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Exegese e
Hermenêutica
Bíblica
Graduação
Unicesumar
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de EAD
Willian Victor Kendrick de Matos Silva
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi
Seja bem-vindo(A)!
Então Filipe correu para a carruagem, ouviu o homem lendo o profeta
Isaías e lhe perguntou: “O senhor entende o que está lendo?” Ele res-
pondeu: “Como posso entender se alguém não me explicar?” Assim,
convidou Filipe para subir e sentar-se ao seu lado. (Atos dos Apóstolos
8.30,31)
Buscamos, neste livro, apresentar aspectos gerais e informativos de duas disciplinas es-
peciais da Teologia Bíblica: a Exegese e Hermenêutica Bíblicas. Nosso intuito é apontar
ferramentas importantes para uma melhor leitura e interpretação dos textos bíblicos.
Partimos do pressuposto de que é de fundamental importância o trabalho sério e ze-
loso para se interpretar corretamente os textos sagrados, oferecendo assim um melhor
entendimento e explanação das verdades bíblicas.
Há uma antiga discussão sobre Exegese e Hermenêutica no meio teológico. Há quem
defenda que são ciências distintas e complementares. Há quem diga que uma está den-
tro da outra, que a Exegese vem primeiro ou que é o contrário. Você encontrará quem
defenda que a Hermenêutica está dentro da Teologia Exegética; já outros afirmam que
a Exegese Bíblica está dentro da Hermenêutica com seus princípios gerais de interpre-
tação. Neste material, não entraremos nessa discussão, nosso intuito é apresentar os
aspectos gerais da Exegese Bíblica e da Hermenêutica Bíblica para o estudante de Teo-
logia, pois o valor excepcional que atribuímos à Bíblia é que nos desperta o desejo de
aprofundar os estudos sobre ela e, com critérios e esmero, descobrir o sentido de sua
mensagem para que a comuniquemos com verdade.
Fato é que temos diante de nós, estudantes da Palavra de Deus, um grande desafio, pois
como escreveu Silva (2000, p. 11): “Palavra de Deus em palavras humanas”. Assim é defi-
nida, com muita exatidão, a Sagrada Escritura ou, mais simplesmente, a Bíblia. Mas po-
demos entabular um questionamento: a Bíblia é sagrada porque é a Palavra de Deus e é
Escritura porque é palavra humana? Ou seria o contrário: Ela é Palavra de Deus porque
é sagrada e é palavra humana porque é Escritura? É claro que não foi Deus, em pessoa,
quem escreveu a Bíblia. Muito menos podemos pensar que Deus necessite de palavras,
que são uma realidade humana, para se comunicar. A Sagrada Escritura é a configuração
categorial do que foi a percepção da presença e da revelação de Deus. Quem tem tal
percepção é o ser humano concreto e situado. Portanto a definição apenas proposta –
palavra de Deus em palavras humanas –, longe de comportar uma contradição, exprime
uma condição irrenunciável: se quisermos que a Bíblia fale aos homens, seja qual for
a cultura, a língua e o tempo em que vivem, precisamos, cada vez mais, recolocar esta
mesma Bíblia na cultura, na língua e no tempo em que surgiu. Isso significa afirmar que
“a Bíblia é uma obra literária que precisa ser abordada como tal, se não quisermos anular
seu valor como Palavra de Deus”.1
O texto bíblico que consideramos básico e central para entender a importância de estar-
1 SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 11.
Apresentação
mos dedicados ao estudo esmerado e que busca ser mais eficiente e responsável da
Palavra de Deus é o registrado em Atos dos Apóstolos 8.30,31 –
Então Filipe correu para a carruagem, ouviu o homem lendo o pro-
feta Isaías e lhe perguntou: “O senhor entende o que está lendo?”
Ele respondeu: “Como posso entender se alguém não me explicar?”
Assim, convidou Filipe para subir e sentar-se ao seu lado.
Nesse episódio, percebemos a oportunidade e como Filipe pôde ser usado por Deus
para clarear o sentido e informações que o texto de Isaías, que estava sendo lido
pelo etíope, trazia e, embora o homem lesse, confessa que não estava compreen-
dendo. Filipe explicou detalhadamente o texto, “começando com aquela passagem
da Escritura, anunciou-lhe as boas novas de Jesus” (verso 35). O resultado da obe-
diência ao Espírito Santo, do interesse e sabedoria em apresentar corretamente a
Palavra de Deus foi a conversão daquele homem.
Prosseguindo pela estrada, chegaram a um lugar onde havia água. O
eunuco disse: “Olhe, aqui há água. Que me impede de ser batizado?”
Disse Filipe: “Você pode, se crê de todo o coração”. O eunuco respon-
deu: “Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus”. Assim, deu ordem
para parar a carruagem. Então Filipe e o eunuco desceram à água,
e Filipe o batizou. Quando saíram da água, o Espírito do Senhor ar-
rebatou Filipe repentinamente. O eunuco não o viu mais e, cheio de
alegria, seguiu o seu caminho. (Versos 36 a 39)
Como escreveu o apóstolo Paulo em sua carta aos Romanos, como consequência, a
fé vem pelo ouvir as boas novas, e as boas novas vêm pela Palavra de Cristo (Romanos
10.17 - Versão King James).
Segundo o professor Júlio Zabatiero (2007, p. 17), a interpretação da Bíblia é uma
prática que tem diferentes sujeitos, tempos e espaços de realização. Dominicalmen-
te, pregadoras e pregadores explicam passagens bíblicas a pessoas que desejam
aprender, servir a Deus e tornar a vida mais feliz. Diariamente, isso é feito por meio
da televisão, em que telespectadores e telespectadoras são alcançados nos mais
distantes cantos da Nação e de outros países, com as mais variadas expectativas
e necessidades. Semelhantemente, professoras e professores de exegese e teolo-
gia bíblica ensinam estudantes a interpretar a Bíblia, seguindo padrões acadêmicos
precisos, visando formar mais pregadoras e pregadores e, quem sabe, mais inte-
lectuais da Teologia. Diariamente, fiéis de variadas confissões cristãs e de religiões
aparentadas ao cristianismo leem a Bíblia em momentos devocionais, nas horas de
apuro, nas celebrações familiares, para crescer na fé, cumprir obrigações religiosas
ou tantos outros fins. Além disso, muitas pessoas sem filiação eclesiástica leem a
Bíblia por prazer, devoção, para cumprir trabalhos acadêmicos, realizar pesquisas
linguísticas, literárias ou culturais. 2
Temos, então, que a Exegese e Hermenêutica Bíblicas são disciplinas que, com suas
ferramentas, nos instrumentalizam para chegarmos a um melhor entendimento da
Palavra de Deus e entendermos com amplitude que, como escreveu o frei Carlos
Mesters, citado por Rodrigues:
Deus nos fala na Bíblia não para que nos fechemos no estudo e na
leitura da Bíblia, mas para que, pela leitura e pelo estudo da Bíblia,
possamos ir descobrindo a Palavra viva de Deus dentro da vida e
dentro da história de nossa comunidade e de nosso povo. 3
Que seja assim conosco. Encerramos essa introdução com duas falas de Jesus, a pri-
meira é uma advertência – “Errais, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de
Deus” (Mateus 22.29). A segunda, que para nós funciona como um bom conselho
– “Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e elas mesmas são as
que dão testemunho de mim” (João 5.39).
A distância que vai entre a janela e os meus olhos determina o que vejo lá
fora na rua. Se fico mais perto, a visão se alarga; se fico de longe, a visão se
estreita. Se vou à esquerda, enxergo a praça; se vou à direita, eu vejo a torre.
Sou eu que determino o que aparece lá fora na rua para servir de panorama
aos meus olhos. Mas nem por isso é falso ou errado aquilo que vejo e descre-
vo, pois não sou eu que crio as coisas que aparecem lá fora. Já existiam antes
de mim. Não dependem de mim. É útil e até necessário que cada um defina
bem clara e honestamente aquilo que ele vê pela sua janela. Isso redundará
em benefício da análise que se faz da realidade e da vida. O que me consola
é que todos somos assim. Bem limitados e condicionados pelos próprios
olhos, dependentes uns dos outros. É trocando as experiências, numa con-
versa franca e humilde, que nos ajudamos mutuamente a enxergar melhor
as coisas que vemos, e a romper as barreiras que nos separam sem razão.
Pois ninguém é dono da verdade. Intérprete só.
MESTERS, Carlos. Por trás das palavras. Petrópolis: Vozes, 1974. p. 9. (Prefácio da
obra).
3 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus, palavra da gente: as formas literárias na Bíblia. São Paulo: Paulus,
2004. p. 5.
Apresentação
Concluímos com a quinta unidade, onde teremos questões mais teóricas, especial-
mente em relação à transposição do abismo cultural gramatical e literário, o empre-
go do Antigo Testamento no Novo e contextualização.
Como escreve Fee e Stuart (2002, p. 13), na introdução de sua obra, com certa
frequência encontramos com alguém que diz com muito fervor: “você não precisa
interpretar a Bíblia; leia-a, apenas, e faça o que ela diz”. Usualmente, semelhante
observação reflete o protesto contra o “profissional”, o estudioso, o pastor, o cate-
drático ou o professor da Escola Dominical que, por meio de “interpretar”, parece
estar tirando a Bíblia do homem ou da mulher comum. É sua maneira de dizer que
a Bíblia não é um livro obscuro. “Afinal das contas”, argumenta-se, “qualquer pessoa
com metade de um cérebro pode lê-la e entendê-la. O problema com um número
demasiado de pregadores e professores é que cavam tanto que tendem a enlamear
as águas. O que era claro para nós quando a lemos já não é mais tão claro”. Há muito
de verdade em tal protesto. Concordamos que os cristãos devam aprender a ler a
Bíblia, crer nela e obedecê-la, e concordamos especialmente que a Bíblia não preci-
sa ser um livro obscuro, se for corretamente estudada e lida. Na realidade, estamos
convictos que o problema individual mais sério que as pessoas têm com a Bíblia
não é uma falta de entendimento, mas, sim, o fato de que entendem bem demais a
maior parte das coisas! O problema de um texto tal como: “Fazei tudo sem murmu-
rações e nem contendas” (Filipenses 2.14), por exemplo, não é compreendê-lo, mas,
sim, obedecê-lo – colocá-lo em prática. Concordamos, também, que o pregador ou
o professor estão por demais inclinados a escavar primeiro e a olhar depois, e assim
encobrir o significado claro do texto, que frequentemente está na superfície. Seja
dito logo de início – e repetido a cada passo, que o “alvo da boa interpretação não é
a originalidade, não se procura descobrir aquilo que ninguém jamais viu” (FEE, 2002,
p.13).
Bons estudos e
Deus o(a) abençoe!
13
sumário
UNIDADE I
A BÍBLIA SAGRADA
19 A Bíblia Sagrada
38 A Interpretação Bíblica
UNIDADE II
A EXEGESE BÍBLICA
78 A Exegese na Prática
96 Eisegese
sumário
UNIDADE III
A HERMENÊUTICA BÍBLICA
UNIDADE IV
O TEXTO BÍBLICO
180 Hebraísmos
UNIDADE V
TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
235 Conclusão
237 Glossário
247 Referências
249 Anexos
Professor Me. Marcelo Aleixo Gonçalves
I
UNIDADE
A BÍBLIA SAGRADA
Objetivos de Aprendizagem
■■ Analisar as questões da interpretação bíblica.
■■ Analisar sobre a necessidade de interpretação.
■■ Verificar questões como: inspiração e revelação; infalibilidade e
inerrância.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ A Bíblia Sagrada
■■ A interpretação bíblica
■■ A necessidade da interpretação da Bíblia
■■ Bíblia Sagrada – inspiração e revelação
■■ Bíblia Sagrada – infalibilidade e inerrância
19
A Bíblia Sagrada
“Seca-se a relva, e cai a sua flor; mas a Palavra de nosso Deus permanece
para sempre”. (Isaías 40.8)
A Bíblia Sagrada
I
a tua promessa. 108 Aceita, Senhor, a oferta de louvor dos meus lábios,
e ensina-me as tuas ordenanças.
Cremos que a Bíblia é a Palavra de Deus, traz em seus versos a verdade da Palavra
imutável de Deus. Apesar das mudanças nas opiniões teológicas, das novas luzes
lançadas pela arqueologia e por outras ciências sobre o significado e a veracidade
das Escrituras e sobre as percepções racionais humanas em questões interpreta-
tivas complexas, a verdade incomparável da Palavra de Deus ainda permanece
de pé e permanecerá para sempre, pois como afirmou Jesus – “Os céus e a terra
passarão, mas as minhas palavras jamais passarão”. (Mateus 24.35)
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A palavra “Bíblia” designa as Escrituras do Antigo e Novo Testamentos reco-
nhecidas e empregadas pelas igrejas cristãs, entretanto, o judaísmo reconhece
somente as Escrituras do Antigo Testamento.
Cremos que só existe uma Bíblia, incomparável, singular em relação a todas
as outras literaturas ditas sagradas, porque: (1) é a revelação de Deus; (2) é ins-
pirada por Deus (II Timóteo 3.16) e inspirada num sentido diferente de todas as
outras literaturas; (3) revela os planos e os propósitos de Deus para as eras pas-
sadas e para a eternidade; (4) centra-se no Deus encarnado em Jesus Cristo, o
Salvador da humanidade (Hebreus 1.1-2).
O Antigo Testamento foi escrito quase que totalmente em hebraico, um dia-
leto semítico da família do fenício e do ugarítico. Nele, há uns poucos trechos
escritos em aramaico (abaixo informamos), outra língua semítica da família do
hebraico.
■■ A Bíblia é um Livro divino. Sua origem é em Deus, Ele mesmo é o autor.
Para escrevê-la chamou e capacitou homens inteiramente submissos a Ele
e com grande sujeição ao Espírito Santo. No texto sagrado Deus comunica
aos homens o Seu amor, a Sua salvação e a Sua santa vontade.
■■ Para escrever os diferentes livros que compõem a Bíblia Deus serviu-Se
de aproximadamente 40 homens1 diferentes, em épocas diferentes, num
período de mais ou menos 1600 anos (1400 a.C. – 100 d.C.).
■■ O Antigo Testamento é escrito todo ele antes do nascimento de Cristo,
1 Curiosidade: há quem diga que a Sulamita escreveu parte do livro de Cantares, como também temos estudiosos que dizem
que ela é que narra toda a história e alguém registrou.
A BÍBLIA SAGRADA
21
2 UNGER, Merrill Frederick. Manual Bíblico Unger. Revisado por Gary N. Larson. Tradução Eduardo Pereira e Lucy
Yamakami Ferreira. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 12.
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vida de plena obediência e consagração a Deus. E, levando em conta a fra-
gilidade humana, Deus revelou-Se de forma progressiva, onde a plenitude
dessa revelação acontece na Pessoa do Senhor Jesus Cristo.
■■ A primeira parte da Bíblia, os cinco primeiros livros (Pentateuco) foram
dedicados a Moisés. A escrita efetiva deve ter ocorrido no reinado de
Salomão, porém é indiscutível que o principal personagem da história
de Israel neste período fora Moisés. Temos Abraão como o patriarca que
principia essa história e Moisés. o homem usado por Deus para o projeto
da libertação e condução na caminhada para a terra prometida, destino
final para o estabelecimento deste povo.
■■ Os escritores bíblicos serviram-se de três idiomas: Hebraico; Aramaico
e Grego (koiné).
Hebraico = língua tradicional do povo de Israel no período veterotesta-
mentário.
Aramaico = língua de vários povos vizinhos e que chega a ser utilizada
por Jesus.
Grego = língua do dominante, comercial, praticamente oficial no tempo
dos apóstolos.
■■ Os primeiros livros bíblicos (Pentateuco) foram escritos por volta de 1500
a.C. (data presumida).
■■ Os livros bíblicos foram escritos (supõem-se) no período de:
A BÍBLIA SAGRADA
23
A Bíblia Sagrada
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Josué Miquéias
Juízes Naum
Rute Habacuque
I Samuel Profetas Maiores: Sofonias
II Samuel Isaías Ageu
I Reis Jeremias Zacarias
II Reis Lamentações Malaquias
I Crônicas Ezequiel
II Crônicas Daniel
Esdras
Neemias
Ester
3 Na Bíblia católica romana são mais livros. Pentateuco: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números,
Deuteronômio. Proféticos: Josué, Juízes, I e II Samuel, I e II Reis, Isaías, Jeremias, Ezequiel, Oséias,
Joel, Amós, Abdias (protestante: Obadias), Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc (Habacuque), Sofonias,
Ageu, Zacarias, Malaquias. Escritos: Salmos, Jó, Provérbios, Rute, Cântico dos Cânticos, Eclesiastes,
Lamentações, Ester, Daniel, Esdras, Neemias, I e II Crônicas. Deuterocanônicos: Judite, Tobit (Tobias), I e
II Macabeus, Sabedoria, Eclesiástico (Sirácida), Baruc (Baruque).
A BÍBLIA SAGRADA
25
pede de continuar em seu ofício; 24 mas, visto que vive para sempre,
Jesus tem um sacerdócio permanente. 25 Portanto, ele é capaz de salvar
definitivamente aqueles que, por meio dele, aproximam-se de Deus,
pois vive sempre para interceder por eles. 26 É de um sumo sacerdote
como este que precisávamos: santo, inculpável, puro, separado dos pe-
cadores, exaltado acima dos céus. 27 Ao contrário dos outros sumos
sacerdotes, ele não tem necessidade de oferecer sacrifícios dia após dia,
primeiro por seus próprios pecados e, depois, pelos pecados do povo.
E ele o fez uma vez por todas quando a si mesmo se ofereceu. 28 Pois a
Lei constitui sumos sacerdotes a homens que têm fraquezas; mas o ju-
ramento, que veio depois da Lei, constitui o Filho perfeito para sempre.
4 GUNDRY, Robert H. Panorama do Novo Testamento. São Paulo: Edições Vida Nova, 2004.
A Bíblia Sagrada
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Novo Testamento foram escritos para instruir os cristãos de congregações locais
e informá-los a respeito da vida e dos ensinos de Cristo. No entanto, esses fatos
não ocorreram repentinamente, foram o resultado de uma preparação realizada
pelo próprio Deus: “... vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho”
(Gálatas 4.4). Nos anos que precederam a vinda de Cristo, o Senhor transmitia
a sua palavra por intermédio de homens que influenciaram a vida cotidiana dos
povos do mundo de então. Muitos desses povos tiveram um papel importante
na era pré-cristã, entre os três mais importantes estão os hebreus e sua religião,
os gregos e sua língua e os romanos e sua organização político-social.
Escrita originalmente em grego, entre 45-95 d.C., a coleção dos livros do
Novo Testamento é tradicionalmente atribuída aos apóstolos Pedro, João, Mateus
e Paulo, bem como a outros antigos autores cristãos, João Marcos, Lucas, Tiago
e Judas. Em nossas Bíblias modernas, os livros do Novo Testamento não estão
arranjados na ordem cronológica em que foram escritos. Exemplificando, as pri-
meiras epístolas de Paulo foram os primeiros livros do Novo Testamento a ser
escritos (com a única exceção possível da epístola de Tiago), e não os Evangelhos6.
5 DUNNETT, Walter M. Panorama do Novo Testamento. Tradução Bruno Guimarães Destefani. São
Paulo: Vida Nova, 2005.
6 Os Evangelhos não aparecem em ordem cronológica correta, pois o Evangelho de Marcos é entendido
como o primeiro, seguido por Mateus, Lucas e João, este escrito por volta de 30 anos depois dos
anteriores.
A BÍBLIA SAGRADA
27
E mesmo o arranjo das epístolas paulinas não segue a sua ordem cronológica,
porquanto Gálatas (ou talvez I Tessalonicenses) foi a epístola escrita bem antes
daquela dirigida aos Romanos, a qual figura em primeiro lugar em nossas Bíblias
pelo fato de ser a mais longa das epístolas de Paulo.7
Os Evangelhos abrem o Novo Testamento, porém precisamos saber que
Evangelho é um tipo de literatura bastante diferente de outros escritos antigos
e modernos. Evangelho é um gênero de literatura, utilizado especialmente no
cristianismo primitivo, no qual apresenta as passagens acerca da vida, obras e
palavras de Jesus apontando para a essência da pregação: a obra redentora de
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
7 GUNDRY, Robert H. Panorama do Novo Testamento. São Paulo: Edições Vida Nova, 2004.
8 Em sua origem, a palavra ‘evangelho’ não se referia aos quatro primeiros escritos apresentados no Novo
Testamento, referia-se aos anúncios proclamados oralmente, ‘evangelho’ é “boa notícia”. [grego: evaggélion
= boa notícia].
9 Os sinópticos: o nome “sinóptico” foi dado aos escritos dos três primeiros Evangelhos pelo pesquisador
alemão J. J. Griesbach, em sua obra Synopsis evangeliorum (Sinopse dos Evangelhos), publicada em Halle,
em 1776. Com efeito, Mateus, Marcos e Lucas têm semelhanças e diferenças, a ponto de se tornar possível
imprimi-los em três colunas e com uma visão simultânea verificar concordâncias e divergências. Não
se trata de uma concordância substancial com uma ou outra diferença. Não é isso. Teríamos, então, três
cópias de um mesmo texto. Mas também não se trata de uma discordância que possa ser considerada
substancial com alguma identificação. Nesse caso, teríamos três textos que sofreram mútua influência.
(...) Os três concordam quanto à sucessão dos fatos: Jesus inicia Seu ministério na Galileia, atravessa a
Samaria e chega a Jerusalém, onde tem o encontro com a morte; os três também concordam quanto à
parte interna das seções e até na escolha das próprias palavras. As divergências são de naturezas diversas
(MARCONCINI, 2001).
A Bíblia Sagrada
I
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Nos três, impressiona Sua humanidade real e perfeita; no quarto, Sua divin-
dade admirável e verdadeira.
Fonte: PEARLMAN, Myer. Através da Bíblia livro por livro. São Paulo: Editora Vida,
2006.
Poderíamos fazer uma pergunta: Por que são quatro Evangelhos? Não ofe-
recendo grande profundidade, podemos, no entanto, responder que são quatro
pelo fato de ter havido, no tempo dos apóstolos, quatro grupos representativos
entre o povo, a saber: os judeus, os romanos, os gregos e a Igreja10 (igreja com-
posta pelos convertidos desses três grupos).
Cada evangelista se propôs a escrever para um desses grupos, adaptando-
se ao caráter, às necessidades e aos ideais deles. E outro ponto a se considerar é
que um Evangelho só não teria sido suficiente para apresentar os vários aspectos
da personalidade de Cristo. Cada um dos evangelistas focaliza-O de um ângulo
diferente. Mateus apresenta-O como Rei; Marcos, como conquistador e servo;
Lucas, como o Filho do homem; João, como o Filho de Deus.
Apresentamos abaixo um texto introdutório de Myer Pearlman que contri-
bui com nossa explanação:
O fato de os evangelistas terem escrito os seus relatos de diferentes pontos
de vista explicará as diferenças entre eles, suas omissões e adições, a aparente
contradição ocasional e a falta de ordem cronológica. Os autores não procura-
ram produzir uma biografia completa de Cristo. Levando em consideração as
A BÍBLIA SAGRADA
29
11 PEARLMAN, Myer. Através da Bíblia livro por livro. São Paulo: Editora Vida, 2006.
12 As Epístolas (cartas) foram escritas pelos apóstolos e seus cooperadores, são no total 21 e subdividem-
se em: 9 paulinas (às igrejas); 4 pastorais de Paulo (I e II Timóteo, Tito e Filemom); as Gerais (também
chamadas de católicas ou seja universais) são 8 e levam o nome de seus autores.
A Bíblia Sagrada
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menos treze delas, é de autoria do apóstolo Paulo. Muitas foram redigidas em
forma de carta, e há uma curiosidade sobre elas, das vinte e uma, todas trazem
o nome do autor, exceto a remetida aos hebreus14 e as três Epístolas de João.
Nove dos escritos paulinos foram enviados a igrejas e quatro foram ende-
reçados a pessoas em particular. A maioria deles trata de problemas existentes
nas igrejas (Efésios é uma exceção). Alguns apresentam um tom bastante pessoal
(Filipenses e II Coríntios); outros aparentam ser mais formais, quase como uma
tese científica, e em suas divisões principais (excluindo-se a introdução pessoal
e a conclusão) trazem um tom bastante impessoal. Romanos provavelmente é o
exemplo mais notável. Além disso, as cartas de Paulo apresentam uma grande
variedade de conteúdo e fazem um excelente equilíbrio entre assuntos doutri-
nários e práticos.15
As demais Epístolas, que são procedentes de outros autores, podem ser divi-
didas em duas categorias básicas. Algumas tratam, sobretudo, do sofrimento
[Hebreus, Tiago e I Pedro], já nas outras, o tema central são os falsos ensinos [II
Pedro, I, II e III João e Judas]. Isto ocorre porque eram os dois problemas mais
sérios constatados naquele contexto à medida que o primeiro século se desen-
rolava. Historicamente, é possível observar que inicialmente a perseguição veio
por meio dos oponentes judeus e, mais tarde, pelo Império Romano (a partir de
13 RADMACHER, Earl D.; ALLEN, Ronald B.; HOUSE, H. Wayne (editores). O Novo Comentário Bíblico
Novo Testamento. Rio de Janeiro: Central Gospel, 2010.
14 Há entre os comentadores uma dúvida sobre o autor de Hebreus, mas pela forma de escrita e tema,
alguns atribuem a autoria a Apolo, um discípulo do apóstolo Paulo.
15 DUNNETT, Walter M. Panorama do Novo Testamento. Tradução Bruno Guimarães Destefani. São
Paulo: Vida Nova, 2005.
A BÍBLIA SAGRADA
31
64 d.C.), o que não era de surpreender, pois Jesus já havia advertido Seus segui-
dores com relação ao surgimento de falsos cristos e de falsos profetas, Mateus
24.24-25: “Pois aparecerão falsos cristos e falsos profetas que realizarão grandes
sinais e maravilhas para, se possível, enganar até os eleitos. 25 Vejam que eu os
avisei antecipadamente.”, e não é diferente do que o apóstolo Paulo escreveu aos
presbíteros de Éfeso, Atos dos Apóstolos 20.28-30:
28 Cuidem de vocês mesmos e de todo o rebanho sobre o qual o Espírito
Santo os colocou como bispos16, para pastorearem a igreja de Deus, que ele com-
prou com o seu próprio sangue. 29 Sei que, depois da minha partida, lobos ferozes
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dos em quatro categorias amplas:
Evangelhos:
Evangelhos Sinópticos: Mateus, Marcos e Lucas.
Evangelho: João
Histórico:
Livro histórico: Atos dos Apóstolos
Epístolas:
Profecia:
Livro profético (revelação): Apocalipse
18 DUNNETT, Walter M. Panorama do Novo Testamento. Tradução Bruno Guimarães Destefani. São
Paulo: Vida Nova, 2005.
A BÍBLIA SAGRADA
33
O professor Júlio Zabatiero (2007, p. 20-22), escreve que a Bíblia é um livro dife-
rente e explica:
A Bíblia não é um livro, mas uma pequena biblioteca de 66 livros (no
cânon protestante) ou 73 (no cânon católico romano). Uma biblioteca
de duas religiões: judaica e cristã; de dois mundos culturais: oriental
e ocidental; de livros provenientes de lugares e épocas diferentes; de
livros escritos em três idiomas distintos (hebraico, aramaico e grego)
e traduzido para inúmeros idiomas. Uma biblioteca sem as primeiras
edições – não temos nenhum manuscrito original, apenas cópias an-
tigas também manuscritas, que serviram de base para as edições im-
pressas dos textos nas línguas e nas traduções. Uma biblioteca de livros
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A Bíblia Sagrada
I
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
■■ O conteúdo do Antigo Testamento é idêntico ao do hebraico. A única
diferença está no arranjo do material. Nossos tradutores seguiram a or-
dem dos livros da tradução Septuaginta (grego), feita em 280-150 a.C.
Os católicos romanos seguiram ainda mais a tradição Septuaginta, in-
cluindo 11 livros apócrifos.
■■ Por questões cronológicas, os Evangelhos, embora compostos depois
de muitas epístolas, foram colocados antes de Atos e das epístolas em
coleções completas. Catalogando a vida terrena e o ministério do Se-
nhor, eles precedem naturalmente Atos, que descreve a formação e a
história da igreja primitiva.
■■ Das 21 epístolas, 13 são de Paulo, uma anônima endereçada a judeus
cristãos (Hebreus), outra também endereçada às doze tribos da diáspo-
ra (Tiago), duas de Pedro, três de João e uma de Judas. Apocalipse é o
ápice da profecia bíblica e completa os livros do Novo Testamento.
Fonte: UNGER, Merrill Frederick. Manual Bíblico Unger. Revisado por Gary
N. Larson. Tradução Eduardo Pereira e Ferreira, Lucy Yamakami. São Paulo:
Vida Nova, 2006. p. 13.
20 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 62
A BÍBLIA SAGRADA
35
Escreve o autor que embora a Bíblia seja uma obra sobrenatural de Deus, como
veremos pelo segundo axioma, também é um livro. Como qualquer outro livro,
foi escrita em idiomas que permitissem a comunicação de conceitos aos leitores.
Os sinais ou símbolos que aparecem nas páginas da Bíblia foram nelas colocados
pelos escritores com o objetivo de comunicar algo a alguém. Essa é a finalidade
de uma comunicação por escrito: ajudar os leitores a entenderem determinada
coisa, isto é, transmitir uma ideia, comunicar.
A comunicação, falada ou escrita, sempre contém três elementos:
a. Aquele que fala ou escreve;
b. A mensagem, expressa em sons audíveis e inteligíveis ou mediante sím-
bolos gráficos inteligíveis a que chamamos palavras; e
c. Os ouvintes ou os leitores.
Quem fala ou escreve procura transmitir aos ouvintes ou leitores uma ideia
que tem em mente. Ele consegue isso utilizando símbolos linguísticos conheci-
dos tanto por ele próprio quanto por quem recebe a comunicação. O resultado
21 Robert L. CATE. How to interpret the Bible. Nashville: Broadman, 1983. p. 161.
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ficos, que se encontravam num contexto histórico e geográfico específico,
e com um objetivo específico.
3. A Bíblia foi afetada e influenciada pelo meio cultural em que cada autor
humano a escreveu.
4. Cada passagem bíblica era apreendida ou entendida tendo em mente
seu contexto.
5. Cada escrito bíblico adquiriu o caráter de um estilo literário específico.
6. Os primeiros leitores entendiam cada escrito bíblico de acordo os prin-
cípios básicos da lógica e da comunicação.
A BÍBLIA SAGRADA
37
Está claro, então, afirma Zuck, que a Bíblia veio de Deus. Sem sombra de
dúvida, a afirmação de que ela é um livro divino constitui um axioma, uma
verdade evidente por si própria. Quatro corolários derivam desse axioma, e os
intérpretes da Bíblia devem se atentar para eles ao estudarem as Escrituras:
1. Pelo fato de ser um livro divino, a Bíblia é inerrante;
2. Como a Bíblia é um livro divino, é fonte indiscutível;
3. Como a Bíblia é um livro divino, apresenta unidade;
■■ A Bíblia não se contradiz. Como obra de Deus, que é a verdade, as
Escrituras são coerentes e uniformes.
■■ Como a Bíblia é coerente, suas passagens obscuras e secundárias devem
ser interpretadas com base em trechos claros e principais.
■■ Outra consequência da unidade das Escrituras é que, muitas vezes, a
Bíblia interpreta a si mesma.
■■ Aceitar a unidade da Bíblia também implica reconhecer o que é chamado
de progresso da revelação.
4. Como a Bíblia é um livro divino, tem seus mistérios. É preciso admitir
que a Bíblia contém muitas coisas difíceis de entender. Os estudiosos das
Escrituras têm de reconhecer que nem sempre são capazes de determinar
o sentido de certa passagem. A Bíblia encerra mistérios em algumas áreas:
■■ Profética = ela contém predições sobre acontecimentos futuros que
nenhum ser humano poderia antecipar sozinho, sem revelação divina.
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rante, indiscutível, harmoniosa e misteriosa. De acordo com essas afirmações
evidentes por si próprias, a Bíblia é um livro humano e também divino. Nenhum
dos dois aspectos pode ser negado. Se admitimos apenas o aspecto humano,
vamos analisá-la racionalmente. Se aceitarmos apenas o lado divino, ignorando
os aspectos humanos, vamos examiná-la como um livro místico. Quando a enca-
ramos como um livro humano e divino, procuramos interpretá-la como fazemos
com qualquer outro livro, ao mesmo tempo em que afirmamos sua singulari-
dade como o livro das verdades divinas, obra das mãos de Deus.22
A Interpretação Bíblica
Confesso que estudar e escrever sobre a Interpretação Bíblica é, para mim, algo
fascinante. Há tanto tempo envolto no mundo acadêmico, na busca de passar aos
alunos da Teologia a consciência responsável diante da Palavra de Deus, adver-
tindo sobre o temor e esmero que são necessários, num respeitoso manuseio dos
textos e, consequentemente, mas a frente, das vidas. Acho que não fiz nada mais
significativo nesses anos do que chamar a atenção para a prática da interpreta-
ção dos textos sagrados, com a dedicação de um estudante, sempre aberto para
22 ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. São Paulo: Vida Nova,
1994. p. 86
A BÍBLIA SAGRADA
39
A Interpretação Bíblica
I
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que frequentemente está na superfície. Seja dito logo de início, e repetido a cada
passo, que o alvo da boa interpretação não é a originalidade, não se procura des-
cobrir aquilo que ninguém jamais viu. A interpretação que visa à originalidade,
ou que prospera com ela, usualmente pode ser atribuída ao orgulho (uma ten-
tativa de “ser mais sábio” do que o resto do mundo), ao falso entendimento da
espiritualidade (segundo o qual a Bíblia está repleta de verdades profundas que
estão esperando para serem escavadas pela pessoa espiritualmente sensível, com
um discernimento especial), ou a interesses escusos (a necessidade de apoiar um
preconceito teológico, especialmente ao tratar de textos que, segundo parece,
vão contra aquele preconceito). As interpretações sem igual usualmente são
erradas. Não se quer dizer com isto que o entendimento de um texto não possa
frequentemente parecer sem igual para alguém que o ouve pela primeira vez. O
que queremos dizer é que a originalidade não é o alvo da nossa tarefa. O alvo da
boa interpretação é simples: chegar ao “sentido claro do texto”. E o ingrediente
mais importante que a pessoa traz a essa tarefa é o bom-senso aguçado. O teste
de uma boa interpretação é se expõe o sentido do texto. A interpretação correta,
portanto, traz alívio à mente bem como uma aguilhoada ou cutucada no cora-
ção. Mas, se o significado claro é aquilo sobre o que a interpretação diz respeito,
então para que interpretar? Por que não ler, simplesmente? O significado sim-
ples não vem pela mera leitura? Em certo sentido, sim. Mas num sentido mais
verídico, semelhante argumento é tanto ingênuo quanto irrealista por causa de
23 MESTERS, Carlos. Por trás das palavras. 9. ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 1999. p. 21,22
A BÍBLIA SAGRADA
41
seja, a maioria de nós toma por certo que, enquanto lemos, também
entendemos o que lemos. Tendemos, também, a pensar que nosso en-
tendimento é a mesma coisa que a intenção do Espírito Santo ou do
autor humano [...].25
24 FEE, Gordon D.; STUART, Douglas. Entendes o que lês? São Paulo: Vida Nova, 2002. p. 14
25 STUART, Douglas; FEE, Gordon D. Manual de Exegese Bíblica – Antigo e Novo Testamento. São Paulo:
Vida Nova, 2008.
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trouxe a todo homem, João 1.9, e a teoria que iguala iluminação a inspiração),
seu uso ocorre principalmente em relação ao ministério do Espírito Santo pelo
qual ele esclarece a verdade da revelação bíblica. Em relação à Bíblia, revelação
trata de seu conteúdo ou material, e iluminação trata do significado deste con-
teúdo. O homem não salvo não pode experimentar o ministério iluminador do
Espírito Santo já que está cego para a verdade de Deus (I Coríntios 2.14). Isto
não significa que nada possa aprender dos fatos da Bíblia, mas, sim, que ele os
considera loucura.
Por outro lado, o cristão tem a promessa de ser iluminado para compreender
o significado do texto bíblico (João 16.12-15; I Coríntios 2.9 -3.2). Ao observar-
mos juntamente essas duas passagens, surgem vários fatos:
1. O mais óbvio é que o próprio Espírito Santo é o Mestre e Sua presença
na vida do cristão é a garantia da eficácia desse ministério;
2. O conteúdo do ensino do Espírito Santo engloba “toda a verdade” (João
16.13 traz o artigo definido). Inclui especificamente uma compreensão
correta da profecia (“coisas que hão de vir”);
3. O propósito do ministério de iluminação do Espírito Santo é glorificar
a Cristo;
4. A carnalidade na vida do cristão pode prejudicar e até mesmo anular este
ministério do Espírito Santo (I Coríntios 3.1-2).
A BÍBLIA SAGRADA
43
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quem interpretar a Bíblia corretamente. Outros marcos bíblicos que afe-
tam sua interpretação são fatos como a grande aliança feita por Deus com
Abraão (Gênesis 12.1-3) e a aliança feita com Davi (II Samuel 7.4-7), o
ministério da Igreja como o Corpo de Cristo (Efésios 3.6) e a diferença
entre Lei e a Graça (João 1.17; Romanos 6.14).27
27 Extraído de A Survey of Bible Doctrine, por Charlie C. Ryrie (Moody Press). © 1972 por The Moody
Bible Institute of Chicago. (<http://www.familiaghidini.com.br/paginas/palavra/biblia/biblia.htm>)
28 ZABATIERO, Júlio. Manual de Exegese. São Paulo: Hagnos, 2007. p. 20.
29 SHAFER, Byron E. Manual Bíblia, Iglesia, Sexualidad y Família de autoria dos doutores Robin Smith
e Jorge Maldonado – Centro Hispano de Estudios Teológicos.
A BÍBLIA SAGRADA
45
01- Deus é maior que a Bíblia. Existem muitas coisas a respeito dos mistérios de
Deus que não entendemos.
02 - A Bíblia não pode e não deve ser “desculturalizada”. Textos bíblicos não têm
significado fora dos contextos nos quais foram escritos, mas, sempre nos trazem
princípios (lições) para nossa vida cristã.
03 - O cânon estabelecido tem dimensões de adaptabilidade. A voz de Deus
numa passagem em particular está no contexto da voz de Deus em toda a Escri-
tura e não pode contradizer-se.
04 - A Bíblia é um livro plural, que não apresenta uma única imagem de Deus e
de Seu plano, mas revela isso de formas diversas.
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Bíblia Sagrada - Revelação e Inspiração
30 Roy B. ZUCK. The Holy Spirit in your teaching. Ed. Rev. Wheaton: Victor Books, 1984, p. 49.
A BÍBLIA SAGRADA
47
Revelação
31 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 37
32 Hagiógrafo: diz-se do ou cada um dos livros do Antigo Testamento que não se acha incluído no
Pentateuco e nos Profetas. Diz-se de ou escritor sagrado, autor de um desses livros.
12.10, Miquéias 5.2 e Isaías 50.4-10. Certamente, os autores sagrados não adqui-
riram essas informações por estudo ou vias meramente humanas.
II Pedro 1.20,21 – 20 “Antes de mais nada, saibam que nenhuma profecia
da Escritura provém de interpretação pessoal, 21 pois jamais a profecia teve ori-
gem na vontade humana, mas homens falaram da parte de Deus, impelidos pelo
Espírito Santo”.
A revelação bíblica é progressiva e esta revelação pode ser percebida em dois
movimentos: revelação ativa e revelação passiva.
A ativa significa a atividade de Deus, enquanto se dá a conhecer aos homens.
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O ato/movimento da revelação.
Nas palavras de Bentho (2003, p. 40), é uma revelação imediata da parte
de Deus, sem qualquer permeio humano. É Deus revelando-Se diretamente ao
homem. Como exemplo, podemos citar a revelação de Deus a Moisés no monte
Sinai e o ápice da revelação é Jesus, o Verbo que se fez carne. A revelação ativa
ou direta pressupõe a comunicação especial de Deus ao homem.
A revelação de Deus aos homens não é somente plausível, mas também
necessária por dois fatores:
a. O fator implícito: que diz respeito ao que Deus é em Sua natureza infinita,
sendo, por isso, Deus inacessível aos homens (I Timóteo 6.16; João 4.23,24).
b. O fator explícito: que é a vulnerabilidade humana para conhecer a Deus
em Sua natureza incomensurável. Não parte de Deus, mas da natureza
finita do homem. Daí a necessidade de uma comunicação direta de Deus
aos homens (aspecto teofânico).
A BÍBLIA SAGRADA
49
1.20ss.). Revelação geral é uma expressão teológica para definir uma forma de
teologia natural (Salmo 8; 19.1; Romanos 1.8-21). Essa revelação acha-se impressa
na criação e possui predicativo suficiente para que o homem conheça a Deus e
o adore. A revelação geral ocorre de dois modos distintos:
a. Uma revelação externa na criação – a qual proclama o poder, a sabedo-
ria e a bondade de Deus;
b. Revelação interna da razão e da consciência em cada indivíduo (Roma-
nos 12.16; João 1.9).
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Entendemos que o Antigo Testamento supõe que sua revelação não seja total,
perfeita, completa, mas uma preparação (antevisão) para algo maior, que seria
a revelação plena, na encarnação de Cristo. Os profetas anteviram aquele dia
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Romanos 10.1-4
1 Irmãos, o desejo do meu coração e a minha oração a Deus pelos is-
raelitas é que eles sejam salvos. 2 Posso testemunhar que eles têm zelo
por Deus, mas o seu zelo não se baseia no conhecimento. 3 Porquanto,
ignorando a justiça que vem de Deus e procurando estabelecer a sua
própria, não se submeteram à justiça de Deus. 4 Porque o fim da Lei é
Cristo, para a justificação de todo o que crê.
Há outro fator que precisa ser compreendido para o trabalho exegético e herme-
nêutico, a questão das premissas básicas de cada Testamento bíblico.
■■ Premissa (orientadora) do Antigo Testamento: possuir a terra.
Genesis 12.1 – Então o Senhor disse a Abrão: “Saia da sua terra, do meio dos seus
parentes e da casa de seu pai, e vá para a terra que eu lhe mostrarei”.
Genesis 13.14,15 – 14 Disse o Senhor a Abrão, depois que Ló separou-se dele: “De
onde você está, olhe para o norte, para o sul, para o leste e para o oeste: 15 toda a
terra que você está vendo darei a você e à sua descendência para sempre”.
Genesis 35.12 – “A terra que dei a Abraão e a Isaque, dou a você; e também aos
seus futuros descendentes darei esta terra”.
■■ Premissa (orientadora) do Novo Testamento: ir pela terra.
Mateus 28.18-20
18 Então, Jesus aproximou-se deles e disse: “Foi-me dada toda a autori-
dade nos céus e na terra. 19 Portanto, vão e façam discípulos de todas as
nações, batizando-os ema nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo,
20 ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei
sempre com vocês, até o fim dos tempos”.
A BÍBLIA SAGRADA
51
Hebreus 13.14 – “Pois não temos aqui nenhuma cidade permanente, mas busca-
mos a que há de vir”.
Revelação Progressiva
razão importante para mudança é que Deus está revelando um plano, esse plano
tem estágios nos quais algumas coisas são necessárias e estágios em que outras
coisas são necessárias. Quando um “tipo” de profecia se cumpre (o sangue do
cordeiro), quando se torna realidade, o tipo não é mais necessário. Quando o
fundamento da igreja foi estabelecido sobre os apóstolos (Efésios 2.20), eles não
foram mais necessários.
À luz do princípio de revelação progressiva, as revelações posteriores não são
contraditórias, mas complementares. Elas não erram, mas revelam mais verdade.
Revelações posteriores não negam as anteriores, apenas as substituem. Já que
não foram dadas a todos, mas apenas para um período específico, não se con-
tradizem quando mudam. Não há mandamentos contraditórios para o mesmo
povo ao mesmo tempo.
Um exemplo de revelação progressiva pode ser visto em toda família que
tem filhos em fase de crescimento, quando são bem pequenos, os pais deixam
os filhos comerem com as mãos, mais tarde, os pais insistem no uso da colher.
Finalmente, à medida que a criança progride, o pai manda usar o garfo. Essas
ordens são temporárias, progressivas e adequadas para a situação.34
Tudo o que hoje conhecemos a respeito de Deus foi mistério um dia. Nada
havia que o homem pudesse fazer para conhecer o Senhor e as realidades espiri-
tuais. Portanto, Deus tomou a iniciativa de se fazer conhecer. Na medida em que
a Bíblia foi sendo escrita, a revelação estava sendo dada aos homens. Contudo,
algumas porções das Escrituras continuavam sendo mistérios, embora registradas
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até agora Ele o fez à Igreja como um todo. No momento em que um indivíduo
se converte, passa a ter acesso a toda essa revelação, foi tocado pela revelação.
Antes disso, a Bíblia lhe parecia loucura. O que lhe resta a partir de então é a
dedicação para alcançar uma maior compreensão de tudo o que Deus já revelou
(Daniel 9.2). A revelação não estará acontecendo naquele momento, pois Deus
já desvendou aquele mistério muito tempo atrás. A revelação das Escrituras não
é objeto de domínio particular.
Revelar significa “retirar o véu”. Quando Deus libera o conhecimento de
determinado mistério, ele está removendo o que poderíamos chamar de “véu
universal” que cobria aquela verdade espiritual. Por que então todos não passam
a compreender imediatamente aquilo que Deus revelou? Existem os “véus indivi-
duais”, conforme Paulo escreveu aos Coríntios a respeito dos judeus (II Coríntios
3.14-16). Deus já tinha removido o véu que ocultava a mensagem cristã presente
no Antigo Testamento, contudo, os judeus ainda não haviam compreendido a
revelação porque cada um tinha sobre si o véu da incredulidade. Quando alguém
se converte, esse “véu particular” é removido, restando-lhe então dedicar-se à
leitura e ao estudo para compreender tudo o que Deus colocou à sua disposição
em termos de conhecimento espiritual.35
Deus, como um pai que procura ensinar seu filho, foi Se revelando. Para
isso, foi nos mostrando aos poucos, conforme o homem ia conseguindo com-
preender, conforme a capacidade de entendimento humana ia se desenvolvendo,
Deus ia acrescentando progressivamente Sua revelação, que culmina em Jesus,
o Verbo vivo.
A BÍBLIA SAGRADA
53
Romanos 16.25-27
25 Ora, àquele que tem poder para confirmá-los pelo meu evangelho
e pela proclamação de Jesus Cristo, de acordo com a revelação do mis-
tério oculto nos tempos passados, 26 mas agora revelado e dado a co-
nhecer pelas Escrituras proféticas por ordem do Deus eterno, para que
todas as nações venham a crer nele e a obedecer-lhe; 27 sim, ao único
Deus sábio seja dada glória para todo o sempre, por meio de Jesus Cris-
to. Amém.
Efésios 3.2-12
2 Certamente vocês ouviram falar da responsabilidade imposta a mim
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Inspiração
A palavra grega para “inspirado” (II Timóteo 3.16) é theopneustos, cujo sentido
literal é “soprado por Deus”.36
Inspiração: termo utilizado por muitos teólogos para designar a obra do
36 ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. São Paulo: Vida Nova,
1994. p. 79
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Inspiração: (inerrância) tese teológica segundo a qual os autores da Bíblia
foram “inspirados” em sua obra pelo Espírito Santo, considerado consequente-
mente o autor principal. Por essa razão, fala-se em inerrância bíblica, visto que
a Bíblia não contém erro em matéria de fé. A tese da inspiração foi interpretada
de modo diferente ao longo dos séculos, seja na teologia católica, seja na protes-
tante. Também o judaísmo considera a Escritura “Palavra de Deus”, afirmando,
porém, uma revelação sem mediação para a Torá escrita e oral, e uma revelação
com mediação para os Profetas e os Escritos.38
A doutrina da inspiração é uma parte da doutrina geral da revelação que,
por sua vez, se baseia nas doutrinas fundamentais da criação e da redenção.
Zuck (1994, p. 80) escreve que é óbvio que o significado da palavra inspi-
ração, quando referente à Bíblia, difere de seu emprego usual hoje. É comum
falar-se de inspiração na música, nas artes e na poesia. O sentido aqui é o de obras
compostas de forma extraordinária, que exercem efeito sobre nossas emoções.
Quando falamos de inspiração da Bíblia, não queremos dizer que os escrito-
res foram inspirados, mas, sim, que as próprias palavras o foram, ou seja, elas
foram sopradas por Deus. Em certo sentido, Deus incutiu sua vida nas palavras
da Bíblia, de sorte que são realmente palavras suas. Não se pode dizer o mesmo
de nenhum outro livro já escrito.39
37 GRENZ, Stanley J. GURETZKI, David; NORDLING, Cherith FEE. Dicionário de Teologia. 3.ed. São
Paulo: Vida, 2002. p. 76
38 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p.
52
39 ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. São Paulo: Vida Nova,
1994. p. 80
A BÍBLIA SAGRADA
55
hapax legoumenon, isto é, termo que aparece apenas uma vez nas Escrituras, e
é formada por dois vocábulos: Théos (Deus) e pneustos (inspiração, influxo). O
apóstolo Pedro afirma que os profetas eram literalmente levados pelo Espírito
Santo (II Pedro 1.21; Atos 27.15,17). Assim sendo, II Timóteo 3.16 quer dizer
que as Escrituras são produtos do sopro criador de Deus. Paulo exorta seu dis-
cípulo a perseverar na autêntica doutrina que aprendeu desde a tenra idade no
Antigo Testamento, a qual é capaz de guiá-lo à salvação exatamente porque se
origina de Deus.
Bentho (2003, p. 49) conceitua inspiração como sendo a influência sobre-
natural exercida pelo Espírito Santo sobre os hagiógrafos, em virtude do qual
seus escritos são produtos da vontade divina, constituindo-se cânon de regra,
fé e prática. A inspiração garante infalibilidade e veracidade ao ensino exposto
pelas Escrituras, enquanto a Revelação acrescenta o tesouro de conhecimento
do hagiógrafo. Não devemos ignorar as idiossincrasias40 dos hagiógrafos, onde
traços marcantes de suas personalidades são aviltados nas Escrituras.
A conclusão apostólica sobre a inspiração e autoridade bíblica é que as predi-
ções proféticas do Antigo Testamento cumpriram-se infalivelmente no ministério
terreno de Cristo, e o núcleo dessa ratificação é a certeza inviolável de que foi
Deus quem anunciou por boca de todos os profetas (Atos 3.18). A inspiração
garante infalibilidade e veracidade ao ensino exposto pelas Escrituras, enquanto
a Revelação acrescenta o tesouro de conhecimento do hagiógrafo.
40 Idiossincrasias: predisposição particular do organismo que faz que um indivíduo reaja de maneira
pessoal à influência de agentes exteriores. Fonte: Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, 2012.
(Eletrônico).
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de Deus, a qual informa ao homem a necessidade de buscar a salvação.41
Esses termos geralmente estão rodeados de discussões, para uma resumida apre-
sentação, recorremos, em relação a esses termos, a Bentho (2003), quando afirma
que ambos conceitos, aplicados às Escrituras, são amplamente corretos quando
entendidos os seus matizes principais. Ambos se depreendem da doutrina da
Inspiração das Escrituras. São termos mais teológicos do que bíblicos. Por esse
motivo, temos que ser prudentes em toda formulação dogmática a respeito dessas
características da Bíblia. A etimologia de “infalibilidade” nos ajuda a determinar
seu significado. Falibilidade se deriva do latim “fallere”, que quer dizer enganar,
induzir ao erro, ser infiel, não cumprir, trair. Nesse sentido, pode-se dizer que
a Bíblia é infalível, que não induz ao erro e que não trai o propósito para o qual
Deus a inspirou. Se assim não fosse, a Escritura, como instrumento de comu-
nicação de revelação de Deus, careceria de valor. A “inerrância”, neologismo
teológico, indica a ausência de erro nos livros da Bíblia. Porém, que amplitude
deve-se dar a esses conceitos? A tendência mais generalizada nos credos e con-
fissões de fé tem sido a de aceitar a infalibilidade das Escrituras em tudo que
concerne a questões de fé e conduta, enquanto que na inerrância se tem apli-
cado especialmente aos textos históricos em sua relação com a obra redentora.
Além dessas posições, há aqueles que têm defendido a inerrância levando-a a
extremos desnecessários, afirmando com veemência que na Bíblia não existe
nenhuma classe de erro, nem sequer os derivados de equívocos dos copistas,
41 GRENZ, Stanley J. GURETZKI, David; NORDLING, Cherith FEE. Dicionário de Teologia. 3.ed. São
Paulo: Vida, 2002. p. 75, 76
A BÍBLIA SAGRADA
57
Material Complementar
Professor Me. Marcelo Aleixo Gonçalves
II
UNIDADE
A EXEGESE BÍBLICA
Objetivos de Aprendizagem
■■ Analisar conceitos e termos da Exegese.
■■ Analisar a descrição do termo Exegese.
■■ Analisar os aspectos históricos da Exegese.
■■ Verificar questões como: a prática e a eisegese.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Exegese Bíblica, conceitos, descrição do termo
■■ Os aspectos históricos da Exegese Bíblica
■■ A necessidade da interpretação da Bíblia
■■ Questões práticas e o texto original
■■ Eisegese
63
É interessante observar que, muitas vezes, não há uma harmonia entre os estu-
diosos em relação à questão da Exegese Bíblica, seja na definição do termo, seja
na aplicação das regras/métodos no estudo da Palavra de Deus. Percebo certa
confusão quando se começa a ler um e depois outro e mais a frente um terceiro
estudioso.
Talvez não haja a necessidade de nos preocuparmos com isso, pois o reno-
mado professor Júlio Zabatiero, por exemplo, em seu Manual de Exegese, nos
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“Você entende o que está lendo?” (Atos dos Apóstolos 8.30), perguntava o
apóstolo Filipe ao funcionário etíope que estava indo a Gaza, ao retornar de uma
peregrinação a Jerusalém. O personagem lia a segunda parte de Isaías (53.7-8),
um texto que a Igreja primitiva, assim como o apóstolo, interpretava como uma
referência profética à morte de Jesus na cruz. Mas a pergunta poderia ser apli-
cada genericamente a qualquer leitor da Bíblia: quantas vezes interpretações
ambiciosas produziram mais dano que benefício, simplesmente porque o texto
foi mal entendido e forçado a expressar coisas que nada tinham a ver com ele,
embora agitassem a mente do leitor. Certamente essa atitude pode ser somente
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
em pequena escala quando se pensa na leitura devota e litúrgica: esta, contudo,
sempre foi feita durante milênios, produzindo trechos de profunda espirituali-
dade; da mesma forma, não é sempre garantido que uma boa cultura, seja ela
bíblica ou humanística, produza um entendimento dos textos que corresponda à
sua real intenção. Todavia, é absolutamente seguro que os autores sempre viram o
verdadeiro significado daquilo que escreveram? Se isso fosse verdade, não teriam
existido – para citar-se um exemplo particularmente doloroso – interpretações
antissemitas de afirmações bíblicas, até mesmo entre pessoas que foram reco-
nhecidas como santos e doutores da igreja, ou reformadores!1
Esse é um trecho do prefácio da obra Vademecum para o estudo da Bíblia, e
citamos aqui, como poderíamos citar tantos outros, para mostrar como precisa
ficar evidente que é de importância fundamental uma boa, equilibrada e zelosa
interpretação da Bíblia. Quantos erros aconteceram e quantos acontecem, infeliz-
mente, por não se procurar trabalhar a interpretação bíblica de forma responsável.
É interessante observar que os autores que tratam desse tema (Exegese e
Hermenêutica) nem sempre concordam com a sequência das ações, ou seja, para
uns, primeiro se aplica as ferramentas da Exegese, onde se busca a melhor tradu-
ção do texto e, em seguida, a Hermenêutica, buscando compreender o entorno
do texto, seu contexto. Mas há autores que dizem o contrário, como exemplo,
temos Bentho (2003, p. 66), que em uma forma resumida pontua isso e apresenta
uma correlação entre hermenêutica, exegese e eisegese, como segue:
1 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p.
5.
A EXEGESE BÍBLICA
65
A hermenêutica precede a exegese. Esta, por sua vez, vale-se dos princí-
pios, regras e métodos hermenêuticos em suas conclusões e investigações. O
sentido literal do termo confunde-se com o vocábulo hermenêutica, de sorte
que, às vezes, se usa com os dois termos simultaneamente. Exegese é a aplica-
ção dos princípios hermenêuticos para chegar a um entendimento correto sobre
o texto. É o estudo do sentido literal do texto. Refere-se à ideia de que o intér-
prete está derivando o seu entendimento do texto, em vez de incutir no texto o
seu entendimento. Enquanto a hermenêutica é a teoria da interpretação, a exe-
gese é a prática. Teologicamente, a exegese é o capítulo da Teologia que estuda
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a interpretação, que pode ser aplicada a alguma passagem das Escrituras a fim
de compreender o seu sentido. Já a Eisegese consiste em manipular o texto para
dizer o que ele não diz.2
O objetivo da exegese bíblica é descobrir o que o texto diz e quer dizer, e não
atribuir-lhe outro sentido. Como disse João Calvino: “A primeira preocupação
do intérprete é permitir que o autor diga o que ele realmente disse, em vez de
lhe impor o que acha que ele devia dizer”.3
2 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 66
3 ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. São Paulo: Vida Nova,
1994. p. 114
4 GRENZ, Stanley J.; GURETZKI, David; NORDLING, Cherith FEE. Dicionário de Teologia. 3. ed. São
Paulo: Vida, 2002. p. 54.
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É a prática da exegese que busca a real interpretação dos textos que for-
mam o Antigo e o Novo Testamento. Vale-se, pois, do conhecimento das
línguas originais (hebraico, aramaico e grego), da confrontação dos diversos
textos bíblicos e das técnicas aplicadas à linguística e na filosofia.
É o processo de interpretação sistemática de textos, em especial os da Bíblia,
com objetivo filológico ou doutrinal. Dentro do contexto teológico, a ênfase recai
sobre a interpretação de modos formais de explicação que podem ser aplicados
a algum texto, a fim de se compreender o seu sentido.Para que isso ocorra, pro-
cura-se estudar os textos originais (basicamente hebraico e grego) para entender
que significados tinham as palavras quando foram usadas pelos escritores bíbli-
cos em seu tempo (sentido para o primeiro ouvinte). Saber o significado das
palavras isoladas (sentido real), como também a relação gramatical que manti-
nham umas com as outras, serve para proporcionar uma melhor compreensão
do que o texto inspirado quer dizer.
Trabalhamos o termo ‘exegese’ num sentido conscientemente limitado para
referir-nos à investigação histórica do significado de um texto bíblico. A pres-
suposição subjacente a essa tarefa é que os livros bíblicos tiveram “autores” e
“leitores”, e que os autores pretendiam que seus leitores entendessem o que eles
escreviam (exemplos: I Coríntios 5.9-11; I João 2.1). Exegese, portanto, responde
à seguinte questão: Qual era o significado que o autor bíblico queria comuni-
car? Exegese refere-se tanto ao que ele disse (o contexto propriamente dito)
quanto ao por que ele o disse num determinado lugar (o contexto literário) – na
A EXEGESE BÍBLICA
67
medida em que isso pode ser descoberto, dada nossa distância em tempo, lin-
guagem e cultura. Além disso, a exegese ocupa-se, fundamentalmente, com a
intencionalidade: O que o autor bíblico tencionava que seus leitores originais
compreendessem? Assim, o alvo imediato de quem estuda a Bíblia é entender o
texto bíblico. Contudo, a exegese não deve ser um fim em si mesma.6
Colabora nessa descrição do termo o que apresenta o Vademecum, Exegese
é termo que vem do grego exégesisi, “puxar para fora”, ‘explicar’. Teoria e prática
da explicação de um texto. A exegese bíblica visa, com o auxílio de várias disci-
plinas (crítica textual, arqueologia, filologia etc.), tornar claro o texto bíblico, seja
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6 STUART, Douglas; FEE, Gordon D. Manual de Exegese Bíblica – Antigo e Novo Testamento. São Paulo:
Vida Nova, 2008. p. 25
7 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p.
39.
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Ainda nesse assunto, Stuart complementa que tomar decisões sobre a apli-
cação é mais uma arte do que ciência; é algo qualitativo, não quantitativo. A
aplicação (das ferramentas de estudo e pesquisa) deve ser tão rigorosa, com-
pleta, justa e analiticamente correta quanto qualquer outro passo no processo
da exegese. Ela não pode ser anexada ao restante da exegese como um tipo de
reflexão posterior de caráter espiritual. Além disso, se ela quiser ser convincente,
deve refletir com cuidado os dados da passagem (estudada). (...) A subjetividade
é o inimigo primário da boa aplicação. Quando alguém pensa que pode extrair
para si mesmo uma aplicação relevante, mas não para os outros, ou que se trata
de algo exclusivo da passagem, sem aplicação para textos semelhantes, a proba-
bilidade dessa interpretação possuir coerência lógica é reduzida e sua exatidão
fica ameaçada.9
Temos que, segundo escreve Bentho (2003), a Metodologia da Exegese
Bíblica, portanto, é a organização e análise sistemática dos processos que devem
orientar a investigação científica da Bíblia. Consiste na aplicação dos princípios
racionais de investigação usados em documentos plurisseculares com o propó-
sito de apreender o estilo literário de cada autor, a estrutura da obra, as formas
literárias do conjunto, entre outros.10
Concluímos este tópico com as palavras de Douglas Stuart, quando escreve
8 STUART, Douglas; FEE, Gordon D. Manual de Exegese Bíblica – Antigo e Novo Testamento. São Paulo:
Vida Nova, 2008. p. 52.
9 STUART, Douglas; FEE, Gordon D. Manual de Exegese Bíblica – Antigo e Novo Testamento. São Paulo:
Vida Nova, 2008. p. 52.
10 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003.
A EXEGESE BÍBLICA
69
que uma exegese é um estudo analítico completo de uma passagem bíblica, feito
de tal forma que se chega à sua interpretação útil. A exegese é uma tarefa teoló-
gica, mas não mística. Existem certas regras básicas e padrões sobre como fazê-la,
embora os resultados possam variar em aparência, uma vez que as próprias pas-
sagens bíblicas variam bastante entre si.11
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
11 STUART, Douglas & FEE, Gordon D. Manual de Exegese Bíblica – Antigo e Novo Testamento. São
Paulo: Vida Nova, 2008. p. 23
seus sucessores. Usualmente provinham da seita dos fariseus, que foi a única
seita judaica que conseguiu sobreviver à destruição de Jerusalém, no ano 70 d.C.
Numa vívida e criativa imaginação criaram o Talmude, as interpretações rabíni-
cas do Antigo Testamento, bem como as produções literárias sobre os costumes,
a cultura e a lei dos judeus. Eles apelavam muito para a interpretação alegórica,
o que abre espaço para os maiores absurdos e fantasias.
No Novo Testamento, os autores nem sempre empregaram os textos citados
do Antigo Testamento de maneira literal, mas injetaram alguma eisegese. Não
obstante, há muita exegese autêntica do Antigo Testamento, no Novo Testamento,
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sobretudo no que tange à esperança messiânica, como exemplos podemos citar:
I Coríntios 9.9, 10 e Gálatas 4.21-31.
Após o Novo Testamento prosseguiu então a atividade dos intérpretes lite-
ralistas e alegoristas. Orígenes exerceu tremenda influência sobre o cristianismo
antigo, e ele e os pais alexandrinos da Igreja deram prosseguimento ao método
alegórico de interpretação. Orígenes procurava pelos sentidos: literal, moral,
simbólico, alegórico e místico das passagens, supondo que um texto qualquer
poderia ter vários sentidos tencionados. Passagens morais difíceis, do Antigo
Testamento, como a história da criação e as violências supostamente ordenadas
por Deus, eram por eles interpretadas simbólica e moralmente, mas não lite-
ralmente. A escola antioquiana, por sua vez, insistia em uma interpretação um
tanto mais literal dos textos sagrados.
Na Idade Média, a opinião geral dos exegetas, como Pedro Lombardo e Tomás
de Aquino, era que a interpretação incorpora quatro modos básicos:
■■ Interpretação literal;
■■ Interpretação figurada (ou alegórica);
■■ Interpretação moral;
■■ Interpretação anagógica ou espiritual (mística) – esta é a que explicaria
os segredos sobrenaturais.
A EXEGESE BÍBLICA
71
12 CHAMPLIN, R. N.; BENTES, J. M. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. São Paulo: Candeia,
1995. p. 617, 618
13 SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 12.
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■■ Se houvesse algo anormal em número ou tempo verbal;
■■ Se houvesse presença de símbolos.
A EXEGESE BÍBLICA
73
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2. A alegoria mostra-nos onde está oculta a nossa fé. (Jerusalém represen-
taria, portanto, a igreja).
3. O significado moral dá-nos as regras da vida diária. (Jerusalém signifi-
caria a alma humana).
4. A anagogia (escatologia) mostra-nos onde terminamos nossa luta. (As
referências a Jerusalém indicariam então a Nova Jerusalém de Apocalipse).
É preciso verificar se o texto bíblico contém indicadores desses sentidos.
O “letrismo” também continuava e alcançava níveis ridículos. Até anagra-
mas eram construídos a partir de palavras bíblicas, atribuindo-se a cada letra
uma relação a outra frase ou palavra que não estava contida no texto original.
Em meio a essa confusão exegética, alguns judeus espanhóis (séculos12 a
15) defendiam o uso do método histórico-gramatical.
Alguns católicos franceses, da Abadia de São Vitor, propunham preferên-
cia ao sentido literal e que a exegese desse origem à doutrina e não o contrário.
Nicolau de Lira (1270 a 1340) defendeu a utilização do “sentido quádru-
plo”, mas entendia que o literal seria a base dos demais. Lutero foi influenciado
por suas ideias.
A EXEGESE BÍBLICA
75
pela razão. Nosso culto é racional (Romanos 12:1-2), mas a razão não é a sua
base de sustentação.
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A Exegese e o Texto Original
Fee e Stuart (2008, p. 57) oferecem alguns passos importantes para a sequência
do trabalho exegético, apresentados abaixo:
1. O texto
1.1 Confirmando os limites da passagem
Existem dois recursos aos quais poderá recorrer a fim de conseguir
ajuda imediata para confirmar os limites de uma passagem: (1) o pró-
prio texto hebraico na BHS ou BH315, e (2) praticamente qualquer
tradução moderna. O que deve ser examinado aqui é a paragrafação.
No caso do texto hebraico, o material bíblico é arranjado em forma de
parágrafos por meio de variação na endentação na margem direita.
1.2 Comparando as versões
Para analisar as muitas versões do Antigo Testamento, você precisa
verter cada uma delas de volta para o hebraico.
1.3 Reconstruindo o texto, fazendo anotações
1.4 Colocando a passagem em forma versificada
A EXEGESE BÍBLICA
77
2. A Tradução
3. O Contexto histórico
4. O Contexto literário
4.1 Examinando funções literárias
4.2 Examinando a localização de uma passagem
4.3 Analisando os detalhes
4.4 Analisando a autoria
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5. A forma
5.1 A forma como chave para a função
6. A Estrutura
Entender a estrutura de uma passagem é captar o fluxo de conteúdo
projetado nela pela mente do autor, consciente ou inconscientemente.
Contudo, além disso, é importante considerar que o significado não é
comunicado apenas por palavras e frases (...).
6.1 Analisando a estrutura e a unidade
7. Os dados gramaticais
7.1 Identificando ambiguidades gramaticais
7.2 Identificando uma especificidade gramatical
7.3 Analisando a ortografia e a morfologia
8. Dados Lexicais
8.1 A importância do exame de palavras-chave
9. Contexto Bíblico
9.1 Observando o contexto mais amplo
10. Teologia
10.1 Uma perspectiva especial sobre a doutrina de Deus
A Exegese na Prática
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[Tópico especial para quem trabalha com a língua original.]
Douglas Stuart (2008, p. 31-55) apresenta um guia da exegese completa (lis-
tamos abaixo de forma concisa), onde diz que
esses comentários e questões são apenas sugestões e não devem ser se-
guidos irrefletidamente. Na verdade, algumas questões se sobrepõem;
já outras podem parecer-lhe redundantes. Algumas podem não ser re-
levantes para seus propósitos ou o escopo das necessidades de sua exe-
gese particular de uma certa passagem. Portanto, seja seletivo. Ignore o
que não se aplica à sua passagem; destaque o que se aplica.17
16 STUART, Douglas; FEE, Gordon D. Manual de Exegese Bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2008. p. 57
17 STUART, Douglas; FEE, Gordon D. Manual de Exegese Bíblica – Antigo e Novo Testamento. São Paulo:
Vida Nova, 2008. p. 31
A EXEGESE BÍBLICA
79
Texto:
1.1. Confirme os limites da passagem:
Procure certificar-se de que a passagem que escolheu para fazer exegese é, de
fato, uma unidade completa, independente, uma perícope. Evite interromper um
poema no meio de uma estrofe, ou uma narrativa no meio de um parágrafo – a
menos que essa seja uma tarefa do seu trabalho, ou a menos que você explique
claramente ao leitor/ouvinte a razão pela qual escolheu fazer a exegese de uma
seção da passagem. Seu principal aliado é o bom senso prático.
das variantes). Tente decidir, da melhor forma possível, se alguma das variantes
textuais pode ser mais apropriada à passagem, isto é, pode ser mais original, do
que as palavras correspondentes no texto hebraico. Julgue se ela se encaixa me-
lhor no contexto. (...) Sua tarefa é reconstruir, até onde for possível, o texto como
foi originalmente inspirado por Deus – nunca reescrevê-lo.
1
Medida de extensão de um livro pelo número de linhas que contém. Divisão do texto de um livro em
linhas, especialmente em linhas que correspondem ao sentido (usada antes da adoção da pontuação).
Disponível em: <http://www.dicio.com.br/esticometria/>. Acesso em: 10 jun. 2014.
A Exegese na Prática
II
Tradução:
2.1 Prepare uma tradução provisória do texto reconstruído:
Comece de novo, desde o início. Pesquise em um léxico, todas as palavras cujo
conjunto de significados você não conhece bem. Leia sobre as palavras relevan-
tes, os artigos mais longos em léxicos mais importantes. Com relação a qualquer
palavra que pareça ser central ou essencial para o significado da passagem,
recomenda-se que neste ponto, ou em conexão com sua análise do conteúdo
lexical, sejam consultados estudos vocabulares detalhados (estudos de concei-
to). Lembre-se de que as palavras não possuem um significado único, mas um
conjunto de significados, e que há diferença entre uma palavra e um conceito.
Uma palavra hebraica raramente corresponde de forma precisa a uma palavra
em português, mas pode variar em significado quando se leva em consideração
o campo semântico, total ou parcial, de palavras afins em português. Tradução,
portanto, sempre implica seleção.
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2.2. Verifique a correspondência entre texto e a tradução:
Se domina a língua original, leia o texto hebraico/grego diversas vezes. (...) Con-
siderou a possibilidade de empregar mais de uma palavra em português para
comunicar o sentido de uma palavra no original? Ou vice-versa? Será que sua
passagem contém palavras ou frases que originalmente eram ambíguas? Sendo
assim, tente reproduzir, em vez de mascarar, a ambiguidade na sua tradução
para o português. A boa tradução é a que cria a mesma impressão geral no ou-
vinte que o original faria, sem distorcer o conteúdo específico comunicado.
A EXEGESE BÍBLICA
81
Contexto Histórico:
3.1 Pesquise o pano de fundo histórico:
Procure responder às seguintes questões em sua pesquisa:
- Qual é o contexto da passagem?
- Que acontecimentos, exatamente, levaram o texto a este ponto?
Será que tendências importantes ou desdobramentos em Israel, e no restante
do mundo antigo, tiveram alguma influência na passagem ou em parte de seu
conteúdo?
- Existem passagens paralelas ou semelhantes na Bíblia que parecem estar rela-
cionadas às mesmas condições históricas e que contribuem para o entendimen-
to da passagem estudada?
- Sob quais condições históricas a passagem parece ter sido escrita?
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- Poderia a passagem ter sido escrita, também, sob condições históricas bem
diferentes? Se não, por quê?
- A passagem é uma conclusão, ou representa algum estágio particular no pro-
gresso, de algum fato ou conceito?
Stuart (2008, p. 35) escreve ainda que deste ponto em diante observe com cui-
dado como as informações recolhidas sobre a passagem têm efeito sobre a sua
interpretação. Explique como essa informação histórica ajuda, de alguma forma,
a compreender ou a avaliar a passagem. Não se esqueça de explorar todas as
informações arqueológicas que possam existir em relação ao texto em estudo.
Às vezes poderá ser impossível determinar o contexto histórico da passagem.
Por exemplo, isso acontece às vezes com passagens poéticas, como os salmos ou
provérbios escritos com o objetivo de serem significativos em todos os tempos e
lugares. Se assim for, explique isso ao leitor. Descreva as implicações da falta de
um contexto histórico claro para a passagem.
A Exegese na Prática
II
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tos da passagem se aplicam? (...) Aspectos como clima, topografia, distribuição
étnica, cultura regional ou economia cumprem algum papel aqui? Há algum
outro aspecto acerca da natureza geográfica que ilumina a passagem de algum
modo?
A EXEGESE BÍBLICA
83
Contexto Literário:
4.1 Examine a função literária:
Stuart (2008, p. 35) explica que não há como evitar alguma sobreposição entre o
contexto histórico e o literário. O Antigo Testamento é revelação historicamente
orientada e, portanto, seu desenvolvimento e organização literários tenderão a
corresponder, de modo geral, à história de Javé e de sua intenção com seu povo.
Em relação à função literária, a passagem é parte de uma história, ou de um com-
plexo literário, que tem começo, meio e fim? Ela se encaixa, acrescenta, introduz,
conclui ou contrabalança a porção ou o livro do qual faz parte? É autossuficien-
te? Poderia ser colocada em algum outro lugar ou é essencial ao contexto atual?
O que ela acrescenta ao quadro total? O que o quadro total adiciona a ela?
A Exegese na Prática
II
Forma:
5.1 Identifique o tipo literário geral (gênero):
Primeiramente, enquadre a passagem nas categorias amplas e gerais dos tipos
literários existentes no Antigo Testamento (e Novo).
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São apenas os tipos específicos, não os gerais, que têm “formas”. Isto quer dizer
que cada tipo literário específico é identificável por possuir certas características
reconhecíveis (incluindo tanto seu conteúdo, ou “ingredientes”, quanto a ordem
em que os ingredientes ocorrem) que fazem dele uma forma.
A EXEGESE BÍBLICA
85
uma mistura de formas ou uma forma dentro de outra (uma parábola dentro de
um relato de sonho, ou o discurso de um mensageiro dentro de um oráculo de
desgraça)? Ou a passagem é parte de uma forma maior, cuja extensão ultrapassa
os limites de seu texto? Se assim for, que papel a passagem e a forma (ou formas)
que ela contém cumpre no interior da forma maior?
A Exegese na Prática
II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
a elaboração do gênero literário. O secundário se refere ao local onde era
utilizado este gênero (exemplo: Templo, Palácio, Portões da Cidade etc.).
Fonte: SILVA, Cássio Murilo Dias. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Pau-
linas, 2000. p. 231
Estrutura:
6.1. Faça um esboço da passagem:
Neste tópico, Stuart (2008, p. 42) orienta que se deve fazer um esboço que ge-
nuinamente represente as maiores unidades de informação. Em outras palavras,
o esboço deve ser o resultado natural, não artificial, da passagem. Observe que
os componentes são incluídos em cada tópico (quantitativo) e também a inten-
sidade ou significado global dos componentes (qualitativo). Deixe a passagem
falar por si mesma.
Depois de esboçar as divisões principais, trabalhe nas menores, tais como as ora-
ções e as frases. Essas devem, é claro, estar visivelmente subordinadas às divisões
maiores. O esboço deve ser tão detalhado quanto possível, sem parecer forçado
ou artificial. A partir dele, você poderá seguir adiante, fazendo suas observações
a respeito da estrutura mais ampla.
A EXEGESE BÍBLICA
87
decrescente de tamanho:
Orienta Stuart (2008, p. 43) que, primeiramente, se discuta o padrão geral do
esboço, isto é, de três a cinco (ou mais) unidades maiores. Depois, discuta o que
você considera mais importante entre os padrões secundários nas unidades
maiores – uma de cada vez. Vá do maior para o menor, isto é, da passagem para
os parágrafos, para os versículos, para as orações, para as palavras e para os sons
em ordem. Onde for possível, escreva se você acha que um padrão é primário,
secundário ou simplesmente menor, e qual a sua importância para a interpreta-
ção da passagem.
2
Quiasmo: Disposição cruzada da ordem das partes simétricas de duas frases, de modo que formem uma
antítese ou um paralelo (ex.: vou sempre ao cinema, ao teatro não vou nunca).
Fonte: <http://www.dicio.com.br/quiasmo/>. Acesso em: 10 jun. 2014.
A Exegese na Prática
II
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Dados Gramaticais:
7.1. Analise os dados gramaticais relevantes:
Para esta análise, Stuart (2008, p. 42) informa que a correta compreensão da
gramática é essencial à interpretação adequada da passagem. Existem dúvidas
sobre questões gramaticais? Períodos, orações ou frases poderiam ser lidos di-
ferentemente se a gramática da passagem fosse interpretada de modo distinto?
Você está certo de ter dado o peso correto às nuanças inerentes às conjugações
verbais específicas e não apenas às raízes verbais? Pequenas variações na sintaxe
podem ocultar alterações significativas no sentido. Todas as estruturas sintáticas
da passagem foram claramente entendidas? À luz disso, sua tradução necessita
de revisão ou correção? Existem ambiguidades genuínas que impedem a inter-
pretação definitiva de alguma parte da passagem? Se é esse o caso, quais são
as opções? A gramática é anômala (não é aquilo que se esperaria encontrar) em
algum ponto? Sendo assim, você é capaz de apresentar alguma explicação para
essa anomalia? Esteja atento, também, a casos de elipse, assíndeto, parataxe,
anacoluto3 e outras características gramaticais relacionadas à interpretação.
3 Elipse: num enunciado, supressão de um termo que pode ser facilmente subentendido pelo contexto
linguístico ou pela situação (ex.: meu livro não está aqui, [ele] sumiu!). Disponível em: <http://www.dicio.
com.br/elipse/>. Acesso em: 10 jun. 2014.
Assíndeto: ausência de conjunção coordenativa entre palavras, termos da oração ou orações de um período
(ex.: chegamos, dormimos, fomos embora); justaposição, parataxe. Disponível em: <http://www.dicio.
com.br/assindeto/>. Acesso em: 10 jun. 2014.
Parataxe: num enunciado, sequência de frases justapostas, sem conjunção coordenativa. Disponível em:
<http://www.dicio.com.br/parataxe/>. Acesso em: 10 jun. 2014.
Anacoluto: período iniciado por uma palavra ou locução, seguida de pausa, que tem como continuação
uma oração em que essa palavra ou locução não se integra sintaticamente, embora esteja integrada pelo
sentido; por exemplo, no provérbio, quem ama o feio, bonito lhe parece (que corresponde à frase canônica
o feio parece bonito a quem o ama); anacolutia, frase quebrada. Disponível em: <http://www.dicio.com.
br/anacoluto/>. Acesso em: 10 jun. 2014.
A EXEGESE BÍBLICA
89
Dados Lexicais:
8.1. Explique todas as palavras e conceitos que não forem óbvios:
Explica Stuart (2008, p. 45) que não podemos esquecer a diferença que existe
entre palavra e conceito. Qualquer conceito pode ser expresso por meio de pa-
lavras ou fraseados diferentes. Um excelente lembrete deste ponto é a parábola
do Bom Samaritano em Lucas 10. Jesus conta a parábola a fim de demonstrar o
significado de amar o próximo como a si mesmo; contudo, a parábola não usa
a palavra amor, próximo, ou si mesmo – ainda que sustente com toda a força
o conceito de amar o próximo como a si mesmo. Da mesma forma, é importante
perceber que o propósito da análise dos dados lexicais é compreender individu-
almente os conceitos da passagem, quer sua expressão se dê pelo uso de uma
única palavra, por um grupo de palavras, ou pela forma em que todas as palavras
são interligadas numa perícope consistente. Trabalhe a partir de uma ordem
descendente em relação ao tamanho. Nomes próprios quase sempre merecem
atenção. O mesmo acontece com expressões idiomáticas, porque, por definição,
a expressão idiomática não pode ser traduzida literalmente, isto é, palavra por
palavra.
A Exegese na Prática
II
8.3. Faça “estudos de vocábulos” (na verdade estudos de conceitos) das palavras
e fraseados mais importantes:
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Não negligencie o(s) significado(s) teológico(s) específico(s) de palavras ou fra-
seados na avaliação dos diversos níveis de significado. Além disso, certifique-se
de não estar analisando meramente palavras soltas, mas também combinadas
– incluindo combinações separadas às vezes por vocábulos interpostos – por-
que combinações de palavras também transmitem conceitos. Seja tão indutivo
quanto possível, comparando suas conclusões com, e não derivando-as de,
dicionários teológicos.
4
Ironia: figura por meio da qual se diz o contrário do que se quer dar a entender; uso de palavra ou frase de
sentido diverso ou oposto ao que deveria ser empregado para definir ou denominar algo.
Anáfora: repetição de uma palavra ou grupo de palavras no início de duas ou mais frases sucessivas, para
enfatizar o termo repetido (p.ex.: este amor que tudo nos toma, este amor que tudo nos dá, este amor que
Deus nos inspira, e que um dia nos há de salvar).
Epífora: repetição de uma ou várias palavras no final de um verso, de uma estrofe, de uma frase ou um
período.
Paronomásia: conjunto de palavras de línguas diferentes que possuem origem comum (ex.: push (inglês)
e puxar (português), ambos do latim pulsare), ou de palavras com sentidos diferentes numa mesma
língua, também com origem comum (ex.: tenro e terno, no português). Figura de linguagem que extrai
expressividade da combinação de palavras que apresentam semelhança fônica (e/ou mórfica), mas
possuem sentidos diferentes (ex.: anda possuído não só por um sonho, mas pela sanha de viajar).
Metonímia: figura de retórica que consiste no uso de uma palavra fora do seu contexto semântico normal,
por ter uma significação que tenha relação objetiva, de contiguidade, material ou conceitual, com o
conteúdo ou o referente ocasionalmente pensado.
Hendíadis: figura que consiste em exprimir por dois substantivos, ligados por conjunção aditiva, uma ideia
que usualmente se designa por um substantivo e um adjetivo ou complemento nominal (ex.: enterrou suas
mágoas no silêncio e no claustro em lugar de no silêncio do claustro ou no claustro silencioso).
Arcaísmos: palavra, expressão, construção sintática ou acepção que deixou de ser usada na norma atual
de uma língua [Em linguagens especiais, é comum a sobrevivência de algumas formas arcaicas (ex.: na
linguagem forense, na linguagem regional, entre locutores de idade avançada etc.); também podem ser
utilizadas como recurso para recriar a atmosfera de uma época (ex.: no romance histórico)].
Disponível em: <www.dicio.com.br>.
A EXEGESE BÍBLICA
91
Contexto Bíblico:
Em relação ao Contexto Bíblico, Stuart (2008, p. 47) diz que chegando a este
ponto do trabalho exegético, deve-se começar a encadear na mente, ainda que
de maneira provisória, as descobertas essenciais das seções anteriores com o
propósito de focalizar na “mensagem” específica da mensagem. Isso deverá ser
feito tendo em vista sua relação mais ampla com a mensagem de seu contexto
imediato e o contexto mais amplo. Em outras palavras, você não poderá mais dar
atenção exclusiva às características individuais de sua passagem. O que importa
agora é como a passagem, vista como um todo, insere-se no corpo de verda-
des mais amplo. Poderá ser útil resumir o que você considera ser a mensagem
do texto: sua(s) lição(ões) principal(is); características essenciais, implicações
indubitáveis etc. Esse tipo de resumo é necessariamente provisório, mas ajuda a
focalizar a atenção no significado bíblico e teológico da passagem.
9.1. Analise o uso da passagem em outras partes da Bíblia:
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A Exegese na Prática
II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Teologia:
10.1. Localize a passagem teologicamente:
Sobre as questões Teológicas que norteiam o trabalho da Exegese no texto
bíblico, Stuart (2008, p. 48) orienta a perguntar na pesquisa: Qual é o lugar
da passagem no contexto de todo o corpus da revelação que compreende a
teologia (a dogmática) cristã? Em que aliança ela se enquadra? Há aspectos da
passagem limitados em parte, ou no todo, à antiga aliança como, por exemplo,
certas práticas sacrificais cúlticas ou regras a respeito das responsabilidades
tribais? Se assim for, a passagem permanece relevante como exemplo histórico
do relacionamento de Deus com seres humanos, ou como indicativo de padrões,
santidade, justiça, imanência, transcendência, compaixão divinos?
10.2. Identifique os tópicos específicos levantados e resolvidos pela passagem:
Vá além das áreas gerais de doutrina tocadas pela passagem e identifique os as-
suntos específicos. Quais são, de fato, os problemas, as bênçãos, preocupações,
confidências a respeito dos quais a passagem tem algo a dizer? De que forma a
passagem aborda tudo isso? Com que clareza eles são tratados na passagem? De
que forma a passagem levanta dificuldades aparentes para algumas doutrinas,
enquanto resolve outras? Se é o caso, tente lidar com essa situação de maneira
sistemática e também de forma a auxiliar os seus leitores, explica Stuart (2008, p.
49).
A EXEGESE BÍBLICA
93
A Literatura Secundária:
11.1. Investigue o que outras pessoas disseram sobre a passagem:
Stuart (2008, p. 50) recomenda que embora tenham sido consultados comentá-
rios, gramáticas e muitos outros livros e artigos no processo de completar os dez
passos anteriores, você deverá agora empreender uma pesquisa mais sistemá-
tica da literatura secundária aplicável à sua exegese. Para que a exegese seja o
seu trabalho, e não meramente um compêndio daquilo que os outros pensam, é
sábio fazer suas próprias reflexões e chegar a conclusões próprias, o tanto quan-
to for possível, antes deste passo. Caso contrário, não estará fazendo exegese da
passagem, mas avaliando as exegeses dos outros, garantindo, assim, que não irá
além do que os outros alcançaram.
A Exegese na Prática
II
Aplicação:
12.1. Liste os assuntos que dizem respeito à vida:
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Stuart (2008, p. 52), explica que uma das chaves para a aplicação apropriada
de uma passagem é a comparação de assuntos que dizem respeito à vida. Para
aplicar uma passagem, você precisa decidir quais são os seus assuntos centrais
e quais deles são apenas secundários. Em outras palavras, que aspectos da
vida são a real preocupação da passagem? Você deve tentar estabelecer quais
questões são, ou não, ainda relevantes na vida das pessoas hoje. O que “eu” ou
“nós” encontramos hoje que é semelhante, ou pelo menos muito próximo, àquilo
de que a passagem trata? Os assuntos relacionados à vida vão surgir tanto das
informações exegéticas como a partir de seu próprio conhecimento do mundo.
12.2. Esclareça a natureza da aplicação (ela informa ou orienta?):
As aplicações poderão ser de dois tipos: as que informam o leitor e aquelas que
orientam o leitor. Uma passagem que descreve alguns aspectos do amor de Deus
pode ser considerada, basicamente, informativa. Uma passagem que exorta o
leitor a amar a Deus de todo o coração possui o objetivo de orientar.
A EXEGESE BÍBLICA
95
A Exegese na Prática
II
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
foram usadas pelos escritores bíblicos em seu tempo (sentido para o primeiro
ouvinte). Saber o significado das palavras isoladas (sentido real), como também
a relação gramatical que mantinham umas com as outras, serve para proporcio-
nar uma melhor compreensão do que o texto inspirado quer dizer.
Porém, só o estudo da palavra (aqui palavra mesmo, tradução) nem sempre
revela o verdadeiro significado do texto bíblico. Por isso, entende-se necessário
o exercício da hermenêutica, pois na linguagem técnica, a exegese aponta para a
interpretação de alguma passagem literária específica, ao mesmo tempo em que
os princípios gerais aplicados em tais interpretações são chamados hermenêutica.
Eisegese
18 GRENZ, Stanley J.; GURETZKI, David; NORDLING, Cherith FEE. Dicionário de Teologia. 3.ed. São
Paulo: Vida, 2002. p. 54.
A EXEGESE BÍBLICA
97
Eisegese
II
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Os textos obscuros devem ser entendidos à luz de outros e segundo o pro-
pósito e a mensagem do livro (coerência com o todo). Recorrer a outro texto é
reconhecer a unidade das Escrituras na correlação de ideias. Por vezes, pratica-se
eisegese por ignorar a capacidade que as Escrituras têm de interpretar a si mesma.
5- Quando põe a “revelação” acima da mensagem revelada:
Por vezes, aparecem indivíduos sangrando o texto sagrado sob o pretexto
de que “... Deus revelou”, ou “... essa veio do céu”. Estes colocam a pseudo-revela-
ção acima da mensagem revelada. Quando assim asseveram, procuram afirmar
infalibilidade à sua interpretação, pois Deus, que “revelou”, autor principal das
Escrituras, não pode errar. Devemos ter o cuidado de não associar o nome de
Deus à mentira, pois Ele não pode contradizer o que anteriormente, pelas (reve-
lação das) Escrituras, havia afirmado.
6- Quando está comprometido com um sistema ou ideologia20:
Não são poucos os obstáculos que o exegeta encontra quando a interpretação
das Escrituras afeta os cânones do sistema e as tradições de sua denominação. Por
outro lado, até as ímpias religiões encontram justificativas bíblicas para ratificar
as suas heresias. Utilizar as Escrituras para apologizar um sistema ou ideologia
pode passar de uma eisegese para uma heresia aplicada.21
Cabe aqui um comentário sobre a Moderna Crítica Bíblica, pois esse tipo de
estudo tem lançado tanto luzes quanto sombras sobre o conhecimento bíblico e
20 Ideologia é um sistema de ideias sustentadas por um grupo social, as quais refletem, racionalizam e
defendem os próprios interesses e compromissos institucionais, sejam estes morais, religiosos, políticos
ou econômicos. Ou seja, um conjunto de convicções filosóficas, sociais, políticas etc. de um indivíduo ou
grupo de indivíduos. Fonte: Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, 2012. (Eletrônico).
21 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 68-72
A EXEGESE BÍBLICA
99
teológico. Apesar de ser uma atividade legítima e necessária, a fim de pôr os estu-
dos bíblicos a par das evidências linguísticas, literárias, históricas e científicas,
infelizmente as pessoas que são conhecidas como críticas da Bíblia geralmente se
têm mostrado dotadas de uma mentalidade cética, além de lhes faltar a experi-
ência com elementos místicos e miraculosos da fé cristã. Portanto, esses críticos
têm injetado em seus estudos uma eisegese própria da mente incrédula, ou pelo
menos, cética.
Concluindo, Eisegese significa ler no texto aquilo que alguém quer encon-
trar ali, mas que, na realidade, não se encontra no mesmo, ou então, significa
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Eisegese
II
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A exegese cristã medieval, inspirando-se nos métodos interpretativos
de Orígenes, João Cassiano, Agostinho e Jerônimo, como também nos
métodos empregados pelos Padres alexandrinos, identificou também
quatro sentidos: literal, alegórico, moral ou tropológico e anagógico, alusivo
à vida futura como meta de existência e objeto de contemplação. Outras
denominações são o sentido pleno (sensus plenior), que pretende integrar
os dados da exegese científica com os da teologia, e o sentido típico ou
espiritual, que encontra em pessoas ou fatos do Antigo Testamento uma
prefiguração de realidade do Novo (tipologia).
Fonte: VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica.
São Paulo: Paulinas, 2000. p. 84.
A EXEGESE BÍBLICA
101
1. Após a leitura de parte da obra de Esdras Bentho, indicada como material com-
plementar, de forma resumida, apresente comentários sobre: (1) Fundamentos
da Hermenêutica; (2) Inspiração e Revelação e (3) Hermenêutica Bíblicas.
2. Após a leitura da primeira parte da obra de Carlos Mesters, apresentada como
material complementar, de forma resumida, apresente os pontos principais que
o autor aborda sobre a importância da Interpretação Bíblica.
3. Apresente um comentário sobre o texto do Anexo 2.
4. Discorra sobre a hermenêutica como ferramenta importante na interpretação
bíblica.
III
UNIDADE
A HERMENÊUTICA BÍBLICA
Objetivos de Aprendizagem
■■ Analisar as questões da hermenêutica bíblica – descrição do termo.
■■ Analisar método e regras, oferecendo um modelo de estudo.
■■ Verificar questões como: tipos, critérios para a interpretação,
principais bloqueios à interpretação bíblica.
■■ Analisar o risco das interpretações equivocadas e o leitor como
intérprete.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Hermenêutica Bíblica – Descrição do Termo
■■ Hermenêutica Bíblica – Método e Regras
■■ Um modelo de estudo hermenêutico
■■ Hermenêutica - Tipos
■■ Hermenêutica e Interpretação Bíblica
■■ Critérios para a interpretação Bíblica
■■ Os principais bloqueios à interpretação Bíblica
■■ O risco das interpretações equivocadas
■■ O leitor como intérprete
105
1 STUART, Douglas; FEE, Gordon D. Manual de Exegese Bíblica – Antigo e Novo Testamento. São Paulo:
Vida Nova, 2008. p. 48
2 Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, 2012. (Eletrônico).
3 STUART, Douglas; FEE, Gordon D. Manual de Exegese Bíblica – Antigo e Novo Testamento. São Paulo:
Vida Nova, 2008. p. 25
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
■■ Objetiva, pois está fundada em fatos concretos, isto é, na verdade
bíblica.
4 GRENZ, Stanley J.; GURETZKI, David; NORDLING, Cherith FEE. Dicionário de Teologia. 3.ed. São Paulo: Vida, 2002.
p. 66.
A HERMENÊUTICA BÍBLICA
107
É comum se referir a Platão como um dos primeiros que utilizou esse termo
dando a ideia de “explicação”, sendo que “explicação” aqui deve ser entendida
na ótica do filósofo como interpretação textual. A hermenêutica tem relevân-
cia nas interpretações dos textos bíblicos/sagrados e nas críticas textuais, sendo
assim, ocupa um espaço histórico na cultura Ocidental. Segundo alguns estu-
diosos, na antiguidade clássica, o termo hermenêutica estava ligado ao nome do
deus da mitologia grega, Hermes.
Hermes possui uma história mitológica longa, que entre outros aspectos
aponta que ele se tornou o deus das travessias, nos caminhos terrenos e nos
caminhos do além. Hermes veio a ser o mensageiro dos deuses aos homens; dos
mortos aos vivos. Considerado o mensageiro e arauto dos deuses do Olimpo.
Observa-se no mito que Hermes é o deus das possibilidades de dois mundos,
sendo assim, nas civilizações clássicas, escreviam-se e narravam-se parábolas
que expressavam a existência humana a partir de suas “interpretações”. Hermes,
conforme a mitologia grega, era o mensageiro (trazia a mensagem) e intérprete
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
dial para a fé cristã.
Conforme traz o Vademecum, hermenêutica vem do grego hermeneutiké,
“traduzir”, “interpretar”. Teoria e prática da interpretação de um texto. Nas ciên-
cias bíblicas, a hermenêutica, com o auxílio esclarecedor fornecido pela exegese,
tem o objetivo de colher o significado profundo de um texto à luz de pressupos-
tos ideológicos diferentes, dependendo da época à qual pertencem, das teologias,
dos âmbitos confessionais, das motivações filosóficas ou sociológicas.7
Atos dos Apóstolos 14.11-15
11 Ao ver o que Paulo fizera, a multidão começou a gritar em língua
licaônica: “Os deuses desceram até nós em forma humana!” 12 A Bar-
nabé chamavam Zeus e a Paulo Hermes, porque era ele quem trazia a
palavra. 13 O sacerdote de Zeus, cujo templo ficava diante da cidade,
trouxe bois e coroas de flores à porta da cidade, porque ele e a multidão
queriam oferecer-lhes sacrifícios. 14 Ouvindo isso, os apóstolos Bar-
nabé e Paulo rasgaram as roupas e correram para o meio da multidão,
gritando: 15 “Homens, por que vocês estão fazendo isso? Nós também
somos humanos como vocês. Estamos trazendo boas novas para vocês,
dizendo-lhes que se afastem dessas coisas vãs e se voltem para o Deus
vivo, que fez os céus, a terra, o mar e tudo o que neles há.
5 Para efeito de informação, há materiais que defendem que hermenêutica procede do verbo grego
hermeneuein, comumente traduzido por ‘interpretar’ e o substantivo seria hermeneia, significando
‘interpretação’, ‘explicação’. Na Bíblia Sagrada, no Novo Testamento em grego, hermenêutes é ‘intérprete’,
exemplo, I Coríntios 14.28 – “Se não houver intérprete, fique calado na igreja, falando consigo mesmo e com
Deus”.
6 DOCKERY, David S. Hermenêutica Contemporânea à luz da Igreja Primitiva. São Paulo: Editora Vida,
2005.
7 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p.
49.
A HERMENÊUTICA BÍBLICA
109
8 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 55
a medida em que o texto é afetado por qualquer um dos diversos fatos familia-
res (culturais, históricos) ao escritor, mas, talvez pouco conhecidos pelo leitor.
Estes fatos são, por exemplo:
■■ O contexto (versículos ou capítulos anteriores e posteriores);
■■ O pano de fundo histórico (questões de cultura, hábitos, costumes, ques-
tões sociais, políticas, monetárias, religiosas do período, governo);
■■ O ensino relacionado com outras passagens bíblicas (coerência);
■■ A significação dessas mensagens de Deus conforme se relacionam com os
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fatos universais da vida humana hoje (sentido para o segundo ouvinte, nós);
■■ A relevância dessas verdades para as situações humanas (sociais) exclu-
sivas à nossa contemporaneidade.
9 Cosmovisão é visão do mundo, maneira de entender o universo e as relações entre seus elementos.
A HERMENÊUTICA BÍBLICA
111
estudar e deixam tudo nas mãos do Espírito, com coisa que o estudar não possa
estar nas mãos do Espírito Santo. Outros não estudam porque seus interesses não
são contemplados num estudo sério e coerente da Bíblia, não estudam, não per-
mitem que os que com ele estão estudem e os faz crer que o estudar as Escrituras
não é algo de Deus. Não é à toa que estamos rodeados de maus testemunhos,
opiniões grosseiras e descabidas, eisegeses que distorcem o texto e revelam inte-
resses escusos e muito distantes da verdade bíblica. Uma verdadeira ignorância.
E essa ignorância faz ocorrer alguns erros, como exemplo:
1- Invenção de versículos: nasce da confusão que as pessoas fazem com os
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ditos populares (ou impopulares) e que pela forma que são ditos e na frequência
que são repetidos, sejam versículos bíblicos (algumas destas frases podem até ter
um sentido bíblico, mas não são versos bíblicos). Alguns exemplos:
■■ Quem não vem por amor, vem pela dor.
■■ Na presença de Deus, até a tristeza salta de alegria.
■■ Não cai uma folha de uma árvore se Deus não permitir.
■■ Deus tarda, mas não falha.
Para ilustrar, ministrei uma palavra na igreja da qual faço parte que basicamente
falava da importância de se ler a Palavra de Deus diariamente. Na manhã do dia
seguinte, numa avenida, encontrei uma pessoa que me reconheceu e me disse
que havia estado na reunião da noite anterior e que havia me ouvido ministrar e
que já estava fazendo o que eu havia recomendado, ler a Palavra de Deus. Fiquei
contente com a fala do homem e agradeci sua visita e que persistisse nas leituras.
Não satisfeito, ele me informa que, por exemplo, tinha lido naquela manhã um
versículo muito interessante: nem tudo que reluz é ouro. Falou com tanta convic-
ção que fiquei até confuso por um instante, até que lhe disse: isso não é versículo
bíblico, isso é um dito popular, o amigo está confundindo. Ele me ouviu, mas
senti que ele achava mesmo que era um versículo.
2- Distorção de versículos: como que uma maléfica e/ou equivocada adap-
tação do versículo para atender a alguma necessidade da pessoa. Por exemplo,
aprendemos muitos versículos por ouvi-los citados por outras pessoas ou através
da letra de alguma música. Algumas vezes, os versículos sofrem ligeira alteração
para se adequarem à melodia. Com isso, aprendemos um texto que não cor-
responde ao que a Bíblia diz, e isso pode conduzir a entendimentos incorretos.
3- Isolamento de versículos ou recorte de partes do versículo: em alguns
casos, pressa, em outros, má conduta e desrespeito com o texto bíblico, como
também dar um sentido que o texto não dá se for lido da forma correta. Quando
se tira um versículo do seu contexto, corre-se o risco de colocá-lo numa situação
totalmente diversa de onde ele se encontra. Não se considera o salto de tempo
histórico, cultura, língua, real intenção, personagens envolvidos, simplesmente
se pinça um verso e se faz dele como um mantra, uma afirmação, que neste caso
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é descabida. Outro grave problema é o recorte aleatório do verso. Infelizmente,
muito usado hoje, o recorte da parte A ou parte B ou parte C de um versículo,
pois parece que para se falar algo, precisa ser a parte B e não se deve ler a parte
A, coisas assim; interessante que o autor inspirado por Deus, escreveu as par-
tes (se é que elas existem) compondo o todo do verso. Exemplo: João 15.7 – Se
vocês permanecerem em mim, e as minhas palavras permanecerem em vocês,
pedirão o que quiserem, e lhes será concedido. Em muitos lugares, esse verso é
pregado assim: João 15.7 “parte B” – pedirão o que quiserem, e lhes será conce-
dido. Veja a irresponsabilidade! Gritam a plenos pulmões que você pode pedir
o que quiser e será concedido. Sorrateiramente, “escondem” nesse recorte o que
na verdade Jesus disse a partir da partícula se, uma conjunção adverbial condi-
cional, ou seja, a tal parte B só ocorrerá se você cumprir a dita parte A que, por
algum motivo, não foi pregada.
4- Interpretação livre e momentânea: o desinteresse e/ou desconhecimento
das regras e princípios da hermenêutica faz com que muitas pessoas se aventu-
rem/arrisquem de modo perigoso no terreno da interpretação bíblica. Assim,
não compreendem de fato a Bíblia Sagrada, mas inventam um sentido para o
texto, de acordo com suas ideias e desejos. Muitas vezes colocam o dedo num
verso e dali retiram uma série de afirmações sem qualquer critério. A herme-
nêutica nos permite uma interpretação parametrizada. Os princípios e regras
procuram nos impedir de cair no precipício do erro teológico, de “colocar” na
boca de Deus, palavras que Ele não disse.
Bentho (2003, p. 68) afirma que a finalidade da hermenêutica é muito mais
do que interpretação. Sua finalidade é guiar-nos a uma compreensão adequada
A HERMENÊUTICA BÍBLICA
113
corações. Muitos sabem bem das metodologias, mas não as administram com a
consciência de que estão diante da Palavra de Deus e do povo que Ele quer salvar,
consolar, curar, libertar, ensinar. Há vezes que não falta método, falta honesti-
dade, temor a Deus e, com isso, se atrapalha em muito o anúncio do Evangelho.
Evangelho este que, como diz sabiamente René Padilla, não é uma verdade abs-
trata que podemos reservar para a vida privada, mas, sim, a revelação de Deus,
que assume forma humana pessoal e comunitária em nossa situação concreta e
nos transforma em testemunhas suas em nosso próprio contexto social e até no
último lugar da terra.
João 1.1-18
1 No princípio era aquele que é a Palavra (Verbo, Logos). Ele estava
com Deus, e era Deus. 2 Ele estava com Deus no princípio. 3 Todas
as coisas foram feitas por intermédio dele; sem ele, nada do que existe
teria sido feito. 4 Nele estava a vida, e esta era a luz dos homens. 5 A luz
brilha nas trevas, e as trevas não a derrotaram. (...) 10 Aquele que é a
Palavra estava no mundo, e o mundo foi feito por intermédio dele, mas
o mundo não o reconheceu. 11 Veio para o que era seu, mas os seus não
o receberam. 12 Contudo, aos que o receberam, aos que creram em seu
nome, deu-lhes o direito de se tornarem filhos de Deus, 13 os quais não
nasceram por descendência natural, nem pela vontade da carne nem
pela vontade de algum homem, mas nasceram de Deus. 14 Aquele que
é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós. Vimos a sua glória, glória
como do Unigênito vindo do Pai, cheio de graça e de verdade. 15 João
dá testemunho dele. Ele exclama: “Este é aquele de quem eu falei: aque-
le que vem depois de mim é superior a mim, porque já existia antes de
mim”. 16 Todos recebemos da sua plenitude, graça sobre graça. 17 Pois
a Lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por
intermédio de Jesus Cristo. 18 Ninguém jamais viu a Deus, mas o Deus
Unigênito, que está junto do Pai, o tornou conhecido.
Hebreus 1.1-4
1 Há muito tempo Deus falou muitas vezes e de várias maneiras aos
nossos antepassados por meio dos profetas, 2 mas nestes últimos dias
falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as
coisas e por meio de quem fez o universo. 3 O Filho é o resplendor
da glória de Deus e a expressão exata do seu ser, sustentando todas as
coisas por sua palavra poderosa. Depois de ter realizado a purificação
dos pecados, ele se assentou à direita da Majestade nas alturas, 4 tor-
nando-se tão superior aos anjos quanto o nome que herdou é superior
ao deles.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Interpretar a Bíblia sem olhar a realidade da vida é o mesmo que manter o
sal fora da comida, a semente fora da terra, a luz debaixo da mesa; é como o
galho sem tronco, olhos sem cabeça, rio sem leito. (Carlos Mesters)
A HERMENÊUTICA BÍBLICA
115
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Deus com uma interpretação absolutamente literal do texto bíblico. O fun-
damentalismo rejeita, por consequência, todo tipo de crítica histórico-lite-
rária dos escritos bíblicos, fazendo uma aplicação da Bíblia aos problemas
éticos, científicos e sociais de hoje sem nenhuma mediação cultural.
Fonte: VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo:
Paulinas, 2000. p. 42.
A HERMENÊUTICA BÍBLICA
117
mos tomar cuidado com a maneira pela qual usamos essa biografia. Ela não
pode substituir o trabalho de análise cuidadosa e interpretação do texto
bíblico; antes, deve servir de auxílio, e não de guia, à nossa interpretação.
Fonte: ZABATIERO, Júlio. Manual de Exegese. São Paulo: Hagnos, 2007. p.
20.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
leitor procurará compreender a intenção do autor. O texto, em sua ínte-
gra, ajudará o leitor a compreender cada palavra, individualmente. Assim,
as palavras, ou o conjunto de palavras, ajudam a compreender o todo.
■■ Definição de regras: uma utilização equivocada das ferramentas da her-
menêutica resultará em confusão e desvio. Ou seja, resultará em heresia.
O que está envolvido no processo de interpretação? Que padrão termino-
lógico o autor utilizou para dar significado ao texto? Que implicações se
enquadram legitimamente no padrão por ele pretendido? Que significa-
ção atribui o leitor ao texto? Qual é o assunto do texto? Que compreensão
e interpretação o leitor terá? Se as normas da linguagem devem ser res-
peitadas, que possibilidade de significados é permitida pelas palavras de
um texto? Foi reconhecido o gênero literário? As respectivas regras que
o governam estão sendo obedecidas? O contexto prevê o significado dos
objetos literários encontrados no texto?
■■ Significado: o autor pretendia comunicar suas informações. Valeu-se, então,
de um código de linguagem para transmitir sua mensagem. O significado
não pode ser alterado, pois o autor, levando em consideração suas possi-
bilidades de interpretação, submeteu-se conscientemente às normas de
linguagem com as quais o leitor está familiarizado. Da mesma maneira,
os textos produzidos pelos autores das Sagradas Escrituras, movidos pelo
Espírito Santo, têm implicações que abrangem o significado específico
que eles, conscientemente, procuraram transmitir. Isso é razoável, uma
vez que o leitor deverá compreender a linguagem utilizada.
■■ Implicações: as implicações ultrapassam os significados originais. O autor
não estava ciente das novas circunstâncias. Apesar disso, elas se enquadram
A HERMENÊUTICA BÍBLICA
119
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
exemplo, possui ampla extensão de significados no Novo Testamento.
Em certos contextos, pode ser “mera aceitação mental de um fato”; em
alguns, “confiança plena”; ou ainda em outros, “um conjunto de crenças”.
O que não pode, no entanto, é significar algo incompatível com o con-
texto, quando, por exemplo, o texto ou contexto está falando do ritual do
batismo. Felizmente, as normas de linguagem limitam o número de possi-
bilidades, de modo que apenas uma delas terá o significado que interessa
ao autor. Por isso o autor bíblico se manteve cuidadosamente dentro des-
ses limites, a fim de ajudar seus leitores a compreenderem sua mensagem.
O contexto é fundamental para reduzir os significados possíveis a apenas
um significado específico.
■■ Reconhecendo o gênero literário: quais são os gêneros literários usados
pelo autor? A Bíblia apresenta diferentes gêneros. Obviamente, como os
escritores da Bíblia tinham por finalidade compartilhar o significado do
que escreviam, submeteram-se às convenções literárias de seu tempo. Se
o leitor/estudante não ponderar esse fato, ser-lhe-á impossível a compre-
ensão do significado.
■■ Contexto: o contexto12 facilita a compreensão do significado pretendido
pelo autor. Devemos entender o contexto literário como sendo aquilo
que o autor procurou dizer com os símbolos utilizados antes e depois do
texto em questão. Portanto, quando nos referimos ao contexto, aludimos
A HERMENÊUTICA BÍBLICA
121
Hermenêutica - Tipos
Hermenêutica - Tipos
III
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
• A interpretação alegórica busca na narração bíblica um segundo
nível de referência, além das pessoas, coisas e acontecimentos ex-
plicitamente narrados no texto. O grande impulsor desse tipo de
interpretação foi o teólogo cristão Orígenes (século III), que ela-
borou um sistema teológico e filosófico a partir das palavras da
Bíblia.
A HERMENÊUTICA BÍBLICA
123
letra da lei é o primeiro passo para seu bom entendimento. Feita a interpreta-
ção lógica, busca-se o alcance efetivo da proposição. A interpretação sistemática,
defendida pela escola de Hans Kelsen, deriva da unidade da ordem jurídica: não
há norma isolada ou solta, e uma norma não pode estar em contradição com
outra. A pesquisa histórica não busca a vontade histórica do legislador, mas sua
última vontade notória, que é a lei. A lei aplicar-se-á segundo as novas circuns-
tâncias. Enfim, como a regra se define pelos fins colimados, há que descobrir o
espírito da lei. O componente teológico, ou seja, aquele que diz respeito ao argu-
mento, conhecimento ou explicação que relaciona um fato com sua causa final,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
completa a hermenêutica.
Hermenêutica da Suspeita: expressão usada pela primeira vez pelo filósofo
francês Paul Ricoeur, referindo-se à prática de interpretação que se aproxima
do texto com perguntas ou “suspeitas” sobre a sua veracidade ou confiabilidade.
Inversamente, a hermenêutica da suspeita permite que o texto coloque em ques-
tão as suposições e a cosmovisão do leitor.
A exegese e hermenêutica bíblicas tomaram novo rumo no século XX, com
William Wrede e Albert Schweitzer, que deram ênfase à escatologia do Novo
Testamento. C. H. Dodd promoveu o movimento conhecido como “teologia
bíblica”. Karl Barth, com seus comentários a Paulo, lançou uma interpretação
existencial do Novo Testamento, radicalizada depois por Rudolf Bultmann, sob
influência de Wilhelm Dilthey e de Martin Heidegger.
Bultmann e Dibelius são, talvez, os principais responsáveis pelo moderno
estudo crítico do texto dos Evangelhos, aplicado, com o mesmo êxito, ao Antigo
Testamento, por Hermann Gunkel e Sigmund Morwinckel. Na França, os estudos
da hermenêutica receberam grande impulso por parte do cardeal Jean Danielou
e dos dominicanos da Escola Bíblica e Arqueológica. O Concílio Vaticano II
incentivou vigorosamente a hermenêutica católica, recomendando que se fizesse
em associação com os “irmãos separados”, o que abre novo horizonte à exegese
e hermenêutica bíblicas.
Hermenêutica - Tipos
III
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Hermenêutica e Interpretação da Bíblia
14 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 69.
A HERMENÊUTICA BÍBLICA
125
1 SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 12.
Há várias interferências que devem ser levadas em conta quando se busca a cor-
reta interpretação do texto bíblico, há também vários métodos que apontam
para os aspectos que devem ser analisados/estudados. A seguir oferecemos um
desses métodos:
15 SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 23.
Espiritual Sociedade
Interpretação Bíblica
Política Economia
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no momento do texto?
■■ Sociedade: qual o momento histórico em que estavam inseridos? Como
estava organizada a sociedade? Qual a condição (livres ou escravizados)?
■■ Política: como estavam as questões políticas? Sofriam domínio externo?
Como estava o governo interno? Como o povo estava vivendo?
■■ Economia: como estavam as questões econômicas? O povo estava oprimido
ou próspero? Como o governo estava gerindo e gerenciando a economia?
■■ Soma-se a isso perceber a reação do primeiro (ou primeiros) ouvinte(s). E
em uma contextualização, precisamos ter uma atualizada leitura de nossa
sociedade e momento histórico e suas implicações para que em uma relei-
tura o texto faça sentido e contribua para nossa reflexão.
Muito se pode falar sobre critérios para a interpretação bíblica, vários estudio-
sos contribuem com suas opiniões, mas o que precisa ficar claro é a questão do
caráter do intérprete, sua real intenção, seu temor a Deus e Sua Palavra e a noção
clara de seu papel diante da Palavra de Deus e do povo.
Acontecem erros que precisam ser reconhecidos e evitados, e citamos, com
base no texto de Bentho (2003, p. 72, 73), alguns desses:
A HERMENÊUTICA BÍBLICA
127
I Timóteo 6.3-12
3 Se alguém ensina falsas doutrinas e não concorda com a sã doutrina
de nosso Senhor Jesus Cristo e com o ensino que é segundo a piedade,
4 é orgulhoso e nada entende. Esse tal mostra um interesse doentio por
controvérsias e contendas acerca de palavras, que resultam em inve-
ja, brigas, difamações, suspeitas malignas 5 e atritos constantes entre
aqueles que têm a mente corrompida e que são privados da verdade, os
quais pensam que a piedade é fonte de lucro. 6 De fato, a piedade com
contentamento é grande fonte de lucro, 7 pois nada trouxemos para
este mundo e dele nada podemos levar; 8 por isso, tendo o que comer
e com que vestir-nos, estejamos com isso satisfeitos. 9 Os que querem
ficar ricos caem em tentação, em armadilhas e em muitos desejos des-
controlados e nocivos, que levam os homens a mergulharem na ruína
e na destruição, 10 pois o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males.
Algumas pessoas, por cobiçarem o dinheiro, desviaram-se da fé e se
atormentaram com muitos sofrimentos. 11 Você, porém, homem de
Deus, fuja de tudo isso e busque a justiça, a piedade, a fé, o amor, a
16 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 72, 73.
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senta e seis livros no cânon protestante. A Bíblia é uma coleção de centenas, ou
mesmo milhares de textos. Logo, mais do que justo que haja uma ciência do texto
- Hermenêutica. Por outro lado, nós, cristãos, tomamos a Bíblia também como
Palavra de Deus. Como os protestantes e, por consequência, os evangélicos não
reconhecem porta-vozes divinos (Atos 14.14,15), salvo o próprio Espírito Santo,
a Hermenêutica enquanto disciplina assume a responsabilidade de ajudar a cada
leitor da Bíblia a ouvir a voz da Bíblia.
Porque é um conjunto de livros e de textos, a Bíblia tem critérios próprios.
Quais são?
1. Os critérios literários da Bíblia enquanto livro
Antes de tudo, deve ficar claro que a própria Bíblia não trata do tema. A Bíblia
não pára para nos dizer como devemos lê-la, já que ela é um livro. O que chama-
mos aqui de critérios literários são critérios válidos para qualquer literatura. Isso
significa que é o fato de a Bíblia ser um livro ou uma série de livros e textos que
nos impõe a pergunta sobre sua leitura adequada. Sendo um conjunto de livros,
sabemos que não são todos eles do mesmo tipo. Há diferentes tipos de livros na
Bíblia: pequenos e grandes, mais ou menos antigos, poéticos ou em prosa, his-
tórico-teológicos ou sapienciais, simples ou complexos etc. Não se trata, ainda,
de perguntar como se lê cada um desses tipos de livros. Trata-se da pergunta de
fundo: qual o critério para se ler um texto. Trata-se da pergunta sobre onde está
o sentido de um texto. E há três teorias sobre onde está o sentido de um texto.
2. O sentido do texto está na intenção do leitor do texto
Essa teoria diz que um texto é sempre uma coisa que o leitor manipula. O lei-
tor é que acaba fazendo o texto dizer o que ele quer dizer. O argumento é duplo:
A HERMENÊUTICA BÍBLICA
129
a) de um lado, o autor do texto não está mais presente para controlar a sua inten-
ção; b) de outro, os homens são movidos por suas ideologias, e o leitor lê sempre
ideologicamente os textos. Um bom exemplo disso é o que diz Justino. Em seu
livro Diálogo com Trifão, escrito no séc. II d.C., Justino diz ao judeu Trifão que
os livros dos judeus não são (mais) dos judeus, mas “nossos” (PAULUS, 1995.
p. 152). Zuck faz um comentário em seu livro A Interpretação Bíblica: “Justino
afirmava que o Antigo Testamento era pertinente aos cristãos, mas essa perti-
nência, dizia ele, era percebida por meio da alegorização” (VIDA NOVA, 1994.
p. 10). Na constituição dogmática católica Dei Verbum, afirma-se que “a Igreja
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logo, desde os seus começos, fez sua aquela tradução grega antiquíssima do
Antigo Testamento” (PAULINAS, 1966, p. 26). Quando a igreja se apropria dos
textos judaicos e os lê como textos cristãos, está dizendo com isso que o verda-
deiro sentido daqueles textos está com ela, e não com os autores dos próprios
textos. Quando a igreja faz isso, consciente ou inconscientemente, está dizendo
que o sentido desses textos está no leitor cristão. Umberto Eco chama essa teo-
ria de intentio lectoris - intenção do leitor (Interpretação e Superinterpretação,
Martins Fontes, 1993, p. 27-29).
Como leitores da Bíblia, devemos nos perguntar: lemos a Bíblia porque que-
remos ouvi-la, ou lemos a Bíblia porque nós é que sabemos o que ela deve dizer?
Em outras palavras? O sentido dos textos bíblicos está no leitor cristão?
3. O sentido do texto está nas intenções do próprio texto
Faz sentido? O que significa exatamente dizer que o sentido de um texto está
no próprio texto? Significa que o texto deve falar por si só, dizem os teóricos da
intentio operis (ECO, p. 27-29) ou intenção da obra (do texto). Os teóricos afir-
mam que todo texto é polissêmico - ou seja, que tem muitos sentidos. Croatto
explica isso muito bem em seu livrinho Hermenêutica Bíblica (LA AURORA,
1984): toda vez que uma fala (que tem um único sentido) é escrita, passa a susten-
tar vários sentidos possíveis (polissemia). Assim, os textos bíblicos são passíveis
de sustentar vários sentidos.
Não se deve confundir intenção do texto com intenção do leitor. Enquanto
a teoria da intenção do texto diz que o texto tem vários sentidos, por outro lado,
a teoria da intenção do leitor diz que o leitor enxerga apenas um único sentido.
Digamos assim, o texto é potencialmente polissêmico; mas na prática, o leitor
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Eco chama essa teoria de intentio auctoris, ou intenção do autor (p. 27-29).
Segundo essa teoria, não importa se o leitor possui suas próprias ideias sobre a
vida, o mundo, o homem e Deus (= ideologia); nem importa que realmente os
textos tenham a capacidade de dizerem coisas diferentes. Para a teoria literária
da intenção do autor, deve-se ler um texto para recuperar a intenção do autor
que o escreveu e que é possível esse esforço. O sentido de um texto não estaria
no leitor e na sua ideologia; o sentido não estaria flutuando solto como den-
tes-de-leão na polissemia do texto; o sentido está na intenção com que o autor
escreveu o seu texto.
Gosto de citar II Pedro 1.21b nesse contexto: “os homens da parte de Deus
falaram movidos pelo Espírito Santo” (Almeida, melhores textos, IBB, 1992) ou
“os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo” (Almeida, rev.
e cor. IBB, 1991). Odette Mainville tem algo a dizer: “compreender a intenção ori-
ginal de um texto permite evitar interpretações equivocadas, senão inteiramente
errôneas” (A Bíblia à Luz da História, Paulinas, 1999. p. 10). Mas não confunda:
“intenção original de um texto” só faz sentido na teoria literária da intenção do
autor. O texto em si não tem intenção original, mas sentidos diferentes e iguais
em termos de valor. Se estivermos interessados na intenção original, o que esse
texto bíblico quis dizer lá e então quando ele foi escrito, então temos de nos
esforçar para descobrir o que é que o autor do texto queria dizer com seu texto.
O leitor da Bíblia sabe que a Palavra de Deus é um livro. Enquanto um con-
junto de centenas de textos escritos, a Bíblia deve ser lida e compreendida. Para
compreender o texto, primeiro o leitor deve decidir-se onde ir buscar o sentido
A HERMENÊUTICA BÍBLICA
131
Bentho (2003, p. 73) afirma que a tarefa da hermenêutica e da exegese não é tarefa
fácil. Quando alguém se propõe a interpretar as Escrituras, encontra diversos blo-
queios a uma compreensão espontânea do significado primitivo da mensagem.
Quando o intérprete inicia a empresa de “traduzir” o texto bíblico, ele inevita-
velmente está lidando com uma língua e cultura distinta da sua; acrescentamos
nós a essa afirmação a distância histórica, cultural, costumes, perspectivas etc.
Há inúmeros complicadores que atrapalham a interpretação bíblica de forma
coerente e correta, Bentho (2003, p. 73,74) apresenta alguns bloqueios à tarefa
da interpretação bíblica, listamos abaixo:
Bloqueios histórico-culturais: as Escrituras foram escritas não para a nossa
realidade e cultura, mas para outra equidistante da nossa há mais de três milê-
nios. Os conjuntos de fatos e mensagens expostos nas Sagradas Escrituras são
produtos de uma evolução histórico-cultural vivenciados pelo hagiógrafo e
seus contemporâneos. Nós não fomos os destinatários originais. A Cosmovisão,
compreensão dos fenômenos físicos e naturais, existência e filosofia de vida dos
hagiógrafos e de seus contemporâneos eram distintas da atual. Os povos pró-
ximos à época dos autógrafos assimilaram mais rapidamente o conteúdo das
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os hagiógrafos se comunicaram, fizeram-no pela palavra falada e escrita. Para
que suas mensagens fossem entendidas, eles precisaram, no mínimo, coordenar
sua fala e escrita de acordo com a gramática vigente. Por sua vez, essa gramática
e a língua pelas quais as Escrituras foram produzidas possuem sintaxe, morfolo-
gia, fonemas, enfim, estruturas diferentes da nossa. É quase impossível àqueles
que não possuem conhecimento das línguas originais entenderem as Escrituras
no seu idioma de origem.
Bloqueios textuais: não perceptivas a qualquer intérprete, as diferenças de
cópias e versões tornaram necessária a árdua atividade dos críticos textuais.
Nenhum dos autógrafos19 dos escritores sagrados chegou até nós, o que pos-
suímos são cópias manuscritas. Apesar da meticulosidade dos escribas, o texto
sagrado sofreu algumas alterações ao ser repetidamente copiado, porém não
invalidam o conjunto.
Crítica textual: o propósito fundamental da Crítica textual é reconstruir
com toda perfeição possível o texto bíblico, expurgando-o de qualquer altera-
ção introduzida por erro do escriba, seja um equívoco de ditografia20, fusão21,
ou outro qualquer que costumam achar-se na transmissão de obras manuscritas
18 Semita: de Sem, filho de Noé. Grupo de povos de origem étnica diferente, mas que falam línguas
semíticas. Estas, muito semelhantes entre si, dividem-se em semítico oriental (acádico ou assiro-
babilônico), semítico norte-ocidental (dialetos aramaicos, cananeu, ugarítico, fenício, hebraico) e semítico
sul-ocidental (árabe, sul-arábico, etíope). Os semitas deram o alfabeto e as três religiões monoteístas à
cultura mundial. Fonte: VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São
Paulo: Paulinas, 2000. p. 83
Em sentido restrito, o mesmo que judaico, hebraico. Línguas semíticas, conjunto de línguas faladas pelo
grupo étnico dos semitas (judeus hebreus). Fonte: <www.dicio.com.br>.
19 Diz-se de manuscrito original de um autor. Fonte: <www.dicio.com.br>.
20 Escrever duas vezes o que se deveria ser escrito apenas uma vez.
21 Combinação da última letra da palavra anterior com a primeira do termo seguinte.
A HERMENÊUTICA BÍBLICA
133
Diante dessas informações, Bentho (2003, p. 79) infere que as relações da crí-
tica textual com a exegese e a hermenêutica fundem-se grandemente, tornando
a empresa de interpretar não só desafiante e exaustiva, mas também compen-
sadora, pois por meio dessas três ciências indissociáveis, o sentido primário do
texto sagrado é entregue na ação evangelística e pastoral, tal qual pretendido
pelo Espírito da inspiração escriturística.
1 Acrescentando os manuscritos unciais, minúsculos, lecionários, papiros e outros, temos apenas para
o Novo Testamento, mais de 5.000 manuscritos, acrescentando os da Vulgata Latina e outras versões,
perfazem mais de 24.000 manuscritos. (...) As Escrituras são mais confiáveis pelo testemunho textual do
que qualquer outro manuscrito antigo.
Como afirma também que a crítica textual baseia-se no testemunho dos mais
antigos e melhores manuscritos, assim como dos papiros, das traduções antigas
e da patrística, ela procura, segundo regras determinadas, estabelecer um texto
bíblico que seja tão próximo quanto possível do texto original.
Os Gêneros procuram determinar os gêneros literários, ambiente de origem,
traços específicos e evolução desses textos. O texto é, em seguida, submetido a
uma análise linguística (morfologia e sintaxe) e semântica, que utiliza os conhe-
cimentos obtidos graças aos estudos da filologia histórica.
A Crítica Literária esforça-se, então, em discernir o início e o fim das unida-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
des textuais, grandes e pequenas, e em verificar a coerência interna dos textos.
A Crítica dos Gêneros procura determinar os gêneros literários, ambiente
de origem, traços específicos e evolução desses textos.
Enquanto as etapas precedentes procuraram explicar o texto pela sua gênese,
em uma perspectiva diacrônica, esta última etapa termina com um estudo sin-
crônico: explica-se aqui o texto em si, graças às relações mútuas de seus diversos
elementos e considerando-os sob seu aspecto de mensagem comunicada pelo
autor a seus contemporâneos.22
A atividade maligna no mundo: segundo as Escrituras, “o deus deste século
cegou o entendimento dos incrédulos para que lhes não resplandeça a luz do
Evangelho” (II Coríntios 4.4). Percebe-se uma atividade maligna com intuito de
que o Evangelho não floresça na mente e no coração dos incrédulos. Além de
procurar obscurecer a mensagem do Evangelho, envia seus ministros malévo-
los para perverter a sã doutrina (II Timóteo 4.1), quando não, falsos ministros
atestando infalibilidade procuram distorcer o Evangelho de Cristo, “por meio de
filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos
do mundo, e não segundo Cristo” (Colossenses 2.8, 22/Efésios 4.14).
As armas com as quais lutamos não são humanas; ao contrário, são
poderosas em Deus para destruir fortalezas. Destruímos argumentos
e toda pretensão que se levanta contra o conhecimento de Deus, e le-
vamos cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo. (II
Coríntios 10.4, 5)
22 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 254
A HERMENÊUTICA BÍBLICA
135
Deus, mas só serve aos homens. Sonha, às vezes, que fala em nome de
Deus, mas não fala a não ser em nome da igreja, da opinião pública,
das pessoas respeitáveis e da sua “pequena” pessoa”. Ele sabe que, desde
agora e para sempre, os caminhos que não começam em Deus não são
caminhos verdadeiros, mas não quer se incomodar nem incomodar
os outros; por isso é que pensa e diz: “Continuemos prudentemente
e sempre alegres em nosso caminho atual; as coisas se arranjarão”. Ele
sabe que Deus quer tirar os homens da impiedade e que a luta espiritual
deve ser travada. No entanto, prega a “paz”, a paz entre Deus e o mundo
perdido que está em nós e fora de nós. Como se tal paz existisse! Sabe
que seu dever consiste em proclamar que Deus quis uma nova vonta-
de, uma nova vida, porém deixa reinar o espírito do medo, do engano,
de Mamon, da violência – a muralha construída pelo povo (Ezequiel
13.10), o muro oscilante e manchado. Ele disfarça-o pintando com as
cores suaves e consoladoras da religião para o contentamento de todo
mundo. Eis aí o falso profeta!
23 BARTH, Karl. A proclamação do Evangelho. 2. ed. São Paulo: Novo Século, 2003. p. 13. [Karl Barth
foi um dos maiores teólogos do século XX. Nasceu na cidade de Basileia (Suíça) em 10 de maio de 1886 e
morreu na mesma cidade em 10 de dezembro de 1968. Este artigo originalmente destinado aos pastores
pode também ser aplicado aos cristãos em geral].
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
amor pela família, implacáveis. 32 Embora conheçam o justo decreto
de Deus, de que as pessoas que praticam tais coisas merecem a morte,
não somente continuam a praticá-las, mas também aprovam aqueles
que as praticam.
Efésios 4.17-24
17 Assim, eu lhes digo, e no Senhor insisto, que não vivam mais como
os gentios, que vivem na inutilidade dos seus pensamentos. 18 Eles es-
tão obscurecidos no entendimento e separados da vida de Deus por
causa da ignorância em que estão, devido ao endurecimento do seu
coração. 19 Tendo perdido toda a sensibilidade, eles se entregaram à
depravação, cometendo com avidez toda espécie de impureza. 20 To-
davia, não foi isso que vocês aprenderam de Cristo. 21 De fato, vocês
ouviram falar dele, e nele foram ensinados de acordo com a verdade
que está em Jesus. 22 Quanto à antiga maneira de viver, vocês foram
ensinados a despir-se do velho homem, que se corrompe por desejos
enganosos, 23 a serem renovados no modo de pensar e 24 a revestir-se
do novo homem, criado para ser semelhante a Deus em justiça e em
santidade provenientes da verdade.
A HERMENÊUTICA BÍBLICA
137
Interpretar o texto sagrado é muito importante, mas é uma tarefa que exige dedi-
cação, conhecimento e trabalho. Oração e dependência do Espírito Santo. Não
se pode fazer apressadamente e nem acreditar em questões mágicas e imedia-
tistas, pois se corre o sério e comprometedor risco de gerar grandes equívocos.
Uma obra que precisa ser estudada sobre este tema é A Exegese e suas Falácias
– perigos na interpretação da Bíblia, de D. A. Carson. No prefácio dessa obra, o
pastor Russell P. Shedd escreve que falácia é sinônimo de erro, embora seja uma
palavra mais erudita, mais suave, menos chocante ou negativa. O fato de sermos
humanos implica em errarmos, mas ninguém considera uma virtude a perma-
nência nesse caminho errado, mesmo quando a maioria anda por essa estrada
larga. Entre as falácias, há falácias gramaticais e lógicas, bem como pressuposi-
ções que desviam da verdade. Para quem está incumbido de falar em nome de
Deus é muito importante descobrir as ilusões que ofuscam a visão da Palavra
eterna. Erros interpretativos e exegéticos ocorrem em púlpitos, livros e artigos,
24 TOZER, A. W. À procura de Deus. Venda Nova/MG: Editora Betânia, 1985. p. 52, 53.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
isso “em nome de Deus”, prejudicam gravemente aqueles que deveriam
estar sendo conduzidos de modo sensato e responsável. Quantos líderes
estão levando as pessoas a ofertarem tudo no altar, sob o argumento de
que elas serão abençoadas com riqueza material? Quantos são proibidos
de usarem roupas de determinada cor, proibidos de se casarem, proibi-
dos de comerem este ou aquele alimento (I Timóteo 4.1-3). É verdade
que as heresias não se limitam aos erros de interpretação bíblica, mas
têm neles sua base principal.
■■ Tais equívocos de compreensão bíblica produzem ideias erradas sobre
Deus e expectativas infundadas em relação ao cristianismo, que vão gerar
frustração, revolta e apostasia. O pior efeito possível desse processo é a
perdição eterna.
■■ As heresias são comparáveis a um alicerce de areia. Jesus disse que algu-
mas pessoas haveriam de ouvir a Sua palavra, mas por não obedecerem,
seriam comparáveis ao homem que edificou sua casa sobre a areia (Mateus
7.26). Depois, por causa do vento, da chuva e dos rios, aquela casa caiu.
Por que essas pessoas não obedeceram à palavra? Podemos mencionar
diversos motivos, mas, certamente, um deles é a falta de entendimento
do verdadeiro sentido das palavras do Senhor. É o caso daquela semente
que caiu à beira do caminho e foi levada pelas aves (Mateus 13.19).
■■ Muitas das religiões e denominações hoje existentes surgiram do falso
entendimento das Escrituras, (pouca tolerância) embora outras tenham
surgido do esforço de se corrigirem erros do passado. As heresias têm
duas fontes possíveis: o homem (Gálatas 5.19-20) e o Diabo (Gênesis
A HERMENÊUTICA BÍBLICA
139
II Timóteo 2.14-19
14 Continue a lembrar essas coisas a todos, advertindo-os solenemen-
te diante de Deus, para que não se envolvam em discussões acerca de
palavras; isso não traz proveito, e serve apenas para perverter os ou-
vintes. 15 Procure apresentar-se a Deus aprovado, como obreiro que
não tem do que se envergonhar e que maneja corretamente a palavra
da verdade. 16 Evite as conversas inúteis e profanas, pois os que se dão
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Não somos todos teólogos, mas temos todos o chamado para estudarmos as
Sagradas Escrituras, “conheçamos o Senhor; esforcemo-nos (prossigamos em conhecê
-lo) por conhecê-lo [...]” (Oséias 6.3). Devemos buscar, a cada dia, nos aprofundar
nas verdades que o Senhor nos revelou em Sua Palavra: “Se vocês permanecerem
firmes na minha palavra, verdadeiramente serão meus discípulos. E conhecerão a
verdade, e a verdade os libertará” (João 8.31, 32).
Há uma obra indispensável para o estudante interessado em Exegese e
Hermenêutica Bíblicas, “Entendes o que lês?”, de Gordon D. Fee e Douglas Stuart.
Para este material, apresento o que esses renomados autores escrevem sobre o
26 Material “Introdução à Hermenêutica Bíblica” do professor Anísio Renato de Andrade. Seminário Batista
do Estado de Minas Gerais. Disponível em:<http://www.oocities.org/athens/agora/8337/entrada6.htm>.
Acesso em: 7 jun. 2014.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
texto ideias que lhe são estranhas.
Dessa maneira, quando uma pessoa em nossa cultura ouve a palavra “cruz”,
séculos de arte e simbolismo cristãos levam a maioria das pessoas a pensar auto-
maticamente numa cruz romana (┼) embora haja pouca probabilidade de que
aquele era o formato da Cruz de Jesus, que provavelmente tinha a forma de um
“T”. A maioria dos protestantes, e dos católicos também, quando lê textos acerca
da igreja em adoração, automaticamente forma um quadro de pessoas sentadas
numa construção com bancos, muito semelhante às deles. Quando Paulo diz:
“Nada disponhais para a carne, no tocante às suas concupiscências” (Romanos
13.14), as pessoas nas culturas de idiomas europeus tendem a pensar que “a carne”
significa “o corpo” e, portanto, que Paulo está falando nos “apetites físicos.” Mas
a palavra “carne,” conforme Paulo a emprega, raras vezes se refere ao corpo — e
neste texto quase certamente não tem esse sentido — mas, sim, a uma enfermi-
dade espiritual, uma doença de existência espiritual às vezes chamada “a natureza
pecaminosa.” O leitor, portanto, sem o fazer deliberadamente, está interpretando
o que lê, e, infelizmente, por demais frequentemente interpreta incorretamente.
Isso nos leva a notar ainda mais arte o leitor de uma Bíblia em idioma latino
já está envolvido na interpretação. A tradução, pois, é em si mesma uma forma
(necessária) de interpretação. Sua Bíblia, seja qual for a tradução que você empre-
gar, que para você é o ponto de partida, é, na realidade, o resultado final de muito
trabalho erudito. Os tradutores são regularmente conclamados a fazer escolhas
quanto aos significados, e as escolhas deles irão afetar como você entende.
27 FEE, Gordon D.; STUART, Douglas. Entendes o que lês? São Paulo: Vida Nova, 2002. p. 14-17
A HERMENÊUTICA BÍBLICA
141
que acontece em nosso redor o tempo todo. Uma simples olhada para a igreja
contemporânea, por exemplo, torna abundantemente claro que nem todos os
“significados claros” são igualmente claros para todos. É de interesse mais do
que passageiro que a maioria daqueles na igreja de hoje que argumentam que
as mulheres devem guardar silêncio na igreja, com base em 1 Coríntios 14.34-
35, negam, ao mesmo tempo, a validez do falar em línguas e da profecia, o
próprio contexto em que a passagem do “silêncio” ocorre. E aqueles que afir-
mam que as mulheres, e não somente os homens, devem orar e profetizar, com
base em I Coríntios 11.2-16, frequentemente negam que devem fazê-lo com a
cabeça coberta. Para alguns, a Bíblia “ensina claramente” o batismo dos crentes
mediante a imersão; outros acreditam que podem defender o batismo de crianças
por meio da Bíblia. Tanto a “segurança eterna” quanto a possibilidade de “per-
der a salvação” são pregadas na igreja, mas nunca pela mesma pessoa! As duas
posições, no entanto, são afirmadas como sendo o significado claro dos textos
bíblicos. Até mesmo os dois autores desse livro têm certos desacordos entre si
quanto ao significado “claro” de certos textos. Mesmo assim, todos nós estamos
lendo a mesma Bíblia e todos estamos procurando ser obedientes àquilo que o
texto “claramente” significa.
Além dessas diferenças reconhecíveis entre “crentes bíblicos,” há, também,
todos os tipos de coisas estranhas em andamento. Usualmente podemos reco-
nhecer as seitas, por exemplo, porque têm uma autoridade além da Bíblia. Mas
nem todas elas a têm; em todos os casos, porém, torcem a verdade pelo meio que
selecionam textos da própria Bíblia. Toda heresia ou prática que se possa imagi-
nar, desde o arianismo (a negação da divindade de Cristo), das Testemunhas de
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prol do “sentido claro” da Escritura e ao alegar que coloca a Palavra de Deus
em posição de absoluta primazia no decurso do seu estudo. Diz que não conta
aquilo que pensamos que ela diz, mas, sim, o que ela realmente diz. O “signifi-
cado claro” é o que ele quer. Começamos, porém, a ter nossas dúvidas acerca de
qual é realmente o “significado claro” quando a prosperidade financeira é argu-
mentada como sendo a vontade de Deus a partir de um texto tal como III João
2 – “Amados, acima de tudo faço votos por tua prosperidade e saúde, assim, como
é próspera a tua alma” — texto este que realmente não tem nada a ver com a
prosperidade financeira. Outro exemplo toma o significado claro do jovem rico
(Marcos 10.17-22) como sendo exatamente o oposto daquilo “que realmente
diz,” e atribui a “interpretação” ao Espírito Santo. Podemos talvez questionar
com razão se o significado claro realmente está sendo procurado; talvez o signi-
ficado claro seja simplesmente aquilo que semelhante escritor quer que o texto
signifique a fim de apoiar suas ideias prediletas.
Dada toda essa diversidade, tanto dentro quanto fora da igreja, e todas as dife-
renças até mesmo entre os estudiosos, que alegadamente conhecem “as regras,”
não é de se maravilhar que alguns argumentam em prol de nenhuma interpreta-
ção, em prol da simples leitura. Essa, porém, é uma opção falsa, conforme vimos.
O antídoto à má interpretação não é simplesmente nenhuma interpretação,
mas, sim, a boa interpretação, baseada nas diretrizes do bom senso.
Os autores deste livro não sofrem de ilusões de que, ao ler e seguir nossas
diretrizes, todos finalmente concordarão quanto ao «significado claro», nosso
significado! O que esperamos realizar é aumentar a sensibilidade do leitor a pro-
blemas específicos inerentes a cada gênero, informá-lo por que existem opções
A HERMENÊUTICA BÍBLICA
143
I Coríntios 1.18-21
18 Pois a mensagem da cruz é loucura para os que estão perecendo,
mas para nós, que estamos sendo salvos, é o poder de Deus. 19 Pois está
28 FEE, Gordon D.; STUART, Douglas. Entendes o que lês?. São Paulo: Vida Nova, 2002. p. 14-17
O intérprete deve estar cheio do Espírito Santo e guiado por Ele. Somente o
crente pode sondar o verdadeiro significado das Escrituras, porque o mesmo
Espírito que a inspirou realiza no intérprete uma obra de iluminação que lhe
permite chegar, através do texto, ao pensamento de Deus (I Coríntios 2.10). A
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carência de sensibilidade com o Espírito Santo incapacita o exegeta para captar
com profundidade o significado das passagens bíblicas com o Espírito Santo. A
mente, os sentimentos e a vontade do hermeneuta devem estar abertos para a
ação espiritual do Espírito Santo.
Romanos 11.33-36
33 Ó profundidade da riqueza da sabedoria e do conhecimento de
Deus! Quão insondáveis são os seus juízos e inescrutáveis os seus ca-
minhos! 34 “Quem conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi seu
conselheiro?” 35 “Quem primeiro lhe deu, para que ele o recompense?”
36 Pois dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele seja a glória para
sempre! Amém.
A HERMENÊUTICA BÍBLICA
145
Atos dos apóstolos 17.11 – “Os bereanos eram mais nobres do que os tessalonicen-
ses, pois receberam a mensagem com grande interesse, examinando todos os dias
as Escrituras, para ver se tudo era assim mesmo”.
A superficialidade é a maldição de nosso tempo. A doutrina da satisfa-
ção instantânea é, antes de tudo, um problema espiritual. A necessidade
urgente hoje não é de um maior número de pessoas inteligentes, ou
dotadas, mas de pessoas profundas.29
29 FOSTER, Richard J. Celebração da Disciplina – o caminho do crescimento espiritual. 5. ed. Traduzido por
Luiz Aparecido Caruso. São Paulo: Editora Vida, 1993.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Precisamos ter reverência quando vamos ler a Bíblia, ler com educação e
respeito, orando para que consigamos entender e assimilar o que estamos
lendo.
Salmo 119.11 – “Guardei no coração a tua palavra para não pecar contra ti”.
30 Traço ou construção peculiar a uma determinada língua, que não se encontra na maioria dos outros
idiomas; locução própria de uma língua, cuja tradução literal não faz sentido numa outra língua de
estrutura análoga. Fonte: Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, 2012. (Eletrônico).
A HERMENÊUTICA BÍBLICA
147
1. Após a leitura de parte da obra de Esdras Bentho, indicada como material com-
plementar, de forma resumida, apresente comentário sobre: (1) Escolas Tenden-
ciosas da Interpretação; (2) Hermenêutica Contextual e (3) Hebraísmos.
2. Após a leitura da primeira parte da obra de CARSON, apresentada como material
complementar, de forma resumida, apresente os pontos principais que o autor
aborda sobre as falácias na exegese.
3. Apresente um comentário sobre o texto do Anexo 3.
4. Discorra sobre a exegese, como ferramenta importante na interpretação bíblica,
e sobre eisegese.
IV
UNIDADE
O TEXTO BÍBLICO
Objetivos de Aprendizagem
■■ Analisar as questões do texto e perspectiva literária.
■■ Verificar os gêneros literários da Bíblia (gêneros menores e figuras de
linguagem).
■■ Analisar a delimitação de um texto bíblico.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ O texto, perspectiva literária
■■ Gêneros literários da Bíblia
■■ Gêneros literários menores
■■ Figuras de linguagem
■■ Delimitação de um texto bíblico
■■ Hebraísmos
■■ Observações gerais sobre a linguagem bíblica
151
“Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repre-
ensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem
de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra”. (II Ti-
móteo 3.16,17)
Texto é uma palavra que vem do latim textus que traz a ideia de ‘tecido’, ‘trama’. É
um conjunto de palavras escritas, seja em livro, folheto, documento, fragmento
da obra de um autor. Em nosso caso aqui, passagem bíblica que se lê, estuda e
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Conforme esses vários fatores estejam mais ou menos presentes, o texto pode
ter maior ou menor grau de coerência.1
Entendemos importante apresentar uma unidade neste material sobre a ques-
tão do texto. Para isso, recorremos a Silva (2000, p. 24,25), como segue:
Outra das qualidades do texto é sua delimitação. Em linguagem mais colo-
quial, dizemos que um texto precisa ter “começo, meio e fim”2. A ciência bíblica
1 SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 24.
2 Um dos passos mais importantes no trabalho de interpretação de um texto é recortá-lo. O recorte,
chamamos de perícope, que significa: passagem da Bíblia utilizada para leitura durante culto ou sermão,
ou trecho que se separa para estudos e este deve ter começo, meio e fim.
utiliza um termo técnico para designar uma unidade literária que preenche tais
requisitos: perícope. Várias perícopes formam um texto mais complexo, e assim
por diante, até compor um livro.
Nenhum texto é uma entidade isolada, mas se insere no amplo contexto do
processo de comunicação linguística. Em um processo carregado de deturpações,
a saber, o autor percebe a realidade de modo parcial e para traduzir e transmitir
tal percepção parcial da realidade está condicionado à língua que fala, à cultura
em que vive, aos meios materiais (pinturas rupestres, escrita, rádio, jornal etc.)
e simbólicos da comunicação.
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Por fim, todo texto é construído sobre um sistema sígnico determinado.
Autor e leitor devem ter um sistema sígnico comum, para que o processo comu-
nicativo aconteça. No caso da Bíblia, é mister levar em consideração as distâncias
entre autor e leitor: tempo, espaço, cultura, língua etc.
A Produção do texto: quando o autor decide produzir um texto, de sua parte,
ocorrem os seguintes fatores:
a. A ideia ou o aspecto dela que ele quer transmitir;
b. Suas fontes (orais ou escritas);
c. O material simbólico que está disponível em sua cultura e em sua língua;
d. A ideia que ele faz do leitor a quem escreve;
e. O efeito que quer produzir no leitor.
Mas imediatamente após sair das mãos do autor, o texto torna-se autônomo, tem
vida própria. Mesmo que, a princípio, possamos consultar o autor e perguntar
a ele o que de fato tinha em mente ao escrever, à medida dele se distanciar no
tempo e no espaço, não podemos mais consultá-lo e resta-nos apenas o texto
que produziu. A comunicação, portanto, torna-se unilateral.
Eis o que acontece com a Sagrada Escritura. E tendo em vista que a comuni-
cação entre autor bíblico e seu leitor baseia-se somente no texto e não em dados
extratextuais, a compreensão do escrito, por parte do leitor, deve levar em con-
sideração que:
a. O autor e o leitor pertencem a mundo e culturas diferentes: os signos e as
categorias do primeiro nem sempre são naturais ao segundo;
O TEXTO BÍBLICO
153
3 SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 24,25.
Temos também o texto de Rodrigues (2004, p. 16, 17) que nos fala desse tema:
Um único livro, formado de muitos livros, com tantas histórias: assim é a Bíblia.
É, sobretudo, o registro da experiência de um povo com seu Deus.4
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vida e fé, tecidas como fios em diversos tipos de trama. Assim são os textos
da Bíblia: tecidos variados na cor, na trama e no fio a nos oferecer tantas
mensagens de fé e vida.
Fonte: RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente –
as formas literárias na Bíblia. São Paulo: Paulus, 2004. p. 9
4 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 16, 17
5 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 20
O TEXTO BÍBLICO
155
6 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 21
7 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 24
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
30). O Salmo é a forma, o texto concreto; lamentação, súplica e promessa são os
gêneros ou modelos que estão refletidos ali. Cada um deles expressa sentimen-
tos próprios, respondendo a intenções diferentes. E isso deve ser considerado
quando se toma o texto querendo descobrir seu sentido, sua mensagem. Isso
vale para os textos bíblicos em geral. Você pode estar se perguntando: mas que
importância têm essas reflexões? De que serve pensar em gênero e forma? Não
é muita complicação para pouco resultado? A importância está naquilo que já
foi dito: dependendo dos gêneros que identificamos no texto, faremos esta ou
aquela interpretação, descobriremos este ou aquele sentido.
Rodrigues (2004, p. 25) afirma que, no caso da Bíblia, teremos a oportuni-
dade de verificar que essas questões são da maior importância, inclusive porque
os gêneros mais utilizados naquela época não são necessariamente os que nós
mais usamos. Daí o cuidado que se deve ter na leitura e interpretação dos textos
bíblicos: muitas das dificuldades de compreensão vêm dessas questões ligadas à
forma e ao gênero literário. Por outro lado, a atenção a essa problemática pode
nos levar a perceber aspectos surpreendentes nos textos. Se, por exemplo, vol-
tarmos ao Salmo 22, vamos nos surpreender ao encontrar nele não apenas o
lamento, mas também a confiança e o olhar para dias melhores, tudo fortalecido
pela fé! Por isso, ânimo e coragem no caminho: essas reflexões abrirão pistas na
compreensão dos textos da Bíblia.9
8 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p.
43.
9 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 25
O TEXTO BÍBLICO
157
Explica também Rodrigues (2004, p. 27) que é preciso fazer outra distinção.
A expressão gênero literário pode ser tomada em dois sentidos: em primeiro lugar,
ela indica a característica maior de um texto mais extenso, como um romance
ou um jornal de notícias, é o gênero literário maior; ou então, a expressão pode
designar os diversos tipos de texto que encontramos, por exemplo, dentro de
um jornal: a manchete, o editorial, a reportagem são gêneros literários menores.
Voltando ao exemplo do Salmo 22, ele está inserido num gênero maior: o Saltério,
mas dentro de si traz gêneros menores como lamentação, súplica e promessa.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
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ação do cotidiano, a partir de interesses particulares. A intenção está
relacionada com o objetivo do autor ao escrever seu texto.
4. Função das formas: as formas literárias podem ser usadas de acordo
com as necessidades do leitor. A função da forma está relacionada ao
uso que o leitor faz do texto.
5. Gênero X Forma: o gênero literário é o modelo usado para dar forma a
um texto concreto. Enquanto gênero é um conceito abstrato, a forma é
concreta, está presente e visível nos textos reais.
6. Identificação: podemos identificar um gênero comparando textos en-
tre si. A comparação ajudará a ver as características comuns a ambos e
a identificar o modelo seguido em sua construção.
7. Gêneros misturados: um mesmo texto pode refletir vários gêneros li-
terários. O autor é livre para compor peças literárias a partir de modelos
diferentes, conforme seu estilo e talento.
8. Gênero maior e Gênero menor: os gêneros maiores são indicados
pelo conjunto das características literárias de um texto mais extenso. Os
menores são os modelos mais específicos, que se unem para compor os
modelos maiores.
9. Importância do estudo: há inúmeros gêneros literários na atualidade
e na Bíblia. Conhecê-los ajuda o leitor a compreender em profundidade
a mensagem que o autor intencionava comunicar.
Fonte: RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as for-
mas literárias na Bíblia. São Paulo: Paulus, 2004. p. 29
O TEXTO BÍBLICO
159
Fonte: RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia.
São Paulo: Paulus, 2004. p. 89.
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Gêneros Literários Menores
O TEXTO BÍBLICO
161
fábula, anedota, lenda, saga, novela, parábola, alegoria e mito são apenas alguns
exemplos de gêneros que expressam bem esse tipo de linguagem. História, fic-
ção e realidade misturam-se na linguagem simbólica. A pergunta básica sobre a
verdade dos diversos textos com esse tipo de linguagem não está nos aconteci-
mentos, mas na mensagem profunda que esses acontecimentos, reais ou fictícios,
querem nos transmitir. Todos, de alguma forma, partem da realidade e transmi-
tem significados que estão para além dela. Portanto, o símbolo na Bíblia é um
sinal mais aberto; representa a realidade de maneira a permitir que cada pessoa
a interprete a partir da riqueza de sua própria experiência (obviamente que com
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
10 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 96
pela Figueira e pela Videira. Por fim, todas as árvores se dirigem ao Espinheiro.
Este aceita, mas impõe condições e ameaça às outras árvores.
Na história, as árvores possuem qualidades humanas: organizam-se em
sociedade, pensam, falam, respondem, mas há um elemento, o próprio mundo
vegetal, que serve como costura para a história: os frutos. Enquanto as três pri-
meiras se negam a reinar porque querem continuar produzindo, o espinheiro
não tem nada a oferecer, a não ser sua sombra “acolhedora”.
Dessa maneira, a fábula produz o efeito esperado: questiona os ouvintes de
Joatão sobre as verdadeiras intenções de Abimeleque.
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Podemos resumir assim: a fábula é uma narrativa alegórica em prosa ou verso
que, em geral, tem animais como personagens e uma conclusão de natureza moral.
- Sagas: são ciclos de histórias que contam as origens das tribos que forma-
ram o povo de Israel. Em cada um dos ciclos, há pequenas histórias que primeiro
eram independentes e depois foram “costuradas” para formar um grande painel.
Cada pequena história ou narrativa forma uma pequena perícope ou unidade
independente. Mesmo estando dentro de um ciclo maior, muitas delas têm gêne-
ros literários diferentes.
Em resumo, esses ciclos chamados de sagas são o ajuntamento de muitas
pequenas narrativas independentes, de origens diferentes. O que une as histó-
rias num só conjunto é a personagem principal.
Saga foi assim denominada pelo biblista Hermann Gunkel, que recorreu a
um termo próprio das literaturas escandinavas medievais, uma narração bíblica
centrada num personagem, num lugar, num patriarca etc., que tem como objetivo
não o fornecimento de informações históricas, mas a justificação de um uso, de
uma situação, de um rito, de um santuário. Assim, por exemplo, a saga da Torre
de Babel quer explicar a pluralidade das línguas (Gênesis 11); a da destruição de
Sodoma (Gênesis 19), a passagem espetacular do mar Morto.
- Novela: outro estilo de escrita que aparece na Bíblia, por exemplo, a histó-
ria de José, diferente da saga, a narrativa desse personagem forma uma unidade
sozinha. Não dá para tirar uma parte sem perder o sentido total. É uma única
história, mais longa e mais bem elaborada que a saga. A novela traz algumas
partes importantes: introdução, conflito, desenvolvimento da trama, o clímax
e a conclusão.
O TEXTO BÍBLICO
163
José é uma história real, mas, escrita como novela, ganha ares de ficção, como
um belo romance ou um conto cheio de emoções. Sua intenção não é transmitir
eventos históricos, mas instruir, sugerir, envolver, emocionar para fazer refletir
sobre as surpresas que a vida nos faz.11
- Alegoria: linguagem que ajuda a contar o enredo por meio de figuras. A
Bíblia também se utiliza dessa linguagem, exemplo disso, temos Isaías 5.1-7, onde
há um lindo cântico: o amado tinha uma vinha e a tratava com todo cuidado,
mas a vinha só produziu uvas podres. O profeta, para deixar clara sua mensagem,
usa da alegoria: o amado é Deus e a vinha que produz uvas podres é a dinastia
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
real de Judá. Grande parte dos sonhos que aparecem na Bíblia é interpretada de
forma alegórica, isto é, cada elemento do sonho representa algo ou um acon-
tecimento. Na alegoria, o significado está fora do objeto, como porta que só se
abre com a chave correta.12
Surgida na escola exegética de Alexandria por influência helenística e tida
como elemento de capital importância na leitura bíblica até os tempos modernos,
a alegoria descobriu no Antigo Testamento toda uma série de figuras ou “tipos”
(tipologia) do Novo Testamento, considerados, consequentemente, seu cumpri-
mento e sua revelação. O maior representante do método alegórico é Orígenes.
A exegese hebraica recorre a uma alegoria menos generalizada, usando-a exclu-
sivamente para o Cântico dos cânticos.13
Devemos ter certo cuidado com a alegoria, não convém confundir a inter-
pretação (alegoria) com a história em si, pois isso faz perder a mensagem que
a história queria transmitir originalmente. A alegoria, muitas vezes, torna-se
‘camisa de força’ que tira a riqueza de sentidos possíveis da história ou parábola.14
- Etiologia: significa o estudo de causas e origens das coisas. É um gênero
literário cuja intenção é explorar os acontecimentos que deram origem aos nomes
de grandes heróis, dos lugares e dos ritos mais importantes na vida do povo. Sua
11 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 101.
12 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 102
13 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p.
17.
14 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 112
função é mostrar que essas realidades ligadas à religião têm origem sagrada, isto
é, vêm de Deus. Sua lógica é a da linguagem simbólica e da ficção, misturando
elementos da realidade histórica com a capacidade da imaginação criadora.15
Narração de um acontecimento com o qual se pretende apresentar a causa
(em grego, aitía, desta provém etio) ou a explicação de um uso, de um rito, de
um nome ou de um topônimo, do qual não mais se sabe a origem. Explicações
etiológicas são frequentes na Bíblia hebraica: tome-se, a título de exemplo, o
que se diz a respeito da proibição de comer o nervo ciático, em Gênesis 32. 33.16
- Mito: gênero literário que consiste na interpretação, em forma narrativa
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
e simbólica, de eventos meta-históricos, situações existenciais ou fenômenos
naturais. A Bíblia apresenta diversos exemplos, frequentemente comuns a outras
culturas do Antigo Testamento, desde a assim chamada história primordial
bíblica (criação, queda, dilúvio, Torre de Babel – Genesis 1-11) até as narrações
da infância nos Evangelhos de Mateus e Lucas. O mito, que não deve ser con-
fundido com a mitologia ou com as aventuras de deuses e heróis, representa um
momento da problemática religiosa que nunca foi completamente superado.17
Mito é uma criação da imaginação humana para satisfazer a necessidade
de explicar os mistérios mais profundos da vida. O princípio fundante de uma
crença. Há algumas outras definições sobre mito, vejamos algumas:
- O romeno Mircea Eliade, grande historiador e mitólogo, escreve:
A definição que a mim, pessoalmente me parece a menos perfeita, por
ser a mais ampla, é a seguinte: o mito conta uma história sagrada; ele
relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabu-
loso do “princípio”.18
15 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 104
16 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000.
p. 39.
17 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000.
p. 61.
18 ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972. p. 183
O TEXTO BÍBLICO
165
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
pesar deixa de ser considerado verdade. Realmente, para quem pensa assim, o
mito é falso. Entretanto, a intenção do mito não é reproduzir a realidade; o que
ele quer, é exatamente ultrapassar a realidade que se vê e conduzir o leitor, por
intermédio de seu enredo, a uma mensagem que o ajude a desvendar os segre-
dos da vida.23
- Cosmogonia: é um tipo de mito que pretende explicar a origem do mundo.
Não é qualquer explicação. O mito cosmogônico que lemos em Gênesis 1.1-2,4
não pretende ser uma informação filosófica ou científica sobre o surgimento do
universo. Isso significa que as coisas não aconteceram exatamente como ali estão
relatadas. Aliás, no caso de Gênesis 1.1-2,4, estamos lidando com um texto do
século VI a.C., muito distante, portanto, das compreensões científicas atuais sobre
as origens do mundo. O objetivo maior da cosmogonia bíblica não é informar,
mas, sim, formar e educar seus leitores para um grande amadurecimento da fé.
Temos, neste texto, uma grande cosmogonia que funda a ordem cósmica com
base na gratuidade e bondade da vontade (Gênesis 1.31). Temos ali mais do que
informação, uma verdadeira confissão de fé em Deus como criador do mundo.
O sol, a lua e as estrelas não são deuses, como propunha a mitologia babilônica.
Ao contrário, eles são criaturas de Deus e estão sob seu poder, assim como tudo
o que existe, seja no céu ou na terra. Deus é o único Senhor das coisas, do tempo
O TEXTO BÍBLICO
167
e do espaço. Como criador de tudo, nada do que fez pode trazer o medo e o ter-
ror que algumas cosmogonias babilônicas impunham ao povo. As cosmogonias
da Bíblia não são todas iguais. Compare Gênesis 1.1-2,4 com Gênesis 2.4-25 e
note como eles descrevem de modo bem diverso as origens do mundo.
Além de mostrar a origem do mundo como obra divina, as cosmogonias
querem indicar nosso lugar na ordem criada. Nos dois diferentes relatos cosmo-
gônicos de Gênesis, há a indicação das tarefas e responsabilidades que mulher e
homem devem assumir diante da criação (1.27, 29 e 2.7 e 15-25). Por isso, toda
cosmogonia é uma antropogonia (relato das origens do ser humano), pois revela
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24 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 107
O essencial nos símbolos usados pelas teofanias é o mistério. Qualquer que seja o
modo da manifestação, nenhum esgota a plenitude do ser de Deus. Isso significa
que nenhuma teofania representa absolutamente o modo como Deus realmente
é, mas apenas o modo como Ele, naquele momento, quis se manifestar.25
Além de gênero literário, é também compreendido como manifestação de
Deus em algum lugar, acontecimento ou pessoa. É uma figura da encarnação
do Senhor.
- Provérbio: típico da cultura oriental, resume em poucas palavras uma ver-
dade profunda, aprendida mediante erros e tropeços. Ninguém aprende esse tipo
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de sabedoria quando faz tudo certo, ou quando fica parado. Só experimentando,
errando e, às vezes, acertando é que se descobrem os segredos que regem a vida
e as relações pessoais. A Bíblia traz muitos ensinamentos, porém nem todos que
nascem da observação da vida são tão sucintos como os provérbios. Na tradição
hebraica, esse tipo de texto é chamado de mashal.
Mashal, texto de sabedoria e dependendo da forma como é encontrado pode
ser traduzido como provérbio, refrão, fábula, parábola, canção, trovinha, sátira,
enigma, poema numérico. Todas essas formas têm em comum o fato de refleti-
rem a observação da realidade, e também o estilo, pois são concisos, objetivos,
usam linguagem figurada e, acima de tudo, pretendem levar o leitor/ouvinte a
refletir profundamente sobre o que vivem e pensam.
Provérbio tem esta característica, sentenças fortes que resumem um assunto
complexo e, às vezes, polêmico, numa única frase. Geralmente é composto de
duas partes paralelas: uma complementa ou serve de contraponto à outra. É
indispensável, na compreensão do provérbio, prestar atenção no jogo que existe
entre as duas partes. É dali que vem toda a riqueza do texto.26
25 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 108
26 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 110
O TEXTO BÍBLICO
169
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sua origem era acompanhado de instrumentos musicais, como uma canção popu-
lar. Na Bíblia, encontramos muitos poemas didáticos. Eles nasceram como forma
de educação popular: eram usados para chamar o povo à reflexão sobre a vida e
seus desafios. Em seu desenvolvimento, o poema desafia os ouvintes a refletir e
podemos observar palavras e expressões ligadas ao tema sabedoria (sabedoria,
inteligência, provérbio, enigma) e, a seguir, vem uma série de observações sobre
fatos concretos da vida e da morte: rico e pobre, sábio e insensato etc.
O poema didático é, pois, um texto que nasce da observação profunda da
realidade, e é construído de forma a ser decorado, cantado, meditado, guar-
dado no coração e na memória para as horas em que é necessário dar sentido
aos acontecimentos da vida.27
- Poemas de amor: a Bíblia canta o amor e a relação de fogo e ternura entre
homem e mulher. Em geral, os poemas bíblicos de amor (ou poemas eróticos, pois
falam de eros, amor apaixonado) são ricos em linguagem simbólica. Recorrem
a descrições ousadas dos corpos humanos, comparando-os com elementos da
natureza, da arquitetura, das artes. Falam das carícias e dos movimentos do amor
por meio de figuras de linguagem, principalmente metáfora, que é a compara-
ção direta entre duas realidades distintas. Um exemplo mais contundente desse
tipo de poema temos em Cântico dos Cânticos ou Cantares de Salomão, onde há
diversos poemas sobre os encantos da sedução, a beleza da mulher e do homem,
as delícias do amor. Em seus poemas, o Cântico canta principalmente a beleza
27 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 113,114
O TEXTO BÍBLICO
171
- Sátira: achamos a Bíblia tão séria que não entendemos quando ela sorri para
nós ou ri de nós! Entre as formas que os autores bíblicos utilizaram para trans-
mitir suas mensagens está a sátira: apresenta-se um fato ou uma personagem de
forma irônica, ou seja, elogia-se para, na verdade, zombar. A ironia mostra como
toda forma de poder, de opressão, de domínio não é compactuada por Deus. Ele
reduz a nada o poder dos poderosos. Para entender melhor a ironia presente nos
28 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 115
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é melhor deixá-lo assim! E os textos que estamos considerando (mal compre-
endidos) se tornam um convite à passividade, ao conformismo. Proclamando
felizes aquelas pessoas desprezadas pela sociedade, as bem-aventuranças ques-
tionam os critérios que organizam a vida em comum. São textos que andam na
contramão, que ensinam outros caminhos para a convivência! O segundo ponto
diz respeito ao que uma bem-aventurança pretende.
A palavrinha hebraica que as Bíblias traduzem por “feliz” ou “bem-aven-
turado” significa mais do que isso. Ela é uma espécie de convocação para agir.
Assim, quando o texto do Salmo 1 diz: “Feliz o homem que não vai ao conselho
dos injustos”, quem ouve ou lê essas palavras é desafiado a agir de acordo com
elas. As Bem-aventuranças do Evangelho de Mateus (5.3-12), por exemplo, são
convocações aos pobres, aos que têm fome e sede de justiça, aos que lutam pela
paz, para agir na certeza de que a partir deles o Reino anunciado por Jesus será
construído!
Mas temos também os “ais”. No Evangelho de Lucas há quatro “ais” que seguem
a estrutura das bem-aventuranças (6.20-26). Se felizes são os pobres, ai dos ricos,
e assim por diante. Mas também os “ais” se encontram em muitos outros tex-
tos da Bíblia. Parece que esse jeito de falar vem dos velórios, quando se chora a
morte de uma pessoa querida. Os profetas tomaram essa forma e a aplicaram a
suas denúncias contra os exploradores do povo (Isaías 5.8-24; Miquéias 2.1-5).
No Novo Testamento é principalmente esse o sentido dos “ais”: não se trata de
29 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 116,117
O TEXTO BÍBLICO
173
30 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São Paulo: Paulus,
2004. p. 118
31 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São Paulo: Paulus,
2004. p. 161
32 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 20.
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Fonte: VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica.
São Paulo: Paulinas, 2000. p. 68.
O TEXTO BÍBLICO
177
Figuras de Linguagem
De comparação Símile
Metáfora
De dicção Pleonasmo
Hipérbole
De relação Sinédoque
Metonímia
De contraste Ironia
Parábola
Litote
Eufemismo
Figuras de Linguagem
IV
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mente o texto muitas vezes, é preciso mostrar o que é que se deve observar nele.
A sensibilidade não é um dom inato, mas algo que se cultiva e se desenvolve.
Atualmente, os estudiosos da linguagem estão começando a desenvolver uma
série de teorias do discurso, em que se mostra que existe uma gramática que
preside à construção do texto. Assim como ensinamos aos alunos, por exemplo,
a coordenação e a subordinação como processos e estruturação do período, é
preciso ensinar-lhes a gramática do discurso para que eles possam, com mais
eficácia, interpretar e redigir textos. O texto pode ser abordado de dois pontos
de vista complementares. De um lado, podem-se analisar os mecanismos sin-
táxicos e semânticos responsáveis pela produção do sentido; de outro, pode-se
compreender o discurso como objeto cultural, produzindo a partir de certas con-
dicionantes históricas, em relação dialógica com outros textos.33
33 FIORIN, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso. 12. ed. São Paulo: Contexto, 2004. p. 9,10.
O TEXTO BÍBLICO
179
forma, recortar e retirar o texto de seu contexto maior. Quando isso não é feito de
forma adequada, facilmente perdemos o sentido. É como interromper a fala de
alguém pela metade e interpretá-la sem que a pessoa possa completar o raciocínio.
A distorção acontece toda vez que lemos um texto pela metade ou emprega-
mos uma frase solta da Bíblia fora de seu contexto. O mal-entendido só se desfaz
quando o discurso é delimitado corretamente em sua totalidade, do começo ao fim.
Um texto com começo, meio e fim constitui uma unidade que pode ser enten-
dida por si mesma, sem recorrer a outros textos, por isso é chamado de perícope
(que quer dizer cortar em volta de).
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O estudo de uma perícope passa pela identificação dos três elementos bási-
cos de sua composição: a introdução, o desenvolvimento e a conclusão.34
34 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 33
Hebraísmos
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familiares à cultura hebraica de então, desconhecida do exegeta, e que não podem
ser determinados a priori, mas somente através de um estudo consciencioso.
Geralmente as estruturas linguísticas chamadas de hebraísmos são aplicadas a
um comportamento social, que por suas características culturais não são per-
ceptíveis ao leitor moderno.37
Para a apresentação deste tópico, recorremos à obra Hermenêutica – princípios
de interpretação das Sagradas Escrituras de Eric Lund & P. C. Nelson, como segue:
Lund & Nelson (2006, p. 143) entendem por hebraísmos certas expressões e
construções peculiares do idioma hebreu que ocorrem em nossas traduções da
Bíblia, escrita originalmente em hebraico e grego (koiné). Entre os hebreus, era
costume chamar uma pessoa de filho fazendo referência àquilo que a caracteri-
zava de modo especial, tanto assim, que o pacífico e bem disposto era chamado
filho da paz (Lucas 10.6); o iluminado e entendido, filho da luz (Efésios 5.8); os
desobedientes, filhos da desobediência (Efésios 2.2). As comparações, às vezes,
eram expressas mediante negações, como ao dizer Jesus: “Qualquer que me rece-
ber, não recebe a mim, mas ao que me enviou” (Marcos 9.37), o que equivale à
maneira nossa de dizer: o que me recebe não recebe tanto a mim quanto ao que
me enviou, ou não somente a mim, mas também ao que me enviou. Devemos
35 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 209
36 Idiotismo: traço ou construção peculiar a uma determinada língua, que não se encontra na maioria
dos outros idiomas; locução própria de uma língua, cuja tradução literal não faz sentido em uma outra
língua de estrutura análoga, geralmente por ter um significado não dedutível da simples combinação dos
significados dos elementos que a constituem. Fonte: Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, 2012.
(eletrônico).
37 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 211
O TEXTO BÍBLICO
181
de uma coisa a outra. Tanto é assim que, por exemplo, ao lermos: “Amei a Jacó,
e aborreci a Esaú” (Romanos 9.13), devemos compreender: preferi Jacó a Esaú.
Os hebreus, apesar de se referirem tão somente a uma pessoa ou coisa, às
vezes mencionavam diversas pessoas a fim de indicar desse modo sua existência
e relação com a pessoa ou coisa a que se referiam. Por exemplo, em Gênesis 8.4
– “A arca pousou nas montanhas do Ararate”, equivale a dizer que a arca pousou
sobre uma das montanhas de Ararate. Do mesmo modo, ao lermos em Mateus
24.1 – “[...] seus discípulos aproximaram-se dele para lhe mostrar as construções
do templo”, sabemos que um deles (como intérprete do sentimento dos demais)
lhe mostrou os edifícios do templo.
Com frequência, os hebreus usavam o nome dos pais para indicar seus
descendentes, como em Gênesis 9.25 – “Maldita seja Canaã”, em lugar de “des-
cendentes de Canaã”, com exceção, é claro, dos justos entre seus descendentes.
Muitas vezes, usa-se também o nome de Jacó ou Israel para designar os israeli-
tas, isto é, os descendentes de Israel (Gênesis 49.7; Salmo 14.7; I Reis 18.17,18).
A palavra “filho”, como em quase todos os idiomas, é usada para designar um
descendente mais ou menos remoto. Tanto é assim que, por exemplo, os sacer-
dotes são chamados de filhos de Levi. Já Mefibosete é chamado filho de Saul,
embora de fato fosse seu neto. E assim como se usa “filho” para designar um
descendente qualquer, do mesmo modo a palavra “pai” é, às vezes, para indi-
car um ascendente qualquer. Outras vezes, “irmão” também é usado quando
se trata somente de um parentesco mais ou menos próximo. Desse modo, por
exemplo, Ló é chamado irmão de Abraão, embora fosse, na verdade, seu sobri-
nho (Gênesis 14.12-16). Além dos hebraísmos já citados, a linguagem bíblica
Hebraísmos
IV
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II Reis 8.9, em que sabemos que Hazael levou consigo um presente carregado
por quarenta camelos, com bens de Damasco, a Eliseu. Talvez esse também seja
o significado do que lemos em Ezequiel 29.11-13. “Sete” e “setenta” são usados
para expressar um número grande e completo, ainda que indeterminado (veja,
por exemplo, Provérbios 26.16,25; Salmo 119:164 e Levítico 26.24). A ordem de
perdoar até setenta vezes sete é para que compreendamos que, se o irmão se arre-
pende, devemos sempre conceder-lhe o perdão (Mateus 18.22). É provável que
os sete demônios expulsos de Maria Madalena indiquem seu extremado sofri-
mento e ao mesmo tempo a grande maldade deles (Marcos 16.9).
Outras vezes são usados nas Escrituras números exatos para expressar quan-
tidades inexatas. Por exemplo, em Juízes 11.26, vemos a indicação do número
redondo “300” no lugar de 293 (ver também Juízes 20.35,46). Também ocorre
o uso peculiar de palavras que expressam ação, em que às vezes se diz que uma
pessoa faz determinada coisa quando somente a declara feita, quando profetiza
que se fará, supõe que se fará ou a considera feita; outras vezes, manda-se tam-
bém fazer uma coisa quando apenas se permite que se faça. Por exemplo, em
Levítico 13.13, quando originalmente se diz que o sacerdote limpa o leproso,
isso quer dizer apenas que ele o declara limpo. Em II Coríntios 3.6, lemos: “[...]
a letra (quer dizer, a Lei) mata”, quando na realidade se está declarando apenas
que o transgressor deve morrer.
Em João 4.1, lê-se que Jesus batizava mais discípulos do que João (Batista),
quando sabemos que ele apenas ordenava que eles fossem batizados, pois, em
seguida, lemos: “[...] embora não fosse Jesus quem batizasse, mas os seus discípu-
los” (verso 2). Também lemos, em Atos 1.16-19, que Judas “adquiriu um campo
com a recompensa da iniquidade”, embora isso só fosse procedente dele, já que
O TEXTO BÍBLICO
183
entregara aos sacerdotes o dinheiro com que estes compraram o referido campo,
o que fica evidente em Mateus 27.4-10.
Desse modo, também compreendemos em que sentido consta que “o Senhor
endureceu o coração do faraó” (Êxodo 9.12), ao mesmo tempo em que lemos que
o próprio faraó endureceu seu coração (Êxodo 8.15). Ou seja: Deus foi causa do
endurecimento do coração do faraó, oferecendo-lhe misericórdia com a condição
de ser obediente, porém ele resistiu à bondade oferecida por Deus (ver também
Romanos 9.17, 18). Como prova de que o idioma hebraico expressa em forma
de mandamento positivo algo que não implica mais do que simples permissão
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(nem sequer consentimento) para fazer algo, leia o que Deus diz em Ezequiel
20.39: “Vão prestar culto a seus ídolos, cada um de vocês!”; linhas adiante, com-
preende-se que o Senhor não aprovava tal conduta. O mesmo ocorre no caso
em que Deus diz a Balaão: “Visto que esses homens [conselheiros do malvado
Balaque] vieram chamá-lo, vá com eles, mas faça apenas o que eu lhe disser”
(Números 22.20); aqui o contexto nos diz que aquilo não era mais do que uma
simples permissão de ir e fazer um mal que Deus absolutamente não queria que
o profeta fizesse. Acontece algo semelhante nestas palavras que Jesus diz a Judas:
“O que você está para fazer, faça depressa” (João 13.27).
Na tarefa de interpretar as palavras das Escrituras, é preciso também levar
em consideração uma característica muito peculiar no uso dos nomes próprios:
às vezes, designam-se pessoas diferentes com um mesmo nome, lugares diferen-
tes com um mesmo nome e uma mesma pessoa com nomes diferentes.
■■ Pessoas diferentes designadas com um mesmo nome – a palavra “faraó”,
que significa regente, era o nome comum de todos os reis do Egito, desde
o tempo de Abraão até a invasão dos persas, sendo mais tarde o nome de
faraó alterado para Ptolomeu. Já Abimeleque, que significa “meu pai e rei”,
parece ter sido o nome comum dos reis filisteus. Da mesma maneira, temos
Agague, dos amalequitas; Ben-Hadade, dos sírios; e César, dos impera-
dores romanos.38 No Novo Testamento, acham-se diferentes pessoas com
o mesmo nome de Herodes. Chamado na história secular de Herodes, o
Grande, foi ele quem, sendo já velho, matou (mandou matar) as crianças
38 César Augusto, que governava quando do nascimento de Jesus (Lucas 2.1), era o segundo que levava
esse nome. O César que reinava quando Jesus foi crucificado era Tibério. O imperador para quem Paulo
apelou, o qual era tanto chamado de Augusto quanto de César, era Nero (Atos 25.21). Os reis egípcios e
filisteus parecem ter tido um nome próprio, além do comum, como os romanos. Assim, encontramos, por
exemplo, o registro do faraó Neco, do faraó Ofra e de Abimeleque Aquis (I Samuel 21.11).
Hebraísmos
IV
em Belém. Uma vez morto esse monarca, a metade de seu reino, Judeia e
Samaria inclusive, foi dada a seu filho Arquelau (Mateus 2.22), enquanto
a maior parte da Galileia foi destinada a seu filho Herodes, o Tetrarca, o
rei citado em Lucas 3.1; já outras partes da Síria e Galileia ficaram com
seu terceiro filho, Filipe Herodes. Foi Herodes, o Tetrarca, quem decapi-
tou João Batista (Mateus 15.9,10). Também outro rei Herodes, o neto do
cruel Herodes, o Grande, mandou matar o apóstolo Tiago (Atos 12.1,2)
e, em seguida, morreu abandonado em Cesareia. Foi diante de Herodes
Agripa, filho do assassino de Tiago, que Festo fez Paulo comparecer (Atos
25.22,23). O caráter desse rei era muito diferente do de seu pai, e é impor-
tante não confundi-los para a correta compreensão da História.
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■■ Lugares diferentes designados com um mesmo nome – um exemplo são
as duas cidades com o nome de Cesareia: na Galileia, a Cesareia de Filipe;
e na costa do Mediterrâneo, a Cesareia, conhecida por ser um porto marí-
timo e ponto de partida para os viajantes que saíam da Judeia em direção
a Roma, sendo citada constantemente no livro de Atos dos Apóstolos.
Igualmente são mencionadas duas Antioquias: a da Síria, onde Paulo e
Barnabé iniciaram a obra missionária e onde os discípulos, pela primeira
vez, foram chamados de cristãos; e a Pisídia, cuja referência achamos em
Atos 13.14 e em II Timóteo 3.11.
■■ Da mesma maneira, existem vários lugares chamados de Mispá no Antigo
Testamento, como o de Galeede, de Moabe, de Gibeá e o de Judá (Gênesis
31.47-49; I Samuel 22.3; 7.11; Josué 15.38).
■■ Um mesmo nome que designa tanto uma pessoa quanto um lugar – por
exemplo, Magogue representa o nome de um filho de Jafé, bem como o de
um país ocupado por um povo chamado Gogue (Ezequiel 38.3; Apocalipse
20.8), provavelmente os antigos citas, conhecidos hoje por tártaros, dos
quais descendem os turcos.
■■ Uma mesma pessoa e um mesmo lugar designados com nomes dife-
rentes – Horebe e Sinai são nomes de diferentes picos de uma mesma
montanha, contudo, às vezes um ou outro deles designa a montanha
inteira. Antigamente, o lago de Genesaré (Lucas 5.1) se chamava mar de
Quinerete, depois passou a se chamar mar da Galileia (Mateus 4.18) ou
mar de Tiberíades (João 21.1).
O TEXTO BÍBLICO
185
(Isaías 66.19; Zacarias 9.13; Daniel 8.21); Egito às vezes se chama Cam (Salmo
78.51), e outras Raabe (Isaías 51.9). Algumas vezes, o mar Morto recebe o nome
de mar da planície (II Reis 14.25) por ocupar a planície onde estavam as cidades
de Sodoma e Gomorra; mar do Leste (Zacarias 14.8), em razão de sua posição
para o oriente (leste), contando desde Jerusalém; e ainda mar Salgado (Gênesis
14.3; Josué 12.3). O Nilo chama-se Sibor, porém com mais frequência o Rio,
nomes esses que também, às vezes, outros rios (Naum 3.8). O Mediterrâneo
tem o nome de mar dos filisteus (Êxodo 23.31), povo que vivia em seu litoral;
outras vezes, mar Ocidental (Deuteronômio 11.24) e com mais frequência, mar
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39 LUND, Eric. Hermenêutica – princípios de interpretação das Sagradas Escrituras. E. Lund, P. C. Nelson.
Tradução Etuvino Adiers. 2. ed. São Paulo: Editora Vida, 2006. p. 143-154.
40 Sincronia é o estudo da linguagem sem levar em consideração sua evolução histórica (diacronia),
Hebraísmos
IV
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
direito legal sobre alguma coisa. Quando o remidor não desejava adquirir aquilo
que estivesse em permuta, dava (passava) o direito ao parente que estivesse na
vez, após ele. O ato era oficializado quando o remidor tirava o sapato e entregava
ao parente mais próximo. Isso era símbolo de que ele estava passando a outrem o
direito sobre aquela propriedade (Deuteronômio 25.5-11, sobre a lei do levirato42).
Além disso, devemos acrescentar que o pé, para os antigos hebreus, era símbolo
de poder (Salmo 36.11). O símbolo deriva-se do ato de o vencedor colocar o pé
na nuca do vencido (Josué 10.24; Salmo 110.1). Daí, “lançar a sandália” é uma
extensão do hebraísmo “pé” que conotava o poder e domínio sobre alguma coisa.
2) Hebraísmo de felicidade e suficiência: “A minha alma se farta, como de
tutano e de gordura; e a minha boca te louva com alegres lábios” (Salmo 63.5).
A escolha desse texto justifica-se porque ele descreve dois aspectos do mesmo
hebraísmo: suficiência e sentimento. Já em Gênesis 41, aprendemos que as vacas
gordas representam prosperidade, suficiência, abundância e, consequentemente,
a felicidade (versos 26, 29), enquanto as magras, necessidade, escassez, fome
e tristeza (versos 27, 30). Imagens como essas eram frequentes no Crescente
Fértil. No que diz respeito ao aspecto sentimental, a gordura era considerada
pelos judeus de então a sede dos sentimentos por estar intrinsecamente relacio-
nada às entranhas, enquanto o sangue, com a sede de vida. Daí, usar-se quase
sempre no cerimonialismo levítico a junção entre sangue e gordura. Enquanto
considerando, portanto, o mecanismo pelo qual uma língua funciona num dado momento. Fonte:
Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, 2012. (Eletrônico).
41 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 210
42 Costume observado entre alguns povos primitivos, que obrigava um homem a casar-se com a viúva de
seu irmão quando este não deixava descendência masculina (o filho desse casamento era considerado
descendente do falecido). Este costume é mencionado no Antigo Testamento como uma das leis de
Moisés. Fonte: Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, 2012. (eletrônico).
O TEXTO BÍBLICO
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Hebraísmos
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Assim, usaram constantemente exemplos extraídos dos hábitos dos animais, da
praticidade da vida cotidiana e assim por diante. É sob essa ótica que devemos
entender os hebraísmos que conotavam força e poder. Esses conceitos eram
expressos pelos termos rochedo, lugar forte, escudo, chifre.
Salmo 18.2 – “O Senhor é o meu rochedo, e o meu lugar forte, e o meu liber-
tador; o meu Deus, a minha fortaleza, em quem confio; meu escudo, a força
(literalmente chifre) da minha salvação e o meu refúgio”.
Bentho (2003, p. 218) recomenda que seja com compenetração e empatia que
nossos olhos devem voltar-se para o texto sagrado. Conhecer as nuanças cultu-
rais e a variedade de expressões retiradas do cenário da criação torna a empresa
O TEXTO BÍBLICO
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Hebraísmos
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Fonte: ELWELL, Walter A. (ed.). Enciclopédia histórico-teológica da Igreja Cristã.
São Paulo: Vida Nova, 2008. p. 535
43 Antítipo: termo característico do estudo do sentido típico é o antítipo, que representa ou corresponde
a um modelo. O sentido típico ou a tipologia pode ser definido como o estabelecimento de conexões
históricas entre determinados atos, pessoas ou coisas (tipos) do Antigo Testamento e pessoas ou objetos
do Novo Testamento (antítipos).
Fonte: BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 232
O TEXTO BÍBLICO
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Bentho (2003 p. 220) afirma sobre a interpretação dos símbolos que tanto os
símbolos quanto os tipos devem ser interpretados dentro de seu contexto de ori-
gem, respeitando o sentido intencionado pelo autor, além, é claro, de respeitar as
diversas significações que um mesmo símbolo pode possuir em diferentes épo-
cas, e inseridos no escrito de um mesmo autor sacro. Deve-se, portanto:
1. Considerar os diversos contextos em que o símbolo é usado, antes de afir-
mar que este ou aquele sentido é o pretendido pelo autor.
Outros fatores que devem ser considerados ao interpretar um símbolo
são a situação vivencial do escritor, sua perspectiva histórica, o essen-
cial de sua mensagem e o significado claro do mesmo símbolo usados
em outras passagens do livro.45
44 Mais sobre tipos e antítipos, consultar: BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada.
Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 232-235.
45 MARTÍNEZ, José M. Hermenêutica Bíblica. ViladeCavalls/Barcelona/Espanã, 1984. p. 182
Hebraísmos
IV
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
1. Descobrir o sentido literal do tipo. Bentho (2003, p. 235) aponta que
aspecto fundamental na interpretação dos tipos é a apuração do sentido
literal do texto. A exegese deve proceder qualquer afirmação dogmática
ou heurística. Ao fazer o confronto entre os dois termos do sentido típico,
é necessário restringir estritamente ao ponto intencionado por Deus, para
evitar que se entre em detalhes estranhos à tipologia, ainda que pareça
haver algum fundamento analógico.
2. Explica também Bentho que se faz necessário reparar no ponto ou nos
pontos de correspondência adequadamente a fim de não atribuir ao tipo
mais do que realmente prefigura.
3. Reparar nos elementos de contraste ou de diferenças para evitar carac-
terizá-los como aspectos do tipo.
4. Atentar para as afirmações explícitas no Novo Testamento que atestem
a correspondência tipológica.
5. O tipo deve possuir fundamento histórico: afirma Bentho (2003, p. 236)
que essa norma possibilitará decidir nos casos aparentes e duvidosos: se
a relação que se acredita encontrar destrói o sentido histórico, a tipolo-
gia certamente não existe; se o respeita, é possível que exista.46
46 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 235,236
O TEXTO BÍBLICO
193
Segundo Lund (2012. p. 25), de acordo com o testemunho das próprias Escrituras,
elas foram divinamente inspiradas. A Bíblia é “útil para ensino, para a repreen-
são, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem de Deus seja
apto e plenamente preparado para toda boa obra” (II Timóteo 3.16, 17). Em uma
palavra, a Escritura tem por objetivo tornar o homem “sábio” para a salvação
mediante a fé em Cristo Jesus (II Timóteo 3.15).
Por isso esperamos, com razão, que a Bíblia fale com simplicidade e clareza.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Com efeito, lendo o Novo Testamento, por exemplo, encontramos a cada passo
em suas páginas os grandes princípios e deveres cristãos expressos em lingua-
gem simples e clara, evidente e palpável. Cada página ressalta a espiritualidade
e santidade de Deus; ao mesmo tempo, a espiritualidade e o fervor demandam
a sua adoração.
Em todas as partes, queda e corrupção humanas nos são retratadas, bem
como a consequente necessidade de arrependimento e conversão. Também em
todas as partes são proclamadas a remissão do pecado em nome de Cristo e a
salvação por seus méritos, a vida eterna pela fé em Jesus e, ao mesmo tempo, a
morte eterna pela falta de fé no Salvador. A cada etapa aparecem os deveres cris-
tãos em todas as circunstâncias da vida e as promessas de ajuda do Espírito de
Deus no combate contra a corrupção e o pecado. Essas verdades brilham como
a luz do dia, de modo que nem o leitor mais superficial e indiferente deixará de
percebê-las.
Todavia, o que acontece com o discernimento47? O mesmo que em outros
livros. No livro mais simples da escola primária, que se ocupa tão somente de coi-
sas terrenas, encontram-se, por exemplo, palavras e passagens que a pessoa não
compreende sem estudos. Seria, portanto, estranho encontrar palavras e passa-
gens de difícil compreensão nas Sagradas Escrituras que em linguagem humana
tratam de coisas divinas, espirituais e eternas? Se em uma província da Espanha
são usados modos ou figuras de expressão que em outra não se compreendem
47 Capacidade de compreender situações, de separar o certo do errado; capacidade de avaliar as coisas com
bom senso e clareza; juízo, tino, conhecimento, entendimento. Fonte: Dicionário da Língua Portuguesa
Houaiss, 2012. (Eletrônico).
sem interpretação, por que não seria estranho encontrar tais figuras e expres-
sões nas Escrituras, que foram escritas em países distantes e bem diferentes do
nosso? Se todo o escrito antigo oferece pontos obscuros, por acaso seria estranho
que os tivesse um livro inspirado por Deus a seus servos de diferentes épocas, há
centenas e milhares de anos? Assim, é bastante natural que as Escrituras conte-
nham pontos obscuros, palavras e passagens que requerem estudo e cuidadosa
interpretação.
É importante lembrar aqui que unicamente em tais casos de dificuldade, e
não com relação ao simples e claro, precisamos dos conselhos da hermenêutica
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a fim de que nosso estudo acabe sendo proveitoso e nossa interpretação, correta.
Bem, então imaginemos que chegue até nós um documento, testamento ou
legado que muito nos interesse e represente uma grande fortuna, contudo, nele
existem detalhes que trazem algumas palavras e expressões de difícil compreen-
são. Como ou de que maneira faríamos para conseguir o verdadeiro significado
de tal documento? Sem dúvida, em primeiro lugar, pediríamos explicação ao
autor do texto, se isso fosse possível.
No entanto, se ele prometesse nos esclarecer com a condição de que trabalhás-
semos, examinando-o nós mesmos, o mais comum e acertado seria certamente
ler e reler o documento, tomando as palavras e frases no sentido usual e corrente.
Com relação às palavras obscuras, naturalmente buscaríamos seu significado e
esclarecimento, em primeiro lugar, pelas palavras próximas ou contíguas às obs-
curas, isto é, pelo conjunto da frase em que ocorrem.
Entretanto, se ainda ficássemos sem luz, procuraríamos a clareza pelo con-
texto, ou melhor, pelas frases anteriores e seguintes ao ponto obscuro. Isto é, pelo
fio ou tecido circunscrito ao tópico de difícil entendimento.
Se para isso não bastasse o contexto, consultaríamos todo o parágrafo ou
passagem, fixando-nos no objetivo, na intenção ou no propósito a que se dirige
a passagem.
E se ainda não obtivéssemos a clareza desejada, buscaríamos luz em outras
partes do documento a fim de verificar se haveria parágrafos ou frases semelhan-
tes, porém mais explícitas, que se ocupassem do mesmo assunto que a expressão
obscura que nos causa perplexidade.
O TEXTO BÍBLICO
195
48 LUND, Eric. Hermenêutica: princípios de interpretação das Sagradas Escrituras. 2.ed. São Paulo: Editora
Vida, 2012. p. 25-29.
TRANSPOSIÇÕES
V
UNIDADE
NECESSÁRIAS
Objetivos de Aprendizagem
■■ Analisar a transposição do abismo cultural, gramatical e literário.
■■ Apresentar o Antropomorfismo e o Antropopatismo.
■■ Verificar o emprego do Antigo Testamento no Novo Testamento.
■■ Analisar questões como a contextualização.
Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Transposição do abismo cultural, gramatical e literário
■■ O emprego do Antigo Testamento no Novo Testamento
■■ Contextualização – a aplicação da Palavra de Deus para os nossos
dias
199
Para apresentar este tópico, recorremos a Roy Zuck, que em sua obra A
Interpretação Bíblica, traz este tema que é importante para o entendimento da
interpretação dos textos bíblicos.
Quanto mais tentamos transportar-nos para o contexto histórico dos autores bíbli-
cos e nos desvincular de nossas próprias culturas, mais cresce a probabilidade
de interpretarmos as Escrituras com maior precisão. Quando os reformadores
1 John F. Johnson. Analogei fidei as hermeneutical principle. Springfielder 36: 249, 1973.
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histórica, gramatical e retórica. Esta unidade versa sobre a interpretação histó-
rica, examinando as circunstâncias e o contexto cultural em que os textos foram
escritos. O contexto em que determinada passagem bíblica foi escrita influi no
entendimento que se terá dela. O contexto abrange vários elementos:
■■ O(s) versículo(s) imediatamente anterior(es) e posterior(es);
■■ O parágrafo e o livro em que o versículo se encontra;
■■ A dispensação em que foi escrito;
■■ A mensagem de toda a Bíblia;
■■ O ambiente histórico-cultural da época em que foi escrito.
TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
201
A não ser que acreditemos que a Bíblia tenha caído do céu de paraquedas,
escrita com uma pena celestial, em uma língua celestial curiosa, exclusiva-
mente adequada como instrumento de revelação divina, ou então, que foi
ditada por Deus direta e imediatamente, sem referência a nenhum costume
regional, estilo ou perspectiva, seremos obrigados a encarar os abismos cul-
turais. Isto é, a Bíblia retrata a cultura de sua época.
Fonte: R. C. SPROUL. Knowing Scripture, Downers Grove, InterVarsity, 1979, p.
102.
A questão da Cultura
Zuck (1994, p. 90) traz que os dicionários definem “cultura”3 como “o con-
junto dos moldes de comportamento, crenças, instituições e valores espirituais
e materiais característicos de uma sociedade”. Portanto, a cultura envolve o que
as pessoas pensam e creem, dizem, fazem e produzem. Estamos falando de suas
crenças, formas de comunicação, costumes e hábitos, e de elementos materiais,
2 ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. São Paulo: Vida Nova,
1994. p. 90
3 No ponto de vista da antropologia, cultura é o conjunto de padrões de comportamento, crenças,
conhecimentos, costumes etc. que distinguem um grupo social. É também a forma ou etapa evolutiva das
tradições e valores intelectuais, morais, espirituais (de um lugar ou período específico); características de
uma civilização. Fonte: Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, 2012. (eletrônico).
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ções do intérprete: descobrir o significado do texto para os primeiros leitores,
dentro daquele contexto cultural, e verificar seu significado para nós, hoje, em
nosso contexto. Deve ser óbvio que nem todos os costumes bíblicos têm apli-
cação hoje em dia, se tivessem, então, quando você compra uma casa, o antigo
dono deve tirar uma das sandálias e dá-la a você, o comprador, como aconte-
ceu em Rute 4.8.4
Zuck (1994, p. 106-111) oferece alguns princípios para contribuir à busca
pela interpretação bíblica:
1. Certas situações, mandamentos ou princípios são aplicáveis, contínuos
ou irrevogáveis e/ou dizem respeito a temas morais e teológicos e/ou são
repetidos em outra parte das Escrituras, sendo, portanto, permanentes
e transferíveis para nós.
2. Certas situações, mandamentos ou princípios dizem respeito às circuns-
tâncias específicas de um indivíduo não aplicáveis e/ou a temas que não
possuem caráter moral ou teológico e/ou foram revogados, sendo, por-
tanto inaplicáveis na atualidade.
3. Determinadas situações ou mandamentos dizem respeito a contextos
culturais que se assemelham apenas parcialmente ao nosso e nos quais
só os princípios são aplicáveis.
4. Certas situações ou mandamentos dizem respeito a contextos culturais
totalmente diferentes, mas em que os princípios se aplicam.
4 ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. São Paulo: Vida Nova,
1994. p. 103,104
TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
203
5 ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. São Paulo: Vida Nova,
1994. p. 106-111
6 Reforma Protestante: termo geral para designar o período de profundas mudanças eclesiásticas e
teológicas no cristianismo ocidental com raízes no século XIV, mas estendendo-se até o século XVII. A
Reforma refere-se mais especificamente ao rompimento com a igreja Católica Romana efetuado no século
XVI por homens notáveis como Martinho Lutero, Ulrico Zuínglio e João Calvino. Eles protestavam contra
o que consideravam ser a decadência geral da Igreja Romana e o afastamento dela em relação ao que para
eles era a fé dos apóstolos e dos pais da igreja primitiva. Fonte: GRENZ, Stanley J.; GURETZKI, David;
NORDLING, Cherith FEE. Dicionário de Teologia. 3. ed. São Paulo: Vida, 2002. p. 114
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inspirada, então acreditamos que cada palavra nela contida é importante. Talvez
nem todas as palavras e frases tenham a mesma importância, mas todas têm uma
finalidade. Do contrário, por que Deus as teria incluído?
A interpretação gramatical é o único método que respeita integralmente
a inspiração verbal das Escrituras. Se uma pessoa não acredita que a Bíblia foi
verbalmente inspirada, seria uma contradição e no mínimo estranho se ela se
preocupasse com os aspectos gramaticais.
Afirma Zuck (1994, p. 115) que nossa meta no estudo bíblico é descobrir
com a maior exatidão possível o que Deus quis dizer com cada uma das palavras
e frases que colocou nas Escrituras. Quando falamos de interpretação gramatical
TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
205
Zuck (1994, p. 144) explica que quanto mais você conhecer os modelos, os
estilos e os formatos dos diversos elementos de um livro bíblico, mais conhe-
cerá seu objetivo e suas características singulares e melhor o compreenderá. Esse
aspecto costuma ser esquecido no estudo e na interpretação bíblica. Por um lado
isso é compreensível, pois um bom projeto não atrai toda a atenção para si. Mas,
mediante um exame minucioso, você percebe a sabedoria que o norteou.
■■ Interpretação Retórica: algumas definições dicionarizadas do termo
“retórica” são as seguintes: “estilo de linguagem” e “arte de escrever ou
7 Parte da linguística que estuda o vocábulo quanto ao seu significado, constituição mórfica e variações
flexionais, sua classificação formal ou semântica em relação a outros vocábulos da mesma língua, ou
comparados com os de outra língua, em perspectiva sincrônica ou diacrônica. Fonte: Dicionário da
Língua Portuguesa Houaiss, 2012. (eletrônico).
8 ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. São Paulo: Vida Nova,
1994. p. 116
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A Bíblia fala de pessoas reais, vivas. A literatura bíblica está repleta de aventuras,
fatos maravilhosos, batalhas, personagens sobrenaturais, vilões, heróis valentes,
heroínas belas e corajosas, cárceres, sagas, histórias de resgates, romantismo,
heróis juvenis. A literatura bíblica tem vida. Os estudiosos das Escrituras cos-
tumam passar a impressão de que a literatura bíblica é como um documento
maçante que se deve destrinchar e colocar em exposição, como uma relíquia de
culturas primitivas.9
Como literatura, a Bíblia traz o registro de experiências humanas. Ela fala de
emoções e conflitos, vitórias e derrotas, alegrias e tristezas, defeitos e pecados,
prejuízos e benefícios espirituais. Intrigas, suspense, emoções, fraquezas, desi-
lusões, contratempos. Essas e muitas outras experiências do ser humano podem
ser encontradas ali. A Bíblia foi escrita por autores capazes.10
9 RYKEN. Literary criticism of the Bible: some fallacies. In: Kenneth R. R. Gros Louis; James Ackerman;
Thayer S. Warshaw, eds., Literary interpretations of biblical narratives, Nashville, Abingdon, 1974, p. 29
10 ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. São Paulo: Vida Nova,
1994. p. 146
TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
207
Antropomorfismo e Antropopatismo
revelação divina. Reafirmamos que Deus continua a revelar-Se nos dias hodier-
nos, mas a pretensão de afirmar que alguém viu a Deus e que Ele possui esta ou
aquela forma corpórea cheira ao politeísmo grego. Até as teofanias visíveis no
Antigo Testamento não foram similares (Êxodo 3.2-6; 19.18-20; Daniel 9.9-14).
Às vezes foram manifestações angélicas (Juízes 2.1; 6.11,14), humanas (Gênesis
18.1-2, 13, 14), e não humanas (Gênesis 15.17; Êxodo 19.18-20). Outras vezes
apenas audíveis (I Reis 19.12, 13; Mateus 3.17).11
Antropomorfismo
11 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 258
12 GRENZ, Stanley J.; GURETZKI, David; NORDLING, Cherith FEE. Dicionário de Teologia. 3. ed. São
Paulo: Vida, 2002. p. 11, 12
Antropomorfismo e Antropopatismo
V
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pelas quais os escritores sagrados procuraram descrever os atributos da divin-
dade, ou clarear, com o uso de signos concretos, certas realidades espirituais.
Temos então que os antropomorfismos são recursos simbólicos, figurados e
poéticos, presentes em todas as religiões, pois são inevitáveis à natureza humana,
onde o conhecimento preliminar das coisas processa-se por meio dos sentidos.14
Recorreu-se a essa figura de linguagem na tentativa de se arriscar falar algo
sobre Deus, embora se saiba que tudo que possamos utilizar para defini-Lo ou
apresentá-Lo O diminua conceitualmente, haja vista que Ele é maior do que
tudo o que possamos dizer. As palavras, qualificações, explicações O diminuem,
O prendem, ajustam a conceitos humanos, sendo assim, menores do que Deus,
mas não há outra forma, somente assim nos arriscamos a aproximá-las da gran-
deza conceitual de Deus.
13 Prosopopeia: figura pela qual o orador ou escritor empresta sentimentos humanos e palavras a seres
inanimados, a animais, a mortos ou a ausentes; personificação, metagoge. É uma figura de linguagem que
atribui características humanas (vida), personificando assim seres ou coisas inanimadas.
Fonte: <www.dicio.com.br>.
14 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 237
15 Uso excessivo de palavras para emitir um enunciado que não chega a ser claramente expresso; rodeio,
TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
209
por meio de longas descrições do que usara síntese. Partiam do concreto para
o abstrato, isto é, preferiam descrever as coisas sensíveis e abstratas mediante
atos ou gestos concretos. Não somos acusados de frisar que, em nossa experi-
ência cristã, encontramos muitos irmãos queridos que rejeitam a realidade dos
antropomorfismos, atribuindo mesmo a Deus as características corpóreas dos
homens. Confundem corporeidade com personalidade, e espírito com a maté-
ria. Quando afirmamos que Deus é espírito, dizemos que Ele é real, apesar de
ser invisível aos olhos humanos.
→ Ninguém jamais viu a Deus em Sua glória – Colossenses 1.15; I Timó-
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circunlocução, circuito de palavras. Fonte: Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, 2012. (eletrônico).
16 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 238, 239
Antropomorfismo e Antropopatismo
V
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
• Face (Êxodo 33.14)
• Mãos (Salmo 10.12; Êxodo 33.23)
• Ouvidos (I Samuel 8.21; Salmo 17.6)
• Lábios (Jó 11.5; Isaías 30.27)
• Língua (Isaías 30.27)
• Pálpebras (Salmo 11.4)
• Olhos (Salmo 11.4; Deuteronômio 11.12; I Samuel 15.19)
• Dedos (Êxodo 31.18)
• Pés (Salmo 18.9; Naum 1.3)
• Costas (Êxodo 33.23)
• Voz (Gênesis 3.8; I Samuel 15.19)
• Narinas (Êxodo 15.8; Salmo 18.8-16)
• Asas e penas sob as quais protege os justos (Salmo 91.4);
• Um belo manto, cujas orlas enchem o templo (Isaías 6.1);
Além dessas características antropomórficas, o Senhor:
• Ruge (Amós 1.2);
• Assovia (Isaías 7.18);
• Dorme (Salmo 44.23);
• Desperta-se como dum sono (Salmo 78.65);
• Cavalga sobre um querubim (Salmo 18.10).
Fonte: BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro:
CPAD, 2003. p. 239, 240.
TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
211
Antropopatismo
Antropomorfismo e Antropopatismo
V
A língua hebraica, hoje, só tem algo em torno de cinco milhões de falantes, mas
tem muita importância histórica, especialmente porque, como sabemos, parte
da Bíblia foi escrita em hebraico.
Apresentamos aqui um pequeno artigo de Luiz Sayão, que nos aponta a
importância da língua hebraica e alguns recursos dessa língua.
Quase todos sabem que a Palavra de Deus surgiu no contexto histórico do
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povo judeu. A verdade é que cerca de três quartos da Bíblia Sagrada foi escrita
originariamente em hebraico. E apesar de quase todo restante ter sido escrito em
grego, o raciocínio subjacente à maioria dos documentos do Novo Testamento
é claramente hebraico. Portanto, se há uma língua importante para os estudos
bíblicos mais profundos, sem dúvida alguma, trata-se do hebraico. Diante disso,
temos de reconhecer que existe motivo de sobra para que o cristão de hoje pro-
cure conhecer o hebraico bíblico. Vamos relacionar as razões mais importantes:
1. Conhecer o hebraico é lidar com o sagrado. Esse conhecimento permite-
nos falar as mesmas palavras e frases que os antigos profetas e homens
de Deus falaram. A língua possui uma sonoridade bonita, exótica e dife-
rente. Sinta o som do primeiro versículo bíblico: Bereshit bará elohim et
hashamaim veet haarets. O hebraico é a língua antiga mais preservada
que existe. Se Isaías ressuscitasse hoje, teria condições de comunicar-se
e de pedir um almoço em um restaurante de Jerusalém.
TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
213
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
pode significar inferno em certos textos). Quem poderia imaginar, sem
o devido estudo, que a palavra Shalom, tão conhecida, significa muito
mais do que paz. Shalom quer dizer também prosperidade, vida plena,
segurança. Em português, essas associações não são claras. Quando um
judeu cumprimenta o outro, ele pergunta: “Como vai a tua paz?” Paz,
portanto, não é um termo simplesmente psicológico e emotivo, mas, sim,
um termo concreto em relação à vida.
Diante de tais fatos, não há dúvida de que a igreja evangélica de hoje deve dar a
devida atenção ao estudo do hebraico. Especialmente em nossos dias, quando
muitos conceitos equivocados são disseminados por quem conhece pouco do
assunto, é mais do que necessário ampliar o conhecimento do povo de Deus no
campo das línguas originais da Bíblia.18
Nome
Conforme Bentho (2003, p. 242), na concepção dos semitas, o nome é nitida-
mente a essência e o destino do portador. Não se tratava apenas de algo que
distinguia uma cousa ou pessoa da outra, mas uma parte essencial da natureza
TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
215
Deus, seja das criaturas, chama a atenção e só pode se explicar à luz do gênio
semítico, que o Espírito Santo houve por bem respeitar. O nome não era apenas
um apelativo, para distinguir uma pessoa das outras, mas para mostrar o cará-
ter e a índole do indivíduo. Mudar o nome19 de alguém significa assinalar-lhe
uma nova função, um novo destino de vida. O caráter meritório do nome, então,
fica exposto pela mentalidade do hagiógrafo. O nome é identificado com a pró-
pria pessoa e existência do respectivo portador, isso equivale para o hagiógrafo
ao caráter pessoal do nome. Quando o nome de alguém é pronunciado sobre
alguma coisa, objeto ou cidade, então esse torna-se intimamente ligado à pessoa
nomeada ou torna-se sua propriedade. É assim que devemos entender o texto de
II Samuel 12.28. Se Joabe pronunciasse o seu nome sobre a cidade de Rabá essa
lhe pertenceria. O nome garante proteção, pois quando alguém pronuncia sobre
outrem o nome de um soberano, garante-lhe a proteção do monarca, exemplos:
Números 6.27; Salmo 20.1.
Em relação ao nome da divindade, na mentalidade primitiva dos semitas,
conhecer o nome de uma divindade conferia ao adorador certa autoridade para
obrigar o divo a fazer a vontade do adorador. Isto se torna claro quando, em II
Reis 18.26-28, os adoradores de Baal evocam o seu nome a fim de que essa divin-
dade cananita se obrigue a realizar o desejo do ofertante. Em Gênesis 32.29 e
Juízes 13.6,17-18, os nomes das personagens são ocultados, pois, conforme a
mentalidade vigente, a entrega do nome seria a consignação do poder próprio,
é neste contexto que devemos entender também o ato de invocar o nome do
19 Com exceção aqui a mudança de nomes que, por exemplo, ocorreu na Babilônia, pois neste caso foi para
impor o comando do dominador e despersonalizar o dominado.
Números
Os números, tal como as características semíticas anteriores, estão arrolados
no processo de desenvolvimento e transmissão do texto sagrado, constituindo-
se uma forma típica, idiomática e simbólica de transmitir a verdade por meio
escrito. Nas Escrituras Veterotestamentárias, os números não são representa-
dos por numerais ou letras, mas por expressões numéricas escritas por extenso.
No Antigo e Novo Testamento, os números são usados para expressar diversos
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
conceitos relacionados com quantidade, de maneira bem semelhante ao uso em
outros livros, exemplo:
a. “medida”, Salmo 39.5
b. “soma”, “total”, Números 1.49
c. “em números pequenos”, Deuteronômio 26.5
d. “incontável”, Gênesis 41.19; Isaías 2.7
e. “ser muitíssimo numeroso”, Salmo 40.5
Bentho (2003, p. 247) ainda explica que os números, muitas vezes, nas
Escrituras, não figuram como indicações de quantidade, mas como enunciação
de qualidades. Nesse caso, são a expressão de um juízo que o hagiógrafo formula
a respeito de determinado sujeito (Apocalipse 13.17,18). Este autor oferece uma
tabela de números bíblicos significativos, como segue:
1- Unidade e caráter ímpar: exemplo, Deuteronômio 6.4 – “O Senhor Deus
é o único Senhor”.
(Atos 17.25; Romanos 5.12, 15; Hebreus 7.27; João 10.30; Mateus 19.6).
2- Unidade e divisão: (a) dois é a expressão mínima da pluralidade, e natu-
ralmente indica alternativas e contraste (Mateus 6.24; 21.28); (b) dois também
pode indicar alguma força separadora (Jeremias 18.21), como duas opiniões que
apresentam um dilema, ou como duas maneiras diferentes de apresentar algo
(Mateus 7.13,14); (c) Homem e mulher são um só (Gênesis 1.27; Mateus 19.6);
20 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 246
TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
217
(d) Duas pessoas trabalham juntas em cooperação (Josué 2.1); (e) Os apóstolos
foram enviados de dois em dois (Marcos 6.7); (f) No Sinai, foram dadas as duas
tábuas da Lei (Êxodo 24.12).
3- Unidade na multiplicidade: três é um número retórico muito comum e
natural, e ocorre frequentemente a repetição ou agrupamento tríplice onde não
se menciona número propriamente dito. Muitos conceitos básicos se formalizam
através de um padrão tríplice: começo, meio e fim; passado, presente e futuro;
espírito, alma e corpo. São números os exemplos diferentes: há três dons dura-
douros em I Coríntios 13.13; três testemunhas em I João 5.8; tríplice títulos de
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
21 Regra hermenêutica que consiste em explicar uma palavra ou um conjunto de palavras, conferindo
um valor numérico convencionado a cada letra; criptograma sob a forma de uma palavra cujas letras
têm valores numéricos de outra, tomada como sua significação oculta; método cabalístico de explicar as
escrituras judaicas (Antigo Testamento) por meio do significado criptográfico numérico de suas palavras;
parte da cabala judaica fundada sobre a interpretação aritmética ou geométrica das palavras da Bíblia.
Fonte: Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, 2012. (eletrônico).
d. Sete estrelas, sete igrejas, sete anjos (Apocalipse 1.10, 12, 20; 2.1)
e. A proeminência desse número se observa:
■■ Em ordenanças rituais (santificação do sétimo dia, as festas dos pães sem
fermento, a festa dos Tabernáculos, o ano sabático, as sete aspersões com
sangue no dia da expiação), (Êxodo 34.18; Levítico 23.24; Êxodo 21.2;
Levítico 16.14, 19).
■■ Em Atos históricos (sete anos de servidão de Jacó, sete mergulhos de
Naamã, sete subidas do servo de Elias ao Carmelo – Gênesis 29.20, 27; II
Reis 5.10; I Reis 18.43, 44).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
■■ Em passagens didáticas (sete abominações que há no coração de quem
odeia, ou no Novo Testamento, concernentes às ofensas e ao perdão –
Provérbios 26.25; Lucas 17.4; Mateus 18.21).
■■ Em textos apocalípticos (a visão de João sobre as sete igrejas, as sete lâm-
padas, os sete selos, os sete chifres, os sete olhos do Cordeiro, as sete pragas
finais – Apocalipse 1.4,16; 4.5; 5.1,6; 15.1).
■■ Sobre os seus múltiplos: 14-Catorze (Êxodo 12.6; Números 29.13, 15)
chama a atenção especialmente para a divisão das gerações de Abraão até
Cristo em três grupos de catorze cada um (Mateus 1.17); 49-Quarenta e
nove – 7X7. Aparece em uma das principais prescrições rituais: regula-
mento da festa das primícias que havia entre um ano de jubileu e outro
(Levítico 25.8); 70-Setenta. Os mais importantes são: descendentes de
Jacó (Êxodo 1.5; Deuteronômio 10.22), os anciãos de Israel (Êxodo 24.1,
9; Números 11.16, 24), os filhos de Acabe (II Reis 10.1), os anciãos idó-
latras vistos por Ezequiel (Ezequiel 8.1), as setenta semanas de Daniel
(Daniel 9.24), os anos da vida humana (Salmo 90.10), os setenta discí-
pulos (Lucas 10.1,17).
■■ Todo completo, fechado em si: o número dez tornou-se importante entre
os semíticos pelo fato de que o homem primitivo, ao contar, recorria aos
dedos de suas mãos; desta praxe se originou o sistema decimal. Em tais
circunstâncias, foi tido como símbolo de um “todo completo, fechado
em si”. É certamente esse o significado que lhe compete nas genealogias
dos setitas22 (Gênesis 5.4-32) e dos semitas (Gênesis 11.10-32). (a) Os dez
22 Descendentes de Sete.
TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
219
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Testamento
23 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 247-252
24 DOCKERY, David S. Hermenêutica Contemporânea à luz da Igreja Primitiva. São Paulo: Editora
Vida, 2005. p. 174
TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
221
O autor também sugere uma série de objetivos das citações do Antigo Testamento:
■■ Para ressaltar o cumprimento ou a concretização de uma predição do
Antigo Testamento;
■■ Para confirmar que um acontecimento neotestamentário está de acordo
com um princípio do Antigo Testamento;
■■ Para explicar uma proposição do Antigo Testamento;
■■ Para confirmar uma proposição do Novo Testamento;
■■ Para ilustrar uma verdade do Novo Testamento;
■■ Para aplicar o Antigo Testamento a um acontecimento ou a uma ver-
dade do Novo;
■■ Para sintetizar um conceito do Antigo Testamento;
■■ Para utilizar uma terminologia do Antigo Testamento;
■■ Para traçar um paralelo com um acontecimento do Antigo Testamento;
■■ Para associar Cristo a uma situação do Antigo Testamento.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
1. Investigue o contexto no Novo Testamento onde a citação ou alu-
são ao Antigo é feita.
Mais detalhes para entendimento deste tópico devem ser consultados na obra
de Roy B. Zuck, A Interpretação Bíblica.
25 ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. São Paulo: Vida Nova,
1994. p. 322
TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
223
26 GRENZ, Stanley J. GURETZKI, David; NORDLING, Cherith FEE. Dicionário de Teologia. 3. ed. São
Paulo: Vida, 2002. p. 31
27 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus, palavra da gente: as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 5.
28 Disponível em: <http://www.ronaldo.lidorio.com.br/index.php?option=com_
content&task=view&id=55&Itemid=32>. Acesso em: 10 jun. 2014.
29 Hesselgrave, David. 1980. Planting churches cross-culturally: A guide to home and foreign missions.
Grand Rapids, MI: Eerdmans.
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Cristo. Essa comunicação do Evangelho, portanto, em uma perspectiva transcul-
tural, necessita de um trabalho de “tradução” em duas áreas específicas: a língua
e a cultura. As línguas dispõem de códigos diferentes para viabilizar a comuni-
cação e o mesmo ocorre com a cultura.
Apenas a Igreja, redimida, cumprirá essa tarefa, ou seja, não é o Cristianismo
que evangelizará o mundo, mas, sim, a Igreja redimida, que passou pelo novo
nascimento. Tendo em mente esses conceitos, permita-me mencionar alguns
pressupostos que utilizo ao escrever esta unidade.
1. A Palavra é supracultural e atemporal, portanto viável e comunicável para
todos os homens, em todas as culturas, em todas as gerações. Cremos,
assim, que a Palavra define o homem e não o contrário.
2. Contextualizar o Evangelho não é reescrevê-lo ou moldá-lo à luz da Antro-
pologia, mas, sim, traduzi-lo linguística e culturalmente para um cenário
distinto a fim de que todo homem compreenda o Cristo histórico e bíblico.
3. Apresentar Cristo é a finalidade maior da contextualização. A Igreja deve
evitar que Jesus Cristo seja apresentado apenas como uma resposta para
as perguntas que os missionários fazem – uma solução apenas para um
segmento ou uma mensagem alienígena para o povo alvo.
TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
225
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
e, por fim, o sincretismo quase irreversível. David Bosch afirma que o
valor do Evangelho, em razão de proclamá-lo, está totalmente associado
à compreensão cultural do povo receptor. O contrário seria apenas um
emaranhado de palavras que não produziriam qualquer sentido sociocul-
tural. George Hunsburger observa também que não há como pregarmos
um Evangelho acultural, pois o alvo de Cristo ao se revelar na Palavra foi
atingir pessoas vestidas com sua identidade humana. A perigosa apre-
sentação política do Evangelho a que nos referimos, portanto, confunde
o Evangelho com a roupagem cultural daquele que o expõe, deixando de
apresentar Cristo e propondo apenas uma religiosidade vazia e sem sig-
nificado para o povo que a recebe.
■■ Um segundo perigo, que é pragmático, pode ser visto quando assumimos
uma abordagem puramente prática na contextualização. Como a contextu-
alização é um assunto frequentemente associado à metodologia e processo
de campo, somos levados a entendê-la e avaliá-la baseados mais nos
resultados do que em seus fundamentos teológicos. Consequentemente,
o que é bíblico e teologicamente evidente se torna menos importante do
que aquilo que é funcional e pragmaticamente efetivo. Estou convencido
de que todas as decisões missiológicas devem estar enraizadas em uma
boa fundamentação bíblico-teológica, se desejamos ser coerentes com a
expressão do mandamento de Deus (Atos 2.42-47). Entre as iniciativas
missionárias mais contextualizadas com o povo receptor, encontramos
um número expressivo de movimentos heréticos como a Igreja do Espírito
Santo em Gana, África, na qual seu fundador se autoproclama a encarna-
ção do Espírito Santo de Deus. Do ponto de vista puramente pragmático,
porém, é uma igreja que contextualiza sua mensagem sendo sensível às
TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
227
Carlos Mesters, diz que “O olhar do povo não é o olhar do cientista que busca
o sentido histórico-literal do texto. A descoberta do sentido histórico-literal
é tarefa dos exegetas. Graças a suas pesquisas, é hoje possível conhecermos,
até nos seus mínimos detalhes, o sentido literal dos textos bíblicos e a situa-
ção do povo daqueles tempos passados. É um conhecimento relativamente
novo e recente que, por assim dizer, faz da Bíblia um livro antigo, pois a joga
no passado, isto é, na situação em que ela nasceu, séculos atrás. Porém não
basta saber como o texto nasceu e qual o sentido que ele tinha no passado.
É preciso trazê-lo de volta ao presente. Este é o alerta do povo aos exegetas”.
Fonte: RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus, palavra da gente: as for-
mas literárias na Bíblia. São Paulo: Paulus, 2004. p. 6.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
mas devem ser levados adiante quando oportuno for e quando o con-
teúdo da passagem em foco o permitir. Nosso discurso não deve ser
longo demais, nem curto demais, para não suceder que o longo resulte
em aversão, e o curto produza relaxamento e negligência. A mensagem
deve ser objetiva e simples, clara e evidente, repassada de dignidade e
de relevância; a linguagem não deve ser estudada ou muito refinada, e,
contudo, por outro lado, não deve ser em um estilo rude e desagradá-
vel.31
31 SMITHER, Edward L. Agostinho como mentor – um modelo para preparação de líderes. São Paulo:
Hagnos, 2012.
TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
229
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
muitos autores, durante um período de cerca de 1.600 anos. Isso significa
que no progresso de Sua revelação ao homem, Deus pode ter acrescido
ou até mesmo mudado numa era aquilo que dera em outra. O Novo Tes-
tamento acrescenta muita coisa que não fora revelado no Antigo. Além
disso, o que Deus exigira como obrigatório num período pode ser anu-
lado em outro (como, por exemplo, a proibição do consumo de carne de
porco, outrora imposta para o povo de Deus, foi suspensa em nossa era,
I Timóteo 4.3). Isso é muito importante; doutra sorte, a Bíblia conteria
contradições aparentemente insolúveis (como Mateus 10.5-7 comparado
a Mateus 28.18-20).
5. Deve-se esperar que a Bíblia use o que tecnicamente se chama lingua-
gem fenomenológica. Isso significa simplesmente que ela frequentemente
descreve coisas e situações tal como parecem ser, e não em linguagem
científica precisa. Falar do sol nascer e se pôr é um exemplo dessa lin-
guagem (Mateus 5.45; Marcos 1.32), mas essa é uma maneira simples e
normal de se comunicar.
6. Deve-se reconhecer as divisões importantes da Bíblia quando se vai inter-
pretá-la. A diferença mais básica é entre o Antigo e o Novo Testamentos.
Há, porém, outras distinções, como aquelas entre os diversos tipos de lite-
ratura – histórica, poética, profética – que precisam ser reconhecidas por
quem interpretar a Bíblia corretamente. Outros marcos bíblicos que afe-
tam sua interpretação são fatos como a grande aliança feita por Deus com
Abraão (Gênesis 12.1-3) e a aliança feita com David (II Samuel 7.4-17),
o mistério da Igreja como o Corpo de Cristo (Efésios 3.6) e a diferença
entre a Lei e a graça (João 1.17; Romanos 6.14).
Essas sugestões são simples facetas do conceito básico de interpreta-
TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
231
ção normal. Foi assim que Deus planejou que a Bíblia, que Ele inspirou,
fosse entendida.32
32 Fonte: Extraído, da Editora Mundo Cristão, de “A Bíblia Anotada” (The Ryrie Study Bible, Charles
Caldwell Ryrie, Th.D., Ph.D.)
“16 Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a
correção e para a instrução na justiça, 17 para que o homem de Deus seja apto e plena-
mente preparado para toda boa obra”.
(II Timóteo 3.16, 17)
12 Pois a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais afiada que qualquer espada
de dois gumes; ela penetra até o ponto de dividir alma e espírito, juntas e
medulas, e julga os pensamentos e intenções do coração. 13 Nada, em toda
a criação, está oculto aos olhos de Deus. Tudo está descoberto e exposto
diante dos olhos daquele a quem havemos de prestar contas.
Nesta conclusão, quero agradecer sua companhia por essas páginas, que tenham
servido para informá-lo(a) e estimulá-lo(a) a buscar trabalhar a interpretação dos
textos bíblicos com esmero, dedicação, respeito e temor a Deus.
Devemos ter claro que somos chamados para anunciar a Verdade do Evangelho e
devemos nos dedicar a um trabalho interpretativo e a uma comunicação respon-
sável e clara, pois a Palavra é d’Ele, o povo é d’Ele e somos Seus instrumentos de
comunicação e exemplo que devem legitimar as Palavras do Senhor no viver diário.
Entendemos que nenhum livro isolado, uma série de volumes ou uma biblioteca
inteira, ou até mesmo todo o conhecimento reduzido à forma escrita, pode con-
ter e expressar toda a verdade. Também não podemos ter os livros como a nossa
exclusiva autoridade. Isso quer dizer que é inútil esperar, da parte da exegese, o
delineamento da verdade inteira, por mais exata e completa que ela possa ser. Há
coisas que Deus simplesmente não nos revelou (Deuteronômio 29.29), são misté-
rios para serem cridos e necessariamente não explicados. Como escreveu certa vez
Santo Agostinho, “não queiras entender para crer; crê para que possas entender. Se não
crês, não entenderás”.
Nada disso, porém, diminui a importância da pesquisa bíblica séria, mediante cor-
retos métodos exegéticos e hermenêuticos, os quais, de forma simples e resumida,
foram apresentados neste material a partir de uma seleção de textos de excelentes
autores sobre o tema.
Nosso objetivo foi apontar ferramentas e métodos para explanar e definir os aspec-
tos da exegese e hermenêutica bíblica, mostrando como é rico esse trabalho de
interpretar a Palavra de Deus e trazê-la para nossos dias, pois um estudo metódico
e bem feito explicita a Verdade de Deus aos corações e, como nunca, hoje, isso é
extremamente necessário.
Infelizmente, hoje, se percebe que em muitas igrejas evangélicas há grande super-
ficialidade doutrinária: púlpitos onde há pouca interpretação séria da mensagem
bíblica e do Evangelho em particular, cabe aos estudantes que creem e amam a
Palavra de Deus a busca por uma exegese comprometida, uma hermenêutica bem
aplicada, com a verdade e com a fidelidade ao texto bíblico.
Conclusão
1 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 33.
GLOSSÁRIO
Escatologia: doutrina a respeito das “últimas coisas” (do grego tà éschata): a morte,
o juízo, a parusia de Cristo ou o advento do Messias, a vida futura. Concepções es-
catológicas podem ser encontradas nos profetas, sobretudo em Daniel, na literatura
apocalíptica, bem como em partes do Novo Testamento. Alguns estudiosos identifi-
cam em todo o conjunto do anúncio neotestametário a expressão de uma urgente
espera escatológica ou de sua antecipação.2
Parusia: (ou parousia), em grego, “presença”. No Novo Testamento, o termo indica a
segunda vinda de Jesus, no fim dos tempos. A Igreja apostólica considerava que a
parusia fosse iminente; nessa perspectiva, devem ser interpretadas muitas afirma-
ções e disposições neotestamentárias.
Gentios: do latim, gentiles. Designação dos povos estrangeiros. O termo correspon-
de ao hebraico goyim e ao grego éthne, respectivamente no Antigo e no Novo Tes-
tamento, indicando de modo genérico os não judeus. No cristianismo primitivo, os
gentios representam aquela parte da Igreja que foi o fruto da “chamada” dos povos,
junto e por vezes, em contraposição à igreja dos circuncisos. Como os povos, quase
universalmente, professavam o paganismo, gentio frequentemente é sinônimo de
pagão.
Filisteus: antiga população proveniente das ilhas do Egeu, estabelecida na parte
sul-ocidental, a faixa costeira de Canaã, quando da invasão dos povos do mar. Suas
cidades principais eram Asdod, Gaza, Ascalon, Gate, Ecron, mas logo se estenderam
também para o interior, em direção ao norte. Por muito tempo detiveram o mono-
pólio da metalurgia e, também por essa razão, constituíram uma grave ameaça para
as tribos de Israel até o tempo de Davi. A saga de Sansão (Juízes 13 a 16), assim como
a tragédia de Saul (I Samuel 31), refletem esse relacionamento difícil. Deles deriva o
nome Palestina, pois eram a Filístia, região que abrangia uma área desde um ponto
perto de Jope para baixo até Gaza, estendia-se uns 80 km ao longo do mar Medi-
terrâneo e uns 24 km terra adentro. “O mar dos filisteus”, evidentemente, refere-se à
parte do Mediterrâneo ao longo da costa da Filístia. As dunas de areia ao longo do
litoral penetram terra adentro por uma considerável distância, às vezes, até 6 km.
Fora disso, a região é fértil e tem cereais, olivais e árvores frutíferas.
Palestina: nome com o qual, em épocas diversas, foi designada a faixa costeira de-
limitada a ocidente pelo Mediterrâneo, ao norte pelo Líbano, ao sul pelo deserto do
Negueb e a oriente pelos montes de Moab e de Edom; que compreende as regiões
históricas da Galileia, da Samaria e da Judeia. O seu nome mais antigo foi Canaã,
mas é também chamada Terra de Israel, Terra Prometida, Terra Santa. O nome Pales-
tina deriva dos filisteus, que habitaram a faixa costeira meridional a partir do século
XII a.C. Presente já nos escritos de Heródoto, esse nome foi imposto oficialmente
pelos romanos, em 135 d.C., depois de terem reprimido a segunda revolta judaica.
Enquanto a tradição judaica usa o título Eretz Israel, ‘terra de Israel’, os árabes ado-
taram os termos “Palestina, palestinos”, também com apropriada conotação étnico-
nacional.
2 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 38.
GLOSSÁRIO
Povos do mar: são assim denominados grupos étnicos de origem diversa que, par-
tindo de Creta, da península e das ilhas gregas, bem como de outras regiões circun-
vizinhas, instalaram-se nas áreas costeiras da Ásia Menor (por terem sido expulsos
do Egito). Essa invasão foi a causa do estabelecimento dos filisteus, ocorrida no sé-
culo XIII-XII a.C., na costa palestina.3
Fenícios: antiga população estabelecida na costa siro-palestina; falava uma língua
semítica muito semelhante ao hebraico e dedicava-se ao comércio marítimo e à
produção de púrpura. A Bíblia lembra as relações amigáveis de colaboração entre
os fenícios e Israel (de Davi, de Salomão com Hiram, rei de Tiro etc.). A Fenícia seguiu
a mesma história de Israel e foi submetida por povos estrangeiros até a conquista
romana. Entre as várias escrituras alfabéticas surgidas no II milênio a.C., o alfabeto
fenício prevaleceu, passando posteriormente aos gregos, etruscos e latinos.
Selêucidas: dinastia macedônia, fundada pelo general de Alexandre Magno, Seleu-
co I Nicátor, em 312 a.C. Exerceu o domínio sobre as províncias orientais do império
macedônio, da Síria até a Pérsia, tendo por capital a Antioquia. Lutando contra o
reino helenístico dos Ptolomeus do Egito, em 198 a.C., os selêucidas conquistaram
a Palestina. Entre os soberanos mais famosos, temos Antíoco III, o Grande (223-187),
Antíoco IV, Epífanes (175-164), o qual, por querer helenizar à força a Judeia, provo-
cou a revolta dos macabeus, e Demétrio I Soter (162-150), sob o qual Judas Macabeu
morreu em batalha. O reino selêucida foi destruído por Pompeu, em 64 a.C., e a Síria
tornou-se província romana.
Semitas: de Sem, filho de Noé. Grupo de povos de origem étnica diferente, mas
que falam línguas semíticas. Estas, muito semelhantes entre si, dividem-se em se-
mítico oriental (acádico ou assiro-babilônico), semítico norte-ocidental (dialetos
aramaicos, cananeu, ugarítico, fenício, hebraico) e semítico sul-ocidental (árabe,
sul-arábico, etíope). Os semitas deram o alfabeto e as três religiões monoteístas à
cultura mundial.
Escribas: em hebraico, soferim (singular, sofer). A partir da época pós-exílica, os que
têm a competência e a autoridade de interpretar as Escrituras, explicar os preceitos
da Torá (Torah) e organizar os textos bíblicos. Às vezes, o termo designa também
funcionários reais. Exemplo ilustre de ambas as acepções é Esdras. No Novo Testa-
mento, aparece com frequência a expressão “escribas e fariseus”, a qual leva a supor
que as duas categorias não se identificassem; de fato, provavelmente existiam escri-
bas também entre os saduceus e os essênios, isto é, o termo indicava uma profissão
mais do que uma doutrina específica. A outra expressão neotestamentária, “dou-
tores da lei”, deve ser considerada um sinônimo. No judaísmo farisaico-rabínico, a
figura do escriba identificou-se com a do rabino.
Essênios: seita ou grupo judaico de tipo ascético-rigorista, que floresceu entre o
século II a.C. e o século I d.C., derivado dos hassideus (hassid). Mencionados por
3 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 72.
GLOSSÁRIO
4 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 38
GLOSSÁRIO
Zelotes: (zelotas) do grego zelotès, “zeloso”, “ciumento”. Termo com o qual Flávio Jo-
sefo indica uma das quatro “filosofias”, isto é, movimentos, do judaísmo palestino
do início da era cristã. Corresponde ao termo “cananeu” quando ele não designa os
habitantes de Canaã, mas traduz o hebraico qanna’ (‘zeloso’, ‘ciumento’); é o caso
do apostolo de Jesus, chamado Simão, o Cananeu (Marcos 3.18; Mateus 10.4) ou o
Zelota (Lucas 6.15; Atos 1.13). Embora se inspirassem no idealismo dos fariseus, os
zelotas não partilhavam seu projeto político, resistindo ativamente à dominação,
recorrendo também ao terrorismo. Foram os zelotas os responsáveis pela eclosão
da primeira guerra judaica (66-70 d.C.), que acabou tragicamente até por causa
das discórdias sangrentas entre os seus próprios chefes. A última resistência zelota
aconteceu em Massada, em 73 d.C. Um grupo extremista, próximo aos zelotas, foi o
dos sicários, denominados assim por causa da sica (em latim, ‘punhal’) com que eles
efetuavam seus atentados (Atos 21.38).5
Samaritanos: da Samaria, cidade e região do reino de Israel. Comunidade étnico
-religiosa que hoje reside em parte na cidade de Nablus (Cisjordânia), em parte em
Holon, próximo a Tel-Aviv, num total de aproximadamente quinhentas pessoas. São
os descendentes dos habitantes do reino que, depois da destruição de Samaria por
parte dos Assírios (722-721 a.C.) e a destruição do reino, foi ocupada por colonos
assírios, misturados aos remanescentes israelitas, não deportados por Salmanasar
V. A esta mistura étnica e cultural a Bíblia atribui o sincretismo religioso caracterís-
tico dos samaritanos, que construíram um templo sobre o monte Garizim, junto a
Siquém. Por causa das diferenças religiosas, os que retornaram do exílio babilônico
com Esdras e Neemias recusaram a colaboração dos samaritanos, acentuando assim
a hostilidade entre os dois grupos. Em 128 a.C., João Hircano I, filho de Simão Ma-
cabeu, destruiu o templo samaritano; mas o monte Garizim permaneceu até hoje
como o centro do culto, onde se celebra ainda a imolação do cordeiro pascal. Os
samaritanos consideram sagrado somente o Pentateuco (o que leva os estudiosos
a retardarem a data do cisma para uma época pós-exílica), fazem as festas bíblicas,
possuem um sacerdócio levítico, esperam um Messias (Ta´el) e consideram-se os
autênticos hebreus. O Pentateuco samaritano, escrito em caracteres paleo-hebrai-
cos, apresenta aproximadamente seis mil variantes em comparação com o texto
massorético, algumas das quais de notável interesse. Uma parte da sua literatura é
escrita em dialeto samaritano, uma variante do aramaico, enquanto inúmeras obras
exegéticas e jurídicas que chegaram até os nossos dias são escritas em árabe. O
episódio de João 4 é um testemunho fiel e vivo das relações entre os judeus e os
samaritanos no início da era cristã.
Hassid: em hebraico, “piedoso”. O termo indica os membros de alguns movimentos
religiosos judaicos, pertencentes a diferentes épocas: os hassideus (expressão cria-
da em grego para identificar os hassidim), braço religioso do partido macabeu, do
qual derivaram os essênios e os fariseus.
5 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 97
GLOSSÁRIO
6 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 54
GLOSSÁRIO
7 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. – São Paulo : Paulinas, 2000. p. 61
GLOSSÁRIO
Targum: em hebraico, “tradução”. Versão aramaica dos textos bíblicos lidos no cul-
to sinagogal, executada, sobretudo, em paráfrase. Pertencentes à época na qual o
hebraico não era mais entendido por todos, os targumim (plural de targum) deviam
permanecer na forma oral. Eram um simples subsidio à leitura litúrgica hebraica.
Mais tarde (do século I a.C. até o século III d.C.), os principais targumim foram pos-
tos por escrito. São eles: o Targum Onkelos, ao Pentateuco, redigido na Babilônia; o
Pseudo-Jonatan ou Jerosolimitano I, ao Pentateuco; o Targum de Jonatan ben Uz-
ziel, aos Profetas. O Targum Onkelos adquiriu uma autoridade particular, a ponto de
ser colocado ao lado do texto hebraico nas Bíblias rabínicas. A literatura targúmica é
importante para se conhecer a exegese e a teologia do judaísmo antigo.8
Tetragrama: termo grego (com o significado de “quatro letras”) que indica o nome
divino impronunciável YHWH, revelado a Moisés no episódio eloísta da sarça arden-
te (Êxodo 3) e no seu paralelo sacerdotal (Êxodo 6). No texto hebraico, é pronun-
ciado com as vogais do nome Adonai, com o qual é substituído na leitura; desta
substituição nasceu a pronúncia errônea de Jeová ou Geová. Fora do uso litúrgico,
ele é substituído por ha-Shem (“o Nome”). Geralmente, as traduções, representam o
tetragrama com “o Senhor” ou “o Eterno”.
Torá: (Torah), em hebraico, “ensinamento”, “direção”, “educação”. Termo (impropria-
mente traduzido por “lei”, seguindo a tradução grega nómos e a latina lex), que in-
dica a parte normativa do Pentateuco e, em sentido mais global, o próprio Pen-
tateuco, acabando por designar a Bíblia hebraica como um todo, como também,
conforme a doutrina rabínica, a tradição oral, chamada exatamente de “Torá oral”.
Com o termo Torá, entende-se substancialmente o inteiro discurso divino endereça-
do ao homem, como revelação da vontade de Deus em favor de Israel. Esta vontade
se realiza em uma promessa feita aos patriarcas, na criação de um povo, Israel, com
o qual Deus selou um pacto ou aliança. A Torá representa, justamente, o documento
desse pacto; suas normas são o “caminho” (halacá) que Israel deve percorrer para
realizar a vontade divina. No pensamento rabínico, a Torá é considerada o modelo
preexistente segundo o qual Deus criou o mundo, apresentando, portanto, algu-
mas analogias com a doutrina joanina do Logos (Palavra). A Torá, entendida como
Pentateuco, é considerada pelo judaísmo como o produto imediato e completo da
revelação sinaítica a Moisés, e enquanto tal é lida inteiramente no curso de um ano,
durante a liturgia do Sábado. O livro que a contém é objeto de particular honra. A
solenidade de Shavuot ou Pentecostes celebra o “dom da Torá” (em hebraico, mattan
Torá).
Unciais: manuscritos. Códices gregos da Bíblia, escritos em caracteres maiúsculos.
São anteriores aos minúsculos e compreendem o período que vai do século IV ao
século IX.
Vulgata: do latim, vulgata, “divulgada”. Tradução para o latim de toda a Bíblia, fei-
ta por Jerônimo no final do século IV e declarada “autêntica”, isto é, oficial para a
8 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 93
GLOSSÁRIO
9 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. – São Paulo : Paulinas, 2000. p. 97
247
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ANEXOS
ANEXO I
Nasceu uma flor no fundo do mato. Diferente das flores que todos conhecem. Um
vento estranho jogou a semente desta flor diferente na mão do semeador.
Todos quiseram saber de que flor se tratava, para poder ajudá-la no seu crescimen-
to. Convidaram a flor para vir mostrar suas cores e espalhar seu perfume no meio da
roda da gente amiga que tinha lançado a semente da flor.
A flor que é simples não soube negar o convite. Veio mostrar-se, espalhou seu per-
fume. Pediram à flor que dissesse o seu nome. Mas a flor que é simples não soube
dizê-lo. Só soube dizer: “Sou flor!”, mostrando a todos um sorriso desarmado.
Olharam-na de perto, fizeram perguntas, mas não descobriram de que flor se tra-
tava. E disseram: “És flor! Volta para o mato e cresce por lá. Espalha o teu perfume
pelo sertão a fora, até que se limpe o ar da cidade e se alivie a dor do povo abafado!”
A flor que é simples não ficou zangada. Voltou para o sertão e cresce por lá. Os que
convidaram a flor, os amigos, ficaram preocupados: “É uma flor muito fraca! Não
tem defesa. Só sabe dizer que é flor! Como pode crescer no chão duro do sertão? É
preciso fazer alguma coisa por ela. Vamos pensar!”
Saindo da roda, a flor voltou para o sertão. Os amigos voltaram para casa. Mas uma
gota de seiva ficou na mão de todos que tocaram na flor. Era noite. Não dava para
ver a mancha. Só dava para senti-la pegajosa.
Um deles aproximou-se da luz, para ver o que era. Foi aí que descobriu o segredo da
flor. A gota de seiva era de sangue. Sangue de séculos que germinou em flor!
Quis, então, gritar aos amigos: “Já não precisam preocupar-se com a flor! Preocu-
pem-se consigo mesmos! Deixem crescê-la! Ninguém consegue cortá-la! Ela cresce
tranquila e serena, mesmo sangrando, mesmo cortada! Seu sangue é o seu adubo!
Já não importa saber de que tipo de flor se trata. Importa saber se ela nasce do
sangue! Importa saber se a sua semente foi levada pelo vento estranho não mão do
semeador!”
Mas ele não gritou, pois pensou: “A mancha está na mão de todos. Eles vão descobri
-la, quando a luz da aurora chegar”.
Noite ainda, saiu de casa. Foi para o sertão, e andou por lá, até que saísse uma gota
de sangue de seus pés cansados. Aí, ele parou e descansou tranquilo, esperando a
1 MESTERS, Carlos. Flor sem defesa – uma explicação da Bíblia a partir do povo. 4.ed. Petrópolis/RJ: Editora Vozes, 1991.
p. 4
ANEXOS
aurora chegar. E disse ao sangue que corria de seus pés: “Alimenta a flor que nasceu
no fundo do mato! Diferente das flores que todos conhecem”.
Descansando da dor, à espera da luz, ouviu uma música nova e simples que dizia:
“Flor, que transformas o sangue em adubo! És mais forte que a mão que te corta!
Mais duradoura que a ideia que te define. Mais nítida que a pintura que retrata o teu
rosto! Já cresce no mundo o medo de ti. Flor sem defesa!”
ANEXO II
Vamos falar de dois tipos de leitura que desnaturalizam a Bíblia: a leitura fundamen-
talista e a utilitarista.
O termo fundamentalismo vem de uma coisa boa: ter fundamento, alicerce. Mas
achar que o próprio fundamento, aquilo em que se acredita é o melhor e o único
válido faz a coisa mudar de figura. Fundamentalismo é isso: absolutizar a própria
visão do mundo, da vida e até da religião. A leitura fundamentalista absolutiza o
texto bíblico. Então não devemos acreditar em tudo o que está escrito na Bíblia? Ela
não é a Palavra de Deus? Vamos esclarecer isso.
Em primeiro lugar, não basta ler a Bíblia sozinha. Ela nasceu numa cultura, na vida
de um povo (contexto). Temos de conhecer o jeito de escrever, o vocabulário, os
gêneros literários (texto). E o leitor, a leitora e a comunidade que leem a Palavra
também são importantes. Podemos então falar de um triângulo: Bíblia – comunida-
de – realidade.
Ora, o fundamentalismo toma uma das pontas do triângulo, o texto, e diz que ela é
a única que conta.
Mas será que os fundamentalistas não estão corretos? Afinal, eles dizem que se-
guem a Bíblia “ao pé da letra”, que são fiéis ao texto original, que seguem fielmente
àquilo que está escrito.
O jeito fundamentalista de ler a Bíblia é justamente o que menos respeita o texto.
Por quê? Como vimos em nosso estudo sobre os gêneros literários, os autores escre-
veram utilizando as formas típicas de escrita do tempo em que viviam. Além disso,
não escreveram para nós, mas para aqueles que viviam naquela época, para aqueles
leitores e leitoras.
2 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus, palavra da gente: as formas literárias da Bíblia. São Paulo: Paulus,
2004. p. 171, 172.
ANEXOS
ANEXO III
3 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus, palavra da gente: as formas literárias da Bíblia. São Paulo: Paulus,
2004. p. 172, 173.
ANEXOS
qual a resposta. A Bíblia, nesse caso, vira receita, livro de curas, guia de autoajuda.
Puxa, quer dizer então que a Bíblia não ajuda em situações de crise, ou de dúvida, ou
de dificuldades? Sim e não. Depende de como a lemos.
Podemos orar com a Bíblia. Seja em comunidade, seja pessoalmente. Há muitos
textos que nasceram da oração das comunidades daqueles tempos. Os salmos são
bons exemplos. Encontramos nesses poemas situações semelhantes às nossas, seja
de dificuldade, seja de alegria e agradecimento. Mas a Bíblia não é livro de mágicas.
Ela inspira a pessoa ou a comunidade para que busque uma resposta válida para
seu próprio tempo.
Outro perigo: usar a autoridade da Bíblia para o próprio interesse. Como um pai que
põe medo em seu filho, dizendo que Deus vai castigá-lo se não lhe obedecer, como
fez com os israelitas no deserto. De fato, há textos que falam de castigo, até do di-
reito do pai de punir seus filhos. Mas há outros que mostram que o respeito é mais
importante. Por isso, é necessário buscar uma resposta que seja boa hoje.
Também há um tipo de leitura que podemos chamar de “subsidiária”. É o uso de tex-
tos bíblicos para justificar as próprias ideias ou atitudes. Um bom exemplo: em Ma-
teus, o Reino dos céus pertence aos “pobres de espírito” (Mateus 5.1). Em Lucas, são
bem-aventurados os pobres, simplesmente (Lucas 6.20). O estudo dos textos leva a
descobrir que essa última formulação é, provavelmente, mais próxima daquilo que
teria falado Jesus. Quantas vezes, porém, o texto de Mateus foi usado – e abusado
– para mostrar que, para Jesus, o mais importante seria o pobre “só de espírito” (não
no sentido material), justificando assim a opressão, a miséria, a dominação. Essa for-
ma de ler continua sendo muito usada nas igrejas, na catequese, nas homilias.
A Bíblia, apesar de todos esses abusos, não se rende a nossos interesses. Ela não se
deixa domar por este ou aquele grupo. Ela não serve a nossos propósitos imediatos;
ao contrário, nos provoca. Não diz o que temos de fazer, mas nos ilumina para que
busquemos o melhor caminho.
ANEXO IV
Há, no livro do Gênesis, um texto que toca as entranhas e nos faz tremer por dentro.
Abraão expulsa, sem muitas delongas, sua escrava Agar, com quem tinha um filho,
Ismael. Parte ela com o menino nos ombros, com um pouco de pão e água. Diz o
4 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus, palavra da gente: as formas literárias da Bíblia. São Paulo: Paulus,
2004. p. 174,175.
ANEXOS
texto: “Ela saiu e andava errante pelo deserto de Bersabeia. Quando acabou a água
do cantil, ela pôs a criança debaixo de um arbusto e foi sentar-se na frente... Ela pen-
sava: “Não quero ver a criança morrer!” (Gênesis 21.14-16). É difícil crer que alguém
fique insensível a uma situação como essa.
Mas o texto será entendido conforme o olhar de quem o ler. Um pregador poderá
fazer uma leitura alegórica dessa passagem bíblica, quem sabe até justificando a
atitude do patriarca. A mãe nordestina, porém, que já viu sua criança morrer de
fome, não precisará fazer muitas reflexões para entender o drama de Agar. Para ela,
a situação que vive e sua história direcionam a compreensão da Bíblia. Portanto, a
realidade social, econômica e religiosa influenciam a leitura bíblica.
Nas últimas décadas, muitas pessoas que estudam a Bíblia começaram a utilizar vá-
rias ciências para compreender melhor seu significado. A sociologia, por exemplo,
tem ajudado a compreender melhor como funcionava a sociedade nos tempos bí-
blicos, inclusive as relações de poder. As mulheres, por exemplo, eram consideradas
“propriedade” de seus maridos. Pior ainda se fossem escravas, como Agar.
Outra ciência importante é a Antropologia. Os costumes, a organização da família,
os rituais têm sido estudados pelos especialistas nessa área. Imagine entender o que
Jesus fez na “última ceia” sem conhecer o modo como seu povo celebrava a Páscoa!
E há tantas outras: Psicologia, História, Economia, Literatura, Arqueologia etc. Todas
elas têm um papel importante no estudo e na compreensão da Bíblia. Mas é preciso
dizer que, como todas as ciências, nem sempre há unanimidade, isto é, nem sempre
todos pensam da mesma maneira.
Aqui precisamos alertar para um risco: pensar que essas ciências possam, sozinhas,
ter a chave da verdade. Nenhuma delas e nenhum estudioso é dono da verdade. A
Arqueologia, por exemplo, trabalha descobrindo lugares, objetos, que ficam enter-
rados por séculos e milênios. Muitos achados têm ajudado a resolver dúvidas sobre
os textos. Em um monumento de pedra com mais de 3 mil anos, chamado Estela
de Mesha, foi encontrada, provavelmente, a mais antiga inscrição com o nome de
Israel. Mas a Arqueologia nunca irá conseguir, sozinha, contar a experiência de Deus
vivida por esse povo.
Conclusão: é melhor juntar muitos olhares para enxergar melhor, mais longe, com
mais detalhes. Melhor juntar o olhar do cientista e da operária, do homem e da mu-
lher, do católico e do evangélico. O profeta Joel (3.1) expressa isso de maneira ainda
mais bonita: “os velhos terão sonhos, e os jovens terão visões!”
ANEXOS
ANEXO V
Inspiração da Bíblia
Toda pessoa tem uma base de autoridade sobre a qual pensa e age. Para o Cris-
tão, essa base é a Bíblia, um livro que se proclama diferente de todos os outros. A
palavra Bíblia é derivada da palavra grega que significa “rolo” ou “livro”, na verdade
um rolo feito com folhas de papiro coladas umas às outras (Lucas 4.17; Daniel 9.2).
O termo Escritura(s) é usado no Novo Testamento em relação aos livros sagrados
do Antigo Testamento que eram considerados inspirados (II Timóteo 3.16; Romanos
3.2), e também em relação a outras partes do Novo Testamento (II Pedro 3.16). A
expressão “Palavra de Deus” é usada no Novo Testamento em relação a ambos os
testamentos em forma escrita (Mateus 15.6; João 10.35; Hebreus 4.12). Cada uma
dessas expressões refere-se a esse livro por excelência, o registro único e reconhe-
cido da revelação de Deus ao homem. Há certos critérios óbvios que demonstram
ser a Bíblia um livro singular. Foi escrita durante um período de mais de 1.500 anos
por 40 autores diferentes e, no entanto, é um só livro, com mensagem única e sem
contradições naquilo que afirma. Além disso, o que afirma é notável, pois fala com
igual facilidade do conhecível e do impossível de conhecer, do agradável e do desa-
gradável, dos sucessos e dos fracassos do homem, do passado e do futuro. Poucos
livros buscaram tal amplitude de assunto e tempo; nenhum é completamente exato
a não ser a Bíblia.
(Gênesis 1.16; Atos 17.29). A revelação especial é aquela que vem mediante Jesus
Cristo (João 1.18) e Bíblia (I João 5.9-12). A revelação geral é suficiente para aler-
tar o homem quanto à sua necessidade de Deus e para condená-lo caso rejeite o
que pode conhecer através da natureza; somente a fé em Jesus Cristo, todavia, é
suficiente para salvá-lo (Atos 4.12). A revelação geral de Deus, se rejeitada, traz jus-
ta condenação; se aceita, porém, Ele se responsabilizará por trazer a necessária luz
com a mensagem do evangelho para que o indivíduo possa ser salvo (Atos 10.3-6).
Uma Definição:
Inspiração Bíblica é o processo divino de supervisão dos autores humanos da Bíblia,
de modo que, usando suas próprias personalidades e estilos, compuseram e regis-
traram sem erro a revelação de Deus ao Homem nas palavras dos manuscritos ori-
ginais. Vários aspectos dessa definição são dignos de nota: (1) Deus supervisionou,
mas não ditou o conteúdo. (2) ele usou autores humanos e seus estilos individuais.
(3) O produto final, nos manuscritos originais, era isento de erro.
O Testemunho Bíblico:
Apenas para ilustrar como os tempos mudaram, até poucos anos atrás, tudo o que
se precisava dizer para expressar convicção de que a Bíblia era plenamente inspira-
da era “A Bíblia é a Palavra de Deus”. Depois, foi preciso acrescentar “a Palavra inspira-
da de Deus”. Mas algum tempo passou e a frase cresceu “a Palavra verbalmente ins-
pirada de Deus”. Daí, para dizer a mesma coisa era preciso dizer: “A Bíblia é a palavra
de Deus, verbal e plenariamente inspirada”. Depois, surgiu a necessidade de dizer
“[...] a Palavra de Deus, infalível, verbal e plenariamente inspirada”. Hoje em dia, é
preciso usar uma bateria de termos teológicos: “A Bíblia é a Palavra de Deus, infalível,
inerrante nos manuscritos originais, verbal e plenariamente inspirada”. Apesar de
tudo isso, é possível não comunicar exatamente o que se quer dizer! O que, todavia,
a Bíblia reivindica para si? (1) Ela afirma que toda a Escritura é inspirada por Deus (II
ANEXOS
Timóteo 3.16). Isso significa que Deus, que é verdadeiro (Romanos 3.4), “soprou” a
verdade, (2) mas não teria o homem corrompido a verdade enquanto a registrava?
Não, porque a Bíblia também testifica que os homens que a escreveram foram “mo-
vidos (lit., carregados) pelo Espírito Santo” (II Pedro 1.21). O Espírito foi, assim, Coau-
tor de todos os livros da Bíblia, escrevendo “de parceria” com cada autor humano. Há
uma série de passagens no novo testamento em que trechos do antigo testamento
tiveram como autor designado o Espírito Santo de Deus, embora tenham sido escri-
tos por vários homens diferentes. A única maneira de explicar esse fenômeno é re-
conhecer uma dupla autoria (veja Marcos 12.36, onde Jesus afirma que foi o Espírito
o autor de algo que David escreveu no Salmo 110; em Atos 1.16 e 4.24-25, onde os
Salmos 41 e 2 são atribuídos ao Espírito Santo; igualmente Hebreus 3.7; 10.15-16).
(3) Às vezes o registro reflete claramente o estilo e as expressões dos autores huma-
nos. Isso deve ser esperado em um livro de dupla autoria, e não significa de maneira
alguma que, ao empregarem seu próprio estilo, os autores estivessem produzindo
registros errôneos (veja Romanos 9.1-3 como exemplo dessa afirmação). (4) Fora de
dúvida, a Bíblia expressa possuir essa inerrância. De que outra maneira poderíamos
explicar o fato de Jesus Cristo ter reivindicado para as próprias letras que formam
as palavras da Escritura um caráter permanente e irrevogável: “Porque em verdade
vos digo: Até que o céu e a terra passem, nem um só i ou um til passará da lei, até
que tudo se cumpra” (Mateus 5.18)? O i é a letra hebraica yod, a menor do alfabeto
hebraico. O til era um pequenino traço que servia para distinguir certas letras he-
braicas de outras (como um dalet de um resh). Num tipo comumente usado para
livros, teria extensão menor que um milímetro! Em outras palavras, o Senhor estava
afirmando que cada letra, ou cada palavra é importante, e que o Antigo Testamento
seria cumprido exatamente como fora soletrado, letra por letra, palavra por palavra.
O Senhor também insistiu na importância de um tempo presente em Mateus 22.32.
Para deixar bem clara a veracidade da ressurreição, ele relembrou os saduceus que
Deus é o Deus dos vivos porque Se identificara a Moisés dizendo “Eu sou” o Deus
de Abrão, de Isaque e de Jacó, embora eles já estivessem mortos havia centenas de
anos. Se a ressurreição não fosse uma realidade, Ele teria dito “Eu fui” o seu Deus.
O Senhor também baseou um argumento crucial sobre Sua própria divindade na
palavra do Senhor (Mateus 22.41-46), conforme usada no Salmo 110.1. Se Ele não
considerasse inerrantes as próprias palavras da Escritura, seu argumento na teria
sentido. Em outra ocasião Ele Se escusou da acusação de blasfêmia focalizando uma
única palavra do Salmo 82.6 (João 10.34). Depois, reforçou seu argumento lembran-
do a Seus acusadores que a Escritura “não pode falhar” (Lit., ser quebrada). De igual
modo, Paulo insistiu na importância de um singular em contraste com um plural em
seu argumento registrado em Gálatas 3.16. Tal argumento não seria válido a não
ser que se pudesse confiar plenamente na diferença entre singular e plural de cada
palavra. Todos esses exemplos nos levam a admitir que a Bíblia reivindica inerrân-
cia para si. (5) Ninguém que defenda a inerrância nega que a Bíblia use figuras de
linguagem comuns (como “os quatro cantos da terra” Apocalipse 7.1); porém tais fi-
guras são usadas com precisão. (6) Também não negamos que os autores humanos
ocasionalmente pesquisaram os fatos sobre os quais escreveram (Lucas 1.1-4). O
ANEXOS
produto, todavia, cremos que tenha sido guardado do erro pelo trabalho de super-
visão do Espírito Santo. (7) Também não negamos que haja problemas com o texto
de que hoje dispomos. Problemas, todavia, são muito diferentes de erros. Na verda-
de, diante das reivindicações que a Bíblia faz em seu favor em termos de inspiração
e inerrância, seria mais razoável, quando confrontados com problemas, colocar nos-
sa fé nas Escrituras, que se têm demonstrado fidedignas ao longo dos séculos, e não
confiar em qualquer opinião humana e falível. O conhecimento humano de muitos
desses problemas é limitado e, em algumas ocasiões, demonstravelmente errado.
Sem dúvida o tempo continuará a trazer à luz fatos que ajudarão a solucionar os
problemas ainda não resolvidos na Bíblia.
Fonte: Extraído de A Survey of Bible Doctrine, por Charlie C. Ryrie (Moody Press). 1972 por The
Moody Bible Institute of Chicago.