcada pela
exploração do homem pelo homem.
Contudo, é preciso reconhecer que o esclarecimento desta categoria do possível e de
sua conexão com o fim desejado não torna fácil, por si mesma, a tarefa de “dar passos na
direção certa”. Seu grande mérito é contribuir para estabelecer parâmetros que ajudarão a
decidir quais os meios – independente do sucesso imediato – que deverão ser utilizados para
alcançar o fim colimado.
Se o que dissemos até agora está no caminho certo, então, diante da crise estrutural
em que o mundo está imerso, que resulta da lógica do próprio capital e que leva a uma
barbarização cada vez maior da vida humana, a superação radical do capital e a conseqüente
instauração de uma sociedade comunista se colocam como objetivos evidentes. Por isso
mesmo, toda atividade educativa, teórica e prática, que pretenda contribuir para formar
pessoas que caminhem no sentido de uma autêntica comunidade humana, deve nortear-se pela
perspectiva da emancipação humana e não pela perspectiva da construção de um mundo
cidadão. Vale enfatizar: um mundo cidadão significaria a melhor forma política de
reprodução da sociabilidade mantendo, ao mesmo tempo, a desigualdade social. Por mais que
aquele objetivo pareça difícil e sem viabilidade imediata, ele deve ser perseguido
incansavelmente porque ele é o objetivo mais humanamente digno.8
Contudo, não é nada fácil, no meio da extremamente complexa e complicada
situação atual, orientar a ação educativa no sentido da emancipação humana. De nada adianta
buscar modelos e receitas. Mas, certamente não é possível sem ter clara noção, em primeiro
lugar, da natureza e da possibilidade dessa emancipação. Basta perguntar aos educadores o
que é emancipação humana, quais os fundamentos ontológicos e histórico-concretos da sua
possibilidade para termos a dimensão do problema. A maioria certamente quer uma sociedade
mais justa, mais livre, mais igualitária e mais humana. Mas, o que significa isso para além de
um conteúdo vago onde tudo pode caber? E, mesmo quando há uma reflexão mais acurada
sobre isso, as concepções são as mais problemáticas, pois tendem a identificar emancipação
humana com cidadania plena. Como, então, contribuir para atingir um objetivo do qual se tem
uma idéia tão vaga?
Poder-se-ia alegar que não é possível saber como será uma sociedade futura e que “é
preciso fazer o caminho caminhando”. Esta alegação tem uma parcela de verdade. Porém,
tomada ao pé-da-letra, é um absurdo. É evidente que não se pode saber como será uma

8
Sobre as condições ontológicas e histórico-estruturais de possibilidade ver nossa tese de doutorado
anteriormente citada.
11
sociedade futura. Não existem modelos. Mas, o que se pode e deve saber são os parâmetros
gerais e essenciais que nortearão essa sociedade. Porque estes parâmetros são abstraídos do
próprio processo histórico-social. E, embora tenham um caráter altamente abstrato, nada têm
de especulativo, ou seja, não são um mero construto da razão ou da imaginação. São apenas
momentos, mas momentos reais, efetivos, que a razão faz emergir ao analisar o concreto
processo histórico. A partir deles, e sempre norteados por eles, é possível, sim, “fazer o
caminho caminhando”. Sem eles, é o mesmo que “buscar, num quarto escuro, um gato preto
que lá não existe”.
Dissemos, acima, que a educação é uma mediação para a reprodução social. E que,
numa sociedade de classes, ela, necessariamente, contribuirá predominantemente para a
reprodução dos interesses das classes dominantes. Daí a impossibilidade de estruturar a
educação, no seu conjunto, de modo a estar voltada para a emancipação humana. É por isso
que entendemos não ser possível “uma educação emancipadora”, mas apenas a realização de
“atividades educativas emancipadoras”. Ao nosso ver, é perda de tempo querer pensar uma
educação emancipadora (conteúdos, métodos, técnicas, currículos, programas, formas de
avaliação, etc.) como um conjunto sistematizado que possa se transformar em uma política
educacional. Certamente, podem-se estabelecer políticas educacionais mais ou menos
progressistas e, por isso, a luta nessa esfera não deve ser menosprezada. Porém, o conjunto da
educação só poderá adquirir um caráter predominantemente emancipador na medida em que a
matriz da sociabilidade emancipada – o trabalho associado – fizer pender a balança para o
lado da efetiva superação da sociabilidade do capital. Vale dizer, na medida em que se realizar
uma revolução. Se se quiser um exemplo, basta lembrar da revolução cubana. Sem entrar na
questão da natureza dessa revolução e mesmo descartando qualquer caráter socialista dela, é
inegável que, na medida em que a revolução fez pender a balança para o lado dos interesses
populares, todo o sistema educacional foi profundamente modificado, ganhando um enorme
impulso no sentido do favorecimento daqueles interesses.
Propor, hoje, uma “educação emancipadora” não pode passar da simples projeção de
um desejo, de um discurso humanista abstrato. O que é possível fazer, hoje, ao nosso ver, são
atividades educativas que apontem no sentido da emancipação (além, obviamente, da disputa
com o capital no terreno das políticas educacionais). Parece muito pouco face à enormidade
dos problemas. Vale, então, lembrar o que dissemos acima sobre a categoria da possibilidade.
É melhor fazer pouco na direção certa, do que muito na direção errada. Mesmo assim, quando
se examinam de perto as atividades educativas possíveis na direção da emancipação humana,
a quantidade e a qualidade delas são enormes. Sua realização, porém, depende do que anda na
12
cabeça das pessoas. Pois é lá que estão as idéias, os conhecimentos, os valores, as convicções
que permitem fazer as escolhas.
Mas, para isso, além de ter clareza quanto ao objetivo final a ser atingido, também é
necessário compreender bem a lógica que preside a sociedade capitalista e a natureza atual da
crise; ter clareza acerca da natureza e das funções sociais da educação, de modo a nem
subestimá-la nem superestimá-la; ter um domínio tal da área com a qual se trabalha que
permita oferecer o melhor conhecimento possível aos educandos e, finalmente, articular as
lutas específicas da categoria dos educadores com as lutas mais gerais.

3. Uma pergunta que não deveria faltar

Nossas considerações se mantiveram, até agora, em um nível de generalidade tal que


poderiam ser referidas a qualquer país. Contudo, há uma grande diferença entre os países
ricos e os países pobres. Aqueles alcançaram o patamar mais elevado da sociabilidade
capitalista. São aqueles que realizaram plenamente a revolução burguesa.9. Estes – os países
pobres – se viram impedidos, por uma série de circunstâncias – internas e externas – e até
pelas suas relações de dependência e subordinação aos países ricos, de realizar as
transformações que caracterizam essa revolução. Desse modo, não é possível pensar a
problemática da educação sem levar em conta essas diferenças. Como o nosso interesse está
voltado para a situação brasileira vejamos, a largos traços, o caso do Brasil.
Se examinarmos a reflexão que chamamos de progressista sobre a educação
brasileira, perceberemos que ela, no fundo, busca elevá-la ao nível dos países mais
desenvolvidos. Quando mais progressista essa reflexão, pretende agregar àqueles níveis um
caráter crítico e humanizador. É isto que é sintetizado na busca de uma educação
democrático-cidadã (crítica).
Porém, há uma pergunta que não quer calar. Trata-se do seguinte: é possível realizar
a revolução burguesa no Brasil? Quer dizer, é possível realizar, aqui, aquelas tarefas
econômicas, políticas, sociais e culturais levadas a cabo sob a liderança das burguesias nos
países desenvolvidos? É possível elevar a educação brasileira ao nível daquela dos países do
chamado primeiro mundo (mesmo sem entrar no mérito acerca da natureza dessa educação) e,
ainda mais, conferir-lhe um caráter crítico e humanizador?

9
Por revolução burguesa entendemos um longo e complexo processo que implicou transformações econômicas,
políticas, sociais e ideológicas que, capitaneadas pela burguesia, levaram à superação do sistema feudal e
incluíram em seus benefícios também as outras classes contrárias àquele sistema.
13
Estas questões, de suma importância, nem sequer são postas. Não se parte do
pressuposto, exaustivamente discutido, de que tudo isto é possível. Parte-se do pressuposto de
que é possível sem sequer ter examinado a questão.
Ora, o pressuposto de que é possível realizar a revolução burguesa, no Brasil, é, no
mínimo, problemático. O Brasil é um país cuja formação se deu, sempre, sob a égide da
dependência e da subordinação a nações mais desenvolvidas. Processo extremamente
complexo, responsável pelo atraso e pelas deformações que ele tem sofrido em todos os
aspectos. Em particular, a produção da riqueza tem, aqui, uma característica toda peculiar. Ela
é o resultado não apenas da exploração do trabalho, como nos países desenvolvidos, mas da
superexploração. Vale dizer, há aqui uma dupla exploração. O trabalhador brasileiro trabalha
não só para enriquecer a burguesia brasileira como também a burguesia internacional. É este o
fato gerador mais fundamental da miséria brasileira.10 Qualquer discussão acerca da
possibilidade de desenvolvimento – no sentido da realização da revolução burguesa – e
qualquer proposta para efetivá-lo, teriam que começar por atacar esta questão. A história do
Brasil deveria ensinar alguma coisa a respeito das conseqüências de se ignorar esta
problemática.
Deste modo, nunca se realizou uma revolução burguesa, no seu sentido pleno, no
Brasil. Todas as mudanças sempre foram resultados de acomodações pactuadas entre as
classes dominantes. As classes subalternas, quando eram chamadas a participar, não passavam
de massa de manobra. Ora, sabe-se que a universalização da educação é um dos aspectos
desta revolução, como mostram muito bem os países mais desenvolvidos. É isto que explica,
em última análise, a precariedade e as distorções da cidadania no Brasil e, dentro dela, os
problemas seculares da educação. É índice de monumental ignorância desfazer os estreitos
laços existentes entre economia e cidadania, como faz Cristovam Buarque, ministro da
Educação, em artigo publicado na Folha de São Paulo em 09/03/2003. Referindo-se ao
objetivo da eleição de Lula, diz ele: “Lula não foi eleito para implantar ou mudar a estrutura
central da economia, nem para construir a igualdade na renda ou no consumo, mas para
fazer com que todos sejam iguais na cidadania, completando a República e a abolição”. E,
mais adiante, acrescenta: “Para completar a República é preciso garantir uma educação
igualitária a todos os cidadãos, o que só é possível por meio de uma escola pública, gratuita
e com qualidade para todos”.
É difícil acreditar que aquelas tarefas possam ser realizadas agora, quando a crise
atinge o capital em suas estruturas mais profundas e quando os próprios países desenvolvidos

10
A respeito da formação da sociedade brasileira de maneira dependente e subordinada – pela via colonial – ver,
de J. Chasin, O Integralismo de Plínio Salgado (cap. IV). São Paulo: Ciências Humanas, 1978.
14
estão mergulhados nela. A extrema e veloz concentração do capital e o acirramento da
competição internacional indicam que não há mais lugar, no clube dos países ricos, para os
países pobres. Certamente com graus variados de exclusão. Deste modo, a realização da
revolução burguesa, em qualquer país periférico, é praticamente uma impossibilidade. Até
porque as burguesias nacionais, que deveriam ser o carro-chefe deste processo, estão muito
satisfeitas na sua associação dependente e subordinada e não têm o menor interesse em liderar
essa revolução.
Ora, a construção da cidadania e, nela, a universalização da educação são partes
integrantes da revolução burguesa, como já vimos. O que significa que persegui-las é o
mesmo que correr atrás de uma miragem, de um objetivo desejável, mas inatingível. Isto não
quer dizer que as lutas pelos direitos democrático-cidadãos não sejam justas e importantes.
Quer apenas dizer que não se deve ter a ilusão de que é possível, no Brasil, alcançar o seu
pleno desenvolvimento burguês e muito menos de que isto poderia significar o patamar mais
elevado possível da emancipação humana. Quer dizer que ela –a cidadania, – com a atual
crise, se realizará sempre e cada vez mais de maneira deformada e precária, avançando em
alguns aspectos, mas retrocedendo na maioria deles. Em resumo, criando mais ilusões do que
realidades.
Pensar a educação brasileira na perspectiva de uma cidadania crítica é, ao nosso ver,
duplamente equivocado. Em primeiro lugar porque, não sendo a cidadania plena a forma mais
elevada hoje possível da liberdade humana, seria contribuir para a reprodução de uma forma
perversa e alienada de sociedade em um momento em que é possível ir para além dela.
Em segundo lugar porque, não sendo a revolução burguesa possível e, portanto, com
ela o estabelecimento da plena cidadania (aí incluído o direito efetivo de todos à educação),
toda atividade educativa estaria sendo orientada no sentido de atingir um objetivo
inalcançável. Como consequência, em vez de contribuir para a construção de uma sociedade
de pessoas efetivamente livres, estaria ajudando a reproduzir uma sociedade extremamente
brutal e desumana.
Se, portanto, o objetivo for contribuir para construir uma sociedade realmente
humana – considerando as possibilidades hoje existentes – então, àquelas tarefas acima
mencionadas, relativas à educação em qualquer país, agrega-se, no Brasil, uma outra, da
maior importância. Trata-se do conhecimento da realidade brasileira e do modo como ela se
insere na crise do capital internacional. Somente esse conjunto de conhecimentos permitirá –
sem que se exclua a possibilidade de erros – a tomada de decisões lúcidas, na atividade
educativa cotidiana, em direção à emancipação humana.
15
Reconhecemos que pensar e orientar a atividade educativa neste sentido não é nada
fácil. Em primeiro lugar, pelo que dissemos acima a respeito da categoria da possibilidade. A
atividade educativa cotidiana voltada para o objetivo da emancipação humana não traz
nenhum grande sucesso aparente. Além do mais, tem que lutar contra a corrente, que é
extremamente forte e que engloba não só as vertentes conservadoras, mas também a maioria
das chamadas progressistas. Em segundo lugar, porque o desnorteamento da luta mais geral e
especialmente dos setores mais importantes das classes subalternas, é enorme. O reformismo,
mesmo quando se intitula de “reformismo revolucionário” é, hoje, a sua marca mais evidente.
Por isso mesmo, hoje, mais do que nunca é preciso ter paciência e dispor-se a dar pequenos
passos na direção certa. É preciso reorientar toda a luta social num sentido claramente anti-
capitalista (o que significa situar o seu eixo fora do parlamento e não dentro dele) e o tempo
que isto pode levar é imprevisível. A atividade educativa pode contribuir para isto, mas não
pode tomar a frente do processo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Universidade/UFRGS/SME, 2000.

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LAVAL, C. L’École n’est pas une entreprise-le neo-libéralisme à l’assault de l’enseignement


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OCDE, Comission Européenne. Paris: Nouveaux Régards/Syllepse, 2002.

LIBÂNEO, J. C. Pedagogia e pedagogos para quê? São Paulo: Cortez, 1998.


16

LOMBARDI, C. et alii. Capitalismo, trabalho e educação. Campinas: Autores Associados,


2002.

MARX, K. O Capital. São Paulo: Civilização Brasileira, 1975.

MÉSZÁROS, I. Produção destrutiva e Estado capitalista. São Paulo: Ensaio, 1989.

______ Para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2002.

TONET, I. Democracia ou Liberdade. Maceió, Edufal, 1997.

______. Sobre o Socialismo. Curitiba: HDLivros, 2001.

______ Educação, cidadania e emancipação humana. (Tese de doutorado) UNESP, Marília,


2001.
1

EDUCAÇÃO E CONCEPÇÕES DE SOCIEDADE

Ivo Tonet*

Introdução

Uma das críticas mais frequentes que se ouvem, hoje, a respeito da educação, até em
âmbito internacional, é de que ela estaria desatualizada, em descompasso com as exigências e
necessidades atuais da sociedade. E certamente existem dados suficientes para comprovar que
estas críticas são verdadeiras.
De fato, se levarmos em conta as transformações no mundo do trabalho, que estão
em curso nas últimas décadas, não há dúvida de que a educação já não responde às
necessidades do momento atual. Como se sabe, até por volta da década de setenta, imperava,
na produção, o modelo chamado fordista-taylorista, que se caracterizava por uma produção
em série e em larga escala. Neste modelo, o trabalhador era considerado uma simples peça de
uma imensa engrenagem, devendo executar praticamente a mesma tarefa durante todo o seu
tempo de trabalho.
Deste modo, a educação, deveria preparar os indivíduos para o exercício de uma
determinada profissão que, assim se esperava, seria exercida até o tempo da sua
aposentadoria. É claro que tal educação teria, necessariamente, um caráter
predominantemente informativo e limitado, pois o conteúdo de que o trabalhador necessitava
não exigia um pensamento crítico e capacidade inventiva.
Nas últimas décadas, com a revolução informacional, o mundo do trabalho sofreu
profundas mudanças. Instaurou-se - algo que ainda está em andamento – um novo modelo
produtivo, caracterizado pela incorporação cada vez maior da ciência e da tecnologia à
produção, pela flexibilidade, pela descentralização, pela necessidade de um giro muito rápido
dos produtos e por uma produção voltada para o atendimento de uma demanda mais
individualizada.
É claro que este novo modelo produtivo exigia um outro tipo de formação.
Certamente, a informação – especialmente o domínio das novas tecnologias - continua a ser
importante, mas agora o trabalhador precisa aprender a pensar, a resolver problemas novos e
imprevistos; precisa ter uma formação polivalente, ou seja, uma formação que lhe permita

*
Prof. do Dep. de Filosofia da UFAL e doutorando em educação na UNESP-Marília
2

realizar tarefas diversas e, além disso, a transitar com mais facilidade de um emprego a outro,
pois a estabilidade já não faz parte desta nova forma de produção.
Dois pressupostos, comumente não explicitados, estão subjacentes a esta forma de
pensar. O primeiro é de que o caráter mercantil da sociedade é algo que faz parte da sua
própria natureza. Variariam as formas, mas a troca é tida como algo tão natural como a
respiração. Não haveria, pois, sentido em pensar uma forma de sociabilidade para além do
mercado, como também não haveria sentido em pensar que uma forma histórica concreta, tal
como o modelo fordista-taylorista de produção pudesse durar eternamente. O segundo é de
que a função essencial da educação é a de preparar os indivíduos para o trabalho. Admite-se
que isto poderia até não ser tão verdadeiro para épocas mais remotas, mas é demonstrado
claramente pela sociedade atual, que é a mais desenvolvida.
Sendo verdadeiros estes dois pressupostos, nada mais justo que a educação seja
avaliada em função da sua eficácia em providenciar uma preparação dos indivíduos adequada
ao exercício profissional.

1. Questionando estes pressupostos e suas consequências

Poderíamos, contudo, perguntar: será o trabalho, por sua natureza, o elemento


nucleador de qualquer forma de sociabilidade? Em que sentido se pode dizer que ele é este
elemento nucleador? E o que se entende por trabalho quando se faz aquela afirmação? Além
disto: será verdade que a troca – mercantil – faz parte da natureza da sociedade? E será esta
forma de sociabilidade tão eterna quanto o homem?
A resposta a estas questões nos permitirá ver que as coisas são mais complexas do
que aparentam imediatamente e que aqueles pressupostos e suas decorrências são tudo, menos
inquestionavelmente verdadeiros.
Procuremos, pois, examinar, de forma mais crítica, estas questões. Para realizar este
trabalho valer-nos-emos, de modo especial, do instrumental teórico elaborado por Marx.
Contudo, não naquela codificação que se tornou hegemônica e que, ao nosso ver, é uma
contrafação do pensamento marxiano, mas naquela interpretação denominada ontologia do
ser social, que tem em G. Lukács a sua figura de maior expressão.
Para Marx, o trabalho é o ato ontológico fundamental do ser social. Isto porque o
trabalho contém em si os elementos que fazem dele a mediação responsável pelo salto
ontológico do ser natural para o ser social. Ele, porém, deixa claro que isto se refere ao
trabalho enquanto criador de valores-de-uso e não de valores-de-troca. Naquele sentido,
portanto, o trabalho é uma determinação ineliminável do ser social, pois é através dele que o
3

homem realiza o seu intercâmbio com a natureza. Que o trabalho se realize sob forma
primitiva, asiática, escrava, feudal, assalariada, associada ou qualquer outra, em nada altera o
fato de que ele permanece uma determinação humana essencial.1
Ao contrário do trabalho enquanto criador de valor-de-uso, o trabalho como criador
de valor-de-troca tem uma existência muito recente. Ainda que existisse, em formas muito
embrionárias e dispersas, na antiguidade, ele só emergiu, como elemento nucleador de uma
forma de sociabilidade, com a sociedade capitalista. Deste modo, é historicamente falso
confundir trabalho com trabalho gerador de valores-de-troca e pressupor que esta forma de
trabalho é uma determinação essencial do ser social.
Do mesmo modo, também é historicamente falso confundir a troca com a troca
realizada por intermédio do mercado. A primeira é certamente uma forma de intercâmbio que
existiu desde que os primeiros grupos humanos entraram em contato entre si e dispunham de
algum excedente. Mas, a segunda é tão recente quanto a produção realizada tendo como
objetivo fundamental não atender as necessidades humanas, mas a reprodução do capital.2
Ora, ao supor que o trabalho abstrato – gerador de valor-de-troca (realizada pela
intermediação do mercado) é uma determinação que compõe a natureza essencial do ser
social, tem-se, sobre pressupostos falsos, a consequência de que esta forma de sociabilidade é
a forma mais adequada que a humanidade conseguiu alcançar para o seu desenvolvimento. O
que não significaria, de modo nenhum, que não tivesse imperfeições. Significaria, apenas que,
apesar das imperfeições, se comparada com outras que a antecederam, seria a única que se
mostraria passível de um constante aperfeiçoamento e que permitiria o desenvolvimento de
todos os indivíduos e não apenas de um número limitado.
Se estes pressupostos e suas consequências são falsos, então podemos concluir que o
trabalho abstrato e a troca mercantil são componentes de uma forma histórica de
sociabilidade, a sociabilidade regida pelo capital. Esclarecido isto, e na medida em que se
compreende que, nesta forma de sociabilidade, a produção de mercadorias – não importa sob
que forma concreta – é o momento fundamental, então sim seria razoável afirmar que a
função hegemônica da educação é a de preparar os indivíduos para se inserirem no mercado
de trabalho. Pois, nesta forma de sociabilidade, o indivíduo vale enquanto força-de-trabalho e
não enquanto ser humano integral.

1
Sobre o trabalho como fundamento ontológico do ser social, ver, além da Ontologia do ser social, de Lukács,
também do mesmo autor, As bases ontológicas do pensamento e da atividade do homem, in Temas de Ciências
Humanas, n. 4, SP, Ed. Ciências Humanas, 1978, p. 1-18; de Sérgio Lessa, A ontologia de Lukács, Maceió,
Edufal, 1997 e Trabalho e ser social, Maceió, Edufal/UFC, 1997.
2
É sabido que a idéia de que a troca – da qual o mercado atual seria apenas uma forma mais aperfeiçoada – é
uma disposição natural do homem é um dos pressupostos fundamentais – até hoje – de toda a economia política.
Ergo, se este for falso...!
4

Contudo, a análise marxiana demonstrou, ao nosso ver, com toda pertinência, que a
sociedade capitalista não é um todo homogêneo, mas uma totalidade contraditória. Ele deixou
bem claro que capital não é uma coisa, mas, antes de mais nada, uma relação entre pessoas.
Só se gera capital e, daí, uma sociabilidade capitalista, quando de um lado se encontra o
possuidor de trabalho acumulado e de outro o que dispõe apenas da sua força de trabalho. Isto
dará origem a uma forma de sociabilidade necessariamente antagônica em sua essência. É
desta forma de sociabilidade que fazem parte as categorias do capital, do trabalho assalariado,
da propriedade privada, da mais-valia, do valor-de-troca como elemento decisivo, do mercado
e dos produtos como mercadoria.
Mas, além disto, também faz parte essencial desta forma de sociabilidade o
fetichismo da mercadoria, processo através do qual os produtos do trabalho humano se
transformam em mercadorias e passam a assumir as qualidades típicas daqueles que as
produziram enquanto estes tomam a forma de coisas. Gera-se, deste modo, o estranhamento,
isto é, o fato de que, como diz Marx (1986: 47): “a própria ação do homem converte-se num
poder estranho e a ele oposto, que o subjuga ao invés de ser por ele dominado”.
Ora, na medida em que o trabalho morto (capital) subjuga e põe a seu serviço o
trabalho vivo (o trabalhador) o que está em jogo já não é o desenvolvimento pleno dos
indivíduos, mas a reprodução ampliada do capital. O indivíduo só interessa enquanto força de
trabalho e todas as atividades voltadas para o indivíduo não visarão, na verdade, o seu
desenvolvimento omnilateral, harmonioso, integral, mas adequá-lo, da melhor forma possível,
à produção de mercadorias.
É evidente que isto não será realizado, necessariamente, de forma direta. Isto porque
a totalidade social é, como diz Lukács, “um complexo de complexos” . Se, por um lado, o
trabalho é o fundamento ontológico do ser social, a complexidade resultante do próprio
trabalho fez com que a reprodução do ser social exigisse o surgimento de esferas de atividade,
com uma especificidade e uma legalidade próprias, – tais como arte, religião, política,
ciência, direito, educação, etc., – que cumprem, cada uma, determinadas funções nesta
reprodução. É claro que, numa sociedade marcada por conflitos antagônicos, todos estes
momentos serão também perpassados, mesmo que com inúmeras mediações, pelo
antagonismo social.
Deste modo, – e referindo-nos à sociabilidade capitalista, – não obstante as
diferenças que existem – e devem existir não por uma exigência ética, política, jurídica ou de
qualquer outro gênero, mas por uma exigência ontológica – entre as diversas partes que
compõem a totalidade social, todas elas têm no capital o elemento hegemônico da sua
entificação. O que não significa que esta hegemonia se expresse sob forma mecanicista. Pois,
5

como vimos, o capital é a matriz desta forma de sociabilidade apenas no sentido ontológico e
exclusivamente neste sentido. Em todos os outros sentidos há, entre todos os momentos da
totalidade social, uma determinação reflexiva e somente uma investigação concreta poderá
determinar o peso de cada uma num determinado momento histórico.
É neste sentido que podemos dizer que a esfera da educação tem na reprodução do
capital a tônica do seu desenvolvimento. E que ele envidará todos os esforços para subsumir à
sua lógica toda e qualquer iniciativa, mesmo aquelas que, em princípio lhe poderiam ser
contrárias. Mas, na medida em que a sociabilidade gerada pela contradição entre capital e
trabalho é contraditória, a possibilidade de uma oposição à hegemonia do capital também é
uma possibilidade real.
Assim postas as coisas, é compreensível que a preparação para o trabalho seja vista
como a função essencial da educação. Pois, a exclusão do campo do trabalho tem, nesta forma
de sociabilidade, uma função bastante parecida com o ostracismo para os gregos ou a
excomunhão, para os cristãos. Vale dizer, significa condenar os indivíduos à morte social,
quando não à própria morte física. Deste modo, toda a vida dos indivíduos, em todas as suas
manifestações é, de algum modo, posta sob a ótica do capital. Desde o trabalho propriamente
dito, até as manifestações mais afastadas dele, como a religião, os valores morais e éticos, a
afetividade e as relações pessoais. O que não significa, vale a pena enfatizar de novo, que
todos os aspectos, em sua totalidade, estejam subsumidos ao capital. Se assim fosse, sequer os
indivíduos poderiam existir enquanto indivíduos. Esta afirmação significa, apenas que
nenhum aspecto da vida social e individual, hoje, deixa de ser perpassado pelos interesses do
capital. Educar, portanto, seria uma atividade voltada, sob as mais variadas formas, para a
preparação dos indivíduos para vida a social, entendendo por vida social a vida nos marcos,
ainda que sempre em processo, desta forma de sociabilidade.
Contudo, como já vimos, esta forma de sociabilidade é necessariamente
contraditória. Pois, de um lado se encontram – em termos de raiz – os interesses do capital e
de outro os interesses do trabalho. E estes dois elementos radicalmente antagônicos dão
origem a duas perspectivas sociais, dois mundos organizados ou organizáveis sob princípios e
formas inteiramente diferentes. Já nos referimos antes à primeira. Detenhamo-nos, agora, um
pouco, sobre a segunda, tendo sempre claro que se a forma capitalista é já uma efetividade, a
forma socialista é apenas uma possibilidade e, portanto, só pode ser apanhada em suas
determinações mais gerais.

2. Uma nova forma de sociabilidade


6

Parece-nos que é aqui onde naufraga muita boa vontade. Pois, na ânsia de se opor à
desumanização, à degradação da vida e a toda sorte de injustiças sociais produzidas pelo
capital, muitos dão asas à imaginação e até a uma razão apoiada apenas em si mesma,
tentando elaborar um modelo de sociedade que dê prioridade ao desenvolvimento integral da
pessoa humana e não à simples produção de mercadorias. No entanto, já nos advertia Marx
em A Ideologia Alemã (47):

“O comunismo não é para nós um estado que deve ser estabelecido, um ideal para o qual a realidade
terá que se dirigir. Denominamos comunismo o movimento real que supera o estado de coisas atual.
As condições desse movimento resultam de pressupostos atualmente existentes”.

O que ele enfatiza, pois, é que para pensar uma forma de sociabilidade que seja mais
justa, mais igualitária e, portanto mais humana, não devemos partir de idéias, especulações ou
fantasias, mas do processo de desenvolvimento real e concreto em que os homens estão
envolvidos, de modo a compreender tanto a lógica desta forma de sociabilidade quanto a
possibilidade de superá-la, partindo das suas próprias contradições.
Devemos esclarecer que não é nossa intenção, neste momento, expor detalhadamente
a concepção marxiana do ser social, mas apenas os elementos que nos permitam compreender
a fundamentação de uma nova forma de sociabilidade não centrada na mercadoria.
É por demais conhecida aquela afirmação de Marx (1986: 27), de que, embora
possamos distinguir os homens dos animais por muitas coisas, “eles próprios só começam a
se diferenciar dos animais tão logo começam a produzir os seus meios de vida”. E como é
que eles produzem estes meios? Apropriando-se da natureza, submetendo-a ao seu controle e
transformando-a de modo a adequá-la à satisfação das suas necessidades. É neste momento
que a dinâmica própria da natureza sofre uma alteração substancial a partir da qual se instaura
o ser social. O elemento mediador para a realização deste salto ontológico do ser natural para
o ser social é o trabalho. E ele tem este caráter de mediação exatamente porque é uma síntese
entre dois elementos, entre si heterogêneos, - consciência (teleologia) e natureza
(causalidade) – que, neste processo compõem uma unidade indissolúvel.
É também por demais conhecida aquela passagem em que Marx (1975: v. I, l. 1, p.
202) afirma que

O que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na mente sua construção antes de
transformá-la em realidade. No fim do processo de trabalho aparece um resultado que já existia
antes idealmente na imaginação do trabalhador.
7

O ato do trabalho, pois, implica uma atividade consciente e livre uma vez que, ao
contrário dos animais, o homem não satisfaz as suas necessidades de maneira direta e
imediata, regida por leis genéticas, mas pela mediação de uma atividade que conhece e
escolhe os materiais adequados, configura previamente um objetivo e transforma
intencionalmente a natureza. Além do mais, esta atividade é sempre social, pois a
generalização – tanto individual como social – das conquistas obtidas por cada indivíduo é um
elemento que caracteriza essencialmente o trabalho. Como consequência, a autoconstrução e
cada indivíduo só pode se dar mediante a apropriação do patrimônio comum ao gênero
humano.
Mas, além disto, Marx também enfatiza que esta atividade de transformação da
natureza não é apenas uma adequação desta às necessidades humanas, mas, ao mesmo tempo,
uma auto-transformação do próprio homem. Com efeito, se examinado o ato do trabalho na
sua complexidade, percebe-se que cada novo ato singular implica – tanto para o indivíduo
como para a comunidade social – a incorporação dos resultados dos atos anteriores. De modo
que, a cada novo ato, tanto um como outra sofrem modificações e situam-se em um novo
patamar, num processo que se repete ao longo de toda a história humana. E, ao contrário do
animal, cuja reprodução é marcada pela contínua produção do mesmo, o homem se carateriza
por reproduzir-se sempre de forma nova e ampliada.
Tornar-se homem é, pois, para Marx, na sua essência, transformar o mundo e a si
mesmo; criar objetos e criar-se de forma cada vez mais ampla, universal e multifacetada;
tornar parte de si mesmo um conjunto cada vez maior de elementos que fazem parte do
gênero humano; agir de forma sempre mais consciente e livre, isto é, dominando o processo
de autoconstrução de si mesmo e do mundo. É ocioso ressalvar que este processo não é, de
modo nenhum, linear e cumulativo, mas antes extremamente complexo e contraditório.
Do que vimos até agora, pode-se concluir que o ser social é radicalmente histórico e
social. Isto significa que o ser social é, em sua integral totalidade, o resultado de um processo
que tem no trabalho o seu ato originário e que, portanto, como diz Marx (1989: 204) “a
totalidade do que se chama história mundial é apenas a criação do homem através do
trabalho”. Deste modo, torna-se insustentável afirmar que o homem é um ser, por natureza,
proprietário privado, mercantil e individualista. Em consequência, também torna-se
insustentável a afirmação de que esta ordem social é estruturalmente imutável e a mais
adequada ao desenvolvimento pleno do homem.
Gostaríamos de enfatizar, aqui, uma questão a que nos referimos anteriormente.
Trata-se da relação entre as categorias do trabalho e da reprodução. É certo que, para Marx, o
trabalho é a categoria ontológico-primária do ser social. Mas, também é certo que, para ele, o
8

ser social não se reduz ao trabalho. O processo social é, segundo ele, um contínuo
afastamento das barreiras naturais, ou seja, um processo através do qual o ser social se torna
cada vez mais social. O trabalho tem, desde o início, em sua natureza essencial, a capacidade
de produzir mais do que o necessário para a reprodução daquele que o realiza e, por isto, ele é
o fundamento desta crescente complexificação do ser social. Esta complexificação, que tem
como um dos seus momentos mais importantes a divisão do trabalho, implica que, ao longo
do processo, surjam necessidades e problemas, cuja origem última está no trabalho, mas que
não poderiam ser atendidas ou resolvidos diretamente na esfera do trabalho. Daí a necessidade
do surgimento de outras esferas de atividade, já anteriormente mencionadas, para fazer frente
a estas necessidades e problemas. Quando examinadas estas atividades em sua estrutura
fundamental, ver-se-á que todas elas têm a mesma estrutura do trabalho – ou seja, implicam
uma síntese entre teleologia e causalidade – mas nem a ele se reduzem nem são dele
diretamente dedutíveis. Todas elas têm uma relação de dependência ontológica em relação ao
trabalho, mas a função que são chamadas a exercer exige que elas tenham em relação a ele
uma distância – base da autonomia relativa – sem a qual não poderiam cumpri-la. Daí a sua
especificidade.
Contudo, como já vimos antes, a autoconstrução humana não é, de modo nenhum,
um constante progresso. A apropriação, pelos indivíduos, das objetivações genéricas é um
processo complexo e cheio de obstáculos. A estes Marx chamou de estranhamento ou, como
são mais comumente conhecidos, alienação. E é na sociabilidade capitalista que o
estranhamento ganha a sua forma mais acabada, pois ali o conjunto do processo, incluindo o
produtor, o processo de trabalho e o próprio produto, se torna uma realidade estranha,
poderosa e hostil, que se opõe a uma construção autenticamente humana dos indivíduos.
Deste modo, a construção de uma forma de sociabilidade que abra, para todos, a possibilidade
de uma vida cheia de sentido, implica, necessariamente, como horizonte, a superação do
capital.
Mas, coerentes com os nossos pressupostos, assim como afirmamos que o trabalho –
em sua forma de compra-e-venda de força de trabalho – é o ato fundante da sociabilidade do
capital, também teremos que buscar qual a nova forma do trabalho que possibilite a
construção desta nova sociedade. E, mais uma vez, é Marx quem nos auxilia. De acordo com
ele, esta forma deve ser a do trabalho associado. Por que o trabalho associado? Porque
somente ele permite superar todas as formas estranhadas de relações entre os homens geradas
pelo capital ou por ele apropriadas e subsumidas. Ao trabalharem associadamente, as relações
entre os homens passarão a ter o caráter de relações entre pessoas e não entre coisas; já não
haverá relações de exploração e de dominação; todos os indivíduos terão a possibilidade de
9

apropriar-se da riqueza coletivamente produzida e, ao mesmo tempo, de desenvolver as suas


potencialidades, contribuindo tanto para a sua realização como para a do gênero humano.
Deste modo, o trabalho associado implica que a produção seja voltada para o valor-de-uso, ou
seja, para o atendimento das necessidades humanas.
É evidente que isto supõe um grande desenvolvimento das forças produtivas, capaz
de atender as necessidades de toda a humanidade. Vale, porém, ressaltar que as necessidades
humanas são históricas, de modo que não faria sentido pensar que numa sociedade
emancipada seriam satisfeitas todas as necessidades existentes hoje. Isto porque a
humanização deformada, própria da sociabilidade capitalista, também gera necessidades
deformadas, que, no processo, serão substituídas por outras, genuinamente humanas. Por
outro lado, esta abundância, terá como consequência a diminuição do tempo de trabalho
necessário, o que possibilitará às pessoas dedicar-se a atividades plenamente livres. Esta
forma de sociabilidade é que Marx chama de “reino da liberdade”. Mas, ele mesmo adverte
que este “reino da liberdade” sempre terá como base ineliminável o “reino da necessidade”,
ou seja, o trabalho, mesmo que realizado em condições dignas do ser humano, sempre
significará uma forma de atividade na qual o homem terá que se sujeitar a leis que não foram
estabelecidas por ele, as leis da matéria.
Como se pode ver, o trabalho associado é o fundamento a partir do qual é possível
construir uma forma de sociabilidade efetiva e plenamente livre. E utilizamos a expressão
“plenamente livre” para enfatizar o caráter essencialmente diferente desta forma de liberdade.
Pois, apesar de a liberdade também existir na sociedade capitalista, ali ela jamais poderá
deixar de ter um caráter formal, uma vez que, em última análise quem é livre é o capital e não
o homem. Em consequência, ainda que os homens sejam sujeitos da história, eles o são de
modo extremamente limitado, pois são constrangidos por forças que escapam o seu domínio.
Eliminado o capital com todos os seus corolários, emerge a possibilidade de os homens serem
efetivamente livres, quer dizer, de, consciente e coletivamente, conduzirem o seu processo de
autoconstrução. Por isso mesmo, liberdade plena não significa liberdade absoluta, nem uma
sociedade inteiramente harmônica, paradisíaca, sem nenhum problema. Significa, apenas, – e
isto é de extrema importância – que não haverá forças estranhas que determinem o processo
social. Que o destino dos homens estará efetivamente em suas mãos. Liberdade plena também
não significará a liberdade irrestrita do indivíduo. Esta é a forma da liberdade que emerge da
regência do capital e que resulta, necessariamente, na desigualdade social e na oposição dos
homens entre si. A liberdade numa sociabilidade plenamente emancipada implica – por força
da natureza ontológica desta formação social e não por exigências éticas ou políticas – uma
articulação entre indivíduo e gênero, de modo que o desenvolvimento de uma rica e
10

multifacetada individualidade será uma expressão e uma exigência do mesmo


desenvolvimento genérico e vice-versa.
Vale a pena enfatizar de novo, para que fique bem claro que não se trata de
especulação, mas de abstração do processo real, que a humanidade continuará a enfrentar
problemas; terá sempre necessidade de tomar decisões, pois, por um lado, as alternativas
possíveis são sempre limitadas e, por outro lado, é da natureza essencial do homem dar
respostas. Mas, agora, as decisões poderão ser tomadas de modo efetivamente consciente, já
que não existirão interesses sociais que tendam a obscurecer o conhecimento e a
responsabilidade delas será exclusiva e efetivamente dos homens. Além do mais, como já
vimos, não haverá antagonismos sociais, mas apenas as eternas contradições entre o
desenvolvimento genérico e o desenvolvimento individual, sendo também facilitada a tarefa
de resolver os problemas oriundos destas contradições.
Em síntese, e recorrendo de novo a Marx (1977: 104), podemos dizer que, nesta nova
forma de sociabilidade, “o livre desenvolvimento de cada um é a condição do livre
desenvolvimento de todos”.
É evidente que uma educação voltada para a construção de uma sociedade que tenha
por horizonte a emancipação da humanidade terá que ser norteada por princípios e deverá
encontrar formas profundamente diferentes daquela voltada para a reprodução da
sociabilidade regida pelo capital.

À guisa de conclusão

Com os argumentos até aqui desenvolvidos, cremos ter deixado claro que a
sociabilidade capitalista é uma forma inteiramente histórica e essencialmente limitada,
resultante da atividade humana e de modo nenhum o patamar superior e indefinidamente
aperfeiçoável da humanidade. Pelo contrário, ficou manifesto que se trata de uma forma
contraditória que se, de um lado, permitiu ganhos positivos para a humanidade, de outro,
também deu origem a elementos extremamente desumanizadores. E mais ainda, no estágio
presente, por motivos que não podemos expor aqui, mas que já foram extensamente tratados
por muitos autores, ela já não tem possibilidade de abrir novos horizontes para a realização
superior da humanidade. Tende, pelo contrário, a agravar cada vez mais os problemas sociais
exatamente em um momento em que já existiriam condições de resolver plenamente muitos
deles. Por isso, a superação desta forma de sociabilidade é um imperativo tanto para a
sobrevivência como para um desenvolvimento mais pleno da humanidade.
11

Por outro lado, também cremos ter deixado claro que uma outra forma de
sociabilidade, que tenha no efetivo desenvolvimento integral do homem o seu eixo
estruturador é uma possibilidade real, cujos traços ontológicos já podem ser vislumbrados
hoje. Contudo, a grande questão é que esta nova forma de sociabilidade é, hoje, apenas uma
possibilidade, cuja efetivação dependerá de decisões dos próprios homens. Vale dizer, da
consciência, da organização e da disposição de luta de todos aqueles que tem na sociabilidade
do capital um obstáculo à sua realização. A humanidade está, pois, num momento crucial que
tanto poderá levar à sua autodestruição, como a novas formas de barbárie ou ao acesso a um
patamar superior de entificação. Nada está definido por antecipação.
Isto nos permite afirmar que uma concepção de educação está vinculada ao tipo de
sociedade que se deseja construir, o que inclui todo um conjunto de concepções a respeito do
homem, da sociedade e da história. E que é de capital importância ter claro que existem, hoje,
duas grandes alternativas em jogo. De modo que, não basta dedicar-se, com afinco, à
atividade educativa. É preciso saber – e, certamente, hoje, isto não é nada fácil – com que
objetivos mais gerais se articula esta atividade.
Se, como deve ter ficado claro ao longo deste texto, nossa opção for por uma
sociedade efetivamente emancipada, então ainda será preciso fazer toda uma discussão – tanto
no aspecto filosófico como nos vários aspectos científicos – acerca de como a educação pode
contribuir para a construção desta sociedade. Tarefa extremamente complexa, sobre a qual
pretendemos escrever em outro momento.

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Marília, dezembro de 1998


7

 
   






         
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1

EDUCAÇÃO E REVOLUÇÃO

Um dos grandes problemas que, a nosso ver, marcaram a luta pela superação
do capitalismo, nestes últimos cento e cinqüenta anos, foi a mudança da centralidade do
trabalho para a centralidade da política1. Esta mudança se deu tanto a partir do caminho
reformista quanto do caminho revolucionário. E significou, em resumo, a atribuição ao
Estado da tarefa de ser o protagonista das transformações sociais.

Como se sabe, o caminho reformista, especialmente na forma da social-


democracia alemã, que pretendia atingir o socialismo através de reformas graduais, foi
inteiramente mal sucedido. Ao contrário, o caminho revolucionário, especialmente na
forma da revolução soviética, teve, pelo menos na aparência e de início, um claro
sucesso. O caminho para o socialismo estava aberto. E durante muitos anos a tendência
dominante foi acreditar que, mesmo com todos os problemas, deformações e obstáculos,
a construção de uma sociedade socialista estava em marcha. Quando muito, tratava-se
de corrigir os seus defeitos, o principal dos quais residiria na falta de democracia e de
cidadania.

Esta crença teve enormes repercussões teóricas e práticas. Não é nossa intenção
referir-nos a elas nesse texto. Nosso objetivo é fazer referência ao fato de que a reflexão
sobre a educação foi profunda e negativamente afetada por esta crença de que a
revolução soviética foi uma revolução socialista e continuou a ser durante largos anos.

1. Da centralidade do trabalho à centralidade da política

Em várias obras, – Manuscritos econômico-filosóficos de 1844, A Ideologia


Alemã, O Capital, Elementos fundamentais para a crítica da economia política, Crítica
do Programa de Gotha Marx deixou claro que o trabalho é o fundamento ontológico do
mundo social.

Para ele, o trabalho, no sentido mais genérico, é o intercâmbio do homem com


a natureza, através do qual ela é transformada para produzir os bens materiais

1
Ver, a esse respeito, o livro de I. Tonet e A. Nascimento: Descaminhos da esquerda: da centralidade do
trabalho à centralidade da política.
2

necessários ao atendimento das necessidades humanas. Mas, Marx também enfatiza


que esta relação do homem com a natureza implica um duplo movimento. De um lado, a
natureza é transformada, de outro lado, o próprio homem se transforma. Tem início,
então, aí, o movimento do processo histórico, que é humanamente histórico exatamente
porque é típico do trabalho criar sempre novas situações, que são o ponto de partida
para novos desdobramentos. Deste modo, a história jamais é, pura e simplesmente, a
repetição do que já aconteceu.

Neste sentido, o trabalho distingue-se de todas as outras categorias, pois


somente ele tem a função de produzir a riqueza material necessária à existência humana.
Todas as outras categorias, a exemplo de arte, linguagem, ciência, educação, direito,
política, religião, etc, embora dotadas de uma natureza e uma função social próprias,
têm sua origem no trabalho. Daí porque, entre o trabalho e as outras categorias, existe
uma relação de dependência ontológica e de autonomia relativa, de todas elas em
relação ao trabalho, bem como uma relação de influência recíproca entre todas elas,
agora incluído o trabalho.

Como conseqüência dessa posição de fundamento ontológico do ser social, o


trabalho, em alguma forma específica, permanece sempre como base de qualquer forma
de sociabilidade. De modo que a superação de algum modo de produção, não
importando como esta se concretize, implicará, sempre, como seu pressuposto, uma
mudança na forma do trabalho.

No caso concreto da superação do capitalismo em direção ao comunismo, a


forma do trabalho que se constituirá na base material para esta nova sociabilidade é
denominada por Marx trabalho associado. Uma forma de trabalho que se caracteriza por
ser livre, consciente, coletiva e universal.

Também como conseqüência da posição do trabalho como fundamento do ser


social, a classe proletária por ser, no capitalismo, a produtora da riqueza material, será,
necessariamente, aquela que deverá liderar o processo de transformação social. O que
significa que caberá a ela, e não ao Estado ou sequer a algum partido o papel
fundamental de levar adiante as transformações necessárias.

Por este motivo, Marx também sempre deixou claro que a revolução que
levaria à superação do capitalismo teria que ser uma revolução política com alma social
3

ao contrário de todas as outras que foram revoluções sociais com alma política. Com
isto, ele queria enfatizar que esta revolução deveria ser regida por uma forma de
trabalho que levaria à extinção das classes sociais e, portanto, da desigualdade social.

Infelizmente, os dois caminhos trilhados pela classe trabalhadora nas suas


tentativas de superação do capitalismo revelaram-se, na verdade, descaminhos. Tanto
pela via reformista, da qual a social-democracia alemã e o socialismo democrático são
as expressões mais conhecidas, como pela via revolucionária, cujo modelo mais
proeminente foi a revolução soviética, acabaram por atribuir ao Estado a tarefa de
conduzir o processo de transformação social. Os resultados são, hoje, conhecidos.
Todavia, a revolução soviética, pareceu, pelo menos durante certo tempo, configurar-se
como um caminho que, embora diferente daquele preconizado por Marx e Engels, de
fato levaria ao socialismo.

Com efeito, num primeiro momento, o poder político burguês foi desmantelado
e, com a estruturação de um novo Estado, supostamente sob controle da classe
trabalhadora, foram tomadas medidas econômicas – supressão da propriedade privada
dos meios de produção, estatização da economia, planejamento centralizado da
produção, desenvolvimento acelerado das forças produtivas, organização da produção
no sentido de atender as necessidades da maioria da população – que pareciam
encaminhar todo o processo na direção do socialismo.

No entanto, também este caminho se revelou não ser a via adequada para o
socialismo.

A causa mais comum, considerada a principal, mas não certamente a única, à


qual se atribui o fracasso da revolução soviética é a falta de socialização do poder
político, isto é, o açambarcamento do poder pelos órgãos do Estado/Partido, que levou
ao paulatino afastamento das massas da participação direta no processo. A falta de
socialização do poder político teria, como conseqüência, inviabilizado a continuidade
das transformações socialistas na economia.

A aparência foi esta, mas a realidade efetiva foi outra. Ao contrário do que foi
afirmado acima, entendemos que foi a falta de possibilidade de efetiva socialização da
economia, dado o enorme atraso do desenvolvimento das forças produtivas, que
impediu a continuidade da participação direta e intensa das massas trabalhadoras. Foi
4

este atraso o principal elemento responsável, mas, de maneira nenhuma o único, por
orientar todo o processo no sentido de atribuir à política, na figura do Estado e do
Partido e não ao trabalho a direção das transformações sociais.

Mas, como dizíamos, durante algumas dezenas de anos, e especialmente nos


seus inícios, pareceu que a revolução soviética estava, embora com enormes problemas,
trilhando o caminho do socialismo. De modo que toda a discussão se dava não no
sentido de questionar se era ou não socialista, mas de procurar as causas dos desvios e
deformações ou as formas de corrigir os defeitos.

2. A teoria pedagógica e a centralidade da política

No bojo dessas intensas transformações sociais que se julgavam ser o caminho


para o socialismo, apresentava-se, para os teóricos da educação, a necessidade de
elaborar uma pedagogia que contribuísse para a construção do socialismo. Desse modo,
viu-se aparecer, ao longo desses anos, uma rica elaboração teórica acerca da
problemática da educação, tanto na União Soviética quanto em países capitalistas.

Entre os autores mais proeminentes que, de formas diferentes, buscaram


contribuir para essa tarefa encontramos A. Makarenko, M. Pistrak, M. Manacorda, C.
Freinet, G. Snyders. No Brasil também surgiu uma plêiade de autores, que se
debruçaram sobre essa problemática. Apenas como exemplo, podemos referir: D.
Saviani, P. Freire, P. Nosella, L. Machado, M. A. Arroyo, J. C. Libâneo, P. Gentili, G.
Frigotto, N. Duarte.

Não é, de modo algum, nossa intenção, discutir as diversas contribuições


desses e de outros autores. Nem para isso teríamos competência. Até porque essas
contribuições se situaram em áreas diversas no interior da problemática da educação.
Também não pretendemos desconhecer as importantes contribuições que muitos destes
autores trouxeram para a reflexão sobre uma pedagogia socialista.

O que nos interessa, aqui, é aludir ao fato de que, para todos esses autores, o
pressuposto de sua elaboração era, de algum modo, a idéia de que a revolução soviética
tinha sido uma revolução de caráter socialista e de que o caminho trilhado por ela, não
obstante todos os percalços, continuava a ser socialista.
5

Vale a pena citar, aqui, um importante historiador da educação, o italiano


Mario Manacorda que, certamente, expressa o modo de pensar de inúmeros autores.

Diz ele (1989, p. 313):

No nosso século é impossível prescindir de um fato novo, o


socialismo, que não é somente mais uma ideologia de novas classes
sociais (...), mas já é, embora em crise (...) a ideologia oficial
dominante de Estados baseados na força destas novas classes. Quanto
à teoria pedagógica, o socialismo assumiu criticamente todas as
instâncias da burguesia progressista (...); acrescentando-lhes de
próprio uma concepção nova da relação instrução-trabalho (o grande
tema da pedagogia moderna)...

Vistas as coisas nesse nível de generalidade, duas questões ressaltam a


influência desse pressuposto. A primeira em relação à problemática do trabalho; a
segunda em relação à questão da democracia.

Sabe-se que uma das características que marcam todas as sociedades de classes
é a divisão social do trabalho, que separa o trabalho manual do trabalho intelectual.

Esta divisão ganha uma forma específica na sociedade capitalista, opondo os


trabalhadores aos capitalistas. A fragmentação do processo de trabalho e a cisão entre o
momento teórico e o momento prático fazem com que os trabalhadores, responsáveis
pela produção da riqueza, sejam impedidos de ter acesso a um saber que implique o
conhecimento da totalidade do processo produtivo. Desta forma, a separação entre
trabalho manual e trabalho intelectual se torna um instrumento de dominação do capital
sobre o trabalho.

Por isso mesmo, a superação dessa dicotomia entre trabalho manual e trabalho
intelectual, entre teoria e prática, vale dizer, a apropriação dos produtores do saber a
respeito do conjunto do processo produtivo, é uma questão fundamental para a
construção de uma sociedade socialista. Isto suporia uma educação na qual houvesse
uma articulação entre a teoria e a prática, entre o trabalho manual e o trabalho
intelectual. Daí a preocupação dos teóricos socialistas em elaborar uma pedagogia que
permitisse a integração desses dois momentos.
6

Ora, na União Soviética, por estar, supostamente, neste processo de construção


do socialismo, estariam dadas as condições mais favoráveis para o desenvolvimento
dessa teoria pedagógica. É desse pressuposto que partem as teorias pedagógicas de
Makarenko, Pistrak e outros autores. Não por acaso as obras de Pistrak e Pinkevich se
intitulam, respectivamente, Fundamentos da escola do trabalho e A escola de trabalho
socialista.

Nos países capitalistas tratar-se-ia de contribuir tanto para uma elaboração


teórica que sustentasse essa nova pedagogia, como com experiências práticas, que
demonstrassem a forma concreta como ela se deveria realizar. Mas, nesses países
combinava-se a questão referente ao trabalho com aquela da democracia, que veremos a
seguir.

A segunda questão, referente à democracia, é mais específica dos países ainda


capitalistas. Neste caso, tratava-se de elaborar uma teorização que sustentasse a natureza
e a forma concreta de uma escola unitária – que articulasse teoria e prática; trabalho
manual e trabalho intelectual. A articulação desses dois momentos possibilitaria uma
formação humana omnilateral, como preconizada por Marx.

Esta elaboração deve muito a uma teorização mais ampla, que podemos
denominar “caminho democrático para o socialismo”2 e, especialmente, à leitura da
obra gramsciana.

Em resumo, o “caminho democrático para o socialismo” significava que, ao


contrário do “modelo” soviético, de assalto direto e violento ao poder, a estratégia
deveria ser no sentido de conquistar espaços no que Gramsci chama de sociedade civil e
também na sociedade política (Estado) para, então, através de um processo gradual,
caminhar no sentido de uma revolução socialista. Tratava-se, pois, de combinar
socialismo com democracia. Daí a ênfase na democracia e na cidadania.

Mas, este “caminho democrático para o socialismo” implicava a reformulação


de uma série de conceitos do ideário marxista. Revolução explosiva x revolução
gradual; Estado restrito x Estado ampliado; socialismo autoritário x socialismo
democrático; afirmação de democracia e da cidadania como valores universais; novo
conceito de sociedade civil.

2
Ver, a esse respeito o livro citado na nota 1.
7

Como poderia a educação contribuir para isso? Não queremos ignorar que há
uma enorme diversidade nas idéias de cada um dos autores. Contudo, poderíamos dizer,
de modo geral, que essa contribuição passava, em primeiro lugar, pela apropriação das
reformulações acima mencionadas. Em segundo lugar, pela elaboração acerca dos
conceitos de escola unitária, de politecnia e de trabalho como princípio educativo e pela
busca de ocupação de espaços, ainda no interior do sistema capitalista, que permitissem
avançar no sentido da concretização dessa nova pedagogia.

Sem embargo das contribuições positivas que muitos autores trouxeram, de


modo diverso, para a construção de uma teoria educacional de corte socialista, parece-
nos que todos eles, também de modo diferente, foram influenciados pelo fato de
admitirem, ainda que, muitas vezes, de modo apenas implícito, a idéia de que a
revolução soviética tinha sido, ou era, uma revolução de caráter socialista. Por isso
mesmo, de algum modo, ela estaria estabelecendo os parâmetros – portanto algo
extremamente genérico – a partir dos quais seria possível elaborar uma pedagogia
socialista.

Qual o equívoco fundamental desse modo de pensar? A nosso ver, o


desconhecimento do que significa a centralidade ontológica do trabalho no pensamento
de Marx e, especialmente, o que significa a centralidade do trabalho associado – forma
específica do trabalho como fundamento do socialismo – no processo revolucionário de
transição do capitalismo ao comunismo.

No caso da teoria pedagógica elaborada na União Soviética, o problema


fundamental consistia em supor que seria possível organizar uma educação que
superasse a cisão entre trabalho manual e trabalho intelectual, entre teoria e prática e
que, portanto permitisse desenvolver amplamente a personalidade humana fundada na
forma do trabalho vigente, que se entendia ser a autêntica socialização da economia.

Ora, o processo histórico demonstrou que aquele tipo de socialização da


economia, sob o comando do Estado e naquelas circunstâncias, nada tinha a ver com
socialismo. E que o pressuposto tanto do socialismo, quanto, por conseqüência, de uma
pedagogia socialista, não poderia ser aquele tipo de trabalho. A forma de trabalho
específica do socialismo é o trabalho associado, como já vimos acima. Só esta forma de
trabalho pode se configurar como a base material para a superação da dicotomia entre
8

trabalho manual e trabalho intelectual, entre teoria e prática e, deste modo, possibilitar a
entificação omnilateral do ser humano.

Certamente, é preciso levar em conta que esta forma de trabalho não poderia
entrar em cena, em sua plenitude, desde os momentos iniciais da revolução. Porém, o
que é importantíssimo deixar claro é que a possibilidade de o trabalho associado fazer-
se presente deve existir desde o início, para que ele, então possa ser o eixo de todo o
processo revolucionário. E esta possibilidade tem como pressuposto incontornável um
desenvolvimento das forças produtivas capaz de produzir riqueza – em quantidade e
qualidade – suficiente para atender as necessidades básicas de todos. Esta possibilidade
é que inexistia na revolução soviética.

No caso da teoria pedagógica elaborada nos países capitalistas, o problema


maior se situava, a nosso ver, na concepção de socialismo democrático, que implicava o
“caminho democrático para o socialismo”.

Como vimos acima, essa concepção implica a ideia de que sem democracia não
há socialismo e de que sem socialismo não há democracia (verdadeira). Deste modo, a
ampliação contínua da democracia seria o caminho para o socialismo. Daí ganharem
força as idéias de construir uma escola democrática, uma escola cidadã; de formar
cidadãos críticos e de encontrar, ainda no interior do sistema capitalista, formas de
organizar a educação que permitissem superar a cisão entre trabalho manual e trabalho
intelectual, entre teoria e prática.

Esse pressuposto explica, a nosso ver, porque os defensores da pedagogia


histórico-crítica, cujas contribuições à construção de uma teoria educativa socialista
reputamos sejam as mais avançadas, admitem a possibilidade de que essa proposta
pedagógica seja transformada em política de Estado, ainda nesta sociedade.

3. A educação e o momento atual

A humanidade vive hoje um momento claramente contra-revolucionário. No


preciso sentido de que as classes dominantes detêm, inequivocamente, a direção do
processo social, apesar da profunda crise em que se debate o capital. Por outro lado, a
classe trabalhadora encontra-se profundamente afetada, e de maneira negativa, tanto em
9

sua realidade material quanto ideológica e politicamente por esta crise. Isto não
significa que não existam inúmeras lutas, tanto da classe trabalhadora como de outros
setores sociais, em andamento. No entanto, a tônica dessas lutas não é de enfrentamento
do modo capitalista de produção para superá-lo, mas apenas para obter ganhos que não
desbordam a sua lógica. É como se a possibilidade do socialismo tivesse desaparecido
completamente do horizonte.

A responsabilidade dessas derrotas da perspectiva revolucionária cabe,


certamente, em grandíssima parte, aos próprios capitalistas. Mas, não se deve
desconhecer que boa parte da responsabilidade também cabe aos equívocos que
marcaram a luta da classe trabalhadora. Ao centrar a luta no campo da política –
incluindo aí as lutas desenvolvidas no âmbito da economia, já que elas nunca seriam
dirigidas à contestação radical da ordem social vigente – a classe trabalhadora aceitou
que a disputa se desse no interior do modo capitalista de produção, deixando de lado o
seu objetivo específico, que é a superação do capital3.

Ao não contestar, na sua lógica mais profunda, nem o capital, nem a sua força
política, que é o Estado, a classe trabalhadora viu-se desarmada, política e
ideologicamente, porque, não importa quais sejam os seus ganhos parciais – hoje cada
vez mais magros – ela sempre pagará os custos da reprodução dessa ordem social e
jamais poderá resolver plenamente os seus problemas.

O resultado desse abandono do projeto histórico do comunismo é que a luta


apenas por melhorias e pela ampliação do ordenamento democrático se tornou o
objetivo das lutas sociais e, inclusive, das lutas da classe trabalhadora. Não obstante se
fale em reformismo revolucionário, a verdade é que a reforma está ocupando todo o
espaço, deixando para a revolução apenas um discurso vazio.

Como vimos, a reflexão e a prática pedagógicas que se pretendiam


revolucionárias, foram e continuam profundamente marcadas, embora de modo muito
diverso em cada autor, por essa trajetória de derrotas e equívocos da luta do trabalho
contra o capital.

3
Veja-se, a esse respeito, o cap. 18 do livro Para além do Capital, de I. Mészáros.
10

Entendemos que é preciso avançar no sentido de superar esses equívocos que


levam ao reformismo e recolocar em pauta, sem desconhecer as mediações, a
perspectiva revolucionária. Certamente algo mais fácil de dizer do que de realizar.

Para isso, são necessárias duas coisas. Primeira: fazer a crítica do passado. E
essa crítica significa essencialmente a crítica da centralidade da política, que se
instaurou tanto pelos caminhos reformistas quanto pelas vias revolucionárias. Isto
implica, obviamente, resgatar a centralidade do trabalho, tanto no seu sentido ontológico
como político e também como eixo do processo de transição do capitalismo ao
comunismo4.

Esta crítica não poderia ser feita sem o resgate do caráter radicalmente crítico e
revolucionário – no sentido ontológico – do pensamento de Marx5. Foi o abandono
desta radicalidade crítica e revolucionária – repetimos, no sentido ontológico e não
simplesmente político – que levou, do ponto de vista teórico, à mudança da centralidade
do trabalho para a centralidade da política.

Segunda: abandonar o caráter defensivo e assumir o caráter ofensivo da luta


pelo socialismo6.

Pode parecer esquerdismo infantil ou principismo falar de ofensiva socialista


em um momento profundamente contra-revolucionário, de enormes e devastadoras
derrotas da classe trabalhadora e no qual até a simples ideia de socialismo parece ter
desaparecido do horizonte. Uma consideração mais rigorosa da questão mostrará que
não se trata de nada disso.

É um fato que é da natureza do capitalismo estar submetido a crises periódicas,


de maior ou menor gravidade.

É também um fato que o capitalismo vive, hoje, uma crise de extrema


gravidade.

Mas, segundo Mészáros, o que o capital vive hoje não é uma simples crise
comum, mas uma crise estrutural7. Segundo ele, a diferença mais marcante reside no

4
Ver, a esse respeito, de nossa autoria: Descaminhos da esquerda: da centralidade do trabalho à
centralidade da política, cap. 1. e Trabalho associado e revolução proletária.
5
Para maiores aprofundamentos, ver, de nossa autoria: Marxismo para o século XXI.
6
A ideia de imprimir, hoje, às lutas sociais um caráter de ofensiva em direção ao socialismo é defendida,
com solidez por I. Mészáros no livro Para além do Capital, especialmente, cap. 18.
11

fato de que, ao contrário das crises comuns, que afetam apenas alguns setores ou partes
do mundo capitalista, esta atinge tanto o conjunto do mundo como todos os segmentos
da sociabilidade capitalista.

Isto não significa a afirmação de um colapso iminente do capitalismo, mas


apenas o fato de que os limites dentro dos quais o capital opera para reproduzir-se estão
cada vez mais estreitos e as consequências, para a humanidade, em um grau de
negatividade tal que põem em perigo a própria existência desta.

Ora, ainda segundo Mészáros, na luta entre o capital e o trabalho, que vem
sendo travada há décadas, o conjunto dos instrumentos de enfrentamento criados pelo
trabalho, foi profundamente afetado por um caráter defensivo. Num primeiro aspecto,
por causa da clandestinidade, com óbvias incidências nas condições organizativas. Num
segundo aspecto, pelo abandono do objetivo revolucionário, que levou partidos e
sindicatos a se tornarem cada vez mais reformistas. Neste caso, a erradicação do
capitalismo deixou de ser o objetivo estratégico para, em seu lugar, ser colocada apenas
a defesa de ganhos parciais.

Deste modo, a negociação foi substituindo o confronto e a defesa do sistema


democrático foi desbancando a luta pelo socialismo. Como conseqüência, toda a luta da
classe trabalhadora foi restringida a embates no interior do sistema capitalista. Como a
luta entre capital e trabalho não é um enfrentamento entre iguais, mas entre dominante e
dominado, é uma enorme ilusão pensar que se pode alcançar uma vitória do segundo
sobre o primeiro sem colocar como objetivo a completa erradicação do capital. E, além
disso, como a crise do capital tende a agravar-se, até os ganhos da classe trabalhadora
tenderão a tornar-se cada vez mais limitados.

Deste modo, a ofensiva socialista não significa colocar como bandeira de luta a
consigna “socialismo já”, mas orientar, teórica e praticamente as lutas sociais no sentido
de terem claramente como alvo final a superação radical do capitalismo. Esta orientação
implica a auto-organização da classe trabalhadora, de forma independente e contrária
tanto ao capital como ao Estado, a formulação de um projeto próprio que tenha no

7
A respeito da ideia de crise estrutural ver, de I. Mészáros, Para além do Capital, cap. 18.
12

comunismo seu objetivo maior e a subordinação da luta parlamentar à luta extra-


parlamentar.8

Como pode a educação, entendida no sentido de educação escolar, contribuir


para essa tarefa? A resposta é complexa e exigiria uma ampla argumentação. Vamos
ater-nos, aqui, apenas a algumas considerações que julgamos importantes.

Para responder a essa pergunta é preciso situar a educação no contexto da crise


atual.

Que a educação é um poderoso instrumento de reprodução do capital já é


sabido. Que a sociedade capitalista não é um bloco homogêneo, mas contraditório,
também é sabido. Disto decorre que a hegemonia na condução do processo social, em
todas as esferas, embora com enormes diferenças, é sempre do capital. Mas, também
decorre que há possibilidades, para o trabalho, de levar adiante as suas lutas. É ocioso
dizer que essas possibilidades são diferentes em momentos e lugares diferentes.

Como já vimos, a situação atual tem um caráter fortemente contra-


revolucionário, isto é, de um amplo domínio econômico, político e ideológico do
capital. E, na crise que o capital atravessa atualmente, ele, mais do que em outros
momentos, subsume todas as dimensões sociais aos interesses do enfrentamento dos
seus problemas. Por isso mesmo, os espaços de manobra para arrancar dele ganhos
parciais se estreitam cada vez mais. Para o capital, dada a sua lógica, sua reprodução é a
questão mais importante, mesmo que isso signifique a destruição da humanidade.

Considerando tudo isso, a atividade educativa não pode pretender ter, hoje, um
caráter massivo. O que significa que é impossível pretender imprimir à educação, como
proposta hegemônica, uma tônica que contribua para um processo de transformação
radical da sociedade. Mas, nem por isso uma atividade educativa com esse objetivo
deve ser abandonada. Trata-se, apenas, de adequá-la a esse momento. Mas, como?
Adequar pode significar rebaixar o horizonte, sob o pretexto da situação atual, ou
simplesmente proclamar os princípios e o objetivo final, desconhecendo as mediações
que permitam alcançá-lo.

No entanto, cremos que, entre essas duas alternativas, existe uma mais
apropriada a esse momento.
8
A esse respeito ver nosso artigo: Eleições: repensando caminhos. No site: WWW: ivotonet.xpg.com.br
13

Não se trata de abrir mão das lutas pelo acesso universal a uma educação de
alta qualidade. Mas, é preciso ter claro que este objetivo não é alcançável no interior do
capitalismo e, nesta situação de crise estrutural, cada vez menos. Nele, embora uma
certa universalização quantitativa ainda seja possível, o rebaixamento da qualidade é um
fato cada dia mais gritante. A efetiva resolução dessa questão – a possibilidade do
acesso universal a uma educação de alta qualidade – só existe numa sociedade
comunista.

Por isso mesmo, pensamos que, na educação, o foco deveria estar situado na
realização de atividades educativas que contribuam para a formação de uma consciência
revolucionária. Trata-se de nortear tanto a teoria como as práticas pedagógicas no
sentido da emancipação humana e não no sentido do aperfeiçoamento da democracia e
da cidadania. Pois a questão é formar indivíduos que tenham consciência de que a
solução para os problemas da humanidade está na superação da propriedade privada e
do capital e na construção de uma forma comunista de sociabilidade.

Certamente existe um patrimônio de saber acumulado, especialmente na área


do conhecimento da natureza, mas, também na área do conhecimento específico do ser
social, para cujo acesso universal deve-se lutar. Todavia, não se pode esquecer que
mesmo o acesso a esse patrimônio é organizado, independente de intencionalidade
direta, de modo a atender os interesses da burguesia. E, especialmente, quando se trata
do conhecimento filosófico-científico relativo ao ser social, sua abordagem é
profundamente problemática. Quando, então, se trata do conteúdo mais atual da
filosofia e das chamadas ciências humanas, não há como desconhecer seu intenso
caráter conservador.

Deste modo, não se trata de lutar apenas pelo acesso universal ao patrimônio
acumulado do saber. Para além disso é preciso fazer a crítica desse saber e permitir a
aquisição de um conhecimento de caráter revolucionário9. Desnecessário dizer que a
figura do professor é, aqui, de suma importância, pois depende dele imprimir à sua
atividade educativa esse caráter. Aqui, a célebre afirmação de Marx de que o educador
também tem que ser educado, ganha toda a sua importância. Por isso o domínio, sólido,
amplo e profundo dessa perspectiva revolucionária, que se refletirá em todos os

9
Não entendemos caráter revolucionário em um sentido apenas, nem principalmente, político, mas de
uma concepção de mundo abrangente e radical, cujos fundamentos foram instaurados por K. Marx.
14

momentos do trabalho pedagógico, é imprescindível, pois não se trata de doutrinar –


fazer acreditar baseado na autoridade – mas, de permitir o acesso a um conhecimento
racionalmente sustentado.

Por outro lado, esse conhecimento, pela sua própria natureza, será um poderoso
estímulo para o engajamento nas lutas práticas tanto aquelas particulares como aquelas
mais gerais.

Certamente, considerando a atual conjuntura, essa atividade educativa será


necessariamente restrita. No entanto, de enorme importância para sustentar a
perspectiva revolucionária nestes momentos difíceis.

Referências Bibliográficas

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MÉSZÁROS, I. Para além do Capital. São Paulo, Boitempo, 2005.

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s. d.
15

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SNYDERS, G. Pedagogia Progressista. Coimbra, Liv. Almedina, 1974.

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do trabalho à centralidade da política. São Paulo, Alfa/Omega, 2009.

TONET, I. Educação, cidadania e emancipação humana. Ijuí, Unijuí, 2005.

TONET, I. Educação contra o capital. Maceió, Edufal, 2007.

TONET, I. Marxismo para o século XXI. In: Em defesa do futuro. Maceió,


Edufal, 2005.

TONET, I. Trabalho associado e revolução proletária. Maceió, 2010 (mimeo).

Maceió, fevereiro de 2010.

Ivo Tonet

RESUMO
“Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade,
em circunstâncias escolhidas por eles próprios, mas nas circunstâncias imediatamente
encontradas, dadas e transmitidas pelo passado”(K Marx, 2008. P. 207). É em
circunstâncias muito precisas que os homens fazem a sua história hoje. E, do ponto de
vista dos interesses mais profundos da classe trabalhadora, esse momento se apresenta
com um caráter fortemente contra-revolucionário. O resgate sólido da teoria
revolucionária, o que implica uma crítica das deformações teóricas e práticas passadas,
é condição imprescindível para continuar a sustentar o projeto histórico comunista e, ao
mesmo tempo, iluminar os caminhos do futuro. Como a educação pode contribuir para
isso? É sobre isso que pretendemos refletir nesse texto.

ABSTRACT
16

“Men make their own history, but do not do according their free will, under
circumstances chosen by themselves, but in the circumstances immediately found,
given and transmitted from the past” (K. Marx, 2008, p. 207). It is in very precise
circumstances that men make history today. And in the point of view of the deepest
interests of the working class, this moment presents itself with a strong tendency to
counter-revolutionary. The strong recovery of the revolutionary theory, which implies a
critique of the past theoretical and practical distortions, is imperative to continue to
support the historical and communist project and, at the same time, illuminate the paths
of the future. How can education contribute to this? It´s about what we want to reflect in
this text.

RESUMEN

“Los hombres hacen sua propia historia, pero no segundo su libre voluntad, en
circunstancias elegidas por ellos mismos, sino en las circunstancias inmediatamente
dadas y transmitidas por el pasado” (K. Marx, 2008, p.207). Hoy los hombres hacen sua
historia en circunstancias muy definidas. Y, considerando el punto de vista de los
intereses más profundos de la clase obrera, el presente momento tiene un carácter
fuertemente contra-revolucionario. El rescate solido de la teoria revolucionaria, que
supone la crítica de las deformaciones teóricas y prácticas pasadas, es una condición
indispensable para que podamos continuar a sostener el proyecto histórico comunista y,
al mismo tiempo, iluminar los caminos del futuro. Como puede la educación contribuir
para ese fin? Este es el objectivo de nuestra reflexión en el presente texto.
EDUCAR PARA A CIDADANIA OU PARA A LIBERDADE?

Ivo Tonet

Introdução

O termo cidadania se tornou, hoje, uma espécie de lugar-comum. E ele também foi
incorporado pelo discurso pedagógico, inclusive o de esquerda. É comum ouvir-se falar, por
estes autores, em educação cidadã, educar para a cidadania, formar cidadãos críticos. Embora
haja diferenças entre os diversos autores acerca do conteúdo deste termo, pode-se dizer que, de
modo geral, ele é tomado como sinônimo de liberdade1. Vale dizer, contribuir para a formação
de cidadãos, seria contribuir para a formação sempre processual de indivíduos cada vez
mais livres e humanos.
Poderíamos, porém, perguntar: Este conceito de cidadania não estaria sendo utilizado
de forma pouco crítica ou seria ele, efetivamente, aceito como sinônimo de plena liberdade
humana? Será de fato livre uma sociedade onde vigem plenamente as liberdades
democráticas? Será este tipo de sociedade o horizonte inultrapassável da humanidade, isto é,
uma forma de sociabilidade aberta ao contínuo aperfeiçoamento? Não haverá uma confusão
entre socialidade e cidadania, sendo a primeira um componente da natureza essencial do ser
social e a segunda uma categoria histórica e concretamente datada? Não será a cidadania,
embora ressalvando decididamente os seus aspectos positivos e a sua importância na história
da humanidade, uma forma de liberdade essencialmente limitada? A crítica radical à cidadania
implicaria, necessariamente, uma opção por uma forma autocrática de sociabilidade? Haveria
bases razoáveis, isto é, reais, para sustentar a possibilidade de uma forma superior de
sociabilidade, radicalmente diferente da forma democrático-cidadã? Qual seria a natureza
essencial daquela forma? E quais as consequências que derivariam daí para a prática educativa
hoje?

1
Alguns autores partem do pressuposto de que a existência da desigualdade social é algo natural e que a
cidadania (e a democracia) é um meio para minimizar os efeitos mais nocivos desse fato. Outros partem do
pressuposto de que a cidadania é simplesmente um dado da condição humana e que, portanto, ela poderia existir
em qualquer forma de sociabilidade. Discutiremos isso mais adiante.
2

Muitas perguntas, pouco espaço. Nossa intenção, neste texto, não é examinar em
extensão e profundidade toda a problemática aí implicada, mas apenas sinalizar uma
abordagem diferente, resumindo um trabalho de fôlego bem maior. Estamos conscientes de
que um resumo é sempre empobrecedor, ainda mais considerando o caráter polêmico das
idéias aqui expostas. Mas resolvemos correr o risco.

1. As Problemáticas da cidadania e da emancipação humana.

1.1 - A problemática da cidadania

Tão importante quanto a abordagem direta da questão da cidadania e da emancipação


humana, é deixar claros os pressupostos que nortearão o nosso trabalho. Achamos
imprescindível expô-los, ainda que brevemente, porque entendemos que pressupostos
diferentes conduzem a conclusões diferentes. Basta ver que a ampla maioria das abordagens
desta problemática se restringem ao âmbito interno da dimensão política. E nenhuma, exceto a
de Marx, toma como ponto de partida a base material da sociabilidade. No máximo, nas outras
concepções, ela é pressuposta, sem que haja o exame da sua conexão com a dimensão da
política.
Nós, partimos da pressuposição de que, na perspectiva marxiana, a autoconstrução
humana é um processo que tem como ponto de partida o trabalho. Aqui, na esteira de Marx,
trabalho é entendido como uma síntese entre teleologia (prévio estabelecimento de fins e
escolha de alternativas) e causalidade (o ser natural, regido por leis de tipo causal). Visto
assim, o trabalho é considerado o ato fundante do ser social, porque é por meio dele que se dá
o salto do ser natural ao ser social e são produzidos os bens materiais necessários á vida
humana. Além disso, o trabalho é a mediação através da qual o homem transforma a natureza,
adequando-a aos seus fins e, ao mesmo tempo, se constrói a si próprio.
A análise do trabalho nos permite perceber que o homem se constrói como um ser
essencialmente histórico, ativo, social, universal, consciente e livre2. Mas, o trabalho não é
tudo. Ele é apenas o fundamento. A partir dele, e como exigência da complexificação do ser

2
Sobre essas características, ver, de Agnes Heller, Teoría de las necesidades en Marx e, de G. Markus,
Marxismo y antropologia.
3

social que dele decorre, surgem inúmeras outras dimensões da atividade humana, cada qual
com uma natureza e uma função próprias na reprodução do ser social.
Deste modo, constatamos que o processo de tornar-se homem do homem não é um
acontecer aleatório. O que não significa dizer que seja determinado aprioristicamente. É uma
processualidade que tem como substância última os atos dos indivíduos singulares, que são, de
alguma forma, atos livres. E que, tendo, além disso, como fundamento, o trabalho, vai se
pondo sob a forma de um complexo de complexos, ou seja, de um conjunto de dimensões que
interagem entre si e com a dimensão fundante. Ao longo deste processo, o ser social se torna
cada vez mais heterogêneo, diversificado e multifacetado, mas, ao mesmo tempo, também,
mais unitário.
Vale ressaltar, também, que, a partir da análise do trabalho, pode-se constatar que
neste processo de tornar-se homem do homem, dois momentos assumem um papel
especialmente relevante: o momento da singularidade (indivíduo) e o momento da
universalidade (gênero). Do ponto de vista ontológico, este dois momentos constituem uma
unidade indissolúvel. Suas relações concretas, porém, só podem ser entendidas a partir da
própria lógica do processo real e jamais tomadas como um dado ontológico do ser social.
Deste modo, o processo de autoconstrução do homem, matrizado pelo trabalho, será, sempre o
fio condutor do processo social e, portanto, da nossa exposição.
Dito isto, podemos abordar a problemática da cidadania e da emancipação humana e
da relação destas duas categorias com a problemática da educação, deixando claro que o
faremos sempre a partir de uma perspectiva marxiana.
A teoria liberal da cidadania (Kant, Hobbes, Locke, Rousseau e outros) tem como
pressuposto que todos os homens são iguais e livres por natureza. As desigualdades sociais
seriam apenas o desdobramento da igualdade e da liberdade naturais. A busca da realização
pessoal, uma exigência da liberdade e da igualdade naturais, teria dado origem a toda sorte de
conflitos, que, na ausência de qualquer elemento inibidor, poderiam por em perigo a
sobrevivência da própria humanidade. Por isso mesmo, os homens ter-se-iam visto obrigados a
se organizar em sociedade e a instituir uma autoridade (Estado) capaz de garantir a
observância de certos limites. Deste modo, a desigualdade social é considerada legítima e
constitutiva do mundo humano. Tratava-se, pois, não de suprimi-la, o que seria impossível,
mas apenas de coibir os seus excessos.
4

Como se pode ver, ainda que não se falasse em cidadania, a igualdade e a liberdade
naturais já punham a base para o seu desenvolvimento futuro. Neste sentido, todos os homens
já eram potencialmente cidadãos. O desenvolvimento posterior, sempre complexo e
contraditório, seria apenas a concretização daquilo que já estava posto, como possibilidade,
desde o início. Mas a cidadania seria sempre vista como um instrumento para equilibrar as
desigualdades sociais e não para erradicá-las.
Mesmo autores liberais atuais, como H. Arendt, N. Bobbio, J. Rawls, que não aceitam
a igualdade e a liberdade como determinações naturais, mas como produtos sociais, não
desbordam aquele campo. Também para eles trata-se de encontrar uma forma de equilibrar, já
que é impossível superar, as contradições existentes entre a liberdade e igualdade.
Para a esquerda democrática (a exemplo de C. Lefort, E. M. Wood, M. Chauí, C. N.
Coutinho), ao contrário, não há uma articulação essencial entre cidadania e classes sociais e,
portanto, entre cidadania e capitalismo. Segundo estes autores, na esteira de Aristóteles, o
homem é um animal político por natureza. Isto significaria que a condição de cidadão é um
elemento constitutivo da condição humana . Sua forma concreta seria historicamente datada,
mas a sua natureza essencial acompanharia a humanidade desde o começo até o fim.
Argumenta-se, ainda, que a cidadania existiu antes do capitalismo, de modo que sua relação
com ele seria apenas acidental e não essencial Mais ainda: a história da construção da
cidadania mostraria que esta é muito mais o resultado das lutas das classes trabalhadoras do
que uma concessão da burguesia. Deste modo, a sua conquista plena seria um interesse
daquelas classes e não da burguesia. Em última análise, a realização da cidadania plena se
chocaria contra a lógica do capital, só sendo possível com a superação deste. Assim, a luta das
classes subalternas não iria no sentido de superar a cidadania, mas de afastar as barreiras
postas à sua plena realização.
Se construir uma sociedade democrático-cidadã é construir uma sociedade
efetivamente livre, qual seria a contribuição da educação (referimo-nos aqui à educação
formal) nesta tarefa? Contribuir, no âmbito específico da educação, para a conquista da
hegemonia, pelas forças progressistas, no seio da sociedade civil e, portanto, para a construção
de uma sociedade cada vez mais livre e humana. Esta contribuição pode ser resumida por um
termo muito difundido, hoje, na esquerda democrática: educação cidadã. Quer dizer, uma
educação que contribua para formar os indivíduos como cidadãos e cidadãos críticos, isto é
5

indivíduos que participam ativamente do processo social. Isto supõe ampliar cada vez mais o
acesso de todos à educação; garantir um nível cada vez mais elevado de acesso ao saber, o que
implica melhorar as condições gerais de trabalho de todos os envolvidos no processo; buscar
métodos democráticos e ativos de ensino-aprendizagem; estabelecer uma interação ativa entre
a escola e a comunidade; estabelecer formas democráticas e participativas tanto na gestão da
escola quanto na elaboração da política educacional mais geral, etc. Em resumo, construindo
experiências de educação democrática, participativa, autônoma e sintonizada com os interesses
das classes populares.
A abordagem da problemática da cidadania, na perspectiva marxiana é
profundamente diferente tanto da concepção liberal quanto daquela da esquerda democrática.
E, para nós, a questão decisiva situa-se no ponto de partida.
A perspectiva liberal parte da idéia de que o indivíduo precede ontologicamente a
sociedade e de que a natureza essencial desse indivíduo é egoísta, competitiva. A desigualdade
social seria uma decorrência inevitável dessa natureza, competindo ao Estado, com seus vários
instrumentos, impedir os seus excessos.
A perspectiva da esquerda democrática parte da idéia de que cidadania é sinônimo de
socialidade e de que as formas concretas da cidadania seriam apenas manifestações datadas
daquela condição humana essencial. Vale notar, no entanto, que o próprio Aristóteles deixa
claro que cidadania pertence à dimensão da política e de que esta admite como natural a
desigualdade social3. Neste pensamento, em nenhum momento está presente a questão de uma
ruptura radical entre a forma do trabalho e a forma da sociabilidade. Exatamente porque a
problemática do trabalho, como fundamento ontológico do ser social, não se faz presente.
Diferentemente destas duas teorizações, Marx, como vimos, parte do exame da
origem ontológica do homem, constatando que o ato fundante do ser social é o trabalho. E que
este é uma síntese entre subjetividade e objetividade, o que permite definir o homem não
apenas como um animal racional, mas como um ser da práxis. Ao ser a mediação entre o
homem e a natureza e ao produzir os bens materiais necessários à existência humana, o

3
Infelizmente, dada a limitação do espaço, na podemos aprofundar aqui a concepção aristotélica. Vale
ressaltar, no entanto, que esta concepção, além de ser finalística (há uma tendência natural, no homem, para a
constituição da polis), também define o homem como um ser cuja característica essencial é a racionalidade (o
logos), deixando de explicar como surge essa racionalidade (ou, melhor, pressupõe que proveio dos deuses). Isto
tem enormes conseqüências no desenvolvimento do seu pensamento.
6

trabalho põe-se como o fundamento de toda e qualquer forma de sociabilidade. Daí decorre
que a cisão entre vida social (aqui entendida como o conjunto de relações que os homens
estabelecem entre si no trabalho) e vida política (o conjunto de relações que dizem respeito ao
exercício do poder) surge quando a humanidade se divide em classe sociais (portanto, quando
surge a propriedade privada). Como conseqüência, a superação dessa cisão implica a
eliminação das classes sociais e da propriedade privada.
No caso concreto da sociabilidade capitalista, existe, na perspectiva marxiana, uma
relação indissolúvel entre sociedade civil (o momento das relações econômicas) e a
emancipação política (o momento jurídico-político), da qual fazem parte a democracia e a
cidadania.
Para Marx, o ato fundante da sociabilidade capitalista é o ato de compra-e-venda de
força de trabalho. Este ato é, necessariamente, gerador de desigualdades sociais e de uma
relação de subordinação do trabalho ao capital. Mas, para que este ato fundante e a
sociabilidade que se constrói a partir dele possam realizar-se, é necessário que existam
indivíduos, no sentido de pessoas livres e autônomas. Isto significa indivíduos livres, iguais e
proprietários. Sem estas qualidades, a sociabilidade capitalista não poderia funcionar. Note-se,
porém, que os indivíduos não comparecem como homens integrais, mas apenas como
contratantes. É apenas neste sentido que são iguais, livres e proprietários. O que temos, então,
é que a desigualdade de raiz (economia) se inverte em uma forma de igualdade, de liberdade e
de propriedade. Há, portanto, uma articulação férrea, obviamente não isenta de tensões, entre a
matriz econômica (o capital) e a forma jurídico-política (emancipação política; democracia e
cidadania). Por isso mesmo, cidadão é, por sua natureza, sempre homem parcial. O homem
em sua plenitude está necessariamente para além da cidadania.
Parece-nos, pois, que a consequência disto é que, não obstante os aspectos positivos
que a emancipação política trouxe para a humanidade, em sua essência ela é uma expressão e
uma condição de reprodução da desigualdade social. O que significa dizer que ela é
certamente uma forma da liberdade humana, mas uma forma essencialmente limitada, parcial
e alienada de liberdade. O que também significa dizer que por mais plena que seja a cidadania,
ela jamais pode desbordar o perímetro da sociabilidade regida pelo capital. Isto é muito
claramente expresso pelo fato de que o indivíduo pode, perfeitamente, ser cidadão sem deixar
de ser trabalhador assalariado, ou seja, sem deixar de ser explorado.
7

Queremos, porém, deixar claro que esta concepção da cidadania de modo algum
implica sua desqualificação ou menosprezo, mas apenas a apreensão da sua natureza própria, o
que implica o conhecimento das suas possibilidades positivas na autoconstrução da
humanidade, mas também dos seus limites intrínsecos. Ela poderá ser uma mediação, junto
com outras, mas jamais o fim maior da humanidade.

1.2 A problemática da emancipação humana

Desde as Glosas Críticas, de 1844, até a Crítica do Programa de Gotha, Marx


enfatizou a diferença radical existente entre emancipação política e emancipação humana. E,
para ele, assim como o trabalho assalariado era o ato fundante da sociabilidade capitalista, o
trabalho associado deveria ser o fundamento de uma sociabilidade plenamente emancipada.
Para evitar mal-entendidos, deixemos claro que trabalho associado não é simplesmente o
trabalho em cooperativas. Ele consiste naquele tipo de relações que os homens estabelecem
entre si na produção econômica e nas quais eles põem em comum as suas forças individuais e
mantêm o controle consciente do processo na sua integralidade, ou seja, na produção, na
distribuição e no consumo. Por isso mesmo, dele estão ausentes tanto a sujeição dos homens à
natureza, quanto a exploração e a sujeição dos homens uns aos outros.
O trabalho associado, por sua vez, implica, em determinação recíproca, um grau
muito elevado de desenvolvimento das forças produtivas, capaz de permitir a produção
abundante da riqueza e uma grande diminuição do tempo de trabalho, proporcionando aos
homens o tempo livre para a realização de atividades mais propriamente humanas.
É sob esta forma de trabalho que o trabalho humano assumirá o seu grau máximo de
liberdade possível. Mas, como diz Marx, ele não constitui o patamar mais elevado da
liberdade, porque é um tipo de atividade que, mesmo realizada em condições as mais
adequadas ao homem integralmente considerado e mesmo regida conscientemente por ele,
ainda permanece sempre sujeita às leis do intercâmbio com a natureza. É, pois, com
fundamento neste tipo de trabalho (associado) que se construirá uma forma de sociabilidade
plenamente livre, onde a auto-edificação humana encontrará diante de si um horizonte
ilimitado. Para evitar mal-entendidos, precisemos o conceito de liberdade plena. Ressalte-se,
inicialmente, que emancipação humana não é um estado, um ponto de chegada, mas um
8

determinado patamar, uma determinada forma de sociabilidade. Assim como a comunidade


política, também a comunidade humana é uma processualidade. Mas, o que distingue
fundamentalmente uma da outra é o caráter essencialmente limitado e parcial da primeira e o
caráter essencialmente ilimitado e integral da segunda. Integral, porque não é apenas uma
parte dos homens que é livre, nem a totalidade dos homens que é livre apenas em parte, mas
porque todos os homens estão situados no interior do patamar humano mais livre possível.
Ilimitada, porque faz parte de uma forma de sociabilidade indefinidamente aperfeiçoável;
porque não traz em si obstáculos insuperáveis. Deste modo, por liberdade plena não
entendemos liberdade absoluta, perfeita, definitivamente acabada, o que seria contraditório
com a própria definição do ser social como um processo interminável de autoconstrução;
muito menos a liberdade irrestrita do indivíduo visto como eixo da sociedade. Se por liberdade
entendemos essencialmente autodeterminação, então liberdade plena significa aquela forma
de liberdade o grau máximo de liberdade possível para o homem que o indivíduo tem
como integrante de uma comunidade real, cujo fundamento é necessariamente o trabalho
associado. O que significa, também, que nesta forma de sociabilidade há uma relação
harmônica embora não isenta de tensões entre o indivíduo e a comunidade, ou seja, estão
dadas as possibilidades para uma realização ampla das potencialidades humanas de todos os
indivíduos; que já não há mais cisão entre o momento real e o momento formal, entre o
público e o privado; que os homens já não são dominados por forças estranhas, mas que eles
são porque estão dadas as condições objetivas e subjetivas efetivamente senhores do seu
destino. Em síntese, a essência da emancipação humana está no domínio consciente e coletivo
dos homens sobre o seu processo de autoconstrução, sobre o conjunto do processo histórico.

2. Educação, cidadania e emancipação humana

2.1 - Origem e natureza da educação

Procuremos, antes de mais nada, esclarecer o que entendemos por educação. Isto é
importante para podermos compreender se e de que modo ela pode ser uma mediação para a
construção de uma sociabilidade plenamente emancipada.
9

Partimos, para isto, da categoria do trabalho, que consideramos, com Marx, a raiz
ontológica do ser social. Ao examinar esta categoria, vemos que, assim como a linguagem e o
conhecimento, também a educação é, desde o primeiro momento, inseparável dela4. O
trabalho, por sua própria natureza, é uma atividade social, e, por isso, sua efetivação implica
sempre, por parte do indivíduo, a apropriação dos conhecimentos, habilidades, valores,
comportamentos, objetivos, etc., comuns ao grupo. Somente através desta apropriação é que o
indivíduo pode tornar-se (objetivar-se)5 efetivamente membro do gênero humano. Esta
apropriação/objetivação tem na educação uma das suas mediações fundamentais.
Resumindo, podemos dizer que a natureza essencial da atividade educativa consiste
em propiciar ao indivíduo a apropriação de conhecimentos, habilidades, valores,
comportamentos, etc. que se constituem em patrimônio acumulado e decantado ao longo da
história da humanidade, contribuindo, assim, para que o indivíduo se construa como membro
do gênero humano e se torne apto a reagir face ao novo de um modo que contribua para a
reprodução do ser social, que se apresenta sempre sob uma determinada forma particular.
Ora, este processo de apropriação, por parte dos indivíduos, do patrimônio social,
não poderia deixar de ser atravessado pelos antagonismos sociais, já que vivemos numa
sociedade de classes. Além disso, todo este conjunto de elementos que constituem o
patrimônio da humanidade não é um todo homogêneo e acabado e muito menos neutro. Ele é
um vasto e complexo campo, sempre em processo, do qual, a cada momento e a partir de
determinados fundamentos, valores e objetivos, são selecionados, via políticas educacionais,
currículos, programas, métodos e outras atividades julgados mais importantes. É aqui onde se
faz sentir o peso das questões político-ideológicas. Em uma sociedade de classes, o interesse
das classes dominantes será sempre o pólo determinante da estruturação da educação. O que
significa que ela será configurada de modo a impedir qualquer ruptura com aquela ordem
social. Em consequência, a educação, quer formal, quer informal, sempre terá um caráter
predominantemente conservador.
Mas, a existência do antagonismo de classe também implica o surgimento sob
formas explícitas ou implícitas de outras propostas, com outros fundamentos, outros valores

4
Sobre a categoria do trabalho, ver: G. Lukács: Ontologia dell Essere Sociale, v. II e S. Lessa: Trabalho
e ser Social.
5
A respeito da questão da relação entre apropriação e objetivação, ver, de Newton Duarte: A
individualidade para si.
1

e outros objetivos. Isto nos permite constatar que o campo da educação também é um espaço
onde se trava uma incessante luta, ainda que a hegemonia esteja sempre em mãos das classes
dominantes. Qualquer outra proposta sempre terá um caráter muito limitado.
Se considerarmos, então, a sociedade atual, veremos que uma proposta de educação
emancipadora só poderá ser explicitada em seus elementos gerais, mas nunca levada à prática
como um conjunto sistematizado. A disputa, certamente pode e deve ser efetuada, mas não se
pode ter a ilusão de que é possível estruturar uma educação emancipadora como um conjunto
sistematizado e largamente praticável em oposição a uma educação conservadora.
Há, portanto, aqui, uma disputa antagônica entre diferentes perspectivas. Por isso
mesmo, e considerando os interesses mais profundos, sem dúvida interessa à perspectiva do
trabalho a apropriação, o mais ampla, sólida e profunda possível deste patrimônio humano e
do que há de mais rico e sólido nele, por parte de todos os indivíduos. Quanto mais rico o
indivíduo, mais rico o gênero e os outros indivíduos e vice-versa. O mesmo não se pode dizer
da perspectiva do capital. É de sua natureza não apenas limitar o acesso quanto ao número de
pessoas, mas também quanto à qualidade do conteúdo, tendo sempre em vista que o objetivo
último imposto pela sua própria lógica interna não é a realização plena de todos os
indivíduos e, pois, do gênero humano, mas a sua própria reprodução

2.2 - Requisitos para uma atividade educativa emancipadora

Se entendemos que a nossa atividade educativa deve ser articulada (falamos em


termos de fins e não de meios) com a emancipação humana e não com a emancipação política
(cidadania), então a pergunta que naturalmente pode nos ocorrer é esta: em que consiste uma
atividade educativa emancipadora? De que modo este objetivo último pode influenciar a
realização da atividade educativa? Questões muito complexas e que não é nosso objetivo
abordar aqui. Nossa intenção é responder a uma questão muito mais delimitada, qual seja:
quais seriam os requisitos, na presente situação histórica marcada pela crise estrutural do
capital, para uma atividade educativa que pretendesse contribuir para a emancipação humana?
E, além disso, quais seriam esses requisitos nessa situação histórica concreta, de crise
estrutural do capital, em que essa forma de sociabilidade já não tem mais como oferecer
alternativas dignas para a humanidade?
1

Ao nosso ver, o primeiro destes requisitos é o conhecimento sólido e profundo da


natureza da emancipação humana, que é o fim que se pretende atingir. É preciso ter clara a
distinção entre cidadania e emancipação humana e argumentos sólidos que permitam sustentar
uma convicção profunda de que esta última constitui um fim possível (não apenas desejável) e
superior. Não basta desejar um mundo melhor, é preciso saber quais são, pelo menos em
termos gerais, os lineamentos essenciais desse mundo. Isso é ainda mais importante porque é
muito fácil, hoje, confundir a idéia concreta de emancipação humana com um ideal , um
simples horizonte indefinido. Como vimos antes, é imperativo que nesses lineamentos se
façam presentes a extinção da propriedade privada, do capital e todas as categorias (trabalho
assalariado, mais-valia, valor de troca, mercadoria, etc) que o integram e a instauração do
trabalho associado como o fundamento de uma nova forma de sociabilidade. A importância
desta fundamentação, que só pode ser adquirida através de um estudo sério, salta aos olhos
quando lembramos que entre as idéias hoje dominantes não há nenhuma menção à
emancipação humana.
As conseqüências deste conhecimento sólido a respeito do fim, para a prática
educativa cotidiana, saltam aos olhos. Isto porque, a todo momento, o educador está fazendo
escolhas fundadas consciente ou inconscientemente em valores. Embora dentro de certos
limites, é ele que elabora programas, escolhe métodos, procedimentos, textos, livros, etc. Tudo
isto responde, sempre, a determinadas concepções. Que valores orientam essas escolhas, essa é
a grande questão. Orientar as atividades para a construção de indivíduos efetivamente livres
(ressalte-se que a luta, coletiva, por essa sociabilidade é um componente essencial) ou para a
formação de cidadãos, mesmo que críticos? Nesse momento, a criatividade pessoal tem uma
enorme e decisiva importância. Porque não existem modelos, não existem receitas. É preciso,
a partir daqueles parâmetros gerais, e analisando sempre a situação concreta, encontrar os
meios práticos que articulem estes dois momentos.
Em resumo: o domínio sólido a respeito do fim não garante uma atividade educativa
emancipadora. Mas, a ausência dele muito contribui para o desnorteamento desta atividade.
Um segundo requisito igualmente importante é o conhecimento do processo
histórico real, em suas dimensões universais e particulares. Pois o processo educativo se
desenvolve em um mundo historicamente determinado e em situações concretas. É preciso
conhecer, pelo menos em linhas gerais, o processo histórico humano e especialmente a
1

realidade do mundo atual (capitalista), a lógica do capital que o preside e a natureza da crise
em que está mergulhado o mundo, hoje. Afinal, a educação é uma parte dessa totalidade
complexa que é o conjunto da sociabilidade. Sociabilidade que, por sua vez, tem no trabalho o
seu fundamento. Deste modo, é absolutamente necessário que as articulações com esse mundo
sejam compreendidas para que a dimensão educativa não seja vista de modo isolado.
Um terceiro requisito está no conhecimento da natureza essencial do campo
específico da educação. Este conhecimento é necessário para evitar que se atribuam à
educação responsabilidades que não lhe são próprias, como, por exemplo, promover a
transformação do mundo, ou, então, diminuir demais as suas possibilidades, concebendo-a
como um simples instrumento de reprodução da ordem social atual. Não é qualquer conceito
de educação que é consistente com o objetivo da emancipação humana. Pelo contrário, ao
nosso ver, apenas um conceito ontologicamente fundado pode ser coerentemente articulado
com este objetivo maior. E é ainda necessário para que se possa tomar posição diante de
questões que são constantemente repostas, tais como: a educação deve ser neutra ou engajada;
deve ser diretiva ou não diretiva; deve privilegiar o conteúdo ou o método; deve colocar no
centro a figura do professor ou do aluno?
Um quarto requisito consiste no domínio dos conteúdos específicos, próprios de cada
área do saber. Tanto daqueles que integram as ciências da natureza quanto daqueles que
abrangem as ciências sociais e a filosofia. Sem esse domínio, de nada adiantaria, para as
classes populares, que o educador tivesse uma posição política favorável a elas, pois a efetiva
emancipação da humanidade implica a apropriação do que há de mais avançado em termos de
saber e de técnica produzidos até hoje. Para dar um exemplo bem claro: o momento
predominante mas não único que faz de um físico um educador emancipador não está no
seu compromisso político, mas no seu domínio do saber e da difusão do conteúdo específico e
de um modo que sempre estejam articulados com a prática social.
Um quinto e último requisito para uma prática educativa emancipadora encontra-se
na articulação da atividade educativa com as lutas desenvolvidas pelas classes subalternas,
especialmente com as lutas daqueles que ocupam posições decisivas na estrutura produtiva.
Certamente, não cabe à educação a tarefa de liderar a construção de uma nova sociedade.
Contudo, ela pode dar uma contribuição importante na medida em que desperte e fundamente
1

as consciências para a necessidade de uma transformação revolucionária e, ao mesmo, tempo,


transmita o que de mais avançado existe em termos de conhecimento.

Conclusão

Partimos da constatação de que está muito disseminada, ultimamente, entre


educadores compromissados com as classes populares, a disposição de buscar uma articulação
entre educação e cidadania. Tal disposição tem como pressuposto a idéia de que lutar pela
cidadania equivale a lutar por um mundo cada vez mais livre, justo e humano. Deste modo,
formar cidadãos seria formar pessoas que tivessem consciência dos direitos e deveres inerentes
a uma sociedade democrática; que tivessem uma postura crítica diante dos problemas sociais e
se engajassem na sua solução; que tivessem uma participação ativa e consciente na condução
dos negócios públicos. Em resumo, educar para a cidadania seria o mesmo que formar pessoas
como autênticos sujeitos da história e, deste modo, como indivíduos cada vez mais livres.
Procuramos, então, mostrar que a emancipação política (da qual fazem parte a
cidadania e a democracia) é uma forma essencialmente limitada, parcial e alienada de
liberdade, já que está indissoluvelmente ligada ao ato fundante da sociabilidade capitalista. A
emancipação humana, ao contrário, por estar fundada no ato de trabalho mais livre possível,
que é o trabalho associado, representa o espaço onde os homens podem ser efetivamente
livres, onde eles podem realizar amplamente as suas potencialidades e onde podem, de fato,
ser senhores do seu destino. Daí porque entendemos que a emancipação humana deve ser
colocada claramente como fim maior de uma atividade educativa da perspectiva do trabalho. É
apenas no bojo da luta pela emancipação humana que as lutas pelos direitos e instituições
democrático-cidadãs podem ganhar, como mediação, o seu melhor sentido.

Referências bibliográficas

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TONET, I. Democracia ou liberdade? Maceió: Edufal, 1997.
1

UM NOVO HORIZONTE PARA A EDUCAÇÃO

Ivo Tonet

Introdução

Este debate, este congresso e outros dos quais temos participado, estão sendo feitos
em um momento histórico muito particular. Em outro momento o tom deles, com certeza,
seria muito diferente.
Uma das características desse momento, a nosso ver, é que a humanidade está
atravessando um período profundamente contra-revolucionário. Um período em que
sucessivas vitórias do capital ao longo desses últimos 150 anos e, especialmente nas
últimas décadas, parecem ter deixado o capitalismo como única alternativa para
humanidade. E quando a maioria da intelectualidade sustenta que esta é a única alternativa
não é por acaso. É por que parece que, de fato, a realidade cotidiana, o mundo em que
vivemos, não põe outra possibilidade. Ainda mais porque a maioria das pessoas, por uma
série de circunstâncias que não dá nem para abordar aqui, pensa que com o
desmoronamento daqueles países, daquelas sociedades que se diziam socialistas, acabou a
alternativa que se chamava socialismo. Então, parece que, de fato, a única alternativa, para
aqueles que não querem a selvageria do capitalismo atual, seria o aperfeiçoamento da
ordem vigente. Este aperfeiçoamento se chama: instauração, o mais plena possível, da
cidadania e da democracia. Esta parece ser a única alternativa real.
Isto, certamente, configura uma situação histórica muito difícil. Para desmistificar
estas idéias, seria necessário fazer, aqui, uma exposição mais ampla da questão do método
de modo a mostrar como os fundamentos metodológicos instaurados por Marx permitem
ultrapassar essa empiricidade coisificada e fragmentada e vislumbrar a possibilidade – real,
embora não inevitável – de superação dessa forma de sociabilidade. Na impossibilidade de
fazer essa exposição, fica, aqui, apenas aludida a importância dessa questão.

Esse texto baseia-se em uma conferência pronunciada no I Congresso de Ontologia do Ser Social e
Educação, promovido pelo IBILCE – UNESP – São José do Rio Preto em nov/dez 2007.
Professor de Filosofia do Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes da Universidade Federal de
Alagoas. Doutor em Educação.
2

1. Três teses

Para deixar as coisas, de início, bem claras, esclarecemos que vamos defender três
teses.
Primeira tese: Cidadania e democracia, que compõem a emancipação política, são
uma coisa muito boa, um progresso para a humanidade, mas são uma forma de liberdade
essencialmente limitada. Não apenas topicamente limitada, mas essencialmente limitada.
Mais ainda: elas são, pela sua própria natureza (sobre a qual vamos falar depois), ao
mesmo tempo, expressão da desigualdade social e condição de sua reprodução; portanto
não são caminhos para a superação da exploração do homem pelo homem.
Segunda tese: A emancipação humana é uma forma de liberdade radicalmente
diferente e superior à liberdade expressa pela emancipação política, e é a forma mais
autêntica de liberdade que o ser humano pode ter.
Portanto, e aí vem a terceira tese: qualquer educação, qualquer atividade educativa,
que se pretenda emancipadora no sentido forte do termo, não no sentido idealista, tem que
estar conectada, com todas as mediações necessárias, com a emancipação humana, não
com a emancipação política.
Trabalhar para formar cidadãos é trabalhar para formar pessoas que vivam dentro
dessa sociedade regida pelo capital, se conformem com ela e se limitem a melhorá-la.
Trabalhar pela emancipação humana é conectar nossa atividade com a perspectiva da
superação radical do capital.
Outra questão conjuntural importante: não há três alternativas para a humanidade.
Só há duas. E a realidade, tanto histórica do capitalismo, quanto cotidiana, mostra cada vez
mais isso: ou a barbárie cada vez mais intensa do capitalismo, ou a superação dele em
direção à emancipação humana, ao comunismo. Não há terceira alternativa (obviamente, a
extinção da humanidade, embora sendo uma possibilidade, não é considerada uma
alternativa). E, no entanto, a maioria dos intelectuais e a maioria dos movimentos de
esquerda está procurando uma terceira alternativa, está defendendo uma terceira via. Uma
alternativa que não existe. Está procurando, não importa o nome que seja dado, o
aperfeiçoamento dessa ordem social. Este é um aspecto trágico do nosso momento
histórico. Nós temos que levar em conta isso, sabendo que a história é um movimento, é
um processo, não é algo estático nem a eterna repetição do mesmo. O amanhã poderá ser
3

melhor ou pior. Depende do que os homens fizerem. Afinal, a história é feita pelos seres
humanos, pelos homens, não é feita nem por Deus, nem pela Natureza.
Dito isso, para entrar na problemática da educação, o que se observa é que grande
parte dos teóricos da educação, e me refiro aqui aos mais conhecidos, não só do Brasil,
mas também da área internacional, toma a cidadania como sinônimo de liberdade, como se
ser cidadão fosse participar da forma de sociedade mais elevada possível. Sempre
aperfeiçoável, mas não ultrapassável. Esta forma de sociabilidade comporia um patamar
indefinidamente aberto ao melhoramento. Não caberia, portanto, falar em outra forma,
mais aperfeiçoada de sociedade. Quem conhece Marilena Chauí, que é uma expoente dessa
maneira de pensar, quem leu o livro dela Convite à Filosofia, sabe que nos últimos
capítulos ela diz exatamente isso. Ela afirma que a democracia é o único sistema
verdadeiramente histórico, porque sempre aberto. Ele permite criar direitos, melhorar
direitos, corrigir direitos, está indefinidamente aberto para o progresso da humanidade. E
se vocês lerem autores como Libâneo, Gadotti, Frigotto e muitos outros, verão que todos
eles entendem a cidadania como simplesmente sinônimo de liberdade. E até, observe-se
como a coisa é complicada, e queremos enfatizar que falamos isso com todo respeito,
porque consideramos esse autor o que há de melhor e mais revolucionário na teoria
educacional brasileira, até o Saviani, num determinado texto, faz uma louvação à cidadania
sem apontar as suas limitações intrínsecas.
Ao que nos parece, a maioria desses intelectuais da área da educação absorveu o
conceito de cidadania como sinônimo de liberdade, de maneira inteiramente acrítica. Isso
foi num momento histórico determinado. Por volta de 1970, mais ou menos, com toda
aquela crítica ao chamado socialismo do Leste Europeu, que tinha todos aqueles defeitos,
todas aquelas deformações. Então, pareceu que a proposta da revolução deveria ser
substituída pela proposta da reforma, gradual, lenta e especialmente democrática. A
conclusão era de que a revolução, que era sinônimo de revolução de tipo soviético, sempre
levava à ditadura, sempre levava àquela situação perversa, em todos aqueles países. Se, de
fato, a revolução era isso, então, o que é que sobraria? Apenas a ampliação da democracia,
que era exatamente o que estaria faltando nas revoluções de tipo soviético. Seria a
ampliação dos espaços democráticos, o que era chamado de socialização do poder político.
E todo mundo entrou por esse caminho: cidadania e democracia compõem o espaço
indefinidamente aperfeiçoável da liberdade.
4

A maioria dos teóricos da educação bebeu de fontes filosóficas ou de cientistas


políticos: Claude Lefort, Castoriadis, uma certa leitura de Gramsci, os teóricos italianos do
eurocomunismo. Mas não se preocupou e nem a teoria marxista de que dispunham lhes
dava suporte para fazer uma crítica dessa problemática e acabaram tomando esse conceito
como óbvio.
Então toda a educação foi pensada no sentido de formar o cidadão. Mas, esses
teóricos de esquerda, para distinguir o seu conceito de cidadania, também largamente
utilizado pelos conservadores, enfatizaram que formar cidadãos significava formar pessoas
participativas, que têm consciência dos seus direitos, que lutam pelos seus direitos, que não
aceitam as coisas passivamente. Em suma, formar cidadãos críticos. Libâneo é muito
explicito nisso. Ele diz que é preciso formar trabalhadores como cidadãos críticos. O que é
absolutamente uma contradição nos termos. Trabalhador explorado é cidadão. E mesmo
sendo crítico, ele não deixa de ser explorado, logo, não é efetivamente livre. Ser crítico, no
sentido radical do termo, é ser revolucionário. Esse é o único sentido efetivamente possível
de ser crítico no sentido marxiano do termo: ser revolucionário, não ser cidadão. Mas eles
pensam que formar cidadãos é formar pessoas que não estão aceitando os desmazelos do
capitalismo, com toda essa violência e desigualdade social extremadas, mas querem lutar
por uma sociedade “mais justa”, “mais humana”, “mais igualitária”. Ora, mais justa, mais
humana, mais igualitária tem na Suíça, tem na Suécia quando se compara com o Brasil ou
com o Burundi. O problema não é mais justa, mais livre e mais igualitária, é simplesmente
justa, livre e igualitária e esta só é possível para além do capitalismo.
Então, aquele foi um momento histórico em que se rebaixou o horizonte, se perdeu
o horizonte revolucionário, se perdeu a perspectiva da emancipação humana e se tomou o
caminho da emancipação política como se ela fosse a única e melhor alternativa, sendo o
resto apenas utopia.
A nosso ver, aí foi a debandada geral da inteligência, no caso aqui específico, da
teoria educacional. Por isso mesmo, entendemos que é preciso voltar a retomar essa
questão pela raiz. Vamos examinar, então, o que é cidadania, o que é emancipação humana
e qual é a conexão entre educação, cidadania e emancipação humana.
Voltamos rapidamente à questão do método, só para deixar bem claro. Para abordar
qualquer fenômeno social, pelo menos dois procedimentos são fundamentais, do ponto de
vista metodológico marxiano. Primeiro: buscar a gênese do fenômeno que se quer
entender. Gênese histórico-ontológica, acentue-se, não apenas histórica. Infelizmente não
5

temos tempo para explicar em detalhes o que é histórico-ontológico. Porque não estamos
simplesmente falando histórico, mas histórico-ontológico. Mas, algumas coisas devem ser
ditas.
Há um livro bastante alentado chamado História da cidadania, organizado por
Jaime Pinsky e Carla B. Pinsky. Pode-se ler todo ele e chegar ao fim pensando que se sabe
o que é cidadania. No entanto, chega-se ao fim com uma idéia falseada do que é cidadania,
por que é uma história social do que é cidadania, no máximo sociológica, no máximo de
ciência política, mas não é histórico-ontológica.
O que é uma abordagem histórico-ontológica? É uma abordagem que parte do
pressuposto de que o ser social é uma totalidade articulada de partes cuja matriz fundante é
o trabalho. Por isso vai buscar, ao mesmo tempo que a gênese histórica, também os
fundamentos para entender onde, quando e por que surgiu aquele fenômeno.
Segundo: compreender a função social que aquele fenômeno exerce. Como isto
poderia se confundido com funcionalismo, gostaríamos de deixar bem claro que aqui
função social significa a função que determinada atividade humana, determinada dimensão
social tem na reprodução do ser social.
Então, na medida em que se toma essa categoria da cidadania e se rastreia o seu
surgimento, a partir de que solo social ela se originou, com que função social emergiu,
pode-se ver qual é a natureza dela, quais são as suas possibilidades e também quais são os
seus limites. Esse é um procedimento histórico-ontológico porque faz emergir o sentido
essencial daquele fenômeno. Certamente, todo aquele material histórico, todos aqueles
fatos são interessantes, mas os fatos, sem uma teoria geral do ser social, sem uma ontologia
do ser social, falseiam a compreensão dos fenômenos sociais.
Então, se nós procedermos dessa forma, se formos buscar a gênese da cidadania
moderna, onde é que vamos encontrar a raiz dela? Na descrição de como ela nasceu e na
sua história? Certamente, isso é necessário. Mas, não é, de modo nenhum, suficiente.
Precisamos voltar ao pressuposto da teoria do ser social, da ontologia do ser social,
começar do ato fundante do ser social? Por quê? Porque é a partir dele que se configura o
mundo social. Por que ele é o ato que funda, que dá origem ao ser social. É a partir dele
que se dá a passagem do ser natural para o ser social. E este ato de trabalho vai permanecer
sempre como ato fundante de qualquer forma de sociabilidade humana.
Isto é importante: toda forma de sociabilidade humana tem, sempre, como seu
fundamento ontológico, uma determinada forma de trabalho. Então, se nós quisermos ir à
6

raiz, compreender qualquer fenômeno social, teremos que chegar até à forma como os
homens se organizam para produzir os bens materiais necessários à sua existência, vale
dizer, como trabalham. Levando em conta, evidentemente, todas as mediações necessárias.
Se nós queremos compreender a essência do que é cidadania temos que ir à raiz, que não
está nela, mas na forma de trabalho concreta que lhe dá origem. Esta forma de trabalho é a
forma de trabalho moderna. Qual é a forma de trabalho que constitui o pilar da sociedade
moderna? É a compra e venda de força de trabalho, seja ela direta ou indireta. É através da
compra e venda da força de trabalho que se geram todas as categorias que perfazem a
sociedade capitalista.
Vamos, então, examinar um pouquinho este ato fundante da sociabilidade
capitalista. A título de esclarecimento, vale observar que contrato de trabalho, ao qual nos
referiremos, não é o chamado contrato social. O contrato de trabalho é aquele que celebram
entre si o capitalista e o trabalhador. Este contrato exige, para sua efetivação, dois sujeitos
que tenham pelo menos três qualidades fundamentais: que sejam livres, iguais e
proprietários. Só sujeitos que tenham no mínimo essas três qualidades podem fazer esse
contrato. Ora, este contrato, na medida em que é feito, o que aparenta? Que de fato estes
dois sujeitos são livres, porque não são jurídica e politicamente obrigados, são iguais,
porque trocam equivalentes e são proprietários, cada um de alguma coisa, um da força de
trabalho e o outro do capital.
Vamos ficar um pouco nesta parte para depois voltar a retomar o ato fundante. O
desdobramento subseqüente disto é a historia da emancipação política moderna. A
emancipação política moderna nada mais é do que a transformação de todos os indivíduos
em cidadãos; a superação dos privilégios medievais; a superação da concepção medieval
de que a desigualdade era natural pela concepção de que a igualdade é natural.
Contudo, essa igualdade existente naquele contrato carrega em si determinados
elementos que vão convertê-la em desigualdade, uma vez que cada um busca a satisfação
dos seus interesses individuais. A correção dessa desigualdade é feita exatamente pelos
direitos de cidadania e pelas instituições democráticas do Estado. Estes direitos de
cidadania, este conjunto de instituições democráticas, dos quais nós podemos fazer história
a partir do século XV se quisermos ir à raiz mais longínqua, constituem a história da luta
entre capital e trabalho. É através disso que se constituem esse conjunto de direitos e
deveres e estas instituições nos quais nós vivemos hoje. De uma forma extremamente
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complicada e complexa, são desdobramentos dessas três qualidades fundamentais:


igualdade, liberdade e propriedade.
Porém, quando examinamos esse ato na sua efetividade, quando vamos para a
fábrica, o que é que percebemos? Que de um lado está o patrão e do outro o trabalhador.
Mas, aí, no andar da carruagem, o que se vê é que o patrão é mais igual, mais proprietário e
mais livre, por que não é o trabalhador que explora o patrão é o patrão que explora o
trabalhador e, portanto, se apropria da maior parte da riqueza produzida pelo primeiro. Aí a
desigualdade social se põe e ela, ao contrário do que muita gente pensa, do que parece na
imediaticidade, não é um defeito do capitalismo, ela faz parte da essência dele, é da
natureza dele. Onde há exploração do homem pelo homem sob a forma de trabalho
assalariado há desigualdade social, por que a desigualdade social (no capitalismo) é gerada
neste ato de compra e venda de força de trabalho e na sua efetivação. Ela pode ser
minorada, mais ou menos, pode adquirir formas diferentes, mas não pode ser eliminada
dentro dessa ordem social. Produzir desigualdade social é tão natural para o capitalismo
como produzir seda para o bicho da seda.
Esta lógica do capitalismo não pode ser controlada. Aliás, quem leu Mészáros sabe
bem disto. Esta lógica que se instaura na fabrica é incontrolável, porque a auto-reprodução
é uma exigência interna, essencial, do capital. E, para evitar mal-entendidos, é bom que se
esclareça o que significa controlar. Significa impor ao capital uma lógica que não seja a
sua própria. Qual é a lógica do capital? Produzir visando a sua própria reprodução.
Capitalista quer ganhar dinheiro e para ganhar dinheiro tem que explorar. Capitalista
bonzinho, que não quer explorar ninguém, vai virar proletário. Não há possibilidade de
fugir, o capital tem que produzir para trocar, os produtos têm que virar mercadoria.
Então, voltando à nossa questão, se tomamos aquele ato fundante do sistema
capitalista que é a compra e venda da força de trabalho temos lá a produção, ao mesmo
tempo e incindivelmente, numa ponta, da desigualdade social e, na outra ponta, da
igualdade formal. Essas duas coisas não são desconectáveis. A esquerda democrática (à
qual depois vamos nos referir) quer desconectar, mas não são desconectáveis. Embora em
formas muitíssimo diversas, uma não pode existir sem a outra.
O capitalismo em sua plenitude não pode funcionar sem uma dose de cidadania e
democracia, sem a emancipação política. A emancipação política é a expressão dessa
desigualdade social típica do capitalismo. Então, temos numa ponta a desigualdade social e
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na outra a igualdade formal, a liberdade formal e a fraternidade formal, que se chama


solidariedade.
Sem uma certa dose, que pode ser maior ou menor, de cidadania e democracia o
capitalismo não funciona, por que o capital é um regime concorrencial. Há contradições
dentro dele e por isso são necessárias certas regras, que devem ser observadas por todos.
Então é preciso haver certas folgas que permitam a essas contradições aparecerem,
portanto não dá para desconectar, não dá para querer uma sociedade democrática
separando simplesmente o capital da lógica do capital.
Em resumo, então, este ato de compra e venda de força de trabalho gera o valor de
troca, a mercadoria, o capital, o trabalho assalariado, a burguesia e o proletariado – as
classes sociais típicas do capitalismo – a desigualdade social, etc. É o conjunto de
categorias que são necessárias para a reprodução do capital. Na outra ponta desta
totalidade, pela dinâmica social, não simplesmente por uma geração espontânea, mas, pela
luta social, gera-se este conjunto de direitos civis, políticos e sociais. Mas, o que dissemos
não é suficiente. Ainda é preciso enfatizar que o aspecto privado, o aspecto da produção
da desigualdade social é o aspecto fundamental. Não são dois aspectos colocados no
mesmo nível. A desigualdade real é que exige a igualdade formal, não é o contrario. Então
a emancipação política é uma exigência da desigualdade real do capitalismo. É porque
existe a desigualdade real típica do capitalismo, que é necessária a igualdade formal.
Este é simplesmente o limite da emancipação política. E isto dá para perceber
muito claro quando se volta de novo para a fábrica. Na fábrica não tem democracia, quem
manda é o patrão. Fora da fábrica tem democracia. Dentro da fabrica o que se tem? Tem o
sujeito que está lá trabalhando, ele é trabalhador e nesta relação com o patrão ele é
explorado, mas ele é ao mesmo tempo cidadão. O trabalhador assalariado pode
perfeitamente ser um cidadão na sua mais elevada expressão, sem nenhuma contradição. A
desigualdade e a exploração supõem, aliás, a igualdade formal. Então se tomamos a
Suécia, a Suíça, os países mais desenvolvidos, vemos que lá os direitos civis, políticos e
sociais estão num grau muito elevado. No entanto, também lá continua a haver exploração
dos trabalhadores. É bom lembrar que esses países atingiram um grau de elevação
impensável no Brasil e em outros países do chamado terceiro mundo. Não há contradição
nisto, mas isso não é um caminho que todos os países vão seguindo, todo mundo vai
chegar lá. Pelo contrário, eles estão lá porque nós estamos cá.
9

Então, essa desigualdade real e a igualdade formal se manifestam naquele que é


trabalhador, ao mesmo tempo explorado e cidadão. Ele pode ser cidadão, com amplos e
extremamente garantidos direitos civis, políticos e sociais, mas ele não deixa de ser
explorado. Desde que ele está nesta relação de compra e venda de força de trabalho, seja
direta ou indireta, nunca deixará de ser explorado. Portanto, se mostra também
empiricamente que cidadania e democracia não são o contrário do capital; são o reverso da
mesma moeda e por mais que sejam ampliadas, jamais vão permitir que os indivíduos se
transformem em autênticos integrantes do gênero humano.
No entanto, alguém poderia perguntar o que significa essa integração autêntica ao
gênero humano. Isso é muito tranqüilo.
Voltemos um pouco à ontologia do ser social. A análise do trabalho nos permite
entender que o ser social é composto de dois pólos. O individuo e o gênero. Se
examinarmos a animalidade, isso também fica muito claro. Se separarmos qualquer animal
dos seus congêneres, veremos que ele vai se desenvolver sem precisar fazer parte do grupo.
Os animais não precisam da sociabilidade para desenvolver a sua animalidade porque eles
a trazem consigo como uma determinação biológica. Conosco é diferente. Os indivíduos,
ou melhor o ser singular humano, que ainda nem é indivíduo humano propriamente dito,
precisa, para se tornar membro efetivo do gênero humano, se apropriar do patrimônio
gerado e posto à disposição da humanidade naquele momento. Isto faz do ser singular um
indivíduo pertencente ao gênero humano. É claro que isto é diferente em cada momento
histórico. Como nós estamos tratando do mundo atual, hoje é necessário, para que todos
nós possamos nos tornar indivíduos humanos, pertencentes ao gênero humano como
indivíduos efetivos, ter acesso à riqueza material e espiritual (espiritual no sentido amplo
do termo, intelectual, cultural). Toda essa riqueza é necessária para a nossa autoconstrução
como seres pertencentes ao gênero humano.
Ora, esta apropriação, e aí é apropriação e objetivação ao mesmo tempo, porque
para nos fazermos (objetivar-nos), nós precisamos nos apropriar, esta apropriação supõe
uma forma de trabalho completamente diferente daquela que existe hoje. A forma atual do
trabalho impede que a maioria das pessoas tenha acesso a toda essa riqueza e aqueles que
têm acesso o têm de uma maneira completamente deformada pelas atuais relações sociais.
Sob o capitalismo é absolutamente impossível formar indivíduos plenamente humanos e
uma autêntica comunidade humana. Portanto, quando se fala em comunidade, em construir
uma comunidade solidária isso é tudo palavreado, por que pela lógica do capital é
10

impossível construir-se uma autêntica comunidade humana entre explorados e


exploradores. Isso é absolutamente claro.
Ora, essas categorias são ontológicas; não são uma invenção, uma simples
construção intelectual. São categorias extraídas do processo social real.
Então, concluindo esta parte. A emancipação política, e isso é de Marx na Questão
Judaica, é um grande avanço na história da humanidade sem dúvida nenhuma. É muito
melhor ser trabalhador assalariado com direitos civis, políticos e sociais do que ser escravo
ou servo. Isso é um avanço da humanidade; é um avanço na forma de liberdade. Mas Marx
também diz que esta é a última forma da liberdade numa sociedade onde existam classes
sociais. E por que é uma sociedade de classes, essa forma de liberdade não pode ser
integral, efetiva; ela tem um limite insuperável.
Se isto é verdade, então a humanidade está diante de duas alternativas: uma é a
barbarização crescente da vida humana, que é isso que todo mundo vê até empiricamente
(e isto inclui a emancipação política), a outra, uma autêntica comunidade humana (que é
sinônimo de emancipação humana, de comunismo). Nós temos, então, que começar a
pensar, começar a falar, começar a teorizar sobre a perspectiva da emancipação humana e
não da cidadania.
Mas a primeira coisa que precisamos ter claro é o que é emancipação humana. Isso
por que muitas palavras são usadas sem o devido cuidado e rigor. É que nem a palavra
socialismo, todo mundo fala, mas todo mundo tem um entendimento diferente. Muita gente
acha que continua havendo socialismo em Cuba, que houve e há socialismo em Cuba.
Quando perguntamos o que é socialismo? A resposta é que socialismo é igualdade social, é
planejamento econômico centralizado, é supressão da propriedade privada, enfim é uma
sociedade que parece estar caminhando no sentido de uma igualdade social maior. Ora,
isso nada tem a ver com socialismo.
Vamos voltar ao velho Max e vamos voltar ao ato fundante do ser social. O que é
que ele diz? E não somos nós que dizemos nem sequer o Lukács, está lá nos Manuscritos
econômico-filosóficos, está lá no Capital, com todas as letras, que o ato de trabalho como
criador de valores de uso é uma lei eterna da existência humana. Se o ato de trabalho é o
ato fundante do ser social e de qualquer forma de sociabilidade, então, para poder pensar
uma forma de sociabilidade para além do capital, temos que buscar qual é a forma de
trabalho que vai fundamentar uma outra sociedade. E isto tem que ser real, não pode ser
11

uma invenção da cabeça. Por que se há uma coisa que Marx sempre frisou é que nós temos
que ter o pé no chão. Quem leu a Ideologia Alemã (1986, 26) sabe disso:

Os pressupostos de que partimos não são arbitrários nem dogmas.


São pressupostos reais (...). São os indivíduos reais, sua ação e suas
condições materiais de vida, tanto aquelas por eles já encontradas,
como as produzidas por sua própria ação.

E mais, diz ele em O Capital que se as condições de possibilidades do comunismo


não estivessem inscritas na sociedade capitalista não adiantaria ficar falando em
comunismo. Por que durante milênios se falou sobre comunismo, desde o paraíso terrestre,
desde as comunidades primitivas. Platão falava de comunismo. Aquilo era utopia de fato.
O que Marx pensa não é utopia, é uma possibilidade real. Possibilidade, não
inevitabilidade, mas possibilidade real.
Então, qual é a forma de trabalho que pode dar sustentação, fundamento a uma
autêntica comunidade humana? Só pode ser a forma de trabalho mais livre possível. E qual
é a forma de trabalho mais livre possível? A forma de trabalho em que todo mundo
contribua e na qual ninguém explore ninguém.
Isso Marx chama de trabalho associado ou associação livre dos produtores livres.
Mas deve ficar claro que trabalho associado não é trabalho cooperativo, não é trabalho
solidário, economia solidária, e também não é trabalho voluntário. Trabalho associado é
uma categoria muito precisa. É a forma de trabalho em que os produtores dominam livre,
consciente, coletiva e universalmente o processo de produção. Repito por que isso é
fundamental: trabalho associado é a forma de trabalho em que os produtores dominam
livre, consciente, coletiva e universalmente o processo de produção. E, na medida em que a
produção é a base da sociedade, eles também poderão ser os senhores do conjunto do
processo social. Ora, esse domínio significa que os homens possam partir das suas
necessidades (não daquelas da reprodução do capital) e estabelecer o que deve ser
produzido, em que condições deve ser produzido e como deve ser repartida essa riqueza.
Se, então, examinarmos o processo histórico, veremos que a humanidade já foi
levada, pelo próprio capitalismo, a ser uma universalidade, mesmo que estranhada. Hoje a
humanidade é uma aldeia global, o que mexe lá na Wall Street mexe em todo canto do
mundo. De maneira diferente, mas mexe. Não tem mais nenhum um pedacinho fora dessa
aldeia global. A humanidade é uma universalidade real, ainda que estranhada, então não dá
para construir um país emancipado, um só país comunista isolado. Isso não faz nenhum
12

sentido, por que a lógica do capital é universal. Ou se desmonta essa lógica universal ou
não dá para construir uma forma de sociedade para além do capitalismo.
Esse trabalho supõe a universalidade e este trabalho associado supõe também
aquilo que Marx disse na Ideologia Alemã: um alto grau de desenvolvimento das forças
produtivas. Não é possível haver trabalho associado, neste sentido de Marx, onde há atraso,
baixo desenvolvimento das forças produtivas, carências, enfim onde há miséria. Por que o
trabalho associado supõe que se produzam bens necessários à satisfação das necessidades
de todos naquele momento histórico. Supõe uma forma de produção voltada para o valor
de uso e abundante, não para o valor de troca.
Se entrar em cena esse trabalho associado extinguem-se o capital, o trabalho
assalariado, a exploração do homem pelo homem, as classes sociais, a desigualdade social,
todas essas categorias do capitalismo. Por que não faz sentido, não cabe a exploração do
homem pelo homem onde todos trabalham, onde com este trabalho é possível produzir
aquilo que atende as necessidades humanas e em quantidade e qualidade adequadas. E
frise-se que não é apenas quantidade, é também qualidade adequada. E isso permite, então,
que a humanidade se torne uma autêntica comunidade humana, uma vez que já não
existem classes sociais.
Se isso parece utópico, então vale a pena examinar os dados à disposição
atualmente, inclusive de órgãos insuspeitos, que não são marxistas, não são comunistas.
Eles dizem claramente que com a tecnologia média de hoje seria possível, pegando só a
questão da alimentação, produzir alimentos suficientes para saciar plenamente a fome de
toda a humanidade. Se não se sacia não é por falta de tecnologia, não é por falta de
conhecimento cientifico, é por outro fenômeno que se chama relações sociais. E relações
sociais fundadas na propriedade privada.
Isso é uma possibilidade real, não é uma fantasia do Marx. Há 200 anos não era
possível. Era, digamos, uma aspiração generosa, mas não era possível, uma vez que não
existia capacidade de produzir riqueza em abundância. Hoje é plenamente possível, mas
para isso é preciso acabar com o capitalismo, então a humanidade resolve esse problema
tranquilamente.
Gostaria de deixar bem clara essa questão da necessidade de uma base material
altamente desenvolvida, porque toda a discussão sobre o socialismo, sobre o comunismo
foi deformada a partir do mau entendimento dessa problemática. Por que por atrás disso,
por trás dessa discussão, às vezes de maneira não explicitada, está a idéia de que os países
13

ditos socialistas eram de fato socialistas. Que aqueles países, de alguma forma, embora
com todas as imperfeições, problemas e obstáculos, estavam no caminho do socialismo.
Até Lukács, um dos autores que mais contribuiu para resgatar o caráter
radicalmente crítico e revolucionário do marxismo se enganou a respeito disso. Até o fim
da vida ele acreditava que a União Soviética estava no caminho do socialismo. Acreditava
que era possível democratizar o país e retomar o caminho do socialismo.
A discussão toda está falseada quando se começa por admitir que, do ponto de vista
econômico, aqueles países, embora com todos os problemas, estavam construindo as bases
materiais do socialismo. Começa-se com um argumento que é imprestável, porque
estatização, nacionalização, planejamento econômico centralizado, supressão jurídico-
política da propriedade privada, tudo isso nada tem a ver com socialismo. Então começa-se
a dizer: aquilo era socialismo, embora com problemas. O que faltava? Faltava exatamente
o que toda essa teorização “descobriu”: a socialização do poder político, a democracia e a
cidadania. Logo, todo o esforço foi despendido na sustentação de que cidadania e
democracia são valores universais e não particulares e que, por isso mesmo, à socialização
da economia, já em andamento, dever-se-ia adicionar a efetivação da cidadania e da
democracia. Aí sim haveria socialismo, mas um socialismo democrático.
Esqueceu-se, e até Lênin também, de alguma forma, esqueceu – de começar pelo
exame da categoria que funda qualquer forma de sociabilidade, que é o trabalho. No caso
do socialismo, do trabalho associado. E esqueceu-se que Marx afirmou que uma revolução
proletária, comunista, que leve à emancipação humana, tem que ser uma revolução política
com alma social e não uma revolução social com alma política. Essa é uma distinção
fundamental.
Essa importantíssima distinção se encontra num texto de Marx chamado Glosas
críticas ao artigo O rei da Prússia e a reforma social. De um prussiano. Quem não leu,
deveria ler por que é um texto, de 1844, belíssimo e importantíssimo. Ele demole toda a
filosofia e toda a ciência política desde Aristóteles até hoje, por que mostra o que é o
Estado, como nasce o Estado e qual é a função essencial do Estado. Também mostra qual a
relação entre a economia e a política, deixando claro que o fundamento da vida social está
na primeira e não na segunda. E ainda mostra que todas as revoluções até então foram
revoluções sociais com alma política, ou seja, mantiveram a exploração do homem pelo
homem, a dominação do homem pelo homem. E conclui afirmando que a revolução
proletária tem que ser uma revolução política com alma social.
14

O que é uma revolução política? É a quebra do poder político das classes


dominantes. Sem quebrar o Estado (poder político), e enfatize-se, quebrar não
simplesmente tomar, não é possível mudar radicalmente a lógica do capital. Marx já
deixava bem claro que não é Estado nenhum, nem partido nenhum que vai fazer a
libertação da classe trabalhadora. É ela mesma ou ninguém. Pode haver inúmeras
mediações, mas é a classe trabalhadora que deve liderar o processo de transformação
radical da sociedade. Enquanto ela não assumir esta tarefa, se organizar, tiver consciência e
for à luta a revolução não se realizará.
Não é Estado nenhum que vai construir o socialismo. O que é que aconteceu depois
das revoluções soviética, chinesa, vietnamita, cubana? O Estado recebe a tarefa de
construir as bases materiais para o socialismo. Isso não faz sentido nenhum, porque só é
possível construir essas bases, ou seja, produzir riqueza em abundância, em situação de
atraso, com base na exploração dos trabalhadores, supostamente aqueles que deveriam
usufruir do socialismo.
Há duas tarefas, que são conjugadas, para realizar a revolução proletária: a quebra
do poder político do Estado burguês e a instauração do trabalho associado. Os
trabalhadores devem tomar nas suas mãos e dirigir a produção em função das necessidades
humanas, não mais da reprodução do capital. É isto que elimina o caráter de mercadoria
dos produtos. Mas, é importante acentuar que não se trata simplesmente de autogestão da
produção pelos trabalhadores. Trata-se de mudar radicalmente o processo de produção,
tendo como objetivo o valor de uso e não o valor de troca. É certo que toda essa mudança
será um processo lento, que implicará um período de transição entre uma forma de trabalho
e outra. Contudo, o que é importante realçar é que o trabalho associado, vale dizer, o
controle livre, consciente e coletivo e universal do processo de produção por parte dos
produtores, deve entrar em cena desde o início, porque sem ele é impossível avançar no
sentido do comunismo.
Marx já afirmava isso na Ideologia Alemã, que é de 1845-46. Ele dizia que se o
processo revolucionário não caminhasse nesse sentido de quebrar o poder político da
burguesia e instaurar o trabalho associado toda a sujeira anterior se reporia. A instauração
desse domínio livre, consciente, coletivo e universal dos produtores sobre o processo de
produção é absolutamente necessária para que se extingam o capital e todas as suas
categorias.
15

Isto deveria levar os teóricos a voltar ao que é fundamental. E o fundamental é que


o trabalho é a base da sociedade. É a partir do exame da questão da forma do trabalho que
se pode fazer uma crítica conseqüente de todas as tentativas de revolução socialistas e
fundamentar corretamente um processo revolucionário. Somente o trabalho associado pode
garantir que se caminhe no sentido de uma autêntica comunidade humana.
Mas, mesmo a respeito do trabalho associado diz Marx que esta é a forma mais
livre possível do trabalho, mas ainda não é a forma mais elevada possível da liberdade
humana. Segundo ele, é para além do trabalho que está a forma mais elevada da liberdade.
A autêntica comunidade humana é uma unidade que se perfaz na base do trabalho
associado, que é o reino da necessidade, e do tempo livre, que é o reino da liberdade. Frise-
se que reino da necessidade não é o reino da carência, não é o reino da miséria, não é o
reino da falta de desenvolvimento, da falta de riqueza. Reino da necessidade é o reino do
trabalho sempre. Por que isso? Por que o trabalho é sempre uma relação do homem com a
natureza, e a natureza tem certas leis que precisam ser respeitadas. Não se pode
transformar uma montanha de minério de ferro em aço se não se respeitarem certas leis.
Mesmo que o trabalho seja feito em condições dignas, humanas, livres, escolhidas,
prazerosas, mesmo aí ele tem respeitar certas leis da natureza. Este é o limite dele.
Este trabalho, realizado nestas condições dignas, humanas, onde a energia de todos
é colocada em comum e permanece em comum sempre, este é o trabalho mais livre
possível. Este trabalho permite criar riqueza em quantidade e qualidade adequadas para
todo mundo e num tempo muito menor do que o de hoje. Não será necessário trabalhar seis
dias por semana. Até no capitalismo já seria possível, só que o capitalismo não pode deixar
trabalhar menos porque senão as mercadorias baixariam tanto de valor que os capitalistas
não ganhariam mais dinheiro. Não é por que não seria possível do ponto de vista científico
e tecnológico. Se todo mundo fosse trazido para trabalhar, a quantidade de riqueza que
poderia ser produzida seria tanta que seria possível produzir com um preço muito baixo. Aí
os capitalistas não iam ganhar dinheiro. Veja-se a perversidade do capitalismo. Ele precisa
da escassez, não é que ele não possa, por falta de tecnologia, superar a escassez, ele precisa
da escassez para se manter.
Voltamos então à Ideologia Alemã. Lá Marx diz que no comunismo, depois de todo
o trabalho necessário para produzir a riqueza suficiente para todos, sobra muito tempo
livre. Aí, diz ele: pode-se caçar de manhã, pescar de tarde e fazer crítica literária de noite.
É evidente que isso era um exemplo. Mas tem até muitos marxistas que afirmam que isto é
16

coisa do século XIX, que isso não faz nenhum sentido hoje. É claro que faz sentido.
Produzida a riqueza necessária e suficiente em pouco tempo, no restante do tempo, as
pessoas poderão dedicar-se àquilo que é mais especificamente humano. Desenvolver
atividades artísticas, científicas, filosóficas, lúdicas etc. Animal nenhum faz arte. Só os
humanos fazem arte. Isto é especificamente humano. Aí está a autêntica liberdade humana.
Liberdade é uma categoria importante, mas muito mal compreendida. Liberdade é
autodeterminação e autodeterminação só pode ser coletiva. Liberdade só pode existir onde
sejam os indivíduos humanos a dirigir o processo social. Mas esta regência do processo
social só pode existir quando houver uma base material que permita isso. A solidariedade
nos diz muito claramente isso. Faz dois mil anos que o cristianismo prega o amor ao
próximo e por que não se ama o próximo? Porque em uma sociedade onde há exploração
do homem pelo homem não é possível; por que a realidade material impede isso. Ela nos
faz todos opostos uns aos outros, nos faz concorrentes uns dos outros. Nessa situação, a
solidariedade pode até aparecer como uma aspiração generosa, como atos isolados, mas
não pode passar daí.
Aí entra o importante problema da ética. Para compreender melhor essa questão,
permitimo-nos sugerir a leitura de um artigo nosso, publicado numa coletânea intitulada
Contra o pragmatismo e a favor da filosofia da práxis. Nele procuramos mostrar que não é
possível haver uma ética no capitalismo, por que ética são valores universais, que não
podem se tornar realidade cotidiana no capitalismo, uma vez que nós somos opostos uns
aos outros.
Para finalizar esta parte e entrar na educação. Emancipação humana
necessariamente implica a superação radical do capital e de todas as suas categorias:
trabalho assalariado, valor de troca, mercadoria, dinheiro, classes sociais, Estado,
cidadania, democracia, etc. Observe-se, porém, que não estamos dizendo que é para jogar
fora estas últimas duas categorias. Não estamos menosprezando. Elas têm um grande valor,
mas também têm um limite inultrapassável. É preciso construir uma liberdade humana
superior à liberdade político-jurídica, a famosa emancipação política. Esta é a liberdade da
emancipação humana.
Mas, o que tem tudo isso a ver com a educação?
Primeiro, parece-nos claro que não dá para trabalhar para formar cidadãos. Em sã
consciência, quem entende o que é cidadania não pode trabalhar para formar cidadãos, no
sentido de colocar isto como horizonte e no sentido de que isto poderia ser ampliado
17

indefinidamente. Não estamos dizendo que não se deve lutar por direitos civis, políticos e
sociais. Estamos dizendo que é importante, que se deve lutar sim, porque isto é uma forma
de resistência da classe trabalhadora ao capital. O que estamos querendo enfatizar é que
isto tem um limite inultrapassável e que não leva à superação da exploração do homem
pelo homem.
E, dada a situação em que a humanidade se encontra hoje, o horizonte de nossas
atividades no âmbito da educação tem que ser a emancipação humana e não a cidadania.
Por um motivo muito simples. Voltamos àquela questão: a classe trabalhadora, os
indivíduos que pertencem à classe trabalhadora, que são os indivíduos que produzem as
riquezas. Para que esses indivíduos possam se tornar efetivamente membros do gênero
humano na sua plenitude possível hoje, só tem uma condição: acabar com o capitalismo
(capitalismo-capital entenda-se tudo isso sempre junto). Acabar com esta forma de
sociabilidade que os põe como trabalhadores que produzem a riqueza e que são impedidos
de se apropriar dela pela forma da relação entre capitalista e trabalhador. Não há outra
saída, simplesmente não há. Se pensamos em formação humana integral, se queremos uma
formação humana integral temos que ser sérios. Formação humana integral só é possível
para além do capital, para aquém não dá.
Falar em formação humana integral; que temos que ter uma educação integral do
homem hoje, o que é isto? O trabalhador está sendo desumanizado praticamente, está
sendo expropriado de sua humanidade. Como se pode falar em formação humana integral
numa situação dessas? É preciso dar o devido peso a esse conceito e não utilizá-lo de
forma superficial e irresponsável. Formação humana integral implica a apropriação do
patrimônio, material e espiritual, à disposição da humanidade hoje, necessário à nossa
configuração como indivíduos pertencentes ao gênero humano. Nenhum indivíduo pode
apropriar-se adequadamente desses valores na sociedade capitalista, muito menos os
trabalhadores. Portanto, falar em formação humana integral sem mostrar quais as
condições para essa formação e sem mostrar a necessidade de se engajar na superação
radical do capital é no mínimo enganar as pessoas.
Chegamos, então, à nossa última tese. Pensamos nós, e sabemos que isso é
polêmico, mas é da boa polêmica que se faz uma boa universidade, que não podemos
pensar em uma educação emancipadora, numa política educacional emancipadora. O que
podemos fazer hoje – estamos falando na quadra histórica que desenhamos no começo – é
um conjunto de atividades educativas emancipadoras, de caráter revolucionário.
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Entendemos que essa distinção entre educação emancipadora e atividades educativas


emancipadoras é muito importante.
Quando falamos em educação, pensamos num sistema mais geral, numa política
educacional. Quando nos referimos a atividades educativas, pensamos em ações mais
pontuais, mais limitadas. É neste sentido que afirmamos que não é possível, hoje,
desenvolver uma educação emancipadora, mas apenas atividades educativas de caráter
emancipatório.
Isto porque a educação sempre será hegemonizada pelas classes dominantes. Isto é
absolutamente necessário para a reprodução da dominação dessas classes. Contudo, a
sociedade capitalista não é homogênea. Ela é contraditória; ela não pode simplesmente
reproduzir a si mesma sem deixar esses buracos, esses espaços. São essas contradições que
permitem, embora de modo limitado, a realização de atividades educativas de caráter
emancipatório.
Isto parece que fica até mais claro na própria realidade cotidiana. É nos sistemas
públicos, no setor público que nós temos mais estes espaços Nas universidades federais
temos muito mais espaço do que nas universidades particulares porque nessas últimas o
domínio do capital é mais direto. Em cada canto o espaço é diferente, mas certamente há
espaços.
Por isso mesmo, entendemos que pensar em uma política educacional, em uma
educação, no sentido mais geral, emancipadora é querer algo sem ter uma base real. Não
basta querer algo, é preciso que esse algo possa ser traduzido em atividades reais. E o que
pode se tornar real no sentido da emancipação humana são atividades pontuais, não o
conjunto da educação. Nesse sentido muita coisa pode ser feita. O problema é que as
pessoas querem fazer coisas grandiosas e esquecem daquilo que é possível, mesmo sendo
coisas pequenas.
O que nós podemos fazer, cada professor, cada estudante por que os estudantes
também tem que assumir essas tarefas, são atividades educativas cotidianas na direção da
emancipação humana. Nós temos determinados espaços. O professor, na sua sala de aula,
junto com seus alunos, pode escolher textos, escolher livros, promover determinados
eventos. Vocês estão fazendo um evento que, como a professora Maria Eliza disse, é
contra a corrente. Por que vocês estão fazendo isto? Vocês poderiam fazer uma coisa de
muito mais de sucesso. Mas, vocês promoveram esse tipo de evento por que vocês têm na
cabeça outros valores, outras perspectivas. Vocês querem fazer uma coisa que, mesmo não
19

tendo aquele sucesso imediato, mesmo sendo pequena, vá na direção certa. Entendemos
que é muito preferível dar passos pequenos na direção certa do que dar passos grandes na
direção errada. Que passos?
Bem, na universidade o que se dá é a luta política, a luta ideológica e outros tipos
de lutas. Fazer a crítica das teorias reformistas, contra-revolucionárias é uma atividade
revolucionária. Promover um evento em que se discutam revolução, comunismo,
emancipação humana, em que se procure pensar a educação na perspectiva da
emancipação humana, todo esse conjunto de idéias, isto é uma atividade educativa
revolucionária. Não se vai ter uma política educacional dentro do capitalismo que faça isso
Os exemplos estão todos aí. Se tomarmos qualquer departamento, qualquer universidade,
qualquer escola, lá dentro delas as idéias dominantes são as das classes dominantes. O que
nós podemos fazer é todo um trabalho contra a corrente, contra isso. Temos espaços para
isto, temos oportunidades, até por que o espaço não é uma coisa dada, o espaço se faz,
dentro de certas limitações, mas se faz.
Em favor das atividades educativas de caráter emancipador e não de uma educação
emancipadora há ainda o fato de que a educação não é o carro-chefe da revolução. A
educação nunca foi e nunca será a locomotiva da transformação social. Ela pode contribuir
para isso, mas não encabeçar o processo. E para agravar o quadro, na situação em que nos
encontramos hoje, em que a classe trabalhadora não está se movendo, está cooptada, está
profundamente alienada, não adianta querer uma educação de caráter revolucionário no
sentido mais geral. Se a conjuntura mudar e a classe trabalhadora começar a se mexer no
sentido de assumir esta tarefa revolucionaria contra o capital, certamente a coisa vai se
tensionar no sentido de obrigar professores e alunos a tomar posições. E aí sim, aí o
processo vai se tornar mais intenso e mais dinâmico.
Se isto é verdade, então diríamos, para finalizar, que são necessários alguns
requisitos por que não basta querer virar revolucionário, não é suficiente ter disposição. A
primeira coisa a fazer é estudar. É preciso compreender a realidade para poder transformá-
la. Como disse uma vez Marx: a ignorância nunca ajudou ninguém. Contudo, muitas
pessoas dizem: porque só ficar fazendo teoria; é preciso ir à prática! Esquecem que a
prática sem a teoria é cego guiando cego. Ambos caindo no abismo. É claro que não se
trata de fazer toda a teoria primeiro para depois ir para a prática. Esse não é o processo. É
preciso começar iluminando a prática; tem que ter teoria para começar a iluminar; da
prática volta-se à teoria, para ampliá-la, para de novo melhorar a prática; esse é o processo
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real, não primeiro todo um, depois todo o outro. Mas muita gente se esconde atrás do
discurso da importância da prática para não precisar estudar. Porque estudar exige esforço,
exige paciência e não dá resultados grandiosos e imediatos.
Então, a primeira coisa é ter clara a natureza da emancipação humana. Para lutar
por ela tem que ter claro do que se trata. E para ter claro isso faz-se necessária uma teoria
do ser social que sustente tudo isso, pois deve se tratar de convicções solidamente
sustentadas. Não se trata de fé; trata-se de sustentação racional. É preciso poder sustentar
que a emancipação humana é possível e para isto são necessários argumentos sólidos. Mas,
para saber o que é a emancipação humana tem que saber o que é o ser humano, o que é o
processo histórico social, o que caracteriza esse processo histórico social. E a menos que
alguém consiga por osmose ou por alguma revelação de alguma entidade, isso só pode vir
através de um estudo muito sério e muito penoso. Penoso no sentido de que vai exigir um
tempo e um esforço muito grande. É certamente muito gratificante, muito gostoso, muito
prazeroso fazer isto, mas tem que dedicar um tempo grande. Quem não quer fazer isto não
pode ficar falando de revolução e de emancipação humana.
Segundo, é preciso que conhecer a dinâmica do capitalismo, conhecer a base
material desta sociedade. Não dá para querer superar o capitalismo sem conhecê-lo. E isto
certamente significa um esforço muito grande. E para isso o estudo da obra de Marx é
imprescindível. Mesmo assim, isso ainda não é suficiente. Certamente, o que Marx disse,
em O Capital e em outras obras, continua, em sua grande maioria, de enorme atualidade,
mas não está tudo lá e nem poderia. A base está lá, mas depois de Marx aconteceu muita
coisa; o mundo mudou muito. O próprio capitalismo de hoje é muito diferente daquele do
tempo de Marx. Por isso, não basta conhecer a lógica mais essencial do capital. Isso
certamente é fundamental. Mas, além disso, temos que conhecer a história do capitalismo e
o que está acontecendo hoje, a crise atual.
Além disso, além de conhecer a realidade histórica do capitalismo na sua natureza
dinâmica, na sua lógica mais profunda e no seu desdobramento histórico e na atual crise, é
preciso saber o que é a educação. Não dá para simplesmente querer educar no sentido
muito genérico. É preciso saber o que é educação no sentido muito preciso e para isso é
necessária, de novo, uma teoria geral do ser social, uma ontologia do ser social. Ela nos
permite entender o que é este ato humano que se chama educação. Sem poder entrar em
detalhes, aqui, sinalizo que é preciso saber como é que a educação se gera histórico-
21

ontologicamente, qual é a natureza e a função social dela. Isso para nem subestimar e nem
superestimar a importância dela no processo social.
Mas isso não basta. Também é preciso dominar os conteúdos que vai se tratar. E
nesse terreno a questão é muito séria, porque não basta falar em conteúdos no sentido
geral. É preciso perguntar: de que conteúdos se trata?
Por exemplo, para quem vai ensinar filosofia ou sociologia. Não basta dominar o
conteúdo destas disciplinas no sentido tradicional. É preciso perguntar: de que filosofia e
de que sociologia se trata? Os conteúdos não são neutros. Numa sociedade de classes, os
conteúdos têm uma forte determinação pelo viés das classes dominantes. Só para
provocar: não há nada mais perdido do que a filosofia hoje e a maioria da sociologia é
contra-revolucionária. O velho Marx dizia na décima primeira tese ad Feuerbach: Os
filósofos até hoje se preocuparam em interpretar o mundo; trata-se de transformá-lo. Mas,
os filósofos continuam apenas a interpretar o mundo. É preciso uma teoria, uma filosofia e
uma ciência que contribuam para conhecer o mundo até a sua raiz, que permitam visualizar
a possibilidade de transformá-lo radicalmente e tudo isto é o que a academia não faz.
Voltamos àquela nossa provocação anterior. Marx instaurou um paradigma
científico e filosófico radicalmente novo. Este paradigma instaurado é o que a humanidade
tem à disposição de mais elevado em termos de instrumental de conhecimento. Mas, quem
é que estuda Marx hoje? Isto é um problema. Se a afirmação acima é verdadeira, então
temos que voltar a resgatar o velho Marx. Não tem saída, por que ele é o autor que mais
contribui para que possamos conhecer a realidade e visualizar a possibilidade de superação
desta forma de sociabilidade. Portanto, tem que haver uma filosofia de caráter radicalmente
revolucionário e essa filosofia, essa ciência se chama, a nosso ver: ontologia do ser social.
Então se eu sou filósofo, se eu vou ensinar filosofia. Que filosofia? Não é
simplesmente ensinar filosofia. A maioria das filosofias é essencialmente contra-
revolucionária – existencialismo, fenomenologia, filosofia analítica, filosofia da mente,
estruturalismo etc. Pergunte-se a elas, a essas teorias e a essas filosofias proeminentes hoje
se elas propõem a superação radical do capital. Nenhuma delas propõe. Logo, se é verdade
o que dissemos até agora, elas não estão do lado da revolução, não estão do lado da
emancipação humana. Como só tem dois lados, não tem três, elas estão do lado da
reprodução do capital, mesmo com a maior das boas intenções.
Não é só. Seria necessário fazer a crítica das ciências sociais. Porque não é qualquer
ciência social, tem que ser uma ciência, uma filosofia de caráter ontológico. Por que esta é
22

a ciência e a filosofia que vai à raiz e que permite sustentar uma outra forma de
sociabilidade radicalmente diversa. Esta é a pedra de toque de qualquer filosofia e de
qualquer ciência social. Se ela permite conhecer a realidade até a raiz e ultrapassar a
imediaticidade a partir dessa raiz. E se ela está do lado de uma possibilidade racionalmente
sustentada de transformação radical da ordem social.
Pra finalizar, então, vamos à prática também. Temos que nos engajar nas lutas
sociais, tanto nas específicas quanto nas mais gerais. Essas lutas estão ocorrendo
cotidianamente. Temos que entrar nelas. Há o momento da elaboração teórica e há o
momento do engajamento nas lutas práticas. Esse engajamento é importante até para
realimentar a nossa elaboração teórica. Enfim, embora a quadra esteja hoje muito difícil,
muito complicada, é preciso participar das lutas sociais, tanto das especificas da educação
quanto das mais gerais, se não ficamos apenas fazendo uma parte.

Concluindo

Com isso terminamos aqui a nossa fala. Voltando a resumir a questão, tentamos
demonstrar que a cidadania e a democracia fazem parte da emancipação política; que são
uma forma de liberdade que a humanidade conquistou e que tem o seu valor, que produziu
bons frutos, mas que é essencialmente limitada, e que defender cidadania e democracia
hoje como horizonte da humanidade é favorecer a burguesia.
Procuramos também mostrar que a emancipação humana é o patamar mais elevado
possível da liberdade humana e que expressa uma forma de sociabilidade em que todos os
seres humanos, todos os indivíduos podem se realizar como indivíduos humanos
plenamente livres. Plenamente livres, e gostaríamos de acentuar essa categoria, deixando
claro que plenamente livres não significa absolutamente livres, irrestritamente livres.
Significa uma sociedade emancipada em que todos possam ter as bases materiais para
reger o processo social e, portanto, se porem como indivíduos efetivamente livres, que
podem se autodeterminar coletivamente. E para finalizar tentamos fazer a articulação entre
emancipação humana e educação, deixando claro que nós podemos fazer atividades
educativas revolucionárias dentro de nossa sala de aula, fora da nossa sala de aula,
individualmente, em grupos, mas que não podemos pensar em uma educação
emancipadora dentro desta sociedade como algo generalizado. E finalmente procuramos
deixar claro que qualquer atividade educativa que pretenda contribuir para a construção de
23

indivíduos efetivamente livres, terá que perspectivar-se pela emancipação humana e não
pela cidadania.

Referências bibliográficas

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JIMENEZ, S. (e outros org). Contra o pragmatismo e a favor da filosofia da práxis.
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9

 
 




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∗




                
          
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|Esquerda| Marxismo |

|Atualidade|
1

As tarefas dos intelectuais, hoje


Ivo Tonet*

Introdução

Delimitemos um pouco o tema. Sucessivas derrotas, ao longo deste últimos cento e


cinqüenta anos, levaram a perspectiva do trabalho1 a uma situação extremamente difícil. Não
há como enfrentá-la sem refletir cuidadosamente sobre os acontecimentos que marcaram estes
anos, de modo a poder orientar a atuação futura. Nossa intenção, nesse texto, contudo, é bem
modesta. Pretendemos apenas contribuir para pensar por onde passa o eixo das tarefas dos
intelectuais de esquerda, neste momento. Vale dizer, daqueles intelectuais que não
abandonaram a convicção de que a superação radical da forma de sociabilidade regida pelo
capital é uma aposta digna de ser sustentada. O que fazer, neste momento em que tudo o que
parecia sólido se desmanchou no ar? Cremos que, antes de decidir enfrentar novas batalhas,
vale a pena procurar entender como chegamos a esta situação. Certamente isto nos ajudará a
responder a pergunta acima.
1. Dois grandes paradoxos
A situação em que nos encontramos hoje é caracterizada por dois grandes paradoxos.
O primeiro: a necessidade e a inviabilidade da revolução. O segundo: a necessidade e a
inviabilidade da teoria revolucionária. Expliquemo-nos.
1.1. Ne
cessidade e inviabilidade da revolução.
Seja dito, antes de mais nada, que por revolução não entendemos apenas,
nem principalmente, um acontecimento de caráter político, mas antes a superação radical
desta forma de sociabilidade, cuja raiz é a propriedade privada2. O que implica a subversão da
sociedade em todos os seus aspectos, a partir da sua raiz econômica. É neste sentido que
entendemos ser, hoje, a revolução uma necessidade para a humanidade. E não uma
necessidade qualquer, mas uma necessidade absoluta. No exato sentido de que ela é uma
condição sine qua non para que a humanidade possa aceder a um patamar superior. Temos
consciência de que só a sustentação desta afirmação requereria, por si só, muito mais do que
todo esse texto. Como já abordamos, de alguma forma, essa questão em outros escritos

*
Prof. do Dep. de Filosofia da UfAL e doutorando na UNESP.
1
Por perspectiva do trabalho entendemos aquele projeto sócio-histórico que tem por fundamento a classe
trabalhadora surgida com o capitalismo e cujos elementos fundamentais foram expressos por Marx e Engels.
2
Para evitar mal-entendidos, esclarecemos que a essência da propriedade privada não tem um caráter jurídico-
político, mas é, antes de mais nada, uma relação social de apropriação que se configura no processo produtivo e
2

(1997), permitimo-nos, aqui, fazer apenas a alguns argumentos extraídos do momento


histórico atual. O primeiro deles, enfatizado por Mészáros (1995) é o da existência de limites
absolutos do capital. Entenda-se bem. O autor não quer dizer que a história tem uma trajetória
linear e que, neste sentido, o capital iria, aos poucos, inevitavelmente, chegar a um limite
absoluto. Esta seria uma visão catastrofista. O que ele quer dizer é que se é da essência do
capital expandir-se continuamente, também é da sua essência ver-se sempre constrangido a
operar no interior de limites impostos por sua natureza, que lhe permitem ajustamentos, mas
nunca a superação total deles. Porém, ao nosso ver, há algo mais que caracteriza este
momento histórico. Parece-nos que atingimos, hoje, um momento na história em que a
reprodução do capital põe a humanidade diante de problemas de uma gravidade nunca vista. E
neste sentido se daria, hoje, uma aproximação mais intensa destes limites absolutos. Em
resumo, está posta uma contradição cada vez mais aguda entre um desenvolvimento
tecnológico intenso, que possibilita uma imensa produção de bens, e a forma das relações de
produção, que limita a realização do valor. Dito de outro modo. A possibilidade de produção é
muito maior do que a possibilidade de consumo. Obviamente, não por falta de pessoas
carentes, mas de pessoas que tenham condições de consumir. Daí a necessidade de destruir –
ou pela rápida obsolescência ou até fisicamente e pelo desperdício – não só a mercadoria, mas
também a própria força de trabalho. Não é necessário exemplificar os custos altíssimos que
esta situação absurda tem para a humanidade. Em outros momentos da história do capitalismo
também houve crises, porque isto é da essência dele. Porém, a diferença deste momento – já
por muitos sublinhada – é que, hoje, este exército de trabalhadores de reserva, ainda que
cumpra algumas das funções do antigo exército industrial de reserva, já não terá possibilidade
de voltar a ser utilizado. Ou seja, está simplesmente condenado à exclusão. A este momento
histórico parece-nos que se aplicaria, com muito mais propriedade, aquela avaliação de Marx
e Engels, de 1848, segundo a qual o capitalismo teria atingido o limite das suas possibilidades
de expansão e estaria maduro para a revolução. Ainda assim, para hoje, ponhamos um granus
salis: possibilidades de expansão que possam, de alguma forma, trazer melhorias para o
conjunto da humanidade.
Um segundo argumento, também desenvolvido por Mészáros e relacionado com o
primeiro, diz respeito ao caráter essencialmente incontrolável do capital. Aliás, este
argumento, embora com outra roupagem, pode ser encontrado num texto de Marx, de 1844,
intitulado Glosas críticas marginais ao artigo: O rei da Prússia e a reforma social. De um
prussiano. Nele, Marx deixa claro que a sociedade civil é o fundamento ontológico do Estado,

que, então sim, se expressa na esfera jurídico-política. É importante frisar isto, porque a mera abolição jurídico-
política da propriedade privada não caracteriza efetivamente uma revolução socialista.
3

de modo que é absurdo pedir a este que elimine os males sociais produzidos por aquela. É o
que também, de outro modo, afirma Mészáros. Segundo ele, é na própria essência do capital
que reside o mecanismo que o impulsiona a se reproduzir ampliadamente, de modo que
nenhuma força externa pode fazer frente a esta lógica. Daí que o autor conclua que o capital
só pode ser superado – pela contraposição de uma outra lógica – mas não controlado. É,
portanto, uma ilusão (perseguida não só pelos liberais de todos os matizes, mas também pela
ampla maioria dos que hoje se consideram socialistas) pensar que o Estado e/ou a sociedade
civil (entendida num sentido político) – sejam eles nacionais ou internacionais – possam
impor limites intransponíveis ao capital, com o fim de barrar-lhe a sua perversa trajetória
Desta situação decorre o terceiro argumento: a extraordinária degradação da vida
humana. Quanto a isto, os aspectos são inúmeros e saltam aos olhos. Gostaríamos de fazer
alusão apenas a alguns, que caracterizam especificamente esta situação atual. Em primeiro
lugar, a nulificação do próprio e principal produtor da riqueza, que é o trabalhador. É
certamente próprio do sistema capitalista explorar, de muitas formas, o trabalhador. Mas
colocar-lhe a mera subrevivência, ao nível mais precário, e até o perecimento como
perspectiva de vida, é algo assustador, exatamente porque não são o resultado – como, de
certa forma, no passado, do insuficiente desenvolvimento das forças produtivas, – mas da sua
extraordinária intensificação, evidentemente sob a regência da sua lógica.
Em segundo lugar, a submissão direta do Estado aos interesses do capital. Costuma-
se criticar o Manifesto, de 1848, por reduzir o Estado a um instrumento direto dos interesses
da burguesia. Sem entrar no mérito desta crítica, o Estado está, hoje, para além da sua
essência de opressão de classe, cumprindo exatamente a função de “comitê executivo dos
negócios da burguesia”. Neste sentido, gostaríamos de fazer alusão a algo muito sintomático,
que está em curso. Trata-se do pouco conhecido, mas extremamente significativo, AMI
(Acordo Multilateral de Investimentos). É um acordo, negociado no âmbito da OCDE
(Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico) desde 1995, que estabelece as
bases para a redistribuição do poder mundial. Segundo a LAFIS – pesquisa e investimento
em ações na América Latina, em artigo publicado na revista Carta Capital, ano III, n. 78, de
julho de 1998, – este acordo garante ao capital “o direito absoluto de investir sem nenhum
tipo de restrição e a obrigação dos governos de garantir plena rentabilidade a esses
investimentos. Ou seja, intervenções estatais que possam limitar a lucratividade dos
investimentos terão que ser indenizadas pelos respectivos governos” (p. 53). Porém, não se
trata só de garantir o ressarcimento de alguma perda sofrida, mas até de potenciais ganhos não
efetivados por causa de medidas governamentais ou ações populares. E mais grave ainda é
que não é imposta nenhuma obrigação ou responsabilidade aos investidores, como também
4

não é contemplado nenhum direito aos Estados (evidentemente dos países periféricos) e
cidadãos de defenderem-se contra qualquer ação dos investidores. É algo simplesmente
inacreditável. A garantia, obviamente respaldada pela força político-militar dos Estados de
origem, de todos os direitos e nenhum dever para o capital. Com o que a tão decantada
participação democrática popular fica reduzida a um mero simulacro. Situação que faria
Rousseau corar de vergonha com a sua teoria da vontade geral.
Em terceiro lugar, o esvaziamento de toda busca por um sentido de vida mais digno.
Não é a toa que se fala tanto em fim das ideologias, fim da história, fim da utopia, fim da
ciência. A aspiração a uma vida mais cheia de sentido foi reduzida ao mero direito de sonhar,
porém sem nenhuma base real. O homem não é limitado apenas a ser mercadoria, mas a ser
uma mercadoria descartável. Na verdade, agora configura-se, em sua plenitude, aquilo que foi
designado por Hobbes como o “bellum omnium contra omnes”. Pois não é outro o sentido das
idéias em voga de competitividade e qualidade total. A contrapartida desta verdadeira guerra
civil – de classes – são as chamadas “políticas sociais”, que supostamente assistiriam os
desvalidos neste breve (!) momento de transição para uma situação melhor.
É esta situação dramática, da qual apenas assinalamos alguns aspectos essenciais,
que põe a humanidade diante de um dilema crucial: socialismo ou barbárie; revolução –
política, mas com “alma social”, conforme acentuava Marx nas Glosas críticas – ou
reprodução cada vez mais intensa e perversa da barbárie. E é uma enorme ilusão – que
certamente custará muito caro – agarrar-se, sob o pretexto de que o socialismo não está no
horizonte, à idéia de que é preciso “fazer o possível” (deixando o desejável para as calendas
gregas), quando o possível, no caso de países como o Brasil, é apenas pleitear um papel
menor neste teatro de horrores. Ilusão maior ainda quando se pensa ser viável – conquistado
(?) este papel menor – preocupar-se, então, com o desejável.
Contudo, se atentarmos para outros aspectos desta mesma situação, veremos que a
revolução não é, de fato, algo que esteja no horizonte. Tanto que defendê-la, – mesmo em
termos de possibilidade ontológica, – é motivo de chacota por parte da maioria dos bem
pensantes. O mais grave, porém, é que após cento e cinqüenta anos de sucessivas derrotas, o
projeto de superação, pela raiz, da sociabilidade capitalista se encontra numa situação
tremendamente complicada; uma situação em que não há nem sujeito nem objeto adequados à
realização de uma empreitada revolucionária. Voltaremos a estas questões mais adiante, para
precisar bem o seu sentido e para atribuir um conteúdo inteiramente diverso à categoria do
possível.
1.2 – Necessidade e inviabilidade da teoria
5

Quanto à necessidade da teoria. Certamente todos já ouviram ou leram a célebre


afirmação de Lênin: sem teoria revolucionária, não há revolução. Posta a questão neste nível
de generalidade, certamente não haverá nenhuma discordância. Não há dúvida de que é
preciso conhecer a realidade, não só para poder transformá-la, mas também para delinear os
traços gerais do objetivo a ser atingido e os meios a serem empregados. E como a realidade,
na perspectiva marxiana, é um complexo de essência e fenômeno, é indiscutível a importância
do trabalho filosófico-científico no processo de conhecê-la. E se a elaboração teórica é
necessária sempre, para que a prática seja lúcida, muito mais isto é verdade quando se trata de
uma situação tão difícil e complexa como a atual. Querer lutar contra o capital, que se serve
de um imenso aparato científico; querer transformar o mundo sem um sólido conhecimento da
realidade é candidatar-se antecipadamente ao fracasso. Se o conhecimento não garante o
sucesso, sem ele o insucesso é inevitável. Como e por quem é elaborado este conhecimento
são outros problemas, de decisiva importância, mas que não vêm ao caso aqui.
Quanto à inviabilidade. Antes que isto gere um mal-entendido, no sentido da
desmotivação ou do derrotismo, expliquemo-nos. Entendemos, aqui, por teoria, um conjunto
articulado de conhecimentos, filosófico-científicos, a respeito do fim a ser atingido, do estado
da realidade a ser transformada, do sujeito revolucionário e dos seus oponentes e dos meios e
estratégias a serem utilizados. Ainda mais, por teoria não entendemos nem a generalização
dos dados empíricos nem a elaboração de modelos ou tipos ideais a serem testados ou
utilizados na explicação da realidade. Para nós, na esteira de Marx, teoria significa a tradução
racional do complexo processo real, trabalho este que possibilitará entrever as possíveis
tendências de desdobramento. Com isto, estamos querendo enfatizar a prioridade ontológica
do objeto sobre o sujeito no processo de conhecimento. De modo que não estamos afirmando
a inviabilidade de toda elaboração teórica, mas apenas dirigindo o foco para a questão do que
é ou não é possível realizar neste momento. A determinação ontológica disto nos parece da
maior importância para que se evite que a subjetividade, impulsionada por motivos éticos ou
políticos e cedendo à centralidade epistemológica do sujeito, hoje dominante, se extravie e
passe a elaborar teorias que são muito mais projeções do desejo do que análises cuidadosas do
processo real..
Ora, a elaboração da teoria requer um sujeito e um objeto adequados. Afirmação que
parece óbvia, mas não nos aspectos que pretendemos destacar. Quanto ao sujeito. O que nos
importa ressaltar é que o sujeito implica dois momentos: o momento da individualidade e o
momento da universalidade. Não creio que restem dúvidas sobre a importância do papel da
individualidade. Mas é importante frisar que na própria composição da individualidade já
entra o momento da universalidade, ou seja, daquelas objetivações que a humanidade
6

produziu ao longo da sua trajetória, objetivações estas que, em momentos diversos podem
impulsionar ou refrear o avanço do conhecimento. O exemplo do próprio Marx é
significativo. Sua genialidade teve um papel indiscutível, mas não se pode esquecer do papel
igualmente importantíssimo que exerceram as elaborações de um conjunto de pensadores que
o precederam. É sobre as consequências deste último aspecto, ou seja, da possibilidade de
que o estado em que se encontra o instrumental teórico dificulte o progresso do conhecimento,
que queremos insistir mais adiante, embora tenhamos claro que os dois momentos –
individualidade e universalidade –, ainda que guardando uma especificidade própria, estão
intimamente articulados. Quanto ao objeto. É óbvio que sem objeto não há possibilidade de
conhecimento. Mas não é disto que se trata. Em diversos momentos da sua obra, Marx
ressalta que não basta o esforço de uma individualidade, ainda que qualificada, para que se
produza conhecimento científico. É preciso que o objeto se ponha de modo adequado. Em
dado momento (1982, III: 392), diz ele: “Não basta que o pensamento tenda à realidade, é
precso que a realidade mesma tenda ao pensamento”. Em outro momento, referindo-se à
situação dos economistas alemães, afirma que aconteceu um descompasso entre eles e o
objeto, ou seja, quando eles tinham condições subjetivas de produzir ciência o objeto (a
realidade alemã) não estava maduro e quando o objeto amadureceu eles já não dispunham de
condições de possibilidade subjetiva de apreendê-lo. É ainda conhecida aquela observação
dele de que é a anatomia do homem que explica a anatomia do macaco e não o contrário. E
vale ainda lembrar a referência à impossibilidade de Aristóteles, apesar da sua genialidade,
poder apreender o trabalho abstrato, dada a sua quase absoluta inexistência. Com tudo isto,
quisemos ressaltar a ênfase que Marx confere à presença de um objeto maduro, quer dizer,
explicitado em seus elementos essenciais, como condição de possibilidade de sua apreensão.
Em alguns momentos da história, como vimos, há um desencontro entre sujeito e
objeto. Em outros momentos, porém, estão ausentes tanto o objeto, que não está
suficientemente maduro, quanto o sujeito (historicamente formado), que está desaparelhado
para apreendê-lo. O que certamente torna a situação muito mais complicada. É o que
caracteriza, segundo pensamos, o momento atual. Dado o essencial extravio da racionalidade
e a falta de maturidade do objeto (mundo atual), estão ausentes os dois elementos essenciais
para a produção de uma teoria revolucionária que possa orientar lucidamente as lutas sociais.
O significado e as causas da imaturidade tanto do sujeito como do objeto é o que veremos a
seguir.

2. Como chegamos a esta situação?


7

2.1 – A trajetória da esquerda

A tese que gostaríamos de expor, resumidamente, é a seguinte: A derrota da


esquerda (nunca inevitável) não começa apenas com a inflexão contra-revolucionária da
revolução soviética, qualquer que seja a data atribuída a este fato, mas ainda na segunda
metade do século XIX, envolvendo um momento teórico e um momento prático.
Partimos da concepção de que a teoria marxiana instaura um novo patamar
científico-filosófico, que rompe radicalmente – o que, obviamente, não invalida a
continuidade – com o pensamento tradicional. A essência desta ruptura está, ao nosso ver, na
descoberta da radical historicidade e socialidade do ser social. O que confere ao seu
pensamento um caráter ontológico, vale dizer, um pensamento para o qual a determinação do
que é o ser social é o problema central e fundante. E cuja clarificação inicial – pelo menos em
nível essencial – era condição para a resolução dos problemas do conhecimento e da ação
humana. Ora, o clima teórico predominante na época era marcado pelo combate do
positivismo/empirismo/materialismo mecanicista contra o idealismo e a metafísica. E, mais
amplamente, pela centralidade epistemológica do sujeito3, codificada por Kant na chamada
“revolução copernicana”. Certamente não era inevitável que a essência da propositura
marxiana não fosse compreendida, mas estas circunstâncias teóricas, aliadas a outras práticas,
a que aludiremos em seguida, tiveram este resultado. De modo que a teoria marxiana foi
incompreendida (ciência ou ideologia; economia ou sociologia?) ou entendida como
materialismo (histórico) economicista. Parece-nos é consenso que alguns destes problemas já
estão presentes – sem que, ao nosso ver, isto signifique nenhuma desqualificação – na obra de
Engels e se manifestam com toda a contundência naquele que poder ser considerado, como o
faz Preve (1996) o verdadeiro fundador do marxismo dominante no século XX, vale dizer, K.
Kaustki. O resultado disto foi a perda daquilo que constituía a marca fundamental da
instauração marxiana, ou seja, o seu caráter radicalmente crítico, mas de uma criticidade não
fundada no sujeito e sim na realidade objetiva. Daí para diante, o marxismo oscila entre
objetivismo e subjetivismo, transformando-se ora em discurso mistificador, ora em “teoria
crítica”, ora em teoria reformista.
Por outro lado, com a derrota das tentativas revolucionárias de 1848, o capital teve
aberta a possibilidade de um enorme desenvolvimento, o que possibilitou não só a sua
reprodução num patamar superior, mas também influiu poderosamente na entificação da

3
Quando falamos em centralidade epistemológica do sujeito referimo-nos àquela virada que, na transição do
feudalismo ao capitalismo, se deu nos fundamentos do conhecimento. Se, nas épocas grega e medieval, o objeto
era o eixo a partir do qual se definia o que era verdadeiro ou falso, a partir da modernidade este eixo passou a ser
8

classe trabalhadora, na medida em que houve uma melhora sensível – sem que isto exclua o
papel das lutas sociais – das suas condições de vida. Estava posto – de novo, sem que fosse
inevitável – o chão social para o reformismo. Reformismo que começou com a prática da
social-democracia alemã, já criticada por Marx e Engels e continuou a aprofundar-se com a
impossibilidade de transformação da revolução soviética em revolução socialista4, para depois
ter continuidade no euro-comunismo e, atualmente, no chamado socialismo democrático.
Deste modo, já desde o fim do século passado, estavam postos os elementos teóricos
e práticos que se configurariam como importantes condições para as derrotas futuras do
mundo do trabalho.

2.2 – A trajetória do capital

Cada derrota do mundo do trabalho significa a consolidação do capital em nível


superior. Assim foi depois de 1848 e depois de 1917. Após 1929 e as duas guerras, abrindo
mão, para enfrentar a crise, do postulado anti-intervencionista – típico do liberalismo clássico
– o capital, deu a volta por cima, estruturando o chamado Estado de Bem-Estar social, cujas
repercussões, em formas específicas, e às vezes invertidas, foram sentidas também nos países
periféricos.
O esgotamento das possibilidades de acumulação baseadas neste modelo, levou o
capital a responder com a introdução de novas tecnologias e com a remodelação das formas
de produção, ao mesmo tempo que a retomar as idéias anti-intervencionistas, ou melhor o
intervencionismo adequado à reprodução dos seus interesses neste momento de nova e aguda
crise. Nada mais significativo, neste sentido, do que o já mencionado Acordo Multilateral de
Investimentos.
Na ausência de uma contraproposta global do mundo do trabalho, dado o abandono
do projeto revolucionário em favor do reformismo, o capital enfrentou a nova crise à sua
maneira, isto é, lançando mão de todas as medidas, mesmo as mais desumanas, para salvar os
seus interesses. As resistências do trabalho, neste contexto, não passam de ações localizadas
ou de projetos reformistas, que não extrapolam o campo do capital. Quando, pois, se diz que a
esquerda não tem um projeto global contrário ao neoliberalismo, está-se afirmando uma
verdade. Proclamar a fé no socialismo, denunciar as injustiças do capitalismo, afirmar a

o sujeito. Deste modo, a verdade já não é concebida como a representação intelectual do objeto, mas passa a ser
o resultado do trabalho intersubjetivo.
4
Sabemos que o caráter da revolução soviética é ainda motivo de muita discussão. Ao nosso ver, a revolução de
1917 foi aquele momento preparatório a que se refere Marx como sendo a tarefa da política, mas que, dada a
precariedade do desenvolvimento econômico e a não efetivação da revolução nos países mais avançados, se viu
impedido de explicitar a sua “alma social”.
9

necessidade da utopia ou e, principalmente, propor uma outra forma, no interior do capital, de


enfrentar a situação não é, de modo algum, opor-se à proposta neoliberal. Por isto mesmo,
aproveitando-se desta situação de desnorteamento do trabalho, o capital pode se dar ao luxo
de oferecer esta forma de sociabilidade extremamente perversa e desumana como a melhor e
única alternativa para a humanidade.
O resultado desta trajetória inextricavelmente imbricada do capital e do trabalho se
expressou em dois grandes desdobramentos. De um lado, o extravio teórico da esquerda, cujas
elaborações foram perdendo, cada vez mais, o caráter crítico-revolucionário original para
transformar-se, no máximo, em “teoria crítica”. De outro lado, as transformações ainda hoje
em curso na esfera produtiva, com suas inevitáveis repercussões em todos os aspectos da
sociabilidade, fazem com que esteja ainda pouco nítida a identidade das diversas partes que
compõem o todo social, em especial, aquela do sujeito revolucionário. Há certamente, uma
infinidade de aspectos destas transformações em andamento que podem e estão sendo
investigados. Mas falta uma identidade mais definida em muitos deles e, de modo especial,
naqueles que são fundamentais. Isto dificulta a sua captura teórica e, pior ainda, pode induzir
à construção apressada – a que não é infenso aquele extravio teórico acima mencionado – de
“objetos teóricos” apenas aparentemente existentes. Tais como o fim do trabalho, o fim da
classe trabalhadora, a entronização de uma gama variada de sujeitos revolucionários, etc.

3. Os intelectuais de esquerda e a situação atual

De modo geral, quanto mais intensa é uma derrota, maior é o desnorteamento dos
derrotados. Foi que aconteceu com a esquerda após o desmoronamento do chamado
socialismo real. Muitos dos intelectuais de esquerda passaram, com armas e bagagens, para o
lado vencedor. Outros simplesmente abandonaram a causa e foram cuidar da sua vida
particular. Outros ainda, por motivações éticas, políticas ou até religiosas, pretenderam
continuar a luta sem aperceber-se da gravidade da situação produzida pelas sucessivas
derrotas e pelas novas tarefas por ela impostas. No meio intelectual (especialmente acadêmico
e midiático) tornou-se, hoje, de bom tom, para ser aceito pelo “establishment” e para não ser
tratado como marginal, adotar uma postura flexível, pluralista, realista e de abertura crítica. O
resultado disto é que, ao invés de ver-se fortalecida, a perspectiva do trabalho se vê
enfraquecida, na medida em que o debate vai sendo situado cada vez mais no campo do
adversário, e isto tanto no campo da elaboração científico-filosófica quanto no campo da
prática política. Em resumo, caminhou-se da revolução à reforma, variando apenas quanto ao
conteúdo desta. Não seria nada difícil, embora não caiba no espaço deste artigo, aduzir
10

exemplos, seja na área da filosofia, seja na área das ciências humanas ou nos projetos
políticos em curso, que confirmariam esta convergência ao centro da maioria dos intelectuais
e partidos políticos.
Neste contexto, os intelectuais verdadeiramente de esquerda – aqueles que defendem
– não apenas proclamam, mas sustentam de modo articulado e sólido – a superação radical do
capital como conditio sine qua non para a entificação da humanidade numa forma superior –
são uma ínfima minoria. E é inevitável e justa a pergunta: o que fazer? A que não falta,
certamente, uma dose de angústia diante de uma situação tão difícil e na qual, se há sólidas
garantias de possibilidade (ontológica), não há nenhuma garantia de viabilidade efetiva. Vale
a pena, porém, lembrar que a aposta do trabalho – pois de aposta também se trata, já que o
processo histórico é ontologicamente fundado, mas não pré-determinado – tem uma vantagem
imensa sobre o capital. Esta vantagem está em que a vitória do capital, pela própria natureza
deste, jamais pode ser definitiva ( a não ser como suicídio ou como extinção da humanidade)
ao passo que a do trabalho pode ser definitiva. Poder-se-ia pensar que isto não passa de um
“consolo de pobre”, mas não o é de forma alguma. Trata-se, de fato, de uma aposta, mas de
uma aposta que está fundada no processo real e além disto é eticamente superior, pois
significa uma tomada de posição em favor da realização integral de toda a humanidade e não
apenas de uma parte minoritária dela, como não pode deixar de ser a aposta do capital.
De modo que é nesta situação adversa que cabe à intelectualidade de esquerda uma
tarefa extremamente importante e complexa: reconstruir a teoria revolucionária5. Daí, pois, a
importância da idéia de refundação, que não deve ser entendida em sentido nem meramente e
nem principalmente político, mas no sentido de reconstruir, a partir da própria base, o
conjunto da teoria revolucionária. Aliás, seja dito de passagem, tomar esta idéia pelo lado
político, ou seja, como organização de um novo (?) partido, ainda que armado de novas (?)
idéias, é índice de que não se entendeu, em profundidade, a natureza da crise da perspectiva
do trabalho.6
Poderia parecer que este preceito conflita com a afirmação acima acerca da
inviabilidade da teoria. Tal não é o caso, porque se trata de um processo no qual a
reconstrução teórica é um momento importantíssimo do próprio amadurecimento do objeto e
especialmente, do objeto enquanto sujeito revolucionário. Como já acentuamos acima: a
afirmação acerca da inviabilidade da teoria não se refere a uma impossibilidade de todo
trabalho teórico, mas apenas à impossibilidade de uma teorização que, apreendendo o mundo

5
Vale ressaltar que não restringimos o sentido deste termo à sua dimensão política, ainda que esta tenha um
papel de primeira plana, mas o estendemos ao conjunto da atividade humana, de vez que se trata de transformar
o mundo em sua totalidade e não apenas uma parte dele.
11

nas suas determinações essenciais, pudesse orientar claramente uma intervenção


transformadora.
Esta idéia de refundação teórica não é nova. Em modos, conteúdos e resultados
muito diversos, autores como Lukács, Althusser e Habermas se propuseram reconstruir a
teoria marxiana, base da teoria revolucionária. E no Brasil, vários autores também já a
mencionaram explicitamente. Entre eles, José Chasin (1983), José Paulo Netto ( 1993), João
Quartim de Moraes (1998) e Marcos del Roio (1998). Reconhecendo todos que a
profundidade da derrota de que nos demos conta de alguns anos para cá confere a esta idéia
um caráter de ainda maior urgência e radicalidade7. E todos eles, apesar do modo diverso de
conceber esta tarefa, tendo algo em comum: a afirmação de que é preciso recomeçar com
Marx. Portanto, não refundar no sentido de partir ex nihilo, nem de refazer algumas
categorias, por importantes que sejam, mas no sentido de revisitar o conjunto da teoria, ab
ovo. Começando pelas formulações marxianas que, embora continuando a ser o “horizonte do
nosso tempo enquanto perdurar o capitalismo”, na feliz formulação sartriana, também
precisam ser reexaminadas e prosseguindo em direção a uma necessária teoria do mundo
atual.
Contudo, com respeito a este primeiro passo, é preciso um extremo cuidado, porque
as armadilhas são muitas. De imediato, é preciso evitar duas atitudes muito frequentes: em
primeiro lugar, o ataque ou a defesa; em segundo lugar, a apressada tentativa de “identificar o
que é morto e o que é vivo” no pensamento de Marx. O que se questiona aqui não é nem o
ataque ou a defesa, nem a necessidade de revisão, de crítica, de aperfeiçoamento. Tudo isto
pode e deve comparecer, sem dúvida, mas apenas num segundo momento. Concordamos com
Lukács quando diz que todas as tentativas de “superar” ou de “melhorar” o método marxiano
sempre levaram à sua vulgarização ou ao ecletismo. Os exemplos são inúmeros. Por outro
lado – questão sempre enfatizada pelos críticos desta proposta – não se trata também de
procurar uma mítica e inencontrável pureza da teoria original marxiana, que se oporia à
variedade de interpretações. Quanto mais não fosse porque a história não volta atrás. Se
fossem necessários exemplos, bastaria lembrar do infindável debate medieval sobre a
verdadeira interpretação de Aristóteles.
O que significaria, então, recomeçar? Cremos que entre a interpretação arbitrária e
a busca da verdadeira interpretação existe um tertium datur. Não é nossa intenção – nem

6
Precisamente, a teoria do partido – sua natureza e sua função social, hoje, em sentido ontológico e não
meramente sociológico ou político – é um dos elementos da teoria revolucionária que precisa ser reconstruído.
7
Neste sentido, é também sugestivo o título (e o conteúdo) do livro de La Grassa e Preve – La Fine di una
Teoria. Independente de concordância com as suas idéias (presentes em inúmeros outros livros), vale ressaltar o
caráter estimulante da obra pela radicalidade da sua proposta e pelo rigor da sua sustentação, sem que isto dê
margem, em momento algum, a qualquer concessão anti-revolucionária.
12

para isto teríamos capacidade – oferecer uma proposta de conjunto. Pretendemos apenas
pontuar uma questão que, por estar no início e ser de crucial importância, decide de todo o
encaminhamento seguinte. Antes de partir para o ataque ou a defesa, antes de procurar
identificar aspectos positivos ou negativos, antes de buscar lacunas, erros e insuficiências, é
preciso identificar o espírito da obra marxiana, o fio condutor, aquilo que dá o eixo a partir do
qual se torna compreensível todo o seu ulterior desenvolvimento. Isto não significa, de modo
algum, afirmar que a obra é um todo harmônico e homogêneo. Significa apenas apreender os
parâmetros – eles mesmos em construção ao longo da obra – que permitem tornar inteligíveis
os progressos, as modificações, as lacunas, os erros, as insuficiências. Ou seja, que permitam
ver a obra numa perspectiva de totalidade e que, portanto, possibilitem não apenas julgar, com
mais rigor, o que há de vivo e o que há de morto, mas por onde passa o caminho do
desenvolvimento e do aperfeiçoamento no sentido do seu fundador8. O não acatamento deste
preceito explica, ao nosso ver, porque tantos “erros” e “debilidades” são encontrados na obra
marxiana, enquanto as suas verdadeiras falhas passam, muitas vezes, despercebidas. A
começar da velha questão da inexistência de um momento filosófico na obra de Marx,
passando pela tensão entre momentos deterministas e momentos voluntaristas, pela cesura
entre o jovem e o velho Marx, pela dicotomia entre ciência e ideologia, pela inexistência de
uma teoria da política, pela ausência de uma “preocupação” com a relação entre o homem e a
natureza e uma infinidade de outros “achados”.
O mais grave, porém, não são as lacunas, erros ou insuficiências eventualmente
descobertos. Tudo isto existe e não há razão nenhuma para negá-lo. O mais grave é que com
isto se perde aquilo que confere à teoria marxiana a sua nota mais distintiva, ou seja, o seu
caráter radicalmente crítico e, com isto, a sua capacidade de enfrentar os problemas do nosso
tempo, que não são apenas econômicos e/ou políticos, mas dizem respeito à construção de
uma nova concepção de mundo, a uma forma essencialmente nova de sociabilidade.. E já foi
dito, mas vale a pena repeti-lo uma vez que, conforme o dito latino, repetita juvant, esta nova
forma de fazer ciência e filosofia, instaurada por Marx, é, por sua própria natureza, crítica e
autocrítica. E isto, não no sentido corriqueiro da necessidade da crítica intersubjetiva para o
progresso do conhecimento, mas no sentido da centralidade ontológica e não epistemológica
da sua impostação. O que equivale a dizer que ela permite ter não só o mundo como objeto,
mas também a si mesma. Se não se compreendeu isto ou se este caráter autocrítico foi

8
Neste sentido, pensamos que a ontologia lukacsiana representa uma das mais fecundas tentativas, exatamente
porque satisfaz aquele requisito de restituir ao marxismo a radical criticidade que lhe era própria na sua origem.
O prosseguimento crítico realizado por Mészáros (e outros autores), no conjunto da sua obra, mas especialmente
em Beyond Capital, ilustra, ao nosso ver, a produtividade deste caminho.
13

interpretado apenas em chave epistêmica, como vigilância epistemológica, então não se


apreendeu realmente aquilo que mais caracteriza a obra marxiana.
Mais ainda. Todo este trabalho de reconstrução dos fundamentos tem que passar,
necessariamente, pelo confronto com as diversas interpretações que foram feitas ao longo da
história do marxismo e com as realizações práticas e as transformações sofridas pela realidade
até o momento presente.
É evidente que isto não pode ser encarado como uma tarefa meramente teórica,
advertência, aliás, já feita pelo próprio Marx., como se fosse possível decidir apenas
teoricamente qual o verdadeiro fio condutor da obra marxiana. A reconstrução teórica dos
fundamentos deverá sempre ir de par com análises concretas da realidade e com o esforço por
transformá-las em atividade prática. Não se trata, portanto, de pensar em momentos
cronológicos sucessivos. Primeiro reconstruir os fundamentos, para depois fazer análises da
realidade e, mais tarde ainda, levá-las à prática. Tal não é a relação entre teoria e prática, pois
todos os momentos se entrelaçam. No entanto, para não deixar margem ao ativismo, tão
difundido, hoje, entre a militância de esquerda, vale a pena ressaltar que a articulação entre
teoria e prática, antes de ser uma exigência ética ou política, é um imperativo ontológico. O
que significa que o conhecimento, o mais adequado possível, do objeto é condição essencial
para a sua transformação. E como o objeto é uma unidade de essência e aparência, impõe-se o
trabalhoso e áspero caminho da ciência para desvendá-lo.
Pode parecer a alguns que advogar a necessidade de reconstruir a teoria
revolucionária e para isto começar buscando o fio condutor da obra marxiana possa levar ao
dogmatismo. Nada mais falso, pois como este fio condutor não é nenhuma verdade revelada,
ele também é discutível e, além disto, ele não é o fio de uma navalha, mas um campo no
interior do qual e a partir do qual o debate não só pode, mas deve se dar.

Concluindo

Uma crise potencialmente revolucionária do capitalismo é algo não improvável, dada


a agudização das suas contradições internas. Que esta crise seja transformada em revolução,
ou seja, em um processo de superação do capital exige, necessariamente, a intervenção de
uma teoria capaz de orientar a prática neste sentido. Sabemos que o amadurecimento tanto do
sujeito quanto do objeto é um processo que implica uma boa dose de casualidade. Ninguém
pode prever quanto tempo isto levará e nem quando a crise do capital atingirá um momento
potencialmente revolucionário. À teoria cabe fazer a sua parte neste processo e, ao nosso ver,
14

esta parte será tanto melhor realizada quanto mais se tiver consciência da magnitude e da
profundidade das tarefas a serem efetivadas.

Referências Bibliográficas
ALTHUSSER, L. Pour Marx. Paris, Maspéro, 1965
CHASIN, J. Marx: Da Razão do Mundo ao Mundo sem Razão. In: Marx
Hoje, SP, Ensaio, 1987.
DEL ROIO, M. O império universal e seus antípodas. SP, Ícone, 1998.
HABERMAS, J. Per la ricostruzione del materialismo storico. Milano, 1979.
LUKÁCS, G. História e consciência de classe. Porto, Escorpião, 1974.
MARX, K. Glosas críticas ao artigo “O rei da Prússia e a reforma social. De um
Prussiano”. In: Praxis, BH, Projeto Joaquim de Oliveira, n. 5, 1995.
______, Para a crítica da economia política (e outros escritos). SP, Abril Cultural,
1982.
MÉSZÁROS, I. Beyond capital. London. The Merlin Press, 1995.
MORAES, J. Q. de. O Manifesto e a refundação do comunismo. In: Crítica
Marxista, n. 6, SP, Xamã, 1998.
PAULO NETTO, J. Razão, ontologia e praxis. In: Serviço Social e Sociedade.
SP, Cortez, Ano XV, n. 44, 1994.
TONET, I. Democracia ou liberdade. Maceió, Edufal, 1997.

Marília, setembro de 1998


1

CRISE ATUAL E ALTERNATIVA SOCIALISTA

Ivo Tonet♯

A crise que a humanidade está vivendo hoje e que se agrava cada vez mais,
torna cada dia mais premente a necessidade de discutir alternativas. Não se trata, no
entanto, de inventar alternativas, mas de compreender a lógica interna do processo
social e de extrair dele possibilidades que sejam reais.

Sabemos que em um texto tão breve não seria possível sequer aflorar a
quantidade imensa de questões importantes para tratar da problemática acima titulada.
Procuraremos aludir, apenas, a algumas delas, que nos parecem de capital importância.
E, ainda assim, de modo muito breve.

A análise da “anatomia da sociedade civil” (Marx) capitalista indica que, sendo


a relação capital x trabalho a raiz desta forma de sociabilidade, somente a sua
erradicação e a implantação de uma forma radicalmente nova de relações de trabalho
poderá se constituir no fundamento sólido de uma forma de sociedade pra além e
superior ao capitalismo. Entendemos que somente esta forma poderá resolver os
gravíssimos problemas que a humanidade enfrenta hoje.

Esta nova forma de relações de trabalho, chamada por Marx de trabalho


associado, ou de “associação livre dos homens livres”, é o fundamento material do
socialismo.

Deste modo, nunca foi mais urgente do que hoje a luta pelo socialismo. Até
porque, no limite, ela é a luta pela sobrevivência da própria humanidade. Porém, ao
mesmo tempo, nunca, como hoje, esta alternativa pareceu mais longínqua. Explica-se
isto como resultado de um complexo processo histórico em que, na luta entre capital e
trabalho, ao longo destes últimos cento e cinqüenta anos, apesar de ganhos pontuais do


Professor de filosofia do Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes da Ufal.
2

último, o primeiro sempre venceu, dadas as circunstâncias concretas em que a guerra foi
travada.

Por isso mesmo, a crítica do passado, vale dizer, o exame dos caminhos
teóricos e práticos trilhados pelas lutas da classe trabalhadora com o objetivo de superar
o capitalismo, é uma condição indispensável para iluminar os caminhos do futuro. Esta
crítica do passado é, evidentemente, uma tarefa ingente e multifacetada. Gostaríamos de
assinalar, aqui, apenas alguns elementos que nos parecem fundamentais. A nosso ver, o
exame destes caminhos revela as profundas alterações que a teoria marxiana sofreu,
com enormes e prejudiciais conseqüências para a luta do trabalho contra o capital.

Sem desconhecer a enorme complexidade desse processo e a articulação entre


o momento da teoria e o momento da atividade prática, parece-nos que é possível
identificar aquilo que constitui o fio condutor dessas alterações. Este fio condutor é
duplo e poderia ser resumido assim: de um lado, a passagem da centralidade do objeto
(impostação ontológica) à centralidade do sujeito (impostação gnosiológica); de outro
lado, a passagem da centralidade do trabalho à centralidade da política. Ao longo deste
processo, o pensamento de Marx foi perdendo aquela que é a sua característica mais
essencial: o seu caráter radicalmente crítico e revolucionário.

Retomando a impostação ontológica greco-medieval, mas alterando-a


substantivamente, pela historicização do conceito de essência, Marx começa por
tracejar, em obras de juventude, uma ontologia do ser social, para só em seguida
resolver as questões relativas ao conhecimento. A primeira e a segunda Teses ad
Feuerbach são emblemáticas nesse sentido. Tratava-se, para ele, de responder a
pergunta: o que é o ser social, qual a sua origem, quais as suas determinações mais
gerais e essenciais, para só em seguida, e orientado por esses parâmetros, buscar o
conhecimento das formas particulares deste ser, especialmente da sua forma burguesa.

O desconhecimento desta impostação ontológica levou a maioria dos seus


discípulos a interpretar o seu pensamento a partir dos parâmetros da tradição moderna,
cujo codificador maior foi Kant, que atribuía ao sujeito a tarefa de organizar os dados
recolhidos pelos sentidos, em si mesmos múltiplos e caóticos. Deste modo, ficavam
eliminadas – para efeito de conhecimento – duas categorias absolutamente fundamentais
no pensamento de Marx: as categorias da essência e da totalidade, tornando-se o sujeito
3

o pólo regente do processo de conhecimento e da prática social. Na relação entre


objetividade e subjetividade, esta última passava a ser o pólo regente do processo.

A impostação ontológica também levou Marx a buscar a raiz do ser social,


descobrindo, na esteira das possibilidades e exigências postas pela classe trabalhadora,
que esta se localizava no ato do trabalho. Deste modo, o ato do trabalho, vale dizer, a
atividade de transformação da natureza com o fim de produzir os bens materiais
necessários à existência, foi identificado como o ato ontológico-primário, a raiz do ser
social.

Esta constatação tinha enormes conseqüências, pois evidenciava tanto a


centralidade do trabalho no sentido ontológico mais geral, como a centralidade política
da classe operária no processo de lutas pela superação da sociabilidade capitalista e,
mais especificamente, a centralidade do trabalho associado – fundamento da
sociabilidade comunista – no processo de revolução e de transição do capitalismo ao
comunismo.

Mais uma vez, esta impostação ontológica foi obliterada pela maioria dos seus
discípulos. Por um processo histórico extremamente complexo, e não por meros desvios
teóricos, a centralidade do trabalho foi substituída pela centralidade da política, vale
dizer, pela atribuição ao Estado da tarefa de dirigir o processo de superação do
capitalismo em direção ao comunismo.

Esses dois extravios tiveram como uma das mais perversas conseqüências
imprimir às lutas da classe trabalhadora um caráter cada vez mais reformista, tanto do
ponto de vista teórico como prático, pois deslocava para o campo da burguesia toda a
elaboração teórica e toda ação prática que visaria construir uma nova forma de
sociabilidade.

Desses extravios teóricos e práticos são um claro exemplo as vertentes


interpretativas do pensamento de Marx da Social-democracia alemã, da chamada
marxista-leninista (na verdade, stalinista), da escola althusseriana, da Escola de
Frankfurt, e de uma determinada leitura da obra gramsciana, para citar apenas as mais
conhecidas. Diga-se, de passagem que nem o próprio Lukács, figura maior da
interpretação do marxismo como ontologia do ser social, escapou desse extravio ao
referir-se ao caráter da revolução soviética.
4

Estes equívocos, teóricos e práticos, na interpretação do pensamento de Marx,


fragilizaram enormemente o pensamento marxista frente ao pensamento burguês, ao
mesmo tempo que resultaram na perda da revolução como objetivo maior da
humanidade, substituindo-a pela reforma ou, então, atribuindo ao conceito de revolução
um caráter essencialmente político, subsumindo a ele, inclusive, o seu caráter social,
que deveria ser o seu eixo.

Daí porque o resgate do caráter radicalmente crítico e radicalmente


revolucionário do pensamento de Marx é uma tarefa absolutamente fundamental para a
fundamentação sólida e conseqüente da alternativa socialista. Mais ainda em um
momento em que os acontecimentos históricos e a realidade cotidiana parem desmentir
inteiramente essa possibilidade.

Como realizar esse resgate?

Sabe-se que a sustentação do sistema capitalista está fundamentada,


teoricamente, em última instância, na idéia de que o homem é um ser egoísta por
natureza. E que é desse egoísmo que procede a desigualdade social. De modo que ela
pode sofrer limitações, mas jamais poder ser eliminada. Ora, essa idéia tem como
conseqüência conferir ao ser social um caráter não inteiramente histórico e social, uma
vez que sua natureza mais essencial não é resultado da atividade humana. O combate a
essa idéia implica a demonstração de que o ser humano não é egoísta por natureza. Para
isso é preciso identificar a raiz do mundo social; encontrar o elemento que funda esse
novo tipo de ser, de modo a poder demonstrar que o ser social, ainda que mantendo a
sua insuprimível vinculação e intercâmbio permanente com a natureza, é resultado da
sua própria atividade. Vale dizer, que ele é radicalmente histórico e social. É o que
Marx faz quando identifica o trabalho como a categoria que funda o mundo social e a
partir da qual – em dependência ontológica, autonomia relativa e determinação
recíproca – nascem todas as outras categorias e se configura a totalidade da realidade
social.

É a partir desses fundamentos que se pode fazer uma crítica radical da


sociabilidade capitalista, evidenciando sua historicidade e socialidade, sua origem, sua
natureza, suas insanáveis contradições, sua intrínseca desumanidade e sua incapacidade
absoluta de se tornar uma autêntica comunidade humana. Esta crítica permite, ao
mesmo tempo, demonstrar a possibilidade de superar essa forma de sociabilidade tanto
5

porque evidencia que a história é feita pelos próprios homens como porque comprova
que a humanidade já dispõe, hoje, de capacidades suficientes para produzir os bens
materiais necessários à satisfação das necessidades de todos e não apenas de alguns.
Também permite demonstrar a premente necessidade de superar essa forma de
sociabilidade, dadas as terríveis conseqüências que a reprodução social regida pelo
capital acarreta para o momento atual e para o futuro da humanidade.

Com base nesses fundamentos também é possível fazer uma crítica radical de
todas as propostas reformistas, demonstrando a impossibilidade de construir uma forma
de sociabilidade efetivamente igualitária, livre e fraterna sem a eliminação daquela que
é a raiz desta sociedade, ou seja, do capital. Esta crítica também permite demonstrar o
caráter não socialista de todas as tentativas revolucionárias levadas a cabo até o
momento, uma vez que, dadas as condições objetivas, era impossível entrar em cena o
trabalho associado, fundamento material do comunismo. Por isso mesmo, todas elas
tiveram que atribuir ao Estado a tarefa de dirigir um processo que se imaginava estar
caminhando para o comunismo. Por isso também, todas elas se transformaram em
ditaduras, não do proletariado, mas sobre o proletariado.

Nesse sentido, a crítica do passado e do presente é, ao mesmo tempo, a


sustentação da possibilidade e da necessidade da alternativa socialista, bem como do
eixo que deve nortear o processo revolucionário.

Maceió, 12 de agosto de 2009



       

     


  

 

 
    
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1

EXPRESSÕES SÓCIO-CULTURAIS DA CRISE CAPITALISTA NA


ATUALIDADE

Ivo Tonet

Introdução

Toda forma de sociabilidade que entra em crise profunda tende a agravar


enormemente os sofrimentos da humanidade. E até mesmo aqueles que se beneficiam
de um sistema social em crise não deixam de ser atingidos por problemas de toda
ordem.
É o que, a nosso ver, está acontecendo no presente momento. A humanidade
está atravessando uma crise sem precedentes, que atinge todas as dimensões da vida. O
que caracteriza essa crise e como ela se manifesta em várias dessas dimensões é o que
procuraremos ver, embora de modo muito sucinto, ao longo desse texto.

Caracterizando a crise

Sabemos que é da natureza do capitalismo sofrer crises periódicas. Essas, a


nosso ver, têm sua raiz nos problemas oriundos do processo de acumulação do capital.
Gostaríamos de sublinhar isso enfaticamente para deixar claro que a matriz geradora da
crise é sempre material e não espiritual. E, com isso, para opor-nos firmemente à idéia,
muito difundida, de que o mundo está em crise por causa da perda dos “verdadeiros”
valores tradicionais.
Não se trata de nenhum economicismo, ou seja, de afirmar que a causa direta e
imediata de todos os problemas atuais da humanidade está na economia. Trata-se apenas
de deixar claro que a raiz mais profunda da crise que o mundo vive hoje está nas
relações que os homens estabelecem entre si na produção da riqueza material.
Assegurado isso, também deve ser deixado bem claro que há uma relação de
determinação recíproca entre essa raiz e as outras dimensões da realidade social. Do
mesmo modo, também há uma influência recíproca entre todas as dimensões que
compõem a totalidade social.
Contudo, a crise atual parece ter algo muito diferente das anteriores. Em
primeiro lugar, porque se trata de uma crise global e não apenas de determinado local ou
de algum setor específico. Em segundo lugar, porque, dada a completa mundialização
do capital, este não tem mais como deslocar essa crise dos países centrais para os países
periféricos. O mundo inteiro está, embora de forma diversa em locais diferentes,
engolfado nela. Como resultado disso, essa crise atinge hoje as estruturas mais
profundas da sociabilidade capitalista.
Mas, qual a exata natureza dos fundamentos materiais dessa crise? Sabemos
que o que “interessa” ao capital é o maior aumento possível da taxa de lucro. É em
função disso que se desenvolve toda a sua lógica. Quanto maiores forem os problemas
relativos a essa taxa e quanto mais prolongada a existência desses problemas, tanto mais
intensa e duradoura será essa crise. No enfrentamento dos problemas referentes ao
rebaixamento da taxa de lucro, o capital recorre a todos os meios possíveis e
imagináveis. É isto que deu origem, na atualidade, à chamada reestruturação produtiva e

Professor do Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes da Universidade Federal de Alagoas.


2

ao neoliberalismo. Esses se caracterizam, essencialmente, por profundas mudanças na


forma da produção, com a precípua finalidade de retomar o aumento da taxa de lucro e
pela afirmação, com todas as suas conseqüências, de que dever-se-ia deixar ao mercado
a responsabilidade pelo equacionamento dos problemas da humanidade. O Estado não
deixaria de ter importância, mas seu papel seria apenas subsidiário.
Para além da propaganda ideológica, sabe-se que, tanto a reformulação do
processo produtivo, quanto as mudanças no papel do Estado tiveram a finalidade de
permitir a retomada do aumento do lucro das classes dominantes, em especial daquelas
dos países centrais.
Foi por volta de 1970 que essa crise irrompeu de forma mais acentuada,
manifestando-se como uma crescente perda de dinheiro por parte dos capitalistas. Dada
a situação concreta, o aumento da taxa de lucro só poderia ser obtido por meio de uma
enorme intensificação da exploração dos trabalhadores. Essa intensificação, por sua vez,
tanto poderia resultar do prolongamento da jornada de trabalho (mais-valia absoluta),
como da introdução de novas tecnologias e novas relações no trabalho (mais-valia
relativa) ou, o que é mais comum, da combinação de ambos. Daí o surgimento do
chamado “toyotismo” e sua articulação com a forma anterior da produção, chamada
“fordismo”, a precarização e a terceirização no âmbito do trabalho, a erosão dos direitos
trabalhistas e sociais, a desregulamentação da economia e todo o conjunto de
privatizações. Tudo isso implicando, pela própria natureza do capitalismo, uma
violentíssima guerra entre os capitalistas, com enormes e desastrosas conseqüências
para os trabalhadores.
Todas as outras dimensões da vida humana – política, direito, ciência,
filosofia, educação, arte, valores, religião, ecologia, psicologia, relações sociais, vida
pessoal e familiar – são profundamente afetadas por essa crise nos fundamentos
materiais da sociedade. E estas dimensões, por sua vez, retornam sobre a crise material
estabelecendo-se um processo reflexivo em que todas elas interferem tanto na matriz
como entre si.
Um dos aspectos mais centrais dessa crise parece-nos ser o fato da contradição
entre a enorme potencialidade produtiva que existe hoje e a impossibilidade de realizar
essa produção e colocá-la à disposição de toda a humanidade.
Com efeito, sabe-se que, hoje, a humanidade teria capacidade de produzir
riqueza suficiente para atender as necessidades básicas de todos os habitantes desse
planeta. No entanto, constata-se que a maioria da humanidade vive em situação de
carência, que pode ir da miséria mais extrema à pobreza ou a um acesso precário a essa
riqueza. Constata-se, também, por outro lado, uma crescente concentração da riqueza
em poucas mãos.
O modo dominante de pensar costuma atribuir a impossibilidade de
disseminação da riqueza por toda a sociedade a muitos motivos: falta de vontade
política, falta de recursos, má administração dos recursos existentes, corrupção,
incompetência, etc. Mas, não percebe – e não pode perceber por causa da perspectiva de
classe que informa o seu conhecimento– que a causa fundamental está nas relações de
produção fundadas na propriedade privada. O capitalismo necessita da escassez como
um elemento vital para a sua reprodução. Uma produção abundante – tornada possível
pela atual capacidade tecnológica – simplesmente assinaria a sentença de morte desse
sistema social. Isso porque uma oferta abundante rebaixaria tanto os preços que os
capitalistas simplesmente deixariam de ganhar dinheiro. O que, obviamente, não
interessa a nenhum deles. Assim, o sistema capitalista tem que manter a escassez,
mesmo que milhões de pessoas sofram as mais terríveis conseqüências, uma vez que o
seu “objetivo” é a sua reprodução e não o atendimento das necessidades humanas.
3

Expressões sócio-culturais da crise

Antes de mais nada, convém esclarecer o que entendemos por social e cultural,
já que esses termos não são unívocos. Do ponto de vista da ontologia do ser social – o
pensamento de Marx entendido nesse sentido – não há nada que não seja social já que a
distinção básica se dá entre ser natural e ser social. Desse modo, tudo que resulta da
práxis humana é social. No interior do ser social distinguem-se dimensões diferentes
(trabalho, política, direito, educação, arte, etc). O critério fundamental para a distinção
entre essas diversas dimensões é sempre a função que cada uma delas exerce na
reprodução do ser social.
Contudo, o título que nos foi proposto para o presente texto diz: “expressões
sócio-culturais”. Entendemos então que, quando se faz referência a expressões sociais
se está querendo apontar para determinadas manifestações da crise atual do capital que
afetam grande número de pessoas e que se referem à vida material ou que, pelo menos,
têm estreita conexão com essa materialidade. Em contraposição, quando se faz
referência a expressões culturais se aponta para manifestações no âmbito da
subjetividade, tais como atividades artísticas, de ciência, de filosofia, de comunicação,
de valores, de comportamentos, de relações sociais.
Dito isso, é importante também esclarecer que não se deve pensar que há uma
separação rígida entre essas diversas expressões, tanto materiais quanto espirituais
porque, de fato, há um profundo imbricamento entre elas.
A conseqüência mais geral dessa crise, para a humanidade, é terrível. Com
efeito, esse sistema social já não pode abrir perspectivas de realização superior para toda
a sociedade. O que não quer dizer que ele não possibilite avanços. Contudo, esses
avanços se limitam a alguns setores e os benefícios deles se restringem cada vez mais a
segmentos muito restritos.
Dada a lógica intrínseca do capital – de produção coletiva, mas de apropriação
privada da riqueza, – a construção de uma autêntica comunidade humana sob a sua
regência é uma impossibilidade absoluta. Essa sua lógica o impulsiona a reproduzir-se
numa direção cada vez mais perversa e desumana. Como demonstrou muito bem I.
Mészáros, o capital é incontrolável. Isto significa que é impossível impor-lhe uma outra
lógica que não seja a da sua própria auto-reprodução. Vale dizer, é impossível impor-lhe
uma produção voltada para o valor de uso e não para o valor de troca. Desse modo, ele
pode – em princípio – ser erradicado, mas não ser controlado. Pode ser erradicado
porque, como tudo o que concerne ao ser social, ele também é resultado da atividade
humana, ou seja, ele não é uma determinação natural. Em resumo, porque são os
homens que fazem a história. Mas, não pode ser controlado, vale dizer, não é possível
impor-lhe uma lógica que tenha como primeira preocupação o atendimento das
necessidades humanas e não a produção para o lucro. Basta examinar a história do
capitalismo para ver o acerto dessa afirmação. Nenhuma tentativa de controle até agora
teve êxito, seja ela de tipo do Estado de Bem-Estar Social ou do tipo chamado de
“socialista”. Por isso mesmo, a degradação cada vez maior da vida humana, em todos os
aspectos, é uma conseqüência inevitável da reprodução do capital.
Miséria, pobreza, fome, desnutrição, subnutrição e todo o cortejo de horrores –
gerado pela falta de acesso (em quantidade e qualidade adequadas) aos bens materiais
necessários à manutenção de uma vida digna – acompanham essa situação. Populações
inteiras são submetidas às condições de vida mais degradantes e praticamente
descartadas como supérfluas, pois o capital não pode incluí-las no seu processo de
reprodução. Milhões de pessoas são obrigadas a viver em condições subumanas porque
4

não têm acesso ou têm um acesso precaríssimo à alimentação, à saúde, à habitação, ao


vestuário, ao saneamento, ao transporte, etc. Outros milhões de pessoas se deslocam de
regiões e países mais pobres para outros lugares onde se concentram melhores
possibilidades de ganhos e de vida, com todas as conseqüências – econômicas, sociais,
políticas e ideológicas – que esse deslocamento traz consigo.
Em oposição a esses milhões de pessoas, encontramos uma minoria que
concentra em suas mãos uma quantidade cada vez maior de riqueza, que esbanja em
luxos e superfluidades desmedidas, que se cerca de muralhas de segurança sempre
maiores, que faz belos gestos e belos discursos, mas que não pode, porque não depende
de boas intenções nem de “vontade política”, eliminar esse fosso progressivo entre a
minoria, rica e parasita, e a maioria, pobre, – que produz a riqueza.
Ora, como vimos acima, nada disso seria necessário, pois não é por falta de
capacidade de produzir riqueza que a maioria da humanidade se encontra nessa situação
precária. Por incrível que pareça, é exatamente pelo fato de essa capacidade ter sido
elevada a um grau extraordinariamente alto que a humanidade se vê mergulhada nessa
contradição. E por que isso? Porque, ao contrário do que pensam aqueles que tomam
como base o processo de circulação e de distribuição das mercadorias, a questão
decisiva está no momento da produção. Na forma concreta da organização da produção
já está assinalado o acesso que cada um terá à riqueza. E, no sistema capitalista, a
riqueza é produzida sob a forma da propriedade privada, vale dizer, ela é produzida pela
grande maioria, mas é apropriada por uma minoria cujo objetivo fundamental é – um
imperativo imposto pela lógica do capital – obter lucros e não atender as necessidades
humanas. Essa lógica perversa leva, necessariamente, à concentração da riqueza em
poucas mãos quando não à malversação e à destruição do que é produzido já que, por
causa da necessidade da manutenção da taxa de lucro, ela não pode ser revertida em
favor de toda a população.
No âmbito mais específico do trabalho, essa crise atual do capital leva a uma
crescente diminuição do trabalho formal, por causa da introdução de novas tecnologias
e da nova organização da produção. O resultado disso é o aumento do desemprego e,
com isso, também o aumento do trabalho informal. Cresce também a precarização do
trabalho, com a erosão de direitos trabalhistas adquiridos ao longo de muitas lutas.
Agregue-se a isso, ainda, o retorno de formas primitivas de trabalho, incluindo até
formas escravistas. E, vale lembrar, ainda, o que tudo isso significa em termos de
impossibilidade de acesso à riqueza material e, portanto, do atendimento das
necessidades básicas, para se ter um quadro muitíssimo problemático.
Aqui manifesta-se o que há de mais desumano nessa forma de sociabilidade.
Trata-se do fato de que é o próprio produtor da riqueza que vê interditado o seu acesso a
ela. Como Marx mostrou muito bem nos Manuscritos Econômico_filosóficos de 1844,
em O Capital e em outras obras, nesse próprio ato do trabalho, que é a “atividade vital
humana” e que é o fundamento ontológico da autoconstrução do ser humano, o
trabalhador vê-se expropriado da sua humanidade. E essa expropriação se dá em três
momentos: antes do ato da produção, quando o trabalhador vê a sua formação humana
estar voltada para um trabalho alienado; durante o ato da produção, quando suas forças
físicas e espirituais – a sua humanidade – são transformadas em mercadorias; e após o
trabalho, quando se vê transformado em mero e precário consumidor e não se pode
reconhecer no resultado da sua atividade. Ao longo de todo esse ato fundamental da
existência humana revela-se o fato de que o produtor não é o seu verdadeiro sujeito, ou
seja, que não é ele que tem o controle – livre, consciente e coletivo – desse processo. De
modo que, enquanto se mantiver essa forma de produção, fundamento da sociabilidade
5

capitalista, a desumanização, material e espiritual, tenderá a se tornar cada vez mais


intensa.
Se isso é válido para o capitalismo em geral, muito mais o é na presente
situação que, pela existência de uma enorme capacidade de produção, poderia
proporcionar a todos uma vida humanamente digna. No entanto, o produtor da riqueza
vê-se tratado como uma simples ferramenta, sem maiores considerações para com as
suas outras qualidades humanas e que pode ser descartado quando já não tiver utilidade.
No entanto, diante da produção sempre mais ampla e profunda da
desigualdade social e na impossibilidade de atacar as suas raízes, o capital vê-se na
necessidade, através do Estado e/ou de inúmeras instituições não diretamente
governamentais, de organizar algumas ações de assistência a essa massa de desvalidos.
Daí a estruturação das chamadas políticas sociais, dos programas sociais, todos eles
voltados não para a erradicação das desigualdades sociais, mas apenas para minimizar
os efeitos mais graves da crise do capital. No mesmo patamar estão as chamadas ajudas
humanitárias em casos de guerras ou desastres ecológicos. Não se trata nunca de
enfrentar os problemas até as suas causas mais profundas, mas apenas de amenizar as
situações mais gravosas de modo a impedir o desastre total do sistema.
Vale, porém, lembrar que não são apenas os excluídos do trabalho formal que
sofrem as conseqüências danosas dessa crise. Também aqueles que ainda conseguem
algum posto de trabalho protegido pela legislação se vêem submetidos a uma crescente
intensificação da exploração. Tanto pela permanente possibilidade de perder esse
emprego como pela chamada flexibilização das leis trabalhistas, que nada mais é do que
a criação de facilidades para o processo de acumulação de capital. Além disso, também
porque todas as mudanças nas formas da produção (produção flexível, controle de
qualidade pelos próprios trabalhadores, participação dos trabalhadores em certas
decisões e inúmeras outras alterações no ambiente de trabalho) não visam a melhorar a
vida do trabalhador, mas sim a transferir para os ombros dele grande parte das tarefas de
controle que antes eram executadas por prepostos diretos do capital e, ao fim e ao cabo,
a leva-lo a aumentar os lucros dos capitalistas. O resultado disso é uma intensificação da
produtividade, sem que isso signifique a melhoria igual dos salários e das condições de
vida dos trabalhadores, o acirramento da competição entre os próprios trabalhadores e
outras conseqüências que veremos mais adiante.
Como resultado dessas transformações no mundo da produção, a natureza da
própria classe trabalhadora e a sua luta contra a exploração sofreram enormes
conseqüências. Certamente, a classe trabalhadora nunca foi uma classe homogênea.
Sempre houve diferenciações entre os diversos setores que a compunham. Contudo, não
há como negar que havia um grau de unidade e de identidade maior entre todos os que
compunham essa classe até o advento dessa última reestruturação produtiva. A partir
dessa reestruturação, deu-se uma intensa fragmentação no interior da classe
trabalhadora com a extinção de determinados segmentos e o surgimento de outros, além
do aparecimento da enorme massa de trabalhadores desempregados, terceirizados e
precarizados.
Deste modo, no próprio seio da classe trabalhadora se acirrou a competição
entre os empregados e os desempregados, entre aqueles que detêm um emprego formal
e os informalizados, entre aqueles do setor público – protegidos por um grau maior de
estabilidade – e aqueles do setor privado – sujeitos a uma enorme instabilidade. E, além
disso, ainda existe a competição entre os trabalhadores dos países centrais e os dos
países periféricos, pois, no interior do sistema capitalista, a manutenção do padrão de
vida elevado dos primeiros depende da continuidade da intensa exploração dos
segundos.
6

Essa enorme fragmentação e competição no interior da classe trabalhadora


dificulta sobremaneira sua luta contra a exploração e pela construção de uma forma de
sociabilidade para além do capital, levando os diversos segmentos a lutar apenas pela
obtenção de melhorias parciais e precárias.
Ao lado disso e articulado com isso, temos toda sorte de violência, desde a
mais explícita e brutal, como as guerras constantes (e a conseqüente produção, venda e
tráfico de armas), com todo o seu cortejo de horrores, os massacres, os roubos, os
assaltos, os seqüestros, as mais variadas formas de violência contra as mulheres, as
crianças, as minorias, até as mais sutis e ocultas como a corrupção, a malversação dos
bens públicos e a prevalência dos interesses privados sobre os interesses públicos. Aqui
aparece um exemplo da completa subversão dos valores produzida por essa crise. Trata-
se da enorme diferença de valor atribuída a seres humanos de classes e países diferentes.
A morte de 3.000 cidadãos norte-americanos teve uma importância infinitamente maior
do que o massacre de 800.000 hutus – africanos.
Vale ressaltar que não é só a guerra que é implementada, mas todo um clima
de guerra (não é preciso lembrar a produção de armas cada vez mais sofisticadas e a
ameaça constante que impende sobre a humanidade por causa da existência e
proliferação de armas nucleares). Isso é necessário para as potências capitalistas
hegemônicas tanto para manter em pleno funcionamento o enorme complexo militar-
industrial (com uma função importantíssima na recomposição da taxa de lucro), como
para tentar impor, pela força, a dominação sobre todos os países do mundo.
Aqui é preciso fazer uma consideração importante. Tende-se a considerar a
violência como um defeito da sociedade que resultaria, em última análise, de uma
natureza humana potencialmente violenta. Sem entrar no mérito dessa questão da
natureza humana e sem querer, porque seria esquecer as inúmeras mediações, atribuir
todo tipo de violência diretamente ao sistema capitalista, é preciso que se diga que esta é
uma forma de sociabilidade que tem a violência na sua própria raiz. E que esta forma de
violência, ao contrário de muitas outras, não só é socialmente legitimada, como nem é
tida por algo violento. Pelo contrário, é considerada como o próprio fundamento natural
e positivo dessa sociedade. Trata-se do ato fundante dessa sociedade: a compra-e-venda
de força de trabalho, gerador da propriedade privada de tipo capitalista. Esse é um ato
que, por sua própria natureza, implica a submissão violenta – embora “livremente”
aceita – do trabalho ao capital. Somente na aparência este é um ato livre. Afinal, o
trabalhador tem que submeter-se a ser explorado sob pena de perder a vida. Este ato
violento gera, necessariamente, uma sociedade permeada pela violência, nas suas
formas mais diversas. Dele derivam a oposição dos homens entre si, o individualismo, a
competição e a guerra de todos contra todos. Todas as outras formas de violência, ainda
que não oriundas diretamente desse ato fundamental, se vêem marcadas, potencializadas
e ampliadas por ele.
Mas, não são apenas as populações dos países periféricos que se vêem
submetidas a uma vida degradante. O mesmo acontece, de forma diferente, também
com os trabalhadores dos países centrais. O fato de estes terem mais acesso a um
conjunto de bens pode obscurecer a enorme exploração a que são submetidos. Como se
sabe, o que mede o grau de exploração não é a sua forma imediata (seu caráter mais
brutal e degradante), mas a relação entre o trabalho necessário para produzir
determinada coisa e a parte do trabalho que não é paga. Quanto maior a distância entre
esses dois pólos, maior será a exploração. Mas, além disso, e como conseqüência direta
da crise atual do capital, mesmo naqueles países tem sido constatado o aumento do
número de pobres e desassistidos de todo gênero (sem-teto, sem-emprego ou
subempregados, sem-seguridade social, além do enorme aumento da criminalidade).
7

Porém, não é apenas no âmbito das necessidades materiais que se manifesta a


intensa crise atual do capital. Como não podia deixar de ser, também as atividades
espirituais – filosofia, ciência, educação, arte, comunicação, religião, valores,
comportamentos e relações sociais – são profundamente atingidas por ela.
Cada uma dessas áreas tem suas manifestações específicas, mas algumas
expressões são de caráter mais geral.
Entre essas expressões está, em primeiro lugar, a crescente mercantilização de
todas essas atividades. Sabemos que é da natureza do capitalismo transformar o próprio
trabalhador, o produtor da riqueza, em mercadoria. E certamente o objetivo fundamental
do capitalismo sempre foi gerar lucro através da venda de mercadorias. Isto é da sua
natureza mais íntima. Porém, durante muito tempo esse objetivo pode ser atingido
predominantemente pela venda de mercadorias de caráter material. Essas outras
atividades – cada uma de modo particular – tinham um espaço mais amplo onde a
criatividade humana não orientada para o lucro podia se manifestar mais livremente.
É característico dessa crise que até essas atividades tenham sido
profundamente subsumidas à lógica da mercadoria. É a necessidade da recomposição da
taxa de lucro que faz com que o capital não hesite em transformar todas essas atividades
mais tipicamente humanas em mercadorias. Não é preciso dizer que isto tende a
deformar profundamente a especificidade própria dessas atividades, rebaixando e
descaracterizando o seu sentido mais genuíno.
Exemplos disso poderiam ser vistos à larga no âmbito das atividades artísticas
(música, literatura, artes plásticas, cinema, arquitetura). Não só pelo rebaixamento do
seu conteúdo, já que o critério fundamental é a vendabilidade e não a sua efetiva
excelência artística, como também pelo excessivo acento na forma, maneira pela qual se
escamoteia um tratamento mais consistente e aprofundado dos problemas. Um exemplo
típico disso é a avaliação que se faz dos filmes: não se pergunta se um filme é bom ou
ruim, mas quantos milhões de dólares ele custou e faturou. Esse é o sinal da qualidade
dele. O mesmo acontece com a música, a literatura e outras expressões artísticas. Nem é
preciso fazer referência ao que predomina, hoje, em termos de cinema, de música e de
literatura. Em determinação recíproca, o gosto “artístico” das pessoas também vai sendo
configurado de modo a conferir um alto valor a essas produções de nível precário.
Os efeitos perversos dessa crise também se manifestam no âmbito do
conhecimento, especialmente das ciências sociais e da filosofia.
Em termos de filosofia, nenhuma corrente atual, exceto aquela que tem em
Marx o seu fundador (e mesmo no interior desta, nem todas as suas expressões) pensa o
mundo até o fim, isto é, até a categoria do trabalho como solo ontológico fundante do
mundo social. Consequentemente, nenhuma delas aponta o problema da exploração do
homem pelo homem, cuja matriz está no trabalho abstrato, como o obstáculo
fundamental para a construção de uma autêntica individualidade e de uma autêntica
comunidade humanas. O caráter especulativo de todas essas correntes se manifesta no
fato, já denunciado por Marx, de que esses filósofos ainda continuam apenas
interpretando o mundo de maneiras diferentes, mas não têm a preocupação de
transformá-lo radicalmente (isto é, até a sua raiz). Ao contrário, sua preocupação central
é com a reforma, a melhoria, o aperfeiçoamento desta ordem social, na suposição de que
este é o único caminho positivo possível. É essa falta de radicalidade que faz com que
essas correntes se distanciem cada vez mais da realidade concreta. Perdido ou rejeitado
o solo matrizador da totalidade social (inclusive da própria razão), que é o trabalho, a
razão se torna autônoma e se perde cada vez mais no labirinto do seu auto-movimento,
supondo que a realidade deveria moldar-se de acordo com as suas (da razão)
prescrições.
8

De modo especial, no campo da ética amplia-se cada vez mais o fosso entre o
dever-ser e o ser. Isto é, entre uma realidade objetiva que se torna a cada dia mais
desumanizadora e o discurso ético que proclama valores humanistas. Nunca, como hoje,
se falou tanto em solidariedade, direitos humanos, honestidade, respeito à vida e à
pessoa humana. Sente-se, no entanto, que há uma generalizada confusão na área dos
valores. Em todas as áreas da vida social, valores que antes eram considerados sólidos e
estáveis sofreram profundas mudanças. Parece que, de uma hora para outra,
desapareceram os critérios do que é bom ou mau, correto ou incorreto e que a sociedade
se transformou num vale-tudo onde predominam o individualismo, o interesse
imediatista e utilitário, a subsunção do interesse público ao interesse particular,
chegando, muitas vezes, ao cinismo mais deslavado.
Por sua vez, a cientificidade atual (no âmbito social) tem assumido um caráter
cada vez mais manipulatório. Vale dizer, ela tem se manifestado cada vez mais incapaz
de compreender a realidade como uma totalidade articulada em processo e de ir até a
raiz dos fenômenos sociais. Tendo nascido sob o signo da fragmentação e da
empiricidade, viu essas características se tornarem cada vez mais intensificadas. Essa
intensificação, por sua vez, é resultado do fato de que o aprofundamento da crise do
capital confere à realidade social um caráter cada vez mais fragmentado e fetichizado.
Daí a crescente desconfiança na capacidade da razão de compreender a realidade social
como uma totalidade, o que dá margem à intensificação do irracionalismo e da
fragmentação do conhecimento.
O abandono de categorias fundamentais para a compreensão da realidade
social, como classes, luta de classes, revolução, socialismo, comunismo, alienação e até
capitalismo, mostra bem a distância que se estabeleceu entre a cientificidade social
dominante na atualidade e o processo social real. Expressão clara disso é o fato de que
praticamente nenhum dos cientistas sociais tidos, hoje, como mais importantes –
economistas, sociólogos, cientistas políticos, antropólogos, psicólogos, teóricos da
educação – se refere à superação do capitalismo, mas apenas ao seu aperfeiçoamento.
Uma segunda manifestação é a da efemeridade. Esta, por sua vez, está muito
ligada à superficialidade, à banalização, ao modismo e à massificação. De novo, é a
crise do capital que se manifesta aqui. A brutal concorrência entre os capitais faz com
que as mercadorias tenham que girar cada vez mais rapidamente para gerar lucro. Isso
resulta naquilo que Mészáros chamou de “produção destrutiva”, ou seja, um tipo de
produto que precisa se tornar obsoleto de modo cada vez mais rápido e assim dar lugar a
outro.
Ora, na medida em que os produtos espirituais são transformados em
mercadorias, eles também são submetidos a essa lógica da obsolescência. Também
devem ser rapidamente consumidos e rapidamente descartados, pois a sua finalidade
também passa a ser gerar lucro. A todo momento estão sendo lançados no mercado
novos produtos, novas fórmulas, novos métodos, novas soluções, que rapidamente
devem ser descartados, porque o importante não é a sua real qualidade (medida em
função de uma vida digna), mas a sua “novidade”, uma vez que é isso que os torna
vendáveis. Mas, para que isso aconteça, eles são obrigados a ser superficiais e, portanto,
a terem vida curta, pois a densidade, a profundidade e a durabilidade são qualidades que
exigem maturação, o que implica um tempo maior de elaboração.
Por paradoxal que pareça, essa enorme efemeridade vai de par, por sua vez,
com a sua sensação oposta, que é a perenidade. Tudo muda, mas, ao mesmo tempo,
nada do que é essencial muda. De um lado, os fenômenos imediatos, em todas as
dimensões da vida, parecem indicar que nada existe de estável. De outro lado, esse
sistema social parece ter atingido um patamar absolutamente insuperável. A sempre
9

proclamada vitória do capitalismo sobre o socialismo – uma forma de sociabilidade que,


de fato, nunca existiu – é exatamente a expressão desse modo de pensar. O capitalismo
se tornou invencível.
Há, ainda, uma outra expressão muito em evidência, hoje e que também é
resultado dessa crise atual do capital. Trata-se do desmesurado aumento do misticismo,
do esoterismo, da religiosidade mais primária, do fundamentalismo religioso e do
salvacionismo. O modo de pensar iluminista imaginava que quanto mais avançassem a
ciência e a tecnologia, mais retrocederiam a ignorância e a superstição. Sem entrar no
mérito dessa problemática, o que se pode constatar é que, no mundo atual, está
acontecendo exatamente o contrário. O avanço da ciência e da tecnologia está sendo
acompanhado de igual aumento da ignorância e de toda sorte de superstições.
Isso é facilmente compreensível quando se entende a crise atual do capital.
Todas essas manifestações, a seu modo e com suas circunstâncias particulares, são o
resultado de um mundo (terreno, real, efetivo) que perdeu todo o sentido humano, um
mundo no qual se acumulam problemas que se tornam a cada dia mais graves e
aparentemente sem solução. Frente a esse mundo, que se tornou todo-poderoso e
avassalador, o indivíduo, desconhecendo a lógica que levou a esse resultado, ignorando
que ele é produto de uma específica atividade dos próprios homens, sente-se impotente
(para compreender e para intervir e mudar) e desvalido. Sua reação é buscar soluções
para além desse mundo, em poderes fora da realidade humana ou natural. Enfim, fora
desse mundo.
Uma clara demonstração disso é o fato de que o misticismo, o esoterismo e o
fundamentalismo religioso não vicejam apenas nos países atrasados, mas também no
país considerado o mais desenvolvido que são os Estados Unidos da América do Norte.
Isto não é por acaso. Pois é exatamente lá que a crise do capital tem a sua expressão
mais concentrada. E é lá também onde os valores tradicionais estão sendo diariamente
subvertidos; lá também onde os indivíduos se sentem impotentes diante dos crescentes e
avassaladores problemas; lá também onde a vida se resume à competição brutal pela
posse de bens materiais. Talvez seja lá onde se possa dizer que se encontram, como
duas faces da mesma moeda, o materialismo mais grosseiro (no sentido da busca por
bens materiais) e a religiosidade mais acentuada e primária.
Deste modo, poderíamos dizer, parafraseando o que afirmou Marx acerca da
religião, que todos esses misticismos, esoterismos, fundamentalismos, salvacionismos
são, ao mesmo tempo, expressão e protesto contra esse mundo que perdeu o sentido
genuinamente humano. Por um lado, são expressões porque manifestam a real situação
em que vive o ser humano desde a sua origem. Mas, especialmente hoje porque são o
resultado de uma forma particular de relações sociais marcadas por uma brutal e
inteiramente desnecessária – já que existe a possibilidade de uma produção abundante –
exploração do homem pelo homem. Por outro lado, são um protesto porque, mesmo que
de modo inconsciente, expressam o reconhecimento de que esta é uma situação
desumana e exige algum tipo de solução.
Uma outra conseqüência importante e geral dessa crise do capital é o
individualismo exacerbado. Sabemos que o capitalismo tem o indivíduo e os seus
interesses como eixo ao redor do qual tudo gira.
Ninguém melhor do que um liberal, Hobbes, definiu essa situação de regência
do indivíduo nesse sistema social, ao cunhar a célebre expressão: o homem é o lobo do
homem. Mas, quando Hobbes fez aquela afirmação, o mundo ainda estava numa
situação de carência. Ainda não tinha capacidade de produzir riqueza suficiente para
todos. Hoje, como já vimos, há uma situação de possível abundância. O que aguça,
então, a luta de todos contra todos, o individualismo levado ás últimas conseqüências, é
10

a crise do capital e a conseqüente guerra de todos contra todos na disputa pela riqueza.
O fracasso das tentativas de mudar o mundo através de esforços coletivos, centrado nas
revoluções que se pretendiam socialistas, agravou enormemente essa convicção
individualista. Como já não se visualizam soluções coletivas, é levada ao paroxismo a
idéia de que a solução dos problemas é individual, de que o sucesso ou fracasso na vida
dependem dos próprios indivíduos, considerados isoladamente.
A falência dos valores tradicionais que, de alguma forma, faziam uma
referência maior ao aspecto comunitário, deve-se exatamente a essa exacerbação
daquilo que é a própria essência do capitalismo: a concorrência. Afinal, o valor supremo
dessa forma de sociabilidade é o ter. Não por um suposto egoísmo humano natural, mas
como imposição da lógica da reprodução do capital, que se espraia por toda a vida
cotidiana. Daí porque a preocupação com o bem comum, a solidariedade, um agir
eticamente orientado são, no mais das vezes, um discurso vazio ou apenas expressões
pontuais e superficiais que não podem transformar-se, de modo permanente e profundo,
em vida cotidiana. Do mesmo modo, a ação coletiva para a solução dos problemas
sociais se vê tremendamente dificultada por um mundo onde a lei maior é a lei do
“salve-se quem puder”.
E, por último, podemos ainda fazer referência aos gravíssimos problemas que
afetam a relação do homem com a natureza. Apenas para referir: poluição da atmosfera,
de rios e lagos, destruição de ecossistemas e da camada de ozônio, aquecimento global e
milhares de outros. Como resultado do uso indiscriminado, predatório, anárquico e
agressivo – típico do capitalismo – está em risco a própria existência de todas as formas
de vida. Não obstante esforços e boas intenções, a lógica do capital é, por sua natureza –
anárquica e concorrencial – predatória e destrutiva. E é essa lógica, levada ao extremo
pela crise atual, que impede uma relação harmônica do ser humano com a natureza.
Eis aí algumas das principais expressões sócio-culturais que marcam a crise da
sociabilidade capitalista atual.

Referências bibliográficas

ANTUNES, R. Os sentidos do trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999.


GOUNET, Th. Fordismo e toyotismo. São Paulo: Boitempo, 2002.
MÉSZÁROS, I. Para além do capital. São Paulo: Boitempo, 2002.
_____, Produção destrutiva e Estado capitalista. São Paulo: Ensaio, 1989.
MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.
_____, O Capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1975.
TONET, I. Ética e capitalismo. In: Presença Ética. Recife, n. 2, 2002.
_____, Sobre o socialismo. Curitiba: HDLivros, 2002.
Redação final V8 3:24 11/8/2004

Introdução à filosofia de Marx

SÉRGIO LESSA

IVO TONET
Redação final V8 3:24 11/8/2004

SUMÁRIO

Prefácio
Introdução

I. As grandes linhas do debate ideológico


II. A relação do homem com a natureza: o trabalho
1 - prévia-ideação e objetivação
III. Trabalho e sociedade
1 - objetivação e sociedade
2 - objetivação e conhecimento
IV. O que é mesmo o machado?
1 - prévia-ideação e causalidade
V. Idealismo e Materialismo
1 - o idealismo
2 - o materialismo mecanicista
3 - o materialismo histórico-dialético

VI. O conhecimento
VII. Um pouco de história
1 – a sociedade primitiva
2 - o modo de produção asiático
VIII. O Escravismo
1 - a crise do escravismo e origem do feudalismo
IX. O feudalismo e a origem do capitalismo
1 – O feudalismo
2 – Algumas características da sociedade burguesa
X. A Reprodução social
1- a reprodução dos indivíduos
XI. Marx e a crítica ao individualismo burguês
1- a moral e a ética
XII. A política e o Estado democrático
1- a democracia burguesa e o Estado burguês
XIII. Os fundamentos sociais da alienação
1- a alienação
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XIV. Alienação e Capital


1- a essência das alienações geradas pelo capital
XV. A revolução: ato de emancipação humana
XVI. Uma nova sociedade: o comunismo
1- indivíduo e sociedade no comunismo
Conclusão

Indicação bibliográfica para aprofundar os estudos


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PREFÁCIO

Nossos dias assistem a um renascimento do interesse por Marx. Diferente de há pouco


mais de uma década, quando a derrocada da União Soviética e o prestígio do pós-modernismo
levaram alguns a acreditar que o marxismo estaria definitivamente eliminado da história, hoje
há sinais recorrentes de que o pensador alemão e seus seguidores voltam a ter um lugar nos
debates em curso. Vários fatores contribuem para isso, entre eles a própria debilidade e
inconsistência teóricas das vertentes que se propõem superar o "paradigma marxiano" (das
posições pós-modernas em um extremo a Habermas, em outro); a falência das previsões
"sociológicas" de que estaríamos caminhando para uma sociedade para além do trabalho, quer
pela robotização quer pelo fim do trabalho enquanto tal; a negação palmar da tese de que a
vitória das "democracias capitalistas’ contra o modelo soviético abriria um novo marco de paz
e prosperidade na face da Terra, etc.
Sem desconsiderar esses e outros fatores semelhantes, talvez a mais forte razão do
renascimento do interesse por Marx esteja na continuidade da crise. Ao contrário do que
prometia, e confirmando previsões de Mészáros, Mandel e muitos outros marxistas, a vitória
do neoliberalismo e das alternativas mais conservadoras, não apenas não abriu para a
humanidade um novo horizonte de prosperidade como, ainda, está aprofundando os elementos
estruturais da crise do capital. Isto coloca a humanidade, ainda com mais urgência do que no
passado, diante do dilema: capitalismo ou comunismo. A agudização das tensões sociais, o
agravamento das lutas de classe (muitas vezes pela sua face mais trágica, de aviltamento das
relações sociais por fenômenos como a violência urbana, o crime organizado, etc.), a
persistência preocupante de um novo desemprego que confirma a previsão de seu caráter
estrutural feito por marxistas há décadas, tudo isso abre espaço para um novo e renovado
interesse pelo pensamento de Marx.
É nesse momento que nos parece interessante um texto introdutório ao pensamento de
Marx. Uma tarefa arriscada, tanto pela complexidade do tema, quanto pela existência de
inúmeras interpretações deste pensamento. Na impossibilidade de uma discussão mais ampla
da trajetória do marxismo, a alternativa que nos pareceu razoável foi a de deixar clara a nossa
posição: estamos convencidos de que o resgate da teoria marxiana é a condição fundamental
para compreender a crise e os rumos do mundo atual, bem como para orientar
revolucionariamente a luta social. Para isso, consideramos o trabalho realizado por György
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1
Lukács a empreitada mais significativa e que aponta o melhor caminho para o resgate do
sentido radicalmente crítico e revolucionário do pensamento de Marx, o que não significa
desconsiderar contribuições importantes de outros autores, entre eles, e com ênfase particular,
István Mészáros. Não pretendemos aqui uma posição doutrinária ou sectária, mas apenas
esclarecer para o leitor a posição que assumimos nesse riquíssimo debate.
A esta dificuldade soma-se outra, originada da existência de inúmeras interpretações de
Marx. Os textos de introdução podem cumprir, também, um papel de "amortecimento" da
consciência crítica do leitor. O que se requer de um texto introdutório, ou seja, sua clareza,
sua coerência e sua facilidade de leitura pode ser, atmbém, a principal razão que dê ao leitor a
impressão de que as questões "tratadas", e os problemas "solucionados", sejam muito mais
simples e palmares do que de fato são. Não poucos manuais do passado, a despeito do desejo
de seus autores, terminaram cumprindo também esse papel. Esse o motivo de muitos não
verem com bons olhos os textos de introdução, e deve-se reconhecer que eles têm alguma
razão. Estamos convencidos, todavia, de que os textos introdutórios podem ter um papel
diverso, desde que consigam despertar no leitor mais curiosidades do que certezas. É com a
esperança de que esse texto seja apenas a abertura e a sinalização de um horizonte, e não a
produção de respostas acabadas, que nos propusemos redigi-lo.

INTRODUÇÃO

É admissível,hoje, de qualquer ponto de vista, que alguém viva do trabalho alheio? É


justificável, hoje, a exploração do homem pelo homem?
Este é o dilema de cuja solução depende o futuro da humanidade e, por isso, esta é a
questão central da filosofia nos nossos dias. Todas as correntes filosóficas, de algum modo,

1
O estudo da evolução do seu pensamento está ainda no seu início; não há
nenhuma obra que dê conta do conjunto de sua produção teórica. Seus
primeiros escritos foram influenciados por Kant e Hegel, filósofos
burgueses da transição do século XVIII ao XIX. Sob o impacto da I Guerra
Mundial (1914-18) e da Revolução Russa de 1917, redigiu as primeiras das
suas obras marxistas, das quais a mais conhecida é História e Consciência
de Classe (1923). Entre 1930 e 1950, realizou investigações com textos
inéditos de Karl Marx, entre eles os Manuscritos de 1844, combateu o
stalinismo enfatizando a importância de Hegel para o marxismo (O Jovem
Hegel -1948), combateu o fascismo com sua investigação acerca de suas
raízes filosóficas (A Destruição da Razão-1952), e redigiu inúmeros
artigos, ensaios e livros sobre arte e literatura. O realismo russo, Thomas
Mann, Balzac e o realismo francês, o realismo socialista, etc. foram alguns
dos temas aos quais retornou mais de uma vez nesse período de sua vida.
Entre a segunda metade dos anos cinqüenta e o seu falecimento em 1971
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oferecem uma resposta a esse dilema, às vezes explicitamente, outras vezes de modo velado e
sutil; às vezes com um discurso aberto, outras vezes pretendendo ignorar o tema. E a resposta
que oferecem deve ser um dos elementos importantes na avaliação que fazemos de cada uma
delas.
Isto não significa reduzir a filosofia à política. Quando as questões filosóficas recebem
um encaminhamento político, tal como fez o stalinismo ou como fazem hoje as filosofias mais
conservadoras, o resultado é sempre uma filosofia de baixo nível. As respostas alcançadas se
perdem rapidamente na medida em que a conjuntura política se altera. Como a filosofia é uma
reflexão sobre a história e o destino humanos, ela não deve se limitar ao aspecto
imediatamente político e, por isso, toda e qualquer redução da filosofia à política leva a uma
filosofia ruim e a uma prática política pior ainda.
Se isto é verdade, também correto é que as relações sociais se tornaram, em especial nos
últimos séculos, de tal forma desumanas, que toda filosofia exibe uma dimensão política
Querendo ou não, explicitamente ou não, intervém nas lutas sociais. Não existem filosofias
neutras, ou seja, filosofias que ignorem os dilemas históricos cruciais que a humanidade
enfrenta.

Capítulo I - As grandes linhas do debate ideológico contemporâneo

Devemos ou não, nos dias atuais, manter a exploração do homem pelo homem? Apenas
duas respostas verdadeiramente radicais (no sentido de ir à raiz) são possíveis para esta
questão.
A primeira resposta, conservadora, afirma que não é possível a superação da exploração
do homem pelo homem porque ela corresponde à verdadeira essência humana. Desde o
irracionalismo do filósofo nazista alemão Martin Heidegger, passando por elaborações
filosóficas muito mais civilizadas e sofisticadas como as de J. Habermas, H. Arendt, N.
Bobbio e J. Rawls, todas estas correntes, cada uma a seu modo, concebem a vida social como
uma luta entre indivíduos que são essencialmente mesquinhos, egoístas, individualistas e
movidos pelo desejo de acumular propriedades. Por isso, diz Heidegger, a luta é a dimensão
autêntica da existência humana; pelo mesmo motivo, afirmam Habermas, Arendt, Bobbio e
Rawls, o capitalismo, a democracia burguesa e o mercado são as mediações insuperáveis da
vida civilizada. Todos eles, cada um à sua maneira, buscam conservar o capitalismo e

redigiu as suas obras de maturidade, a Estética e a Ontologia do Ser


Social.
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consideram uma impossibilidade a sociedade emancipada comunista tal como proposta por
Marx.
O argumento fundamental da maior parte das filosofias conservadoras não é nenhuma
novidade: afirmam que há uma essência dos indivíduos humanos que os torna individualistas;
e que esta essência, justamente por ser imutável, não poderia ser alterada pela história. Para
eles, a história nada mais seria que a afirmação, em diferentes momentos e sob formas
distintas, desta mesma essência mesquinha dos homens. Por isso, segundo eles, o máximo que
se pode almejar é desenvolver o mercado e a democracia que, para eles, são as melhores e
mais civilizadas formas de disputa entre os indivíduos, não passando de um mero sonho a
proposta de Marx de uma sociedade sem classes. Como poderia ser abolida a sociedade de
classes, perguntam eles, se os homens são essencialmente marcados pela propriedade privada,
se são individualistas, mesquinhos e egoístas?
Em suma, a resposta conservadora à nossa questão (devemos hoje manter a exploração
do homem pelo homem?) afirma que há uma essência humana que faz dos homens seres
necessariamente individualistas. Esta essência não poderia ser alterada pela história, o que
impossibilitaria a superação da forma da sociedade atual por uma outra sem classes e sem
opressão. Como os homens são essencialmente individualistas, argumentam os conservadores,
a melhor sociedade possível é a capitalista.
A segunda resposta radical à nossa pergunta é a dos revolucionários. Afirmam eles que
não só é possível, como também necessário, que a humanidade se emancipe da exploração e
da opressão. A evolução da sociedade contemporânea não nos conduzirá a formas cada vez
mais civilizadas de opressão, como afirmam os conservadores, mas sim a uma barbárie
crescente ou à própria extinção da humanidade. E a única forma de evitar esta barbárie é
superar as desumanidades da sociedade capitalista. Para escapar à crescente barbárie, afirma
Marx, não há outra alternativa senão a emancipação humana da opressão dos homens pelos
homens.
Obviamente, há uma dimensão imediatamente política neste debate acerca da
necessidade e da viabilidade da revolução comunista. Contudo, sem desconsiderar a
importância deste debate político,o que nos interessa, aqui, é o seu fundamento filosófico.
Para Marx, não haveria uma essência humana independente da história. Os homens são o que
eles se fazem a cada momento histórico. A reprodução da sociedade burguesa produz
individualidades essencialmente burguesas. Contudo, reconhecer este fato não significa
afirmar que a essência mesquinha do homem burguês seja a essência imutável da
humanidade. Demonstra Marx que, tal como a humanidade se fez burguesa, ela também pode
se fazer comunista. Por isso, dizem os revolucionários, o capitalismo não é o fim da história.
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Entre a sociedade burguesa e a sociedade comunista não há nenhum outro obstáculo senão as
próprias relações sociais. Isto significa que existe a possibilidade histórica de a fraternidade
comunista se tornar, nas nossas vidas cotidianas, um fato tão característico da futura essência
humana quanto o individualismo burguês o é da nossa essência atual.
Não nos deve surpreender que a concepção revolucionária soe estranha aos ouvidos de
muitas pessoas. Submetidos a uma vida de miséria e privação, à opressão cotidiana, à
competição desenfreada por um lugar ao sol, todos nós convivemos com a sensação de
estarmos submetidos a um destino, a uma força, que não controlamos e sequer conhecemos.
Esta vida cotidiana desumana (ou seja, não-humana) faz com que os homens sequer cheguem
à consciência de que são eles que fazem a sua própria história. E, por isso, o que deveria ser
uma evidência se transforma num grave problema filosófico que pode ser resumido, muito
introdutoriamente, nesta pergunta: se os homens são os artífices de sua própria história, por
que eles construíram um mundo tão desumano? Se a história é feita pelos homens, por que
eles não têm sido capazes de construir uma sociedade verdadeiramente humana? Se os
homens constroem a si próprios, por que são tão desumanos não apenas com os outros, mas
também com aqueles que amam e mesmo consigo próprios? Se não há uma essência humana
que imponha um destino à humanidade, como querem os conservadores, de onde vem esta
força que freqüentemente empurra as nossas vidas para onde não desejamos, por vezes
transformando nossos mais belos sonhos em pesadelos?

RESUMO DO CAPÍTULO:

I) Há duas formas “radicais” de pensar a sociedade:


a) Forma conservadora: o homem é essencialmente burguês, pois é sempre dominado
pelo espírito de acumulação privada de riqueza. A história nada mais seria que a afirmação
deste individualismo em diferentes situações. Por isso a sociedade comunista seria uma
completa impossibilidade.
b) Forma revolucionária: os homens são individualistas porque a sociedade burguesa
os faz assim, e não porque sejam bons ou ruins por natureza. Como os homens construíram o
capitalismo e o individualismo burguês, podem também superá-los e construir uma sociedade
emancipada da opressão.

Capítulo II - A relação do homem com a natureza: o trabalho


Versão 7 11/8/2004 3:24 9

O único pressuposto do pensamento de Marx é o fato de que os homens, para poderem


2
existir, devem transformar constantemente a natureza . Esta é a base ineliminável do mundo
dos homens. Sem a sua transformação, a reprodução da sociedade não seria possível Esta
dependência da sociedade para com a natureza, contudo, não significa que o mundo dos
homens esteja submetido às mesmas leis e processos do mundo natural. Sem a reprodução
biológica dos indivíduos não há sociedade; mas a história dos homens é muito mais do que a
sua reprodução biológica. A luta de classes, , os sentimentos humanos, ou mesmo uma obra
de arte, são alguns exemplos que demonstram que a vida social é determinada por outros
fatores que não são biológicos, mas sociais.
Esta simultânea articulação e diferença do mundo dos homens com a natureza tem por
fundamento o trabalho. Por meio do trabalho os homens não apenas constroem materialmente
a sociedade, como também lançam as bases para que se construam como indivíduos. A partir
do trabalho, o ser humano se faz diferente da natureza, se faz um autêntico ser social, com leis
de desenvolvimento histórico completamente distintas das leis que regem os processos
naturais.
Marx entende por trabalho um tipo de atividade muito diferente daquela que podemos
encontrar nas abelhas ou formigas. Nestas, a organização das atividades e sua execução são
determinadas geneticamente e, por isso, não servem de fundamento para o desenvolvimento
destes insetos. Por séculos, as abelhas e as formigas produzirão, exatamente da mesma forma,
o que já produzem hoje.
Entre os homens, a transformação da natureza é um processo muito diferente das ações
das abelhas e formigas. Em primeiro lugar, porque a ação e seu resultado são sempre
projetados na consciência antes de serem construídos na prática. É esta capacidade de idear
(isto é, de criar idéias) antes de objetivar (isto é, de construir objetiva ou materialmente) que
funda, para Marx, a diferença do homem em relação à natureza, funda a evolução humana.
Vejamos por quê.

1 - Prévia-ideação e objetivação

Vamos imaginar que alguém tenha a necessidade de quebrar um coco. Para atingir este
objetivo, há várias alternativas possíveis: pode jogar o coco no chão, pode construir um

2
Temos aqui uma importante característica metodológica de Marx: o seu pressuposto pode ser historicamente
verificado. Se encontrarmos alguma sociedade que não necessite do intercâmbio orgânico com a natureza para a
sua reprodução, todo o marxismo teria que ser revisto. O fato de ter por pressuposto algo que pode ser verificado
na realidade faz do pensamento de Marx uma teoria muito distinta de todas as outras correntes filosóficas que
quase sempre “deduzem” ou “inferem” os seus pressupostos de seus próprios fundamentos.
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machado, pode queimá-lo e assim por diante. Para escolher entre as alternativas, deve
imaginar o resultado de cada uma ou, em outras palavras, deve antecipar na consciência o
resultado provável de cada alternativa.
Esta antecipação na consciência do resultado provável de cada alternativa possibilita às
pessoas escolherem aquela que avaliam como a melhor. Escolha feita, o indivíduo leva-a à
prática, ou seja, objetiva a alternativa.
Vamos imaginar que a alternativa escolhida para quebrar o coco seja a de construir um
machado. Ao construí-lo, o indivíduo transformou a natureza, pois o machado era algo que
não existia antes. Isto é da maior importância, uma vez que toda objetivação é uma
transformação da realidade.
Este é o modo de agir cotidiano que todos conhecemos. Vejamos o que de fato ocorreu:
1) há uma necessidade: quebrar o coco;
2) há diversas alternativas para atender a esta necessidade (jogar o coco no chão,
construir o machado, etc.);
3) o indivíduo projeta, em sua consciência, o resultado de cada uma das alternativas, faz
uma avaliação delas e escolhe aquela que julga mais conveniente para atender à necessidade;
4) uma vez projetado na consciência, ou seja, uma vez previamente ideado o resultado
almejado, o indivíduo age objetivamente, transforma a natureza e constrói algo novo. Este
movimento de converter em objeto uma prévia-ideação é denominado por Marx de
objetivação.

O resultado do processo de objetivação é, sempre, alguma transformação da realidade.


Toda objetivação produz uma nova situação, pois tanto a realidade já não é mais a mesma (em
alguma coisa ela foi mudada), como também o indivíduo já não é mais o mesmo, uma vez ele
aprendeu algo com aquela ação. Quando for fazer o próximo machado, utilizará a experiência
e a habilidade adquiridas na construção do machado anterior. Ele poderá, ainda, incorporar ao
novo machado a experiência de uso do machado antigo (por exemplo, um cabo desta madeira
é pior do que daquela outra, esta pedra é melhor do que aquela outra, etc.).
Segundo Marx, isto significa que, ao construir o mundo objetivo, o indivíduo também
se constrói. Ao transformar a natureza, os homens também se transformam, pois adquirem
sempre novos conhecimentos e habilidades. Esta nova situação (objetiva e subjetiva, bem
entendido) faz com que surjam novas necessidades (um machado diferente, por exemplo) e
novas possibilidades para atendê-las (o indivíduo possui conhecimentos e habilidades que não
possuía anteriormente e, além disso, possui um machado para auxiliá-lo na construção do
próximo machado).
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Estas novas necessidades e novas possibilidades impulsionam o indivíduo a novas


prévias-ideações, a novos projetos e, em seguida, a novas objetivações. Estas, por sua vez,
darão origem a novas situações que farão surgir novas necessidades e possibilidades de
objetivação, e assim por diante.
Três aspectos deste complexo processo são decisivos para a compreensão do ser social:
1) O machado é um objeto construído pelo homem e apenas poderia existir através da
objetivação de uma prévia-ideação. Sem que um indivíduo objetive um projeto ideal (isto é,
da consciência) não há machado possível. A natureza pode produzir milho, mas não pode
construir machados.
Contudo, o machado é uma transformação de um pedaço da natureza. A madeira e a
pedra do machado continuam sendo pedaços da natureza. Se desmancharmos o machado, a
pedra e a madeira continuarão pedra e madeira. O machado é a pedra e a madeira organizadas
segundo uma determinada forma e um determinado fim -- e estes só podem existir como
resultado de uma ação conscientemente orientada, isto é, de uma ação que é orientada por um
projeto previamente idealizado como resposta a uma necessidade concreta. A objetivação,
portanto, não significa o desaparecimento da natureza, mas sua transformação no sentido
desejado pelos homens.
2) A prévia-ideação é sempre uma resposta, entre outras possíveis, a uma necessidade
concreta. Portanto, ela possui um fundamento material último que não pode ser ignorado
Nenhuma prévia-ideação brota do nada, ela é sempre uma resposta a uma dada necessidade
que surge em uma situação determinada.
3) Como toda objetivação origina uma nova situação, a história jamais se repete.

Iniciamos este capítulo tentando esclarecer por que, para Marx, o trabalho é o
fundamento do ser social. Até agora obtivemos uma resposta apenas parcial a esta pergunta:
através do trabalho, o homem, ao transformar a natureza, também se transforma. Quando os
homens constroem a realidade objetiva, também se constroem como indivíduos.
Contudo, este exemplo que estamos analisando (um indivíduo que precisa quebrar um
coco, e para isso faz um machado) tem uma séria limitação: ele trata do indivíduo e da sua
ação como se a sociedade não existisse. Como uma etapa preparatória para o estudo da
reprodução social, este passo é indispensável porque possibilita a identificação precisa dos
elementos essenciais do trabalho. Todavia, como não há indivíduos sem sociedade, restringir
a análise do mundo dos homens apenas aos indivíduos seria um enorme equívoco. Por isso,
para respondermos a pergunta mais satisfatoriamente, analisaremos no próximo capítulo a
relação entre os atos dos indivíduos e a sociedade.
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RESUMO DO CAPÍTULO:

I) Para existirem, os homens devem necessariamente transformar a natureza. Este ato de


transformação é o trabalho.
a) O trabalho é o processo de produção da base material da sociedade pela
transformação da natureza. É, sempre, a objetivação de uma prévia-ideação e a resposta a uma
necessidade concreta. Da prévia-ideação à sua objetivação: isto é o trabalho. Vale enfatizar
que, para Marx, nem toda atividade humana é trabalho, mas apenas a transformação da
natureza. Veremos mais adiante por que.

II) Ao transformar a natureza, o indivíduo também transforma a si próprio e à


sociedade:
a) todo ato de trabalho produz uma nova situação, na qual novas necessidades e novas

possibilidades irão surgir;

b) todo ato de trabalho modifica também o indivíduo, pois este adquire novos
conhecimentos e habilidades que não possuía antes, bem como novas ferramentas que
também antes não possuía;
c) todo ato de trabalho, portanto, dá origem a uma nova situação, tanto objetiva quanto
subjetiva. Esta nova situação possibilitará aos indivíduos novas prévias-ideações, novos
projetos e, deste modo, novos atos de trabalho, os quais, modificando a realidade, darão
origem a novas situações, e assim por diante.

Capítulo III - O trabalho e a sociedade

Iniciamos o capítulo anterior com o exemplo de um indivíduo que deseja quebrar um


coco e que, para isso, decide construir um machado. Isto nos permitiu estudar a relação entre
a prévia-ideação e a sua objetivação. Contudo, este exemplo é rigorosamente impossível de
ocorrer na história, pois não há indivíduos fora da sociedade. O personagem da nossa história
só poderia existir como parte de uma sociedade, mesmo a mais primitiva, e a sua necessidade
de quebrar o coco, bem como o seu ato de construir o machado, influenciam e recebem
influências da sociedade na qual vive. Para que nosso exemplo torne-se mais real, devemos
estudar a complexa relação que existe entre os atos individuais e a vida social.
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1- Objetivação e sociedade

Já vimos como a construção do machado, ao modificar a realidade, também modifica o


indivíduo, dotando-o de novos conhecimentos e habilidades. Contudo, na vida real, as coisas
são um pouco mais complicadas.
O machado, embora construído por um indivíduo, é também resultado da evolução
anterior da sociedade. Apenas uma sociedade que já se desenvolveu um pouco, saindo do seu
estágio mais primitivo, pode construir um machado. Sem esta evolução anterior, o machado
não existiria.
Por outro lado, a descoberta do machado é decisiva para a história humana: é uma
ferramenta que aumenta muito a capacidade produtiva e abre novas possibilidades de
desenvolvimento.
Observe-se bem: a construção do machado é possível graças à evolução anterior e, além
disso, possui conseqüências futuras. Ao ser objetivado, o machado passa a fazer parte da
história dos homens, passa a influenciar e a sofrer influências dessa história. Ou seja, o
machado é parte de um desenvolvimento muito mais geral, que vai para muito além dele
próprio, que é a história humana.
A nova situação, criada pela objetivação do machado possui, portanto, uma dimensão
social, coletiva. Não apenas o indivíduo se encontra em uma nova situação, mas toda a
sociedade se encontra frente a um novo objeto, o que abre novas possibilidades para o
desenvolvimento tanto da sociedade quanto do indivíduo. Não apenas o indivíduo, mas
também a sociedade, evoluíram.
O objeto construído pelo trabalho do indivíduo possui, portanto, sempre segundo Marx,
uma ineliminável dimensão social: ele tem por base a história passada; faz parte da vida da
sociedade; faz parte da história dos homens de um modo geral.
Mantenha-se esta dimensão social do trabalho em mente, pois ela será importante para a
conclusão deste capítulo.

2- Objetivação e conhecimento

Já nos referimos ao fato de que, ao construir o machado, o indivíduo também se


transforma, já que adquire novas habilidades e novos conhecimentos. O que agora nos
interessa é o que ocorre com este conhecimento novo.
Por um lado, este conhecimento é generalizado, de modo a ser útil tanto para a
construção de novos machados, como também em situações muito distintas. Por exemplo, na
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medida em que o indivíduo constrói machados, ele aprende a distinguir as pedras umas das
outras. Isto lhe permite diferenciar as pedras duras das menos resistentes, as pesadas das mais
leves, etc. O que lhe possibilita, também, conhecer outras características das pedras, por
exemplo, as pedras vermelhas têm esta qualidade e aquele defeito para se fazerem machados,
as pedras negras têm outras qualidades e defeitos e assim por diante. Do conhecimento
imediatamente útil para a produção do machado, se evolui para um conhecimento das
propriedades das pedras em geral e, deste modo, para um conhecimento da natureza. O
mesmo ocorre com todos os objetos com os quais os homens entram em contato: de um
conhecimento singular e imediato se evolui para um conhecimento cada vez mais abrangente,
genérico. Por esse meio, um conhecimento que se originou da construção do machado pode
converter-se em algo útil para a construção de casas, pontes, etc. Isto é, pode ser aplicado em
situações muito diferentes daquela em que se originou.
Este fato não deve ser subestimado. Ele pode abrir possibilidades novas e inesperadas
ao desenvolvimento social. O conhecimento das pedras, adquirido ao se fazerem machados
pode, por exemplo, ser decisivo para uma tribo descobrir que determinadas pedras, uma vez
colocadas no fogo, derretem e liberam metais como o cobre e o ferro.
Este é um dos níveis de generalização do conhecimento, que estamos estudando. Um
conhecimento de um caso singular (construção de um machado) se transforma em um
conhecimento genérico que pode ser útil em diversas circunstâncias.
Mas há, também, um outro processo de generalização que envolve o conhecimento. Os
conhecimentos adquiridos por um indivíduo tendem a se tornar patrimônio de toda a
sociedade. Em mais ou menos tempo, dependendo do caso, os novos conhecimentos se
generalizam a todos indivíduos. O que era de domínio de apenas uma pessoa torna-se
conhecimento de toda a humanidade.
Podemos, agora, retornar à afirmação que fizemos acima e torná-la ainda mais
complexa. Dizíamos que todo ato de trabalho possui uma dimensão social. Em primeiro lugar,
porque ele é também o resultado da história passada, é expressão do desenvolvimento anterior
de toda a sociedade. Em segundo lugar, porque o novo objeto promove alterações na situação
histórica concreta em que vive toda a sociedade; abre novas possibilidades e gera novas
necessidades que conduzirão ao desenvolvimento futuro. Em terceiro lugar, podemos agora
acrescentar, porque os novos conhecimentos adquiridos se generalizam em duas dimensões:
tornam-se conhecimentos aplicáveis às situações mais diversas e transformam-se em
patrimônio genérico de toda a humanidade na medida em que todos os indivíduos passam a
compartilhar dos mesmos.
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Estas características que comparecem de forma elementar no trabalho estão também


presentes em todo e qualquer ato humano – portanto, não são exclusivas do trabalho. E, por
isso, Marx afirma que toda e qualquer ação dos indivíduos tem uma dimensão social. Suas
conseqüências influenciam não apenas a vida do indivíduo, mas também de toda a sociedade.
Esta articulação entre os atos dos indivíduos e a vida social coletiva é da maior importância.
Possibilita a compreensão de quais os processos que articulam, e como o fazem, indivíduo e
sociedade em uma relação indissolúvel. As conseqüências disso serão vistas no Capítulo X.

Podemos, agora, responder à nossa pergunta do capítulo anterior acerca das razões de
ser o trabalho a categoria fundante do mundo dos homens. O trabalho é o fundamento do ser
social porque transforma a natureza na base material indispensável ao mundo dos homens. Ele
possibilita que, ao transformarem a natureza, os homens também se transformem. E esta
articulada transformação da natureza e dos indivíduos permite a constante construção de
novas situações históricas, de novas relações sociais, de novos conhecimentos e habilidades,
num processo de acumulação constante (e contraditório, como veremos). É este processo de
acumulação de novas situações e de novos conhecimentos – o que significa, novas
possibilidades de evolução – que faz com que o desenvolvimento do ser social seja
ontologicamente (isto é, no plano do ser) distinto da natureza.

RESUMO DO CAPÍTULO:

I) Todo ato humano tem por base a evolução passada da sociedade, a situação presente
concreta em que se encontra o indivíduo e suas aspirações e seus desejos para o futuro. Não
há ato humano fora da história, fora da sociedade.

II) A objetivação resulta, sempre, em três níveis de generalização:


1) O nível objetivo: o objeto produzido passa a ser influenciado e a influenciar toda a
sociedade. Sua história adquire, assim, uma dimensão genérica: é, agora, parte da história
humana.
2) O nível subjetivo, que se subdivide em dois sub-níveis:
a) o conhecimento de um caso singular (como fazer este machado) se eleva a um
conhecimento acerca da realidade em geral. Este conhecimento genérico da realidade pode ser
aplicado em circunstâncias muito distintas daquelas em que se originou.
b) o conhecimento de um indivíduo se difunde por toda a sociedade, tornando-se
patrimônio da humanidade.
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III) O trabalho é o fundamento do ser social porque, através da transformação da


natureza, produz a base material da sociedade. Todo processo histórico de construção do
indivíduo e da sociedade tem, nesta base material, o seu fundamento.

Capítulo IV - O que é, mesmo, um machado?

O machado é a madeira e a pedra organizadas em forma de machado. Na origem desta

forma está o trabalho.

O trabalho converte uma idéia, que apenas existe na consciência, em um objeto. Em


3
outras palavras, o machado é uma síntese entre o mundo natural (a pedra e a madeira), que

existe independente da consciência, e a idéia de machado. Esta síntese é fundada pelo

trabalho: ela depende da ação de, ao menos, um indivíduo. Sem esta síntese, o machado não

existiria. Em linguagem filosófica, dizemos que o machado é a unidade sintética da prévia-

ideação do machado com a madeira e a pedra.

Prévia-ideação e causalidade

Por que a idéia de machado é diferente do objeto machado? A idéia depende


absolutamente da consciência para existir; o machado, uma vez produzido, não.
Sem a consciência por suporte, a idéia não pode existir. Com o machado acontece algo
muito diferente. A consciência que o projetou, o indivíduo e mesmo a sociedade que o
criaram, podem desaparecer e ele continuar existindo. Quantos objetos de civilizações
passadas subsistiram aos seus criadores! Claro que quem construiu o machado pode também
destruí-lo. Mas este fato não significa que o machado não possua a sua história, ou seja, sua
evolução própria, que pode mesmo se estender no tempo muito depois de seus criadores já
terem morrido. Isto acontece porque o machado é distinto da idéia, da consciência.
Claro que o machado, uma vez objetivado, continua a sofrer transformações. A madeira
e a pedra, por serem pedaços da natureza, continuam naturalmente a se alterar. A madeira vai

3
. Síntese é um conceito filosófico que adquiriu enorme importância com Hegel (1770-1831) e, depois, com Karl
Marx. Ele significa que coisas distintas (no nosso caso, a idéia de machado e a madeira e a pedra) se articulam
dando origem a uma terceira, qualitativamente distinta das anteriores (o machado, no nosso exemplo).
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secando, apodrecendo, etc, a pedra vai se oxidando, rachando, reagindo com os componentes
do ambiente em que se encontra, e assim por diante. Os processos naturais continuam a agir
sobre o machado e esta ação é um componente importante de sua história.
Mas, ao lado destas transformações naturais, o machado também passa por
transformações provocadas pelos humanos. O seu uso pelas pessoas pode submeter a pedra e
a madeira a um tipo de desgaste que não sofreriam na natureza. Ou, também, o seu uso pode
protegê-lo de desgastes que sofreria em seu estado natural: ele pode ser preservado das
chuvas, do sol, etc.
Em suma, sendo o machado a unidade sintética entre a prévia-ideação e a natureza, sua
evolução é determinada tanto pelos processos naturais quanto pelo seu uso pelos homens.
A evolução do machado – ou, mais precisamente, a história do machado – não pode
jamais ser controlada de forma absoluta pelo seu criador. Por mais que o indivíduo cuide da
sua ferramenta, ela pode evoluir num sentido diferente – às vezes mesmo oposto – àquele
desejado. O machado pode quebrar no momento em que ele seria mais necessário; ou então,
pode levar a descobertas de novas possibilidades para a evolução social de que seu criador
jamais poderia suspeitar.
Quantas vezes nós nos deparamos, nas nossas vidas, com conseqüências de nossas
ações que jamais imaginamos possíveis? Estas conseqüências podem ser boas ou ruins, aqui
não importa. O que importa é que toda ação humana produz resultados que possuem uma
história própria, que evoluem em direções e sentidos que não podem jamais ser
completamente previstos ou controlados, produzindo conseqüências inesperadas.
Essa independência da realidade frente à consciência – mesmo daquela porção da
realidade produzida pelos homens – existe porque todos os nossos atos constroem objetos que
são distintos de nós e de nossas consciências. Estes objetos possuem uma evolução própria
porque neles atuam causas a eles inerentes e que impulsionam seu desenvolvimento. No caso
do machado, estas causas são causas naturais (o apodrecimento da madeira, o envelhecimento
da pedra) somadas a causas sociais (a forma como o machado é utilizado, etc.). Outras vezes,
como quando se trata das lutas de classe, as causas são exclusivamente sociais.
Em outras palavras, a idéia que é objetivada se transforma em objeto. O novo objeto se
converte em parte da causalidade e passa a sofrer influências e a influenciar a evolução da
realidade da qual é parte. Ao fazê-lo, é submetido a uma relação de causas e efeitos que
impulsionam a sua evolução com autonomia frente à consciência que o idealizou.
Há, assim, a esfera subjetiva, a consciência e, de outro lado, o mundo objetivo. Este
último evolui movido por causas que lhe são próprias. Esta esfera puramente causal é
denominada, por Lukács, causalidade. Ou seja, a causalidade possui um princípio próprio de
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movimento. Sua evolução acontece na absoluta ausência de consciência, ainda que a


consciência, através da objetivação, possa interferir em sua evolução. Quantas vezes, por
exemplo, a intervenção humana não destruiu uma parte da natureza? Mas isto não significa
que a existência da natureza dependa da consciência. A rigor, a natureza é mesmo anterior à
consciência.
O machado, ao ser transformado de idéia em matéria, foi inserido em uma cadeia de
causas e efeitos (a causalidade) que passa então a influenciar a sua história mesmo que disto
os homens não tenham consciência, ou tenham uma consciência apenas parcial. Em outras
palavras, idéia e causalidade, consciência e objetos produzidos pelo trabalho, são
ontologicamente distintos e, por isso, os produtos resultantes do trabalho humano têm
conseqüências inesperadas para a história. O mesmo podemos dizer de todas as ações
humanas que não são trabalho. Ao transformarem as relações sociais, elas alteram o mundo
dos homens, dando origem a novos processos sociais que possuem conseqüências futuras que,
em alguma medida, são casuais.

RESUMO DO CAPÍTULO:

I) Idéia e Matéria são qualitativamente distintas. Jamais uma será a outra. A idéia, ao se
objetivar em um produto, deixa de ser idéia e se converte em matéria. A matéria, ao ser
4
pensada pela consciência, é convertida em idéias .
II) A matéria se distingue da consciência por possuir em si própria suas causas, seus
princípios de movimento, de evolução. Por isso Lukács, para diferencia-la da prévia-ideação,
denomina-a causalidade.
III) Os objetos criados pelo trabalho se originam da objetivação de prévias-ideações.
Contudo, ao se objetivarem as prévias-ideações, o objeto produzido é inserido na cadeia de
causas que rege o setor da realidade ao qual pertence, e sua evolução passa a ser determinada

4
Isto é uma aproximação que pode ser aceitável em uma introdução, mas que
está longe de dar conta da questão. Pois a subjetividade humana é composta
muito mais do que por idéias; ela contém emoções, sensações, complexos
valorativos, pulsões afetivas, etc. que, ainda que tenham todos eles seu
fundamento na relação do homem com o mundo em que vive, não são de modo
algum redutíveis a idéias. Por outro lado, um objeto como uma mesa não é
apenas a matéria (madeira, pregos, etc.), mas também expressão da
subjetividade que a idealizou. Isto pode ser nitidamente percebido nas
obras de arte, nas quais a personalidade do artista é determinante --mas de
forma mas atenuada, este fato se faz presente em toda e qualquer
objetivação. Por isso, a contraposição aqui feita entre idéia e matéria não
vai além de uma enorme simplificação que, repetimos, pode servir como
introdução, mas que não se refere à totalidade do problema.
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também por estas causas. Do mesmo modo, sua ação sobre a evolução da realidade, seja ela
social ou natural, se dará de modo puramente causal.
IV) O fato de idéia e matéria serem ontologicamente distintas não impede as idéias de
exercerem força material na transformação do mundo dos homens. Ao se converterem em
"força material", as idéias jogam um papel objetivo na história. Veremos isso com mais
cuidado ao tratarmos da ideologia.

Capítulo V - Idealismo e Materialismo

Antes de continuarmos a exposição do pensamento de Marx, devemos voltar no tempo


para esclarecermos os conceitos de idealismo e de materialismo. No dia a dia, denominamos
idealista uma pessoa abnegada, que colocou sua vida a serviço de um ideal. Chamamos de
materialista uma pessoa que só quer saber de dinheiro, para quem a riqueza é tudo.
Na filosofia, estes termos possuem um significado muito diferente. O idealismo afirma a
prioridade da idéia sobre a matéria e o materialismo, ao inverso, a prioridade da matéria sobre
a idéia. Como estas duas tendências filosóficas predominaram desde a Grécia antiga até
meados de século XIX, elas assumiram formas e conteúdos muito distintos e, por isso, na
impossibilidade de um tratamento mais extenso, vamos abordar apenas duas de suas
formulações mais tardias, o materialismo francês do século XVIII e o idealismo de Kant.
A origem, tanto do materialismo quanto do idealismo, relaciona-se com o parco
desenvolvimento das forças produtivas até a entrada do século XIX. Antes da Revolução
Industrial (1776-1830) e da Revolução Francesa (1789-1815), o parco desenvolvimento das
forças produtivas fazia com que a humanidade dependesse bastante dos eventos da natureza
para a produção dos bens indispensáveis à reprodução social. Um ano de seca ou de bom
clima poderia ser a diferença entre anos de fome ou de menos carência. Um incêndio em uma
floresta, um terremoto que alterasse o curso de um rio, etc., poderiam obrigar sociedades
inteiras a alterar seu modo de vida. Claro que isso era mais grave na Antiguidade Clássica e
muito menos agudo no século XVIII. Ainda assim, considerada essa diferença fundamental,
nessas circunstâncias históricas a ação da natureza sobre o desenvolvimento social era muito
mais intensa do que em nossos dias. A diferença está em que, com a Revolução Industrial, o
desenvolvimento das forças produtivas chegou a um tal grau que as variações de clima ou
eventos naturais jogam um papel muito pequeno na produção total. Assim, os eventos naturais
exercem, sobre a nossa história, uma influência muitíssimo menor que há poucos séculos.
Essa maior proximidade entre a natureza e os homens, até a Revolução Industrial,
tornou historicamente impossível a compreensão do que os homens realmente são, do que os
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articula e os distingue da natureza. Tendia-se a compreender os humanos como decorrência


direta e imediata da natureza Este era o materialismo dos iluministas franceses. Outras vezes,
tendia-se a compreender todo o universo como resultante da atividade da consciência humana.
Este era o idealismo kantiano. Marx, após Hegel tirar as primeiras conseqüências filosóficas
da Revolução Francesa e da Revolução Industrial, vai ser o momento em que a humanidade,
pela primeira vez na história, consegue compreender sua especificidade: ter na natureza sua
base insuperável e, ao mesmo tempo, ser regida por leis que não mais são leis naturais, mas
sociais. Um exemplo para avivar a memória. A luta de classes não existe na natureza, mas,
sem o trabalho que transforma a natureza nos bens materiais indispensáveis à reprodução
social, portanto sem ter por base a natureza, as classes sociais sequer podem existir. Esta
dupla articulação e distinção com a natureza, descoberta por Marx, é o que escapava aos
idealistas e materialistas e os fazia tentar explicar o ser social da forma como o fizeram.

1- O materialismo

O materialismo surge na Antiguidade clássica. Contudo, sua elaboração mais


sistematizada se deu na Europa no século XVIII. Partia ele do pressuposto de que tudo é
matéria, inclusive as próprias idéias. Estas seriam segregadas pela matéria tal como o
pâncreas segrega a insulina. O materialismo não apreende o papel das idéias no
desenvolvimento histórico. Para ele, a história se reduz a um movimento mecânico e férreo de
leis que se impõem de forma inevitável aos seres humanos. As leis da sociedade seriam as
mesmas leis da natureza e, tal como a lei da gravitação universal, seriam imutáveis e
universais.
Como as leis da sociedade não são, jamais, decorrentes dos processos químicos, físicos
e biológicos da natureza, este materialismo não conseguiu explicar o complexo processo que
é a história dos homens. A imutabilidade das leis da natureza o levou a afirmar a
imutabilidade de uma imaginada "natureza humana" como fundamento de todos os processos
sociais, e deste modo não conseguiu perceber que a história é um processo. A historiografia
que produziu – muito importante no seu tempo, -- não ia muito além da mera crônica:
Sócrates viveu em Atenas, César cruzou o Rubicão, Galileu descobriu a lei da inércia, etc.
A principal debilidade do materialismo do século XVIII, portanto, está na
impossibilidade de explicar o desenvolvimento do mundo dos homens a partir do seu
pressuposto fundamental. Os processos sociais e as idéias dos homens derivariam
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mecanicamente da matéria natural. Por isso eles foram denominados materialistas


mecanicistas.

2 - O idealismo

O idealismo foi mais rico em formulações e suas variações são mais intensas e amplas
do que o materialismo. Desde Parmênides, passando por Platão, toda a Idade Média e os
racionalistas modernos, conheceu inúmeras variantes. Todas elas, contudo, parecem convergir
para, nas últimas décadas do século XVIII, dar origem ao idealismo subjetivo de Kant.
O pressuposto do idealismo é o reconhecimento do papel ativo, decisivo, das idéias e da
consciência humana na história. Esse reconhecimento, contudo, é equivocadamente exagerado
a tal ponto que todo o mundo em que os homens vivem (portanto, tanto a sociedade quando a
natureza) passam a ser decorrentes da ação da consciência. O idealismo não nega a existência
da matéria, apenas afirma que, na nossa relação com o mundo material, este assume a forma
pelo qual é reconhecido pela consciência.
Para Kant, todo conhecimento humano passa pelos sentidos. Sem as sensações,
portanto, nenhum conhecimento do mundo seria possível. As sensações, todavia, possuiriam,
segundo ele, duas limitações fundamentais. A primeira é que não são as coisas que produzem
as sensações, mas nossos órgãos dos sentidos. Assim, embora as sensações se refiram às
coisas, elas são, na verdade, produzidas no e pelo sujeito. Portanto, as sensações nos dizem
como percebemos as coisas, mas não como as coisas são. Um exemplo: Aristóteles, que não
conhecia a gravitação universal, postulava que o universo seria finito e esférico. O universo,
portanto, para ele, era de fato finito e esférico. Newton, já no século XVII, com a lei da
gravitação universal, afirma que o espaço teria necessariamente que ser infinito e, portanto,
que o universo seria infinito. Einstein, já no século XX, vai demonstrar novamente a finitude
do universo com a sua teoria acerca da curvatura do espaço. Esses exemplos, segundo Kant,
demonstrariam como nossa sensação do que é o universo revelaria como nós o "enxergamos",
mas não como ele de fato é. Esta, portanto, a primeira limitação das sensações: informam-nos
como percebemos as coisas, mas não nos dizem como as coisas são.
A segunda limitação das sensações, segundo Kant, estaria no fato de que elas sempre se
refeririam a um evento, ou a um número relativamente pequeno de eventos. Faça-se uma
experiência: fechem-se os olhos e percebam-se as sensações, isoladas umas das outras. Elas
não têm, isoladamente, o mesmo significado que quando articuladas em uma "imagem" do
mundo. Sentir uma cadeira sob o nosso corpo pode ter muitos significados. Na Idade Média,
apenas o rei poderia sentar, portanto, em algumas circunstâncias, o fato de alguém estar
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sentado poderia indicar que esse alguém era o rei. Se alguém estiver estudando para uma
prova, estar sentado tem outro significado. E assim sucessivamente. O que vai conferir
significado à sensação, portanto, não é a sensação como tal, mas a sua articulação, o seu lugar
e a sua função no mundo em que ocorre. Ela tem que ser articulada com a universalidade do
mundo para que possa ter qualquer sentido. E, como as sensações não nos revelam a
universalidade, esta universalidade teria que vir da razão. E, de fato, segundo Kant, seria isso
que aconteceria. A razão humana seria portadora dos conceitos universais de tempo e espaço.
Seria a atividade da consciência que inseriria as sensações do singular e do particular no
tempo e no espaço (repetimos, universais) e, ao fazê-lo, conferiria a cada sensação o seu
significado. Ser portador dos conceitos "a priori" de espaço e tempo, segundo Kant, seria a
"natureza" imutável, fixa para todo o sempre, da razão.
Portanto, para o idealismo kantiano, não podemos jamais saber o que as coisas de fato
são. O que podemos conhecer e explorar é a imagem do mundo que nossa consciência produz
a partir da organização das nossas sensações no tempo e no espaço. E esta imagem do mundo
pode variar tanto quanto a de Aristóteles, Newton ou Einstein. O espírito humano, em seu
processo interno de desenvolvimento, vai construindo imagens do mundo. Ao explorá-las,
este mesmo espírito vai descobrindo novas contradições e problemas que ele antes
desconhecia e, a partir destes problemas e contradições, vai produzindo uma visão de mundo
mais sofisticada e desenvolvida. Esta nova concepção, todavia, também terá problemas e
conduzirá, com o tempo, a uma terceira, a uma quarta, imagens de mundo, etc. Assim, a
história passa a ser vista como o resultado de uma luta de idéias e, de modo mais geral, como
o processo constante de auto-aperfeiçoamento do espírito humano.

Antes de passarmos a Marx, é importante que se perceba que tanto o idealismo quanto o
materialismo mecanicista, cada um a seu modo, acentuam um aspecto da questão. Os
idealistas reconhecem, corretamente, o papel decisivo das idéias. Os materialistas, não menos
corretamente, reconhecem o fundamento material do espírito humano. De modo simétrico, os
idealistas se equivocam ao não perceberem o peso determinante da vida social objetiva sobre
as concepções de mundo e, analogamente, os materialistas se equivocam por não
reconhecerem o papel ativo das idéias sobre o desenvolvimento humano.
Tais debilidades dos idealistas e dos materialistas, como vimos, decorriam do pouco
desenvolvimento das forças produtivas até o início do século XIX, o que impediu que a
humanidade percebesse com clareza como os homens são, ao mesmo tempo, distintos e
dependentes da natureza. Por isso, a solução da questão não estava em unir as duas correntes,
mas sim em superar historicamente este patamar de desenvolvimento da humanidade. Foi
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necessário que a sociedade passasse por transformações tão radicais como a Revolução
Francesa e a Revolução Industrial para que surgisse uma nova situação histórica que tornasse
possível a Marx superar os velhos materialismo e idealismo.

3 - O materialismo histórico-dialético

Estas debilidades do idealismo e do materialismo mecanicista foram superadas pelo


pensamento de Marx a partir do exame da sociedade capitalista após a Revolução Industrial
(1776-1830) e a Revolução Francesa (1789-1815). A Revolução Industrial, ao elevar as forças
produtivas a um novo patamar, evidenciou até que ponto a história dos homens é
independente da natureza, contrariando as teses materialistas dos iluministas. E a Revolução
Francesa deixou ainda mais claro como as idéias dos homens (os complexos ideológicos) e as
possibilidades objetivas se articulam para compor a história humana. Diferente do que
queriam os idealistas de então (e do que querem os idealistas dos nossos dias) a história é bem
mais do que o desenvolvimento do espírito humano. Foi com base nesta nova situação
histórica, com base neste novo patamar de desenvolvimento das forças produtivas, que Marx
pôde elaborar uma nova concepção histórica que superou tanto o idealismo como o
materialismo do seu tempo.
Para Marx, o mundo dos homens nem é pura idéia nem é só matéria, mas sim uma
síntese de idéia e matéria que apenas poderia existir a partir da transformação da realidade
(portanto, é material) conforme um projeto previamente ideado na consciência (portanto,
possui um momento ideal).
No plano político, o materialismo histórico-dialético permite superar os impasses do
idealismo (que reduz a luta de classes ao embate de idéias) e do materialismo mecanicista
(que desconsidera o papel das idéias na história). Para o materialismo histórico-dialético, a
luta de idéias é muito importante para orientar as ações concretas dos homens, acima de tudo
para se fazer a revolução. Sem idéias revolucionárias, não há ações revolucionárias; contudo,
sem ações revolucionárias, as idéias revolucionárias não têm qualquer força. E, para que as
idéias revolucionárias possam se converter em ações revolucionárias, é necessário que elas
reflitam adequadamente as necessidades e possibilidades de cada momento histórico.
Para Marx, a causalidade e a consciência são, repetimos, distintas e igualmente reais.
Uma não é, digamos, "mais real" do que a outra. Sem a materialidade natural não poderia
existir a consciência dos homens. Nesse preciso sentido, a matéria é anterior à consciência.
Por outro lado, o ser social apenas pode existir como síntese das idéias (da prévia-ideação)
com a materialidade natural. Esta síntese produz uma nova causalidade, uma nova esfera
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objetiva, realmente existente, tão existente quanto uma pedra ou o universo: a sociedade
humana. E, como a sociedade humana age sobre a pedra e sobre o universo, o
desenvolvimento da própria natureza passa a sofrer interferências materiais das ações
humanas orientadas por idéias. As idéias são resultado tardio do desenvolvimento do
universo, mas isso não as torna "menos reais" do que a materialidade natural.
Nesse preciso sentido, o materialismo histórico-dialético concebe o mundo dos homens
como a síntese de prévia-ideação e matéria natural. Nem apenas idéia, nem só matéria, mas
5
uma síntese entre as duas, tipicamente realizada no e pelo trabalho, que origina uma nova
forma de ser: o mundo dos homens.
Todavia, não é suficiente afirmar que o mundo dos homens é uma síntese de idéia e
matéria. Pois isto pode levar ao equívoco de cancelar a prioridade da matéria sobre a idéia,
em dois momentos fundamentais. O primeiro é o fato de que a matéria é anterior à idéia; que
a natureza existia antes de os homens surgirem; que a idéia é um desenvolvimento tardio da
matéria. O segundo é que, em se tratando da reprodução do mundo dos homens, as
determinações materiais (que são fundadas prioritariamente pelo desenvolvimento das forças
produtivas) constituem o momento predominante no desenvolvimento das idéias. É a
existência social dos homens que determina as suas consciências, e não o inverso. Trataremos
dessas questões à frente, no Capítulo X.

RESUMO DO CAPÍTULO:

I) Há três grandes tendências filosóficas que tentam dar conta da relação entre espírito e
matéria:
a) o idealismo: considera a história como o puro movimento das idéias, como idéias
em movimento. Na prática política, os idealistas tendem a superestimar a importância da luta
ideológica e a desprezar os atos práticos de transformação da realidade.
b) o materialismo mecanicista: reduz as idéias e a história ao mero movimento da
matéria, tentando explicar tudo pela evolução inevitável da realidade objetiva. Na prática
política, tende a desprezar a importância da luta ideológica nos processos históricos.
c) o materialismo histórico-dialético: descoberto por Marx ao estudar a sociedade
capitalista, caracteriza-se por conceber o mundo dos homens como a síntese da prévia-ideação
com a realidade material, típica e elementarmente através do trabalho. As dimensões ideal e
material dos atos humanos são integradas, possibilitando tanto reconhecer a importância das
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idéias para a história, como também a sua impotência quando não encontram as condições
históricas necessárias para que sejam traduzidas em prática (para que sejam objetivadas) por
atos humanos concretos.
d) o materialismo histórico-dialético, portanto, é a superação histórica tanto do
idealismo quanto do materialismo mecanicista. Ele possibilita compreender a base material
das idéias e, ao mesmo tempo, a força material das idéias na reprodução social.

Capítulo VI - O conhecimento

Foi esta superação, por Marx, do idealismo e do materialismo mecanicista que


possibilitou a elucidação de como se dá o processo de conhecimento.
O ponto de partida, para Marx, está no fato de que entre as idéias e o mundo objetivo,
externo à consciência, se desdobra uma intensa mediação que tem no trabalho a sua categoria
fundante. Tipicamente, é pelo trabalho que os projetos ideais são convertidos em produtos
objetivos, isto é, que passam a existir fora da consciência. E, do mesmo modo tipicamente, é
reconhecendo as novas necessidades e possibilidades objetivas abertas pelo desenvolvimento
material que a consciência pode formular projetos ideais que orientam os atos de trabalho.
Realidade objetiva e realidade subjetiva são, assim, dois momentos distintos, mas sempre
necessariamente articulados, do mundo dos homens.
Esta relação entre consciência e objetividade é muito complexa. Tão complexa como o
mundo dos homens. O que nos interessa, agora, é que, nesta relação, intervém uma
determinação fundamental: como o futuro é o desdobramento causal do presente, com todas
as mediações e acasos possíveis, ele não é jamais uma decorrência direta e imediata da
situação atual. Por isso – ou seja, como o futuro ainda não aconteceu – a consciência pode
antecipar apenas parcialmente as conseqüências futuras de nossas ações. Há, por isso,
tipicamente, sempre uma distância entre "intenção e gesto". As conseqüências dos atos
humanos tendem a divergir, em algum grau, da finalidade que está nas suas bases, gerando
novas necessidades e possibilidades e, deste modo, obrigando-nos a uma nova ação para atuar
sobre as conseqüências dos nossos atos. Essa situação é caracterizada, por Lukács, como
aquele “período de conseqüências” no qual o ato retroage sobre a consciência através dos
efeitos que provoca.
Por exemplo: um cientista está pesquisando uma nova droga contra a AIDS e descobre
um remédio que melhora um pouco a evolução da doença. Contudo, ao administrar o remédio

5
Tipicamente, portanto não apenas. Todo e qualquer ato humano, toda e qualquer objetivação, altera o mundo
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aos doentes por um período de tempo mais prolongado, descobre que este remédio termina
por matar as células do intestino. Ao pesquisar porque o remédio afeta o intestino, nosso
cientista descobre que este órgão possui uma substância nas suas células, que antes ninguém
percebera, que, ao reagir com o remédio, termina matando o intestino e, logo depois, o
próprio paciente.
Neste exemplo, o "período de conseqüências" é bem visível. Ao alterar a composição do
sangue, introduzindo o remédio, o objetivo imediato do cientista é alcançado: a AIDS evolui
mais lentamente. Contudo, no “período de conseqüências” um fato novo é descoberto: há uma
substância no intestino, até então despercebida, que é alterada pelo remédio, matando assim o
paciente. Logo, o remédio não deve ser usado.
Observe-se como o “período de conseqüências” é importante. Ele fornece novas
indicações e informações sobre a realidade e sobre o que foi produzido, possibilitando aos
homens adquirirem conhecimentos até então sequer imagináveis. Nosso cientista jamais
poderia imaginar que, ao pesquisar a AIDS, iria descobrir um novo composto no intestino
humano. O resultado alcançado foi completamente diferente do pretendido! E, ainda que a
cura da AIDS não tenha sido alcançada, o conhecimento obtido certamente é útil e será
aproveitado nesta e em outras circunstâncias.
Veremos, ao estudar as alienações que, muitas vezes, o “período de conseqüências”
pode resultar não no desenvolvimento do conhecimento e da capacidade dos homens
dominarem a natureza, mas sim no surgimento e desenvolvimento de relações sociais
desumanas, que tornam as pessoas – e a sociedade -- menos humanas do que poderiam ser.
Mas, agora, o que nos interessa é que o “período de conseqüências” abre a possibilidade de
conhecermos a realidade através dos efeitos que resultam dos nossos atos. Vejamos como isto
se dá.

1 – Conhecimento e "período de conseqüências"

Para que o trabalho tenha êxito, é necessário que o indivíduo e a sociedade possuam o
conhecimento mínimo indispensável para a transformação desejada da realidade. A prévia
ideação que propõe transformar a água em machado seria uma impossibilidade, porque as
propriedades da água não permitem isso. Para que o ato de trabalho alcance seu objetivo, é
necessário o conhecimento que possibilite escolher os meios da realidade que são adequados à
objetivação da prévia ideação. Conhecer estes meios é, pois, imprescindível para a realização

material, seja a materialidade natural, a social ou ambas.


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do trabalho. Por isso, quase sempre, o ato de trabalho bem sucedido se baseia em um
“conhecimento adequado” da realidade que foi transformada.
Contudo, este “conhecimento adequado” é correspondente ao objetivo que se tem em
mente. Por exemplo, para um homem pré-histórico fazer um machado, era imprescindível que
ele conhecesse a madeira e a pedra o suficiente para distinguir um do outro e do resto da
natureza. Era necessário que ele conhecesse as madeiras e as pedras o suficiente para que
pudesse escolher a melhor pedra e o melhor pedaço de madeira. Contudo, não era
indispensável que ele conhecesse que a madeira e a pedra são compostas por átomos. O
conhecimento dos átomos é indispensável para uma transformação muito mais intensa e
desenvolvida da natureza, como a que ocorre nos reatores atômicos, mas o homem pré-
histórico poderia perfeitamente construir o machado sem este conhecimento.
Portanto, todo ato de trabalho requer o conhecimento do setor da realidade a ser
transformado. Contudo, isto não significa que se deva conhecer tudo da realidade, mas apenas
os aspectos diretamente envolvidos no ato da transformação. O conhecimento que surge
relacionado a esta exigência traz a marca do seu momento histórico, pois, ao construir um
machado, investigamos a realidade a partir deste nosso objetivo. Isto faz com que todo
conhecimento da realidade evolua muito influenciado pelas necessidades e pelos objetivos
que se tem a cada momento histórico.
Em resumo, a consciência deve refletir a realidade para ser capaz de produzir um
conhecimento adequado. Por isso, ao investigar a realidade, é da máxima importância que a
consciência possa construir uma idéia que reflita o real do modo mais fiel possível. Contudo,
esta fidelidade do reflexo é condicionada pelas necessidades e pelos objetivos que orientam a
investigação. O reflexo jamais poderá ser um reflexo fotográfico, mecânico, da realidade. Ele
é sempre uma construção da consciência, uma atividade da consciência. Esta atividade da
consciência é a apropriação das propriedades da realidade segundo as necessidades e
objetivos do momento. E como essas necessidades e objetivos surgem ao longo da história,
todo reflexo do real é historicamente condicionado.
Por outro lado, quando o conhecimento é utilizado num ato de trabalho, ele também é
colocando à prova, podendo, assim, ser verificada a sua validade nesta nova situação. Vale
dizer, pode ser avaliada a sua maior ou menor fidelidade como reflexo da realidade. Ao
checar sua validade, é possível perceber até que ponto ele é verdadeiro, quais são seus limites,
etc., obtendo-se assim novos conhecimentos que irão, por sua vez, possibilitar novos atos de
trabalho e, por esta via, novos conhecimentos.
Por fim, já que tanto a realidade quanto a subjetividade estão sempre em evolução, é
impossível um conhecimento absoluto da realidade. O conhecimento é uma atividade da
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consciência que, através da construção de idéias, reflete as qualidades do real. Por outro lado,
o real é um processo histórico. Uma realidade e uma consciência, ambas em movimento, não
podem jamais resultar em um conhecimento absoluto, fixo, imutável. Por isso a reflexão da
realidade pela consciência é um constante processo de aproximação das idéias em relação à
realidade em permanente evolução.
Em suma: conhecemos a realidade externa à consciência porque, ao transformá-la
tipicamente pelo trabalho, podemos verificar a validade e a veracidade dos nossos
conhecimentos.

RESUMO DO CAPÍTULO:

I) Se a realidade objetiva é sempre distinta da consciência, como é possível conhecê-la?


Através do trabalho, pois:
1) todo ato de trabalho requer o “conhecimento adequado” do que se deseja
transformar;
2) por isso, a consciência deve refletir as propriedades da realidade para que seja
possível a sua transformação com êxito pelo trabalho;
3) como a causalidade é distinta da consciência, ao ser transformada pelo trabalho, ela
desencadeia um “período de conseqüências” que age de volta sobre a consciência que
elaborou a prévia ideação;
4) este período de conseqüências permite checar na prática o conhecimento que se
possui, testando a sua validade e a sua veracidade;
II) Esta reflexão da realidade pela consciência, contudo, é orientada pelos fins que se
tem em vista, de modo que todo conhecimento é o conhecimento da realidade da perspectiva
das necessidades e dos objetivos que se tem a cada momento;
III) Essa determinação de todo conhecimento pelas possibilidades e necessidades do
presente é o que torna todo conhecimento historicamente determinado – não há um
conhecimento absoluto;
IV) Além disso, como a realidade está em permanente evolução, e como os homens
produzem incessantemente novas necessidades e possibilidades, o conhecimento é sempre um
processo de aproximação da realidade por parte da consciência. Não há, jamais, um
conhecimento absoluto.

Capítulo VII – Um pouco de história


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Iniciamos nosso estudo afirmando que, para Marx, os homens são os artífices de sua
própria história. Afirmamos que, segundo ele, quando os homens transformam a realidade,
tipicamente através do trabalho, também se modificam e se constroem como seres humanos.
Vimos como, através do trabalho, ao objetivarem as suas prévias-ideações, os homens
produzem um ambiente cada vez mais favorável à sua sobrevivência, num processo bastante
complexo através do qual idéia e causalidade se sintetizam em objetos distintos da
consciência. Dois são os resultados concretos deste fato.
O primeiro: como os objetos criados são distintos da consciência, possuem
conseqüências que não podem ser por ela controladas. Há, por isso, um “período de
conseqüências” após cada ato, no qual este possui uma ação de retorno sobre o indivíduo e,
também sobre a sociedade. Ao se confrontarem com as conseqüências de suas ações, os
homens podem avaliar o conhecimento que já possuem, bem como adquirir outros novos.
O segundo: com base nos objetos já produzidos e nos novos conhecimentos, os homens
desenvolvem suas forças produtivas, isto é, sua capacidade de transformar a natureza segundo
as suas prévias-ideações. Portanto, para Marx, ao transformarem a natureza, os homens
transformam também a si próprios como seres humanos.
Esta explicação do porquê os homens são artífices do seu destino é certamente
verdadeira; contudo ganhará em riqueza se considerarmos, ainda que muito
introdutoriamente, o movimento histórico concreto.

1 - A sociedade primitiva

Marx e Engels, apoiando-se na antropologia, na arqueologia e na história, afirmaram


que os homens primitivos, ao surgirem na face da Terra, foram os herdeiros da organização
6
social dos primatas , seus antepassados biológicos.
A característica básica desta organização social era a coleta de alimentos (vegetais e
pequenos animais) pelas florestas e campos. Como a atividade de coleta depende da
disponibilidade de alimentos na natureza, ela é muito pouco produtiva. Por isso, a

6
A investigação sobre a origem da espécie humana é um dos aspectos da
história, da arqueologia e da antropologia que mais tem avançado. Contudo,
o conhecimento que possuímos é ainda fragmentado, e com certeza será muito
alterado nos próximos anos, com novas descobertas. Todos os indícios levam
a crer, contudo, que os homens surgiram na África a partir da evolução de
um primata muito primitivo denominado Rhamapithecus, que deu origem ao
Australopithecus que, por sua vez, deu origem aos primeiros homens, o Homo
Erectus e o Homo Habilis e, finalmente, ao Homo sapiens. Há um texto
interessante sobre o tema: Leakey, R. A Origem da Espécie Humana. Ed.
Record. São Paulo, 1999.
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organização social não poderia evoluir para além de pequenos bandos que migravam de um
lugar a outro em busca de comida.
Pequenos bandos migratórios: esta é a primeira forma humana de organização social.
Como a produtividade era muito pequena, e todos normalmente passavam fome, não havia
qualquer possibilidade econômica de exploração do homem pelo homem. Era uma sociedade
tão primitiva que sequer possibilitava a existência das classes sociais.
Contudo, o trabalho e seus efeitos já se faziam presentes mesmo neste ambiente
primitivo. Ao coletarem os alimentos, os homens iam conhecendo a realidade, e este
conhecimento era generalizado por todos os membros do grupo. Com o tempo, estes bandos
foram capazes de produzir ferramentas cada vez mais desenvolvidas e foram conhecendo cada
vez melhor o ambiente em que viviam. Com o desenvolvimento das forças produtivas, os
bandos puderam aumentar de tamanho e se complexificaram. Indivíduos e sociedade já
naquele momento estavam em permanente evolução. É importante acentuar: o que
caracterizava o trabalho (tomado socialmente) nesta comunidade primitiva, era o fato de que
todos trabalhavam e também usufruíam do produto do trabalho.
Esta evolução levou à primeira grande revolução na capacidade humana de transformar
a natureza: a descoberta da semente e da criação de animais.
Com o aparecimento da agricultura e da pecuária, os homens puderam, pela primeira
vez, produzir mais do que necessitavam para sobreviver, ou seja, surgiu um excedente de
produção.
A existência deste excedente tornou economicamente possível a exploração do homem
pelo homem. Temos aqui a gênese de algo radicalmente novo na história humana. Nas
sociedades primitivas, os indivíduos, por mais que divergissem, tinham no fundo o mesmo
interesse: garantir a sobrevivência de si e do bando ao qual pertenciam. Com o surgimento da
exploração do homem pelo homem, pela primeira vez as contradições sociais se tornam
antagônicas, isto é, impossíveis de serem conciliadas. A classe dominante tem que explorar o
trabalhador, este não deseja ser explorado.

2 - O modo de produção asiático

As primeiras sociedades baseadas na exploração do homem pelo homem foram as


escravistas e as asiáticas. Aqui trataremos das sociedades asiáticas, deixando para o próximo
capítulo o estudo do escravismo. Ainda que em uma forma diferente do escravismo, o modo
de produção asiático também era uma forma primitiva de exploração do homem pelo homem.
A classe dominante (a casta dominante na Índia, os mandarins na China, etc.) se apropriava
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da riqueza produzida nas aldeias através de impostos, sempre recolhidos sob a ameaça do
emprego da força militar.
Para possibilitar esta exploração dos trabalhadores pela classe dominante, foi necessária
a criação de novos complexos sociais. Entre estes, os mais importantes foram o Estado e o
Direito. O Estado é a organização da classe dominante em poder político. Tal poder apenas
pode existir apoiando-se em um conjunto de instrumentos repressivos (exército, polícia,
sistema penitenciário, funcionalismo público, leis, etc.). Independente da forma que esse
Estado assuma e das formas de exercer o poder, segundo Marx e Lukács, o Estado é,
essencialmente, um instrumento de dominação de classe.
Vale notar que, na comunidade primitiva, também existia a autoridade, mas não existia
o Estado. Nela, a autoridade, baseada na idade, na sabedoria, na experiência de vida, nos
dotes físicos, etc. não estava a serviço da exploração do homem pelo homem, ao contrário das
sociedades de classe nas quais a autoridade tem por função social o domínio de uma parte da
sociedade sobre outra.
Quando ao Direito, vale uma observação semelhante. Nas sociedades primitivas não
existiam leis: como os interesses eram bastante parecidos, a tradição e os costumes eram
suficientes para organizar a vida social. Os eventuais desacordos e conflitos eram resolvidos a
partir de procedimentos e rituais que compunham a cultura tradicional da sociedade. Com a
7
divisão da sociedade em classes, os interesses, agora antagônicos , não podiam ser resolvidos
a não ser pela força. A reprodução da sociedade, contudo, ficaria inviabilizada se esta
afirmação de força degenerasse cotidianamente em uma luta aberta entre as classes, em uma
guerra civil. Evitar que isso aconteça é a função social do Direito. Cabe ao Direito
regulamentar a vida social por meio de leis que jamais ultrapassem a dominação de classe.
Como a principal divergência, agora, é entre os que detêm a propriedade dos meios de
produção e os que têm apenas a força de trabalho, o objetivo fundamental do Direito será o de
regulamentar a vida social de modo a que ela possa se reproduzir sobre a base da propriedade
privada.
Em suma, com a exploração dos homens pelos homens, surgiram as primeiras formas de
sociedades de classe. Existem agora têm interesses antagônicos, inconciliáveis: de um lado os
exploradores, de outro os explorados. Para manter a sua dominação, os exploradores criaram
o Estado, que é o conjunto formado pelos funcionários públicos (a burocracia), a polícia, o
exército e o Direito.
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As sociedades asiáticas, ou o modo de produção asiático, se desenvolveram a partir da


descoberta da agricultura e da pecuária na região geográfica compreendida entre o Oriente
Médio e a China e, também, nas civilizações Maia e Asteca nas Américas. Este modo de
produção é característico de regiões com densidade populacional elevada e onde o solo
disponível para agricultura é restrito. A produção adequada se revelou ser o cultivo de cereais
em terrenos alagados, o que exigia enormes trabalhos para a construção de diques, represas e
canais de irrigação. Quando uma aldeia atingia um determinado patamar de desenvolvimento,
e a população atingia o limite da produção, era criada uma nova aldeia, semelhante à
primeira, em outra localidade. Assim, de divisão em divisão, a aldeia era reproduzida da
mesma forma, e o excedente produtivo era absorvido na construção da nova aldeia e nos
indispensáveis trabalhos de irrigação. Neste contexto, o crescimento da produção e da
população, nas aldeias, resultou não na produção de mercadorias para a troca, mas na divisão
da aldeia em outras aldeias iguais.
Temos aqui, aparentemente, uma situação que, ao invés de produzir sempre algo novo,
reproduz sempre o velho. Uma aldeia gera uma outra igual, num processo que aparentemente
se assemelha à reprodução biológica, onde o milho reproduz milho e assim sucessivamente.
Mas só aparentemente. Pois o simples fato de um mesmo modelo de aldeia se
multiplicar significa, objetivamente, um aumento da capacidade de transformar a natureza e,
ao mesmo tempo, um real aumento de população (o que, também, significa um
desenvolvimento da capacidade de transformar o ambiente). Por isso, também nas sociedades
asiáticas, a reprodução social cria sempre novas situações; contudo, é verdade, com uma
velocidade muito menor do que no escravismo, no feudalismo e no capitalismo.
Este desenvolvimento mais lento fez com que as sociedades asiáticas chegassem ao
século XX praticamente como eram há milhares de anos atrás. Embora muito mais antigas
que as sociedades escravistas, feudais e capitalistas, sua incapacidade de desenvolver
rapidamente as forças produtivas colocou-as em enorme desvantagem frente ao capitalismo e,
por isso, foram sendo destruídas na medida em que a burguesia dominava o planeta.
Em suma, o desaparecimento da sociedade primitiva deu origem a dois novos modos de
reprodução social: o modo de produção asiático, que acabamos de estudar, e o modo de
produção escravista, que estudaremos no próximo capítulo.

RESUMO DO CAPÍTULO:

7
Isto é, opostos, impossíveis de serem conciliados, que não admitem uma
solução comum, que não conhecem um meio-termo.
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I) As sociedades primitivas herdaram a forma de organização social dos primatas


anteriores. Sua principal atividade produtiva era a coleta do que a natureza oferecia. Viviam
em pequenos bandos nômades e desconheciam as classes sociais.
II) Mesmo nestas sociedades primitivas, o trabalho já se fazia presente, possibilitando
que os homens conhecessem cada vez mais a realidade em que viviam. Assim, iam
aumentando sua capacidade de transformá-la (iam desenvolvendo as forças produtivas) até
que terminaram por descobrir a agricultura e a pecuária.
III) Este desenvolvimento levou ao surgimento de um excedente de produção que deu
origem à exploração do homem pelo homem, findando assim as sociedades primitivas. Com a
exploração do homem pelo homem, surgiram as classes sociais.
IV) As primeiras sociedades que conheceram a exploração do homem pelo homem
foram as “asiáticas” e as escravistas.
V) Para se apropriarem das riquezas produzidas pelos trabalhadores, as classes
dominantes criaram instrumentos especiais de repressão: o Estado e o Direito estão entre os
mais importantes.
VI) As sociedades asiáticas, ou o modo de produção asiático, se caracterizavam pelo
pequeno e lento desenvolvimento das forças produtivas, com a reprodução incessante de
aldeias semelhantes. Por isso, o desenvolvimento das forças produtivas se deu de forma muito
mais lenta do que nas sociedades escravistas, feudais e capitalistas.

Capítulo VIII - O escravismo

As sociedades escravistas (as principais foram a grega e a romana) se caracterizavam


pela existência de duas classes sociais antagônicas: os senhores de escravos e os escravos. Já
que toda a produção dos escravos pertencia ao seu senhor, aos escravos não interessava o
8
aumento da produtividade . Pelo contrário, eles afirmavam a sua humanidade rebelando-se
contra as tarefas que lhes eram impostas. Por isso, durante o escravismo praticamente não
ocorreu o desenvolvimento da técnica e dos métodos de organização de produção. Para os
senhores, a única forma de aumentar a riqueza era aumentar a quantidade de escravos que
possuíam. Para isso conquistaram enormes impérios de onde retiravam os escravos de que
necessitavam.

8
Produção é o total produzido. Produtividade é a relação do produzido com o
tempo de trabalho, ou com o número de trabalhadores, ou em relação à área
plantada, ou quantidade de máquinas empregadas, etc. Uma produção maior,
com mais trabalhadores ou mais horas trabalhadas, pode ter uma
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O aumento do número de escravos terminou por trazer novos problemas à sociedade.


Em Roma, havia mais de 700 escravos para cada senhor e, se todos os escravos se
revoltassem, não haveria suficientes senhores para enfrentá-los. Para se protegerem desta
ameaça, os senhores contrataram soldados para defendê-los e, também, para conquistar mais
terras e trazer mais escravos. Contudo, estes exércitos eram muito caros, e apenas um senhor
não possuía riqueza suficiente para mantê-los. Era necessário que todos os senhores
compartilhassem das despesas militares. Para isto contrataram pessoas que deveriam recolher
todo ano a contribuição de cada um, garantindo que ninguém passaria a perna nos outros; e
também, que deveriam administrar este dinheiro de modo a manter os exércitos. Esta
contribuição anual é o "imposto", e estas pessoas contratadas, os funcionários públicos. E,
para regular a relações entre os senhores e ordenar a sociedade permeada pela contradição
antagônica entre os senhores e os escravos, surgiu o Direito. O conjunto dos funcionários
públicos, somado aos instrumentos de repressão dos escravos (exército, polícia, prisões, etc.)
e ao Direito, é o Estado.
Foi assim que, tal como no modo de produção asiático, as sociedades escravistas
também desenvolveram o Estado e o Direito. E exatamente com a mesma função social das
sociedades asiáticas: manter os trabalhadores em submissão, reprimir suas revoltas.
Propriedade privada, Estado e Direito são, portanto, relações sociais que surgiram e, veremos,
se desenvolveram conjuntamente. Nenhum deles existe sem os outros dois, por mais que
sejam diferentes as inter-relações que estabeleçam entre si em cada modo de produção.

1 - A crise do escravismo e a origem do feudalismo

Para que os senhores de escravos enriquecessem, já vimos, era necessário que tivessem
cada vez mais escravos e foi com esse objetivo que criaram o Estado.
Contudo, a eficiência do Estado foi diminuindo conforme aumentavam o número de
escravos e o tamanho do império. E, a partir de um dado momento histórico, o exército e o
Estado haviam crescido tanto (e, com eles, a corrupção) que a riqueza que eles propiciavam
aos senhores já não era suficiente para mantê-los. Os seus custos se tornaram maiores do que
os lucro dos senhores. Em outras palavras, os impostos se tornaram tão caros que os senhores
já não tinham como pagá-los. Soldados e funcionários públicos começaram a receber cada vez
menos.

produtividade menor que outra produção menor que é realizada com muito
menos trabalhadores ou horas trabalhadas.
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Isto levou à revolta do exército e dos funcionários públicos e ao aumento da corrupção


A conseqüência foi o aumento tanto das invasões do império pelos povos que viviam nas suas
fronteiras, como também das revoltas dos escravos. A desorganização do comércio, resultante
das invasões das fronteiras e das revoltas no interior do império, diminuiu ainda mais o lucro
dos senhores, de modo que eles tinham ainda menos dinheiro para pagar os soldados e os
funcionários públicos. Com menos recursos, a crise política e militar aumentou e a economia
9
se desestruturou ainda mais. Este círculo vicioso levou ao final do escravismo.
Este processo de decadência era impulsionado pelas contradições geradas pelo próprio
crescimento do escravismo e não pela presença de uma classe revolucionária que possuísse
um projeto alternativo global para a sociedade. Claro que os escravos se revoltavam; contudo,
pelas suas próprias condições de vida e trabalho, não conseguiram desenvolver um
conhecimento adequado da sociedade e da história humana que lhes permitisse elaborar uma
proposta de alteração revolucionária da sociedade.
O escravismo, pelo seu próprio desenvolvimento, gerou contradições que o conduziram,
no dizer de Lukács, a um “beco sem saída”. Não tinha como continuar a existir e, contudo,
não havia nenhum projeto de uma nova sociedade capaz de superar aquele impasse histórico.
Os homens não podiam intervir conscientemente no processo de transição; pelo contrário,
foram por este empurrados sem perceber adequadamente o que ocorria.
Sem a presença de uma classe revolucionária, a transição do escravismo ao feudalismo
ocorreu de forma lenta e caótica, demorando mais de três séculos para se completar. E, apenas
após este longo período de tempo, consolidaram-se as características decisivas do feudalismo.
Sobre o feudalismo, falaremos um pouco no próximo capítulo.

RESUMO DO CAPÍTULO:

I) Com a descoberta da agricultura e da pecuária, surgiu o excedente econômico e com


isso tornou-se lucrativa a exploração do homem pelo homem. É assim que os homens se
dividiram, então, em duas classes sociais antagônicas (isto é, cujos interesses são opostos), os
que trabalhavam e os que se apropriavam do fruto do trabalho.
II) No escravismo, para enriquecerem cada vez mais, os senhores tinham que aumentar
o número de escravos que possuíam. Com isso a quantidade de escravos aumentou tanto que
eles tiveram que criar mecanismos de repressão especiais para se protegerem das revoltas dos

9
Sobre esta crise, cf. Anderson, P. Passagens da Antiguidade ao Feudalismo.
Ed. Afrontamento, Porto, 1982.
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escravos: o exército, a burocracia (os funcionários públicos) e o Direito. Este conjunto é


conhecido por Estado.
III) O crescimento do número de escravos fez com que as despesas para manter o
exército e o Estado aumentassem tanto que, a partir de certo ponto, o lucro dos senhores não
era mais suficiente para pagá-los. Sem recursos, os soldados e os funcionários públicos aos
poucos deixaram de defender os senhores, e com isso o escravismo entrou na crise que levou
ao seu desaparecimento.
IV) Sem a presença de uma classe revolucionária, a transição ao feudalismo demorou

mais de três séculos.

IX - O feudalismo e a origem da sociedade capitalista

1- O feudalismo

Com a crise do escravismo, abriu-se um longo processo, que durou séculos, de transição
para o novo modo de produção, o feudalismo. O que caracterizou este processo de transição
foi, em primeiro lugar, o fato de nele não atuar uma classe revolucionária. Os escravos não
eram uma classe revolucionária porque não tinham condições históricas de levar à prática um
projeto alternativo de sociedade. Naquela situação histórica, o desenvolvimento das forças
produtivas ainda não atingira o patamar que possibilitasse aos homens o conhecimento
indispensável ao surgimento de uma classe revolucionária para liderar a transição da velha
sociedade para uma nova.
Com isso, a transição foi caótica, fragmentada, lenta e o novo modo de produção, o
feudalismo, se estruturou de modo muito diferenciado de lugar para lugar.
Com o desaparecimento da estrutura produtiva e comercial do Império Romano, o
comércio e o dinheiro praticamente desapareceram. A auto-suficiência passou a ser uma
necessidade. A interrupção dos contatos entre as localidades mais distantes acarretou uma
regressão na produção, na cultura e na sociedade. Por isso, a principal característica do
feudalismo foi a organização da produção em unidades auto-suficientes, essencialmente
agrárias e que serviam também de fortificações militares para a defesa: os feudos. O trabalho
no campo era realizado pelos servos. Estes, diferente dos escravos, eram proprietários das
suas ferramentas e de uma parte da produção. A maior parte da produção ficava com o Senhor
Feudal, proprietário da terra, e também líder militar, a quem cabia a responsabilidade da
defesa do feudo. O senhor feudal não poderia vender a terra ou expulsar o servo; este, em
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contrapartida, não poderia abandonar o feudo. O servo estava ligado à terra e, o senhor feudal,
ao feudo.
A queda do Império Romano provocou, portanto, uma regressão das forças produtivas,
no sentido mais amplo do termo. Contudo, esta regressão foi, ao mesmo tempo, um avanço.
Pois, ao destruir o escravismo, aboliu ao mesmo tempo todos os entraves ao desenvolvimento
histórico típicos daquele modo de produção. Acima de tudo, aboliu a incapacidade de
elevação da produtividade de trabalho que é inerente à condição do escravo. Esta regressão
imediata tornou possível o surgimento de uma nova forma de organização social na qual o
desenvolvimento das forças produtivas poderia ocorrer livre dos velhos entraves. De
imediato, foi sem dúvida alguma uma regressão; mas a médio e longo prazos foi a condição
indispensável para que a humanidade continuasse a desenvolver as forças produtivas, isto é,
as capacidades humanas para transformar a natureza.
Nesse contexto, a grande novidade histórica do feudalismo está no fato de que –
diferente de tudo o que ocorrera nas relações entre o escravo e o seu senhor, -- os servos
ficavam com uma parte da produção e, assim sendo, interessava aos servos aumentá-la. Como
resultado desse interesse, começaram a desenvolver novas ferramentas, novas técnicas
produtivas, novas formas de organização do trabalho coletivo, aprimoraram as sementes,
melhoraram as técnicas de preservação do solo. Em poucos séculos a produção voltou a
crescer e, graças à melhor alimentação, a população aumentou. Logo em seguida, o aumento
da produção e da população provocou uma crise no sistema feudal: o feudo possuía mais
servos do que necessitava e produzia mais do que conseguia consumir.
Frente à crise, os senhores feudais romperam o acordo que tinham com os servos e
expulsaram do feudo os que estavam sobrando. Estes, sem terem do que viver, começaram a
roubar e a trocar o produto do roubo com outros servos. Como todo mundo estava produzindo
mais do que necessitava, todos tinham o que trocar e voltou a florescer o comércio. Em pouco
mais de dois séculos, as rotas comerciais e as cidades renasceram e se desenvolveram em
quase toda a Europa.
Com o comércio e as cidades, surgiram duas novas classes sociais: os artesãos e os
comerciantes, também chamados de burgueses.

2 - Algumas características da sociedade burguesa

Entre os séculos XI e XVIII a burguesia não parou de se expandir. Do comércio local


passou ao comércio por toda Europa. Em seguida, descobriu a África, o caminho marítimo
para as Índias, as Américas e articulou um mercado mundial. Alguns séculos depois, com
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base no mercado mundial e no constante desenvolvimento das forças produtivas que ele
possibilitou, realizou a Revolução Industrial (1776-1830). Após a Revolução Industrial, a
sociedade burguesa atingiu sua maturidade e amadureceram as suas classes fundamentais: a
burguesia e o proletariado.
O modo de produção capitalista tem em sua essência uma nova forma de exploração do
homem pelo homem: do trabalhador, a burguesia compra apenas a sua força de trabalho.
Como a utilidade da força de trabalho é apenas uma, produzir; e como ela possui uma
propriedade única entre as mercadorias, que é a de, empregada adequadamente, produzir um
valor maior do que ela própria vale, o burguês que comprou a força de trabalhado tem, ao
final do mês, um valor maior do que aquele que paga ao trabalhador sob a forma de salário.
Este valor maior é a mais-valia.
Contudo, para que a força de trabalho possa ser convertida em mercadoria, ou seja,
possa ser comprada e vendida no mercado, é necessário que o trabalhador seja separado dos
meios de produção e do produto produzido. Este é um longo processo histórico que teve
início mesmo nos modos de produção anteriores ao capitalismo, mas que se intensificou e
recebeu sua forma final entre os séculos XV e XVIII. Com as grandes navegações (sec. XV e
XVI), surgiu um mercado mundial que possibilitou à burguesia européia acumular capital na
escala necessária para ir transformando o artesão medieval, que trabalhava em sua oficina,
com suas ferramentas, sua matéria-prima e com a posse do produto final, em um trabalhador
assalariado justamente porque perdeu a posse de todo o resto menos de sua força de trabalho.
A Revolução Industrial (1776-1830) transforma, finalmente, esse trabalhador em operário.
Esta separação do trabalhador dos meios de produção é o fundamental do que Marx e Engels
chamaram do período de acumulação primitiva do capital.
Essa acumulação primitiva teve, ainda, uma outra característica importante, diretamente
associada à separação do trabalhador dos meios de produção. A criação do mercado mundial e
a criação de um mercado de força de trabalho exigiram e possibilitaram um aumento de
produção que, por sua vez, intensificou a divisão social do trabalho. O que se produz não é
mais para consumo próprio, mas para vender no mercado. Deste modo, todos precisam, agora,
se dirigir ao mercado (com dinheiro, claro) para adquirir os bens necessários à vida. A
sociedade se converte, assim, em um enorme mercado e tudo passa a ser mercadoria. Com o
amadurecimento do modo de produção capitalista, esta forma de relação social se converte no
padrão de relacionamento de todos os homens entre si. As sociedades que não conseguiram se
integrar ao mercado são destruídas pelo capitalismo (as sociedades indígenas na América,
África e Ásia, o modo de produção asiático tal como sobreviveu na Índia, na China, Japão,
Coréia, etc.) e, as outras que o conseguiram, adaptaram as suas formações sociais para
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produzirem, venderem e comprarem mercadorias (formações semi-asiáticas da Europa


Oriental, alguns países asiáticos, etc.). Ou seja, o capital, que se expressa nesta nova forma de
relação entre os homens que é a mercadoria, se desenvolve na história como uma potência
incontrolável. Tudo o que não consegue se adaptar a ele, é por ele destruído. O mundo, assim,
vai se convertendo em um mundo crescentemente sob a regência do capital e este se revela
como a potência universalizadora máxima jamais criada pela humanidade. Tudo que ele toca,
ou destrói ou converte em mercadoria. Mészáros, em Para Além do Capital (Ed. Boitempo,
2001), afirma que, para Marx e Engels, o capital escapa ao controle de qualquer indivíduo ou
instituição social como a política, a ideologia, a cultura, etc. Nesse sentido, é uma relação
social que pode ser criada ou destruída, mas jamais controlada. É, nas palavras dele, um
autêntico “sujeito sem sujeito”.
É assim que o capital impõe a sua dinâmica própria a toda a reprodução social. Em um
pólo, como estruturador de um mercado mundial e, em outro pólo, como estruturador da vida
cotidiana de cada um de nós. E esta dinâmica é aquela “lei férrea” de que falava Marx: o
capital apenas pode existir sob a forma de sua reprodução ampliada. O capital de hoje tem
apenas uma utilidade: comprar mais força de trabalho (diretamente ou indiretamente, quando
compra meios de produção) para aumentar a mais-valia e assim, acumular mais capital num
movimento que se repete incessantemente. Desde modo, o modo de produção capitalista lança
a humanidade em um período de desenvolvimento das forças produtivas inédito em toda a
história. Contudo, como a sociedade capitalista é fundamentalmente uma sociedade alienada,
como veremos logo abaixo, o desenvolvimento das forças produtivas sob o capital significa a
intensificação da capacidade de os homens produzirem, também, desumanidades em escala
ampliada. Crescentes riqueza e miséria, desenvolvimento cada vez maior das capacidades
humanas e ao mesmo tempo de desumanidades, são os dois pólos indissociáveis do
desenvolvimento do modo de produção capitalista.

Essa é a razão fundamental para que a sociedade burguesa marque o surgimento de uma
nova forma de relação entre os homens. No capitalismo, as relações sociais são, antes de mais
nada, instrumentos para o enriquecimento pessoal. Se para um burguês enriquecer, ou se
tornar ainda mais rico, for necessário jogar milhões na miséria – ou mesmo matar milhões –
ele assim o fará, e a sociedade burguesa aceitará este fato como "natural". Insano o burguês
que deixar de ganhar dinheiro para defender os interesses coletivos. Para o indivíduo típico da
sociedade burguesa, a coletividade nada mais é do que o instrumento para o seu
enriquecimento pessoal. Esta é a essência do individualismo burguês, tão característico da
vida social dos nossos dias.
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Uma outra característica importante da sociedade burguesa é que a exploração dos


trabalhadores é feita segundo as leis do mercado. Estas “leis do mercado” são, não devemos
nos enganar, leis capitalistas. Surgiram, desenvolveram-se e apenas podem continuar a existir
enquanto expressões, a cada momento da história, das necessidades da acumulação do capital.
Elas reduzem tudo, inclusive a força de trabalho dos homens, a mercadoria.
Consideremos esta afirmação com mais vagar: reduzem a força de trabalho a
mercadoria. A força de trabalho de cada indivíduo é parte do que ele tem de mais essencial
como ser humano. A força de trabalho de cada um de nós, ou seja, nossa capacidade de
produzir os bens de que necessitamos, é herdeira de todo o desenvolvimento da humanidade.
Nossos instrumentos, nossos conhecimentos, nossas ferramentas, nossa riqueza acumulada
sob a forma de fábricas, laboratórios, usinas de energia, malha de transporte e comunicação,
etc., etc., etc., que são fundamentais para que possamos produzir do modo como o fazemos,
são, em larguíssima medida, resultantes do que a humanidade fez no passado. Se hoje
podemos ser professores, operários, banqueiros, políticos, mestres-cucas e tantas coisas mais,
se podemos produzir o que produzimos e consumimos, é também resultante de todo o passado
da humanidade. Mas não apenas isso. Nossa capacidade individual de produção, ou seja, se
alguns são professores, outros operários, outros banqueiros, etc., é também a expressão
material de como nos conectamos, enquanto indivíduos, com a própria história da
humanidade. Um operário só pode ser operário porque parte de uma história que tornou os
operários necessários. Ao trabalhar como operário, está exercendo uma atividade cotidiana
que o articula materialmente com toda a história dos homens; o mesmo com o banqueiro, o
professor, o mestre-cuca, etc. E, ainda mais: é ao exercemos cada uma dessas atividades que
nos conectamos com a reprodução material da sociedade na qual vivemos e, portanto, nos
objetivamos como personalidades, como indivíduos da classe dominante, da classe
trabalhadora (os operários e outros assalariados), etc. A força de trabalho de cada um de nós
é, portanto, a expressão mais condensada do que temos de mais humano como indivíduos: a
nossa relação com a história da humanidade, como nos articulamos com ela, o que somos, o
papel que jogamos no complexo processo de desenvolvimento da humanidade e assim por
diante.
É justamente este caráter essencialmente humano da força de trabalho que é negado
pelo capitalismo ao reduzi-la a simples mercadoria. Mercadorias são coisas, não são pessoas.
Fazer das pessoas coisas é o que Marx e Lukács denominam processo de reificação ou de
coisificação. Reificação é, portanto, o desenvolvimento de relações sociais que apenas
contemplam aquilo que, no indivíduo, pode ser comprado e vendido: sua força de trabalho.
Para isso, a força de trabalho deve deixar de ser a expressão da riqueza sócio-histórica da
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personalidade de cada um de nós e se converter apenas na capacidade de o indivíduo


despender determinada energia em atividades profissionais rigorosamente definidas e em
circunstâncias muito bem delimitadas: um médico no hospital, um professor na escola, um
operário na fábrica, etc. A reificação (ou coisificação), que é a essência das alienações
capitalistas, é esta absurda redução do que é uma das expressões mais humanas do indivíduo,
sua capacidade produtiva, a mera mercadoria, a uma coisa.
É esta redução que faz com que a força de trabalho de todos nós possa ser avaliada
segundo o critério de avaliação de toda e qualquer mercadoria: quanto custa para produzi-la?
No caso da força de trabalho, o que custa para produzi-la é o indispensável para manter vivo e
produzindo o trabalhador: a pouca alimentação, o casebre ou a favela, o transporte barato em
ônibus lotados ou caminhões de bóias-frias, etc. O custo, para o capital, desta mercadoria
chamada força de trabalho é muito menor do que as necessidades humanas do trabalhador. O
trabalhador é gente e não mercadoria; mas, como ao capital o que importa são apenas as
mercadorias e os seus custos, a essência humana da força de trabalho é completamente
desprezada.

Nos últimos capítulos consideramos, panoramicamente, o desenvolvimento dos modos


de produção decisivos. Com isto temos o indispensável ao estudo da reprodução social, o que
faremos no próximo capítulo.

RESUMO DO CAPÍTULO:

I) A transição do escravismo para o feudalismo ocorreu sem a presença de uma classe


revolucionária: com isso a transição foi caótica e prolongou-se por séculos.
II) O feudalismo se caracterizou pela produção auto-suficiente nos feudos com base no
trabalho dos servos. O Senhor Feudal era responsável pela defesa militar e ficava com a maior
parte do que era produzido.
III) Como os servos ficavam com uma parte da produção, começaram a desenvolver as
técnicas e ferramentas. Com isto a produção aumentou, melhorou a alimentação e a população
começou a crescer. Isto fez surgir um excedente de população e de produção que serviram de
base ao ressurgimento do comércio e, com ele, ao aparecimento da burguesia.
IV) A burguesia revolucionou a economia e a sociedade feudais: abriu o comércio
mundial e realizou a Revolução Industrial. Com a Revolução Industrial surgiram as duas
classes fundamentais da sociedade burguesa: o proletariado e a burguesia.
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V) O que caracteriza a sociedade capitalista frente aos modos de produção anteriores é a


redução da força de trabalho a mera mercadoria e, portanto, o desprezo absoluto pelas
necessidades humanas. O resultado é o individualismo burguês: a redução da coletividade a
mero instrumento para o enriquecimento privado dos indivíduos.

X - A reprodução social (conclusão)

Lukács assinala que a história evidencia que a reprodução social segue algumas linhas
gerais:
1) Há uma tendência de fundo para a constituição de relações sociais sempre mais
genéricas, que abarcam uma porção cada vez maior da humanidade. A humanidade evoluiu
dos pequenos bandos para sociedades cada vez maiores, que articulam um número crescente
de indivíduos. Com o desenvolvimento do capitalismo, estas sociedades foram por fim
articuladas através do desenvolvimento do mercado mundial, de tal modo que, nos dias de
hoje, a humanidade está efetivamente integrada numa vida social comum. Um exemplo será
suficiente: há milhares de anos, o que ocorria na China em nada afetava a vida de um indígena
brasileiro. Hoje, a vida de todos nós está submetida à crise de um mercado mundial. Uma
superprodução de arroz na China pode afetar o agricultor gaúcho ou goiano. Portanto, ainda
que não se conheçam, a vida dos produtores de arroz do mundo inteiro está, de algum modo,
relacionada. O mesmo ocorre em todos os setores da atividade social.
Com isto Lukács não quer negar que existam diferentes sociedades, países e culturas;
mas assinalar que estas diferenças não impedem que a vida de todos os indivíduos do planeta
Terra esteja articulada de forma bastante estreita. Hoje, como nunca na história da
humanidade, os indivíduos compartilham de uma mesma história.
2) A segunda tendência de fundo do desenvolvimento social, para Lukács, é a
constituição de sociedades cada vez mais internamente heterogêneas, complexas. De uma
situação inicial na qual as únicas diferenças decisivas entre os indivíduos eram a idade e o
sexo, a evolução levou a uma divisão de trabalho cada vez mais intensa com o aparecimento
de diferentes atividades produtivas (separação da agricultura da pecuária, seguida pelo
desenvolvimento do artesanato e pelo surgimento do comércio, da cidade e do campo, etc.).
Após o surgimento das classes sociais, a diferenciação interna da sociedade adquiriu um novo
impulso. Com as lutas de classe, há necessidade de um novo conjunto de instituições, em
especial o Estado e o Direito, que aumenta ainda mais a complexidade e a heterogeneidade
das formações sociais. Essa linha de evolução continua até o dia de hoje, quando a crescente
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integração da vida cotidiana de todos nós em um processo histórico imediatamente universal


se articula com a complexificação da reprodução de cada sociedade particular.
Isto significa que novas contradições vão sendo introduzidas na reprodução social na
medida em que aumenta a sua complexidade. Por exemplo, antes do surgimento das classes,
as contradições eram muito mais simples. Com o aparecimento da exploração do homem pelo
homem, o antagonismo passa a fazer parte da vida cotidiana. Para atender às necessidades
próprias desta nova relação criou-se uma nova instituição (o Estado), que, por sua vez, se
transformou no palco de uma nova atividade: a política. Veja-se como, na medida em que a
10
sociedade evolui, ela se torna cada vez mais complexa.
3) A terceira tendência de desenvolvimento social é o fato de a vida social mais
desenvolvida exigir que os indivíduos ajam cotidianamente de forma cada vez mais
complexa. Para que isto seja possível, os indivíduos têm que se desenvolver cada vez mais
como indivíduos. Assim, por exemplo, há milhares de anos, bastava estar familiarizado com
alguns poucos rituais da tribo e conhecer algumas poucas e simples técnicas produtivas, para
que um indivíduo pudesse contribuir com a vida social, participasse das atividades produtivas,
constituísse família, etc., e levasse uma vida social normal. Hoje, quem não souber ler e
escrever está em má situação, ao passo que quem souber duas ou mais línguas estrangeiras
estará numa situação muito melhor. Atualmente, para trabalhar não basta saber uma ou outra
técnica; deve-se também conhecer um pouco dos direitos e deveres de um cidadão, dos
direitos trabalhistas em especial, deve-se ter alguma noção de política. Para se adquirir um
produto é necessário conhecer minimamente o complexo funcionamento do dinheiro, etc.
Uma vida social mais complexa exige indivíduos mais capacitados. A existência de
indivíduos mais capacitados, por sua vez, é uma das condições para que a sociedade continue
na sua evolução.
4) Uma quarta tendência é a prioridade da evolução das forças produtivas no
desenvolvimento das sociedades e nas passagens de um modo de produção a outro. A síntese
dos atos singulares dos indivíduos concretos em tendências históricas universais faz com que
as necessidades e possibilidades produzidas na esfera econômica (ou seja, nas atividades que
convertem a natureza nos bens sociais) tenham um peso muito maior do que as necessidades
produzidas nas outras atividades. A razão de fundo para que isto ocorra está no caráter
fundante do trabalho. Como os homens se organizam em sociedade prioritariamente para
produzirem o indispensável à vida, são as necessidades e possibilidades geradas nesta esfera o

10
Há aqui uma possível diferença significativa entre Lukács e Marx. Sobre
isso consultar Lessa, S. "Lukács: direito e política" in Pinassi, M. O. e
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fator predominante do desenvolvimento histórico. É isto que Marx queria dizer quando
apontava a economia como o complexo predominante do desenvolvimento social – coisa
muito distinta daquela interpretação de seu pensamento, infelizmente muito comum à
esquerda e à direita, de que para o pensador alemão a vida se resumiria essencialmente à
economia.
Estas quatro tendências de fundo do desenvolvimento social exemplificam com clareza
o que Lukács quer dizer ao afirmar que o ser social é um complexo de complexos. Ou seja, é
um conjunto articulado de partes diferentes. É uma totalidade e, como toda totalidade, é
resultante da síntese de suas partes. Na medida em que a sociedade evolui, estas partes
diferentes tendem a crescer em número, e tendem a ser cada vez mais diferentes entre si.
Quanto mais as formações sociais se desenvolvem, mais elas articulam a vida dos indivíduos
entre si e mais heterogêneas se tornam, dando origem a diferentes e novas relações sociais,
instituições e complexos sociais.
Ou, o que dá no mesmo, quanto mais diferenciada for internamente uma sociedade,
quanto maior a variedade de relações sociais que ela contenha, maior será a articulação das
vidas individuais com a história coletiva. É também a este fato que Lukács se refere quando
afirma ser o mundo dos homens um complexo de complexos.

1 - A reprodução dos indivíduos

Estas quatro tendências, expostas no tópico anterior, segundo Lukács, marcam a


reprodução social e são decisivas para entendermos a reprodução dos indivíduos. E por duas
razões.
Por um lado, porque quanto mais desenvolvida for uma sociedade, mais ela exigirá de
seus membros. Quanto mais complexa a sociedade, mais complexos serão os atos cotidianos e
os indivíduos têm que se desenvolver ou não poderão participar da vida social. Portanto – e
isto é da maior importância – o desenvolvimento social dá origem à necessidade de os
indivíduos se reproduzirem como personalidades cada vez mais complexas.
Por outro lado, o próprio desenvolvimento da sociedade e a crescente heterogeneidade
que o acompanha fazem com que o indivíduo se encontre na sua vida com um leque cada vez
maior de possibilidades de desenvolvimento pessoal, de desenvolvimento de sua
personalidade. Na vida primitiva não seria possível, por exemplo, uma pessoa escolher sua

Lessa, S. (orgs) Lukács e a atualidade do marxismo. Boitempo, São Paulo,


2002.
Versão 7 11/8/2004 3:24 45

profissão. Hoje, ainda que esta escolha não seja livre, pois é condicionada pelas posses do
indivíduo, sem dúvida ela é maior do que no passado.
Portanto, a necessidade e a possibilidade de desenvolvimento dos indivíduos como
personalidades cada vez mais complexas e ricas são dadas pelo desenvolvimento social.
Quanto mais rica e intensa for a vida social, quanto mais articulada for a vida do indivíduo
com a história de toda a humanidade, mais desenvolvida no sentido humano será sua
existência.
Não há desenvolvimento social que não implique, de algum modo, também o
desenvolvimento dos indivíduos e, vice-versa, o desenvolvimento dos indivíduos é uma
necessidade e possibilidade postas pela reprodução social. Por isso a reprodução da sociedade
e a reprodução do indivíduo são dois pólos do mesmo processo, isto é, são momentos
distintos, porém sempre articulados, da reprodução social.

RESUMO DO CAPÍTULO:

I) Há quatro tendências de fundo do desenvolvimento social ao longo da história:


1) O surgimento de relações sociais cada vez mais extensas, que articulam cada vez
mais intensamente a vida de um número maior de indivíduos entre si;
2) O desenvolvimento social dá origem a sociedades cada vez mais complexas e
internamente heterogêneas. A emergência da distinção dos homens segundo as classes sociais,
com o conseqüente surgimento do Estado e da política, é uma das diferenciações assim
surgidas que mais graves conseqüências tiveram para a história;
3) O desenvolvimento social requer o desenvolvimento de indivíduos cada vez mais
evoluídos e capazes, aptos a agirem em meio a relações sociais sempre mais complexas.
4) Cabe à economia, no conjunto do desenvolvimento social, o momento
predominante, pois é nela que são produzidas as necessidades e possibilidades que se referem
diretamente à razão de existir de toda sociedade: a transformação da natureza nos bens
indispensáveis à reprodução social.
II) A possibilidade de desenvolvimento da individualidade está, portanto, articulada ao
desenvolvimento do conjunto humanidade. Quanto mais articulada for a existência de um
indivíduo com a história da humanidade, mais humanamente desenvolvida será sua vida. E,
vice-versa, a humanidade teria seu desenvolvimento paralisado se os indivíduos não se
desenvolvessem no mesmo sentido.

XI - Marx e a crítica ao individualismo burguês


Versão 7 11/8/2004 3:24 46

Já vimos que, segundo Lukács o desenvolvimento do mundo dos homens tem seu
fundamento no fato de o trabalho, através da reprodução social, sempre produzir novas
situações históricas. Por esta razão, o produto concreto e imediato de cada ato de trabalho é
também momento do processo de desenvolvimento da sociedade que é a história humana. E
como, ao construir o mundo material, ao desenvolver as sociedades, os indivíduos se
constroem como seres humanos, a reprodução social e a reprodução do indivíduo são
processos sempre articulados.
Este desenvolvimento das sociedades e dos indivíduos passou por várias etapas
históricas, demarcadas pela sucessão dos modos de produção (sociedade primitiva, modo de
produção asiático, escravismo, feudalismo e capitalismo). No interior de cada uma destas
etapas históricas, se desdobrou uma determinada relação do indivíduo com a sociedade. De
um modo geral, nas sociedades asiáticas, no escravismo e no feudalismo, a reprodução social
era ainda tão primitiva que não possibilitava que a reprodução dos indivíduos possuísse uma
autonomia maior.
Há uma conhecida passagem na vida de Sócrates, em Atenas, que talvez auxilie na
compreensão desta questão. Injustamente condenado à morte, Sócrates recusou a oferta de
fugir da cidade para salvar a própria vida. Não havia sentido, para ele, em viver fora de
Atenas. A razão que tornava a sua existência humanamente digna era o engrandecimento da
cidade. Se a cidade incorrera em erro ao condená-lo, deveria aprender com o fato e absolvê-lo
ou, então, deveria conviver com a injustiça da sua morte. Fugir significaria, para Sócrates,
evitar que a cidade se confrontasse com o erro cometido. Rompidos os laços como cidadão de
Atenas, sua vida não mais teria qualquer sentido. Ou, dito de outro modo, o sentido da vida
não residia na acumulação privada de riqueza, mas sim no engrandecimento da cidade. Não
havia, ainda, uma autonomia, tal como hoje conhecemos, entre a reprodução dos indivíduos e
a reprodução da sociedade à qual pertencem. E isto por uma razão material, econômica. Na
Grécia de Sócrates, as fortunas individuais não eram ainda suficientemente grandes para
poderem se expandir sozinhas. Elas dependiam da abertura de novos mercados pela expansão
militar e isto só poderia ocorrer com a união dos esforços de todos os proprietários da cidade.
Esta era a razão que levou Sócrates a recusar a possibilidade da fuga. O predomínio da
dimensão genérica, social, sobre a existência pessoal está claramente evidenciado neste
exemplo. A existência individual se afirma pela sua dimensão social. Fora da cidade, o
indivíduo Sócrates não mais existiria, deixaria de ser um ateniense para ser um "bárbaro".
No feudalismo, algo semelhante pode ser encontrado. A existência social envolve de tal
forma a existência individual que o sobrenome das pessoas é dado de acordo com o feudo, ou
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11
com o lugar do feudo em que habitam . A identidade social do indivíduo reside na sua
conexão com a totalidade social através do lugar que ocupa no feudo. Fora do feudo, o
indivíduo nada é, pois não pode ter qualquer existência social.
Com o surgimento e desenvolvimento do capitalismo, este tipo de conexão indivíduo-
sociedade é rompido. A vida social passa a ser predominantemente marcada pela propriedade
privada, e a razão da existência pessoal deixa de ser a articulação com a vida coletiva, para
ser o mero enriquecimento privado. O dinheiro passa a ser a medida e o critério de avaliação
de todos os aspectos da vida humana, inclusive os mais íntimos e pessoais. Com o dinheiro,
como diz Henfil, compra-se "até amor sincero".
O capitalismo transformou a vida cotidiana em mera luta pela riqueza. Os indivíduos
passaram a considerar todos os outros indivíduos como adversários e a sociedade se converteu
na arena em que esta luta se desenvolve. As relações econômicas de mercado são expressões
nítidas desta nova relação entre os indivíduos e a totalidade social.Ttodos são inimigos de
todos, “o homem é o lobo do homem”, no dizer do filósofo Hobbes (1588-1679).
Esta nova situação histórica possui um aspecto positivo e outro negativo, como quase
tudo na vida. Pelo lado positivo, a nova situação permite explicitar, até as últimas
conseqüências, que entre a reprodução do indivíduo e a reprodução da sociedade há
diferenças significativas. O desenvolvimento do indivíduo é um processo que não se
identifica com a reprodução social no seu conjunto; há uma diferença entre estes dois
processos.
Reconhecer esta diferença é fundamental porque possibilita que as necessidades
individuais sejam reconhecidas em sua plenitude. Possibilita que a humanidade, como um
todo, tome consciência do fato de que o desenvolvimento do indivíduo é fundamental para o
desenvolvimento social e que, vice-versa, o desenvolvimento social é o fundamento do
desenvolvimento pessoal; mas que um não garante nem absorve o outro. Tanto há
necessidades individuais, como há necessidades coletivas, que devem ser atendidas numa
sociedade comunista, emancipada. Reconhecer este fato é, para Marx, da maior importância
para se compreender o mundo dos homens e para a constituição de um projeto revolucionário.
Mas, negativamente, o capitalismo, ao desenvolver o individualismo burguês, que lhe é
inerente, deu origem a uma sociedade na qual as necessidades coletivas estão subordinadas às
necessidades de enriquecimento privado, e na qual as necessidades humanas (coletivas e
individuais) estão subordinadas ao complexo processo de acumulação do capital pelos

11
É famoso o exemplo de Pierre DuPont, que significa Pedro da Ponte. Ou
então, Conde de Montpellier, sendo Montpellier o local da propriedade
feudal.
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burgueses. Desse modo, o capitalismo deu origem a indivíduos que perderam a noção da real
dimensão genérica, social, das suas existências, ficando presos à mesquinha patifaria, ao
estreito e pobre horizonte da acumulação do capital. Ganhar dinheiro se tornou a razão central
da vida dos indivíduos, e a dimensão coletiva, genérica, das suas vidas foi massacrada pelo
egoísmo e mesquinharia que caracterizam o burguês.

1 - A moral e a ética

O individualismo burguês, segundo Lukács, é a base social da hipócrita moral que


predomina nos nossos dias. A essência da moral burguesa está em pregar a obediência às leis
e aos costumes e, ao mesmo tempo, violá-los sempre que lucrativo. Para que a sociedade
capitalista funcione é necessário que todos sigam os costumes e as leis. Por isso o burguês
defenderá intransigentemente que as leis devem ser respeitadas por todos. Mas, no seu
comportamento pessoal, violará estas leis sempre que lhe for lucrativo. Ele é essencialmente
um hipócrita.
Esta essência hipócrita, segundo Lukács, é a razão de a moral burguesa ser sempre
vazia, não podendo jamais dar origem a uma verdadeira ética. O máximo que a moral
burguesa pode fazer é recomendar que todos sigam as regras sociais, as leis e os costumes.
Mas esta recomendação é vazia, porque todos sabem que, no dia a dia, todos violarão as
regras para se enriquecerem.
A ética é justamente o contrário da moral burguesa. Lukács afirma que a ética é a
expressão mais explícita das necessidades humanas (coletivas e individuais). Enquanto
expressão das necessidades humanas, a ética é importante para que os homens tomem
consciência do que são, das suas reais necessidades como seres humanos.
Portanto, entre a moral burguesa e uma verdadeira ética se interpõe um abismo. A moral
burguesa é sempre conservadora, pois coloca os interesses mesquinhos e estreitos da
acumulação pessoal de riquezas acima das necessidades humanas, individuais ou coletivas. A
ética, pelo contrário, é sempre revolucionária, emancipadora, pois torna visíveis para todos,
sob a forma de valores éticos, as reais necessidades humanas. Toda ética, portanto, nos dias
de hoje, é necessariamente uma crítica ao capitalismo, à hipócrita moral burguesa e ao
individualismo burguês. Não há ética que não seja revolucionária, nos dias em que vivemos e,
por isso, segundo Lukács, uma proposta de emancipação humana possui necessariamente uma
dimensão ética.
Em resumo, para Lukács o individualismo burguês é resultante do desenvolvimento
histórico. Ele marca uma nova etapa da relação entre o indivíduo e a sociedade. Esta é
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reduzida a mero instrumento para a acumulação de riqueza do burguês. A dimensão genérica,


social, da existência humana é perdida e o resultado é uma vida mesquinha, egoísta, estreita,
que enxerga nos outros homens os inimigos na disputa pela riqueza pessoal. Nesta sociedade,
a ética submerge sob uma hipocrisia moral que coloca os interesses individuais sempre acima
dos interesses coletivos.

RESUMO DO CAPÍTULO:

I) A reprodução social é composta por dois pólos: a reprodução do indivíduo e a


reprodução da sociedade.
II) Enquanto nas sociedades menos desenvolvidas a existência individual se subordina à
existência coletiva, no capitalismo esta relação se inverte e a sociedade se reduz a instrumento
para o enriquecimento privado dos burgueses.
III) A dimensão coletiva da vida social está completamente perdida: o indivíduo é
reduzido ao mesquinho burguês, que tem a razão na carteira de dinheiro e o coração na caixa
registradora.
IV) Com esta ruptura entre a dimensão coletiva, social, da existência humana, a ética é
degradada até a hipócrita moral burguesa. As leis devem ser obedecidas por todos, mas
sempre que for possível deve-se violar as leis para benefício próprio; idiota de quem não o
fizer!

XII - A política e o Estado democrático

Relembremos que, segundo Lukács, a sociedade burguesa é produto dos atos humanos.
Em última análise, o movimento histórico que vai das sociedades primitivas ao capitalismo
mais desenvolvido tem o seu fundamento no impulso, inerente ao trabalho, que remete o ser
social a formações sociais cada vez mais desenvolvidas. Toda esta evolução tem por base a
reprodução social, ou seja, o processo que sintetiza os atos humanos singulares em tendências
históricas universais.
Também vimos como, para Lukács, a reprodução social é um processo que possui dois
pólos: a reprodução da totalidade social e a reprodução dos indivíduos. Cada um dos pólos
apenas pode se desenvolver articulado ao outro (sem desenvolvimento social não há
desenvolvimento dos indivíduos e vice-versa). Contudo, a relação entre eles é marcada por
desigualdades, de tal modo que entre o desenvolvimento da sociedade e o do indivíduo
sempre haverá contradições. O desenvolvimento social colocará exigências ao
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desenvolvimento dos indivíduos que estes nem sempre atenderão imediatamente ou sem
contradições; por outro lado, o desenvolvimento das personalidades individuais gera
necessidades pessoais que as relações sociais nem sempre podem atender. A
contraditoriedade nesta esfera é um dado sempre presente.
Quando o desenvolvimento social alcançou a etapa capitalista, esta contradição atingiu
um novo patamar. Pois, por um lado, a potencialização das forças produtivas (o que significa,
em última análise, o aumento da capacidade dos indivíduos) e o enorme desenvolvimento daí
decorrente, abriram a possibilidade de um desenvolvimento, antes inimaginável, tanto da
sociedade como dos indivíduos. E este desenvolvimento é a característica mais importante da
história desde o século XIX.
Por outro lado, porque este desenvolvimento sem precedentes das forças produtivas está
longe de ser harmônico. A forma individualista, privada, de acumulação da riqueza, que
caracteriza o capitalismo, faz com que estas possibilidades de desenvolvimento possam ser
aproveitadas plenamente apenas pelas classes dominantes. Elas são, quase sempre, negadas
aos trabalhadores, isto é, à maior parte da humanidade.
O que ocorre hoje em dia com a informatização e a robotização das fábricas é um claro
exemplo dessa contradição. A introdução de robôs na produção significa, objetivamente, que
os homens podem trabalhar menos e produzir mais. O robô substitui a força de trabalho
humano e por isso deveria aumentar o tempo livre dos trabalhadores. Com uma máquina para
produzir, porque não diminuir a jornada de trabalho de todo mundo, mantendo o mesmo
salário, já que a mesma quantidade de riqueza está sendo produzida?
Todo aumento da capacidade produtiva dos homens deveria ter este significado:
produzindo-se mais em menos tempo, dever-se-ia contar com um tempo livre cada vez maior.
Contudo, como sabemos, é justamente o inverso que ocorre. A riqueza produzida pelos
trabalhadores é apropriada pelos capitalistas como riqueza pessoal, privada; e o que interessa
à burguesia é aumentar o lucro individual dos proprietários. Por isso, a introdução dos robôs,
em vez de reduzir a jornada de trabalho, gera desemprego em escala crescente, pois mantendo
a mesma produção, ou aumentando-a, com menos salários, faz aumentar a taxa de lucro do
burguês.
Mas os resultados são ainda mais perversos. Pois, se o desenvolvimento da capacidade
produtiva tem gerado, hoje em dia, desemprego em vez de tempo livre, também é verdade que
o trabalhador que ainda mantém seu emprego sofre a concorrência dos companheiros
desempregados. Nesta situação de desemprego crescente, o poder da burguesia sobre cada
operário aumenta ainda mais. Ela os faz trabalhar mais intensamente, num ritmo mais
frenético, e por uma jornada maior, freqüentemente com redução real do salário.
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Outros exemplos podem ser encontrados por toda a sociedade. Produzir armamentos só
interessa aos capitalistas, que obtêm muitos lucros com o desperdício de riqueza e de pessoas
que é uma guerra; na indústria farmacêutica, produz-se não o remédio necessário, mas aquele
que dá lucro ao burguês, etc.
As contradições entre a produção social da riqueza em uma escala crescente de
produtividade e volume, e a apropriação privada desta mesma riqueza, podem ser encontradas
por toda parte. Segundo Marx, estas contradições fazem parte da essência da sociedade
burguesa madura.

1 - Democracia burguesa e Estado burguês

Devido a esta sua essência antagônica, assinalam Marx e Lukács, a vida cotidiana no
capitalismo é sempre a “luta de todos contra todos”. Por um lado, porque apenas vivendo em
coletividade podem os indivíduos acumular suas fortunas (ou suas misérias, no caso dos
trabalhadores). Por outro lado, porque esta vida coletiva é fragmentada pelos interesses
inconciliáveis de cada indivíduo. Cada um quer enriquecer e, para isso, deve tirar proveito do
outro, deve explorar o trabalho alheio.
Repetimos: todas as relações humanas são convertidas em instrumentos desta luta pela
acumulação privada de capital. Os homens têm no capital seu espelho, e se constroem
cotidianamente como sua imagem. As necessidades que impulsionam as prévias-ideações não
são mais necessidades humanas, mas necessidades que brotam da dinâmica reprodutiva do
capital. De modo obrigatório, necessário, o capital predomina sobre as necessidades
verdadeiramente humanas, fazendo com que a reprodução social dos indivíduos e da
totalidade social esteja a serviço dos interesses particulares da burguesia.
Essa essência da sociedade capitalista faz com que a vida cotidiana seja marcada pela
disputa, e não pela cooperação, entre os indivíduos. E, para que esta disputa não degenere em
guerra civil, o que significaria desorganizar a produção e interromper a acumulação
capitalista, é necessário que ela seja organizada de forma aceitável à reprodução capitalista.
Uma das formas decisivas de organização desta disputa segundo as necessidades do
capitalismo é a democracia burguesa.
A democracia, no sentido moderno do termo, é uma criação burguesa. Antes do
12
capitalismo, não havia democracia .

12
Na Grécia antiga, onde surgiu a palavra democracia, ela possuía um
significado muito distinto da que possui hoje. Então, escravidão e
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A democracia é a forma política mais desenvolvida de uma sociedade movida pela


acumulação privada de capital, pelo individualismo burguês. Ela se caracteriza pela
concepção de que todos os homens são iguais e que, portanto, as leis não devem proteger um
indivíduo na sua disputa com o outro. Para a ordem política burguesa, o capitalista e o
operário são absolutamente iguais. Mas como, na realidade, o burguês é muito mais poderoso
do que o operário, esta igualdade política deixa a burguesia livre para explorar os
trabalhadores. A igualdade política afirmada pela democracia significa, de fato, a máxima
liberdade para o capital explorar a força de trabalho. Dizem os conservadores, defensores do
capitalismo, que a lei não deve dar privilégios a ninguém, que deve tratar todos da mesma
forma. Contudo, ao proceder assim, a lei garante não a igualdade entre os homens, mas sim a
reprodução das desigualdades sociais. Onde todos são politicamente iguais, mas socialmente
divididos entre burgueses e proletários, a igualdade política e jurídica nada mais é do que a
afirmação social, real, das desigualdades sociais. Por conta disso é que a cidadania, conceito
decisivo da concepção democrática, não é um obstáculo à exploração econômica. Ser cidadão
é apenas e tão somente ter os seus direitos respeitados. Todos esses direitos, porém, são
sempre compatíveis com a exploração do homem pelo homem.
Em outras palavras, a democracia é uma forma de organização social que, afirmando a
igualdade política de todos, é fundamental para a reprodução das desigualdades entre a
burguesia e os trabalhadores. Por ser, portanto, essencialmente um instrumento de reprodução
da ordem capitalista, a democracia é sempre democracia burguesa. É uma forma de
organização política que garante a liberdade para o capital explorar a força de trabalho, que
mantém a apropriação privada da riqueza produzida socialmente.
A democracia, portanto, por mais aperfeiçoada e "livre" que seja, jamais deixará de ser
uma prisão para os trabalhadores. Pode ser uma prisão mais ou menos confortável, mas jamais
deixará de ser a forma política por excelência de submissão da sociedade às necessidades de
reprodução do capitalismo.
O Estado capitalista, cuja expressão política mais acabada é a democracia burguesa,
nada mais é, para Marx e Lukács, do que o que todo Estado sempre foi: um instrumento
especial de repressão a serviço das classes dominantes. O que torna o Estado burguês
13
diferente do Estado escravista, ou mesmo do feudal , é que ele mantém e reproduz a
desigualdade social afirmando a igualdade política e jurídica entre os indivíduos. Ele

democracia não eram incompatíveis, pelo contrário, a primeira era


considerada imprescindível à existência da segunda.
13
No feudalismo tivemos uma forma difusa de poder político e de Estado, o
que leva a alguns historiadores a negarem a existência de Estado feudal, na
acepção completa do termo. Mas não entraremos aqui nesta discussão.
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reproduz a desigualdade entre o burguês e o operário também pela ilusão de que, ao votar e
eleger os políticos, a maioria da população estaria dirigindo o país.
Em outras palavras, o Estado capitalista afirma a igualdade formal, política e jurídica,
com o objetivo real e velado de manter a dominação da burguesia sobre os trabalhadores. A
igualdade burguesa, tal como a democracia burguesa, nada mais é do que a máxima liberdade
do capital para explorar os trabalhadores. E o Estado burguês, por mais democrático que seja,
será sempre um instrumento especial de repressão contra os trabalhadores.
Por isso, todas as vezes que os conflitos ameaçarem a burguesia, o Estado intervirá para
garantir o poder dos capitalistas sobre os trabalhadores. Muitas vezes, inclusive, abolindo a
própria democracia burguesa. Marx tem toda razão quando afirma que a democracia burguesa
apenas funciona democraticamente quando assim interessa à classe dominante. Quando for do
interesse dos capitalistas suspender a ordem democrática para melhor reprimir os
trabalhadores, assim será feito.

RESUMO DO CAPÍTULO:

I) A contradição essencial do capitalismo está na produção social da riqueza e na


apropriação privada desta mesma riqueza.
Ou seja, a produção capitalista apenas é possível se for realizada socialmente, mas a sua
acumulação só é possível se for feita privadamente.
II) Esta contradição faz com que as relações sociais capitalistas sejam essencialmente
conflituosas. É a luta de todos contra todos pela riqueza. Para evitar que estes conflitos
degenerem em guerra civil, impedindo a própria reprodução do capital, surgiram a
democracia burguesa e o Estado burguês.
III) A democracia burguesa é a forma de organização política dos conflitos sociais do
capitalismo. Sua “artimanha” é afirmar serem todos iguais (na política e no direito) para
deixar que a desigualdade real entre o burguês e o trabalhador se reproduza sem qualquer
barreira. O Estado burguês, por sua vez, é o comitê executivo da burguesia na manutenção da
ordem capitalista. Quando for mais fácil à burguesia dominar os trabalhadores através da
ilusão da igualdade democrática entre todos, o Estado assumirá a forma democrática. Mas,
quando a luta dos explorados tornar mais difícil a manutenção do capitalismo, então o Estado
abandonará o seu disfarce democrático e assumirá completamente a sua real face de repressor
a favor das classes dominantes.

Capítulo XIII - Os fundamentos sociais da alienação


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O que vimos acima acerca da reprodução social possibilita-nos compreender o essencial


da categoria da alienação no pensamento de Marx. Relembremos a questão que, no Capítulo I,
formulamos nestes termos: “se os homens são os artífices de sua própria história, por que
construíram um mundo tão desumano? Se a história é feita pelos homens, por que eles não
têm sido capazes de construir uma sociedade autenticamente humana?”
Vimos que, na maior parte das vezes, a resposta conservadora a esta questão afirma que
há uma natureza humana, uma essência humana, que não pode ser alterada pela história, a
qual faz do homem o "lobo do homem". Como os indivíduos seriam, pela sua essência, pela
sua natureza, individualistas burgueses – ou em outras palavras, como o individualismo
burguês seria expressão da essência mais profunda dos homens – a vida social jamais poderia
deixar de ser a luta entre os homens pela propriedade privada capitalista. Por esta razão,
dizem os conservadores, não há superação possível da ordem capitalista, pois ela
corresponderia à natureza mesquinha e egoísta dos indivíduos.
A resposta revolucionária a esta questão tem um sentido completamente diverso. Ela
demonstra, a partir da história, que a natureza humana é construída pelos próprios homens ao
longo do tempo. Se os homens são, hoje, individualistas burgueses, isto é o resultado de um
longo processo histórico através do qual se desenvolveu uma relação entre o indivíduo e a
sociedade qualitativamente distinta de tudo o que ocorrera antes. Como vimos no Capítulo
XII, o predomínio da dimensão social na vida pessoal, característica do feudalismo e do
escravismo, foi substituído, com o capitalismo, pelo predomínio dos interesses dos
proprietários privados burgueses sobre os interesses coletivos. Só então é que se constituiu a
natureza burguesa, mesquinha e egoísta dos homens que conhecemos. Longe de ser algo
permanente na história, essa natureza egoísta do homem burguês foi construída pelos homens
ao longo da história. E se esta natureza e o capitalismo foram construídos pelos homens,
certamente podem ser por eles destruídos.
A resposta conservadora pode, agora, ser criticada mais aprofundadamente. Ela nada
mais é do que uma tentativa de justificar o individualismo burguês transformando-o em
imutável essência humana. Para justificar o egoísmo e a desumanidade das relações sociais
capitalistas, os conservadores afirmam que esta é a única sociedade possível, pois expressão
de uma natureza humana que não poderia ser alterada pela história. A "artimanha" da
argumentação conservadora se resume em pretender que o individualismo, característico da
sociedade burguesa, seja algo extensivo a todos os homens e a todas as épocas históricas.
Há dois equívocos fundamentais no argumento dos conservadores. Primeiro, a
argumentação conservadora corresponde a uma falsificação da história. O individualismo
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burguês se faz presente apenas em um período da história humana; não sendo, portanto, uma
essência imutável dos homens. Os homens já foram, e possivelmente serão, diferentes do
indivíduo burguês, assim como as sociedades já foram distintas do capitalismo. O segundo
equívoco é pretender que o futuro será idêntico ao presente. A mesquinha existência que o
capitalismo possibilita aos homens não é o único futuro possível para a humanidade, a única
vida social possível, mas apenas o futuro possível enquanto durar a regência do capital.
Ou, para dizer o mesmo de outro ângulo, o pressuposto de todo pensamento
conservador, que não pode ser demonstrado por nenhuma argumentação histórica e que não
vai muito além de um ato de fé, é a perenidade do capital. Como, para os conservadores, o
capital é uma dimensão insuperável da vida humana, então o indivíduo burguês tem que ser,
também, eterno. E, então, eles fazem o percurso inverso. Como o homem é irrevogavelmente
um animal burguês, então não há melhor sociedade do que a capitalista. Tanto do ponto de
vista histórico, quanto do ponto de vista metodológico, este é um argumento fantasticamente
débil.
A questão a ser respondida, portanto, é a seguinte: os homens fazem a história e foram
eles que criaram o capital. Como, então, é possível que eles sejam dominados pelo capital que
eles próprios criaram? Como é possível que o objeto construído possa dominar o seu criador?
Ou, em termos filosóficos, como é possível que, ao objetivar uma prévia-ideação, o que foi
objetivado possa dominar o sujeito da objetivação? A resposta de Marx e Lukács a esta
questão é: através dos processos de alienação. Vamos, pois, a eles.

1- A alienação

Recordemos que, nos Capítulos III a V, vimos como todo ato humano é a objetivação de
uma prévia-ideação. Ele origina uma nova situação, tanto em termos externos ao sujeito,
como em temos subjetivos (a produção de novos conhecimentos e a aquisição de novas
habilidades). Vimos, também, que a nova realidade produzida pelos atos humanos, ainda que
tivesse na sua origem uma prévia-ideação (que é, sempre, uma resposta a uma situação social
concreta, historicamente determinada), é pura causalidade. Ou seja, a nova realidade
produzida pela objetivação da prévia-ideação possui uma existência objetiva que independe
da consciência. O desenvolvimento da realidade material, mesmo aquela criada pelos homens,
se processa de acordo com causas que atuam no seu interior, independente dos desejos,
necessidades e vontades das pessoas. Os homens podem agir para alterar as conseqüências
dos seus atos, mas tais conseqüências são decorrentes dos nexos causais que nada têm de
teleológico.
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O fato de a realidade material possuir uma dimensão objetiva que a distingue


ontologicamente (isto é, no plano do ser) da consciência faz com que todo ato humano possua
aquele “período de conseqüências” de que tratamos no Capítulo VII. Em poucas palavras,
como o objeto criado é distinto do indivíduo que o construiu, ele possui uma história própria
diferente da história do seu criador e, por isso, pode ter, sobre a história da sociedade (e do
indivíduo que o construiu) conseqüências muito diferentes das previstas. Se nos reportamos a
um período de tempo bastante longo, digamos alguns séculos, estas conseqüências são ainda
mais distintas dos objetivos do indivíduo que construiu o objeto.
Um exemplo: o homem que, na pré-história, descobriu o machado, sabia apenas que
estava construindo uma ferramenta para exercer determinada atividade. Contudo, a descoberta
do machado é a primeira aplicação humana do princípio da alavanca. Descobrir e ser capaz de
dominar este princípio é decisivo para que se possam construir máquinas e, muito depois,
realizar a Revolução Industrial, que deu origem às fábricas modernas. Sem as fábricas
modernas, por sua vez, não poderíamos ter chegado à Lua. Aquele homem primitivo que
descobriu o machado jamais poderia ter a consciência do que de fato estava realizando, em
termos históricos. Ou seja, dando um passo decisivo para as viagens interplanetárias.
Contudo, o tempo revelou que era exatamente isto o que ele estava fazendo.
O exemplo do machado nos permite compreender como o futuro é mais do que o
simples, direto e linear desenvolvimento do presente. Os processos históricos que conduziram
do machado às naves espaciais são, também, o surgimento e o desenvolvimento de novos
objetos e novas relações entre os homens. Novas necessidades e possibilidades históricas são
continuamente criadas. E as causas e as conseqüências desses processos históricos que
conduziram da era primitiva à sociedade contemporânea são puramente causais; isto é, à
exceção dos atos humanos singulares que deles participam, não contêm qualquer prévia-
ideação. Em linguagem filosófica mais precisa, dizemos que, embora a história tenha nos atos
singulares, teleologicamente postos, seus elementos fundamentais, ela não é um processo
teleológico.
Essa a razão de o futuro não poder ser previsto pela consciência. Como o futuro ainda
não aconteceu, como ele não está todo contido na situação presente, não há como a
consciência determinar a priori todos os possíveis desdobramentos dos nossos atos
cotidianos.
Estes desdobramentos podem ser positivos, podem impulsionar o desenvolvimento
humano. No exemplo acima, as viagens interplanetárias são uma conseqüência positiva da
descoberta do machado. Mas podem, também, ser negativos. Isto é, ao longo do tempo,
algumas objetivações podem se transformar em obstáculos sociais ao desenvolvimento
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humano. A alienação é justamente este processo social, histórico, através do qual a


humanidade termina por construir obstáculos ao seu próprio desenvolvimento. E tais
obstáculos nada mais são do que a desumanidade de relações sociais produzidas pelos
próprios seres humanos. Veremos as conseqüências históricas da alienação no próximo
capítulo.

RESUMO DO CAPÍTULO:

I) Se os homens são os artífices de sua própria história, por que a fazem de modo tão
desumano?
1) Os conservadores respondem: porque a natureza humana é mesquinha e ruim. Na
verdade, eles consideram a essência do burguês como a essência de todos os homens, o que é
uma enorme falsificação da história.
2) Os revolucionários respondem: porque, ao longo da história, os atos humanos têm
conseqüências que terminam por dificultar, ao invés de impulsionar o desenvolvimento
humano. Os processos históricos pelos quais a humanidade cria relações sociais que, com o
tempo, se transformam em obstáculos socialmente construídos ao desenvolvimento humano,
são os processos de alienação.
Os homens – e apenas eles – são os responsáveis por suas misérias. Foram os homens
que construíram as alienações geradas pelo predomínio do capital na vida social; cabe a eles
superarem tais alienações.

Capítulo XIV - Alienação e Capital

Os processos de alienação são muito numerosos na história humana e, segundo Marx e


Lukács, se manifestam nas mais diferentes esferas da práxis social. Há processos de alienação
que incidem diretamente na esfera da subjetividade e outros que possuem um caráter mais
amplo, envolvendo o conjunto da sociedade. Ainda que muito variados e numerosos, todos
eles possuem em comum o fato de serem expressões da desumanidade social historicamente
criada pelos homens.
Vejamos o exemplo do dinheiro, uma relação social que se desenvolveu em capital e
que é hoje a alienação predominante.
Na passagem da sociedade primitiva às sociedades asiáticas e ao escravismo, o dinheiro
surgiu para facilitar a troca entre os homens. Naquele momento, visava-se prioritariamente a
Versão 7 11/8/2004 3:24 58

produção de objetos de consumo (valores de uso) do próprio produtor e apenas o excedente


era trocado.
Com o desenvolvimento do comércio e da propriedade privada, esta relação se inverteu.
As necessidades comerciais tornaram-se prioritárias e a produção deixou de estar voltada para
as necessidades de quem produzia para atender as necessidades do lucro comercial.
Este processo introduziu novas diferenciações entre os homens. Por exemplo, surgiram
as classes sociais e, com elas, as contradições sociais antagônicas. Do mesmo modo, impô-se
na sociedade uma divisão do trabalho cada vez mais intensa, fazendo com que as relações
mercantis (isto é, o desenvolvimento do comércio, a abertura de novos mercados, a variação
do preço dos produtos, a oferta e a procura das mercadorias, etc.) tivessem um peso cada vez
maior. Já é possível perceber, neste momento, como as relações mercantis assumem uma
enorme autonomia, e uma grande força na determinação do destino dos indivíduos. A abertura
de uma nova rota comercial, por exemplo, pode levar à riqueza milhares de pessoas, e
empobrecer outras tantas que sequer participaram das atividades que abriram o novo mercado.
Com o surgimento e o desenvolvimento do capitalismo, esta situação se agravou ainda
mais. A essência da sociedade burguesa é a acumulação privada de capital e isto só é possível
se os homens viverem em uma sociedade submissa às exigências do processo global de
acumulação de capital. O capital, portanto, passa a ser o referencial decisivo de todas as
esferas de ação dos homens. No plano individual, uma vida de sucesso é a vida de alguém que
acumulou riqueza. Ser bem sucedido é quase sinônimo de ter se tornado rico. No plano social,
os homens são reduzidos a força de trabalho, que nada mais é do que uma mercadoria como
outra qualquer.
O capital assume, na sociedade capitalista, a direção da vida dos homens. Eles agem e
pensam, em larga medida, segundo as necessidades do processo global de acumulação de
capital, sempre na esperança de também amealharem a sua riqueza pessoal.
O capital, portanto, é uma relação social criada pelos homens e que, após desenvolvida,
passa a dominar toda a sociedade. Esta se torna uma sociedade capitalista. E, na exata medida
em que, sendo capitalista, coloca as necessidades humanas abaixo das necessidades de
acumulação do capital, é uma sociedade alienada. Em resumo, a submissão do ser humano ao
capital é um exemplo típico dos fenômenos que Marx e Lukács denominam alienação.

1- A essência das alienações geradas pelo capital

As alienações que brotam da submissão do ser humano ao capital são muito variadas. A
necessidade de consumo que gera prestígio, e não de consumo para atender reais
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necessidades, como ocorre com a moda, por exemplo, é uma delas. Consumir para demonstrar
status social é uma das formas mais freqüentes de alienação contemporânea.
Contudo, há uma esfera das alienações capitalistas à qual os revolucionários devem
prestar especial atenção, pois tem enormes conseqüências políticas.
Relembremos que, para Marx e Lukács, o Estado é um organismo especial de repressão
a favor das classes dominantes. Todavia, com o surgimento da sociedade burguesa, este papel
repressor do Estado já não é mais tão evidente como no passado. E isto porque, na sociedade
capitalista, a exploração do trabalho assume uma forma diferente daquela das formações
sociais asiáticas, escravistas e feudais. Como vimos, no capitalismo o próprio trabalho
termina por se converter em mercadoria. Sabemos que, na sociedade capitalista, o valor de
uma mercadoria corresponde ao custo de sua produção. Qual o custo da produção de um
trabalhador assalariado? Nada mais, nada menos do que o que custa à sociedade a reprodução
da sua força de trabalho. E, como para isso basta que a pessoa seja mantida viva e com um
mínimo de saúde, a maior parte das necessidades autenticamente humanas dos trabalhadores
não será sequer reconhecida, quanto mais levada em consideração pelo capital. Isso vale tanto
para o trabalhador do primeiro mundo, que pode receber um salário elevado, quanto para o
trabalhador mais miserável da África ou do Brasil. Em ambos os casos, apesar da evidente
diferença no conforto da situação de cada um deles, o ser humano é levado em consideração
apenas como uma coisa, um montante de força de trabalho. Por isso, o custo da força de
trabalho é muito baixo e o seu valor – o salário – está sempre muito abaixo das verdadeiras
necessidades do trabalhador como ser humano. O salário expressa o quanto custa ao sistema
capitalista reproduzir a força de trabalho, mas não expressa as necessidades verdadeiras, as
reais necessidades humanas que o trabalhador como ser humano possui. É claro que este
necessário para repor a força de trabalho varia em lugares e momentos históricos diferentes.
Além disso, o seu cálculo é estabelecido pelo mercado e não por relações individuais.
Mas, observe-se que o que o salário expressa é real. Segundo as leis de mercado
(sempre leis capitalistas, em nossos dias) o valor da força de trabalho é exatamente o salário
recebido pelo trabalhador. O trabalhador, na sociedade burguesa, vale o que recebe. Não há aí
qualquer roubo por parte do capitalista. A relação burguês-trabalhador, se for permitida a
expressão, é absolutamente honesta. O patrão paga o que compra, da mesma forma que o
trabalhador paga as mercadorias que compra. E quem estabelece os preços das mercadorias,
inclusive da mercadoria força de trabalho, são as famosas “leis de mercado”, e não o
indivíduo-patrão que contrata o indivíduo-trabalhador.
Por isso, para Marx e Lukács, a desumanidade – a alienação – da relação entre as
personificações do capital que se expressam no burguês e no operário não está nos baixos
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salários, está no próprio fato de existir salário. A essência da alienação da sociedade


capitalista é que ela trata como mercadoria o que é humano; e, como mercadoria é coisa e não
gente, a desumanidade deste tratamento não poderia ser maior. O que importa é o lucro dos
capitalistas. Se, para isso, a fome deve ser mantida apesar de se poderem produzir alimentos
para todos; se a ignorância deve ser mantida, apesar de se poder erradicá-la; se muitos devem
ficar sem casas e sem assistência médica apesar de existirem os meios para abolir estes
sofrimentos; se para acumular o capital, é necessário levar a humanidade à beira de uma
catástrofe nuclear, produzindo reatores nucleares e bombas atômicas ou, ainda, destruir a
natureza e romper o equilíbrio ecológico, tudo isto será feito em nome do capital e em
detrimento das necessidades humanas.
Neste contexto, as tensões sociais se tornam cada dia mais graves. Fome, miséria,
desemprego, violência tornam-se ainda mais insuportáveis na medida em que dispomos dos
recursos necessários para eliminar todas estas desumanidades.
Contudo, a sociedade burguesa conta com um enorme trunfo para manter esta situação.
O fato de o trabalhador receber sob a forma de salário o que de fato vale sua força de trabalho
como mercadoria; o fato de que este valor é estabelecido pelo mercado e não por cada patrão
em particular, fazem com que a relação capital/trabalho não se caracterize como um roubo. O
trabalhador sabe que, para o sistema capitalista, o seu valor é aquele expresso no seu contra-
cheque e que, em outro emprego, ele receberia mais ou menos a mesma coisa.
Esta situação social gera a ilusão, no trabalhador, de que ele compartilha de um destino
comum com o capitalista. O crescimento da economia e do negócio do seu patrão parecem
coincidir com os interesses do trabalhador. Este, iludido, acredita que se a economia crescer, e
se o lucro do patrão aumentar, o salário vai melhorar e os empregos serão mais numerosos.
Isto não passa de ilusão, pois, na verdade, o lucro do burguês sempre aumenta e o salário
permanece o que sempre foi: o valor da produção da força de trabalho como uma mercadoria
e não como expressão produtiva de um indivíduo humano. Além disso, quando a economia se
expande, o burguês emprega tecnologias mais avançadas e produz mais com menor número
de trabalhadores. Deste modo, o desemprego é, muitas vezes, acompanhado não de crise
econômica, mas de expansão da produção. Por outro lado, com o aumento do desemprego, os
salários, muitas vezes, caem tanto e o trabalhador tem que se submeter a condições tão duras
de produção que ele se torna mais produtivo e, ainda assim, recebe um salário menor.
Esta ilusão de que capitalistas e trabalhadores compartilham de um destino comum,
sempre segundo Marx e Lukács, tem forte influência nas lutas políticas. Pois é o fundamento
da ilusão de que o Estado e o Direito são instituições sociais que representam os interesses de
toda a sociedade. E, como na verdade são instituições que expressam os interesses históricos
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das classes dominantes, os trabalhadores iludidos se propõem – agora já podemos utilizar


termos filosóficos precisos – a objetivar uma prévia-ideação impossível: construir um Estado
e um Direito "verdadeiramente democráticos", que representem os interesses da sociedade
“no seu conjunto”.
Como já vimos, contudo, prévias-ideações que não levam em consideração o que a
realidade de fato é tendem a conduzir a objetivações mal sucedidas. Neste nosso caso,
desconhecer que a sociedade, “em seu conjunto”, não é homogênea enquanto for uma
sociedade de classes, fragmentada por interesses antagônicos – e que o Estado e o Direito
estão a serviço das classes dominantes – tem levado os trabalhadores a se iludirem com
propostas políticas irrealizáveis, que buscam eliminar o caráter de classe do Estado e do
Direito e a humanizar o capitalismo.
Esta ilusão de que burgueses e operários compartilham do mesmo destino é o
fundamento de todas as propostas conservadoras que, abrindo mão da luta pelo socialismo,
buscam um capitalismo “mais humano”. Nos dias em que vivemos, capitalismo e
desumanidade são sinônimos, pois não há qualquer humanidade em reduzir o ser humano a
mercadoria. Tratar a força criativa e produtiva de um indivíduo como uma coisa, ignorando
por completo que esta coisa é um ser humano: pode haver maior desumanidade?
E, por maior que seja o salário, pode ele deixar de ser a expressão, em dinheiro, desta
desumana redução do indivíduo a mercadoria? Não há capitalismo humano possível, pela
mesma razão que não há salário “justo” possível. Tanto um como outro, segundo Marx e
Lukács, só podem existir pela submissão das necessidades humanas à acumulação de capital,
só podem existir como alienações produzidas pela sociedade submetida ao capital.
Para os capitalistas, contudo, é da maior importância alimentar esta ilusão nos
trabalhadores e, para isso, todos os mecanismos são válidos. Nas escolas, ensina-se que existe
um país chamado Brasil que pertence aos brasileiros, e que é nossa pátria. Como se o Brasil
de hoje não pertencesse, de fato, aos burgueses que dele fazem uso para seu enriquecimento
privado. Nos meios de comunicação, tenta-se, o tempo todo, iludir os trabalhadores e
desmoralizar os revolucionários, fazendo-os parecer bandidos e criminosos. Nas
universidades, paga-se a peso de ouro aqueles pesquisadores que “demonstram” que a melhor
sociedade possível é a capitalista. Na política, realizam-se eleições para dar a impressão de
que todos os “cidadãos” dirigem os destinos do país, como se entre estes cidadãos não
houvesse o abismo que há entre os capitalistas e os trabalhadores. Afirma-se, o tempo todo,
que os governantes administram o país em nome de todos, e não em favor das classes
dominantes. E quer-se fazer crer que as misérias dos trabalhadores são “desconfortos”
passageiros e inevitáveis para que aconteça o desenvolvimento da economia que levará a
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todos ao paraíso. Como se o capitalismo pudesse existir sem reproduzir as misérias humanas,
e como se as crises não fizessem parte da sua história.
São inúmeras as alienações que brotam da submissão dos homens ao capital. A essência
de todas elas, segundo Marx e Lukács, está em tratar o ser humano como mercadoria,
desconsiderando por completo suas reais necessidades humanas. As necessidades que
impulsionam cotidianamente as prévias-ideações já não refletem as necessidades reais dos
homens, mas sim as necessidades da acumulação privada de capital, tanto no plano individual
quanto no plano global da sociedade capitalista.

RESUMO DO CAPÍTULO:

I) São muito numerosas as alienações provocadas pelo capitalismo. A essência de todas


elas está na redução dos homens a mera mercadoria (força de trabalho). As necessidades
humanas são subordinadas às necessidades da acumulação capitalista, o que significa dizer
que os homens são tratados como mercadorias, isto é, como coisas, e não como seres
humanos. Com isto, a relação entre os homens, na sociedade capitalista, se torna
essencialmente desumana. Em vez de levar ao atendimento cada vez mais adequado das
necessidades humanas, o desenvolvimento social produz desumanidades sempre maiores.
II) Tal como toda alienação, o capital é uma relação social criada e desenvolvida pelos
próprios homens. A forma que o desenvolvimento histórico assumiu a partir da crise do
sistema feudal levou ao surgimento da propriedade privada burguesa e, através desta, ao
desenvolvimento do capital como uma relação social que engloba e subordina todas as outras
relações entre os homens. Na medida em que isto acontece, as necessidades que, como vimos,
impulsionam as ações humanas, deixam de ser as necessidades humanas e são substituídas
pelas necessidades geradas no processo de acumulação pessoal de riquezas. Com isto, a
reprodução da totalidade social deixa de ser movida pelas reais necessidades humanas e se
subordinada à reprodução ampliada do capital.

Capítulo XV – Uma nova sociedade: o comunismo

A burguesia procura convencer as pessoas de que o comunismo é algo impossível. De


que não passa de uma aspiração, um sonho, um simples desejo. A prova disto, segundo os
ideólogos burgueses, estaria em que todas as tentativas feitas até hoje para construir uma
sociedade comunista fracassaram, transformando-se em brutais ditaduras. Pior ainda, com o
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passar do tempo, a inviabilidade dessas tentativas revolucionárias conduziria, como ocorreu


na antiga União Soviética, ao retorno ao que eles afirmam ser a melhor sociedade possível, o
capitalismo.
Isto é inteiramente falso. Já vimos que são os homens que fazem a sua história. Por isso
mesmo, assim como foram atos humanos que deram origem ao capitalismo, também outros
atos humanos poderão destruí-lo e construir outra forma de sociedade. Ainda mais porque as
condições objetivas para isto (a abundância, como veremos abaixo) já existem e foram criadas
pelo próprio capitalismo.

O fracasso das tentativas revolucionárias

É verdade que as tentativas de construção do comunismo fracassaram. Porém a mera a


constatação do fato não resolve a questão. É preciso entender as causas desses fracassos para
verificarmos se, de fato, como querem os ideólogos burgueses, significam o fim do
comunismo. Não devemos esquecer que Marx e Engels, já na Ideologia Alemã, um texto de
1846, advertiam que a passagem ao comunismo não poderia ocorrer em países atrasados.
Segundo eles, apenas a base material muito mais desenvolvida dos países capitalistas
avançados seria adequada para a superação do capital. Se a história demonstra algo, parece
ser que Marx e Engels, também nesse particular, estavam cobertos de razão. Países como a
antiga Rússia, China, Cuba ou Vietnam poderiam fazer revoluções que tivessem um conteúdo
mais ou menos anticapitalista, mas não poderiam jamais ser o solo social adequado para a
construção do comunismo. Ainda que a elucidação histórica cabal destes processos esteja por
ser feita, o fracasso das tentativas, que conhecemos, de implantação do comunismo demonstra
apenas e tão somente a inviabilidade de construí-lo em países atrasados. Em outras palavras,
demonstra, uma vez mais, a veracidade da tese de Marx e Engels acerca da necessidade de
uma base social muito desenvolvida para a passagem ao comunismo. Demonstra, também, a
impossibilidade de fazê-lo apenas em alguns poucos países, enquanto o resto do mundo
continua capitalista. Mas não comprova, como querem os ideólogos conservadores, a
impossibilidade do comunismo.

O que é, mesmo, o comunismo?

Para entender o que caracteriza o comunismo, comecemos do início.


Para Marx e Lukács, o trabalho (entendido como transformação da natureza) é o
fundamento ontológico (isto é, a matriz, a raiz, a base) do ser social. Tanto no sentido de que
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é através dele que se dá o salto da natureza para a sociedade, como no sentido de que toda e
qualquer forma de sociabilidade terá no trabalho aquele tipo de atividade que, transformando
a natureza, constrói a base material da sociedade. É sempre a partir de determinada forma de
trabalho (primitiva, asiática, escravista, feudal, capitalista ou outra) que se ergue determinada
forma de sociabilidade.
Vimos, também, que o tipo de trabalho que fundamenta o capitalismo é aquele em que o
capital extrai a mais-valia da força de trabalho. É a partir daí que se ergue todo o edifício da
sociedade capitalista. Vale notar que é também esta forma específica de trabalho a
responsável última pela alienação e pelas desigualdades sociais típicas desta forma de
sociabilidade.
Qual seria, então, a forma de trabalho que funda o comunismo? O trabalho associado; a
associação dos produtores livres, responde Marx. Uma forma de trabalho na qual todas as
pessoas participam segundo as suas possibilidades e capacidades e, por isso, todas têm,
segundo as suas necessidades, acesso ao que é produzido. "De cada um segundo a sua
capacidade, a cada um segundo a sua necessidade", dizia Marx. O que caracteriza,
essencialmente, o trabalho associado é o controle, consciente, livre e coletivo, dos
trabalhadores (que serão necessariamente todas as pessoas capazes) sobre o processo de
produção e de distribuição dos bens. Isto significa que serão os próprios produtores que
estabelecerão, considerando as efetivas necessidades humanas, o que deve ser produzido, em
que condições dar-se-á a produção e como serão repartidos os bens produzidos. Dito de outro
modo, o valor de uso e não o valor de troca, ou seja, o atendimento das necessidades humanas
e não dos interesses do capital, será o objetivo da produção. Isto configurará a base a partir da
qual tornar-se-á historicamente possível o desaparecimento de toda e qualquer forma de
exploração do homem pelo homem, o que significa que também desaparecerão a propriedade
privada, o capital, a mais-valia, o trabalho assalariado, o dinheiro, o caráter de mercadoria dos
produtos e todas aquelas outras relações de exploração e de dominação necessárias para o
funcionamento do capitalismo, como o Estado, a política, o Direito, o casamento
monogâmico, etc.

Comunismo e abundância

Mas, se o trabalho associado é uma coisa tão boa, por que os homens já não o
instauraram há muito tempo? Por que, justamente ao contrário, com o passar da história o
trabalho terminou assumindo formas tão desumanizadoras?
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Porque não basta a vontade para instaurar o trabalho associado. Ele requer a era da
abundância, ou seja, o gigantesco desenvolvimento da ciência, da tecnologia, das relações
sociais, enfim, das forças produtivas, que foi atingido apenas pela Revolução Industrial
(1776-1830). Antes da Revolução Industrial, o comunismo era uma impossibilidade histórica
porque o total do que podia ser produzido era inferior ao necessário para atender a todas as
necessidades da humanidade. Enquanto o total produzido era inferior às necessidades de todos
os homens, a carência era uma dimensão inevitável da existência humana. Com a produção
menor que a necessidade, a divisão igualitária da riqueza não iria além de se repartir
igualmente a miséria. Ou seja, nestas circunstâncias históricas, por mais justas que fossem as
relações sociais, ainda assim todos passariam igualmente necessidade. A miséria humana não
era apenas decorrente de relações sociais injustas, mas uma situação insuperável da vida
humana porque a produção era inferior às necessidades.
Mas há ainda um outro aspecto, importantíssimo, a ser considerado. Nesse período
histórico marcado pela carência, se a riqueza fosse dividida igualmente entre todos, tudo seria
imediatamente consumido. Com isso não restaria nada para se investir no desenvolvimento
das forças produtivas que evoluiriam, então, muito mais lentamente. Nas sociedades de classe,
pelo contrário, a concentração da propriedade nas mãos da classe dominante permitiu que
uma parte ponderável da riqueza fosse empregada no desenvolvimento das forças produtivas,
que assim evoluíram rapidamente. Por essa razão, as sociedades primitivas, mais igualitárias,
conheceram um desenvolvimento muito lento e foram desaparecendo ao entrarem em contato
com as sociedades de classe. Estas, por sua vez, foram evoluindo ao longo da história nos
modos de produção asiático, escravista, feudal e capitalista. Perceba-se que as sociedades de
classe jogaram um papel fundamental na história dos homens ao possibilitarem um
desenvolvimento muito mais acelerado das forças produtivas. Mas isso, apenas e tão somente
na era da carência, ou seja, enquanto o desenvolvimento das capacidades humanas ainda não
permitia aos homens produzirem mais do que necessitavam.
A era da carência terminou com a Revolução Industrial (1776-1830) e com o
surgimento do capitalismo maduro. O desenvolvimento das novas tecnologias e das novas
relações de produção, que marcam o surgimento do capitalismo maduro, fez com que a
humanidade passasse, objetivamente, à era da abundância, isto é, ao período histórico em que
a produção total é maior do que a requerida para a reprodução da humanidade.
A sociedade capitalista, contudo, não pode viver na abundância. Ela é herdeira de um
período histórico marcado pela carência; a abundância fere-a de morte. Uma oferta maior do
que a procura faz com que os preços tendam a cair e que os capitalistas tenham prejuízos. As
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crises de superprodução, expressões típicas da abundância objetiva que se instalou no seio da


sociedade burguesa são, por essa razão, o grande problema econômico de nossa época.
A humanidade tem apenas duas formas de conviver com a abundância.
A primeira, bem conhecida nossa, é a forma capitalista. Essa forma se caracteriza, em
essência, por produzir artificialmente uma carência que já foi historicamente superada. Criam-
se carências artificiais de vários modos. Ou diminuindo a vida útil dos produtos, de tal modo
a nos forçar a consumir mais (pense-se nos eletrodomésticos, por exemplo); ou estimulando a
aquisição de bens e produtos de que não necessitamos, muitas vezes nocivos à saúde, como é
o caso dos cigarros, bebidas e drogas; ou fazendo o Estado comprar parte da produção para
simplesmente jogá-la fora (o que acontece com freqüência com os produtos agrícolas). Há,
contudo, uma forma ainda mais desumana de produzir carências alienadas: as guerras. Elas
possibilitam a destruição de uma massa enorme de produtos, de tecnologia, de recursos e de
força de trabalho; e, ainda, tornam possível a produção maciça de armamentos que nunca
poderão ser usados sob pena de extinção da humanidade (o arsenal nuclear, por exemplo). É
por isso que o século XX foi o século das guerras, na expressão de Gabriel Kolko. A
desumanidade extrema do modo de produção capitalista se manifestou por inteiro no
planejamento milimétrico da extinção da humanidade com a construção dos arsenais
nucleares.
Todas essas são maneiras pelas quais o sistema do capital, por mais que a produção
aumente, consome o que foi produzido sem atender às necessidades humanas. Mantidas,
desse modo artificial, as carências humanas, os preços tendem a ficar em níveis compatíveis
com a reprodução do capital, já que a demanda permanece elevada. Isso, todavia, a um
enorme preço. Pois, a geração dessa forma artificial de carência só é possível através de
guerras, do desperdício e da miséria humana (espiritual e material) tal como a conhecemos
hoje. Não há, do ponto de vista estrutural, alternativa no interior do capitalismo. Sua
incapacidade de conviver com a abundância força-o a destruir a produção e também a
humanidade, gerando alienações cada vez mais intensas e que ameaçam, no limite,
infelizmente hoje muito próximo, a própria sobrevivência de todos nós.
A segunda forma possível, hoje, de se conviver com a abundância é a sociedade
comunista. Ao contrário do capitalismo, que tem na abundância a causa maior de suas crises,
o comunismo é o modo de produção que permite tirar todo o proveito desse enorme ganho
histórico da humanidade. Pois, se produzimos mais do que necessitamos, não há mais
nenhuma justificativa para a miséria. Para sermos precisos: hoje, a miséria humana (material e
espiritual, bem entendido) é o resultado de relações sociais injustas e não, como era no
passado, uma condição inevitável da existência humana.
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É aqui, para tirar o maior proveito possível da abundância, que o trabalho associado é
fundamental. Se toda a produção for colocada à disposição da humanidade, a carência estará
socialmente superada. Para tanto, a humanidade terá que se organizar com base no trabalho
associado. Todos nós teremos que decidir o que deve produzido e qual a melhor forma de
produção. Teremos que nos organizar coletivamente para despendermos o menor tempo de
nossas vidas transformando a natureza e podermos ter o maior "tempo disponível" possível.
Sem o empecilho da concorrência e da propriedade privada, o trabalho associado propiciará
um incremento na produção que tornará irrisória a abundância produzida pelo capital. Esta
será imensamente maior quando a criatividade de bilhões de pessoas se manifestar livremente.
O objetivo da economia será, então, ampliar o "tempo livre disponível" para cada um de nós.
Tempo realmente livre, em que as pessoas, satisfeitas as suas necessidades básicas e contando
com condições objetivas muitíssimo propícias, poderão se dedicar à realização de atividades
de sua livre escolha.

Trabalho, necessidade e comunismo

Na vida cotidiana, o trabalho permanecerá sendo uma atividade absolutamente


necessária para que os homens possam existir. Mas, justamente por ser uma rigorosa
necessidade, por mais livre que seja o trabalho emancipado, ele não é, ainda, a forma superior
da liberdade humana. Ou, dito de outro modo, com o trabalho associado, o trabalho terá
atingido a sua forma mais livre e humana possível. Trabalhar deixará de ser uma obrigação
imposta externamente, sendo assumida como manifestação de algo que é essencial ao homem.
Transformar a natureza, objetivar-se, ou seja, criar objetos, criando-se ao mesmo tempo a si
mesmo, é expressar-se como ser humano, manifestar-se e confirmar-se como ser humano, dar
livre curso às suas potencialidades. Contudo, o trabalho emancipado não será, jamais, a
atividade humana mais livre possível, será apenas e tão somente a forma de trabalho mais
livre possível.
É por isso que Marx e Lukács dizem que o comunismo é a articulação do “reino da
necessidade” com o “reino da liberdade”. Por “reino da necessidade” eles entendem a esfera
do trabalho. Este, mesmo na sua forma mais livre e humana possível (o trabalho associado),
sempre será um tipo de atividade em que o homem terá que se sujeitar – ainda que em
condições muitíssimo mais humanas do que no capitalismo – às leis da natureza. Por isso, no
trabalho a liberdade humana não encontra o seu ponto mais alto. Para além da esfera do
trabalho é que se situa o “reino da liberdade”, o tempo efetivamente livre, no qual as pessoas
poderão realizar atividades às quais não serão obrigadas por nenhum tipo de coação externa,
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mas serão apenas a livre expressão das potencialidades humanas, na forma de arte, ciência,
filosofia, jogo e outras do gênero.
Esta nova forma de sociabilidade implicará uma mudança essencial da relação da
humanidade com o processo histórico em geral. Mudança tão essencial, que Marx afirma que
todo o período de carência (das sociedades primitivas ao capitalismo) não passa de "pré-
história" da humanidade e que, somente com o comunismo terá começado a "história"
propriamente dita. Só então os homens serão, conscientemente, senhores do seu destino. Vale
dizer, quem comandará o processo histórico não serão nem forças da natureza nem forças
sociais alienadas, mas os próprios homens, com o grau máximo de liberdade.

Das mudanças em relação às formas anteriores de sociabilidade, talvez as mais


significativas venham a ser:
a) na relação homem-natureza: na sociedade capitalista, todas as relações são
mediadas pela propriedade privada. Por isso mesmo, cada um explora a natureza tendo em
vista apenas os seus interesses. Daí porque a devastação da natureza, o uso indiscriminado e
arbitrário dos recursos naturais, as agressões ao meio ambiente, nada disto pode ser detido
porque faz parte da lógica essencial do capitalismo.
Ao contrário, no comunismo, por ser uma forma de sociabilidade voltada para os
interesses da humanidade como uma totalidade, ficará claro que a natureza é, como diz Marx,
”o corpo inorgânico” do homem. Daí porque a natureza será tratada como o homem trata a si
mesmo. Preservar a natureza, estabelecer com ela uma relação harmônica será, na verdade,
preservar-se a si mesmo.
Se, no capitalismo, a preservação da natureza é um apelo que não pode ser efetivado
porque vai contra a lógica fundamental deste sistema, no comunismo será a própria lógica da
reprodução desta forma de sociabilidade que impulsionará no sentido de uma relação
harmônica entre o homem e a natureza.

b. na relação entre o indivíduo e o gênero humano: no capitalismo é impossível


estabelecer uma relação harmônica entre os indivíduos e o gênero humano, a começar pelo
fato de que não pode ser estabelecida uma relação efetivamente comum entre capital e
trabalho. Somente com a superação do capitalismo a humanidade tornar-se-á uma autêntica
comunidade humana. O bem comum, os interesses e os valores universais, já não serão uma
forma vazia que oculta a divisão entre o interesse privado e o interesse público, com a
submissão do segundo ao primeiro; nem serão artifícios ideológicos para velarem a divisão da
sociedade em classes sociais. A base material do trabalho associado permitirá que o interesse
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comum expresse aquilo que se passa na própria realidade. Deste modo, entre os indivíduos e o
gênero humano haverá uma relação de enriquecimento mútuo.
O comunismo não é, portanto, a dissolução do indivíduo e a supremacia total da
coletividade. A oposição entre indivíduo e coletividade é um sinal seguro de que não existe
comunismo. Este só existe de fato onde todos os indivíduos podem desenvolver amplamente
as suas potencialidades, as suas especificidades, as suas diferenças. Mas eles poderão
desenvolvê-las exatamente porque farão parte de uma coletividade com a qual não estão em
relação de oposição, mas de união. Somente um indivíduo socialmente desenvolvido,
complexo, pode integrar uma sociedade comunista. Por sua vez, um indivíduo só se
desenvolve ao se apropriar do patrimônio comum do gênero humano e, em retorno, ao
contribuir para o maior enriquecimento deste último. Daí porque, no comunismo, a condição
de desenvolvimento amplo, integral e diferenciado de cada indivíduo implica o
desenvolvimento de todos os outros indivíduos e, por conseqüência, do próprio gênero
humano.
Deste modo, comunismo é, necessariamente, uma autêntica articulação entre o
indivíduo e a coletividade e entre os próprios indivíduos. Isto não significa, de modo nenhum,
a ausência de conflitos e a total identidade entre os interesses individuais e os da coletividade.
Indivíduo e gênero, como já vimos, são dois pólos inelimináveis do ser social. A anulação de
qualquer um em favor do outro indica, seguramente, uma fase inferior da humanidade. Só no
comunismo, e exatamente por estar fundado numa forma de trabalho que permite superar a
exploração e a dominação do homem pelo homem, é que pode existir uma relação harmônica
entre estes dois pólos, na qual cada um guarda a sua mais plena especificidade. Esta
harmonia, por sua vez, significa apenas que já não há possibilidade, por causa do fundamento
do trabalho associado, de que qualquer conflito entre o interesse individual e o interesse geral
se torne antagônico e, portanto, dê origem a uma nova forma de poder do homem sobre o
homem.

RESUMO DO CAPÍTULO
I) A derrota das tentativas, que conhecemos, de construção do comunismo apenas
prova que Marx e Engels estavam certos ao afirmarem que não seria possível
superar o capital em países pouco desenvolvidos e, ainda, em alguns poucos
países enquanto o restante do planeta permanecesse sob o domínio do capital.
II) A base do comunismo é o trabalho associado, a associação dos produtores
livres. Sua essência é o total controle, por parte dos trabalhadores, de todo
processo de produção e distribuição dos bens. É o exato oposto do que ocorre
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nas sociedades de classe, nas quais os trabalhadores são submetidos a um


processo de trabalho e a uma distribuição da riqueza que eles não controlam.
III) O trabalho associado pressupõe, requer e, ao mesmo tempo é a condição
imprescindível, para uma sociedade sem classes, portanto sem dominação do
homem sobre o homem. O que equivale a dizer, sem propriedade privada, sem
Estado, sem Direito, sem dinheiro e sem política.
a. O trabalho associado só pode surgir a partir da abundância objetiva
produzida pelo desenvolvimento das forças produtivas sob o capitalismo.
Antes da Revolução Industrial (1776-1830), como a produção era inferior às
necessidades, o trabalho associado e a sociedade comunista eram uma
rigorosa impossibilidade histórica.
b. A abundância é o principal problema do capitalismo atual: ela o fere de
morte. Para sobreviver à abundância objetivamente existente, o capitalismo
tem que destruir a produção (por meio de guerras e do mais puro
desperdício) para gerar uma carência artificial que mantenha os preços a
níveis compatíveis com a reprodução do capital.
IV) A sociedade comunista, por isso, implicará uma relação radicalmente diferente do
homem com o trabalho, dos homens com a natureza e dos indivíduos com o gênero humano.
Já que não haverá mais dominação do homem pelo homem, e já que as necessidades humanas
orientarão o processo produtivo, abrir-se-á a um novo horizonte para o desenvolvimento da
humanidade, no qual natureza, gênero humano e indivíduos se articularão com uma nova
qualidade histórica.

XVI - A revolução: ato de emancipação humana

Se os homens fazem a sua própria história, não menos verdadeiro é que eles a fazem nas
circunstâncias históricas herdadas do passado. Isto significa, imediatamente, que todas as
ações humanas são historicamente condicionadas. Significa, também, que todas as ações
humanas, todos os processos sociais, são desenvolvimentos das possibilidades históricas em
cada situação. Tanto do ponto de vista de um indivíduo, quanto do ponto de vista coletivo,
uma objetivação só pode ocorrer se for possível naquele momento histórico. O sonho de voar
já estava presente na Antigüidade, mas, para que esta possibilidade se tornasse real, foi
necessário um enorme desenvolvimento das forças produtivas. Toda objetivação, para ter
êxito, deve ser a efetivação das possibilidades historicamente existentes.
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A liberdade, por isso, não é agir sem qualquer constrangimento exterior, como querem
muitos idealistas, mas sim agir com conhecimento de causa para ser capaz de atingir os
14
objetivos almejados em cada momento histórico . O conhecimento adequado da realidade é
indispensável para a escolha de objetivos que atendam às necessidades humanas no contexto
de cada momento histórico. Por isso, conhecimento do que é a realidade e liberdade são duas
coisas que andam sempre juntas.
Contudo, o que seria esse "conhecimento adequado da realidade a cada momento
histórico"?
Não há uma resposta a priori para esta questão. Apenas depois de concluída a
objetivação, seja ela um ato de um indivíduo ou um processo histórico mais complexo como
uma revolução, poderemos saber qual o grau de conhecimento era mais ou menos adequado
para as objetivações que estavam na ordem do dia. Sabemos, também, que, todo
conhecimento é um processo que se desdobra entre um sujeito em desenvolvimento e um
objeto também em evolução. Por isso, toda objetivação sempre gera algum conhecimento
novo e, portanto, não há jamais uma situação em que o conhecimento seja absolutamente
suficiente para a objetivação. Sempre há algo a ser aprendido, por mais familiar que seja a
objetivação em questão. Feita esta observação mais geral, não há dúvida de que há algumas
situações em que o conhecimento é o suficiente – e, em outras, insuficiente – para a
objetivação que se faz necessária. Portanto, a maior ou menor adequação do conhecimento
que se possui terá por referência o momento histórico em questão e a objetivação a ser
efetivada.
Na sociedade burguesa contemporânea, em se tratando da possibilidade da revolução,
esta situação torna-se ainda mais complicada. O predomínio das necessidades do capital sobre
as necessidades humanas faz com que, no dia a dia, as pessoas percebam como possíveis
apenas as necessidades que refletem o processo de acumulação do capital. As possibilidades
que o desenvolvimento das forças produtivas gera para a emancipação humana são veladas e
as pessoas só conseguem enxergar como possível a reprodução da sociedade burguesa como
tal. Este é um dos efeitos dos processos alienantes que brotam da regência do capital. É por
isso que as pessoas são, na sua enorme maioria, conservadoras. Elas pensam que o
capitalismo é eterno, pois não percebem as possibilidades históricas de superá-lo e de se
construir uma sociedade emancipada. E isto ocorre porque, no dia a dia, a vida das pessoas

14
Esta formulação é devida a Engels. Lukács, em A verdadeira e a falsa
ontologia de Hegel (Ed. Ciências Humanas, S. Paulo, 1979) explora várias
das facetas dessa formulação e aponta algumas debilidades. Não será
possível, neste texto introdutório examinarmos estas questões, por isso
apenas a mencionaremos para que o leitor possa aprofundar seus estudos.
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determina as suas consciências. Como vivem sob o capital, são dominadas pelas ideologias
burguesas.
Como, então, determinar o que é “historicamente possível”? Segundo Marx e Lukács,
antes de mais nada, realizando a crítica mais completa e radical (no sentido de ir à raiz) da
sociedade burguesa e das alienações capitalistas, de modo a abrir caminho para o
conhecimento da realidade. Com base neste conhecimento, é possível determinar as
tendências históricas predominantes e, então, determinar as reais necessidades e
possibilidades históricas da humanidade.
Contudo, a identificação destas possibilidades não significa que elas de fato ocorrerão.
Tudo depende de como as pessoas agirão no futuro e isto que está diretamente relacionado às
opções que venham a fazer na vida cotidiana. Por isso, nessa esfera não é possível qualquer
certeza absoluta. As possibilidades históricas são possibilidades que serão ou não objetivadas
no futuro dependendo das alternativas escolhidas pelos indivíduos em escala social.
Por exemplo: no capitalismo de nossos dias, o desenvolvimento das forças produtivas
leva ao desenvolvimento de desumanidades cada vez mais brutais. As misérias tendem a
aumentar para todos os lados com o desenvolvimento das forças produtivas. Isto,
historicamente, e não apenas para Marx e Lukács, é um óbvio contra-senso. O
desenvolvimento das forças produtivas não poderia levar ao crescimento da miséria; muito
pelo contrário, deveria conduzir ao crescimento do bem-estar e da riqueza. Nesse sentido, o
desenvolvimento das forças produtivas capitalistas acresce as possibilidades de uma
sociedade mais humana e, ao mesmo tempo, aumenta a miséria dos homens. Esta contradição
(crescimento das possibilidades de uma sociedade emancipada e ao mesmo tempo aumento da
miséria) torna a revolução comunista não apenas uma necessidade cada vez maior, mas
também uma possibilidade sempre mais efetiva. Mas esta possibilidade não é algo obrigatório
na história. Tudo dependerá das decisões que os indivíduos, em escala social, tomarem sobre
as suas vidas e o seu futuro.
Por isso a revolução comunista não é uma realização necessária e inevitável do
desenvolvimento histórico (como tanto afirmaram o “marxismo vulgar” e o stalinismo), mas
sim um ato de afirmação do ser humano que se emancipa e se liberta. Que se emancipa
porque estará se livrando das alienações capitalistas; que se liberta porque objetivará uma
finalidade essencialmente humana e, ao mesmo tempo, possível no quadro histórico atual. A
revolução é o ato pelo qual os homens assumirão conscientemente e com toda radicalidade o
fato de serem eles os artífices da sua própria história. Se os homens fazem a história, não há
razões para continuarem a fazê-la sob o domínio do capital e de suas alienações; não há
razões que justifiquem a produção crescente de desumanidades. Mas, para isso, é
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imprescindível que os homens voltem a colocar as reais necessidades humanas como objetivo
de suas ações, superando radicalmente o capital.
A revolução comunista é, portanto, qualitativamente distinta dos atos humanos
cotidianos com os quais estamos acostumados. Enquanto estes representam, na enorme
maioria das vezes, a submissão dos homens ao capital, a revolução é a afirmação da
humanidade sobre as desumanidades produzidas pelo capitalismo. Como tal, segundo Marx e
Lukács, a revolução comunista não poderá deixar de ser (sob pena de não ser comunista) um
ato livre e emancipado da humanidade.
Como afirmamos no início, trataríamos dos fundamentos filosóficos da revolução,
deixando em segundo plano seus aspectos imediatamente políticos. Contudo, para evitarmos
mal-entendidos de toda espécie, é necessário assinalar aqui que o fato de a revolução
comunista ser um ato emancipado e livre da humanidade não significa que ela deixe de ser um
processo social e político de luta de classes. Pelo contrário. A forma historicamente possível
da revolução comunista é a vitória dos operários, da cidade e do campo, contra as
desumanidades produzidas pelas classes dominantes. Este ato livre e emancipado da
humanidade possui, como sua forma historicamente concreta, a vitória dos revolucionários
sobre os conservadores, a vitória dos trabalhadores sobre as classes dominantes capitalistas, a
vitória do operariado sobre o capital. E estas vitórias possuem necessariamente uma dimensão
política e de luta de classes; são o exercício do poder da maioria sobre os interesses privados
das classes dominantes. Enquanto revoluções, são a afirmação do poder de uma parte da
humanidade sobre outra e, por isso, têm uma ineliminável dimensão política. Contudo, para a
construção da sociedade emancipada, a política se tornará um instrumento tão inadequado a
uma sociedade livre quanto o dinheiro, o Estado e o Direito e, por isso, tenderá a desaparecer
no processo de emancipação da humanidade tal como desaparecerão o Estado, o Direito e o
dinheiro.
Como entre o capitalismo e o comunismo há necessariamente uma revolução – em
outras palavras, como o comunismo é a superação do capital e não o desenvolvimento do
capitalismo levado às suas últimas conseqüências – Marx e Lukács foram ásperos críticos de
todas as tentativas de reformar o capital. Para eles, enquanto este existir, as necessidades
humanas serão sempre e permanentemente reduzidas à possibilidade de lucro, e as
desumanidades serão sempre e permanentemente a essência da relação entre os homens. Não
há reforma capaz de tornar o capitalismo “humano”, já que ele é essencialmente desumano.
Marx e Lukács criticaram duramente todas as vertentes reformistas, afirmando que elas nada
mais são, em última análise, do que aliadas do capitalismo contra os trabalhadores.
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RESUMO DO CAPÍTULO:

I) A liberdade é agir com conhecimento da situação, para poder escolher as alternativas


melhores e possíveis. Para tanto, nos dias de hoje, é indispensável a crítica de todas as
alienações que brotam do capitalismo, e que geram a ilusão de que o sistema capitalista é
eterno.
II) A revolução comunista não é o desdobramento inevitável e necessário do
desenvolvimento do capitalismo, como queriam alguns social-democratas e os stalinistas. Ela
é o ato livre e emancipado da humanidade que, consciente e radicalmente, decide superar as
alienações capitalistas e colocar as necessidades humanas como essência das relações sociais.
III) Justamente por isso, não há alternativa intermediária entre o capitalismo e a
sociedade emancipada, comunista. Não há capitalismo “humano”, pois a essência da
sociedade capitalista é a produção crescente de desumanidades. Marx e Lukács foram duros
críticos de todas as propostas reformistas pois, segundo eles, não há como os homens
humanizarem as relações sociais sem romperem com sua submissão ao capital, que é
desumano na sua essência.

CONCLUSÃO

A tese central do pensamento de Marx e Lukács, com vimos, é de que os homens são os
artífices de sua própria história. As realizações e as misérias humanas são única e
exclusivamente fruto das ações humanas. A responsabilidade pelo destino da humanidade está
inteiramente nas mãos dos homens.
Esta tese central tem um único pressuposto: os homens, para se reproduzirem, têm que
transformar a natureza, e o modo humano de fazê-lo é o trabalho. Ao trabalharem, como
vimos, desencadeiam um constante desenvolvimento tanto da objetividade como da
subjetividade, dando origem a sociedades e a indivíduos cada vez mais complexos. A
reprodução social é este processo pelo qual os atos singulares se sintetizam em tendências
históricas que desembocaram na atual sociedade capitalista. Esta, por sua vez, tem sua base na
compra-e-venda de força de trabalho e sua essência na redução do ser humano a mercadoria, a
uma coisa; e tal coisificação é o fundamento das alienações contemporâneas. Tanto a
sociedade, quanto os indivíduos, encontram-se limitados no seu desenvolvimento por essa
redução da essência humana ao capital. Neste contexto, as necessidades humanas são
subordinadas à reprodução do capital. A lógica desumana da reprodução capitalista, tanto na
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sua dimensão global como na sua dimensão mais individual, torna-se a própria dinâmica da
vida social. O desenvolvimento da sociedade, por isso, se converte na intensificação das
alienações, das desumanidades socialmente produzidas.
Por isso, afirmam Marx e Lukács, na sociedade burguesa, a liberdade não pode ter outro
significado senão a liberdade do capital. Ao submeter a humanidade às alienações capitalistas,
a sociedade burguesa destrói qualquer possibilidade do livre e pleno desenvolvimento
humano. Esta é a razão que leva Marx a afirmar que, por mais aperfeiçoada que seja a
democracia burguesa, por mais “livre” que ela seja, será sempre a expressão política da
alienada submissão da humanidade ao capital, dos trabalhadores aos burgueses, e dos homens
às mercadorias.
O "reino da liberdade" só pode vir com a superação do capital e da sociedade burguesa.
Só por esta via será possível colocar em primeiro lugar o que é primordial: as necessidades
humanas, tanto dos indivíduos quanto da sociedade. Ao libertar as necessidades
verdadeiramente humanas do jugo do capital, tornar-se-á evidente o absurdo de se promover a
miséria dos trabalhadores para se conseguir a estabilidade e o desenvolvimento econômico;
tornar-se-á patente a barbaridade que significa produzir desemprego, fome e marginalização
social para que o desenvolvimento das forças produtivas possa continuar. O "reino da
liberdade", segundo Marx, nada mais é do que o atendimento das verdadeiras e reais
necessidades humanas, postas pelo desenvolvimento histórico-social.
Esta recuperação da proposta revolucionária de Marx é o que torna Lukács um filósofo
tão especial para os nossos dias. Ele permite desfazer os equívocos tão freqüentes que retiram
do pensamento de Marx sua essência revolucionária. Ele demonstra até que ponto, e em que
medida, os fundamentos filosóficos de Marx são, na sua essência, a crítica mais radical -- a
proposta superadora mais global -- da sociedade alienada pelo capital. Ele renova e
aprofunda, no campo da filosofia, a crítica radical à desumanidade do capitalismo que é a
essência – tantas vez perdida neste século – da tradição revolucionária do marxismo.

INDICAÇÃO BIBLIOGRÁFICA PARA APROFUNDAR OS ESTUDOS

Para finalizar, uma advertência. Ao leitor que chegou até essas linhas finais, nossos
cumprimentos pela sua dedicação e interesse. É como uma homenagem a esse esforço que
retomamos a introdução ao lembrar que este texto jamais esgota os temas que aborda e alguns
dos aspectos fundamentais de muito do que expusemos sequer foram mencionados. Nossa
intenção foi auxiliar na introdução ao estudo do pensamento de Marx e lançar o leitor em um
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percurso próprio de investigação que contribua para a revolução comunista. Que o leitor não
tome esse livro como resolutivo de nenhuma das questões que abordamos – em definitivo ele
não é --, mas o receba como um estímulo para que continue seus estudos e pesquisas. Tendo
em vista este percurso, sugerimos abaixo algumas leituras que nos parecem imprescindíveis a
um leitor que está se introduzindo no tema.

Não há formação teórica marxista que prescinda de um bom conhecimento da história.


Para começar, os seguintes títulos podem ser úteis:
LEAKEY, R. A origem da espécie humana. Ed. Record, São Paulo, 1999. (Discussão
das teorias acerca da origem do homem)
FOLLADORIi, G. Limites do Desenvolvimento Sustentável. Edunicamp, 2001. (Uma
competente e clara discussão da relação da humanidade com o planeta Terra)
PERRY Anderson. Linhagens do Estado Absolutista. Ed. Afrontamento, Portugal.
(Uma lúcida exposição da transição do escravismo ao feudalismo).
HUBERMAN, Leo. História da Riqueza do Homem. Ed. Forense. (Há mais de 20
edições no país. É uma boa exposição da transição do feudalismo ao capitalismo, embora seus
capítulos finais acerca da URSS sejam muito problemáticos).
SOBOUL, A. História da Revolução Francesa. (Excelente história, em apenas um
volume, da revolução burguesa na França)
TROTSKY, L. História da Revolução Russa. Ed. Record, São Paulo. (Uma brilhante
exposição dos fatos do ano de 1917, como ainda uma discussão interessantíssima das
revoluções burguesas.)
BURCHETT, W.. A Guerrilha Vista por Dentro. Ed. Civilização Brasileira. (uma bela
reportagem sobre a guerrilha vietnamita durante a luta contra os Estados Unidos).
GOUNET, T. Fordismo e Toyotismo. Boitempo, São Paulo, 2000. (Excelente
introdução para a história recente das transformações da relação capital/trabalho).
CLAUDÍN, F. A crise do movimento comunista. Ed. Global, Rio de Janeiro. (Traduzido
por José Paulo Netto, é um texto imprescindível para a história do movimento comunista e
das inúmeras revoluções do século XX).
WHEEN, F. Karl Marx. Ed. Cia. das Letras, São Paulo 2001. (Uma honesta, ainda que
por vezes superficial, biografia de Marx. Muitas informações úteis para quem se inicia no
estudo)

Para o conhecimento da obra de Marx e Lukács, os seguintes textos podem ser um


bom começo:
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MARX, K. Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844. A melhor tradução para o


português, ainda que não sem problemas, é a da Martin Claret.(Texto em que, por primeiro,
Marx expõe sua concepção ontológica e faz a crítica da alienação capitalista).
ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Há várias
edições em português. (O texto narra a transformação da sociedade primitiva em sociedades
de classe. Muitas das informações pontuais do livro, baseadas na antropologia do século XIX,
estão ultrapassadas, mas as teses acerca da importância do desenvolvimento das forças
produtivas para a gênese das sociedades de classe, do Estado, da propriedade privada e do
casamento monogâmico continuam impressionantemente atuais, sendo confirmadas no
fundamental por todo o desenvolvimento posterior da ciência.)
ENGELS, F., Marx, K. A ideologia alemã. A melhor edição é da Editora Hucitec, São
Paulo. (Os fundamentos da teoria materialista da história).
MARX, K. Salário, Preço e Lucro. Há várias edições em português. (Uma exposição
condensada da teoria da mais-valia e da exploração do trabalho pelo capital. É uma palestra
para sindicalistas.)
MARX, K. O 18 Brumário de Luis Bonaparte. Há várias edições em português. (A
discussão do golpe de Luís Bonaparte nos permite perceber como Marx analisa os fatos
históricos. É especialmente importante seu tratamento das classes sociais e da luta de classes).
MARX, K. Crítica aos Programas de Gotha e Erfurt. (Série de cartas de Marx na qual
critica a concepção de Estado e de Revolução dos reformistas que tomavam conta do partido
operário alemão ao final do século XIX.)
MARX, K. Glosas Críticas. Precedido de texto do Prof. Ivo Tonet. Rev. Práxis, n. 5.,
1995. B. Horizonte: Projeto Joaquim de Oliveira. (Esgotado, este texto só pode ser obtido por
xerox ou com contato com o Prof. Ivo. Discute a concepção 'negativa' da política com uma
clareza exemplar).
LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. Ed. Livros Horizonte, Lisboa,
Portugal.
MANDEL, E. Introdução ao marxismo. Porto Alegre: Ed. Movimento, 1982.
______ O lugar do marxismo na história. São Paulo: Xamã, 2001.
LUKÁCS, G. As bases ontológicas do pensamento e da atividade do homem. In: Temas
de Ciências Humanas, 1978.
LUKÁCS, G. Pensamento Vivido. São Paulo: Adhominem/Univ. Federal de Viçosa,
1999.
LUKÁCS E AS ESQUERDAS BRASILEIRAS*

Ivo Tonet**

Gostaria, antes de mais nada, de deixar claro o espírito da minha intervenção. A


humanidade está atravessando, hoje, uma crise de proporções nunca vistas. E, ao contrário do
que pensa a maioria dos intelectuais, não se trata apenas de uma transformação no interior do
próprio capitalismo, a exemplo de muitas outras. Trata-se do fato de que esta forma de
sociabilidade já não tem condições de abrir perspectivas para uma realização superior da
humanidade. Não se pense que estou afirmando que o capitalismo já não permite
desenvolvimento em nenhum aspecto da realidade. Isto seria falso. Nem de que ele
desmoronará por si mesmo. O que quero dizer é que estão chegando aos limites as
possibilidades de organizar a sociabilidade no sentido de permitir uma vida mais digna e
humana para todos os indivíduos e não apenas para uma minoria. Por isso mesmo, o que
predomina, hoje, de fato, é uma tendência altamente destrutiva e desumanizadora em todos os
aspectos da vida humana, apesar das imensas potencialidades abertas pelo domínio do homem
sobre a natureza e sobre si próprio. Isto é ainda mais agravado pelas derrotas sofridas pela
perspectiva do trabalho ao longo dos últimos cento e cinquenta anos. E, no que tange ao
universo teórico, esta situação é tornada ainda mais complicada pela extraordinária
deformação sofrida pelo instrumental elaborado por Marx, com repercussões extremamente
negativas para a luta dos trabalhadores contra o capital.
A superação, portanto, do capitalismo não é apenas o desejo de quem se vê excluído
das suas benesses, nem sequer uma esperança utópica daqueles que foram muitas vezes
derrotados. Trata-se de uma imperativa necessidade de sobrevivência – o que implica uma
autoconstrução superior – da própria humanidade. Nunca foi tão verdadeira como hoje, apesar
da negação e do desprezo da imensa maioria dos intelectuais de toda ordem, a afirmação de
que a alternativa está entre o socialismo e a barbárie.
Ora, para a realização desta hercúlea empreitada de superação do capitalismo, o
instrumental teórico é elemento de absoluta importância. Não se pode querer transformar o
mundo sem compreendê-lo. Mas nem todas as pessoas contribuem da mesma maneira para
esta compreensão e transformação do mundo. Algumas se destacam mais, ou na teoria e/ou na

*
Esse texto é o resultado da participação na Mesa Redonda Lukács e as esquerdas brasileiras, integrante da VI
Jornada de Ciências Sociais: Jornada de estudos Leandro Konder, promovida pelo Dep. de Sociologia e
Antropologia da Faculdade de Filosofia e Ciências da UNESP, campus de Marília, realizada de 06 a 08 de
outubro de 1998.
**
Prof. Do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Alagoas e doutorando em educação na
ENESP-Marília.
prática. Leandro Konder foi uma destas pessoas. É justa, pois, a homenagem que se lhe está
prestando. Mas é sempre bom lembrar que a melhor homenagem que se pode prestar a um
autor é ser obrigado, pela sua própria trajetória, a reconhecer as contribuições que o fizeram
elevar-se acima das outras pessoas, mas também poder evidenciar deficiências, lacunas e
limitações face à causa maior que é a superação desta forma de sociabilidade. Pois, o que,
afinal, está em jogo não é apenas um indivíduo, mas os destinos da própria humanidade. É
com este pano de fundo que farei a minha intervenção.
Se Lukács teve alguma influência nas esquerdas brasileiras – e penso que teve,
embora bastante reduzida – deveu-a a um grupo de intelectuais, entre os quais se destaca a
figura de Leandro Konder. Não é o caso de referir, aqui, porque outros já o fizeram com
muito mais pertinência e conhecimento, a importância que Leandro Konder teve na trajetória
do marxismo e da luta social no Brasil. O fato é que, por volta da década de 60, em um
momento em que se travava uma luta intensa contra décadas de deformação e dogmatização
do pensamento marxiano e contra o obscurantismo mantido pelas baionetas a serviço da
burguesia, Leandro Konder teve, inegavelmente, um papel destacado na luta pelo resgate de
um pensamento crítico. E entre as muitas contribuições que deu à renovação do marxismo
destaca-se a introdução, junto com Carlos Nelson Coutinho e outros, do pensamento
lukacsiano no Brasil.
Não é minha intenção historiar o papel de Leandro Konder nesta empreitada.
Gostaria, apenas, de fazer algumas observações a respeito das relações entre Lukács e as
esquerdas brasileiras, tomando como pretexto elementos da trajetória do autor a quem esta
semana é dedicada.
Celso Frederico, em seu texto, que faz parte do vol. II de A história do marxismo no
Brasil (ed. da Unicamp, 1995) após historiar a introdução e a divulgação do pensamento
lukacsiano no Brasil, faz uma constatação e uma indagação instigantes. Segundo ele, no exato
momento em que os intelectuais que trabalhavam com aquele pensamento puderam dedicar-
se, mais direta e intensamente, às questões políticas, acabaram abandonando aquele
instrumental teórico. O autor lembra que a introdução e a divulgação da obra lukacsiana no
Brasil coincidiram, quase inteiramente, com o período da ditadura militar. Deste modo, a luta
intelectual tendeu a nuclear-se ao redor das questões da cultura, da estética e da teoria
literária. Ora, é sabido que Lukács teve uma ampla e original elaboração sobre estas questões.
Assim, ainda que os aspectos ontológico e político não fossem de todo esquecidos, foi sob o
viés cultural que sua obra foi mais conhecida. Quando, pois, a problemática política – com o
início da redemocratização – pode ser mais diretamente abordada, a teoria do pensador
húngaro foi posta em segundo plano e substituída pelo pensamento gramsciano.
O autor pergunta-se por que teria acontecido isto, já que, de modo geral, para todo
autor marxista, a dimensão da política é de inegável importância. Sua resposta vai no sentido
de afirmar que este abandono do pensamento lukacsiano e a maior aproximação com o de
Gramsci se deveria ao fato de que a reflexão do primeiro sobre a dimensão da política é muito
reduzida, quando não tópica, ao contrário de Gramsci, que fez dela o eixo do seu trabalho
teórico.
Na sua imediatez, estes fatos são inegáveis. Com efeito, na Ontologia do ser social
(Roma, Riuniti, 1976-1978) de Lukács, sua grande obra de maturidade, o espaço reservado
explicitamente à reflexão sobre a política é relativamente pouco extenso. Mais ainda, o
aspecto privilegiado é o aspecto mais propriamente filosófico e não o da teoria e da ciência
política, o que lhe confere, por sua própria natureza, um caráter necessariamente mais
abstrato. Mesmo, porém, suas intervenções não propriamente filosóficas são bastante
limitadas. Além disto, suas contribuições, em termos de teoria política e de análise de
situações concretas, não podem de fato, comparar-se com as elaborações de Gramsci, que,
além de extremamente profundas, são também muito extensas.
A explicação de Celso Frederico parece bastante razoável e se apoia em fatos reais.
No entanto, ao meu ver, ela é bastante limitada. Falta o enquadramento desta problemática em
um contexto maior para poder compreender o seu sentido mais profundo.
Com efeito, tanto a aproximação quanto o abandono do pensamento lukacsiano se
inserem, a meu ver, na questão mais ampla da trajetória do marxismo e do mundo em que esta
se deu. Vejamos, pois, rapidamente, esta problemática.
Parece fora de dúvida que a obra original de Marx teve um caráter radicalmente
crítico em relação à sociedade capitalista. O que confere este caráter de radicalidade crítica foi
e continua a ser objeto de discussão. Filio-me àqueles que pensam que o fundamento desta
criticidade está na identificação do caráter radicalmente histórico e social do ser social. Em
síntese, este seria o significado desta afirmação: Marx parte do trabalho como ato ontológico
originário e, através da análise dos elementos essenciais deste ato e dos seus desdobramentos
no processo social, constata que a história humana nada mais é do que o complexo processo
de autoconstrução social do homem. Com isto, ele alcança a raiz última do processo social, ou
seja, o homem enquanto autor decisivo de si mesmo. Este achado corta o passo a qualquer
interpretação determinista, teológica ou teleológica da história. Do mesmo modo, corta o
passo a toda tentativa de eternizar qualquer forma de organização social, deixando claro que
isto não passa de expressão de determinados interesses particulares. De modo que a captura da
lógica interna da forma da sociabilidade capitalista implica também, necessariamente, a
constatação da possibilidade da sua superação. Este caráter ontológico (histórico e social) é, a
meu ver, o que define a originalidade e a profundidade da ruptura de Marx com a tradição
ocidental e o que lança as bases para um novo patamar científico-filosófico. É também este
caráter ontológico que confere à teoria marxiana a capacidade intrínseca – que, quando
perdida, o destrói – de não somente criticar (tomando esta palavra num sentido ontológico e
não apenas epistemológico) a realidade e as outras teorias, mas também de exercer a
autocrítica sobre si mesma.
Acontece que a recepção e a difusão, larguissimamente hegemônicas, do que veio a
se chamar de marxismo – por motivos históricos que não podemos detalhar aqui – não
compreendeu, perdeu ou rejeitou explicitamente como metafísico este caráter originalmente
ontológico do pensamento de Marx. O marxismo hegemônico – adotado por todos os partidos
comunistas – assumiu um caráter francamente objetivista e/ou idealista, transformando, deste
modo, a proposta original, de cunho essencialmente crítico – no sentido ontológico – em uma
teoria incapaz de agarrar o movimento do processo social como totalidade histórica. O
resultado disto foi um misto de empirismo e idealismo, que serviu para justificar uma certa
ordem social identificada, por determinadas instâncias políticas, como sendo o socialismo
proposto por Marx.
É claro que o marxismo não se esgotava nesta forma hegemônica. A luta contra esta
e outras deformações sempre se fez presente, com altos e baixos, com maior ou menor
intensidade. Mas é inegável que aquela concepção objetivista teve, ao longo de décadas, uma
hegemonia praticamente indiscutível. Por outro lado, muitos autores, que perceberam o
absurdo e a contradição do marxismo objetivista, opuseram-lhe críticas que, de uma forma ou
de outra, terminaram por acentuar a tendência contrária, ou seja, o idealismo. Afirmação esta
válida para o próprio Lukács até História e consciência de classe. Poucos foram aqueles que,
implícita ou explicitamente identificaram o caráter ontológico como a chave do resgate da
radicalidade crítica do marxismo. Entre estes últimos, o autor mais significativo é, sem
dúvida, Lukács, em sua obra de maturidade.
Ora, a obra lukacsiana, após a adesão do autor ao marxismo e também ela com uma
trajetória complexa, insere-se neste esforço por restituir ao marxismo o seu sentido
genuinamente crítico. Contudo, por razões que não é possível expor neste breve texto, a obra
de Lukács que mais avança na reconstrução da teoria marxiana, a Ontologia do ser social, foi
e continua a ser uma grande desconhecida. Não somente no Brasil, mas também no exterior.
E, embora não sendo o único, e com todos os defeitos, lacunas e problemas, Lukács me
parece o autor mais importante neste esforço pela reconstrução do marxismo enquanto teoria
efetivamente crítica Todas as outras tentativas de resgatar o caráter crítico da obra de Marx,
integrantes daquilo que foi chamado de marxismo ocidental, vão numa linha claramente anti-
ontológica. E, a meu ver, a recusa, o desconhecimento e/ou o insuficiente aproveitamento
desta concepção ontológica do marxismo são os responsáveis pelo insucesso destas tentativas
de renovação.
Ora, no caso em tela, da introdução e utilização do pensamento lukacsiano no Brasil,
todo este conjunto de circunstâncias teve um grande peso, aliado às especificidades do
momento histórico nacional.
Com efeito, a introdução de Lukács no Brasil é realizada por intelectuais integrantes
ou próximos do partido comunista do Brasil. Intelectuais estes que, naquele momento, se
inscreviam na luta contra a hegemonia do dogmatismo e do objetivismo vigentes neste
partido, mas certamente não deixavam de pagar algum tributo à sua formação original. Além
disto, como já disse, a chegada de Lukács ao Brasil também praticamente coincidiu com a
instauração da ditadura militar, o que levou a flexionar a luta teórica mais para o campo
cultural do que para o campo da política. Deste modo, o que se privilegiou, na obra
lukacsiana, não foi o seu teor propriamente ontológico – essencial para uma renovação radical
do marxismo – mas a problemática relativa à arte e à cultura. Certamente, este caráter
ontológico não era desconhecido, muito pelo contrário, mas o seu estudo, a sua apreensão
exaustiva e detalhada, que permitisse a compreensão da sua real importância na reconstrução
da teoria marxiana a partir das suas raízes, foi claramente insuficiente. Tanto é que não existe,
até hoje, nenhum trabalho mais sistematizado sobre a obra de maturidade do pensador
húngaro. Sintomaticamente, o próprio Konder não faz nenhuma referência a ela em seu livro
O futuro da filosofia da praxis (Paz e Terra, 1992).
Durante algum tempo, o pensamento gramsciano pareceu fornecer o instrumental
necessário para superar o dogmatismo stalinista e prover teoricamente de modo crítico a luta
dos trabalhadores. Contudo – como já é sabido – por um lado, a própria natureza da obra de
Gramsci permitiu que fossem feitas várias leituras, das quais a mais privilegiada foi aquela
que desembocou no chamado “socialismo democrático”. Por outro lado, a ausência de uma
elaboração filosófica explícita, que repusesse, a partir dos fundamentos, a capacidade crítica
da teoria marxiana, impediu que o pensamento gramsciano – mesmo nas suas leituras não
reformistas – pudesse levar a cabo esta tarefa. Pois, o fato é que não se tratava – como não se
trata hoje – apenas de teoria política ou de ciência política, mas de um resgate da teoria a
partir dos seus fundamentos filosóficos. A insuficiente, ou muitas vezes equivocada,
resolução destas questões acabava mostrando todas as suas fragilidades nos embates com o
pensamento burguês nas mais diversas áreas. Fragilidade que, a meu ver, levou o marxismo a
perder a sua identidade própria, tornando-se apenas mais um dos muitos pontos de vista
possíveis e, com isto, aceitando, no mais das vezes sem perceber e justificando até tal atitude,
a batalha teórica – e os seus desdobramentos práticos – no campo do adversário.
É neste sentido que é sintomática a trajetória de Leandro Konder. Como já disse, sua
contribuição na luta cultural, na luta política e nas batalhas práticas teve um destaque que
deve ser reconhecido. Por outro lado, ela mostra claramente uma inflexão explícita em direção
ao que acima chamei de “socialismo democrático”, que me parece um caminho equivocado.
Faltar-me-ia tempo e espaço para mostrar em detalhes esta inflexão. Limito-me a apontar
como sintomático o livro intitulado O futuro da filosofia da praxis. Nele o autor pretende
apontar o caminho que o marxismo deverá seguir se quiser renovar-se e subsistir enquanto
instrumento de luta por um mundo melhor. Essencial para isto é, segundo ele, a “assimilação
dos valores do pluralismo”, que inclui uma postura teórica e prática aberta, anti-dogmática e
anti-sectária e a aceitação da luta por uma “cidadania democrática”, como objetivo maior. É,
sem dúvida, justíssima a preocupação de Leandro Konder de opor-se ao dogmatismo, ao
sectarismo e à estreiteza teórica e prática que caracterizou o marxismo, na sua vertente
hegemônica. Mas, ao meu ver, o resgate da radical criticidade desta teoria não passa, de modo
algum, pela assimilação dos valores do pluralismo – seja ele epistemológico, político, ético ou
estético. Antes pelo contrário, é na assimilação da teoria marxiana enquanto perspectiva
ontológica – visceralmente crítica, anti-dogmática, anti-sectária e intrinsecamente atada à
emancipação humana – que está a possibilidade de restabelecer a identidade mais profunda do
marxismo e delimitar claramente a perspectiva própria do trabalho contra o capital. Em meu
livro Democracia ou liberdade (Maceió, Edufal, 1988) podem-se encontrar, mais explicitadas
as razões que me levam a opor-me, frontalmente, ao pluralismo tanto epistemológico quanto
político, sem que isto signifique, de modo algum, uma adesão ao dogmatismo e ao sectarismo.
O que, a meu ver, explica o que me parece serem equívocos de Leandro Konder é
exatamente não o desconhecimento, mas a insuficiente assimilação da ontologia do ser social
lukacsiana. E fique claro que não penso em termos de uma aceitação servil, mas como o
caminho – constituendo e constituinte – capaz de resgatar o marxismo como o método mais
apropriado para compreender e orientar a transformação do mundo. Leandro contribuiu para
introduzir a divulgar as idéias lukacsianas no Brasil. Circunstâncias históricas levaram-no e a
outros a relegá-las a um segundo plano e a assumir outros pontos de vista, sem contudo
abandonar a idéia de que a superação do capitalismo é uma necessidade se se tem em vista a
construção de um mundo melhor. Por isto mesmo, esta contribuição, da máxima importância,
precisa ser retomada e levada adiante porque, se o homenageado me permite, ela atende
exatamente àqueles objetivos aos quais ele dedicou e continua a dedicar a sua vida.
MARXISMO E DEMOCRACIA
Ivo Tonet

Introdução

O tema, assim colocado pelo título, é por demais vasto. Faz-se necessária uma
delimitação. Falar em marxismo pode dar a idéia de que exista uma doutrina homogênea e
coerente com esse nome. O que, de fato, existe, é uma tradição marxista, complexa e
contraditória, onde se entrecruzam variadas interpretações do pensamento de Marx. Com
posições, às vezes, muito conflitantes e excludentes. Mas, todas elas se reportando ao
pensamento do fundador dessa tradição.

De modo que falar em marxismo e democracia num sentido tão amplo seria abordar
a história dessas variadas interpretações do pensamento de Marx e dos que se pretendem
seguidores dele acerca dessa problemática. O que, obviamente, não é realizável em tão pouco
espaço nem seríamos nós competentes para tal empreitada.

Por isso, preferimos ater-nos apenas ao que julgamos seja o pensamento de Marx a
respeito dessa questão. E mesmo assim, sabendo que circunstâncias histórias determinadas
levaram a colocar essa questão, a nosso ver, de modo equivocado. Vale dizer, a discussão, em
geral, começa por colocar a questão dessa forma: Marx é contra ou a favor da democracia? É
claro que, colocada assim a questão, não é difícil, ao examinar a obra dele, encontrar
argumentos para sustentar qualquer uma das duas posições. Especialmente, a primeira.

Entendemos que o caminho deve ser diferente. O ponto de partida não deve ser o
exame dos textos onde Marx se refere explicitamente à questão da democracia. Infelizmente,
é isso o que costuma acontecer, com o conseqüente descaminho de toda a problemática. A
nosso ver, o ponto de partida deve ser o estabelecimento da natureza do pensamento de Marx,
a sua arquitetura fundamental para, em seguida, compreender aquela problemática a partir
desse fio condutor. Isto porque, o sentido de qualquer questão (no caso, da democracia) só
aparecerá efetivamente quando ela for remetida à arquitetura do conjunto da obra desse autor.

Professor de Filosofia do Instituto de Ciências Humanas, Comunicação e Artes da Universidade Federal de


Alagoas. Doutor em educação.
Só então, as referências explícitas que o autor faz a essa questão ganharão seu verdadeiro
sentido.

Aliás, essa necessidade de não isolar qualquer tema do conjunto da obra de um autor
é, a nosso ver, um princípio heurístico que deveria nortear a compreensão de qualquer
problema, de qualquer autor, e não apenas de Marx.

1. O pano de fundo dessa discussão

Para situar melhor essa problemática cumpre fazer referência ao momento histórico-
social que deu origem à forma particular como ela é abordada e ao equívoco acima
mencionado. Esse momento tem por epicentro a revolução soviética de 1917.

Ao fazer uma crítica, teórica e prática, do caminho reformista trilhado pela social-
democracia alemã, a revolução soviética recolocou na ordem do dia a perspectiva original
marxiana, de caráter radicalmente crítico e revolucionário. Tratava-se de erradicar o capital e,
com ele, o conjunto da sociabilidade burguesa e não de reformá-los.

Desse modo, a revolução reivindicava-se como a realização prática da doutrina


marxiana. Basta ler o livro de Lenin, escrito antes da revolução, intitulado O Estado e a
Revolução, para perceber isso com toda clareza.

A erradicação da sociabilidade burguesa implicava não apenas a superação da sua


base material, mas também, do conjunto das objetivações que se originavam dela. Desse
modo, o conjunto de instituições, direitos e liberdades que compunham a democracia e a
cidadania também deveria ser suprimido, por ser constitutivo da ordem burguesa. A suposição
era de que eliminando a totalidade da sociabilidade burguesa se estaria construindo uma
forma de sociabilidade inteiramente nova e superior. À ordem burguesa, centrada no
indivíduo, se oporia uma ordem socialista, que gravitaria ao redor da coletividade.

Como se sabe, não foi nada disso que aconteceu. Ao invés de uma forma de
sociabilidade mais livre e superior, o que emergiu desse processo foi uma brutal ditadura na
qual nem sequer as objetivações democrático-cidadãs burguesas tiveram a possibilidade de
florescer.
Esse resultado foi entendido de duas maneiras. Para os conservadores, foi a prova
prática do caráter visceralmente antidemocrático do marxismo e de sua expressão prática, o
socialismo. E, adicionalmente, a prova cabal da inviabilidade do socialismo. Para os que
continuavam a acreditar na possibilidade do socialismo, mas, que assumiam uma postura
crítica face à revolução soviética, significava a existência de um grave defeito, teórico e
prático. Esse defeito indicava uma concepção estreita e equivocada, de Marx, acerca da
questão da democracia e da cidadania. Segundo esses pensadores, para Marx, o conjunto de
instituições, direitos e liberdades democráticos teria um caráter essencialmente particular e
burguês (individualista). Por isso mesmo, deveria ser suprimido pela revolução proletária.

Os eventos concretos pareciam comprovar o equívoco de Marx. Pois, teria sido


exatamente, a ausência daquelas objetivações democrático-cidadãs que impediu o avanço do
processo de socialização da economia que, apesar dos inúmeros problemas, estaria em curso.

Tratava-se, pois, para esses pensadores, de fazer uma crítica do pensamento de Marx,
demonstrando que a democracia e a cidadania têm um caráter universal. Que são valores que
interessam a toda a humanidade e não apenas a uma classe. E que, quando liberados da sua
conexão e sujeição ao capital, elevam a humanidade a um grau superior de existência. Marx
estaria certo quanto à questão da socialização da economia, mas estaria errado quando
propunha a eliminação da democracia. Tratava-se de corrigir esse erro.

O resultado dessa postura, foi estabelecer que a oposição se dava entre democracia –
um valor universal, que contribuía para o desenvolvimento superior da humanidade/cidadania
– e ditadura – um obstáculo ao avanço do progresso humano. A democracia/cidadania seria a
forma mais elevada possível da liberdade humana. E, sendo ela um valor universal, sua
relação com o capital seria apenas circunstancial, de maneira nenhuma essencial. Mais ainda:
seu pleno florescimento só poderia se dar quando os entraves postos pelo capital fossem
eliminados.

O resultado final disso foi a elaboração do que veio a ser chamado de “o caminho
democrático para o socialismo”, ou seja, a construção de uma sociedade socialista através da
tomada pacífica do Estado burguês, sua transformação e sua colocação a serviço dos
interesses da classe trabalhadora.

Como se pode ver, a interpretação do que Marx pensava acerca da democracia


recebeu um enfoque todo particular a partir da equivocada aceitação de que a revolução
soviética foi a efetivação prática do seu pensamento. Toda a problemática da relação do
pensamento desse autor com a democracia foi interpretada em chave politicista, vale dizer,
como se a dimensão política fosse um componente essencial do ser social e o princípio de
inteligibilidade e de estruturação da sociedade. Aliás, contrariando frontal e radicalmente o
pensamento de Marx, todo o processo social foi apreendido, pelos teóricos da “via
democrática para o socialismo”, em chave politicista. Vale dizer, como se o Estado fundasse a
sociedade como sociedade (como um todo organizado); como se o Estado fosse uma
dimensão essencial e nunca eliminável da sociedade; como se ele devesse subsistir mesmo
numa sociedade onde já não houvesse classes sociais; como se fosse ele o instrumento
fundamental para a eliminação das desigualdades sociais. Daí aquela colocação equivocada da
questão: Marx é contra ou a favor da democracia? Como se a questão fundamental fosse a
busca da melhor forma possível de Estado.

2. Marx e a democracia

Porém, a arquitetura do pensamento de Marx é inteiramente contrária ao modo de


pensar acima mencionado. Aliás, embora disfarçado, aquele é muito similar ao pensamento
liberal. Este parte da idéia de que os homens são egoístas por natureza. Como esse egoísmo
gera a oposição de todos contra todos (“homo homini lupus”) faz-se necessária a presença de
um instrumento coibidor dessa insuperável maldade humana. Esse instrumento seria o Estado.
O que significa dizer que o Estado funda a sociedade como sociedade, ou seja, transforma
aqueles indivíduos que existem no estado de natureza em uma sociedade organizada.
Coerentemente, o pensamento liberal admite a insuperabilidade da desigualdade social –
expressão do egoísmo humano – e, em decorrência, a necessidade da presença ineliminável do
Estado. Embora sem a fundamentação de tipo liberal (porque admite o Estado como um
componente essencial do ser social), o pensamento socialista-democrático também não propõe
a supressão do Estado e quer manter a sua presença mesmo quando não existam mais classes
sociais e até fazer dele o principal instrumento de superação da desigualdade social. Mas, para
isso ele tem que desvestir o Estado de seu caráter de classe e apresentá-lo como uma categoria
representativa do interesse geral.

Para Marx, não é o Estado que funda a sociedade como sociedade. É o trabalho. É o
que ele afirma no Prefácio à Contribuição para a Crítica da Economia Política. Diz ele (1973,
p 28):
Nas minhas pesquisas cheguei à conclusão de que as relações jurídicas –
assim como as formas de Estado – não podem ser compreendidas por si
mesmas, nem pela dita evolução geral do espírito humano, inserindo-se, pelo
contrário, nas condições materiais de existência de que Hegel, à semelhança
dos ingleses e franceses do século XVIII, compreende o conjunto pela
designação de “sociedade civil”; por seu lado, a anatomia da sociedade civil
deve ser procurada na economia política.

E continua ele (idem, ibidem):

A conclusão geral a que cheguei e que, uma vez adquirida, serviu de fio
condutor dos meus estudos, pode formular-se resumidamente assim: na
produção social da sua existência, os homens estabelecem relações
determinadas, necessárias, independentes da sua vontade, relações de
produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das
forças produtivas materiais. O conjunto dessas relações de produção
constitui a estrutura econômica da sociedade, a base concreta sobre a qual
se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem
determinadas formas de consciência social.

Esta afirmação é corroborada por outra, de talhe igualmente enfático, encontrada em


O Capital. Nele, Marx afirma (1975, p. 50):

O trabalho, como criador de valores-de-uso, como trabalho útil, é


indispensável à existência do homem, – quaisquer que sejam as formas de
sociedade, - é necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio
material entre o homem e a natureza e, portanto, de manter a vida humana.

Como se pode ver, é a partir desse intercâmbio do homem com a natureza que surge
um novo tipo de ser que é o ser social. Isso deixa claro que o trabalho, e não a política, é o
fundamento ontológico do ser social. Em nenhum momento a categoria do trabalho perde o
seu caráter de fundamento. O que significa que toda e qualquer forma de sociabilidade terá,
sempre, como seu fundamento, uma determinada forma de trabalho.

Porém, o fato de ser o trabalho o fundamento ontológico do ser social, de modo


nenhum resume este último àquele. Muitas outras dimensões são necessárias para a
reprodução do ser social. Independente da sua importância, porém, nenhuma delas assume
aquele caráter de fundamento ontológico. Isto porque o trabalho é a única categoria cuja
função social consiste na transformação da natureza para a criação dos bens materiais
necessários á existência humana. Isso transforma o trabalho na matriz ontológica do ser
social. Desse modo, todas as outras dimensões – a exemplo de linguagem, educação,
socialidade, arte, religião, ciência, filosofia, direito, política, etc. – têm seu fundamento
ontológico no trabalho embora, por sua própria função social específica, guardem com ele
também uma relação de autonomia relativa e de determinação recíproca.
Como decorrência disto, segue-se uma outra constatação, também de caráter
ontológico. Quer dizer, segue-se que o ser social se caracteriza por ser uma totalidade e uma
processualidade, isto é, um conjunto articulado de partes, em processo e em determinação
recíproca. Conjunto esse também permeado pela negatividade, vale dizer, por carregar em seu
interior elementos contraditórios, que se opõem entre si e se negam mutuamente. Porém, um
conjunto de partes cuja matriz ontológica é o trabalho. Por isso mesmo, nenhuma das partes
pode ser compreendida efetivamente sem a sua remissão à totalidade da qual é um elemento.

É a partir desses fundamentos onto-metodológicos que se deve buscar a concepção


de Marx acerca do Estado e da democracia.

Sabe-se que, para Marx, o Estado tem sua origem na existência da propriedade
privada e das classes sociais. É do antagonismo existente entre as classes que brota a
necessidade do Estado, porém com a clara finalidade de defender os interesses das classes
dominantes.

A forma que esse Estado assumirá ao longo da história dependerá da concreta relação
entre as classes num determinado momento e espaço históricos. O exame dessa situação
concreta permite explicar a existência das várias formas de Estado, inclusive da forma
democrática na Grécia antiga e também desta forma, ainda que embrionária, em Florença.

O exame de todas as formas democráticas de Estado indica que a democracia é


sempre uma forma política e como forma política deve sua existência a uma determinada
forma de trabalho sempre marcada pela exploração do homem pelo homem. Por isso mesmo,
sua existência pode ser desconectada do capital, argumento esgrimido pelos defensores da
democracia como valor universal para sustentar a sua existência para além da sociabilidade
capitalista, mas de modo nenhum da propriedade privada. No entanto, o que não pode ser
desconectado do capital é a democracia na sua forma moderna, não obstante todas as
contradições que existam entre essas duas categorias. Certamente há contradições entre o
capital e a democracia. Mas, estas são apenas a demonstração da autonomia relativa que ela
tem face àquele, sem negar, de modo nenhum, a sua dependência ontológica dele.

Quanto ao mundo moderno, sabemos que, para Marx, a forma específica de trabalho,
que funda o capitalismo, é a relação capital-trabalho. Esta relação se expressa num conjunto
de categorias – trabalho abstrato, trabalho assalariado, valor de troca, mercadoria, mais-valia,
capital, dinheiro, etc. – que implicam, necessariamente, a subordinação do trabalho ao capital,
a exploração do trabalho pelo capital e a existência da desigualdade social. Este conjunto de
relações de produção, que supõe um determinado desenvolvimento das forças produtivas é o
que Marx chama de anatomia da sociedade civil em, o travejamento fundamental da
sociedade burguesa.

Ora, esta relação entre capital e trabalho, que se põe sob as mais variadas formas, não
poderia funcionar sem a presença de um “instrumento”, externo a essa mesma relação, mas
requerido necessariamente por ela, que garantisse a reprodução da sociedade sob essa forma.
Vale dizer, que mantivesse os trabalhadores como trabalhadores assalariados e os capitalistas
como proprietários dos meios de produção e do capital. Esse “instrumento” é o Estado. Sem a
interveniência do Estado, com o seu aparato político, jurídico, militar, burocrático e
ideológico, o capitalismo simplesmente não poderia funcionar. Como afirma Mészáros em
Para além do capital, interpretando corretamente o pensamento de Marx, capital, trabalho e
Estado são três momentos intimamente articulados. Nenhum deles pode ser eliminado
isoladamente sob pena de impedir o funcionamento do modo de produção capitalista. E
também nenhum deles pode ser mantido na ausência dos outros. Que a presença do Estado se
faça de forma coercitiva e/ou consensual em nada altera o caráter essencial dele, embora faça
enorme diferença quando se trata da análise concreta e da luta concreta.

Por isso mesmo, o Estado não é propriamente um “instrumento”, vale dizer, algo que
possa ser apropriado por qualquer classe e colocado ao seu serviço. Ele é, na verdade, uma
relação social, gerada pela existência de classes sociais antagônicas e que tem como função
permitir a reprodução da sociedade segundo os interesses das classes dominantes. Ora, manter
esses interesses significa, sob as mais variadas formas, garantir a exploração e a dominação
do homem pelo homem. Por isso, diz Marx (Glosas críticas ao artigo O Rei da Prússia e a
Reforma social. De um prussiano, p. 81): A existência do Estado e a existência da escravidão
são inseparáveis. E acrescenta que a impotência do Estado face aos problemas sociais é a
clara demonstração de que ele não pode eliminar aquilo que é o seu fundamento e que dá
origem àqueles problemas, vale dizer, a propriedade privada.

Quando, então, examinarmos o contrato original de trabalho (capitalista), vemos que


ele exige, para sua efetivação, dois sujeitos que tenham, no mínimo, três qualidades básicas.
Ambos têm que ser livres, iguais e proprietários. Livres, porque o fazem sem serem a isso
jurídica nem politicamente obrigados; iguais, porque trocam entre si equivalentes;
proprietários, porque cada um deles detém a propriedade de algum bem; força de trabalho, o
trabalhador, capital, o capitalista.

Estas três qualidades básicas serão o fundamento a partir do qual se configurará o


conjunto das objetivações democrático-cidadãs. A luta concreta das classes dirá da sua
ampliação ou da sua restrição e da sua concretude. É claro que, ao capital, não interessa a
ampliação dos espaços democrático-cidadãos para os trabalhadores. A isso ele só cederá se
for compelido pela luta dos trabalhadores e/ou quando isso lhe for conveniente. E sempre,
embora com perdas momentâneas, saberá dar a volta por cima e garantir em nível superior a
sua reprodução. No entanto, ele também não pode suprimir completamente aqueles espaços,
sob pena de matar a galinha dos ovos de ouro. Isto porque, sem compra-e-venda de força de
trabalho, que é de onde brota o valor e de onde nasce o capital, não existe capitalismo. E,
como vimos, o contrato de trabalho implica, necessariamente, aquelas três qualificações dos
contratantes.

Como se pode ver, essa célula mater da sociedade capitalista, que é o contrato de
trabalho, carrega em si uma divisão interna. Ela articula em si dois momentos: o momento da
desigualdade real e o momento da igualdade formal. As formas certamente variarão, tanto ao
longo do tempo quanto nos diversos espaços. O campo da desigualdade real poderá ser maior
ou menor e bem assim o da igualdade formal. Isso dependerá da luta de classes em cada
momento e em cada espaço históricos. Mas, esses dois momentos guardam, entre si, uma
relação incindível no capitalismo.

Além disso, o capital, por sua própria natureza, implica a concorrência entre os
diversos capitais que compõem a sua totalidade. E essa concorrência supõe a existência de
determinadas regras que devem ser observadas por todos. Ora, quanto mais plenamente
desenvolvido o capital, ou, como Marx diz, quanto mais verdadeiro ele for, esse verdadeiro
significando a sua forma industrial, mais ele necessita, para sua reprodução, de um espaço
democrático. É preciso observar, porém, que mesmo nessa forma mais desenvolvida, nada o
isenta das suas insuperáveis contradições internas, o que faz com que, mesmo aí, a
democracia possa ser mais ampla ou mais restrita.

Disso tudo se conclui que, para Marx, democracia – aí incluindo a cidadania – é


forma política. Ela é a expressão formal (igualitária) do conteúdo real (desigualitário) gerado
pela relação capital-trabalho. Por isso mesmo, a democracia é, ao mesmo tempo, expressão
da desigualdade social e condição da sua reprodução. Mas, como veremos logo mais, esta
afirmação não significa, em nenhum momento, um desprezo ou desqualificação dessa
categoria. Significa, simplesmente, a compreensão da sua origem, da sua natureza, da sua
função social e dos seus limites intrínsecos.

Por isso mesmo, ela também é uma forma de liberdade necessariamente limitada.
Não importa quão aperfeiçoada ela seja, não importa quanto ela possa diminuir a
desigualdade social, ela jamais poderá arrancar (e nem sequer identificar) a raiz dessa
desigualdade, que é a propriedade privada, uma vez que ela repousa sobre essa própria raiz.
Ora, a existência da propriedade privada significa a existência da exploração e da dominação
do homem pelo homem. A conseqüência necessária disto é a impossibilidade de os homens
serem efetivamente livres.

E, para perceber melhor essa relação entre capital e democracia, basta examinar
como isso se dá na fábrica. Lá onde se produz a mercadoria, no processo de produção da
riqueza, o capital reina soberano. Lá não pode existir democracia. Lá é o capital que dá as
ordens. Por outro lado, a forma política também se faz presente na fábrica, mas, dessa vez,
apenas para regular, de alguma maneira a produção da mercadoria. Isso em nada altera o
cerne da questão que é a subordinação do trabalho ao capital. Por isso mesmo, o trabalhador e
o capitalista são, cada um deles ao mesmo tempo, bourgeois e citoyen, indivíduo privado e
indivíduo público, ambos os momentos compondo uma unidade indissolúvel. Autocratismo e
democracia são duas faces da mesma moeda.

Lenin, interpretando corretamente o pensamento de Marx, diz o seguinte (1978, p.


107):

A sociedade capitalista, considerada nas suas mais favoráveis condições de


desenvolvimento, oferece-nos uma democracia mais ou menos completa na
República democrática. Mas, essa democracia é sempre comprimida no
quadro estreito da exploração capitalista; no fundo, ela não passa nunca da
democracia de uma minoria, das classes possuidoras, dos ricos. A liberdade
na sociedade capitalista continua sempre a ser, mais ou menos, o que foi nas
Repúblicas da Grécia antiga: uma liberdade de senhores fundada na
escravidão.

Nada disso diminui, aos olhos de Marx, o valor destas objetivações democráticas.
Referindo-se á emancipação política, que encerra esse conjunto de objetivações democráticas,
diz ele (1991, p. 28):

Não há dúvida que a emancipação política representa um grande progresso.


Embora não seja a última etapa da emancipação humana em geral, ele se
caracteriza como a derradeira etapa da emancipação humana dentro do
contexto do mundo atual. É óbvio que nos referimos à emancipação real, à
emancipação prática.

Por isso mesmo diz Marx (e Engels), no Manifesto Comunista (1998, p. 29-30) que
(...) o primeiro passo na revolução operária é a passagem do proletariado a classe
dominante, a conquista da democracia pela luta. Este é um momento superior da democracia
porque, ao contrário da sua forma anterior, é o domínio da maioria sobre a minoria. Contudo,
mesmo assim, ela não deixa de ser uma forma limitada de liberdade. Trata-se de uma
liberdade mais ampla para a maioria, mas ainda é uma liberdade onde inexistem os
pressupostos fundamentais para a “liberdade plena”, vale dizer, para o domínio livre,
consciente, coletivo e universal sobre o processo de produção e, a partir dele, sobre o conjunto
do processo social.

Aliás, esse é o sentido da tão discutida e mal interpretada “ditadura do proletariado”.


É claríssimo que Marx não se refere a uma forma de Estado, mas a uma forma da relação
entre as classes sociais num determinado momento, o da transição de um modo de produção a
outro. O proletariado, após a quebra do poder político da burguesia, organizado em classe
dominante, utilizará esse poder político não para manter a exploração do homem pelo homem
(no caso, da burguesia sobre a classe trabalhadora), mas exatamente para aniquilar a
resistência daquela classe à extinção dessa exploração.

Mas, esse, segundo Marx, será, necessariamente, apenas um momento – que ele e
Engels julgavam razoavelmente curto – de transição do capitalismo ao comunismo. Esse é o
momento em que, ao contrário da forma tipicamente burguesa, a democracia está voltada ao
atendimento dos interesses da maioria (os trabalhadores) em detrimento dos interesses da
minoria (os burgueses). Esse momento transitório durará o tempo necessário para que o
trabalho associado, a alma do socialismo, entre em cena, se desenvolva e ponha os
fundamentos de uma forma radicalmente nova de sociabilidade.

Para bem entender o que Marx pensa acerca da democracia é preciso ter claro que o
seu objetivo – que ele extrai da análise do capital e não de seu coração – é a eliminação da
exploração do homem pelo homem, cuja última forma, segundo ele, é o capitalismo. Quando,
pelo contrário, se põe no centro da discussão o dilema ditadura ou democracia, o que está em
pauta é a forma mais ou menos explícita, mais ou menos brutal dessa exploração, mas não a
sua supressão. A Marx interessa pensar uma forma de sociabilidade em que os homens
possam ser plenamente livres e não apenas mais livres.
Por isso mesmo, a liberdade, na sua forma plena (portanto, para além da forma
democrática), só pode configurar-se com a supressão radical da propriedade privada, das
classes sociais e, por conseqüência, do seu instrumento fundamental de manutenção, que é o
Estado.

Marx já fazia alusão a isso em um texto de 1844, A Questão Judaica. Lá, diz
ele (1991, p. 52):

Somente quando o homem individual recupera em si o cidadão


abstrato e se converte, como homem individual, em ser genérico, em
seu trabalho individual e em suas relações individuais; somente
quando o homem tenha reconhecido e organizado suas “forces
propres” como forças sociais e quando, portanto, já não separa de si a
força social sob a forma de força política, então somente se processa a
emancipação humana.

E em O Capital ele afirma enfaticamente que a forma mais plena da liberdade


não só implica o trabalho associado como sua bate material, mas se situa para além dele.
Diz ele (1974, p. 942):

A liberdade nesse domínio (do trabalho associado, I. T.) só pode


consistir nisto: o homem social, os produtores associados regulam
racionalmente o intercâmbio material com a natureza, controlam-no
coletivamente, sem deixar que ele seja a força cega que os domina;
efetuam-no com o menor dispêndio de energias e nas condições mais
adequadas e mais condignas com a natureza humana. Mas, esse
esforço situar-se-á sempre no reino da necessidade. Além dele começa
o desenvolvimento das forças humanas como um fim em si mesmo, o
reino genuíno da liberdade, o qual só pode florescer tendo por base o
reino da necessidade. E a condição fundamental desse
desenvolvimento humano é a redução da jornada de trabalho.

Infelizmente, todas as tentativas de revolução que se pretendiam socialistas não


foram além da quebra do poder político da burguesia. Esta, porém, é uma condição
necessária, mas de modo nenhum suficiente. A condição fundamental para a superação do
capital e, portanto, de toda exploração do homem pelo homem, é a entrada em cena da “alma”
do socialismo, vale dizer, do trabalho associado. Porém, o trabalho associado só pode
comparecer se as forças produtivas estiverem de tal modo desenvolvidas que possam permitir
a produção abundante de riqueza, de modo a atender as necessidades de todos. Este não era,
de modo nenhum, o caso de todos os países onde se tentou levar a cabo a revolução socialista.
E Marx já afirmara em A Ideologia alemã (1986, p. 50):
(...) esse desenvolvimento das forças produtivas (...) é um pressuposto
prático, absolutamente necessário, porque, sem ele, apenas generalizar-
se-ia a escassez e, portanto, com a carência, recomeçaria novamente a
luta pelo necessário e toda a imundície anterior seria restabelecida; (...).

Essa previsão de Marx realizou-se plenamente. Com um agravante. Socialismo


acabou se tornando sinônimo de estatização, planejamento centralizado, desenvolvimento das
forças produtivas, melhoria das condições de vida da maioria. Porém, como em todos os casos
em que se realizaram essas tentativas de revolução socialista o atraso era imenso, fazia-se
necessário desenvolver rapidamente essas forças produtivas. E foi isso o que se fez, sob a
direção do Estado. Mas, obviamente, isso exigia um controle rígido, por parte do Estado, de
toda a população, especialmente da classe trabalhadora. Isto porque só é possível desenvolver,
rapidamente e em grande escala, as forças produtivas, em situação de carência, na base da
exploração dos que produzem a riqueza, vale dizer, dos trabalhadores. O que, por sua vez,
implicava, necessariamente, o sufocamento até da forma democrático-cidadã da liberdade. Em
suma, chamou-se de socialismo o que, na verdade, nada mais era do que o controle do capital
por parte do Estado. Controle esse que só podia ser superficial e temporário, porque, por sua
própria natureza o capital é incontrolável e por isso ele fatalmente retomaria o seu caminho. E
foi exatamente o que aconteceu e o que Marx tinha previsto, com os resultados que todos
conhecemos.

Porém, um dos efeitos perversos de todo esse processo foi identificar socialismo com
ditadura, com supressão coercitiva das liberdades e instituições democrático-cidadãs, com
Estado autocrático. Perdeu-se, desse modo, o fio condutor da discussão da problemática do
socialismo, que é a autoconstrução humana plenamente livre. Liberdade essa, porém, que
requer, necessariamente, para sua edificação, uma base material, que só pode ser posta pelo
trabalho associado. Ausente este, ou a liberdade se configura sob a forma democrático-cidadã
ou sob qualquer outra forma inferior a esta. Liberdade plena (que nada tem a ver com absoluta
ou irrestrita) implica, para Marx, o controle – livre, consciente, coletivo e universal – dos
produtores sobre o processo de produção e, a partir dele, sobre o conjunto do processo social.

Como se pode ver, para Marx não se trata de menosprezar ou desqualificar a


democracia. Trata-se de compreender a sua origem, histórico-ontológica, a sua natureza, a sua
função social e também os seus limites. Os fundamentos onto-metodológicos, a partir dos
quais ele aborda essa problemática lhe permitem apreender tanto os aspectos positivos dessa
categoria como evidenciar as suas limitações essenciais.
É claro que aos ideólogos burgueses interessa afirmar que Marx é inimigo da
democracia e partidário da ditadura! Não há nenhum mistério nessa posição. Para eles, o
dilema se põe entre democracia e ditadura. E todos os que criticam a democracia são, ipso
facto, partidários da ditadura! Seus limites de classe lhes impedem de ver qualquer forma de
liberdade para além e superior à democracia. O “mistério” está naqueles que, pretendendo-se
revolucionários e seguidores de Marx, se converteram ao credo democrático. E se
converteram exatamente porque o dilema, para eles, é o mesmo dos pensadores burgueses: ou
democracia ou ditadura. Como, anteriormente, apoiaram as ditaduras “socialistas”, agora, para
limpar o seu passado, têm que sustentar a validade universal da democracia. Eles ignoram
que, para Marx, o dilema se estabelece entre liberdade parcial e limitada, que pode assumir
formas ditatoriais ou democráticas, e liberdade plena, que é a forma específica da liberdade na
sociabilidade comunista.

Porém, o que nos parece mais importante recuperar, nessa discussão acerca da
posição de Marx em relação à democracia, é a sua perspectiva metodológica. Esta se
caracteriza por ter como ponto de partida a afirmação do trabalho como fundamento
ontológico do ser social. E, em decorrência disso, também a afirmação de que toda forma de
sociabilidade terá, sempre, como fundamento, uma determinada forma de trabalho. E, mais
ainda, que a forma mais livre possível da sociabilidade humana, o comunismo, deverá ter,
necessariamente, como fundamento, a forma mais livre possível do trabalho, que é o trabalho
associado.

Este fio condutor metodológico, mas frise-se onto-metodológico e não apenas


metodológico, é que permite uma impostação adequada de toda a problemática, impedindo os
descaminhos politicistas ou reducionistas. Ele permite assegurar que a questão fundamental é
a autoconstrução humana e que todas as categorias da sociabilidade – aí incluída a democracia
– devem ser compreendidas e avaliadas em função das posições que ocupam nesse processo.

Podemos, pois, concluir, dizendo que Marx não é contra a democracia. Ele, apenas, é
a favor da emancipação humana, da plena liberdade dos homens, coisasi que a democracia não
pode proporcionar.
Referências bibliográficas

LENIN, V. I. O Estado e a Revolução. São Paulo, Hucitec, 1978.

MARX, K. Contribuição à crítica da economia política. Prefácio. Lisboa, Estampa,


1973.

______, A questão judaica. São Paulo, Moraes, 1991.

______, A ideologia alemã. São Paulo, Hucitec, 1986.

______, Glosas críticas ao artigo O Rei da Prússia e a Reforma Social. De um


prussiano. In Praxis, Belo Horizonte, Projeto Joaquim de Oliveira, 1995.

______, O Capital. Rio de Janeiro, L. 1, v. 1, 1975.

______, O Capital. Rio de Janeiro, L. 3, v. 6, 1974.

______, A guerra civil em França. s/e, e/l, 1971.

______, Manifesto do Partido Comunista. São Paulo, Cortez, 1998.


1

MARXISMO E EDUCAÇÃO
Ivo Tonet♯

1. Introdução

Antes de mais nada vale observar que não pretendemos nos referir ao conjunto
do que a tradição marxista produziu a respeito da educação. Isso é muito amplo e
variado, o que impossibilitaria uma abordagem em tão pouco espaço e nem seríamos
nós capacitados a realizar essa empreitada. Nem sequer é nossa intenção rastrear o que
Marx disse a esse respeito. Nosso objetivo é sinalizar uma determinada abordagem do
fenômeno da educação a partir do ponto de vista de Marx. Trata-se, pois, em primeiro
lugar, de esclarecer qual seja esse ponto de vista.

A busca pela compreensão marxiana da questão da educação pode seguir dois


caminhos. O primeiro: considerando que Marx não escreveu nenhuma obra específica
sobre a questão da educação, tratar-se-ia de rastrear, nas suas obras, as passagens em
que ele se refere a esta problemática. O segundo: buscar, em primeiro lugar, a
arquitetura mais geral do pensamento de Marx, para, em seguida, apreender o sentido da
atividade educativa no interior desse quadro arquitetônico. Como essa arquitetura mais
geral significa uma teoria geral do ser social, esse caminho implicaria, em primeiro
lugar, a resposta à pergunta pela natureza geral e essencial do ser social. Só num
segundo momento é que se buscaria a resposta acerca da natureza da educação.

A maioria dos autores segue o primeiro caminho, que parece o mais óbvio.
Nada parece mais razoável do que partir do que o próprio autor disse, mesmo que isso
não represente uma reflexão específica e acabada sobre o tema.

No entanto, esse caminho apresenta um sério inconveniente. Trata-se dos


problemas causados pelas várias interpretações do pensamento de Marx. Como
encontrar o sentido o mais fidedigno possível das afirmações de Marx? Sabe-se que a
obra desse autor deu origem a várias interpretações desde a sua elaboração até os dias
atuais. E que essas interpretações fazem “escola”, ou seja, sinalizam um caminho ao


Professor de filosofia da Universidade Federal de Alagoas.
2

qual se filiarão outros leitores de Marx. O problema é que, a nosso ver, a maioria dessas
interpretações e especialmente aquela que se tornou predominante – a da Segunda
Internacional – (para nem falar da completa contrafação que é o stalinismo), não
apreendeu o que constitui a novidade mais radical do pensamento desse autor e que o
demarca como uma perspectiva essencialmente nova em relação ao padrão científico-
filosófico moderno. Referimo-nos ao seu caráter radicalmente crítico e radicalmente
revolucionário.

Mesmo quando essas características eram afirmadas, seu conteúdo tinha, no


máximo, um sentido político, enfatizando a existência de classes sociais, da luta de
classes, do caráter de classe dos fenômenos sociais, da necessidade da revolução, etc.
Porém, a fragilidade dessa interpretação salta aos olhos. Na medida em que houvesse
um fracasso do processo revolucionário, a teoria que o sustentava fatalmente se veria
acusada de falsidade. E foi isso exatamente que aconteceu e que levou muitíssimos
marxistas a abandonarem essa teoria como algo ultrapassado e inservível ou então a
mesclá-la com outras vertentes (fenomenologia, existencialismo, analítica,
estruturalismo, etc.) na tentativa de revitalizar e “salvar” Marx.

De um modo ou de outro, as leituras que começam por buscar na obra de Marx


o que ele disse especificamente sobre a problemática da educação (e isso se dá também
em relação a outros temas) são tributárias dessas interpretações que não apreenderam o
caráter essencial do pensamento de Marx. Ora, como o que caracteriza esse pensamento
é, no que concerne à problemática do conhecimento, uma relação entre sujeito e objeto
na qual a regência pertence ao objeto, toda vez que, de algum modo, essa regência do
objeto é abandonada ou é desconhecida, entra em cena a centralidade do sujeito. Vale
dizer, sempre que o objeto, na sua integralidade, perde a primazia e, com isso, a sua
lógica própria, é o sujeito que detém a prioridade e, portanto, começa a “construir” o
objeto. Com isso, é o sujeito que imputa ao objeto – e esse objeto pode ser o
pensamento de determinado autor – a lógica que está na sua (do sujeito) cabeça.

Ora, é exatamente a essa prioridade atribuída ao sujeito que marca a


perspectiva moderna e é a ela que o pensamento de Marx se opõe com mais intensidade.
Abandonada a prioridade ontológica do ser, da realidade objetiva, cada intérprete está
livre para atribuir ao pensamento de Marx o sentido que achar, em muitos casos com
honestidade intelectual, mais correto. Infelizmente, foi isso que aconteceu também com
3

a maioria dos seguidores de Marx. Como, porém, não se trata apenas de uma questão
teórica, mas também prática, os resultados, para a luta social, são extremamente
danosos, pois sempre desembocam ou no voluntarismo ou no reformismo.

Em resumo, podemos dizer que a ampla maioria das interpretações do


pensamento de Marx, embora com enormes diferenças entre si, são marcadas pela
mudança da centralidade do objeto para a centralidade do sujeito, quanto à questão do
conhecimento, e pela perda da centralidade do trabalho em favor da centralidade da
política, na ação prática. 1

Por isso, entendemos que o segundo caminho é o mais adequado e o mais


produtivo.

Este caminho começa por identificar o que caracteriza, mais essencialmente, o


pensamento de Marx. Vale dizer, o que o identifica não apenas como um grande
pensador, entre outros, mas como alguém que instaurou uma concepção de mundo (de
conhecimento e de ação prática) radicalmente nova.2 Em seguida, partindo-se desse fio
condutor, pode-se compreender o conjunto da obra – com seus acertos e erros, correções
e aprofundamentos – os vários temas nela tratados e, mais ainda, compreender qualquer
fenômeno social, mesmo aqueles não tratados por ele, com base nos fundamentos
metodológicos por ele estabelecidos.

A nosso ver, o que marca, mais essencialmente, o pensamento de Marx, é o seu


caráter radicalmente crítico e radicalmente revolucionário. Como, porém, esses
conceitos não são unívocos e nem tem um sentido óbvio, é importante esclarecer o seu
conteúdo. Quando se fala em crítica radical, caráter revolucionário, tende-se,
imediatamente, a imprimir a essas palavras um sentido político. Mas, para Marx, o
sentido desta radicalidade, antes de ser político ou ético, é ontológico. Quer dizer, é a
identificação da natureza própria do ser social que lhe permite alcançar a raiz desse
mesmo ser. Essa identificação das determinações essenciais e gerais do processo de
tornar-se homem do homem é que vai lhe permitir compreender de maneira
inteiramente nova a história da humanidade e fazer a crítica do sistema social regido

1
A respeito da natureza ontológica do método de Marx e das relações entre ontologia e metodologia ver,
de J. Chasin, Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. In: TEIXEIRA, F.J.S., Pensando com
Marx e de I. Tonet, A questão dos fundamentos. In: TONET, I., Educação, cidadania e emancipação
humana.
2
A esse respeito ver no nosso artigo Marxismo para o século XXI, in: TONET, I. Em defesa do futuro.
4

pelo capital. E é essa mesma identificação que lhe permite, ao compreender a natureza
do processo histórico-social e fazer a crítica do capital, vislumbrar a possibilidade – real
e não meramente volitiva – de uma forma de sociabilidade para além dele e
humanamente superior a ele. Aí reside o seu caráter radicalmente crítico e radicalmente
revolucionário. E esse caráter de modo nenhum é infirmado pelos fracassos nas
tentativas de efetivar a superação do capital.

Em conseqüência disso, a reflexão sobre a problemática da educação deve ser


precedida, necessariamente, de uma teoria geral do ser social ou, como Lukács a
denominou, de uma ontologia do ser social. Só na medida em que se responder à
questão “o que é o ser social” é que se poderá responder satisfatoriamente a pergunta “o
que é a educação”, já que esta é apenas um momento do ser social em seu conjunto.

Como se pode ver não se trata de menosprezar o que o autor disse


explicitamente a respeito de alguma questão. O que ele afirmou explicitamente é sem
dúvida é importante. Mas, para compreender a problemática em questão é mais
importante começar partindo dos pressupostos em que o próprio autor se baseia e, deste
modo, também por este caminho, apreender o sentido do que foi explicitamente
afirmado por ele. O que importa, pois, a nosso ver, não é tanto o que Marx disse, mas o
que pode ser dito a partir dos pressupostos por ele estabelecidos.

2. Breve esboço da ontologia marxiana do ser social

Em função do que foi exposto acima é que começaremos por apresentar um


breve esboço dessa teoria geral do ser social.

Sabemos que essa abordagem é extremamente controvertida e rejeitada no


interior do próprio marxismo. Impossível discutir, aqui, uma questão de tão grande
complexidade. Já fizemos alusão a isso em outros escritos nossos. Um desenvolvimento
maior dessa problemática poderá ser encontrado nas obras do seu máximo
representante, G. Lukács, mas também de Mészáros, Tertulian, Chasin, C. N. Coutinho,
José Paulo Netto, Celso Frederico e Sérgio Lessa.

Entendemos, na esteira de G. Lukács, que o pensamento de Marx se instaura


como uma ontologia do ser social, isto é, como a explicitação dos lineamentos mais
5

gerais dessa nova forma de ser que se denomina ser social. Em resumo, trata-se da
resposta à pergunta: o que é o ser social; quais são as determinações mais gerais dessa
forma de ser que o distinguem radicalmente das formas naturais do ser.

A resposta a essa questão é condição imprescindível para evitar a regência da


subjetividade no processo de conhecimento. Vale dizer, é a resposta a essa questão que,
garantindo a existência de uma lógica própria do objeto, impede que o sujeito do
conhecimento lhe atribua uma lógica proveniente da sua própria cabeça.

Do mesmo modo, é a resposta a essa questão que permite evitar, no plano da


ação prática, tanto o agir voluntarista, que menospreza as determinações objetivas,
quanto a atividade reformista, que torna o sujeito caudatário de uma forma dada da
realidade.

Contrapondo-se à concepção idealista da história, Marx e Engels, n`A


Ideologia Alemã, afirmam que o seu ponto de partida para compreender a história é real,
concreto, empiricamente comprovável. Segundo eles (1984, p. 26) este ponto de partida
São os indivíduos reais, suas ações e suas condições materiais de vida... Afirmam,
também eles que, ao examinar esses indivíduos, constata-se, com facilidade, que o ato
mais fundamental que eles devem realizar, para poderem existir, é a transformação da
natureza, ou seja, o ato do trabalho.

Deste modo, o ato do trabalho comparece como sendo aquele que funda o ser
social. Aquele no qual se encontra a raiz do ser social.

Em O Capital, Marx explicitará que trabalho é um intercâmbio entre o homem


e a natureza através do qual são produzidos os bens materiais necessários á existência
humana. E que este intercâmbio, uma necessidade eterna da humanidade, é uma síntese
entre subjetividade e objetividade, vale dizer, entre consciência e realidade objetiva
natural. Segundo Marx, projetando antecipadamente na consciência o fim a ser atingido
e agindo de modo intencional sobre a natureza, o homem produz uma nova realidade,
radicalmente diferente daquela natural. Trata-se da realidade social. Observa Marx,
também, que, ao transformar a natureza, o homem se transforma a si mesmo. Deste
modo, o homem não produz apenas os objetos externos, mas também se produz a si
mesmo e as suas relações sociais.
6

Da constatação de que o trabalho é o ato ontológico-primário do ser social


segue-se, como conseqüência lógica, que este é radicalmente histórico e radicalmente
social. Radicalmente histórico porque tudo o que compõe o ser social, inclusive a
essência humana, é criado ao longo desse processo. Vale dizer, não há nenhuma parte
que integre o ser social que seja de origem divina ou puramente natural. Radicalmente
social porque tudo o que compõe o ser social é resultado da interatividade humana.
Tudo é resultado da atividade social dos homens.

Se levarmos em conta que, para as concepções grega e medieval, o mundo


humano tinha um caráter a-histórico e não era visto com resultado da atividade dos
próprios homens, ver-se-á a enorme importância dessa constatação marxiana.

A análise da categoria do trabalho também permite ver como se dá a relação


entre subjetividade e objetividade. A relação entre essas duas categorias é da maior
importância para compreender a realidade social.

Como se pode ver ao longo da história do pensamento ocidental, a


subjetividade – o espírito, o pensamento, a razão, a consciência – sempre foi
privilegiado na definição da especificidade do ser humano. A definição clássica é de
Aristóteles: o homem é um animal racional.

Compreende-se esse modo de pensar. Ele é resultante, de um lado, da


imaturidade do ser social, ou seja, do fato de que até o século XIX, até a plenitude da
revolução burguesa, a realidade social ainda não se apresentava como plenamente
social. Por isso mesmo, parecia que o que distinguia o ser social do ser natural era
simplesmente a racionalidade. De outro lado, esse modo de pensar também é resultante
da divisão social do trabalho – manual versus intelectual – que atribuía ao segundo a
especificidade do humano.

Esse privilegiamento da racionalidade do espírito – conseqüência da divisão


social do trabalho – era, por sua vez, invertido, transformando-o na causa daquela
divisão. Aos detentores de maior “quantidade” de espírito, eram atribuídas as tarefas de
ocupar-se das atividades espirituais, ao passo que àqueles menos aquinhoados caberia
ocupar-se das atividades materiais.

Marx, contudo, ao analisar o ato que funda o ser social – o trabalho – constata
que este é uma síntese entre subjetividade e objetividade, entre consciência e realidade
7

objetiva. E esta síntese é realizada pela atividade prática. De modo que, para ele, o que
caracteriza essencialmente o ser social, o que o demarca frente ao ser natural, não é
apenas a racionalidade, mas a práxis, ou seja, uma atividade que, articulando as
categorias da subjetividade e da objetividade, dá origem a um novo tipo de ser, que é
precisamente o ser social.

Com isso fica demonstrado que a divisão entre trabalho manual e intelectual
nada tem de natural. Pelo contrário, é resultado de uma determinada forma de
relacionamento que os homens estabelecem entre si no processo de transformação da
natureza.

Contudo, o trabalho, embora seja fundante, é apenas um dos momentos da


realidade social. Além dele, muitos outros momentos fazem parte dela. Alguns, como a
socialidade, a linguagem, a educação, o conhecimento integrarão o ato do trabalho
desde o seu momento mais original. Outros surgirão na medida em que, a partir do
incremento das forças produtivas, a sociedade se tornar mais complexa, exigindo outras
atividades que não aquelas voltadas à produção dos bens materiais. A natureza dessas
atividades e sua função social sempre dependerá da natureza da demanda a ser satisfeita.

O que importa assinalar, aqui, é que o trabalho é a única categoria cuja função
social é a produção dos bens materiais necessários à existência humana. Nenhuma das
outras atividades humanas tem essa função. Por isso mesmo, nenhuma dessas outras
atividades é trabalho. Desnecessário dizer que, ao se afirmar isso, não se está fazendo
nenhuma valoração, mas apenas uma constatação de natureza ontológica.

É, portanto, a partir do trabalho que surgem todos esses outros momentos da


realidade social. Cada um com uma natureza e uma função próprias na reprodução do
ser social. Deste modo, podemos dizer que entre o trabalho e as outras atividades existe
uma relação de dependência ontológica, de autonomia relativa e de determinação
recíproca. Dependência ontológica de todas elas em relação ao trabalho, pois este
constitui o seu fundamento. Autonomia relativa, pois cada uma delas cumpre uma
função que não resulta mecanicamente de sua relação com o trabalho. Determinação
recíproca, pois todas elas, inclusive o trabalho, se relacionam entre si e se constituem
mutuamente nesse processo.
8

Na esteira de Lukács, pensamos que o que caracteriza mais acentuadamente a


teoria marxiana não é a sua ênfase na importância da economia, mas na categoria da
totalidade. Esta categoria significa que a realidade social se configura como um
conjunto de partes, articuladas, em processo permanente de constituição, em
determinação recíproca, e que, além disso, tem o trabalho como sua matriz fundante.
Por isso mesmo, é impossível conhecer efetivamente uma parte sem capturar as relações
que ela mantém com a totalidade. E, por isso mesmo, uma teoria geral do ser social é
condição imprescindível para o conhecimento de qualquer parte dessa totalidade.

Considerando, pois, que o ser social é uma totalidade em processo, é sempre


preciso buscar a gênese e a função social de qualquer parte que se deseje conhecer.
Esclareçamos que por gênese se entendem não apenas suas origens históricas, mas,
sobretudo, sua origem ontológica, ou seja, o fundamento a partir do qual se entifica
determinado fenômeno. Também esclareçamos que função social significa a função que
esta determinada parte desempenha na reprodução do ser social. É buscando a gênese e
a função social que se descobre sempre a natureza mais íntima de determinada parte da
realidade social.

3. Trabalho e educação

Se, então, examinarmos o ato do trabalho mais de perto, veremos que sua
realização implica imediatamente algumas outras categorias. Em primeiro lugar, a
socialidade. O trabalho é sempre um ato social. Por mais que ele seja realizado por um
indivíduo só, inteiramente isolado, sua natureza é sempre social. Como diz Marx (1989,
p. 195): Mesmo quando eu sozinho desenvolvo uma atividade científica, etc. uma
atividade que raramente posso levar a cabo em direta associação com outros, sou
social, porque é enquanto homem que realizo tal atividade. Não é só o material da
minha atividade – com o também a própria linguagem que o pensador emprega – que
me foi dado como produto social. A minha própria existência é atividade social.

Em segundo lugar, a linguagem. Toda atividade social implica comunicação,


coordenação de atividades. Por isso a linguagem, não importa sob que forma, se faz
presente já neste primeiro momento do trabalho.
9

Em terceiro lugar, a educação. À diferença dos animais, nós humanos não


nascemos geneticamente determinados a realizar as atividades necessárias à nossa
existência. Precisamos aprender o que temos que fazer. Precisamente porque o trabalho
implica teleologia, isto é uma atividade intencional prévia e a existência de alternativas.
Nada disto é biologicamente pré-determinado. Precisa ser conscientemente assumido.
Daí a necessidade da educação, vale dizer, de um processo de aquisição de
conhecimentos, habilidades, comportamentos, valores, etc. que permitam ao indivíduo
tornar-se apto a participar conscientemente (mesmo que essa consciência seja limitada)
da vida social.

Esta abordagem deixa muito clara a distinção essencial entre trabalho e


educação. Como já vimos antes, trabalho é a única categoria que faz a mediação entre o
homem e a natureza. Só ele tem a função social de produzir os bens materiais
necessários á existência humana. A educação, por sua vez, é uma mediação entre os
próprios homens, ainda que ela possa estar relacionada, de modo mais próximo ou mais
longínquo, com o próprio trabalho.

Desnecessário observar que a afirmação de que educação não é trabalho não


implica nenhuma valoração entre essas categorias, mas apenas a constatação de um fato
ontológico. Trata-se, aqui, apenas, de deixar clara a natureza fundante da categoria do
trabalho e a natureza fundada da categoria da educação. Veremos, mais adiante, que
essa distinção é da maior importância.

Além disso, o exame do ato do trabalho também nos permite constatar que o
ser social é composto de dois pólos: o pólo da singularidade e o pólo da universalidade.
O indivíduo humano singular não é apenas um representante de uma espécie. Ele não se
confunde com a espécie. Ele tem um estatuto que ao mesmo tempo o distingue e o faz
membro da espécie humana. No centro dessa questão está o processo de individuação,
ou seja, o processo em que aquele ente singular, com potencialidades de se tornar
humano, passa do ser meramente em-si ao ser-para-si.

Mas, esses dois pólos não são coisas fixadas de uma vez para sempre. |A
constituição desses dois pólos é um processo que se desenvolve concretamente ao longo
de toda a história humana, tanto no sentido geral como individual. Por um lado, o pólo
universal, genérico, se constitui como um patrimônio que resulta da atividade dos
indivíduos e que se objetiva de muitas formas. Por outro lado, o pólo da singularidade,
10

os indivíduos, se constitui na medida em que esses indivíduos se apropriam desse


patrimônio genérico. Disto resulta que nascemos com potencialidades para nos
tornarmos indivíduos humanos, mas não nascemos já como indivíduos humanos.
Tornamo-nos indivíduos humanos na medida em que nos apropriamos do patrimônio
humano universal.

É neste processo de nos tornarmos membros do gênero humano que a educação


tem um papel importantíssimo. No seu sentido mais geral, a educação cumpre a função
de permitir aos indivíduos essa apropriação dos conhecimentos, habilidades, valores e
comportamentos que lhes permitam inserir-se no processo social.

Pode-se, deste modo, perceber, que a educação tem um papel fundamental na


reprodução do ser social. Como diz Lukács (1981, p. 153): Toda sociedade demanda
dos seus próprios membros uma dada massa de conhecimentos, habilidades, modos de
comportamento, etc; contudo, duração, etc. da educação em sentido estrito são
conseqüências das necessidades sociais surgidas.

Neste preciso sentido, a educação tem um caráter conservador, ou seja,


contribui para conservar o patrimônio humano já amealhado. Por isso mesmo, esse
caráter conservador tem um sentido positivo.

Já aqui pode-se perceber que o sentido da educação não é determinado por ela
mesma. Vale dizer, não são os que fazem a educação e nem sequer o Estado ou outras
instâncias sociais que estabelecem qual o sentido dessa atividade. Nesses vários níveis
se decide a sua forma concreta, mas não o seu sentido mais profundo. Este é definido
pelas necessidades mais gerais da reprodução do ser social. Ora, como o trabalho é o
fundamento ontológico do ser social, é óbvio que, em cada momento e lugar históricos,
uma determinada forma de trabalho será a base de uma determinada forma de
sociabilidade e, portanto, de uma certa forma concreta de educação.

Temos, então, aqui, um exemplo daquela relação de que falamos acima entre o
trabalho e os outros momentos da totalidade social e de todos os momentos entre si.
Dependência ontológica, autonomia relativa e determinação recíproca. Dependência
ontológica no sentido de que a educação tem a sua matriz na forma como os homens se
organizam para transformar a natureza. Autonomia no sentido de que ela se constitui
como uma esfera e uma função específicas, portanto diferentes do trabalho, e que,
11

justamente para cumprir essa função própria, tem que organizar-se de maneira
independente dele. E determinação recíproca, no sentido de que há uma relação de
influência mútua entre a educação e todos os outros momentos da totalidade social –
trabalho, política, direito, arte, religião, ciência, filosofia, etc.

Essa maneira de considerar as coisas nos permite evitar tanto a superestimação


quanto a subestimação da educação. Na medida em que fica clara a distinção entre
trabalho e educação; na medida em que fica claro que educação não é trabalho; na
medida em que fica claro que o trabalho é a categoria fundante do ser social e, portanto,
também fundamento de qualquer forma de sociabilidade, não resta a menor dúvida de
que é a ele e não à educação que pertence a centralidade no processo de transformação
da sociedade. Como esta centralidade se manifestará dependerá de cada forma social
concreta.

4. Educação e sociedade de classes

Ao examinar o processo social a partir desses pressupostos, podemos perceber


a enorme e essencial diferença entre a educação nas comunidades primitivas e nas
sociedades de classes.

Nas comunidades primitivas, essa mediação entre os homens (educação), com


a função a que nos referimos acima, era uma tarefa que competia a toda a comunidade, e
não a alguns especialistas, e atendia a todos os indivíduos. Como não havia divisão
social do trabalho, também não existia divisão da educação que favorecesse
determinados grupos sociais.

A entrada em cena da propriedade privada e, com ela, das classes sociais, da


exploração do homem pelo homem, da divisão social do trabalho e da alienação, teve
conseqüências enormes para a humanidade. A própria natureza do ser social sofreu
profundas mudanças. A sociedade deixou de ser uma comunidade, no sentido forte do
termo, para converter-se em uma realidade social cindida, no seu interior, em grupos
sociais antagônicos. A divisão social do trabalho separou os homens entre aqueles que
produzem a riqueza e aqueles que dela se apropriam privadamente. Daí, também, a
separação entre trabalho manual e trabalho intelectual e o privilegiamento do segundo
em relação ao primeiro.
12

Dessa divisão social do trabalho, ou seja, do fato de que o trabalho não mais é
dividido de forma consciente entre os membros de uma comunidade, como nas formas
sociais primitivas, mas é imposto aos indivíduos por um processo social que escapa ao
controle deles, resulta esse poder estranho e hostil ao homem que Marx chama de
alienação. Os poderes humanos sociais, objetivados, se transformam, por esse meio, em
forças estranhas, poderosas, hostis e que passam a dominar a vida humana.

Como conseqüência dessa profunda transformação no processo de trabalho,


todos os aspectos da vida social sofrerão enormes mudanças. As atividades humanas já
existentes serão modificadas e outras surgirão para fazer frente a novas exigências. No
caso da educação, ela será “privatizada”, vale dizer, organizada para atender a
reprodução da sociedade de modo a privilegiar os interesses das classes dominantes.
Uma forma de educação para aqueles que realizam o trabalho manual e que são as
classes exploradas e dominadas (a ampla maioria). Outra forma para aqueles que
realizam o trabalho intelectual e que fazem parte das classes exploradoras e dominantes
(uma pequena minoria).

Essa desigualdade de educação era muito claramente perceptível nos sistemas


escravista e feudal, porque em ambos a desigualdade social era admitida como algo
natural. Porém, a sociedade burguesa se ergue proclamando – teoricamente – a
igualdade natural de todos os seres humanos. Como decorrência, o acesso à educação
também deveria ser um direito a ser universalmente atendido. Ignoravam os teóricos
burgueses, que essa exigência de universalização era uma demanda da lógica do capital
e não de uma razão que expressaria a autêntica natureza humana. Ignoravam esses
teóricos, também, que o capital, por sua própria natureza, implica uma relação
indissolúvel entre desigualdade real e igualdade formal. Que a desigualdade real, gerada
na matriz do ser social, que é o trabalho, também é o momento fundante dessa forma de
sociabilidade. E que, por isso mesmo, a igualdade nunca pode ultrapassar os âmbitos
jurídico e político. Essa ignorância os impedia também de compreender que a própria
universalização teria que ser, necessariamente, desigual, tanto no seu alcance efetivo
como nos seus conteúdos. Uma vez que a educação é subordinada aos imperativos da
reprodução do capital, e uma vez que ele é a matriz da desigualdade social, seria
totalmente absurdo esperar que ele pudesse proporcionar a todos uma igualdade de
acesso a ela.
13

Essa ignorância era compreensível e desculpável num momento em que o


capital, ainda imaturo, impedia que sua lógica fosse conhecida e ainda menos admitida
como o pólo regente da vida social. Porém, hoje, que a plena maturidade do capital
deixa à vista o seu caráter fundante e a sua natureza desigualitária, essa ignorância é
indesculpável; ela assume claramente o caráter de uma falsa consciência socialmente
necessária. E, diga-se de passagem, essa falsidade nem sempre está isenta de
intencionalidade. Isso porque a combinação de determinados pressupostos, típicos das
perspectivas moderna e “pós-moderna” de cientificidade, e de interesses não
confessados, pode propiciar aos teóricos interessantes ganhos de prestígio e de pecúnia,

Essa ignorância, por sua vez, levou a teoria educacional burguesa, como
veremos, a se enredar numa contradição cada vez mais insolúvel até os dias de hoje.

As teorias tradicionais da educação partem desse pressuposto. A educação é


um direito natural universal. Portanto, impedir o acesso a ela é colocar obstáculos á
realização da natureza humana. Como expressa muito bem Kant (1985, p. 110):

Um homem sem dúvida pode, no que respeita à sua


pessoa, e mesmo assim só por algum tempo, na parte
que lhe incumbe, adiar o esclarecimento (Aufklaerung).
Mas, renunciar a ela, quer para si mesmo quer ainda
mais para sua descendência, significa ferir e calcar aos
pés os sagrados direitos da humanidade.

Mas, como vimos antes, também, as concepções modernas expressam, sem o


saber, aquela divisão social do trabalho que privilegia o trabalho intelectual em
detrimento do trabalho manual. Por isso mesmo, a educação é vista como um processo
de aperfeiçoamento do espírito humano, da subjetividade, exatamente porque o que
define o ser humano é a sua interioridade. Que a possibilidade de uma educação efetiva
do ser humano implique, ao mesmo tempo, a construção de um mundo objetivo também
humano não é sequer vislumbrado por essa teoria.

Por outro lado, a sociedade burguesa também nasce e se configura tendo como
eixo o indivíduo singular. É pressuposto basilar dela que o indivíduo precede
ontologicamente a sociedade de modo que o que cada um será vai depender do seu
esforço e desempenho individual.
14

Deste modo, a igualdade natural de todos assegura a cada um, em princípio, o


acesso a esse direito natural universal que é a educação. Mas, a efetivação desse acesso
dependerá das qualidades de cada um e do seu desempenho pessoal. Daí porque a
comprovação prática da superioridade espiritual de qualquer indivíduo medir-se-á pelo
sucesso na aquisição de propriedades porque estas são a expressão máxima das forças
humanas manifestadas através do trabalho.

Em conseqüência disso, a teoria educacional burguesa se vê enredada em uma


contradição insolúvel entre o discurso e a realidade objetiva. Ela enfatiza a
universalidade do direito à educação e a necessidade da formação integral do ser
humano. No entanto, o processo real, objetivo, impede o acesso universal à educação e
desmente a possibilidade de uma formação integral. Incapaz de compreender a relação
íntima entre subjetividade e objetividade, essa teoria torna-se um discurso vazio, mas
convenientemente funcional à reprodução dos interesses das classes dominantes.

O que a teoria educacional burguesa, nas suas mais variadas expressões não
pode ver, por causa do seu caráter de classe, é a unitariedade que caracteriza o ser social
e as conseqüências unilateralizantes da divisão social do trabalho. Ao privilegiar o
espírito, a racionalidade, a subjetividade, essa teoria se torna incapaz de perceber que o
ser humano é uma totalidade composta, em unidade indissolúvel, de subjetividade e
objetividade. Isso significa, precisamente, que subjetividade (mundo interno) e
objetividade (mundo externo) não podem ser pensadas de modo separado. Há uma
determinação recíproca entre esses dois momentos, e especialmente uma determinação
ontológica do segundo sobre o primeiro, o que implica a impossibilidade de desenvolver
de maneira integral e harmoniosa o mundo interno (intelecto, sensibilidade, valores,
comportamentos, etc.) sem, ao mesmo tempo, configurar um mundo externo de modo
integral e harmonioso. Dito de outro modo, onde há divisão social do trabalho, onde há
desigualdade social, exploração e dominação do homem pelo homem, é impossível uma
educação voltada para a formação integral do ser humano.

Como vimos antes, é a Marx que se deve essa descoberta de que o ser social é
uma síntese entre subjetividade e objetividade; que, ao transformar e criar o mundo
externo o homem também se transforma e se cria a si mesmo. A dissociação entre esses
dois momentos, resultado da divisão social do trabalho, refletiu-se na teoria como
unilateralidade, como incapacidade de perceber que a formação integral do indivíduo
15

implica, necessariamente, a construção de um mundo objetivo, um mundo de relações


sociais harmoniosas.

Por isso mesmo, as teorias educacionais burguesas, que são a ampla maioria,
vêem ampliar-se, cada vez mais, o fosso entre o discurso e a realidade objetiva.
Enquanto o discurso enfatiza o direito de todos à educação e a necessidade de uma
formação integral, a realidade objetiva, ao ser regida pela lógica do capital, põe sempre
mais obstáculos à efetivação desse direito e à possibilidade de uma educação integral e
harmoniosa. A transformação, cada vez mais ampla e intensa, da educação em uma
mercadoria, que, portanto, só pode ser adquirida por quem pode pagar por ela, mostra
sempre mais que é a lógica da reprodução do capital que impõe os fins dominantes que
a organizam. Vale enfatizar que, apesar de dominantes, estes não são e nem podem ser
os fins únicos e absolutos. Dada a natureza contraditória do capital, seu antagonista
mais radical, que é o trabalho, estabelece outros fins, inteiramente diferentes. Estes fins
sinalizam para uma autêntica formação humana, integral, de todos os indivíduos. Mas, a
condição imprescindível para isso, é a supressão completa da sociabilidade capitalista.
Somente uma forma de sociabilidade em que já não exista propriedade privada,
exploração do homem pelo homem e alienação pode propiciar aos indivíduos uma
verdadeira formação integral porque somente então ser verificará aquela harmonia entre
mundo objetivo e mundo subjetivo.

Concluindo

È nossa convicção, já fundamentada em outros textos, que Marx instaurou uma


forma radicalmente nova de produzir conhecimento sobre a realidade social. Que ele
lançou os fundamentos de uma concepção radicalmente nova de história. E que estes
fundamentos se consubstanciam naquilo que Lukács chamou de ontologia do ser social.
A partir desses fundamentos é possível abordar qualquer fenômeno social.

Essa afirmação não implica, de modo nenhum, a desqualificação dos modos


anteriores de conhecimento. Apenas afirma que o modo instaurado por Marx é o que a
humanidade tem de mais elevado á sua disposição em termos de conhecimento da
realidade social. Isso também não significa nenhum dogmatismo, nenhuma sacralização
16

dos resultados a que Marx chegou a partir desses mesmos fundamentos. Pelo contrário,
é a partir deles que se podem avaliar esses próprios resultados.

No caso da educação, pensamos que a compreensão dessa esfera da atividade


humana implica, necessária e previamente, essa ontologia do ser social, já que é só no
interior dessa totalidade que o seu sentido poderá ser plenamente apreendido.

Referências Bibliográficas

CHASIN, J. Marx: estatuto ontológico e resolução metodológica. In:


TEIXEIRA, J. F. S. Pensando com Marx. São Paulo, Ensaio, 1995.

KANT, I. Immanuel Kant – Textos Seletos. Petrópolis, Vozes, 1985.

LUKÁCS, G. Ontologia dell´Essere Sociale. Roma, Riuniti, 1981, v. II.

MARX, K. e ENGELS, F. A Ideologia alemã. São Paulo, Hucitec, 1984.

MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. Lisboa, 1989.

TONET, I. Educação, cidadania e emancipação humana. Ijuí, Unijuí, 2005.

Maceió, março de 2009


1
MARXISMO PARA O SÉCULO XXI

Ivo Tonet

Introdução

Para a maioria dos intelectuais, Marx não passa, hoje, de um “cachorro morto”. Não
por acaso, esses intelectuais abriram mão de qualquer perspectiva revolucionária em relação à
ordem atual, se alguma vez acreditaram nela.
Contudo, para aqueles que julgam que é impossível resolver, no interior do
capitalismo, os graves problemas que a humanidade enfrenta, a reconstrução da teoria
revolucionária é uma das tarefas mais importantes neste momento. E, no interior dela, o
resgate do pensamento marxiano ocupa um lugar centralíssimo. Ambas as tarefas têm uma
enorme urgência e importância, dado o extravio e a confusão em que se vê enredada a luta
anti-capitalista na atualidade. Contudo, nossa intenção, aqui, é de ocupar-nos apenas da
questão do pensamento de Marx.
Mesmo no tocante a este, porém, a quantidade e a densidade dos problemas
envolvidos é imensa. Nossa intenção, nesse texto, é abordar apenas alguns aspectos dessa
problemática.
A primeira questão que, ao nosso ver, se coloca, é esta: qual o sentido deste resgate?
Para alguns, trata-se, apenas, de defender o marxismo dos ataques dos seus adversários e de
corrigir eventuais falhas e deformações historicamente situadas. Para outros, levando em
consideração as enormes mudanças que o mundo sofreu desde o nascimento do marxismo até
hoje, trata-se de estabelecer “o que é vivo e o que é morto” nele, atualizando-o face aos
problemas do mundo atual. Para isto, há quem advogue a necessidade de entrecruzá-lo com
outras correntes atuais, o que permitiria evitar todo dogmatismo e sectarismo e traria mais
produtividade ao próprio marxismo.
Não nos parece que estes sejam os melhores caminhos para a realização dessa tarefa.
Com efeito, se partirmos do pressuposto de que o núcleo mais íntimo dessa tarefa é a
restituição, ao ideário marxiano, daquele caráter radicalmente crítico e revolucionário, que é a
sua marca mais essencial, então nem as interpretações dogmatizantes nem aquelas ecléticas
conseguiram atingir esse objetivo. E ambas – por maiores que sejam as suas diferenças –

Prof. do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Alagoas.


2
confluem para o mesmo problema: a incapacidade de fundamentar solidamente a superação
radical do capitalismo e a construção de uma sociedade comunista.
Parece-nos, porém, que, entre o dogmatismo e o ecletismo, existe um tertium que
pode levar àquele objetivo acima mencionado. Trata-se da compreensão do marxismo como
ontologia do ser social. Independente do quantum realizado e dos erros e acertos, acreditamos
que esta vertente, cujo expoente maior é G. Lukács, é a que mais contribuiu para resgatar
aquele espírito original do pensamento de Marx.
Nesta perspectiva, não se trata só de defesa, de correções, de atualizações e muito
menos de entrecruzamento com outras correntes de pensamento. Considerando as variadas
interpretações, extravios e deformações que este pensamento sofreu ao longo da sua trajetória,
como resultado de todo um processo histórico, impõe-se, hoje, ao nosso ver, a necessidade de
recomeçar ab initio, vale dizer, daquelas questões que estabelecem os fundamentos deste
novo modo de pensar.
Sabe-se que o pensamento marxiano se configurou como uma clara perspectiva
crítica e revolucionária, ou seja, de compreensão da realidade social até a sua raiz e de
superação radical da ordem burguesa. E foi precisamente este caráter radical e revolucionário
que ele foi perdendo ao longo da sua trajetória. Entre as inúmeras deformações que ele sofreu,
está a redução desta radicalidade a mera crítica teórica ou a uma crítica política, quando a
questão é muito mais ampla e profunda. Ser radical, como o próprio Marx diz, é ir à raiz. Ora,
continua ele, a raiz do homem é o próprio homem. Trata-se, pois, ao nosso ver, de retornar a
Marx, não para encontrar o “verdadeiro Marx” – tarefa impossível e sem sentido – mas, para
buscar nele os fundamentos para a compreensão do mundo dos homens até a sua raiz,
compreensão que, por sua própria natureza, tem um caráter revolucionário.
Defendemos a idéia – aparentemente absurda diante da situação em que se encontra o
marxismo hoje – de que Marx realizou uma revolução teórica similar, mutatis mutandis,
àquela realizada pelos pensadores modernos dos séculos XVII e XVIII; de que Marx lançou
os fundamentos de uma concepção radicalmente nova de mundo e de que, por isso, ele
representa o patamar de conhecimento mais elevado que a humanidade produziu até hoje.
Fundamentos esses que não têm sua validade limitada a determinado campo específico, mas
que permitem abordar qualquer fenômeno social com possibilidades superiores a quaisquer
outros instrumentos teóricos.
Para que não pairem dúvidas acerca do sentido de uma afirmação tão contundente e
ousada – especialmente em um momento em que tudo parece demonstrar o contrário –
esclarecemos que ela se refere apenas aos fundamentos e de modo nenhum ao que Marx
realizou a partir deles. Quanto ele mesmo realizou em termos de conhecimento da realidade
3
social, quais os seus acertos e erros, o que tem ou não validade para a análise do mundo de
hoje, são questões importantes, mas de outro tipo. Também queremos deixar claro que não se
trata de diminuir ou menosprezar as contribuições – muitas vezes enormes – de outros
autores. O próprio Marx tinha consciência de que ele só pode fazer o que fez porque subiu nos
ombros de outros gigantes. O sentido preciso de nossa afirmação é este: Marx lançou os
fundamentos de uma concepção radicalmente nova de fazer ciência e filosofia e, portanto, de
compreender o mundo. Isto quer dizer que o fundamento da luta revolucionária está
primeiramente na ontologia (natureza do ser social) e só depois na política e na ética.
Vale, então, dizer: qualquer empreitada que pretenda restituir ao pensamento
marxiano o seu caráter radicalmente crítico e revolucionário tem que repor-lhe a capacidade
de compreender a origem, a natureza e as determinações essenciais do processo de tornar-se
homem do homem. Compreensão esta que deve permitir explicar como os homens (e só eles)
fazem a história, por que a fizeram deste modo e como poderão superar a atual forma de
sociabilidade.
Entendemos que a resposta a estas questões só pode ser obtida se observarmos três
princípios metodológicos fundamentais. São eles: a busca da gênese histórico-ontológica; a
compreensão da função social destas idéias e a realização de uma análise imanente. Cremos
que a observação destes três princípios nos permitirá apreender o pensamento marxiano como
o patamar de conhecimento mais elevado que humanidade atingiu até hoje e, por
consequência, o melhor instrumento teórico para orientar a transformação do mundo.

1. O argumento histórico

A pergunta à qual procuraremos responder é a seguinte: o que é que confere ao


pensamento de Marx um caráter radicalmente crítico e revolucionário? E que, ao mesmo
tempo, o faz constituir-se como uma forma inteiramente nova de fazer ciência e filosofia
estabelecendo, portanto, uma ruptura radical com o pensamento anterior?
A resposta a estas perguntas nos obriga a fazer um percurso no qual se articulam, ao
mesmo tempo, o momento histórico e o momento teórico-ontológico. Vale dizer, a busca da
gênese e da trajetória histórico-social dessas idéias e, ao mesmo tempo, da função que elas
exercem na autoconstrução do ser social. Entendemos que a natureza mais profunda de um
fenômeno social – neste caso, o pensamento de um autor – aparece tanto mais nitidamente
quanto mais se articulem estes dois momentos: o histórico e o teórico-ontológico.
Acreditamos, também, que com este procedimento nos poderemos acercar mais
adequadamente daquilo que constitui o fio condutor do pensamento deste autor. Fio condutor
4
que nos permitirá, por sua vez, compreender o conjunto da obra dele sem estabelecer
arbitrárias descontinuidades, mas também sem pretender reduzi-la a uma totalidade
homogênea.
Compreender-se-á, portanto, melhor a natureza do pensamento de Marx quando se
examinarem os traços fundamentais do momento histórico-social que lhe deu origem. Com
efeito, Marx viveu e escreveu a sua obra ao longo do século XIX. E é neste século, como
resultado de todo um processo que começou com o declínio da Idade Média, que se instaura a
forma burguesa de sociabilidade. É neste momento, e como resultado decisivo da revolução
industrial, que o ser social chega à sua maturidade. Vale dizer, é neste momento que ele
aparece e pode ser percebido como resultado da sua própria atividade e não de forças naturais
ou sobrenaturais. Diferentemente de todo o período anterior, em que as determinações
naturais ainda tinham um peso decisivo, nesta forma de sociabilidade são claramente as
determinações sociais o eixo da reprodução social.
É ao longo deste processo que entram em cena, em momentos e formas diferentes, os
dois principais sujeitos desta nova etapa histórica: a classe burguesa e a classe trabalhadora.
Tanto um como outro, pela sua própria natureza (entendida como resultado do processo
histórico e não como uma determinação metafísica), dão origem a visões de mundo e a
perspectivas profundamente diferentes para a humanidade. Este é um pressuposto
absolutamente fundamental1. Se ele for infirmado, toda argumentação posterior não terá o
menor sentido. Contudo, como ele nos parece solidamente estabelecido, continuaremos a
desenvolver os nossos argumentos.
Qual é a natureza essencial da classe burguesa? Ela é uma classe que tem sua origem
e sua reprodução baseadas na exploração dos trabalhadores e cujo objetivo fundamental é a
produção de mercadorias visando ao seu enriquecimento. Daí porque ela é uma classe cujos
interesses são necessariamente particulares. Por isso mesmo, o conhecimento da realidade –
tanto natural como social – será configurado de forma a tornar possível a consecução daqueles
objetivos. O objetivo fundamental é sempre conhecer a realidade, sim, mas apenas na forma,
no conteúdo e nos limites que permitam a reprodução desta forma de sociabilidade.
Qual é a natureza da classe trabalhadora? Ela é aquela classe que se origina da venda
da força de trabalho e que, pelo processo de extração da mais-valia, é transformada em
simples mercadoria e, assim, expropriada da sua humanidade. Os indivíduos pertencentes a

1
Infelizmente, a história das idéias tem sido, de modo predominante, uma história centrada nos
indivíduos, com uma relação apenas circunstancial com as classes sociais. A pretexto de evitar uma
relação mecânica entre idéias e a realidade objetiva – especialmente a das classes sociais – concede-se às
idéias uma autonomia que, na realidade elas não têm. Contudo, entre uma autonomia absoluta e uma
dependência direta e mecânica, existe a autêntica relação entre estes dois elementos: uma dependência
ontológica das idéias em relação à realidade objetiva e uma autonomia relativa.
5
esta classe encontram-se numa situação tal que, para poderem realizar-se como seres
genuinamente humanos, se vêem obrigados a destruir a sua própria condição de classe e, para
isso, a própria sociedade de classes. Daí porque ela é uma classe cujos interesses mais
essenciais não são particulares, mas universais. Daí porque ela tem necessidade de um outro
tipo de conhecimento, um conhecimento que vá até a raiz das desigualdades sociais, um
conhecimento que permita intervir na realidade social de modo a alcançar aqueles objetivos
universais.
Não parece existir dúvida de que os grandes pensadores modernos – de modo muito
especial Kant – instauraram um novo patamar científico-filosófico. E de que esta instauração
se deu em confronto com o modo de pensar greco-medieval.
Mas, para além disso, para nós também não existe dúvida de que – com a autonomia
relativa que é própria das elaborações ideativas – os pensadores modernos expressavam –
independente do seu grau de consciência – a perspectiva da classe burguesa. Classe esta que,
ao mesmo tempo que se formava, também ia assumindo a liderança na luta por uma nova
forma de sociabilidade. É preciso ressaltar que não vai nisto nenhum juízo de valor, mas
apenas a constatação de um fato, a afirmação do caráter histórico-social de todos os
fenômenos sociais. Certamente não é por acaso que, em um momento em que o interesse
maior começou a voltar-se para a produção de mercadorias, as ciências da natureza foram as
primeiras a se constituir e desenvolver. Como também não era por acaso que nos modos de
produção escravista e feudal, quando os senhores de escravos e os senhores feudais não
tinham envolvimento direto com a produção, havia uma valorização maior de outras esferas
de conhecimento e de outros valores.
Porém, os próprios pensadores modernos não poderiam admitir, aberta e claramente,
que estavam expressando um ponto de vista particular. E isto, por dois motivos. Em primeiro
lugar, porque a própria realidade social ainda não estava suficientemente madura para permitir
que isto fosse percebido. A imaturidade do capitalismo, no século XVII, ainda não permitia
que a conexão ontológica entre as idéias e a realidade objetiva fosse plenamente apreendida.
Em segundo lugar, porque toda classe que aspira ao poder tem que apresentar os seus
interesses, mesmo quando particulares, como sendo universais. É por este motivo que essa
nova perspectiva científico-filosófica foi afirmada como sendo a descoberta não de um
caminho particular, historicamente configurado, mas do caminho que responderia aos anseios
de construção de uma forma de sociabilidade que atenderia os interesses da humanidade no
seu conjunto.
Ressaltemos, porque isso é importante para a nossa argumentação, que não foi a
justeza e a correção das novas idéias que deu a vitória aos pensadores modernos. Foram, de
6
modo preponderante, as mudanças que se deram nas relações de produção – obviamente em
determinação recíproca com o mundo das idéias – o elemento fundamental dessa vitória. Isto
demarca, ao nosso ver, com clareza, as possibilidades e os limites dessa perspectiva. Baste um
exemplo. A idéia de uma natureza humana genérica, mas não- histórica, podia fundar
teoricamente a igualdade de todos os homens, mas, ao mesmo tempo expressava as
insuperáveis limitações desta noção de igualdade.
Ora, se é válido o raciocínio anterior para a passagem do mundo feudal ao mundo
capitalista, por que não seria para a passagem do mundo capitalista ao mundo comunista? A
grande diferença – de larguíssimas conseqüências – é que a primeira já se realizou e, portanto,
a perspectiva burguesa mostrou a sua superioridade sobre a anterior, ao passo que a segunda
ainda é apenas uma possibilidade. O que nos permite dizer que, se algum dia a humanidade
viver numa forma comunista de sociabilidade, a superioridade desta última – tomada de modo
geral – se evidenciará de modo tão claro como se evidencia a da perspectiva burguesa sobre a
feudal.
O pressuposto dessas afirmações é que as idéias são sempre mediações – ainda que
indiretas – para o conhecimento e a intervenção na realidade. Ora, é claro que, numa
sociedade de classes, as classes dominantes buscarão compreender a realidade e orientar a
intervenção nela de modo a favorecer os seus interesse que, não esqueçamos, são sempre
apresentados como interesses universais. Não se trata de querer ou não. Trata-se de uma
necessidade inescapável. Isto acontece até, embora de forma muito diferente, com relação ao
conhecimento da natureza. Quanto mais em relação ao conhecimento da sociedade! Afinal,
como bem disse Marx “As idéias dominantes são as idéias das classes dominantes”.
De modo que não é nada por acaso que a ideologia burguesa quer demonstrar por
todos os meios a impossibilidade de superação desta ordem social. No que é auxiliada
alegremente por muitos intelectuais que se proclamam de “esquerda”. A burguesia sabe que o
que está em jogo é a sobrevivência dos seus interesses particulares e que, neste jogo, as idéias
têm um papel muito importante.
Contudo, não há nenhum argumento conclusivo que demonstre que a passagem do
capitalismo ao comunismo é impossível. Argumentando ad hominem, em boa lógica
popperiana, a afirmação de que o comunismo é impossível é uma afirmação não falsificável, o
que lhe retira qualquer caráter científico e traduz muito mais o desejo da burguesia. O
fracasso das tentativas até agora feitas apenas prova que aquele não era o caminho, mas não a
impossibilidade de atingir tal objetivo. Isto é boa lógica!
O que nós afirmamos é que, no século XIX, a classe trabalhadora, por sua própria – e
histórica – natureza, estabelecia as bases para uma outra forma de sociabilidade: a
7
sociabilidade comunista. Com ela comparecia a possibilidade de compreender a realidade
social até a sua raiz mais profunda, vale dizer, até a ação humana como responsável última e
única e, ao mesmo tempo, de superação da sociabilidade capitalista. Abria-se, assim, uma
nova e superior perspectiva para a humanidade.
Ora, nossa tese é de que, assim como os pensadores modernos expressaram a
perspectiva cujas bases materiais foram postas pela classe burguesa, do mesmo modo, Marx
(e outros pensadores) lançou os fundamentos teóricos da perspectiva cuja matriz material
encontrava seu núcleo na classe trabalhadora. Mas, valha enfatizar: Marx não criou uma nova
doutrina; não concebeu especulativamente uma nova forma de sociabilidade. Ele apenas (e
este apenas em nada diminui a grandeza do seu feito) reproduziu intelectualmente aquilo que
estava acontecendo no próprio processo real. Não inventou, não imaginou, não especulou.
Apenas traduziu, no nível das idéias, aquilo que se passava no mundo real. E ele tinha
consciência disto. Tanto que o expressou inúmeras vezes. No Manifesto do Partido
Comunista, por exemplo, ele diz:

As proposições teóricas dos comunistas não se baseiam, de modo nenhum, em idéias ou princípios
inventados ou descobertos pr este ou aquele reformador do mundo. São apenas expressões gerais de relações
efetivas de uma luta de classes que existe, de um momento histórico que se processa diante de nossos olhos”
(1998: 21)

E, no Posfácio à 2a edição alemã de O Capital, estabelecendo a diferença entre o


idealismo hegeliano e o seu método dialético, afirma:

Meu método dialético, por seu fundamento, difere do método hegeliano, sendo a ele inteiramente
oposto. Para Hegel, o processo do pensamento, – que ele transforma em sujeito autônomo sob o nome de idéia –
é o criador do real, e o real é apenas sua manifestação externa. Para mim, ao contrário, o ideal não é mais do
que o material transposto para a cabeça do ser humano e por ela interpretado. (1975: 16).

É a classe trabalhadora, por sua própria natureza, que expressa, como já vimos, a
possibilidade e a exigência de superação do capitalismo. É na análise da sociabilidade regida
pelo capital que Marx encontra as possibilidades de sua superação, as balizas que deverão
fundamentar essa superação e o sujeito decisivo dessa tarefa. Nada disto confere validade a
tudo o que Marx escreveu. Apenas expressa o fato de que ele, ao examinar o processo real,
lançou as bases para uma nova forma de fazer ciência e filosofia e de intervir no mundo,
trazendo, assim, à tona a possibilidade de uma nova e superior forma de sociabilidade.
Alguém poderia, então, perguntar: por que esta nova concepção de mundo não é,
hoje, dominante, assim como aconteceu com a concepção moderna? A resposta é simples.
Assim como as vitórias da burguesia foram as principais responsáveis pelo sucesso da
concepção moderna, também as sucessivas derrotas da classe trabalhadora foram e estão
8
sendo responsáveis pelo até agora insucesso da concepção marxiana.Vale, porém, frisar:
sucesso ou insucesso não são a medida da verdade de uma teoria. O que garante a verdade de
uma teoria é a apreensão do objeto na sua integralidade e na maior profundidade permitida
por aquele momento histórico. O que garante o seu sucesso ou não é a prática social, e
especialmente as lutas sociais. Certamente estes dois momentos estão interconectados, mas
não se pode, de modo nenhum, esquecer essa distinção fundamental.
O que assistimos, desde o século XIX até os dias de hoje, é o embate, teórico e
prático, entres estas duas grandes perspectivas. Com altos e baixos, mas, infelizmente, com
sucessivas derrotas para a perspectiva da classe trabalhadora. Derrotas tão significativas,
algumas já sucedidas ainda em vida de Marx, que levaram a inúmeras alterações, “correções”,
deformações e extravios da teoria por ele formulada, não só por parte dos ideólogos burgueses
– o que é plenamente compreensível – mas até por parte da maioria dos que se proclamavam
seus seguidores.

2. O argumento teórico

Quais são, então, os elementos essenciais, que caracterizam a perspectiva marxiana e


a demarcam como um patamar radicalmente novo de filosofia e cientificidade? Em síntese,
podemos dizer que o núcleo mais essencial se encontra na demonstração da radical
historicidade e socialidade do mundo dos homens e na identificação da correta articulação
entre subjetividade e objetividade. Por que isso e como essa demonstração é feita, veremos a
seguir.
Os desdobramentos destas bases estabelecidas por Marx são imensos, como
procuraremos mostrar a seguir. Por outro lado, o caminho percorrido para o lançamento destas
bases também foi complexo e acidentado. Por isso, queremos delimitar claramente o nosso
propósito: pretendemos aludir apenas ao núcleo essencial destas questões e não ao enorme
complexo de problemas que elas envolvem.
Compreenderemos melhor esta problemática se recorrermos de novo à comparação
entre as várias perspectivas: greco-medieval, moderna e marxiana. Partimos do pressuposto de
que todo conhecimento acerca da realidade implica – explícita ou implicitamente – uma
prévia e determinada concepção acerca da própria realidade. Vale dizer, que uma teoria do ser
precede uma teoria do conhecer.
Sem entrarmos em detalhes, é sabido que os gregos e medievais – não obstante as
inúmeras e profundas diferenças – tinham uma concepção a-histórica acerca da realidade.
Pare eles, o mundo – natural e social – possuía uma ordem e uma hierarquia definidas e
9
essencialmente imutáveis. Tanto o mundo natural como o mundo social não eram vistos como
históricos e, muito menos, como resultado da atividade humana. Por isso mesmo, diante dessa
realidade infensa à intervenção humana, o pensamento e a atividade do homem tinham um
caráter marcadamente contemplativo e passivo. Por outro lado, sua concepção de mundo era
essencialmente dualista. Espírito e matéria, consciência e realidade objetiva, subjetividade e
objetividade, apresentavam-se como elementos mutuamente irredutíveis, cuja articulação
nunca obtinha resultados satisfatórios. Donde se seguia que era impossível resolver
adequadamente as relações entre liberdade e necessidade, teoria e prática, ação e estrutura,
subjetividade e objetividade.
As mudanças, materiais e espirituais, que deram origem ao mundo moderno,
alteraram profundamente toda essa forma de pensar.
As enormes e profundas transformações, que aconteceram na passagem do
feudalismo ao capitalismo, e sua cada vez mais clara conexão com a atividade humana,
tiveram como consequência a elaboração de uma concepção de mundo marcadamente
histórica e social.
Contudo, e isto é freqüentemente esquecido, esta concepção não era radicalmente
histórica e social. Nem poderia ser. O ser social ainda estava em vias de amadurecimento, o
que significava que a sua carga de naturalidade ainda era muito forte. Deste modo, o mundo
social era visto como histórico e social, mas não radicalmente histórico e social. Sua origem,
em relação à natureza, fazia com que ele conservasse um núcleo essencialmente não histórico
e não social, expresso na idéia de uma igual natureza humana dos indivíduos anterior à sua
interação social.
Estabelecia-se, deste modo, uma dualidade entre elementos histórico-sociais e
elementos não-histórico-sociais. Como expressão daquela natureza humana essencialmente
imutável, a economia seria governada por leis em tudo semelhantes às leis da natureza.
Nenhuma ação humana poderia alterá-las, pois elas pertenciam à essência do ser social. A
historicidade e a socialidade manifestavam-se no fato de que os homens podiam estabelecer
os limites – jurídicos, políticos, morais, etc – dentro dos quais aquela natureza podia ter livre
desenvolvimento. Sabe-se que o egoísmo proprietário era identificado como esta marca
essencial da natureza humana.
Como consequência disto, a relação entre subjetividade e objetividade continuava
problemática. É sintomática disto a ênfase desmesurada no poder da razão, da
conscientização, da educação na construção progressiva de um mundo cada vez mais humano.
Quanto melhores as idéias, tanto melhores os comportamentos e as instituições, que não
alterariam a essência da natureza humana, mas a levariam a expressar-se no interior de limites
10
mais favoráveis. Ao contrário do que Marx dirá, aqui ficava claramente afirmado que é a
consciência que determina o ser social e não o ser social que determina a consciência. Aliás,
Kant (2002:117), como sempre, formula isto, sintética e brilhantemente, quando diz, aos
enfatizar o poder da razão como motor do esclarecimento: Uma revolução poderá talvez
realizar a queda do despotismo pessoal ou da opressão ávida de lucros ou de domínios, mas
jamais produzirá a verdadeira reforma do modo de pensar.
É preciso, porém, fazer alusão a uma diferença fundamental entre as concepções
greco-medieval e moderna. Trata-se do deslocamento que se operou de uma impostação
ontológica – característica da primeira – para uma impostação gnosiológica – que marca a
segunda. Para a concepção greco-medieval, uma teoria geral do ser (ontologia) era uma
condição prévia indispensável à resolução das questões relativas ao conhecimento. Para
posterior comparação com a posição marxiana, é importante salientar o caráter metafísico da
perspectiva greco-medieval.
Para a concepção moderna, ao contrário, uma teoria do conhecer era a condição
primeira para a resolução das outras questões. Sintomático disto é que praticamente todos os
grandes pensadores modernos iniciam seu trabalho abordando os fundamentos do
conhecimento.
De um lado, portanto, temos a centralidade da objetividade e, de outro, a centralidade
da subjetividade, com todas as conseqüências, em ambos os casos.
Marx supera as unilateralidades e deficiências destas duas perspectivas,
demonstrando, de um lado, a radical historicidade e socialidade do ser social e, de outro, o
modo como se articulam subjetividade e objetividade em uma síntese geradora da realidade
social.
Tanto para os greco-medievais como para os modernos, o mundo dos homens não
era, na sua integralidade, obra dos próprios homens. O caráter metafísico e a-histórico da
posição dos primeiros é suficientemente conhecido. Quanto aos segundos, embora tenham
sido eles, por primeiro, a acentuar a historicidade da história humana, deixaram subsistir um
núcleo essencial que se encontrava fora do alcance da ação dos homens. Tratava-se da idéia
de uma natureza humana de caráter egoísta, que precederia a interação social dos homens. E,
como a economia era a expressão mais própria dessa natureza, ela, em suas determinações
essenciais, seria regida por leis não sociais, mas naturais.
Ora, Marx demonstra que a realidade social, em sua absoluta integralidade e não
obstante sua insuprimível articulação com a natureza, é in totum obra dos próprios homens. A
demonstração disto, que aqui apenas resumiremos, parte da restituição à objetividade do seu
caráter central, mas reformulando profundamente esta noção. Não por acaso, ele elabora suas
11
idéias em um momento em que o ser social atinge a sua plena maturidade. Em que ele põe a
possibilidade de ser compreendido como radicalmente histórico e social. A perspectiva aberta
pela classe trabalhadora implicava alterar pela raiz a realidade social. Só assim a exploração
do homem pelo homem poderia ser efetivamente eliminada. Mas, essa alteração radical só
poderia acontecer se a realidade social fosse, na sua integralidade, resultado dos atos dos
próprios homens. Vale dizer, não deveria poder existir nenhuma dimensão da realidade social
que se mantivesse imutável, que estivesse fora do alcance da atividade humana. Os homens
teriam que ser os únicos sujeitos da sua história. Nenhuma essência imutável deveria poder
subsistir. Este foi o enorme desafio enfrentado por Marx: demonstrar que o mundo dos
homens é integral e radicalmente resultado da atividade dos próprios homens. E, além disso,
demonstrar como subjetividade e objetividade não são dois momentos irredutíveis, mas, pelo
contrário, dois momentos que se determinam mutuamente, que se articulam intimamente e de
cuja síntese resulta esta nova forma de ser que é o ser social.
Contudo, essa demonstração não poderia, de modo nenhum, correr o risco de
dissolver a humanidade como humanidade. Vale dizer, não podia, ao historicizar radicalmente
o ser social, fazer da humanidade apenas um aglomerado de indivíduos mudos à semelhança
dos animais. Esse risco tinha sido evitado, tanto pelos gregos e medievais, como pelos
modernos, através do conceito de essência humana. A existência de uma essência humana,
imutável e comum a todos, era o laço que conferia a todos os indivíduos singulares um caráter
de universalidade. Mas, esta essência era imutável. Historicizá-la poderia implicar a
transformação da idéia de humanidade em uma simples palavra vazia, com graves e perigosas
conseqüências. Tratava-se de demonstrar que a essência humana, sem ser imutável (portanto,
sendo histórica) não deixava de ser essência (ou seja, uma determinação genérica e
(relativamente) permanente.
Como foi, então, que Marx demonstrou a radical historicidade e a radical socialidade
do ser social? Como superou o caráter metafísico da idéia de essência humana sem cair no
puro relativismo? Como foi que superou a tradicional dualidade entre subjetividade e
objetividade, consciência e realidade objetiva, garantindo, ao mesmo tempo, a diferença entre
estes dois momentos?
Antes de expor os elementos fundamentais desta empreitada, é importante assinalar
que, desde muito cedo, a impostação do trabalho de Marx apontava neste sentido. É
sintomática a afirmação feita por ele em uma carta ao pai, em 1837. Nela, aludindo às suas
contradições interiores, afirma ele: Abandonando o idealismo, ....dediquei-me a buscar a idéia
na própria realidade (Marx: Escritos de juventud, p. 10). Contra o idealismo, que
caracterizava a perspectiva moderna e contra toda especulação, ele se propunha a colocar o
12
ser, a realidade objetiva, existente independente da consciência, como momento primeiro e
pólo regente de toda a sua investigação. E essa impostação ontológica é reafirmada várias
vezes, mas especialmente em A Ideologia alemã (1986: 26), quando diz: Os pressupostos de
que partimos não são arbitrários nem dogmas. São pressupostos reais, dos quais não se pode
fazer abstração a não ser na imaginação...Com esse deslocamento, Marx recuperava, de
algum modo, a orientação greco-medieval. Como se sabe, para eles, a questão primeira era a
questão do ser. E só a partir dela é que eram resolvidas as questões relativas ao conhecer.
Sabe-se, também, que os modernos inverteram essa ordem, colocando como primeira
pergunta a questão relativa ao conhecer. Marx repõe, como originária, a questão do ser, já
que, segundo ele, é impossível resolver o problema das possibilidades e limites do
conhecimento se não se sabe antes quem é o ser que conhece. Contudo, há uma enorme
diferença entre a sua posição e a dos gregos e medievais. O ser do qual Marx fala não é um
ser especulativo e a-histórico. Nem sequer o ser em geral, mas o ser histórico e concreto, o ser
social. É por isso que ele afirma, repetidamente, que seu ponto de partida não é nem
especulativo nem imaginário, mas é constituído pelos indivíduos concretos, suas ações e
relações empiricamente verificáveis.
As bases dessa empreitada começam a ser lançadas quando Marx descobre que o
trabalho é o fundamento ontológico do ser social. Esta é a pedra-de-toque do pensamento
marxiano. Se ela for removida, todo o edifício virá abaixo. É a partir do exame dessa
categoria que a práxis aparece como a categoria nuclear de toda a sua elaboração e que o
processo de autoconstrução humana se torna o fio condutor de sua construção teórica.
Para Marx, a raiz do homem é o próprio homem e o ato que funda o homem, o ato
ontológico-primário, é o ato do trabalho. Constatado isso, trata-se, então, para ele, de
investigar o processo de tornar-se homem do homem, em suas múltiplas dimensões, mas
matrizado pelo trabalho. Compreende-se, assim, porque ele deixou de lado a investigação
filosófica direta para concentrar-se na forma concreta do trabalho naquele momento histórico.
Mas, já aqui aparece a forma caracterizadora desta nova maneira de fazer ciência e filosofia.
Somente após ter colocado as balizas filosóficas mais gerais (uma ontologia do ser social) e
sem nunca deixá-las de lado, ele podia dedicar-se à investigação da matriz econômica sem
cair no risco de desistoricizar ou fetichizar as categorias econômicas. Todas elas serão sempre
vistas como momentos do processo de autoconstrução humana, como objetivações do próprio
homem.
Examinando, então, o ato do trabalho, Marx constata que ele é um intercambio entre
o homem e a natureza, através do qual o homem transforma esta última, adequando-a à
satisfação das suas necessidades. Ressalta, contudo, que, ao transformar a natureza, o homem
13
também se transforma a si mesmo. O ato do trabalho, por sua vez, é o resultado da síntese de
dois elementos essenciais: a prévia-ideação e a realidade natural objetiva. A mediação entre
estes dois elementos será constituída pela categoria da práxis.
Disto decorre, para Marx, que o trabalho é o ato a partir do qual o homem se cria a si
mesmo, o ato que estabelece uma ruptura com o ser natural e dá origem ao ser social.
Estabelecido este salto constituidor de um novo tipo de ser, todo o restante da história nada
mais será do que o processo de tornar-se cada vez mais social do ser social.
São essas constatações a respeito da natureza do trabalho e da sua posição na
estrutura do ser social que permitem a Marx demonstrar a radical historicidade e a radical
socialidade do mundo dos homens. É isso, também, que lhe permite encontrar o modo como
se articulam subjetividade e objetividade, superando o dualismo tradicional sem perder a
especificidade de cada uma destas categorias.
Se, de fato, o trabalho é o ato ontológico fundante do ser social, então fica claro que
nada há neste ser que seja imutável. Não obstante a insuprimível e eterna conexão do homem
com a natureza, a historicização do ser social é radical. O que significa que se torna inviável a
existência de qualquer tipo imutável de essência. Está, assim, infirmada, pela raiz, a idéia de
um núcleo imutável da natureza humana (o egoísmo).
Fica claro, também, que a realidade social é, na sua integralidade, resultado da
atividade social humana. Independente do quantum de consciência tenha disto e dos
resultados alcançados, o homem se faz integralmente a si mesmo. Pode-se dizer, com os
devidos cuidados, que a unidade mínima do processo social são os atos singulares dos
indivíduos (ainda assim, sempre atos de caráter social). É a partir deles, individual ou
coletivamente realizados, que se objetivam os campos, as forças, as instituições e as
tendências histórico-sociais.
O exame da categoria do trabalho também permite perceber que subjetividade e
objetividade não são duas categorias excludentes e irredutíveis. Certamente, a objetividade
natural existia antes do homem. Não, porém, a objetividade social. No âmbito do ser social,
subjetividade e objetividade têm o mesmo estatuto ontológico (quer dizer, a consciência não é
um mero epifenômeno da realidade objetiva) e se constroem em determinação recíproca.
Pode-se, com tranqüilidade, afirmar que espírito e matéria (social), consciência e realidade
objetiva, subjetividade e objetividade engendram-se mutuamente. Eis porque seria absurdo
afirmar simplesmente tanto que o homem é produto das circunstâncias, quanto que a realidade
objetiva é produto das idéias (que o mundo é como nós o percebemos). Materialismo
mecanicista e idealismo estão superados pela raiz quando Marx afirma que se é verdade que
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as circunstâncias fazem os homens, também é verdade que são os homens que fazem as
circunstâncias.
Ora, se a realidade social, na sua integralidade, é obra dos próprios homens, está
cortada, pela raiz, toda possibilidade de perenização de qualquer ordem social. E, por outro
lado, se subjetividade e objetividade são dois momentos que se engendram mutuamente, que
se determinam mutuamente, que têm o mesmo estatuto no plano do ser, que, não obstante
suas diferenças, constituem uma unidade indissolúvel de cuja síntese resulta o ser social,
então está fechada a brecha existente entre estas duas categorias, estão superadas as
unilateralidades e deficiências das perspectivas greco-medieval e moderna.
Convém, porém, notar que essa historicização e socialização radical do ser social não
teria sido possível sem a historicização e socialização do conceito de essência. A grande
maioria dos marxistas considerou esse conceito um resquício metafísico, do qual Marx se
teria desfeito na sua obra de maturidade. Contudo, ele aparece também em obras deste
período, como os Grundrisse e O Capital. Marx fala freqüentemente em essência e fenômeno.
O que significa que admite a existência efetiva da essência e que considera estas duas
categorias como categorias diferentes. Dado o caráter radicalmente histórico do ser social,
elas também teriam que ser necessariamente históricas. Além do mais, segundo ele, do ponto
de vista ontológico, não há distinção entre essência e fenômeno. Ambas são categorias do ser.
Sua distinção, então, como mostra Lukács na sua Ontologia do ser social, só poderia estar
baseada na unidade/multiplicidade e na permanência/mudança.
É o que se pode verificar no exame do processo histórico. Os atos singulares
humanos vão dando origem a certas determinações de caráter universal que se caracterizam
por um grau maior de unidade e de permanência, embora nunca absolutas. Estas
determinações, por sua vez, se manifestam sob uma enorme multiplicidade de formas e
sofrem transformações muitíssimo mais rápidas. Temos, então, uma essência humana, cujo
nível de unidade e de permanência é maior do que o dos fenômenos. Contudo, por ser
resultado de atos sempre diferentes, ela não poderia ser imutável. Ela é apenas mais idêntica a
si mesma, mais permanente e mais una do que os fenômenos sob cujas formas se manifesta.
Contudo, embora o trabalho seja o fundamento ontológico do ser social, este não se
resume àquele. Com a complexificação da realidade social, surgem novas necessidades e
novos problemas, que não poderiam ser enfrentados no âmbito do próprio trabalho. É a partir
disto que surgem novas dimensões sociais, tais como direito, política, arte, ciência, religião,
educação, etc., cada qual com uma natureza e funções específicas para a resolução destas
novas questões. Natureza e funções que só poderiam cumprir se tivessem uma autonomia
(sempre relativa) com relação à matriz que lhes deu origem. Daí dizermos que elas têm uma
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dependência ontológica e uma autonomia relativa em relação à matriz fundante que é o
trabalho.
Deste modo, o ser social vai se constituindo como um “complexo de complexos”,
vale dizer, um conjunto articulado de categorias, em processo, tendo sempre como matriz
fundante o trabalho. Daí porque a categoria da totalidade é absolutamente central no
pensamento marxiano. Partindo do trabalho – matriz fundante- um fio condutor percorre –
através de inúmeras mediações – o conjunto do processo de entificação humana, conferindo-
lhe uma determinada lógica. De modo que, mesmo quando se constata a intensa fragmentação
da realidade social – como no caso da sociabilidade capitalista – ainda assim, para além das
aparências, há uma lógica que rege esta fragmentação e a raiz dela só pode ser encontrada no
trabalho.
Ao contrário de H. Arendt e J. Habermas, que estabelecem, embora de modo
diferente, uma dicotomia entre trabalho (labour, ação instrumental) e atividade propriamente
social (vita activa, ação comunicativa), Marx entende que existe, entre o trabalho
propriamente dito (transformação da natureza) e as outras atividades humanas (relações entre
os homens) uma unidade indissolúvel, cuja raiz se encontra no primeiro. Não como relação
mecânica, mas, precisamente, como fundamento ontológico. Pode-se ver, aí, a enorme
diferença entre estes autores: para Arendt e Habermas, é a política o fundamento da
construção de uma forma de sociabilidade mais humana. Para Marx, ao contrário, o
fundamento se encontra no trabalho, no caso do comunismo, no trabalho associado. Para ele,
o trabalho (reino da necessidade) – mesmo sob a forma de trabalho associado, portanto, em
seu modo mais livre possível – é o fundamento das mais plenas expressões da atividade
humana (reino da liberdade).
A partir desses pressupostos ontológicos, também toda a problemática relativa ao
conhecimento científico ganha uma abordagem inteiramente nova. A resposta às questões
epistemológicas, tais como: qual a natureza essencial da ciência; o que são o objeto e o sujeito
do conhecimento e qual a relação entre eles; o que é a verdade e quais os critérios para defini-
la; quais as possibilidades e os limites da razão; o que é o método científico; qual a relação
entre juízos de fato e juízos de valor, sempre terão um equacionamento de caráter ontológico-
prático, vale dizer, a partir da integralidade do processo histórico-social e não de caráter
formalista, como é o caso das respostas que partem da perspectiva subjetivista moderna.
A extrema e essencial novidade da concepção marxiana se manifesta, a converso, nos
próprios mal-entendidos e interpretações a respeito dela. Marx era ora enquadrado como
economista, ora como sociólogo, ora como historiador, ora como filósofo. Mas, permanecia
sempre um corpo estranho no interior do pensamento moderno. Nisso é canônica a
16
interpretação que dele faz K. Popper, especialmente em sua obra A sociedade aberta e seus
inimigos. Do mesmo modo, era e continua a ser enorme a dificuldade de caracterizar o
estatuto científico da sua obra. E esta dificuldade foi partilhada até por muitos seguidores de
Marx. Lembre-se o que disse Kautski (apud Löwy, 1987: 114): Não há dúvida de que O
Capital seria uma obra ainda mais imparcial e científica, se o autor houvesse somado a seu
gênio e rigor e a seu amor à verdade a bela qualidade de se situar acima de todas as lutas e
contradições de classes... Como se sabe, a neutralidade científica, com tudo o que ela implica
e acarreta, é marca essencial da concepção moderna da ciência.
Aplicar à cientificidade marxiana os parâmetros próprios da cientificidade moderna,
seria, mutatis mutandis, o mesmo que querer avaliar esta última a partir dos parâmetros do
saber greco-medieval. Segundo os parâmetros da cientificidade moderna, a obra marxiana
carece, necessariamente, de valor científico. Entre outras coisas porque não faz a devida
separação entre juízos de fato e juízos de valor. Ora, para Marx, é exatamente essa não
separação que garante o caráter científico do seu pensamento.
Caracterizando a cientificidade moderna, diz José Paulo Netto (1989: 143):

Mesmo correndo o risco de excessiva esquematização, creio que no âmbito do racionalismo


contemporâneo, há duas posições fundamentais em face do processo de conhecimento do social. A primeira –
que possui inequívocas raízes na tradição neokantiana – concebe a análise dos fenômenos a partir de sua
expressão empírica, como um andamento intelectivo, que conduz à formulação lógico-abstrata (universal) de um
modelo ou paradigma compreensivo dos processos que eles sinalizam, das suas tendências e regularidades. (...).
A resultante da elaboração teórica, o produto teórico por excelência, é um modelo que a razão elabora e cria a
partir do objeto empiricamente dado.

Ao contrário, ainda segundo ele,

A segunda posição – que me parece própria da vertente crítico-dialética - também arranca da


expressão empírica para apanhar a processualidade que a dissolve e resolve, na busca de suas tendências e
regularidades; (...) A reflexão teórica, nesta ótica, não “constrói” um objeto: ela reconstrói o processo do objeto
historicamente dado. A resultante da elaboração teórica, o produto teórico por excelência, é uma reprodução
ideal de um processo real.

No limite, dados os pressupostos ancorados na subjetividade, a cientificidade


moderna, embora permita ganhos parciais de conhecimento, vê-se interditada a possibilidade
de compreender a realidade social como totalidade (categoria da qual abriu mão) atendo-se
tão somente ao que é fenomênico e fragmentário. Do mesmo modo, vê-se impossibilitada de
compreender a realidade social até a sua máxima profundidade uma vez que, por princípio, já
eliminou a categoria da essência. O que se viu, de Kant para cá, é, de fato, a progressiva
eliminação dessa categoria, limitando-se o conhecimento científico a operar sobre o universo
fenomênico.
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Como conseqüência, a concepção moderna de ciência, até hoje largamente
dominante, exatamente por operar apenas sobre o mundo fenomênico, chega a um dilema do
qual é incapaz de se livrar. Ou produz um conhecimento que apenas contribui para a
reprodução desta forma de sociabilidade ou, quando se pretende crítica, é incapaz de
ultrapassar o círculo estreito da denúncia ou do humanismo abstrato.
Ao contrário, a ciência marxiana, de caráter ontológico, produz, necessariamente, um
conhecimento de caráter revolucionário, vale dizer, um conhecimento que, ao apanhar o objeto
na sua integralidade (essência/fenômeno, totalidade), evidencia, ao mesmo tempo, as tendências
mais profundas que se configuram no seu interior e, entre elas, a possibilidade de superação
dessa forma particular em direção a uma forma superior.

À guisa de conclusão

Apreender a realidade social como algo que é integralmente resultado da atividade social
dos próprios homens, ainda quando se lhes opõe como um poder hostil (alienação); compreendê-
la como uma totalidade de partes, articuladas, em processo, cuja matriz fundante é o trabalho;
nunca perder de vista que qualquer fenômeno social é sempre o resultado da interação entre
subjetividade e objetividade; ao fazer ciência, partir dos dados imediatos, mas dissolvê-los,
buscando a lógica mais profunda da qual eles são uma manifestação e, com isso, fazer emergir a
possibilidade de superação de sua forma atual. É isto que caracteriza o novo patamar filosófico-
científico instaurado por Marx. E é esta forma de fazer ciência e filosofia que deve ser resgatada
se se quer um instrumento teórico adequado às enormes tarefas que a classe trabalhadora tem
pela frente com o objetivo de superar o capitalismo e construir uma autêntica comunidade
humana.
Sem deixar de reconhecer os grandes ganhos obtidos pela cientificidade moderna,
especialmente no âmbito da ciência da natureza, mas também na ciência do social, é preciso
deixar bem clara a diferença entre estes dois patamares e a superioridade da perspectiva marxiana
– quando ontologicamente configurada – sobre a perspectiva moderna. Por esse motivo,
reafirmamos a nossa idéia central: se o objetivo é obter um conhecimento da realidade social
capaz de orientar a sua transformação radical, então, após Marx, não é mais possível fazer
filosofia e ciência do mesmo modo como se fazia antes dele e como se continua fazendo na trilha
aberta pela perspectiva moderna.

Referências Bibliográficas
18

ARENDT, H. A condição humana. São Paulo: Edusp, 1981.


HABERMAS, J. Teoria de la acción comunicativa. Madrid: Taurus, 1987.
KANT, I. Textos Seletos. Petrópolis: Vozes, 1985.
LÖWY, M. As aventuras de Karl Marx contra o barão de Münchausen. São Paulo:
Buscavida, 1987.
MARX, K. Elementos fundamentales para la critica de la economia política
(Grundrisse). México: Siglo Veintiuno, 1978.
_____. El Capital. México: Fondo de Cultura Economica, 1995.
_____. A Ideología alemã. São Paulo: Hucitec, 1986.
_____. Marx: escritos de juventud. México: Fondo de Cultura Economica, 1987.
PAULO NETTO, J. Notas para a discussão da sistematização da prática e teoria em
Serviço Social. In: Cadernos ABESS, n. 3, 1989.
POPPER, K. A sociedade aberta e seus inimigos. São Paulo/Belo Horizonte:
Edusp/Itatiaia, 1987.
TONET, I. Educação, cidadania e emancipação humana. Marília. Tese de doutorado,
2001.
_____. Sobre o socialismo. Curitiba: HDLivros, 2002.
_____. Democracia ou Liberdade. Maceió: Edufal, 1997.

Maceió, agosto de 2003


O Batismo de Marx
Autor: Ivo Tonet

I - INTRODUÇÃO
Está em curso, desde há algumas décadas, no interior da cristandade, em especial da Igreja Católica,um
processo de cristianização de Marx.
Como não poderia deixar de ser, este processo é tempestuoso, cheio de conflitos, chegando a opor de
forma bastante violenta pessoas integrantes da mesma comunidade cristã.
Para os que defendem este processo de cristianização, ele não significaria nada mais do que aproveitar o
pensamento de Marx no que ele tem de útil para a elaboração de um discurso teológico doutrinário cristão.
Para os que são contra, o pensamento de Marx é radicalmente contrário à mensagem cristã e toda tentativa
de utilização dele terá como conseqüência a descaracterização da essência do cristianismo.
A compreensão deste processo de cristianização de Marx, exigiria, na coerência com os fundamentos
metodológicos para a compreensão de qualquer fenômeno ideológico, uma análise do mundo atual a partir de sua
matriz econômica. É a partir dela e na articulação com os outros momentos da realidade social que se poderia situar
melhor as perspectivas e os limites deste empreendimento.
No entanto, dada a brevidade deste artigo, limitar-me-ei a levantar algumas questões que me parecem
relevantes, a partir da comparação de certos aspectos importantes dos processos de cristianização de Marx e de
Aristóteles.
Devo dizer, também, que o objetivo deste trabalho não é o de entrar na polêmica - própria dos cristãos -
acerca da possibilidade e do modo de conciliação do pensamento de Marx com o cristianismo, mas tão somente de
examinar este processo enquanto fenômeno social com implicações que atingem não apenas os cristãos mas o
conjunto da sociedade.

II - O BATISMO DE ARISTÓTELES
Como se sabe, nos séculos XIII e XIV, o filósofo Aristóteles também foi submetido a um processo
semelhante de cristianização. O cristianismo, durante longos séculos, tinha sido mais uma expressão de fé do que de
razão, apesar das tentativas de alguns Padres da Igreja, em especial S. Agostinho, de encontrar um “modus vivendi”
entre a fé e a razão.
Começava, no entanto, a esboçar-se nesta época (s. XIII e XIV) aquilo que pouco mais tarde se apresentaria
como a tônica do pensamento moderno: a razão como instância última diante da qual deveria comparecer tudo que
quisesse adquirir foros de conhecimento verdadeiro.
E neste momento que se faz necessário, para a própria sobrevivência do cristianismo, um trabalho mais
sistemático que permitisse dar à fé um suporte racional.
O pensamento de Aristóteles mostrou-se o instrumento adequado a este empreendimento. Mas havia dois
problemas sérios e interligados. Um proveniente do próprio caráter do sistema construído por Aristóteles, que não
se harmonizava facilmente com a ortodoxia cristã. O outro, em conseqüência disto, proveniente da autoridade
eclesiástica, guardiã desta mesma ortodoxia, ou seja, depositária de uma interpretação do cristianismo considerada
verdadeira.
Ao contrário da cerimônia batismal, onde tudo é festa, o batismo de Aristóteles foi muito agitado, gerando
inúmeras polêmicas, processos, ameaças de excomunhão e até recursos ao braço secular. O próprio Tomás de
Aquino, figura maior deste empreendimento, chegou a ver teses suas condenadas como heréticas pelo bispo de
Paris.
No entanto, apesar dos inúmeros percalços, o processo de cristianização de Aristóteles, do ponto de vista
cristão foi um sucesso, permitindo armar a mensagem religiosa com um travejamento filosófico que perdura até os
nossos dias. Este sucesso se deveu, também, em grande parte, ao fato de que esta nova expressão pensada da fé
significou uma articulação íntima com os interesses das classes dominantes.
Poder-se-ia perguntar se nesta operação o pensamento de Aristóteles foi respeitado, se esta era a leitura
mais correta dele, mas isto não teria, hoje, mais do que um interesse puramente histórico.
O que ao meu ver é mais interessante de se constatar é que todo este sucesso também teve os seus custos e
muito altos. Os seus pontos fortes se tornaram exatamente os seus pontos fracos.
Um desses pontos fortes era a articulação entre fé e razão. A articulação foi feita e não vem ao caso aqui
discutir o seu conteúdo, mas verificar o fato que a partir de então ela tornou-se uma camisa-de-força, uma
dogmática que somente admitia aperfeiçoamentos, mas não questionamentos quanto aos seus fundamentos e ao
seu conteúdo essencial. Uma determinada forma histórica de razão foi articulada com uma determinada
interpretação do cristianismo e o produto disto foi alçado à condição de verdade meta-histórica. A ignorância -

  1
inevitável naquele momento - da determinação social do pensamento levou a considerar aquele produto não como
um dos possíveis discursos, mas como o discurso verdadeiro.
Um outro ponto forte era a harmonia que se estabeleceu entre a ideologia religiosa e a ideologia político-
social dominante, permitindo uma ampla difusão da doutrina cristã, escudada nos aparelhos do Estado. No entanto,
esta aliança político-ideológica entre a Igreja e o Estado contribuiu para configurar um cristianismo não apenas de
fato, mas com todo um embasamento teórico, comprometido com a alienação, a dominação e a exploração. Este
comprometimento era tanto mais poderoso porque articulado com um discurso de defesa de valores humanos
abstratamente concebidos (Veja-se a última Instrução do Vaticano sobre a Teologia da Libertação).
Um terceiro ponto forte ainda era a garantia que a autoridade religiosa emprestou a este processo para que
fosse levado a bom termo, estabelecendo parâmetros que não podiam ser ultrapassados sob pena de exclusão da
comunidade cristã. Esta garantia significou, por sua vez, a impossibilidade de trilhar outros rumos que não os
estabelecidos pelo discurso dominante, impedindo o surgimento de outras formulações que pudessem dar ao
cristianismo uma expressão mais sintonizada com as perspectivas sociais que não fossem as das classes dominantes.

III - O BATISMO DE MARX


Em nossos dias, um outro processo de cristianização se desenvolve com Marx.
Afinal, argumentam os seus defensores, porque não fazer com Marx o que já se fez, e com tanto sucesso,
com Aristóteles? Aristóteles também era considerado perigoso para a fé, capaz de destruir e descaracterizar a
autêntica mensagem cristã. No entanto, o que sucedeu foi exatamente o contrário. O pensamento aristotélico foi
um instrumento válido e adequado num determinado momento histórico; hoje o pensamento marxiano se
mostraria mais apto a um novo empreendimento de modelagem da mensagem cristã.
Mas, por que Marx? Um pensador que há até algumas décadas atrás era duramente combatido pela Igreja
como materialista, ateu, anti-humanista, pregador do ódio, da luta de classes, da violência, da dissolução do
indivíduo na coletividade, destruidor de todos os valores considerados humanos, como a liberdade, o amor, a
fraternidade, enfim, radicalmente contrário à genuína mensagem cristã.
É que, apesar da tenaz oposição do discurso teológico cunhado no processo anterior, uma força maior,
enraizada na própria realidade histórico-social, cavava o seu caminho e exigia outras respostas.
Fazia-se necessária uma adequação do cristianismo a uma nova realidade marcada medularmente pela
emergência do histórico, do político e do social.
Soluções de compromisso foram tentadas pela teologia européia através de um embasamento filosófico
fornecido pela fenomenologia e pelo existencialismo. E ainda estão em curso. Mas a matriz especulativa, forjada no
processo anterior, permeava todas essas tentativas, levando-as a desembocar num discurso comprometido - ainda
que não conscientemente - com a ordem social dominante.
Ora, uma das questões importantes que a epistemologia contemporânea, especialmente aquela fundada no
pensamento marxiano, levantou, é a de que todo discurso é historicamente datado e socialmente determinado;
nenhum discurso está acima da história; nenhum discurso está isento da interferência dos valores sociais na sua
elaboração, de modo que, então, nenhum discurso pode pretender falar do lugar da verdade absoluta.
Este princípio também seria válido para o discurso teológico-doutrinário, significando que também este não
poderia ser um discurso meta-histórico, nem poderia estar livre das influências ideológicas.
O surgimento da Teologia da Libertação veio imprimir um novo rumo ao processo de adequação do
cristianismo à realidade histórico-social contemporânea. A TdL significou um deslocamento do eixo de reflexão. Ao
invés do eixo filosófico-especulativo, tomou como ponto de partida e fio condutor a praxis histórico-social,
categoria também central no pensamento marxiano.
Por aí, o encontro com Marx era inevitável, e, por outro lado, assentava em novas bases. Era inevitável
exatamente porque, com todos os seus problemas, o pensamento de Marx se mostrava como a perspectiva mais
fecunda para a compreensão da realidade histórica sobre a qual a teologia pretendia se pronunciar. E assentava em
novas bases porque o ponto de partida e fio condutor assumido pela TdL distanciava-a profundamente da teologia
tradicional e, por outro lado, aproximava-a significativamente da perspectiva marxiana.
Mais ai o conflito que se estabelecera no processo anterior de batismo de Aristóteles, voltou a repor-se com
toda força. Este conflito opunha de um lado um determinado discurso teológico doutrinário que parametrava toda
discursão aliado a autoridade religiosa como instância ultima da autentica interpretação da fé e de outro lado um
outro discurso teológico-doutrinário profundamente diferente e a liberdade de investigação.
Como então, o batismo de Marx está sendo tempestuoso, cheio de debates, polêmicas, acusações de heresia
e até, por vias diferentes, o mesmo recurso ao braço secular (pense-se nas acusações de subversão).
E aí está uma das grandes questões levantadas pelo batismo de Marx: o conflito entre a autoridade e a livre
investigação.

  2
Não vem ao caso aqui discutir qual a solução deste conflito no âmbito interno da Igreja. Mas vem ao caso
perguntar quais as conseqüências sociais que ele pode ter, e já manifesta, no processo de cristianização do
pensamento de Marx.
Em primeiro lugar, a inibição da própria investigação. Esta inibição está claramente expressa numa
declaração do teólogo Leonardo Boff no conflito com o Vaticano, quando afirma preferir ficar com a Igreja a
arriscar-se sozinho na investigação.
O pensador sente-se compelido pelas exigências da razão e da honestidade intelectual a prosseguir no
caminho que lhe parece mais justo, mas encontra as barreiras do discurso oficial e da autoridade.
Posta assim a questão entre um discurso normativo, fundado na fé e um discurso investigativo, fundado na
razão, instala-se um conflito insanável que só pode resultar em conseqüências danosas para a investigação e para a
ação dela decorrente. Pois que a produção do saber não é uma questão meramente pessoal, mas de profundas
repercussões sociais.
Em segundo lugar, e como conseqüência disto, na resolução de questões problemáticas, que só poderiam
ser dirimidas mediante o prosseguimento livre do trabalho intelectual, gera-se um discurso da ambigüidade e da
conciliação, que procura aparar as arestas e evitar os atritos de modo a não ultrapassar os limites estabelecidos.
Exemplo claro desse discurso ambíguo é a recente carta dos irmãos Boff ao cardeal Ratzinger. Como a carta
foi escrita de livre e espontânea vontade, pode-se crer que representa efetivamente o pensamento dos autores.
Mas não só nesta carta, como também em outras obras dos teólogos da libertação está presente este
discurso da ambigüidade, tornando problemático todo o avanço da investigação.
No caso específico da cristianização do pensamento de Marx poder-se-ia documentar com precisão como a
sombra do discurso da autoridade se faz presente para prevenir os desvios da ortodoxia cristã.
Veja-se, por exemplo, o caso da tematização da luta de classes e da violência. A ortodoxia oficial, que já
condenou a luta de classes como uma invenção malévola de Marx, hoje avançou até admitir a existência do
fenômeno, mas não como constitutivo da realidade social. E quanto à questão da violência revolucionária, o
parâmetro ainda é aquele fixado por S. Tomás: recurso legítimo, mas último e em caso de comprovada tirania.
Os teólogos são obrigados a toda sorte de malabarismos intelectuais para escapar de um falso dilema (falso
do ponto de vista intelectual) entre a posição oficial da Igreja, da qual discordam e a posição marxiana, que
consideram correta e que até em nada conflitaria com o cristianismo coerentemente interpretado à luz dos próprios
fundamentos em que assenta a TdL.
O prosseguimento da investigação com esse tipo de conceitos leva a sérios enfrentamentos com a doutrina
e a autoridade religiosa, motivo porque, ainda quando utilizados, o são com uma prudência que não nasce do
interior do discurso científico mas da autoridade censuradora.
A interrogação que levanto a seguir sobre os rumos que a TdL está imprimindo ao batismo de Marx a partir
deste conflito, exigiria uma comprovação - perfeitamente factível - muito mais detalhada desse discurso da
ambigüidade, suprimida em favor da brevidade.
Pelo caminho que parece predominar, a TdL que hoje, com todos os problemas que a caracterizam,
representa uma inegável tendência para o compromisso com a emancipação da humanidade, poderá levar a um
batismo de Marx muito semelhante ao de Aristóteles, ou seja, à elaboração de um discurso teológico travejado por
uma perspectiva filosófico-científica denunciadora das injustiças sociais e até incentivadora de uma consciência e de
um compromisso de luta bastante fortes, mas incapazes de intervir para uma mudança radical nas estruturas que
originam estas injustiças.
Resumindo, eu diria que todo este processo de cristianização de Marx pode (mas não necessariamente)
resultar numa adequação do cristianismo à atual etapa histórica do sistema capitalista. Isto porque entre a
perspectiva marxiana e a perspectiva teológica tradicional há uma posição radical. Ora, na medida em que esta
última é tomada pela TdL como horizonte, a possibilidade de constituição de um discurso cristão revolucionário
(no mais legítimo sentido da palavra) é, no mínimo, problemática.
Examinemos por outro angulo o batismo de Marx.
No caso de Aristóteles, sabemos que o seu batismo teve como pressuposto um estudo intenso de sua obra,
ainda que sempre à sombra da autoridade. Aristóteles foi lido e relido, discutido per longum et latum até receber a
modelagem final.
O mesmo não está acontecendo com Marx. Um estudo mais sério e aprofundado do seu pensamento ainda
está por ser feito pela TdL.
Muitas vezes polemiza-se com Marx quando na verdade se está polemizando com um marxismo de corte
estalinista que nada tem a ver com o genuíno pensamento de Marx. Ou então o marxismo que comparece e a
interpretação de Marx feita por E. Bloch , ou por Althusser, ou por Gramsci ou pela Escola de Frankfurt.
Duas conseqüências imediatas surgem daí. Por um lado, a rejeição de determinados aspectos do
pensamento de Marx oriundos dessas interpretações. Por outro lado, uma conciliação apressada entre marxismo e
cristianismo fundada numa adulteração, ainda que de modo algum intencional, do pensamento de Marx.
  3
A meu ver, a ação política dos setores progressistas da Igreja, que tem muito a ver com a TdL, e que é
perpassada pelo espontaneísmo e por um humanismo ainda bastante abstrato, está relacionada (mas não só) com
esse processo de cristianização de Marx que resulta de uma conciliação superficial e mal feita entre marxismo e
cristianismo.
Sei que a questão posta acima suscita o problema de que, afinal, há muitos marxismos e que não é possível
estabelecer qual o autêntico pensamento de Marx. Ainda assim, sou de opinião que uma leitura séria e rigorosa da
obra de Marx - que passará até por um confronto com todas interpretações - é o melhor caminho para a
compreensão do seu pensamento.
Como disse acima, esta leitura não parece ter sido feita ainda, o que está longe de dizer que nada foi feito.
Mas mesmo o que foi realizado é ainda muito problemático.
Esta afirmação também careceria de uma ampla documentação através do estudo das obras dos teólogos da
libertação.
Aponto, aqui, apenas um exemplo.
Uma das questões que perpassa a tentativa de cristianização de Marx é o dilema entre filosofia e ciência.
Toma-se como evidente a existência de um corte, no interior do pensamento marxiano, entre filosofia e
ciência. A parte filosófica seria o chamado materialismo dialético e a parte científica, o materialismo histórico. A
primeira é inteiramente rejeitada e a segunda aceita com reservas. Mas acaba ficando no ar uma interrogação não
resolvida: é possível separar uma da outra? Não haveria uma conexão indissolúvel entre as duas?
Ora, a questão da relação entre filosofia e ciências, posta nestes termos não responde ao espírito da obra de
Marx. Esse corte poderia ter a ver com Engels, mais ainda com a vertente estalinista, continuada de certo modo por
Althusser. Mas não me parece encontrar o menor suporte na obra de Marx. E no entanto esse corte tem profundas
conseqüências sobre todo o entendimento do pensamento de Marx.
Aliás, a própria suspeita que a TdL lança sobre a mediação filosófica, acusando-a de tender a um
especulativismo que não ajuda a “morder” o real histórico, antepondo-lhe a mediação científica, levanta uma
questão conexa: que filosofia é esta de caráter tendencialmente especulativista? Toda filosofia tem este caráter? Não
seria necessário submeter ao crivo da crítica todo o instrumental filosófico que serviu de mediação para a
construção do discurso teológico tradicional antes de lançar tal suspeita sobre toda a filosofia? E não teria Marx
realizado, não somente na ciência, mas também na filosofia uma virada fundamental? E esse “tournant” filosófico
não permitiria pensar a configuração de uma perspectiva filosófica que não tendesse ao especulativismo, mas a uma
intervenção transformadora da realidade histórico-social?
A compreensão do sentido e das tarefas da filosofia no pensamento marxiano bem como da articulação
entre ciência e filosofia permitiria, a meu ver, uma abordagem muito mais fecunda de inúmeras questões
conflitantes entre marxismo e TdL.
Nada disto significa a eliminação dos problemas. Outras questões surgirão. Mas então não serão falsas
questões, geradas ou por uma leitura superficial ou distorcida da obra de Marx ou por um discurso da ambigüidade
à sombra da autoridade.
Questões semelhantes poderiam ser encontradas em toda a extensão da problemática ontológica,
epistemológica, da filosofia da história, da antropologia filosófica e da filosofia política para não falar da leitura
científica da realidade histórico-social tomada como mediação pela TdL.
A TdL pretende superar Marx, isto é, fazer um uso não servil do seu pensamento, no dizer de Leonardo
Boff. O que é um direito que lhe assiste. Mas, a meu ver, o melhor meio para superar (no sentido hegeliano)
qualquer autor não é contornando os problemas postos por ele, nem deformando o seu pensamento, mas
enfrentando-o diretamente e levando-o, com toda honestidade, até as últimas conseqüências.
Sei que esse desideratum tem a sua tessitura realizada para além das vontades individuais e enfrenta todos os
percalços da luta ideológica que perpassa a realidade histórica, mas ainda assim permanece como um desafio para
aqueles que acreditam que marxismo e TdL têm contribuições importantes a dar no processo de emancipação da
humanidade.
Marx certamente será batizado, apesar dos temores e resistências de largos setores da cristandade. Os rumos
deste processo é que ainda estão em aberto. E certamente não é indiferente para a libertação da humanidade que
caminhos trilhará essa cristianização.

  4
1

PARA ALÉM DAS ELEIÇÕES

Belmira Magalhães *
Sérgio Lessa **
Ivo Tonet ***

Antes de mais nada, gostaríamos de esclarecer que a finalidade desse texto não é tomar
posição no interior do atual processo eleitoral, mas contribuir para colocar a questão numa
perspectiva mais ampla.
Mais do que em qualquer outro período da história, a humanidade vive, hoje, um
dilema extremamente grave. Há uma crise estrutural profunda na lógica interna de reprodução do
capital, que está levando à produção, cada vez mais intensamente, de desemprego, precarização
do trabalho, miséria, fome, violência, problemas de saúde, consumo de drogas, guerras,
concentração brutal de riqueza em poucas mãos, desigualdades sociais extraordinárias,
mercantilização e degradação de todos os aspectos da vida humana, devastação da natureza e
inúmeros outros.
De modo que o dilema, para a humanidade, se torna muito claro: ou a superação do
capital em direção ao efetivo socialismo, ou a intensificação da barbárie do capital. A busca de
uma terceira via, que significaria a “humanização” do capital”, com a correção de defeitos de
administração, cada vez mais demonstra a sua ineficiência.
Por força desta lógica do real, só existem estas duas alternativas: ou a continuidade,
cada vez mais degenerada, da reprodução da sociabilidade do capital, com o risco de destruição
da própria humanidade; ou a erradicação total dele em direção a uma forma superior de
sociabilidade que se chama socialismo. Que, diga-se logo, nada tem a ver com o chamado
“socialismo real”.
No entanto, afirmar com toda ênfase que o socialismo é a única saída para a construção
de uma forma de sociabilidade efetivamente humana não significa dizer que o socialismo está,
hoje, na ordem do dia. Significa apenas deixar claro que ele é o objetivo maior que deve ser
perseguido. Que, não importa quais sejam os obstáculos, as dificuldades, os percalços, ele deve
ser perseguido incansavelmente por todos aqueles que pretendem contribuir para resolver os
problemas que a humanidade enfrenta hoje. Significa afirmar, com a mais firme convicção, que
não existe outra alternativa nesse sentido.

Agradecemos a todos os que, com suas sugestões e críticas, colaboraram na feitura desse texto.
* Professora do Dep. de Ciências Sociais/UFAL.
** Professor do Dep. de Filosofia/UFAL.
*** Professor do Dep. de Filosofia/UFAL
2
Contudo, essa afirmação deve ir de par com o esclarecimento acerca da natureza do
socialismo. Dadas as tremendas deformações, teóricas e práticas, que este ideário sofreu ao
longo das tentativas de sua efetivação, é preciso repor as questões essenciais. Não tendo como
base uma idealização qualquer, nem o que de fato aconteceu, mas a análise do processo social
como totalidade, pode-se afirmar que socialismo é, essencialmente, uma forma de sociabilidade
que, por estar fundada no trabalho associado1, permite aos homens terem o controle, consciente e
coletivo, do processo de produção e, conseqüentemente, o mesmo controle sobre o conjunto do
processo social. Isto não criaria nenhum “paraíso terrestre”. Apenas abriria a possibilidade de
que todos tivessem acesso à riqueza produzida e, portanto, pudessem ter uma vida efetivamente
digna, usufruindo de todas as conquistas da humanidade.
A clara afirmação e sustentação deste objetivo último é da maior importância. Porque,
de um lado, enfatizará a mais absoluta recusa da ordem social fundada no capital e, de outro,
servirá de orientação para todas as lutas sociais. Com efeito, é preciso saber, com precisão, ainda
que possa ser apenas no nível de parâmetros gerais e essenciais, qual o objetivo último a ser
atingido. Rebaixar e diluir este horizonte em nada contribui para orientar as lutas sociais em
direção ao socialismo.
No entanto, esta perspectiva revolucionária, que esteve na origem do marxismo, sofreu,
ao longo destes últimos cento e cinqüenta anos, inúmeras derrotas e deformações, tanto teóricas,
como práticas. De um lado, se viu, devido a circunstâncias históricas, impossibilitada de sair
vitoriosa a partir da revolução soviética de 1917 e se transformou em inúmeras ditaduras. De
outro, foi assumindo uma conotação cada vez mais reformista, até perder inteiramente de vista o
objetivo de superação do capital.
A trajetória da esquerda européia é particularmente significativa neste sentido. A
social-democracia alemã original, que, embora vagamente, ainda falava em socialismo, foi
substituída pela posterior social-democracia do Estado de Bem-Estar Social, que implicava
precisamente o abandono, por parte dos trabalhadores, da idéia de erradicação do capital. Os
restantes partidos comunistas europeus, à frente o Partido Comunista Italiano, buscaram
encontrar uma “via democrática” para o socialismo, primeiro através do eurocomunismo e,
depois, através de uma vago “socialismo democrático”, até perderem completamente a sua
identidade. Outros partidos, denominados socialistas, diluíram de tal modo este ideário socialista
que ele acabou por não significar mais nada além da busca por reformas no interior da ordem do
capital. Nesse percurso, perdeu-se o caráter radicalmente crítico e revolucionário do marxismo e

1
Por trabalho associado entenda-se o fato de que todos os produtores colocam em comum as suas forças individuais
e estas permanecem comuns até o fim do processo produtivo. Deste modo, e não havendo mais quem se aproprie do
trabalho dos outros, os homens poderão controlar, de modo livre, consciente e coletivo, todo o processo de
produção e de distribuição da riqueza.
3
o ideário socialista se tornou apenas uma idéia vazia. Vale a pena lembrar, neste contexto, o que
Marx já dizia nas Glosas críticas. Referindo-se às tentativas de eliminação do pauperismo pelos
Estados inglês, francês e alemão, diz ele: Onde há partidos políticos, cada um encontra o
fundamento de qualquer mal no fato de que não ele, mas o seu partido adversário, acha-se ao
leme do Estado. Até os políticos radicais e revolucionários já não procuram o fundamento do
mal na essência do Estado, mas numa determinada forma de Estado, no lugar do qual eles
querem colocar uma outra forma de Estado2.

De fato, onde esses “socialistas” assumiram o poder de Estado, transformaram-se,


dadas as suas ligações políticas e ideológicas com as classes subalternas, no melhor instrumento
para a realização dos interesses do capital. A limitada resistência oposta pelos governos
“socialistas” aos avanços do capital diz respeito apenas à forma e não ao conteúdo essencial
desses interesses. A chamada globalização capitalista, que nada mais é do que a forma de o
capital enfrentar a sua aguda crise estrutural, continua avançando inexoravelmente. Diante disto,
nem sequer as conquistas expressas pela revolução burguesa clássica e outras conquistas do
chamado Estado de Bem-Estar Social podem ser mantidas. Daí a crescente erosão dos direitos e
liberdades sociais. A conseqüência disto é que as massas, desiludidas, voltam-se para a direita e
até para a extrema-direita.
A conclusão que se pode retirar de toda esta trajetória da esquerda é que não existe
mais, hoje, esquerda organizada efetivamente revolucionária. Grande parte dela tem como
pressuposto que é possível humanizar o capital, impondo-lhe limites e direcionamentos através
do Estado. Deste modo, se atingiria um equilíbrio entre desenvolvimento econômico e
preocupações sociais e se alcançaria um “desenvolvimento sustentável”. Outra parte dela pensa
que as reformas, sempre nos marcos da ordem burguesa, seriam o caminho para a realização de
profundas transformações na sociedade.
Considerando a lógica mais profunda do próprio capital, a primeira posição é
insustentável, e é isto que os fatos estão evidenciando diariamente. Quanto à segunda, esta
“esquerda” ilude-se pensando poder enfrentar o capital com meias medidas; com demonstrações
de boa vontade; de bom comportamento, de respeito às regras impostas pelo próprio capital.
Porém, o mais preocupante é que ela abandona a fonte do seu poder, que são as lutas
extraparlamentares, os grandes movimentos de massa, para concentrar todo o foco da luta social
no parlamento. Esta “esquerda” deslocou o eixo da luta da centralidade do trabalho para a
centralidade da política. Ora, fazer isto é exatamente fazer o jogo do capital. Ele tem

2
Marx, K. Glosas críticas ao artigo O Rei da Prússia e a reforma social. De um prussiano. In: Práxis, n. 95,1995.
4
extremamente claro que sua fonte de poder está fora do parlamento. Por isso mesmo, nunca
perde o poder nem fora nem dentro do parlamento.
Ressalvadas as diferenças, a trajetória da esquerda no Brasil tem grandes semelhanças
com a trajetória da esquerda européia. Há nela uma constante oscilação entre o esquerdismo e o
reformismo. O primeiro se manifesta em propostas e ações que, desconhecendo a lógica mais
profunda da entificação da sociedade brasileira e as mediações que podem levar ao objetivo
revolucionário, têm um caráter apenas discursivamente radical. O segundo se expressa
especialmente na trajetória do Partido dos Trabalhadores. De uma impostação inicial com caráter
acentuadamente anticapitalista, ele foi, passo a passo, abandonando qualquer veleidade
revolucionária. Hoje, o Partido dos Trabalhadores é, reconhecidamente, um partido da ordem.
Por mais que se declare de oposição, ele já não tem como objetivo, nem sequer a longo prazo,
uma ruptura radical com o capital. Pretende, apenas, “fazer reformas”, estabelecer “outras
políticas econômicas”, construir uma sociedade mais justa, mais livre, mais igualitária. Não se
trata, pois, de um partido de oposição ao capital e ao Estado (o que seria o papel de um partido
revolucionário), mas de um partido de oposição à forma atual do capital e do Estado. Exemplo
recente deste lugar da esquerda no Brasil pode ser detectado na fala do economista Guido
Mantega, um dos baluartes das propostas atuais do PT para as eleições. Referindo-se à não-
qualificação intelectual de Lula como economista, diz ele: Não, porque a saída para o país é
política. O presidente pode ser um gênio da economia, mas se ele não for respaldado pela
sociedade, nada funciona. O Brasil precisa de um líder político, um estadista, para fazer um
pacto social em torno de um projeto.3
A muitos parecerá que um tal governo de “esquerda”, mesmo que não possa fazer
grande coisa, significará, pelo menos, uma abertura de espaços mais favoráveis para as lutas
populares. É nisto que reside o grande apelo para votar neste partido, apesar de suas ações,
teóricas e práticas, sinalizarem, cada vez mais intensamente, na direção de uma submissão às
políticas essenciais do imperialismo. Mais do que em bases reais, este voto se fundamenta em
créditos passados, no discurso de pretensa oposição, na falta de outras alternativas imediatas, na
esperança, no desejo de que se abram perspectivas mais promissoras.
Será verdadeira a afirmação que abre o parágrafo anterior? Quanto a aspectos parciais e
localizados, pode até ser4. Mas também pode ocorrer um prolongamento da ausência de
melhorias, com a solicitação do governo de um prazo para colocar “a casa em ordem”, que
significará, necessariamente, desmobilização dos movimentos sociais, já bastante fragilizados.

3
Entrevista publicada na revista Isto É, de 14 de agosto de 2002.
4
Algumas categorias de empregados podem receber aumentos, outras podem conseguir vantagens pontuais, como
manutenção do emprego por determinado tempo em troca de vantagens para a indústria, etc.
5
No entanto, está ausente exatamente aquele elemento que poderia proporcionar algum
fundamento a esta esperança. Ou seja, a força das massas, um forte movimento popular que
forçasse um tal governo a tomar atitudes mais favoráveis aos interesses das classes subalternas.
Ora, tal movimento não existe, até como resultado da própria orientação reformista e politicista
que a “esquerda” tem imprimido a este movimento. Ter-se-á, então, o pior dos mundos: um
governo que prometeu realizar reformas capazes de melhorar significativamente a vida da
população mais sofrida – que é a imensa maioria –, mas que não pode realizar o que prometeu
porque não tem forças para enfrentar as tremendas pressões exercidas pelo capital, tanto nacional
quanto internacional. Não tem forças exatamente porque sua orientação teórica e prática
contribuiu para impedir que estas forças se desenvolvessem. É este precisamente o resultado de
seu ideário reformista e politicista. Ao fim e ao cabo, restarão apenas duas alternativas, nenhuma
delas do interesse das classes populares. Ou ser apeado do poder por algum tipo de golpe de
Estado (lembremos os acontecimentos na Venezuela)5, ou ver as massas desiludidas apoiarem os
partidos de direita nas próximas eleições.
Não esqueçamos que a lógica fundamental do capital em crise aguda continuará em
andamento. E com todo seu poder de pressão. Não será, pois, de espantar, se um tal governo de
“esquerda” se transformar no instrumento mais apropriado para a continuidade dos interesses do
capital. Lembre-se do que aconteceu na Espanha de Gonzalez, na Inglaterra de Toni Blair, na
França de Mitterand e Jospin, na Alemanha de Schröder e na Itália de D’Alema. Isso é
explicitado na entrevista de um dos mais importantes intelectuais do Partido dos Trabalhadores,
quando sintetiza seu pensamento afirmando, na entrevista acima citada, que: A questão
ideológica está em segundo plano. A primeira coisa que eu falo no exterior é que nós somos um
partido de esquerda. Isso não assusta, porque eles se acostumaram com a esquerda européia,
que humanizou e dinamizou o capitalismo. A esquerda tem uma estratégia mais eficiente para
fortalecer o capitalismo do que a direita.
Aqui, mais do que na Europa, a situação é adversa. O enfrentamento dos gravíssimos
problemas nacionais e, portanto, a melhoria significativa das condições de vida da população,
implicariam a realização da revolução burguesa, ou seja, o estabelecimento do capitalismo em
sua plenitude. Ora, esta não é possível porque a própria burguesia, dada sua estreita e
subordinada associação com a burguesia internacional, não tem o menor interesse em realizá-la.
De modo que a resolução daqueles problemas passa exatamente por uma revolução de caráter
socialista. Coisa que, evidentemente, não está no horizonte imediato. Mas que, mesmo assim,
não pode, de modo nenhum, deixar de figurar no horizonte mediato. Em tal situação, um governo
de “esquerda”, sem a alavanca de um forte movimento popular, chegará, inevitavelmente, ao

5
Houve uma tentativa de deposição do governo pelas forças conservadoras. E outras tentativas estão em curso.
6
beco-sem-saída acima mencionado. Mesmo no caso de um governo que tivesse ao seu lado este
forte movimento de massas, ainda assim não seria nada fácil encontrar as mediações que
permitissem caminhar no sentido de uma revolução socialista. Sem isto, então, as possibilidades
são nulas.
De tudo o que foi dito, parece brotar uma conclusão lógica. Não é este caminho,
trilhado pela “esquerda”, a mediação para dar passos no sentido da construção de uma sociedade
justa, livre e igualitária. Não faz sentido assumir o poder a qualquer custo, especialmente ao
custo de concessões ao imperialismo em questões fundamentais. Assumir o poder nestas
circunstâncias é candidatar-se a contribuir para a reprodução dos interesses do capital.
Deste modo, a grande tarefa atual da esquerda não é assumir o poder do Estado, mas
reconstruir uma alternativa revolucionária. Isto implica, em primeiro lugar, o resgate, sólido e
bem fundamentado, do ideário socialista e, conseqüentemente, a crítica do chamado “socialismo
real”, mas, também, do “socialismo democrático”. O que, por sua vez, implica o resgate do
caráter radicalmente crítico e revolucionário do marxismo.
Em segundo lugar, implica o deslocamento do eixo das lutas , do terreno do parlamento
para o terreno extraparlamentar. E o esforço para imprimir a todas estas lutas um caráter o mais
claramente anticapitalista possível. Está claro que não se trata de desconhecer ou menosprezar o
terreno parlamentar. Trata-se, isto sim, de inverter a presente situação, ou seja, de articulá-lo, de
modo subordinado, às lutas extra-parlamentares.
Um argumento sempre esgrimido pelos críticos destas idéias é de que um tal
posicionamento tende a levar a esquerda ao isolamento. Isto é verdade e, no momento, não há
como ser diferente. Contudo, a questão não é simplesmente de superar o isolamento. Este pode
ser superado através do rebaixamento do horizonte da humanidade, do abandono da crítica
radical ao capital, de promessas que não poderão ser cumpridas, de alianças as mais estranhas, de
comportamentos que sinalizem o respeito integral à ordem burguesa. Ou, então, pode ser
superado graças à criação de formas que permitam às massas perceber a articulação entre o
objetivo maior que é a erradicação do capital e a instauração do socialismo e a resolução dos
problemas imediatos.
Qual é a estratégia da “esquerda democrática”?6
Em primeiro lugar, ela pressupõe que a democracia é o patamar mais elevado de
liberdade que a humanidade pode alcançar. E que, por isso mesmo, o sistema democrático jamais
deve ser quebrado ou ultrapassado, mas defendido a qualquer custo, buscando-se o seu constante
aperfeiçoamento.

6
Não ignoramos que no seio desta esquerda existem modos de pensar profundamente diferentes. Limitar-nos-emos,
aqui, a expressar o que nos parece ser a linha predominante.
7
Em segundo lugar, de acordo com esta esquerda, a história mostraria que foram os
movimentos populares de massa, conduzidos por uma esquerda não-democrática, os principais
responsáveis pelo surgimento das ditaduras latino-americanas (tese do Castañeda, louvada pela
“esquerda”). E que, especialmente, foram estes movimentos que deram origem aos golpes
militares no Chile, de Allende e no Brasil, de Jango.
Em terceiro lugar, ela também pressupõe que a transformação (ou até a revolução) da
sociedade em sentido profundo é um processo que só pode ter sucesso se realizado de modo
“lento, gradual e seguro”, e sem ferir, em nenhum momento e de maneira nenhuma, a legalidade
democrática. A luta pelo aprofundamento da democracia e da cidadania seria o caminho para a
construção de uma sociedade justa, livre e igualitária.
Deste modo, para chegar ao poder e realizar as profundas transformações sociais que
interessam às classes populares, é preciso não “assustar” as classes dominantes, os mercados, os
Estados Unidos. Além disso, é preciso demonstrar, por palavras e atos, o mais absoluto respeito
pela lei e pela ordem, devendo isto ser inculcado profundamente na mente das massas populares.
Ainda mais; é preciso cercear quaisquer manifestações populares que possam ser vistas como
uma ameaça a esta imagem de bom comportamento, chegando, se necessário, até à repressão.
Contrariamente a isso, o que nós entendemos que a história ensina?
Em primeiro lugar, que a ordem democrática constitui, certamente, um grande avanço
para a humanidade e por isso mesmo deve ser defendida com todo o empenho. Contudo, ela não
representa o patamar mais elevado da liberdade humana, por estar atada, incindivelmente, à
propriedade privada e à existência das classes sociais. Por isso mesmo, ela pode e deve ser
ultrapassada em direção a uma forma superior de sociabilidade. Forma esta que, por estar
baseada no trabalho associado, expressará a efetiva igualdade e liberdade de todos.
Em segundo lugar, que às classes dominantes interessa que as reivindicações populares
se expressem sempre no mais restrito marco da lei e da ordem. Lei e ordem estas que, “por
acaso”, sempre são as mais adequadas à defesa dos interesses das classes dominantes.
Em terceiro lugar, que o atendimento das reivindicações populares ferirá,
necessariamente, os interesses das classes dominantes. E que, por isso mesmo, estas reagirão,
como sempre reagiram, defendendo, por todos os meios, estes interesses. Quando isto acontece,
as classes dominantes não demonstram o menor constrangimento em desrespeitar a ordem
democrática e utilizar os instrumentos mais violentos e brutais.
Em quarto lugar, que, sem um amplo movimento de massas – num processo de tomada
de consciência e de auto-organização – e sem forçar e até ultrapassar a lei e a ordem burguesas,
as classes populares jamais conseguiram e nunca conseguirão conquistas mais substanciais e
duradouras, muito menos alterações profundas na ordem social.
8
Disto se conclui que o que pode impedir que as classes populares sejam vitoriosas não
é, de modo geral, a radicalização dos seus movimentos, mas muito mais o fato de não terem –
através de um processo de lutas concretas – acumulado forças suficientes para enfrentar, nos
momentos cruciais, as forças das classes dominantes. E a estratégia reformista da “esquerda
democrática” é a principal responsável por esta falta de acúmulo de forças.
Quando, por sua vez, a “esquerda democrática” assumir o poder, certamente as massas
populares pressionarão pelo atendimento das suas reivindicações. Até porque isto foi prometido
antes das eleições. Ora, isto será imediatamente pretexto para que as classes dominantes
comecem o processo de desestabilização do “governo popular”. Como toda a estratégia anterior
da “esquerda democrática” impediu o fortalecimento dos movimentos populares, este governo
ver-se-á sem forças para fazer frente a este processo de desestabilização. Em conseqüência, ou
será apeado do poder (por golpe militar ou por artimanhas “democráticas”), ou terá de fazer
concessões tais que desiludirão as classes populares, cujos interesses diz representar. Estas,
então, se voltarão para os partidos de direita.
Estas idéias parecem paralisantes e desmotivadoras? Só para aqueles que querem fazer
a história do modo como gostariam e não nas condições reais e efetivas. Que, como diz Marx em
O 18 Brumário de Louis Bonaparte, são “diretamente dadas e transmitidas pelo passado”. Deste
modo, se a situação atual é marcada, de um lado, pelo enorme agravamento dos problemas
sociais (que nos causam angústia e indignação) e, por outro lado, pela ausência de forças
revolucionárias conscientes e organizadas, isto não nos deve fazer sucumbir nem ao imediatismo
(com ações que pareçam ter sucesso imediato), nem ao purismo dos princípios (com um discurso
que cancele as mediações entre o fim e os meios). Trata-se de buscar, na situação concreta de
hoje, as tarefas que possam conduzir à conquista do fim maior, que é a superação da ordem
social do capital.
São inúmeras e enormes estas tarefas para a reconstrução da perspectiva revolucionária.
Nenhuma delas espetacular; nenhuma delas de sucesso imediato na superação dos gravíssimos
problemas enfrentados hoje pela humanidade. Porém, quanto mais forem postergadas, mais
difícil se tornará a conquista da nova sociedade.

Maceió, setembro de 2002


1
QUAL MARXISMO?

Ivo Tonet*

Em um texto intitulado As tarefas dos intelectuais, hoje (Novos Rumos, n. 29), eu


enfatizava a necessidade da reconstrução da teoria revolucionária. Precisava, também, que
esta reconstrução tinha como eixo o resgate do pensamento de Marx, elemento fundamental
para a realização desta tarefa.
Porém, a meu ver, o primeiro passo para isso seria ter clareza quanto à situação e à
gravidade do problema. Ou seja, quanto à natureza, à profundidade e à extensão da derrota
teórica e prática sofrida pela esquerda ao longo destes últimos cento e cinqüenta anos. E, em
especial, quanto à natureza e à profundidade do extravio do legado marxiano, imprescindível
para uma interpretação revolucionária do mundo atual.
Sei que houve e há varias maneiras de enfrentar essa crise do marxismo. Alguns
simplesmente jogaram-no pelas bordas, alegando a sua obsolescência face aos problemas do
mundo atual. Outros buscaram em outras vertentes teóricas elementos para preencher as
lacunas que estariam faltando no corpus da elaboração marxiana. Conhecem-se, neste sentido,
as tentativas de articular marxismo com partes da doutrina kantiana, com a fenomenologia,
com o existencialismo e outros. Outros ainda, dedicaram-se intensamente a encontrar as
deficiências, falhas e insuficiências da teoria marxiana Não pretendo referir-me ao conjunto
delas. O que me interessa, aqui, é uma outra maneira, muito disseminada entre determinados
setores de esquerda, de enfrentar essa crise. Refiro-me àqueles que ainda consideram o
marxismo como, sem embargo de correções e acréscimos necessários, o instrumento mais
adequado para a compreensão do mundo atual.
Neste último campo, parece pensar-se que o extravio sofrido pela teoria marxiana
não foi assim tão grave e que, no fundamental, o resgate dela já foi efetuado por vários
intelectuais e agrupamentos políticos. Tratar-se-ia apenas, agora, de aplicar esta teoria
recuperada à análise da realidade atual e à condução da atividade política. Não seria o caso,
portanto, de realizar uma efetiva re-construção, a partir dos seus fundamentos, da teoria
marxista, mas antes simplesmente de atualizá-la para que possa dar conta dos problemas
apresentados pelo mundo atual. Além disso, caberia certamente também a defesa do
marxismo contra os inúmeros ataques e, em especial, contra as variadas tentativas de
supressão de conceitos que lhe são fundamentais, como classe, luta de classes e outros.

*
Prof. do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Alagoas
2
Gostaria muito de acreditar que as coisas fossem tão simples assim. Infelizmente,
creio que estão longe de ser. Não há como negar que o pensamento original de Marx teve
inúmeras interpretações; que a trajetória do ideário marxiano foi extremamente complexa e
contraditória; que em nome do marxismo foram realizadas as práticas mais diversas. E,
sobretudo, não é possível ignorar as profundas e devastadoras derrotas que as lutas sociais
inspiradas na doutrina marxista sofreram.
Não é, porém, minha intenção discutir aqui diretamente esta problemática.
Pretendo ilustrá-la através de um exemplo prático, ou seja, partindo de um determinado texto.
Por que este? Por um acaso e porque é um texto de um autor que se pretende de esquerda,
marxista e revolucionário. E que, por isso mesmo, permite perceber com clareza o problema a
que acima me referi. Neste sentido, ressalvadas as diferenças, ele é representativo de uma
maneira de pensar largamente difundida, que se faz presente sob vários aspectos e em várias
áreas.
Para evitar qualquer mal-entendido, quero deixar claro que o meu objetivo não é
atacar nem desqualificar ou menosprezar o autor. Tomo a apenas a liberdade de servir-me do
texto como um pretexto para chamar a atenção para o fato de que o resgate de uma teoria
efetivamente revolucionária está longe de ter sido realizado e de que esta é uma tarefa
prioritária para as forças que pretendem se opor radicalmente à ordem do capital. Do mesmo
modo, dada a complexidade da questão, quero enfatizar que meu único objetivo, aqui, é
acentuar o fato de que este resgate tem que retomar as coisas do começo e pela raiz e de que
não se trata simplesmente de atualizá-lo, de fazer algumas correções ou de defendê-lo dos
ataques e deformações dos adversários. Vale dizer, quero defender a idéia de que as tarefas
logo acima numeradas são certamente necessárias, mas não constituem o cerne da questão. O
que quer dizer que o problema fundamental está no interior do marxismo e não fora dele. O
que tudo isto significa, ficará mais claro ao longo do texto.
O pretexto concreto é o artigo do prof. José Welmowicki, publicado no n. 1,
jun/set de 2000, da revista Marxismo Vivo. O artigo intitula-se O discurso da cidadania e a
independência de classe. Nele o autor faz um histórico da cidadania desde a Grécia antiga até
os nossos dias. Seu intuito é mostrar que, nas suas mais diversas formas ao longo da história,
a cidadania sempre teve uma articulação com as classes sociais, ou seja, a definição de quem
seria ou não cidadão sempre tinha como base a propriedade privada. Segundo ele, isto era
inteiramente claro até o advento da sociedade moderna. Foi somente nesta, com a separação
entre o econômico e o político, que este fundamento classista da cidadania ficou ocultado e
mistificado, parecendo que ser cidadão nada tinha a ver com a posição dos indivíduos no
3
sistema produtivo. Donde a sociedade vista como uma soma de indivíduos e o enfrentamento
dos problemas como uma tarefa comum de toda a sociedade.
Segundo o autor, grande parte da esquerda também assumiu este discurso
mistificador a respeito da cidadania, não só deixando de lado a sua concreta vinculação com
as classes sociais, como também elegendo o caminho da colaboração e da negociação entre as
classes para o estabelecimento de uma sociedade plenamente cidadã.
Contrapondo-se a esse modo de pensar, o autor enfatiza que “para lutar por esses
direitos mínimos, que qualquer cidadão mereceria ter, se necessita de uma organização
independente dos trabalhadores contra a reação burguesa”.(p. 76); que é preciso superar
esta idéia de que “é possível uma melhoria baseada na parceria, na ação conjunta de toda a
sociedade”. E conclui ele, então: “A cidadania, algo que se considera pleno e de toda a
sociedade, só poderá ser alcançada com uma política de classe, ou seja, de uma parte desse
todo que aponta uma saída anti-capitalista para o conjunto”. (p. 77).
A leitura do texto permite perceber que o alvo da crítica do autor não é
propriamente a natureza da cidadania, mas a estratégia conciliadora assumida por muitos
partidos de esquerda para a sua conquista. Contudo, na medida em que critica autores, como
Habermas, por afirmarem que a cidadania plena já existe nos países capitalistas mais
avançados, parece razoável inferir que ele entende cidadania como a existência de direitos (os
mais variados) e por cidadania plena a realização plena dos direitos democráticos. O que
significa que, no essencial, seu conceito de cidadania não difere do conceito daqueles a quem
critica. Na citação acima, isto ficou inteiramente claro. Pode-se também inferir, de todo o
texto, que esta seria uma abordagem marxista, crítica e revolucionária desta questão.
Não pretendo, aqui, discutir o problema da estratégia. O que me interessa é
ressaltar a problemática metodológica, ou seja, o fato de que o marxismo utilizado pelo autor
–que, como já disse, é amplamente representativo – não recupera o caráter genuinamente
crítico da teoria marxiana e, deste modo, não permite fazer uma crítica radical da
problemática da cidadania (e de quaisquer outros fenômenos da vida social). Enfim pretendo
mostrar que com este marxismo não é possível fazer uma crítica revolucionária das posições
reformistas. E, mais ainda, deixar claro que, apesar das intenções em contrário, ele não
colabora para a construção de uma perspectiva independente da classe trabalhadora. Por outro
lado, também é minha intenção sustentar, também através deste exemplo prático, que aquela
crítica pode melhor ser realizada a partir do marxismo entendido como ontologia do ser
social. E, como conseqüência, também aludir à idéia de que esta vertente é o caminho mais
adequado para o resgate do caráter revolucionário do marxismo. Contudo, mais adequado não
significa de modo algum pronto, acabado, exclusivo, sem possibilidade de erros, mas apenas o
4
balizamento de um trajeto cuja realização só pode realizar-se através do debate com outros
modos de pensar.
Voltando ao texto, o que se pode constatar é que, após fazer um pertinente resgate
histórico da problemática da cidadania, nos limites impostos pela exigüidade do espaço, o
autor conclui que a cidadania plena é algo de toda a sociedade e não apenas de uma parte
dela. E que, como este “algo de toda a sociedade” não pode ter existência numa sociedade de
classes, então só poderá realizar-se numa sociedade sem classes sociais, ou seja, numa
sociedade socialista. Mais claro ficaria se citasse um autor que ele provavelmente considera
representativo de um modo conciliador de pensar. Trata-se de C. N. Coutinho (2000: 67-68),
que diz: “...só uma sociedade sem classes – uma sociedade socialista – pode realizar o ideal
da plena cidadania, ou, o que é o mesmo, o ideal da soberania popular e, como tal, da
democracia”. E este autor ainda enfatiza que, para Marx, cidadania plena é sinônimo de
emancipação humana.
Contudo, vale lembrar que o intuito de J. Welmowicki era o de deixar claro o
caráter classista da cidadania. O que inviabilizaria a colaboração entre as classes sociais. Mas,
como poderia ela ter um caráter classista e existir em uma sociedade sem classes? Um
aparente curto-circuito. Era de se esperar que ela desaparecesse juntamente com as classes
sociais. No entanto, a posição, não explicitada do autor, é a mesma de toda a “esquerda
democrática”, ou seja, a posição de que não há uma vinculação essencial entre cidadania e
classes sociais, mas apenas uma vinculação circunstancial. Só assim se pode entender que ela
tenha uma estreita relação com as classes sociais, mas não desapareça com elas. De modo que
o problema não estaria na natureza da cidadania, mas apenas nos obstáculos postos por toda
sociedade de classes à sua plena realização. Daí o raciocínio coerente: cidadania=liberdade;
cidadania plena= liberdade plena= socialismo (emancipação humana).
Terei ocasião, mais adiante, de mostrar que, para Marx, cidadania plena não é, de
modo nenhum, igual a emancipação humana. No momento, interessa-me apenas perguntar: O
que leva o autor a pensar daquele modo? O que leva o autor, contra suas próprias intenções, a
situar-se, quanto ao objetivo final, no mesmo campo daqueles a quem critica? A meu ver, o
que explica isso é o instrumental metodológico do qual ele se vale, ou seja, o tipo de
marxismo por ele utilizado. E o que caracteriza este instrumental? É evidente que o autor
pretende valer-se do instrumental marxista, e de um marxismo crítico, para tratar desta
problemática. Ora, para ele, o ponto nodal deste marxismo está na ênfase de que história é a
história da luta de classes. (p. 77). O defeito fundamental do reformismo seria exatamente o
abandono desta idéia, abrindo caminho para a ilusão de que é através da colaboração entre as
classes que se resolvem os problemas sociais. Poderíamos, então, dizer, que ele faz uma
5
abordagem histórico-classista. Deste modo, ao deixar clara a relação entre cidadania e classes
sociais ao longo de toda a história, ele estaria realizando uma abordagem realmente crítica e
marxista desta problemática, reafirmando exatamente categorias que o reformismo tende a
expurgar do marxismo.
É inegável que Marx afirmou que a história é a história da luta de classes. Em
conseqüência, a problemática das classes sociais jamais pode ser deixada de lado – ainda que
com todas as mediações – na análise de qualquer fenômeno social. Mas, a meu ver, isto não é
de modo algum suficiente nem é a questão decisiva. Vejamos os problemas suscitados por
este procedimento metodológico do autor.
Em primeiro lugar, apesar de enfatizar, em cada momento da história, a estreita
relação da cidadania com as classes sociais, esta relação não é vista como intrínseca, mas
apenas como algo acidental. Não é essencial. Tanto não é essencial que o autor entende que a
cidadania plena só poderá ter uma existência plena em uma sociedade sem classes, ou seja, no
socialismo. Isto equivale a dizer, em última análise, que ser cidadão é uma determinação
ontológica do ser humano. O fato de esta determinação ter-se manifestado apenas a partir da
Grécia antiga seria uma questão secundária. Equivale também a dizer que os direitos que
compõem a cidadania estão ancorados na natureza humana e que sua plena explicitação é
impossibilitada pela existência das classes sociais. Quando estas forem extintas, então esta
determinação essencial poderá ser plenamente efetivada; todos os homens poderão ser
plenamente cidadãos.
Em segundo lugar, e como decorrência do anterior, fica claro que cidadania plena
é igual a liberdade plena. Uma sociedade onde os direitos e liberdades democráticos tivessem
vigência plena teria atingido a sua forma mais aperfeiçoada possível – (frise-se que possível
não quer dizer absoluta ou perfeita). A partir daí tratar-se-ia apenas de aperfeiçoar
constantemente esta forma de sociabilidade, mas não de construir uma outra, qualitativamente
diferente. Deste modo, o problema não estaria na natureza da cidadania, mas nos obstáculos
que as classes sociais colocam à sua plena realização.
Em terceiro lugar, constata-se que escapou ao ator a natureza mais profunda da
cidadania. O que, na verdade, aparece são as suas formas históricas concretas. A resposta à
pergunta: o que é a cidadania seria encontrada no estudo destas formas históricas. Ora, isto
pressupõe a idéia de que a teoria brota diretamente dos fatos empíricos, o que é rejeitado até
por anti-marxistas como K. Popper. Em conseqüência se, ao analisar a problemática da
cidadania eu levar em conta as classes sociais, terei um tipo de teoria (marxista,
revolucionária); se deixar de levá-las em conta, terei outro tipo (burguesa, reformista).
Apesar de a análise histórica ter deixado claro que ser cidadão significa ter direitos (sejam
6
civis, políticos ou sociais), portanto, uma forma particular de liberdade, a cidadania é
simplesmente confundida com a liberdade. Por isso mesmo, sua plenitude só pode ser atingida
em uma sociedade sem classes.
Em quarto lugar, e sintomaticamente, em nenhum momento o autor aborda a
questão da natureza da cidadania. Ele faz referências ao conceito de cidadania daqueles para
os quais a sociedade é apenas composta de cidadãos, mas não de classes sociais. Mas, se este
é um conceito problemático, qual seria o conceito que o autor considera mais adequado?
Ficamos, explicitamente, sem saber. Mas, implicitamente, o que ficamos sabendo é que o que
é problemático naquele conceito não é o seu conteúdo, a sua natureza essencial, mas o fato de
que este conteúdo é falseado pela eliminação do conceito de classes sociais. É esta relação –
entre cidadania e classes sociais – que o autor pretende recuperar e através dela desembocar
em uma proposta revolucionária (classista e anti-capitalista).
Em quinto lugar, e como resultado do que foi dito antes, percebe-se que o autor,
em nenhum momento abandona o campo da política. A problemática da cidadania é
apreendida de um ponto de vista daquilo que Marx chamou, nas Glosas críticas, de razão
política e não do ponto de vista da razão social. Deste modo, a esfera jurídico-política não
aparece como fundada na esfera da produção (social) e por isso mesmo pode continuar a
existir mesmo em uma sociedade socialista.
Marx poderia estar errado e se isto acontecesse seria justo criticá-lo. Contudo,
certo ou errado, não me parece, de modo nenhum, ser esse o seu modo de pensar a respeito da
questão da cidadania. Como também não é o que caracteriza o seu modo de pensar a respeito
de qualquer fenômeno social. O que, a meu ver, marca o seu pensamento é a sua natureza
ontológica.1 Evidentemente histórico-ontológica e não metafísico-ontológica. É essa natureza
que garante o seu caráter radicalmente crítico e revolucionário. Ora, o que caracteriza uma
abordagem marxista de caráter histórico-ontológico? J. Chasin (1987: 45) dá uma ótima
explicação disto. Referindo-se ao fato de que Marx instaura uma nova forma de pensar que
compreende o mundo até a sua raiz, diz ele que, eliminada a especulação, o pensamento
“Volta ao mundo para tomá-lo no complexo de complexos de sua totalidade. Debruça-se
sobre ele para capturá-lo pela raiz, colhê-lo pela anatomia da sociedade civil, matriz da
sociabilidade (pela dimensão social fundante, não por um fator social qualquer, escolhido a
talante e conveniência do intérprete). Ou seja, operação ontológica que rastreia e determina
o processo de entificação do mundo e da lógica de sua transformação”.

1
A brevidade do texto me impede de expor, mesmo que em traços mínimos, o que seja a ontologia do ser social.
Sugiro, para isto, a leitura da obra de maturidade de Lukács, especialmente a Ontologia do ser social e os
Prolegômenos, bem como de textos de N. Tertulian, G. Oldrini, S. Lessa, J. Paulo Netto e C. Frederico.
7
Trata-se, pois, aqui, de buscar, na análise de qualquer fenômeno social, a lógica da
sua entificação a partir da matriz ontológica do ser social, isto é da economia, e não apenas da
problemática das classes sociais. Não se trata de fazer nenhuma relação mecânica entre a
economia e qualquer fenômeno social, mas de ter sempre em conta que as relações que os
homens estabelecem entre si na produção (o trabalho; a economia) constituem o solo
matrizador do ser social, vale dizer, a raiz do processo de tornar-se homem do homem. E que
é a partir desta dimensão fundante, em determinação recíproca e como resposta a
determinados problemas e necessidades enfrentados pela humanidade, que surgem, com uma
especificidade e função próprias, as outras dimensões da atividade humana. Por isso mesmo,
não basta apenas buscar a história de determinado fenômeno social, mesmo uma história que
acentue a sua conexão com a luta de classes (onde houver classes). O que é preciso é buscar a
gênese e a entificação histórico-ontológica, ou seja, desvendar, no curso do processo, a
relação entre as determinações mais essenciais e as formas concretas em que elas se
manifestam. Vale dizer, não são os dados empíricos, mesmo quando levada em conta a
existência das classes sociais, que revelam a natureza de determinado fenômeno social. Por
outro lado, também não é uma teoria, abstratamente formulada, que permite desvendar o
sentido daqueles dados. O que permite fazer emergir a natureza do fenômeno é a apreensão de
como se articulam os dados empíricos com a essência (também certamente histórica), ou seja,
a articulação entre a teoria (aqui entendida como aqueles momentos gerais e universais,
abstraídos do próprio processo real e não apenas formulados pela razão) e os dados
fenomênicos. É esta articulação que permitirá a elaboração de um conceito científico.
É procedendo desta forma que Marx constata que a dimensão da política (da qual
faz parte a cidadania) não é um elemento constituinte da natureza essencial do ser social. Para
ele, a política é essencialmente a privatização – cuja origem está no surgimento da
propriedade privada e, com ela, das classes sociais – das forças sociais comuns para fins de
dominação, não importa sob que forma isto se realize. Quer dizer, para ele, há uma relação
essencial entre economia e política e não apenas uma relação essencial, mas uma relação na
qual a economia é o elemento matrizador. O que significa dizer que, para ele, a política não é
uma dimensão insuperável – a exemplo do trabalho, da arte, da ciência, etc. – da existência
humana, mas que apenas terá vigência enquanto existirem a propriedade privada e as classes
sociais. Ora, o conjunto de direitos que constitui a cidadania (moderna) faz parte do que Marx
denomina emancipação política, isto é, a dimensão da política posta na especificidade
necessária à reprodução da sociabilidade do capital. É por isso que ele faz questão de acentuar
a essencial diferença que existe entre emancipação política e emancipação humana. Esta
idéia está muito clara tanto nas Glosas críticas como em A Questão Judaica, mas
8
implicitamente também em todo o restante da sua obra. Para o bem ou para o mal, não é
possível, de forma nenhuma, afirmar que, para Marx, cidadania plena é igual a emancipação
humana.
A distinção entre estas duas categorias é da máxima importância para evidenciar a
profunda diferença entre as perspectivas do capital e do trabalho. E não é preciso negar a
importância da cidadania na trajetória da autoconstrução do ser social para admitir esta radical
diferença. Assim, a cidadania moderna, nas suas mais variadas formas, inclusive na sua forma
mais aperfeiçoada possível, é um momento inseparável da sociabilidade do capital. É
certamente liberdade, mas uma forma de liberdade matrizada pelo capital e por isso
necessariamente parcial e limitada. Ao contrário, o que integra a perspectiva do trabalho é a
emancipação humana, uma forma de liberdade infinitamente diferente e superior à liberdade
democrático-cidadã.
Deste modo, ao contrário do autor, penso que o raciocínio coerente deveria ser
este: cidadania plena= liberdade limitada= capitalismo. Vale dizer, cidadania plena é uma
categoria que só pode existir no capitalismo. Isto porque, mesmo quando se refere a direitos
sociais, ela não deixa de faze-lo do ponto de vista da dimensão política. Para ficar mais claro:
direito ao trabalho só pode haver no interior do capitalismo. No socialismo, como diz Marx, o
trabalho não será um direito, mas a expressão, que não precisará ser garantida por lei, da
primeira e fundamental necessidade humana, a da autoatividade.
Pode-se, então, dizer que cidadania plena – isto é, o grau máximo de liberdade
que os indivíduos podem atingir na sociabilidade do capital – é algo que já existe hoje, por
exemplo, nos países mais desenvolvidos. Com diferenças, com variações e, necessariamente,
como limitações intrínsecas. Ao contrário, uma sociedade socialista será constituída de
homens plenamente livres (o que nada tem a ver com perfeitamente, absolutamente,
totalmente livres) e não de cidadãos plenos.
Ora, a idéia acima pareceria colocar-me no mesmo campo de Habermas, criticado
pelo autor. Qual seria a diferença? A diferença – radical – está em que, para Habermas, a
sociedade cidadã representa o espaço indefinidamente aperfeiçoável da sociabilidade; a última
forma possível de sociabilidade. Para mim, ao contrário, na esteira de Marx, a sociabilidade
democrático-cidadã, mesmo na sua forma mais plena, é apenas a última expressão de uma
sociabilidade fundada nos antagonismos sociais.
É por não deixar clara a diferença entre estas duas categorias que a esquerda,
mesmo quando bem intencionada, vem se situando cada vez mais, tanto teórica como
praticamente, no campo da perspectiva burguesa. Não basta acentuar a relação que a
cidadania tem com as classes sociais. Muito mais do que isto, é preciso demonstrar que há
9
uma relação essencial entre a cidadania e as formas antagônicas de produção. E, no caso
atual, entre a cidadania moderna e a forma de produção cuja matriz é o capital. Para além das
formas antagônicas de produção, onde a matriz da sociabilidade for o trabalho associado, já
não haverá lugar para cidadãos, mas para homens plenamente livres. Para evitar mal-
entendidos, esclareço que por homens plenamente livres entendo homens que controlam,
consciente e coletivamente o processo de produção econômica e, como conseqüência, o seu
processo social de autoconstrução.
Volto a repetir: Marx pode estar errado – e seria preciso, antes de mais nada,
demonstrá-lo – mas certamente jamais concordaria com a afirmação de que cidadania plena é
algo de toda a sociedade, no sentido da igualdade social. Como também não concordaria com
a idéia de que a diferença entre reformistas e revolucionários é uma questão de estratégia e
não de fins. Quer dizer, de que o fim seria o mesmo para todos – a cidadania plena – mas
enquanto os primeiros pretendem atingi-lo através da colaboração e da negociação entre as
classes, e por isso se enganam, os segundos pretendem alcançá-la por meio do confronto, da
luta de classes.
Como disse no início, meu objetivo não era criticar, em detalhe, as idéias do autor
acerca da problemática da cidadania. Minha intenção era demonstrar que o caminho seguido
por ele – representativo de um amplo modo de pensar - não permite atingir o objetivo a que
ele mesmo se propunha, qual seja, o de fazer do marxismo um instrumento de independência
político-ideológica da classe trabalhadora.
A confusão, ou a clara igualização entre cidadania plena e emancipação humana
não expressam apenas uma opinião acerca de uma questão tópica. Elas vão muito mais longe.
Conscientemente ou não, elas têm por trás toda a problemática – literalmente problemática –
do assim chamado socialismo democrático e, mais ainda, uma determinada compreensão do
pensamento marxiano.Certa ou errada, esta concepção tem um caráter anti ou não ontológico.
E é este viés, a meu ver, que pode até permitir críticas tópicas, mas interdita o resgate do
caráter radicalmente crítico do pensamento marxiano. E porque repetita juvant, volto a dizer:
para mim, este resgate radicalmente crítico significa capturar o movimento de autoconstrução
do ser social a partir do seu ato fundante, o trabalho, rastreando, então, o surgimento e a
natureza das mais diversas dimensões e momentos deste ser. É este procedimento que permite
que, mesmo no exame da menor parcela, do menor aspecto do ser social, não se perca nunca
de vista a sua conexão com a totalidade. É também este procedimento, que nunca perde de
vista o caráter essencialmente histórico e social do ser social, que permitir perceber a
possibilidade de superação da sociabilidade fundada no capital e de instauração de uma
sociabilidade fundada no trabalho efetivamente livre, vale dizer, a possibilidade da revolução.
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Retomando a questão inicialmente posta da necessidade da reconstrução da teoria
revolucionária, tendo como eixo o resgate do pensamento de Marx. Não há como ocultar o
fato de que, não obstante tenha experimentado momentos de muito vigor e tenha recebido
contribuições valiosas de vários teóricos, a teoria marxiana sofreu, desde sua fundação até
hoje, um movimento de crescentes deformações extravios. E que sua forma dominante, cujas
bases foram lançadas na segunda metade do século XIX, se tornou, aos poucos, com o nome
de marxismo-leninismo, uma completa contrafação do pensamento de Marx.
Se se quer demonstrar – racionalmente – a possibilidade da superação da
sociabilidade capitalista; a possibilidade de construção de uma forma de sociabilidade onde os
homens sejam plenamente livres e, portanto, senhores do seu destino; se se quer dar conta dos
complexos problemas que a transformação radical do mundo atual implica, então é preciso ir
fundo na crítica das deformações e extravios sofridos pelo marxismo. Para isso, o resgate do
espírito original – intrinsecamente crítico – do pensamento de Marx, é condição
imprescindível.

Referências Bibliográficas

CHASIN, J. Marx: Da Razão do Mundo ao Mundo sem Razão. In: ___. (org.)
Marx Hoje. n. 1, São Paulo: Ensaio, 1987, p. 13-52.
COUTINHO, C. N. Contra a corrente. Ensaios sobre democracia e socialismo.
São Paulo: Cortez, 2000.
LUKÁCS, G. Ontologia dell’Essere sociale. Roma: Riuniti, 1976-1981.
MARX, K. A Questão Judaica. São Paulo: Moraes, 1991
______. Glosas críticas al articulo “El rey de Prusia y la reforma social”. Por un
prusiano”. In: ___. Escritos de juventud. México: Fondo de cultura economica,
1987, p. 505-521.
PAULO NETTO, J. Razão, Ontologia e Práxis. Serviço Social e Sociedade, n. 44,
1994, p. 26-42.

Maceió, agosto de 2001


1

RECOMEÇAR COM MARX

Ivo Tonet
Professor do Dep. de Filosofia
da Universidade Federal de Alagoas

Nosso objetivo, nessa comunicação, é discutir a questão da reconstrução da teoria


marxiana, buscando mostrar porque o caminho da ontologia do ser social é mais produtivo
para essa empreitada.
Para a maioria dos intelectuais, Marx não passa, hoje, de um “cachorro morto”. Não
por acaso, esses intelectuais também abriram mão, se alguma vez acreditaram nisto, de
qualquer perspectiva revolucionária em relação à atual ordem social.
Contudo, para aqueles que entendem que o capitalismo agrava cada vez mais os
problemas da humanidade e, portanto, deve ser superado, a reconstrução da teoria
revolucionária é uma das tarefas mais importantes neste momento. E, no seu interior, o
resgate do pensamento marxiano ocupa um lugar centralíssimo. Ambas as tarefas têm uma
enorme urgência e importância, dado o extravio e a confusão em que se vê enredada a luta
anti-capitalista na atualidade. Pretendemos, aqui, restringir-nos apenas à problemática do
marxismo.
A primeira questão, pois, que se coloca é: qual o sentido deste resgate? Para alguns
trata-se, apenas, de defendê-lo dos ataques dos seus adversários e de corrigir eventuais
deformações historicamente situadas. Para outros, levando em consideração as enormes
mudanças que o mundo sofreu desde o nascimento do marxismo até hoje, trata-se de buscar
estabelecer “o que é vivo e o que é morto” nele, atualizando-o face aos problemas do mundo
atual. Para isto, há quem advogue a necessidade de entrecruzá-lo com outras correntes atuais,
o que permitiria evitar todo dogmatismo e sectarismo e traria mais produtividade ao próprio
marxismo.
Não nos parece que estes sejam os melhores caminhos para essa reconstrução. Ao
nosso ver, quase nenhuma das interpretações conseguiu captar ou restituir ao ideário marxiano
aquele caráter radicalmente crítico e revolucionário que é sua característica mais essencial.
Independente do quantum realizado e dos erros e acertos, acreditamos que a vertente chamada
de ontologia do ser social, cujo expoente maior é G. Lukács, é a que melhor contribuiu para
isso.
Nesta perspectiva, não se trata só de correções nem apenas de atualizações.
Considerando as variadas interpretações, extravios e deformações que este pensamento sofreu
2
ao logo da sua trajetória, como resultado de todo um processo histórico,(Nota: As tarefas dos
intelectuais, hoje), impõe-se a necessidade de recomeçar ab initio. Sabe-se que o pensamento
marxiano se configurou com uma clara perspectiva revolucionária, ou seja, de superação
radical da ordem burguesa. E foi precisamente este caráter radical e revolucionário que ele foi
perdendo ao longo da sua trajetória. E entre as inúmeras deformações que ele sofreu está a
redução desta radicalidade ao campo da política, quando a questão é muito mais ampla e
profunda. Ser radical, como o próprio Marx diz, é ir à raiz. Ora, continua ele, a raiz do homem
é o próprio homem. Trata-se, pois, ao nosso ver, de retornar a Marx,não para encontrar o
“verdadeiro Marx” – tarefa impossível e sem sentido – mas, para buscar nele os fundamentos
(a raiz) de uma compreensão radicalmente – e porque radical, revolucionária – do mundo dos
homens.
Defendemos a idéia _ aparentemente absurda diante da situação em que se encontra
o marxismo hoje – de que Marx realizou uma revolução teórica similar, mutatis mutandis,
àquela realizada pelos pensadores modernos dos séculos XVII e XVIII; de que Marx lançou
os fundamentos de uma concepção radicalmente nova de mundo e de que por isso ele
representa o patamar de conhecimento mais elevado que a humanidade produziu até hoje.
Fundamentos estes que não têm sua validade limitada a determinado campo específico, mas
que permitem abordar qualquer fenômeno social com possibilidades superiores a quaisquer
outros instrumentais teóricos.
Para que não pairem dúvidas sobre o sentido de uma afirmação tão contundente e
ousada – especialmente em um momento em que tudo parece demonstrar o contrário –
esclarecemos que ela se refere apenas aos fundamentos e de modo nenhum ao que Marx
realizou a partir deles. Quanto ele mesmo realizou em termos de conhecimento da realidade
social, quais os seus acertos e erros, o que tem ou não validade para o mundo de hoje, são
questões importantes, mas de outro tipo. Também queremos deixar claro que não se trata de
diminuir ou menosprezar as contribuições – muitas vezes geniais – de outros autores. O
próprio Marx tinha consciência de que ele só pode fazer o que fez porque subiu nos ombros
de outros gigantes. O sentido preciso da nossa afirmação é este: Marx lançou os fundamentos
de uma concepção radicalmente nova e superior de fazer ciência e filosofia e, portanto de
compreender o mundo. E – ponto decisivo – desta própria compreensão decorre a
possibilidade e a necessidade de uma transformação radical do mundo. Vale dizer: o
fundamento da luta revolucionária está, primeiramente, na ontologia e só depois na ética e na
política.
3
Como, então, fazer emergir este caráter radicalmente crítico e revolucionário do
pensamento marxiano? O que é que lhe confere este caráter radicalmente crítico e
revolucionário?

Entendemos que a resposta a essas questões só pode ser obtida se observarmos três
princípios metodológicos fundamentais: buscar a gênese histórico-ontológica; compreender a
função social e fazer uma análise imanente. Cremos que a observação destes três princípios
nos permitirá apreender o pensamento marxiano como o patamar de conhecimento mais
elevado que a humanidade atingiu até hoje e, por conseqüência, o melhor instrumento teórico
para orientar a transformação do mundo.

Parece não haver dúvida de que, na passagem do feudalismo ao capitalismo, houve


uma revolução teórica. E que os pensadores burgueses, expressando uma nova e emergente
forma de sociabilidade, liderada pela burguesia, realizaram a crítica do modo greco-medieval
de pensar (centrado no ser, metafisicamente entendido) e lançaram as bases de uma nova
forma de fazer ciência e filosofia (centrado no conhecer, abstratamente concebido). Afinal,
toda classe que pretende alcançar o poder é obrigada a fazer a crítica do modo de pensar das
classes que combate e estabelecer fundamentos para um conhecimento e uma ação adequados
aos seus objetivos.

Ora, assim como a burguesia é o sujeito fundamental da sociabilidade do capital, a


classe trabalhadora tem o mesmo estatuto em relação a uma forma de sociabilidade para além
do capital. Deste modo, também a classe trabalhadora, por sua natureza (historicamente
configurada), põe as bases para o surgimento de uma compreensão do mundo mais ampla,
mais profunda e mais radical. É a própria natureza da classe trabalhadora que exige a
transformação radical do mundo, a superação, pela raiz, da forma da sociabilidade regida pelo
capital. Mas, para que essa transformação não fosse apenas um desejo, uma utopia, seria
preciso uma fundamentação sólida, uma demonstração rigorosa da radical historicidade e
socialidade do mundo dos homens. Vale dizer, seria preciso elevar ao nível da consciência,
dar forma teórica àquelas possibilidades existentes na realidade social burguesa; demonstrar
que a realidade social é obra exclusiva – ainda que não absoluta – dos próprios homens. E,
para isso, seria preciso alterar radicalmente o ponto de partida. Como o próprio Marx diz: em
vez de partir do céu para a terra, ou seja, de dogmas ou especulações arbitrárias, frutos da
consciência, seria preciso partir da terra para o céu, vale dizer, do real, do efetivamente
existente, do empiricamente verificável.

Como Marx faz isso? Tomando como ponto de partida a realidade (social)
efetivamente existente, Marx resgata a centralidade da objetividade (característica da
4
perspectiva greco-medieval), – daí o caráter ontológico do seu pensamento – subordinando a
esta a resolução de todas as questões relativas ao conhecimento. Demonstra, porém, que esta
objetividade é radicalmente histórica e social. Nesta empreitada, duas categorias são
fundamentais: as categorias da essência/fenômeno e da práxis. Por um lado, ao historicizar a
primeira e ao demonstrar a sua relação com o fenômeno, ele resolve os problemas da relação
entre unidade e diversidade e entre permanência mudança no ser social. Por outro lado, ao
demonstrar como a realidade social é sempre o resultado da determinação recíproca entre
subjetividade e objetividade (teleologia e causalidade), porém sob a regência da segunda, e
como a práxis é a categoria mediadora entre estes dois momentos, ele pode integrar
harmonicamente aquelas duas categorias, superando, ao mesmo tempo, o idealismo e o
materialismo mecanicista.
Com isso, ele supera tanto a unilateralidade da perspectiva greco-medieval (centrada
no ser, mas metafisicamente concebido), como a unilateralidade da perspectiva moderna
(centrada no conhecer, mas abstratamente entendido).
É no trabalho, portanto, como ele mesmo diz, um princípio “empiricamente
verificável”, (“os indivíduos reais, sua ação e suas condições materiais de vida...”), que ele
encontra a raiz, o fundamento ontológico-primário do ser social. A análise deste ato fundante
permite-lhe demonstra a radical historicidade e socialidade do mundo dos homens bem como
a natureza específica deste mundo. É também a análise do trabalho que lhe permite mostrar
como surgem, com natureza e funções específicas, todas as outras dimensões sociais,
garantido, deste modo, tanto o matrizamento ontológico quanto a autonomia relativa. Como
resultado, o ser social emerge como uma totalidade articulada em processo, sem jamais perder
essa característica, não importa quanta fragmentação possa resultar do andamento concreto da
história.

Com isto, velhos problemas, como a questão da origem ontológica do homem e da


natureza própria do mundo social; da relação entre espírito e matéria, consciência e realidade
objetiva, ação e estrutura, unidade e diversidade, mudança e permanência, liberdade e
necessidade, indivíduo e sociedade, sujeito e objeto, teoria e prática, ciência a ideologia, etc.
têm sua resolução encaminhada sob uma ótica profundamente diferente e mais apropriada.

Do mesmo modo, com esta impostação podem ser facilmente refutadas quaisquer
acusações de determinismo, economicismo, dogmatismo, menosprezo do indivíduo,
metafísica, messianismo e tantas outras que resultam de leituras não ontológicas do
pensamento deste pensamento.
5
Vale frisar: com isto não estão resolvidos todos os problemas. Estão apenas (e isto é
muitíssimo importante) lançados os fundamentos, está aberto um patamar para a abordagem
de qualquer fenômeno social e para impulsionar a compreensão, o mais profunda hoje
possível, da realidade social. Parece evidente que não vai nisto nenhum dogmatismo, pois
estes fundamentos – eles mesmos sempre necessitados de crítica e aprofundamento – não
garantem a correção e a superioridade do conhecimento produzido a partir deles, apenas a
tornam possível.

Infelizmente, nem a versão dominante do marxismo – o marxismo da II


Internacional e o chamado marxismo-leninismo – nem a maioria das outras interpretações
compreenderam essa revolução filosófico-científica radical operada por Marx. As
conseqüências negativas desta incompreensão foram enormes para a luta contra o capital.
Impossível, sequer, mencioná-las, aqui. Mas, em síntese, tornaram o marxismo incapaz de
enfrentar a ideologia burguesa e contribuíram poderosamente para extraviar a consciência dos
que pretendem lutar contra o capital. Daí a necessidade premente de recomeçar com Marx, a
partir dos fundamentos, na perspectiva ontológica indicada por Lukács, para resgatar o caráter
radicalmente crítico e revolucionário do seu pensamento e, com isto, impulsionar a
reconstrução da teoria revolucionária

     



  
     
        
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Prefácios | Introduções | Resenhas
1

(A Ideologia Alemã – Introdução)

1. Texto e contexto

A Ideologia Alemã é uma obra escrita por K. Marx e F. Engels nos anos de
1845/1846. Sem dúvida, a mais importante no que se refere à elaboração dos
fundamentos de uma nova concepção de história.

Para entender o significado mais profundo dessa obra é preciso compreender o


momento histórico-social em que ela foi escrita e, ao mesmo tempo, o momento na
trajetória intelectual dos seus autores.

Como se sabe, Marx e Engels viveram no século XIX. Um século de uma


importância extraordinária na história da humanidade. É neste momento, na virada do
século XVIII para o século XIX, que chega ao seu pleno florescimento a sociedade
burguesa. Esse florescimento é o resultado de um conjunto de transformações –
econômicas, políticas, sociais, ideológicas, culturais – impulsionadas pela dinâmica do
capital, que a levaram a se tornar plenamente madura, vale dizer, plenamente social.
Esta maturidade significava que, neste momento, a sociedade atingiu uma forma que a
distinguia claramente da natureza, embora mantendo sua vinculação insuperável com
ela. A realidade social se torna plenamente social. É isso que permite que ela possa ser
conhecida em sua legalidade própria, ou seja, como algo que é produzido pela atividade
humana e não por forças naturais ou sobrenaturais.

Por outro lado, a sociedade burguesa, por ser baseada numa forma de
exploração do homem pelo homem que mistifica as relações sociais, também oculta a
sua verdadeira natureza. Ao transformar as relações sociais em relações entre coisas faz
com que estas relações apareçam como se fossem naturais. Como conseqüência, as
relações de exploração não aparecem como produtos da atividade humana, mas como
algo que independe dos homens.

A completude da revolução burguesa também tem outra conseqüência


importante. Juntamente com a classe burguesa, também adentra o cenário histórico uma
outra classe, que terá uma importância fundamental para o futuro da humanidade. Trata-
2

se da classe proletária. Pela primeira vez na história da humanidade não só a classe


dominante, mas também a classe dominada abre uma perspectiva para toda a
humanidade. Esta classe, por sua vez, é também a primeira que exige, por sua própria
natureza, a superação radical da exploração do homem pelo homem. Mas, para isso ela
precisa de um tipo de saber, de um conhecimento da realidade social, de uma concepção
de mundo radicalmente diferente daqueles que orientavam a construção da sociedade
burguesa. Este novo tipo de saber era absolutamente necessário para que ela pudesse
orientar a sua luta pela construção dessa nova forma de sociabilidade.

Ora, a elaboração desse novo tipo de saber implicava a crítica do modo


dominante de pensar e a elaboração de fundamentos novos e diferentes para
compreender a realidade social. O modo de pensar tradicional era marcado pelo
idealismo e pelo empirismo. Segundo o idealismo, é a atividade intelectual que cria a
realidade social. O empirismo, por sua vez, simplesmente narra os fatos como eles se
apresentam de modo imediato. Este modo de pensar falseia, embora de modo não
intencional, o conhecimento da realidade social contribuindo, assim, para reproduzi-la
segundo os interesses das classes dominantes.

É este conjunto de circunstâncias que permite entender o surgimento das idéias


que estão expressas nessa obra.

Mas, também é fundamental compreender o momento da trajetória intelectual


dos autores para entender o significado dessa obra. Esta nova concepção de mundo, por
ser radicalmente nova e não simplesmente o conhecimento de um tema parcial,
implicou um processo de busca intensa, de mudanças profundas, de desbravamento de
um terreno completamente desconhecido. Implicou também a passagem dos próprios
autores de uma concepção ainda marcada pelo idealismo para uma concepção
materialista. Contudo, também não se tratava de um materialismo mecanicista e sim de
caráter histórico, social e dialético.

Essa transição, do idealismo ao materialismo, se deu ao longo de alguns anos,


mais precisamente, de 1837 a 1846, com uma inflexão significativa nos anos de
1843/1844. O ponto culminante da elaboração dos fundamentos dessa nova concepção
se encontra precisamente nessa obra chamada A Ideologia Alemã. Nela Marx e Engels
fazem uma crítica de alguns autores alemães, que expressavam a maneira idealista de
pensar, e esboçam os fundamentos da concepção materialista da história.
3

Como Marx mesmo adverte, esse texto foi escrito como um meio de passar a
limpo os fundamentos dessa nova maneira de pensar, que para ele e Engels tinham
ficado claros ao longo desses anos. Dificuldades surgidas na publicação desse trabalho
fizeram com que ele fosse deixado de lado e nem sequer recebesse uma forma final
apropriada. Como Marx conta no Prefácio da Introdução à Crítica da Economia Política,
em 1859, eles abandonaram o manuscrito à “crítica roedora dos ratos”, já que tinham
atingido o seu objetivo que era o de ver com clareza esses novos fundamentos.

Felizmente, os ratos foram “camaradas” e não se interessaram por esse texto. O


que nos permite, hoje, ter acesso a essa preciosidade que são os fundamentos dessa nova
forma de entender a realidade social.

Contudo, é preciso ter sempre em mente que esse texto é um manuscrito, que
não recebeu uma forma final para publicação. Trata-se, portanto, de um esboço. Suas
idéias centrais permanecerão inteiramente válidas, mas algumas delas sofrerão
correções e aprofundamentos em obras posteriores. Além disso, escrito em 1845/1846,
permaneceu durante muitos anos desconhecido, somente sendo redescoberto e
publicado em 1932, pelo Instituto de Marxismo-Leninismo de Moscou. Ao longo desse
tempo, páginas foram perdidas e outras se deterioraram, dificultando enormemente a
sua ordenação e compreensão. Além do mais, tratava-se, especialmente na primeira
parte, referente a Feuerbach, onde aparecem mais claramente os fundamentos da
concepção materialista da história, de um trabalho inacabado, cheio de interrupções,
lacunas, correções e rasuras.

Vale lembrar que toda obra, de qualquer autor, deve ser lida, sempre, com
espírito crítico. Mais ainda, quando se trata de uma obra, como esta, que não recebeu de
seus autores uma forma definitiva.

2. Idéias fundamentais

Nada disso diminui a importância dessa obra. Não obstante as ponderações


feitas acima, os elementos fundamentais dessa concepção de mundo radicalmente nova
estão claramente visíveis. Poder-se-ia dizer que esta concepção está resumida na frase,
presente nessa obra, em que eles afirmam que “Não é a consciência que determina a
vida, é a vida que determina a consciência”. Vale dizer, não são as idéias, os produtos
da consciência que constituem o fundamento, a matriz da realidade social. São as
4

relações materiais, concretas, que os homens estabelecem entre si que explicam as


idéias e as instituições que eles criam. Por isso mesmo, para se ter uma compreensão
adequada da realidade, não se pode nem partir nem permanecer no mundo das idéias. É
preciso buscar a conexão que elas tem com a realidade objetiva. Só esta conexão
permitirá entender o que os homens pensam, por que pensam desse modo e também as
idéias errôneas que eles criam a seu respeito. Criticando os pensadores alemães, Marx e
Engels afirmam: A nenhum deste filósofos ocorreu perguntar qual era a conexão entre
a filosofia alemã e a realidade alemã, a conexão entre a sua crítica e o seu próprio
meio material.

Por isso mesmo, enfatizam eles, o ponto de partida para compreender a história
deve ser concreto, real, objetivo. Nas palavras deles: “Os pressupostos de que partimos
não são arbitrários, nem dogmas. São pressupostos reais de que não se pode fazer
abstração a não ser na imaginação. São os indivíduos reais, sua ação e suas condições
materiais de vida, tanto aquelas por eles já encontradas, como as produzidas por sua
própria ação. Estes pressupostos são, pois, verificáveis por via puramente empírica”.

Deve-se, pois, partir daquelas atividades básicas, sem as quais é impossível a


continuidade da existência humana. Este ponto de partida não é uma escolha arbitrária.
É uma exigência do processo real. Os autores enfatizam: ...somos forçados a começar
constatando que o primeiro pressuposto de toda a existência humana e, portanto, de
toda a história, é que os homens devem estar em condições de viver para poder “fazer
história”. Mas, para viver, é preciso, antes de tudo, comer, beber, ter habitação, vestir-
se e algumas coisas mais. Vale dizer, para viver é preciso produzir os bens necessários á
existência. Isto é trabalho, ou seja, uma transformação intencional da natureza. Essa
transformação intencional, por sua vez, implica a fabricação de instrumentos
necessários a essa tarefa. Mas, é importante observar que, ao transformar a natureza, os
homens não produzem apenas os bens materiais necessários à sua existência, mas
também a si mesmos e as suas relações sociais. Por isso os homens são radicalmente
históricos e radicalmente sociais, isto é, são eles que se criam inteiramente a si mesmos
e a toda a realidade social, através da atividade coletiva.

O trabalho, portanto, e não as idéias, aparece aqui como o fundamento da vida


social. É ele a única categoria que faz a mediação entre os homens e a natureza. Todo o
processo histórico se desenvolve a partir desse fundamento. É a partir das relações que
5

os homens estabelecem entre si na transformação da natureza que surgirão determinadas


idéias, valores e instituições políticas e jurídicas.

Compreender a história é, pois, apreender, em cada momento, a articulação que


existe entre estas relações materiais de produção e as variadas formas de idéias, valores,
normas, relações e instituições que os homens criam no decorrer do processo. Segundo
os autores: Esta concepção de história consiste, pois, em expor o processo real de
produção, partindo da produção material da vida imediata; e em conceber a forma de
intercâmbio conectada a este modo de produção e por ele engendrada (...) como o
fundamento de toda a história, apresentando-a em sua ação enquanto Estado e
explicando a partir dela o conjunto dos diversos produtos teóricos e formas da
consciência....

Entender a história é também apreender as relações contraditórias que vão se


configurando entre os homens a partir das formas concretas da produção; como essas
contradições vão dar origem à divisão do trabalho, ao surgimento da propriedade
privada, à exploração do homem pelo homem, às classes sociais e à luta entre elas, ao
problema da alienação, bem como a determinadas instituições jurídicas e políticas
necessárias à reprodução de cada forma de sociabilidade.

Esta concepção de história permite compreender que tudo é radicalmente


histórico e social, isto é, que nenhuma forma de sociabilidade é imutável, o que
significa que a divisão da sociedade em classes sociais não é, de modo nenhum, a forma
definitiva da sociedade. Permite, também, entender que a superação da exploração do
homem pelo homem, da propriedade privada, das classes sociais, do Estado, da
alienação e a instauração de uma sociedade igualitária e comunista é uma possibilidade
real e não apenas uma aspiração subjetiva. Além disso, também deixa inteiramente
claro que um alto grau de desenvolvimento das forças produtivas, capaz de gerar
riqueza em abundância para todos é uma condição absolutamente indispensável para a
construção de uma sociedade comunista.

Percebe-se, imediatamente, que essa concepção de história, além de ser


materialista e não idealista, também tem na categoria da totalidade a sua categoria
fundamental. Pois a realidade social não é feita de partes autônomas, que possam ser
compreendidas isoladamente. A realidade social é uma totalidade, ou seja, um conjunto
de partes que, tendo o trabalho como sua matriz, vai se configurando ao longo do
6

processo histórico-social. O que significa que nenhuma dessas partes pode ser
compreendida sem que seja apreendida a sua relação com os outros momentos da
realidade social.

Como dissemos acima, nesta obra estão lançados os fundamentos de uma


concepção radicalmente nova de mundo. Radicalmente nova porque põe a descoberto a
raiz mais profunda da realidade social e com isso instaura uma compreensão
inteiramente diferente das anteriores. Uma concepção que responde aos interesses da
classe proletária porque, ao permitir a compreensão do processo histórico-social como
totalidade, também fundamenta uma transformação revolucionária da sociedade. Uma
compreensão que não precisa falsear a realidade porque o conhecimento de como as
coisas realmente são interessa à classe que tem por objetivo fundamental transformar
radicalmente a sociedade.

É esta concepção de história que norteará todo o trabalho teórico e prático de


Marx e Engels até o fim de suas vidas e que estabelecerá um patamar radicalmente novo
de produção do conhecimento científico e filosófico.

Maceió, janeiro de 2009

Ivo Tonet
 
  




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PREFÁCIO

(ao livro Mészáros e a incontrolabilidade do capital, de Cristina


Paniago, Edufal, 2007)

Vivemos, hoje,um tempo que eu chamo de “tempo de covardia”. Covardia por


parte da maioria dos intelectuais. Não uma covardia subjetiva, ainda que esse aspecto
também possa estar presente. Mas, uma covardia objetiva, isto é, a admissão da derrota da
proposta de transformação radical do mundo e, mais ainda, a defesa de que, na verdade, não
foi uma derrota de uma causa real, mas simplesmente o reconhecimento de que se tratava
de uma aspiração completamente descabida. Segundo esses intelectuais, a pretensão,
surgida a partir do século XIX, de que a razão humana seria capaz de compreender o
mundo na sua integralidade e de que a ação humana poderia transformá-lo radicalmente
não passou de uma utopia sem fundamento real. Desse modo, a verdadeira e única
alternativa seria o aperfeiçoamento, a humanização da ordem social capitalista.
Trata-se de uma covardia porque significa abandonar a causa – possível – da
construção de um mundo efetivamente igualitário e livre e abraçar a causa – impossível –
da construção desse mundo sob a lógica do capital ou mesmo de admitir, simplesmente, que
a desigualdade social é insuperável.
Esta covardia se manifesta tanto entre os conservadores como entre os chamados
progressistas. Entre os primeiros, porque, uns mais outros menos, assumiram,
conscientemente, a defesa do caminho neoliberal, sabidamente produtor de imensas
desigualdades sociais, como o única alternativa para a humanidade. Entre os segundos, de
maneira ainda mais expressiva, porque antes advogavam, embora também com variantes, o
socialismo como alternativa possível e superior para a humanidade. E, agora, diante dos
monumentais problemas que a humanidade enfrenta, apequenaram-se e, para serem aceitos
pelo establishment, isto é, para não serem chamados de “jurássicos”, de ultrapassados, de
utópicos; para não estar sempre do lado dos “perdedores”, passaram a defender o
aperfeiçoamento dessa ordem social como a única e melhor alternativa.
Ambas as posições, dos conservadores e dos chamados progressistas, passam pela
afirmação de que é possível controlar o capital, ou seja, de que se pode obrigá-lo a não
produzir desigualdades sociais cada vez mais aberrantes. E esse controle se daria através do
Estado e dos organismos da chamada sociedade civil.
Por outro lado, essa covardia se torna ainda maior quando se vê, a cada dia que
passa, que os problemas da humanidade se tornam mais graves e prementes. E que é,
claramente, a lógica do capital a responsável última por esses problemas.
Defender, nesse momento de “pensamento único” avassalador, a tese de que é
impossível controlar o capital, de que não há força nenhuma no mundo capaz de impedi-lo
de produzir cada vez mais desigualdades sociais, de que não é possível construir uma
comunidade autenticamente humana sob a lógica do capital, exige uma grande dose de
coragem intelectual e moral. Maior ainda se considerarmos que as profundas e devastadoras
derrotas sofridas por aqueles que assumiram a luta pela transformação radical do mundo e
pela construção e uma sociedade comunista pareceram comprovar empiricamente a
inviabilidade desse projeto. O preço pago por isso é alto, especialmente dentro da
academia, mas também fora dela.
Mas, felizmente, ainda há intelectuais que não se acovardaram nem diante das
derrotas nem diante da imensidade das tarefas. Intelectuais que não só proclamam, mas
buscam fundamentar, com profundidade e rigor, a possibilidade e a necessidade de
superação radical do capital e de toda a sociabilidade que se ergue a partir dele.
Entre esses encontra-se um, de enorme estatura intelectual, que teve a coragem de
situar-se na linha de frente da luta pelo resgate do instrumental metodológico de caráter
radicalmente crítico e revolucionário e pela defesa, racional e rigorosa, do socialismo como
forma superior de sociabilidade. Este autor se chama Istvan Mészáros.
Uma das teses centrais da sua obra máxima, intitulada Para além do capital, é
justamente a da incontrolabilidade do capital. E é sobre essa temática que se debruça a
professora Cristina Paniago, autora do livro: Mészáros e a incontrolabilidade do capital.
O mérito da tese de doutorado da professora Cristina Paniago, ora publicada em
livro, reside precisamente em sistematizar toda a argumentação contida na obra de
Mészáros a respeito dessa problemática. A autora mostra como Mészáros resgata a análise
feita por Marx da natureza essencial do capital. Análise essa que desvela os mecanismos
intrínsecos de sua reprodução e que fundamentam a tese da sua incontrolabilidade. Mas, a
autora também mostra como Meszáros atualiza essa análise marxiana, explicitando as
contradições em que se enreda hoje o capital e como isso comprova, cada vez mais, a
impossibilidade do seu controle.
Se, na primeira fase de constituição do capitalismo, este ainda podia abrir, de
algum modo, horizontes para a maioria da humanidade, nestes últimos tempos fica cada vez
mais clara a dissociação entre os fins da humanidade e os fins da reprodução do capital.
Pois este, ao mesmo tempo que produz imensa quantidade de riquezas também produz
desigualdades sociais, miséria, pobreza e destruição em níveis nunca vistos na história da
humanidade.
A pretensão de controlar o capital não é nova. Ela teve seus inícios já em vida de
Marx, quando a social-democracia alemã abandonou o caminho revolucionário e orientou a
luta da classe trabalhadora em direção à tomada (não destruição, como entendia Marx) do
Estado burguês para, por meio dele, realizar reformas cada vez mais amplas e, desse modo,
chegar ao socialismo.
Por outro lado, todas as revoluções de tipo soviético, por circunstâncias que não
vem ao caso discutir aqui, acabaram também atribuindo ao Estado a tarefa de dirigir as
transformações que levariam à superação do capital e à construção de uma sociedade
socialista.
Mais recentemente, o famoso “Estado de Bem-Estar-Social” criou, em
muitíssimas pessoas, a convicção de que se havia encontrado o caminho para uma
distribuição mais igualitária da riqueza, mesmo no interior do próprio capitalismo.
Do mesmo modo, e desde o pleno amadurecimento do capitalismo, no século
XIX, inumeráveis tentativas têm sido feitas, por órgãos internacionais e governos de todos
os países, no sentido de erradicar a fome, a pobreza, a miséria e as desigualdades sociais de
toda ordem.
Qualquer pessoa, que percorra, com olhos não preconceituosos, a história, do
século XIX até os dias de hoje, perceberá a falência de todas essas tentativas e de como as
desigualdades sociais não só não diminuíram, mas, ao contrário, tornaram-se cada dia mais
amplas e profundas.
Ao mostrar como capital, trabalho e Estado constituem uma unidade indissolúvel,
comandada pelo primeiro, Meszáros desmonta toda a argumentação daqueles – e são a
ampla maioria – que pretendem atribuir ao Estado, aos próprios empresários e/ ou a
organismos da assim chamada sociedade civil a tarefa de impor limites ao capital,
obrigando-o a atender as necessidades humanas e não aquelas da sua reprodução.
A tarefa de expor, de modo sistemático e rigoroso, toda a argumentação de
Meszáros, em Para além do capital, contrapondo-a à de outros autores que sustentam a
possibilidade de controlem do capital, não é pequena se considerarmos que essa obra tem
mais de mil paginas e é de uma grande densidade. Mas, essa tarefa foi realizada pela
professora Cristina Paniago com rara eficiência e felicidade. Por isso mesmo, é um livro
que nos ajudará a eliminar as ilusões de que é possível construir um mundo igualitário e
livre sem a superação radical do capital. Também nos ajudará a solidificar a convicção de
que somente a erradicação do capital, através da luta da classe trabalhadora e de todos os
que a ela se aliarem, e sua substituição pelo trabalho associado poderá ser o ponto de
partida de uma forma de sociabilidade que permita a todos os seres humanos uma vida
efetivamente digna.

Ivo Tonet

Junho de 2007
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1
MUDAR O MUNDO SEM TOMAR O PODER, de John Holloway.

Ivo Tonet

1. As idéias do autor

A problemática dessa obra gira ao redor da constatação, pelo autor, do fracasso de


todas as revoluções que se pretendiam socialistas. Segundo o autor, este fracasso se deveu ao
fato de que os revolucionários confundiram “revolução” com “tomada do poder”, acreditando
que, de posse desse poder, seriam capazes de realizar as transformações socialistas.
O autor considera que esse caminho é inteiramente equivocado; que “não se pode
mudar o mundo através do Estado” (p. 37); que é impossível mudar o poder através do poder.
Diante disso, o que propõe ele? “Mudar o mundo sem tomar o poder”, vale dizer,
deixar de lado a questão do poder do Estado e concentrar a luta em atividades que não tenham
como objetivo a tomada do poder, mas a estruturação de um novo modo de vida não mais
regido pelo capital.
Contudo, para o autor, esse equívoco dos revolucionários não era apenas uma
questão tópica. Tratava-se de um erro que resultou de toda uma concepção equivocada do
próprio pensamento de Marx. De modo que ele também se propõe a mostrar por onde passa o
resgate do pensamento marxiano de modo a poder fazer a crítica dos caminhos – teóricos e
práticos – da esquerda e a fundamentar a sua proposta de “mudar o mundo sem tomar o
poder”.
Segundo o autor, os revolucionários, na esteira da interpretação engelsiana do
pensamento de Marx, entenderam que a realidade social era composta de dois momentos: a
objetividade e a subjetividade. Contudo, não conseguiram integrar harmonicamente esses dois
momentos; eles permanecem externos um ao outro e, além do mais, a objetividade se constitui
no pólo inteiramente determinante dessa relação. A objetividade, por sua vez, é regida por leis
que independem da atividade humana, semelhantes às leis da natureza. Por isso mesmo, o
evolver da realidade social é um processo que independe, no fundo, das lutas sociais, pois é
resultado das leis que presidem essa própria realidade. Daí a idéia da inevitabilidade do
socialismo.
Mesmo aqueles que, como Rosa Luxemburgo, enfatizavam a importância da
intervenção da subjetividade, das lutas sociais, não conseguiram superar esse caráter
dicotômico da realidade. Apenas colocaram lado a lado duas séries correndo paralelas: a
realidade objetiva, com suas leis férreas, e a realidade subjetiva, ou seja, as lutas sociais. Estas

Prof. do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Alagoas.


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últimas, contudo, por mais importância que se lhes quisesse conceder, nada mais poderiam
fazer do que “apressar o parto” do socialismo, que seria inevitável.
Além disso, ao abandonar o conceito de fetichismo que, segundo ao autor, é o
conceito-chave do pensamento marxiano, os marxistas acabaram por ter o que ele chama de
um conceito “positivo” de ciência, vale dizer, uma concepção de que o conhecimento é a
compreensão daquilo que é como se apresenta na sua forma imediata.
Dessa concepção equivocada de realidade social deriva a idéia de que o marxismo é
o conhecimento objetivo, exato e correto das leis (objetivas) que regem o evolver social.
Desaparece, assim, o caráter de negatividade que, de acordo com o autor, caracterizaria a
ciência feita por Marx.
De todas essas concepções decorre, também, a cisão entre aqueles que sabem (que
conhecem as leis objetivas da história) e aqueles que não sabem. Obviamente, estes últimos
devem ser guiados pelos primeiros. Como os primeiros se encontram a serviço do partido,
nada mais justo que este seja o guia das massas ignaras e que as conduza no caminho da
libertação.
Mas, para libertar as massas é preciso estar de posse do poder, donde a conquista do
poder, que se concentra no Estado, tornar-se o objetivo central dos revolucionários. Aquela
concepção objetivista e fetichizada da realidade social leva os revolucionários a verem o
Estado como um instrumento, que poderia ser apropriado por qualquer classe, inclusive a
classe trabalhadora, e colocado a seu serviço. A posse desse instrumento permitiria, aos
revolucionários, realizarem as transformações de caráter socialista. Embora com diferenças,
praticamente todos os grandes líderes revolucionários pensavam dessa maneira. O autor cita
explicitamente Lênin, Rosa, Trotski, Gramsci, Mão e Che Guevara.
Segundo o autor, a crítica dessas idéias equivocadas deve partir da idéia marxiana de
fetichismo. “Fetichismo – diz ele – é o termo que Marx utiliza para descrever a ruptura do
fazer. É o núcleo da discussão de Marx sobre o poder e é fundamental para qualquer discussão
em relação a mudar o mundo”. (p. 71). E, ainda segundo ele, o que caracteriza o fetichismo é
a “separação do fazer em relação ao feito” (p. 73). E, mais: “A ruptura do fazedor em relação
ao feito é a negação do poder-fazer do fazedor. O fazedor se converte em vítima. A atividade
se converte em passividade, o fazer em sofrer. O fazer se volta contra o fazedor”(p. 73).
Dessa concepção do fetichismo – largamente tratada pelo autor – decorre que a
questão central da revolução não é a tomada do poder político, já que este não é um “algo” a
ser apropriado, porém uma simples forma das relações sociais, mas a busca do resgate da
unidade entre o fazer e o feito, vale dizer, a instauração de atividades que não impliquem o
domínio do produto sobre o produtor. É preciso, segundo o autor, negar a identidade (a idéia
3
de que a aparência fetichizada é a verdadeira realidade). E uma dessas “verdades” instauradas
pelo fetichismo é a de que o poder é “algo” de que qualquer um (classe) pode se apropriar
para os seus próprios fins.
Por isso mesmo, segundo ele, não se pode mudar o mundo através do poder político.
Porque “o poder não é algo que uma pessoa ou instituição em particular possui. O poder
reside mais na fragmentação das relações sociais” (p. 114). E, ainda: “O Estado, então, não é
o lugar de poder que parece ser. É só um elemento no despedaçamento das relações
sociais”(p. 115).
Concentrar a luta na tomada do poder é, segundo o autor, colocar-se no mesmo
campo do capital. “O instrumentalismo – ver o Estado como instrumento (I.T.) – significa
enfrentar o Estado em seus próprios termos, aceitando que nosso próprio mundo possa chegar
a ser só depois da revolução”(p. 313). E mais: “Lutar por meio do Estado é vê-lo implicado no
processo ativo de derrotar-nos”(p. 313).
Descartada, portanto, a tomada do poder como objetivo da revolução, é preciso
orientar a luta de modo diferente. “O problema da luta – diz ele – é deslocar-se para uma
dimensão diferente da do capital, não comprometer-se com o capital em seus próprios termos,
mas avançar para modos em que o capital nem sequer possa existir: romper a identidade,
romper a homogeneização do tempo”(p. 312).
Segundo ele, há inúmeros exemplos de lutas que apontam nesse sentido. Diz ele:
“Existe uma imensa área de atividade dirigida a transformar o mundo que não tem o Estado
como centro e que não objetiva ganhar posições de poder”. (p. 38). E, mais adiante, cita “as
municipalidades autônomas em Chiapas, os estudantes da Universidade Nacional Autônoma
do México, os estivadores de Liverpool, a onda de mobilizações internacionais contra o poder
do capital dinheiro, as lutas dos trabalhadores migrantes, a dos trabalhadores em todo o
mundo contra a privatização. (...) Existe todo um mundo de luta que não aponta de forma
alguma para a conquista do poder, todo um mundo de luta contra o poder-sobre”. (p. 230).

2. O contexto mais geral do livro


O livro tem como contexto mais geral, por um lado, a falência de todas as tentativas
(tenham sido elas revolucionárias ou reformistas) de superar o capitalismo e construir uma
sociedade socialista. Por outro lado, a extremamente complexa e difícil situação em que a
humanidade se encontra, hoje, e a busca de alternativas de superação positiva do capitalismo.
A crítica dos caminhos até agora tentados e a indicação de uma via radicalmente nova, que
estaria sendo apontada por um conjunto de lutas sociais, tal é, em resumo o contexto mais
geral dessa obra.
4
Certamente, não é a primeira tentativa no sentido de criticar os caminhos das
tentativas de mudar o mundo. Nesse esforço, muitos autores jogaram foram não só o caminho,
mas também o objetivo a ser atingido, ou seja, o socialismo. Não é, de modo nenhum, o caso
desse autor. Sua intenção é a de fazer a crítica e apontar outro caminho que julga mais
apropriado.
Ao nosso ver, no entanto, independente das boas intenções do autor, essa obra é um
enorme equívoco. Apesar de tudo, parece-nos que ela tem vários méritos, embora não os
pretendidos pelo autor
O primeiro desses méritos está expresso na primeira parte do título do livro: “mudar
o mundo”. Deixando de lado a segunda parte do título, é de louvar o intencional
comprometimento do autor com a superação radical do capitalismo. Em um momento e que a
imensa maioria dos intelectuais ou se coloca claramente contra essa possibilidade ou, quando
muito, dirige seus esforços no sentido de uma humanização desse sistema, é louvável o claro
posicionamento do autor contra o capitalismo.
O segundo mérito é o de deixar claro que não se trata apenas de erros tópicos
cometidos pelos revolucionários, mas de que é um problema muito mais profundo, que
envolve, inclusive, uma discussão a respeito da natureza do pensamento de Marx e da
interpretação que dele fizeram os revolucionários. Essa interpretação teria tido uma forte
incidência nos caminhos por eles trilhados. Concordamos com o autor, embora entendamos
que há problemas sérios em sua própria interpretação. Voltaremos a essa questão mais
adiante.
O terceiro mérito é o de identificar, ao nosso ver corretamente, o erro imediato dos
revolucionários, ou seja, o fato de eles terem pautado suas ações na crença de que a mudança
do mundo poderia ser feita através do poder. Também com isso concordamos plenamente,
embora também aqui tenhamos enormes divergências com o autor. Também voltaremos a
essa questão mais adiante.
Considerando que grande parte da esquerda ainda acredita, hoje, ser aquele o
caminho – embora afirme que será através de reformas e não de revolução (uma “reforma
revolucionária”) – o simples questionamento desse caminho já representa um grande avanço.

3. Os equívocos do livro
Certamente, há muitas questões de detalhe bastante discutíveis ao longo dessa obra.
Não é nosso objetivo situar a crítica nesse nível. Pretendemos ater-nos a questões mais gerais
e de fundo.
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O primeiro grande equívoco refere-se ao próprio ponto de partida da crítica do autor.
Como já vimos, segundo ele, o ponto de partida de Marx, esquecido pelos revolucionários e,
em geral, pelos intelectuais marxistas, é a categoria do fetichismo. Esta categoria permitiria
fazer a crítica da realidade capitalista e apontar os caminhos da sua superação.
Não há dúvida de que a categoria do fetichismo é fundamental no pensamento de
Marx. E que ela contribui para conferir a esse pensamento uma característica toda particular.
Em conseqüência, o seu abandono não pode deixar de ter reflexos profundamente negativos
tanto sobre a teoria como sobre a prática.
Não se trata, portanto, de negar essa categoria nem de desmerecer a sua decisiva
importância. Trata-se de ver que ela não pode ser o ponto de partida. Percebe-se isso quando
se vê que a própria compreensão e a crítica do fetichismo só podem ser levadas a termo após
sabermos o que é uma realidade social não fetichizada. Ora, essa compreensão do que seja
uma realidade social não fetichizada só pode ser obtida na medida em que apreendermos
quais são os traços ontológicos que demarcam o processo de tornar-se homem do homem. Os
traços mais gerais e essenciais desse processo é que permitirão compreender o que é positivo
e o que é negativo nessa trajetória da autoconstrução humana. Por sua vez, esses traços mais
gerais e essenciais só podem aparecer na medida em que se identificar a gênese ontológica do
ser social. Chegamos, aqui, à questão fundamental; ao que nos parece ser, para Marx, o
verdadeiro ponto de partida: o trabalho como fundamento ontológico do ser social.
É, ao nosso ver, o caminho seguido por Marx e é ele que permite fazer a crítica do
processo de alienação que, aliás, – é o próprio Marx que mostra em “A Ideologia Alemã” – é
muito mais amplo e antigo do que a sua forma específica no capitalismo.
Mas, esse ponto de partida – o trabalho como fundamento ontológico do ser social –
e todo o percurso realizado a partir dele, têm uma conseqüência importantíssima. É a partir
dele que se pode apreender o processo de tornar-se homem do homem como uma totalidade
em processo, um complexo de complexos em movimento e que se constroem em
determinação recíproca. Esse ponto de partida permite estabelecer que o trabalho (como
síntese de prévia-ideação e causalidade; de subjetividade e objetividade) é a matriz originária
do ser social. E que á a partir dele, e em decorrência da necessidade de enfrentamento de
problemas que não podem ser resolvidos diretamente no âmbito do trabalho, que surgem
todas as outras dimensões da realidade social. Há, portanto, uma lógica essencial que preside
todo o evolver do processo social, mesmo quando esse processo se manifesta sob a forma de
fragmentação, de estilhaçamento, de um aparente caos. Por mais complexo, contraditório e
aparentemente caótico que seja esse processo (lembre-se do desmoronamento do sistema
escravista), ele nunca deixa de ter o trabalho como sua matriz ontológica, nem deixa, jamais,
6
de ser uma totalidade. Nem por isso há uma derivação mecânica (como entendia o marxismo
vulgar) das diversas dimensões sociais a partir do trabalho. Há apenas uma dependência
ontológica e uma autonomia relativa.
É dessa descoberta da justa articulação entre subjetividade e objetividade – a partir
do trabalho – que decorre toda a concepção marxiana acerca do ser social, inclusive do
fetichismo.
Ora, é o desconhecimento desse fio condutor – tão bem desenvolvido por Lukács a
partir de Marx – que leva o autor a afirmar que o trabalho já não é o eixo da oposição ao
capital. Para ele, essa luta já não tem, hoje, mais nenhum eixo. Ela simplesmente se encontra
representada por todos os movimentos e lutas sociais que de alguma forma, mesmo que a
mais indireta, se opõem a algum aspecto do capitalismo.
Não é o único autor que, desconhecendo a articulação entre o trabalho em sentido
ontológico (como aquela necessidade eterna de transformação da natureza) e no sentido
histórico-concreto (no caso do capitalismo, o trabalho abstrato) e perdido na aparência das
transformações que a classe trabalhadora vem sofrendo ao longo das últimas décadas, afirma
a não centralidade do trabalho na oposição ao capital, substituindo-o pelo “povo” em geral,
pelos “oprimidos”, pela “humanidade”, pelos “movimentos sociais”. O resultado,
independente da intenção do autor, é sempre alguma forma de reformismo e/ou voluntarismo.
É exatamente o que evidenciam as lutas sociais, hoje. Descentradas do trabalho, único que
pode se opor radicalmente ao capital, seu grande leit-motiv se resume em construir um mundo
cidadão, o que é a quintessência do reformismo.
Evidentemente, não se trata de desconsiderar a importância das diversas formas de
luta social. Trata-se, apenas, de enfatizar que, desnucleadas do trabalho, elas não podem
adquirir um caráter revolucionário.
Também não se trata, simplesmente, de reafirmar a centralidade do trabalho
desconhecendo a importância das lutas sociais e os gravíssimos problemas referentes à
natureza atual da própria classe trabalhadora. Trata-se de buscar a articulação entre esses dois
momentos, sem deixar de afirmar que o trabalho continua a ser o eixo de toda a luta.
Há, porém, aqui, uma questão que deve ser realçada. O que produz todas aquelas
confusões acima apontadas, todas as dificuldades da ação prática não são as idéias errôneas
dos autores. É a própria forma concreta da realidade atual. São as próprias transformações
sofridas pelo mundo do trabalho, em especial pela classe trabalhadora, nas últimas décadas,
que tornam difícil, se não impossível no momento, a identificação clara da natureza dessa
classe e, portanto, da sua ação prática. Ora, se não há clareza quanto à natureza atual da classe
trabalhadora, o mínimo que se pode exigir é uma atitude cautelosa de investigação desse
7
processo em curso e não, com tanta ligeireza, a imediata negação de sua centralidade na luta
contra o capital. Não é o fato de a classe trabalhadora não estar empenhada na revolução que
lhe retira o caráter potencialmente revolucionário. Mesmo porque esse caráter não lhe
pertence por alguma essência metafísica, mas se realiza pela articulação entre sua posição no
processo de produção e seu envolvimento nas lutas concretas.
Não ignoramos que é fácil afirmar que se deve articular todas as lutas sociais ao
redor do eixo das lutas do trabalho. Acontece que realizar essa articulação, nesse momento
histórico, está se revelando imensamente difícil, até pelos problemas que dizem respeito à
própria natureza da classe trabalhadora. Entendemos, porém, que, exatamente por reconhecer
essas enormes dificuldades, deveria haver mais cautela tanto nas análises quanto nos
caminhos a serem apontados.
O segundo e enorme equívoco do autor, intimamente conexo com a questão anterior,
é o que se manifesta no próprio título do livro: “mudar o mundo sem tomar o poder”.
É um fato que todas as tentativas de superar o capitalismo tomaram o caminho
apontado pelo autor, ou seja, buscaram apoderar-se do poder para, por seu intermédio, realizar
as mudanças que transformariam o sistema social. E é também um fato que todas elas
fracassaram.
A conclusão imediata, tirada pelo autor, nos parece inteiramente correta: não se pode
mudar o mundo através do poder. O problema é que ele não tira apenas essa conclusão. Ele
vai muito mais longe ao concluir que a questão do poder deve ser deixada de lado quando se
pretende mudar o mundo; que o foco da luta, como já vimos, deve concentrar-se nas lutas
sociais que não visam a tomada do poder, mas a superação da ruptura entre o “fazer e o feito”
que, na sua opinião é a questão fundamental.
Ora, na medida em que o autor identifica o equívoco dos revolucionários, o que se
esperaria? Que ele procurasse analisar o processo histórico para mostrar por que eles erraram.
E que ele, como materialista histórico-dialético que se pretende, fizesse aparecer, nessa
análise, a articulação entre as idéias e a realidade objetiva. Sua argumentação, no entanto,
situa-se, apenas, no terreno das idéias, sem nenhuma articulação com o processo histórico
concreto. Ele simplesmente afirma que os revolucionários agiram daquele modo porque
entendiam que revolução era sinônimo de tomada do poder e que, por intermédio desse poder
mudariam o mundo. Ou seja, agiram erradamente simplesmente porque tinham idéias erradas.
O primeiro passo que se poderia esperar do autor seria o exame das idéias de Marx
acerca dessa questão. Não no sentido de um argumento de autoridade, mas como um autor
cuja teoria não pode, de modo algum, ser descartada sem um exame sério. Até para ser
submetida à crítica. Em vão procura-se esse exame. Embora as idéias de Marx acerca da
8
revolução, do Estado e do socialismo sejam sobejamente conhecidas, o autor simplesmente
passa ao largo delas.
O que Marx – em alguns casos junto com Engels – disse acerca do Estado, da
revolução e do socialismo nas “Glosas Críticas”, em “A Questão Judaica”, em “A Ideologia
Alemã”, no “Manifesto Comunista”, em “As lutas de classe na França”, em “O Capital” e em
várias outras obras, não pode, de modo nenhum ser deixado de lado. Marx foi enfático ao
afirmar que o objetivo da revolução não era a tomada do poder, mas a emancipação da
classe trabalhadora. Exatamente porque tinha claro que o Estado tem sua origem nas relações
econômicas e é uma condição indispensável para a reprodução dessas relações de
desigualdade. Além do mais, também deixou claro que a verdadeira emancipação deveria ter
por fundamento uma forma efetivamente livre de trabalho (a associação dos produtores livres,
o trabalho associado) e que ela não poderia realizar-se sem o desenvolvimento de forças
produtivas que permitisse a criação de uma riqueza abundante. Sem falar na afirmação,
inteiramente clara, de que a emancipação da classe trabalhadora deveria ser obra da própria
classe trabalhadora. O que, diga-se de passagem, não exclui, de modo nenhum, a existência de
partidos dessa classe, deixando claro, porém, que a classe, e não os partidos, são o elemento
fundamental.
E se é para criticar os revolucionários pelo caminho assumido, porque não incluir
também Marx quando diz, no “Manifesto Comunista” que o proletariado deverá “...centralizar
todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado
como classe dominante, e para aumentar o mais rapidamente possível a massa das forças
produtivas”. (p. 29-30).
Esta passagem parece combinar às mil maravilhas com o procedimento dos
revolucionários. Afinal, foi exatamente isso que eles fizeram.Voltaremos a essa passagem
mais adiante.
É certo que, para Marx, a essência da revolução (como emancipação humana) está
numa transformação das relações de produção que instaure o controle livre, consciente e
coletivo dos produtores sobre o processo de produção (precisamente o restabelecimento da
unidade entre o fazer e o feito preconizado por Holloway). Somente na medida em que essas
transformações se realizassem, os homens seriam verdadeiramente humanos, verdadeiramente
livres e verdadeiramente sujeitos da sua história. A partir daí, com uma produção abundante e
voltada para o atendimento das autênticas necessidades humanas e não para a reprodução do
capital, os homens poderiam trabalhar menos (e de uma forma mais digna) dispondo, então,
de muito tempo efetivamente livre para dedicar-se a atividades mais propriamente humanas.
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Mas, para chegar a isso, diz ele, é preciso quebrar o poder das classes dominantes.
Por isso, afirma ele, uma revolução socialista deve, necessariamente, ser uma “revolução
política com alma social”. E, por “alma social” entende uma forma de trabalho que seja o
fundamento de uma sociabilidade efetivamente livre.
Há, portanto, em Marx, uma íntima e essencial vinculação entre economia e política,
no caso da sociedade burguesa, entre Estado e Capital . O que não quer dizer, de modo algum,
que o Estado seja visto como um simples reflexo da economia. Como já vimos, a concepção
de Marx, é de uma dependência ontológica (da política para com a economia) e uma
autonomia relativa da primeira em relação à segunda. Por isso mesmo, o Estado não é algo
que possa ser apropriado por qualquer classe e colocado ao seu serviço. O Estado é uma
condição fundamental na reprodução da ordem burguesa. Não faz, pois, sentido, no interior do
pensamento de Marx, a idéia de um “Estado proletário”, um “Estado socialista”. Mas, também
não faz sentido desconhecer o caráter decisivo que o Estado tem na reprodução do capital. De
modo que pensar a revolução sem levar em conta essa questão-chave é tão absurdo como
colocar a tomada do poder como objetivo dela.
Não se pode, também, confundir, de modo nenhum, a idéia de que a classe
trabalhadora deve organizar-se, deve utilizar o poder político para enfrentar a classe burguesa
com a idéia de que ela deve constituir um “Estado” da classe trabalhadora. Esta idéia de um
“Estado socialista” surgiu exatamente das circunstâncias concretas em que se deu a revolução
soviética. Surgiu não porque eles tivessem uma visão instrumentalista do Estado, mas
precisamente da impossibilidade de que a “alma social” do socialismo aflorasse, dadas as
condições concretas objetivas. Porém, a infelicidade é que, uma vez surgida, ela foi tomada
como se fosse o caminho preconizado por Marx para a realização da revolução socialista. A
partir daí é que se gerou essa absurda idéia de que “revolução” é sinônimo de tomada do
poder. Por esse caminho, toda a proposta marxiana foi por água abaixo.
E aqui vale a pena examinar aquela afirmação feita por Marx e Engels no “Manifesto
Comunista”. Vejamos a afirmação na sua integralidade. Dizem eles: “O proletariado utilizará
o seu domínio político para ir arrancando todo o capital das mãos da burguesia, para
centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, isso é, do proletariado
como classe dominante, e para aumentar o mais rapidamente possível a massa das forças
produtivas” (p. 29-30).
Não foi isso exatamente que os revolucionários fizeram? A resposta é: sim, mas
somente se tomarmos essa afirmação em sentido isolado, deixando de lado o seu contexto
teórico e histórico. O contexto histórico era o do capitalismo mais desenvolvido. Era ali que
se teriam criado as condições necessárias para a rápida produção de uma riqueza abundante
10
após a quebra do poder político da burguesia. Portanto, a referência não era a países
parcamente desenvolvidos. Nestes ainda seria necessário criar as forças produtivas adequadas
ao socialismo. Naqueles, tratar-se-ia, apenas, de liberá-las dos entraves das relações
capitalistas e transformá-las em relações socialistas.
O contexto teórico, por sua vez, indicava, desde os primeiros textos de Marx, que
essa produção rápida e abundante só seria possível com a entrada em cena do trabalho
associado, ou seja, com a liberação da produção dos entraves do capital. Mais ainda: Nesse
intervalo – em termos históricos, relativamente breve – que mediaria entre o capitalismo e o
comunismo, a classe trabalhadora teria que se organizar para enfrentar a resistência da
burguesia. Mas, nesse caso, os autores têm o cuidado de precisar que o Estado é o proletariado
organizado e não uma organização acima e fora das classes. Referindo-se à Comuna como
“...a forma política finalmente encontrada que permitia realizar a emancipação econômica do
Trabalho”, diz Marx: “Sem esta última condição, a Constituição comunal teria sido uma
impossibilidade e um engodo. O domínio político do produtor não pode coexistir com a
eternização da sua escravidão social. A Comuna devia, pois, servir de alavanca para extirpar
as bases econômicas sobre as quais se funda a existência das classes, logo, o domínio de
classe. Uma vez emancipado o trabalho, todo homem se torna um trabalhador e o trabalho
produtivo deixa de ser o atributo de uma classe”(A guerra civil em França, p. 99).
A similaridade entre o que Marx preconizou e o que os revolucionários pensaram e
fizeram é apenas aparente. É o próprio Marx, em “A Ideologia Alemã”, que,
premonitoriamente, realça a diferença. Aí ele deixa claro que a exist6encia de forças
produtivas altamente desenvolvidas é condição absolutamente indispensável para a construção
do socialismo. E, em “O Capital” e nos “Grundrisse”, enfatiza que esse desenvolvimento das
forças produtivas é obra do próprio capitalismo. Mas, por que não poderia ser realizado por
um Estado “socialista”? Exatamente porque elas só podem vir a existir sobre a base de
relações sociais de exploração, algo inteiramente contraditório com o socialismo. “...este
desenvolvimento das forças produtivas – diz Marx – (...) é um pressuposto prático,
absolutamente necessário, porque, sem ele, apenas generalizar-se-ia a escassez e, portanto,
com a carência, recomeçaria novamente a luta pelo necessário e toda a imundície anterior
seria restabelecida” (p. 50).
Do que foi dito acima, pode-se legitimamente inferir que uma revolução socialista
não pode, de modo nenhum, ser conduzida pelo Estado. E é exatamente isto que Marx afirma.
Porém, em vez de concluir que o desafio é “mudar o mundo sem tomar o poder”, o que diz
ele? Que uma revolução socialista deve ser, necessariamente, uma “revolução política com
alma social”. Vale dizer, que a quebra do poder político das classes dominantes é um
11
momento absolutamente necessário da revolução socialista. Contudo, embora necessário, é
um momento apenas preparatório e negativo, é uma espécie de limpeza do terreno para que a
“alma social” do socialismo possa aparecer. E que alma social é essa? É aquilo que – em nível
genérico – constitui o fundamento de qualquer forma de sociabilidade, ou seja o trabalho. Só
que, no caso da sociedade socialista, o trabalho deverá assumir a forma de trabalho associado,
de associação livre dos produtores. É aí que começa, para Marx, a autêntica revolução
socialista, o domínio consciente, livre e coletivo dos trabalhadores sobre o processo de
produção, base indispensável para a construção de uma forma de sociabilidade efetivamente
livre e humana.
Esperamos que essa afirmação – limpar o terreno e aparecer a alma social – não seja
tomada em sentido meramente cronológico. Trata-se, obviamente, de um processo em que os
dois momentos se imbricam. Mas, em algum momento, essa quebra do poder do Estado
burguês faz-se necessária. Se, porém, quebrado esse poder, a “alma social” do socialismo não
puder aparecer (por falta de condições objetivas – vide o caso recente da Nicarágua) ou não
puder se instaurar por erros dos revolucionários, então aquela quebra de nada adiantará. Aí
sim, se põe com toda força a afirmação do autor que, antes de ser dele é de Marx, de que não
é possível mudar o mundo através do poder do Estado.
Como se vê, a concepção de Marx é profundamente diferente da concepção
instrumentalista, reificada, fetichizada do Estado. Isso, porém, não o leva a diminuir a
importância do Estado. Pelo contrário, continua a enfatizar o seu papel crucial na reprodução
da ordem social burguesa. Daí não se segue, porém, que, para ele, a revolução tenha como
objetivo a conquista do Estado nem que este venha a ser o instrumento para a construção do
socialismo.
A intenção do autor é, certamente, louvável. Seu propósito é fazer uma crítica do
caminho – teórico e prático – trilhado pelas revoluções que se pretendiam socialistas e que
pretenderam realizar a revolução através do Estado. Contudo, ao atribuir esse equívoco a uma
concepção objetivista e fetichizada da realidade social, que teria resultado numa idéia
politicista da revolução e numa idéia instrumentalista do Estado, e, ao abandonar a análise do
processo histórico, chega, ao nosso ver, a uma posição tão equivocada quanto a dos
revolucionários. Preocupado em criticar o objetivismo, ele cai no extremo oposto, que é o
subjetivismo.
Ao contrário do que o autor pensa, o zapatismo – seu grande inspirador – é o melhor
argumento, não a favor, mas contra a sua tese. O não enfrentamento da questão do poder, que
aquele movimento, por sua própria natureza, não pode questionar em sua lógica mais
profunda, mostra os seus limites insuperáveis. O mesmo acontece com os mais variados tipos
12
de lutas sociais, todos importantes, mas todos limitados. O Estado permanece como principal
– embora não única – condição de reprodução do capital. Nenhuma das outras condições teria
condição de assegurar-lhe a reprodução sem a existência do Estado.

Recolocando a questão nos trilhos


Se examinarmos a trajetória histórica, veremos que, a partir da segunda metade do
século XIX, há, com altos e baixos, um processo crescente de reformização da esquerda. E
esse processo de reformização, que começa com a social-democracia alemã e atinge
intensamente até os nossos dias, tem como marca fundamental o deslocamento da luta social
da centralidade do trabalho para a centralidade da política. E esse deslocamento, tanto se deu
pelo lado dos reformistas como pelo lado dos revolucionários. Como afirma também o autor,
ambas as partes viram no Estado o instrumento fundamental para a realização das mudanças
sociais. Porém, o que o autor não viu é que esse deslocamento teve como fundamento um
conjunto de circunstâncias materiais, elas mesmas responsáveis pelas mudanças teóricas que
respaldavam esse novo e equivocado caminho. Esse deslocamento da centralidade do trabalho
para a centralidade da política é que tem que ser entendido e criticado para se poder retomar o
caminho revolucionário.
A crítica do autor tem o mérito de apontar para o fato de que ver a tomada do poder
como o primeiro passo positivo para a realização da revolução é colocar a política como eixo
do processo revolucionário. E isso é um equívoco. Contudo, afirmar que devemos “mudar o
mundo sem tomar o poder” não significa, de modo algum, repor o trabalho como eixo do
processo revolucionário. Por isso mesmo, também esse caminho, por mais que não seja essa a
intenção ao autor, é incapaz de levar à superação radical do capital. Vale dizer, não passa,
infelizmente, de uma nova roupagem do reformismo.
O equívoco do autor nada mais é do que o outro lado da moeda do equívoco dos
revolucionários. Se estes, sob pressão das circunstâncias concretas, entendiam, e ainda
entendem, que a mudança do mundo seria feita através do Estado, o autor, por sua vez,
também sob pressão das circunstâncias concretas do mundo atual, simplesmente abandona a
problemática do Estado, acabando por apontar um caminho inteiramente voluntarista.
Infelizmente, a realidade objetiva não está apontando, hoje, os caminhos concretos
para a superação do capital. Face a isso, inventar caminhos não parece ser a melhor solução.
O grande desafio atual, teórico e prático, para a esquerda, é exatamente esse: resgatar o
pensamento de Marx, em seu caráter radicalmente crítico e revolucionário, resgate que
implica a retomada do trabalho como fundamento ontológico do ser social e, juntamente com
isso, repor as lutas do trabalho como eixo central de todas as lutas. Tarefa essa extremamente
13
complexa e difícil exatamente pelas próprias transformações por que vem passando o mundo
do trabalho.

Concluindo
O balanço final da obra é melancólico. A intenção é boa, o esforço é grande,
problemas importantes são apontados. Infelizmente, o caminho trilhado pelo autor o leva a
criticar um extremo para cair no outro: contra a centralidade do Estado, a total nulificação
deste. O que lhe impede de apreender a função própria da política na luta pelo socialismo.
Mas, só se pode perceber as possibilidades e os limites da política na medida em que se
apreender a lógica própria do ser social. Esta lógica, como já vimos, tem no trabalho a sua
categoria fundante. Como o autor não toma o trabalho como ponto de partida, mas a categoria
do fetichismo, aquela lógica se vê perdida. Entra, então, em cena a subjetividade, à procura de
novos caminhos que, descentrados da lógica objetiva, terminam por impor à realidade rumos
que expressam muito mais desejos do que possibilidades efetivas.
O fracasso dessa obra em atingir os objetivos propostos, reforça o que dissemos em
vários textos1: o resgate do pensamento marxiano, que lhe restitua o seu caráter original,
radicalmente crítico e revolucionário – e esse resgate passa, ao nosso ver, pelo caminho
indicado por Lukács em sua obra da maturidade – é condição indispensável para compreender
o mundo atual e identificar os caminhos de superação do capitalismo. A busca desses
caminhos é, hoje, uma tarefa extremamente difícil, até porque não é um problema nem só e
nem principalmente teórico. Por isso mesmo, os equívocos são inevitáveis. Mas, entendemos
que, desde que o objetivo maior seja a superação radical do capital, melhor arriscar-se a
comete-los do que abandonar essa luta.

1
TONET, I. As tarefas dos intelectuais, hoje. In: Novos Rumos, n. 29, 1999 e Marxismo para o século XXI,
2003 (mimeo).
1
RESENHA

Ivo Tonet

Livro: O declínio do marxismo e a herança hegeliana. Lucio Colletti e o debate italiano


(1945-1991).

Autor: Orlando Tambosi

Se não nos falha o entendimento, o objetivo do autor é demonstrar, acompanhando a


trajetória de Lucio Colletti, inserida no contexto da história italiana, a falência do ideário
marxiano.
Sua linha de raciocínio é clara: Há uma insuprimível vinculação do pensamento
marxiano com a dialética hegeliana. Ora, para a dialética, o conceito de contradição é
essencial. E, na concepção marxiana, isto significa que a contradição é algo que existe na
própria realidade e não apenas no discurso. A vinculação de Marx com Hegel também fica
clara na absorção, pelo primeiro, da problemática da alienação. Com isto, é introduzida, no
fazer científico, uma determinação valorativa, que seria totalmente estranha à ciência.
O livro de Tambosi é interessante por vários motivos. Mas, especialmente porque,
ao nosso ver, ele atinge exatamente o objetivo oposto ao pretendido pelo autor. Em vez de
demonstrar a falência do marxismo, ele põe a nu a trajetória de muitos intelectuais marxistas
que, precisamente por não terem compreendido a natureza essencial do pensamento de Marx,
acabaram passando, com armas e bagagens, para o lado do capital.
Não é nosso objetivo, neste breve texto, fazer um exame detalhado das idéias do
autor. Pretendemos apenas apontar algumas questões que revelam não a falência do ideário
marxiano, mas um caso típico de extravio de intelectuais marxistas.
Na verdade, ao contrário do que pensa o autor, a trajetória de Colletti não é o
caminho da descoberta da falência do marxismo. É, antes, a expressão de um processo que vai
da incompreensão da natureza mais profunda e específica do pensamento marxiano ao
desfibramento cada vez maior deste ideário até desembocar na completa rendição à
perspectiva do capital.
Não há como não concordar com o autor: a relação de Marx com Hegel é a pedra-
de-toque da interpretação do pensamento marxiano. Na ótica do autor, é exatamente o fato de
Marx manter-se estreitamente vinculado a Hegel, assumindo as categorias da contradição e da
alienação, que impossibilita ao marxismo adquirir um caráter científico.

Prof. do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Alagoas


2
Admitindo-se que a crítica collettiana fosse verdadeira, o que seria de esperar? Que
houvesse a descoberta ou pelo menos a indicação de caminhos que apontassem no sentido de
um conhecimento e de uma ação voltados para a construção de uma sociedade realmente
emancipada. Ou, então, para a demonstração da absoluta inviabilidade desta proposta. Ao
contrário disto, as conclusões collettianas, apresentadas e subscritas por Tambosi, em ambas
as questões, são um tremendo retrocesso.
Em suas Considerações Finais, referindo-se ao utopismo dos anos 60, o autor diz o
seguinte: “Na Itália, Colletti percebera isto, afastando-se da política partidária: um
afastamento em função de questões epistemológicas (e, logo, filosóficas). A outra alternativa
seria dar as costas ao conhecimento em favor de questões político-ideológicas. Colletti,
portanto, preferiu o rigor e a coerência, propugnando uma cultura crítica e racionalista, isto é,
anti-ideológica (sem utopismo). A idéia de uma sociedade perfeita (sic) – vislumbrada pelo
marxismo – não era mais que miragem religiosa. A saída: “reformar” a sociedade, tendo
sempre em mente que, tão logo resolvido um problema, milhares de outros surgirão, e que
essa obra de melhoramento, ajustes e reconstruções é infindável” (p. 347).
E conclui: “A sociedade moderna – conclui Colletti – experimentou no curso da sua
história dois modelos alternativos: o “liberalismo clássico” e a “planificação centralizada”.
Agora empenha-se na tentativa de um equilíbrio entre os dois sistemas, “de modo a corrigir as
distorções de um com os remédios que oferece o outro, tentando harmonizar entre si
‘programação’ e ‘mercado’. Fora disso, só a ilusão religiosa, a expectação do ‘milênio’, por
parte dos que “ainda crêem que possa ocorrer ‘a’ solução ‘definitiva’, o fim de todos os
males, a superação de todas as dificuldades. Ou, em suma, que possa existir a ‘salvação”. Aos
que ainda crêem no Absoluto, o programa talvez pareça insuficiente; para homens críticos,
porém, constitui a única saída: é mais um passo no processo de Entzauberung”.
Bastaria comentar estes dois trechos para mostrar a quantidade de insanidades e
absurdos que um “homem crítico” pode dizer sem corar. Creio que, tanto o meu livro
Democracia ou Liberdade?(Maceió: Edufal, 1997), como minha tese de doutorado (a ser
publicada em breve pela editora HD), intitulada Educação, Cidadania e Emancipação
humana, bem como o meu livro Sobre o Socialismo, já no prelo pela editora HD, são uma
resposta suficiente a este acúmulo de barbaridades.
De acordo com Colletti/Tambosi – que nisto nada mais fazem do que repetir os
argumentos de K. Popper – a dialética hegeliana é uma forma de metafísica e, como toda
metafísica, inteiramente imprestável para produzir conhecimento científico. Marx
simplesmente teria invertido os termos: em lugar do Espírito, a Matéria; em lugar do Sujeito
Absoluto, o Sujeito Proletariado.
3
Daí a “brilhante” constatação de Tambosi. Referindo-se às críticas a Colletti, diz ele:
“Críticas e ataques à parte, é inegável que, através de sua análise da herança hegeliana,
Colletti prefigurou teoricamente o desfecho do marxismo. No final dos anos 80, Gorbachev, o
derradeiro dirigente da URSS, reconheceria a falência dessa perspectiva. A velha crise do
marxismo agora revelava-se definitiva: ele não previra nem compreendera a modernização
capitalista, o florescimento dos direitos individuais e da cidadania e o declínio do mundo do
trabalho, com seu tradicional discurso de classe. Eram novidades que levariam, por exemplo,
o PCI a tornar-se PDS e a aproximar-se, cada vez mais, de uma perspectiva social-
democrática – sempre recusada” (p. 345-346).
Tudo somado, tem-se que o marxismo e a sua realização prática, o socialismo,
fracassaram. Não há mais utopias, ideologias, classes sociais, nem contradições no seio da
sociedade. Estamos caminhando para o melhor dos mundos possíveis, o mundo social-
democrata. Como, porém, os fatos não parecem sustentar tal afirmação, só se pode dizer:
tanto pior para eles.
Mas, evidentemente, Colletti/Tambosi não iriam reconhecer que tomaram o partido
do capital contra o trabalho. Isto implicaria admitir que ainda existe esta contradição e que
subsistem as classes sociais. Colletti/Tambosi descobrem a quadratura do círculo: entre o
“liberalismo clássico” (vulgo capitalismo puro e simples) e a “planificação centralizada” (para
eles, sinônimo de socialismo), eles optam, com a “sociedade moderna” (O que seria isto?),
por construir um sistema que incorpore o que haveria de melhor no capitalismo e no
socialismo. Tal é a ridícula concepção de história deles. Ora, se existe algo de arbitrário,
especulativo, metafísico, a-histórico, utópico e absolutamente impossível é exatamente isto:
construir uma autêntica comunidade humana somando “o que há de bom” em cada sistema
social e, especialmente, sobre a base do capital. Desde quando a história é feita desta
maneira? Trata-se de um puro ato de vontade, inteiramente inócuo! E se o paradigma de
ciência, que eles contrapõem à dialética, tem este resultado, então há algo de profundamente
errado com esta idéia de ciência. (Vide: Ciência: quando o diálogo é impossível. In:
Democracia ou Liberdade?, op. cit.).
Será casual que a crítica a Hegel e a Marx desemboque na defesa da perpetuação
(que outro nome teria esta reforma?) da ordem social capitalista? Aparentemente, a proposta
de uma reforma desta ordem social seria o caminho que evitaria tanto o utopismo quanto a
aceitação pura e simples do atual estado de coisas. Mas, a que assistimos, de fato, no
momento atual? De um lado, em vez de ao “florescimento dos direitos individuais e da
cidadania”, à intensificação, cada vez maior, das características mais perversas do capitalismo
e, com isto, à supressão daqueles direitos e, de outro, à mais completa degradação e
4
reacionarização dos partidos comunistas. (Ou será a social-democracia algo mais do que uma
forma histórica de reprodução do capital?).
Como dissemos antes, o giro de Colletti é o mesmo, ressalvadas as especificidades
do trabalho intelectual, dos partidos comunistas. Em ambos os casos, o percurso não vai do
erro (acreditar no marxismo como ciência e na possibilidade do socialismo) à verdade
(identificação do erro e descoberta do verdadeiro caminho científico e das reais possibilidades
de transformação do mundo), mas de um erro a outro. Ou seja, no primeiro momento, a
concepção de marxismo, da qual eles partilhavam, era, de modo geral, a da II Internacional.
(Não por acaso, a concepção do “novo” Colletti acerca da ciência é idêntica àquela
reivindicada por Bernstein, ou seja, a de uma ciência neutra). Esta concepção era um
amontoado inconseqüente de materialismo mecanicista, de positivismo, de empirismo e de
idealismo. É no interior desta “mélange” que se discute a relação Marx-Hegel e se vê a
problemática da contradição e da alienação. O problema decisivo, não percebido, dada a
incompreensão da natureza essencial do pensamento de Marx, é que toda a problemática era
enfocada sob um prisma gnoseológico (que, também não por acaso, tem em Kant o seu
expoente maior) e não ontológico. O marxismo da II Internacional, que se tornou a versão
dominante e veio depois a se transformar na caricatura stalinista, nada mais era do que uma
variante do pensamento burguês em decadência. É isto que Colletti e muitíssimos outros
marxistas abandonaram. E com razão! Só que isto nada tinha a ver com o genuíno
pensamento de Marx. Este é de outra ordem.
Porém, e aí entra o segundo momento, o segundo erro. Em vez de buscar resgatar a
natureza essencial do pensamento de Marx; em vez de buscar identificar aquilo que lhe
confere um caráter radicalmente crítico, aquilo que lhe permite estabelecer uma ruptura pela
raiz com a tradição filosófico-científica ocidental, eles deram um passo atrás, assumindo a
perspectiva da subjetividade (típica do pensamento burguês moderno e da qual Kant é o
expoente maior). Por sua vez, o pretensamente chamado “criticismo” popperiano (Não por
acaso, outro autor caro a Colletti/Tambosi) é a expressão, para o momento atual, desta
perspectiva, em que a ênfase discursiva na crítica é exatamente a manifestação da completa
perda do espírito crítico. Vale dizer, enquanto Marx se situa numa perspectiva ontológica, o
giro de Colletti e destes outros marxistas significou a impostação de toda a problemática,
tanto do conhecimento como da ação, numa perspectiva gnoseológica.
A rejeição dos conceitos de contradição e de alienação é inteiramente coerente
dentro da perspectiva epistemologista kantiano-popperiana. Como também é coerente o
abandono da perspectiva de superação revolucionária da sociabilidade regida pelo capital em
favor de reformas desta mesma sociabilidade. Mas, para isso, a violência e o falseamento que
5
se tem que praticar – teórica e praticamente (vejam-se os apoios oferecidos pelos ex-
comunistas às políticas burguesas e imperialistas) – são inauditos.
Ao nosso ver, a superação do marxismo da II Internacional passa pela identificação
do caráter ontológico do pensamento de Marx. (De novo, não é por acaso que a obra do autor
que mais se empenhou nisto – G. Lukács – é conhecida apenas até História e Consciência de
Classe, sendo praticamente desconhecida a elaboração da Ontologia do Ser Social – em que
ele se dedica expressamente a esta tarefa). Ora, na medida em que este pensamento – de Marx
– for tomado como uma ontologia (histórico-social e não metafísica) do ser social, toda a
concepção acerca da realidade e do conhecimento muda profundamente. E, no seu interior,
tanto a categoria da contradição como a da alienação perdem o seu matiz gnoseológico para
situar-se, com plena coerência, na processualidade do real. E mais, fica firmemente
estabelecida, não como uma exigência política, mas como uma necessidade ontológica, a
relação, indissolúvel, entre ser e dever-ser, entre a natureza da realidade social (no caso,
capitalista) e a perspectiva revolucionária.
É evidente que não podemos expor, aqui, esta concepção ontológica do marxismo.
Mas, na suposição da boa intenção e de que qualquer crítica implica conhecimento de causa,
sugerimos algumas leituras neste sentido. Em primeiro lugar, as obras da maturidade de
Lukács, especialmente sua Ontologia do ser Social e os Prolegômenos. Em seguida, as obras
de I. Mészáros, principalmente Beyond Capital e Marx: A teoria da alienação. Além disso, de
J. Chasin, sugerimos a leitura de: Marx: Estatuto ontológico e resolução metodológica. E,
ainda, textos de Nicolas Tertulian. Guido Oldrini, José Paulo Netto e Sérgio Lessa.
Ao contrário do que pensa Tambosi, entendemos que o marxismo, tomado como
ontologia do ser social, é ainda e de longe o melhor instrumento para interpretar o mundo
atual e para orientar a sua transformação. Além disso, entendemos que, mais do que nunca,
face aos terríveis dilemas que o capitalismo vem impondo à humanidade, a perspectiva da
revolução (= transformação radical) e não a reforma é a saída mais adequada para a
construção de uma autêntica comunidade humana. E é exatamente em função disto que o
resgate do caráter radicalmente crítico do pensamento marxiano (e não o seu abandono) é uma
das tarefas fundamentais.
 
 



 
        
                   
 
   
  
  


 
  

 
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Trabalho e socialismo
O GRANDE AUSENTE

Nesta peça, que é o momento atual da história da humanidade, está faltando um


personagem. E não é um personagem qualquer, mas um dos mais importantes.
Dos dois personagens mais importantes desta peça, apenas um está presente. Trata-se
da burguesia. Esta continua, com toda força a representar o seu papel. Ela continua a levar adiante,
a ferro e fogo, o seu projeto mesmo que isso comprometa o futuro da humanidade.
O lugar do outro personagem, o proletariado, infelizmente está vazio.
Dizem, até, que ele abandonou definitivamente a cena e que o seu papel teria sido
assumido por outros personagens. Entendo que isso não é, de modo nenhum verdade. Tanto do
ponto de vista teórico, como do ponto de vista empírico, não há nenhuma prova de que o
proletariado tenha desaparecido e de que o seu papel de protagonista fundamental da revolução
tenha sido assumido por outros personagens.
Este lugar, o de personagem fundamental na direção do processo revolucionário
pertence ao proletariado não por uma definição metafísica, mas por sua posição no processo
concreto de produção da riqueza no capitalismo. Por sua posição neste processo é ele, como já
afirmavam Marx e Engels no Manifesto do Partido Comunista, a única classe efetivamente
revolucionária uma vez que somente ela tem uma contradição absolutamente antagônica com o
capital.
Não obstante todas as transformações sofridas pelo processo produtivo, especialmente
nas últimas décadas, que resultaram em enormes mudanças na classe operária, esta continua a
ocupar o lugar de antagonista radical do capital, pois é ela que produz, ao mesmo tempo, a riqueza
material, a mais-valia e o capital. Nem sequer do ponto de vista quantitativo existem provas de que
a classe operária tenha diminuído de modo muito significativo.
Não obstante ela estar ausente, hoje, como protagonista ativo e consciente, deste lugar,
ele lhe pertence por natureza.
A questão, então, é: por que este lugar está vazio? Por que a classe operária está ausente
dessa tarefa de conduzir a luta revolucionária contra o capital?
A resposta a essa pergunta é da máxima importância, pois dela dependerá a
identificação dos entraves que se opõem a que o proletariado volte a assumir o seu papel de
dirigente do processo revolucionário. Todavia, a resposta a essa questão é muito complexa, pois
implicaria examinar o processo histórico acontecido desde as primeiras lutas operárias a partir do
século XIX. Dada a brevidade desse texto, não poderei mais do que indicar dois elementos que me
parecem fundamentais. Embora apresentados separadamente, eles não podem ser considerados de
modo isolado, pois fazem parte de um mesmo processo e se determinam mutuamente.
Em primeiro lugar, as transformações ocorridas no processo produtivo, com
rebatimentos em todas as outras dimensões sociais. Estas transformações, que resultam sempre das
periódicas crises sofridas pelo capital, levaram a mudanças no interior da própria classe
trabalhadora. Uma dessas mudanças teve relevância especial. Trata-se da divisão que se estabeleceu
entre uma camada de trabalhadores que, durante o período de desenvolvimento que medeia entre
uma crise e outra do capital, teve acesso a ganhos mais significativos e, portanto, a um padrão de
vida mais elevado. Esta situação colocou esta parcela da classe trabalhadora em oposição à maioria
da mesma classe que não teve acesso aos mesmos ganhos. É a famosa “aristocracia operária” de que
falava Lenin. Ocupando os postos na maioria das organizações operárias, esta parcela, mais
interessada em manter e melhorar os seus ganhos do que em fazer a revolução, imprimiu às lutas da
classe operária um caráter fortemente reformista.
Em segundo lugar, e de modo articulado com a primeira questão, a mudança da
centralidade do trabalho para a centralidade da política.
Para evitar mal-entendidos, esclareço que, por centralidade do trabalho entendo, de um
lado, o fato de que o trabalho, isto é, a transformação da natureza para produzir valores de uso é o
fundamento do mundo social. De outro lado, o fato de que, no modo de produção capitalista, a
classe operária é o sujeito fundamental – embora não único – da revolução. Por esses dois motivos,
uma revolução comunista implica, necessariamente, uma transformação na forma do trabalho que
elimine o trabalho assalariado e o substitua pelo trabalho associado.
Por sua vez, por centralidade da política entendo a atribuição ao Estado, que é o núcleo
central do poder político, a tarefa de conduzir o processo de superação do capitalismo e de
construção de uma sociedade comunista.
Tanto pela via reformista (socialdemocracia) quanto pela via revolucionária (de tipo
soviético) a tarefa de conduzir a superação do capitalismo e de construir o comunismo foi atribuída
ao Estado. Ambas as vias, por caminhos diferentes – a primeira pela via da reforma e a segunda pela
via da coexistência pacífica – imprimiram à luta da classe operária um caráter predominantemente
reformista. De um lado, tratava-se de chegar ao comunismo pela via das conquistas parciais e
paulatinas, sem, portanto, confrontar direta e radicalmente o capital e o Estado. De outro lado,
tratava-se de defender a “pátria do socialismo” - a União Soviética – na crença de que o capitalismo
seria vencido pela atração que esse socialismo em construção exerceria nos próprios países
capitalistas. Colaboração de classes e não confronto passou, então, a ser o tom das lutas da classe
operária.
Deste modo, a classe operária foi perdendo o horizonte revolucionário, deixando de
assumir o seu protagonismo como inimiga radical do capital e pautando as suas lutas apenas por
melhorias pontuais, que não questionavam a ordem social capitalista.
Nenhuma outra classe, nenhuma outra categoria, nenhum outro movimento social pode
ocupar este lugar que pertence, por natureza, à classe operária. As lutas de todos os outros
segmentos sociais são, sem dúvida, importantes, mas elas só ganharão um sentido revolucionário na
medida em que estiverem norteadas pela luta da classe operária contra o capital e contra o seu mais
importante sustentáculo que é o Estado.
Contribuir, hoje, para que a classe operária volte a ocupar o seu lugar de antagonista
radical do capital e lidere o processo revolucionário é condição necessária para a resolução dos
gravíssimos problemas com os quais se debate a humanidade. Esta é, pois, uma importantíssima
tarefa de todos aqueles que estão comprometidos com um futuro digno para a humanidade.

Maceió, abril de 2012

Ivo Tonet
17

SUGESTÕES DE LEITURA

1. Para um apanhado histórico, sugerimos a leitura de História da Riqueza do


Homem, de Leo Huberman, além de A origem da família, da propriedade privada e do Estado,
de F. Engels.
2. Para a compreensão do sentido ontológico do processo de tornar-se homem do
homem, sugerimos ler, de G. Lukács: As bases ontológicas do pensamento e da atividade do
homem (Ver. Temas de Ciências Humanas, n. 4, 1978); de S. Lessa: A ontologia de Lukács.
(Edufal, 1997); de K. Marx: Manuscritos de 1844 e O Capital.; de K. Marx e F. Engels: A
ideologia alemã e O Manifesto do partido comunista.; de José Paulo Netto: Razão, ontologia e
práxis. (ver. Serviço Social e Sociedade, n. 44/1994); de I. Mészáros: Marx “filosófico”. (Em:
História do Marxismo, v. I); de G. Markus: Marxismo e antropologia; de I. Tonet: Educação,
cidadania e emancipação humana – cap. I. (HD, 2002)
3. Sobre capitalismo e socialismo, sugerimos ler, além das obras acima citadas: de I.
Mészáros: A necessidade do controle social. (Ensaio, 1987) e Produção destrutiva e Estado
capitalista. (Ensaio, 1989) e Para além do capital; de E. Mandel: Socialismo x Mercado.
(Ensaio, 1991); de I. Tonet: Democracia ou Liberdade. (Edufal, 1997) e também de I. Tonet:
Educação, cidadania e emancipação humana. (HD, 2002).
4. Sobre a questão das transformações no mundo do trabalho, sugerimos: de Ricardo
Antunes: Os Sentidos do Trabalho. (Boitempo Editorial, 1999). Nele se encontra uma ampla
bibliografia sobre essa questão; de Maria Edna de Lima Bertoldo: Fim de século: fim do
trabalho? ( Rev. Novos Rumos, n. 30/1999).


 




   
 
  
    
 
 
    
 


 



 
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∃ 
          
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  8 

∃  ∃ ∀ ∃   ,
  ∃ 

       , 
1

SOCIALISMO: obstáculos a uma discussão


Ivo Tonet

Introdução

A problemática do socialismo sempre foi uma questão muito complexa. Porém, hoje,
após a derrocada do que se costuma chamar, equivocadamente, de “socialismo real”, ela se
tornou muito mais complexa e, sobretudo, confusa.
Entre outros, três problemas jogam um papel fundamental para a geração desta
confusão. Um primeiro é a pressuposição de que ele é algo suficientemente conhecido, não
sendo necessário “perder tempo” com uma abordagem mais demorada. A verdadeira
questão não seria o que é o socialismo e sim qual o caminho para chegar a ele. Um segundo
problema é a deterioração do instrumental teórico que permitiria pensar esta problemática.
O que marca esta deterioração, a nosso ver, é a perda da radicalidade crítica que caracteriza
a natureza essencial deste instrumental, o pensamento de Marx. O resultado disto é a
diluição cada vez maior da especificidade própria do pensamento marxiano e sua
aproximação ao pensamento burguês. Um terceiro problema é o pano de fundo constituído
por aquilo que é denominado pelo infeliz termo de “socialismo real”. Não é nossa intenção
abordar, aqui, os três problemas, mas apenas o terceiro.
É nossa convicção que este termo – “socialismo real” – deve ser inteiramente abolido
porque falseia qualquer discussão acerca do socialismo. Mesmo quando utilizado entre
aspas, o que chamaria a atenção para o seu caráter problemático, ele não deixa de
permanecer como um conceito que designaria, ainda que apenas sob algum aspecto, algo
que efetivamente existiu. No mínimo, deixa dúvidas no ar, o que contribui para confundir a
questão. Mas há quem o use sem aspas, pretendendo que ele designa, de fato, algo bem
real, ou seja, o próprio socialismo.
Exemplos desta “categoria” como pano de fundo podem ser encontrados em autores
os mais diversos. Entre eles: A. Schaff, E. Hobsbawn, C. Lefort, Boaventura de S. Santos,


Professor de filosofia da Universidade Federal de Alagoas
2

A. Nove, A. Gorz, N. Bobbio, J. Habermas, R. Miliband, R. Blackburn, J. McCarney e


inúmeros outros.
No fundo, o argumento – explícito ou implícito – para levar em conta esta
“categoria” é o seguinte: na discussão acerca do socialismo não se pode deixar de levar em
consideração o socialismo tal como ele se realizou nos países do leste europeu e oriente
(incluindo Cuba). Segundo se diz, quer queiramos ou não, o que importa são os fatos
concretos e não uma teoria abstrata. A história não é um ideal abstrato, em nome do qual
seriam julgados os fatos. A história é o conjunto dos fatos realmente acontecidos. Se,
portanto, queremos produzir conhecimento histórico científico, devemos ater-nos aos fatos.
Certamente estes implicam uma teoria. Contudo, se eles contrariarem a teoria, é esta última
que deve ser modificada e não eles. Se não procedermos assim, todo conhecimento
científico estará inviabilizado, uma vez que a teoria nunca poderá ser falsificada. Sempre
poderemos dizer que o processo real não se realizou de acordo com a teoria. Por mais que
se apontem, à luz dos fatos, defeitos que comprometeriam a teoria, sempre se poderá alegar
que os fatos é que não se comportaram exatamente como prescrevia a teoria e, portanto,
“tanto pior para os fatos”. Ora, uma teoria que, em confronto com os fatos, não pode, de
modo nenhum ser falseada, não pode ser uma teoria científica.

1. “Socialismo real”: a relação entre teoria e prática

Retornemos ao argumento de que, para discutir a questão do socialismo, é preciso


levar em conta os fatos, ou seja, “o socialismo como realmente existiu”. O que é que este
argumento supõe? Em primeiro lugar, ele supõe que a teoria é um ideal, no sentido de uma
construção meramente ideativa, que se contrapõe a fatos. Em segundo lugar, ele supõe que
há uma linha direta entre a teoria e a prática concreta. Em terceiro lugar, ele supõe que os
fatos, como acima considerados, constituem o critério de veracidade de uma teoria.
Ora, estas três suposições caracterizam o empirismo na sua versão mais rombuda.
Não pretendemos entrar na complexa relação entre teoria e prática. Para o nosso propósito,
é suficiente dizer que, na perspectiva marxiana, teoria não é de modo algum uma
construção meramente ideal. Teoria é sempre o resultado do esforço de reprodução
intelectual do processo real, sendo evidente que a primeira nunca esgota o segundo. Assim,
3

a boa teoria é aquela que captura o objeto na sua integralidade (observe-se que
integralidade não quer dizer totalidade), o que implica tomá-lo como uma totalidade,
incluindo a relação entre essência e fenômeno e entre o seu modo presente de ser e
possibilidades futuras. Ora, entre o modo presente de ser do objeto e os acontecimentos
futuros, interpõem-se muitos elementos – incluindo o acaso – que não podem ser previstos,
ainda mais quando se trata do mundo social.
Interpõem-se, de modo especial, o modo como ela é entendida e posta em prática
pelos indivíduos e grupos sociais mais diversos e as circunstâncias concretas de tempo e
lugar em que se dá a sua recepção. Tudo isto pode levar a modificações significativas na
própria teoria. (Isto ficaria extremamente fácil de entender se fosse aceita e levada em conta
a determinação social – em sentido ontológico e não meramente sociológico – do
conhecimento). Não há, pois, como existir uma relação direta entre uma teoria e práticas
futuras realizadas em seu nome. A história é feita de alternativas e não de desdobramentos
inevitáveis. O curso dos acontecimentos pode ou não fluir no sentido apontado pela teoria
inicial. O fato de não seguir o caminho indicado pela teoria não a torna falsa. Apenas indica
que houve um desdobramento diferente. A demonstração da falsidade de uma teoria
implica outras questões, como veremos mais adiante.
Deste modo, os “fatos” não constituem elementos isolados, contrapostos à teoria,
mas resultados objetivados de decisões tomadas pelos sujeitos em circunstâncias históricas
concretas. Eles poderão ou não realizar-se no sentido posto pela teoria. Quando é, então,
que os “fatos” contribuem para a verificação de uma teoria? Quando, tendo-se desdobrado
em conformidade com o previsto por ela, confirmam ou negam a sua veracidade. Um
exemplo muito simples: temos uma teoria de que a água ferve a 100 graus. Pomos água
para ferver; ela chega a 100 graus e nada acontece. Isto comprova que a teoria estava
errada? Se, de fato, se puder ter certeza (nunca absoluta) de que não houve nenhuma
circunstância que pudesse ter alterado o processo, então creio que a resposta seria
afirmativa. Mas, para isto é preciso, sob pena de completa falta de rigor, perguntar: o que,
de fato, aconteceu? Entre a teoria e este fato interveio alguma circunstância capaz de alterar
significativamente o processo? Se interveio, então a teoria pode muito bem estar certa,
apesar de não ter sido confirmada por este fato.
4

Deste modo, o que se observa é que não basta confrontar uma teoria com os fatos. É
preciso analisar o conjunto do processo. Os fatos são parte de uma totalidade complexa e só
em relação a essa totalidade seu sentido poderá ser apreendido. Por outro lado, entre a
teoria original e o momento atual, a própria teoria pode ter sofrido alterações. De modo que
é preciso saber o que se está pondo em confronto. A teoria original ou alguma sua
interpretação subseqüente? Além disso, também é preciso examinar o processo
intermediário entre a teoria e o momento atual. Circunstâncias concretas podem ter levado a
um desdobramento contrário à teoria original. Neste caso, aquela teoria não seria falsa. Os
“fatos” apenas indicariam que estas novas circunstâncias não tornaram possível a sua
realização. Repetimos: os fatos só contribuem para negar a veracidade de uma teoria
quando tiverem se realizado de acordo com o previsto e quando, mesmo assim, os
resultados finais tiverem sido contrários a ela.
Em resumo, o que queremos dizer é o seguinte: uma análise séria, rigorosa e realista
implica a firme convicção de que teoria e prática não são momentos isolados, mas
articulados, de um processo social como uma totalidade. E se, como para Marx, este
processo social é um compósito de essência e fenômeno, então é preciso capturar o
processo social como uma totalidade em que estão implicadas estas duas categorias. Deste
modo, os fatos, em sua imediaticidade, constituem apenas o momento fenomênico do
processo. O desvelamento do seu sentido não pode ser feito apontando apenas para eles
mesmos, mas expondo a sua articulação com uma essência da qual são a manifestação.
Caberia, então, no caso em tela, retomar a concepção marxiana de socialismo,
analisar as modificações teóricas e práticas por ela sofridas nas mãos de seus seguidores,
verificar as condições em que se deram as tentativas de revolução socialistas, de modo a
apreender o sentido dos fatos que se sucederam e se eles estavam em consonância com a
teoria original e, se não estavam, explicar porque não estavam. Nos debates sobre o
socialismo, no entanto, nada disto é feito. Parte-se simplesmente da idéia de que o que foi
realizado em nome do socialismo era a efetivação da teoria socialista original de Marx, não
importando as suas modificações nem as circunstâncias concretas da sua realização,
concluindo-se por criar uma “categoria” absurda chamada “socialismo real”. É evidente que
esta forma de proceder só pode ser o resultado de má-fé, ignorância, ou, quando no caso de
5

intelectuais criteriosos, resultado de determinados pressupostos responsáveis por um certo


direcionamento da investigação.

2. “Socialismo real” x “socialismo democrático”: origens e descaminhos

Uma das conseqüências mais sérias da utilização, mesmo que seja como pressuposto,
desta “categoria” do “socialismo real” é uma outra categoria, que pretende ser o seu oposto,
isto é, a de “socialismo democrático”.
Sabemos que é uma tarefa muitíssimo ingrata tecer críticas à concepção de
“socialismo democrático”. Muito mais ainda a de pretender demonstrar a inconsistência
desta “categoria” e as suas problemáticas conseqüências sociais. Como, porém, não se trata
de um mero debate intelectual, mas de idéias que têm fortes repercussões na prática social,
é preciso, quando se está convicto e até para não ser acusado de falar apenas post festum,
navegar mesmo que contra a corrente.
Socialismo, hoje, é um conceito bastante fora de moda até entre autores que se
pretendem de esquerda. Mas, quando ele é utilizado, tem-se sempre o cuidado de enfatizar
que se trata de um socialismo democrático e não autoritário. O objetivo é tanto fazer um
mea culpa e, portanto, demarcar a diferença, a distância e a oposição em relação ao
chamado “socialismo real”, de caráter autocrático, como enfatizar a profunda adesão atual
aos valores democráticos. Digamos que há, até, uma certa concorrência entre os diversos
pensadores, liberais e de esquerda, para ver quem defende com mais empenho a
democracia. É claro que os pensadores de esquerda procuram demarcar-se também em
relação ao conceito liberal de democracia, donde a busca da elaboração de uma nova teoria
da democracia1.
É inegável que, após tantos e tão contundentes fatos denunciadores da brutalidade do
chamado “socialismo real”, esta firme adesão aos valores democráticos tem um fortíssimo
apelo positivo. Dificilmente se pode encontrar alguém que, diante de uma escolha entre
ditadura e democracia, não faça uma opção por esta última. O problema é que as
alternativas socialmente relevantes do ponto de vista de uma sociabilidade efetivamente
6

mais humana talvez não sejam estas. Talvez haja uma outra alternativa superior. Não
conviria examiná-la?
Em outros textos2 procurei demonstrar a radical diferença entre liberdade
democrática e liberdade socialista, enfatizando o pertencimento da primeira ao âmbito da
emancipação política e o da segunda ao âmbito da emancipação humana. O que significa
dizer que os termos que se opõem não são democracia e ditadura (ambas formas do
universo da sociabilidade do capital), mas liberdade democrática e liberdade socialista.
Nosso objetivo, aqui, é levantar alguns questionamentos a respeito desta “categoria”
do “socialismo democrático”, buscando compreender, a partir das suas origens, sua
natureza e suas conseqüências para a luta social.
Considerando o atual ambiente teórico-ideológico e político, gostaríamos de fazer
uma observação inicial. Nossas críticas ao “socialismo democrático” não significam, de
modo nenhum, uma defesa de algo que considero que nunca existiu, ou seja, do “socialismo
real”. Mas adiante explicarei porque considero absurda esta “categoria”. Nossas críticas, se
algo de pertinente contiverem, têm o intuito de impulsionar no sentido de pensar uma forma
superior de entificação da humanidade e não de tentar resgatar aquilo que se chamou de
“socialismo real”.
Vale observar, também, que a construção desta nova proposta é resultado de um
processo longo e complexo. Não é nossa intenção expor detalhadamente o seu
desdobramento. Pretendemos apenas apontar os elementos que nos parecem mais
relevantes para, com isso, expor o equívoco fundamental que preside à sua elaboração e
algumas das conseqüências que se seguem. Em resumo, nossa idéia é a seguinte: a
“categoria” do “socialismo democrático”, com tudo que ela implica, é resultado imediato de
um pressuposto falso. Tal pressuposto é o de que a revolução de outubro teria tido um
caráter essencialmente – isto é, relativamente às questões econômicas de base, – socialista.
Sua falha fundamental teria sido a não socialização do poder político, o que teria entravado
o aprofundamento da socialização da própria economia. Daí o “socialismo real”,
burocrático, ditatorial, antidemocrático. Tratar-se-ia, então, de recuperar o caráter
democrático do socialismo. É o que pretendiam a construção da “categoria” e da proposta
do “socialismo democrático”. Mas, e se a revolução de outubro não tivesse tido um caráter
7

socialista? Se, de fato, não tivesse havido a possibilidade de lançar os fundamentos de uma
forma radicalmente nova de sociabilidade? As conseqüências serão imensas.
Por outro lado, como veremos em seguida, a idéia de socialismo democrático é uma
contradição nos termos. Democracia é sinônimo de liberdade regida pelo capital.
Socialismo é sinônimo de liberdade regida pelo trabalho (emancipado). Impossível casar
essas duas formas.

3. Um pouco de história

Vejamos, então, os momentos mais importantes deste processo. Sabe-se que a


proposta marxiana é uma proposta revolucionária, no preciso sentido de que tem como
objetivo a supressão radical da ordem burguesa e a sua substituição por uma ordem
socialista, cujo fundamento seria o trabalho associado. Sabe-se também que isto implicaria,
embora não de modo absolutamente necessário, a derrocada violenta do poder burguês.
Marx e Engels fizeram alusão à possibilidade de uma transição pacífica para o socialismo,
mas como algo bastante remoto.
Mas, já neste primeiro momento, a recepção das idéias de Marx teve um forte acento
economicista. Em oposição ao idealismo, enfatizava-se o caráter materialista da história e
este materialismo se expressava na afirmação de que o que importava era a base
econômica, restando à “superestrutura” uma importância secundária. De modo que o
socialismo tendia a reduzir-se à socialização da economia. E mesmo a socialização tendia a
ser entendida como estatização.
Por outro lado, esta recepção das idéias marxianas também entendia o socialismo
como o inverso do capitalismo. Ou seja, se o capitalismo era uma ordem social cujo eixo
era o indivíduo, o socialismo seria uma ordem social centrada na coletividade. Ora, era
exatamente o indivíduo burguês que era o sujeito dos direitos e liberdades democráticos. De
modo que a confusão estava praticamente feita entre indivíduo e indivíduo burguês. A
tomada do poder pela classe trabalhadora significaria, portanto, a derrocada da ordem
burguesa na sua totalidade, incluindo aí todo este conjunto de direitos e liberdades
democráticos típicos desta ordem individualista.
8

Opondo-se a esta idéia de uma revolução que derrubasse violentamente a ordem


burguesa, surgiu, na segunda metade do século passado, com a social-democracia alemã, a
proposta de um socialismo democrático. Os elementos fundamentais do seu ideário são
suficientemente conhecidos: o socialismo não seria mais um objetivo, uma forma
radicalmente nova de sociabilidade, mas um processo gradativo e crescente de ganhos
econômicos e sociais, realizado não de forma revolucionária, mas de forma democrática.
Na verdade, o socialismo, seria um processo sem fim de aprofundamento e alargamento da
democracia.
As críticas de Rosa Luxemburgo, Lênin e outros marxistas e o sucesso da revolução
soviética fizeram recuar a idéia de uma instauração democrática do socialismo e deram
força total à proposta de uma conquista revolucionária do poder pela classe trabalhadora
com a conseqüente supressão rápida e total da ordem burguesa.
E, com efeito, durante algum tempo pareceu que, apesar de todos os erros,
contratempos e dificuldades, a revolução estava trilhando o caminho do socialismo. A
propriedade privada foi suprimida, foi instaurado o planejamento econômico centralizado
no Estado, a produção foi colocada direta, ou indiretamente (através do governo e do
partido) sob o controle dos trabalhadores, sendo também voltada para o atendimento das
necessidades da maioria da população e não da acumulação de propriedade privada. Note-
se que é a própria concepção fortemente economicista do socialismo que permite pensar
que a revolução tinha um caráter essencialmente socialista. Mesmo Lênin, para não falar de
outros revolucionários, que, como se sabe, criticou duramente a social-democracia alemã e
procurou resgatar o caráter revolucionário da proposta marxiana, sob pressão das
circunstâncias concretas deslizou em direção a este modo economicista de ver o socialismo.
Não é o caso de discutir aqui se Lênin tinha ou não uma concepção democrática ou
ditatorial. O fato é que as circunstâncias concretas levaram-no, e aos outros
revolucionários, a suprimir ou a nem sequer permitir o amadurecimento (porque não era
possível) dos institutos democráticos. Daí para diante, a necessidade se tornou virtude, isto
é, as formas concretas da ditadura foram tomadas como expressão do socialismo autêntico.
Vale notar, também, que a própria “socialização” da economia exigia, naquele
momento, que o indivíduo particular abrisse mão dos seus interesses pessoais e se
submetesse aos interesses coletivos.
9

Inúmeros revolucionários, especialmente da velha guarda bolchevique e antes disto


da Oposição Operária, tentaram opor-se a este modo de conduzir o processo, criticando o
seu crescente autoritarismo. O mais interessante a notar é que hoje, post festum, o debate
segue tão equivocado como naquele momento. Os defensores de Lênin buscam enfatizar as
suas intenções democráticas e a sua resistência ao autoritarismo, condenando a Oposição
Operária por seu idealismo. Os que simpatizam com a Oposição Operária realçam a sua
luta em defesa da democracia e da participação mais intensa da classe trabalhadora no
controle da economia, procurando, por outro lado, enfatizar a estreita vinculação de Lênin
com toda a posterior política autocrática stalinista.
Penso que o equívoco de ontem e de hoje está em não compreender a relação entre
objetividade e subjetividade. Certamente não estava absolutamente pré-determinado que as
coisas se passassem daquela forma. Os momentos históricos são sempre um campo de
possibilidades, no interior do qual os indivíduos e grupos sociais fazem as suas escolhas.
Mas este campo de possibilidades, embora elástico, tem limites que não podem ser
ultrapassados. Pode-se até admitir – e com toda a razão – que a condução do processo por
Lênin tivesse sido diferente da de Stalin. Contudo, nem sob Lênin a União Soviética
poderia deixar de tornar-se um regime autocrático, dados os limites impostos pela situação
objetiva. Por outro lado, esta mesma situação objetiva impediria a efetivação das intenções
da Oposição Operária de construir uma forma de sociabilidade verdadeiramente socialista,
quer dizer, livre. Em resumo: do ponto de vista da construção do socialismo, um beco sem
saída.
No entanto, a idéia que se consolidou e que, de algum modo, perdura até hoje, é que
a revolução de outubro tinha sido uma revolução socialista e que do ponto de vista
econômico, apesar das inúmeras dificuldades, erros e percalços se estava trilhando o
caminho da construção do socialismo. Afinal, a questão da igualdade no atendimento das
necessidades básicas de toda a população era superior à questão das liberdades
democráticas. Note-se, aqui, posta a mesma equação do liberalismo, só que de modo
invertido. Para o liberalismo, o valor mais importante seria a liberdade, devendo ser
preservada mesmo que ao custo de certa desigualdade social. Para o socialismo, o valor
mais importante seria a igualdade, devendo ser garantida mesmo que implicasse restrições à
liberdade. Não é preciso dizer que a proposta liberal é autêntica e coerente, considerando o
10

significado particular de liberdade e igualdade próprio do liberalismo. O mesmo não se


pode dizer da proposta socialista, porque nela os significados de liberdade e igualdade são
totalmente diferentes. Voltaremos mais adiante a esta questão.
Por volta do anos 70, a questão do caminho democrático para o socialismo voltou a
repor-se, desta vez a partir do Partido Comunista Italiano, estendendo-se depois a outros
países da Europa. O elemento impulsionador desta retomada era a constatação das
profundas diferenças que marcavam as sociedades européias ocidentais em relação às
orientais. Como conseqüência, não faria sentido seguir o caminho da revolução soviética e
muito menos pensar na extinção das objetivações democráticas
Por outro lado, também começaram a surgir, um pouco mais tarde, muitas denúncias
a respeito das atrocidades, crimes, campos de concentração etc., cometidos em nome da
construção do socialismo. Tudo isto viria a reforçar a idéia de que não bastava haver
socialismo no campo econômico, também era preciso que ele se estendesse ao campo
político. Se se quiser uma caricatura disto basta ver o que a esquerda democrática diz, hoje,
a respeito de Cuba.
Foi este conjunto de circunstâncias que, a nosso ver, ensejou o surgimento do que
veio a chamar-se de “socialismo democrático”. Como se pode ver, este conceito teve, desde
o seu início, um caráter nitidamente politicista. Com efeito, não era um conceito que
pretendesse fazer uma crítica radical das tentativas de revolução socialistas. Pelo contrário,
pressupunha exatamente que do ponto de vista econômico, não obstante todos os seus erros
e defeitos, a União Soviética estava no caminho do socialismo, baseados nos elementos que
acima indicamos. Neste campo tratava-se apenas de correções e de reformas, mas não de
alterações substanciais. No entanto, havia uma parte substancial que faltava. E esta
localizava-se na esfera da política. A supressão e/ou não implementação dos direitos e
liberdades democráticos não fora um mero acaso, mas resultara de uma concepção
equivocada dos marxistas em geral acerca da problemática da política. Por sua vez, a não
socialização do poder político teve conseqüências desastrosas sobre o processo econômico,
levando à burocratização e, finalmente, à reposição das desigualdades sociais. Daí porque
se fazia necessário reexaminar a teoria marxista e fazer a crítica das suas debilidades no
campo da política. O objetivo era demonstrar que, ao contrário do “socialismo real”,
11

economicamente socialista, mas politicamente ditatorial, o socialismo autêntico deveria


socializar tanto a economia como o poder político.
Tratava-se, pois, de pensar um “caminho democrático” para um “socialismo
democrático”.
Como Marx era o principal elaborador desta concepção, um dos momentos
fundamentais deste reexame foi a crítica das suas idéias. É evidentemente impossível nem
sequer resumir aqui o conjunto destas críticas. Basta lembrar, no entanto, que entre elas
avultavam aquelas relativas a uma ênfase excessiva na objetividade na concepção do
processo social; a um caráter metafísico da sua concepção do ser social; a uma concepção
estreita e/ou equivocada acerca da política, do Estado, da revolução, da democracia e da
cidadania.
O que nos importa ressaltar, aqui, não são os argumentos em seu detalhamento, mas
o ponto de partida de todo este reexame. É evidente que havia um problema grave a ser
examinado: o insucesso da revolução soviética. No entanto, as críticas não começaram por
buscar a natureza mais genuína do pensamento de Marx, mas foram impulsionadas pela
necessidade de dar sustentação à idéia – que se supunha evidenciada pelos fatos – de que a
política (entendida como o complexo do Estado) era um elemento ontológico insuperável
do ser social. E que, portanto, esse complexo não deveria ser eliminado, mas apenas
transformado. Os fatos pareciam mostrar que a consideração da política como um momento
transitório do ser social e, portanto, dos direitos e liberdades democráticos como valores
particulares tinham contribuído poderosamente para a degeneração do socialismo. De modo
que era preciso demonstrar que a dimensão política era uma dimensão essencial do ser
social e a democracia e a cidadania eram valores universais. O que significa dizer que, a
conclusão já estava, de algum modo, implicada no próprio ponto de partida: as críticas a
Marx e a outros autores não decorreriam de um exame daquelas teorias com o objetivo de
compreendê-las o melhor possível, no espírito em que elas se propunham, ou seja, o de
serem uma tradução do processo real, para então, a partir daí evidenciarem os seus erros,
lacunas e deficiências. Tais críticas, independente da intenção explícita dos seus autores, já
estavam norteadas pela necessidade de por em evidência o déficit democrático do
marxismo.
12

Como se pode ver, havia um problema real que precisava ser examinado. Não era um
problema criado por adversários burgueses. Tratava-se do fato real de que uma sociedade
que se dizia socialista não correspondia de modo algum à idéia que se fazia de socialismo,
ou seja, de uma sociedade justa, livre e igualitária. O enfoque politicista que norteou a
resposta é que, a nosso ver, se constituiu num grande equívoco.
É interessante notar que já em 1844, em As Glosas críticas, Marx fazia uma clara
distinção entre razão política e razão social. Segundo ele, a razão política, expressão da
perspectiva burguesa, é aquela que pensa a totalidade social, incluindo a economia, do
ponto de vista da política, ou seja, tomando a dimensão política como a dimensão fundante
do ser social. Como se sabe, esta é uma das teses básicas da concepção burguesa: a de que a
sociedade é instaurada qua sociedade pela existência do Estado. O que equivale a dizer que
é impossível a existência da sociedade sem esta dimensão. A conseqüência deste modo de
pensar é necessariamente a subordinação da economia à política; a entronização da política
como princípio de inteligibilidade da totalidade social e do norteamento da ação sobre ele.
No caso dos marxistas, porém, era preciso afrouxar os laços entre economia e
política, já que, para Marx, a primeira era vista claramente como a dimensão fundante do
ser social. Daí toda a discussão acerca da necessidade de rever os conceitos de sociedade
civil, de Estado, de democracia, de cidadania, de direitos humanos e de reexaminar a
relação entre economia e política. Não estamos, com isso, querendo dizer que este reexame
não trouxe contribuições interessantes. Como já afirmamos antes, nosso objetivo é apenas
ressaltar o viés que o ponto de partida acima mencionado – fazer a crítica do ponto de vista
da política – impôs à abordagem de toda a problemática e o deslizamento que a partir daí
foi se dando para o campo da perspectiva burguesa.
Rejeitada, por incompreensão ou por decisão consciente, a relação ontológica entre
economia e política, o marxismo foi se diluindo e perdendo aquilo que é a sua pedra de
toque: o caráter radical da sua crítica. Deste modo, o socialismo já não é uma forma
radicalmente nova de sociabilidade, mas uma busca sem fim de meios para harmonizar
duas categorias cuja oposição seria insuperável, as categorias da liberdade e da igualdade.
É “a democracia sem fim”, um horizonte nunca efetivável, mas apenas uma espécie de
impulsionamento contínuo em direção a uma vaga sociedade mais justa.
13

De modo que podemos visualizar, a largos passos, o caminho seguido, segundo os


críticos de Marx. A concepção estreita do marxismo acerca dos direitos, instituições e
liberdades democráticos tinha levado ao menosprezo e à supressão destes elementos,
permitindo a instauração de um poder autocrático. À socialização da economia deveria ter-
se seguido a socialização do poder político. Aí sim teríamos o verdadeiro socialismo, um
“socialismo democrático”, uma forma de sociabilidade que não só distribuiria
eqüitativamente a riqueza, mas também implicaria, necessariamente, a vigência, até muito
mais intensa e ampliada, das objetivações democrático-cidadãs.
A própria admissão da existência de um “socialismo autocrático”, uma aberração tão
grande que é até difícil de imaginar, implica a aceitação daquilo que afirmamos acima, ou
seja, de que havia uma socialização da economia, mas não da política. Não dá para
acreditar que algum intelectual sério e rigoroso pudesse admitir a existência de um conceito
tão monstruoso. Mas é exatamente o que acontece quando não se percebe a articulação
ontológica entre economia e política; quando não se toma a autoconstrução humana como
fio condutor do processo social; quando não se começa a crítica pela retomada radical da
noção de socialismo. Chega-se ao absurdo de afirmar que é possível existir socialismo na
dimensão econômica, mas não nas outras dimensões. A uma concepção equivocada de
socialização da economia se segue uma não menos equivocada de socialização da política.
E a soma das duas redundaria no “socialismo democrático”.
Se olharmos as críticas ao marxismo e ao socialismo que começaram a surgir a partir
da década de 1970, veremos que todas elas, de alguma forma, têm como pano de fundo
estes pressupostos: por um lado, a ênfase na necessidade de resgatar o valor e a importância
da política, da democracia e da cidadania como valores universais e, portanto,
imprescindíveis numa forma de sociabilidade efetivamente livre; por outro lado, contra o
objetivismo economicista, a ênfase na subjetividade, realçando o caráter de “invenção” do
socialismo, de “fazer o caminho caminhando”.
A quantidade de questões da teoria marxiana revistas é, evidentemente, muito
grande. Não é, de modo algum, nossa intenção abordar esta problemática. Nosso único
intento é deixar claro o pressuposto – a nosso ver falso – que norteou toda esta revisão e
mostrar que ao falso dilema entre “socialismo autoritário” e “socialismo democrático”,
entre ênfase na objetividade e ênfase na subjetividade se opõe uma terceira possibilidade, a
14

do socialismo como liberdade plena, a articulação entre subjetividade e objetividade, sob a


regência desta última.
O que já dissemos antes, mas vale a pena tornar a frisar, é que a crítica aos
descaminhos na construção do socialismo e da teoria que a norteava não teve como ponto
de partida o resgate da concepção de socialismo. Seu ponto de partida foi a monstruosa
“categoria” do “socialismo real”, ou “socialismo realmente existente”. Posto este
pressuposto falso, toda a discussão posterior, não obstante o fato de ter trazido à luz
elementos importantes, ficaria necessariamente falseada. Veja-se o caso da discussão acerca
dos direitos e liberdades democráticos. É óbvio que se, do ponto de vista econômico, se
estava, bem ou mal, caminhando no sentido do socialismo, então se justificava o resgate
daqueles elementos como componentes imprescindíveis de uma sociabilidade efetivamente
livre. E daí se justificava também a afirmação de que Marx tinha uma concepção estreita
destes direitos e de que eles não tinham apenas um valor particular, mas efetivamente
universal. O que, paradoxalmente, levaria a ter que deixar aberta a possibilidade de que, na
verdade, os países capitalistas mais desenvolvidos – especialmente os países nórdicos –
estariam muito mais próximos do socialismo do que qualquer país dito “socialista”.
A confusão produzida por este pressuposto falso foi tão profunda e generalizada que
até pensadores da maior expressão foram atingidos por ela. É o caso, por exemplo, do
próprio Lukács. Como se sabe, Lukács foi o autor mais importante no resgate do marxismo
como uma ontologia do ser social. Justamente uma interpretação que, a nosso ver, permite
retomar a questão do socialismo na perspectiva da autoconstrução humana e do trabalho
como fundamento ontológico do ser social e, a partir daí, fazer uma crítica radical de todas
as tentativas de construção do socialismo. Ele mesmo, no entanto, estava convicto de que,
apesar de todos os erros e defeitos, a União Soviética estava, do ponto de vista econômico,
no caminho do socialismo. E, pior ainda, que seria possível, a partir de dentro, reformar o
próprio sistema, reconduzindo-o a uma trilha efetivamente democrática.
A crescente revelação das mazelas e descaminhos das tentativas de revolução
socialistas deixou a esquerda completamente desamparada. Não havia como negar que o tal
do “socialismo real” deixava muito a desejar até em relação à situação dos países
capitalistas mais desenvolvidos. As barbaridades cometidas por aqueles regimes não eram
de modo algum defensáveis sob a alegação de que seriam defeitos de percurso. Não havia
15

como justificar a supressão das liberdades e direitos democráticos sob a alegação de que
isto seria secundário quando considerada a ampliação do atendimento muito mais
igualitário das necessidades materiais da população na sua totalidade e não apenas de um
pequeno número. Aquelas formas de sociabilidade não resistiam à comparação com as
formas capitalistas mais avançadas. E de novo se colocava um dilema falso: ou liberdade
ou igualdade; a ênfase em qualquer uma das duas implicando necessariamente a restrição à
outra.
Diante disto, a esquerda se viu compelida a admitir que o ideário marxiano e
marxista e a prática realizada em nome deles tinha concepções equivocadas acerca das
questões da democracia. Como, porém, a ênfase na liberdade sempre tinha sido um
apanágio do liberalismo, a esquerda viu-se obrigada a buscar uma fundamentação diversa
para esta problemática. Mas, de novo, em vez de começar indagando pela natureza da
liberdade, pela especificidade da liberdade sob a regência do capital e sob a regência do
trabalho emancipado, tomou o caminho da demonstração de que a liberdade democrático-
cidadã, quando eliminadas as barreiras impostas pelo capital, era a forma indefinidamente
aberta e mais elevada possível da liberdade humana. Daí a defesa da democracia como
valor universal. Daí a necessidade de afrouxar cada vez mais a relação entre economia e
política, entre capitalismo e democracia/cidadania, de modo a permitir afirmar que estas
categorias só poderiam ter sua realização plena para além do capitalismo.
Mas há um outro elemento importante, que é preciso enfatizar. Do ponto de vista
teórico, este desarmamento da esquerda tem tudo a ver com a recepção do pensamento
marxiano da qual falamos acima. O marxismo do qual estava armada a maioria da esquerda
era um amálgama impossível de positivismo e idealismo que de modo algum poderia
manter-se de pé sob os golpes da realidade objetiva. Aquele marxismo não tinha sequer
como resolver as questões de fundo mais importantes, tais como a relação entre ser natural
e ser social, entre subjetividade e objetividade, entre consciência e realidade objetiva, entre
essência e fenômeno, a fundamentação do caráter essencialmente histórico e social do
homem, a relação entre a economia e as outras dimensões do ser social, entre igualdade e
liberdade e inúmeras outras. Do ponto de vista teórico, portanto, foi este marxismo, o
chamado “marxismo do movimento operário” ou “marxismo da Segunda Internacional”
que impediu uma crítica radical do que estava acontecendo e, com sua concepção
16

economicista de socialismo deu margem tanto ao surgimento da “categoria” de “socialismo


real” como da “categoria” de “socialismo democrático”..
Não há dúvida de que figuras isoladas como Gramsci, Lukács, Bloch, Rosa, Lênin, e
outros, cada um a seu modo, tentaram se opor a esta concepção objetivista/idealista do
marxismo. Mas sua influência foi muito limitada e muito pontual. De modo que,
desamparada de uma teoria que pudesse fazer frente, de modo autônomo, suficiente e não
dogmático às concepções burguesas e, ao mesmo tempo, lhe permitisse ser a primeira a
fazer uma crítica radical das tentativas de construção do socialismo, a esquerda foi
recuando cada vez mais frente aos acontecimentos objetivos e aos ataques da
intelectualidade burguesa. Para, ao final, encontrar-se no campo de batalha que é próprio da
burguesia, ou seja, o campo do pluralismo metodológico e do pluralismo político. É óbvio
que neste campo a burguesia é imbatível e à esquerda só resta o papel de contorcer-se para
encontrar algum meio de diferenciar-se do pensamento burguês.

4. A crítica das tentativas de revolução socialistas

Se, em linhas gerais, faz sentido o que dissemos acima, então devemos retomar a
questão ab initio. O que significa que, para fazer a critica do passado e estabelecer, ainda
que em linhas gerais, um objetivo claro para o futuro, temos que começar discutindo a
questão da natureza do objetivo: a questão do socialismo.
Certamente esta questão já foi tratada uma infinidade de vezes. Qual seria a novidade
desta nova abordagem? Em síntese, creio que a novidade está no resgate da centralidade do
trabalho, em detrimento da centralidade da política, de modo a ver nessa categoria tanto o
fundamento ontológico do ser social e, portanto, o fundamento de qualquer forma de
sociabilidade, como o elemento norteador do processo revolucionário em direção ao
socialismo.
Considerando a limitação do espaço deste artigo, faremos apenas algumas alusões a
essa problemática, cujo desenvolvimento exigiria um trabalho mais alentado.
Entendemos que, para Marx, o trabalho é a categoria que funda o ser social. Segundo
ele, o ser social surge quando tem início essa atividade de transformação intencional da
natureza de modo a adequá-la ao atendimento das necessidades humanas. Ao transformar a
17

natureza, os homens se transformam a si mesmos e vão construindo determinadas relações


sociais e todo o conjunto das outras dimensões.
Com esse caráter, diz Marx, de produtor de valores de uso, o trabalho será uma
necessidade eterna da humanidade. Por isso mesmo, toda e qualquer forma de sociabilidade
terá como seu fundamento uma determinada forma de trabalho.
Este é, em brevíssimos termos, o significado da centralidade ontológica do trabalho.
Por sua vez, no caso da sociedade capitalista, essa centralidade do trabalho se
transforma, também, em centralidade política do trabalho, vale dizer, no fato de que é a
classe operária, ou seja, a classe que produz a riqueza material, que é o pólo dirigente do
processo revolucionário. Outras classes ou segmentos de classes poderão se unir a ela, mas
somente ela é a classe efetivamente revolucionária. Este caráter radicalmente
revolucionário lhe advém da sua posição no processo produtivo, vale dizer, do fato de que
ela produz ao mesmo tempo a riqueza material e a mais-valia que vai resultar no capital.
Portanto, só ela se opõe de modo absolutamente frontal ao capital.
Este é o significado político da centralidade do trabalho no processo de luta pela
superação da sociabilidade capitalista.
Porém, há um terceiro significado da centralidade do trabalho. Este se refere mais
especificamente ao momento de efetivação da revolução, quando se dá uma ruptura da
ordem capitalista. Como vimos acima, Marx3 diz que a revolução do trabalho deve ser uma
“revolução política com alma social”. Política no sentido de que efetiva a quebra do poder
do Estado burguês. Social, no sentido de que muda a raiz da sociabilidade, que é a forma do
trabalho. Ora, diz ele, quando a alma social do trabalho entrar em cena, o socialismo se
desfará do seu envólucro político. Isso porque, essa alma social eliminará a exploração e a
dominação do homem pelo homem, não havendo, deste modo, necessidade de uma
instituição (o Estado) para mantê-las. É importante frisar que, por alma social do trabalho,
deve-se entender a forma específica do trabalho do socialismo, que é o trabalho associado,
caracterizado pelo controle livre, consciente, coletivo e universal dos trabalhadores sobre o
processo de produção. Por sua vez, esta forma de trabalho tem como pressuposto,
absolutamente necessário, um amplo desenvolvimento das forças produtivas, capaz de gerar
riqueza suficiente para atender as necessidades de todos.
18

Deste modo, o trabalho associado é a matriz fundante do socialismo. Sua presença é


conditio sine qua non da possibilidade desta nova forma de sociabilidade. Sem essa radical
transformação nas relações de produção, na forma de produzir a riqueza material, será
inteiramente impossível a instauração de uma forma socialista de sociedade.
É a partir dessa mudança radical na forma da produção que se eliminam todas as
categorias da sociedade capitalista, enfim, que se estrutura uma forma radicalmente nova de
sociedade.
Este é o sentido da centralidade ontológica do trabalho no processo de transição do
capitalismo ao socialismo.
Ora, com tudo isso, o que fica claro é que trabalho associado nada tem a ver com
extinção (jurídico-política) da propriedade privada, com planejamento centralizado da
economia e com estatização. De modo que o que faltou em todas as tentativas
revolucionárias que se pretendiam socialistas não foi a socialização do poder político, mas a
possibilidade de existência da sua específica base material. Sem esta, como observava Marx
em A Ideologia alemã, em 1845, toda a imundície anterior se reporia. O que de fato
aconteceu.

5. Uma observação importante

Para o bem ou para o mal, vale a pena enfatizar que nenhum dos grandes
revolucionários, que participaram ou foram contemporâneos das tentativas de revolução
socialistas, se detiveram a refletir sobre a questão da centralidade ontológica do trabalho no
processo revolucionário. Alguns, provavelmente (outros, certamente) admitiam a
centralidade ontológica do trabalho em relação ao ser social. Todos eles admitiam a
centralidade política da classe operária. Mas, quanto à centralidade ontológica do trabalho
no processo revolucionário, nenhum deles deu a essa questão a decisiva importância que ela
tem. Falou-se muito em socialização da economia, em auto-gestão operária, em controle
operário da produção. Nenhuma destas categorias fugiu a um conteúdo de caráter
economicista. Em nenhum momento se refletiu sobre a natureza própria do trabalho
associado, distinguindo-o, assim, daquelas outras categorias e da importância
absolutamente fundamental que ele tem para que se pudesse prosseguir no caminho para o
19

socialismo. E, por outro lado, nos problemas que sua ausência acarretaria. Nem Lenin, nem
Trotski, nem Rosa Luxemburgo, nem Gramsci, nem Lukács, para só citar alguns dos
grandes dirigentes e/ou teóricos revolucionários escreveram nada sobre isso. E Mészáros,
na sua alentada obra de mais de mil páginas, Para além do capital, faz apenas algumas
poucas, embora importantes, alusões a essa problemática.
Um exemplo prático e atual de como essa questão é mal compreendida é o caso da
situação da Venezuela. O processo venezuelano em curso tem despertado em muitos a
esperança de que significaria um impulso em direção ao socialismo. Nada mais ilusório. E
o mais interessante é que o próprio Mészáros tem sido um fervoroso apoiador desse
processo. Sem entrar numa análise acerca do significado que está ocorrendo naquele país e
aludindo apenas a essa questão específica, não parece haver dúvidas de que aquele
“controle consciente, livre, coletivo e universal dos produtores sobre o processo de
produção”, que caracteriza o trabalho associado não está, de modo nenhum, presente. O
que, sem embargo de outros aspectos positivos que possa haver, elimina a possibilidade de
estar em curso a construção de uma sociedade socialista. Para isso não basta a vontade, a
disposição e até, quem sabe, uma implícita clareza teórica. É preciso que aquele controle se
efetiva na prática cotidiana, pois só ele é capaz de arrancar as bases materiais do
capitalismo e, em seu lugar, lançar os fundamentos de uma nova forma de sociabilidade.

Concluindo

Uma crítica correta do passado é condição essencial, embora não suficiente, para
orientar a luta no sentido de uma efetiva construção do socialismo. Não bastam a vontade, a
disposição, a dedicação no sentido de lutar pelo socialismo. É preciso que todo esse esforço
esteja, de fato, dirigido naquele sentido. E essa direção só existe na medida em que se fizer
presente aquele “controle, livre, consciente, coletivo e universal dos trabalhadores sobre o
processo de produção”, que é a alma do socialismo. Este controle tem que se manifestar de
modo prático e efetivo na vida cotidiana.
Um elemento fundamental dessa crítica é o resgate da centralidade ontológica do
trabalho. Nos três significados acima referidos, mas, de modo especial em relação ao
20

processo revolucionário propriamente dito. É preciso deixar inteiramente claro que o


trabalho associado, no preciso sentido explicitado acima, tem que ser o fundamento do
socialismo. E que, como conseqüência, a direção de todo esse processo tem que estar nas
mãos da classe trabalhadora e não do Estado.
Infelizmente, a crítica às tentativas de revolução socialistas não tem seguido esse
caminho. O ponto de partida tem sido, de modo predominante, a “categoria” do “socialismo
real”, vale dizer, a aceitação de que aquelas sociedades estavam, de algum modo, no
caminho do socialismo. Seu fracasso confirma, para uns, a inviabilidade do socialismo.
Para outros, a necessidade de correções tópicas e, para outros ainda, a urgência de
preencher uma lacuna fundamental, que é a da democracia. Donde a elaboração da
“categoria” do “socialismo democrático”. Estas formas de colocar o problema são um
obstáculo que deve ser evitado para que se possa avançar teórica e praticamente no
caminho de uma sociedade autenticamente socialista.
A nosso ver, toda a discussão acerca das tentativas de revolução socialistas e dos
caminhos futuros deve ser retomada tendo como ponto de partida o esclarecimento da
categoria do socialismo. Por sua vez, este esclarecimento deve ter como ponto de partida a
categoria do trabalho, nos três sentidos acima mencionados, de modo a deixar claro o seu
caráter de fundamento do socialismo e a sua regência ao longo de todo o processo de
transição do capitalismo para esta nova forma de sociabilidade. Este novo enfoque
permitirá superar, de forma positiva, tanto a idéia de “socialismo real” como a de
“socialismo democrático”, uma vez que ele evidenciará que socialismo é tout court
sinônimo de liberdade plena e, portanto, algo totalmente oposto àquilo que resultou das
tentativas revolucionárias e, também, essencialmente superior à liberdade sob a forma
democrática.

Notas
1
Ver, nesse sentido, os livros de Boaventura de Souza Santos, Pela mão de Alice e Democratizar a
democracia.
2
Ver os livros, de minha autoria: Democracia ou liberdade? e Educação, cidadania e emancipação
humana.
3 Ver, de K. Marx, o artigo: Glosas críticas ao artigo O Rei da Prússia e a Reforma Social. De Um
prussiano.
21

Referências bibliográficas

COUTINHO, C. N. Contra a corrente. Ensaios sobre democracia e socialismo. São


Paulo, Cortez, 2000.
LEFORT, C. A invenção democrática. São Paulo, Brasiliense, 1983.
LUKÁCS, G. L´Uomo e La democrazia. Roma, Lucarini, 1987.
______,. Ontologia dell´Essere Sociale. Roma, Riuniti, 1976.
MARX, K. A Ideologia alemã. São Paulo, Hucitec, 1986.
______, Glosas críticas ao artigo O Rei da Prússia e a Reforma Social. De um
prussiano. In: Praxis, n. 5, out/dez 1995.
MÉSZÁROS, I. Para além do capital. São Paulo, Boitempo, 2002.
SANTOS, Boaventura de S. Pela mão de Alice – o social e o político na pós-
modernidade. São Paulo, Cortez, 1999.
______, (org.) Democratizar a democracia – os caminhos da democracia
participativa. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002.
TONET, I. e NASCIMENTO, A. Descaminhos da esquerda: da centralidade do
trabalho à centralidade da política. Maceió, 2006 (mimeo).
TONET, I. Educação, cidadania e emancipação humana. Ijuí, Unijuí, 2005.
______, Democracia ou liberdade? Maceió, Edufal, 2004.
1

TRABALHO ASSOCIADO E REVOLUÇÃO PROLETÁRIA

Introdução

É sempre tarefa ingrata fazer a crítica das tentativas revolucionárias socialistas.


Trata-se de tentativas que envolveram o esforço e o sacrifício de milhões de pessoas.
Mais ingrata ainda é esta tarefa quando se trata de fazer a crítica de ações com as quais
nos identificamos durante longos anos e que defendiam uma causa que consideramos da
mais alta importância. Esta crítica, especialmente quando não se trata apenas de apontar
erros e defeitos pontuais, mas de questionar em profundidade a correção dos caminhos
trilhados, muitas vezes é percebida como pura e simples negação, menosprezo ou
desqualificação feitos por intelectuais no conforto dos seus gabinetes. Ou, pelo menos,
como uma atitude teoricista, isto é, de subestimação das situações concretas

Por isso mesmo, antes de entrar in medias res é preciso deixar claro que a
crítica do passado é condição imprescindível para iluminar os caminhos do futuro; que
as críticas, venham de onde e de quem vierem, devem ser examinadas pela solidez dos
seus argumentos e não pelo comprometimento afetivo dos seus autores. Como já diziam
os latinos: amicus Plato, magis amica veritas. Ou, como dizia Marx: A ignorância
nunca ajudou ninguém.

A luta da classe trabalhadora pela sua emancipação e de toda a humanidade


implica o conhecimento, o mais amplo e profundo possível, da realidade social a ser
transformada. Nada menos do que a verdade pode interessar à classe trabalhadora e
como a verdade não é algo evidente, o trabalho sério e livre de sua busca impõe-se
como uma tarefa inescapável, mesmo que tenha que ser muito dura.

Mais do que quaisquer outros, os comunistas devem estar interessados na busca


da verdade e devem assumir essa tarefa com empenho, rigor e seriedade. Afinal, aos
comunistas interessa o sucesso da luta pela emancipação humana e o conhecimento
verdadeiro da realidade social é um instrumento imprescindível nessa luta.

Para ser mais abrangente, esta crítica deveria começar pelos fundamentos
metodológicos – num sentido ontológico – que constituem o seu ponto de partida e
travejamento. Tarefa impossível num breve texto. Por outro lado, já assinalamos, em
2

outros textos1, esses parâmetros metodológicos. Nossa intenção, nesse texto, é discutir
um aspecto, que nos parece de capital importância no contexto da problemática da
transição do capitalismo ao comunismo. Trata-se da relação entre as categorias de
trabalho associado e de revolução. Vale dizer, trata-se de examinar como se articulam
essas duas categorias no processo de transição de uma sociedade capitalista a uma
sociedade comunista. O que implica, necessariamente, a clarificação acerca da natureza
do trabalho associado, de sua distinção em relação a outras formas de trabalho, das
relações entre economia e política, bem assim como o exame do significado da
revolução proletária.

1. A crítica tradicional da revolução soviética

Entendemos por crítica tradicional aquela feita por marxistas com o objetivo de
buscar compreender os descaminhos dessa revolução e de todas as outras que seguiram,
de algum modo, esse modelo.

Esta crítica, não obstante a imensa diversidade dos seus aspectos, fundava-se
no pressuposto de que a revolução soviética tinha sido uma revolução de caráter
socialista. As divergências se situavam na identificação do quando e do como ela teria
perdido esse caráter. Assumia-se, mais ou menos explicitamente, que, mesmo não tendo
seguido o caminho clássico, indicado por Marx e Engels, ela teria sido uma revolução
de caráter socialista. Combinando ou não diversos aspectos, a perda desse caráter era
atribuída à burocratização, ao dirigismo do partido bolchevique, ao cerceamento da
participação das massas trabalhadoras, aos problemas econômicos, políticos e sociais
criados pela primeira guerra mundial, à intervenção militar e política das potências
imperialistas, à guerra civil interna, à repressão instaurada por Stalin. A própria
discussão acerca das questões econômicas não versava sobre a essência, vale dizer,
sobre se ela era realmente socialista ou não, mas sobre a forma, isto é, sobre quais as
melhores formas econômicas que poderiam implementar o seu caráter socialista.

O que permitiria atribuir a esta revolução um caráter socialista? A nosso ver, o


entendimento do que se chamou de socialização dos meios de produção.

1
Ver, de nossa autoria, cap. 1 do livro Educação, cidadania e emancipação humana; também, Marxismo
para o século XXI, encontrável no site: www.ivotonet.xpg.com.br
3

Sabe-se que, do ponto de vista marxista, o controle dos meios de produção é a


questão chave para definir o caráter de uma forma de sociabilidade. Ora, a supressão da
propriedade privada dos meios de produção, a concentração desses meios nas mãos do
Estado, que já não seria um Estado burguês, mas proletário, a organização da economia
de modo a atender os interesses da ampla maioria da população, tudo isso expressaria o
sentido da socialização da economia e foi exatamente isso o que o governo
revolucionário fez. Ora, todas essas medidas pareciam indicar que a socialização da
economia estava em andamento, não obstante todos os percalços e problemas. Sua
forma poderia ser questionada, mas não sua essência socialista. Porém, a situação
concreta também parecia impor um dilema.

Como bem situa Lukács no seu livro L´Uomo e la democrazia, considerando


que se tratava de uma revolução realizada por um caminho não clássico e portanto, num
país no qual faltavam ainda as bases materiais para efetivar a passagem ao comunismo,
o dilema se colocava do seguinte modo(1987:102-103):

A alternativa real que aqui se apresentava era determinada pelo


fato de que o problema ao qual se alude, o desenvolvimento das
bases objetivo-econômicas do socialismo, que ainda não
existiam, punha-se em termos imperativos e não alternativos. A
verdadeira alternativa histórica para os homens que agiram
naquele momento se concretizava deste modo: se e como
associar este problema central, inescapável para o socialismo
porque é por ele fundado objetivamente, com aquelas formas de
desenvolvimento que – naquele dado estágio de
desenvolvimento econômico, delimitadas no seu espaço real –
representavam as pré-condições sociais de uma democracia
socialista ou se, em nome do mero progresso econômico,
relegá-las a um segundo plano ou até, transformá-las em
momentos completamente postos de lado.

Não se questionava, pois, a possibilidade de desenvolver as bases econômicas


do socialismo de maneira socialista. A questão era apenas a forma como isso se
realizaria: com ou sem democracia, com ou sem a participação intensa das massas
trabalhadoras.

Nenhum dos teóricos marxistas revolucionários mais destacados – aí incluídos


Lenin, Rosa, Trotski, Bukharin, Gramsci, os integrantes da Oposição Operária, Lukács
4

– questionou a essência do caráter socialista da revolução soviética. Apenas os seus


defeitos e descaminhos2.

Alguém poderia argumentar que os mencheviques questionaram a


possibilidade de uma revolução socialista. E que, portanto, negar o caráter socialista da
revolução soviética seria concordar em que a revolução deveria ter tido um caráter
democrático-burguês.

É verdade que os mencheviques propunham uma revolução democrático-


burguesa. Aquele argumento, porém, esquece que a afirmação do caráter socialista da
revolução pelos que a apoiavam se baseava numa sólida análise do capitalismo. Esta
análise parecia indicar que o capitalismo se encontrava em seu estágio final. E que,
portanto, não se trataria de realizar uma revolução socialista na Rússia, mas apenas de
acender, lá, o estopim da revolução que arrastaria o mundo todo. Tratar-se-ia, portanto,
de uma possibilidade real, não de um equívoco voluntarista.

Não se trata, portanto de dizer, post festum, o que os revolucionários deveriam


ter feito. Entendemos que, de acordo com a análise que eles tinham da situação do
capitalismo e das possibilidades, que eram muito reais, de uma revolução na Alemanha,
e em seguida no mundo todo, sua atuação foi correta. Mas, os rumos que as coisas
tomaram com o insucesso da revolução alemã criaram para eles um autêntico beco sem
saída.

Veremos, mais adiante, como esse não questionamento radical do caráter da


revolução soviética, articulado com a situação concreta criada após os passos iniciais,
teve efeitos desastrosos tanto do ponto de vista teórico como prático, levando ao que
denominamos de descaminhos caracterizados pela passagem da centralidade do trabalho
à centralidade da política.

2. Por onde começar a crítica?

2
Valha observar que Lenin e Rosa morreram quando essa revolução ainda estava se iniciando. E que eles
tinham consciência, assim como a maioria da liderança bolchevique, de que o prosseguimento da
revolução pelo caminho do socialismo só seria possível com a deflagração desse movimento nos países
mais desenvolvidos. A ideia de socialismo em um só país é posterior à morte de Lenin e Rosa. Vale
observar também que Trotski e Gramsci se opuseram, de modo diferente, à ideia de socialismo e um só
país sem, contudo, negarem o caráter socialista da revolução de outubro.
5

Se é verdade que a economia é a matriz de qualquer forma de sociabilidade,


então a crítica da revolução soviética tem que começar pelo exame desta base material.

E, para evitarmos imprecisões ou mal-entendidos, comecemos perguntando: o


que é economia? Entendemos por economia o conjunto das relações que os homens
estabelecem entre si no processo de transformação da natureza para produzir os bens
materiais necessários à sua existência. Trata-se, portanto, de forças dos indivíduos, que
são colocadas em comum, transformando-se, assim, numa força coletiva no processo de
transformação da natureza. É evidente que isto implica, sempre, um determinado estágio
de desenvolvimento das forças produtivas e certo tipo de relações de produção. Como
os homens produzem e o que produzem serão os elementos fundamentais que
constituirão a base de qualquer forma de sociabilidade.

Durante milhares de anos, nas comunidades primitivas, estas forças sociais


permaneceram inteiramente sociais, vale dizer, sob o controle dos próprios produtores,
tanto na produção como na distribuição dos bens. Isto não implica nenhuma idealização.
Pelo contrário, é o reconhecimento da precariedade da situação vivida por estas
comunidades neste largo momento histórico.

A entrada em cena da propriedade privada, fundada na produção do excedente


e nas circunstâncias concretas em que isto se deu, teve como resultado uma profunda
transformação no ser da humanidade. Aquelas forças, que eram sociais ao longo de todo
o processo produtivo, foram privatizadas, isto é, separadas do controle dos produtores e
colocadas a serviço dos interesses de uma parte da sociedade, uma pequena minoria. O
controle privado dessas forças, ou seja, dos meios de produção, é a questão decisiva
para a manutenção de qualquer forma de sociabilidade fundada na propriedade privada.

Por isso mesmo, a reapropriação dessas forças, a recolocação delas sob o


domínio daqueles que produzem a riqueza material é condição primeira e fundamental
para a instauração de uma forma de sociabilidade plenamente livre, de uma autêntica
comunidade humana, não mais dividida em classes sociais; de uma forma de
sociabilidade de onde tenha sido eliminada a exploração do homem pelo homem. Vale
dizer, de uma forma de sociabilidade comunista.

Contudo, a reapropriação dessas forças não pode ser apenas o efeito de um


desejo. Ela implica determinadas condições. Em A Ideologia Alemã, Marx e Engels
6

apontam quais são essas condições. Por um lado, ela é demarcada pelo objeto a
apropriar (2009: 108). Por outro lado, pelo modo como tem de ser realizada (2009:
109). Pelo objeto, no sentido de que este – a totalidade das forças produtivas – tem,
hoje, um caráter universal. Por isso, Essa apropriação tem, portanto, e desde logo por
esse motivo, de ter um caráter universal, correspondente às forças produtivas e ao
intercâmbio. Pelo modo, no sentido de que Só pode ser realizada por meio de uma
união, a qual, pelo caráter do próprio proletariado, só pode ser, por sua vez, uma
união universal. E concluem eles (2009: 109): Com a apropriação das forças
produtivas totais pelos indivíduos associados cessa a propriedade privada.

Esta forma nova de apropriação das forças produtivas é o que Marx chama de
trabalho associado. Em vários momentos da sua obra, ele fala dessa forma de trabalho
que deverá ser o fundamento material da emancipação humana.

Sabemos que, para Marx, o trabalho, no sentido de intercâmbio do homem com


a natureza para produzir os bens materiais necessários à existência, isto é, no sentido de
produtor de valores de uso, é uma lei eterna da humanidade e o fundamento do mundo
social. Por isso mesmo, cada forma de sociabilidade (modo de produção) terá como seu
fundamento material, uma determinada forma de trabalho. O que significa que uma
mudança radical na forma da sociabilidade implica, necessariamente, uma
transformação, também radical, na forma do trabalho. Foi o que aconteceu em todas as
passagens de um modo de produção a outro.

Por isso é que a pedra angular do modo de produção comunista é o trabalho


associado, uma forma radicalmente nova de intercâmbio do homem com a natureza e
adequada a esta nova forma de sociabilidade. Infelizmente, a reflexão sobre essa
categoria foi negligenciada. Não no sentido de que as questões econômicas não tenham
sido objeto de preocupação, mas no sentido de que todo o processo revolucionário foi
visto a partir da problemática política. Pode-se até compreender porque isto aconteceu,
considerando as circunstâncias concretas, mas os resultados disso foram profundamente
negativos para a luta pela emancipação humana.

Lenin, dadas as circunstâncias conhecidas, escreveu O Estado e a Revolução,


pois naquele momento tratava-se de combater o reformismo social-democrata. No
entanto, ele não escreveu O Trabalho e a Revolução. Se tivesse escrito essa obra, a
categoria do trabalho associado certamente ocuparia nela uma posição muito destacada
7

tendo em vista a sua fundamental importância no processo revolucionário. Cabe, então,


a nós retomar a reflexão sobre essa categoria, de modo a esclarecer sua natureza, sua
diferença com relação a outras – tais como cooperativismo, trabalho solidário, trabalho
comunitário, etc. – sua importantíssima função social no processo de transição do
capitalismo ao comunismo e no próprio modo de produção comunista.

Para que fique bem clara a natureza do Trabalho Associado é preciso salientar
que ele tem quatro características identificadoras. Liberdade, consciência, coletividade
e universalidade. Trata-se de uma forma de intercâmbio com a natureza, portanto, de
produção da riqueza material, feita por indivíduos livres, isto é, senhores das suas
decisões. Embora sujeitos às leis da natureza, são eles que decidem, partindo das suas
necessidades, o que deve ser produzido, como deve ser produzido e como deve ser
repartido o fruto do trabalho. Isto significa, obviamente, que o produto do trabalho tem
como objetivo único atender as necessidades humanas e não acumular capital. Daí
porque trabalho associado e valor de uso formam uma unidade incindível.

Trata-se também de uma forma de trabalho realizada por indivíduos


conscientes, isto é, que têm conhecimento tanto dos objetivos pretendidos quanto do
processo social em geral. Isto significa que não há, por trás desses indivíduos, uma
lógica mais profunda e oculta que esteja dirigindo toda essa atividade. Vale dizer, nem a
“mão invisível” do mercado, nem a lógica da reprodução do capital, nem qualquer
teleologia que não seja aquela determinada pelos próprios sujeitos desse processo.
Certamente, mesmo nessa forma de trabalho, também continuará presente a
impossibilidade de prever de modo absoluto todas as consequências. Mas, o fato de que
não seja possível prever todas as consequências dos atos praticados não invalida a
afirmação de que os homens são os sujeitos fundamentais desse processo. É da natureza
do processo social a impossibilidade de prever com absoluta exatidão todos os
desdobramentos dos atos humanos. O que estará ausente é a possibilidade de que erros e
problemas se tornem um poder permanente, incompreensível, hostil, poderoso e que
domine a vida humana.

È também uma forma de atividade levada a efeito por indivíduos de maneira


coletiva. Com efeito, o desenvolvimento histórico da humanidade caminhou no sentido
de transformar, pela associação, as forças individuais em forças cada vez mais
multiplicadas. Trata-se, hoje, de retirar essas forças sociais multiplicadas da submissão a
8

poderes privados e restituí-las aos seus verdadeiros donos, isto é, aos produtores. Essa
restituição é tarefa do trabalho associado.

E, por fim, mas não menos importante, trata-se de uma atividade


necessariamente de caráter universal. Não há como negar que os problemas da
humanidade são, hoje, universais e só universalmente podem ser resolvidos. Está,
portanto, descartada qualquer possibilidade de comunismo em um só país. Até porque a
divisão do mundo em países, especialmente as nações modernas, faz parte da
entificação da sociedade burguesa. Uma humanidade comunista será uma comunidade
universal, sem que isso implique a supressão da diversidade, ou não será comunista.
Voltaremos a essa questão da universalidade mais adiante.

Ora, esta forma de trabalho implica uma mudança radical em todo o processo
de produção. A começar pelo objetivo, que deve ser o valor de uso, ou seja, o
atendimento das necessidades humanas e não o valor de troca. Por isso mesmo, trabalho
associado e produção de mercadorias são categorias que se excluem de modo absoluto,
pois mercadorias sempre implicam relações de exploração entre os homens. Também
implica a eliminação da divisão social do trabalho, na medida em que serão os próprios
produtores que dirigirão a totalidade do processo. Como diz Marx (1988: 6):

...a produção em larga escala e de acordo com os preceitos da


ciência moderna pode ser organizada sem a existência de uma
classe de patrões que empregue uma classe de “braços”; que,
para dar frutos, os meios de trabalho não precisam ser
monopolizados como meios de dominação e de exploração dos
trabalhadores e que o trabalho assalariado assim como o
trabalho escravo e o trabalho servil é somente uma forma social
transitória e inferior, destinada a desaparecer diante do trabalho
associado, que cumpre sua função com braço vigoroso, espírito
ágil e coração alegre.

A existência do trabalho associado também supõe uma completa reestruturação


do processo e dos instrumentos de trabalho de modo a adequá-los às necessidades
humanas e da relação entre trabalho manual e trabalho intelectual.

Mas, e nunca é demais acentuar, o trabalho associado implica, pela sua própria
lógica e não por um dever abstrato, a não cessão do controle da produção a qualquer
9

instância que escape ao domínio dos produtores. Qualquer forma organizativa terá que
estar, necessariamente, subordinada àqueles que produzem a riqueza e às finalidades e
formas por eles estabelecidas.

Como se pode facilmente verificar, esta forma de trabalho, com todas estas
características, só pode existir se houver capacidade de produzir riqueza em abundância,
isto é, suficiente para atender as necessidades de todos. Vale dizer, a abundância é
conditio sine qua non da possibilidade de existência do trabalho associado. Marx deixou
isso bem claro na Ideologia Alemã. Lá ele afirma (1984: 50):

...este desenvolvimento das forças produtivas (...) é um


pressuposto prático, absolutamente necessário, porque, sem
ele, apenas generalizar-se-ia a escassez e, portanto, com a
carência, recomeçaria novamente a luta pelo necessário e toda
a imundície anterior seria restabelecida;

E, mais adiante, volta a acentuar (idem: 65):

Nem lhes explicaremos (aos sábios filósofos, I.T.) que somente


é possível efetuar a libertação real no mundo real e através de
meios reais; ... e que não é possível libertar os homens
enquanto não estiverem em condições de obter alimentação e
bebida, habitação e vestimenta, em qualidade e quantidade
adequadas. A “libertação” é um ato histórico e não um ato de
pensamento, e é efetivada por condições históricas, pela
situação da indústria, do comércio, da agricultura, do
intercâmbio...

Aqui fica evidenciada a importância da correta relação entre subjetividade e


objetividade. Na tradição do pensamento ocidental o entendimento dessa relação tem
oscilado ora para o lado da objetividade, especialmente no período greco-medieval,
onde o sujeito era visto como um ser passivo diante de uma ordem universal e social
que ele não podia modificar, ou para o lado da subjetividade, de modo especial a partir
da modernidade, onde se atribui ao sujeito a tarefa de organizar a sociedade segundo
ideais por ele elaborados.
10

Partindo do ato modelar da práxis social, que é o trabalho, Marx mostra que
subjetividade e objetividade são dois momentos, com o mesmo estatuto ontológico, que
compõem este ato. Da síntese desses dois momentos é que surge o ser social. Porém,
Marx não afirma apenas a interação entre esses dois momentos, mas também o fato de
que a objetividade é o momento determinante. O processo de objetivação, isto é, de
efetivação do que foi teleologicamente elaborado, implica que o sujeito tenha que
buscar na realidade objetiva os materiais necessários à obtenção do fim colimado. Isto
deixa clara a determinação ontológica da objetividade, pois que se nela não existirem as
possibilidades reais de nada adiantará o sujeito enfatizar a sua vontade. Sua intenção
sempre estará fadada ao fracasso. Por outro lado, a existência das possibilidades
demonstra a importância da intervenção da subjetividade. É ela que tem que fazer as
escolhas e impulsionar as ações necessárias para dar vida a determinadas possibilidades.
Mas, isto significa que se estas possibilidades não existirem, de nada adiantará o esforço
subjetivo.

Referindo-se à necessidade de condições materiais para a edificação de uma


sociedade comunista Marx diz n`A Ideologia Alemã (1984: 57):

Se tais elementos materiais não existem, então, no que se refere ao


desenvolvimento prático, é absolutamente indiferente que a ideia
desta subversão tenha sido já proclamada uma centena de vezes,
como o demonstra a história do comunismo. E, nos Grundrisse
(1978:87), enfatiza: Por outro lado, se a sociedade, tal como existe,
não contivesse, ocultas, as condições materiais de produção e de
circulação para uma sociedade sem classes, todas as tentativas de
fazê-la explodir seriam outras tantas quixotadas.

Veremos a importância dessa questão quando tratarmos do processo concreto


de transição do capitalismo ao comunismo.

Como se pode ver, economia não é a simples administração de técnicas e meios


de produção neutros, que poderiam ser colocados a serviço de uma classe ou de outra. É
todo um conjunto de forças produtivas e relações de produção perpassadas pela questão
da autoconstrução humana. De modo que, quando se tratar de uma autoconstrução
humana plenamente emancipada, todo este conjunto também deverá sofrer profundas
alterações.

Prossigamos perguntando: o que é política?


11

Na esteira de Marx, e sem entrar no mérito de uma abordagem mais ampla,


entendemos por política aquela dimensão da atividade humana que, nascendo da
propriedade privada (divisão social do trabalho, classes sociais), expressa o embate
entre as classes sociais acerca da organização da sociedade, tendo esta por núcleo a
produção e a apropriação da riqueza. A existência de classes sociais implica,
necessariamente, a exploração e a dominação de uma(s) sobre outra(s). A reprodução da
sociedade sob esta forma implica, por sua vez, a separação e a privatização de
determinadas forças sociais (nucleadas pelo Estado) para a defesa de interesses
particulares. Neste preciso e amplo sentido, política é uma dimensão da atividade
humana que tem por fundamento a propriedade privada e a existência de classes sociais
e por isso implica sempre a luta dos homens entre si e a dominação do homem pelo
homem. Mesmo quando se trata da luta da classe trabalhadora, que tenha por fim
explícito a supressão da propriedade privada e das classes sociais, mesmo então este
embate tem por alvo fundamental o poder, pois é através deste poder que se abre a
possibilidade de restituir aos seus verdadeiros detentores todos os poderes sociais.

Dada, portanto, a natureza tanto da economia como da política, as relações


entre essas duas dimensões implicam a dependência ontológica da política em relação à
economia. Também implica a autonomia relativa da política em relação à economia. E,
por fim, também implica a interação recíproca entre essas duas dimensões, sem falar da
mesma relação com todas as outras dimensões sociais. No entanto, a regência do
processo está sempre no âmbito da economia, o que significa que, por mais que a
política possa e deva exercer a sua atividade própria, nunca poderá desbordar o campo
de possibilidades postas pela economia. Só por aí já se vê que a política não é nem
desqualificada nem diminuída. O que é esclarecido é a sua origem, a sua natureza, a sua
função social, os seus limites intrínsecos e o campo das suas possibilidades.

3. Trabalho associado e transição

Como se relacionam essas duas dimensões no processo de transição do


capitalismo ao comunismo? Qual o papel da política e qual o papel do trabalho
associado?
12

Num dos seus primeiros escritos, Glosas crítica marginais ao artigo O Rei da
Prússia e a Reforma Social. De um prussiano, Marx (1987:520) afirma que a revolução
socialista tem que ser uma revolução política com alma social. Política porque significa
...a derrocada do poder existente e a dissolução das velhas relações...Social porque
...ali onde tem início a sua atividade organizativa, ali onde aparece o seu próprio
objetivo, a sua alma, então o socialismo se desembaraça do seu revestimento político.

Deste modo, para Marx, a revolução é uma articulação entre esses dois
momentos: político e social. Ambos imprescindíveis, mas ambos com tarefas diferentes.
Não apenas diferentes, mas em uma relação em que o momento político é uma atividade
com tarefas preliminares e sempre subordinadas, no sentido ontológico, ao momento
social. O momento político implica a destruição – não a simples apropriação – de todo o
aparato de Estado da burguesia. Como Marx afirmou (2009:399) ... a classe operária
não pode apossar-se simplesmente da maquinaria de Estado já pronta e fazê-la
funcionar para os seus próprios objetivos. Isto é reafirmado por Engels no prefácio a
esta mesma obra, de 1891, e ainda por Lenin em O Estado e a Revolução. A mesma
afirmação é retomada atualmente por Mészáros e reforçada ao acentuar que, sendo o
aparato estatal a força política que sustenta a exploração do capital sobre o trabalho, é
imprescindível a quebra deste instrumental para que o trabalho possa libertar-se.

Vale dizer, como todos esses autores afirmam, que as tarefas políticas são
essenciais à revolução, mas têm um caráter negativo, isto é, de destruição do poder
político burguês, de preparação do terreno no qual possa florescer a “alma social” do
socialismo, sua forma específica de trabalho, o trabalho associado.

Considerando que o poder político é força social que foi, pelo processo de
constituição da propriedade privada, separada dos seus autênticos possuidores e posta a
serviço de interesses particulares; considerando que este poder representa sempre um
interesse particular, mesmo quando exercido pelo proletariado, não há a menor
possibilidade de que ele assuma as tarefas positivas de construção do socialismo.

Essas tarefas positivas devem, necessariamente, ter como pólo regente o campo
do econômico, pois é nele que se encontra a “alma” do socialismo, o fundamento
material da nova ordem social.
13

Porém, é claro que, mesmo destruído o Estado burguês, não será da noite para
o dia que essa “alma” do socialismo poderá entrar em cena em toda a sua plenitude.
Haverá um período de transição – que precisamente foi denominado de socialismo – em
que as velhas formas produtivas ainda estarão fortemente presentes e no qual as novas
formas irão configurar-se como o fundamento da sociabilidade comunista.

O que é preciso acentuar é que a discussão a respeito desse período de


transição não pode ser feita à luz das tentativas revolucionárias até hoje realizadas. Isso
porque todas elas, como já referimos no livro Descaminhos da esquerda:da
centralidade do trabalho à centralidade da política, entraram por uma via que leva,
necessariamente, a atribuir à dimensão política as tarefas positivas de construção da
nova ordem social. Essa via estará sempre fadada ao fracasso.

Como já vimos acima, um alto grau de desenvolvimento das forças produtivas


– tarefa própria do capitalismo – é conditio sine qua non de uma revolução socialista.

Posta essa condição, a questão seguinte a ser acentuada é que “a libertação da


classe trabalhadora é obra da classe trabalhadora”. Portanto, a participação decisória e
não apenas figurativa dos trabalhadores é absolutamente indispensável no andamento
desse processo. É a classe e não um partido ou partidos e muito menos um governo que
deve assumir as tarefas positivas de transformação da sociedade. Quando Marx e
Engels, no Manifesto (1998:29/30), afirmam que o proletariado, tendo dado o primeiro
passo e se tornado classe dominante, deve ...centralizar todos os instrumentos de
produção nas mãos do Estado...eles enfatizam imediatamente...isto é, do proletariado
organizado como classe dominante... Mais tarde, em A guerra civil na França, Marx
enfatizará o caráter comunal dessa organização, querendo, com isso, deixar claro que
não se trata de uma nova forma típica de Estado, ou seja, de uma instituição separada da
sociedade, mas da auto-organização do conjunto da classe trabalhadora.

Não se trata do debate acerca da oposição entre dirigismo e espontaneísmo.


Assim como foi realizado, esse debate era e permanece infrutífero. A questão
fundamental, que não foi considerada porque não estava presente, é que o dirigismo –
por partido e/ou Estado – só pode ser superado e a participação ampla e criativa das
massas trabalhadoras só pode se efetivar tendo como base aquela condição acima
mencionada: um alto desenvolvimento das forças produtivas. Sem esta condição, a
participação das massas não poderá ir além do voluntarismo e a classe passará a ser
14

substituída pelo partido e pelo Estado, não importam as boas intenções dos dirigentes.
Na ausência dessas condições acontecerá, fatalmente, o que foi previsto por Marx e
Engels, em A Ideologia Alemã: a luta pelo necessário voltará a se repor e, com isso,
todo o universo da exploração do homem pelo homem.

Qual é, então, a questão? A nosso ver, trata-se do fato de que, embora o


trabalho associado, alma do comunismo, não possa entrar em cena na sua plenitude
imediatamente após quebra do Estado burguês, ele deve se fazer presente, tanto no
sentido de ser o eixo do processo revolucionário, quanto no sentido de expressar-se em
um conjunto de transformações econômicas que impulsionem a subversão da forma
capitalista da produção. Mas, estas transformações econômicas devem sinalizar
claramente no sentido da instauração do trabalho associado e não da “socialização da
economia” como foi entendida e praticada nas revoluções de tipo soviético

Já não se trata, portanto, de desenvolver as forças produtivas, tarefa realizada


pelo capitalismo, nem de simplesmente tomar posse das forças produtivas capitalistas,
mas de reformular todo o processo produtivo de modo a permitir que essas forças, que
são as forças pertencentes aos indivíduos, voltem a ser colocadas sob o domínio destes e
voltadas para o atendimento das suas necessidades. Trata-se de restituir aos seus
verdadeiros possuidores as forças das quais foram expropriados pelo processo de
instauração da propriedade privada, agora sob a forma capitalista.

Todo este processo implicará que os próprios produtores intervenham na


identificação das necessidades a serem atendidas, na organização do processo de
produção, de modo a que o trabalho seja realizado nas condições mais dignas possíveis
do ser humano e na estruturação do processo de distribuição da riqueza.

Argumenta-se, frequentemente, que a falta de socialização do poder político


teria sido a responsável por travar a continuidade da socialização da economia. A
converso, se a socialização do poder político tivesse continuado, a economia, que já
estava trilhando o caminho do socialismo, teria, pelo menos com muito mais
probabilidades, continuado a sua trajetória em direção ao comunismo.

Esse argumento esbarra na relação entre subjetividade e objetividade. E num


entendimento incorreto dessa relação. Atribui-se às decisões dos líderes revolucionários,
tomadas em situações concretas, o impedimento ao prosseguimento no sentido da
15

participação efetiva das massas na condução do processo social. Vale dizer, essas
decisões – e elas são, de modo geral, atribuídas ao período dominado por Stalin, mas
não só – de cerceamento da participação das massas, de intensificação da
burocratização, teriam sido as principais responsáveis por impedir a continuidade da
socialização da economia.

É o argumento lukacsiano ao qual nos referimos acima: dada a situação de


atraso, ou socializar a economia e a política ou apenas a economia. O caminho tomado
por Lenin seria o primeiro. Com a sua morte, o segundo caminho foi trilhado por Stalin.

Esse argumento esquece que a realidade objetiva não comportava a alternativa


de uma autêntica socialização da economia, porque esta, como já vimos, tem como
ponto de partida um alto desenvolvimento das forças produtivas, condição inexistente
na Rússia. Desse modo, qualquer que fosse a decisão dos líderes revolucionários,
embora com variações significativas, dado o peso das individualidades, o caminho seria
sempre no sentido de uma ditadura não do, mas sobre o proletariado. As provas
históricas são por demais abundantes para não reconhecer a veracidade disso.

Ao contrário do que afirma esse argumento, foi a impossibilidade – não a


simples falta – de uma autêntica socialização da economia que impediu o
prosseguimento no sentido da transição do capitalismo ao comunismo.

Outro argumento, também muito enfatizado é de que a revolução soviética


tomou um caminho diferente daquele preconizado por Marx e Engels. Este seria o
caminho clássico. Lenin, Gramsci e Lukács, entre outros, aludem a isso. E,
considerando que para este novo caminho não havia nenhuma indicação de Marx e
Engels, os revolucionários deveriam resolver, eles mesmos, os novos problemas.

Também esse é um argumento falso. O caminho trilhado pela revolução


soviética não era, de modo nenhum, uma nova via para o socialismo. Era, no máximo,
um ponto de partida diferente para a revolução que deveria ter o seu eixo nos países
mais desenvolvidos. Os próprios dirigentes revolucionários tinham clareza a esse
respeito. Tanto é que a idéia de que a revolução soviética estaria tomando um caminho
diferente só surgiu após o fracasso da revolução alemã. Na verdade, o que aconteceu foi
que os revolucionários se viram a braços não com um caminho diferente, mas com um
beco sem saída. E esse beco sem saída os levou a transformar a necessidade em virtude,
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ou seja, a afirmar que o desenvolvimento acelerado das forças produtivas, conduzido


pelo Estado – supostamente proletário – significava a socialização socialista da
economia.

A modo de conclusão

A crítica das tentativas revolucionárias realizadas até agora é condição


fundamental para iluminar os caminhos do futuro. Momento decisivo dessa crítica é o
resgate do trabalho como categoria fundante do ser social e, portanto, como categoria
fundante de qualquer forma de sociabilidade. Conseqüência fundamental disto será a
afirmação de que a superação de uma forma de sociabilidade por outra implica,
necessariamente, uma transformação radical na forma do trabalho. No caso da
superação do capitalismo, essa transformação significará a eliminação do trabalho
assalariado e a instauração do trabalho associado como fundamento da sociabilidade
comunista.

Por isso mesmo, o resgate da categoria do trabalho associado é de capital


importância para a crítica das tentativas revolucionárias até hoje realizadas e para deixar
claro que, mesmo durante o processo de transição do capitalismo ao comunismo, esta
nova forma de trabalho deve se fazer presente como pólo regente de todo o processo.
Somente através desta nova forma de trabalho é possível restituir aos seus verdadeiros
possuidores as forças sociais que lhes foram expropriadas.

Referências bibliográficas

LENIN, V. I. O Estado e a Revolução. São Paulo, Hucitec, 1978.

LUKÁCS, G. L`Uomo e la democrazia. Roma, Lucarini Ed. 1987.

MARX, K. e ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo,


Cortez, 1998.

_____, A Ideologia Alemã. São Paulo, Expressão Popular, 2009.


17

MARX, K. Glosas críticas ao artigo O Rei da Prússia e a Reforma Social. De


um prussiano. In: Praxis, Belo Horizonte, Projeto Joaquim de Oliveira, 2005.

_____, Elementos fundamentales para la crítica de la economia política.


Mexico, Siglo XXI, 1978.

_____, A guerra civil na França. S~]ao Paulo, Expressão Popular, 2009.

_____, Manifiesto inaugural de da Asociación Internacional de los


Trabajadores. In: C. Marx y F. Engels, La Internacional. Mexico, 1988.

MÉSZÁROS, I. Para além do capital. São Paulo, Boitempo, 2002.

TONET, I. Educação, cidadania e emancipação humana. Ijuí, Unijuí, 2005.

_____, Descaminhos da esquerda: da centralidade do trabalho à centralidade


da política.

_____, Marxismo para o século XXI. In: Em Defesa do Futuro. Maceió,


Edufal, 2005.

Maceió, janeiro de 2010.

Ivo Tonet
TRABALHO, EDUCAÇÃO E LUTA DE CLASSES (PREFÁCIO)

Tivemos a satisfação de conhecer e até de participar dos trabalhos do Instituto de


Estudos e Pesquisas do Movimento Operário da Universidade Federal do Ceará.
O presente livro (Trabalho, educação e luta de classes) é representativo do esforço dos
professores e estudantes ligados a esse Instituto para desenvolver um trabalho de pesquisa que
alie a seriedade acadêmica à preocupação social. Não, porém, uma preocupação social vaga e
genérica, mas uma preocupação voltada para a elaboração de um saber que atenda os interesses
mais essenciais da classe trabalhadora.
Antes que alguém argumente que o saber não deve “tomar partido”, sob pena de deixar
de ser científico, gostaríamos de dizer que este “tomar partido” é, exatamente, a maior virtude
dos trabalhos presentes neste livro. Mas, não se trata de partir da idéia de que tudo o que
interessa à classe trabalhadora é verdadeiro e o que não interessa é falso. Esta é uma
compreensão extremamente pobre e deformada da questão do “tomar partido”. “Tomar partido”
significa, para nós, situar-se, pela utilização de determinadas categorias e determinados
pressupostos – histórica e socialmente elaborados – no patamar de conhecimento mais elevado à
disposição, hoje, da humanidade. E entendemos, ao arrepio da esmagadora maioria da
intelectualidade, que este patamar é aquele cujos fundamentos foram lançados por Marx. Não é,
portanto, a decisão do sujeito, seus compromissos políticos, suas convicções ideológicas que
fundamentam este “tomar partido”.
É preciso acentuar: não é por amor à classe trabalhadora, nem por opções prévias ético-
políticas que se “toma este partido”. É pelo fato de que a classe trabalhadora, pela sua própria
natureza – sempre resultado de um processo histórico concreto, mas ancorado nas relações
materiais de trabalho – põe a possibilidade e a necessidade de elaborar um tipo de conhecimento
que, ao traduzir o processo real em sua natureza mais íntima, permite a tomada de decisões ético-
políticas em favor de ações e valores que apontam para a construção de uma forma de
sociabilidade mais humana e, portanto, superior.
Neste sentido, a ênfase, num primeiro momento, nas questões metodológicas, é de
capital importância. É nossa convicção que estas questões assumem, hoje, uma importância cada
vez maior. Não, porém, naquele sentido epistemologista que marcou a década de setenta do
século passado e que desembocou no vale-tudo que se chama de pós-modernidade. Mas, no
sentido de repor estas questões em uma perspectiva radicalmente diferente. Perspectiva esta que,
ao nosso ver, tem como característica mais essencial o tratamento destas questões em sentido
ontológico e não puramente epistemológico. Esta é, ao nosso ver, a perspectiva instaurada por
Marx e reconstruída por Lukács e outros autores.
O que fez desta perspectiva um patamar novo de conhecimento é a demonstração do
caráter radicalmente histórico e social do mundo dos homens e, ao mesmo tempo, a
demonstração de que este mundo é sempre o resultado de uma síntese entre subjetividade e
objetividade. Estas demonstrações marxianas são de fundamental importância porque permitem
superar tanto o a-historicismo das concepções grega e medieval como o semi-historicismo da
concepção moderna (que implica um núcleo natural e, portanto, não histórico da natureza
humana) bem como superar as unilateralidades daquelas posições no tocante à relação entre
subjetividade e objetividade.
Ora, se está demonstrado que o mundo dos homens é resultado – em sua integralidade –
da atividade dos próprios homens, então está infirmada, pela raiz, a idéia de perenização de

O presente texto é o prefácio ao livro Trabalho, educação e luta de classes, organizado por Susana Vasconcelos
Jimenez e Jackline Rabelo, integrantes do Instituto de Estudos e Pesquisas do Movimento Operário da Universidade
Federal do Ceará, publicado pela Editora Brasil Tropical em 2004.
qualquer forma de sociabilidade, inclusive, obviamente, da sociabilidade capitalista. E, por outro
lado, está fundamentada a possibilidade de que os próprios homens superem esta forma de
sociedade e construam outra.

Mas, há mais uma questão de suma importância. Trata-se da constatação de que o


trabalho é o fundamento ontológico do ser social. E de que todas as outras dimensões da
sociabilidade, em qualquer momento da história, sempre têm sua origem a partir do trabalho. O
que significa que entre o trabalho e as outras dimensões existe uma relação de dependência
ontológica e autonomia relativa. A importância desta constatação marxiana dificilmente pode ser
suficientemente enfatizada. Fica, porém, clara quando se vê que todos os autores que
contestaram e contestam esta prioridade ontológica do trabalho terminam por assumir a defesa
da sociedade capitalista como sendo a forma mais elevada possível de sociabilidade humana, a
única, aliás, que estaria aberta ao aperfeiçoamento constante.
Independente do quantum realizado em cada um dos trabalhos aqui apresentados, o
esforço de todos eles vai exatamente neste sentido: buscar compreender os fenômenos da esfera
da educação não como algo que se esgota em si, nem como algo que responde a um interesse
vago e genérico de “toda a sociedade”, mas como expressões de uma realidade conflitiva, que se
conecta com projetos sócio-humanos radicalmente diferentes.
Nada mais importante, hoje, do que um esforço neste sentido. Exatamente porque a
maioria do saber produzido vai no sentido contrário. Ou apreende os fenômenos educativos
apenas em sua dimensão imediata, buscando adaptar a atividade educativa às transformações por
que passa o mundo atual, sem questionar, em profundidade, em que direção e a serviço de quem
estão estas transformações, ou, então, quando pretende ser crítico, não vai além da denúncia dos
aspectos mais gravosos e brutais deste sistema social.
É evidente que não se trata de querer conectar – direta e imediatamente – cada
fenômeno estudado à transformação radical desta sociedade. Trata-se de ter como pressuposto
mais geral que esta forma de sociabilidade é um momento transitório da autoconstrução humana,
essencialmente marcado por conflitos radicais de classe. E que, portanto, a construção de uma
sociedade efetivamente justa, livre e igualitária exige, necessariamente, a superação da forma
atual da sociabilidade. A própria natureza do processo real exige que se busquem as mediações
entre cada fenômeno particular e o objetivo mais geral. Este é todo o esforço que se exige do
pesquisador. Em hipótese alguma, porém, se pode abrir mão desta conexão entre o momento da
particularidade e o da universalidade. Quando se abre mão disto, ou se descai para o lado da
imediaticidade, da empiricidade, e apenas se constata como as coisas funcionam e como se
articulam superficialmente, ou se vai para o lado dos princípios gerais e abstratos que se pretende
funcionem como “princípios reguladores”, um horizonte que deveria sempre nortear a ação
humana, mas que nunca poderia se transformar em uma forma concreta de sociabilidade. Em
ambos os casos, a atividade educativa perde a possibilidade de ser pensada em conexão com a
construção de uma sociedade, concreta, para além desta ordem social.
Em um momento em que a maioria dos educadores, até mesmo os que se pretendem
progressistas, assume como horizonte a construção de um mundo democrático e cidadão – o que,
ao fim e ao cabo, nada mais significa do que o aperfeiçoamento desta ordem social – este livro
cumpre o papel importante de buscar a crítica radical desta forma de sociabilidade, norteados os
autores pela convicção de que a emancipação humana é o objetivo maior a ser incansavelmente
perseguido e que este se situa, necessariamente, para além do capital, da democracia e da
cidadania.

Ivo Tonet

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