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FORMAÇÃO DO CARÁTER

Orison Swett Marden

Prólogo

Tão vária e profusamente se tem escrito sobre a educação do caráter que a muitos parecerá
supérflua e despida de novidade e interesse uma nova obra com tão limitadíssimo assunto por tema.

Porém, se analisarmos bem o conceito que do caráter em geral e da sua educação no homem
Marden expõe nas páginas que vão seguir-se, o leitor atento concluirá que o autor se baseou, para
desenvolver a sua tese, em princípios de axiomática evidência, inferidos da experimental
observação da psicologia humana, e mais particularmente da infantil, em oposição aos erros
tradicionalmente admitidos e aceitos por verdades infalivelmente dogmáticas, mas que analisadas
sem paixão sectarista ou fanática não resistem ao impulso do raciocínio nem da intuição, e são de
todo incompatíveis com as inegáveis realidades da vida humana.

Dentre os erros que alguns pedagogos e educadores em evidência admitem como se fossem
indiscutíveis verdades, sobressai pelo seu grande vulto o supor que, antes de receber a primeira
lição, a alma do educando é uma página em branco onde o educador pode escrever quanto se lhe
autolhe, uma chapa de metal para gravar a seu belo prazer, um cilindro de fonógrafo para imprimir
o seu belo talante, um pedaço de cera amolecida para modelar a seu gosto.

Deste erro deriva o não menos crasso da uniformidade dos métodos e processos didáticos, que
submete todos os educandos às mesmas disciplinas, os sujeita aos mesmos programas e os coloca
barbaramente num cômodo regime igualitário, sem ter em conta que semelhante uniformidade de
agrupamento é tão absurda como seria se o médico duma enfermaria dum hospital receitasse o
mesmo remédio a todos os doentes.

Menor seria o mal dimanado destes erros pedagógicos, se os métodos e processos didáticos e
educativos estivessem de acordo com os princípios fundamentais da psicologia experimental; mas é
evidente que, não obstante o que se escreve nos livros, se diz em conferências e se apregoa nos
jornais periódicos sobre as reformas indispensáveis na educação da criança, ainda prevalece na
maioria dos estabelecimentos de ensino, em Portugal, senão em todo o mundo, o estéril verbalismo
contra a sã educação do caráter, e o artifício da palavra contra a realidade da idéia.

Marden afirma e demonstra nesta obra que o conceito do caráter não tem contradição unilateral ao
aspecto moral, como sem dar pelo erro o limitam os psicólogos e pedagogos tradicionalistas, mas
sim ampliar-se até abranger os três aspectos, físico, intelectual e moral do ser humano, a fim de que
a educação não seja uma formula vã, pois que, pelo fato de se confundir deploravelmente o ensino
religioso com a educação moral, a especulativa prática dos desportos atléticos com a educação
física, e a verbosidade com a educação intelectual, não será possível a escola preparar a criança para
a adolescência, nem o educando para a vida. Certo é que o homem receberá sempre lições mais
eficazes da vida que da escola, como há séculos já Sêneca o afirmara, desde que na escola não seja
funesta a educação para a vida.

Impossível parece que alguns varões de clara inteligência e bem formado juízo noutras matérias se
percam no campo da pedagogia e tergiversem no conceito da educação, até ao extremo de não
compreenderem que, sendo as palavras a expressão verbal das idéias, nada valem se mecanicamente
saírem dos lábios, como flatulências em desacordo com as idéias, assim como a oração não
brotando do íntimo da alma, de nada valem os murmúrios da prece.
Por outro lado, Marden marca nesta nova obra o íntimo enlace entre as três ordens de educação
física, intelectual e moral, demonstrando que não são três educações entre si independentes, que
qualquer delas não pode ser eficaz sem as outras duas, que não é possível separá-las, que hão de
estar numa correspondência indissolúvel porque cada uma delas educa um aspecto ou modalidade
do caráter único do ser humano, e é uma fase da única e indivisível educação integral.

A lei capital da unidade na variedade multiplica-se, dirigindo a educação do caráter humano, com
tanto poder como nas restantes ordens do universo.

Pelo desconhecimento e infração desta lei vemos que alguns jovens de natural talento e oca
inteligência se destacam nas letras, nas ciências ou nas artes, e, no entanto são fracos de corpo ou
tímidos, enquanto outros, de robusta compleição, rígida musculatura, pulmões fortes e coração
vigoroso, limitam todo o seu entusiasmo aos desportos atléticos, a eles se entregando à custa de
grandes esforços de inteligência e de generosos sentimentos de alma, a ponto de disputarem
encarniçadamente o prêmio material, numa luta de paixões que os embrutece, transformando-lhes o
estímulo cordial numa rivalidade hostil.

Marden ocupa-se também da necessidade de ligar cuidadosamente os diferentes graus de educação


humana, desde a escola infantil ao doutorado universitário, em vez da espantosa desarticulação que
existe e se contradiz nos estabelecimentos de ensino, de modo que o trabalho realizado por uns de
desbarata nos outros, sem que nenhum dê firmeza, equilíbrio e harmonia ao caráter do educando.

Para um mais completo desenvolvimento da sua tese, Marden expõe e discute os problemas
psicológicos mais intimamente relacionados com a educação; ainda que à primeira vista possam
parecer digressões fúteis em redor do tema da obra, são pontos de essencial importância, pois que,
hoje em dia, já ninguém pode negar que todo o educador deve possuir noções fundamentais da
psicologia experimental, para, com acerto, descobrir as qualidades, condições, aptidões e
circunstâncias do caráter individual do educando, e ajustar às características descobertas o plano de
educação.

Os homens podem classificar-se em três grandes grupos: vulgaridades, talentos e gênios.

Os gênios não necessitam educação. Auto-educam-se. Assim como Lincoln, nascem numa cabana
sem mestre que os ensine, a potência das suas energias atualiza-se espontaneamente, vencendo
quantos obstáculos se lhes depare no caminho. São os faróis que iluminam a vereda tortuosa e
íngreme por onde caminha a evolução do instinto humano.

Os talentos necessitam educação e podem comparar-se aos diamantes em bruto que, para brilharem
como jóia, requerem polimento e facetado. Muitos não chegam a brilhar pela incompetência ou erro
do lapidário.

As vulgaridades não podem, em verdade, dar mais do que aquilo que são; mas, ainda que
disponham apenas dum talento, em vez dos dez que possuem os outros mais inteligentes, a
educação tem de atender a isso, não os limitando ao restrito que os bancos das escolas lhe ministra,
mas sim ensinando-os a observar, deduzir e julgar pela sua própria cabeça dentro do raio de ação
que alcança as suas limitadas faculdades. Será pequeno o recipiente, mas servir-se-á desse mesmo,
para nele beber a água eficaz da inesgotável fonte da eterna Sabedoria.

Marden recopila, num dos valiosos capítulos desta obra, exemplos de rasgos de caráter de figuras
célebres na história, e de almas nobres que merecem referência especial nos anais da virtude
humana.
Assim como também, com igual diligência, se poderiam ir buscar e apresentar outros tantos
exemplos de má índole que indicariam o baixo nível em que pode desaparecer o caráter humano; o
dever do educador é ver, e apresentar aos olhos do educando, o aspecto luminoso e agradável das
coisas, de forma que o apaixonado da luz saia das trevas, pelo amor à verdade se afaste do erro, e,
uma vez habituado à prática do bem, não possa nem queira praticar o mal.

Federico Climent Terrer

CONCEITO E DEFINIÇÃO DO CARÁTER

A unidade na variedade e a variedade na unidade são a lei suprema do universo. – Newton

O caráter é a ordem moral vista através duma natureza individual. – Emerson

A natureza escreveu no rosto do homem uma carta de crédito que tem de aceitar-se onde quer que
se apresente. – Tackeray

A vida pesa-nos constantemente em balanças de precisão apreciando o nosso valor até ao último
miligrama. – Lowell

O desejo de todo o homem consiste no desenvolvimento de todas as suas potências e faculdades


num conjunto harmônico. – Humboldt

Muitas e diversas acepções têm em todos os idiomas cultos a palavra expressiva da idéia caráter,
que deriva duma grega cujo significado é gravar, porque, na verdade, é o sinal, – marca o signo que
a natureza, pela mão de Deus, imprime nos seres criados, e a arte, pela mão do homem, imprime,
pela sua inteligência.

Referindo-se ao homem, cada psicólogo tem dado uma definição distinta do caráter, ainda que entre
elas haja discrepância, mas, na fórmula, todas exprimem o mesmo conceito – o caráter é o modo de
ser peculiar e privativo de cada um pelas suas qualidades físicas, mentais e morais.

Alguns psicólogos, sobretudo os da escola tradicionalista, restringem às qualidades morais a


definição do caráter; mas basta refletir um pouco sobre este ponto, para observar o erro de
semelhante restrição, porque o ser humano, segundo há dois mil anos S. Paulo já ensinava, e a
psicologia experimental hoje comprova, é três e um, como Deus a cuja imagem e semelhança foi
criado.

A trindade humana está constituída pelo corpo, inteligência e espírito que, embora distintos entre si,
não são, de modo algum, independentes, pois que é já do conhecimento de cultura geral, e não
privativo dos sábios, a inigualável influência mútua entre os três elementos constituintes do ser
humano durante a sua vida na Terra.

Portanto, o caráter, o modo de ser privativo e peculiar duma pessoa é a resultante soma algébrica
das suas qualidades físicas enquanto ao corpo, intelectuais enquanto à inteligência, e morais em
relação ao espírito.

No que diz respeito a qualidades físicas, basta olharmos a que cada personalidade se distingue das
que são, têm sido e serão vindas a este mundo, por signos, marcas, sintomas, ou características
próprias e inconfundíveis, apesar da sua casual semelhança na fisionomia, no timbre de voz, na
estatura, complexão, idiossincrasia, temperamento, maneira de andar, cor de pele e demais traços
pessoais entre cujos pormenores se conta a peculiar configuração dos órgãos corporais.

Porque, assim como não há dois narizes, nem duas bocas, nem quatro olhos, nem orelhas, com
idêntica configuração, também ainda não se encontrou a técnica anatômica das vísceras
identicamente conformadas no organismo corporal dos seres humanos.

Não obstante, pondo de parte as misteriosas exceções que nos revela a teratologia, todos possuímos
o mesmo numero de órgãos, aparelhos e sistemas fisiológicos que desempenham as mesmas
funções, não diferindo a anatomia topográfica no assinalamento do lugar ocupado no organismo por
cada músculo, cada artéria e cada nervo.

Cumpre-nos na nossa constituição física a admirável lei da unidade na variedade e da variedade na


unidade, a que obedece todo do universo.

Relativas ao caráter mental não são menos notórias as particularidades que distinguem
inconfundivelmente cada indivíduo dos seus semelhantes, posto que nunca sejam iguais, nem muito
menos idênticos.

Todos temos as mesmas faculdades mentais, com memória, percepção, atenção, observação,
comparação, raciocínio, discernimento, reflexão e juízo; mas nem todos as temos igualmente
agudas nem as estilizamos de idêntica forma, e esta diversidade no grau de desenvolvimento e uso
das faculdades intelectuais constitui o caráter mental do indivíduo, intimamente relacionado com o
caráter físico, visto que o cérebro é o instrumento de manifestação da inteligência, e os órgãos dos
sentidos são os meios ou instrumentos de comunicação com o mundo exterior, do qual recebemos
todas as nossas sensações.

Pelo que se refere ao elemento espiritual do homem observamos também, embora não tanto à
primeira vista como no elemento fator físico, os sintomas, signos, marcas ou notas de índole moral
constituídas pelas boas qualidades chamadas virtudes ou prendas, e as más qualidades chamadas
vícios ou defeitos.

Assim resulta que vulgarmente se tenha confundido o caráter com o gênio ou temperamento moral,
que não é mais que um dos seus elementos, assim como também costuma dizer-se que o homem de
caráter é aquele que denota mais integridade e equidade nas suas ações.

Porém, em rigor, a vontade débil, o ânimo apoucado, o vício predominante, constituem igualmente
o caráter moral ou são vestígio distinto do individuo que possui tão sinistras qualidades.

Para melhor compreender o verdadeiro significado e definição da palavra caráter no seu sentido
psicológico, convém observar que, contra a opinião de alguns metafísicos, especulativos de sobra e
escassamente observadores, o caráter não é peculiar e exclusivo da raça humana nem denota
necessariamente racionalidade, uma vez que na sua acepção genérica é próprio de todos os seres e
de todas as coisas.

Os que assim pensam denotam um completo desconhecimento, ou, pelo menos, uma observação
muito deficiente da vida e costumes dos animais.

Se procurarmos nos que mais de perto convivem com o homem, como o cavalo, o elefante, o
camelo, o dromedário, o cão, o gato, o boi, o burro, a mula, o galo, o papagaio e o canário teremos
de ver que, além da índole comum a cada espécie, ou seja, o que impropriamente se chama instinto,
cada indivíduo respectivamente de cada espécie, revela alguma qualidade peculiar, alguma condição
característica, que o distingue assinaladamente de todos os outros da sua mesma espécie.

Por exemplo, aquele que não está habituado a lidar freqüente e diariamente com os cavalos, julga,
ao ver de momento uma grande quantidade destes nobres animais, que todos eles têm a mesma cara
e só se distinguem pela altura e pela cor do pêlo.

Não obstante, os cavaleiros ou tratadores de cavalos, os cocheiros e carroceiros, os soldados de


cavalaria e artilharia montada, os professores de equitação, os donos de carros de carreira, e mais
conhecedores do assunto, afirmam sem discrepância que, apesar de todos os cavalos, seja qual for a
sua raça, terem qualidades comuns, se distinguem inconfundivelmente uns dos outros não só pelo
caráter físico da fisionomia, cor e altura, como também por outras qualidades características,
peculiares e privativas de cada indivíduo, que não são por certo de natureza física, mas sim de
ordem notoriamente moral.

Eis a razão por que havendo cavalos dóceis e teimosos, carinhosos e insociáveis, confiantes e
receosos, pacientes e coléricos, sofredores e rebeldes, sóbrios e glutões, vivos e indolentes, eles não
podem ser conduzidos como se fossem máquinas, segundo Descartes erradamente supunha, por
manifestarem um caráter individual tão distinto, embora este seja de ordem muito inferior ao do
homem.

O mesmo se pode afirmar do cão e do gato, ainda que seja necessária uma mais atenta observação
para descobrir a diferença que existe entre as qualidades comuns a todos os indivíduos e as que
peculiarmente distinguem cada um deles.

Também nos animais de menor graduação na escala zoológica, como os pássaros engaiolados e as
aves de capoeira, por uma escrupulosa observação se nota qual o seu peculiar caráter ou modo de
ser, aparte da sua índole específica.

Tudo isto demonstra que também os irracionais tem caráter no sentido geral da palavra, tendo-os
nas três ordens, físico, mental e moral, apesar de nem no mental alcançarem o nível da razão, nem
no moral o da responsabilidade.

O erro consiste em julgar que os animais não têm alma, que só há neles matéria organizada e viva,
sem que os que assim pensam vejam que corroboram a opinião dos materialistas, negando
virtualmente a existência da alma humana, ao negá-la aos animais.

A filosofia escolástica, apesar da bondade e verdade de muitos dos seus ensinamentos, é a


responsável de tal erro, uma vez que, como Descartes, considera os animais como máquinas, como
uma espécie de autômatos, sem olhar a que, no que neles se chama instinto, é, na realidade uma
razão embrionária, que difere no grau, mas não na essência, da razão humana.

Sem embargo, não podemos assacar o aludido erro à genuína e autêntica filosofia escolástica, se
olharmos a que ela foi fundada no século XIII por S. Tomás de Aquino que adaptou ao cristianismo
as doutrinas de Aristóteles e uma parte das de Platão, mas sim à bárbara e tergiversada filosofia das
escolas esterilmente verbalistas em que todo o sofisma recebe a adoração usurpada à verdade.

Os escolásticos que seguiram os ensinamentos de Aristóteles discretiavam sem discernir de todo a


solução deste problema, admitindo uma alma vegetal nas plantas, uma alma sensível nos animais e
uma alma racional no homem.
Fundavam-se para isso em que toda a vida requer um princípio vital que não pode ser matéria, uma
vez que esta é incapaz de sentir.

Porém, S. Tomás de Aquino, o reformador da filosofia escolástica, assim como o seu comentador, o
cardeal Caetano, vão muito mais longe, afirmando que os animais possuem uma alma indestrutível
depois da morte, ou seja, uma alma imortal.

Esta opinião lógica teve seus percursos nos vários filósofos antigos, como Pitágoras, Parmênides,
Demócrito, Anaxágoras e Porfírio.

Posteriormente vemo-la sustentada por Reimarus na sua obra, “Considerações sobre a atividade
dos irracionais”, publicada para combater o erro de Descartes sobre os animais-máquinas,
coincidindo neste ponto com S. Tomás o jesuíta Enrique Wasmann.

Por outro lado, S. Francisco de Assis, inspirado pela divina sabedoria, chamou aos animais “os
nossos irmãos menores”, repetindo, sem dar por isso, o mesmo conceito declarado séculos antes
pelos sistemas sincréticos de Alexandria e renovado nos nossos dias pelos ensinamentos teosóficos.

O insigne filósofo Balmes trata este problema a fundo, e depois de combater a opinião materialista,
ou pelo menos puramente dinâmica de Descartes, conclui dizendo:

“Não é contrário à razão, nem à experiência, supor que a alma dos brutos, essa força vital que neles
reside, seja o que for continua, depois de destruída a organização do seu corpo, e absorvida de
novo nos tesouros da Natureza, neles se conserva, não como um ser inútil, mas sim exercendo a sua
atividade em diferentes sentidos, segundo as condições a que está sujeita”.

Analisando detidamente esta passagem há de ver-se que não é mais nem menos que o
reconhecimento implícito da lei da evolução a que estão sujeitas a vida, a forma, a consciência, e,
portanto, o caráter.

Todavia, Balmes receava naufragar nos escolhos do paradoxo, e, não se atrevendo a expor as
conseqüências que logicamente se inferem da sua declaração, exclama:

“Qual é a natureza íntima, a essência da alma, o intermediário entre o corpo e o espírito? Não sei;
suponho até que a questão é irresolúvel”.

E parece-lhe irresolúvel porque, Balmes, chega a esta conclusão por uma série de falsos raciocínios.
Começa por afirmar que o princípio sensível dos irracionais não é material, porque a matéria é
incapaz de sentir. Depois, estabelece uma falsa conseqüência quando diz que a alma dos irracionais
não é espiritual, porque apenas entende como espírito uma substância simples, inteligente e livre, e
a liberdade e a inteligência não se encontram nos irracionais.

É nisto que está o erro.

Nos animais poderá não haver razão, juízo, discernimento, fala, invenção, e mais faculdades
superiores da inteligência; porém, não se pode negar que tenham memória (uma das potências da
alma), que estabelecem relações de semelhança e diferença, que manifestam simpatias e antipatias,
ódios e afeições, ciúmes e invejas, tristezas e alegrias, esperanças e receios, prova experimental de
que não só sentem, como também conhecem, e até certo ponto induzem e deduzem na sua limitada
esfera de atenção e observação.
Milhares de exemplos e casos poderiam citar-se no tocante a conhecimento, à parte a sensibilidade
dos animais, especialmente do cavalo e do cão, que não só relincham e ladram, como tem também
outras vozes para exprimir as suas rudimentares, ainda que inigualáveis emoções.

Vinga, por conseguinte, o testemunho de Gustavo Le Bom, que, segundo ele mesmo declara,
aprendeu psicologia vendo domesticar cavalos.

Balmes prossegue dizendo que entre o material e o imaterial não há meio termo, como não o há
entre a afirmação e a negação, ainda que isto se confunda, uma vez que entre a afirmação e a
negação existe a dúvida.

Embora a imaterialidade exprima apenas negação da matéria; a isto, porém, nos compete replicar,
dizendo:

Não será espírito o que não seja matéria? Por mais que o exímio filósofo procure, não encontrará
um meio que não seja nem espírito nem matéria.

O que a razão e a experiência encontram é um termo médio, ou para melhor dizer, uma série
infinitesimal de graduações entre a matéria no seu estado máximo de densidade e o espírito na sua
pureza absoluta.

A alma dos animais não pode deixar de ser espiritual, pois que se fosse exclusivamente imaterial,
não poderia ser imortal, invisível e inextensa, segundo afirma S. Tomás, nem tampouco seria
possível que, como contraditoriamente afirma Balmes, depois de destruído o organismo do corpo,
exercesse a sua atividade em sentidos diferentes, isto é, continuasse vivendo, conhecendo e
sentindo, persistindo a sua consciência, e, portanto, o seu caráter.

Enquanto aos animais carecerem de liberdade, atributo próprio do espírito, segundo Balmes,
aqueles que de tal concluem a ausência de espiritualidade da alma animal, também hão de ver neste
caso as graduações da evolução, porque a liberdade humana, o livre alvedrio não se manifesta
igualmente em todos os homens, mas sim proporcionalmente ao seu estado de evolução.

Até que o homem conheça a verdade, isto é, até que alcance um mais elevado grau de consciência
mental e moral não é livre.

Assim disse Cristo no Evangelho de S. João: “Se confiardes na minha palavra, sereis
verdadeiramente meus discípulos, conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”.

Desta afirmação se conclui que não é livre quem não conheça a verdade.

Milhares de seres humanos estão, todavia, numa etapa de evolução não muito superior àquela em
que se encontram os animais domésticos, e, por desconhecimento da verdade, se encontram sujeitos
a inúmeros obstáculos que condicionam e limitam a sua liberdade.

Os dogmas religiosos limitam-lhes a liberdade do pensamento; as leis civis limitam-lhe a sua


liberdade de ação; os conceitos sociais entravam-lhe a vontade.

Por conseqüência, traçado o caminho a seguir, como o cavalo de tiro a quem os antolhos privam de
olhar livremente, o homem não tem outra linha de marcha que não seja o caminho em frente.

De modo algum isto significa rebeldia contra o dogma religioso ou leis civis, nem contra os
costumes ou conceitos sociais, mas sim a prova de que a enorme maioria dos homens precisa
também de antolhos que os obrigue a seguir o caminho que se lhes depare em frente, uma vez que
não conhecem o verdadeiro caminho a seguir, a genuína verdade e a verdadeira vida. Se
conhecessem a verdade, o caminho livre e a vida real, não necessitariam dos antolhos e das leis que
condicionam a sua liberdade.

A este propósito diz o dominicano Gillet:

“Porém, uma coisa é exigir para cada indivíduo um mínimo de liberdade que permita distingui-lo de
um bruto ou de uma máquina, e outra considerar que o livre arbítrio seja em cada um de nós um
poder absoluto que não conhece obstáculos à sua expansão e resolve com uma facilidade
assombrosa as dificuldades da vida. Bem distantes estamos de sermos livres até tal ponto! A
liberdade, isto é, a vontade livre, não é de modo algum uma arma que ao nascer nos tenham dado e
com a qual todos nós possamos esgrimir com sabedoria quando chegue o momento de nos
servirmos dela. É uma arma que cada qual forja para si mesmo e que tem a propriedade peculiar de
temperar-se durante a luta”.

Estas afirmações do sábio dominicano concordam perfeitamente com os princípios da lei da


evolução; porém, tanto ele como Balmes se detêm nos limites trazidos pelos prejuízos ideológicos
entre os reinos humano e animal, como se houvesse a separá-los uma muralha babilônica, quando
distintamente se observa existir entre eles a mesma graduação infinitesimal de trânsito que há entre
o vegetal e o animal.

Os animais superiores têm também o mínimo de liberdade correspondente ao seu estado de


evolução.

Se quisermos uma prova exemplar de que a massa geral do temperamento humano está, todavia,
como muito bem disse Gillet, bastante distanciada do poder inerente ao livre arbítrio, a vontade
livre não tem mais que refletir sobre um fenômeno social, na aparência diminuta, mas que no fundo
encerra um vasto problema psicológico e dá um novo argumento à necessidade de educar o caráter.

Desde alguns anos, as nações que atualmente exercem a preponderância ocidental estabeleceram o
chamado horário de Verão, que consiste na ficção de adiantar sessenta minutos a hora oficial, de
modo que os povos nutrem a ilusão de que o Sol, no seu aparente movimento, nasce e se põe uma
hora mais tarde, para alongar os dias e encurtar as noites, resultando com isso um considerável
aumento de luz artificial.

Este horário é tão vantajoso para alguns fatores sociais como prejudicial para outros, entre eles o
agrícola, que, mais dependente da natureza do que da indústria, não aceita horas fictícias nem
alterações artificiais de calendário.

Mais lógico seria que os fatores sociais a quem conviesse esta prolongação de horas de luz natural,
trocassem as suas horas de trabalho, deixando no seu normal movimento os ponteiros dos relógios.
Com o começar e acabar as suas ocupações uma hora mais depressa terminaria a questão resultante
da conveniência de todos.

Mas para esta mudança é necessária a energia interna da vontade livre, que é precisamente aquela
de que carecem as multidões humanas. Têm que pôr os antolhos para olharem apenas o relógio,
como força externa que as obrigue a alterar numa hora o regime habitual das suas diárias
ocupações.

Claro está que entre todos os seres da criação é o homem o único que progride. Os outros estão
ainda onde estavam há séculos.
As abelhas cantadas por Vergílio elaboraram o mel como o elaboram hoje ainda as das modernas
colméias.

As andorinhas não idealizaram novos sistemas para aperfeiçoar a construção dos seus ninhos, nem
os peixes que ocorriam à passagem das naus tinham costumes mais primitivos que os que hoje
acompanham os transatlânticos.

Sobre este ponto diz Balmes o seguinte:

“Não. Não sejamos tão néscios que ao ver um cardume ou um ninho confundamos os seus obreiros
com a espécie humana, com o homem que construiu as pirâmides do Egito, os antigos anfiteatros, o
Escurial, S. Paulo de Londres, S. Pedro de Roma, o túnel do Támesis, que povoou o mundo de
casas, aldeias, povoados e cidades populosas, como Ninive, Babilônia, Pequim, Roma, Paris e
Londres; que ligou vários pontos da terra com redes de caminhos de ferro, que fez sobre os rios uma
infinidade de pontes; que fez utilizar as águas das fontes, e até as das mais fundas entranhas da
terra, à indústria e à agricultura; que converteu os desertos em amenos jardins; que domina a fúria
dos elementos e se lança corajosamente através dos mares; que constrói admiráveis máquinas de
medir o tempo e os astros; que dispõe de combinações assombrosas que, por si só, elabora os mais
admiráveis artefatos; que intenta dominar os ares, ousando voar a grandes alturas; que conseguiu
anular as grandes distâncias pondo ao seu serviço a eletricidade para a transmissão do pensamento;
a espécie humana que realizou todos estes prodígios e que, dia a dia, avança a passos gigantescos,
não a confundis por piedade com os irracionais; não compareis com essas obras do gênio os ninhos
das aves, o cortiço das abelhas, ou as tocas dos castores”.

Todavia, ao que poderíamos chamar estabilização dos animais não é a prova de que eles careçam de
alma, intelecto e consciência, mas sim que o espírito da natureza divina manifestado nas formas
animais não conseguira atingir a etapa de evolução própria do poder criador no sentido progressivo.

Por outro lado, os avanços, invenções e descobertas que determinam o progresso e civilização da
humanidade não são obra de todos os homens, mas apenas duma pequena minoria de científicos,
pensadores e inventores que alcançaram uma etapa de evolução mental muito mais avançada que a
enorme maioria dos seres humanos.

Tampouco progride, pela sua própria iniciativa, o selvagem, que edifica as suas choças e tece as
suas redes, fabrica as suas lanças e maneja os seus arcos, dispara as suas flechas e cultiva as suas
terras, exatamente como já o faziam os seus antepassados da época pré-colombiana.

Igualmente não progride por si só o aldeão que lavra os campos como no tempo do agrônomo
Columela, e vive como viveram cem gerações dos seus ascendentes.

Se a humanidade progride, se o selvagem se civiliza, e o aldeão suaviza a sua rusticidade é por ação
e efeito das minorias seletas de superior caráter físico, mental e moral, que, com os seus inventos,
ensinamentos e descobertas lhe proporcionam os meios de avanço que não poderiam, nem
saberiam, obter por si próprios.

A massa geral da humanidade é tão rotinária como a abelha no cortiço, a formiga no formigueiro, e
a andorinha no ninho.

É necessário que a razão se eleve a maior potência para poder manifestar a faculdade de criar, cujo
resultado é o progresso.
Precisamente por isso, a citada passagem de Balmes é um poderoso argumento em prol da lei da
evolução, porque no mesmo reino humano observamos uma graduação infinitesimal de estados de
consciência, uma tão grande variedade de caracteres individuais na ordem física, intelectual e
moral, que não podemos confundir o antropófago com o santo, o ignorante com o investigador
científico, a não ser que este não saiba contar além de três como Newton e Finstein, e o alfabeto
incompleto como Camões e Shakespeare. E, sem embargo todos são homens, todos pertencem à
espécie humana.

Isto demonstra que análoga diferença, ou para melhor dizer, distância na etapa da evolução existe
entre os caracteres superiores e os inferiores do reino humano, e entre os inferiores e os animais
superiores da escola zoológica.

Diz a este respeito Tomás Pascal:

“Se observarmos atentamente o conjunto dos seres da Criação, havemos de notar uma progressiva
continuidade de formas em que se vão manifestando uma série gradual, sucessivos estados de
consciência. Cada componente desta série é uma tão delicada transição entre o que o precede e o
que se lhe segue, que não é possível traçar uma linha definida de separação entre os componentes
contíguos”.

De resto, ainda que nem os animais nem os homens que com o reino animal confinam no mapa da
evolução tenham atingido a etapa em que se encontram as faculdades superiores da inteligência e do
espírito, nem por isso deixam de individualmente ter o seu caráter ou modo de ser que aos olhos de
uma atenta observação se distinguem de qualquer outro indivíduo da mesma espécie.

Observamos agora as plantas que constituem o reino vegetal e advertiremos que não é muito
desacertada a opinião de Aristóteles ao supor nos seres deste reino uma alma vegetativa, porque
também neles não existe uma vida orgânica, forças vitais e sensibilidade, ainda que num grau
incomparavelmente menor que nos animais, e portanto perceptível apenas pelos sentidos corporais,
por mais que o comprove a experiência e a intuição logicamente o induza.

As plantas não se queixam como os animais, nem manifestam falando os danos que recebem, mas
os agricultores sabem quanto elas sentem as mudanças atmosféricas, como reagem contra as feridas
e mutilações, e, sobretudo, que tem caráter individual que as distingue entre os demais indivíduos
da sua espécie. Olhemos, por exemplo, uma plantação de arvores da mesma qualidade e variedade.

Em todas descobriremos as mesmas qualidades, circunstâncias e características comuns à espécie e


variedade; porém, cada árvore, por si, tem características peculiares que a distingue
inconfundivelmente das restantes da plantação.

Todas têm tronco, umas mais alto e forte, outras mais baixo e delgado, sem que hajam dois de igual
dimensão.

Todas têm ramaria, mas em nenhuma nascem as folhas à mesma altura do tronco nem com a mesma
disposição, nem são todas no mesmo número e grossura.

Todas florescem no mesmo tempo, porém cada uma difere das outras no número e tamanho das
suas flores.

Todas dão fruto da mesma espécie, mas uns mais precoces, outros mais tardios, mais fecundas ou
escassas na frutificação.
Em todas as espécies vegetais se observam as mesmas diversidades de caráter individual.

Mas também os seres a que chamamos impropriamente inanimados ou inorgânicos e vulgarmente


coisas, tem o seu peculiar caráter ou sinal que lhes dá, por assim dizer, distinta individualidade.

Neste caso o caráter é a índole, condição, conjunto de rasgos ou circunstâncias com que uma coisa
se distingue das demais.

Esta definição é, na essência, a mesma que temos dado para o caráter do homem.

Entretanto, convém distinguir entre os objetos naturais, criação da preponderância divina, e entre os
objetos artificiais, criação da preponderância humana.

Assim, por exemplo, os elementos químicos e suas combinações naturais, as rochas, as águas, as
terras e os minerais, são o produto da mente de Deus e seres da sua criação. Todavia, uma ponte,
uma casa, uma máquina, uma estátua, um tapete, e todas as obras de indústria e de arte são criações
do homem que, à imagem e semelhança de Deus também cria com a sua mente e executa pelas suas
mãos, ainda que só para criar a forma, e de modo algum a matéria.

As coisas criadas por Deus têm o seu natural caráter, que consiste no conjunto de propriedades
físicas ou de aspecto externo, (forma, cor, estrutura, densidade, rigidez, etc.), e propriedades
químicas ou de aspecto interno relativas à sua íntima constituição, que as caracterizam, distinguindo
cada espécie química de todas as demais.

À primeira vista, parece que, assim como nos seres orgânicos só deveriam existir espécies e
variedades, mas não indivíduos como nos reinos vegetal, animal e humano, sendo, portanto,
incongruente atribuir caráter aos minerais, como, bem observando, se descobre no homem, nos
animais e nos vegetais.

Entretanto os mineralogistas, metalúrgicos, lapidários, mineiros, arquitetos e quantos pela sua


profissão trabalham com matérias inorgânicas sabem muito bem que, embora dentro da mesma
variedade e da mesma mina, a qualidade ou caráter do mineral é distinto, embora proceda de um
outro criador.

Logo, por conseguinte, todos os verdadeiramente chamados pela química acadêmica (ainda que na
realidade não sejam tais elementos mais do que estados duma única matéria física) apresentam as
mesmas propriedades quando quimicamente puros, e as suas características são idênticas por se
tratar de um único indivíduo inorgânico a que as manipulações de laboratório tenham despojado do
seu natural caráter.

Se observarmos os seres inorgânicos no seu estado nativo como, por exemplo, o diamante, apesar
de ser carvão puro, resultará que, tal como se encontram em bruto, não há dois diamantes idênticos,
quanto à sua diafanidade, peso, pureza e brilho.

Análogas diferenças encontram os joalheiros e lapidários nas outras pedras preciosas, e a mesma
circunstância revelariam todos os minerais ou seres inorgânicos da natureza, observados
escrupulosamente ao microscópio.

Infere-se assim que os seres inorgânicos têm também o seu peculiar caráter que os distingue
individualmente de todos os demais da sua espécie, ainda que tão somente seja notória a
modalidade material ou físico-química.
E se dizemos que “tão somente é notória modalidade físico-química (análoga à fisiológica nos
vegetais, animais e no homem) é porque é a única experimentalmente comprovada até agora; mas
no campo da hipótese e da conjectura não é disparate falar da alma das coisas, ou seja, daquelas
outras duas fases ou modalidades do caráter que permanecem ocultas à mais sagaz observação
material”.

Pensadores insignes e poetas de alta inspiração crêem também na alma das coisas, não em sentido
figurado nem por excesso de retórica, mas sim porque intuitivamente compreendem a misteriosa
influência da divina energia animadora do universo.

Por isso, o falar da alma das coisas, não quer dizer que seja duma alma individual, livre e
responsável como a humana; todavia, compreende-se, e por intuição conjectura-se que toda a
matéria é animada pela energia, e que esta energia não pode ser outra senão a divina.

A vida não é atributo exclusivo dos seres organizados chamados viventes, porque de remotas eras
prevalece o erro de julgar que os inorgânicos carecem de vida.

Também há vida no mineral, ainda que incomparavelmente menos ativa e muitíssimo menos lenta
que no vegetal, no animal e no homem.

Tudo vive no universo. A morte não é morte, mas sim transfiguração, a mudança de um para outro
estado da matéria, cujas formas se transformam enquanto a energia perdura.

E como todas as coisas existentes na natureza são produto da mente divida, do Criador de todas
elas, forçoso é que além do físico-químico, correspondentes à matéria, tenham o caráter mental
infundido pela energia divina.

Bem contraditórios parecerão estes argumentos aos rotinários ensinamentos tradicionais que
separam Deus do universo e o homem dos demais seres da criação, sem olhar à prolongadíssima
corrente que em sucessivos saltos se dilata desde o átomo até ao Sol, desde a ultramicroscópica
célula até ao superior organismo do homem.

No entanto, todo o investigador cientifico reconhece já a unidade essencial na variedade acidental


de todos os seres e de todas as coisas.

A muitos ouvidos parecerá disparate, e a outros tantos heresia, a afirmação de que tenham mente,
embora embrionária, os seres inorgânicos a que, por desconhecimento da sua verdadeira natureza se
lhes chama, sem razão, inanimados. Porém, a observação experimental começa a corroborar as
conjecturas da intuição neste caso, demonstrando praticamente que na matéria inorgânica se operam
processos vitais, não tão assinalados, mas de índole análoga aos que se manifestam nos seres
orgânicos.

De resto, a química moderna tende a coincidir com a metafísica no que se refere aos conceitos de
matéria e energia, cuja acertada compreensão é indispensável para formar um não menos acertado
conceito da natureza do caráter e defini-lo em termos que abrangem em toda a sua amplitude a idéia
que dita e a palavra que exprime.

Sobre esta particularidade a química moderna reza:

“Os objetos naturais impressionam os sentidos dum modo muito diverso, e é esta a causa das
diferenças e analogias que entre eles possa estabelecer-se. Mas, há certas propriedades inerentes a
todos, como a extensão, impenetrabilidade e gravidade, que revelam o princípio ou a comum
origem dos mesmos, a que por abstração concedemos existência própria, dando-lhe o nome de
matéria”.

“A matéria informe, caótica como lhe poderemos chamar, nunca a percebemos. É fruto da nossa
abstração. Porém, o conceito que dela formamos é um dos primeiros e mais fundamentais que tem
de possuir-se ao dar os primeiros passos no estudo da natureza. Por conseqüência, os corpos ou
objetos naturais são proporcionais na matéria e no peso, extensão e propriedades determinadas.
Quando os comparamos entre si, necessitamos agrupá-los em seções distintas, que permitam a
aquisição do não menos fundamental conceito genérico de substância”.

“Um canivete, uma lima, uma tesoura e muitos outros objetos de aplicação usual na vida e nas artes,
apesar da sua forma distinta, usos e aspecto, revelam achar-se constituídos todos por um material
duro, pesado, atraído pelo imã, a que damos o nome de aço e é a substância constituinte de todos
esses corpos”.

“Por outro lado, o número de substâncias é menor que o de indivíduos ou objetos. O verdadeiro
conhecimento dos corpos adquire-se pela observação das modificações que podem experimentar
sob a influência de causas diversas, como o calor, a luz, a eletricidade, a pressão, o choque, etc.”

“Estas variações conhecem-se na ciência pelo nome de fenômenos, e o conjunto das que
correspondem a um mesmo corpo constituem a sua característica e é vulgar designarem-se também
com o nome de propriedade”.

“Do exposto se deduz que um dos fatores essenciais em todos os fenômenos é a matéria que
constitui os corpos, o outro as diferentes causas que sobre ela atuam e modificam, comunicando-lhe
uma atividade que, por si só, parece não possuir”.

“A produção dos fenômenos não se concebe sem alguma coisa que acompanhe a matéria e se ache
sujeita às mais profundas e notáveis variações”.

“Esta alguma coisa tem-se designado em épocas anteriores com o nome de forças, mais conhecido
hoje pelo termo mais amplo, geral e compreensível de energia”.

“Assim, pois, a energia é a origem ou base comum de todas as forças, como a matéria o é por sua
vez dos corpos. As forças ou manifestações diversas da energia conservam o caráter abstrato da
origem de que provêm”.

Claro está que a palavra caráter, assim como a sua equivalente característica, estão tomadas na
citação precedente na acepção de conjunto de rasgos ou circunstâncias com que se dá a conhecer
uma coisa, distinguindo-a das demais, mas se penetrarmos o espírito da letra convencer-nos-emos
de que a aludida acepção convém igualmente ao homem, substituindo a palavra coisa, pela palavra
pessoa, assim como também podemos substituí-la pelas: vegetal, animal e mineral, sem se alterar
em coisa alguma a essência da definição.

Está certo; mas, como os científicos admitem que a energia é a origem ou base comum de todas as
forças, concluiremos que a afinidade, a coesão, a gravidade, o movimento, o som, o calor, a luz, a
eletricidade e o magnetismo, são manifestações dessa mesma e única energia.

E como a vida, a atividade, o funcionamento do universo em conjunto é o resultado da ação das


referidas forças, ou seja, da energia, forçosamente há de ser esta energia de natureza divina, a
energia de Deus, pois que de contrário daríamos razão a Laplace quando diz que não necessitava a
hipótese da existência de Deus para explicar a do universo.
E daqui não podemos sair. Ou admitimos o conceito materialista de que a energia é uma
propriedade inerente à matéria sem a intervenção de Deus, ou reconhecemos mais conforme o
raciocínio e a intuição de que a energia é o espírito de Deus que anima a matéria.

Por isso, se alguém nos disser que a energia está sujeita a profundas e notáveis variações, não
devendo, portanto, ser de natureza divina porque Deus é imutável, responderemos que a energia é
também imutável na essência, e só varia nas modalidades de manifestação.

Aliás, não diremos que a energia seja o mesmo Deus, se bem que dele preceda e participa a natureza
divina, como os raios de sol que aquecem e iluminam a nossa casa não são o sol, embora tenham
todas as suas propriedades luminosas caloríficas, elétricas e magnéticas.

Por outro lado, as forças da natureza não são, nem podem ser, cegas, pois que se o fossem umas
obrariam de um modo, outras de outro, sem ordem, sem continuidade, sem harmonia e sem
finalidade.

Não sendo cegas, hão de ser inteligentes ou dirigidas por uma suprema e infinita Inteligência, e,
portanto, nos corpos materiais em que incidem, há de haver inteligência, isto é, hão de ter caráter
mental, além do físico-químico. Para demonstrar que não é disparatada, mas sim muito razoável
esta conjectura, basta olharmos ao que sucede com a energia química ou suas afinidades.

Os químicos, no entanto, desconhecem o que seja afinidade, afirmando alguns que, de todas as
modalidades de energia, é a menos conhecida; portanto, não estão autorizados a negar caráter
mental aos seres inorgânicos, que, nas suas composições e decomposições químicas se conduzem
como se se conhecessem, e se unem de preferência a outros.

Operam as suas reações da mesma forma que se estivessem dotadas de ânimo e inteligência, como
se sentissem amor e ódio, simpatia e antipatia, dedicação e repugnância.

Não se combinam hoje duma forma, e amanhã de outra, nem em proporções caprichosas, mas sim
obedientes sempre à lei de afinidade, e em proporções definidas e invariáveis, cada qual em
conformidade com o seu caráter.

Tudo quanto fica dito deixa definir o conceito genérico do caráter, que, em maior ou menor grau
convém a todos os seres e a todas as coisas do universo, ainda que se manifestem culminantemente
no homem.

Por isso a definição do caráter humano é restrita, referindo-se apenas às qualidades intelectuais e
morais, e também as regras que governam as ações são mais restritas.

Assim se diz do homem de vontade firme e justiça reta, inflexível no cumprimento dos seus
deveres, enérgico em todos os seus atos, – enfim, um verdadeiro caráter.

Porém, por mais definições que possamos dar do caráter, nelas subsiste sempre o indiscutível
princípio de que ele é o modo de ser físico, intelectual e moral que distingue o indivíduo de todos
os seus semelhantes.

II

FUNDAMENTO DO CARÁTER
O caráter é a resultante da vontade, da coerência e do ambiente. – Halleck

Todos temos o dever de ser ditosos, mas, para sê-lo, temos de ir semeando benefícios pelo mundo,
que fiquem desconhecidos por nós próprios. – Stevenson

O amor é um fogo que incide as suas brasas iniciais no mais recôndito do coração, e logo refulge e
aquece sobre o mundo inteiro. – Emerson

Ainda que as circunstâncias influam muito no nosso caráter, a vontade pode modificá-las em nosso
favor. – Stuart Mill

Desde que a psicologia experimental adotou os métodos de investigação baseados no exame do


fenômeno, do feito, ou da chave do mistério, o homem progrediu no conhecimento de si mesmo até
o ponto de resolver, ou pelo menos de encontrar a solução de problemas que as especulações
metafísicas não faziam mais que baralhar com o seu estéril nominalismo.

Portanto, ao tratar da educação do caráter temos de basear-nos nos feitos de inigualável evidência,
cuja exatidão, pelo menos, não pode deixar de ser reconhecida pelos mais rudes entendimentos.

Entre estes feitos, contra os quais nada valem os hábitos escolásticos, é inegável que, ao vir a este
mundo o ser humano já traz consigo, latentes, todas as qualidades positivas e negativas, tanto físicas
como mentais e morais que constituem o seu único modo de ser.

Vem a propósito dizer que é necessário distinguir a personalidade da individualidade, porque, não
havendo esta distinção não poderá haver acerto possível, e mais difícil se torna educar o caráter.

Ainda que na linguagem vulgar, e muitas vezes na cientifica, se empreguem como sinônimos as
palavras indivíduo e personalidade referente ao ser humano, a moderna psicologia experimental
designa com o nome de individualidade o real e verdadeiro ser humano, como única substância
espiritual e individual, surgida do mesmo poder de Deus de quem é a imagem e semelhança.

Essencialmente, no que se refere à substância, à sua natureza espiritual, o ser humano não se altera,
não se muda, nem se troca, da mesma forma que, por exemplo, o oxigênio é sempre oxigênio, por
muito oculto que esteja na infinidade das suas combinações com outros elementos químicos.

Todavia, se essencialmente ou no que diz respeito à qualidade da sua natureza é sempre o mesmo, já
assim não é enquanto ao grau de desenvolvimento das suas qualidades inerentes, pois a experiência
ensina que o homem não se manifesta sempre o mesmo, desde que nasce até que morre.

Se, constantemente, porém, desde que nasce até à sepultura, ele se manifestasse sempre o mesmo,
no pensar, nas emoções, sentimentos e ações, seria inútil a educação, e a evolução seria uma palavra
vã.

Pelo contrário, basta que, cada qual, douto ou ignorante, se examine a si próprio e investigue a sua
consciência, para convencer-se de que nem sempre pensou, sentiu e operou de igual forma no
decorrer da sua vida. Por certo que mudou de opiniões e crenças, de afetos e paixões, sentimentos e
gostos. Não se manifesta, nem trabalha, nem pensa, nem discorre da mesma forma na juventude
como na infância, na adolescência como na juventude, nem na velhice como na virilidade.
No seu modo de ser há de por certo se ter operado alguma variante, manifestação externa, mudança
de caráter, alguma deslocação ou retificação nos seus sentimentos, ainda que persistam imutáveis os
principais rasgos.

Dia a dia se vai generalizando o conceito, antiqüíssimo como a verdade perdurável, de que o ser
humano não se dá à análise psicológica como unidade essencialmente definida, mas sim por uma
sucessão de estados de consciência, em cujo caráter fundamental se há de encontrar a unidade.

Esta sucessão de estados de consciência, estas mudanças e variações não afetam a essência
individual, mas sim a sua expressão e manifestação, como o acessório ao principal, o contingente ao
necessário, o acidente à substância e o atributo ao sujeito, e compreende-se sob a denominação de
personalidade ou pessoa, que é o instrumento ou meio de manifestação da individualidade.

Assim concluímos que o caráter é próprio da pessoa e pode definir-se sinteticamente, dizendo que é
ele a manifestação e expressão da individualidade.

A etimologia da palavra pessoa esclarece este conceito.

Deriva da preposição per e do verbo sonare que, no conjunto, significa para sonar, e se aplicava às
buzinas que os cômicos gregos e romanos punham nas máscaras ou caraças com que se
caracterizavam, para reforçar a voz de modo que se ouvissem em todos os pontos do anfiteatro.

É por isso que ainda hoje se dá o nome de personagens, e em inglês, caracteres, às figuras humanas
que intervêm em qualquer representação cênica.

Também os atores e atrizes dizem que se caracterizam quando compõem, desfiguram ou modificam
o rosto de tal modo que exprimam o aspecto próprio da índole e figura do personagem que lhe
cumpre representar pela distribuição da peça.

Vemos, portanto, que o primeiro fator do caráter é estabelecido pela natureza no ato do nascimento,
pois que o ser humano, desde o primeiro vagido, contém os germens de todas as boas ou más
qualidades, positivas e negativas do seu caráter, tal como a semente que, lançada às entranhas da
terra no seu estado potencial, já encerra raízes, troncos, folhas, flores e frutos duma futura árvore.

A educação corresponde ao atualizar a potência dos germens do caráter, como corresponde no


cultivar a atualização da potência biológica da semente para que brote fresca, florida e fecundante.

Porém, como todo o efeito tem a sua causa, qual será a de cada ser humano que vem a este mundo
com um caráter tão peculiar, próprio e inconfundível nos seus três aspectos físico, mental e moral,
que não tenha dois idênticos, nem, tampouco, iguais, por muito semelhantes que sejam nalguns
pontos de contato?

Donde provém essa tão notável diferença que existe entre a mentalidade rasa de um ignorante e o
gênio de um Newton, entre a rusticidade de um cafre e a arte sublime dum Velásquez ou dum
Malhôa?

Porque nascem uns com tão elevado entendimento e admiráveis aptidões, e outros idiotas, imbecis
ou falhos de compreensão, e de faculdades rudes renitentes a toda e qualquer ação educadora?

Responder a estas perguntas afirmando que os desígnios de Deus são impenetráveis, é iludir o
problema em vez de discuti-lo e resolvê-lo.
Sejam quais forem os desígnios de Deus, eles não podem encarnar a monstruosa injustiça que, sob o
ponto de vista em que os escolásticos se colocam, representa a mais profunda desigualdade de
nascimento.

De resto, estas desigualdades entre o que nasce num país selvagem e o filho de família civilizada,
entre o bom natural e o de maus instintos, proporcionam um novo argumento a favor da distinção
que existe entre a individualidade e personalidade, pois que sendo as pessoas tão diferentes não
podem identificar-se com o verdadeiro ser humano, com a alma imortal saída do seio de Deus,
sendo apenas os meios e instrumentos de manifestação da alma, ou, portanto, da individualidade no
estado de evolução em que se encontre.

Do contrário, se admitirmos a evolução do espírito humano, de sorte a atualizar as suas potências


sucessivamente num mais elevado grau, satisfatoriamente se explicam todas as diferenças, por
muito acentuadas que sejam, pois dependem dum maior ou menor avanço na evolução da
individualidade.

Portanto, o caráter revela o grau de evolução da individualidade ou verdadeiro ser humano, podendo
este mesmo grau aumentar em virtude da educação.

Certo é que os biólogos de tão indiscutível autoridade como sejam os sábios doutores espanhóis
Letamendi, Gómez Ocaña e Cajal afirmam a unidade fisiológica do ser humano; não negando,
todavia, a evidente diversidade que, em obediência à lei capital do universo entranha toda a
unidade.

Concordo em absoluto com o ilustre cardeal Mercier quando diz:

“Nas variações da personalidade, na pluralidade de personagens não é o sujeito individual nem a


pessoa propriamente dita que varia, se altera, dissolve ou desdobra”.

“O que varia são as formas de atividade pelas quais o sujeito se manifesta à consciência”.

“Porque, é bom não esquecer, o sujeito é incapaz de conhecer-se a si mesmo, e só pode conhecer-se
por meio dos seus atos conscientes. Assim, porém, desde o momento em que estes atos variam ou se
alterem, também altera ou varia o aspecto sob a qual conhecemos a nossa personalidade”.

“Em duas palavras: uma coisa é a individualidade em si própria, e outra a noção que dela nos dá a
consciência da nossa atividade”.

“Esta consciência varia; porém, ordinariamente as suas variações em nada modificam a noção do eu
familiar a cada um”.

“Contudo, em casos excepcionais esta noção habitual pode perturbar-se e causar-nos a ilusão de
uma mudança ou desdobramento da personalidade”.

Isto mesmo, precisamente o mesmo, sem a menor diferença de conceito, estão fartos de afirmar há
séculos os filósofos do Oriente, tão desdenhados pelo orgulho cientifico dos ocidentais.

Em resumo, o verdadeiro homem, o eu ou eixo espiritual em que residem os fundamentos do


caráter é a individualidade, a unidade substancial, embora as acidentais, transitórias e sucessivas
variações da unidade espiritual constituam a personalidade.
Estas variações não são mais nem menos que as diferentes etapas da evolução do caráter, aos
impulsos da educação.

Geralmente os filósofos consideram a chamada lei da hereditariedade como um dos fatores do


caráter.

Mas, como interpretar a hereditariedade? Na generalidade interpreta-se dizendo que é a transmissão


das qualidades físicas, mentais e morais, dos pais para filhos.

No entanto esta lei não é absoluta, tem inúmeras exceções, sobretudo no que se refere aos aspectos
mental e moral do caráter.

Há casos em que, de pais cujas faculdades atingem o nível do gênio, nascem filhos de medíocre ou
rude entendimento.

Outros casos há em que um pai de talento como Alexandre Dumas, procria um filho que o iguala, e
excede até em alguns rasgos o seu progenitor.

O pai e a mãe de Shakespeare eram criaturas vulgares e analfabetas; e numerosos exemplos a


história nos oferece, de homens eminentes nascidos de pais de acentuado nível mental inferior.

Não são menos numerosos os exemplos de filhos de maus instintos, nascidos de pais honradíssimos;
e, entretanto, outros que nasceram no seio de famílias depravadas jamais se desviaram do caminho
da honra e do dever.

Por isso, se nos detivermos a observar psicologicamente o caráter dos filhos de família, notaremos
que todos eles se distinguem assinaladamente do caráter de seus pais, ainda que sejam dotados de
certos rasgos comuns que não invalidam a distinção do conjunto.

Poderá haver nos caracteres de vários irmãos um mais ou menos acentuadamente parecido, análogo
ao que em ordem fisionômica se chama ar de família; no entanto cada um deles difere dos outros,
diferindo também de seus pais enquanto a qualidades de caráter, às vezes até completamente
opostas.

Nestas contradições se baseou a filosofia escolástica, para supor que a alma humana, a verdadeira
essência do homem, a que a psicologia moderna chama individualidade, não procede em caso
algum da alma dos seus progenitores, mas é criada por Deus no momento de nascer o indivíduo.

Parece mentira que um entendimento tão esclarecido em outros aspectos como o de S. Tomás de
Aquino defenda semelhante teoria que, a admitir-se como boa, tornaria Deus num ser caprichoso e
arbitrário, comparado à cega Fortuna dos pagãos, que sem razão nem motivo dota algumas almas,
no momento de criá-las, de qualidades de caráter eminentes, de natural inclinação para o bem,
enquanto infunde noutras as qualidades opostas.

Porque tanto as qualidades de caráter positivas como as negativas, as virtudes e os vícios, o caráter
moral em suma, se manifestam desde o nascimento, sem que o ambiente, a educação e o exemplo
tenham exercido a sua influência.

A este propósito diz Gillet o seguinte:

“Cada um de nós traz consigo, ao nascer, um conjunto de disposições, inclinações, paixões e


defeitos que opõem a sua força de energia à atividade livre. O não ter em conta um feito tão
evidente, e propor-se vencer esta muralha natural com esforços de decisão voluntária, é expor-se a
dispensar a mesma vontade ou a enfraquecer os mais bem dispostos para a luta”.

Porém, o ilustre dominicano não explica porque é que temos de nascer com esse particular conjunto
de disposições, quer dizer, com definido caráter individual, mas como reconhece a evidência do
feito, alguma causa há de ter, e não, por certo, a que ligando com o campo materialista supõe S.
Tomás de Aquino na sua “Suma Teológica”:

“É evidente que quanto mais bem disposto se encontra o corpo, melhor alma lhe cabe, pois o ato e a
forma recebem-se proporcionalmente às disposições e capacidade da matéria. Donde se conclui que
os homens dotados dum corpo mais bem disposto recebem uma alma de maior virtude ou poder
intelectual”.

E o cardeal Caetano, comentador de Aquino, corrobora este conceito dizendo:

“Nem todas as almas são iguais; nos melhores corpos as melhores almas”.

Tanto o anjo das escolas como o seu comentador se aproximam da realidade, ainda que, como o
dominicano Gillet, não explicou a causa de tal desigualdade, que apenas pode explicar-se
satisfatoriamente pela lei da trinitária e paralela evolução da forma, da vida e da consciência.

Admitida a lei da evolução e o plano de Deus para levá-la a termo, compreende-se perfeitamente
que a melhores corpos, melhores almas, não porque a sorte as bafeje como se fosse uma tômbola de
almas, mas porque a alma é um espírito que evoluciona, que se encontra numa etapa de evolução
adequada ao corpo em que se encarna.

Não menos absurda é a doutrina contrária segundo a qual a alma humana se desprende da dos pais
como luz que acende outra luz. Chama-se a esta doutrina, em linguagem filosófica, tradicionalismo,
defendendo-a, entre outros doutores da Igreja, S. Jerônimo, S. Cipriano e S. Cirilo.

Pelo visto é um problema ainda não definido dogmaticamente, e que entra na esfera do “dublin
libertas” de Santo Agostinho. Todavia, se assim fosse, resultaria ser o caráter dos filhos igual ao dos
pais, como idêntica é a natureza da luz que dimana da chama,

Há de, forçosamente existir outra causa, há de ter outra solução o problema da origem do caráter
humano, e enquanto a razão auxiliada pela intuição atinge, o mais admissível é que a vida terrena da
vida humana seja um presente que tenha o seu passado e o seu futuro, uma etapa da sua evolução,
consecutiva a outras etapas anteriores, e antecedente àquelas porque mais tarde há de passar.

Admitida esta hipótese que em nada se opõe à lei moral, ficam logicamente aplicadas as diferenças
de caráter que distinguem os seres humanos, confirmando-se a liberdade e a responsabilidade,
desvanecendo-se o fantasma do fatalismo, compreendendo-se a finalidade e eficácia da educação,
por que cada qual está no seu lugar e possui as qualidades de caráter correspondentes ao seu
respectivo grau de evolução.

Os pais proporcionam os elementos fisiológicos da personalidade, ou para melhor dizer, a


substância do corpo de carne, ossos, nervos e sangue que durante a vida terrena servem de meio de
expressão e manifestação da alma humana, cujos atributos e qualidades lhe são peculiares, como
resultado da sua etapa anterior da evolução.

Não é possível que os homens nasçam todos iguais, nem que Deus crie propositadamente uma alma
para cada um que nasce. A observação, a experiência e o sentido comum demonstram o contrário.
Basta observar as mudanças de caráter que, desde os seus primeiros dias, denotam as crianças,
embora nascidas da mesma mãe, criadas ao mesmo peito, crescidas no mesmo lugar e sujeitos a
idênticas influências de ambiente. Nem sequer os arbustos dão provas de ter igual caráter, por muito
semelhantes que sejam no seu aspecto físico.

Os professores notam experimentalmente que, entre milhares de alunos, há uns de índole dócil e
bondosa, e outros de instintos perversos e tendências criminais, sem que possa atribuir-se tão
flagrante antítese à hereditariedade, ao ambiente do meio, e muito menos a Deus, à sua infinita
bondade que, arbitrariamente, infunde maldade nalguns e bondade nos outros.

Sob o aspecto moral, vemos, por outro lado, crianças que, sem uma causa evidente, têm
excepcionais aptidões para qualquer ramo de conhecimentos, embora sejam umas perfeitas
nulidades para outro qualquer mister.

Temos ainda, por outro lado também, a prova experimental dos vulgarmente chamados meninos
prodígios, que causam espanto com a sua esperteza precoce e, quando adultos, caem no vulgar
anônimo, frustrando a obra da natureza, apesar de novos terem manifestado faculdades
extraordinárias de gênio, sem que tenham recebido o impulso da instrução.

Estes indivíduos, embora pareçam privilegiados, não aprendem, recordam. A sua espontaneidade é
uma reminiscência, e as suas prodigiosas aptidões o resultado natural de já passados esforços.

Pascal estabeleceu, sem que algum mestre o ensinasse, e não obstante o desterro solitário a que seu
pai o condenou, trinta e duas proposições de Euclides, descrevendo, com nomes de sua invenção, os
teoremas fundamentais da Geometria.

Mozart, aos três anos, tocava magistralmente piano, e aos seis, compunha peças musicais.

O físico Young conhecia a fundo seis línguas quando tinha apenas oito anos, e aos três, Gauss
resolvia os mais difíceis problemas aritméticos.

O calculista Inaudi resolve sem qualquer erro de aproximação, e fulminantemente, problemas


algébricos e de cálculo diferencial e integral que os mais profundos e abalizados matemáticos só
conseguem resolver depois de muito tempo e trabalho.

Ainda hoje, percorre os palcos das principais cidades do mundo um ator infantil chamado Narcisin
que, segundo um crítico, parece ter nascido conhecedor de toda a ciência teatral, pois só assim se
pode explicar a desenvoltura, firmeza e segurança com que pisa o tablado, o domínio da sua arte, e
o conhecimento de todos esses truques teatrais que só a muita prática ensina.

Logo, portanto, não temos que procurar o fundamento do caráter na hereditariedade nem no
ambiente, nem, tampouco, no arbítrio de um Deus que, por ser a Justiça absoluta, não pode praticar
com as criaturas a injustiça de dotar umas com talento e virtude e, não só negar estes predicados
intelectuais e morais a outros, como ainda sobrecarregá-los com o pesadelo do cretinismo e da
maldade.

É evidente o erro de S. Tomás de Aquino cujos merecimentos seria ridículo negar, se bem que como
homem estava sujeito a errar, como filósofo foi o adaptador ao cristianismo das doutrinas de
Aristóteles com algumas de Platão.
Os admiradores entusiastas do famoso dominicano chegam ao hiperbólico extremo de dizer que ele
era na filosofia o que Homero e Virgílio foram na literatura, Apeles e Rafael na pintura, Policrates e
Canova na escultura, e o papa Hildebrando na política.

Sem embargo, parece que a “Suma Teológica” está duplamente animada pelo espírito de Aristóteles
e Platão, pelo pensamento da antiguidade clássica.

S. Tomás é, sem dúvida alguma, o mais assinalado e sólido enlace entre a filosofia helênica e a lei
de Cristo; porém, esta nova lei foi a ampliação e complemento, e não a abolição da antiga que,
promulgada há milhares de anos atrás no Oriente, transportaram para o Ocidente Pitágoras,
Sócrates, Platão e Aristóteles, – os quatro precursores de Cristo segundo logicamente se infere das
suas doutrinas.

Os versos de ouro de Pitágoras são um verdadeiro evangelho precristiano. Quem ajustar sua
conduta às suas máximas, pode, sem hesitações afirmar que tem o seu caráter solidamente
fundamentado.

Sócrates ensinava a quantos queriam escutá-lo, que os deuses a quem adoravam não eram dignos do
menor pensamento, pois que os haviam inventado os mesmos homens, e existia Alguém no
Universo verdadeiramente digno da adoração do homem; Alguém infinitamente superior a todos os
da Terra, e que era o único Deus, o divino Ser, não como os deuses olímpicos, de paixões violentas
que, sempre iracundos, se intrometiam nos negócios mundanos, mas sim um Espírito a que poder-
se-ia chamar Verdade, Beleza e Bondade, uma vez que nome algum seria capaz de explicar a sua
natureza.

A melhor maneira de formar d’Ele um conceito será representa-lo com absoluta Perfeição.

A beleza que vemos na Terra é imperfeita; Deus é a perfeição de toda a beleza.

No mundo, a bondade e a verdade são imperfeitas também; Deus é a verdadeira perfeição de ambas.

Como este Deus admirável é o Criador do universo, e com o seu Espírito governa em todas as
coisas, o homem prudente há de compreender que na vida não existe maior felicidade que não seja a
comunhão com Deus.

Por isso deve pensar apenas na verdade, bondade e beleza, sem ter por objetivo a aquisição de
riquezas materiais, nem apetecer vestes luxuosas, nem suntuosas moradias, embora tudo isto pareça
frívolo e mesquinho.

O que ele deve desejar, antes de tudo e, sobretudo, na vida, é sentir e reconhecer a presença de Deus
na sua alma.

Para isso, há de pensar em Deus de forma que na sua mente este pensamento predomine. O seu
espírito há de familiarizar-se com o Espírito de Deus antes de deixar o corpo para com Ele morar
num verdadeiro mundo distante do nosso.

Sócrates dizia que o homem podia confiar na sua razão porque esta era o dom divino que, bem
empregado, o aproximaria de Deus. Se a razão lhe ensinava que os deuses olímpicos eram falsos,
como poderia adorá-los? O que os homens acreditavam no passado não os ligava ao presente; e só a
razão o decidiria.
Porém, por outro lado ensinava a possibilidade da imaginação ficar enganada pelos sentidos, e que
muitas pessoas gostavam de ser enganadas, julgando ver tudo quanto é possível, quando é certo ser
o invisível muito maior que o visível, e nem este sequer podemos ver todo.

Quanto às palavras, dizia que os homens as usavam como se fossem coisas, sem advertir o objetivo
representado pela palavra. Ensinava que o homem havia de ser sincero, fazer realçar o nível da sua
consciência, e perguntar a si mesmo: “Acreditas sinceramente nisto ou naquilo? Qual o verdadeiro
significado desta ou daquela palavra?”

Se o homem se habituar a ser sincero consigo próprio, depressa reconhecerá qual escasso é o seu
saber e deverá modestamente apresentar-se perante os outros, com profunda humildade perante a
eterna Sabedoria.

Mais não disseram séculos depois, os místicos cristãos, nem a teologia dogmática com todas as suas
doutrinas de S. Tomás de Aquino, definiram tão bem o conceito de Deus.

Se é certo que a S. Francisco de Assis chamaram o Cristo da Idade Média, Sócrates bem merecia o
título de Cristo da Idade Antiga, pois que os seus ensinamentos e os de Cristo sumariamente
coincidiam nestes fundamentais princípios: “O Visível, à sombra do Invisível; a união com Deus, o
supremo estado da bem-aventurança exeqüível na alma humana”.

Platão, discípulo de Sócrates, continuou os ensinamentos do seu mestre, empenhando-se em


combater as tradicionais idéias dominantes tão propícias entre os gregos, para quem o homem não
era mais que um mecanismo receptador de sensações.

Platão, adiantando-se vinte cinco séculos aos filósofos modernos, demonstrou que, uma coisa é
receber impressões, e outra muito diferente percebê-las. O corpo recebe-as pelos órgãos dos
sentidos; porém, é por intermédio das faculdades da mente que o espírito as percebe.

A alma que conhecemos é a idéia, o conceito, a noção que formamos e temos das sensações
recebidas.

Sem a idéia restar-nos-ia apenas a sensação material, não podendo haver verdadeiro conhecimento.

Aristóteles, discípulo predileto de Platão, embora se equivocasse em muitas das suas conclusões,
deu ao mundo do Ocidente a idéia que todas as coisas são governadas por uma lei universal.

Antecipando-se a Schopenhauer, que tanta fama desfruta entre os desconhecedores da Sabedoria


antiga, viu, na ordem, harmonia e beleza do Universo, uma manifestação e expressão da Vontade de
Deus. Para ele, a vida humana não era uma comédia de deuses e demônios. O homem podia
impavidamente erguer a sua fronte ao saber que o Universo era obra da suprema Inteligência.

Coisa alguma sucede por casualidade, nem o capricho tem domínio algum no Universo; a lei é que
impera.

Foi de Sócrates, Aristóteles e Platão, que todos os teólogos e filósofos aproveitaram as doutrinas
que, através dos séculos, se têm sucedido, na intensa labuta de descobrir a Verdade absoluta.

De todas estas considerações e comentários se infere, que o homem, quando nasce, já traz consigo o
seu caráter próprio e peculiar, suscetível de aperfeiçoar-se pela educação.
III

TRANSCENDÊNCIA DO CARÁTER

Todos exclamam: Onde está o homem que há de salvar-nos? Faz falta um homem! Porém, não
precisais ir muito longe; tende-lo bem perto. – Esse homem és tu, sou eu, somos nós todos. E como
é então um só homem? Nada mais difícil se nenhum o sabe ser. Nada mais fácil se um o sabe ser. –
Alexandre Dumas

Não há nada no mundo como seja o homem, e não há nada verdadeiramente grande como um
homem de caráter. – W. M. Evarts

A vida é como uma folha de papel em branco onde escrevemos um determinado número de páginas
até vir a morte. Comecemos magnanimamente! Mesmo que tenhamos apenas tempo para escrever
uma única linha, que esta seja sublime, pois que só é crime e fraqueza a ambição. – Lowell

Dize-me a quem admirais, e eu vos direi quem sois e qual o vosso caráter. – Sainte-Beuve

Se formos a admitir que a palavra “transcender” significa comunicar os efeitos de umas coisas a
outras, produzindo conseqüências, não há dúvidas de que o caráter de cada indivíduo transcende aos
semelhantes com quem convive ou está freqüentemente em contacto.

A transcendência do caráter pode comparar-se à força da gravidade que opera na razão direta das
massas e na inversa do quadrado das distâncias.

O Sol, cuja massa é um milhão e quatrocentas mil vezes maior que a Terra, atrai este planeta e todos
os do mesmo sistema; porém, cada planeta atrai por sua vez o Sol, embora a mais intensa atração
prevaleça do astro central. A atração não é unilateral do maior ao menor, mas sim recíproca e
multilateral entre todos os globos do sistema solar.

Analogamente, entre os indivíduos que vivem ou atuam em sociedade, familiar ou doméstica, já


num município, comarca, província, região ou nação, na humanidade inteira, ou mesmo numa das
diversas associações formadas por uma comunidade de interesses ou aspirações respeitantes a
qualquer dos múltiplos fins da vida, transcendem uns nos outros por meio da recíproca influência do
seu caráter.

A influência está na razão direta da magnitude do caráter e na razão inversa do quadrado da


distância entre os indivíduos.

Quanto mais positivo, equilibrado e inteiro é o caráter nos seus três aspectos físico, mental e moral,
maior influência exerce em quantos o rodeiam e menos influído está pelos caráteres de menor
potência física, mental e moral.

O famoso jurisconsulto Carlos Sumner, devido à inteireza do seu caráter nos seus dois aspectos
mental e moral, exerceu uma decisiva influência em todos quantos com ele se relacionavam.

Predominou nos meados do século XIX e não teve quem, naquela época, o excedesse nos domínios
da jurisprudência. O seu profundo e eloqüentíssimo discurso pronunciado em Boston, no ano de
1845, sobre o tema “A grandeza das nações”, trouxe-lhe merecida e justa fama de orador,
colocando-o na vanguarda dos pensadores.
Foi íntimo amigo dos poetas Whittier e Longfellow, e foi na companhia de Horácio Mann que
denodadamente arremeteu contra as preocupações e erros públicos dos seus conterrâneos,
trabalhando pelas reformas sociais e pela abolição da escravatura.

Emancipados os escravos, Sumner dedicou-se à nobre tarefa de beneficiá-los social e moralmente


por meio da educação, não obstante a hostilidade acérrima com que o combateram os ferrenhos
inimigos da raça negra.

No seu leito de morte Sumner ainda exclamou: “Tudo se resume no caráter!”

A homens como Sumner pode aplicar-se a invocação do poeta que cantou dizendo:

“Oh, Deus, dai-nos homens! Uma época como a nossa requer mentes vigorosas, corações
magnânimos, fé verdadeira e mãos hábeis”.

“Requer homens a quem a cobiça de cargos públicos não atormente nem os seus lucros possam
subornar. Homens de boa vontade e convicções firmes; homens de honra que detestem a mentira e,
sem pestanejar, sejam capazes de defrontar demagogos e esquivar-se aos seus afagos traiçoeiros.
Homens que aureolados pelo Sol vivam acima das nuvens, no cumprimento dos seus deveres
públicos e privados”.

Jaime Abram Garfield, vigésimo presidente dos Estados Unidos, entrou como criado para o Colégio
Hiram de Ohio, onde cursou os estudos que mais tarde o elevaram a catedrático de línguas antigas,
e posteriormente a diretor do mesmo colégio cujas salas de aula e corredores tinha varrido na sua
juventude.

Ao iniciar-se a guerra civil, ingressou no exército onde foi subindo de posto até atingir o de
generalíssimo pelo seu heróico comportamento na batalha de Chickamanga, em 1863. No ano
seguinte foi deputado ao congresso, e, em 1880, eleito presidente da República.

O seu biógrafo Ridpath cita que Garfield, quando foi admitido no Colégio Hiram como criado,
ficando os seus serviços em paga do ensino a receber, exclamou:

“Antes de mais nada preciso de ser homem, pois que, sem o conseguir, jamais terei coisa alguma”.

Logo, portanto, ainda não se chegou àquela perfeição que Cristo aconselhava aos seus discípulos
quando lhes dizia que fossem perfeitos como perfeito era Deus que está nos céus.

Os varões insignes, cujo caráter tanto influiu no progresso da humanidade, não foram perfeitos nem
possuíram todos os predicados ou qualidades positivas ou harmônicas que requer o vulgarmente
chamado caráter completo.

Sem embargo, as suas boas qualidades eram tantas e tão intensas que prevaleciam contra os seus
defeitos na manifestação e transcendência do caráter.

Porque, convém advertir que a transcendência do caráter humano se efetua de maior para menor nos
aspectos moral, mental e físico, quando recebem indivíduos normalmente constituídos.

As pessoas sinceras, honradas, decentes e de boa vontade, embora de fraca compleição de caráter,
admiram e estimulam ou tentam estimular as qualidades morais, com preferência as mentais e as
físicas do objetivo da sua admiração.
O santo exerce nas multidões maior influência do que o sábio, e a formosura física, o vigor
muscular, o caráter físico numa palavra, deixa extasiada a indiscreta admiração do vulgo de baixa
mentalidade.

No que diz respeito à transcendência do caráter tem o aspecto físico uma diminuta intervenção, isto
é, os defeitos ou imperfeições do corpo não servem de obstáculo ao exercício poderoso da
influência, da virtude, do talento, da bondade e da sabedoria, como aspectos moral e mental de um
positivo caráter humano.

Todavia, a fisionomia, expressão do rosto ou, como vulgarmente se diz, aspecto, com raras
exceções se harmoniza com o caráter mental e moral.

A filosofia popular, compendiada em adágios, rifões, provérbios e ditos, na sua maioria acertada por
serem fruto duma intuitiva observação psicológica, e a experiência de muitas gerações, corrobora a
correspondência entre o aspecto físico com os aspectos intelectual e moral do homem, em frases
como estas:

“Os olhos são o espelho da alma; na cara está a idade; tem cara de bruto; basta olhar para ele
para se ver que é homem de talento; no seu rosto reflete-se a bondade; tem olhos de patife; parece
uma perua; etc., etc.” e assim poderíamos citar uma infinidade de frases demonstrativas da relação
que há entre o caráter físico e o intelectual e moral.

A sujeição e a fisionomia são duas espécies diferentes da moderna psicofísica ainda não
estabelecidas, todavia com a afinidade que tem com a grafologia, hão de contribuir no dia de
amanhã para facilitar a educação do caráter humano.

Por isso, os metafísicos especulativos, cujos raciocínios tem por base prejudicial os ditames duma fé
absurda e cega, classificam de anticientífica a hipótese fisiológica estabelecida por Gall, e mantida
pelo espanhol Cubí, chegando a relegar para o campo do charlatanismo a fisionomia e a grafologia.

Não obstante, ainda há de chegar o tempo em que o progresso da psicofísica ou ciência das relações
entre a individualidade e a personalidade do ser humano, ou para melhor dizer, entre a alma e seus
instrumentos e meios de manifestação, demonstrem o fundamento cientifico dessa notória
correspondência entre a configuração do crânio, a histologia do cérebro, a expressão do rosto e os
outros dois aspectos mental e moral do caráter da pessoa.

No entanto, convém precaver contra entusiasmos prematuros, e ocultar-se dos aficionados a


frenologia, fisionomia e grafologia que ameaçam com muitos erros e desenganos.

Estão estas três espécies de psicofísica no período de brotação, por isso temos que esperar que, com
o tempo, floresçam e frutifiquem.

Detivemo-nos apenas nestas considerações a fim de exemplificar a importância do aspecto físico na


transcendência do caráter, sobretudo entre pessoas do sexo diferente.

A atração sexual tem geralmente por causa as qualidades físicas.

A mulher prendada não se sentirá atraída por um homem boçal e repugnante, nem o homem, por
certo, se sentirá enamorado por uma mulher cujo rosto seja a mais completa negação do belo.

As relações sexuais têm por incentivo a formosura, a beleza, a graça, a simpatia, qualquer coisa
indefinida que opera como um imã, e que, quase sempre deriva mais da expressão fisionômica, da
desenvoltura e elegância dos gestos, do timbre e inflexão da voz, dos elementos do aspecto físico do
caráter, do que da correção acadêmica das linhas fisionômicas.

Há mulheres que, analisadas bem pelos clássicos cânones da estética, são feias, e, no entanto têm
uma tal graça, uma tal simpatia e uma tal candura, como dizem os andaluzes, que atraem,
enamoram, cativam e seduzem; outras há que, pelo contrário, merecedoras dum primeiro prêmio no
concurso de beleza, são frias como estátuas de carne, sem graça, nem donaire, nem garbo, nem
aquele predicado que atrai, rende e subjuga por ser a manifestação característica da alma e do
corpo.

Se refletirmos bem sobre todas estas considerações, elas não se apresentarão tão incongruentes
como à primeira vista possam parecer às mentes indisciplinadas incapazes de associar idéias.

Antes pelo contrário, elas servirão para nos convencer de quanto é eficaz e benéfica a
transcendência do caráter que, afinado pela educação, requer ser favorecido desde princípio pelo
desenvolvimento das qualidades positivas que constituem o fundo comum, a base fundamental e a
unidade essencial do homem no próprio sentido que a psicologia popular dá à palavra na frase: é
um homem, equivalente a: é um caráter.

A este propósito disse Rousseau:

“Os homens são iguais por natureza, e a sua comum vocação é a profissão da humanidade”.

“Aquele que estiver bem educado para cumprir os seus deveres de homem, não poderá estar mal
preparado para exercer o ofício, profissão ou emprego que com ele se relacione”.

“Pouco me interessa que o meu discípulo queira ser militar, eclesiástico ou homem de foro”.

“A natureza destinou-nos a profissão da vida humana, antecedentemente ao nosso destino na


sociedade civil”.

“A vida é a única profissão que pretendo ensinar ao meu discípulo”.

“Uma vez educado, não será, por certo, nem militar, nem jurisconsulto, nem teólogo. Primeiro há de
ser um homem, porque a fortuna pode transferi-lo de um para outro lugar, e assim estará sempre no
mesmo sítio”.

Logo, portanto, no dizer do famoso filósofo todos os homens são iguais por natureza, apenas no que
se refere à igualdade essencial da sua origem, e não de modo algum à impossível igualdade de
manifestação e expressão da personalidade, pois que se assim fosse seria inútil a palavra caráter.

Na natureza há igualdade de essência e harmonia de manifestação. Se todos os seres e todas as


coisas se manifestassem da mesma forma, não poderia haver harmonia entre si, como não a há
numa orquestra de instrumentos iguais dando todos a mesma nota.

Diz João Stuart Mill:

“O caráter por si próprio deveria ser para o indivíduo um supremo fim, acentuadamente pelo ideal
da nobreza de caráter, o que contribuiria muito mais do que outra qualquer coisa para a felicidade
na vida, tanto no relativamente inferior sentido de desfrutar o prazer e evitar a dor, como no mais
alto significado de fazer da vida, não o que é, pueril e insignificante, mas sim como o desejaria que
fosse o homem dotado de vigorosas faculdades”.
“E isto, no menor ou maior grau, todos o podemos conseguir, pois que ainda que as circunstâncias
influam notavelmente no caráter, a nossa vontade é capaz de modificá-las; e o que verdadeiramente
há de inspiração e alento na doutrina do livre arbítrio é o podermos eficazmente obter a formação
do nosso caráter mediante a influência da vontade nas circunstâncias, de modo que possamos
modificar os nossos hábitos de pensamento e ação”.

Não resta dúvida que a vontade individual é um poderoso instrumento para a educacao do caráter;
porém, não é suficiente, e muito menos quando, como sucede na maioria das pessoas, se não tenha
ainda atingido o grau de vigor necessário para manifestar-se na plenitude do livre alvedrio.

A vontade necessita do concurso de outros elementos psicofísicos que a despertem, estimulem e


dirijam.

Um destes elementos é o exemplo, sempre superior ao preconceito; e não é debalde que se classifica
de exemplar uma conduta precisamente ajustada à lei moral.

Daqui resulta a importância da transcendência dos caráteres nobres e íntegros no seio da família e
no vasto campo da sociedade civil, pois serve de exemplo, norma e guia a quantos, por vicissitudes
da vida, entram na esfera da sua influência.

Assim disse com muito acerto Emerson quando afirmou que os homens de caráter nobres e firmes
são a consciência da sociedade a que pertence, isto é, que além de inspirar admiração e respeito
subjugam a vontade dos outros, dominam o ânimo das multidões, e exercem intelectual e
moralmente o governo dum povo.

Se considerarmos o caráter na sua mais alta modalidade positiva, não há no mundo psíquico outra
força tão poderosa, pois que esta tem por principal elemento a firme e consciente vontade, e mostra
o homem em toda a plenitude da sua grandeza.

Um homem cujo caráter fosse a resultante de todas as qualidades positivas que no máximo grau
constituem o ideal da perfeição, transporia o limite superior da evolução humana para se converter
em super-homem.

Todavia, ainda nenhum mortal, exceto Gautama e Buda, alcançou o pináculo da sabedoria nem da
santidade, se bem que alguns atinjam a perfeição, ou, pelo menos, possuem num grau eminente
certas qualidades de caráter que os colocam num nível muito superior à massa geral da humanidade.

Estes homens superiores, ainda que não sejam perfeitos, dão a nota intelectual e moral ao povo em
que vivem e exercem a sua influência.

Passados séculos e perdidos no abismo do tempo os impérios da Grécia e de Roma, apenas ficou
deles intensamente vivida a influência dos homens superiores que lhes infundiram caráter e
animaram com o seu espírito.

Jazem em ruínas a Acrópole de Atenas e o Capitólio de Roma. Em pó se reduziram as estátuas dos


imperadores divinizados pela covarde adulação. Porém, fulguram ainda sem eclipse no céu do
pensamento humano como constelações de idéias eternas os nomes e as obras de Homero, Teócrito,
Píndaro, Demóstenes, Pitágoras, Sócrates, Platão, Aristóteles, Vergílio, Horácio, Ovídio, Tito Lívio,
Cícero, marco Aurélio e Epicteto, guias e mestres do Ocidente à luz da milenária sabedoria
incendiada na sempre viva luz do Oriente.
Não se concebe a Grécia sem Homero e Platão, nem Roma sem Horácio e Vergílio.

A este propósito escreve um autor:

“Quando distrairmos a nossa atenção dos feitos, sempre transitórios, para fixá-la nas idéias de valor
permanente e absoluto, não deixamos de advertir que um dos temas que mais insistentemente
acodem ao pensamento é dos princípios que regem a marcha da evolução humana”.

“Porque a considerarmos o curso dos homens, acabamos por perguntar se o estímulo mais poderoso
e decisivo é a força, a inteligência, a economia, ou qualquer outro fator humano”.

“Não é indiferente que prevaleça um ou outro em relação com o juízo que formemos do Porvir”.

“Seremos otimistas ou pessimistas segundo cremos que na marcha da evolução mande o esforço
racional do homem, ou um concurso de circunstâncias apenas aos desejos do espírito”.

“Nós somos otimistas. Acreditamos na eficácia da inteligência, que sempre prevalece, embora às
vezes necessite servir-se de elementos materiais, quando as armas logram o seu máximo valor como
meios difusivos de cultura”.

“Cumprida a missão, o instrumento desaparece e prevalece a idéia”.

“Atenas foi vencida por Esparta e esta por Tebas, e toda a Grécia por Macedônia para a derrota
figurar na disciplina de Roma”.

“Triunfaram as legiões de Lácio, porém o mundo estava já helenizado, e Roma teve de volver os
olhos para Atenas e Alexandria de onde vinha a luz”.

“Os ecos do poder material dos antigos povos extinguiram-se na distância histórica; todavia algo
sobrevive e se integra no patrimônio universal do espírito humano”.

“Mais do que a espada de Alexandre pesa a pena de Aristóteles; e filósofos, juristas, literatos,
cientistas, investigadores, teólogos e artistas, presidem e guiam a evolução do homem até aos ideais
da Justiça e da Liberdade”.

Sem embargo, não é indispensável que pelas suas provas mentais ou morais, pelo seu preclaro
talento ou virtudes heróicas, se conte o homem entre as seletas minorias que em todas as épocas
dirigiram a evolução da humanidade.

Também se pode dar transcendência ao seu caráter na limitada esfera de ação em que o hajam
colocado as circunstâncias da vida.

O chefe de família em sua casa, o comerciante na sua loja, o industrial no seu atelier ou na fábrica,
o gerente na oficina, o jornalista na imprensa, o orador na tribuna, o juiz nos tribunais, o funcionário
no seu emprego, o sacerdote no púlpito, o professor na cátedra, o escritor no livro, o militar nos
quartéis, o governador no seu distrito, e o ministro no seu departamento, todos que tenham
autoridade e mando podem contribuir eficazmente com o seu exemplo e transcendência do seu
caráter para o melhoramento dos seus dependentes e subordinados.

A transcendência do caráter de quem ocupa uma posição elevada e desempenha um alto cargo em
qualquer esfera social é um poderoso elemento na educação e enaltecimento da consciência pública.
O caráter do preclaro tribuno espanhol Emílio Castelar exerceu maior influência na história da sua
pátria quando era apenas deputado, do que na presidência da efêmera república espanhola.

Sem outra força do que a transcendência do seu caráter estendeu extraordinariamente a zona de
atração da monarquia para a democracia.

Do seu fauteuil de deputado, com a magia da sua eloqüência que demonstrou mais uma vez o poder
da palavra posta ao serviço de altos ideais, Castelar muito contribuiu para o estabelecimento das
instituições democráticas na Espanha.

Bolívar, San Martin, Rivadavia e Sucre sintetizam o caráter coletivo da independência americana.

Há feitos, vulgarmente chamados rasgos de caráter, que têm pela sua transcendência maior eficácia
que cem ou duzentos discursos e sermões.

Como exemplo citaremos o seguinte caso de que foi protagonista o arcebispo de Montevidéu, Mgr.
Aragonne, durante a sua permanência na capital espanhola.

Estava o prelado hospedado num convento situado no bairro de Rosales, e achava-se uma manhã
contemplando a paisagem do Guadarrama, quando no aposento entrou o seu secretário anunciando-
lhe que desejava saudá-lo uma mulher de aspecto humilde que, apesar da insistência em perguntar-
lhe o seu nome se recusara a dizer-lhe.

Consentiu em recebê-la o arcebispo, e dali a pouco tinha na sua presença uma velhota achacada que,
depois de beijar-lhe o anel, lhe contou chorosa e suspirando que um filho seu tinha emigrado para o
Uruguai há já oito anos, sem que durante esse tempo tivesse recebido quaisquer notícias.

Sabedora da estada do arcebispo de Montevidéu em Madrid, o seu coração de mãe aconselhou-a a


que o procurasse para lhe dizer o paradeiro de seu filho e levar-lhe, se a tanto a sua bondade o
permitisse, uma carta e uma recordação.

Comovido Mgr. Aragonne com a patética discrição da pobre mãe, perguntou-lhe pelo nome e sinais
de seu filho.

Ao ouvir o nome, o prelado estremeceu e por um momento anuviou-se-lhe o semblante; porém


depressa recobrou o ânimo e prometeu à velhota desempenhar-se da missão, pois conhecia seu
filho, que por certo, estava bom e são.

No decorrer da conversa que ambos sustentaram, ficou o prelado informado de que a pobre mulher
não tinha outro amparo que o auxílio de algumas pessoas caridosas que a ajudavam no que ela não
podia alcançar de outro filho que tinha, sargento do exército, que nessa ocasião combatia em
Marrocos.

Prodigalizou-lhe Mgr. Aragonne, ao despedir-se, palavras de conforto, dando-lhe a consolação


moral e material de algum dinheiro.

O filho expatriado era precisamente o indivíduo que, alguns anos atrás, quando o arcebispo estava
pregando na Catedral de Montevidéu, disparara sobre ele, à queima-roupa, alguns tiros de revólver,
ferindo-o gravemente.

A velhota que acabara de socorrer era, como os nossos leitores estão vendo, a mãe do agressor,
condenado a presídio.
E assim o prelado demonstrou que retribuía com o bem o mal que ele lhe fizera, sendo de louvar o
piedoso silêncio que manteve, não revelando à mãe a façanha de seu filho.

Um rasgo desta natureza denota um caráter muito superior ao ordinário nível da humanidade e há
de, seguramente, estimular os bons sentimentos e qualidades positivas de quantos o conheçam,
movendo-lhes o desejo de imitá-lo em circunstâncias análogas.

Sobretudo, contribuirá para o arrependimento e emenda do infeliz que se deixe extraviar por leituras
de difícil digestão mental, pois que a atitude da sua vítima não poderá deixar de bulir com a sua
consciência, de onde a alma espera receber os benéficos impulsos do bem.

Outro exemplo:

O malogrado estadista espanhol Eduardo Dato, vítima daqueles que beneficiou com as suas
reformas sociais, quando ministro percorreu em visita oficial determinada província.

Entre outros locais que visitara, foi uma tarde a um hospital, onde, ao passar pela porta de uma das
enfermarias, as autoridades que o acompanhavam fizeram um movimento significativo como para
indicar-lhe que não se detivesse e passasse adiante.

Dato, porém, estranhando, deteve-se e perguntou o que havia de extraordinário ali, obtendo como
resposta ser aquela a enfermaria dos infecciosos, onde naquela ocasião existia apenas um doente.
Entrou resolutamente, vendo que a enferma era uma rapariga de quatorze a dezesseis anos,
variolosa, e num estado de tal gravidade que tinha as feições completamente desfiguradas.

A pequena, ao ver o ilustre estadista acompanhado da sua comitiva, manifestou grande alegria, e
Dato compreendeu então até que ponto os que o acompanhavam eram egoístas não o querendo
deixar ver, nem verem, tão desagradável espetáculo.

E foi assim que o considerado político, que era quase um santo, deu uma lição de humanidade a
todos os presentes, pois que não só dirigiu palavras afetuosas à doente como também a beijou na
fronte.

Tem-se dito que não há homem nenhum superior para o seu criado de quarto, dando-se assim a
entender que no trato social, no exercício de um cargo, quando nele se fixam todas as atenções, dá
mostras de muito distinto e na intimidade, no convívio com parentes e amigos é completamente
outro.

Alguns moralistas têm-se ocupado em distinguir a diferença que há entre a vida pública e a privada
dos homens que, de um ou outro modo se oferecem à apreciação das multidões, por isso é já
corrente aquela frase que diz que: “é sagrado o que se passa na vida privada”.

Não é porque na atividade da sua vida pública, no seu trato dom as pessoas um homem revele
claramente as positivas qualidades do seu caráter, livrando-se assim da responsabilidade moral que
delas advenha, caso se esqueça e ao entrar em casa aflija a sua família com o pesadelo das suas más
qualidades.

O caráter íntegro e equilibrado distingue-se pela forma como pensa, fala e opera em todos os atos da
sua vida, e ainda maior domínio mostrará sobre si mesmo e mais eficaz há de ser a transcendência
do seu caráter no seio da família, na intimidade do lar e no convívio com os parentes e amigos, pois
que de contrário seria portar-se pior com a família do que com os estranhos.
O homem de equilibrado e harmônico caráter nos seus três aspectos, físico, mental e moral, não
estabelece discrepância entre o que é e o que parece ser.

A sinceridade é a sua fundamental característica de manifestação e a hipocrisia não tem para ele um
real significado.

IV

O ASPECTO FÍSICO

O que primeiro se nota num homem quando se observa é o seu corpo; isto é, uma porção de
matéria que lhe é própria. Para compreender o que seja, necessitamos compará-la com tudo
quanto está por cima e por baixo dele, a fim de conhecer os seus justos limites. – Pascal

Da geral definição do caráter no seu mais amplo conceito se infere também que todo o ser humano
tem as suas características físicas e fisiológicas, tanto externas como intermas, que o distinguem de
todos os seus semelhantes e que estão estreitamente relacionadas com os aspectos mental e moral
do seu caráter, ainda que à primeira vista não se descubra a relação.

Porém, hoje, psicólogos e biólogos estão inteiramente de acordo em admitir por positivo e certo o
ensinamento da observação e a experiência dos fenômenos psicofísicos, físico, mental e moral do
ser humano, demonstrando com ele novamente que eles não são a sua verdadeira alma ou essência
espiritual, mas sim os seus instrumentos ou meios de manifestação e expressão.

Se um destes três instrumentos é deficiente ou está estropiado, não poderá a alma humana
manifestar absolutamente as suas intrínsecas qualidades. Daqui resulta a importância e necessidade
de conhecer a fase física do caráter nos seus dois aspectos externo e interno.

O aspecto externo distingue-se à primeira vista, e uma vez bem observado é inconfundível.

Consiste nos sinais ou traços pessoais de fisionomia, timbre de voz, gestos, atitudes, maneira de
andar, configuração e contorno do corpo, estatura, cor do cabelo e dos olhos, tonalidade da cútis e
outras não menos notáveis características, como certos gestos que nem o próprio indivíduo que os
faz se apercebe deles.

Estes rasgos fundamentais do caráter físico não podem exterminar-se, mas sim se modificarem pela
educação. Assim como sucede àquele que educa e melhora a voz, pelas regras e métodos da arte do
Canto, com tempo e perseverança pode modificar-se a maneira de andar, os hábitos, as atitudes e
ainda a própria fisionomia e cor do cabelo, pele e olhos, embora não seja possível aumentar nem um
só milímetro mais na estatura.

Vejamos o aspecto vulgar, chambão e grosseiro da maioria de recrutas campônios que ingressam no
exército, arrastando os pés, olhando para o chão, com modos acanhados e nenhum aprumo, e
comparemo-lo com o ar marcial, modos desenvoltos e andar rítmico e desempenado que eles mais
tarde adquirem e levam para as suas terras quando acaba o tempo de serviço.

O bom resultado que se adquire pela disciplina e exercício militar, pode obter-se igual ou ainda com
mais vantagem por intermédio de uma educação harmônica e integral.
Uma outra prova de que o aspecto físico do caráter está intimamente unido aos outros dois aspectos
mental e moral, e não deles desassociado como até a pouco se supunha, temo-la na vivacidade e
desenvoltura da mente, na perspicácia e agudeza das faculdades intelectuais; o que sinteticamente se
chama talento reflete-se com admirável lucidez no rosto, assim como no sentido contrário se reflete
também na apagada expressão do rosto a incultura dum cérebro acanhado.

A mesma observação pode fazer-se no que diz respeito à bondade ou maldade de caráter moral.

Todavia, o aspecto externo do caráter físico não é nem mais nem menos do que a manifestação do
aspecto ou constituição interna que, segundo as moderníssimas experiências demonstram, depende
por sua vez das chamadas secreções internas, cujo estudo e conhecimento se há de dar quando se
complete com um forte impulso a psicologia experimental, a psicofísica, e, por conseguinte, a
ciência da educação.

Estas secreções internas não são mais nem menos também que os humores dos médicos da
antiguidade, como Hipócrates e Galeno por intuição pressentiram na existência do organismo
humano, que influi na mente, e, sobretudo, no ânimo, apesar de se equivocarem na natureza e
denominação desses humores.

Por isso são vulgares as frases estar de bom humor ou de mau humor, e dizer-se que melancolia
significa bílis negra, tristeza vaga e profunda que não encontra distração em parte alguma.

Hoje, já se conhecem nove glândulas de secreção interna que derramam diretamente no sangue o
seu produto.

São as seguintes: hipófise, epífise, tireóidea, paratireóides, timo, pâncreas, baço, supra-renais e
genitais.

Todavia, ainda não é conhecida a natureza essencial destas secreções, podendo isolar-se a tiroidina
da glândula tireóidea; a pituitina da hipófise; e a adrenalina das supra-renais.

Entretanto, sabe-se ao certo que a vida e atividade do organismo físico estão reguladas pelas
secreções internas que determinam a estatura do indivíduo, a sua obesidade ou magreza,
independentemente da alimentação, o gênero de vida, temperamento e sexualidade, e que influem
no sistema nervoso e modificam as funções psíquicas da mente no ânimo.

A voz adelgaçada e a falta de barba na mulher provêm da falta no organismo feminino de uma
secreção existente no masculino.

Se esta secreção diminuísse no homem, este seria imberbe, e se não deixar de existir por completo
na mulher, aparecer-lhe-ão no rosto alguns pêlos que nenhum depilatório é capaz de exterminar.

Sabe-se também que o raquitismo, a detenção do desenvolvimento dos ossos e de outros órgãos,
tem por causa a insuficiência da hipófise; o que sucede se a secreção desta glândula for abundante, é
o que determina o gigantismo, exemplificado nos homens e nas mulheres de descomunal estatura e
corpulência que eventualmente se exibem nas barracas de feira.

Também acontece, com freqüência, ver-se uma mulher de fraca complexão e muito magra em
solteira, engordar e atingir até obesidade depois de casada; e também se observa o fenômeno
contrário, cuja causa está na alteração do funcionamento das secreções.
O cretinismo e o idiotismo são anormalidades do caráter físico, que consiste na falta de faculdades
mentais e de sentimentos morais, e provém da insuficiência da glândula tireóidea que rege o
desenvolvimento do cérebro e as funções da mente, e pode curar-se por meio de injeções de
tiroidina.

O que fica exposto corrobora a indissolubilidade dos aspectos físico, mental e moral do caráter
humano, e é indispensável que dela tomem conhecimento todos aqueles que cuidem de auto-educar-
se ou de educar a infância, pois que sem o precedente obrigado da educação do caráter físico, de
modo que dê por fruto um organismo harmonicamente equilibrado, resultará tão difícil como
deficiente a educação dos aspectos mental e moral.

E é tanta e tão poderosa a influência e importância do aspecto físico do caráter, que alguns biólogos
modernos, como o doutor Cabanés, de Paris, afirma que muitas crises sociais, de sucessos
misteriosos, de crimes e ainda de façanhas memoráveis, podem apenas explicar-se pelo estudo dos
estados psíquicos coletivos, de fenômenos patológicos e de possíveis causas hereditárias.

Cita por exemplo um dos caráteres mais complexos a par dos mais eminentes dos que a história
registra, o de Napoleão Bonaparte, – personagem cuja vastíssima bibliografia apresenta à
contemplação da posteridade sob todos os seus aspectos; não sendo menos interessante o do seu
caráter físico, considerado sob o ponto de vista da influência e reação que exerceu nos outros dois
aspectos da inteligência e da vontade.

Sejam quais forem as simpatias e antipatias, a admiração ou o menosprezo que o vencedor em


Austerlitz e vencido pela Providência e não por Wellington em Waterloo, inspire aos investigadores
da sua vida, não pode negar-se que se trata de uma individualidade que merece toda a atenção da
história.

A mãe de Napoleão, Letícia Ramolino, era reumática, e seu pai, Carlos Bonaparte, morreu vítima de
um cancro. O filho era artrítico, com a maioria dos sintomas desta doença crônica e que reagiu toda
a sua vida com o caráter moral do famoso imperador.

O caráter físico do homem é também suscetível de aperfeiçoamento. Nada tem de fatal nem a
herança fisiológica é um impedimento insuperável, embora muito difícil de vencer.

A evolução do caráter físico é paralela à evolução mental e moral.

As faculdades mentais não disputam, nem as virtudes morais se definem, nem os vícios se mostram,
antes que o organismo físico chegue ao grau requerido para a sua manifestação.

Se se favorecer a normal evolução do caráter físico, a que os fisiólogos chamam desenvolvimento


do organismo, por meio da fiel observância das leis da saúde, melhora este aspecto do caráter
humano em termos capazes de resistir vitoriosamente às mórbidas influências.

O ASPECTO MENTAL

Não há nada no entendimento que não tenha estado antes nos sentidos. – Aristóteles

As potências ou faculdades inativas ou mal empregadas são na generalidade dos homens o peso
morto da sua vida quando substituem as ativas e bem empregadas. – Guillermo James
Mente sã em corpo são. – Juvenal

A boa mente e a boa vontade fortalecem o corpo. – Sêneca

A sabedoria vale mais do que a força, e o homem prudente mais do que o forte. – Salomão

Este aforismo do célebre mestre de Alexandre Magno corrobora sem maior argumento a relação
íntima entre os aspectos físico e mental do caráter humano.

Sem embargo, e não por citá-lo como lema deste capítulo, temos de admiti-lo sem reparo, pois,
segundo o exposto, Aristóteles parece dar fundamento à filosofia positivista que apenas reconhece
por válido o testemunho dos sentidos empregados na observação e experiência do mundo exterior.

Certo é que a maioria dos conhecimentos humanos é o fruto do exercício das faculdades intelectuais
que dos sentidos se valem por instrumentos de atuação; porém, sendo inegável que tudo quanto os
sentidos introduzem pela porta da atenta observação, fica estabelecido no entendimento, há muitos
casos excepcionais em que há mais no entendimento do que no entrado pelos sentidos, e que nem é
fruto da direta observação nem da efetiva experiência.

Por exemplo, ao ouvirmos um estrépito, a sensação que recebemos não é agradável nem
desagradável. É essencialmente uma sensação que chega ao cérebro pelo orifício do ouvido.
Todavia, há em nós alguma coisa que percebe, julga e estabelece no entendimento a idéia do
desagradável ou agradável, conforme a nossa disposição de ânimo.

O ruído de um trovão é para alguns espantosamente desagradável e para outros indiferente. Apesar
disso, a sensação acústica é a mesma para todos.

O mesmo sucede com as sensações recebidas pelos outros sentidos. O que para uns é bonito, é feio
para outros; há quem saboreie com deleite manjares que a outros repugnam. A sensação material é a
mesma, muito embora a idéia derivada de percepção seja contrária. Alguma coisa há no meu
entendimento que não existe nos sentidos.

De resto, o homem inventou a linguagem universal, da análise matemática a álgebra, e da síntese


matemática a geometria, que nada têm absolutamente com a sensação; e, todavia, por meio do
raciocínio matemático, sem telescópios nem microscópios explorou o entendimento humano o
universo até conseguir descobrir as suas invisíveis leis.

Tal é a diferença de estado da evolução entre o homem que confinante com o reino animal vive no
baixo mundo das sensações e o que em contato com o reino angélico vive no mundo real das idéias.

Isto porque o entendimento ou intelecto pertence ao caráter mental e os sentidos corporais ao físico;
e, como queiram que os cinco sentidos do corpo, a vista, o ouvido, o gosto, o olfato e o tato, sejam
os únicos meios de comunicação entre a alma humana e o mundo exterior, entre o eu e o não eu,
segundo dizem os psicólogos, é evidente que quanto mais delicados e agudos sejam os aludidos
sentidos, mais expedita e segura será a comunicação.

Assim, a alma, ou digamos, a consciência individual percebe as impressões que recebidas pelos
sentidos transmitem os nervos sensórios ao cérebro, e disto se infere que, quanto mais delicada seja
a contextura nervosa e cerebral, com mais facilidade perceberá a alma as impressões recebidas.
Até agora, como acertadamente diz Carlos Nordmann, comparava-se o corpo humano a um vasto
país em cujas diversas regiões não houvesse outra relação que a estabelecida pelo telégrafo e pelo
telefone, isto é, pelas ramificações do sistema nervoso cuja estação central simbolizada pelo cérebro
recebia as comunicações do mundo exterior, ao mesmo tempo em que estabelecia entre as diversas
partes do organismo a indispensável solidariedade para o cumprimento das respectivas funções.

Porém as descobertas endrinológicas a que nos referimos no capítulo dedicado ao aspecto físico do
caráter demonstram, segundo a acertada comparação de Nordmann, que as diversas regiões do
corpo humano estão relacionadas por canais, ou sejam os condutores das glândulas de secreção
interna que levam de uma a outra os especiais produtos que cada uma delas necessita.

Por outro lado, a mente com todas as suas faculdades tem por instrumento de manifestação e de
expressão o cérebro, e este órgão, apesar da sua essencial natureza fisiológica em todos os
indivíduos da raça humana, é tão distinto em cada um, quanto ao seu volume, peso, densidade,
pormenores de configuração e proporcionalidade de substâncias constituintes, como distinta é a
configuração, tamanho e corte do nariz, boca, orelhas, pescoço, crânio e demais partes do corpo.

Portanto, o aspecto mental do caráter está assim mesmo em indissolúvel enlace com o físico, pois
todo o conhecimento concretamente objetivo chega à mente pela meditação dos órgãos dos
sentidos, cujos nervos transmitem as impressões ao cérebro aonde a alma as recebe.

A percepção das impressões não é mais que a etapa preliminar do processo mental cuja finalidade é
o conhecimento, e se pode comparar ao ato que os fisiólogos chamam pressão dos alimentos no
processo digestivo.

Para conhecer um objeto não basta perceber a impressão produzida no sentido correspondente. É
necessário concentrar nele todas as faculdades da imaginação, que constituem o aspecto mental do
caráter, e, apesar daqueles serem da mesma natureza essencial em todos os indivíduos, são de
distinto grau, intensidade, magnitude e proporção, em cada um deles.

As principais faculdades que constituem o aspecto mental do caráter humano são: percepção,
atenção, observação, comparação, memória, imaginação, indução, dedução, raciocínio,
discernimento e juízo.

É pela percepção que a alma é capaz de ter consciência ou sentir a impressão que, dum objeto
exterior, os sentidos recebem, e os nervos transmitem ao cérebro.

Atenção é a faculdade pela qual a virtude se aplica voluntariamente ao objeto de que tem
conhecimento.

Observação é a faculdade de examinar sob todos os pontos de vista e sob todos os seus aspectos,
estados, condições, fases e mudanças o objeto a que a atenção se aplica.

A comparação descobre as relações, analogias, diferenças, semelhanças e distinções entre dois ou


mais objetos em que alternadamente se fixa a atenção.

Por intermédio da memória reproduzimos as sensações anteriormente recebidas, como se de novo as


recebêssemos.

É a imaginação a faculdade de representar-nos, como se fossem reais e positivos, os objetos que,


sem uma efetiva realidade, poderiam tê-la; ou aqueles outros que nós supomos tais como
desejaríamos que a tivessem.
A indução resulta da observação dum maior número de objetos, fatos, fenômenos ou casos, para
estabelecer como lei o que em todos eles, sem exceção se marca uniformemente.

Da dedução, pelo contrário, deriva as conseqüências dos princípios ou leis geralmente


estabelecidos, como, por exemplo, sabermos ao certo que todos os corpos líquidos tomam a forma
do recipiente que os contém, sabermos que o mercúrio é um metal líquido, e que, necessariamente,
toma a forma da vasilha em que o deitarmos.

Todavia, é indispensável que sejam verdadeiras as duas proposições estabelecidas, e o


conhecimento de que assim o sejam só se pode adquirir pela indução, quando se trata de fatos ou
fenômenos objetivos.

Se partirmos do princípio que todos os corpos materiais obedecem à lei da gravidade, e da


consideração que o hidrogênio é um corpo material, deduzimos também que ele há de obedecer à lei
da gravidade, e resta-nos a indubitável certeza de que a ela obedecem todos os corpos materiais.

Do não cumprimento deste lógico princípio dimana uma enorme multidão de erros, paralelogismos
e falhas que no intercâmbio intelectual passam por verdades, como no intercâmbio econômico
circularia uma moeda falsa se ninguém suspeitar que ela não seja verdadeira.

O raciocínio equivale ao uso da razão para dar o seu justo valor às observações, comparações,
induções e deduções.

O discernimento distingue as coisas que entre si fazem diferença, ainda que pareçam iguais ou
semelhantes.

O juízo é a suprema faculdade mental, compêndio de todas elas, que nos dá o conhecimento do bem
em contraposição com o mal, e da verdade em antítese do erro.

A experiência que nos dá o trato com as pessoas, demonstra que estas faculdades são de uma
distinta potência, agudeza e grau de desenvolvimento em cada indivíduo, embora no mesmo umas
sejam mais vigorosas do que as outras.

Há que possua uma memória prodigiosa e, contudo, não seja capaz de fixar a atenção durante três
minutos no estudo dum objeto sem distrair-se ou fatigar-se.

Outros há que necessitam fazer um grande esforço para decorar quatro linhas de qualquer texto, e
em compensação fixam rapidamente todas as propriedades e condições do objeto em que
concentrem a atenção.

Alguns ainda têm por único distintivo do seu caráter mental a facilidade em descobrir após um
rápido exame as diferenças e analogias existentes entre os objetos que submetem a comparação.

É que nalguns indivíduos prevalece a faculdade indutiva e não lhes dá trabalho algum advertir a lei
que preside ao conjunto de feitos, fenômenos ou objetos observados; e em outros é mais assinalada
a prontidão com que descobrem no objeto que observam certas particularidades e pormenores que
escapam facilmente ao olhar daqueles que não possuem tão vigorosa a faculdade de observar.

Não são muitos aqueles que sobressaem pelo seu bom discernimento em distinguir entre a verdade e
a sua máscara o sofisma; no entanto os que possuem firme esta faculdade têm de possuir também as
precedentes, porque, com o raciocínio e o juízo se constitui o trio superior das operações da mente,
a que costuma chamar-se talento, cujo grau superlativo é o gênio.

Todo o ser humano possui as faculdades mentais que acabamos de enumerar, ainda que algumas se
achem em estado tão embrionário como se não existissem para os efeitos do seu uso e aplicação.

Assim como no aspecto moral do caráter a vontade é necessária para evitar a sua debilidade, no
aspecto mental é forçoso possuir qualquer destas faculdades intelectuais, pois que até os néscios e
rudes, tarados e bobos, e ainda os imbecis e idiotas as possuem, ainda que em estado de manifesta
deficiência, segundo o grau da sua anormalidade.

Temos ainda de ter em conta que, ao que vulgarmente chamamos mente, não tem nada de concreto
como o cérebro, o coração e demais órgãos do corpo, nem é tampouco uma faculdade ou potência
especial, mas apenas a síntese de todas as faculdades ou potências próprias da alma, que é quem
percebe, atende, observa, compara, recorda, imagina, induz, deduz, raciocina, discerne e julga.

Porém como é a alma humana que efetua todas estas operações nos objetos do mundo material em
que vive ou nas idéias suscitadas pelos objetos de sensação, necessita também para isso meios
materiais, e quando estes são defeituosos ou fracos, as operações resultam com o mesmo grau de
deficiência e debilidade.

No entanto, a educação baseada em princípios científicos e preparada por uma lógica metodologia,
é capaz de melhorar o aspecto mental do caráter, desenvolvendo as faculdades embrionárias e
robustecendo as já atualizadas, por meio dum exercício metódico.

De resto, sendo os meios materiais de comunicação da alma com o mundo exterior elementos do
caráter físico, as suas deficiências podem remediar-se pela educação deste outro aspecto de caráter,
com o indispensável auxílio da medicina e da higiene.

Esta educação do aspecto físico do caráter não há de ficar unilateralmente isolada como por tradição
erradamente se faz; mas sim harmonizar-se com a educação do aspecto mental, porque segundo se
vai exercitando uma faculdade ir-se-á robustecendo ou aperfeiçoando o órgão físico que lhe serve
de meio de atuação.

Ao educarmos a faculdade de percepção não o poderemos fazer se não aperfeiçoarmos os sentidos


corporais que lhe servem de meio transmissor; e, se pela educação do caráter físico melhorarmos as
condições dos órgãos sensórios, proporcionaremos com isso um mais eficaz instrumento à
faculdade de percepção.

Desgraçadamente para o melhoramento do mundo e evolução da espécie humana predominam


ainda na maioria dos estabelecimentos de ensino os antigos métodos que em vez de educar e
fortalecer harmonicamente as faculdades mentais, as deprimem e atrofiam em favor da memória, ou
para melhor dizer, caricaturando grotescamente essa utilíssima faculdade que, sem dúvida alguma, é
um precioso elemento de economia mental.

Porque, se bem refletirmos sobre a índole da memória havemos de ver que ela nos presta um
excelente serviço evitando-nos um extraordinário consumo e energia que, sem o seu auxílio,
teríamos de despender para o mesmo esforço de atenção, observação, comparação, e outros atos
mentais, cada vez que necessitássemos estudar o mesmo objeto.

Valendo-nos de um símile resta comparar a utilidade da memória com a da imprensa.


Antes da invenção desta arte admirável, os copistas tinham de repetir o seu esforço e trabalho em
cada manuscrito. Graças à imprensa, uma única composição ou cópia tipográfica do original serve
para reproduzi-lo tantas quantas vezes for necessário.

Da mesma forma, a memória imprime, por assim dizer, o resultado das operações da mente e
reproduze-las tantas quantas vezes o requeira o mesmo objeto de observação.

Porém, na inveterada rotina escolar não se educa a verdadeira memória que reproduz as idéias
adquiridas pela atividade das demais faculdades; contrai-se o hábito de recordar as palavras que
exprimam idéias resultantes da atividade de mentes alheias à do educando.

A depressão do nível intelectual de que tanto se queixam os sociólogos provém quase sempre do
tradicional erro de confiar todas as definições ou desenvolvimentos verbais ao educando, sem que,
primeiramente, lhe tenham conduzido a mente, de forma a que, por si mesmo, compreenda a idéia
definida.

Um aluno de matemática aprenderá de memória as definições de quantidade, número, extensão,


tamanho, volume, capacidade, etc., porém, não há seguramente um por cento de alunos desta
ciência que faça um verdadeiro conceito dos elementos matemáticos.

A palavra, neste caso, serve apenas para simular a idéia.

Um aluno de física definirá verbalmente a densidade, peso, volume, velocidade e movimento, e dará
a quem o ouça a impressão de que sabe, embora não tenha a menor idéia do que com tanto
desembaraço diz.

Assim se inutilizam muitos entendimentos por falta de cultura, ou para melhor dizer, por
empaturramento de palavras e carência de exercício mental que, disciplinando as suas faculdades,
as poria aptas a atuar com caráter próprio, em vez de as deixar, como deixa à mercê das influências
nocivas dos sinistros ambientes mentais.

Por outro lado, a educação das faculdades intelectuais em paralelismo com os sentidos e demais
elementos do caráter físico, revelaria ao educador a qualidade do caráter mental do educando, isto é,
se pertence por natureza ao tipo científico, literário ou artístico, para, uma vez conhecida esta
circunstância, orientar a educação integral do caráter no sentido a que, por natureza, se incline.

A diversidade de aptidões e vocações é uma prova de que cada indivíduo tem em peculiar aspecto
mental do seu caráter; e o próprio tempo demonstra a infinita variedade de modalidades em que
pode atuar cada faculdade mental, como infinita é a variedade de tons e matizes da mesma cor.

Assim, por exemplo, a faculdade de percepção é distinta em modo e grau, ainda que essencialmente
seja sempre a mesma em todos os indivíduos.

Alguns percebem mais facilmente as linhas, outros as cores, outros os tamanhos ou formas.

Uns têm uma esquisita percepção dos sons, outros dos perfumes, e outros das impressões do tato.

O mesmo se nota no funcionamento da memória.

Há quem recorde com facilidade as festas e os números, outros os nomes, e outros os lugares, assim
como alguns fixam sem custo vários textos em prosa e outros em verso.
A experiência da vida oferece-nos exemplos a cada passo de pessoas que vendo uma única vez uma
outra se recordam da sua fisionomia tão bem como se tivessem o seu retrato; enquanto outras
confundem facilmente um conhecido seu por um desconhecido.

Pela atuação das faculdades da mente distinguem-se entre si os seres humanos.

VI

O ASPECTO MORAL

As boas emoções e os bons sentimentos são a magia irresistível do caráter. – Platão

O estímulo de toda a atividade humana é o desejo de experimentar boas sensações e iludir as más.
– Max Nordau

Deixa o teu pão sobre as águas que depois de muitos dias o encontrarás. – Salomão

As idéias morais estão no nosso espírito: na razão que as conhece, na vontade que as ama, e no
coração que as sente. – Balmes

A todos pertence o que pensas. Só te pertence o que sentes. Se queres que seja teu o que pensas hás
de senti-lo. – Schiller

Ainda que alguns filósofos e psicólogos estejam em desacordo sobre a congênita condição moral do
ser humano, pois que uns afirmam que os primeiros impulsos da natureza são sempre bons, nada de
mal podendo esperar-se da infinita Bondade, e outros se apóiem no dogma teológico do pecado
original para afirmar que todo o nascido necessariamente se há de inclinar para a maldade, uma
atenta observação demonstra-nos que o caráter moral do homem é distintamente peculiar de cada
indivíduo desde os seus primeiros anos, porque, se bem que as almas sejam essencialmente
idênticas na sua origem, tanto a do rei no trono como a do pastor na sua choupana, nem todas
percorrem com igual velocidade e desembaraço o caminho da perfeição que a sua perdurável tarefa
lhes impõe.

A demonstrá-lo estão as profundas diferenças que desnivelam moralmente os homens, mesmo os


nascidos em comum, educados pelos mesmos pais, ensinados pelo mesmo mestre e influenciados
por iguais exemplos.

Quando nasce o homem traz consigo a síntese da personalidade que o há de distinguir dos seus
semelhantes.

A fisionomia, o timbre de voz, o modo de andar, gestos e atitudes estendem a cédula que revela em
absoluto as características da sua personalidade física.

O talento natural, as aptidões, o predomínio de suas faculdades intelectuais sobre outras e a


diferente energia que atua em cada uma delas, constituindo a sua personalidade ou caráter mental.

Os impulsos que o inclinam alternativamente para o bem ou para o mal, suas virtudes e vícios, suas
qualidades positivas ou negativas integram o seu caráter moral.

Esta variedade e distinção nota-se nos indivíduos, sem deixarmos de ter em conta a unidade
fundamental da espécie humana, embora não se encontrem duas fisionomias iguais que possam
confundir-se, nem dois timbres de voz que não destoem, nem duas almas colocadas no mesmo nível
moral.

Da observação destes fatos evidentes, que uma boa atenção pode constatar a cada instante, resta
inferir que o ser humano nasce com um caráter moral inerente, distinto em cada indivíduo e
suscetível de educar-se e aperfeiçoar-se.

Nasce perfeito, com bondade e maldade relativas e circunstanciais, e para aproximar-se, sem que
atinja jamais a perfeição de Deus, há de pelejar incessantemente contra os incitamentos da sua
natureza inferior e as excitações do mundo que o rodeia.

Todavia, não deve combater sozinho, valendo-se das suas próprias forças. Tem de ter a auxiliá-lo na
infância e na juventude o bom exemplo de seus pais, a santa influência da família e as lições dos
seus mestres; e, quando homem, os saudáveis ensinamentos da experiência da vida.

Tão heterogêneos auxiliares confundem-se na educação do caráter moral que, não sendo bastante
poderosa para transformar radicalmente em positivas e harmônica as qualidades negativas e
sinistras, logra, contudo o predomínio do bem sobre o mal na manifestação do caráter.

Assim como as faculdades intelectuais, próprias do caráter mental, servem para indagar e
compreender cientificamente o universo objetivo e inferior especulativamente da observação dos
fenômenos das leis que os regem, as faculdades morais são práticas, e têm por efeito a ação e não o
conhecimento.

Logo, portanto, a educação do caráter moral há de ter caráter prático no sentido de considerar como
seu elemento capital a vontade do educando.

Não podemos supor que tenhamos de incorrer no erro de acreditar na onipotência da vontade, nem
tampouco admitirmos por axiomático o aforismo de querer é poder, porque além da vontade na
educação do caráter moral, outros elementos psíquicos intervêm, de subalterna, mas imprescindível
importância.

Contudo, a vontade é a primeira potência da alma e o mais valioso coeficiente do caráter moral.

Não tem sido debalde que a experiência dos séculos tem identificado em linguagem corrente o
caráter moral com a vontade, dizendo do tímido e apoucado que adoece de debilidade de caráter, ao
passo que reconhece firmeza de caráter no homem dotado de rígida vontade.

É freqüente, tanto nas diversas modalidades ou aspectos do caráter humano, notar-se no moral a
diferença entre o positivo e o negativo.

Na terminologia ética chama-se vício à prática do mal apelidando-se de virtude a prática do bem, o
que, se observarmos atentamente havemos de notar que não são mais do que conceitos análogos e
correlativos aos de fraqueza e força no caráter físico e de erro e verdade no caráter mental.

Esta correspondência e analogia denotam com novo argumento que não é possível considerar
independentemente cada um dos três aspectos do caráter humano, porque os três são apenas um, da
mesma forma que no dogma religioso da Trindade as três pessoas ou aspectos distintos são um só
Deus verdadeiro.
Em face disto, convém esclarecer um ponto que por mais inteligência ou deficiente compreensão
que haja, tem ocasionado o erro de atribuir ao caráter moral positivo, ou seja, à bondade, absoluto
predomínio sobre as outras modalidades mental e física do caráter.

Frederico Cristobal Perthes, fundador do famoso “Almanaque de Gotha”, que lutou denodadamente
pela independência da sua pátria quando da invasão napoleônica de 1806, e manteve amizade e
correspondência com os sábios mais notáveis da sua época, escrevia a um amigo dizendo-lhe:

“Não nego o respeito que se deve ao talento; porém tenho em conta que a estima e prática na vida
diária de quanto é nobre e bom, a retidão de conduta, a delicadeza no trato e o amor à justiça pode
faltar ao homem mais instruído”.

Portanto, um homem pode ter muitos conhecimentos concretos, sobressair na sua atividade
profissional, confundir a erudição com a sabedoria, a instrução com a educação e o talento com a
virtude, chamar-se-lhe impropriamente um sábio, e, contudo, denotar deficiente e negativo caráter
moral.

Ninguém será capaz de negar poderoso gênio a Shakespeare, Cervantes, Milton, Camões, Carlyle,
Bacon e a outros homens de notável caráter mental, que segundo se infere das últimas investigações
biográficas ficaram muito longe de patentear na sua vida privada um nível igual ao seu caráter
moral.

Francisco Bacon era de família aristocrática e viveu a sua infância com seu irmão mais velho
Antonio, sob a severa disciplina de sua mãe Ana Cook, mulher de vontade firme e zelosa calvinista.

Seguiu a carreira da jurisprudência, e desde muito novo deu provas de possuir um vigoroso caráter
mental pelas suas extraordinárias faculdades, a ponto de causar admiração à rainha Isabel quando
ele viveu com seu pai na corte.

Durante um período da sua carreira Bacon fez ver a esterilidade da filosofia escolástica, tal como
ela se aplicava nos colégios e universidades a todas as disciplinas, e achou-se com coragem para
introduzir no estudo das ciências novos métodos que poderiam ampliar o conhecimento da natureza
muito mais além dos seus limites até então conhecidos pelo homem.

A pôr em prática o seu ideal e carecendo de meios materiais para viver, pois não contava senão com
os seus honorários de advogado e com o mesquinho rendimento que lhe davam umas pequenas
propriedades rústicas que herdara, pediu o apoio ao seu parente e ministro Burgley, casado com uma
irmã de sua mãe; porém, como o ministro se recusasse a protegê-lo, Bacon dedicou-se à política e
foi eleito membro do Parlamento, filiando-se no partido do conde de Essex que o favoreceu em tudo
quanto pôde. Bacon correspondeu cinicamente à proteção do conde, pois quando este se declarou
em rebelião em 1601, e foi vencido e julgado, Bacon encarregou-se voluntariamente da acusação
pedindo para o acusado a pena máxima.

Quando Jacob I subiu ao trono da Inglaterra, Bacon serviu-se das hipócritas armas da lisonja e do
reclame para obter os favores do monarca, e no processo movido por alta traição ao clérigo
Edmundo Peacham, caiu na baixeza de restringir a vontade dos seus companheiros do tribunal para
condenarem à morte o processado.

O seu cortesão servilismo teve por prêmio o cargo de chanceler e o título de lorde Verulam; todavia,
como cedo ou tarde se encontram os defeitos duma conduta tortuosa, os inimigos de Bacon
acusaram-no do crime de suborno, e, julgado pela Câmara dos Senhores provou-se a acusação em
todos os seus pontos, sendo condenado a pagar 40.000 libras esterlinas de multa, a prisão
correcional pelo tempo que o rei determinasse, e a ser expulso do Parlamento e da magistratura.

Apesar de tudo, o caráter mental de Bacon é dos mais vigorosos que se registra na história do
pensamento humano.

Foi o fundador das escolas experimentais, substituindo pela indução o silogismo e pela atenta
observação, comparação e análise dos fenômenos naturais e arbitrária especulação escolástica sobre
teorias preconcebidas sem referência à realidade dos fatos.

Todavia, se bem considerarmos, Bacon não foi o impugnador, mas sim o restaurador da verdadeira
filosofia aristotélica. Condenou o abuso que desta filosofia fizeram os discípulos do Estagirita,
convertendo-a em bárbara locacidade.

Aristóteles, embora coincidisse em muitos pontos de ensinamento com o seu mestre Platão,
discordava dele em tudo quanto achava especulativo sobre o mistério do universo, defendendo a
observação direta da vista e do tato, e afirmando que não bastava pensar sobre a origem do mundo
nem em como se adquire a idéia e o conhecimento, mas sim tornar-se necessário um meticuloso
estudo da natureza.

E foi assim que ele se tornou o primeiro naturalista, o primeiro investigador científico, o primeiro
anatômico e o primeiro físico do Ocidente.

Os seus silogismos eram premissas cuja verdade ele havia conhecido por indução; porém os
desnaturalizadores do seu método converteram o silogismo em instrumento de estéril sofisteria,
contra qual Bacon se levantou, restituindo à filosofia aristotélica, o seu original caráter.

O progresso das ciências e, por conseguinte, os avanços da indústria e os benefícios da civilização


devem-se principalmente ao método restaurado por Bacon, cujos princípios fundamentais se
baseiam em que o homem é escravo e intérprete da natureza, que a verdade depende da autoridade e
que o conhecimento é o fruto da observação e da experiência.

Bacon foi um filósofo eminente, insigne e científico, sem que, todavia, mereça o nome de sábio,
porque a sabedoria irmana o conhecimento com a bondade, o cérebro com o coração, e o aspecto
mental do caráter com o aspecto moral.

Walter Scott, famoso novelista escocês, criador da novela histórica, tinha um caráter físico muito
fraco, devido a ter sido muito doente em pequeno; no entanto, os seus aspectos mental e moral
foram a honra da raça humana. Dão sobeja prova do seu talento literário as suas muitas novelas não
envelhecidas pelo tempo, e do seu caráter moral são testemunho a sua generosidade, fidalguia e
amabilidade que lhe conquistaram o carinho dos seus amigos e compatriotas, à parte a sua austera
retidão que demonstrou trabalhando ufanosamente para pagar as cento e vinte mil libras esterlinas
que lhe coube em dívida quando da liquidação na falência dos seus editores Ballantyne &
Constable, de quem fora sócio.

Não é, portanto, estranho que um homem de tão excelentes qualidades mentais e morais, tenha
respondido certa ocasião a um amigo cujo talento ele considerava digno de maior respeito, o
seguinte:

“O mundo seria muito triste se unicamente prestássemos culto aos homens de grande talento. Tenho
lido muito e conversado com uma infinidade de pessoas, e ouvido da boca de analfabetos frases de
tão profundo sentido moral como as da Bíblia, apesar de lutarem heroicamente contra a
adversidade. Em meu entender, os sentimentos tem de ter preferência na educação”.

Isto leva-nos a supor que não é indispensável possuir grande soma de conhecimentos concretos ou
cultura científica para demonstrar na conduta ordinária um elevado caráter moral.

Todavia, a bondade da pessoa rude, inculta, analfabeta, é quase sempre acompanhada de debilidade
de ânimo, timidez e acanhamento, porque só satisfaz as condições necessárias e suficientes para a
manifestação do aspecto moral do caráter o cumprimento austero do dever, deixando incompletas
aquelas outras condições igualmente necessárias e suficientes para a manifestação do aspecto moral
do caráter no que se relaciona com o avanço do indivíduo na educação e desenvolvimento da
vontade.

Aquele que for paciente, resignado e incapaz de mentir ou de torpes ações, vulgarmente se chama
“boa pessoa” e, sem embargo, denota uma bondade passiva semelhante com a idiotice.

É necessária a conjunção harmônica das culturas física, mental e moral, para obter um caráter
ponderado, de forma que, pelo conhecimento do bem, se chegue ao amor reflexivo e à consciente
prática da virtude.

Para que em toda a sua integridade se manifeste positivamente o aspecto moral do caráter, há de
combinar-se com os outros dois aspectos, mental e físico, sem que nenhum dos três prevaleça
contra os outros dois.

Que valor tem na sociedade um indivíduo esquisitamente bondoso se pelo seu fraco entendimento
nada tiver de prático?

Que valor pode ter um homem de grandes faculdades intelectuais, de rápida e fácil compreensão,
conhecimento do mundo e das pessoas, de vigoroso caráter mental, se aplicar todas as suas
qualidades a fins sinistros?

De que servem no intercâmbio social os membros fortes, a saúde firme, a rígida musculatura, a
galhardia do corpo, a correção de feições e demais prendas do caráter físico, numa pessoa dotada de
maus sentimentos?

No primeiro caso diriam todos: é muito bom, mas tão tolo que não serve para nada.

No segundo diriam: é tão inteligente como perverso.

E no terceiro: é um belo animal.

O caráter integrado nos três aspectos físico, mental e moral manifesta-se na conduta como
acertadamente disse Kant:

“O homem tem de recear o castigo da sua própria consciência e não a sanção estabelecida pelos
códigos penais para as más ações. Há de estimar muito mais a dignidade própria que a opinião
alheia. Há de preferir o valor intrínseco das ações ao aparatoso das palavras e uma piedade severa à
devoção pesarosa e repugnante”.

O caráter é no conjunto o resultado nunca definitivo nem constante, mas sempre variável nos
esforços da vontade combinados com as influências recebidas do mundo exterior.
O caráter vai-se modificando conforme o que escolhemos e desejamos.

Parecemo-nos com os insetos que tomam a cor das folhas e das plantas de que se alimentam, porque
cedo ou tarde nos identificamos com o alimento recebido pelo cérebro e com os sentimentos do
nosso coração. Cada ato da nossa vida, cada palavra, cada pensamento, fica gravado na contextura
do nosso ser.

Disse Henrique Ward Beecher:

“Há orvalho numas flores e em outras não, porque umas abrem a sua corola e o recolhem enquanto
outras fecham o cálice e a gota de orvalho resvala e perde-se na terra”.

Que seria o nosso futuro senão o que por ele fizermos? O nosso propósito infundir-lhe-á caráter. A
nossa resolução será a nossa profecia.

Não há esperança risonha nem perspectiva grandiosa para quem não esteja inspirado por um
acérrimo propósito que seja o verdadeiro intérprete da sua virilidade.

Frederico Guilherme Robertson, beneficiado da igreja da Trindade, de Brighton, e famoso pelas


suas cinco séries de sermões, disse num deles:

“No mais íntimo do nosso coração não há somente um simples anelo de felicidade, mas sim uma
ânsia tão natural, como a de comer tem cabimento, no mais nobre da nossa vida”.

O aspecto moral do caráter positivo torna-se vigoroso pela firme determinação de não afirmar coisa
alguma que não seja verdadeira, cumprir à risca o prometido, assistir pontualmente onde tenha
combinado estar a horas certas, sem prejudicar o tempo que lhe fica disponível.

Tem de conservar a sua boa reputação como um tesouro precioso, porque o olhar dos outros estão
fixos nele, e não há de afastar-se nem um ápice do caminho da verdade e da justiça.

O caráter da criança possui potencialmente o que amanhã há de ser o seu caráter de homem, e é nele
que, potencialmente, está também o seu futuro.

Como na bolota se encerra a potencialidade do futuro carvalho, assim em nós se encerra a


potencialidade do nosso futuro.

Eis porque o aspecto moral do caráter tem por capitais elementos psíquicos a vontade e o
sentimento, no que se resumem todas as emoções.

O sentir e o querer determinam a conversão dos hábitos em atos, que estabelecem a conduta e
regem a vida.

Assim como o aspecto mental do caráter se aplica à investigação da verdade, afastando-se do erro, o
positivo aspecto moral produz o habitual exercício da virtude, afastando-se do vício, dirigindo-se o
positivo aspecto físico à manutenção da saúde, esquivando-se de tudo quanto ameace enfraquecê-la.

Porém, se bem refletirmos sobre o assunto, notaremos que tanto pelo exercício da virtude como
pelo conhecimento da verdade e conservação da saúde, é indispensável a intervenção da vontade
que, se não é onipotente como alguns afirmam exageradamente, tem, pelo menos, potência de sobra
para presidir e guiar a evolução do caráter.
VII

AMBIENTE DO MEIO

Dize-me com quem lidas, dir-te-ei quem és. – Não és como nasces, mas como com quem vives. –
Provérbios populares.

Uma personalidade desperta ao contato de outras personalidades. – Platão

Aquele que com os sábios anda, sábio será; o que convive com néscios será indolente. – Salomão

Pouco tempo te resta para alegrar o ânimo dos teus companheiros de peregrinação na via
dolorosa. Apressa-te e não demores em fazer-te amável. – Amiel

Há pessoas tão alegres, tão meigas e tão felizes que ao entrar numa habitação parece que lhe dão
luz. – Henrique Ward Beecher

A influência do meio é um importantíssimo fator ou elemento na educação do caráter.

Há muita diferença entre o nascer e ser criado num ambiente favorável ao desenvolvimento das
qualidades positivas, em relação com aquelas que nos infunde estímulo e alento, e nos comunicam o
seu entusiasmo com o seu bom exemplo, e o ver-se rodeado de sinistras condições na companhia de
criaturas que nos produzem efeitos contrários.

Não é possível convivermos com uma pessoa dotada dum caráter íntegro e equilibrado que não
sintamos em maior ou menor grau a sua influência.

Com pesar nosso o caráter das pessoas com quem convivemos ou nos relacionamos reflete-se mais
ou menos em nós.

O famoso orador inglês Chatham exercia uma tão poderosa influência em quantos o escutavam, que
as radiações do seu pensamento expresso na palavra formavam uma densa atmosfera no ambiente
mental em que se banhavam os ouvintes, demonstrando ele que era capaz de fazer muitíssimo mais
do que nos seus discursos manifestava.

O mesmo cabe dizer do ambiente material constituído pelo lugar em que decorre a nossa vida
íntima e a povoação que serve de campo à nossa vida citadina.

Nos Estados Unidos há designados territórios a que se chamam reservas, onde o governo do
respectivo Estado permite a existência de tribos de índios ainda não submetidos ao influxo da
civilização.

Há escolas fundadas para a educação dos jovens índios habitantes nas reservas, publicando-se, de
quando em quando, fotografias dos alunos tal como chegaram da reserva e depois da educação
recebida na escola.

O contraste visível nas duas fotografias denota evidentemente a eficácia da educação.

Para demonstrar que esta eficácia é sustentada pela influência do ambiente, pois do contrário
desvanecer-se-ia, basta considerar que a maioria dos índios saída das escolas, ao voltar às suas
tribos, vai pouco a pouco perdendo o caráter nelas adquirido, a ponto de voltarem à sua antiga
maneira de viver.

Se bem que se encontrem notáveis exceções, só os de caráter extraordinariamente firmes são


capazes de resistir às deprimentes tendências que os rodeiam.

Se perguntarem aos falidos nos negócios e na vida, e eles queiram responder com toda a
sinceridade, dirão que uma das principais causas do seu fracasso foi o ter-se criado à sua volta um
ambiente falho de estímulo e alento, que não lhes despertou nobres desejos, ou porque não tiveram
a necessária força de ânimo para lutar contra todas as circunstâncias adversas.

Encontramos freqüentemente indivíduos de robusto caráter físico e vigoroso caráter mental, dotados
por natureza de valiosas qualidades para produzirem coisas proveitosas, e, sem embargo, vegetam
numa mediania que atinge a vulgaridade, por não saberem sequer presumir a sua intrínseca valia.

Qualquer que seja a nossa situação na vida, vale a pena fazer toda a espécie de sacrifícios para nos
colocarmos num ambiente que favoreça e estimule o nosso aperfeiçoamento individual.

Devemos manter relações com aqueles que nos compreendam e acreditem, que nos ajudem a
mergulhar na intimidade do nosso ser e nos animem a realizar tudo que de bom, melhor e ótimo,
sejamos capazes.

Devemos escolher companheiros e amigos que simpatizem com as nossas aspirações e nos prestem
o seu auxílio moral para realizá-las.

Alguns amigos sinceros e leais podem estabelecer toda a diferença entre um êxito vitorioso ou uma
vulgar existência.

Todos nós somos diamantes em bruto, que o ambiente pode talhar com uma, duas ou vinte facetas.

Assim como do diamante brotam reflexos distintos, segundo o ângulo de refração da luz, assim a
vida e os seus desejos apresentam diversos cambiantes segundo o caráter do indivíduo.

Há quem nunca se ponha em contato com a roda que talhe uma faceta que, ferida pela luz, revele as
suas maravilhas ocultas. Muitos vivem e morrem como diamantes em bruto, embora ocultem um
brilho fulgurante e enorme valor.

Poucos são os diamantes humanos tão completamente facetados que manifestem os seus ocultos
tesouros.

O caráter peculiar do indivíduo pode comparar-se ao diamante, sendo a educação a faceta e a roda
do torno lapidário o ambiente favorável a essa mesma educação. Cada qualidade positiva é uma
faceta do caráter e no talhar de todas consiste a obra completa da educação.

Muita verdade encerra o adágio que diz não és como nasces, mas como com quem vives, e nos dá a
entender assim a poderosa influência do ambiente do meio nos três aspectos do caráter humano.

Porém não só constituem o ambiente as pessoas do nosso habitual convívio, como também os locais
em que residimos, a profissão que exercemos, os espetáculos a que assistimos, os discursos que
escutamos e os livros que lemos.
Às vezes, basta uma causa que parece insignificante, e que na realidade é eficaz, para operar uma
assinalada modificação favorável e até uma mudança radical no caráter.

A leitura de um livro que estimule, um conselho de um amigo, um discurso ou uma conversa com
alguém que tenha confiança conosco.

Há quem pareça ter perdido toda a esperança de avançar no seu caminho, que esteja abatido, e ao
ouvir um inspirado discurso ou ler um livro de bastante envergadura moral, se modifique em pouco
tempo até a ponto de não parecerem os mesmos indivíduos.

Os discursos de Wendell Phillips, Webster e Henrique Clay inflamaram o ânimo de alguns jovens
que nunca até ali tinham feito nada digno de nota, e que chegaram a ser luminosos faróis na história
da sua pátria.

As faculdades adormecidas nos jovens camponeses só despertam quando pela primeira vez vão à
cidade.

Para eles é a metrópole uma feira colossal onde se exibem as proezas dos homens do tempo.

O progressivo espírito que anima a cidade é como um choque elétrico que atualiza as suas energias
latentes e mobilizam as suas forças de reserva. O ambiente da cidade recorda-lhes continuamente o
que os outros fizeram.

Vêem as admiráveis obras de engenharia, os vastos armazéns e as grandiosas oficinas que lhes
demonstram o quanto podem a vontade e o esforço humano, e desperta-se-lhes o desejo de fazer
também alguma coisa de útil.

A atmosfera que nos envolve afeta-nos inconscientemente. O semelhante atrai o semelhante.

Os homens de caráter íntegro e equilibrado simpatizam abertamente quando coincidem no propósito


ou se respeitam no seu foro interno, e ainda secretamente admiram-se quando militam ou combatem
em campos opostos.

Pelo contrário, o fracasso atrai o fracasso, e os homens de caráter fraco e sorte adversa atraem os da
mesma índole.

Por toda a parte vemos jovens que ao concluir os seus estudos eram para os seus amigos e
conhecidos uma risonha esperança; todavia, por uma ou outra causa o entusiasmo dos seus dias de
estudantes arrefece.

A contínua sugestão de possibilidades que lhes vinha do seu ambiente escolar parecia multiplicar as
suas perspectivas e engrandecia a sua capacidade até ao ponto de pensar que iam fazer algo de
notável no mundo; porém, ao saírem desse ambiente inspirador do colégio perderam todo o seu
entusiasmo e os seus ideais mudaram ao mudar de ambiente.

Notória é a diferença entre os que nasceram e se criaram na vulgaridade e os que desde a sua
infância receberam uma educação esmerada.

Conhecem-se nas feições, nos modos, na inflexão e acento de voz, e em todas as qualidades do seu
caráter físico, mental e moral. É a diferença entre o indivíduo grosseiro e o delicado, o aldeão rude e
o cavalheiro ilustrado, e o ignorante e o de cultivado entendimento.
O ambiente influi nas opiniões, crenças, gostos, afeições, costumes, prejuízos e demais
características da raça e nacionalidade.

A maioria das pessoas pensa e obra por imitação e contágio mental, e carece dum absoluto domínio
sobre si mesmo para subtrair-se à influência do mundo circundante.

Cita-se que nos princípios do século XVIII havia no Asilo de Leyden um pobre albergado que
padecia de freqüentes ataques epiléticos, e que os restantes internados ao vê-lo acometido por um
acesso eram vítimas dos mesmos ataques.

O médico do Asilo, que era o famoso Dr. Hermano Boerhave, reuniu uma manhã todos os
albergados no pátio, onde colocou um rubro braseiro, e com a pá de ferro em brasa, brandindo-a
como se fosse uma espada, se lhes dirigiu exclamando com voz sonante:

– Ao primeiro que lhe dê um ataque, marco-o na fronte com este ferro para que se lembre para toda
a sua vida.

A cura foi completa e as faculdades superiores da mente e as intensas emoções do ânimo


prevaleceram contra os fenômenos da vida fisiológica.

Boerhave conseguiu nesse caso, com as vibrações do seu pensamento um ambiente mental que
influiu com soberana eficácia no caráter dos asilados.

Em todas as épocas houve sempre esta espécie de epidemias ou contágios mentais em que as
multidões sentiram e obraram em conformidade com o ambiente circundante.

Conta-se que quando Goethe escreveu o “Werther”, houve muitos rapazes que influídos pelo
ambiente mental em que os envolveu a leitura daquela novela se suicidaram imitando o
protagonista.

Também se diz que uns estudantes da Universidade alemã de Heidelberg, depois de assistirem a
uma representação do drama “Os bandidos”, de Schiller, foram para um bosque viver como os
bandoleiros.

Hoje mesmo é notória a influência que nas multidões exerce o ambiente mental formado pelas
numerosas assembléias, congressos, e outras reuniões públicas, assim como, todavia mais eficaz, a
influência dos jornais e campanhas de propaganda.

Enquanto a moderna, e cada dia mais freqüentada, exibição de filmes cinematográficos, é evidente a
sua influência no caráter, benéfica ou prejudicial, segundo a índole dos argumentos e das cenas.

Geralmente acredita-se que a escola é o único veículo da educação social, e que bastaria aumentar o
seu número e estabelecer o ensino obrigatório para que se fossem encerrando tantos cárceres como
de escolas se abrissem.

Por outro lado, a maioria dos pais de família supõe que fora da escola, do colégio ou da
universidade as crianças não necessitam lição alguma que amplie ou corrobore as recebidas
naqueles estabelecimentos, e, dominados por este erro levam os seus filhos aos animatógrafos e
teatros, sem se lembrarem que estas diversões são muito piores que as da rua. Os “filmes” de
assunto escabroso ou de argumentos passionais, em que intervenham amores, ciúmes, suicídios,
traições, roubos e mortes, são muito mais perigosos e nocivos do que os contos de fadas com que as
avós entretêm os seus netinhos ao serão.
Porque, embora a criança saia dos cinemas e teatros como se lhe tivesse sido indiferente a malícia
ou crueldade da representação, fica-lhe na idéia uma recordação que com o tempo reaparecerá em
tal ou qual modalidade do seu caráter, pois tudo quanto a rodeia influi e cola no seu espírito, numa
forma propícia ou adversa, segundo a índole do elemento influente seja harmônica ou sinistra.

De todos os elementos que flutuam no ambiente da criança e do adolescente, não há nenhum tão
decisivo como os espetáculos públicos para a formação do caráter; e entre eles nenhum como o
cinema acertadamente feito a propósito para o ensino e educação do caráter mental.

A geografia, a história, as ciências naturais, não poderiam dispor de maior auxiliar que a película
como valiosa sucedânea dos mapas, excursões, museus, coleções, laboratórios e gabinetes aonde os
meios econômicos chegassem ao nível da vontade.

Um dia virá em que os professores de amanhã censurem a nossa época em ter permitido que um
instrumento didático e educativo de tanto valor como seja a projeção cinematográfica se tenha
empregado sinistramente em perverter e degradar, em vez de o terem aproveitado para enobrecer e
educar.

Na ordem moral o cinema é como na material a dinâmica que, em mãos desastradas pode trazer a
morte e nas dum engenheiro é uma poderosa arma de civilização mundial.

É possível subtrair-se às nocivas influências dum ambiente mau, não só pelo exercício da vontade,
como o rodeando de um outro ambiente de benéfica influência, porque neste mundo todas as coisas
estão sujeitas a uma lei de potência e resistência, de uso e abuso, de bondade e maldade.

Não seria possível apreciar o valor da verdade sem o seu erro oposto, nem a luz seria luz se não
houvesse a sombra, nem o bem sem o mal, nem o prazer sem a dor.

A dinâmica é um eficaz instrumento do progresso quando utilizada para abrir túneis e aliviar o
trabalho do mineiro, e uma arma diabólica de ruína e morte quando serve para carregar bombas
explosivas.

Incalculáveis são os benefícios dos progressos da química nas indústrias quando contribuem para as
comodidades da vida material; e bem sinistro é o seu emprego na confecção dos terríveis gases
asfixiantes.

O animatógrafo é um poderoso meio de difusão da cultura quando projeta paisagens, indústrias e


costumes de países distantes, com o mesmo valor instrutivo das viagens e excursões; e um elemento
pernicioso de dissolução e rebaixamento do caráter quando reproduz roubos audaciosos, violências,
crimes e cenas vergonhosas com todas as aparências da realidade.

O importante está no olhar e utilizar todas as coisas pelo seu aspecto luminoso e harmônico, de
forma a que o nosso ambiente seja favorável à normal evolução do caráter.

VIII

O LAR DOMÉSTICO

Os homens são sempre o que as mulheres queiram. – Chateaubriand


A mulher mais notável é a que mais filhos der à sua pátria. – Napoleão

Guarda, meu filho, a ordem de teu pai e não esqueças o ensino de tua mãe. Trá-los sempre no teu
coração, ao teu colo. Guiar-te-ão quando andares, eles te velarão quando dormires e contigo
falarão quando acordares. – Salomão

Parece vulgar, pelo muito que se tem afirmado que, na primeira infância o ser humano receba as
impressões físicas, mentais e morais que com maior intensidade e eficácia afetem o seu caráter. E
como é geral a primeira infância decorrer no lar doméstico, a menos que haja circunstâncias
anormais de família, resulta ser o lar a verdadeira escola primária e fundamental, e a mãe a primeira
mestra.

Por esta razão, psicólogos, pedagogos, sociólogos e quantos se dedicam ao estudo dos problemas
profundamente humanos, apresentam sem discrepância de critério neste ponto, por muito afastados
que estejam de outros, a necessidade de educar a mulher, antes de tudo e, sobretudo para mãe de
família.

No entanto, estamos muito longe de pôr em coincidência o dito com o feito, a teoria com a prática,
o ideal com a realidade.

Basta observar a conduta que uma enorme maioria de mães seguem para com os seus filhos na
infância, para nos convencermos de que em vez de lhes aperfeiçoar o caráter lho estraga de forma
tal que é muito difícil mais tarde reformá-lo, obrigando-o, quando homem a ter uma grande força de
vontade para retificar os seus erros e defeitos, suprir as deficiências e emendar os da má educação
que recebera no lar doméstico.

As pessoas pouco refletidas e que em vez de pensar repetem fonograficamente o que ouvem, parece
que não têm a menor importância e muito menos transcendência no ambiente do lar e valimento da
família.

Contra tudo quanto ensina a experiência e colocando no mesmo plano de ação a maldade e a
travessura, é vulgar dizer-se que a criança há de emendar-se com o tempo, quando o raciocínio lhe
faça assentar a cabeça.

E, entretanto, consentem que a criança vá crescendo a seu capricho, confiando-a a mãos


mercenárias, cujo contato quase sempre grosseiro, deixa a marca perdurável da inconsciência.

O amor materno é sem dúvida alguma, por lei da natureza, o mais abnegado e propenso ao
sacrifício; porém, é necessário que a razão o governe para não degenerar em sentimento
desordenado que prejudique e danifique aqueles que cuida beneficiar e favorecer.

O amor maternal, elevado à categoria de virtude pela doce severidade e desapaixonada justiça, não
consiste em rodear os filhos de quantas comodidades físicas inventou a meiguice e satisfazer
insensatamente todos os seus desejos.

Amar os filhos e educá-los em condições de quando sejam homens e lhes falte o paternal apoio,
possam valer-se por si próprios, com esperança de vitória nos combates da vida.

A arma de maior alcance e eficácia que os pais podem proporcionar a seus filhos é a harmônica e
integral educação do caráter que lhes assegure a saúde do corpo, o vigor da mente e a bondade da
alma.
Para dar uma boa educação a seus filhos, com preferência a outros bens menos duradouros, devem
os pais ter em conta que o seu maior tormento neste mundo é a ingratidão filial, e precisamente essa
ingratidão pode ser mais profunda e descurada quanto mais irrefletido e desordenado for o amor
paterno.

De cada mimo, de cada condescendência, de cada ruidosa manifestação de carinho prodigalizada


pela fraqueza dos pais, se aproveitam os filhos para satisfazer todos os seus caprichos; e quando os
pais, inválidos pela velhice, requerem carinhos e atenções que inconsideradamente prodigalizaram,
vêem-se abandonados ou pelo menos mal correspondidos pelos mesmos em quem punham todas as
suas esperanças e a quem fizeram todas as vontades.

A burla, o menosprezo, o orgulho, o esquecimento e desamor são o castigo condigno da fraqueza e


da condescendência.

Pelo contrário, os pais, e, sobretudo as mães que pretendem igualar a repreensão com o carinho, que
equilibram o amor com a prudência e energia, que só concedem a seus filhos o que verdadeiramente
merecem e necessitam; que não acedem aos seus volúveis caprichos, e que em cada palavra sabem
educá-los, vêem recompensado tão meritório labor com o agradecimento, respeito, e a terna
solicitude do amor filial.

Os pais não devem esquecer que o sofrimento é condição necessária do esforço; que todo o ser que
sente há de padecer para alcançar a felicidade, pois que não há vitória sem batalha nem é possível
conquistar o reino dos céus sem violência.

Estranha contradição se nota entre os desejos e a conduta da maioria das mães. Todas desejam a
maior quantidade de bens para seus filhos, desejando-lhes um futuro repleto de gozo e ventura, sem
sombra de pesar, como se fosse exeqüível a absoluta felicidade neste mundo.

Todavia, quase todas erram o caminho para alcançar tal desejo porque as cega o amor maternal, e
tudo quanto à educação se refira o exigem e esperam apenas da escola primária, malogrando a
tarefa do professor que de nada ou de muito serve se a mãe não coadjuvar a educação no seio da
família.

Entre o que a escola ensina e o que aprende no lar, a criança prefere os ensinamentos práticos de sua
mãe aos, de ordinário teóricos, do professor, e mais profundamente vincará no seu ânimo o exemplo
dos seus progenitores que as exortações dum preceptor mercenário.

Em vão lhe ensinarão na escola finos modos se na casa paterna predominarem costumes grosseiros.
Inutilmente se lhe fará ver a fealdade da blasfêmia se as ouvir proferir a todo o momento, e o
ambiente doméstico influirá sobremaneira no seu caráter escolar.

Assim é que, sobretudo, durante a primeira infância, a mãe deve instituir-se educadora do caráter de
seu filho nos três aspectos físico, mental e moral.

Quanto ao caráter físico pode melhorá-lo praticando os conselhos e seguindo as regras que
respeitam à higiene da infância nos tratados de puericultura e maternidade, matérias que deveriam
ser obrigatórias na educação da mulher para todas as educandas quando chegassem à puberdade,
pois que embora as vicissitudes da vida lhes neguem a coroa materna, é muito possível que as
coloquem na situação de segundas mães de órfãos e desvalidos.
As regras sancionadas pela ciência e a experiência que diz respeito à alimentação, asseio, vestuário,
sono, vigília e atividade da criança, serão mais proveitosas à mulher que as mil frivolidades com
que a moda excita a vaidade.

É deplorável que a mortalidade infantil atinja tão tremenda proporção em 50% das crianças com um
ano.

Que diríamos do agricultor se lhe morressem metade das plantas nascidas na sua propriedade?

Sucede assim infelizmente com a planta humana pelo desconhecimento que a maioria das mães têm
das regras científicas referentes à cultura física de seus filhos.

A mortalidade infantil não é obra de Deus, mas sim da ignorância ou enfraquecimento das leis da
vida por parte da mãe; e ainda no caso em que a morte prematura do filho parece decretada pela
fatalidade tem, se formos a indagar, por determinante uma causa física ou emocionante.

Walter Scott e Victor Hugo foram de constituição doentia e bem fraco caráter físico; e no entanto a
solicitude maternal, ajustada às naturais leis da saúde melhorou-lhes as condições fisiológicas de
forma que chegaram a ser as honras da literatura universal.

Quem observar atentamente o crescimento da criança há de notar que por obra da mesma natureza o
seu rosto vai mudando de expressão sem alterar por isso os seus fundamentais rasgos fisionômicos.

Esta demorada, mas certa mudança, demonstra a natural evolução do aspecto físico do caráter, que
necessita do auxílio da educação, como o natural crescimento da planta carece do auxílio da cultura.

Enquanto a educação do aspecto mental do caráter no lar doméstico parece à primeira vista,
segundo o erro inveterado que há em confundir a instrução com a educação, a memória com o
talento e a erudição com a sabedoria, não é no lar doméstico, mas na escola primária o campo
adequado para educar o aspecto mental do caráter humano.

Supõe-se que nos países onde uma funesta tradição deixava analfabeta e ignorante a maioria da
população feminina, com receio de que a educação a inclinasse para o mal, a mulher não pudesse
favorecer com o seu estímulo a natural evolução da mente de seus filhos, antes da idade escolar.

Por muito ignorante que a mãe seja, no que diz respeito a falta de conhecimentos literários e
científicos, tem quase sempre suficiente intuição para compreender o valor de algumas regras a cuja
observância adapta os princípios capitais da educação do aspecto mental do caráter, durante a
infância de seu filho.

Essas regras são:

1ª- Rodeá-lo de um ambiente tão artístico e belo quanto seja possível.

Logo, portanto, a insalubridade das vivendas rústicas e dos tugúrios, barracas e choupanas dos
bairros pobres das cidades dificultam, quando não impedem, o cumprimento desta regra.

Porém, se a mãe se valer da sua intuição e compreender a transcendência do ambiente no caráter,


não lhe faltará engenho para adornar a sua habitação com vasos de plantas aromáticas e outros de
flores coloridas que dêem ao pequenino pelos sentidos da vista e do olfato as primeiras impressões
da natureza.
Embora não possa ornamentar as paredes com quadros de pintores célebres ou tapetes famosos,
poderá, pelo menos, evitar adorná-las com cartazes, cromos e calendários de péssima litografia e
cores horríveis.

Os móveis podem não ser suntuosos, mas decentes e de construção elegante, pois que a modéstia
não impede o bom gosto.

Dirá alguém que a criança precisa ter o necessário discernimento para apreciar estes pormenores;
nós, porém, pensamos que as impressões recebidas pelos sentidos não se desvanecem embora a
alma infantil não as perceba conscientemente, deixando vestígio na memória ou intimidade do ser
humano, e influindo com tanta eficácia como segurança na evolução do caráter.

As forças mais sutis e ocultas da natureza são precisamente as mais poderosas, embora a sua ação
não seja a da impetuosa corrente que tudo arrasa, mas sim a da água lenta que corre passo a passo
através das montanhas.

2ª- Disciplinar os sentidos corporais do pequenino de modo a que desde que seja capaz de fixar um
pouco a atenção se acostume à harmonia dos sons e das cores.

O procedimento positivo de cumprir esta regra consiste em dar-lhe para as mãos brinquedos de
cores garridas, e tocar na sua presença instrumentos musicais de suave entoação.

Os jogos infantis não são tão insignificantes como vulgarmente se supõe, pois segundo a sua índole,
forma, construção e funcionamento podem favorecer ou contrariar a educação das faculdades
características da criança, e despertar-lhe emoções prazenteiras ou sinistras, gostos desastrados ou
artísticos, com notória influência na formação do seu caráter.

Mesmo quando num desses jogos não predomina mais do que a finalidade recreativa de puro
passatempo deve utilizar-se como instrumento de educação intelectual e moral, se for utilizado por
mãos hábeis como tema de uma proveitosa lição de coisas.

O procedimento negativo consiste em afastar da sua vista páginas, estampas, cromos e desenhos de
tracejado grosseiro e cores berrantes; e, por outro lado, evitar os ruídos agudos e discordantes, assim
como também os jogos de índole perigosa, como sejam lanças, pistolas, espadas, sabres, e mais
armas que, sendo necessárias para a salvaguarda da sociedade, não devem ser, por isso mesmo,
coisas de brincar, e que na criança despertam sentimentos de agressão.

As canções populares artisticamente harmoniosas são um eficaz elemento de educação do caráter,


muito embora os seus “couplets” e os cantos de zarzuela, grosseiros às vezes, estraguem o gosto,
deprimam o sentimento estético e deturpem as faculdades mentais.

3ª- Por muito viva e esperta que a criança pareça, e todas o parecem à sua mãe e avó, quando por
acaso ainda a tenham, não se deve exigir dela mais do que possa dar.

Há quem se entretenha a ensinar-lhe graças como se amestra qualquer cachorrinho.

Outras levam a sua imprudência ao extremo de lhes fazer decorar as mais feias palavras a fim de
que inocentemente as digam.

Algumas mães aborrecem-se por ensinar-lhes o alfabeto sem que as faculdades da atenção,
percepção e observação tenham atingido o ponto conveniente, e daqui resultam muitas vezes,
graves transtornos nervosos e cerebrais, quando não vem a terrível meningite.
A literatura biográfica oferece-nos uma grande diversidade de exemplos de homens dotados de
esclarecido talento que já na infância deram provas duma poderosa mentalidade.

Porém, nada nos diz, por falta de dados, acerca da enorme multidão de pequenos prodígios que por
inconsiderado abuso acabaram por debilitar as suas faculdades e confundirem-se entre a massa geral
da vulgaridade.

À natureza repugna a coação. Os frutos amadurecidos na árvore são mais saborosos que os colhidos
ainda em verde e postos a amadurecer sobre palhas.

Assim as faculdades mentais da criança vão despertando paralelamente ao desenvolvimento do


organismo.

A dificuldade está em encontrar o momento oportuno para a obra da educação poder ajudar a
espontaneidade da natureza.

Expusemos as três citadas regras por insinuação, e não como norma fixa, porque a educação do
caráter humano não pode ajustar-se a um rígido regulamento. É um labor em que a intuição suplanta
o raciocínio.

Sem necessidade de converter o lar doméstico em escola profissional primária, a mãe tem inúmeras
ocasiões de ensinar recreando (segundo o famoso, sempre admirado e por poucos obedecido,
preceito de Horácio), tomando por tema dos seus ensinamentos as lições de coisas que com tanta
abundância a natureza nos oferece.

Devemos, contudo, ter em conta a incultura de algumas mães, proletárias, cujo número é grande, e
que não têm tempo de ocupar-se na educação dos seus filhos porque necessitam ganhar a vida no
trabalho assalariado.

Isto sucede por deficiências de organização social, mas tudo quanto na medida das suas forças
contribua para o aperfeiçoamento do mundo é moralmente obrigado a orientar as pessoas até ao que
devam ser, e só assim chegará o dia em que a civilização moral da humanidade seja culminante.

A índole da família sob todos os seus aspectos requer que a mãe não seja forçada a trabalhar
assalariada para se manter.

O mister natural da mãe consiste na administração e governo do lar, da criança, e educação dos seus
filhos.

Quando se modifiquem as condições econômicas da sociedade, poderá realizar-se o ideal da mãe se


ocupar exclusivamente da criança, educação dos filhos e governo do lar.

Porém, mesmo nas circunstâncias atuais, a mãe consciente dos seus deveres pode favorecer a
educação do caráter mental de seus filhos por meio de respostas instrutivas às suas persistentes
perguntas, de forma a dar-lhes uma idéia razoável das coisas, evitando respostas disparatadas que
lançam no campo virgem da sua mente a semente do erro.

A atenção é, sem dúvida alguma, a faculdade intelectual que primeiramente convém disciplinar,
porque preside ao exercício de todas as demais, e sem a qual não é possível observar nem diferençar
um objeto já conhecido.
É precisamente também a faculdade de mais fácil disciplina no lar doméstico antes da idade escolar.

Tudo quanto a mãe faz para distrair ou entreter a criança, segundo vulgarmente se diz, é, na
essência, um meio de lhe educar a faculdade da atenção, concentrando-a no objeto que se
proporciona para distraí-lo.

O caso está em que o aludido objeto atraia vivamente a sua atenção e a mãe incite o filho a observá-
lo, perguntando-lhe qual é a sua cor, forma, e todos os pormenores que sejam perceptíveis aos
sentidos.

No entanto, os objetos que se dêem à criança para entretê-la têm de ser apropriados a aguçar-lhe as
faculdades da atenção, observação e comparação que tão necessárias se tornam na infância para a
aquisição do verdadeiro conhecimento.

Deve-se também iniciar no lar doméstico a educação do aspecto moral do caráter desde que a mãe
sinta os primeiros vagidos do novo ser no seu ventre.

A rotina, o prejuízo e a ignorância poderão desdenhar e até zombar daqueles que apoiados na
observação e experiência dos fenômenos e fatos psicológicos afirmam que além do organismo
fisiológico chamado vulgarmente corpo, todo o ser humano tem outros dois organismos
intimamente compenetrados com o físico, porém de matéria muitíssimo mais sutil, que são os meios
de expressão das emoções e dos pensamentos.

Os psicofísicos designaram com os nomes de corpo emocional e corpo mental, as massas de


matéria sutilíssima no primeiro e muito mais no segundo, cujas respectivas vibrações se transmitem
à matéria densa do corpo físico, por cujos órgãos adequados se manifestam visivelmente as
emoções e pensamentos do verdadeiro ser humano.

Pois bem, assim como o corpo físico do feto se vai formando com os materiais do mesmo corpo
físico da mãe, segundo os alimentos de que ela se nutre, assim também os corpos emocional e
mental do feto se vão formando conjuntamente com o físico, segundo as emoções e pensamentos
habituais da mãe.

Devemos ter em conta que nem o corpo emocional sente, nem o mental pensa, nem o físico atua
por si mesmos, mas são apenas instrumentos e meios de manifestação e expressão da alma humana,
única entidade que sente, pensa e atua, valendo-se dos seus meios de manifestação, assim como não
é a pena que escreve, o cinzel que esculpe, e o pincel que pinta, mas sim a alma do literato, do
escultor e do pintor.

Logo, portanto, se o caráter é suscetível de perfeita evolução, e de modo algum fixo e imutável
como com notório erro afirmam alguns psicólogos tradicionalistas, a mãe poderá influir favorável
ou adversamente com os seus pensamentos e emoções na formação dos corpos mental e emocional,
e, por conseguinte, na evolução do caráter da alma que já leva encarnada nas suas entranhas, de
modo que dos alimentos de que se nutre influirá favorável ou desfavoravelmente na qualidade do
organismo físico do feto.

Todo o pensamento puro e nobre, toda a emoção alegre da mãe se transmite pela vibração dos
corpos físico, emocional e mental da mãe aos respectivos corpos insipientes do feto que vibram e
influem por indução na alma que está em vésperas de aparecer na vida terrena.

Quando os pensamentos da mãe são ruins, de ódio, rancor, ira, medo e mais sinistras emoções, a
influência é da mesma índole dos pensamentos e emoções, e, portanto, contrária à perfeita evolução
do caráter em via de manifestação, pois em vez de estimular os germens das qualidades positivas,
estimulará por indução as negativas.

Tudo isto não são fabulas inventadas pela moderna psicologia experimental, mas sim verdades que
desde a origem da civilização humana os antigos sábios conheceram, embora o vulgo torpemente as
repudiasse.

Por conseqüência, a educação do aspecto moral do caráter tem por primeiro agente a mãe, a quem
toda a família deve dispensar especiais cuidados durante a gestação, de forma a que por nenhum dos
sentidos corporais receba impressões desagradáveis que lhe perturbem sinistramente o ânimo ou
corpo emocional e lhe sugiram na mente maus pensamentos.

Não é desacertado dizer-se da futura mãe que se acha em estado interessante, pois, na verdade, ao
pai, à família, à pátria e à humanidade interessa sempre que o recém-nascido seja uma boa aquisição
para o gênero humano, um elemento de prosperidade e não de decadência.

Assim como na educação do aspecto físico do caráter, a mãe tem de ter muito cuidado com os
alimentos do corpo físico, na do aspecto moral há de adotar análogas precauções, e desprezar, por
prejudicial, toda a leitura, espetáculo ou sensação que possa trazer-lhe más idéias e sinistras
emoções.

As leituras, espetáculos e sensações de má índole podem comparar-se às comidas salgadas, azedas,


picantes ou variadas na educação do caráter físico.

Todavia, as leituras e espetáculos sem fibra nem nervo, sem cor nem estímulo, mas morais, com que
alguns timoratos se esforçam em combater a imoralidade pública, são o extremo de contato com o
anterior, e pode comparar-se com as comidas insossas, insípidas e insubstânciais que, sem alimentar
nem nutrir, fatigam o estômago.

A que está para ser mãe deve viver num ambiente luminoso de paz e harmonia, de trabalho
ordenado e atividade prazenteira, tão aliviada de ócio como de fadiga, de modo que os maus
pensamentos não tenham entrada na sua mente, nem emoções tenebrosas causem perturbações no
seu ânimo.

Só assim poderá dizer, com verdade, que anda de esperanças, e colocar em condições favoráveis de
nascimento o seu futuro filho.

O primeiro requisito de toda a educação e disciplina é a boa qualidade da primeira matéria humana,
e esta só a mãe pode proporcioná-la com os alimentos físicos, mentais e morais de que se nutre o
seu corpo, sua mente e sua alma.

Nas artes de carpintaria, marcenaria e serralheria, cada obra requer, segundo o seu gênero, uma
madeira ou metal em condições adequadas ao objeto a que se destina; porém, é indispensável que
dentro da sua respectiva classe sejam, a madeira ou o metal, de qualidade superior.

Da madeira, poder-se-á construir um mastro, a caixa dum piano, uma primorosa obra de talha, a
carroceria dum automóvel ou um elegante móvel doméstico, contanto que a madeira seja boa.

O tempo e a paciência convertem o rebento em rama robusta.


Assim, por meio da educação, a disciplina e a experiência, o incipiente caráter infantil, rebento dos
pais quanto aos seus instrumentos de manifestação e expressão, vai-se desenvolvendo até se
consolidar na forte e preciosa madeira do homem do provérbio.

A única satisfação completa e duradoura que há na vida é a consciência de acrescentar o poder


físico, mental e moral, segundo os anos vão decorrendo.

Este há de ser o resultado da educação do caráter.

É um erro vulgar julgar em absoluto que as crianças de sete anos não têm consciência nem uso da
razão.

Ao afirmá-lo, os moralistas e psicólogos davam a entender, como e, com efeito, que nem a
consciência nem a razão alcançam antes dos sete anos (pouco mais ou pouco menos, segundo o
caráter peculiar do indivíduo) o grau em que coincidem com a responsabilidade moral; porém,
desde os primeiros meses de vida, enquanto os objetos do mundo exterior impressionam os
sentidos, então a consciência e todas as faculdades morais do indivíduo incipiente em disposição de
receber a influência necessária para estimular e desenvolver os germens da virtude e privar de todo
o estímulo os do vício.

No que diz respeito às idéias da virtude e do vício, correlativas às do bem e do mal, verdade e erro,
saúde e doença, têm tantas graduações como matizes entre as cores complementares, e tons
musicais entre as notas consecutivas da escala cromática.

Neste mundo de realidade nem o bem, nem a virtude, nem a verdade, nem a saúde, são absolutos.

Igualmente não o são o vício, o mal, o erro e a doença.

Tudo depende das condições, circunstâncias, caráter e situação do indivíduo, cuja responsabilidade
está subordinada ao motivo e fim das suas ações.

Assim como há verdades que, por axiomáticas, ninguém nega, e erros que por muito crassos todo o
mundo repudia, também há ações cuja bondade ou maldade está universalmente reconhecida em
todos os povos e por todas as pessoas.

Logo, portanto, a educação do caráter no seu aspecto moral tem por objetivo desenvolver as
faculdades morais e dirigir o bem, a vontade e o sentimento por meio da repressão das más e
estímulo das boas inclinações, exercitando a bondade no cumprimento do dever e na prática da
virtude.

O educador do caráter tem que distinguir entre os conceitos do dever e da virtude.

O dever é a norma de relação do indivíduo consigo mesmo e com os seus semelhantes,


independentemente da sua vontade. Há de cumpri-lo sob pena de quebrar o vínculo social.

A virtude é voluntária, livre, sem outra coação que não seja a da própria consciência.

O não cumprimento do dever tem sanção legal; a falta de virtude, sanção moral.

O dever explicitamente estipulado chama-se obrigação, porque liga, legal e moralmente a quem a
contrai.
O cumprimento do dever é uma necessidade da vida social; e, por conseguinte, não merece prêmio
nem agradecimento aquele que cumpre os seus deveres e atende às suas obrigações, pois recebe a
recompensa da reciprocidade que supõe no cumprimento das obrigações e deveres alheios.

A generosidade, a compaixão, a benevolência, o sacrifício, a abnegação, a caridade e a paciência


são virtudes e não deveres, porque não há lei humana nem preceito jurídico algum que obriguem a
sua prática; pelo contrário, são manifestações espontâneas da vontade e do sentimento.

Eis porque a educação do caráter moral requer procedimentos distintos para que o educando cumpra
o seu dever e pratique a virtude.

Para o cumprimento do primeiro serve a coação, para a prática da segunda, a persuasão; e para
ambos o exemplo que sirva de ambiente moral e influa por indução no congênito caráter do
educando.

Tudo isto a mãe consciente do seu mister há de ter em conta, pois por natureza corresponde-lhe ser
a primeira educadora de seus filhos, já porque a função maternal na espécie humana se distingue da
dos animais, não, por certo, no seu aspecto fisiológico, mas no aspecto da educação que requer a
evolucionante alma do recém-nascido.

Da influência que o ser humano receba nos seus primeiros anos dependerá que o seu caráter seja
positivo ou negativo e a sua vida um êxito ou um fracasso, um hino de triunfo ou uma triste e
dolorosa canção.

O educador do caráter seja mãe, pai, ou professor, há de empreender, continuar e concluir a sua obra
apoiado moralmente na inspiração que, sem dúvida alguma, receberá e o porá em contato com a
vida divina por meio do razoável sentimento religioso, livre de superstições e receios egoístas e das
pieguices dos que de tudo fazem escarcéu e são mil vezes piores do que a impiedade sem vergonha.

O educador tem de atender que o filho ou discípulo é uma alma que Deus confia ao seu cuidado,
merecedor da máxima atenção, conforme disse o poeta latino, e que desde a sua infância “anuncia o
homem como a aurora anuncia o dia”.

Tem de educar-lhe o caráter que nada tem de fixo, cristalizado e rígido como qualquer peça de
fundição ou de argila que uma vez solidamente moldadas não é fácil alterar-lhes a forma.

Pelo contrário, o caráter, nos seus três aspectos físico, mental e moral, é suscetível de evolução,
melhoria e aperfeiçoamento, embora conserve sempre a característica individual com que o ser
humano o trouxe a este mundo.

Se o educador tem fé razoável ou confiança no auxílio de Deus levará a cabo mais facilmente a sua
delicada obra.

Uma vez, o célebre músico Mendelssohn foi ver o grandioso órgão da catedral de Friburgo, e o
guardião, que não conhecia pessoalmente o autor da oratória “São Paulo”, negou-lhe a licença que
ele trazia para tocar no órgão. Porém, o jovem compositor insistiu com tanta veemência que o
guardião acedeu, deixando-o tocar, ficando o pobre velho extasiado, pois que na sua longa vida
jamais tinha ouvido tocar órgão com tanto sentimento e delicadeza.

Perguntando a Mendelssohn o seu nome, desfez-se em mil desculpas, pedindo-lhe, por favor, que
tocasse durante o tempo que quisesse.
Assim também a mão de Deus pode tocar algumas notas do órgão humano, arrancando-lhe sons de
nobreza e generosidade, sem que o educador ou guardião reconheça o divino artista.

Inefável ventura é estar em contato com Deus na obra da educação.

Disse Henrique Ward Beecker:

“O que são todas as nossas nobres aspirações senão desejos do céu? Os nossos suspiros são suspiros
por Deus como o pequenino suspira por sua mãe”.

Diz a lenda que os habitantes duma aldeia tendo conhecimento de que o rei a visitaria breve, se
apressaram a pôr as ruas e as casas tão asseadas como alegres estavam em receber a visita do rei.

Satisfeitos com a sua obra levada a cabo pelo seu muito amor ao soberano, adormeceram com a
grata esperança da visita régia para o dia seguinte.

Porém, durante a noite, quando todos dormiam, os anjos desceram e transformaram-lhe toda a sua
obra.

O Sol pela manhã iluminou uma cena deslumbrante.

As choupanas tinham-se transformado em vistosos palacetes, e as madeiras em mármores


alvíssimos.

Esbeltas palmeiras adornavam as ruas, e em torno da aldeia cantavam docemente as cristalinas


águas nas fontes.

Embora inverossímil como toda a lenda, é essencialmente verdadeiro o seu espiritual significado,
pois Deus melhora, enaltece e aperfeiçoa as obras que realizamos em seu serviço e por seu amor.

Quando o educador do caráter tenha vigorizado um corpo, intensificado a capacidade de uma


mente, esculpido uma alma, poderá oferecê-la com toda a segurança como colaborador de Deus no
cumprimento do plano da evolução universal.

IX

QUALIDADES DO CARÁTER

O caráter pode comparar-se à existência de gêneros numa casa comercial. Quanto mais existirem
de primeira qualidade mais facilidade haverá de aumentá-los. – Hawes

Os verdadeiros benfeitores da espécie humana são os capazes de levantar o ânimo das pessoas
pela estimação das boas qualidades, com preferência às mais cotizadas no mercado dos valores
materiais. – Emerson

Morrem as obras de mármore e bronze; derrubam-se templos e palácios; todavia, quem educar as
boas qualidades do caráter imortaliza a sua obra. – Daniel Webster

Em linguagem vulgar e corrente costuma dar-se à palavra qualidade um significado que só abrange
o seu conceito harmônico, quer dizer, que convém à boa índole da qualidade. Porém, na sua
verdadeira, genuína e cabal acepção, a aludida palavra exprime cada uma das circunstâncias,
condições e características naturais ou adquiridas, que distinguem as pessoas ou coisas.

A insuficiência expressiva da linguagem humana, muito inferior à potência da mente, por muito
copioso e preciso que seja um idioma, obriga a dar à mesma palavra distintos, embora semelhantes,
significados para exprimir os diversos matizes do pensamento, e às vezes uma mesma palavra tem
acepções diferentes embora que contraditórias que só se assinalem pela sua ligação com as demais
palavras duma oração gramatical.

Assim sucede com a palavra quantidade que parece sinônima de qualidade, e, sem embargo, há
tanta diferença entre elas como a do todo com a parte.

Qualidade é uma das variadas propriedades, circunstâncias, condições ou características que


distinguem e assinalam as pessoas ou coisas.

Quantidade é o conjunto ou soma das ditas propriedades, condições, circunstâncias ou


características.

Logo, portanto, as qualidades são os elementos ou fatores constituintes do caráter de uma pessoa,
animal, vegetal, mineral ou coisa.

A quantidade é o mesmo caráter expresso com outro nome.

Daqui se conclui que para indicar que uma pessoa tem caráter, segundo se compreende geralmente
esta palavra, se diga que é uma pessoa de qualidade.

Esta palavra é também sinônima de caráter nas expressões correntias de na qualidade de perito, de
médico, de tutor, etc., para exprimir a condição, circunstância ou característica com que uma pessoa
intervém ou atua em qualquer negócio da vida social.

Portanto, nem qualidade nem quantidade as necessariamente boas, senão quando, como no caráter
podem ser más, e assim se diz especialmente das coisas que são de boa ou má qualidade segundo a
sua índole.

O que se diz das coisas deve dizer-se das pessoas que, segundo a sua natureza, educação,
temperamento, costumes, afeições, etc., podem ter boas ou más qualidades, sem que, por muito má
que seja uma qualidade deixe de ser qualidade.

Referindo-nos ao indivíduo humano, no que respeita à educação do caráter, diremos que a


psicologia experimental classifica de positivas as boas e de negativas as más qualidades, embora a
filosofia moral as denomine respectivamente virtudes e vícios.

Sem embargo, não sendo uma questão de palavras, como à primeira vista parece, não serão demais
as considerações imprescindíveis que se façam para assinalar o verdadeiro conceito das qualidades
individuais, sem o que não seria possível dirigir com acerto a educação do caráter.

Entendemos por bom o que tem bondade, e por bondade a inclinação para fazer o bem, e por bem
aquilo que em si mesmo tem o complemento da perfeição no seu próprio gênero, ou o que é objeto
da vontade retamente dirigida.

Entendemos por mau a antítese, o contrário e oposto ao bom.


Na filosofia moral define-se a virtude dizendo que é hábito e disposição da alma para as ações
conformes à lei moral no reto modo de proceder.

Vício é o defeito ou excesso da virtude, e assim se diz no sentido figurado e familiar que tanto se
peca por carta a mais como por carta a menos, e o mesmo dão a entender as frases: os extremos
tocam-se e no justo valor está a virtude.

Em psicologia experimental a palavra positivo resume em maior ou menor grau os conceitos de


bondade, harmonia, virtude, beleza e verdade.

Por negativo entende-se o que conjuntamente exprime em maior ou menor grau os conceitos da
maldade, discordância, vício, fealdade e mentira.

As classificações de “positivo” e “negativo” são pelo seu significado gramatical muito mais
adequadas à índole psicológica da qualidade, porque indicam o sentido em que se dirige a energia
anímica determinante da qualidade.

Os conceitos tradicionais do bem e do mal, virtude e vício, consideram estas noções abstratas, não
só opostas como independentes entre si, da mesma forma que os persas consideram Ormudz e
Ahriman, e a teologia cristã considera até certo ponto Deus e Satanás.

A psicologia experimental, apoiada na suprema lei da verdade na unidade e da unidade na verdade,


tendo em consideração o aforismo de como é levantado o baixo, interior e exterior, e o máximo e
mínimo, considera as qualidades do caráter como ativas forças psíquicas, capazes de operar o
mesmo que as mecânicas, no sentido positivo ou no sentido negativo sem deixar de ter a mesma
força.

O sentido positivo é o da virtude e o bem.

O sentido negativo é o do vício e o mal.

O resultado ou efeito da atividade da força psíquica é a ação, que será boa ou virtuosa ou má e
viciosa, segundo o sentido positivo ou negativo em que se dirija a força. Todavia, a energia
determinante da ação boa ou má será sempre a mesma, como também é sempre a mesma e uma só a
força necessária para dar a volta a uma chave, que abrirá ou fechará segundo o sentido em que a
força se dirija.

É necessário fixar bem na memória este conceito das qualidades do caráter comparadas com as
forças mecânicas, porque na realidade são forças psíquicas, umas latentes, outras ativas, mas todas
na disposição de atuar por impulso na vontade própria ou alheia.

Uma vez isto compreendido será mais fácil educar o caráter, porque toda a qualidade negativa pode
transformar-se em positiva apenas com a inversão do sentido em que atua a força psíquica que a
produz.

De resto, não há caráter algum essencialmente negativo. Pelo contrário, todo o ser humano é
essencialmente positivo, e só eventual e contingente negativo.

O mal e o vício no aspecto moral, a ignorância e limite de alcances no mental, e a doença no físico,
não são mais que desvios, deficiências ou anormalidades de fácil remédio, ou pelo menos de alívio,
se operar com eficácia a educação.
Conclui-se, portanto, que em todos os seus aspectos seja o caráter a resultante dum sistema de
forças psíquicas, umas positivas e outras negativas, do mesmo modo que um sistema de forças
mecânicas resulta a soma algébrica das forças componentes.

Em qualquer das épocas ou estações da vida que se observe psicologicamente o ser humano, é fácil
de encontrar nele qualidades positivas misturadas com outras negativas.

Não há nada perfeito neste mundo, e muitas vezes as qualidades positivas de grau superior, a que a
teologia moral chama heróico, estão diluídas ou obscurecidas por qualquer qualidade negativa que
vai até a abjeção.

A história nos oferece a tal respeito exemplos bem semelhantes.

Marcelo, sobrinho do imperador Augusto, era a esperança de Roma, pelo seu valor, talento,
generosidade e outras apreciáveis qualidades positivas do seu caráter; porém, como mancha
cinzenta em arminho branco ou roedura de rato em fruta sã, as suas virtudes eram obscurecidas pelo
sinistro vício ou qualidade negativa da inveja que sentia contra Agripa, amigo e conselheiro de
Augusto que, achando-se a morrer o designara para seu sucessor no império.

A habilidade e ciência do médico devolveram a saúde ao imperial enfermo, e logo Marcelo intrigou
a tal ponto que fez com que o imperador alijasse o ilustre Agripa para fora de Roma sob pretexto de
nomeá-lo governador da Síria.

Outro exemplo da complexidade do caráter nos dá o imperador Adriano, em que existia um


perpétuo contraste entre as luzes do seu espírito e os vícios do seu coração, pois tão depressa se
mostrava orgulhoso como humilde, clemente como vingativo, austero como dissoluto, afável como
vaidoso, avarento como pródigo, supersticioso como incrédulo.

Entretanto, conseguiu que o império romano desfrutasse largos anos de paz e os povos fossem
felizes no amparo do seu governo hábil e justo, de modo a avançar praticamente mais de quinze
séculos aos tratadistas modernos de direito constitucional, pois dizia: “Governei sempre de forma
que se veja que a Republica pertence ao povo, e que não sou eu o seu dono, mas apenas seu
administrador”.

Esta frase contém na essência o moderno princípio da soberania popular.

Em campanha marchava sempre à frente das suas tropas sem outro distintivo ou divisa que não
fosse o exemplo que dava a todos. Alimentava-se tal qual como o soldado, e desafiava com a cabeça
descoberta a neve dos Alpes e o sol do Egito.

Visitava pessoalmente os doentes e feridos, cuidava dos inválidos e era solícito para os seus súditos;
porém, na sua vida particular dava tanto pacto à sátira e ao vitupério como na vida pública à honra e
ao elogio.

Possuía a qualidade negativa de presumir de sábio e ser o primeiro pensador. Era, todavia, um
orador eloqüente e um poeta mimoso; mas alardeava também ser pintor, escultor e arquiteto,
mostrando-se invejoso dos homens de talento.

Todos nós, em maior ou menor grau e proporção, temos esta complexidade de caráter, representada
pela simultaneidade de qualidades positivas e negativas.
O primeiro cuidado do educador consiste em analisar o caráter do educando, a fim de descobrir
quais são as suas qualidades positivas e negativas, e conhecer bem a matéria que vai tratar e não ir
às cegas como desgraçadamente vai a maior parte dos professores, que submetem todos os seus
educandos ao mesmo regime e a idênticas disciplinas com tão funesto erro como o médico num
hospital que receitasse o mesmo remédio a todos os doentes duma enfermaria.

QUALIDADES FUNDAMENTAIS

O bom êxito não depende tanto das circunstâncias externas como das fundamentais qualidades do
caráter que inspirem confiança em si mesmo. – Lincoln

Cada dia que passa urdimos a teia do nosso destino. Hoje mesmo podemos escolher entre o vício e
a virtude. – Whittier

A jovialidade é tão natural no homem como a brancura na neve. A taciturnidade e o fastio provêm
dos alimentos mal cozinhados ou dos costumes depravados. – Ruskin

A saúde e o gozo são para o homem o que o Sol é para as plantas. – Massilón

Sucede com as qualidades morais do caráter o que acontece com as cores na pintura e na arte do
tintureiro.

Embora sejam apenas três as cores fundamentais – vermelho, amarelo e azul – delas derivam
sucessivamente o cor de rosa, verde, azul e violeta que constituem as sete do arco-íris, são inúmeros
os matizes, tons e graduações destas sete cores.

Analogamente podemos considerar três qualidades positivas ou virtudes fundamentais a fé, a


esperança e a caridade, de que primeiramente derivam as quatro virtudes cardinais de prudência,
justiça, força e moderação, que constituem o espectro do sol espiritual.

Se olharmos a que a superstição e o fanatismo têm tergiversado deploravelmente o verdadeiro


conceito da fé, segundo aos seus discípulos Cristo ensinou, cuja autoridade é muito superior à de
quantos pretendem suplantá-la.

Não há uma só passagem dos Evangelhos canônicos em que se dê à fé o significado de luz e


conhecimento sobrenatural.

Pelo contrário, sempre que Cristo nos fala da fé refere-se explicitamente à confiança que o homem
deve ter em Deus, e na atuação da divina por muito adversas que as circunstâncias se mostrem.

Tal é a fé que move as montanhas e como virtude fundamental o educador há de fomentar o ânimo
do educando de modo que da confiança em Deus e na ação da lei divina deriva a confiança em si
mesmo pelo cumprimento da lei, independentemente de toda a crença especulativa que nada tem
que ver com a confiança ou verdadeira fé.

A experiência dos séculos nos ensina que o homem teve sempre maior ou menor confiança em
Alguém superior, e que esta fé não é própria do entendimento, mas sim da vontade.
Milhares de anos antes da declaração dos dogmas e ensinamentos referentes à crença, já muitas
pessoas tinham fé na ação dos seres superiores a que chamavam deuses, presididos pelo supremo e
infinito Ser.

Destas considerações se infere que a confiança em Deus e em si mesmo tem de ser a primeira
virtude ou qualidade positiva que há de afirmar-se no caráter do educando, porque desta confiança
derivam, como tons e matizes, a prudência e a força que, por sua vez, engendram o valor.

Se examinarmos a índole psicológica da esperança, descobriremos que é uma derivação da fé


razoável ou confiança na atuação da lei divina, pois consiste na confiança de que hão de acabar os
males desta vida, que um dia virá em que a justiça prevaleça contra a iniqüidade, a verdade contra o
erro, o prazer contra a pena e o consolo contra a dor, segundo o divino mestre prometeu nas suas
sublimes bem-aventuranças, que foram o eloqüentíssimo exórdio do Sermão da Montanha.

Sem fé não pode haver esperança, nem sem esta é possível o caráter afirmar-se, porque os
horizontes da vida humana contraem-se na sua modalidade física e terrena, e a visão da alma
ofusca-se a ponto de negar os seus imortais destinos.

Outra prova de indissolúvel enlace dos três aspectos do caráter nos oferece o fato de que quanto
mais firme, robusto, vigoroso, equilibrado e completo é o caráter mental, mais vivo é o sentimento
de espiritualidade e mais confiante a esperança de que não seja a Terra o centro das almas.

Quase todos os homens e mulheres cuja mente brilhou com os fulgores do gênio se distinguiram
pela sua profunda fé em Deus e sua firme esperança na justiça duma vida futura, embora alguns
denotassem na sua conduta pessoal os efeitos de intensas paixões.

A fé e a esperança na vida superior ditaram ao incomparável músico Mozart as seguintes linhas da


carta que escreveu a seu pai em 4 de Abril de 1787:

“Como já reparei que a morte é a verdadeira finalidade da existência, desde os dois anos até hoje
que me familiarizei com a idéia da morte, que eu considero como a melhor amiga do homem; e
longe de atemorizar-me a sua imagem, tranqüiliza-me e consola-me. Dou graças a Deus por se ter
dignado fazer-me conhecer a morte como a verdadeira chave da nossa felicidade. Nunca me deito
sem pensar que amanhã, não obstante a minha juventude, já não existirei”.

Mozart confiava em Deus e nas compensações duma vida futura. Embora desde os três anos aos
dezessete tivesse percorrido triunfalmente como concertista toda a Europa, as intrigas dos seus
detratores, que por incompreensão criticaram acerbamente o magistral “Dom João”, tocado em
Viena na noite da sua estréia, ocasionaram-lhe profundas amarguras, reduzindo-o a tão triste
condição que teve por felicidade encontrar algumas lições de piano naquele mesmo Paris que tanto
o aplaudira e festejara quando ele era ainda menino prodígio.

A educação do caráter moral requer por segundo fundamento a afirmação na mente e no ânimo do
educando da positiva qualidade da esperança, convencendo-o de que se o mundo estivesse sujeito à
casualidade e não houvesse outra vida a não ser a Terra, não valeria a pena viver; e que a fé em
Deus há de mover-nos a esperar a morte com a tranqüilidade de consciência que infunde o
cumprimento do dever, esperando-a com absoluta confiança de que para os bons é o caminho a vida
superior, no mundo onde a divina justiça invalida os iníquos falhos da vida terrena.

O educador tem, sobretudo, de atender a que só poderá chegar ao caráter do educando pela mente;
que para despertar o sentimento necessita fazer vibrar o pensamento.
É bem evidente o fracasso dos rotineiros métodos e processos de educação, porque, se pelo fruto se
conhece a árvore, à vista está o descaimento moral da sociedade dos nossos dias, confessado pelos
mesmos que na sua mão tiveram os pequeninos de ontem e os homens de hoje sem saber educá-los.

O erro fundamental dos tradicionais métodos de educação consiste em que só procuram e logram
fazer do educando um submisso, mas não um convencido.

Os não menos tradicionais processos pedagógicos da chamada educação moral se baseiam na fé


cega, na crença artificial e no temor, em vez de se basearem, como deviam, na fé razoável e na
esperança dimanadas do convencimento.

A autoritária afirmação dogmática sem argumento que a demonstre e envolta em mistério ou


declarada em termos repulsivos da razão, não pode de modo algum comover o ânimo do educando,
nem mover a sua vontade à consciente prática do bem por amor ao bem, mesmo independentemente
da promessa de prêmio ou ameaça de castigo.

À imensa maioria dos que por profissão têm nas suas mãos o futuro do mundo por meio da
educação dos homens de amanhã, não se lhes predispõe convenientemente para a delicada obra da
educação. Têm muita letra e pouco espírito. Poderão ter adquirido grande soma de conhecimentos
aridamente intelectuais, porém carecem em absoluto do conhecimento da psicologia da criança, e
quase sempre fracassam na obra da educação.

Perguntemos ao mais afamado professor duma Escola Normal que relações há entre a aritmética, a
geometria e a moral. Perguntai-lhe como seria possível valermo-nos de qualquer daquelas partes da
matemática para afirmar no ânimo do educando as fundamentais virtudes ou qualidades positivas da
fé e da esperança, e é muito provável que ele encolha desdenhosamente os ombros e esboce mesmo
um ligeiro sorriso.

É que, todavia, está ainda muito verde a idéia da unidade essencial do caráter humano estar
manifestado nos seus três aspectos físico, mental e moral, de forma que com laços tão indissolúveis
como sutis se relacionam as funções fisiológicas com as faculdades da mente e as emoções do
ânimo.

Entre uma secreção interna, uma fórmula matemática e uma virtude moral existe um íntimo
estreitamento que só observa quem consegue penetrar nas profundidades da consciência humana.

Se o educando chega a crer em Deus, não porque os livros lhe ensinem nem verbalmente se lhe
afirme, mas porque o professor lhe tenha demonstrado a Sua existência pela observação da
natureza, a sua fé será voluntária e não forçada, moderada e não cega.

A sua esperança será firme na infinita Bondade em que seria absurdo qualquer grau de maldade.

Uma vez convencido o educando de que todos os homens são filhos de Deus, seu Pai comum, que
para todos a vida tem a mesma finalidade, nascer-lhe-á o convencimento por derivação
forçosamente lógica da idéia do dever moral que todos os homens têm, não só de suportar-se
mutuamente, como de cumprir o máximo mandamento de amor condensado na virtude fundamental
da caridade, de que dimanam a justiça e a moderação.

No entanto, sob o ponto de vista psicológico, aplicado à educação do caráter, a caridade não tem o
vulgar significado da esmola, mas sim o admiravelmente sublime que S. Paulo lhe dá na sua
Epístola aos Coríntios, quando lhes disse:
“Se eu falar com a linguagem dos homens e dos anjos e não tiver caridade, sou como metal sonante
ou campainha que retina. E se eu distribuísse todos os meus bens a dar de comer aos pobres, e lhes
entregasse o meu corpo para ser queimado, e se não tivesse caridade, nada me aproveitaria”.

“A caridade é paciente, benigna, não é invejosa nem obra precipitadamente, não é soberba nem
ambiciosa, não busca proveitos, não pensa mal, não se goza da iniqüidade, mas goza-se da
verdade”.

É o amor ao próximo como a si mesmo, a consciência da confraternização humana como corolário


evidente da paternidade divina, o sentimento que a convicção da comum origem de toda a espécie
humana levanta no ânimo para que não façamos nada do que não queiramos para nós, e querer para
outros o que para nós não queremos.

Como da cor derivam os seus matizes, da caridade, sinônimo de amor, derivam as positivas
qualidades ou virtudes da justiça, compaixão, tolerância, indulgência, afabilidade, respeito,
consideração, paciência, abnegação, generosidade e sacrifício. Todas estas qualidades têm por tipo a
caridade, essencialmente idêntica ao amor.

Não é – parece – a caridade monopólio de nenhuma confissão dogmática, nem admite qualificativos
que restrinjam o seu campo de ação.

É uma virtude genericamente humana porque é essencialmente divina e encontramos a cada passo e
em todos os climas exercícios do seu heróico exercício, bem como em todas as raças, em todos os
povos e em todas as épocas da história do mundo.

Há santos e santas canonizados por decreto da consciência universal, cujo coração foi toda a vida
consagrado ao amor do próximo.

No peito daqueles que vêem Deus na alma do seu semelhante, há um altar de perpétua adoração
àquela heroína da caridade que se chamou Florência Nightingale, cuja biografia Tooley publicou em
1904.

Era filha de pais remediados com os quais viajou pela Inglaterra, Escócia, Irlanda, França e
Alemanha.

Movida pela caridade, por onde quer que passasse, visitava todos os asilos e hospitais,
contemplando-os com vivo desejo de remediar a miséria humana.

Ao regressar a Londres, renunciou a todos os prazeres mundanos que a riqueza material lhe permitia
que desfrutasse, e fundou um dispensário para mulheres, arrastando impávida com a hostilidade e
abandono da nobreza britânica que, incapaz de sentir no seu orgulho a verdadeira caridade, se
afastou, como se ela fosse uma leprosa, quando Florência Nightingale, tal como a nobilíssima Isabel
de Hungria, compartilhava as dores dos desgraçados.

Durante a guerra da Criméia, os correspondentes publicavam todos os dias nos jornais ingleses
horripilantes pormenores acerca da situação dos feridos abandonados no campo de batalha, pois
ainda não se conhecia a existência da Cruz Vermelha, nem dos hospitais de sangue.

Na batalha de Alma ficaram feridos cerca de sete mil soldados, e mais ou menos o mesmo número
na de Inkerman.
Um dos correspondentes perguntou se não havia na Inglaterra algumas mulheres caridosas que
fossem cuidar dos feridos que agonizavam nos hospitais urbanos por falta de assistência.

Florência Nightingale transportou-se ao campo de batalha e a sua acrisolada vontade desfez quantos
obstáculos se opunham ao abnegado mister de assistir aos feridos e organizar os hospitais de
sangue, permanecendo até altas horas da noite, de lâmpada na mão, à cabeceira dos doentes, como
viva imagem da divina caridade.

Terminada a guerra, o duque de Cambridge abiu uma subscrição pública para testemunhar a
gratidão do povo britânico à abnegada percussora da moderna enfermeira; porém, irmanando a
modéstia com a caridade, Florência destinou o produto da subscrição ao estabelecimento de uma
escola de enfermeiras em Londres, e recusou a entusiástica recepção que à sua chegada propunha
fazer-lhe o povo inglês.

Em 1908, dois anos antes da sua morte, foi-lhe conferido o título de “Irmã maior da cidade”, sendo
por essa ocasião organizado um cortejo popular em sua honra, e oferecendo-lhe o município de
Londres uma estatueta em ouro que ela não aceitou, pedindo que a trocassem por uma de madeira,
servindo o ouro, com maior utilidade, para aliviar quanto possível a miséria humana.

XI

QUALIDADES POSITIVAS

Tudo vitaliza o espírito vivente, e quanto mais nobre e forte mais domina a matéria corporal. – S.
Tomás de Aquino

As idéias ressoam no mundo com maior estampido que os canhões. Os pensamentos são mais
poderosos que as baionetas. Os princípios têm alcançado mais vitórias que os exércitos. – W. M.
Paxton

Não desespereis nunca, e se o fizerdes, continuai trabalhando. – Burke

Morrerá sem cumprir o seu dever quem esperar que lho indiquem. – Cowell

As qualidades positivas que mais se devem cultivar na educação do aspecto moral do caráter são:
obediência, confiança, atividade, diligência, amabilidade e modéstia.

OBEDIÊNCIA – É o cumprimento da vontade alheia por determinação da sua.

Para que a obediência seja qualidade positiva ou virtude moral do caráter há de ser voluntária e
consciente, porque quem obedece à força receando castigo, não é obediente, mas sim um escravo
que se submete à vontade alheia, com repugnância ou secreta repugnância da sua.

Eis o motivo porque muitos educandos mostram certa repugnância em obedecer, e só os educadores
têm culpa, pois não os sabem mandar, o que é muito mais difícil que obedecer.

É indispensável na educação do caráter que, nunca, sob pretexto algum, o educando deixe de fazer o
que lhe mandam, nem faça o que lhe proíbem; mas, é igualmente ou mais indispensável ainda que
tudo quanto o educador mande fazer seja necessário, oportuno e útil, de modo que as ordens não
sejam filhas do capricho ou do mau humor, mas sim justas e razoáveis.
Todos os mandatos do educador têm de ter por objetivo dirigir a mente no conhecimento da
verdade, na vontade ao amor do bem, e no exercício da virtude.

Muitas desobediências provêm da injustiça ou inoportunidade do mandato.

Se o educador desconhece os fundamentos da psicologia humana e emprega a coação para ser


obedecido, obterá apenas a forçada obediência do bruto ou do escravo que, submetido a um poder
superior, não pode emancipar-se.

Deste modo, em vez de robustecer, deprimirá a vontade do educando, ou para melhor dizer,
comprimi-la-á como vapor de água na caldeira, e quando acabe a pressão, distender-se-á
bruscamente com impetuosidade libertando-se da compressão a que fora sujeita pela força da
vontade.

Estão neste caso muitas crianças que, submetidas durante a infância à rígida disciplina dos
internatos, ou a excessiva severidade dum pai ou de um tutor, são precisamente as mais travessas e
desenfreadas quando se emancipam da tutela, porque a sua vontade esteve durante muito tempo
submetida pela força e com oculto sentimento de rebeldia à vontade alheia.

Em compensação, o educador que saiba dirigir a vontade do educando, colocando-a paralela com a
mente por meio do conhecimento, de modo que aquele ao obedecer compreenda a verdade, a justiça
e a necessidade do mandato, pois só assim, aliada a vontade ao conhecimento a obediência poderá
ser voluntária.

Pelo contrário, o mandato despótico, caprichoso e injusto, ou mesmo justo, mas não razoável,
sugestionará o educando, mas não harmonizará a sua vontade com a do educador.

Não há instituição como a militar em que a obediência do inferior pelo superior seja tão
rigorosamente disciplinada pela severidade das ordens.

Ali, não podem discutir-se nem se analisar as ordens dos superiores, e compreende-se que assim
seja porque os exércitos são os braços das nações, máquinas de guerra organizadas para
salvaguardar a paz, e todos quantos do exército façam parte têm de obedecer cegamente ao que
assume a responsabilidade do mando.

O mesmo sucede nas ordens religiosas, cujo primeiro voto é o da obediência, e por isso o professo
submete a sua vontade à dos seus prelados, sem que possa replicar ou pôr reparos ao que o superior
lhe ordena.

Por isso, temos de considerar que o militar ingressa no exército, jura defender bandeira, e submete-
se às ordens quando já tenha o seu caráter integralmente educado, e, portanto, tem de compreender
a justiça e a necessidade de contribuir na defesa da sua pátria, nas condições de regime e disciplina
requeridas pela índole do instrumento destinado à defesa. Chama-se, por este fato, à milícia, a
religião do dever.

Não pode dizer-se que a obediência do militar aos seus superiores seja forçada e de mal grado, pois
quem pertence ao exército delega a sua vontade na dos seus superiores, uma vez que sabe que a sua
obediência é benéfica para a pátria.

Analogamente, ao pronunciar o solene voto de obediência, o religioso professo nem deprime nem
anula a sua vontade; deliberadamente a põe em coincidência com a do seu superior.
Todavia, se a vontade não estiver acertadamente vigorizada em harmonia com a mente, durante a
infância e a adolescência, o recruta não compreenderá a verdadeira finalidade do exército nas
nações, e a sua obediência será forçada supondo que o rigor das ordens lhe imprime certa coação na
sua vontade.

Infere-se, por conseqüência, a importância que, tanto para o indivíduo como para a sociedade, tem
na educação do caráter o robustecimento da vontade consciente por meio da obediência.

CONFIANÇA – Consiste esta qualidade numa equilibrada combinação da fé com a esperança.

Os tradicionais métodos de educação são também deficientíssimos neste ponto, porque em vez de
lograr que o educando tenha confiança nas suas próprias forças com o indispensável auxílio de
Deus, e as empregue, acomodando os meios aos fins no propósito do objetivo, deprime-lhe o ânimo
e a vontade com os rudes epítetos de torpe, estúpido, bruto, e demais classificações com que certos
pais, tutores e mestres não se poupam de mimosear o educando, sem atender no gravíssimo dano
moral que lhe infligem.

O pior é que na maioria das vezes a culpa não é do educando, mas sim do educador que não acertou
em descobrir-lhe a índole do caráter, empenhando-se em que aprendam textos completos, palavra
por palavra, quando por natureza eles têm muito mais vigorosa a assimilação do raciocínio que a
memória.

Por outro lado, o regime do terror disciplinário, de contínua ameaça e constantes repreensões,
acompanhadas às vezes de castigos corporais, constrangem de tal modo o ânimo do educando que
lhe oprimem e incapacitam a mente e a consciência a ponto de acreditar, à força de lho repetirem,
que nunca fará coisa alguma de útil.

Na educação acertada do caráter é preciso estimular e ao mesmo tempo dirigir as iniciativas do


educando, a fim de que o seu entendimento se acostume a bem pensar, o ânimo lhe não escasseie, e
a vontade a saber operar.

Cada iniciativa acertada do educando será um novo motivo da confiança em si próprio aumentar, e
cada erro dará ao educador ocasião de o corrigir sem necessidade de castigo, desfazendo assim o
inveterado equivoco de comparar o castigo com a correção.

Tem de evitar-se na educação do caráter tudo quanto arrisque engendrar o menosprezo de si próprio;
mas sim se infundir o convencimento de que com perseverante esforço será capaz de avançar no seu
aperfeiçoamento individual, embora não chegue a alcançar o desejado.

O erro da educação rotineira neste ponto consiste em submeter todos os educandos a um regime
uniforme, como se fossem cavalos a que indiferentemente se dá a mesma ração.

O regime escolar tradicional parece-se pela sua absurda uniformidade ao leito onde o lendário
bandido Procusto estendia os viajantes que lhe caíam às mãos, para lhes cortar os extremos das
pernas quando o seu comprimento excedia o do leito, ou estendê-las à força de cordas se eram mais
curtas.

Assim se educa ou pretende educar todos pelos mesmos métodos, ensinando-lhes as mesmas lições,
aplicando os mesmos processos, sem outra graduação que não seja a da idade, desconhecendo ou
olvidando, porém, que o distintivo natural de cada educando é o caráter que, segundo a sua índole,
requer igualmente uma modalidade distinta de educação.
Daqui resulta que quando o método empregado pelo educador é incongruente com o caráter do
educando, acaba este por julgar que a culpa é sua, que Deus, sem saber porquê lhe negara os dotes
que dera aos outros, e a desconfiança e o desprezo por si mesmo agravam a depressão da sua
vontade.

Quando o educador fundamenta o seu trabalho e a análise psicológica do caráter do educando, logra
despertar-lhe a confiança em si próprio, porque o método que emprega está, com efeito, em
harmonia com o caráter. Diz um aforismo terapêutico que não há doenças, mas sim doentes, e que
cada enfermo, embora todos adoeçam com a mesma doença específica, requerem tratamento
distinto, não só em medicina como também nas doses, segundo a idade, sexo, temperamento,
compleição, idiossincrasia, modo de vida, e demais constituintes do aspecto físico do seu caráter.

O que um bom médico procura primeiro é observar e examinar detidamente o caráter físico do
doente, com todos os antecedentes que determinaram o estado em que aquele se encontra.

A seguir diagnostica e logo prescreve o tratamento, em conformidade com o resultado da sua


observação.

Da mesma forma tem de proceder no tratamento ou educação dos outros dois aspectos do caráter,
sujeito às mesmas leis.

O que o educador tem de fazer primeiro é observar e descobrir a tônica fundamental do caráter do
educando nos seus três aspectos, e aplicar a cada um deles o método ou tratamento melhor
adequado à sua índole.

Assim como o médico vigia atentamente o decorrer da enfermidade para mudar o tratamento
segundo o requeiram as incidências e a fim de evitar complicações, assim também o educador há de
variar o método e processo segundo vá observando as modificações que o processo evolutivo
determina no caráter do educando.

Se cada educando fosse tratado em conformidade com a índole do seu caráter diminuiria
prodigiosamente o número dos desnorteados, torpes, semicretinos, rudes e demais anormalidades
dimanadas, quase sempre, da impossível adaptação a um ambiente hostil, ou das deficiências e erros
do tratamento. Só assim seria fácil cultivar a positiva qualidade da confiança.

LABORIOSIDADE – É a aplicação e gosto pelo trabalho, tanto na ordem moral como na


intelectual.

Trabalhar é ocuparmo-nos em qualquer exercício, obra ou mister, alguma coisa em que


empreguemos as atividades físicas, intelectuais e morais, ou seja, o funcionamento dos elementos
do caráter com deliberada aplicação a determinado fim.

Logo, portanto, compreende-se que para educar esta qualidade é indispensável exercitar as demais
qualidades do caráter, e ainda mais particularmente as que correspondem ao aspecto mental, porque
em toda a obra humana se reflete o caráter do seu autor.

Por isso se diz que o estilo é o homem, entendendo-se por estilo a peculiar maneira de escrever,
pintar e esculpir, compor e trabalhar.

Convém ter em conta que as qualidades positivas do caráter não se educam e cultivam uma a seguir
a outra, como se pulem as facetas dum diamante, mas sim pela assiduidade educadora e simultânea
que, ao mesmo tempo, vai fomentando e estimulando todas as qualidades positivas do caráter.
Isto demonstra que o trabalho ordenado pode servir, não só para o cultivo da laboriosidade, como
também para a educação e disciplina das demais qualidades positivas dos três aspectos do caráter,
pois que o trabalho não é mais que o emprego em determinado objeto da atividade do trabalhador,
entrando em simultânea função o corpo, a mente e o ânimo.

Os jogos e desportos também são meios de educação quando não degeneram em porfias
apaixonadas que deprimem o aspecto moral do caráter.

Os chamados trabalhos manuais nas escolas se forem bem dirigidos, não caindo na rotina e
acomodando-se às naturais inclinações e aptidões do educando, são um excelente meio de estimular
a laboriosidade, favorecer o uso da imaginação e despertar a curiosidade, ao mesmo tempo em que
demonstram variadíssimas conjunções de educação integral do caráter, pois que além de dar novos
pontos de mira aos olhos, habilidade e destreza às mãos, excitam a curiosidade do educando,
revelando-lhe o secreto parentesco entre as figuras geométricas, cujas aplicações morfológicas não
pressentia, e os objetos elaborados com papel, cartão, estanho, couro, gesso, madeira e outros
materiais igualmente dóceis que põem a utilidade nos braços da arte.

Por outro lado, não há dúvida alguma de que os trabalhos manuais são um poderoso meio de educar
os aspectos mental e moral do caráter, cultivando a atenção do educando, acostumando-o a
concentrar a energia, livrando-o da ociosidade, cansando-lhe alegremente a sua atividade.

O ensino verbal, que suplanta a verdadeira educação do caráter mental, infundiu em gerações
inteiras um tal desdém pelos ofícios injustamente chamados servis, que a habilidade manual teve de
refugiar-se entre os obreiros sem guia científica que a orientasse, enquanto os intelectuais não
sabiam fazer um pacote, pregar um prego, nem abrir uma fechadura, nem fazer coisa alguma que
demandasse agilidade de dedos e desembaraço das mãos.

Nas sociedades ordenadas, como seria de justiça, o respeito e o amor ao trabalho, a virtude da
laboriosidade, não distingue entre o intelectual e o manual, pois que ambos têm o seu fim
igualmente necessário para a harmonia dos elementos sociais, e tão valiosos serviços podem prestar
o humilde varredor na limpeza das ruas, se conscientemente as limpar, como o governante que
cuidadosamente atende a manutenção da justiça, a conservação da ordem pública, e o fomento da
prosperidade nacional.

De princípio convém que o educando sinta prazer no trabalho, que não lhe cause repugnância nem
fadiga, que o mova a esperança e a fé no seu possível e feliz acabamento, e uma vez acabado o seu
labor se alegre em vê-lo bom, e sinta alento e confiança para fazer outro de maior vulto.

De resto, para fomentar a laboriosidade basta dirigir convenientemente a natural inclinação da


infância e da juventude no movimento, bulício, atividade e turbulência, dando-lhes um acertado
ponto de aplicação em vez de as deixar em selvagem e sinistra independência.

Para isso é preciso que o trabalho seja de índole educativa, escolhido de propósito para que o
educando nele concentre os sentidos do corpo, as faculdades da mente e as potências da alma, de
modo que o exercício as vigorize, como pelo exercício se vigorizam os músculos.

Contudo, o resultado será de todo o ponto contrário, e em vez de amor ao trabalho que engendre
laboriosidade, ele inspirar-lhe-á aversão, se o submetermos a processos de fadiga cerebral no que a
maioria das escolas, colégios, institutos e universidades resumem funestamente toda a educação.
As lições de cor, os temas e exercícios escolares que se exigem ao educando como se ele fosse uma
máquina falante, de cálculo e tipográfica, sem primeiramente predispor para tal as suas faculdades
mentais, nem o ter ensinado a perceber, observar e comparar, por meio das lições de coisas que
devem preceder a todo o livro, dão como resultado causar repugnância tão falso estudo, disposto
por um trabalho cujo dano fatiga o cérebro, e uma lamentável esterilidade de esforço.

Nota-se assim de novo a íntima relação entre os três aspectos ou fases do caráter humano porque ao
exigir do educando um trabalho mental, não só superior, mas sim contrário às suas forças, o
igualamos brutalmente ao jumento que só à chicotada leva a carga.

Não trabalha por amor, mas sim por temor.

A mente fica-lhe tolhida pelos arreios duma sufocante disciplina, em vez de orientá-la de modo a
que trabalhe voluntariamente na investigação da verdade, supremo fim do aspecto mental do
caráter.

O interesse despertado pela curiosidade é um elemento indispensável para infundir no educando o


amor ao trabalho, que neste caso é um prazer e não um pesar, porque se acomoda às aptidões e
afeições determinadas pela índole do caráter.

Se a tarefa for agradável e o estudo ameno, se as lições, temas e exercícios não oferecerem mais
dificuldades que as que dimanam da sua natural condição, mais irá aumentando no caráter do
educando o amor ao trabalho, no que consiste a laboriosidade.

DILIGÊNCIA – Podê-la-emos considerar mais como qualidade substancial do que condição


vantajosa da laboriosidade.

Não é possível ser diligente sem ser laborioso, embora se cuide o contrário; e se assim não fosse
não era de todo eficaz a laboriosidade.

Consiste a diligência no cuidado e atividade em fazer uma coisa; quer dizer, fazê-la depressa e bem,
porque de nada vale fazê-la depressa se a fizermos mal.

Convém distinguir entre a prontidão e a precipitação que é um vício extremo da diligência como a
demora é o seu pior defeito. A mais sábia máxima: não deixes para amanhã o que possas fazer hoje,
encerra todo o espírito da diligência.

Porém, não se deve acostumar só o educando a que faça hoje o que lhe seja fácil fazer, mas a que
não demore para depois o trabalho que possa fazer mais cedo.

O trabalho atrasado é o mais penoso, ao passo que quando pontualmente se cumprem os afazeres do
dia não há tarefa insuperável para o esforço humano.

Entretanto, não devemos exigir ao educando que faça as coisas à pressa, em menos tempo do que
razoavelmente requer a sua boa execução, porque se atropela o exercício das faculdades em
detrimento do caráter, e é preciso realizar a obra mal feita com mais desperdício de tempo e esforço.

AMABILIDADE – É um matiz da fundamental virtude da caridade, uma fase ou aspecto do amor,


que consiste no trato afável e boa disposição de ânimo, porque sem júbilo, prazer, placidez,
jovialidade e alegria sã não é possível ser amável, o que equivale a ser digno de ser estimado.
A educação desta qualidade requer indispensavelmente que o educador a possua num grau tão
distante da tristeza como da condescendência.

O semblante carregado e triste, o olhar colérico, o gesto ameaçador, expressões todas duma
insociabilidade severa, podem apenas despertar por lei de atração no ânimo do educando as mesmas
emoções e sentimentos que, intuitivamente, vê espelhados no rosto do educador, a quem neste caso
só poderá temer e de modo algum estimar.

O mesmo não sucede com o carinho, a repreensão razoável sem exclamações coléricas nem gritos
estridentes que favorecem e dilatam a alegria, o júbilo, o prazer, a gentileza e a jocosidade
inofensiva e decente.

Logo, portanto, não se deve confundir a amabilidade com a excessiva familiaridade, nem a
gentileza com o gracejo atrevido, pois que se o educador cai nestes extremos perderá toda a sua
força moral sem lograr induzir no educando a formosa virtude da amabilidade.

Por outro lado, para infundir no educando a alegria, o júbilo, a simpatia, têm de realçar no ânimo do
educador de modo que se traduzam em amabilidade, não só para com eficácia suavizarem as
relações sociais, como também por serem um poderoso elemento de saúde corporal e mental para
maior eficácia da educação do caráter.

A amabilidade é uma variante do amor e o seu cultivo exige que o educador conquiste a estima do
educando, muito mais valioso na obra da educação que o amor que possa sentir o educador pelo
educando.

MODÉSTIA – É a qualidade que dá o seu justo valor à própria estimação.

Para cultivá-la é necessário que o educador conheça até onde deve chegar o estímulo sem cair no
exagerado elogio. Há de demonstrar ao educando que o cumprimento do dever não merece prêmio
algum, nem outro aplauso que o da própria consciência. Sobretudo há de precaver-se contra os
enganos da falsa modéstia que, com palavras mais ou menos aparatosas, encobre envaidecidos
sentimentos.

A modéstia não deve cair no vicioso extremo do próprio menosprezo, porque então é excessiva e
um obstáculo para o aperfeiçoamento e avanço individual.

Não é imodéstia afirmar a segurança que alguém tem de fazer o que lhe pedem quando as
circunstâncias o exigem; porém se alardear aptidões e conhecimentos que embora muito valiosos
não sejam necessários em tal ocasião.

O elogio próprio envilece, e muito mais ainda quando é impertinente e acompanhado de palavras de
desprestígio.

XII

QUALIDADES NEGATIVAS

O nosso maior inimigo está dentro de casa. Não é a resistência do ambiente nem a magnitude do
nosso propósito. É a nossa preguiça. – Sanders

A boca do néscio é quebranto para si, e os seus lábios são os laços para a sua alma. – Salomão
Se te sentares no caminho, coloca-te de frente embora tenhas de ficar de costas para o que já
tenhas andado. – Provérbio chinês

Custa muito mais manter um vício que criar dois filhos. – Franklin

Pelo que se refere à educação do caráter compreende-se nesta denominação não só as qualidades
contrárias às positivas, como também estas, mesmo quando por defeito ou excesso, se afastam do
justo lugar em que mora a virtude.

Assim, vemos que o valor é uma qualidade positiva, cujas contrárias ou negativas são a covardia
por defeito, e a temeridade por excesso.

Outras qualidades negativas há inteiramente contrárias às positivas, não por excesso ou defeito, mas
sim pelo fato da energia psíquica estar aplicada em sentido e direção opostos.

A filosofia moral na sua modalidade religiosa oferece-nos um exemplo desta oposição nos sete
vícios ou qualidades negativas a que se chamam pecados capitais, com as suas correlativas virtudes
ou qualidades positivas.

No entanto, devemos distinguir o vício do pecado. O vício ou qualidade negativa é um elemento do


caráter. O pecado é o pensamento, palavra, ou obra, referentes à lei de Deus e resultantes da eficácia
da má qualidade.

Entram também na categoria de qualidades negativas as emoções sinistras que, embora sob o ponto
de vista religioso não sejam pecaminosas, sejam no aspecto moral do caráter debilidades, fraquezas
e deficiências que incitam ou predispõem ao quebramento da divina lei.

Por outro lado, no aspecto mental do caráter não há o que propriamente possa chamar-se vícios, mas
sim defeitos, pois toda a qualidade negativa provém, neste particular, de não estar bastante
fortalecida a faculdade mental correspondente.

Neste ponto não é vicioso o excesso, pois por muito potente que seja uma faculdade mental,
nenhum dano causará ao indivíduo. O único inconveniente neste aspecto é o desequilíbrio mental
resultante do predomínio dumas faculdades sobre outras.

Por esta razão, além de integral a educação do caráter tem de ser harmônica, isto é, que não deixe
sem cultivo nenhum elemento do caráter nem sem justo apreço nenhum dos valores humanos e o
próprio tempo que os una ponderadamente pela lei da correlação.

O educador há de lembrar-se que são muito errôneas as expressões “falta de memória”, “falta-lhe o
espírito de observação” e outras semelhantes aplicadas a educandos de tardia compreensão.

Em casos tais, a memória e a observação existem latentes no caráter, muito no fundo da


consciência, aguardando indução e fortalecimento.

Não faltam a memória nem a observação nem o discernimento na mente do educando.

Estão necessitados de exercício, disciplina e atualização. São qualidades positivas, porém


incompletas, em estado de formação.
Pelo contrário, no aspecto moral do caráter, além dos vícios por defeito ou excesso da virtude
correspondente, como a covardia e a temeridade, outros há em polar oposição às virtudes contrárias,
como seja a soberba e a humildade, avareza e generosidade, luxúria e castidade, ira e paciência,
gula e temperança, inveja e caridade, rapidez e diligência.

Havendo outras qualidades negativas e positivas tão capitais como as sete assinaladas pela moral
religiosa, se as analisarmos psicologicamente havemos de descobrir que todas as negativas são
ramos da mesma árvore cuja raiz é o egoísmo, assim como todas as positivas são troncos da mesma
árvore cuja raiz é o amor.

Claro está que o meio mais eficaz de invalidar o egoísmo é robustecer as positivas qualidades da fé,
esperança e caridade com aquelas que de modo algum podem conviver com o egoísmo, como
incompatíveis são a luz e as trevas.

Se examinarmos bem esta radical qualidade negativa ver-se-á que é o último extremo do instinto da
conservação.

Toda a qualidade negativa de índole moral deriva da exacerbação deste instinto; e, portanto, não há
meio mais eficaz de combater o egoísmo que o simultâneo cultivo das qualidades positivas.

Pela mesma razão não há necessidade de processos particulares para a eliminação das qualidades
negativas do caráter, pois o melhor processo aplicável a estes casos é o fomento da qualidade
positiva correspondente, de modo que para dissipar as sombras não há outro meio que dar entrada à
luz, nem ter o erro outro antídoto que não seja a verdade, nem o mal outro remédio a não ser a
abundância do bem.

Contudo, não será demais exemplificar o conceito psicológico das mais conhecidas qualidades
negativas e emoções sinistras que predominam nos caráteres, todavia muito atrasado na sua
evolução, mas suscetíveis de melhoria e aperfeiçoamento sob a direção dum prudente educador.

CÓLERA – Esta palavra deriva duma outra grega que significa bílis, porque, segundo já afirmamos
quando aludimos às secreções internas, os antigos supuseram que as paixões do ânimo provinham
da alteração do que eles chamavam humores do corpo, um dos quais era para eles a bílis.

Todavia, hoje, em linguagem figurada é corrente a frase exaltou-se-lhe a bílis para dizer que se
irritou.

A cólera é mais uma emoção sinistra que uma qualidade negativa, e consiste na brusca perturbação
da mente e do ânimo determinada por uma causa exacerbadora do egoísmo.

A cólera manifesta-se em graduações ou matizes de moléstia, enfado, nojo, ira, raiva e furor.

Sem embargo, há casos em que a cólera é determinada por um sentimento de justiça e altruísmo, de
amor ao bem e à verdade, e então se manifesta em indignação ou ira razoáveis que apenas
pertencem aos caráteres algo adiantados na sua evolução.

Por outro lado, durante a infância e adolescência, épocas da vida em que maior influxo pode ter a
educação do caráter, a cólera é mais um átomo nervoso que uma paixão do ânimo.

Nestas idades, a cólera não é acompanhada de ódio concentrado como na virilidade, e tem fácil
remédio na educação do aspecto físico do caráter.
Se a alimentação for sadia, nutritiva, metódica e isenta de excitantes que despertem a gula e
alternem as secreções internas, favorecer-se-á assim a placidez, gozo e equilíbrio do ânimo com os
quais a cólera não pode ser simultânea. A saúde do corpo favorecerá a do ânimo.

De resto, se ao mesmo tempo o educador acertar no cultivo da positiva qualidade da obediência, o


educando não terá os acessos de cólera chamados vulgarmente rabinices, porque esta mórbida
energia só estala quando a vontade não está disciplinada ou o educador não sabe dirigi-la.

Em alguns indivíduos, os arrebatamentos de cólera e acessos de ira são tão bruscos como
passageiros e completamente inofensivos. Deles se costuma dizer que têm o gênio como pólvora.
São os impulsivos, que descarregam a sua cólera no primeiro objeto que encontram; porém, depois
de passado o arrebatamento ficam deprimidos e deploram a sua ação. Outros, pelo contrário,
concentram a cólera que então adquire foros de rancor e vingança, não esquecendo nem perdoando,
e aguardando uma ocasião favorável para as descarregarem.

São os vulgarmente chamados moscas mortas que martirizam os animais e fazem dano por prazer
de fazê-lo.

A primeira condição para evitar a cólera do educando ou reprimi-la quando estoure é o sangue frio,
a serenidade de ânimo, a imperturbável calma do educador que na presença do colérico deve
permanecer tão tranqüilo como o cirurgião ao praticar uma operação, porque se à ira respondermos
com ira, agravaremos o mal em vez de remediá-lo.

Se, porventura, o educando mostra tendências coléricas, será uma prova de que no seu caráter existe
a qualidade negativa da irascibilidade, que não é cólera nem ira, mas propensão para estas sinistras
emoções. Para remediá-la é necessário que o educando não presencie cenas violentas entre adultos,
que não o tratemos com soberba nem desprezo, e muito menos com mimo e condescendência.

A regularidade no regime da vida, a acertada distribuição do tempo no trabalho, o recreio e o


descanso, os banhos e duchas, e, sobretudo o bom exemplo, acabarão por transmudar a ira em
paciência.

PREGUIÇA – É a negligência ou repugnância em fazer qualquer coisa.

Pode comparar-se à inércia na mecânica, que se opõe ao movimento de um corpo no repouso ou ao


repouso de um corpo em movimento. Quase sempre tem por causa a inépcia do educador que não
acerta em despertar a curiosidade e com ela o interesse do educando.

Sem interesse não é possível estimular a diligente atividade voluntária. No fim logra-se uma
atividade forçada pelo temor ao castigo ou pela ambição do prêmio, isto é, por um interesse
artificial e independente do verdadeiro objetivo e fim da atividade.

Nestes casos, ao educando não lhe interessa o que lhe obrigam a fazer cortando-lhe a vontade. A
única coisa que lhe interessa é evitar o castigo e obter o prêmio. A preguiça persiste como qualidade
negativa na consciência.

TEMOR – É a emoção causada no ânimo pelo receio de um dano futuro, ou pela presença de algo
que lhe pareça prejudicial, arriscado ou perigoso.

A qualidade negativa que corresponde ao temor é a timidez de que derivam a pusilanimidade e a


covardia. Quando o temor é muito intenso e perturba gravemente o ânimo pela real ou imaginada
iminência de qualquer coisa temida, chama-se-lhe medo, cuja qualidade negativa correspondente é
medrosidade.

Os rotineiros processos de educação que dão nas escolas e colégios a nota sinistra dos presídios
infantis, não podem ser mais a propósito para fomentar a emoção do temor.

No lar e na escola o educando vê-se rodeado de um ambiente de receio, desconfiança e ameaça.


Sempre com o olhar parado ele nem sequer pode pestanejar sem licença de quem o vigia.

Por outro lado, tão terrível delito é torcer os pés a uma criatura para lucrar com a sua deformidade,
como lhe torcer o ânimo com descrições de fantasmas e aparições que lhe infundam medo e o
predisponha à covardia.

A primeira condição para evitar o medo é não lho induzir.

Da timidez dos primeiros anos dimana muitas vezes a sua fraqueza de vontade.

INVERACIDADE – É a propensão para dizer o contrário da verdade. É uma qualidade negativa do


caráter quase sempre aliada com o temor, cujos efeitos são o embuste e a mentira. O embuste é a
mentira disfarçada artificialmente com mais malícia que maldade.

A mentira tem muito pior intenção que o embuste, e no seu péssimo grau chama-se calúnia.

Na idade da educação fundamental do caráter é mais freqüente o embuste que a mentira.

Se o educando está submetido a uma disciplina excessivamente rigorosa o temor do castigo movê-
lo-á a inventar embustes para evitá-los.

Portanto, o educador tem de preferir o método preventivo ao repreensivo, a disciplina indireta à


direta, e, abolindo por uma vez os castigos corporais, aflitivos ou ignominiosos, logrará eliminar do
ânimo do educando o temor, que é o motivo capital da inveracidade.

Com o mesmo cuidado com que se evita o embuste, deve evitar-se o exagero ou retorcimento da
verdade.

Raro é que as testemunhas presenciais de um sucesso coincidam nos pormenores do relato, e


freqüentemente contam o que ouvem dizer, assegurando que viram tudo com os seus próprios
olhos.

Mesmo assim o exemplo será um meio eficaz de acostumar o educando à verdade.

Tão imprudente é quem sob a cor da verdade ensina a mentir as crianças como quem lhes ensina a
blasfemar.

A mentira é uma morbidez mental como qualquer doença moral que se transmite por contágio.

À mentira recorrem todos aqueles que tratam de evitar o perigo com que os ameaça a sua má
conduta. Mentem os que têm culpas que ocultar, e é a mentira a companheira da hipocrisia.

De todos os meios que com maior ou menor eficácia podem empregar-se na cura desta enfermidade
do caráter, nenhum é tão saudável como o de confundir o mentiroso, evitando no momento preciso
que ele minta.
Para tal conseguir necessita o educador muita perspicácia e um delicado tato esquadrinhador ou
fisionômico que lhe permita ler no semblante da criança como se nos olhos assomasse o
pensamento para desmentir os lábios.

Não são muito comuns estes dotes pedagógicos, todavia podem adquirir-se com o trato, pois a
própria natureza auxilia o educador ruborizando as bochechas do mentiroso, emperrando-lhe a
língua com evidentes contrações, e dando-lhe, em suma, um indefinível aspecto que não sendo o da
vergonha, da timidez, ou do medo, é muito peculiar a quem diz o contrário do que tem no
pensamento.

É necessário afastar o educando de todas as ocasiões e motivos de mentir sem que jamais fique
impune a mentira.

Devemos acostumá-lo a proceder na sua vida privada como em público, convencendo-o de que não
se deve praticar a virtude por preconceitos mundanos, mas sim por estimação da sua própria
dignidade, ainda que tenha apenas por testemunha a consciência. Thorndike disse o seguinte:

“O educador comete três graves erros no seu proceder respeitante às tendências naturais:

1o. – Desconhecê-las ou desdenhá-las, substituindo-as por valores artificiais que careçam dos
motivos de atividade mental que a natureza proporciona, amplia e valoriza.

2o. – Crer que a natureza segue sempre um caminho direto e que bastam os instintos, sem
preocupar-se de averiguar aonde o conduzem.

3o. – Em dar a uma tendência maior valor do que aquela que na realidade tem”.

XIII

NOVAS ORIENTAÇÕES

Há pensamentos que a pena e a língua recusam a exprimir, e, no entanto, influem eficazmente na


vida.

Há tempos, toda a população de Nova Iorque acudia pressurosa a um espetáculo público em que um
cavalo de raça pura andaluza maravilhava todas as pessoas com as suas inacreditáveis habilidades.
O domador afirmava que, cinco anos antes, o cavalo era o mais intratável que se pode imaginar,
revoltando-se contra o castigo, mordendo e escoiceando, sem consentir que ninguém se lhe
aproximasse, e que, no entanto, depois de domado não havia outro solípede tão obediente,
submisso, dócil e carinhoso.

Conhecia as letras e os algarismos, sabia somar e diminuir e lia uma ou outra palavra.

A julgar por tão extraordinárias habilidades toda a gente o supunha capaz de aprender tudo que lhe
ensinassem.

Tais habilidades, porém, que os espectadores tanto admiravam, a qualquer atendo observador não
deixariam de ser apenas um simples caso de psicologia hípica.
O mais importante consistia na assombrosa transformação do caráter do animal que, em cinco anos
de perseverante domesticação havia transformado por completo a sua índole, com a notabilíssima
circunstância de que, segundo o domador afirmava, só uma vez teve de servir-se do chicote.

A brandura, o carinho e a amabilidade lograram durante os constantes exercícios o que, por certo,
não se conseguiria com os contraproducentes processos de castigo brutal. O animal estava tão
acostumado às vozes afetuosas que nada se conseguiria dele com chicotadas ou berros.

Este exemplo é um dos muitos que poderiam figurar na história da domesticação e ensinamento das
diversas espécies de animais, sobretudo dos que mais convivem com o homem.

Nos circos das grandes cidades costumam exibir-se elefantes, cães, macacos, focas e outros animais
inferiores na escola zoológica que fazem coisas como se fossem pessoas. O público regozija-se com
o espetáculo, sem se lembrar da importância que na realidade tem a causa psicológica de que os
animais procedem à voz do domador, como se estivessem dotados não só de razão, mas pelo menos
de inteligência muito superior à dos seus congêneres.

Se considerarmos bem este fenômeno, tão profusamente repetido, descobre-se-lhe a índole


psicológica, pois que além de comprovar a existência da alma nos animais, segundo já há séculos
alguns pensadores o afirmaram, entre eles S. Tomás de Aquino, é também uma prova irrefutável de
que entre a alma do homem que amestra e domestica e a do animal amestrado se estabelece uma
corrente vibratória em que a maior intensidade da influência humana acaba por suscitar no animal
vibrações da mesma tônica, se bem que incomparavelmente menos vigorosas.

Esta corrente vibratória é de mista natureza emotivo-mental, com muito maior quantidade de
emoção que de pensamento, e assim sucede que as emoções e pensamentos do homem,
perseverantemente sustidos, suscitam emoções e pensamentos da mesma índole no animal,
movendo-o o que se lhe ensina, e modificando o seu caráter no sentido da emoção recebida.

O efeito da influência humana no animal não é instantâneo; requer muito tempo e paciência.

A emoção despertada no animal é sempre da mesma índole que aquela que o homem lhe comunica;
logo, portanto, se a índole for harmônica, o animal responderá a ela com outra da mesma tônica,
ficando assimilada a sua particular condição. Se a emoção da índole for sinistra, intensificará a que
por natureza tem da mesma índole o animal, determinando nele a fúria ou o temor segundo a
intensidade da emoção suscitada. É este o caso das feras domesticadas pela emoção do temor que a
energia do domador lhes infunde, recobrando a sua natural ferocidade quando enfraquece ou
desaparece a causa desse mesmo temor.

Em compensação os animais que não são ferozes domesticam-se muito mais facilmente pelas
modalidades do carinho.

Supondo que a experiência nos traz exceções sintetizadas naquele vulgar aforismo de que as ostras
não se abrem com a persuasão, em tais casos excepcionais a corrente vibratória não tem a
suficiente intensidade para produzir notório efeito.

A poderosa energia magnética de um Taumaturgo seria capaz de abrir as ostras, bastando para isso
fitá-las com o seu olhar magnético, assim como as panteras, leões, tigres e chacais se prostram
submissamente rendidos aos pés de Gautama.

Agora, vejamos: se a influência do homem nos animais é tão eficaz, porque não há de ser
muitíssimo mais eficaz nos seus semelhantes? Não será possível estabelecer entre duas almas
humanas uma dupla corrente vibratória em que predomine a maior intensidade? Com isto não
aludimos, nem remotamente, aos fenômenos de hipnotismo e sugestão, mas sim à normal influência
das emoções harmônicas, e sobre todas elas, o amor que sem tirania funde vontades e corações.

Não é o amor passional que atrai um sexo a outro, nem o efeito que leva a alma a buscar um bem
verdadeiro ou imaginado e a apetecer gozá-lo.

O amor é resultante duma combinação dos sentimentos de compaixão, benevolência, piedade,


carinho e ternura, sem mistura de egoísmo. É um amor quase divino aquele que sentem aqueles que,
esquecidos de si mesmos se dedicam ao servido do gênero humano. É o capital elemento na magna
obra da educação, sem o qual não terá resultados transcendentes. A primeira qualidade que há de
adornar o caráter do mestre é o amor à criança. Assim disse há séculos o poeta latino que, à criança,
se deve a máxima reverência. E não há mais alta reverência do que o amor.

Conta-se também que uma viúva com oito filhos, teve uma vez necessidade de castigar
corporalmente um deles, e só o fez uma vez.

Quando nasceu o primeiro filho, as suas amigas e vizinhas disseram-lhe que era bondosa demais
para criar seus filhos, e que se ela fosse a empregar só amor perdê-los-ia com mimos.

Contudo, aquela mulher soube irmanar o amor com a severidade e a misericórdia com a justiça, à
imitação de Deus, logrando manter seus filhos com correta disciplina, unidos pelo amoroso imã do
coração materno, sem que nenhum dos oito se extraviasse. Cresceram admiravelmente, e no seu
caráter predominou o sentimento do amor. Quando já homens veneravam sua mãe como se não
houvesse mulher superior a ela no mundo.

Todavia há exceções evidentes, pois que a muitas mães sucede o contrário.

A diferença do efeito provém da diferença da causa.

O amor da mãe a que nos temos referido era a psíquica expressão da poderosa energia do aspecto
moral do seu caráter, e serviu-lhe de potente imã para induzir na íntima natureza de seus filhos as
boas qualidades que estão latentes em todo o ser humano.

Não era falso amor da debilidade e de condescendência que cedesse a qualquer desejo dos seus
filhos, mas sim uma força moral de magnitude e intensidade superior à de toda a sua prole em
conjunto. A mãe acertou com o que havia de melhor no coração dos seus filhos, e por isso
conseguiu aproveitá-lo.

Os germens das más qualidades que tinham, como todos os recém-nascidos, não necessitarão
repressão violenta por que o seu amor de mãe os sufocou de forma que não encontraram condições
nem ambiente favorável à sua conservação.

Convém ter em conta que todo o ser humano é uma força psíquica de índole essencialmente idêntica
à da mãe, cuja magnitude e intensidade crescem a cada momento em sentido contrário à força
psíquica da mãe.

A obra da educação consiste em que a força psíquica do educador, que no caso presente é a mãe,
prevaleça contra a força psíquica do educando, que neste caso é o filho, não para a anular, mas para
converter o sentido, de modo que ambas atuem na mesma direção, embora conservando cada qual a
sua individualidade distinta.
A força psíquica da mãe é de menor magnitude e intensidade que a do filho. O que ordinariamente
se chama força moral não é mais do que a energia psíquica do indivíduo, cujas vibrações mentais,
manifestadas na emoção e no pensamento, são bastante intensas e amplas para deixarem sentir a sua
influência.

Profunda verdade encerra o aforismo que diz: “O de cima é o debaixo, o superior o inferior, o
interno o externo”.

Este aforismo significa que as mesmas leis regem no mundo visível e material o mesmo que no
mundo invisível e espiritual.

Do mesmo modo que na mecânica física uma força maior prevalece sempre contra outra menor, e as
vibrações dum instrumento musical levantam em qualquer outro instrumento afinado as mesmas
vibrações tônicas, assim também uma força psíquica de maior intensidade vence outra de menor, e
as vibrações dos instrumentos astral e mental de que se vale a alma para exprimir os seus efeitos e
pensamentos levantam as mesmas vibrações em outros instrumentos, uma vez que todos eles são
suscetíveis aos mesmos pensamentos e emoções.

Vem neste caso a propósito o aforismo de Terêncio: Homo sum et nihil humani a me alienum puto.
Homem sou e nada de humano me é estranho.

Esta força psíquica que vimos considerando influi às vezes, quando é muito poderosa, nas
multidões, determinando mudanças repentinas e incompreensíveis nos sentimentos das massas
populares.

Na história abundam exemplos que demonstram o quanto a influência é capaz de exercer a força
psíquica de um homem.

Durante a tormentosa época em que a jovem república da Bolívia se viu perturbada por contínuas
revoluções, o general Mariano Melgarejo, nessa ocasião presidente da república, dirigiu-se a La Paz
a fim de sufocar a sublevação promovida por Manuel Isidoro Zelzu, que anos antes, tinha exercido
o poder supremo e era o ídolo da plebe e de grande parte do exército.

Melgarejo ordenou o assalto; porém, como os seus soldados pelejassem sem entusiasmo e com
repugnância, não tardaram em passar-se para os insurrectos, abandonando o seu general que, vendo
perdida a sua causa e não encontrando caminho para a retirada tentou suicidar-se.

Dissuadiu-o seu ajudante Campero de tão funesto propósito, aconselhando-lhe a tentar um último
esforço por muito desesperado que parecesse.

Melgarejo atendeu a indicação e escoltado por seus leais soldados, rompeu a galope por meio do
povo que já celebrava a vitória de Belzu, e dirigindo-se ao palácio presidencial no meio do
assombro de todos, desmontou e subiu audazmente as escadas até chegar ao patamar superior onde
um partidário de Belzu lhe tomou o passo, e apontando-lhe uma espingarda disse sarcasticamente:

– “E agora, em que mãos estás, canalha?”

Os poucos instantes mal gastos neste inútil impropério aproveitou-os Melgarejo para, em vez de
amedrontar-se, desviar o cano da espingarda com a mão esquerda enquanto que com a direita lhe
disparou um tiro, deixando estendido a seus pés o que pretendia agredi-lo.
Naquele momento, atraído pela detonação, apareceu Belzu no cimo da escada, acompanhado por
alguns dos seus partidários, ficando todos estupefatos ao ver o adversário que já supunham ter
transposto a fronteira peruana. Entre os dois grupos trocaram-se frases incoerentes e
incompreensíveis, mas muito mais expressivas que as dum largo discurso, até que soou outra
detonação e Belzu caiu ferido de morte. Os seus partidários imediatamente se puseram em fuga, e
Melgarejo então, mais senhor de si do que da situação, assomou à balaustrada que dava para a praça
onde a multidão continuava a vitoriar o caudilho que supunham vencedor, e dirigindo-se-lhe
exclamou:

– “Belzu é morto! Quem vive?”

E a multidão, subjugada, rendida pela força psíquica daquele homem, gritou com temor e
admiração:

– “Viva Melgarejo!”

O historiador Alcides Arguedas diz que nunca se viu uma mudança tão radical na consciência da
multidão.

Ali não houve tempo para uma idéia nem campo para uma opinião. Tudo foi brusco e instintivo.

Não obstante, a explicação deste fenômeno, que pertence à psicologia das multidões, só se pode
encontrar satisfatoriamente na atuação da invisível, mas formidável, força psíquica que naquela
ocasião dimanava do ânimo do general Melgarejo, com sobeja intensidade e magnitude para
prevalecer contra o sentimento coletivo das turbas, que não era filho da reflexão nem do
convencimento, mas sim do mecânico contágio emocional.

Viu-se depois que ao cessar a influência direta da força psíquica de Melgarejo na multidão, esta
recobrou o seu império no sentimento de idolátrica veneração pelo caudilho morto, cujo enterro foi
imponentíssimo.

No cemitério pronunciaram-se muitos discursos em que audazmente se condenaram os atos do


usurpador, amaldiçoando a sua façanha e enaltecendo até ao exagero as virtudes do morto.

Este exemplo da influência que chega a exercer a energia psíquica ensina também que a referida
influência é independente da índole da energia, isto é: tão eficaz pode ser a de índole harmônica
como a de índole sinistra, porém, há de ser energia natural, peculiar do indivíduo que atue serena e
persistentemente, porque são muito contrários os efeitos da impulsiva energia dos acessos ou
arrebatamentos da paixão, que apesar da sua violência nada podem contra a força moral dimanada
do discernimento sadio e da rígida vontade.

Assim observamos que quanto mais débil é a força psíquica duma pessoa, mais propensa é a ira que
à menor contrariedade perde as estribeiras.

Se a lei da vida os pôs em posição de autoridade e mando, direção e governo, buscam no exterior
forças materialmente brutais em que se apóiem, pois carecem da necessária força moral para
convencer os entendimentos e persuadir as vontades.

A crueldade é companheira inseparável da tirania, e ao faltar-lhes o apoio da força material em que


se apóiam, transforma-se a crueldade em covardia.

Quando o amor se ausenta o temor usurpa o seu lugar.


Quando à mãe, ao professor ou quem quer que seja o educador, lhes falta a força moral ou energia
psíquica ou é de grau inferior ao exigido para a obra da educação, de todos os fracassos que
sobrevenham ficará a culpa ou índole perversa do educando; porém, nunca o educador supõe que o
fracasso seja dele, dos seus métodos ineficazes, do desconhecimento do verdadeiro caráter do
educando, e do não acertar na descoberta dos delicados germens das suas boas qualidades para
cultivá-las por meio do amor.

Geralmente todo aquele que manda julga-se impecável e infalível. Afigura-se-lhe que os seus
subordinados não lhe querem obedecer, e na realidade muitas vezes essa obediência falta por não
saberem mandar.

Convém que todos que assim pensam escutem os valiosos ensinamentos com que os estimulam à
retificação da sua conduta os que em diversas épocas da história foram instrutores e guias da
humanidade.

Valioso ensinamento é o que nos dá a compreender o significado da obediência, a fim de não


empregar outros processos que os do amor.

A senhora D. Maria M. de Bujanda, inspetora escolar da cidade de Granada, estabeleceu numa


quinta uma escola de maternologia, cujas alunas seriam futuras professoras, e, possivelmente, mães
de família.

Na conversação que aquela senhora teve com as alunas durante três dias de aula, deu-lhes
instrutivas insinuações, entre as quais sobressai a que afirmava a necessidade do amor às crianças:

“Não adivinhastes ao entrar para a Escola Maternal que o seu ideal é despertar em vós um
sentimento adormecido na Espanha?”

“É o do amor à criança. Se este amor existisse não veríamos tantos pequeninos pobres,
abandonados, por essas ruas, haveria escolas suficientes para todas as crianças espanholas e instalar-
se-iam grande número de escolas maternais onde a mãe pudesse aprender a criar e educar os seus
filhos. Mas, infelizmente, na Espanha e em Portugal ninguém se preocupa com as crianças”.

Proveitoso exemplo e nobre estímulo são estes para quantos sintam verdadeiro amor à criança, –
considerar o que faz a Escola Maternal de Granada, segundo nos diz a mesma inspetora na seguinte
descrição:

“As manhãs de inverno são geladas e tristes. Quando a povoação está em silêncio, às sete da manhã,
a Escola Maternal abre as suas portas para receber as criancinhas de dois a seis anos, cujas mães
não podem olhar por elas por terem de ir para o trabalho. As crianças encontram na escola o que de
justiça lhes pertence e tudo quanto necessitam: um salãozinho confortável com lindas cadeirinhas,
um nutritivo almoço e uma suave temperatura. Porém, encontram ainda mais tudo o que os seus
coraçõezinhos desejam para ser felizes: amor e jogos. Tudo está disposto de forma a que o
organismo infantil se desenvolva plenamente: esmeradíssimos cuidados higiênicos, banhos diários,
comida ao ar livre, hora de sesta e banhos de sol”.

A amorosa solicitude que na anterior passagem se descreve só pode despertar as boas qualidades do
caráter da criança, em resposta às da mesma índole, cujas vibrações recebe.

O amor faz o seu semelhante, e do amor assim engendrado dimana a obediência voluntária, sem
necessidade de prêmio que a estimule nem castigo que a intimide.
Esta nova orientação é completamente oposta ao torto processo dos prêmios e castigos que
submetem a vontade a influências estranhas, sendo assim que a verdadeira educação do caráter
moral há de ter por objetivo a espontânea, autônoma e desinteressada ação da vontade, sem outro
fito que o cumprimento dever indicado pela consciência.

Muito sofrimento evitaríamos à infância e à juventude e de muitos desgostos se livrariam os pais, e,


sobretudo as mães, se em vez de ver em seus filhos um punhado de perfeições, lhes estudassem o
caráter para nele descobrir as suas boas ou más inclinações, e pelo aperfeiçoamento das boas
invalidar as más, edificando o caráter sobre a rocha viva da vontade.

Se no caráter duma criança predominam as boas qualidades não será necessário recorrer-se ao
prêmio como estímulo, nem ao castigo como intimidação. Fácil será então habituá-la ao
cumprimento do dever sem necessidade de que ninguém a force a cumpri-lo, nem que o cumpra na
esperança de um prêmio ou por temer castigo, mas sim porque ao cumpri-lo satisfaz o que a sua
consciência lhe manda.

Nem todos os educandos, porém, estão na mesma etapa de evolução, nem o seu caráter é da mesma
índole. Há os congenitamente rebeldes e sem vergonha; todavia estas más qualidades não são mais
nem menos que a mórbida manifestação duma energia capaz de converter-se em saudável por obra
do verdadeiro amor que jamais se encoleriza, nem perde a serenidade inerente à sua natureza.

Os pais, geralmente, são os culpados das travessuras ou picardias dos seus filhos. A mãe que os
deixa brincar na rua, abandonados à irreflexão da sua pouca idade e à funesta influência das más
companhias, não podem queixar-se se eles voltarem malcriados para casa, e muito menos se
irritarem contra eles, porque os rapazes não têm culpa da selvagem independência em que os
deixam.

Pouco mais ou menos ocorre qualquer coisa depois de cada travessura. Se tropeça num móvel é
porque vem entorpecido e cego, embora sua mãe o queira evitar; se cai de bruços é porque não vê
onde põe os pés; se rasga um livro ou escangalha um brinquedo, supõem-no com instintos
destruidores; e, todavia, em nenhum destes casos se lhe dá a entender serenamente o porquê das
suas tropelias e quedas, nem o modo de evitá-las, de futuro.

Não há castigo mais contrário à eficácia da educação como o corporalmente aflitivo na brutal forma
de bofetadas, pontapés e acoites, que causam dor física, mas não moral, a verdadeira dor de coração
indispensável para o arrependimento.

Na ordem psicológica ainda maior é a ineficácia dos castigos corporais, pois que embora de
momento submetam o educando, esta submissão é determinada pelo medo, e fica sempre um
ressentimento rancoroso que lhe aviva os desejos de vingança.

A natural turbulência das crianças é uma força que necessita regular, e se ultrapassa o limite natural
é por incapacidade de quem não sabe ocupar-lhe alternativamente a atenção.

A correção das maldades infantis deve principalmente basear-se no aforismo moral de que na culpa
está o castigo e no pecado a penitência, pois que a transgressão da lei acarreta sempre um prejuízo
próximo ou remoto ao indivíduo por efeito de natural reação.

Para o castigo duma falta dar por eficaz resultado o arrependimento e a emenda, são necessárias as
seguintes condições:
1ª. – Que em todos os casos preceda a admoestação e o conselho uma amorosa reprimenda, de
modo que a força psíquica do repreensor levante sentimentos de estima no ânimo do repreendido.

2ª. – Que o castigo seja sempre proporcional à índole da falta.

3ª. – Que nunca se aplique o castigo em momentos de cólera, mau humor ou arrebatamento, porque
então, longe de servir de correção suscitará no ânimo do educando as mesmas emoções.

4ª. – Que o castigado seja verdadeiramente culpado e saiba porque o castigam.

5ª. – Que o castigo não resulte prejudicial à saúde do corpo ou da mente.

O bom educador só deve recorrer ao castigo em casos excepcionais de obstinação ou de maldade


precoce, pois que na maioria os caráteres são adaptáveis à influência do amor e pouco custa
determinar-lhes a vontade à obediência.

A criança de boa disposição e talento não merece prêmio por estas naturais qualidades do seu
caráter mental, como também não merece castigo, a pouca agudeza de espírito ou tardia
compreensão, pois que nem o esperto nem o estúpido o são por sua vontade, mas sim por condição
do seu caráter mental.

A aplicação e laboriosidade dum indivíduo pouco esperto merecem prêmio e a mandria dum
inteligente é digna de castigo porque não provém da mente, mas da vontade.

De novo se deduz destas considerações que a força psíquica da simpatia e do amor diminui muito as
ocasiões do castigo; toda a falta provém dum desvio da vontade, e bastará para não a praticar o reto
caminho do educando.

É por isso que o educador não deve mostrar-se carrancudo e com palavras de arrieiro, embora
também se não mostre piegas, pois que a severidade não é incompatível com o amor.

Devemos ter em conta que o educando não é durante a infância absolutamente responsável das suas
ações, nem mesmo tem completa liberdade para operar nem a sua razão tem o necessário juízo e
discernimento.

É solicitado por forças psíquicas que se encontram e o impelem umas ao bem e outras ao mal, e a
habilidade do educador consiste em coordenar as ditas forças num sistema cuja resultante tenha o
seu ponto de aplicação na saúde, na beleza, na verdade e no bem.

Amor para render corações e vontades com as armas celestes da simpatia e retificar os desvios da
mente. Tal é o novo rumo que a educação há de seguir.

XIV

EXERCÍCIOS CORPORAIS

O homem não é um anjo nem uma besta, e quem se empenhar em fazer dele um anjo fará uma
besta. – Pascal

Quanto mais equilibrado é o organismo físico melhor instrumento será da mente e do espírito.
Vulgarmente sintetizam-se nos jogos, na ginástica e nos desportos, principais exercícios da
atividade corporal, toda a educação do caráter físico, quando eles não são mais que três dos seus
vários elementos e fatores.

À educação física pertencem também o regime alimentício, o descanso e o sono, o trabalho habitual
e tudo que diretamente concorra à reparação do organismo e à conservação da saúde, em
conformidade com as regras da higiene.

O educador necessita indispensavelmente neste ponto a colaboração do médico, porque, segundo o


temperamento, idade, compleição e idiossincrasia do educando, assim serão convenientes vários
exercícios, se bem que alguns deles sejam prejudiciais.

Neste aspecto de educação tampouco se empregam métodos de igualitária uniformidade.

Várias observações cabem fazer sobre este particular.

Perante tudo isto, é incompreensível que alguns países, entre eles Espanha, não só tenham em
absoluto desprezo os exercícios físicos como meios de educação, como ainda contrariam toda a
educação física pelos desportos atléticos como espetáculos públicos nos quais intervém ativamente
profissionais e aficionados, deixando entusiasmadas as multidões de espectadores, sem receberem
benefício algum na sua educação física e até com certo perigo para a sua educação moral.

Os exercícios corporais devem fazer parte do plano geral da educação na escola primária, o que não
sucede, pois que nos programas oficiais falta sempre este indispensável meio de educação física.

Entretanto, grupos de rapazinhos na idade escolar cansam-se por essas ruas, praças, campos e
caminhos, levados pela fraqueza dos seus poucos anos, gastando a sua atividade corporal em
exercícios bem contrários à educação física.

Existe, nas cidades mais populosas, uma grande escassez de campos de jogos e parques desportivos
onde, sem prejuízo para os transeuntes os rapazes pudessem entregar-se a exercícios físicos
apropriados a orientar com acerto a sua atividade, e conseguir o verdadeiro fim da educação física
que é o maior aperfeiçoamento possível do organismo corporal que serve de eficaz instrumento de
expressão e manifestação da mente e do espírito.

Os entusiastas do desporto têm confundido o conceito da educação física. Parece-lhes que consiste
apenas em pontapés futebolistas e soco pugilistas, em ser bom calção de concursos hípicos ou bom
corredor pedestre, em ser um az no motociclismo ou automobilismo, ou ainda em organizar
campeonatos de qualquer desporto mundial em que eventualmente a sua vaidade ociosa atinja o
auge.

Porém, sob o ponto de vista científico e pedagógico, tal como hoje se praticam os desportos
atléticos, mais contrariam que favorecem a educação do caráter, pois basta ver o que sucede com os
freqüentadores de campeonatos, com intrigas, inimizades, rancores, discórdias e mexericos entre
equipes e clubes, aparte as exigências dos que tomam o desporto por distração e que sabem
perfeitamente que se deve fazer um mais eficaz instrumento do corpo, da mente e do espírito, do
que aplicá-lo apenas à pratica da brutalidade.

A prática corrente dos desportos não pode servir à educação do aspecto físico do caráter, e
considerada como fator necessário da educação integral e harmônica.
É mais um exercício espetaculoso em que algumas partes, não todas, do organismo se robustecem
desequilibradamente à força dos aspectos mental e moral do caráter do indivíduo.

Todo o exercício físico que não tenha por objetivo concorrer com os intelectuais e espirituais na
educação integral do caráter humano, será tão ineficaz como os textos aprendidos de cor sem
compreender o seu significado, ou as máximas morais sem vontade de as praticar nas constantes
vicissitudes da vida.

O pior do caso é que a maioria da sociedade não pratica espécie alguma de exercício físico. Vai aos
campos de futebol, de tênis, de box, e de corridas eqüestres, com aquela disposição de ânimo com
que o povo romano presenciava os combates de gladiadores, as corridas de carros e as lutas de
feras.

Poderão ser estes desportos muito úteis para um espetáculo popular com todas as circunstâncias e
características dum negócio mercantil como o cinema, o teatro e as touradas, porém, de modo
algum podem ser um meio de educação física, pois que para estes é necessário, antes de tudo
despojá-lo de todo o interesse material, de todo o lucro e de todo o caráter profissional, e
democratizá-lo de forma que, em vez de ser um espetáculo se transforme em costume popular, a fim
de torná-lo um meio eficaz de educação do caráter.

Para tal convém dividir os exercícios físicos em três grupos correspondentes a outras tantas etapas
perfeitamente definidas na educação humana: jogos infantis, ginástica e desportos na juventude e
virilidade.

Com efeito, o jogo é a melhor modalidade do exercício infantil; porém, não o jogo pacífico e
sedentário no interior das habitações, mas sim o jogo coletivo, ao ar livre, em campos e parques
apropriados, a fim de que as crianças possam desfrutar ar puro e a luz benéfica do Sol.

O recreio nas escolas pode apenas considerar-se como uma diversão ou passatempo inútil, e não
como lição necessária para educar o caráter como as restantes disciplinas do programa.

É um erro funesto consentir que os pequeninos, levados pela sua propensão de imitar, se entreguem
a exercícios de índole atlética.

Por lei biológica é necessário vigorizar primeiro os pulmões que os músculos.

A ignorância ou negligência dos pais e o desdém com que as classes dirigentes olham tudo quanto
se refere à prática da educação social, tão ponderada em alocuções e discursos, tem permitido que
os fracos joguem mal o futebol, sem primeiro cuidarem de vigorizar o aparato respiratório, base de
toda a economia fisiológica.

Sem o peito robusto e pulmões vigorosos que produzam o necessário oxigênio no sistema muscular,
debilitam-se os músculos pela fatigante excitação produzida pelos movimentos de índole atlética.

De resto, o exercício físico não tem eficácia educativa alguma na criança sem que esta não possua
aquela boa disposição que, criteriosamente graduada, é um admirável tônico para o ânimo e positivo
estimulante para a mente.

O jogo ao ar livre, em campo largo, onde a criança possa correr, saltar e gritar dá ao corpo
flexibilidade, graça, destreza, a eurritmia fisiológica que proveitosamente serve de preparação à
ginástica, e o exercício físico peculiar e privativo da puberdade.
A ginástica, comparada com o jogo é para a educação do aspecto físico do caráter, o que os livros
são para a educação mental, e as rezas para a moral.

Para que o adolescente obtenha algum proveito dum livro, é necessário que durante a infância tenha
tido um período educativo da mente, a fim de que as suas faculdades intelectuais adquiram pelo
exercício a ductilidade suficiente para compreender o significado das palavras, o sentido das frases
e o encadeamento científico dos conceitos.

Para que a oração do adulto não seja um murmúrio de vozes, é necessário que durante a infância
germine, brote e cresça o sentido moral, e que a favor da educação psicológica resulte o sentimento
religioso.

Antes de sujeitar o organismo aos exercícios disciplinados da ginástica é indispensável que os jogos
infantis lhe tenham dado a conveniente flexibilidade para podê-los realizar sem fadiga.

Os jogos desenvolvem o organismo e favorecem o seu crescimento. A ginástica disciplina os


movimentos em harmonia com as funções fisiológicas. Os desportos fortalecem e vigorizam o
organismo já desenvolvido.

Por outro lado, os desportos atléticos não só requerem que o sistema muscular esteja vigorizado de
antemão por meio dos jogos infantis e a ginástica na puberdade. É necessária ainda a prévia
educação dos sentidos na ordem física e da mente na ordem intelectual, assim como também que os
trabalhos manuais tenham dado agilidade às mãos, porque em todos os desportos atléticos os
sentidos corporais intervêm duma maneira muito eficaz, especialmente a vista, o ouvido e o tato.

Não são os desportos um objeto de puro entretenimento nem tem por exclusiva finalidade aumentar
a robustez do organismo proporcionando-lhe energias de reserva com que resista e vença, quando
seja necessário, as investidas da doença.

Muito mais transcendentes são os seus resultados. O futebol e a esgrima não são apenas
complementos, mas sim doutorados na educação física, quando contribuem para a educação moral,
e o seu exercício se ajusta às regras estabelecidas por aqueles que com tanto engenho e ciência os
inventou.

No futebol, o pontapé fomenta o sentimento da solidariedade, e oferece em freqüentes conjecturas a


prática difícil da virtude da abnegação, pois que o indivíduo sobrepõe ao seu particular interesse o
interesse geral da sua equipe.

Se no decorrer dum desafio, ocasiões se lhe deparam de realce e aplauso, mas que as aproveitando
pessoalmente prejudique o seu grupo, ele é obrigado a sacrificar a sua vaidade e o seu amor próprio
em benefício da equipe, jogando de forma que o seu jogo favoreça o triunfo coletivo.

Nenhum desporto atlético deve ser profissão retribuída, mas sim uma aplicação de atividade que se
harmonize com a atividade mental e moral.

Pouco importa sob o ponto de vista da educação que qualquer rapaz adquira tanta fama como
futebolista, como no seu tempo a desfrutou Cúchares no toureio, se, por um lado, carecem de
cultura intelectual, desdenham artes, ciências e letras, e o seu instinto moral for tão perverso que
não hesite em patear brutalmente um jogador duma equipe contrária, apenas para obter qualquer
vantagem, em detrimento do seu caráter moral.
Eis porque prevalece e perdura o conceito genuinamente pedagógico de que os desportos atléticos
podem, sem dúvida alguma, fazer homens robustos de corpo, porém com o risco de os deixar
acanhados de alma e cérebro.

XV

RASGOS DE CARÁTER

Ao gradeamento dum edifício público de Florença encontrava-se certa manhã, tocando violino, um
pobre cego que pedia esmola com o seu fiel companheiro, – um cãozinho que ele tinha ensinado a
perfilar-se, segurando na boca o velho e desbotado chapéu do mendigo, onde um ou outro
transeunte deixava cair uma moeda de cobre.

Sucedeu uma ocasião passar por ali um indivíduo que ao ver o pobre cego lhe pediu o violino,
afinou-o, e começou a tocar.

O espetáculo produzido por este cavalheiro, tão elegantemente vestido, tocando violino naquele
lugar, junto do mendigo, excitou a curiosidade dos transeuntes que iam passando, e que, pouco a
pouco, foram formando à sua volta um apertado círculo de espectadores.

A música era tão harmoniosa que todos estavam encantados de ouvi-la, e as esmolas iam
engrossando a tal ponto que o pobre cão já lhe custava a suportar o peso do chapéu.

O improvisado violinista imediatamente o despejou nas algibeiras do cego, mas bem depressa ele
tornou a encher-se.

Depois de executar vários trechos nacionais, o indivíduo entregou o violino ao mendigo, e


desapareceu apressado.

Porém, não o fez tão rapidamente que um dos circunstantes o não reconhecesse e exclamasse:

– É Amard Bucher. Fez isto por caridade. Sigamos o seu exemplo.

Imediatamente pegou no chapéu do pobre cego e a todos os presentes pediu esmola, o que fez com
que o mendigo, naquela manhã obtivesse uma excelente colheita de moedas.

O violinista não deu um centavo, todavia encheu de júbilo o ânimo do cego.

**

Diz-se que Miguel Ângelo, quando estava no auge da fama, e reis e pontífices lhe pagavam as suas
obras por fabulosas quantias, fora abordado um dia, na rua, por um rapazinho que apresentando-lhe
um papel e um lápis, lhe suplicou um desenho.

O exímio artista acolhendo-o com um sorriso pegou no lápis e no papel e satisfez o desejo do seu
pequeno admirador.

**

A famosa cantora sueca Joana Lind indo uma vez de passeio com uma amiga sua, deparou com uma
pobre velhota que, com passo vacilante, se dirigia para o asilo onde estava albergada.
Joana Lind, compadecida, acorreu a ampará-la, ajudando-a a caminhar.

Agradecendo o carinho da cantora a infeliz mulher exclamou:

– Já estou demais neste mundo, e a única coisa que eu desejava, antes que Deus me levasse, era
ouvir Joana Lind.

– E é só isso que desejais? – perguntou-lhe a célebre cantora.

– Sim. Os pobres, como eu, não podem ir ao teatro, e eu nunca a ouvirei.

– Quem sabe! Sentai-vos e escutai.

E em seguida, Lind cantou uma das suas melhores canções. A pobre velha escutava-a encantada, e
muito maior foi ainda a sua surpresa quando a cantora, ao terminar, lhe disse:

– Acabastes de ouvir Joana Lind.

**

Os habitantes duma cidade alemã ofereceram cem mil ducados ao marechal Turena com a condição
de ele não passar com o seu exército pela povoação.

O marechal respondeu:

– A vossa cidade não está no itinerário que designei para as minhas tropas, e, portanto, não posso
aceitar o dinheiro que me ofereceis.

**

Filipe da Macedônia quando lhe disseram que vários oradores atenienses tinham proferido calúnias
contra ele, respondeu:

– Eu terei o cuidado de os fazer passar por embusteiros perante a minha conduta e as minhas ações.

**

Durante uma longa e penosa caminhada através dum árido país, sofreram Alexandre Magno e o seu
exército uma sede terrível.

Alguns soldados que foram em reconhecimentos descobriram um fiozinho de água, que corria ao
fundo duma rocha, e, enchendo um cantil ofereceram-no ao rei, que o mostrou a todo o regimento
para animá-lo a suportar pacientemente a sede que o afligia, pois que aquela água era o indício
evidente de alguma fonte que existiria ali perto.

E assim, em vez de bebê-la vazou no chão o cantil à vista dos soldados que aplaudiram o rasgo do
monarca, e esqueceram por momentos a sede que os torturava dispostos a segui-lo mais animados.

**
Sócrates dava o exemplo das virtudes que ensinava, e tanto maior foi a sua virtude que sempre se
mostrou isento de qualquer vaidade ou afetação.

O objetivo da sua filosofia era manter a consciência perfeitamente tranqüila, e assim o conseguia
com tudo que com ele se relacionava, conservando sempre a sua equanimidade nas mais críticas
circunstâncias da sua vida.

Apesar das qualidades externas do aspecto físico do seu caráter serem bem pouco atraentes, pois
que era feio, a formosura da sua alma refletia-se-lhe no rosto, e as multidões seguiam-no para
escutar os seus ensinamentos.

No entanto, as suas exemplares virtudes não conseguiam furtar-se ao ódio dos seus inimigos, foi
alvo das mais verrinosas sátiras, e perseguido sem piedade pelos hipócritas.

Sócrates cria apenas num Deus onipotente, como seis séculos depois o cristianismo o afirmou, e
desprezava as velhas lendas e superstições do vulgo nas divindades olímpicas.

O fanatismo religioso que foi, é e será o maior inimigo da verdadeira religião, viu com desagrado a
fé monoteísta de Sócrates, fazendo com que o vice-rei Melito o acusasse de herege perante
Areópago, e de pretender introduzir um novo culto que corromperia a mocidade das escolas.

Em defesa do filósofo compôs o orador Lisias um eloqüente discurso; porém Sócrates renunciou a
esta apologia dizendo que não queria que a arte oratória do seu defensor comovesse os ânimos.

Ele próprio se defendeu e a sua defesa foi tão firme como a sua virtude, tão forte como a verdade e
tão clara como a sua inocência.

Eis o que ele disse:

– Jamais poderei ser acusado de faltar ao respeito às leis religiosas, uma vez que assisto aos santos
sacrifícios nos templos. Também não podeis classificar de crime a minha fé num espírito familiar,
num país onde todos crêem na superstição, auspícios e agouros.

“Acusam-me de corromper os costumes da juventude; e, não obstante, Atenas inteira é testemunha


de que os meus ensinamentos se baseiam numa única máxima: Preferi a alma ao corpo e a virtude
às riquezas”.

“Acusam-me de faltar aos meus deveres de bom cidadão por não tomar parte nas assembléias do
povo. Perguntai aos que combateram em Potidea, Anfipólis e Delios, se servi a minha pátria”.

“Interrogai os senadores e eles vos digam se não me opus energicamente à execução dos dez
capitães vencedores em Argino, vítimas do vosso injusto castigo”.

“Se me acusam de impiedoso, bom será que examineis a minha vida, as minhas ações e palavras, e
assim vos convencereis de que creio na Divindade muito mais do que os meus acusadores”.

“Porventura, julgais orgulho o não implorar clemência aos que me julgam? Não é por vaidade que
assim procedo, é apenas para manter os meus princípios, pois entendo que a justiça deve obedecer
às leis e não às súplicas”.

“De resto, a morte não é para mim um pesadelo, e na minha idade não pretendo evitá-la para não
desmentir as lições que dei a fim de a saberdes desprezar”.
O ódio prevaleceu contra a justiça, e Areópago considerou-o culpado em conformidade com a
acusação.

Neste processo contra Sócrates há uma circunstância que algumas versões omitem. A sentença não
estatuía a pena que o réu devia sofrer, e, segundo o direito, em casos semelhantes o condenado
podia escolher a prisão ou a multa.

Todavia Sócrates ao ouvi-la retorquiu:

– Não me confesso culpado, e se quereis que eu escolha a pena que mereço por haver consagrado
toda a minha vida à Pátria e à virtude, condeno a república a manter-me à sua custa até ao resto dos
meus dias.

Irritados os juízes com tão digna resposta, condenaram-no a beber cicuta.

Então, tranqüilamente, o filósofo exclamou:

– Antes que vós me tivésseis condenado à morte já a natureza o tinha feito; a verdade, porém,
condenará os meus acusadores a grandes remorsos.

Trinta dias encarcerado antes da execução, nunca o seu ânimo desfaleceu por um instante. Tão
tranqüilamente recebia e falava aos seus amigos como o faria numa praça pública.

Criton, um dos seus mais íntimos e fiéis discípulos e admiradores, conseguiu subornar o carcereiro
de forma a tornar facílima a fuga de Sócrates, no entanto, este recusou terminantemente a evasão
que lhe ofereciam, dizendo:

– A iniqüidade duma sentença não autoriza um cidadão a desrespeitar as leis do seu país.

Chegado o momento da execução da sentença o impávido filósofo ergueu a funesta taça de cicuta
com a mesma serenidade que teria num banquete ao fazer um brinde, e exclamou para os seus
amigos:

– Não encaro a morte como uma violência que me façam, mas sim como a forma mais prática que
Deus me proporciona para subir ao céu. Ao sair desta vida encontram-se dois caminhos: um pelo
qual a virtude conduz à felicidade; outro, por onde o crime arrasta ao lugar dos suplícios.

Não tardaram os atenienses a arrepender-se e a proclamar em pública assembléia a inocência de


Sócrates, revogando a sentença que o condenara, condenando à morte Melito e ao ostracismo os
seus acusadores.

**

Eunomio, rei de Esparta, deixou quando morreu dois filhos, de diferentes núpcias. O mais velho foi
Polidecto que lhe sucedeu no trono, e o mais novo, o famoso Licurgo.

Morreu Polidecto sem deixar sucessor vivo, deixando, todavia, sua esposa grávida, que
secretamente disse a seu cunhado que se ele lhe prometesse casar com ela, mandaria afogar a
criança à nascença, caso fosse varão, a fim de que o povo acreditasse que ele tinha nascido morto e
proclamasse rei Licurgo.
O futuro legislador de Esparta, horrorizado com tão abominável proposta, simulou aceitá-la, com a
condição de em vez de ser ela a afogar a criança ao nascer, lha mandasse, pois saberia matá-la sem
levantar suspeitas. Nasceu um menino, e segundo o combinado, foi uma confidente da rainha viúva
levá-lo a Licurgo que, em lugar de matá-lo, o declarou publicamente rei, confiando a sua educação a
pessoas de absoluta confiança.

**

Admirável exemplo de fidelidade conjugal nos dá Eponina, esposa de Júlio Sabino, o caudilho da
formidável rebelião de Gália contra o domínio romano no tempo do imperador Vespasiano.

Vencida a revolta e perseguido Sabino depois da derrota, despediu-se este dos poucos partidários
que se lhe haviam mantido fiéis na adversidade, mandou libertar os seus escravos, e lançou fogo ao
seu palácio, onde os seus perseguidores supuseram ele ter perecido, e foi ocultar-se numa gruta
acompanhado dos seus amigos mais dedicados. Poucos dias depois comunicou secretamente a sua
esposa onde se achava oculto, e esta imediatamente foi viver com ele, disposta a compartilhar da
sua sorte. Assim passaram alguns anos, até que os soldados descobriram o seu paradeiro e os
conduziram à presença do imperador que estava disposto a perdoar, se não fosse a intervenção dos
cortesãos e os conselhos dos senadores no sentido de Eponina e seu marido serem condenados à
morte.

Ao ouvir a sentença Eponina apostrofou o imperador exclamando:

– Hás de saber, Vespasiano, que, cumprindo com os meus deveres, suavizando os dias à tua vítima,
na hediondez duma caverna, experimentei uma felicidade que jamais te será proporcionada pelo
esplendor do trono.

**

O poeta Eurípedes foi uma figura de relevo da velha Atenas, e um dos amigos mais íntimos de
Sócrates.

Houve um ano que sucedeu, por acaso, ele não ir felicitar Arquelan, rei da Macedônia, no dia do seu
aniversário, e levar-lhe qualquer dádiva como de costume. O insigne trágico respondeu.

– Quando o pobre dá é porque pede.

**

O mesmo Arquelan, pretendendo chamar para junto de si Sócrates, enviou uma mensagem dizendo-
lhe que deixasse de andar pelas velhas e imundas vielas de Atenas a prelecionar e que viesse viver
na corte onde desfrutaria todo o seu esplendor.

O filósofo respondeu-lhe:

– Agradeço a intenção; porém, um dracma chega para todo o mês e a água não me custa nada.

**

Um célebre romano, tão hábil filósofo como eloqüente orador, ao ver-se desprezado pelo poderoso
Epíteto, respondeu-lhe:
– Não invejo semelhantes riquezas; e, de resto, tu és muito mais pobre do que eu, pois que apesar de
teres vasilha de prata, os teus argumentos, princípios e vontades são de barro.

“O meu cérebro proporciona-me uma grata ocupação, e tu aborreces-te na ociosidade em que


vives”.

“Tudo quanto tens parece-te pouco; o que tenho julgo-o demasiado”.

“Os teus desejos são insaciáveis, e os meus estão satisfeitos”.

**

Isaac Walton afirma numa das suas obras:

“Tenho um vizinho tão rico e sempre tão atarefado que não tem tempo sequer para sorrir”.

“Pensa apenas em ganhar dinheiro, e afirma que só o diligente pode conseguir riquezas”.

“Todavia, embora isto seja verdade, ele não considera que a riqueza seja, por si, capaz de fazer a
felicidade”.

“As chaves que guardam as riquezas pesam demasiado no cinto do rico”.

**

O professor Blackie, da Universidade de Edimburgo, dizia aos estudantes:

– O dinheiro, o poderio, a liberdade e a saúde não são absolutamente necessários. Somente o caráter
nos poderá salvar.

**

Um curtidor de peles, ao admitir na sua oficina um aprendiz disse-lhe:

– Espero que faças por mim tanto como eu farei por ti.

Decorrido algum tempo o aprendiz logrou captar, pela sua aplicação, honradez e habilidade, a
confiança e simpatia do mestre que um dia lhe disse:

– Espero dar-te um bom presente quando acabes a tua aprendizagem. Não te digo o que seja, no
entanto, valerá mais do que mil ducados.

Concluída a aprendizagem o curtidor disse ao rapaz:

– Darei o presente a teu pai. Dize-lhe que venha amanhã falar-me.

No dia seguinte apareceu o pai do rapaz a quem o curtidor disse:

– É este o prêmio: – Nunca tive na minha oficina um aprendiz com tão excelentes e brilhantes
qualidades como as que seu filho possui.

Desvanecidas as ilusões do rapaz, seu pai consolou-o dizendo ao mestre:


– Orgulha-me mais vos ouvir dizer o que dissestes de meu filho, que se lhe tivesses oferecido toda a
vossa fortuna, pois que a boa reputação vale muito mais do que a riqueza material. Sem o bom
nome não pode haver dignidade, nem boa posição social, nem a velhice podem infundir respeito.

**

O célebre Péricles era dotado de tão sedutora eloqüência que os seus compatriotas diziam que nos
seus lábios moravam as Graças acompanhadas da persuasão; todavia, antes de pronunciar qualquer
discurso dizia sempre: “Acautela-te Péricles que vais falar a homens livres, a gregos e, por
conseguinte, a atenienses. Que dos teus lábios não saia nenhuma palavra inconveniente à dignidade
da tua pátria”.

**

Um dos caráteres mais perfeitos de que reza a história é, sem dúvida alguma, o do imperador Marco
Aurélio, a quem os senadores e grande número de cidadãos admiradores das suas virtudes ultra-
cristãs, suplicaram que lhes desse regras de conduta privada e pública, e lhes ensinasse aquela
extraordinária filosofia que o animava a resistir a todas as paixões e triunfar de todas as fraquezas.

Marco Aurélio respondeu-lhes que as idéias que pautavam a sua conduta eram, nalguns pontos,
superiores às de Sócrates e Platão.

Longe de ser como alguns filósofos antigos que criam sobremaneira em superstições de esotérica
religião que predominava nos seus países, Marco Aurélio, como Sócrates e Platão, Pitágoras, os
faquires da Índia, os magos da Pérsia e os egípcios, cria apenas num Deus todo poderoso, não
obstante alguns pagãos, incapazes de qualquer virtude, tentarem deslustrar o seu merecimento.

Marco Aurélio cria num Deus absoluto, numa Alma universal cujas dimanações estavam em todas
as almas humanas, d’Ela deduzindo o dever de todos os homens se amarem como irmãos.

Na sua opinião, a Providência que anima e conserva o universo não pode ter outra finalidade que
não seja o bem geral. O que em qualquer das partes do universo muitas vezes parece mal é
necessário para o bem de todos.

Os prazeres ilusórios, as dores passageiras dum corpo, não vincam a felicidade nem a desgraça do
homem. A felicidade depende exclusivamente da sua alma.

O homem só é feliz quando a alma se conforma com a sua natureza; desgraçado quando se desvia.

A natureza da alma, semelhante a Deus de quem procede, quer se mantenha calma, quer domine e
governe a matéria, os seus pensamentos e ações não podem ter outro fim que não seja a ordem e o
bem geral.

Para a alma não há outro bem que não seja ajustar-se à ordem, nem outro mal a não ser o apartar-se
dela.

Todas as virtudes são elementos da sua felicidade, e todos os vícios do seu infortúnio.

Tudo que unicamente se refere ao corpo deve ser indiferente à alma, donde se infere que, durante o
pouco tempo que ele existe, deve sobrepor-se a todas as paixões, desdenhar o que seja transitório,
suportar com paciência todos os males e gozar os prazeres com moderação.
Sem se envaidecer com as positivas qualidades do seu caráter, Marco Aurélio atribuía
modestamente todo o seu mérito a seus pais e aos seus sábios preceptores.

Entre as suas máximas, reflexões e pensamentos sobressaem as seguintes que deixou nos seus
livros, escritos na sua casa de campo de Panonia:

“Cada ação que pratiques, fá-la como sendo a última da tua vida”.

“Não é desgraçado quem não sabe ler no coração alheio, mas sim aquele que não compreende o
seu”.

“Tudo o que se relaciona com o corpo é passageiro; o que se refere ao amor é névoa e sonho”.

“A vida é um perpétuo combate, uma viagem através dum país desconhecido. Unicamente a
filosofia pode guiar a alma e mantê-la firme contra a dor e a adversidade”.

“A melhor maneira de nos vingarmos é não nos deixarmos vencer pela pessoa que nos injuria”.

“Seria uma vergonha que a minha alma se conhecesse no meu rosto e não se conhecesse a si
própria”.

“Impiedoso é todo aquele que pratica uma injustiça”.

“O que é da terra volta à terra; o que é do céu para lá regressa”.

“Deus, o homem e o mundo frutificam cada qual a seu tempo”.

Marco Aurélio não era um filósofo especulativo. Praticava escrupulosamente a sua filosofia
publicamente como um imperador, e na intimidade como um homem.

Foi superior a todos seus contemporâneos pelas positivas qualidades do seu caráter, libertas de
qualquer vício; e, sem embargo, era igual aos mais vulgares cidadãos pela sua conduta na vida.
Modesto como a virtude, sincero como a verdade, o seu poderio ganhava a confiança do povo
romano sem inspirar temor, e a si próprio se elegeu defensor da liberdade.

**

Um outro caráter histórico muito semelhante em ponderação com o de Marco Aurélio, é o de Lúcio
Aneo Sêneca, tão eminente em filosofia especulativa e no aspecto mental do seu caráter como
deficiente no aspecto moral.

Calígula conferiu-lhe a dignidade de senador, o que não evitou que, por intrigas de Mesalina, fosse
desterrado para Córsega, de nada lhe valendo as súplicas que dirigiu a Políbio, ministro favorito do
imperador.

Só quando morreu Mesalina, e Cláudio casou com Agripina, viúva de Domicio, de quem teve Nero,
é que a nova imperatriz lhe levantou a pena de desterro, nomeando-o pretor e confiando-lhe a
educação de seu filho.

Envenenado Cláudio por sua mulher, Nero ascendeu ao trono e, segundo a velha praxe dos
imperadores, leu no Senado o elogio fúnebre do seu defunto padrasto, composto por Sêneca, o qual,
caindo no abominável vício da adulação e da mentira, exaltava por tal forma o talento e a prudência
do imbecil Cláudio em tão hiperbólicos adjetivos que provocou a hilaridade nos senadores.

E o mais curioso foi que a sua mão, redigindo tão servil elogio, escreveu pouco tempo depois a
sátira intitulada Apocoloquinto, em que comparava Cláudio com os mais abjetos e vis animais.

A influência de Sêneca no caráter de Nero foi superficial, como uma camada de verniz sobre
qualquer madeira carcomida.

Durante os cinco primeiros anos de reinado foram os conselhos e exortações do filósofo uma
espécie de travão às fogosas paixões que já tumultuavam no íntimo de Nero; todavia, mais tarde, foi
Sêneca quem mais favoreceu a inclinação do seu discípulo à prática de vários prazeres, supondo que
o seu exagero lhe traria o tédio pelos mesmos.

Quando Nero, num festim, envenenou seu irmão Britânico, Sêneca não teve a coragem moral para
protestar contra tão monstruoso crime, descendo ainda à maior vileza compondo o discurso com
que o imperador pretendeu justificar no Senado o seu nefando fratricídio.

Entretanto, arrostou valorosamente com a morte, quando o seu tirano discípulo o condenou a abrir
as veias, por sabê-lo implicado na conspiração tramada por Pison, e os seus escritos filosóficos
estão repletos de excelentes máximas, de generosos conceitos a favor dos escravos, e de idéias de
fraternidade universal dignas de um filósofo cristão.

**

O imperador Adriano estava a morrer. A sua doença era uma agonia contínua. Num acesso de cólera
decretou a morte de vinte senadores, ordenando ao seu filho adotivo Antonino que cumprisse o
decreto.

Antonino acatou a ordem, no entanto, movido por um instinto de piedade não lhe obedeceu,
ocultando em local seguro os vinte sentenciados para que os cortesãos julgassem que a ordem tinha
sido cumprida e o não fossem denunciar ao imperador moribundo.

Adriano morreu, sucedendo-lhe Antonino; e foi então quando o Senado romano, ressentido pela
crueldade do defunto quis maldizer a sua memória e anular todos os seus decretos.

Antonino ouvindo os senadores respondeu-lhes: “Se anulardes todos os atos de meu pai adotivo,
anulais também a minha adoção e eu perco o direito ao império”.

Se bem que o Senado apreciasse muito as qualidades de Antonino, persistiu no seu propósito,
recusando-se a divinizar aquele que havia sido tão cruel.

De pronto fez Antonino comparecer no Senado os vinte senadores que toda a gente supunha mortos,
e, não atribuindo a si o mérito de tê-los livrado do suplício, fingiu apenas ter cumprido as ordens
secretas de Adriano.

Os senadores cognominaram então Antonino de Pio, o que foi merecido e nunca desmentido na sua
vida.

Ainda que a sua autoridade fosse exercida sob um aspecto algo republicano, o seu poder era
moderado pela justiça, pela prudência e pela piedade.
O seu ânimo livre de paixões e fraquezas conservou sempre a eqüidade da verdadeira filosofia da
vida.

Majestoso sem altivez e popular sem cair no ridículo, ele inspirava ao mesmo tempo respeito e
amor.

Diz-se que Plutarco, quando foi prôconsul da Ásia durante o reinado de Adriano, usou de tanta
moderação e sinceridade que os povos abençoaram o domínio romano que o fausto e o orgulho dos
outros prôconsules os tinha feito odiar.

Um dia, apresentando-lhe um dos ministros um projeto tendente a aumentar as receitas com novos
impostos, disse-lhe: “Rasgue o projeto. Alimentai o público e não lhe lanceis mais impostos.
Melhoremos a situação da república e não a do tesouro. Indicai-me a maneira de diminuir as
despesas e não a de aumentar as receitas. A economia é o mais suave e eficaz aumento de
cobrança”.

Antonino teve com os desvarios de sua mulher Faustina a mesma paciência de Sócrates. Preferiu
suportar os caprichos a divorciar-se, ocasionando um escândalo público. Por muito menos se tem
colocado alguns santos nos altares.

Ouvindo as reclamações de S. Justino fez um decreto favorável aos cristãos em que dizia: “A sua
perseguição aumenta o número, por isso proibamos que os molestem. Se alguém os acusa é apenas
porque são cristãos e não porque tenham desrespeitado as leis, e sendo assim, devemos absolvê-los
e castigar os seus acusadores”.

Um dia aconselharam-no a que pusesse dentes postiços para suprir os sãos que já lhe faltavam, ao
que ele respondeu:

“Na minha boca não sairá nem entrará nada que seja falso”.

Os cortesãos guerreiros ponderaram uma vez na presença de Antonino as façanhas de César e de


Trajano, como que deplorando a paz que o império desfrutava.

Antonino respondeu-lhes com a célebre frase de Escipion: “É maior a glória de salvar um cidadão
do que matar mil inimigos”.

XVI

O ESTIMULANTE DO ÂNIMO

Peço-te forças para as minhas tarefas diárias, audácia para olhar de frente o caminho, alegria que
me ajude a levar a carga, e um íntimo prazer em tudo quanto veja, ouça e faça. – Henrique Van
Dike

Todos os gostos de Deus são sensíveis; as palavras amáveis, as ações benévolas, o fulgor e o
sorriso de bom humor. – J. W. Robertson

Não peças tarefas iguais às vossas forças; pedi forças iguais às vossas tarefas. – Filips Brooks

Alegrai-vos sempre com o Senhor. – S. Paulo


Nesta nossa época de porfias e competências que prejudicam a luta pela vida, os mais rígidos e
firmes caráteres sofrem o rocio desgastador do ânimo e necessitam, portanto, um estimulante que
suavize as asperezas do contato e elimine tudo quanto ameace azedar o caráter ou produzir o tédio
ou a discórdia na conduta.

O júbilo tem maravilhosa eficácia lubrificante.

Alonga a vida da máquina humana, como os lubrificantes confeccionados pela indústria química
alargam a vida das máquinas inertes.

Não devemos consentir que por falta de lubrificante se desgastem os delicados parafusos da vida.

Necessitamos contrair o hábito de estar sempre de bom ânimo para desfrutar os dias conforme vão
passando, e não andar em agitação, mal-humorados toda a semana, esperando o domingo ou uma
festa para nos divertirmos.

Contudo, não vale tanto a algazarra ruidosa como a alegria moderada, que provoca a gargalhada
honesta como a seriedade, o doce contento da alma e a paz interna.

Convém esta advertência porque há quem confunda a gentileza com a insolência; a inofensiva e
amena piada com o dito grosseiro, e a gargalhada estrepitosa com o sorriso.

É uma prova de leviandade de caráter e falta de sentido moral encarar tudo a rir, fazer graça à custa
alheia, regozijar-se com as contrariedades do próximo, como se a vida fosse um perpétuo gracejo.
Não é, por certo, este lubrificante que recomendamos para suavizar os rolamentos da vivente
máquina humana.

O excesso de alegria, quando degenera em bulício e algazarra é uma enfermidade do ânimo tão
prejudicial como a melancolia, com a agravante de que facilmente as gargalhadas se podem trocar
por gemidos.

Também não convém encarar tudo pelo lado tétrico e mostrar cara fúnebre nas tarefas cotidianas.

O famoso poeta grego Teócrito em quem mais tarde Vergílio se inspirou suplicava ao céu que as
Graças nunca o abandonassem. Assim deveríamos ser todos na educação do caráter.

O multimilionário Guilherme Vanderbilt e o famoso ator francês Coquelin encontraram-se um dia


em Constantinopla.

Vanderbilt convidou Coquelin para uma récita íntima a bordo do seu iate.

Coquelin recitou três monólogos e alguns dias depois recebeu do multimilionário uma carta que
dizia:

“Arrancastes lágrimas e sorrisos. Como todos os filósofos afirmam que o riso é preferível ao pranto,
a minha conta é para vós a seguinte:

Por me fazer chorar 6 vezes . . . . . . . 600$00

Por me fazer rir 12 vezes . . . . . . . . . 2.400$00

Total . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3.000$00
Queira aceitar o cheque junto”.

Se todos conhecessem a eficácia do bom-humor e do ânimo prazenteiro para alongar a vida,


desapareceria a tristeza que tolda muitos rostos e não seria tão grande o número de enfermidades.

A faculdade de rir foi outorgada ao homem para que cumpra uma sábia finalidade no seu
funcionalismo corporal. O riso areja os pulmões e o diafragma e põe os órgãos em suave vibração.

Durante a digestão, os movimentos do estômago são análogos aos de uma batedeira de manteiga, e
cada vez que soltamos uma gargalhada o diafragma distende com o seu impulso a atividade do
estômago.

O coração bate com maior vivacidade e irriga mais copiosamente todo o organismo.

Disse o Dr. Green:

“Não há uma única artéria do sistema circulatório que não receba os prazenteiros estremecimentos
ocasionados pela gargalhada sadia”.

A gargalhada estimula os vasos motores de modo que o sangue circula mais livremente, facilita a
respiração e mantém um saudável equilíbrio entre todas as funções do corpo.

Portanto, não devemos estranhar que o prazer seja um meio eficaz de educação do caráter nos seus
três aspectos físico, mental e moral.

Salomão disse num dos seus tão celebrados provérbios:

“O ânimo alegre é a mais saudável medicina”.

O célebre médico e literato Oliver Wendell Holmes disse também:

“A alegria é a medicina de Deus e todos devem tomá-la. O mau humor do caráter deve ser
eliminado pelo estimulante do prazer”.

O doutor Marshall Hall receitava com freqüência aos seus doentes que alegrassem o ânimo,
dizendo-lhes que o riso era um medicamento melhor do que os da farmácia.

O doutor Burdick, de Nova Iorque, tinha a alcunha de “doutor prazenteiro” pela razão de
apresentar-se sempre bem disposto em casa dos doentes.

“Lancet”, o prestigioso periódico de medicina, publicou o seguinte artigo:

“A eficácia do bom humor é importantíssima aos doentes, dando-lhes a possibilidade de recobrar a


saúde. É convenientíssimo manter a mais alegre atitude do ânimo que as circunstâncias permitam.

A mesma energia que se manifesta no aspecto da atividade mental é a que determina a vitalidade do
organismo.

As influências do ânimo afetam o sistema corporal, não só aliviam a dor como aumenta o ímpeto da
vitalidade”.
O doutor Ray, diretor do manicômio Butter declarava um dia numa entrevista:

“O riso cordial é melhor benefício para a saúde da mente do que o exercício das faculdades
intelectuais”.

A aflição, a ansiedade e o temor são os mais terríveis devastadores do caráter. Temos de lutar contra
tudo quanto ameace deprimir o ânimo e debilitar o caráter, como lutaríamos contra a tentação que
nos excitasse a cometer um crime abominável.

Conta-se que um doente sentindo-se muito mal e julgando que ia morrer mandou avisar todos os
seus parentes. Todavia, um antigo amigo que esteve a vê-lo assegurou-lhe sorridente que não
tardaria que estivesse bom. Esta esperança alegrou tanto o doente que este melhorou sensivelmente.

O jornal “Argonaut”, de S. Francisco da Califórnia, publicou o caso de uma mulher de Milpitex,


vítima duma constante tristeza, acompanhada de abatimento. O médico aconselhou-a a rir-se com
vontade três vezes por dia, e ao cabo de alguns meses o seu caráter estava radicalmente curado.

O remédio foi eficaz. Desapareceram as insônias. O caráter melhorou notavelmente, de tal modo
que se tornou afável e jovial.

Certo doutor que se ocupava dos princípios fundamentais da saúde afirmava:

“Devemos fazer mais do que cultivar a placidez do ânimo. A franca gargalhada promovida por um
honesto gracejo estimulará as funções do organismo corporal”.

A alegria serena e tranqüila, sem estridências passionais, favorece o desenvolvimento das


qualidades positivas do caráter e da juvenil expressão do rosto.

A fisiologia ensina-nos que os nervos do grande simpático estão solidarizados numa rede de
conjunto, e quando uma desagradável sensação chega ao cérebro, repercute-se no estômago,
perturba as funções digestivas e entorpece as faculdades da mente.

O júbilo é certamente uma medicina do caráter, estando, todavia, sujeito à oportunidade de emprego
para que produza efeitos saudáveis.

O fomento no júbilo na infância como meio favorável à educação do caráter é da máxima


importância.

A este propósito disse o eminente cirurgião Chavasse:

“Fazei com que as crianças estejam sempre alegres. Uma sonora e franca gargalhada arejam o peito
e aviva a circulação do sangue. A gargalhada favorece a saúde da criança e por outro lado dissipará
a tristeza de quem os ouça”.

A criança que se não ria parece uma planta sem flores, uma ave sem canto, uma fonte sem água, e
um dia sem sol.

Disse o famoso crítico Tomás Carlyle:

“Muito há no fundo duma gargalhada. É a chave que decifra o caráter do homem. Uns riem-se sem
saber por quê, outros sem vontade. De nenhum destes se pode esperar coisa alguma”.
A inquietação e a ansiedade quase contínuas estimulam as qualidades negativas e secam as fontes
do coração. A riqueza material, o dinheiro, poderão proporcionar comodidades, mas são impotentes
para tornar o ânimo saudável.

Henrique Ward Beecher afirmou:

“O que mata o homem é a ansiedade e não o trabalho. A saúde é o trabalho ordenado e metódico
que não chegue à fadiga. Não é o movimento, mas sim os rolamentos que escangalham as
máquinas”.

Há uma quadra espanhola que diz que a água miúda é a que faz o barro, e as penas passageiras as
que causam dano.

O doutor Jacoby, um dos mais notáveis neuropatas da nossa época, diz:

“As investigações dos neurólogos não arrancaram à natureza nestes últimos anos um segredo tão
interessante como o do contínuo desassossego do ânimo encurtar a vida”.

Os especialistas nas enfermidades cerebrais afirmam que muitas das funções atribuídas a outras
causas sem resultado são devidas à ansiedade incessante e à carência habitual da alegria.

Convém considerar que neste mundo nem sempre sucedem as coisas à medida dos nossos desejos.

O caráter equilibrado não trepida ante as freqüentes contrariedades com que tropeça no caminho da
vida.

O doutor João Todal, durante uma das suas excursões de estudo, encontrou um pobre camponês que
tinha sido seu criado e disse-lhe:

– Bons dias. Parece-me que esta chuva há de ser muito benéfica para o feno.

– É; – retorquiu-lhe o homem – mas muito prejudicial para o trigo.

Dali a dias encontrou-o de novo e disse-lhe:

– Bom Sol faz para o trigo, não é verdade?

– Sim; mas muito mal para o centeio que necessita de tempo fresco.

Outro dia repetiu-se o diálogo:

– Viva. A manhã está fria, boa para o centeio.

– Sim, mas muito mal para o trigo!

Por aqui se vê que ninguém está contente com a sua sorte.

O orador sagrado Massillon dizia:

“A saúde e o bom humor são para o corpo humano o que a luz do sol é para as plantas”.

Cristo dizia também aos seus discípulos: “Não entra no céu quem lá não voltar como criança”.
Vale a pena fazer um esforço para descobrir o aspecto luminoso e favorável das miúdas
contrariedades da vida cotidiana, sem dar grande importância às suas causas.

Muito equilibrado caráter se necessita para nos darmos bem com pessoas propensas à ira, cujo
habitual estado de ânimo é o mau-humor.

Ditoso dom é o de conservar a serenidade de ânimo nos dissabores da vida.

Emerson estava convencido de que todo o mal tinha remédio e toda a alma ansiosa uma satisfação.

Jay Cooke aos cinqüenta e dois anos era multimilionário, e aos cinqüenta e três estava na
indigência; de novo voltou a trabalhar e pouco tempo depois tinha pago a sua última dívida.

Perguntaram-lhe como o conseguira e ele limitou-se a responder:

– Muito fácil. Não perdendo nunca a serenidade de ânimo que meus pais me deram.

O sentimento é às vezes mais valioso que a inteligência.

A este propósito disse Washington Irving:

“Tenho tido ocasião de observar a coragem com que a mulher luta contra a adversidade da sorte”.

O espetáculo variado da natureza é para os caráteres harmônicos um motivo de sã alegria.

Goethe dizia que era bom ler diariamente uma boa poesia, escutar uma linda canção, contemplar um
formoso quadro, e proferir umas tantas frases de carinhosa simpatia.

Se lutarmos sem trégua para adquirir o que jamais possa enriquecer o caráter, sem dar valor algum à
alma, fugirá de nós a poesia, e não poderemos desfrutar as doçuras da alma.

A vida equilibrada é necessariamente jubilosa. É a feliz harmonia entre as formosas qualidades


morais, o temperamento sereno, o juízo claro e as faculdades todas do ser humano equiponderadas
pela integral e harmônica educação do caráter.

ÍNDICE

Prólogo
Cap. I – Conceito e definição do caráter
Cap. II – Fundamento do caráter
Cap. III – Transcendência do caráter
Cap. IV – O aspecto físico
Cap. V – O aspecto mental
Cap. VI – O aspecto moral
Cap. VII – Ambiente do meio
Cap. VIII – O lar doméstico
Cap. IX – Qualidades de caráter
Cap. X – Qualidades fundamentais
Cap. XI – Qualidades positivas
Cap. XII – Qualidades negativas
Cap. XIII – Novas orientações
Cap. XIV – Exercícios corporais
Cap. XV – Rasgos de caráter
Cap. XVI – O estimulante do ânimo

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