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A Wild Wind
Evelyn A. Crowe
Doação: Valeria
Digitalização: Joyce
Revisão: Alice Akeru
Super Sabrina 089 – Selvagem como o Vento (A Wild Wind) Evelyn A. Crowe 2
CAPÍTULO I
— Ela voltou!
O anúncio foi ouvido dentro do Cattleman's Café em Bartlet, Montana, antes mesmo
que a porta se abrisse para dar entrada ao homem que trazia a novidade. Eram seis horas
da manhã e poucos clientes espalhavam-se pelas mesas, tomando café e conversando.
Todos levantaram os olhos ao ver Chester Fawnsworth entrar no bar e fechar a porta atrás
de si.
— Ela está de volta! — ele repetiu.
— Quem? — uma voz feminina cheia de curiosidade perguntou de cozinha.
— Shannon! Shannon voltou!
Chester colocou um pedaço de tabaco na boca e começou a mascá-lo. De repente,
parou e seu olhar vibrante percorreu o aposento à procura da proprietária do café. Ao vê-
la, fez uma careta e arriscou um sorriso.
Stella Hopkins, com a testa franzida, fitou o antigo cliente e, devagar, começou a
andar na direção dele, ao longo do extenso balcão de madeira.
Ela adorava aquele lugar e, às vezes, as lembranças de seus pais eram tão vívidas que
quase podia vê-los atrás do balcão. Sem dúvida havia algumas recordações ruins, mas o
trabalho de conduzir o Cattleman´s Café só lhe deixava tempo para reviver os momentos
mais felizes. O velho bar destoava do resto da cidade, modernizada e remodelada ao longo
dos anos, mas Stella sentia um orgulho indescritível de seu estabelecimento. Gostava do
espelho que ocupava uma parede inteira e das mesas de madeira cobertas com impecáveis
toalhas em xadrez vermelho e branco.
Os fregueses mais velhos chegavam cedo para um café, torradas e fofocas. Os mais
jovens vinham depois da escola e o lugar fervilhava com músicas animadas enquanto eles
comiam hambúrgueres e tomavam refrigerantes. As noites eram mais tranquilas, exceto
nos sábados em que algum grupo musical se apresentava na boate da cidade. Então,
embora normalmente fechasse às dez horas, Stella deixava o bar aberto até de madrugada
para que todos tivessem onde encontrar comida e café.
— Chester, quantas vezes por dia você vem aqui tomar uma xícara de café? — Ela
apertou os lábios vermelhos de batom, tentando demonstrar desaprovação.
— Você sabe, todas as manhãs nos últimos vinte anos. — E enfiando as mãos grossas
de vaqueiro nos bolsos da jaqueta de brim, fitou-a com ar sério. — Mas ouça, Stella...
Stella encostou-se no balcão, divertindo-se ao observar a inquietação do homem.
Pela maneira como mudava o apoio de um pé para o outro e esfregava as mãos com
ansiedade era evidente que Chester tinha uma grande novidade para contar. Ela adorava
provocar o velho conhecido e resolveu retardar-lhe um pouco o prazer de espalhar a notícia
que trazia com tanto entusiasmo.
— E quantas vezes já lhe disse que não é permitido mascar fumo dentro do café? —
perguntou, autoritária. Chester olhou em volta disfarçadamente, para ver se alguém
prestava atenção na cena. Stella, irredutível, esticou o braço e apontou para a porta. — Vá
lá fora livrar-se dessa porcaria e depois volte para tomar seu café.
— Nazista! — Chester resmungou, porém fez como Stella mandou. Em outra ocasião
talvez houvesse discutido, mas aquela manhã era especial e ele não podia perder tempo.
Suas novidades iriam virar a cidade de cabeça para baixo! Mal ouvira a notícia, correra
para o local mais próximo onde sabia encontrar uma audiência atenta. Mas logo naquele
momento Stella resolvera ser implicante. Mulheres! Sempre haviam sido a perdição de sua
vida.
Chester cuspiu o último pedaço de tabaco na lata de lixo na calçada e murmurou um
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palavrão para dissipar a contrariedade. Antes de retornar ao bar, lançou um olhar para as
montanhas escarpadas, ao norte. Nuvens escuras começavam a se juntar, cobrindo os picos
mais altos. Chester sabia bem que aquilo era sinal de uma tempestade a caminho de
Bartlet. Suas articulações doloridas prenunciavam uma nevasca bem pior do que o
noticiário da televisão havia previsto.
Porém, coisas mais interessantes lhe ocupavam a mente naquele instante. Havia
reparado em Ash Bartlet sentado ao fundo do Cattleman's e queria ver a expressão do rosto
dele quando ouvisse a notícia.
Chester empurrou a porta e entrou sorrindo, certo de que não teria mais
interrupções. Acomodou-se em um banco junto ao balcão e agradeceu a Stella pela xícara
de café fumegante que se encontrava à espera. Assoprou um pouco o líquido quente antes
de levá-lo à boca e tomar de um só gole. Baixou a xícara ruidosamente sobre o pires e
olhou decidido para a proprietária.
— Você se lembra da menina Reed, não é, Stella? — Ele não lhe deu tempo de
responder, sabendo que ela nunca se esquecia de ninguém. Além disso, não queria
interferência enquanto se deleitava em contar a novidade. — Shannon Reed, a menina que
corria por estas ruas com Ash Bartlet e Dean Wayne. Na certa você pensou que ela não
teria mais coragem de voltar para cá, mesmo depois de dez anos que ela e aquele rapaz
Dean fugiram para se casar, certo? — Chester fez uma pausa e olhou em volta, satisfeito
por merecer a atenção de todos os presentes. — É claro que depois de fazer o que fez, ela
nunca mais seria benvinda por aqui. E nem aquele marido dela. Vou lhe dizer uma coisa,
Stella: uma mulher, por mais especial que seja, não pode deliberadamente matar um
cavalo de corrida no qual um homem colocou todas as esperanças de sua fazenda,
despedaçar-lhe o coração e depois fugir com o melhor amigo dele. Se bem que Ash deve ter
respirado com alívio quando recebemos as notícias da vida desregrada que ela estava
levando na Europa.
Chester sacudiu a cabeça com expressão de desgosto e sentiu a tensão crescer na
atmosfera do bar. Fora aquele mesmo o efeito que procurara; os Bartlet precisavam
aprender a não ser tão cheios de pose. Talvez na próxima vez em que fosse pedir um
emprego na fazenda Barra B não mais o recusassem sob a alegação de que ele não
conseguia manter a boca fechada e o nariz fora da vida dos outros. Seria bem-feito para
aquela família arrogante se o caso fosse comentado pela cidade, pensou.
Com um movimento disfarçado, deu uma espiada para a mesa do fundo, mas desviou
o rosto ao deparar-se com os olhos verdes e resolutos de Ash. Segurou a xícara com força e
fitou Stella, reparando que ela o encarava com uma expressão zangada. Mesmo assim,
estava determinado a continuar a história.
— Todd Hands, da loja de artigos esportivos, me contou que Clyde Hanks contou a
Rex Smithers que Shannon e Dean vieram no avião deles alguns dias atrás para participar
de uma caçada de cabras monteses. O que será que Ash vai pensar de ter esse traste de
volta à cidade?
Stella inclinou-se para frente e puxou o pires das mãos de Chester com tanta raiva
que a xícara de café foi ao chão.
— Por que não pergunta a ele, seu velho encrenqueiro? Agora saia de meu bar e não
volte até eu lhe dar autorização para isso!
Ele resmungou e deixou o balcão, mas antes de sair virou-se para trás a tempo de ver
Ash Bartlet levantar-se devagar, pegar o chapéu acinzentado e colocá-lo na cabeça.
Ash enfiou a mão no bolso da calça e tirou uma nota de um dólar. Sentia todos os
olhares sobre si, mas isso não o incomodava, já estava acostumado.
Caminhou até o balcão, entregou o dinheiro a Stella e saiu sem dizer nada nem olhar
para os lados. Precisava desesperadamente de ar fresco. A notícia de Chester havia sido
como uma punhalada no coração. Respirou fundo, tentando acalmar a pulsação acelerada.
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Depois fechou os olhos por um instante, desejando bloquear as imagens que o nome dela
evocava, mas foi inútil: as lembranças estavam lá, gravadas para a eternidade. Enquanto
caminhava depressa pela calçada, mal enxergando por onde ia, a mesma velha pergunta
continuava a perturbar sua mente: "Por quê, Shannon? Por quê?"
Stella seguiu Ash até a porta, querendo dizer alguma coisa para aliviar a dor que lhe
notara nos olhos, mas não sabia que palavras usar para confortá-lo sem o deixar ainda
mais constrangido. Assim, acabou ficando na entrada do café, em silêncio, observando-o
enquanto se afastava. Ash tinha trinta e dois anos, um homem já, mas para Stella era difícil
deixar de vê-lo como o menino que conhecera pequeno. Também havia conhecido
Shannon e lhe dedicara uma grande afeição. Como não gostar daquela menina levada que
costumava alegrar as ruas da cidade com suas risadas e travessuras?
A vida não era justa, Stella pensou. Ash amara aquela garota desde que eram
crianças, todos sabiam disso. Ainda se lembrava de como os dois andavam juntos. Havia
também o outro menino, Dean Wayne. Os pequenos amigos eram conhecidos como "Os
Três Mosqueteiros". E justamente quando a cidade já se preparava para um casamento
entre Ash e Shannon, tudo fora por água abaixo.
Ela sacudiu a cabeça com tristeza. Há dez anos Ash não pronunciava os nomes de
Shannon e Dean. Mesmo quando outras pessoas mencionavam o nome da moça, não se via
um músculo mover-se no rosto dele. Era como um vulcão adormecido debaixo de uma
superfície de auto-controle e a idéia fez Stella estremecer. Pobre Shannon! Seria melhor se
ela e Dean ficassem fora do caminho de Ash. Dez anos era um longo tempo para armazenar
tanto ódio. Quem poderia ter imaginado que as coisas iriam acontecer daquela maneira?
CAPÍTULO II
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Lufadas de neve atingiam Shannon pelas costas, empurrando-a montanha abaixo,
congelando-a através da camisa grossa de flanela e da calça jeans como se as roupas não
existissem. Ela olhou para cima e viu o céu nublado entre os ramos dos pinheiros altos,
enquanto uma nova rajada de vento a fazia tremer de frio.
Precisava encontrar abrigo.
— Ash, onde você está? Por que não vem me buscar? — gritou, abraçando-se a uma
árvore enquanto uma nova onda de tremores lhe agitava o corpo. — Happy, eu não tive
intenção. Por favor, Happy, me perdoe. Dean. — Então o som do nome do marido a trouxe
de volta à realidade. Apertando os olhos com força, ela tentou recordar-se de alguma coisa,
de algo que sabia ser importante. Porém, um instinto natural de sobrevivência lhe
bloqueava qualquer pensamento coerente, com exceção de um: tinha de encontrar abrigo.
A neve caía com mais intensidade ainda, cobrindo o solo com um tapete branco.
Shannon lambeu os lábios, sedenta, e olhou em torno de si.
— Onde estou? — gritou, mas a única resposta foi o barulho do vento e da neve.
Recostou a testa na árvore, com uma desesperante sensação de medo. Depois levantou a
cabeça para o céu e gritou a plenos pulmões, como se quisesse invocar alguma divindade.
— Ash!
Afastando-se da árvore, continuou a descer a encosta da montanha. Mal havia dado
uns vinte passos escorregou sobre uma pedra molhada e foi ao chão de costas, perdendo o
ar com o súbito contato com a neve gelada.
Quando por fim recuperou a respiração, cobriu os olhos com o braço e começou a
chorar. Estava perdida e o tornozelo latejava de dor. Mas não adiantava ficar ali entregue
ao desespero. Era preciso fazer algo para sair daquela situação. Precisava encontrar abrigo.
Shannon arrastou-se até a pedra mais próxima e usou-a como apoio para levantar-se
devagar. Experimentou o pé machucado e gemeu de dor.
— Droga, droga, droga! — exclamou, quase em soluços. Era preciso continuar.
Juntando toda a energia, jogou o peso do corpo sobre a perna boa e foi em frente. O chão
rochoso e coberto de neve tornava difícil cada passo; não demorou muito para que ela
tropeçasse e caísse outra vez. Permaneceu no chão por um momento, com a respiração
ofegante, desejando apenas desistir de tudo e dormir, mas não podia fazer isso. Ash nunca
a perdoaria se ela se mostrasse covarde. Ergueu-se sobre os cotovelos e olhou ao redor,
repentinamente furiosa com tudo o que lhe havia acontecido, não somente nos últimos
dias, mas nos últimos dez anos. Arrastou-se até uma árvore próxima, agarrou o ramo mais
baixo, pôs-se de pé e recomeçou a andar.
As rajadas de neve quase a cegavam, retardando sua marcha. Enquanto caminhava
com dificuldade de uma árvore para outra, tremendo mais a cada passo, o único
pensamento claro em sua mente era sair do vento e do frio. Ainda tinha consciência
bastante para perceber que começava a sofrer de hipotermia. As ondas de tremor duravam
cada vez mais, deixando-a fraca e abatida.
Iria morrer sem ver Ash novamente, sem lhe dizer que nunca deixara de amá-lo. Se
ao menos pudesse voltar no tempo e recuperar aqueles dez anos perdidos, aqueles dez anos
solitários sem a presença dele!
— Ash, lembre-se de como cada dia era uma nova aventura para nós; das risadas que
nos uniam em tudo o que fazíamos juntos. Até os maus momentos eram bons, não eram,
Ash? Não eram?
Seus pensamentos tornaram-se confusos e ela começou a vagar sem destino,
perdendo o rumo que havia traçado anteriormente. Uma nova lufada de neve no rosto a
trouxe de volta à realidade, mas era tarde demais. Perdeu o equilíbrio, escorregou e caiu.
Então, antes que compreendesse o que estava acontecendo ou o perigo em que se
encontrava, começou a deslizar pela encosta rochosa da montanha, adquirindo maior
velocidade conforme o declive se acentuava. Tentou desesperadamente segurar em alguma
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coisa que detivesse sua queda vertiginosa. Sentia pedras e galhos raspando-lhe o corpo e se
angustiava com o medo de quebrar uma perna ou um braço ou de perder a consciência
batendo em algum obstáculo. Morreria congelada...
Aterrorizada, viu um enorme pinheiro bem na direção em que deslizava. Começou a
enfiar as mãos na neve na tentativa sôfrega de parar, mas não conseguiu desviar a rota.
Gritou de dor ao colidir com a árvore e então tudo se tornou escuro.
Momentos depois, Shannon recobrou a consciência, gemeu e abriu os olhos. Tentou
mover-se, mexendo cada membro, e respirou aliviada ao perceber que o único dano era o
tornozelo que havia torcido anteriormente. Uma fina camada de gelo cobria-lhe as roupas,
os cabelos estavam molhados de neve e emaranhados com gravetos. Então um novo
arrepio a agitou e ela começou a tremer tanto que mal conseguia respirar. Fazendo um
esforço para focalizar a visão embaçada, sacudiu a cabeça várias vezes e começou a chorar
quando avistou uma cabana de madeira a não mais que dez passos de distância. Talvez
fosse um sonho, um delírio, mas assim mesmo a esperança de salvar-se lhe deu forças para
se arrastar até a porta.
Conseguiu alcançar a maçaneta e entrou na cabana apoiada nos joelhos e nas mãos,
fechando a porta atrás de si.
— Ash — ela murmurou, com a voz embargada de emoção. Sentia no fundo do peito
que, de alguma maneira, ele a havia ajudado a chegar até aquele abrigo. Tentou firmar os
membros trêmulos para engatinhar até o buraco da lareira, mas após uns poucos passos a
cabeça começou a rodar, o corpo rendeu-se e ela desmaiou.
CAPÍTULO III
Ash entrou na cabana e ficou aliviado ao sentir que, por fim, o aposento havia se
aquecido. Deixou a mochila e o rifle no chão e foi ver como Shannon estava. Ela tremia sob
a pilha de cobertores e seus dentes rangiam ao murmurar palavras incompreensíveis. Era
evidente que os cobertores e o fogo não agiam com a rapidez necessária.
Ele a observou por alguns instantes e notou que Shannon delirava. Os movimentos
dela eram descoordenados e as mãos mexiam-se desajeitadas ao tentar puxar o cobertor
mais para cima. Era preciso fazer alguma coisa antes que ela entrasse em convulsão.
Ash acendeu o velho fogão a lenha e colocou conhaque junto com generosas colheres
de mel dentro de uma frigideira sobre o fogo. Quando a mistura esquentou, encheu meio
copo e levou para Shannon. Sentou-se na beirada do colchão e ficou um pouco confuso ao
notar que ela o fitava. Como pudera pensar que esqueceria aqueles olhos? Tinham uma cor
castanha peculiar, mas o que sempre o encantara mais era a maneira como escureciam até
quase se tornarem negros, quando faziam amor.
Sem dizer nada, ele colocou a cabeça de Shannon sobre o joelho e levou o copo aos
lábios dela.
Shannon fechou a boca e virou a cabeça ao sentir o cheiro forte da bebida.
— Shannon, beba.
— Não — ela gemeu.
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— Shannon, você precisa beber.
— Não posso.
— É para seu próprio bem — Ash insistiu, incomodado pela expressão distante com
que Shannon o fitava, como se não o visse bem. O que teria acontecido com ela?
— Não gosto... fico enjoada.
— Desculpe por não ter champanhe, mas agora não é o momento de ser exigente.
Beba! — Ash segurou-lhe o rosto, forçou-a a abrir a boca e despejou uma pequena
quantidade da mistura em seus lábios frios e trêmulos. — Vamos lá. Eu ouvi falar do tipo
de vida que você levava na Europa. Este pode ser um conhaque barato, mas talvez você
aprenda a gostar dele, do mesmo modo como parece ter aprendido a gostar de tantas
outras bebidas.
Shannon sentiu a boca em fogo, cuspiu imediatamente o líquido alcoólico, livrou a
cabeça das mãos de Ash e começou a tossir.
Aborrecido, ele desistiu de forçá-la e a observou em novo ataque de tremores. Então
levantou-se, tirou as botas e as roupas. Nu, enfiou-se sob os cobertores e, após um
momento de hesitação, puxou o corpo frio de Shannon para seus braços, tentando aquecê-
la. Enquanto ela se aconchegava junto ao peito dele, Ash insisti; em afirmar para si próprio
que tudo o que sentia era compaixão..
Era um verão quente e abafado; ela logo faria dezoito anos e se tornaria esposa de
Ash. Nunca em seus piores sonhos poderia ter previsto aquele dia que transformaria tudo
em pesadelo, alterando para sempre sua vida e as vidas das pessoas que amava...
— Não está zangado, não é, Dean? — Shannon indagou, um pouco intrigada com a
expressão séria do rapaz a seu lado.
— Estou magoado por você e Ash não terem me contado que estavam apaixonados.
— Aconteceu tão de repente, Dean. Nós só descobrimos alguns meses atrás. — Ela
virou-se de costas para que o amigo não percebesse a mentira. Seu olhar percorreu os
campos vizinhos e deteve-se em Ashland's Fire, o belo cavalo negro com o qual Ash tinha
grandes esperanças de vencer a corrida Triple Crown.
— Tem certeza, Shannon? Você ainda pode mudar de ideia e se casar comigo.
— Obrigada pela proposta, Dean, mas tenho certeza de meus sentimentos —
Shannon respondeu, sentindo-se mal com aquela conversa. Amava Ash há anos, mas ele
era muito fechado e não demonstrava emoções. Shannon mantivera seus sentimentos em
segredo, com medo de ser rejeitada. Mas um dia, quando ambos foram pegos de surpresa
por uma tempestade e procuravam abrigo na cabana, o amor reprimido explodira de
maneira inevitável.
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Dean encontrava-se na França visitando o pai, como fazia em todas as férias, e eles
decidiram não telefonar ao companheiro contando a boa nova. Shannon sabia que sempre
houvera uma competitividade velada entre os dois garotos, Quando se tornaram rapazes, a
competitividade transformara-se em rivalidade feroz e em geral era ela o pomo da
discórdia.Tudo o que Ash desejava, Dean também queria; e qualquer coisa que Ash tivesse,
Dean tentava tomar.
— Vocês iam me convidar para o casamento?
— Ah, Dean, não fale assim. Apenas Happy e o senador, pai de Ash, estarão aqui.
Paula e Jenny nem virão. Além disso, eu e Ash vamos passar a lua-de-mel na Europa e
íamos fazer uma surpresa a você. A viagem é o presente do senador.
— Você está grávida? — Dean indagou, fitando-a com amargura. — Mesmo que
esteja, eu ainda quero casar com você.
— Pare com isso, Dean! — Shannon exclamou, não suportando mais aquela conversa.
Talvez estivesse sendo injusta e ele realmente gostasse dela, mas Shannon no fundo
sempre soubera que Dean era um rapaz mimado e egoísta que só se interessava pelo que
não podia ter.
Ele virou-se para o pasto, fitando Ashland's Fire.
— O que este cavalo faz aqui? Pensei que estava sendo treinado pelo tio de Ash em
Kentucky. Há algo errado com a grande esperança dos Bartlet?
— Ele apenas distendeu um músculo e veio para cá recuperar-se. Agora já está
curado.
— Você o montou?
— Não.
— Tem medo?
— Claro que não! Não existe cavalo que eu não saiba cavalgar.
— Não sei, Shannon. Pelo que Ash contou, Ashland's Fire é muito veloz. Soube que
ele e o senador apostaram cada centavo que possuem nesse cavalo idiota. Tantas terras
produtivas e tão pouco dinheiro em caixa e eles resolvem jogar tudo fora, num cavalo!
— Parece que a França não ajudou nem um pouco a melhorar seu mau-humor — ela
comentou, puxando-lhe de leve o cabelo.
— Quer apostar uma última corrida antes que Ash a amarre? Você nunca mais será a
mesma Shannon. Nunca mais será livre. Vai virar uma chata de uma mulher casada.
— Nunca! — Shannon afirmou, com os olhos brilhando diante do desafio. Começou a
se afastar, mas Dean a chamou de volta.
— Você tem coragem de montar em Ashland's Fire e apostar uma corrida comigo?
— Não vou fazer isso, Dean.
— Medrosa! — ele a provocou.
— Não seja ridículo! Ash me disse para não montá-lo.
— E você sempre faz tudo que Ash diz? Parece que ele já conseguiu prender você e
nem se casaram ainda. Eu a desafio, Shannon — ele insistiu, sabendo que Shannon nunca
recusara um desafio. Daquela vez, porém, ela hesitava. — Você está com medo! — Dean
inclinou a cabeça para trás e começou a rir.
Shannon apertou os olhos, furiosa. Ele estava rindo dela!
Shannon despertou e, por um instante, ficou desorientada, com a sensação de estar
balançando para frente e para trás. Tinha o nariz frio e os olhos lacrimejavam. Então
percebeu que se encontrava sobre o cavalo, nos braços de Ash.
— Calma — ele advertiu, ajeitando-a sobre a sela.
Ela o observou, imaginando como os últimos dez anos teriam sido para ele. Durante
todo aquele tempo tentara esquecer o passado, mas parecia que o terrível pesadelo iria
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acompanhá-la pelo resto da vida.
Lembrava-se como se os anos não houvessem transcorrido: ela ia na dianteira,
exigindo toda a potência das longas pernas de Ashland's Fire. O vento agitava-lhe os
cabelos e arrancava lágrimas de seus olhos, mas prosseguiam a toda velocidade, ela e o
cavalo como um único corpo. Então, de repente, percebera um movimento e olhara para o
lado, vendo Dean quase a ultrapassá-la. Inclinara-se sobre o pescoço de Ashland's Fire e
murmurara um incentivo, esperando que ele voltasse a tomar a frente. Mas algo saíra
errado. Ela fora jogada para o ar e ouvira várias vozes gritando com desespero.
Pouco depois encontrava-se de pé ao lado de Ashland's Fire, que se debatia no chão.
Ela negava sua culpa aos gritos, o cavalo relinchava em agonia, Happy e Ash pediam um
revólver. Todas as pessoas da fazenda achavam-se lá: Paula e mesmo a pequena Jenny,
chorando ao presenciar a cena. E Dean, com uma expressão de pesar, mas um indisfarçável
brilho de satisfação nos olhos.
Ela nunca fora capaz de se lembrar muito bem do que acontecera depois de terem
sacrificado aquele belo animal. Começara então um pesadelo do qual não se livrara mais.
Porém, era tarde demais para tentar consertar o que havia feito.
Chegaram ao acampamento sob o sol do meio-dia. A camada superior da neve havia
derretido, deixando uma crosta de gelo que brilhava como um espelho. O cavalo andava
com dificuldade após o esforço de descer a montanha com a carga de duas pessoas.
O delegado foi o primeiro a avistá-los. Correu para encontrá-los e chamou os outros
homens, enquanto segurava a rédea do cavalo.
— Já estávamos ficando preocupados.
— Ajude-a a descer, Jeff — Ash pediu. — Minhas pernas não vão aguentar o peso.
Jeff tomou Shannon nos braços e os outros empregados auxiliaram Ash, que mal
conseguia andar depois das longas horas sobre a montaria.
— Você está bem? — Jeff indagou, ao ver o estado do amigo.
— Vou sobreviver. — Ele massageou as pernas amortecidas que, aos poucos, foram
recuperando a sensibilidade. Então olhou para os empregados com um sorriso cansado. —
Será que poderiam me arrumar um café quente?
Os homens se afastaram e Ash seguiu Jeff para dentro da barraca para vê-lo colocar
Shannon sobre uma cama e substituir os cobertores frios por outros mais aquecidos.
— Tudo bem, Shannon? — Jeff perguntou, afastando-lhe o gorro da cabeça.
— Oi, Jeff — ela murmurou, procurando Ash com o olhar entre os homens que se
aglomeravam na entrada da tenda. O delegado fez com que o grupo se dispersasse,
atribuindo tarefas aos empregados. Logo em seguida, Bob Young entrou com uma xícara
de café fumegante e Ash aproximou-se atrás dele, tomando a seu encargo a tarefa de
reanimar Shannon com a bebida quente.
— Você consegue segurar? — ele indagou, agachando-se ao lado da cama. — Beba
devagar, gole por gole. — Depois de certificar-se de que ela estava bem, Ash levantou-se e
fez um sinal para que Jeff o seguisse para fora da barraca. — Conseguiu entrar em contato
com a fazenda? — quis saber, quando se viu sozinho com o amigo.
— Conseguimos usar o rádio assim que a tempestade passou. Hoyt saiu de lá com o
caminhão por volta das nove horas da manhã. Não deve demorar para chegar aqui. O que
aconteceu no alto da montanha, Ash? Onde está Dean?
— Você não vai acreditar, mas ela não sabe.
— O quê?
— Ela não se lembra. Jeff, se ele a abandonou sozinha lá em cima, sou capaz de matá-
lo.
— Calma, Ash. Por que ele faria isso?
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— Aquele covarde faria qualquer coisa para salvar a própria pele.
— Bem, vou ter de insistir com ela, Ash. Nós precisamos saber o que houve.
— Agora não. Ela ainda não está bem.
— Mas e se houver uma chance de ele ainda estar lá em cima... vivo?
— Se ele estiver lá em cima não vai estar vivo. Shannon sabe o que deve ser feito para
sobreviver e poderia cuidar dele. Sem ela, Dean não teria nenhuma chance. — Ash baixou a
cabeça e passou a mão pelos cabelos. — Aconteceu alguma coisa.
— Como assim?
— Você falou com o capataz de Dean? Sabe se ele apareceu por lá?
— Ainda não entrei em contato com Rocking W.
— Então faça isso agora.
Jeff retornou à barraca, chamou Bob e pediu a ele que contatasse a fazenda de Dean
pelo rádio. Depois voltou a falar com Ash.
— Agora me conte o que há de errado. Ela está ferida?
— Parece que torceu o tornozelo, mas acho que não há nenhuma fratura. Tem cortes
e hematomas pelo corpo. Conseguiu chegar até a cabana e eu a encontrei lá dentro,
inconsciente e quase congelada. Foi um milagre ela encontrar aquele lugar.
— Shannon sempre foi muito corajosa e determinada.
— Jeff, há mais uma coisa — Ash prosseguiu. — O pescoço dela está coberto de
hematomas. Acho que aquele canalha tentou estrangulá-la.
— O que é isso, Ash? Tem certeza?
— Vá dar uma olhada você mesmo. Talvez possa julgar esse tipo de coisa melhor que
eu.
O delegado fitou Ash em silêncio por um longo momento e, então, voltou a entrar na
barraca e agachou-se ao lado da cama de Shannon.
— Como vai indo?
— É bom tornar a vê-lo, Jeff — ela murmurou.
— Eu também estou contente por ver você. Sente-se melhor?
— Sim. Quer dizer, não muito. Estou dolorida.
— Eu sei. O caminhão está vindo e o dr. Henry estará à sua espera quando você
chegar à fazenda de Ash. Shannon, posso ver seu pescoço?
— Por quê? — ela indagou, sentindo-se subitamente amedrontada sem saber a razão.
— Onde está Ash? Eu preciso falar com ele — pediu, com a voz trêmula e fraca.
— Ash virá daqui a pouco. Agora deixe-me olhar o seu pescoço — Jeff insistiu.
Embora ainda intrigada com o pedido, Shannon baixou os cobertores. O delegado franziu a
testa ao examinar os hematomas; não havia dúvidas de que tinham sido produzidos por
mãos humanas. — Como isto aconteceu, Shannon?
— O quê? — Confusa, ela baixou o queixo como se quisesse ver do que Jeff estava
falando.
— Estes hematomas — ele explicou, vendo que Shannon levava a mão ao local
indicado e fazia uma expressão de dor. — Foi Dean quem fez isso? Conte-me o que
aconteceu, Shannon.
— Eu não sei, Jeff. Não me lembro de nada! — ela respondeu, com um olhar
aterrorizado. — O que está havendo comigo?
— Acalme-se. Você e Dean estavam caçando cabras monteses. Saíram de Rocking W
seis dias atrás. Foram atacados por algum puma? Uma das mulas retornou cheia de
mordidas.
— Eu... eu não sei.
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— Jeff, deixe-a descansar e venha aqui fora — Ash pediu, surgindo à entrada da
barraca. O delegado afagou os cabelos de Shannon, sorriu e retirou-se. Ash pegou-o pelo
braço e o fez afastar-se um pouco da tenda para que ela não pudesse ouvi-los. — Dean
ainda não apareceu.
— Ash, aqueles hematomas são profundos — Jeff comentou, ainda espantado com o
que vira. — O que aconteceu lá em cima na montanha não foi apenas uma briga de casal.
— Não, não foi.
— Ela está aterrorizada! Se Dean não aparecer, teremos que iniciar uma investigação.
— Sim.
— Ela poderia simplificar as coisas se nos contasse o que houve.
— Mas ela não pode.
— Ou não quer.
— Jeff, ele tentou matá-la, não é?
— É, parece que sim.
CAPÍTULO IV
CAPÍTULO V
CAPÍTULO VI
CAPÍTULO VII
Jeff colocou o chapéu na cabeça e olhou para o céu azul antes de abrir a porta do
carro. O dia prometia ser quente e isso facilitaria muito a viagem até a montanha.
— Delegado! Jeff!
O simples timbre daquela voz o deixou tenso. Ele virou-se e fez um esforço para não
demonstrar o desagrado.
— Bom dia, sra. Bartlet.
— Como vai? — Paula cumprimentou, colocando os óculos escuros para proteger os
olhos do sol.
— Bem, obrigado.
— É verdade que o promotor quer acusar Shannon de assassinato?
— Talvez. — Ele apertou os lábios, maldizendo a maneira como as histórias se
espalhavam em cidades pequenas. Mas daquela vez era fácil adivinhar a origem da fofoca:
o próprio Hamilton Watts.
— Sucinto como sempre.
— Não há nada para falar. Qualquer especulação poderia ser perigosa neste ponto.
— Jeff, é o meu lar. Ash faz parte de minha família e eu estou preocupada.
— Compreendo — Jeff respondeu, desconfiado daquela atitude. Paula nunca se
preocupara com ninguém, a menos que algo afetasse diretamente a ela ou a Jenny.
— Sou super-protetora com as pessoas que amo — ela prosseguiu, enfiando as mãos
nos bolsos da calça com um movimento nervoso. — Só quero saber uma coisa: o promotor
pode lançar uma acusação contra Shannon? Há evidências suficientes?
— Não há nenhuma evidência enquanto não encontrarmos o corpo de Dean.
O rosto de Paula empalideceu de vez. Ela vacilou e Jeff a segurou pelo braço para
equilibrá-la.
— Então você acha que ele está morto?
— Talvez.
— Vai subir a montanha?
— Vou. — Ele virou-se para o carro, mas Paula o deteve.
Jeff esperou, observando-a com ar intrigado. Paula parecia extremamente
perturbada e ele gostaria de saber por quê.
— Você não gosta muito de mim, não é, Jeff?
— Não, mas me parece que o sentimento é mútuo.
— Porque eu interferi no relacionamento entre você e Jenny?
— Em parte. Mas principalmente pela maneira como você atira Jenny para qualquer
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homem que tenha condições financeiras para sustentá-las em alto estilo. Você a exibe
como um troféu, nunca levando em consideração o que ela quer ou sente. Você dirige a
vida dela e transformou uma menina linda e alegre em uma mulher insegura, vacilante e
vulnerável. Quando ela disse que não queria ir para a Europa em mais uma de suas caças
de maridos, você descobriu que nós dois estávamos nos encontrando e decidiu nos ferir.
Tudo saiu como você queria, não foi? Quando sua amiga Helen Pressman lhe disse que me
havia visto saindo da casa de Sally Roland às duas horas da manhã, você correu a contar
para Jenny e a convenceu de que eu e a repórter estávamos tendo um caso. Mesmo depois
que soube da verdade, que eu havia ido lá porque o irmão dela tinha morrido em um
acidente de carro em Nova York e ninguém conseguia contatá-la, você continuou
mentindo. Torceu os fatos para servir aos seus propósitos. Mas o pior de tudo é o jeito
como você acaba com a autoconfiança de sua filha quando lhe diz que ela não é mulher
suficiente para segurar um homem como eu. — Jeff sentia vontade de estrangular aquela
mulher, mas respirou fundo e procurou acalmar-se.
— Pelo menos você é honesto — ela murmurou, com um leve sorriso nos lábios. —
Jeff, eu... eu sinto muito pelos problemas que causei.
Por um instante, Jeff apenas a fitou de boca aberta, sem conseguir falar.
— O que você está maquinando, Paula?
— Você tem o direito de desconfiar. Vai tomar conta dela, não é? Jenny o ama. Ela é
apenas muito jovem e às vezes fica confusa. Não seja muito duro ao julgá-la. Eu fui
responsável por tudo em que ela se transformou. Como você mesmo disse, eu pressionei,
menti, ameacei. Jenny precisa de você e, no futuro, vai precisar ainda mais.
Jeff a observou indo embora, sentindo-se como se tivesse levado um soco no
estômago. O que estaria havendo? Estava muito espantado para conseguir decifrar qual
seria a tática maquiavélica que aquela mulher começara a usar.
Em vez de partir diretamente para as montanhas, resolveu procurar Jenny.
Encontrou-a na cocheira, escovando os pelos de um cavalo recém-chegado. Ela o viu antes
que Jeff tivesse tempo de chamá-la.
— Se você veio me dizer como sou desmiolada, nem comece. Não me lembro de
mamãe ter me dito que já havia dado o remédio a Shannon. Foi tudo um acidente. — Ela
voltou ao trabalho, recusando-se a olhar para Jeff. Ainda se sentia magoada pelo que sua
mãe fizera naquela manhã.
— Não vim aqui para brigar com você, Jenny. Vim porque estou cansado de esperar.
Desde que voltou da Europa você tem me evitado. Por quê? Paula conseguiu finalmente lhe
encontrar um marido rico?
Jenny o fitou e arrependeu-se em seguida. Havia tanta tristeza e confusão nos doces
olhos castanhos de Jeff que ela tinha vontade de gritar que a culpa não era sua, que nunca
deixaria de amá-lo.
— Lembra-se de todo o tempo que andei atrás de você, todos aqueles meses, e você
me dizia que não era suficientemente bom para mim?
— Sim — ele respondeu, de cabeça baixa.
— Bem, estava enganado. Eu é que não sou boa o bastante para você.
— Que bobagem você está dizendo, querida?
— Não é bobagem. Acho melhor não voltarmos e nos ver.
— Por quê?
— Não importa. Acabou, Jeff.
— Eu não vou aceitar isso.
— Vai ter de aceitar, porque eu já decidi e você sabe como eu posso ser teimosa.
Ele deu um passo em direção a Jenny, mas parou ao vê-la se proteger atrás do cavalo.
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— Tudo isto começou depois que você retornou da viagem. O que aconteceu na
Europa?
— Nada. Agora, por favor, vá embora. Eu tenho muito que fazer.
— Jenny, após dois anos amando você, acha que tenho simplesmente de ir embora
como se nada houvesse acontecido?
— Saia, por favor.
Pela primeira vez Jeff percebeu o quanto ela estava perturbada. Tinha olheiras
profundas, movimentos agitados e havia perdido peso. Existia uma determinação estranha
em sua voz, como se aquela decisão tivesse sido muito bem pensada. Era evidente que não
havia o que discutir.
Jenny viu Jeff virar-lhe as costas e ir embora sem dizer mais nada. Escorregou junto
à parede, apoiou-se nos joelhos e começou a chorar, repetindo consigo mesma que aquela
havia sido a melhor atitude a ser tomada, pelo bem do próprio Jeff. Ele a odiaria se
descobrisse o que ela tinha feito.
Seus ombros balançavam a cada soluço e o sofrimento parecia cortar-lhe o corpo ao
meio. Procurou alguém para culpar além de si própria e percebeu que não teria de ir muito
longe. Shannon. De alguma forma ela iria pagar por tudo o que havia causado à família
Bartlet.
CAPÍTULO VIII
CAPÍTULO IX
CAPÍTULO X
Shannon subiu as escadas tão arrasada que nem conseguia chorar. Entrou no quarto,
arrancou as roupas com impaciência e vestiu um roupão. Depois colocou uma cadeira em
frente à janela aberta e sentou-se, deixando a brisa leve agitar-lhe os cabelos.
Havia se esquecido de como eram belas as noites em Montana. A lua em quarto
crescente parecia suspensa em um fundo de veludo negro, como uma jóia rodeada por
centenas de diamantes. No entanto, nem o magnífico céu estrelado poderia lhe dar paz
naquela noite. Não depois do que Ash lhe revelara.
O ar frio fez Shannon estremecer e ela fechou melhor o roupão. Aquilo tudo era
muito irônico. Durante todos aqueles anos terríveis, pensara em Ash como sua única
salvação. Ele fora sua esperança, o fio de vida que a fazia prosseguir ao longo de cada dia e
de cada noite. E, de repente, ele se tornava a força destrutiva que terminava por esmagá-la.
As lágrimas não vinham a seus olhos e ela apenas fitava o infinito, sem qualquer
emoção. Estava morta por dentro.
A porta abriu-se atrás de Shannon, mas ela não se virou.
— Ash, é hora de eu ir embora daqui. Amanhã irei ver meu avô e, se ele não me
quiser lá, procurarei um hotel até decidir o que fazer de minha vida.
— Shannon... — Ele hesitou e desistiu do que ia dizer. — Eu a levarei até a casa de
Happy depois de resolver alguns assuntos na cidade.
— Obrigada. — Ela sentiu a hesitação de Ash e fechou os olhos, rezando para que ele
não fosse embora.
— Você me perguntou se o seu pecado era tão grande. Será que o meu é?
— Desculpe por ter batido em você.
— Você tinha todo o direito. Eu mereci. — Por um momento, o único ruído que se
ouviu no quarto foi o vento agitando as cortinas. — Você pode me perdoar, Shannon?
— Não sei. Honestamente, não sei. Ash, como pôde acreditar nessa história sobre
mim depois de me ter com todo o meu amor? Como eu poderia até pensar em deixar que
Dean me tocasse? Preciso compreender os seus motivos, Ash.
— Eu sei. — Ele colocou outra cadeira junto à janela e sentou-se em frente a
Shannon, com os cotovelos apoiados nos joelhos. O luar lhe iluminava os cabelos loiros. —
Vou tentar explicar da melhor maneira que puder. Acho que foi insegurança, Shannon. Ou
talvez eu estivesse apavorado e aquilo tivesse sido uma saída.
— Você não me amava?
— Claro que sim, não duvide disso. Porém, como você já lembrou várias vezes, nós
éramos muito jovens. A fazenda estava em dificuldade, havíamos perdido uma centena de
cabeças de gado por causa de doenças e do inverno rigoroso demais. Todas as nossas
esperanças foram colocadas no prêmio em dinheiro que Ashland's Fire poderia ganhar na
corrida. Papai havia sofrido seu primeiro ataque cardíaco, as contas a pagar se empilhavam
e, de repente, eu ia me tornar um homem casado. Isso tudo me causava pesadelos. E se
você ficasse grávida? E se eu perdesse as terras?
— Não sabia que você se encontrava sob tantas pressões, Ash. Eu achava que nós
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nunca havíamos tido segredos entre nós, mas parece que me enganei. Por que não me
contou? Poderíamos ter adiado o casamento.
— Sempre aquele orgulho estúpido — ele respondeu com amargura, desviando o
olhar.
— Nós formamos um par e tanto, hein? — Shannon comentou, sorrindo tristemente.
Queria muito perguntar a ele se ainda a amava, mas não teve coragem. Seria melhor
esperar mais um pouco do que ouvir uma resposta não desejada.
Ash segurou as mãos frias de Shannon entre as suas.
— Durante estes anos, deixei o ciúme corroer meu bom senso. Era difícil aceitar a
ideia de que você e Dean estavam juntos.
— Não é como você imagina. No começo eu me sentia culpada pelo que Dean se
tornara, mas acabei percebendo que não havia nada que eu pudesse fazer para ajudá-lo.
Dean era o homem mais autodestrutivo que já conheci. — Na semi-escuridão do quarto,
não podia ver bem a expressão de Ash, mas percebia que ele estava confuso. Respirou
fundo e tentou ser mais clara. — Vou lhe contar uma história que não tem nada a ver
comigo, embora seja sobre Dean e eu. A personagem não é a Shannon que você conheceu,
pois morreu em um avião com destino à França, dez anos atrás, e só retornou à vida no
momento em que viu você. Acho que não vai gostar muito dessa moça; eu também não
gosto. Mas acredito que você irá entender os motivos que a levaram a tomar certas
atitudes. — Shannon fez uma pausa tão longa que Ash pensou que ela havia mudado de
ideia e não ia mais contar nada. Estava para perguntar-lhe por que havia parado quando
ela recomeçou a falar. — Quando eu caí em mim e percebi que estava sozinha, sem ter onde
ir, sem uma família para a qual recorrer exceto Dean e sua avó, fiquei arrasada. Dean não
me perturbou e Lilith tomou conta de mim. Quando Dean começou a me pressionar para
casar-me com ele, eu não quis nem discutir o assunto. Então ele recorreu à ajuda da avó e
eu comecei a me sentir culpada por estar sendo ingrata com pessoas que só queriam o meu
bem. Pelo menos, era isso que eles viviam me repetindo dia e noite, semana após semana.
Por fim, eu cedi.
— Mas e eu?
— Ash, pense em minha situação. Eu escrevia cartas e mais cartas e não recebia
nenhuma resposta; você nunca foi me procurar. Eu me senti abandonada, fiquei certa de
que você não me queria mais. Mesmo assim, nunca enganei ninguém. Eles sempre
souberam que eu não amava Dean. Lilith dizia que isso não era importante, que muitos dos
casamentos em sua família haviam começado com base apenas em amizade. Eu sempre
deixei bem claro para Dean que nunca o amaria, que sempre pensaria em você e que meus
sentimentos não iriam mudar. Ele aceitou, dizendo que só queria tomar conta de mim. —
Shannon deu uma risada tão sarcástica que Ash se surpreendeu. — Como fui tola em
acreditar nele. Achava que íamos ter um meio casamento de conveniência, sem privilégios
conjugais. Estes foram os meus termos. Mais uma vez, ele aceitou sem discutir.
— Mas não manteve esta parte do acordo? — Ash quis saber, tenso de ciúme.
— Por um tempo, sim. Ele ficou longe de mim, o que não quer dizer que fosse um
celibatário. Houve muitas mulheres durante os primeiros meses, mas isso não me
incomodava. Afinal, ele estava cumprindo o trato. Lilith me tomou sob sua proteção,
comprou roupas para mim, me ensinou como me vestir e como me comportar na sociedade
francesa. Insistiu para que eu fizesse um curso de francês, para que aprendesse a
diferenciar antiguidades de falsificações e a apreciar a fina cozinha francesa. Por algum
tempo, cercada de atenções, eu me senti feliz. Então, Dean começou a me pressionar para
que consumássemos o casamento. Ele me queria e, justamente quando eu começava a
aceitar minha nova vida, as coisas mudaram. Ash, você não imagina como ele me fazia me
sentir culpada, jogando-me na cara que eles eram a única família que eu possuía, as
pessoas que me amavam. Você sabe como Dean é quando deseja alguma coisa; não hesita
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em usar qualquer meio, por mais desonesto que seja. — Ela parou e baixou os olhos, sem
saber como continuar. Era-lhe terrível lembrar aqueles incidentes, quanto mais falar sobre
isso.
Ash apertou-lhe as mãos, como se quisesse dar-lhe forças para ir em frente.
— Continue.
— Bem, por fim eu cedi. Aquela noite foi um desastre total. — Shannon não tinha
palavras para descrever a sensação de repugnância que lhe causavam a boca e as mãos de
Dean sobre seu corpo. Ele percebia essa reação, mas parecia tirar um prazer sádico da
resistência dela. Dean a possuíra à força, apesar de todas as súplicas.
Ash ouvia em silêncio, com os olhos fixos no rosto dela. Sabia como Dean se
comportava com suas conquistas e tinha certeza de que sua atitude agressiva não havia
mudado apenas porque a mulher era Shannon.
— Na manhã seguinte — Shannon prosseguiu — eu tentei me manter ocupada para
esquecer o que havia acontecido. Limpei a casa toda, mas era inútil. Tinha vontade de me
atirar de uma ponte. Foi aí que encontrei as cartas, todas elas, em uma velha caixa de
sapatos escondida atrás do armário de roupas de Dean. Alguma coisa explodiu dentro de
mim naquele instante, Ash. A apatia que sentira até então se transformou em ódio. Eu
disse a ele, com toda seriedade, que se ele voltasse a me tocar eu o mataria.
— Você deveria ter voltado para casa — Ash declarou, estremecendo com a última
afirmação dela.
— Para casa? Para um ex-noivo que já não me queria? Para um avô que me
desprezava? O fato é que fomos arrastando nosso casamento por um ano, até que eu não
pude aguentar mais. Dean começou a flertar mulheres abertamente, talvez pensando que
iria me causar ciúmes. — Ela apoiou a cabeça no encosto da cadeira e fechou os olhos,
sabendo que a próxima parte seria a mais difícil. — Uma noite, Dean chegou em casa cedo,
com uma expressão estranhamente satisfeita. Durante todo o jantar ele me provocou,
lembrando-me o quanto os Wayne haviam feito por mim e o quanto eu devia e eles. Eu não
podia suportar ver Dean tão contente enquanto me sentia péssima. Então eu lhe falei que
ia dar entrada a um processo de divórcio. Sabe o que ele fez? Riu de mim! Uma risada
maldosa, única. Só mais tarde ele me contou o motivo daquele comportamento: você havia
se casado. Era revoltante a maneira como ele comemorava sua vingança. Naquela noite,
pela primeira vez na vida, eu fiquei realmente com medo dele. Dean parecia descontrolado.
— O que mais aconteceu? — Ash indagou, vendo-a tensa.
— Eu ri por último, Ash. Ele tentou me violentar, mas não conseguiu fazer nada.
Tornou-se impotente diante de mim e me acusou de ser a culpada. Imagine como ele se
sentiu: podia desempenhar suas funções de homem com as outras mulheres, mas não com
a esposa. Sei que colaborei para isso acontecer e foi a minha vingança. Nunca deixei que
ele esquecesse que eu era sua, Ash. Sempre deixei bem claro que ele não podia competir
com você. Isso o irritava profundamente. Sabe que Dean sempre teve inveja de você, não é,
Ash?
— É, eu sei.
— Mesmo assim, ele não me deixava ir embora. Não podia me possuir, mas você
também não. Mas mesmo que eu tivesse me divorciado, para onde iria? Aí, eu e Lilith
fizemos nosso trato. Eu estava a salvo de Dean e queria fazer alguma coisa para me tornar
independente.
— Ele tentou tocá-la depois disso?
— Sim, mas continuava impotente diante de mim e eu fazia questão de lembrá-lo
disso. Bem, eu avisei que não era uma história bonita e que eu não me orgulhava do que fiz
— ela acrescentou, vendo a expressão espantada de Ash. — Dean foi ficando cada vez pior.
Bebidas, drogas, mulheres... homens. Levava abertamente suas atividades, mas eu não me
importava e isso o irritava a tal ponto que ele fazia coisas cada vez mais degradantes.
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Formou-se um círculo vicioso, mas ele parecia até gostar. Lilith sofreu muito quando
percebeu como Dean era na realidade. Tinha receio por mim, vivia me alertando que Dean
andava muito quieto, que ele devia estar planejando algo terrível. Quando ela soube que
Dean estava me forçando a vir com ele para Montana, aconselhou-me a aceitar a viagem e,
então, deixá-lo e conseguir o divórcio. Ela garantiu que daria um jeito de Dean não voltar a
me perturbar.
— E essa Lilith estava certa? Dean planejava mesmo alguma coisa? Ele tentou
machucá-la na montanha, Shannon?
Um estranho frio apossou-se do corpo de Shannon, fazendo-a tremer dos pés à
cabeça.
— Eu não sei, Ash. Eu... — Ela parou, incerta. Não sabia se devia falar sobre o que
vira.
— Você se lembra, não é?
— Só de fragmentos que não fazem sentido. — Não podia contar sobre o medo
irracional que as recordações causavam, não antes de ter certeza de seu significado.
Ash levantou-se e Shannon estremeceu, receando que ele fosse deixá-la. Em vez
disso, porém, ele a ergueu, sentou-se na cadeira e puxou-a para o colo.
— Preciso abraçá-la um pouco.
Shannon aconchegou-se junto ao peito dele, desfrutando a deliciosa sensação de
calor e proteção que há tanto tempo não experimentava. Quando o fitou, seus olhos
estavam cheios de amor. Gostaria que pudéssemos esquecer o passado, fazer de conta que
nada aconteceu, Ash.
— Isso não resolveria o problema. — E se Dean estivesse morto, ele pensou, os
problemas mal teriam começado.
Shannon observou o rosto de Ash, tentando colher alguma esperança em sua
expressão, mas, como sempre, ele mantinha os sentimentos bem guardados. Houvera
tempos em que, de tão íntimos, ela conseguia até ler os pensamentos dele. Agora, sentia-se
perdida e confusa.
— Há alguma esperança para nós, Ash?
Ele tocou-lhe os cabelos, deixando os dedos deslizarem pelos fios sedosos.
— Tudo vai dar certo.
Não era bem a resposta que ela queria ouvir, mas era melhor do que o silêncio
anterior. Shannon relaxou e fechou os olhos, aos poucos rendendo-se ao cansaço.
— E quanto a perdoar, Ash? — ela murmurou, sonolenta.
— Nós dois temos de pensar muito nisso, não é?
Ele a segurou nos braços, ouvindo a respiração lenta e regular. Percebeu que
Shannon havia adormecido. Se ao menos não houvesse se debatido em orgulho e auto-
piedade e tivesse ido atrás dela dez anos atrás, nada daquilo teria acontecido. A vida de
Shannon não teria sido tal inferno. Ash olhou para o céu estrelado além da janela e deixou-
se invadir pela calma beleza da noite. Sempre amara aquela mulher, mesmo nos momentos
em que mais a odiava.
Surpreendera-se ao saber que, mesmo depois de tudo o que lhe acontecera, ela nunca
deixara de amá-lo. Se permanecia reticente com Shannon, era apenas por causa dos
acontecimentos dos últimos dias. Precisava primeiro saber sobre Dean. Tinha de manter-
se forte e não ceder às emoções enquanto esperava que Jeff trouxesse notícias. Depois,
saberia o que fazer.
O sol da manhã surgiu no horizonte, afastando a escuridão com seus delicados dedos
de luz. Shannon moveu-se em meio ao sono, atormentada com o som do vento, um gemido
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constante, um lamento que jamais lhe deixava os ouvidos. A rosa... Uma rosa vermelha de
sangue...
Ela gemeu, batendo a cabeça no ombro de Ash, como para impedir a interferência do
pesadelo em seus belos sonhos. "Vou matar você", murmurou.
Totalmente acordado, alerta ao que ela acabara de dizer, Ash enrijeceu o corpo e
esperou pela continuação.
"Vou matar você antes de deixar Ash possuí-la..."
Ela começou a lutar contra os braços que a seguravam, agitada e sem fôlego.
— Calma — Ash sussurrou, apoiando-a com mais firmeza. — Acorde, Shannon. Você
está apenas sonhando.
Ela abriu os olhos cheios de terror.
— Apenas um sonho?
— Sim. — Ash a observou com atenção. As palavras de pânico que ela murmurava
ainda ressoavam em seus ouvidos. — Foi um sonho ruim?
— É, foi — ela admitiu, desviando o olhar.
— Lembra-se de alguma coisa?
— Não — ela respondeu, perdendo o pouco de cor que lhe restava nas faces. Seria
possível que Ash suspeitasse de algo?
Ash sabia que ela não estava sendo totalmente sincera e foi-lhe um grande
desapontamento perceber que Shannon ainda não confiava nele o suficiente para se abrir.
Mas quem poderia culpá-la depois de tomar conhecimento da vida que fora obrigada a
levar?
Ela endireitou o corpo e se espreguiçou.
— Não quer dormir mais? — Ash indagou.
— Não — ela respondeu, sorrindo. — Aposto que você está com câimbras de tanto me
segurar. Por que não me acordou?
Ela ficou em pé, parecendo nervosa, como se tivesse receio que Ash insistisse no
assunto do pesadelo.
— Eu gostei de segurá-la.
Shannon o encarou por um instante e tornou a sorrir. Aquela fora a primeira frase
encorajadora que Ash lhe dissera.
— Eu também gostei.
Ash levantou-se devagar, sacudindo o pé adormecido e rindo por não conseguir
mover direito os dedos da mão esquerda.
Shannon tinha vontade de abraçá-lo e rir junto com ele. Há muito tempo não se
sentia tão bem. Porém, Ash já caminhava para a porta de conexão com seu quarto e não
tardou a destruir-lhe a felicidade.
— Vou sair um pouco pela manhã, mas ao meio-dia estarei aqui para levá-la à casa de
seu avô.
Shannon mancou até a cama e sentou-se, enquanto tentava imaginar por que ele iria
querer livrar-se dela logo após terem começado a se entender novamente. Ou talvez ela
apenas estivesse vendo coisas que não existiam no que acontecera entre ambos, levada
pelo enorme desejo de que ele a amasse outra vez...
CAPÍTULO XI
As paisagens de sua infância estavam gravadas tão fortemente no coração que era
doloroso fitá-las pela janela do carro. Shannon apertou o volante, enquanto lágrimas lhe
escorriam dos olhos.
A Double R, fazenda dos Reed, era uma propriedade muito pequena em comparação
às vizinhas Barra B e Rocking W. Seus moradores sempre haviam sido pacíficos e Shannon
acreditava ser a única Reed da história a romper a tradição da família: uma Reed criadora
de problemas. Desde pequena a chamavam de "ventania", mas ela não se importava, pelo
menos na ocasião.
Abafando o ruído suave do motor, ouviu o rio que atravessava o vale. As águas
geladas nasciam nas montanhas com picos nevados e desciam as encostas escarpadas para
vir correr em um roda serpenteante até o grande lago localizado atrás da propriedade dos
Reed. Desembocava em uma graciosa cachoeira que refletia belos arco-íris sob os raios do
sol.
Da estrada, Shannon podia avistar o lago rodeado de cerejeiras. Como desejava vê-
las floridas, com as pétalas agitando-se na brisa leve...
Shannon fez mais uma curva e o coração se acelerou de agitação e medo. Estava em
casa. E se o avô não a quisesse ver? E se de não a perdoasse?
Estacionou diante do sobrado de madeira avermelhada e recostou-se no banco. A
casa havia sido construída mais ou menos na mesma época que a de Ash, mas mantinha
uma inigualável harmonia com a natureza, assentando-se com perfeição entre os pinheiros
gigantescos que enchiam o ar com seu aroma.
Antes que perdesse a coragem, abriu a porta, pegou a bengala e saiu do carro.
Caminhou decidida até a casa, encarando o dia particularmente bonito como um bom
presságio. Bateu à porta e esperou. Como ninguém vinha atendê-la, virou a maçaneta de
bronze, entrou na sala e ficou imóvel, apenas olhando em torno de si.
Era como se nunca tivesse partido. Como entrar em um sonho ou, então, voltar no
tempo.
Sentiu-se desorientada e incrivelmente jovem. Os últimos dez anos pareciam ter sido
apenas um pesadelo que nunca se tornaria realidade. Acordaria em uma manhã ensolarada
e encontraria Ash tomando café com Happy na cozinha e rindo dela por estar tão
descabelada. Beijaria o rosto do avô à noite e sonharia com sua vida junto de Ash. Era
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criança outra vez, alegre e livre.
Gritando o nome do avô, percorreu a casa com a rapidez que seu tornozelo permitia,
procurando por ele e observando os cômodos tão familiares. Subiu as escadas e viu-se
diante de seu velho quarto. Segurou a maçaneta cheia de excitamento, mas deteve-se
quando um pensamento lhe passou pela cabeça. E se o quarto estivesse vazio? Com o
coração em expectativa, abriu a porta devagar.
Lágrimas começaram a correr pelo rosto, seguidas por um soluço doloroso e
profundo. Nada havia mudado. Até mesmo a fotografia emoldurada de seus pais, que ela
não chegara a conhecer, permanecia em pé entre os frascos de perfume e bugigangas em
sua penteadeira de três espelhos. Tudo estava como ela deixara; como se pudesse ir
caminhando e reconstruindo pedaço a pedaço a sua vida.
Enxugando as lágrimas com a mão trêmula, Shannon aproximou-se da janela. Tocou
a descorada cortina amarela e branca quase com reverência e então afastou-a para que
pudesse olhar o pátio. O grande carvalho ao lado da janela havia resistido aos anos e
permanecia forte e convidativo, estendendo seus galhos estrategicamente colocados como
uma escada ligando o chão a seu quarto. Quantas vezes tinha descido por ali para
encontrar-se com Ash e Dean! Quantas vezes Ash havia subido apenas para sentar-se no
galho ao lado da janela e conversar durante horas quando ela estava presa em casa com
alguma doença infantil! Quantas vezes ele havia estado naquele mesmo lugar, fitando as
duas cachoeiras de tijolos vermelhos, o gramado sempre verde e as águas azuis do lago!
À esquerda, além da floresta ao pé das montanhas, havia um lugar encantado. Os
ramos entrelaçados e a folhagem espessa dos cedros formavam uma espécie de gruta,
filtrando a luz do sol e tingindo tudo de um verde sombrio. No entanto, era um local
tranquilo e bonito, de onde se ouvia o som das águas correndo em um riacho próximo.
Era um lugar de sonho, onde vivera todas suas fantasias infantis, onde fora a
princesa esperando que um cavaleiro viesse salvá-la de dragões e bruxas. Mais tarde,
aquele se tornara seu esconderijo, onde podia deitar-se entre os musgos macios e passar
horas fazendo projetos, com Ash a seu lado.
Sentia-se viva pela primeira vez em dez anos e não era apenas pelo fato de estar em
casa. Era o céu claro, tão próximo do paraíso, as montanhas e a terra... O solo de Montana
fazia parte dela, as águas do lago fluíam em seu sangue e o perfume das árvores era como o
próprio ar que respirava. Aquele era o seu lugar e era ali que pretendia ficar.
— Eu sabia que um dia você voltaria para casa.
Shannon virou-se e mal pôde conter a emoção. Happy Reed, um pouco mais velho e
grisalho, estava parado junto à porta, olhando para ela.
— Vovô — ela murmurou, cedendo às lágrimas que lhe inundaram os olhos.
— Eu sou um tolo que não tem coragem de pedir desculpas.
— Oh, vovô!
Shannon correu para os braços do avô, como um passarinho que retorna ao ninho.
Quando percebeu que ele começava a tremer, soluçou ainda mais alto para abafar a
opressiva sensação de culpa.
Happy Reed soltou a neta de seu abraço e a examinou, com o resto molhado pelas
lágrimas.
— Veja só. Minha menina é uma mulher adulta. E linda com a mãe.
— Eu escrevi para você — ela disse, ainda soluçando.
— Não importa agora. Você está em casa.
— Escrevi todos os dias, durante meses. Dean escondeu as cartas em vez de colocá-
las no correio.
— Aquele canalha!
— Você, eu senti muita saudade de você.
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— Eu te amo, minha filha.
— Nunca mais vou voltar para ele.
— Claro que não.
— Quero me divorciar.
— Cuidaremos disso.
— Amo você, vovô. Desculpe por tê-lo decepcionado.
— Eu sou um velho idiota cheio de orgulho.
— Eu também.
Ambos começaram a rir, abraçando-se de novo. Quando deu um passo para trás,
Shannon pôs muito peso no tornozelo machucado e gemeu. Happy a abraçou pela cintura e
a fez descer as escadas em direção à cozinha.
— Agora sente-se e deixe-me dar uma olhada nesse pé.
— O dr. Henry...
— O dr. Henry é um empurrador de comprimidos. Ele não entende de torções
musculares como eu. — Happy abaixou-se, desenfaixou o tornozelo e o examinou
atentamente. — Parece que está indo bem. Mais alguns dias e você estará como nova.
Só então Shannon reparou que ele tinha um olho roxo e o fitou com ar de
repreensão.
— Com quem andou brigando, vovô?
— Ah, por causa do olho? Foi uma coisa à-toa, mas lhe garanto que ele levou a pior.
— Happy apoiou-se na mesa para ficar em pé e, então, enfiou as mãos nos bolsos como
quem dava aquele assunto por encerrado. — Precisamos conversar, Shannon. Sobre o
passado, sobre tudo o que aconteceu.
— Eu sei. — Shannon olhou em volta enquanto o avô tirava duas xícaras do armário.
Em cada peça da cozinha notava algum sinal da passagem do tempo.
— Em que está pensando?
— Estava lembrando de quantas vezes nós nos sentamos aqui, assim como hoje,
discutindo as coisas que havíamos feito durante o dia.
— O tempo pode ser um grande inimigo, minha filha. Não devemos desperdiçar nem
um segundo. Sei que não estive sempre a seu lado quando você era criança, mas eu queria
dar o melhor a você, desejava compensá-la pela perda de seus pais. Não foi fácil para mim,
afinal já tinha passado da idade de ser pai, mas eu a amei muito e ainda amo.
— Eu sei, vovô.
— Mas eu falhei dez anos atrás e não posso me perdoar por isso. Deixei o maldito
orgulho afastá-la de mim. Muitas noites eu fiquei deitado pensando o que meu filho e sua
mãe teriam feito se estivessem vivos.
— Por favor, vovô, não fale assim.
— Não, querida, eu preciso falar. Devia ter lhe dado uma chance em vez de condená-
la tão depressa. Eu devia ter sabido que era culpa de Dean.
— Como assim? — ela indagou, fitando o avô com uma expressão intrigada.
Happy sentou-se em frente a ela, serviu o café e, então, pigarreou.
— Dean causou deliberadamente o acidente que matou Ashland´s Fire. Ele declarou
a Clyde, aquele maricas do capataz dele, que se não pudesse possuir você ele preferiria vê-
la morta a deixar que se casasse com Ash. Por sorte, foi apenas o cavalo de Ash que
morreu, mas todos se voltaram contra você. Então, antes que pudéssemos perceber o que
estava acontecendo, você partiu e todos tiveram orgulho demais para dar o primeiro passo
e trazê-la de volta.
— Está dizendo que Dean planejou tudo? Que ele estava tentando me matar? Ah,
Super Sabrina 089 – Selvagem como o Vento (A Wild Wind) Evelyn A. Crowe 61
vovô, isso é um absurdo. Eu poderia esperar qualquer coisa dele agora, mas na época
éramos muito jovens.
— Ah, mas Dean nasceu traiçoeiro e perigoso. Por que você acha que eu nunca a
deixava sair sozinha com ele? Insistia para que Ash sempre estivesse junto. Aquele Dean
Wayne é uma peste.
— Mas...
Happy segurou as mãos da neta e a olhou de frente.
— Eu descobri a maior parte da história apenas esta manhã. Sabe, quando o pai de
Dean lhe trouxe Dictator da França, eu avisei que o cavalo era perigoso. Nunca na minha
vida tinha visto um animal como aquele. Alertei Dean mais de uma vez de que precisava
amestrá-lo ou nunca poderia montá-lo junto com outros cavalos. Dictator gostava de
brigar. Eu verifiquei seu histórico e provei a Dean que o cavalo era um assassino. Já havia
causado a morte de três outros animais e aleijara seus treinadores. Mas Dean não queria
ouvir. Como pode perceber, Shannon, ele sabia o que o animal ia tentar fazer quando a
desafiou para uma corrida. Dean planejou tudo. Sabia que Dictador ia forçar a disputa até
ver Ashland´s Fire no chão.
— Ele me odiava tanto desde aquela época? — Shannon sacudiu a cabeça, incrédula.
— Não, ele amava você com um amor tão destrutivo e obsessivo que só poderia
terminar mal. Mas isso não é tudo. Durante todo esse tempo em que você estava longe e
que ele voltava três a quatro vezes por ano para examinar Rocking W, os boatos sobre você
corriam soltos. Ele pagava Clyde para manter os rumores sempre presentes.
— Que tipo de rumores, vovô?
— Você não vai querer saber, filha.
— Sim, eu quero. Preciso saber de tudo. Por favor, conte.
— Eram histórias sobre seu comportamento turbulento na Europa. Falavam de
drogas, festas, bebidas, orgias e muitos homens.
— Não posso acreditar. Juro que isso não é verdade, vovô. — E pensou no
constrangimento e humilhação que o avô orgulhoso devia ter enfrentado quando entrava
em alguma loja da cidade e ouvia algum de seus amigos falando sobre ela. — Por quê? Por
que ele faria isso?
— Para evitar que nós, principalmente Ash, quiséssemos ir buscar você. Para nos
manter afastados, assim ele poderia possuí-la sozinho e vangloriar-se de ter vencido Ash.
— Estou tão envergonhada, vovô.
— Por quê? Nós todos éramos peças do jogo destrutivo de Dean.
— Eu ainda sinto como se fosse tudo culpa minha. Nada disso teria acontecido se eu
não houvesse deixado Dean me convencer a ir embora tão depressa. Ah, vovô, eu poderia
ter...
— Pare com isso, minha querida. É melhor esquecermos o passado. Nunca me
importei com o que falavam ou pensavam de você. Conheço bem a minha menina.
— Obrigada por ter confiado em mim. — Sempre segurando as mãos do avô,
Shannon lhe fez um breve relato dos últimos dez anos. — Mas o que interessa é que agora
sou uma veterinária formada — concluiu, orgulhosa. — Preciso ver o que é necessário para
transferir minha licença profissional para Montana. Imagine só, vovô, vou poder trabalhar
com você! — Ao perceber que ele não demonstrava surpresa nem entusiasmo, Shannon
sentiu-se um pouco decepcionada. Mas então Happy sorriu meio sem graça, de uma
maneira que ela conhecia muito bem. — Você já sabia!
— Já, mas não queria lhe tirar o direito de me contar. Ash conversou comigo esta
manhã.
— Ele esteve aqui? Contou tudo a você?
Super Sabrina 089 – Selvagem como o Vento (A Wild Wind) Evelyn A. Crowe 62
— Ele não conseguiu guardar segredo.
A porta dos fundos se abriu e Ash entrou na cozinha.
— Uma das razões para eu não ter aparecido para buscar você foi que precisei tirar
Happy da cadeia. — ele explicou.
— Há quanto tempo você está ouvindo? — Shannon quis saber. — E por que meu avô
estava na cadeia?
Os dois homens se entreolharam, sorrindo. Então Ash pegou uma xícara no armário,
serviu-se de café e acomodou-se em uma cadeira.
— Eu estava sentado aí fora desde que você e Happy desceram para a cozinha. Não
quis interromper a conversa.
— Está bem. Mas agora contem logo o que está havendo.
— Curiosa como sempre, não é Happy?
— Ela nunca conseguiu suportar quando alguma coisa estava acontecendo e ela não
sabia todos os detalhes da história.
— Querem parar de me provocar? Como você foi parar na cadeia, Happy?
— Não foi muito difícil. — Happy tocou o olhou roxo e dolorido. — Jeff me pediu para
ter uma conversa com o fofoqueiro do Chester a respeito dos boatos que ele espalhou a seu
respeito. Nosso delegado achava que Chester não era suficientemente esperto para ter
inventado tudo aquilo sozinho e, portanto, alguém deveria estar passando as histórias para
ele. Eu abordei o velho mexeriqueiro no Cattleman's Café e quando lhe perguntei com toda
a delicadeza se...
Ash e Shannon puseram-se a rir, sabendo que a abordagem de Happy não devia ter
sido nada delicada. Ele e Chester eram inimigos há muito anos.
— Posso continuar? Bem, o fato é que ele escolheu bem esta manhã para ser
mentiroso e furtivo, então eu o agarrei pela camisa, levei-o até a calçada e bati nele até que
decidisse falar. Soube que o capataz de Dean estava sendo pago para manter os boatos em
circulação e Clyde pagou Chester para ajudar. Atraímos um bocado de atenção na cidade,
inclusive a do substituto de Jeff na delegacia. O velho Chester achou que estava seguro na
presença de uma autoridade e recomeçou a falar mal de você. Eu revidei na hora e fiz
aquele canalha cair no chão de tanta pancada. Bob deve ter achado que a única maneira de
parar a briga era nos levar para a cadeia.
Shannon não podia acreditar. Seu avô brigando na rua principal de Bartlet na frente
de todo mundo! Não sabia se ria ou ficava zangada. No fim, o riso acabou vencendo.
— Happy!
— Foi bom demais, minha querida. Eu faria tudo de novo só para me vingar daquele
inútil que ficou difamando você. Aposto que hoje a cidade está fervilhando com essa
história. — Sua expressão satisfeita tornou-se séria ao olhar para Shannon e examinar pela
primeira vez as manchas escuras no pescoço e rosto da neta. — Prometo a você que Dean
também vai se ver comigo assim que aparecer por aqui.
— O problema é esse, vovô. Ele sempre acaba aparecendo.
Ash e Happy trocaram um olhar que a deixou nervosa. Levou a xícara aos lábios e
tomou um grande gole, curiosa para saber qual era o problema. Porém, acabou decidindo
não perguntar nada. Não estava com vontade de falar sobre Dean.
— Você ainda não se lembra de nada, minha filha?
— Não. — A alegria sumiu de seu rosto, sendo substituída por medo e dúvida.
— Bem, isso tudo não vai demorar para ser esclarecido.
Ash levantou-se depressa, interrompendo a conversa. Ainda não queria que Shannon
soubesse que Jeff havia subido a montanha à procura de Dean. Seria melhor que
esperassem até tomarem conhecimento do que havia acontecido. Aproximou-se de
Super Sabrina 089 – Selvagem como o Vento (A Wild Wind) Evelyn A. Crowe 63
Shannon e tocou-lhe o ombro.
— Acho que já é hora de voltarmos para a fazenda.
— O quê? Pensei que você queria que eu ficasse aqui.
— De onde tirou essa ideia?
— Você me disse ontem à noite...
— Eu disse que a traria até aqui, mas não que você teria de ficar. Como sempre, você
tirou conclusões precipitadas. A propósito, por que não esperou por mim?
— Você sabe que eu detesto esperar. Além disso... — Ela ia mencionar a conversa
com Paula, mas decidiu que aquele não era um assunto para ser comentado na presença do
avô. — Bem, não importa. Mas já que estou aqui, talvez devesse ficar. Já causei problemas
demais em sua casa. Paula e Jenny estão loucas para que eu saia e Bridget já discutiu com
as duas por minha causa.
— Tolice! Você vai voltar comigo.
— Vovô...
— É melhor você ir, Shannon. Estou cheio de trabalho e você ficaria muito sozinha
aqui em casa. Ash pode protegê-la melhor no Barra B.
— Proteger? Por quê? — ela quis saber, com uma repentina sensação de medo.
Os dois homens se entreolharam e os estranhos pressentimentos que a
acompanhavam desde cedo aumentaram.
— Queremos ter certeza de que Dean não vai poder perturbá-la se voltar a aparecer
— Happy respondeu depressa. — Eu estou velho. Ash poderá tomar conta melhor de você.
Shannon sabia que ambos escondiam alguma coisa dela e não gostava nem um pouco
da situação. Porém, antes que pudesse to mar qualquer atitude, Ash lhe tirou a xícara das
mãos, fez com que se levantasse e a conduziu para a porta da frente, parando apenas para
que ela desse um beijo de despedida no avô.
— Vamos voltar no carro de Paula — ele resolveu. — Mais tarde mando um dos
homens vir buscar meu caminhão.
Um tanto contra sua vontade, Shannon viu-se sentada no banco do automóvel,
acenando para o avô enquanto punham-se em movimento. Na estrada, virou-se para Ash
com uma expressão séria.
— Agora eu quero saber que história é essa de me proteger. Happy está visivelmente
preocupado e você também. Ouviu alguma notícia sobre Dean? Ele já apareceu?
— Sabe de uma coisa? Em todos esses anos eu nunca vi seu avô tão sorridente.
— Não mude de assunto, Ash.
— Você devia tê-lo visto esta manhã — ele prosseguiu, como se não a tivesse ouvido.
— Happy estava em uma cela, Chester em outra, mas não paravam de brigar. O auxiliar de
Jeff não sabia mais o que fazer e quase me deu um beijo de agradecimento quando apareci
para buscar seu avô. Então Chester começou a gritar que iria abrir um processo por perdas
e danos e Happy ficou tão zangado que queria pagar a fiança do fofoqueiro só para poder
bater nele outra vez. Nunca ri tanto em minha vida.
Shannon baixou o vidro da janela e deixou o vento refrescar seu rosto zangado. Era
evidente que Ash não ia responder à pergunta. Estavam escondendo algo e ela sempre
detestara segredos.
Ash desviou a atenção da estrada por um segundo para fitar Shannon. Era bom
perceber que certas coisas nunca mudavam. Quando Shannon ficava brava, o rosto se
tornava corado e ela apertava os lábios. Quem não a conhecesse bem poderia pensar que
estava emburrada, mas esta atitude nunca ocorrera a Shannon. Ela apenas estava
pensando no próximo comentário que iria fazer e Ash esperava ansioso pelo resultado.
Sentira muita falta até mesmo daqueles pequenos embates verbais.
Super Sabrina 089 – Selvagem como o Vento (A Wild Wind) Evelyn A. Crowe 64
Ele diminuiu a velocidade, preparando-se para a curva perigosa que tinha logo à
frente. De repente, ouviu um ruído forte, como um estalido, e um dos pneus furou. O
automóvel descontrolou-se antes que Ash pudesse perceber o que estava acontecendo.
Shannon gritou ao ver a margem da estrada se aproximar. Fechou os olhos quando o
carro saiu da pista e despencou pela encosta em direção ao rio, ganhando velocidade à
medida que descia. Ouvia a lataria se chocando contra pedras, arbustos e pequenas árvores
que se interpunham pelo caminho.
Percebendo a inutilidade de tentar qualquer manobra, Ash largou o volante e
preparou-se para o choque com a água. Seu único pensamento era salvar Shannon: tirá-la
o quanto antes do carro e do rio gelado.
CAPÍTULO XII
O carro não chegou à água. Em vez disso, colidiu com uma pequena barreira de
árvores junto à margem e parou com enorme ruído de metal amassado.
— Shannon! Shannon, você está bem? — Os dedos de Ash tremiam enquanto
lutavam para abrir o fecho do cinto de segurança. Quando conseguiu se livrar, tateou
depressa o corpo dela para verificar se encontrava ossos quebrados.
Shannon riu, em uma reação nervosa de alívio, e Ash recostou-se no banco para
recuperar o fôlego.
— Você está ferido, Ash?
— Não, mas temos de sair logo daqui. Não sei por quanto tempo estas arvorezinhas
vão conseguir segurar o carro.
— O que aconteceu? — Ainda atordoada, Shannon soltou o cinto de segurança.
— Acho que foi um pneu furado. — Ash estendeu o braço para abrir a porta do lado
de Shannon e passou por cima dela para sair do veículo, já que a sua lateral estava
bloqueada pelo mato. — Venha logo, Shannon. — Impaciente, ele se inclinou e a levantou
nos braços. O peso dela e a inclinação do solo o fizeram cambalear alguns passos até
recobrar o equilíbrio. — Pare de sorrir feito uma boba. Por pouco, não morremos afogados!
— Mas acabamos nos saindo bem. — E envolvendo-lhe o pescoço com os braços,
fitou os olhos sérios. — Nenhum de nós se machucou, Ash. Não precisa ficar tão nervoso.
Ele apenas resmungou alguma coisa ininteligível e esforçou-se para subir a encosta.
Em poucos segundos, porém, estava sem fôlego. Avistou um pinheiro de tamanho razoável
e encaminhou-se para lá.
— Pronto, fique apoiada nesta árvore enquanto volto ao carro para pegar suas coisas
e o meu chapéu.
Ele a colocou no chão e começou a afastar-se, mas Shannon o segurou pelo braço.
— Ash, por que está tão bravo?
— Por quê? Shannon, nós podíamos ter morrido! — Ele se abaixou e a abraçou com
força, pressionando-lhe o corpo contra o tronco da árvore enquanto procurava-lhe a boca
para um beijo ardente e desesperado. Depois apoiou o rosto no ombro dela e sua voz soou
como um sussurro. — Eu amo você, Shannon. Tudo mudou em minha vida depois que você
foi embora. Eu sentia falta de seu sorriso, sua teimosia, das suas risadas, até do seu mau
humor. Mais do que tudo, eu sentia falta de tê-la em meus braços, à noite. Não me
abandone outra vez, Shannon. — Ele voltou a beijá-la, transmitindo toda a saudade e
solidão daqueles dez anos. — Eu não poderia suportar se você me deixasse de novo.
— Eu também te amo, Ash, e prometo que nunca mais irei abandoná-lo. Diga outra
vez que me ama — ela pediu, emocionada com aquela súbita declaração. Ash não
Super Sabrina 089 – Selvagem como o Vento (A Wild Wind) Evelyn A. Crowe 65
costumava revelar seus sentimentos de forma tão aberta.
Mas ele pareceu ter caído em si e tornou a levantar-se. Afinal, havia decidido manter-
se afastado dela até descobrir o que acontecera com Dean, até ter certeza de que ela estava
livre. No entanto, olhando para o rosto lindo de Shannon transbordando de felicidade, não
poderia negar as palavras que haviam lhe saído do fundo do coração.
— Eu sempre te amei, Shannon. Mesmo nos momentos em que tentava me
convencer de que a odiava. Mas agora seja uma boa menina e fique quieta enquanto vou
dar uma olhada no carro.
Ash estudou com cuidado cada passo, segurando-se em galhos e pedras para
equilibrar-se no solo irregular. Por fim, conseguiu descer a encosta até o automóvel. Abriu
a porta e pegou a bolsa de Shannon, a bengala e seu chapéu. Colocou os objetos no chão e
foi examinar a frente do veículo.
Apoiando-se no parachoque, agachou-se para dar uma boa olhada no pneu. Quando
tornou a levantar a cabeça, sua expressão era de pura perplexidade. Estivera quase certo de
ter visto um reflexo do sol sobre algum objeto de metal antes que o carro saísse de seu
controle. No momento em que o volante girara em suas mãos, poderia jurar ter ouvido o
som de um tiro de rifle. Agora suas suspeitas se confirmavam ao observar o buraco
redondo no pneu. Alguém havia atirado neles. Não, não era bem assim. Ninguém sabia que
ele iria estar no carro. A bala fora para Shannon.
Alguém a queria morta, mas quem? Dean era a única pessoa que lhe vinha à cabeça,
porém ninguém sabia ainda se ele estava vivo ou não. Se não fosse Dean...
— Ash, por que está demorando tanto?
— Já vou. — Ele deu uma olhada em volta e não viu nada de anormal. Então colocou
o chapéu na cabeça, pegou a bolsa e a bengala e subiu até onde Shannon se encontrava.
— Paula vai me matar quando vir o carro.
— Tome suas coisas — Ash disse. — Agora vai ter de subir em minhas costas para eu
tirá-la daqui.
— Vamos de cavalinho? — Shannon indagou, sorrindo.
— Exato. E a bengala fica comigo. Talvez possa me ser útil.
Shannon posicionou-se, prendendo as pernas em torno da cintura dele e segurando-
se em seu pescoço com firmeza. Depois ficou em silêncio enquanto Ash subia a encosta
com dificuldade. Ao atingirem a estrada, estavam ambos ofegantes e suados, ele de
cansaço, ela de nervosismo.
Ash se abaixou para Shannon descer e depois esticou as pernas doloridas. O sol de
primavera brilhava implacável sobre eles, de forma que nem a brisa suave era suficiente
para refrescá-los. Ash tirou o chapéu, enxugou a testa com a manga da camisa e olhou para
os dois lados da estrada.
— Vamos voltar à casa de Happy? — Shannon indagou.
— Como está seu tornozelo?
— Melhor. Já posso apoiar o pé no chão sem muita dor. Para que lado, Ash?
— Estamos na metade do caminho. Prefiro prosseguir em direção a Barra B. Vamos,
eu carrego você. — Ele abaixou-se, mas Shannon não veio. Intrigado, virou-se para trás. —
O que está fazendo?
— Vamos ficar com calor — ela explicou, enquanto arregaçava as mangas da camisa.
— Eu sei — ele murmurou, imaginando a sensação de tê-la tão perto de si. — Mas
ande logo, não temos o dia todo.
— Sim, senhor; só mais um minuto. Segure-me um pouco pela cintura. Isso! — Ao
sentir as mãos fortes a apoiando, Shannon abaixou-se e enrolou a calça até os joelhos. Seu
corpo pressionava-se contra o dele e Ash controlou a enorme tentação de tocar as nádegas
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firmes e convidativas. — Agora estou pronta.
— Eu estou pronto desde que entrei naquela cabana e tive de despir você. — Ele riu e
desviou o olhar para a boca de Shannon, mas manteve-se determinado na decisão de não
ceder ainda ao desejo. Não a tocaria antes de saber notícias de Dean. — Vamos embora.
Shannon subiu nas costas dele, desapontada e confusa. Por que Ash mostrava-se tão
cuidadoso em manter a relação impessoal após ter confessado que a amava?
— Parece que já fizemos isto antes, não é? — ela murmurou no ouvido dele, sorrindo
ao vê-lo estremecer.
— Pelo menos umas cem vezes. Por que você sempre se machucava e eu tinha de
carregá-la como um escravo?
— Você sabe que eu não estava sempre machucada. Apenas gostava de estar em seus
braços, mesmo quando era jovem demais para entender o que significava.
— Depois de tanta prática você devia ter aprendido que eu preciso respirar. Não
aperte tanto meu pescoço!
O sol brilhava nos cabelos loiros de Ash e Shannon sentia vontade de afagá-los com
os dedos, de brincar com os pequenos caracóis que se formavam na nuca.
— Lembra quando você tinha uns doze anos e eu o convenci a me deixar enrolar seus
cabelos?
— Não!
— Mas que memória curta! Ficaram lindos aqueles rolos cor-de-rosa e azuis em toda
sua cabeça e quando eu os soltei você ficou parecendo um deus grego que eu tinha visto em
um livro.
— Shannon, você não vai contar isso a ninguém, não é? — ele pediu. Em resposta, ela
aproximou os lábios da orelha dele e o provocou com a língua. — Isso não é justo,
Shannon. Pare agora mesmo.
— Certo.
— Já que está com espírito para recordações... lembra quando eu a encontrei
tomando banho de sol nua em Willow Falis?
— Não! — Mas ela se lembrava e tentou tapar-lhe a boca.
— Você estava... digamos... procurando conhecer melhor o seu corpo.
— Ash! Você ficou olhando?
— Foi a coisa mais perturbadora a que já assisti.
— Eu só tinha dezesseis anos! — ela exclamou, corando.
— E era linda.
As lembranças os levaram até Barra B entre risadas e algum constrangimento de
ambos os lados. Mas um nome foi deliberadamente omitido de todas as histórias.
Foi com um profundo suspiro de alívio que Ash empurrou a porta dos fundos e
entrou em casa. Bridget e o marido Tom estavam sentados à mesa da cozinha. Ambos
permaneceram em silêncio enquanto Ash colocava Shannon no chão e lhe entregava a
bengala.
— Agora suba e vá descansar. Tome um banho, fique um pouco com o pé levantado.
Preciso cuidar de algumas coisas.
Ela não protestou; o calor provocara uma dor latejante no tornozelo. Apoiou-se na
bengala e saiu do aposento.
Bridget olhou Shannon se afastar e só falou quando teve certeza de que ela não a
ouviria.
— O que aconteceu?
— Gostaria muito de saber. Tom, pegue alguns homens e o caminhão e dirija-se à
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estrada que vai para a casa de Happy. Vai encontrar o carro de Paula perto do rio mais ou
menos na metade do caminho.
— Meu Deus! — Bridget exclamou, benzendo-se. — O que mais vai acontecer?
— Peça também a alguns homens que examinem o lado oposto da estrada — Ash
prosseguiu. — Procurem por um cartucho usado de rifle. Não tivemos apenas um pneu
furado; alguém atirou em Shannon e, por acaso, eu estava junto.
— Foi proposital? — Bridget indagou.
— Ah, sem dúvida. Tom, verifique se alguém saiu da fazenda esta manhã.
— Alguém da Barra B, Ash? — Bridget quis saber, os olhos arregalados de terror. —
Não pode ser.
— Fique quieta, mulher — Tom a repreendeu. — Deixe o patrão falar.
— Onde estão Paula e Jenny? — Ash perguntou. — Quero conversar com elas e saber
se contaram a alguém que Shannon ia visitar o avô esta manhã.
— Pode falar agora, Bridget — Tom disse à mulher. — Esta é uma pergunta que você
sabe responder.
— Paula foi até a casa de Maybella esta manhã para comprar uma sela nova. Jenny
saiu pouco depois, dizendo que ia à cidade. A propósito, Jeff telefonou e pediu para você
passar na delegacia assim que pudesse.
Ash não esperou por novas informações. Avisou que pegaria emprestado o caminhão
de Tom e saiu da cozinha à toda.
Na estrada, procurou controlar seus receios, mas era impossível ignorar o
pressentimento de uma desgraça iminente. Logo que entrou na cidade, notou pequenos
grupos de pessoas em frente às lojas e todos interrompiam a conversa e o fitavam assim
que o viam aproximar-se. Ainda assim, não queria pensar no que Jeff poderia haver
descoberto. A vida não podia ser tão cruel a ponto de tirar-lhe Shannon após ele a ter
esperado e amado por tanto tempo.
Estacionou o caminhão em frente à delegacia e saiu do veículo antes que o motor
tivesse tempo de parar. Seguiu diretamente para o escritório de Jeff e entrou sem
preocupar-se em bater na porta. O delegado estava pálido e abatido.
— Nós o trouxemos há pouco mais de uma hora.
— Morto?
— Sim. O dr. Henry está fazendo a autópsia.
— Como? O que aconteceu?
— Um tiro no coração. A arma usada foi o próprio rifle dele.
— Então está tudo bem. Shannon deixou de usar rifles bem antes de partir de Bartlet.
— Eu sei. O acampamento estava uma bagunça, Ash.
— Gostaria que ele estivesse vivo. Isso explicaria as coisas que vêm acontecendo
desde que você subiu à montanha. — Ash contou a respeito do touro que escapara no
cercado onde Shannon se encontrava e do atentado daquela manhã.
— Pode ser coincidência. Ela lembrou de alguma coisa?
— Não. Tem um cigarro?
— Mandei o ajudante ir comprar. Outra coisa, Ash. Encontrei o casaco de Shannon lá
em cima. A frente estava toda manchada de sangue e desconfio que não era de nenhum
animal, mas humano.
— Mas você não tem certeza de que era o sangue de Dean, não é? — Ash indagou,
com os olhos fixos no vazio.
— Ainda não. Mas meus instintos não costumam falhar, amigo. — Ele viu a expressão
de Ash endurecer conforme as evidências contra Shannon se acumulavam.
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— Bob lhe contou sobre Happy e Chester?
— Sim.
— Dean e Clyde estavam por trás de todos os boatos sobre Shannon. Não posso
compreender por quê.
— Toda essa história é muito desagradável, Ash. — Jeff observou o amigo com
profunda compaixão.
Ash precisava de tempo para perceber as implicações de tudo o que acabara de saber.
Não havia jeito de convencê-lo de que Shannon poderia ser uma assassina.
A porta se abriu e um maço de cigarros foi atirado sobre a mesa. Em um gesto
automático, Jeff o pegou e abriu. Só então percebeu como tinha as mãos trêmulas.
Ofereceu um cigarro a Ash e acendeu outro para si.
Ash enfiou a mão no bolso da calça e tirou o velho isqueiro prateado que Shannon
lhe dera em seu vigésimo aniversário.
— Shannon não fez isso, Jeff. Ela não é capaz de matar alguém.
— Nem mesmo em defesa própria? Ash, com todos aqueles hematomas no pescoço
dela ficou evidente que Dean tentou matá-la. Ela teria de se defender de alguma maneira.
Este será um bom argumento em favor dela. Eu mesmo testemunharei quanto aos
hematomas.
Ash tragou profundamente e soltou uma grande nuvem de fumaça.
— Eu ainda digo que ela não fez isso. Por que os atentados contra a vida dela?
— Talvez Clyde tenha descoberto sobre a morte de Dean e esteja aborrecido porque
não vai mais receber dinheiro. Como vou saber? Um dos seus novos empregados pode ter
sido cúmplice de Dean. Qualquer pessoa poderia ter soltado o touro ou se escondido entre
as árvores até o Mercedes passar. Ash, todos por aqui sabem cavalgar e atirar, até mesmo
Paula e Jenny.
— Ela não fez isso, Jeff.
— Hamilton já sabe de toda a história e vai ficar atrás de mim para dar entrada à
acusação de assassinato assim que o doutor apresentar o laudo.
— Quanto tempo isso vai demorar?
— Com certeza Hamilton já está falando à imprensa.
Ash levantou-se e começou a andar pelo pequeno escritório. Amassou o cigarro no
cinzeiro e, em seguida, acendeu outro.
— Não vou deixar Shannon ser presa. Não permitirei que aquele sujeito use a mulher
que eu amo como trampolim para suas ambições políticas. Jeff, se for preciso eu venderei
uma parte das terras e contratarei para ela o melhor advogado dos Estados Unidos.
— Quer dizer que você a ama mesmo?
— Alguma vez houve dúvidas quanto a isso?
— Não, apenas em sua cabeça. Ash, é melhor prepará-la para os problemas que terá
de enfrentar. A imprensa vai cair em cima dentro de um ou dois dias e pode apostar que
Hamilton vai ligar o nome Bartlet ao caso. Meu amigo, um triângulo amoroso sempre
torna as histórias mais interessantes. — Ele abriu uma porta na estante e tirou uma garrafa
quase vazia de conhaque e dois copos. — Jenny esteve aqui esta manhã, mas nós não
conversamos. Não lhe contei nada sobre Dean. Depois tive de telefonar à avó dele em Paris
para avisá-la da morte do neto e explicar o que sabemos até agora. Ela nem ficou surpresa,
era como se estivesse esperando por alguma notícia assim. Disse que Dean vinha agindo de
forma estranha.
— E por que ela não alertou Shannon?
— Ela fez isso. Incentivou Shannon a vir para Montana e separar-se imediatamente
do marido.
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Ash sentou-se, apoiou os cotovelos nos joelhos e pousou o rosto nas mãos.
— Jeff, me ajude — disse por fim.
— Peça o que quiser.
— Quero tempo. Precisamos de alguns dias. Pode pedir ao dr. Henry que demore um
pouco para liberar o laudo da autópsia? Só o tempo suficiente para manter Hamilton
afastado. Ele não ousará tomar qualquer atitude até que a causa da morte seja declarada
oficialmente. Os nomes Bartlet e Wayne são influentes demais para que ele corra o risco.
Jeff pegou o telefone e discou para o médico no mesmo instante. Desligou após uma
breve conversa e olhou para Ash.
— Ele pode nos dar apenas mais quarenta e oito horas. Agora quer me contar o que
tem em mente?
— O que acha de fazer outra viagem até o alto da montanha? — Ash sugeriu, voltando
a encher o copo com conhaque e acendendo o terceiro cigarro.
— Não fico muito entusiasmado com a ideia. Por quê?
— Só nós três. Você, eu e Shannon. Talvez ao chegar lá ela consiga lembrar-se de
tudo que aconteceu.
— Está apostando alto demais.
— Topa ir comigo?
— Claro que sim, amigo.
— Se não der certo, Jeff, eu o deixo fazer seu trabalho. — Ambos ficaram em silêncio
por alguns minutos, pensativos. Depois, começaram a fazer planos. Ficou combinado que
partiriam ao amanhecer e Ash pousou o copo sobre a mesa antes de levantar-se para ir
embora.
— Quando vai contar a Shannon sobre Dean e sobre nosso plano?
Ash não se virou. Não queria que Jeff visse a angústia em seu rosto.
— Esta noite, após o jantar.
Jenny entrou na grande estufa à procura da mãe. A porta pesada fechou-se sem um
ruído, trancando-a em meio à imensidão de flores que enchiam o ar de perfume. A
atmosfera quente e úmida em contraste direto com a brisa fria do lado de fora a fez
estremecer. Normalmente, adorava trabalhar com as flores, cavando o solo de composição
especial, mas naquele dia o ambiente a deixava deprimida, fazendo-a lembrar-se de
funerais.
A vibrante profusão de cores ofuscou-lhe os olhos sensíveis e ela teve de piscar
algumas vezes para recobrar o equilíbrio. Pôs-se a caminhar, então, em direção ao fundo
da estufa, passando por canteiros de rosas cujos tons variavam do vermelho-sangue ao
rosa-pálido, gardênias brancas como neve, lilases, margaridas, violetas e as orquídeas
premiadas de sua mãe. Seu estômago protestou diante dos aromas misturados e ela teve de
parar um instante para controlar o enjoo.
Um barulho familiar chamou-lhe a atenção e ela virou à direita em um dos canteiros
de rosas, encontrando Paula sentada no chão de cimento, cavando furiosamente um
canteiro vazio. Jenny parou alguns passos atrás da mãe e a observou com uma expressão
intrigada.
— Mamãe.
Paula gritou e virou-se depressa, pressionando a mão suja de terra de encontro ao
coração.'
— Jenny! Quer me matar de susto?
O semblante de Jenny passou de surpreso a preocupado. A mãe tinha uma aparência
horrível. Os cabelos loiros habitualmente impecáveis caíam em mechas sem brilho e
Super Sabrina 089 – Selvagem como o Vento (A Wild Wind) Evelyn A. Crowe 70
despenteadas; o rosto estava cadavérico, com depressões profundas sob os olhos; os lábios
não tinham cor. As duas se fitaram e, então, Jenny pigarreou.
— Mamãe, alguém tentou matar Shannon esta manhã. Atiraram no carro e ele saiu
da estrada. Ash estava dirigindo e, provavelmente, foi isso que salvou a vida dela. — Ela
observou a mãe, tentando identificar qualquer emoção, mas Paula permaneceu impassível.
— Mamãe, onde você foi esta manhã? Bridget me disse que você saiu antes de Shannon.
Paula levantou-se devagar e encarou a filha.
— O que está insinuando, Jenny?
— Nada. Mamãe, o que está acontecendo por aqui?
— Onde você esteve esta manhã, Jenny? — Paula indagou, ignorando a pergunta da
filha. — Você também saiu cedo, segundo Bridget me contou. Para onde foi? O que fez?
— Mamãe! Não pode pensar que...
— Pensar o quê?
— Eu... eu só saí para dar um passeio — Jenny respondeu, perplexa com a reação da
mãe.
— Pode provar?
— Pare com isso, mamãe. Eu fui até a cidade ver Jeff.
— Ah! E fez as pazes com seu delegado?
— Eu ia contar a ele sobre a Europa, sobre o que você me induziu a fazer.
— Mas quem fez foi você e não eu. E se contar àquele guardião da lei e da ordem, é
mais louca do que eu pensava. Ele nunca a perdoará.
— Ele me colocou para fora do escritório sem nem ao menos falar comigo. Ah,
mamãe, ele nem se deu ao trabalho de me ouvir. — Jenny começou a soluçar, lágrimas
correndo por seu rosto pálido. — Não posso continuar me sentindo assim, amando-o e
sabendo o que ele vai pensar de mim quando descobrir. Não vamos conseguir esconder a
verdade por muito tempo, principalmente agora.
— Você será uma tola se contar a ele. Mas por que diz "principalmente agora"?
Jenny cruzou os braços sobre o peito tentando conter a súbita tremedeira que a
agitava.
— Dean está morto, mamãe, foi assassinado com um tiro. Jeff encontrou o corpo dele
no fundo de Devil´s Leap.
— Eu logo vi que algo estava errado, ou ele não demoraria tanto para aparecer. Mas,
se Jeff não falou com você, como ficou sabendo?
— Encontrei com o sr. Watts quando saí da delegacia. Ele estava radiante, mamãe.
Disse que os Bartlet não escapariam desta vez. Você sabe como ele é. Vai revirar tudo até
encontrar as evidências. — E começou a ficar histérica, perdendo o controle da voz, que
soava cada vez mais alta e aguda. — Ele vai descobrir, mamãe! Eu sei que vai! Vai nos
envolver num escândalo!
— Controle-se, Jenny! — Paula ordenou, dando um tapa no rosto da filha. — Nada
vai acontecer se você ficar com a boca fechada. Isto significa que não deve contar nada a
seu querido Jeff sobre a Europa. Está me ouvindo, Jenny? Nunca dirá uma palavra a Jeff,
por mais culpada que se sinta.
— A minha felicidade não importa para você?
— É claro que sim. Tudo que eu fiz foi só pensando em você. Agora seja uma boa
menina, volte para casa e me deixe pensar.
Jenny fez um sinal afirmativo com a cabeça e virou-se para sair, certa de que perdera
Jeff para sempre. Já havia se afastado um pouco quando Paula tornou a chamá-la.
— O sr. Watts disse quando irá prender Shannon pelo assassinato de Dean?
— Não, mamãe.
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— Ela já sabe?
Jenny sentia o coração apertado dentro do peito e era-lhe difícil até respirar. As
perguntas de sua mãe pareciam carregar um entusiasmo exagerado.
— Acho que Shannon ainda não sabe e certamente não serei eu a lhe contar.
— Claro que não. — Paula olhou para a filha e sorriu, mas sua expressão parecia
cheia de veneno. — Vamos deixar que Ash faça as honras da casa. Esta vai ser uma noite
interessante, não acha?
Jenny sacudiu a cabeça e afastou-se, sentindo pena de Ash, de Shannon e de si
própria. Como tudo pudera tornar-se tão sórdido?
CAPÍTULO XIII
CAPÍTULO XIV
Quando entraram na cozinha uma hora depois, Bridget lançou-lhes um olhar curioso
enquanto servia o café da manhã sem qualquer comentário.
Shannon mordeu o lábio para não rir; sabia que a governanta estava ansiosa para
saber se eles haviam resolvido seus problemas. Deu uma olhada rápida para Ash e
percebeu que ele também sorria. De repente, Bridget pigarreou com vontade e fez com que
ambos levantassem a cabeça. Fitava-os com a expressão séria e as mãos na cintura.
— E então?
Ash baixou o garfo, pegou o guardanapo e limpou a boca, apenas para deixá-la ainda
mais impaciente.
— E então o quê?
— Não comece a me provocar logo cedo. Vocês dois vão se casar? Fizeram as pazes?
— Alguma vez você teve dúvidas quanto a isso, Bridget?
— Nem por um segundo, Ash Bartlet. Mas sei como você é teimoso. — E sorriu para
os dois, com os olhos brilhando de alegria e alívio. — Jeff está aí.
Ash levantou-se, mas fez um sinal a Shannon para que permanecesse sentada.
— Não há necessidade de você ir lá fora passar frio. Eu a chamarei quando
estivermos prontos para partir. Bridget, você embrulhou os mantimentos?
— Claro que sim. Bob os está colocando no cavalo de carga.
Shannon ficou em silêncio vendo Ash sair e esperou até que ele fechasse a porta
antes de segurar as mãos da governanta e demonstrar a insegurança que sentia.
— Bridget, e se eu não conseguir lembrar? E se não puder provar que não matei
Dean? O que vai acontecer?
— Não ouse pensar dessa maneira, menina. Não quero ouvir nem uma palavra sobre
isso. — E afastando-se da pia, pegou um casaco forrado que se encontrava sobre a cadeira
de balanço. — Tome. Seu avô trouxe isto agora há pouco.
Shannon sorriu e apertou o velho agasalho contra o peito, como se fosse um amigo
que não via há muito tempo.
— Happy ainda está aqui?
— Não. Ele e um dos guardas de Jeff vão fazer turnos para vigiar a Rocking W e
Clyde. Agora vista o casaco e saia da minha cozinha. Vá supervisionar o trabalho dos
homens; isso a deixará com a cabeça ocupada. — Bridget voltou para a pia e Shannon
levantou-se para sair. Não havia dado dois passos, porém, quando a governanta a chamou
e, aproximando-se dela, deu-lhe um abraço forte e carinhoso. — Boa sorte, minha querida.
Não se preocupe, tudo vai dar certo.
— Espero que sim. — Shannon deu um beijo no rosto de Bridget, caminhou para a
porta e segurou a maçaneta. Então parou, mas permaneceu de costas para a governanta. —
Se a viagem não transcorrer da maneira como desejamos... prometa que vai tomar conta
dele. Por favor, Bridget.
— Claro, eu prometo — ela respondeu, mal podendo conter as lágrimas.
— Deus a abençoe, Bridget.
— A você também, Shannon.
O céu começava a clarear lentamente e uma brisa fria agitou os cabelos de Shannon.
Super Sabrina 089 – Selvagem como o Vento (A Wild Wind) Evelyn A. Crowe 80
Porém, ela sentia-se quente e abafada. Enxugou na calça as mãos úmidas de suor e
desabotoou o casaco. Tinha a garganta seca e os joelhos trêmulos. O medo não a deixava
um só instante; sabia que se a ideia de Ash não desse certo, seria acusada de assassinato.
Seu olhar percorreu a paisagem, como se quisesse gravar cada detalhe na memória.
Voltou-se para o norte, na direção de Devil's Leap, e apertou os olhos, procurando penetrar
a névoa do amanhecer e ver além da sombra escura da montanha; passando por
precipícios e pedras, árvores e moitas, voltando no tempo até aquele dia em que acampara
com Dean. Não conseguia lembrar-se de nada e, a cada esforço mal-sucedido, o receio
aumentava mais.
Faróis de carros cortaram a neblina e chamaram-lhe a atenção. Ela seguiu na direção
das luzes e ouviu vozes masculinas conversando e rindo. Eram Ash e Jeff que faziam os
últimos preparativos para a viagem. Ash estava parado ao lado de um cavalo, com o chapéu
puxado sobre a testa, prestando atenção na voz grave de Jeff. Antes de ser vista, Shannon
pôde ouvir o que o delegado dizia.
— Ah, não, Ash. Não pedi autorização ao promotor para esta viagem. Nem comentei
nada com ele a respeito disto. Ele não vai entrar oficialmente com acusações antes que o
dr. Henry libere o laudo. Mas eu até gostaria que o calhorda fizesse isso. Então, quando
Shannon nos contasse o que realmente aconteceu, a situação ficaria bastante
constrangedora para ele.
— E se eu não lembrar?
Os dois homens se viraram, surpresos. Jeff tirou o chapéu e o girou desajeitadamente
nas mãos fortes.
— Bom dia, Shannon.
— O que Hamilton pode lhe fazer por causa desta viagem, Jeff?
— Pode exigir que eu seja demitido.
Shannon engoliu em seco, sentindo-se pior que antes.
— Talvez eu devesse apenas ficar e...
— Não, Shannon — Ash interveio, aproximando-se dela e a abraçando.
— Neste país, as pessoas ainda são inocentes até prova em contrário — Jeff afirmou.
— Vamos provar sua inocência, de uma maneira ou de outra. Não se preocupe comigo ou
com Hamilton. Eu nunca perdi para aquele sujeito. Além disso, nem tudo depende de você
recuperar a memória. Tenho mais algumas ideias para serem investigadas.
— O quê, por exemplo? — Ash quis saber.
— Por exemplo, o rifle que matou Dean não tinha impressões digitais, nem mesmo as
dele, que era o dono. Nas condições em que Shannon se encontrava, não acredito que teria
pensado em limpar a arma. Há ainda outras coisas que meus homens estão verificando.
São algumas possibilidades.
O sol da manhã levantava aos poucos a neblina, espalhando sobre tudo uma
tonalidade amarelada e fazendo a grama úmida de orvalho brilhar como se estivesse
coberta por uma camada de gaze prateada.
Shannon percebeu que, enquanto Jeff falava, seu olhar subitamente se desviara e ele
ficara pálido, tornando mais visíveis as cicatrizes do rosto. Virando-se para trás, deparou-
se com Jenny vestida em jeans, botas e um casaco pesado, obviamente pronta para uma
longa cavalgada. Shannon voltou a fitar Jeff e notou-lhe a expressão triste antes mesmo
que ele pudesse disfarçá-la. Um silêncio tenso seguiu-se à chegada da moça, como se
ninguém soubesse o que dizer.
— Bom dia, Jenny — Shannon cumprimentou, tomando a iniciativa da conversa.
Porém, Jenny a ignorou; tinha os olhos fixos em Jeff.
— Vou com vocês.
— Não vai, não — Ash discordou. — Não estamos saindo para um passeio ou um
Super Sabrina 089 – Selvagem como o Vento (A Wild Wind) Evelyn A. Crowe 81
piquenique. Teremos de cavalgar depressa.
— Eu sei andar a cavalo tão bem quanto ela — Jenny respondeu, fazendo um sinal
em direção a Shannon. — Conseguirei acompanhá-los.
— Não. — Desta vez, foi Jeff quem respondeu.
Um pouco constrangida, Shannon viu Jenny segurar a mão do delegado, mas ele a
repeliu.
— Por favor, Jeff. Preciso conversar com você.
— Durante os últimos dois anos você pareceu tratar nosso namoro como uma
brincadeira. Deixou-me tão confuso que eu já nem sabia para que lado me virar. Primeiro
me queria, depois não queria mais. Diz que me ama e em seguida já não tem certeza.
Promete enfrentar sua mãe e contar a ela sobre nós. Aí, quando eu acreditei que as coisas
iam se acertar, você deixou que ela a levasse naquela maldita viagem e tudo mudou outra
vez. Acha que sou feito de pedra?
— Por favor, Jeff — ela pediu. — Aconteceram coisas na Europa que eu ainda não lhe
contei.
— Pois não quero ouvir, Jenny. Agora não. — Jeff voltou a seu cavalo e começou a
prender a sela com mais firmeza.
Porém, Jenny não estava disposta a desistir. Voltou o rosto determinado e suplicante
para o meio-irmão.
— Ash...
— Não, Jenny. Jeff está com a razão. Agora não é o momento de perturbá-lo com
problemas pessoais. Ele está sob tanta pressão quanto nós. Espere até voltarmos.
— Eu não quero esperar. Não posso. Será que você não compreende?
— Não, eu não compreendo. Você e sua mãe têm agido como malucas desde que
Shannon voltou. Acha mesmo que Shannon está disposta a suportar seu sarcasmo durante
toda a viagem? Depois da maneira como vocês a trataram?
Shannon fitou Ash, surpresa com aquela reação. Só então percebeu que ele também
tinha medo e se encontrava tão preocupado quanto ela. Só esse motivo explicaria a
maneira dura como estava tratando Jenny.
— Pare com isso, Ash. Ela pode vir conosco.
— Já disse que não. A propósito, Jenny, onde está Paula?
— Não sei. Não voltou para casa esta noite; disse que queria manter-se longe do
escândalo. — Ela lançou uma olhada rápida para Jeff e voltou a fitar Ash. — Não vai
mesmo mudar de ideia?
— Não.
Shannon observou a moça virar-se para ir embora e foi a única a escutar suas últimas
palavras murmuradas: "Happy me levará". Jenny correu para a garagem e, minutos
depois, saiu com o carro e desapareceu na curva da estrada.
— Você foi muito duro com ela, Ash.
— Já é hora de Jenny crescer e aprender que as coisas não podem ser sempre do jeito
que ela quer.
— Tenho a sensação de que ainda não será desta vez — Shannon comentou, sorrindo.
Lembrava-se de como Jenny sempre tivera Happy nas mãos quando criança e essa
situação não devia ter mudado muito.
— O quê? — Ash perguntou, mas não pôde prosseguir o assunto. Jeff o chamou e
apontou para duas pessoas que se aproximavam rapidamente à cavalo. O mais estranho
era que os dois animais não corriam juntos. Parecia que um dos cavaleiros tentava
interceptar o outro, galopando depressa, em ângulo reto com o primeiro.
Quando os cavalos se aproximaram, Ash e Jeff resmungaram em uníssono.
Super Sabrina 089 – Selvagem como o Vento (A Wild Wind) Evelyn A. Crowe 82
Shannon tentou identificar quem era aquela pessoa que parecia ter dificuldade em
manter-se sobre o cavalo. Então, percebeu que era uma mulher com uma blusa rosa-
choque e cabelos loiros esvoaçantes.
— Quem é ela?
— A principal repórter do Bartlet Star — Jeff respondeu. — Chama-se Sally Roland.
— O outro palhaço tentando alcançá-la é Bob. Esse rapazinho vai se ver comigo —
Ash ameaçou.
Os cavalos quase colidiram ao passar pelo portão. O cascalho do chão voou em todas
as direções quando os cascos derraparam em uma parada súbita.
Bob desmontou e correu em direção a Ash, gritando.
— Ela veio da fazenda Douglas, patrão. Estávamos de guarda no portão principal
quando a avistei. Ela não parou nem mesmo quando dei um tiro de advertência.
— Será que alguém vai me ajudar a descer deste bicho? Estou com o traseiro todo
dolorido!
Jeff a auxiliou, afastando-se depressa ao perceber que as mãos de Sally demoravam-
se sobre seus ombros largos.
— Você está invadindo minha propriedade, Sally — Ash avisou. — Tenho guardas nos
portões com a missão de manter você e seus colegas fora daqui.
— Mas que hospitalidade! — a repórter ironizou.
— Monte outra vez nesse cavalo e suma da minha frente.
— Ora, Ash, querido, não me trate assim. Eu conheço você há tanto tempo... — Ela
aproximou-se de Ash com um olhar insinuante e Shannon ficou rígida, lembrando-se de
repente de Sally Roland e de sua péssima reputação em relação aos homens.
— Fora! — Ash insistiu.
Sally massageou o traseiro e sorriu ao ver Shannon.
— Eu pensava ser a única pessoa de quem gostavam de falar nesta cidade, porém
você ganhou longe, minha cara. Mas como sei que os boatos começam por aqui, então, não
levei as histórias muito a sério. Você não matou o seu marido, não é?
— Não — Shannon murmurou, pouco convincente.
— Ora, mas você não parece muito segura quanto a isso. — E enfiando a mão no
bolso da camisa, tirou um pequeno bloco de anotações e um lápis.
— Sally! — Ash alertou, colocando-se entre as duas mulheres, no que foi logo
acompanhado por Jeff.
— Que é isso, gente? Só quero uma entrevista exclusiva e, então, prometo não avisar
nosso estimado promotor que vocês estão se aprontando para fugir do Estado. É isso que
Jeff os está ajudando a fazer, não é?
— Bob — Ash chamou. — Leve a srta. Roland para o depósito de selas e tranque-a lá
dentro.
— Ei, espere aí!
— E deixe-a lá por duas ou três horas.
— Sim, senhor. — Sorridente, Bob segurou Sally pelo braço e a levou embora à força.
— Não pode fazer isso comigo, Ash Bartlet! — ela continuou protestando, aos gritos,
enquanto se afastava. — Sou uma repórter e tenho o direito de escrever a verdade. Jeff,
você é o delegado, faça-o parar com isso! Jeff... Jeff...
Os dois homens riram e Jeff começou a selar outro cavalo.
— Bem, conseguimos nos livrar de uma, mas é melhor andarmos depressa antes que
os outros arrumem uma maneira de entrar aqui — ele alertou.
— Que outros, Jeff?
Super Sabrina 089 – Selvagem como o Vento (A Wild Wind) Evelyn A. Crowe 83
— Conte a ela, Ash. Vou colocar meu carro na garagem para que não o vejam de
longe.
— Outros repórteres, querida. Parece que Hamilton contou a história de Dean à
imprensa e ontem à noite já havia vários jornalistas tentando passar pelo portão da
fazenda.
— Oh, Ash! Estou causando tantos problemas! Nada disso teria acontecido se eu não
houvesse voltado.
— E nós também não estaríamos juntos.
— Só espero que você não acabe me odiando no fim de toda esta confusão.
— Como pode pensar numa coisa dessas?
— Fácil. Eu posso terminar na cadeia e o escândalo envolverá todos nós. Jeff colocou
seu emprego e seu futuro em risco por minha causa e Happy já é muito velho para
enfrentar uma situação tão difícil.
— Pare com isso. — Ele a beijou de leve, impedindo que Shannon continuasse a falar.
— Tudo acabará bem, confie em mim. Todos nós estamos a seu lado porque a amamos e
acreditamos em você.
— Ash! — Bridget chamou, caminhando em direção a eles. Jeff vinha saindo da
garagem e ela fez sinal ao delegado para que também se aproximasse. — Tome, Shannon.
Pode precisar disso — E lhe entregou um velho chapéu e uma garrafa térmica. — O meu
chá de ervas com um pouco de conhaque afasta qualquer frio. Agora ouçam aqui. Você
também, Jeff. Stella acabou de telefonar do café para avisar que Hamilton Watts descobriu
sobre esta viagem. Ele saiu da cidade há poucos minutos, dirigindo-se para cá, para pedir a
prisão de Shannon. O canalha resolveu não esperar pelo resultado da autópsia.
— Então vamos logo — Ash decidiu. — Venha, Shannon, deixe-me ajudá-la a subir no
cavalo.
— Ash... — ela murmurou, sentindo a boca seca e o coração aos pulos.
— Não desanime agora. Estamos todos juntos e vamos até o fim.
Shannon respirou fundo para ganhar coragem e deixou que Ash a levantasse até a
sela. Minutos depois, atravessavam o portão da fazenda e punham-se a caminho.
O sol da manhã havia subido mais um pouco no céu e banhava-lhes os rostos com
um brilho ainda pálido, enquanto cavalgavam pelo pasto. Shannon olhou para os dois
homens e começou a rir. A cena a lembrava tanto dos velhos tempos que, por alguns
momentos, esqueceu-se de tudo quanto acontecera nos últimos dez anos e deleitou-se com
o prazer das recordações.
Ash e Jeff certamente haviam se lembrado da infância também, porque ambos
estavam rindo. Os três inclinaram-se sobre as selas e fizeram os cavalos galopar,
desafiando um ao outro. Shannon sentia-se feliz com o vento agitando-lhe os cabelos, até
que avistou o contorno escuro de Devil’s Leap e sua despreocuparão terminou. Reduziu a
velocidade do animal e os homens, percebendo a reação dela, também puxaram um pouco
as rédeas.
Uma vez mais, como no início da viagem, puseram-se lado a lado e prosseguiram em
silêncio.
Shannon estremecia, mas não era apenas por causa da montanha silenciosa e
ameaçadora de que se aproximavam. Por mais que quisesse se lembrar, sabia que, ao
mesmo tempo e deliberadamente, recusava-se a enfrentar o terror que assombrava seus
sonhos desde aquele dia fatídico. Era como se fosse uma criança querendo desafiar o
monstro de seus pesadelos mas sem coragem de tirar a cabeça de baixo dos cobertores.
Porém, não era uma criança. Era uma mulher adulta e, talvez, a autora da morte de
Dean. Como poderia conviver consigo mesma se isso fosse verdade? E Ash? Como ele
Super Sabrina 089 – Selvagem como o Vento (A Wild Wind) Evelyn A. Crowe 84
reagiria?
As sombras começaram a se estender pela paisagem com a rápida aproximação da
noite. Jeff deixou-os para trás e saiu à procura de um abrigo. A brisa leve e gelada parecia
penetrar através das roupas e cortar-lhes os rostos vermelhos de frio.
Shannon mal se aguentava sobre a sela. Sentia-se exausta e o tornozelo doía muito.
Ash puxou as rédeas de seu cavalo e esperou que ela o alcançasse. Então, examinou-a com
uma expressão preocupada.
— Fique firme, querida. Jeff logo encontrará um lugar para passarmos a noite. Daqui
a pouco você estará aquecida e alimentada. Como vai o tornozelo?
— Bem.
— Mentirosa. Eu sei que está doendo, — Ele esticou o braço e acariciou o rosto de
Shannon, satisfeito por notar que os hematomas começavam a desaparecer.
Uma longa série de assobios cortou o silêncio e Ash, reconhecendo o sinal, virou o
cavalo na direção do som. Shannon respirou fundo e o seguiu. Agora que o alívio
encontrava-se próximo, a dor no tornozelo parecia mais aguda. Cavalgaram sob um dossel
de pinheiros perfumados, circundaram arbustos e pedras e, quando ela achava que não
aguentaria nem mais um minuto, sentiu o cheiro reanimador de café e comida. Pressionou
o cavalo com os pés, fazendo uma careta por causa da dor, mas conseguiu alcançar Ash.
A velha cabana usada como acampamento por caçadores reluzia com o brilho
dourado da fogueira acesa. No momento em que Shannon freou o cavalo, Ash já se
encontrava desmontado e pronto para ajudá-la a descer. Ela largou as rédeas e soltou-se
nos braços dele com um suspiro de alívio. Pouco depois, sentava-se em frente ao fogo e Ash
desatava as bandagens de seu tornozelo.
Jeff recolheu um pouco de neve que ainda restava junto às árvores e ajudou Ash a
colocar uma atadura gelada em torno do pé inchado de Shannon. Depois entregou-lhe uma
xícara com café quente e um prato com grandes pedaços de carne e batatas cozidas.
Enquanto isso, Ash a envolvia cuidadosamente em um cobertor grosso.
Sentindo-se quente e confortável, Shannon olhou para os dois homens com uma
imensa ternura. Não lhe passara despercebido que, desde a chegada à cabana, eles haviam
feito todo o possível para que ela não pensasse no que teria de enfrentar no dia seguinte.
Falaram da infância, dos amigos, da fazenda e até de alguns aspectos menos agradáveis do
trabalho de Jeff.
Ela largou a xícara è acomodou-se dentro do saco de dormir. Olhou para Ash através
das pálpebras entreabertas; os cabelos dele haviam adquirido um tom dourado diante da
luz da fogueira. As vozes baixaram para um murmúrio e, embora não pudesse ouvir as
palavras, Shannon sabia que estavam discutindo o que iria acontecer no próximo dia.
Shannon fechou os olhos para que não percebessem sua ansiedade, embora soubesse
que não iria conseguir dormir. A perspectiva de que a manhã lhe trouxesse de volta o
pesadelo era por demais assustadora.
CAPÍTULO XV
O dia seguinte amanheceu perfeito, com o sol brilhando no céu quase sem nuvens e
dissipando um pouco o frio intenso do alto da montanha.
Shannon ajeitou-se na sela, inquieta. O barulho surdo dos cascos dos cavalos no chão
rochoso fazia um contraponto monótono e soturno a seus pensamentos. Quanto mais se
aproximavam do platô da montanha, mais insistentes se tornavam as dúvidas em sua
cabeça.
Super Sabrina 089 – Selvagem como o Vento (A Wild Wind) Evelyn A. Crowe 85
Por que Dean tentara estrangulá-la?
Virou-se para trás e fitou Ash, mas ele vinha distraído e em silêncio, perdido em seu
mundo particular.
Seria possível que ela tivesse odiado tanto o marido a ponto de tirar-lhe a vida? Seria
uma assassina?
Não adiantava procurar dentro de si, porque as respostas não se encontravam lá.
Dias inteiros haviam sido apagados de sua memória e não conseguia recuperá-los por mais
que tentasse.
As árvores começaram a escassear conforme aproximavam-se do topo. As rédeas
tremeram nas mãos de Shannon. Estavam quase chegando ao acampamento, onde sua
vida sofrera uma mudança abrupta. Queria fechar os olhos e ver-se longe dali, de volta ao
conforto da casa do avô. Havia um zumbido em seus ouvidos e podia sentir a neve intensa
penetrando através da roupa, embaçando-lhe a visão.
Sacudiu a cabeça, atordoada, e olhou em volta. A brisa era suave e o sol quente
banhava-lhe o rosto. O pesadelo começara.
Ash e Jeff prosseguiam como sentinelas estóicas, mantendo-a entre eles enquanto
subiam a montanha por trilhas perigosas, beirando precipícios. Tudo o que Shannon
queria era voltar para casa. Jeff desapareceu numa curva e ela o seguiu mecanicamente,
reconhecendo o caminho. Fariam uma nova curva, depois haveria uma reta e subiriam
uma encosta íngreme que os levaria ao platô de Devil's Leap e ao acampamento deserto.
Olhou em volta com uma expressão cautelosa; toda a paisagem lhe parecia
assustadora. As poucas árvores tinham os troncos inclinados devido à força do vento que
soprava dos altos picos nevados, e as moitas, desprovidas de folhagem, pareciam crescer
diretamente das rochas. Esparsos tufos de grama lutavam pela vida no solo ressecado pelo
frio.
O barulho do vento agitando uma tenda desmontada chamou-lhe a atenção. Era o
acampamento. Seus mantimentos, carregados por animais famintos e curiosos,
espalhavam-se pela área.
Shannon nem viu os homens desmontarem dos cavalos; tinha os olhos fixos no
cenário. Ash a segurou pela cintura e, antes que ela pudesse lutar contra o inevitável,
colocou-a no chão e a abraçou.
— Chegou a hora, querida.
— Eu sei — ela murmurou, rígida.
— Lembra-se de alguma coisa?
— Não.
— Dê tempo a ela, Ash — Jeff aconselhou. — Solte-a, deixa-a andar por aí e vamos
ver o que acontece.
Ash lançou um olhar zangado ao amigo mas, mesmo relutante, liberou Shannon de
seu abraço.
— Como está o tornozelo?
— Melhor. — Ela experimentou apoiar o pé no chão, porém não se afastou da
segurança da companhia de Ash.
— Vá dar uma olhada no acampamento. Talvez algo volte à sua memória — Ash
incentivou.
Shannon fez um sinal afirmativo com a cabeça, mas não se moveu. Tinha o rosto
tenso e apavorado.
— E se eu não conseguir? O que vai acontecer?
— Tente. — Ash lhe sorriu, tentando transmitir uma segurança que não sentia.
Queria ajudá-la, mas não sabia como. Tinha as mãos atadas até que atingissem o objetivo
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que os levara à montanha. Nada mais podia fazer além de amá-la. Segurou-a pelos ombros
e a fitou, procurando não demonstrar a agonia que lhe causava aquele rosto pálido de
olhos amedrontados. — Ouça, Shannon, eu te amo. Nunca a amei tanto como agora. Não
importa o que acontecer, estarei sempre a seu lado. Confio em você e sei que as coisas que
aconteceram aqui em cima não foram culpa sua. Mas precisa tentar se lembrar.
— Por você, Ash?
— Não, querida, por nós dois. — Ele inclinou-se e beijou-lhe os lábios frios.
Shannon sorriu sem muita vontade e caminhou devagar até o acampamento.
Examinou a área procurando um sinal, uma pista para o pesadelo que lhe bloqueava a
mente. Nada. Tropeçou em um cantil verde, abaixou-se para pegá-lo e sacudiu a cabeça.
— Lembrou alguma coisa? — Ash perguntou, vindo logo atrás dela.
— Não.
E continuou a andar, com o pânico começando a corroê-la por dentro. Percebeu uma
colher meio escondida sob uma pedra, com pequenas marcas de dentes de algum
animalzinho noturno.
— E então? — Ash murmurou.
— Nada.
Ele suspirou e Shannon teve vontade de gritar. Lágrimas espessas inundaram-lhe os
olhos.
Shannon continuou percorrendo o perímetro do acampamento. Quando viu o sol
bater sobre um objeto brilhante, respirou fundo e penetrou no círculo imaginário que sua
mente havia estabelecido como limite. Abaixou-se e pegou do chão um pacote metálico de
suco de laranja em pó, mas logo tornou a largá-lo como se lhe queimasse os dedos.
— Alguma coisa?
— Não adianta, Ash. Eu não me lembro. Tudo parece familiar, mas ao mesmo tempo
estranho.
— Continue tentando — Jeff interveio, segurando o braço do amigo para mantê-lo
afastado. Mas Ash soltou-se e seguiu Shannon para o centro do acampamento.
Ela agachou-se e examinou os restos de uma fogueira, massageando as têmporas em
uma tentativa de estimular a memória. Teria preparado alguma refeição? O que poderia ter
sido?
— Lembrou alguma coisa? — Ash insistiu, agachando-se ao lado dela.
— Nada! Nem um mísero detalhe.
Havia um toque de histeria na voz dela e Ash tentou acalmá-la. Ouviu Jeff
resmungar, mas não lhe deu atenção.
— Fique calma. Não é preciso forçar, Shannon, apenas relaxe. — Atrás deles, Jeff
voltou a murmurar um protesto. — Qual é o problema, Jeff? — Ash esbravejou, voltando a
baixar a voz logo em seguida. — Acalme-se, Shannon. Tente se lembrar do momento em
que você e Dean saíram de Rocking W para a caçada.
— Mas eu não sei, Ash! — ela exclamou, com lágrimas correndo pelo rosto. — Já
tentei, mas não consigo.
— Continue tentando, não desista. — Ash ignorou quando Jeff tossiu. — Olhe em
volta, estas coisas devem ser familiares para você.
— Claro que são — ela respondeu, levantando-se e enxugando os olhos com as mãos.
— Acampei várias vezes em minha vida. Usei cada um destes objetos em centenas de
ocasiões. Acontece que não me lembro e acho que nunca irei me lembrar. Talvez seja
melhor Jeff me prender e me levar de volta à cidade.
— Nunca mais me diga isso, Shannon. É a minha vida também que você está jogando
para o alto com essa auto-piedade. Pense, tente lembrar.
Super Sabrina 089 – Selvagem como o Vento (A Wild Wind) Evelyn A. Crowe 87
— Agora chega! — Jeff interveio, segurando Ash pelo braço e fazendo com que ele se
levantasse. Os dois homens se fitaram como guerreiros prontos para uma batalha. — Ash,
pare de acossá-la, pelo amor de Deus! Como espera que Shannon se lembre de alguma
coisa com você bafejando junto ao pescoço dela como um dragão? Já me deixou tão
irritado com esse negócio que nem sei mais o que comi no café da manhã!
— Vá para o inferno!
— Está com vontade de bater em mim, não é? Pois bem, vá em frente. Talvez isso
ajude a aplacar um pouco sua raiva. Só que nossa briga não vai ajudar em nada. Venha
comigo e a deixe em paz. Quero que você dê uma olhada no precipício.
Sentindo-se um completo idiota, Ash sorriu e afastou-se com Jeff.
O alívio de ter sido deixada sozinha não durou muito para Shannon. O tremor
interno recomeçou e ela virou-se para as cinzas negras da fogueira.
Um calor intenso aqueceu-lhe as pernas através da calça quando chamas azuis e
amareladas puseram-se a dançar com o vento. Em pânico, Shannon olhou em direção a
Ash e Jeff. Eles estavam em pé ao lado do precipício de Devil's Leap, virados para ela, mas
não pareciam ver nada de anormal. Voltou a fitar a fogueira. O fogo reacendera, quente e
vibrante, mas apenas ela conseguia vê-lo.
"— Dean, temos de sair daqui. Há uma tempestade terrível se aproximando.
— Que benção divina ter a capacidade de prever o tempo! Você tem linha direta com
Deus?
— Não banque o engraçado. Basta olhar para o céu."
Shannon fechou os olhos e tornou a abri-los. Não havia fogo nem calor, apenas
cinzas no local onde existira uma fogueira. Apertou os braços ao longo da cintura e
afastou-se depressa, olhando para trás apenas, uma vez para ter certeza de que as chamas
encontravam-se apagadas.
Ash percebeu que algo estava acontecendo. Shannon agia de urna maneira muito
estranha.
— Acho que está começando — murmurou para Jeff.
Shannon sentou-se em uma pedra, convencendo-se de que fora tudo uma alucinação.
Então o vento começou a uivar em sua cabeça e ela tapou os ouvidos com as mãos para
protegê-los do frio intenso.
"— Vou deixar você, Dean. Estou falando sério.
— Nunca deixarei que você faça isso. Nunca!
— Não quero ouvir a sua opinião. Estou em casa agora." Shannon baixou as mãos e
apoiou-se nas pernas. A brisa era suave e morna, acariciando-lhe o rosto. O sol quente
banhava-lhe os cabelos negros. Levantou-se e caminhou alguns passos, mas parou de
repente.
"— Pensa que Happy vai ajudá-la? Ou Ash?
— Sim. — Ela estremeceu ao ouvir a risada cruel e sarcástica de Dean.
— Eles acham que você é uma prostituta, uma depravada. Já cuidei disso. Vão querer
distância de você. Eu a tirei de Ash uma vez e farei isso de novo.
O vento aumentou, cada vez mais frio e cortante. Nuvens escuras agrupavam-se
cobrindo todo o céu.
— Nunca amei você e isto ficou claro desde o início. Eu nunca te amei, Dean!
— Sempre houve uma terceira pessoa na cama conosco: Ash. Fui forçado a dividi-la e
não gosto disso. Ele estava com você dia após dia, noite após noite. Sempre em seus
pensamentos. Ah, como eu o odeio! E odeio você também!
Ela caminhou até seu cavalo, afagou-lhe o pescoço e colocou-lhe a sela.
— Dean, temos de ir agora ou não conseguiremos descer a montanha. A tempestade
Super Sabrina 089 – Selvagem como o Vento (A Wild Wind) Evelyn A. Crowe 88
não vai demorar para cair.
— Não deixarei você voltar para Ash, Shannon. Ele nunca mais a terá.
— Você me enoja. Se quiser, fique. Eu estou indo embora." Shannon baixou os olhos.
Não havia sela alguma em suas mãos nem cavalo ao alcance de seu toque. Nada além do
amplo espaço vazio. Ela estremeceu. O que estaria acontecendo?
Ash e Jeff observavam-lhe os movimentos, fascinados pela re-constituição da cena.
Ash deu um passo à frente, sem saber se deveria ou não aproximar-se dela e interromper a
alucinação. Porém, Jeff o deteve.
— Deixe-a ir até o fim.
— Olhe só para ela, Jeff. É como se estivesse andando durante o sono, mas está
perfeitamente acordada.
Shannon correu para longe dos cavalos imaginários, sentindo-se tola e assustada. No
centro do acampamento, fez uma pausa, mudou de direção e deu alguns passos na direção
do precipício. Então, parou. Um floco de neve caiu em seu rosto deixando uma sensação
fria e molhada.
"— Ele nunca irá acariciar esse seu corpo apetitoso, nem beijar seus lábios, nem
gritar de êxtase a seu lado. Ash ficará apenas com as recordações, assim como eu. Vou
matar você antes de deixar que ele a toque outra vez.
— Você está louco.
— Estou mesmo, doçura?
— Não pode fazer isso.
— Ah, não? Todos dirão que foi um acidente."
O vento furioso batia no rosto dela e a neve picava-lhe a pele como a ponta de uma
agulha.
Shannon sacudiu a cabeça, atordoada. O sol a aquecia e ela inalou profundamente o
ar fresco da montanha. De repente, não conseguia mais respirar, como se algo lhe estivesse
obstruindo a garganta.
— Ash, Ash... me ajude.
"— Talvez uma queda do. precipício.
Dean ria cheio de sarcasmo cada vez que ela tentava escapar."
— Ash, ele está vindo na minha direção, me forçando a andar para trás. — Seu
pesadelo já não permanecia silencioso. Agora ela descrevia em voz alta, para os dois
espectadores, o que havia acontecido. — Ele está louco.
O vento uivava forte, abafando metade das palavras cheias de ódio que Dean lhe
dirigia.
— Não consigo ouvi-lo. — O medo quase a paralisou, mas o rosto furioso do marido,
os olhos brilhando de forma estranha, as pupilas dilatadas e negras como a morte a faziam
continuar caminhando lentamente para trás. — Ele vai mesmo me matar! — declarou,
aterrorizada.
Ash a viu tropeçar em uma pedra, recobrar o equilíbrio e, então, abaixar-se para
pegar algo no chão. Porém, não havia nada nas mãos dela. Olhou para Jeff e conteve a
respiração.
Shannon levantou o braço, brandindo sua arma invisível.
— Ele está rindo de mim, dizendo que não terei coragem de usar isto. Mas eu terei, se
ele chegar mais perto! — E virou-se devagar, ficando de frente para os dois homens que
permaneciam imóveis junto ao precipício. Os olhos dela seguiam o fantasma de Dean,
tentando calcular-lhe o próximo movimento para poder atacá-lo. O frio intenso minava-lhe
a energia, a neve espessa atrapalhava a visão. Piscou para tirar os flocos de neve dos cílios.
Dean tirou vantagem da pequena distração e entrou em ação.
Super Sabrina 089 – Selvagem como o Vento (A Wild Wind) Evelyn A. Crowe 89
Shannon baixou os braços e as palavras seguintes soaram roucas e ofegantes.
— Não consigo respirar. — Uma vez mais, reparou nos olhos transtornados de Dean e
ouviu-lhe o murmúrio selvagem: "Vou matar você antes de deixar Ash possuí-la".
Lembrou-se da terrível pressão em torno do pescoço, a qual aumentava cada vez mais. Viu
pontos de luz dançarem diante dos olhos e percebeu que ia morrer.
— Eu sabia que se não fizesse alguma coisa, ele iria me estrangular ou me atirar no
precipício — Shannon contou, parecendo voltar à realidade. A cena ficara nítida em sua
mente. — Estávamos muito perto da borda. Então, sem qualquer motivo aparente, Dean
me soltou. Era como se houvesse mudado de ideia. Ficou olhando para trás de mim com
uma expressão que eu nunca vira antes. Permaneci imóvel, ainda estava muito
aterrorizada para me mover. Ash, eu não matei Dean. — Ela inspecionou as mãos vazias
mais uma vez, como para ter certeza do que acabara de afirmar. Então, voltou-se para os
dois homens que a observavam e surpreendeu-se ao ver lágrimas nos olhos de Ash. — Eu
não o matei! Peguei um galho quebrado no chão, e não o rifle dele.
Ash fez um movimento em direção a ela, mas Jeff o segurou.
— O que aconteceu depois, Shannon? Quem atirou em Dean?
O alívio que ela sentira ao descobrir que era inocente dissipou-se com a pergunta de
Jeff. Dirigiu-lhe um olhar de súplica, mas, pela expressão do delegado, soube que não
adiantaria tentar esconder.
— Acabe de contar o que houve, Shannon — ele insistiu.
— Bem, você sabe como o vento pode ser violento em uma tempestade. Às vezes,
quando passa por cavidades nas rochas, produz sons quase humanos. Eu pensei ter ouvido
um grito agudo, mas estava tão apavorada que não tive certeza. Devo ter caído de joelhos
enquanto Dean me apertava o pescoço, porque ele parecia estar sobre mim. Então, escutei
um barulho forte, como se o vento tivesse quebrado alguma árvore morta. Quando voltei a
levantar os olhos, Dean se moveu. Deu um passo para trás e parou, com uma expressão
surpresa no rosto. Tentou dizer algo e foi aí que eu vi a mancha vermelha no peito dele. De
repente, desequilibrou-se e caiu para trás. Acho que eu ainda não tinha compreendido o
que estava acontecendo até que toquei a camisa de Dean um segundo antes de ele cair e
minha mão ficou suja de sangue. Limpei-a na frente do casaco, desesperada para me livrar
daquele líquido pegajoso e, então, sem nem pensar no que fazia, tirei o casaco e o joguei
sobre a neve. Quando voltei a olhar para o local onde Dean se encontrava, não vi mais
ninguém. Arrastei-me até a borda do penhasco e... — Shannon estremeceu. Nunca se
esqueceria daquele terrível panorama, do precipício vazio e sem fundo e do vento forte a
empurrando para dentro do poço escuro.
Determinado, Ash livrou-se da mão de Jeff e tomou Shannon em seus braços.
— Quem foi, Shannon? Quem atirou em Dean?
— Quando... quando eu me afastei da borda e me virei, percebi que estava correndo
um perigo muito maior do que antes. Tudo em que pude pensar foi correr.
— Quem?
O silêncio que se seguiu foi quebrado pelo som de uma bota pisando num galho seco.
Então, um tiro ecoou pelo ar e os três olharam na direção do estampido.
Shannon sentiu o sangue gelar nas veias. Tentou soltar-se dos braços de Ash e correr,
mas ele a segurou com mais força. Esperou, apavorada, sabendo que o que estaria por
acontecer seria, de certa forma, sua culpa.
O som de galhos pisados recomeçou e Jeff colocou a mão no revólver que tinha preso
à cintura.
— Eu não pretendia matá-lo. — A voz soou de trás de um grupo de árvores. — Dean
me prometeu livrar-se dela, mas eu estava vendo e ouvindo tudo e percebi que ele só
tentava assustá-la, amedrontá-la de tal forma que ela tivesse medo de deixá-lo. Era um
Super Sabrina 089 – Selvagem como o Vento (A Wild Wind) Evelyn A. Crowe 90
covarde e mentiroso. Então, resolvi fazer o trabalho por ele. Fiz a mira nela, mas ela se
mexeu.
A voz já não soava como vinda do nada, pois a pessoa saiu do abrigo e mostrou-se à
luz do dia. O cano longo de um rifle refletiu o sol ao levantar-se em mãos firmes e apontar
cuidadosamente para Shannon.
— Agora posso terminar o que comecei.
CAPÍTULO XVI
— Paula! — Ash murmurou, mal podendo acreditar no que via. — Não! Não! —
gritou, puxando Shannon para trás de si.
Jeff colocou-se ao lado do amigo, usando também o próprio corpo como escudo.
— Abaixe a arma, Paula. Agora.
Ash repreendia-se em silêncio, devia ter percebido que havia algo errado: Mas
preocupado com os próprios sentimentos, não lhe sobrara tempo para ver o que acontecia
dentro de sua própria casa.
Segurou a mão de Shannon e apertou-a como para assegurar-se de que ela ainda
estava lá. Devia ter prestado mais atenção no comportamento irracional de Paula, na
maneira como se deixara decair. Ela agia de modo estranho desde a chegada de Shannon.
Mas, assassinato? Nunca poderia ter imaginado isso.
— Jeff, ela não está no juízo perfeito. Não faça qualquer movimento suspeito ou ela
pode puxar o gatilho. Deixe-me falar com ela. Shannon, fique atrás de mim e não abra a
boca. — Ash respirou fundo e dirigiu-se à madrasta com a mesma voz suave e persuasiva
que usava para amansar potros selvagens. Shannon fechou os olhos, torcendo para que
desse certo. — Paula, faça como Jeff disse e largue o rifle. Você na verdade, não quer ferir
ninguém. Venha, tudo vai acabar bem. Nós daremos um jeito. Paula, por que agiu assim? O
que Shannon lhe fez?
Jeff começou a afastar-se discretamente dos amigos.
— Ela tirou Dean da minha menina — Paula respondeu.
— De Jenny? — Ash sentia os músculos rijos de tensão. — Mas isso não faz sentido,
Paula.
Shannon estremeceu, lembrando-se da fotografia de Paula e Dean juntos e de como
se sentira mal com a expressão do rosto dele; um olhar lascivo de triunfo sexual. Agora
percebia que o olhar não era dirigido a Paula, mas à pessoa que segurava a câmera: Jenny.
Um acesso de náusea a fez apoiar a testa nas costas de Ash e engoliu em seco. A doce,
ingênua Jenny, sempre dominada pelas vontades da mãe. De alguma forma, Dean havia
tomado parte na obsessão de Paula em encontrar um marido rico para a filha. Era incrível
como, mesmo depois de morto, aquele canalha continuava sua vingança contra as pessoas
que Shannon amava.
Paula afastou-se das árvores, com o rifle ainda apontando para eles. Moveu-se ao
longo da trilha estreita junto à borda do penhasco e fez com que os outros se reunissem no
centro do acampamento. Jeff tentou escapar, mas ela o viu e gritou com uma voz fria como
gelo.
— Agora!
— O que vai fazer, Paula? — Ash perguntou. — Matar a nós três? Seja sensata.
— É tudo culpa de Shannon. Afaste-se dela, Ash. Jeff, não volte a se mover.
Ash olhou em volta procurando um abrigo, algum local onde pudesse se esconder e
manter Shannon em segurança enquanto tentava obter de Paula uma explicação racional
Super Sabrina 089 – Selvagem como o Vento (A Wild Wind) Evelyn A. Crowe 91
para a situação. Mas não havia para onde ir. Tinha de ganhar tempo até que ele ou Jeff
tivessem alguma ideia. Lançou uma olhada rápida para o amigo e compreendeu de
imediato a mensagem que ele lhe enviava. Ash fez um sinal afirmativo com a cabeça e ia
dizer alguma coisa quando Shannon murmurou em seu ouvido. Ela também estivera com a
mente em atividade à procura de uma saída.
— A trilha, Ash. Poderíamos chegar até lá. As rochas nos servirão de escudo mas
precisamos de algo para distraí-la.
— Eu já lhe disse para afastar-se dela, Ash — Paula repetiu. — Por favor, não me faça
machucar você também.
A voz suave e sensata da madrasta o assustou mais do que as explosões emocionais
anteriores. Era evidente que Paula pretendia matar Shannon mesmo que tivesse de
atravessá-lo com uma bala, primeiro.
— Paula, ouça, estou disposto a vender parte das terras e contratar o melhor
advogado de Montana para tirá-la desta encrenca. Por favor, deixe-me ajudá-la.
Por um instante, as feições de Paula pareceram suavizar-se em confusão, mas logo
em seguida tornaram-se mais duras e determinadas que antes. Só então Ash percebeu que
fora um engano falar em dinheiro. Isto servira apenas para alimentar o ódio de Paula
contra Shannon.
Antes que Ash pudesse pensar em algo para amenizar o que dissera antes, o barulho
de cavalos se aproximando às pressas pela trilha chamou a atenção de todos. Logo os
animais fizeram a última curva e surgiram à vista. Jenny desmontou antes que o cavalo se
endireitasse após a parada brusca.
Happy vinha logo atrás e saiu da montaria com igual rapidez.
— Mamãe, não!
Atrapalhada com o súbito aparecimento de mais gente, Paula moveu o rifle de um
lado para outro mas acabou voltando a fixar a mira em Ash e Shannon.
— Fique onde está, Jenny.
— Mamãe, você ficou louca?
Jeff moveu-se tão rápido na confusão que se criou com a chegada de Jenny que
ninguém o percebeu e ele pôde colocar-se na frente da moça.
— Isto já foi longe demais. — As palavras de Jeff foram interrompidas quando lascas
de pedra levantaram-se em suas botas. Paula havia atirado a poucos centímetros de seu pé.
Todos ficaram paralisados, exceto Jenny. Ela deu a volta em Jeff e caminhou em
direção à mãe.
— Você matou Dean, não é?
— Eu não tinha essa intenção, querida. Foi um acidente. Por favor, me perdoe.
— Perdoar você? Fico contente por ele estar morto. Está me ouvindo? Eu fiquei com
ódio dele depois que... — Ela parou e lançou um olhar angustiado para Jeff.
— Você não está falando sério, filhinha. Você o amava.
— Eu o desprezava, mamãe. Foi você quem planejou tudo. Você me empurrou para
ele e nunca considerou meus sentimentos ou o tipo de homem que Dean era. Acho que a
odeio tanto quanto odiava a ele.
— Queria saber o que está havendo — Ash murmurou.
— Acho que logo descobriremos — Shannon respondeu. — E pelo jeito de Jenny,
imagino que Jeff não vai gostar da história.
Ela olhou para o avô, que se aproximava deles sem dar atenção ao rifle que Paula lhe
apontava.
— É uma história bem feia — ele comentou. — Jenny me contou tudo que aconteceu
na Europa e na fazenda. Foi assim que me convenceu a trazê-la até aqui.
Super Sabrina 089 – Selvagem como o Vento (A Wild Wind) Evelyn A. Crowe 92
— Europa? Fazenda? Do que ele está falando, Shannon? — Ash nem esperou pela
resposta. Fez com que Happy se colocasse na frente da neta e caminhou para junto de Jeff
e Jenny. — Alguém quer me contar o que está havendo?
— Vai contar a eles, mamãe? Ou prefere que eu conte? — Jenny perguntou,
chorando.
— Agora não importa mais, querida. Ele morreu e todas as promessas eram
mentiras.
— Claro, mamãe. Ele fez a nós todos de bobos. — Jenny enxugou as lágrimas com a
manga da blusa. — Mamãe e eu nos encontramos com Dean em Paris. Ele bancou o guia
turístico, nos pagou jantares e até comprou casacos de peles para nós duas. Ele conhecia
mamãe e sabia como ela sempre foi obcecada por dinheiro e pela ideia de me encontrar um
marido rico. Durante todo tempo ele ficava dando em cima de mim e ela o encorajava.
— Mas ele a amava, querida. Disse-me várias vezes que, se Shannon não fosse tão
gananciosa, ele se separaria para casar com você.
— E tomar conta de você, mamãe? Ele prometeu que lhe daria o estilo de vida que
você merecia, não é?
— Claro, afinal sou sua mãe. Você precisaria de mim para lhe ensinar como se
comportar na alta sociedade.
— Às vezes você me surpreende, mamãe. — Jenny mantinha a cabeça baixa,
envergonhada. — Deixou que Dean me seduzisse e me pressionou a ir para a cama com ele.
— Ela levantou os olhos e fitou Jeff. A expressão fria dele a fez ter vontade de morrer. No
entanto, já chegara longe demais para recuar. Jeff merecia saber o que ela havia feito. —
Dean prometeu a mamãe que daria um jeito de livrar-se de Shannon para casar comigo. Eu
fiquei confusa, mas ao mesmo tempo lisonjeada. Porém, não sabia como ele era e não tinha
intenção de dormir com ele. Sei que isso não é desculpa, Jeff, mas simplesmente
aconteceu.
Jeff apenas a fitava, com o rosto duro como pedra.
— Por favor, compreenda — ela prosseguiu. — Dean vivia falando que Shannon lhe
arruinara a vida e comentava o quanto as coisas haviam mudado aqui depois que ela
partira daquela maneira. Isso era verdade. Ash nunca mais foi o mesmo, tudo ficou
diferente. Jeff, não me olhe assim! Pela primeira vez na vida estou tentando enfrentar as
consequências de meus atos. Por favor, me ouça! Sei que pode parecer loucura, mas Dean
me fez sentir que, indo para cama com ele, eu estaria me vingando de Shannon pelo caos
que havia causado em nossas vidas. Sei que isso não é desculpa para o que eu fiz e nunca
me arrependi tanto de alguma coisa. — Ela cobriu o rosto e pôs-se a chorar. Os soluços
sacudiam seu corpo frágil.
— Como vê, querida, foi tudo culpa dela. — Paula levantou o rifle uma vez mais e
ajustou a mira em Shannon. — Saía da frente, Happy. Você a protegeu a vida toda. Não
pode mais fazer isso.
— Mas eu posso. — Ash colocou-se na linha de fogo. — Você não vai matar Shannon
nem ninguém. Entregue-me o rifle, Paula.
Shannon susteve a respiração, apavorada. Podia sentir a transformação em Ash:
passara de confusão e tristeza pelo que a madrasta havia feito para uma raiva intensa.
Ash deu mais um passo à frente. Jeff o seguiu. Paula apontou o rifle para eles e
moveu-se alguns centímetros para trás.
— Parem ou eu atiro!
— Agora você vai me contar o que aconteceu na fazenda. O que mais você fez, Paula?
— Vão para trás, estou avisando!
— Conte a ele, mamãe. Conte a Ash como você deu o remédio a Shannon e, depois,
não me avisou de propósito, de forma que eu lhe desse uma dose dobrada. Conte como
Super Sabrina 089 – Selvagem como o Vento (A Wild Wind) Evelyn A. Crowe 93
você abriu o portão para o touro entrar no mesmo cercado em que Shannon se encontrava.
Depois conte a Ash como você saiu uma manhã destas com esse rifle e esperou, em uma
curva da estrada, que Shannon passasse de carro após sair da casa de Happy. Você não
sabia que Ash estava com ela e quase matou os dois.
Ash grunhiu como um animal raivoso e pulou sobre Paula.
Shannon gritou quando Happy jogou-a ao chão, cobrindo-a com seu corpo. Mesmo
sem ar pelo susto e pela queda, ela manteve os olhos fixos na cena que se desenrolava à sua
frente.
Quando Ash deu vazão a sua fúria e atacou Paula com a ajuda de Jeff, ela retrocedeu
até a beira do penhasco. Cambaleou enquanto tentava firmar o rifle sobre o ombro, mas o
ataque de surpresa e o apoio precário de seus pés a fizeram perder o equilíbrio. Mesmo
assim, fez mira com a arma sobre a cabeça dos homens e, num último esforço para manter
o controle da situação, puxou o gatilho. Com o tiro, o rifle deu um coice violento e jogou
Paula para trás, sobre a borda do penhasco.
Atordoada, Shannon sentiu que já havia encenado aquela peça, só que com
personagens diferentes. Seu grito misturou-se aos de Jenny e ela fechou os olhos. Eram
tragédias demais em um curto espaço de tempo, e todas por sua culpa.
Happy a ajudou a levantar-se, falando com ela, mas Shannon não conseguia ouvir o
que ele lhe dizia. Sentia-se entorpecida e cansada, com uma enorme sensação de culpa.
Nunca deveria ter voltado para casa.
— Shannon. — Ash aproximou-se e tomou-a nos braços. — Você está bem?
— Estou. E Jenny? Como ela está?
— Jeff está cuidando dela. Minha preocupação agora é você. Sabe muito bem que
nada do que aconteceu foi culpa sua. — Ele segurou o rosto de Shannon e enxugou as
lágrimas que desciam pelas faces pálidas. — Eu te conheço, querida. Não vou deixar que se
culpe por isto.
Os soluços de Jenny ecoavam pelo ar e Shannon soltou-se dos braços de Ash.
— Ela precisa de mim, Ash. Jeff está muito perturbado para poder ajudá-la.
Um pouco mais tranquilo por ver que ela estava bem, Ash a deixou ir e juntou-se a
Jeff e Happy na beira do penhasco. Sentia-se como se tivesse envelhecido vinte anos em
questão de minutos.
Shannon olhou para Jenny e sentiu um aperto no coração ao vê-la tão sozinha com
tanta dor. Sem hesitar, aproximou-se da moça e a abraçou. As pernas de Jenny
fraquejaram e ambas caíram de joelhos no chão duro. Shannon a apertou contra o peito e
começou a embalá-la, tentando lhe transmitir algum conforto.
— Estas últimas semanas tive tanto ódio de mamãe! Às vezes, quando estava sozinha
à noite, chegava a desejar que ela morresse. Mas não era a sério!
Shannon conhecia os riscos de desejar a morte de alguém. Quantas vezes nos últimos
dez anos não fizera o mesmo? Como Jenny, aprendera da pior maneira que desejos
destrutivos podiam se tornar realidade.
Jenny engoliu em seco e recomeçou a falar, entre soluços.
— Todos estes anos eu culpei você por tudo que acontecia de errado. Amo Ash como
se ele fosse meu irmão de verdade e o sofrimento dele me magoava. Happy também
mudou e não tinha mais tempo para mim. Coloquei isto nas suas costas também. Mas não
foi você, não é, Shannon? Fui eu. Eu não queria crescer e encarar o mundo e ficava sentida
com as mudanças ao meu redor. Mamãe me criou em um mundo de conto de fadas e era lá
que eu queria ficar. Sabe, eu pensava em você como uma segunda mãe e você me
abandonou, fez como meu pai, foi-se. Mamãe sempre me deixava por dias ou semanas com
amigos para ir a festas. Mesmo depois que ela se casou com o senador e eu acreditei que
por fim teria um lar de verdade, eles viviam viajando. Mas eu tinha Ash e você. Porém, bem
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no momento em que eu precisava mais de você para me ensinar como enfrentar mamãe,
você foi embora. Eu não consegui confrontá-la sozinha, ela sempre foi forte demais para
mim. Isto foi culpa minha e não sua, mas tinha de culpar alguém por minha própria
fraqueza. — Ela fungou e tentou forçar um sorriso. — Sinto muito por tudo que disse a seu
respeito. Você é a pessoa mais forte e maravilhosa que já conheci e eu a amo, Shannon. Por
favor, diga que me perdoa.
— Mas é claro que perdoo, Jenny. E não seja muito dura consigo mesma por causa de
Dean. Nós duas sabemos bem como ele era, não é verdade?
— Ah, sim, nós sabemos mesmo. Ele era cruel. Ouça, eu nunca soube com certeza o
que mamãe andava fazendo. Tinha apenas suspeitas. Mas ontem, quando contei os fatos a
Happy, nós ligamos as coisas e tudo ficou muito claro. Se eu estivesse com a cabeça no
lugar, teria adivinhado antes. Mas havia Jeff... — Ela olhou para o delegado e voltou a fitar
Shannon. — Quando nós voltamos da Europa, eu odiava mamãe e a mim mesma por ter
deixado que ela me convencesse a fazer aquilo. Queria contar tudo logo a Jeff, mas mamãe
disse que ele nunca me perdoaria. E eu acreditei nela e comecei a tratá-lo mal. Mas ela
tinha razão. Jeff não suporta nem olhar para mim. Ele jamais conseguirá esquecer.
— Dê-lhe algum tempo. Jeff é uma pessoa compreensiva e conhecia bem demais a
sua mãe. Sei que ainda a ama e, acredite em mim, sentimentos não são coisas superficiais
para Jeff. Ele vai voltar.
Jenny apoiou a cabeça no ombro de Shannon e começou a chorar outra vez.
— Shannon!
Ao ouvir seu nome, Shannon levantou os olhos e viu Ash de pé à sua frente, com o
rosto pálido sombreado pela aba do chapéu.
— O que foi?
— A queda de Paula foi interrompida por alguns arbustos e uma espécie de
plataforma. Está presa aos galhos de forma meio precária, mas acreditamos que esteja
viva. Eu e Jeff vamos descer para pegá-la. Happy vai precisar da ajuda de vocês. — Ele
segurou Jenny pelos ombros e fez com que a moça o encarasse. — Você acha que tem
condições de ajudar, maninha?
— Claro. Ela... ela está consciente, Ash?
— Não, e isto é bom para nós. Assim ela não se moverá.
Todos trabalharam depressa. Happy e Shannon tiraram o equipamento do cavalo de
carga. Jenny pegou uma machadinha e cortou alguns galhos fortes para servirem de
suporte para uma maca improvisada.
Ash e Jeff amarraram cordas nas selas dos cavalos e levaram os animais para perto
do penhasco. Então, começaram a discutir quem desceria para salvar Paula.
— Ela é minha madrasta, portanto a responsabilidade é minha.
— Sim, mas se algo acontecer lá em baixo... se ela recobrar a consciência, entrar em
pânico e cair, você nunca irá se perdoar.
— Eu irei assim mesmo.
— Teimoso como sempre, hein? Está bem. Seja um herói., mas tome cuidado. — Jeff
deu-lhe um tapinha no ombro, sorrindo. — Eu cuidarei da corda quando você a amarrar.
Shannon ouviu a conversa e olhou para Happy com um sorriso tenso. Sabia que seria
inútil dizer a Ash para não ir; quando ele punha uma coisa na cabeça, ninguém o fazia
mudar de ideia.
Jenny aproximou-se correndo com dois longos galhos de árvore. Deixou-os no centro
do acampamento e observou os últimos preparativos de Jeff e Ash. Sentia uma enorme
vontade de ir para perto de Jeff, mas conteve-se. Quando ele a chamou, Jenny deu um pulo
de susto e apressou-se a atendê-lo.
— Quero que você e Shannon segurem as rédeas na frente dos cavalos. Quando
Super Sabrina 089 – Selvagem como o Vento (A Wild Wind) Evelyn A. Crowe 95
Happy avisar, vocês começarão a puxar os animais lentamente para frente. Happy, você
cuida da corda de Ash, tomando cuidado para que não se enrosque em nada. Eu ficarei
com a corda de Paula.
Com o coração aos pulos, Shannon viu Ash prender uma corda em torno da cintura,
sobre o casaco grosso para que a fricção não lhe machucasse a pele. Depois, ele enrolou a
segunda corda no braço, de uma forma que lhe permitisse removê-la rapidamente para
amarrá-la em Paula.
Ash foi até a beira do abismo, parou e olhou para baixo. O penhasco íngreme e
rochoso devia ter uns quatro mil metros de altura. Ele desviou o olhar daquela visão quase
hipnótica e deparou-se com a expressão tensa de Shannon. Fitou-a por um longo momento
e, então, firmou o chapéu na cabeça e começou descer.
O couro das rédeas atritou-se contra os dedos de Shannon quando Ash desapareceu
de vista. O cavalo resfolegou e puxou a cabeça para trás, reclamando da pressão; Shannon
afrouxou a rédea.
— Vai dar tudo certo — Jenny murmurou a seu lado. — Ash é corajoso, mas não é
estouvado. Sempre teve a cabeça no lugar.
— E, tem razão. — Shannon sorriu, satisfeita por ver que Jenny já não se encontrava
tão tensa como antes.
— Acha que ele vai me perdoar pelo que aconteceu com Dean?
— Claro que sim, Jenny. Jeff conhecia Dean muito bem.
— Você o odiava muito?
— Sim.
— Sente pela morte dele? Eu não; só lamento que tenha sido mamãe que o matou.
— Eu não sei. Talvez com o tempo eu consiga perdoá-lo, mas no momento não quero
nem pensar nele.
Ficaram em silêncio e os minutos se escoaram intermináveis antes que Happy lhes
desse o sinal.
— Aprontem-se, você duas. Ele a pegou. Agora!
No mesmo instante, Shannon e Jenny começaram a puxar os dois animais para
frente. Quando as cordas ficaram tensas e os cavalos tentaram parar, Shannon aumentou a
pressão nas rédeas, ao mesmo tempo em que dirigia ao animal palavras de incentivo.
— Continuem puxando! — Happy gritou. — Firmes agora. Parem!
Ela segurou o animal até que lhes avisassem que estava tudo bem. Então, correu até
onde Ash se encontrava, ofegante e sujo, desamarrando a corda da cintura.
Ash ouviu Shannon aproximar-se, mas não podia tirar os olhos de Paula. Ao sentir
que as duas moças chegavam muito perto, levantou o braço para detê-las.
— Não olhem ainda.
CAPÍTULO XVII
A noite caiu depressa, envolvendo a casa em uma escuridão rompida apenas pelas
luzes das lâmpadas.
Shannon acabava de lavar a louça do jantar quando ouviu um carro estacionando
diante da porta dos fundos.
— Será outro repórter?
— Não, parece o caminhão de Ash — Happy respondeu, levantando-se para abrir a
porta. — Entre, Ash. Tome uma xícara de café. Deve estar precisando disso.
Antes que Happy acabasse de falar, Shannon já servira o café quente em uma xícara
recém-lavada. Virou-se para Ash e sentiu um aperto no coração. Ele parecia muito cansado
e era evidente que ainda nem havia tido tempo de tomar um banho e trocar de roupa.
— Como vai indo Paula?
Ash tomou o café e estendeu a xícara para que Shannon a enchesse de novo.
— O doutor acha que ela não passará desta noite. Tentei telefonar para cá várias
vezes, mas a linha estava sempre ocupada.
— Tivemos de tirar o fone do gancho — Happy explicou. — Os repórteres não nos
deixam em paz.
— Eu sei. Eles estão no hospital também. — E ficou em silêncio, fitando o café
fumegante. — Ouçam, eu vou chamar a imprensa para uma entrevista coletiva amanhã à
tarde e tentar esclarecer toda essa história.
— Oh, não, Ash! — Shannon exclamou, pálida!
— É preciso, Shannon, ou os repórteres não nos darão sossego. Tinha a intenção de
convocá-los esta noite mesmo, mas... Bem, eu quis esperar para ver se Paula resistia. Mas
não há muita esperança. O médico me aconselhou a ir em frente e tomar todas as
providências que forem necessárias.
— Sinto muito pelo que você está passando, Ash — Happy solidarizou-se.
Shannon também sentia. Afinal, todos os problemas haviam sido provocados por sua
volta para Bartlet. Desde que Ash entrara, ela sentira que havia algo errado e agora
percebeu o que era: ele não a encarava e Shannon não podia culpá-lo por isso.
— Como Jenny está enfrentando a situação?
— Melhor do que esperávamos. Jeff está com ela e os dois parecem estar tentando se
acertar.
— Ótimo.
Super Sabrina 089 – Selvagem como o Vento (A Wild Wind) Evelyn A. Crowe 99
Ficaram todos em silêncio e Happy fitou Ash e a neta com um olhar preocupado.
— A que horas você quer que eu compareça à entrevista com a imprensa? — Shannon
indagou.
— Não quero que você vá — Ash respondeu, encarando-a pela primeira vez naquela
noite.
— Mas, Ash...
— Eu vou chamar a imprensa justamente para mantê-la longe de você.
— Ash, por favor.
— Não. Eu gostaria até que você saísse da cidade. As coisas já estão bastante difíceis.
Hamilton ficou tão furioso por não conseguir nos pegar que prometeu cair de unhas e
dentes em cima de Paula.
— Mas ela...
— Acha que ele se importa? Estava esperando por nós quando o helicóptero pousou
no hospital. — Ele colocou a xícara sobre a mesa e passou as duas mãos pelos cabelos
espessos. — A viagem até Willow Falls foi um inferno. Paula ficou inconsciente várias vezes
durante o trajeto. Quando chegamos ao hospital ela pareceu reagir um pouco e fez sua
confissão para Jeff e Hamilton. O canalha do promotor fez Jeff acusá-la oficialmente pelo
assassinato de Dean para que ele pudesse dar andamento ao processo. Agora está
rondando o hospital como um urubu, importunando o médico e as enfermeiras para saber
se ela vai sobreviver ou não. — Ash inclinou-se para frente, apoiou os cotovelos sobre os
joelhos e esfregou o rosto. — Com a confissão de Paula, acho que conseguiremos manter o
passado e sua vida com Dean fora da discussão. Puxa, estou exausto!
Não havia nada que Shannon pudesse fazer. Tinha vontade de abraçá-lo e transmitir-
lhe algum conforto, mas percebia que ele não a queria naquele momento.
— Fiz uma reserva em um vôo para levar Dean de volta a Paris. O avião parte
amanhã no fim da tarde. Hamilton não vai me deter, não é?
— Se ele souber, claro que vai. Mas ele não deve saber de nada ou já estaria se
vangloriando por ter retido você. O dr. Henry liberou o corpo de Dean?
— Sim.
— A que horas parte seu avião?
— Às seis da tarde. — O rosto de Shannon estava tão tenso que lhe era impossível
sorrir. Nunca esperara que Ash fosse tratá-la de maneira tão fria; nem ao menos lhe
perguntara quando pretendia voltar. Sentia uma enorme angústia, como se o coração
estivesse se partindo aos poucos. Havia tantas coisas que queria dizer, mas as palavras não
saíam. Sabia que não iria suportar se ele a rejeitasse. Então permaneceu em silêncio,
decidida a não lhe dar a chance de magoá-la.
— Vou retardar a entrevista até às três da tarde — Ash declarou. — Isso lhe dará
algum tempo. Agora tenho de voltar ao hospital para fazer companhia a Jenny. Telefonarei
se houver alguma novidade.
Ele foi embora tão depressa quanto chegara. Shannon levantou-se e tomou o rumo
da escada, mas Happy a segurou pelo braço.
— Você não tinha me dito que iria viajar amanhã.
— Eu ia contar agora à noite. Lilith foi boa comigo, vovô, e eu me sinto no dever de
levar-lhe Dean de volta. Ela não iria querer que ele fosse enterrado sem minha presença.
— Ash está perturbado, Shannon. Nem sabe direito o que está dizendo ou fazendo. O
dia foi muito difícil para ele.
— Eu sei, vovô, mas isso não torna as coisas mais fáceis para mim.
— Eu compreendo, querida. Mas lembre-se de que ele tem responsabilidades e está
tentando proteger você. Depois ele virá procurá-la, você vai ver.
Super Sabrina 089 – Selvagem como o Vento (A Wild Wind) Evelyn A. Crowe 100
— Será? Ele nem ao menos perguntou se eu ia voltar.
Ela soltou o braço e subiu as escadas, deixando o avô sozinho e pensativo.
CAPÍTULO XVIII
— Ela voltou!
Uma rajada de ar quente penetrou no fresco interior do Cattleman's Café no
momento em que Chester Fawnsworth abriu a porta. Um rádio antigo tocava músicas
country enquanto os frequentadores, espalhados por todas as mesas, terminavam de
almoçar.
— Shannon está de volta!
Chester acomodou-se em um dos banquinhos giratórios e bateu a mão na superfície
dura do balcão. Antes que tivesse tempo de abrir a boca para fazer seu pedido usual, Stella
Hopkins colocou à sua frente uma xícara de café fumegante.
— Ouviu o que eu disse, Stella? Shannon voltou. — E elevando um pouco a voz, fitou
a proprietária com um olhar satisfeito. — Ela e o avô chegaram ontem à noite. O velho
Henderson estava na porta da farmácia e os viu passar de carro em direção à cidade. Ele
contou a Sally quando a encontrou no armazém.
— E foi ela quem lhe contou?
— Não, Goober estava parado na rua fazendo hora e ouviu a conversa. Ele me contou.
— Chester, você é impossível! Mas Happy Reed já não lhe disse que não queria mais
ouvir você falando da neta dele?
— Oh, não, Stella. Ele me disse que, se eu falasse com algum repórter, iria me
arrancar a língua. Ora, eu fiquei bem calado, você sabe disso. Mas o que será que vai
acontecer agora, hein? Ash Bartlet está trancado na fazenda desde que enterrou aquela
madrasta assassina.
— Chester! — Stella o repreendeu, mas o velho havia ficado em silêncio por muito
tempo e, agora que pegara o embalo outra vez, ninguém mais conseguiria segurá-lo.
— Dá para acreditar nisso? Um assassinato aqui nesta cidade? Ouvi dizer que Clyde,
do Rocking W, foi embora de Bartlet. Já foi tarde! Ele mentiu para mim o tempo todo,
Stella. Ficou inventando todas aquelas histórias sobre a menina para que aquele canalha
do marido dela se vingasse de Ash. — Ele tomou um gole do café e levantou os olhos para
ver como suas palavras estavam sendo recebidas. Porém, Stella não olhava para ele; sua
atenção fixava-se no centro do bar.
Chester percebeu a súbita tensão no ambiente. Pousou a xícara no balcão e virou o
banco devagar. Seus olhos se arregalaram.
A princípio, não soube quem era a jovem, mas seu velho rosto brilhou de admiração.
Era uma mulher realmente bonita; alta, vestindo jeans justos e uma camisa branca de
malha que realçava curvas perfeitas. Os cabelos negros e brilhantes caíam em ondas sobre
os ombros.
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Mas quando os olhos da moça encontraram os seus, ele estremeceu. Conhecia
aqueles olhos castanhos e travessos. O súbito reconhecimento quase o fez engasgar.
— Ora, mas é... é Shannon. Há muito tempo não vejo uma jovem tão linda.
— Mudou de tom depressa, hein? — Stella o provocou.
Shannon caminhou até o balcão e entregou algumas notas de dinheiro a Stella.
Então, virou-se para Chester, inclinou-se e beijou-o no rosto.
— Oi, Chester. É um prazer tornar a vê-lo. — Sem esperar por uma resposta, deu
meia-volta e retirou-se do café.
Chester a observou, boquiaberto.
— Você viu isso, Stella? Ela me beijou.
— Teve sorte por ela não ter pego essa xícara e virado o café quente sobre sua cabeça
oca, seu velho fofoqueiro.
— Ah, querida, eu nunca lhe contei como era irresistível para as mulheres? Houve
uma época em que metade das jovens da cidade corriam atrás de mim...
Shannon parou na calçada, rindo da expressão de Chester. O velho esperava ser
repreendido por todos os boatos que espalhara sobre ela e ficara sem fala, talvez, pela
primeira vez na vida, quando recebera o beijo. Ela colocou as mãos nos bolsos da calça e
fitou a rua nas duas direções, à procura do caminhão do avô.
Ao não ver o veículo, franziu a testa com ar intrigado e pensativo. Happy tentara
convencê-la a não acompanhá-lo à cidade, aconselhando-a a ficar em casa e descansar.
Mas Shannon insistira e ele fora obrigado a concordar, mas a deixara no café dizendo que
tinha compromissos importantes a cumprir e que voltaria dentro de uma hora para
apanhá-la. Isso ocorrera há quase duas horas.
Uma buzina soou e Shannon levantou os olhos. Sorrindo, correu até o caminhão,
abriu a porta e entrou.
— Você está atrasado.
— Eu sei.
— Já almocei.
— Ótimo. Eu preparo alguma coisa para mim quando chegarmos em casa.
— Por onde você andou?
— Por aí.
— Ah, vovô! Comprou minhas sementes?
— Sim.
— Todas elas?
— Shannon, estou velho mas não caduco. Tem certeza de que deseja plantar todas
estas flores hoje?
— Claro. O que houve, vovô? Você anda tão estranho desde cedo.
— É imaginação sua, querida. Eu apenas tinha coisas a fazer.
— Estou vendo que não vai mesmo confiar em mim.
— Gostei de Lilith.
— Ela também gostou de você — Shannon respondeu, percebendo que não adiantaria
insistir com o avô.
— Está tudo acertado quanto a Rocking W? A fazenda agora é sua?
— É, ficou tudo certo. — Ela fitou a estrada, sentindo-se livre e quase feliz. Porém, a
situação com Ash ainda a perturbava. Ainda não tivera coragem de procurá-lo e também
não imaginara nenhum meio de fazê-lo vir até ela.
— Já pensou em alguma tática com relação a Ash? — Happy perguntou, como se
estivesse lendo os pensamentos da neta.
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— Ainda não, mas não se preocupe com isso.
— Não estou preocupado. — Ele riu e começou a cantarolar. Shannon o fitou,
desconfiada, depois voltou a apreciar a paisagem. — Vai ficar exausta e dolorida se cavar os
canteiros e plantar todas estas sementes hoje à tarde.
— Ótimo, talvez isso me dê uma boa noite de sono.
Happy sorriu e continuou a cantarolar sua melodia desafinada.
No meio da noite, um som familiar invadiu o sono de Shannon. Era um ruído bem
conhecido de tempos passados, quase esquecidos. Tentou ignorá-lo e ajeitou-se na cama
para tornar a dormir.
O som retornou, como um velho amigo, penetrando seus sonhos.
Terrores infantis voltaram a assombrá-la e seu coração disparou. Com os músculos
rígidos, abriu ligeiramente os olhos e as sombras do quarto adquiriram a forma de
monstros ameaçadores. Mas logo a visão adaptou-se ao escuro e afastou as criaturas
imaginárias. Shannon repreendeu-se por ser tão tola e apoiou a cabeça no travesseiro, mas
ficou paralisada uma vez mais quando uma forma cinzenta entrou pela janela do quarto.
Horrorizada, viu a sombra aproximar-se e parar ao lado da cama.
Ela ia gritar, mas uma pesada mão cobriu-lhe a boca. Visões de Dean ou Paula
voltando do mundo dos mortos passaram-lhe pela mente e, então, uma respiração morna
soprou em seu rosto.
Não era um fantasma! Fantasmas não tinham aquele cheiro de cigarro. Ela começou
a lutar, mordendo a mão que lhe tapava a boca e chutando com toda a força, porém seus
esforços foram abafados pelo peso de um corpo deitando-se sobre o seu.
— Gata selvagem! Pare de me morder!
— Ash! — Ela murmurou o nome, sem saber se ria ou ficava zangada. No fim, as
risadas acabaram vencendo.
— Pare, isto é sério. Estou tentando ser seu príncipe encantado.
A lâmpada de cabeceira se acendeu e Shannon fechou os olhos diante da claridade
repentina. Quando tornou a abri-los, viu-se frente a frente com Ash. Moveu a cabeça
tentando fazê-lo tirar a mão de sua boca, mas ele apenas apertou mais.
Então ela percebeu o que Ash pretendia fazer e arregalou os olhos. Dividida entre
fascinação, espanto e excitamento, observou-o tirar do bolso um emaranhado de gravatas
masculinas. O peso dele a pressionava contra o colchão e Shannon começou a rir.
— Fique quieta. — Ash soltou o nó das gravatas e segurou uma antes que as outras
escorregassem para o chão. — Droga, isto devia ser mais fácil. Quase me enrosquei em um
ramo enquanto subia na árvore, depois perdi o equilíbrio ao me deparar com um esquilo
furioso por eu ter invadido sua casa. Arranhei o braço em um galho quebrado e quase caí
para trás quando tentei abrir a janela e não consegui.
Ele destapou a boca de Shannon, mas, antes que ela pudesse falar, amordaçou-a com
a gravata de seda. Ela resmungou sob o tecido. O que Ash estaria planejando?
— Não, eu não estou louco. Isto é para nosso próprio bem.
Shannon tentou falar, mas seus esforços apenas o fizeram rir.
— Não consigo entender nada. Fique quietinha e me dê as mãos.
Ela fez um sinal negativo com a cabeça.
— Quer tornar as coisas mais difíceis, não é? Está bem. — Ash procurou as mãos dela
sob os lençóis e depois as amarrou com outra gravata. Com um suspiro de alívio, levantou-
se e puxou os lençóis, parando ao ver o corpo nu de Shannon. — Ora, não foi assim que eu
planejei. Por que não usa roupas como qualquer mulher normal prestes a ser raptada? —
Ele olhou em volta e, então, começou a abrir gavetas e jogar roupas para fora. Shannon
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sentou-se na cama e o observou. Ash parecia determinado a levar em frente seu intento,
mas ela ainda não compreendia o que poderia ser. — Não ouse se mover, hein?
Ela não faria isso. As coisas ficavam cada vez mais interessantes.
Ash voltou com um jeans e uma camisa.
— Não posso carregá-la nua para fora. Pense no que os fofoqueiros da cidade iriam
dizer.
Ela fez uma mímica com as mãos amarradas indicando a calcinha. Ash bateu na testa
repreendendo-se pelo esquecimento e tornou a mexer nas gavetas. Retornou em seguida
virando uma calcinha nas mãos para descobrir qual era a frente. Sentou-se, então, na beira
da cama e puxou as pernas de Shannon, mas ela as entrelaçou com firmeza.
— Está mesmo decidida a dificultar as coisas para mim, não é? — Ele forçou os pés
de Shannon a se separarem e enxugou o suor da testa. — Se o seu avô não estivesse tão
perto, eu esqueceria todo este esquema e faria amor com você agora mesmo.
Shannon sorriu sob a mordaça, enquanto Ash começava a vestir-lhe a calcinha. O
toque que começara impessoal tornou-se mais lento e suave. Ela sentiu a pele esquentar
conforme os dedos de Ash lhe acariciavam os joelhos, as coxas, os quadris.
— Levante os quadris. — Respirando fundo para controlar o desejo, Ash terminou de
colocar-lhe a calcinha e o jeans. Depois pegou a camisa e a fitou, confuso. — Bem, vamos
fazer o seguinte: eu a desamarrarei, você vestirá a camisa e, então, tornarei a; amarrá-la.
Entendeu? Nada de truques. Você vai sair daqui amarrada, queira ou não.
Depois de tudo pronto, Ash pegou as botas de Shannon, colocou um par de meias
dentro e jogou-as pela janela.
— Agora apronte-se para a parte mais difícil. Vou carregá-la para baixo pela árvore,
portanto quero que fique bem quieta.
Shannon arregalou os olhos e protestou sob a mordaça. Fitou a janela e voltou a
encarar Ash, sacudindo a cabeça e gesticulando em direção à porta com as mãos
amarradas.
— Ah, não. Vai ser da maneira como eu planejei. Onde está seu romantismo? E seu
espírito de aventura? Será que está ficando velha?
Shannon debateu-se quando Ash a levantou da cama e colocou-a sobre o ombro. Ele
lhe deu uma palmada enérgica no traseiro e pôs-se em movimento. Sem qualquer
hesitação, saiu pela janela e pisou no primeiro ramo grosso da árvore. Segurava Shannon
com um dos braços e usava o outro para apoiar-se conforme ia descendo d,e galho em
galho.
Ela sustinha a respiração a cada movimento, rezando silenciosamente e fechando os
olhos quando ele parecia desequilibrar-se. De cabeça para baixo como se encontrava, o
solo parecia estar a quilômetros de distância. Quando Ash por fim pisou terra firme,
Shannon relaxou, aliviada. Imaginou que ele a colocaria no chão, mas Ash apenas a ajeitou
sobre o ombro e continuou andando.
Ash parou de repente e olhou para trás. Curiosa, Shannon levantou a cabeça para
espiar o que lhe chamara a atenção e viu o avô na janela do quarto fazendo um sinal de
positivo com o polegar. Então ele sabia de tudo! Talvez até tivesse ajudado Ash a planejar
aquela maluquice. Recomeçou a espernear, mas Ash a segurou firme até chegar ao
caminhão. Então, abriu a porta do banco de passageiros e a atirou para dentro com um
gemido de alívio.
Shannon sentou-se no banco, recostou a cabeça e pôs-se a rir. Aquele era seu velho
Ash! O homem ousado e travesso de sua juventude. Explicações e recriminações não
importavam naquele momento. Só o que interessava era que ele tinha vindo buscá-la.
Levantou as mãos para tirar a mordaça umedecida, mas Ash a deteve.
— Ainda não. Coloque as mãos no colo. — Ele ligou o motor e pôs o carro em
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movimento.
Rodaram cerca de trinta minutos por uma estrada cheia de buracos antes que ela
percebesse para onde se dirigiam. Sem esperar por autorização, baixou a mordaça,
inclinou-se para frente e desligou a chave na ignição. O caminhão deu um tranco e parou.
Ash virou-se no banco e olhou para ela.
— Imagino que você queira saber o motivo de toda esta loucura.
— Não, quero que você me desamarre e me beije.
— Com prazer. — Desatando a gravata que prendia os pulsos de Shannon, puxou-a
para um longo beijo.
— Esqueceu minhas botas, Ash.
— É mesmo, mas não faz mal. Não precisará delas.
Ela o abraçou com força e ficou em silêncio por longos momentos, apenas sentindo o
conforto e a paz daquele contato.
— Estamos indo para a cabana, não é?
— Sim, onde tudo começou para nós. — Ash acariciou-lhe de leve a pele macia do
rosto. — Fomos felizes lá, Shannon.
— Foram os momentos mais felizes de minha vida. Acha que podemos voltar no
tempo depois de tudo o que aconteceu?
— Podemos tentar. — Ash ligou o motor e retomou o caminho.
— Por que toda aquela produção elaborada de subir pela árvore e me raptar?
— Achei que você merecia ser tirada de casa em alto estilo. Na verdade, Happy teve
participação nessa ideia. Ele me disse que, desta vez, eu teria de ir atrás de você. Errei há
dez anos atrás. Devia ter voado para Paris e a trazido de volta para casa. Espero que minha
investida de hoje tenha ajudado a apagar o passado e que possamos começar tudo de novo.
Ela pousou a mão na perna de Ash e o acariciou com ternura.