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ECOLOGIA Novo enfoque para o estudo de grupos taxonômicos em extensas áreas do globo
Macroecologia: visão
panorâmica de sistemas
ecológicos complexos
José Alexandre F. Diniz-Filho
Departamento de Biologia Geral, Universidade Federal de Goiás
e Departamento de Biologia, Universidade Católica de Goiás
Thiago F. L. V. B. Rangel
Programa de Pós-graduação em Ecologia e Evolução, Universidade Federal de Goiás
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ENSAIO
biota de uma grande região ocasionada por inter- A B E
venções humanas, intencionais ou acidentais, a
exemplo das alterações da composição atmosféri-
ca). A comparação entre abordagens de experimen-
tação tradicional e experimentos naturais revela
vantagens e desvantagens das duas abordagens. Os
experimentos tradicionais cumprem os requisitos
necessários para a posterior aplicação das análises
ensinadas nos cursos básicos de estatística. As ques- C D F
tões de escala são os principais problemas associa-
dos à experimentação tradicional. Em geral é difícil
transpor os resultados obtidos em pequena escala
espacial para a escala real de interesse (como os
biomas). Por outro lado, os experimentos naturais e
os experimentos na natureza, como apresentados em
1986 pelo ecólogo norte-americano Jared Diamond,
têm a vantagem de ser realizados na própria escala Figura 1. Estudos de ecologia de comunidades podem apresentar resultados
espacial (ou temporal) de interesse. Mas a ausência detalhados, mas apenas em alguns poucos locais (A). Já a abordagem
de um controle verdadeiro restringe as possibilida- macroecológica torna possível visualizar a área estudada como um todo,
mas de um modo nebuloso (B). Outro exemplo hipotético indica que é possível
des de estabelecer relações seguras de causa e efei-
definir com maior precisão os valores de algum atributo de interesse
to. Em resumo, as duas abordagens se comple- (como número de espécies) apenas em escalas localizadas (C). Em grandes
mentam. Os experimentos tradicionais podem, no escalas espaciais, a análise da variação desse atributo na área estudada
entanto, ser usados para resolver questões macroe- só pode ser feita através de interpolações (D). No futuro, talvez seja possível
cológicas em sistemas nos quais as manipulações combinar as duas abordagens (E e F) e assim compreender os sistemas
ecológicos detalhadamente e em grandes escalas espaciais
são de grande escala para os organismos, mas não
para o experimentador.
É possível entender melhor as visões tradicional As espécies são as ‘partículas’ usadas nos estudos
e macroecológica por meio de uma analogia. Se macroecológicos. A dinâmica dessas partículas no
visualizarmos uma comunidade ‘tradicional’, focada tempo e no espaço determina padrões gerais de va-
em escalas locais, na maioria das vezes vamos com- riação de características espécies-específicas, como
preender detalhadamente os processos ecológicos tamanho do corpo, abundância e distribuição geo-
que estruturam essa comunidade apenas em poucos gráfica. Da correlação entre essas variáveis ecológi-
locais, sem uma visão global. Equivaleria a enxer- cas complexas (VECs) – no sentido de serem a ex-
gar uma parte do todo sem distorções. Por outro lado, pressão final de múltiplos processos ecológicos,
por meio de um enfoque macroecológico, seria pos- evolutivos e fisiológicos ocorridos com os indiví-
sível ter uma visão global dos padrões e processos, duos de uma espécie –, surgem também padrões de
mas os detalhes ficariam obscuros, sem nitidez. A correlação que ocorrem em escala regional, conti-
falta de detalhes é, pois, o preço que se paga pela nental e global. As VECs podem ser sumarizadas ao
visão panorâmica (figura 1). longo do espaço geográfico e, desse modo, diferentes
áreas ou regiões também podem ser tratadas como
O programa de pesquisa partículas submetidas a efeitos históricos e
em macroecologia ambientais (gradientes latitudinais de diversidade,
Operacionalmente, a macroecologia pode ser pen- do tamanho do corpo ou do tamanho da prole). As-
sada como a análise estatística de um grande nú- sim, com base na variação interespecífica dessas
mero de ‘partículas’ ecológicas. A preocupação não VECs e nas interações entre elas, é possível definir
é determinar as características de cada partícula, as principais linhas de ação do programa de pesqui-
mas as propriedades da dinâmica dessas partícu- sa em macroecologia.
las no tempo ou no espaço geográfico. Essa dinâmi- As distribuições de freqüência das VECs são ge-
ca seria responsável pela criação de padrões ge- ralmente assimétricas à direita, sugerindo que são
rais, como a relação entre riqueza e área ou rique- determinadas por interações não aditivas de múlti-
za e gradientes latitudinais de diversidade. Espe- plos fatores ecológicos. Assim, a maior parte das es-
ra-se que a dinâmica seja a resultante de processos pécies é de pequeno porte e tem distribuição geo-
ecológicos e evolutivos, como adaptação a diferen- gráfica restrita (figura 2). Dados de vários grupos
tes componentes ambientais, competição, predação taxonômicos também indicam que a maior parte
etc., atuando em diferentes escalas e interagindo das espécies é rara, e a procura de modelos para
de forma complexa. descrever essa distribuição foi e continua sendo uma
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Figura 4. Padrão espacial da riqueza de 3 mil espécies
de aves na América do Sul, calculada a partir
da sobreposição de áreas de ocorrência. Os dados
de extensão de ocorrência das espécies estão disponíveis
em formato digital em http://www.natureserve.org/
getData/birdMaps.jsp
A macroecologia e o homem
Os padrões observados em grandes escalas podem
ser úteis à elaboração de estratégias eficientes de
conservação da biodiversidade. Por exemplo, a for-
ma do envelope de restrição que descreve a relação
entre tamanho do corpo e distribuição geográfica
pode permitir uma avaliação inicial do risco de
extinção de espécies. A modelagem de padrões es-
paciais de abundância pode auxiliar no delineamen-
to de unidades de conservação mesmo na ausência
de dados detalhados em escala local.
A compreensão da origem e manutenção dos gra-
dientes de diversidade com base em modelos climá-
ticos e históricos permite identificar regiões ricas
em espécies e com elevado endemismo, em geral
nas áreas tropicais do planeta. Relacionar tais pa-
drões de diversidade com ocupação humana per-
mitiu o estabelecimento dos chamados hotspots
mundiais de biodiversidade – uma filosofia de ação
emergencial para a conservação da diversidade bio-
pares de espécies podem apresentar valores simila- lógica que utiliza procedimentos claramente ma-
res para uma VEC qualquer (tamanho do corpo) sim- croecológicos.
plesmente porque descendem de um ancestral co- A visão da espécie humana como partícula ecoló-
mum e não por influência causal de outras VECs. Do gica pode ajudar a compreender seu impacto sobre
mesmo modo, locais próximos uns dos outros ten- a biodiversidade da Terra (figura 5). O homem é um
dem a se assemelhar mais que o esperado ao acaso. dos maiores mamíferos do planeta, e o envelope de
Como resultado, os pressupostos das análises esta- restrição apontado explica sua ampla distribuição
tísticas clássicas não são atendidos devido à depen- geográfica e a viabilidade de sua persistência a lon-
dência entre as observações. Assim, os estudos go prazo. Isso é coerente com as mudanças ecoló-
macroecológicos geralmente usam métodos esta- gicas que vêm ocorrendo com as espécies de ho-
tísticos especiais para controlar esses efeitos. minídeos desde o início do Pleistoceno e que resul-
taram em um processo de expansão populacional a
partir de cerca de 2 milhões de anos atrás.
Mas, considerando-se o tamanho de seu corpo, o
FONTE: MODIFICADO DE J.E. COHEN. JOURNAL OF APPLIED ECOLOGY, V. 34, PP. 1325-1333, 1997.