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A lei complementar no direito brasileiro

Gustavo Carvalho Chehab

Sumário
Introdução. 1. Origem. 1.1. Direito estrangei-
ro. 1.1. Direito brasileiro. 2. Conceito. 3. Elemen-
tos constitutivos. 4. Diferenciação. 5. Natureza
Jurídica. 6. Finalidade. 7. Classificação. 8. Objeto
(âmbito material). 9. Posição hierárquica. 10. In-
vasão da reserva normativa. 11. Características.
12. Processo Legislativo e suas especificidades.
12.1. Iniciativa. 12.2. Emenda. 12.3. Discussão e
votação. 12.4. Sanção e veto. 12. 5. Promulgação
e publicação. Conclusão.

Introdução
A Constituição de um país apresenta
as linhas mestras, os comandos gerais da
organização política daquele Estado e os
princípios e as garantias fundamentais
dos seus cidadãos. As particularidades
são descritas pela legislação infraconsti-
tucional.
“As Constituições não têm o caráter
analítico das codificações legislati-
vas. São [...] largas sínteses, sumas
de princípios gerais, onde, por via
regra, só se encontra o substractum
Gustavo Carvalho Chehab é Juiz do Traba- de cada instituição nas suas normas
lho Substituto na 10a Região (DF e TO), espe- dominantes [...]. Ao legislador cum-
cialista em Direito do Trabalho e Processo do pre, ordinariamente, revestir-lhes
Trabalho pelo UniCEUB/DF e aluno especial do
a ossadura delineada, impor-lhes
Mestrado em Direito Constitucional do Instituto
Brasiliense de Direito Público. Foi Juiz do Tra-
o organismo adequado, e lhes dar
balho Substituto na 5a Região (Bahia), professor capacidade real de ação” (BARBO-
universitário da Unime de Itabuna-BA e assessor SA , 1932-1934, apud BASTOS, 1999,
e chefe de gabinete de Ministros do TST. p.25).

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Para isso, a Constituição Federal brasi- previstas no referido dispositivo constitu-
leira prevê diversas espécies legislativas, cional”.
entre as quais a Lei Complementar (art. Até a Constituição francesa de 1958,
59, II). A plena compreensão do sistema as lois organiques eram leis ordinárias que
normativo brasileiro e da sua hierarquia podiam ser modificadas nas mesmas con-
das fontes do direito requer um estudo dições das demais leis (FERREIRA FILHO,
da lei complementar, de seu conceito, 2007, p. 247). Eram apenas qualificadas
elementos constitutivos, objetivo, origem, materialmente como orgânicas (BASTOS,
características e âmbito material de sua 1999, p. 29).
aplicação. Questões afetas à relação da lei A Constituição francesa de 4 de outubro
complementar com a lei ordinária e ao pro- de 1958 é que dispôs sobre as lois organiques
cesso legislativo e suas especificidades são no sentido atualmente atribuído à lei com-
importantes para o exame desse instituto, plementar do direito brasileiro, de “uma
que ingressou no país de forma ocasional, norma de direito que preenche uma posição
mas que se perpetua ainda hoje na ordem intermediária – no que diz respeito a sua
constitucional. estabilidade na ordem jurídica – entre a
Constituição e as leis ordinárias” (BASTOS,
1. Origem 1999, p. 29), com quórum qualificado para
a sua aprovação.
1.1. Direito estrangeiro Dispõe o art. 46 da Constituição francesa
de 1958 (FRANÇA, 2008):
A lei complementar prevista na Cons- “Article 46
tituição Federal de 1988 teve origem na Les lois auxquelles la Constitution
Lei Orgânica francesa. Manoel Gonçalves confère le caractère de lois organi-
Ferreira Filho (2007, p. 247), citando Vedel, ques sont votées et modifiées dans
assinala que a expressão “loi organique” les conditions suivantes.
(lei orgânica) foi “empregada no Direito Le projet ou la proposition ne peut,
francês, desde 1875, para ‘designar as en première lecture, être soumis à la
leis relativas à organização dos poderes délibération et au vote des assem-
públicos’”. O art. 115 da Constituição fran- blées qu’à l’expiration des délais fixés
cesa de 1848 (FRANÇA, 2006) trouxe, pela au troisième alinéa de l’article 42.
primeira vez, a menção da expressão “lois Toutefois, si la procédure accélérée
organiques”: a été engagée dans les conditions
“Article 115. — Après le vote de la prévues à l’article 45, le projet ou la
Constitution, il sera procédé, par proposition ne peut être soumis à la
l’Assemblée nationale constituante, à délibération de la première assemblée
la rédaction des lois organiques dont saisie avant l’expiration d’un délai de
l’énumération sera déterminée par quinze jours après son dépôt.
une loi spéciale1.” La procédure de l’article 45 est appli-
Segundo Celso Ribeiro Bastos (1999, cable. Toutefois, faute d’accord entre
p. 29), a lei especial referida acima “era a les deux assemblées, le texte ne peut
Lei 11 de dezembro de 1848, que tinha por être adopté par l’Assemblée nationale
escopo concretizar a lista de matérias [...] en dernière lecture qu’à la majorité
absolue de ses membres.
Tradução livre: Artigo 115 – Após a votação da
1

Constituição, será procedida, pela Assembleia na- Les lois organiques relatives au Sénat
cional constituinte, à redação das leis orgânicas cuja doivent être votées dans les mêmes
enumeração será determinada por uma lei especial. termes par les deux assemblées.
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Les lois organiques ne peuvent être ção do Presidente da República (BASTOS,
promulguées qu’après déclaration 1999, p. 35).
par le Conseil constitutionnel de leur Na acepção e características atuais, de
conformité à la Constitution”.2 espécie normativa distinta com aprovação
Além do Brasil, o direito francês inspi- por quórum especial, a lei complementar
rou Constituições de outros países, como foi inserida no ordenamento nacional pela
Marrocos, Senegal, Espanha, Itália e Portu- Emenda Constitucional 4 de 2/9/1961
gal (BASTOS, 1999, p. 31-34). Na América (BRASIL, 1961), que tratou de introduzir o
do Sul, há previsão de lei complementar parlamentarismo no Brasil, nos seguintes
(orgânica), por exemplo, no Chile (art. 63, 1, termos:
da Constituição de 1980), na Colômbia (art. “Art. 22. Poder-se-á complementar a
151 da Constituição de 1991), no Peru (art. organização do sistema parlamentar
106 da Constituição de 1993) e na Venezuela de govêrno ora instituído, median-
(art. 203 da Constituição de 1999). te leis votadas, nas duas casas do
Congresso Nacional, pela maioria
1.2. Direito brasileiro absoluta dos seus membros.
No Brasil, a Constituição de 1891 (BRA- ... omissis ...
SIL, 1891) consigna, pela primeira vez, o Art. 25. A lei votada nos têrmos do
termo “lei orgânica”, no art. 34, no 33 e 34: art. 22 poderá dispor sôbre a reali-
“Art 34 – Compete privativamente ao zação de plebiscito que decida da
Congresso Nacional: manutenção do sistema parlamentar
... omissis ... ou volta ao sistema presidencial,
33o) decretar as leis e resoluções ne- devendo, em tal hipótese, fazer-se
cessárias ao exercício dos poderes que a consulta plebiscitaria nove meses
pertencem à União; antes do têrmo do atual período
34o) decretar as leis orgânicas para a presidencial.”
execução completa da Constituição.” Com a renúncia do Presidente Jânio
O art. 39, no 1, da Constituição brasileira Quadros em 25/8/1961, houve uma crise
de 1934 também previa a expedição de leis institucional no Brasil, já que não foi acei-
orgânicas pelo Poder Legislativo com a san- ta, por diversos setores, a posse do Vice-
-Presidente João Goulart. “A instituição
2
Tradução livre: Artigo 46 – As leis que a Consti- do parlamentarismo no Brasil foi urgente,
tuição confere o caráter de leis orgânicas são aprova- o que impediu maiores debates a respeito
das e alteradas nas seguintes condições.
O projeto ou a proposta não pode, em uma pri-
do tema. Assim, foi prevista a possibilidade
meira leitura, ser submetida à deliberação e à votação de leis complementarem a organização do
nas assembleias antes dos prazos estabelecidos no sistema parlamentar criado, cuja aprovação
parágrafo terceiro do artigo 42. No entanto, se o pro- ocorreria mediante um quorum específico”
cesso acelerado foi iniciado em conformidade com o
artigo 45, o projeto ou a proposta pode ser submetida (COELHO, 2007, p. 330).
à deliberação na primeira assembleia antes do término Posteriormente, superada a fase parla-
de quinze dias após o depósito. mentarista brasileira, o Ato Institucional
O procedimento do artigo 45 é aplicável. Todavia,
na falta de acordo entre as duas Casas, o texto não
2/1965 outorgou ao Presidente da Repúbli-
pode ser aprovado pela Assembleia Nacional sem ca, em seu art. 30, a competência para baixar
apreciação da maioria absoluta dos seus membros. atos complementares. A expressão “lei
As leis orgânicas relativas ao Senado devem ser complementar” apareceu pela primeira vez
votadas em termos idênticos pelas duas Casas.
As leis orgânicas não podem ser promulgadas até na Emenda Constitucional 17/1965 (art. 6o,
que o Conselho Constitucional tenha declarado a sua § 8o). A Constituição de 1967 (arts. 49, II, e
conformidade com a Constituição. 53) e a Emenda Constitucional 1/1969 (arts.
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46, II, e 50) também dispuseram sobre a lei repele normações heterogêneas, aprovada
complementar (BASTOS, 1999, p. 34-37), mediante um quorum próprio de maioria
que permanece presente na Carta de 1988. absoluta”.

2. Conceito 3. Elementos constitutivos


O termo “lei” tem origem latina na pa- Das definições acima, extrai-se que a
lavra lex, de legere (escrever). Pode-se dizer lei complementar possui dois elementos
que lei, em sua origem epistemológica, constitutivos: um de ordem material e outro
significa “o que está escrito” (SILVA, De de ordem formal.
P., 2003, p. 826, grifo do autor). Segundo O elemento material é o campo de atu-
Washington dos Santos, lei é uma regra de ação que foi reservado à lei complementar
direito obrigatória, de origem estatal, para pela Constituição, é o espaço (ou vazio)
manter a ordem e o desenvolvimento numa legislativo destinado pela Constituição
comunidade (SANTOS, 2001, p. 145). para a atuação suplementar ou integrativa
A palavra “complementar” vem do do legislador, eleito por este, segundo um
latim complementum, de complere (encher), juízo de relevância.
e é utilizada para “indicar todo fato, ato ou O aspecto formal refere-se ao quorum
coisa, que venha, posteriormente, completar especial (e diferenciado) para a votação e
o que se tinha anteriormente feito, ou o aprovação do projeto de lei complemen-
que anteriormente ocorrera [...] Indica a tar. Em face da relevância da matéria e do
parte que se vem anexar à outra parte, para aspecto integrativo da lei complementar,
torná-la perfeita” (SILVA, De P., 2003, p. o constituinte procurou dificultar as alte-
321, grifo do autor). rações no ordenamento pátrio.
Humberto Quiroga Lavié (1991, p. 350)
define leis complementares (orgânicas) 4. Diferenciação
como “aquellas que regulan el funciona-
miento de los órganos del Estado o de Victor Nunes Leal (1997, p.3) destaca
las instituciones básicas establecidas en que todas as leis “se destinam a completar
la Constitución. Ellas suelen requerir […] princípios básicos enunciados na Consti-
una mayoría especial para ser aprobadas, lo tuição”. A própria Constituição, em alguns
cual le otorga el carácter de semirigidez”3. casos, reserva à lei ordinária (comum) esse
Para José Afonso da Silva (2006, p. 314), mesmo caráter (ex. normas gerais de licita-
leis complementares “são leis integrativas ção, art. 22, XXVII).
de normas constitucionais de eficácia limi- Todavia, no caso das leis complemen-
tada, contendo princípio institutivo ou de tares propriamente ditas, o constituinte
criação de órgãos, e sujeitas à aprovação atribui de forma expressa certas matérias
pela maioria absoluta dos membros das à regulação por essa espécie normativa
duas Casas do Congresso Nacional”. (elemento material), exigindo sua apro-
Celso Ribeiro Bastos (1999, p. 47-48) vação por quorum de deliberação superior
assinala que lei complementar é “aquela às das leis ordinárias (elemento formal).
que contempla uma matéria a ela entregue Esses dois elementos constitutivos são os
de forma exclusiva e que, em conseqüência, que diferenciam a lei complementar da lei
ordinária (MORAES, 2008, p. 666-667) e tor-
3
Tradução livre: são as que regem o funcionamen- nam aquela peculiar (MENDES; COELHO,
to dos órgãos do Estado ou as instituições básicas es- 2008, p. 881). “É o critério formal e material
tabelecidas na Constituição. Elas muitas vezes exigem
[...] uma maioria especial para serem aprovadas, o que
adotado pela Constituição que dá unidade
lhe outorga o caráter de semirrigidez. de regime à lei complementar, sem o que

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não se legitimaria o seu estudo como uma meio de lei, com quorum deliberativo infe-
categoria científica autônoma” (BORGES, rior ao das Emendas (apesar de superior ao
1975, p. 72). da lei ordinária).
A lei complementar também não se Também Marinkovic e outros (1994,
confunde com as emendas constitucionais, v. 1, p. 11), citando Jorge Mario Quinzio,
pois não altera nem adita a Lei Fundamen- assinalam que as leis complementares,
tal. Para Marinkovic e outros (1994, v. 1, p. que compreendem as leis ordinárias, as
12), “las leyes orgánicas constitucionales orgânicas constitucionais (equivalente à
[equivalente às leis complementares no nossa lei complementar), as de quórum
Brasil4] no son parte del contenido material qualificado e as de anistias e indultos
de la Constitución”5. gerais, “son aquellas que desarrollan y
complementan el texto constitucional y en
5. Natureza Jurídica algunos aspectos materializam las dispo-
siciones programáticas, que son preceptos
Para Miguel Reale (1962, p. 110-111), as constitucionales de carácter declarativo que
leis complementares são um “tertium genus consagran ciertos princípios”6.
de leis, que não ostentam a rigidez dos As leis complementares, para Celso
preceitos constitucionais, nem tampouco Ribeiro Bastos (1999, p. 27), “dão aplicação
devem comportar a revogação (perda de e desenvolvem determinados dispositivos
vigência) por força de qualquer lei ordiná- constitucionais”, definidos expressamente
ria superveniente”. pelo constituinte, que tencionou dificultar
Segundo José Levi Amaral Júnior (2003), as alterações no ordenamento, mediante
“a Constituição de 1988, em seu art. 59, quorum especial e mais qualificado do que
refere sete espécies normativas que, por es- as demais leis.
tarem fundadas [...] no texto constitucional, Para Tércio Sampaio Ferraz Júnior
têm natureza de normas primárias”. (2003, p. 234), as leis complementares
A lei complementar é norma primária, “servem para disciplinar certos âmbitos
pois é espécie normativa fundada dire- do comportamento julgados exponenciais
tamente na Constituição. Em que pese o e merecedores de maior estabilidade em
posicionamento em contrário, abaixo ana- face da possibilidade de revogação”.
lisado, é uma lei.
7. Classificação
6. Finalidade
As leis complementares podem ser
Segundo Sara de Figuerêdo (1985, p. classificadas de diversos modos.
101), as leis complementares “objetivam Relativamente ao órgão criador, a lei
regular os preceitos constitucionais que complementar pode ser elaborada pela
não são auto-aplicáveis, que não valem União, Estados, Distrito Federal e, até, Mu-
concretamente de per si”. Para Osmar José nicípios. “A lei complementar constitui-se
da Silva (2003), a lei complementar atua no espécie normativa acessível também aos
plano da eficácia das normas constitucio- Estados [, pois] [...] sujeitos a observarem,
nais, regulando as normas programáticas dentre outros princípios estabelecidos na
(ou de eficácia limitada ou reduzida), por Constituição Federal, os referentes ao pro-
4
CHILE (2011), art. 63, 1, com redação dada pela 6
Tradução livre: são aquelas que desenvolvem
Reforma Constitucional 20.050. e complementam o texto constitucional e, em alguns
5
Tradução livre: as leis orgânicas constitucionais aspectos, materializam as disposições programáticas,
[equivalentes às leis complementares no Brasil] não que são preceitos constitucionais de caráter declarativo
fazem parte do conteúdo material da Constituição. que consagram certos princípios.

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cesso legislativo” (BASTOS, 1999, p. 127). direito francês) são “as leis que a Consti-
O § 3o do art. 25 da Carta Magna é claro ao tuição confere” esse caráter. Apropriada é a
permitir aos Estados a edição de lei comple- lição de Gregorio Badeni (2006, v. 1, p. 14):
mentar para instituir região metropolitana. “[…] Existen ciertas materias que son
O art. 62, II, da Lei Orgânica do Distrito esenciales para la configuración del
Federal prevê a lei complementar como sistema político y cuya concreción
espécie normativa distrital. Alguns muni- el constituyente ha delegado en el
cípios brasileiros, como o Rio de Janeiro, legislador. De modo que la materia
Porto Alegre e Salvador, também prevêem, constitucional no está contenida so-
em suas leis orgânicas, a elaboração de lei lamente en la constitución, sino tam-
complementar. bién en aquellas leyes reglamentarias
As leis complementares expedidas pelo que desarrollan aspectos sustantivos
Congresso Nacional, quanto à sua veicula- de la organización constitucional
ção, podem ser nacionais ou federais. Leis genérica y por imposición del propio
nacionais são as que alcançam a União, os texto constitucional7.”
Estados e os Municípios e são “voltadas É a Constituição quem define as maté-
para todos os brasileiros” (ATALIBA, rias próprias da lei complementar, como
1980, p. 62). A lei federal é a referente à assinala Manoel G. Ferreira Filho (2007,
União e dirigida aos seus administrados. p. 249):
É exemplo de lei complementar nacional “Criando um tertium genus, o consti-
a que trata de normas gerais sobre Direito tuinte o fez tendo um rumo preciso:
Financeiro e Tributário(ATALIBA, 1980, p. resguardar certas matérias de caráter
61). Lei complementar sobre empréstimo paraconstitucional contra mudanças
compulsório é exemplo de lei federal, pois apressadas, sem lhes imprimir rigi-
somente a União pode instituir esse tributo dez que impedisse a modificação de
(ALVES, 1991, p. 303). seu tratamento, logo que necessário.
Quanto a seus efeitos, Celso Ribeiro Se assim agiu, não pretendeu deixar
Bastos (1999, p. 94) classifica as leis com- ao arbítrio do legislador o decidir
plementares em exaurientes e continuáveis. sobre o que deve ou o que não deve
São exaurientes as leis complementares que contar com essa estabilidade parti-
“incidem de maneira direta sobre os fatos cular.”
ou comportamentos regulados”, que, por A Constituição elencou, ao longo de
se tratarem de normas plenas, “não pres- seu texto e do Ato das Disposições Consti-
cindem de qualquer normação complemen- tucionais Transitórias (ADCT), dezenas de
tar” (ex. Loman). As leis complementares matérias afetas à lei complementar. Apenas
continuáveis necessitam de outra norma nessas caberá a atuação complementadora
para aditá-las, isto é, permitem a existên- do legislador; para as demais matérias, a re-
cia simultânea de outra espécie normativa gulação é da alçada da lei ordinária (MEN-
(em geral, uma lei ordinária) para regular DES; COELHO; BRANCO, 2008, p. 882).
a matéria (ex. Código Tributário Nacional). São matérias próprias de lei complementar:

8. Objeto (âmbito material) 7


Tradução livre: […] Existem certas matérias que
são essenciais para a configuração do sistema político e
A lei complementar possui âmbito ma- cuja concretização o constituinte delegou ao legislador.
terial próprio (reserva normativa). Como De modo que a matéria constitucional não está contida
somente na Constituição, mas também naquelas leis
se observa da 1a parte do art. 46 da Cons- regulamentares que desenvolvem aspectos substan-
tituição francesa de 1958, acima transcrito, tivos da organização constitucional genérica e por
as leis complementares (ou orgânicas, no imposição do próprio texto constitucional.

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1) proteção contra dispensa arbitrária ou ADCT); 21) organização e funcionamento
sem justa causa de empregados (art. 7, I); da Advocacia-Geral da União (131 e 29
2) inelegibilidade eleitoral (14, § 9o), 3) cria- do ADCT); 22) organização da Defensoria
ção de Territórios, sua transformação em Pública da União e do Distrito Federal e dos
Estado ou reintegração a este (18, § 2o); 4) Territórios (134, § 1o); 23) organização, pre-
divisão, desmembramento e integração de paro e emprego das Forças Armadas (142, §
Estados (18, § 3o); 5) criação, incorporação, 1o); 24) conflitos de competência em matéria
fusão e desmembramento de Municípios tributária, regular as limitações constitu-
(18, § 4o); 6) trânsito ou permanência de cionais ao poder de tributar, estabelecer
tropas estrangeiras no Brasil (21, IV, 49, II, normas gerais em matéria de legislação
e 84, XXII); 7) autorização para os Estados tributária e regime único de arrecadação
legislarem sobre questões específicas da de impostos (146, I a III e parágrafo único);
competência privativa da União (22, pará- 25) critérios especiais de tributação (146-
grafo único); 8) normas para a cooperação A); 26) empréstimos compulsórios (148);
entre os entes federativos para o equilíbrio 27) impostos sobre grandes fortunas (149);
do desenvolvimento e do bem-estar (23, 28) instituição de impostos não previstos
parágrafo único); 9) instituição pelos Esta- na Constituição (154, I); 29) competência
dos de região metropolitana, aglomerações para instituir imposto sobre causa mortis e
urbanas e microrregiões (25, § 3o); 10) áreas doação de quaisquer bens ou direitos (155, §
de atuação de autarquia, empresa pública, 1o, III); 30) regras tributárias sobre imposto
sociedade de economia mista e fundação de bens móveis, títulos e créditos (155, § 2o,
(37, XIX); 11) adoção de requisitos e cri- XII); 31) imposto sobre serviços de qualquer
térios diferenciados para a concessão de natureza, salvo os previstos no artigo 155, II
aposentadoria de servidores (40, § 4o); 12) (156, III e § 3o); 32) estabelecer normas, valor
procedimento de avaliação periódica de de- e acompanhamento acerca dos fundos de
sempenho de servidor público estável (41, participação dos Estados, Distrito Federal
§ 1o, III); 13) condições para integração de e Municípios (161); 33) finanças públicas,
regiões em desenvolvimento e composição dívida pública externa e interna, concessão
dos organismos regionais que executarão os de garantias pelas entidades públicas, emis-
planos regionais (43, § 1o, I e II); 14) número são e resgate de títulos da dívida pública,
total de Deputados e a representação por fiscalização financeira da administração
Estado e pelo Distrito Federal (45, § 1o); 15) pública direta e indireta, operações de
elaboração, redação, alteração e consolida- câmbio realizadas por órgãos e entidades
ção das leis (59, parágrafo único); 16) outras públicas, compatibilização das funções das
atribuições ao Vice-Presidente da República instituições oficiais de crédito da União
distintas da substituição e auxílio previsto (163); 34) exercício financeiro, a vigência,
na Constituição (79, parágrafo único); 17) os prazos, a elaboração e a organização
Estatuto da Magistratura (93); 18) regime do plano plurianual, da lei de diretrizes
especial para pagamento de crédito de orçamentárias e da lei orçamentária anual
precatórios de Estados, Distrito Federal e normas de gestão financeira e patrimo-
e Municípios (100, § 15); 19) organização nial da administração direta e indireta
e competência dos Tribunais, dos juízes (165, § 9o, 166, § 6o, e 168); 35) limites de
de direito e das juntas eleitorais (121); 20) despesa de pessoal ativo e inativo (169);
atribuições, estatuto de cada Ministério Pú- 36) procedimento contraditório especial,
blico, destituição do seu Procurador-Geral, de rito sumário, para o processo judicial de
procedimentos administrativos que lhe desapropriação por interesse público (184,
são afetos e controle externo da atividade § 3o); 37) sistema financeiro nacional (192);
policial (128, §§ 4o e 5o, 129, VI e VII, e 29 do 38) limites para concessão de remissão ou

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anistia das contribuições sociais (195, § 11); às ordinárias. Também Hugo de Brito
39) percentuais e critérios de rateio das Machado (1997, p. 54) sustenta que “a lei
verbas de saúde da União, normas de fis- complementar é hierarquicamente superior
calização, avaliação e controle das despesas à lei ordinária”. Na doutrina estrangeira,
com saúde dos entes federativos, normas Humberto Quiroga Lavié (1991, p. 351),
de cálculo do montante a ser aplicado pela entre outros, sustenta a preponderância
União na saúde (198, § 3o); 40) requisitos hierárquica das leis complementares em
e critérios diferenciados para a concessão relação às leis ordinárias.
de aposentadoria aos beneficiários nos ca- Na Colômbia, as leis orgânicas (comple-
sos de atividades exercidas sob condições mentares) predeterminam o exercício da
especiais que prejudiquem a saúde ou a atividade legislativa (HENAO HIDRÓN,
integridade física e para segurados porta- 1996, p. 235), o que, segundo Orlando
dores de deficiência (201, § 1o); 41) regime García-Herreros (2007, p. 140), “les confe-
de previdência privada complementar re una categoria superior respecto de las
(202); 42) relação dos entes federativos, demás leyes”8, a ponto de alguns doutrina-
suas autarquias, fundações, sociedades dores colombianos considerarem que elas
de economia mista e empresas controla- formam uma parte do bloco de constitucio-
das, permissionárias e concessionárias de nalidade (GARCÍA-HERREIROS, 2007, p.
serviço público em entidades fechadas de 19,140). Essa função, no entanto, não está
previdência privada (202, §§ 4o a 6o); 43) presente no direito brasileiro.
relevante interesse público sobre posse e Michel Temer (1995, p. 142) entende
domínio de terras indígenas (231, § 6o); 44) que “não há hierarquia alguma entre a lei
Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, complementar e a lei ordinária. O que há
as Consultorias Jurídicas dos Ministérios, as são âmbitos materiais diversos atribuídos
Procuradorias e Departamentos Jurídicos pela Constituição a cada qual destas espé-
de autarquias federais com representação cies normativas”. Geraldo Ataliba (1980,
própria e os membros das Procuradorias p. 61), revendo posição anterior, também
das Universidades fundacionais públicas esclarece que a lei ordinária tem lugar em
(29, ADCT); 45) criação de contribuição ao área distinta da lei complementar, “como
PIS e ao PASEP (239); 46) opção de mem- suas áreas são distintas, não há risco de
bros da Procuradoria da República pela superposição. Cada qual tem validade na
Advocacia-Geral da União (29, § 2o, ADCT); sua esfera própria – constitucionalmente
47) impostos municipais sobre vendas a delimitada – sem nenhuma hierarquia”
varejo (34, § 7o, ADCT); 48) imposto sobre entre elas.
operações relativas à circulação de merca- Celso Ribeiro Bastos (1999, p. 59) sus-
dorias incidente sobre energia elétrica (34, tenta que “a lei ordinária e a complementar
§ 9o, ADCT); 49) regulamentação do Fundo não se subordinam reciprocamente [...],
de Combate e Erradicação da Pobreza (79, porquanto versam matérias distintas e
ADCT); e 50) montante que a União entre- buscam seus fundamentos de validade
gará aos Estados e ao Distrito Federal em diretamente da Constituição”. Acrescenta
face dos créditos decorrentes de impostos que a exigência do quórum qualificado de
a que se refere o art. 155, § 2o, X, “a” (91, votação para as leis complementares é tão
ADCT). somente para dificultar mudanças em ma-
térias tidas pelo constituinte como relevan-
9. Posição hierárquica tes. Também Gilmar Mendes, Inocêncio M.

Sara de Figuerêdo (1985, p. 101) entende 8


Tradução livre: lhes confere uma hierarquia
que as leis complementares são superiores superior em relação às demais leis.

198 Revista de Informação Legislativa


Coelho e Paulo Gustavo G. Branco (2008, p. não se pode pressupor uma inferioridade, é
882) partilham do entendimento de que não necessário conjugar as normas. Nesse caso,
há hierarquia entre lei ordinária e lei com- continua o doutrinador, a lei complementar
plementar. José J. Gomes Canotilho (1993, continuável, em regra, “vai ser aplicável
p. 835) assevera que as leis orgânicas (com- conjuntamente com a lei ordinária” (BAS-
plementares) ocupam, hierarquicamente, o TOS, 1999, p. 97).
mesmo patamar das leis ordinárias.
O Supremo Tribunal Federal tem enten- 10. Invasão da reserva normativa
dido que a lei complementar está no mesmo
plano da lei ordinária, não tendo hierarquia Geraldo Ataliba (1980, p. 61) adverte
constitucional, conforme os precedentes: que a “lei complementar que verse matéria
RE 419.629, rel. Min. Sepúlveda Pertence, de lei ordinária é lei ordinária para todos os
DJ 30/6/2006; AgRg-Ag 637.299, rel. Min. efeitos”. Fábio Alexandre Coelho (2007, p.
Celso de Mello, DJ 5/10/2007. 33-334) defende que, se a lei complementar
Eduardo Cordero Quinzacara (2010, p. tratar de matéria pertinente à lei ordinária,
134) assevera que no Chile o Tribunal Cons- não haverá qualquer vício, pois o quorum
titucional, por influência da doutrina espa- de deliberação daquela é superior ao des-
nhola, chegou a defender que a lei orgânica sa; nesse caso, poderá uma lei ordinária
constitucional (lei complementar) situava revogar uma lei complementar. Nesse
em um patamar inferior à Constituição e sentido é a jurisprudência do STF: ADC
superior às demais leis, mas abandonou 1, rel. Min. Moreira Alves, DJ 16/6/1995;
essa posição em face das fortes críticas da ADI-MC 2.111, rel. Min. Sydeney Sanches,
doutrina chilena. Para ele, “la Ley orgánica DJ 15/12/2003; RE 419.629, rel. Min. Sepúl-
constitucional no constituye una categoría veda Pertence, DJ 30/6/2006.
sustancialmente diversa a la ley, en la me- Se ocorrer o contrário, a lei ordinária dis-
dida que los elementos que la configuran ciplinar matéria inerente à lei complemen-
no tienen por objeto alterar su naturaleza, tar, “a invasão de competência implicará
sino establecer reglas de procedimiento na inconstitucionalidade da lei elaborada,
más rigurosas para su elaboración”9. não havendo qualquer possibilidade de
A lei complementar, portanto, não é su- aproveitamento” (CANOTILHO, 1993, p.
perior, nem inferior à lei ordinária; ambas 334). Corroboram essas teses as seguintes
ocupam a mesma posição hierarquia na decisões: STJ, Resp 92.508, ReI. Min. Ari
pirâmide das fontes do direito. Pargendler, DJ 25/8/1997; STF. RE 172.058,
A divisão de matérias entre lei ordinária Rel. Min. Marco Aurélio, DJ 13/10/1995.
e complementar também não enseja uma Cumpre assinalar que o Código Tri-
hierarquia das normas gerais sobre as não butário Nacional foi recepcionado pela
gerais. Celso Ribeiro Bastos (1999, p. 96) Constituição de 1988 como lei complemen-
adverte que “não são as normas gerais tar (STJ, REsp 464372, rel. Min. Luiz Fux,
que conferem a possibilidade de existência DJ 2/6/2003; STF, RE 556.664, Rel. Min.
às não gerais. Estas extraem sua validade Gilmar Mendes, DJ 13/11/2008).
da Constituição, sem intermediação”.
Tratando-se de normas de mesmo nível, 11. Características
9
Tradução livre: a Lei orgânica constitucional não Partindo da doutrina de José Joaquim
constitui uma categoria substancialmente diversa à Canotilho Gomes (1993, p. 835-836) e
da lei, na medida em que os elementos que a confi- considerando as peculiaridades do direito
guram não têm por objeto alterar sua natureza, mas
estabelecer regras de procedimento mais rigorosas
brasileiro e os aspectos acima estudados, é
para sua elaboração. possível aferir as seguintes características

Brasília a. 49 n. 193 jan./mar. 2012 199


das leis complementares nacionais: a) hie- de Moraes (2008, p. 667), o procedimento
rarquia – igual à da lei ordinária; b) tipicida- para a elaboração da lei complementar
de (ou taxatividade) – é a Constituição que “segue o modelo padrão do processo le-
enumera as hipóteses de lei complemen- gislativo ordinário, com a única diferença
tar10; c) exclusividade em razão da matéria em relação à subfase de votação, pois [...] o
– “sempre que a Constituição reservou para quorum será de maioria absoluta”.
‘lei orgânica’ a disciplina jurídica de certas
matérias”, então somente por ela poderá 12.1. Iniciativa
atuar o Legislativo (CANOTILHO, 1993, Pelo art. 61 da Constituição Federal, a
p. 835); d) solenidade própria – é o quorum iniciativa das leis complementares é seme-
especial previsto para sua aprovação; e) lhante à das demais leis ordinárias, cabendo
numeração independente – as leis com- “a qualquer membro ou Comissão da Câ-
plementares seguem numeração própria, mara dos Deputados, do Senado Federal ou
distinta das demais espécies legislativas; do Congresso Nacional, ao Presidente da
f) indelegabilidade – é vedada a delegação República, ao Supremo Tribunal Federal,
de elaboração de lei complementar ao Presi- aos Tribunais Superiores, ao Procurador-
dente da República (art. 68 da Constituição -Geral da República e aos cidadãos”.
brasileira). Nos casos de iniciativa exclusiva do Pre-
A lei complementar pode veicular so- sidente da República (art. 61, § 1o), estará o
bre normas gerais (ex. matéria tributária, projeto de lei complementar eivado de vício
art. 146, III, da Constituição) ou sobre um formal de inconstitucionalidade caso não
assunto específico (ex. proteção contra seja apresentado por ele. O mesmo ocorre
dispensa arbitrária ou sem justa causa de no âmbito dos Estados, nas hipóteses em
empregados, art. 7, I). que somente o Governador tem a iniciativa
de propor a lei complementar, e nos demais
12. Processo Legislativo casos de competência privativa. Nesse sen-
e suas especificidades tido há precedentes do Supremo Tribunal
Federal (STF): ADI 1.201, Rel. Min. Moreira
O art. 69 da Constituição é absolutamen-
Alves, j. 27/4/1995; ADI 1.432, rel. Min.
te lacônico ao estabelecer que “as leis com-
Sydney Sanches, j. 1/2/1996; ADI 1.051,
plementares serão aprovadas por maioria
Rel. Min. Maurício Corrêa, j. 2/8/1995.
absoluta”. O texto constitucional anterior
Normalmente, os projetos de lei, in-
era o art. 50 da Emenda Constitucional
clusive de lei complementar, começam na
1/1969 (BRASIL, 1969), que estabelecia:
Câmara dos Deputados (art. 64 da Consti-
“Art. 50. As leis complementares
tuição), que é a Assembleia dos represen-
sòmente serão aprovadas, se obti-
tantes do povo.
verem maioria absoluta dos votos
dos membros das duas Casas do 12.2. Emenda
Congresso Nacional, observados os
Emenda é, para o art. 118 do Regimento
demais têrmos da votação das leis
Interno da Câmara dos Deputados (RICD),
ordinárias.”
uma proposição apresentada como acessó-
Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2007,
ria de outra ou, para o art. 211, VI, do Re-
p. 248), citando lição de Maximiliano, sus-
gimento Interno do Senado Federal (RISF),
tenta que se deve aplicar à norma atual a
uma espécie de proposição. Ela pode ser do
mesma interpretação aceita para a anterior.
parlamentar ou da comissão.
Na verdade, como bem destaca Alexandre
A emenda, segundo a norma interna
10
Idêntica característica há no Direito chileno (cf. da Câmara dos Deputados, pode ser su-
MARINKOVIC; URQUIAGA; ALCALÁ, 1994, p. 11). pressiva (erradica qualquer parte de outra

200 Revista de Informação Legislativa


proposição), aglutinativa (funde outras Legislativas também é necessária para os
emendas ou estas com o texto original), projetos de leis complementares estaduais.
substitutiva (altera, substancial ou for- O art. 148 do RICD ressalva o projeto
malmente, o conjunto da proposta inicial), de lei complementar da regra geral do
modificativa (altera a proposição sem a turno único. O art. 270 do RISF não tem
modificá-la substancialmente), aditiva semelhante regra.
(acrescenta a outra proposição) e de reda- Na casa iniciadora (Câmara ou Senado,
ção (sana vício de linguagem, incorreção dependendo da iniciativa), o projeto de lei
de técnica legislativa ou lapso manifesto). complementar será discutido, emendado
É possível haver subemenda (emenda de (se for o caso) e aprovado pela maioria
outra emenda). absoluta dos membros da Casa. Após,
Os Regimentos do Senado (art. 230, I) será remetido à Casa revisora (Senado ou
e da Câmara (art. 119, § 2o) estabelecem Câmara) para ser discutido e aprovado
como requisito a pertinência temática da pela maioria absoluta de seus membros.
emenda com o projeto de lei em tramitação. Havendo emendas na Casa revisora, o
É vedada a apresentação de proposição que projeto retornará à Casa iniciadora, que
enseje aumento de despesas nos projetos aprovará as modificações por maioria
de lei de iniciativa exclusiva ou se refiram absoluta de seus membros ou as rejeitará.
à organização dos serviços administrativos Se qualquer das Casas rejeitar a proposta,
da Câmara dos Deputados, do Senado será ela arquivada. Caso aprovada, segue
Federal, dos Tribunais Federais e do Minis- para sanção.
tério Público (arts. 63 da Constituição, 230, O Regimento Interno da Câmara estabe-
IV, do RISF e 124 do RICD). No Senado, há, lece que os projetos de leis complementares
ainda, vedação de apresentação de emenda tramitarão com prioridade (art. 151, II, “b”,
contrária ao projeto de lei (art. 230, II). A 1). O Regimento do Senado não contém
possibilidade de emenda não autoriza a previsão semelhante, embora também
invasão da iniciativa exclusiva. discipline as situações de preferências
(art. 311).
12.3. Discussão e votação
12.4. Sanção e veto
Para as leis complementares, “incidem
todos os dispositivos sobre a discussão e a Pontes de Miranda sustentava que a lei
votação aplicáveis ao processo legislativo complementar se aperfeiçoava pela apro-
de formação das leis ordinárias” (SILVA, vação no Congresso, sendo desnecessária
J. A. da, 1998, p. 316-317), salvo quanto ao sanção ou veto (FERREIRA FILHO, 2007
quorum de aprovação e aos turnos de vota- p. 251). José Afonso da Silva (2006, p. 318),
ção na Câmara dos Deputados. com muita propriedade, adverte que: a) a
O art. 47 da Constituição estabelece, sanção é uma regra geral, que só pode ser
como regra geral, a deliberação pela maio- excluída expressamente, como é o caso das
ria simples de votos, presente a maioria Emendas à Constituição; b) não há previ-
absoluta dos membros da Casa legislativa. são de promulgação da lei complementar
Os arts. 69 da Carta Magna, 183, § 1o, do pelas mesas das duas Casas do Congresso
RICD e 288, III, “a”, do RISF, no entanto, Nacional; c) o art. 48 da Constituição es-
estabelecem que, para a aprovação da tabelece que cabe ao Congresso Nacional,
lei complementar, é necessária a maioria com a sanção do Presidente da República,
absoluta dos membros de cada Casa, o dispor sobre matérias ali elencadas, entre
que, hoje, significa 41 senadores (dos 81) e as quais hipótese inequívoca de reserva à
257 deputados (dos atuais 513). A maioria lei complementar (plano plurianual), o que
absoluta dos membros das Assembleias revela a necessidade da sanção.
Brasília a. 49 n. 193 jan./mar. 2012 201
Incumbe, portanto, ao Presidente da Re- espécie normativa do processo legislativo
pública, na forma das demais proposições brasileiro.
de lei, sancionar e/ou vetar o projeto de
lei complementar. Havendo veto total ou
parcial, observar-se-á o disposto nos § 1o, Referências
2o e 4o a 6o do art. 61 da Constituição.
ALVES, José Carlos Moreira. Lei Complementar. Aber-
12.5. Promulgação e publicação tura do XV Simpósio Nacional de Direito Tributário.
Caderno de Pesquisas Tributárias, São Paulo, n. 19, 1991.
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de que uma lei foi votada e aprovada pelo ta/Rev_49/artigos/ art_Levi.htm>. Acesso em: 11
Congresso e demais autoridades que par- maio 2011.
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(SILVA, J. A. da, 2006, p. 233). Na publi- nacionais e federais. Revista de Direito Público,ão Paulo,
cação, o texto é impresso e divulgado no v. 13, n. 53-54, jan. /jun. 1980.
Diário Oficial. BADENI, Gregorio. Tratado de Derecho Constitucional.
2. ed. Buenos Aires: La Ley, 2006. t. I.
Conclusão BARBOSA, Ruy. Comentários à Constituição Federal
Brasileira. Coligidos e ordenados por Homero Pires.
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BASTOS, Celso Ribeiro. Lei Complementar: teoria e
Oriunda do direito francês, foi inserida no comentários. 2. ed. São Paulo: Celso Bastos : Instituto
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primárias estabelecidas na Constituição.
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podendo ser alterada por lei comum. Se Brasília: Senado Federal, 2011. v. 1.
ocorrer o inverso, a lei ordinária usurpado- ______. Constituição (1891). Constituição da República
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Acesso em: 11 maio 2011.
constituinte, mediante deliberação com
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