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“ HOMELESS “

by B. L.

A minha ex, é hoje esposa de um ministeriável. Upa, upa! Isso é qualquer coisa. Nada que se
compare aos tempos em que vivíamos num apartamento de duas peças e eu tinha que fazer das
tripas coração, à pala do gamanço e do contrabando, só para a menina andar vestida à moda e
devorar todas as revistas com fotos do jet set, que existiam no mercado. Uma bela merda.
Mas hoje é outra fruta. O marido dela é uma espécie de sub secretário de estado de uma
porra dessas qualquer e então papel, é o que há mais naquela casa. Vê-se logo pelas fotografias. Ela
hoje é useira e vezeira nas tais fotos das tais revistas, que dantes coleccionava, toda gulosa, invejosa.
Até parecia que era bruxa, a gaja. Não há semana em que ela não apareça, sempre de casaco de
peles nalguma soirée de luxo, ou de justos vestidos de cetim vermelho e luvas negras até ao
cotovelo, de design exclusivo, um atelier de alta costura a trabalhar a todo o gás, só para ela
abrilhantar a inauguração de alguma discoteca da moda, ou exposição de arte ou evento social. Está
nas suas sete quintas, a menina.
Só anda de Mercedes com um condutor/guarda costas, impecavelmente fardado, ou num
MG descapotável de dois lugares, para as suas deslocações mais privadas. Só usa perfumes
franceses de marca, roupa interior de cetim ou seda e a exterior é toda de design exclusivo, italiano
ou francês, ou esporadicamente de alguns artistas nacionais, escolhidos a dedo, que ela nessas
merdas, gosta de auxiliar a prata da casa. Uma verdadeira marquesa, como ela sempre gostou e se
achou no direito.
Fico satisfeito por ela até porque não me ignora, nem muda de passeio, fingindo que não
me conhece, nas raras e muito ocasionais vezes em que nos cruzamos, hoje em dia. Sempre que
acontece eu estar de plantão nalguma esquina e ela sai do seu carrão, ou à porta de algum cinema,
ela, venha com quem vier, tem sempre uma atenção para comigo e dá-me sempre uma esmola
avantajada, discretamente é claro. Também ninguém tem nada que saber dos nossos antigos e mais
do que íntimos laços. Acho que ela consegue fazer passar esses gestos por um altruísmo
desinteressado ou as grandiosas esmolas de uma grande dama, que também já foi povo humilde e
não esquece as suas raízes. Muito na esteira da Evita, a ex madame Péron, que é um dos seus ícones
recentes e que os inúmeros paparazzi que sempre acompanham as suas deslocações, não
desperdiçam.
O que é óptimo para mim, porque qualquer destas simples esmolas que ela me estende
desinteressada e discretamente, dá-me à vontadinha para passar uma semana ou mais no Ritz, que é
clássico e confortável e hoje em dia, bastante em conta, barbeado de fresco todos os dias, com a
roupinha escovada e lavadinha que é um consolo, em memória dos velhos tempos, quando eu era
também um Pinóquio, sempre à moda, bem vestido e apessoado e tinha a minha empresa de
publicidade e essas merdas todas. Quero mais é que se foda. Também já esqueci esses tempos
áureos. Só de pensar nas contrapartidas... Foda-se.
Também manda entregar-me ou guarda até a ocasião se proporcionar, os fatos e sobretudos,
não muito usados (nunca mais que uma estação), que o marido já pôs de parte. Esta gente não gosta
de se repetir, naquilo que veste. Até pareceria mal deixar-se ver no mesmo outfit mais que duas ou
três vezes. E isto, para os homens é claro, porque para as damas, voltar a repetir a mesma toilette e
vestuário, duas vezes consecutivas ou não, já é desprestegiante.
À pala disso, devo ser o homeless mais bem vestido da cidade. Ó eu, hein? No fundo eu
continuo a gostar é de borgas e de putas, como sempre.
Ela diz-me que o que gosta é de otários.
Não sei bem em que situação é que isso me coloca, como ex marido dela. Mas isso agora
também não é importante. Ou é?

Outras vezes, assim inesperadamente, mete-me um bilhete de avião entre as patas, de


unhas sujas e rombas. Uma viagem em 1ª classe para Atenas, Milão ou Rio de Janeiro, bem como a
menção de uma reserva num hotel qualquer, dos bons, que ela trata-se bem, num rápido sussurro. Lá
tenho que barbear-me e ir ao banho público outra vez e andar em bolandas para trocar o bilhete por
outro de 2ª e ainda forrar algum para mais umas garrafitas ou umas doses extras de coca ou cavalo,
até fazer a vontade à menina e aparecer como novo uns dias depois, lá onde o destino impõe e a sua
vontade impera e matarmos as nossas saudades fodendo e rindo e bebendo e curtindo
desregradamente, como ela gosta e com o marido não pode porque isso ia escandalizar o gajo e os
amigos do gajo e a bancada política em que o gajo se insere.
E assim vamos coleccionando novas e velhas histórias para juntarmos às nossas novas e
velhas memórias. Afinal temos um longo trajecto em comum. Eu também já alinhei nessas ficções
todas, em tempos que já lá vão. Essas merdas de ser um elemento útil da sociedade, de manter uma
postura cívica, isto é comandada pela hipocrisia, pela competição, pela maldade e pela mentira. Mas
a verdade é que cansei dessa merda toda, já não tenho paciência para esse filme.
Ela realmente não consegue compreender a minha posição. Acha-a demasiado extremista,
demasiado caótica. Mas no fundo, tem mais é que respeitá-la e como vive obsecada por essas
ficções, sabe deus as paranóias que a consomem, só para conseguir manter as aparências.
É que nós temos um puto. Enfim, já não é puto nenhum. Qualquer dia faz 20 anos ou uma
merda assim parecida. Além disso, por influencia da mãe, pensa que o pai é assim uma espécie de
gajo famoso, um artista de renome, um free lancer da cultura.
E de certa maneira, sou-o, quase. Esta é outra das ficções que eu e a mãe dele elaboramos
em conjunto. Porque a gaja tem a paciência, o desplante e evidentemente, o capital para se dar ao
luxo e ao trabalho, de pagar a uma equipa de actores, directores, realizadores, publicitários e eu sei
lá quem mais, toda uma corja de profissionais da ficção, para produzirem, filmarem e depois
exibirem algumas das minhas ideias mais descabidas e delirantes, que no meio das borracheiras, nos
nossos momentos de relax, entre fodas, eu me entretenho a debitar-lhe e que ela aplicadamente
translada para o papel, para mais tarde passar à tela e ao mundo como mais uma
produção/realização cá do meco.
Ela é de facto uma extraordinária business woman. Isso é inegável.
Assim, o puto pensa que o pai está na Nigéria, ou no Camboja ou no Nepal, fazendo mais
um documentário fabuloso sobre moda ou alguma curta metragem artística ou arriscada reportagem
de guerra, que ele mais tarde há de gabar perante os amigos embasbacados e invejosos, como uma
obra da autoria do velho dele, enquanto que na realidade eu ando é a refastelar-me entre putas
asquerosas, arrastando-me de bebedeiras colossais a caldos alucinantes de speedball, entremeadas
por cachimbadas de ópio e rebolao na chinatown.
Não é nada de que eu me orgulhe particularmente, mas também há já muito tempo que eu
perdi ou abandonei esses pruridos de carácter ou de personalidade e no fundo, eu quero mais é que
se foda. Essa é que é verdadeiramente a minha filosofia de vida.
Em todo o caso, bem se pode dizer que isto é que é um verdadeiro pacto de intenções,
cappice ? E tudo para que o menine, coitadinhe dele, não venha a sofrer nenhum choque traumático,
ou alguma frustração duradoura, daquelas fodidas que duram toda a vida e fazem com que um gajo
dê em bicha depois de homenzinho, ou em bandido, em suma um psicopata, só por descobrir que os
velhos ao longo da vida toda lhe mentiram e que o pai, figura venerável e adorada até aí, não
passa de facto de um vadio empedernido, um junkie envelhecido e doente, de dentes podres e fraco
carácter ao invés da figura veneranda e quase heróica, digna de um pedestal ou de figurar numa saga
imortal, tipo “as mil e uma noites” ou “ a puta da guerra das estrelas”, que hoje em dia os putos já
não dão cavaco a histórias da carochinha com magos de pacotilha em tapetes voadores, estão mais
virados para aventureiros intra estelares, conquistadores do espaço e super heróis desse tipo, que a
mãe criara na sua imaginação febril e andara a impingir-lhe metade de sua vida, para que ele tivesse
uma figura parental exemplar, pela qual se guiasse.
Ao fim ao cabo, se o puto for um bocadinho só inteligente, com uma mãe tão bonita e
pragmática e um pai tão desenrascado e ao mesmo tempo tão vergado aos condicionalismos
próprios da filosofia e do social (nada me leva a crer que não possua um mínimo de sensibilidade e
espírito), o mais certo é de há muito já ter esquecido o sacana do velho e não ligar nenhuma ou
estar-se bem cagando para ele. De resto, nem outra coisa eu mereço.
De facto há quase dez anos, senão mais que não lhe ponho a vista em cima e se notícias há
são esporádicas e nada precisas, mas a coitada da mãe haveria sempre de vê-lo como uma criança, o
seu rico menino do coração. É uma babosa, no fundo, a gaja.
Mas não são todas as mães assim ? Ainda um dia destes há de ter uma bela e provavelmente
não muito agradável surpresa com o querido menino do seu coração, sobretudo se ele sair em
alguma coisa ao pai... Inch’allah... Ha ha ha...

BELTRANO MANINGUE / FARO 2003

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