Sie sind auf Seite 1von 258

Métodos de

Exegese e
Hermenêutica
Bíblica

Professor Me. Marcelo Aleixo Gonçalves


Professor Me. Edrei Daniel Vieira

Graduação

Unicesumar
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de Administração
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor de EAD
Willian Victor Kendrick de Matos Silva
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi

NEAD - Núcleo de Educação a Distância


Direção de Operações
Chrystiano Mincoff
Coordenação de Sistemas
Fabrício Ricardo Lazilha
Coordenação de Polos
Reginaldo Carneiro
Coordenação de Pós-Graduação, Extensão e
Produção de Materiais
Renato Dutra
Coordenação de Graduação
Kátia Coelho
Coordenação Administrativa/Serviços
Compartilhados
Evandro Bolsoni
Gerência de Inteligência de Mercado/Digital
Bruno Jorge
Gerência de Marketing
Harrisson Brait
Supervisão do Núcleo de Produção de
Materiais
Nalva Aparecida da Rosa Moura
Design Educacional
Camila Zaguini Silva
Fernando Henrique Mendes
Nádila de Almeida Toledo
Rossana Costa Giani
Projeto Gráfico
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Jaime de Marchi Junior
Distância: José Jhonny Coelho
C397
Métodos de Exegese e Hermenêutica Bíblica / Marcelo Aleixo Editoração
Gonçalves; Edrei Daniel Vieira. Daniel Fuverki Hey
Maringá - PR, 2014. Revisão Textual
258 p.
Keren Pardini
“Graduação Teologia - EaD”.

1. Exegese 2. Hermenêutica . 3. Teologia 4. EaD. I. Título.
CDD - 22 ed. 209
CIP - NBR 12899 - AACR/2

Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário


João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828
Viver e trabalhar em uma sociedade global é um
grande desafio para todos os cidadãos. A busca
por tecnologia, informação, conhecimento de
qualidade, novas habilidades para liderança e so-
lução de problemas com eficiência tornou-se uma
questão de sobrevivência no mundo do trabalho.
Cada um de nós tem uma grande responsabilida-
de: as escolhas que fizermos por nós e pelos nos-
sos farão grande diferença no futuro.
Com essa visão, o Centro Universitário Cesumar –
assume o compromisso de democratizar o conhe-
cimento por meio de alta tecnologia e contribuir
para o futuro dos brasileiros.
No cumprimento de sua missão – “promover a
educação de qualidade nas diferentes áreas do
conhecimento, formando profissionais cidadãos
que contribuam para o desenvolvimento de uma
sociedade justa e solidária” –, o Centro Universi-
tário Cesumar busca a integração do ensino-pes-
quisa-extensão com as demandas institucionais
e sociais; a realização de uma prática acadêmica
que contribua para o desenvolvimento da consci-
ência social e política e, por fim, a democratização
do conhecimento acadêmico com a articulação e
a integração com a sociedade.
Diante disso, o Centro Universitário Cesumar al-
meja ser reconhecido como uma instituição uni-
versitária de referência regional e nacional pela
qualidade e compromisso do corpo docente;
aquisição de competências institucionais para
o desenvolvimento de linhas de pesquisa; con-
solidação da extensão universitária; qualidade
da oferta dos ensinos presencial e a distância;
bem-estar e satisfação da comunidade interna;
qualidade da gestão acadêmica e administrati-
va; compromisso social de inclusão; processos de
cooperação e parceria com o mundo do trabalho,
como também pelo compromisso e relaciona-
mento permanente com os egressos, incentivan-
do a educação continuada.
Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está
iniciando um processo de transformação, pois quan-
do investimos em nossa formação, seja ela pessoal
ou profissional, nos transformamos e, consequente-
mente, transformamos também a sociedade na qual
estamos inseridos. De que forma o fazemos? Criando
oportunidades e/ou estabelecendo mudanças capa-
zes de alcançar um nível de desenvolvimento compa-
tível com os desafios que surgem no mundo contem-
porâneo.
O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de
Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo
este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens
se educam juntos, na transformação do mundo”.
Os materiais produzidos oferecem linguagem dialó-
gica e encontram-se integrados à proposta pedagó-
gica, contribuindo no processo educacional, comple-
mentando sua formação profissional, desenvolvendo
competências e habilidades, e aplicando conceitos
teóricos em situação de realidade, de maneira a inse-
ri-lo no mercado de trabalho. Ou seja, estes materiais
têm como principal objetivo “provocar uma aproxi-
mação entre você e o conteúdo”, desta forma possi-
bilita o desenvolvimento da autonomia em busca dos
conhecimentos necessários para a sua formação pes-
soal e profissional.
Portanto, nossa distância nesse processo de cres-
cimento e construção do conhecimento deve ser
apenas geográfica. Utilize os diversos recursos peda-
gógicos que o Centro Universitário Cesumar lhe possi-
bilita. Ou seja, acesse regularmente o AVA – Ambiente
Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns e en-
quetes, assista às aulas ao vivo e participe das discus-
sões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe de
professores e tutores que se encontra disponível para
sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de
aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui-
lidade e segurança sua trajetória acadêmica.
autores

Professor Me. Marcelo Aleixo Gonçalves


Licenciatura em Filosofia pela UEM - Universidade Estadual de Maringá
(2004), Pós-Graduado em História das Religiões - UEM (2007); Graduação em
Formação Teológico Pastoral - Seminário Evangélico Metodista de Teologia
(2000), Bacharel em Teologia pelo Cesumar - Centro Universitário de Maringá
(2013). Mestrado em Missiologia - FTSA Faculdade Teológica Sul Americana
(2006). Graduado em Psicologia, Bacharelado e Formação de Psicólogo
(2014).

Professor Me. Edrei Daniel Vieira


Bacharel em Teologia - Seminário Teológico de Londrina (1992-1995).

Mestre em Ciências da Religião, área de Teologia e História - Universidade


Metodista de São Paulo, (1998-2000).
Apresentação

Métodos de Exegese e Hermenêutica


Bíblica

Seja bem-vindo(A)!
Então Filipe correu para a carruagem, ouviu o homem lendo o profeta
Isaías e lhe perguntou: “O senhor entende o que está lendo?” Ele res-
pondeu: “Como posso entender se alguém não me explicar?” Assim,
convidou Filipe para subir e sentar-se ao seu lado. (Atos dos Apóstolos
8.30,31)

Buscamos, neste livro, apresentar aspectos gerais e informativos de duas disciplinas es-
peciais da Teologia Bíblica: a Exegese e Hermenêutica Bíblicas. Nosso intuito é apontar
ferramentas importantes para uma melhor leitura e interpretação dos textos bíblicos.
Partimos do pressuposto de que é de fundamental importância o trabalho sério e ze-
loso para se interpretar corretamente os textos sagrados, oferecendo assim um melhor
entendimento e explanação das verdades bíblicas.
Há uma antiga discussão sobre Exegese e Hermenêutica no meio teológico. Há quem
defenda que são ciências distintas e complementares. Há quem diga que uma está den-
tro da outra, que a Exegese vem primeiro ou que é o contrário. Você encontrará quem
defenda que a Hermenêutica está dentro da Teologia Exegética; já outros afirmam que
a Exegese Bíblica está dentro da Hermenêutica com seus princípios gerais de interpre-
tação. Neste material, não entraremos nessa discussão, nosso intuito é apresentar os
aspectos gerais da Exegese Bíblica e da Hermenêutica Bíblica para o estudante de Teo-
logia, pois o valor excepcional que atribuímos à Bíblia é que nos desperta o desejo de
aprofundar os estudos sobre ela e, com critérios e esmero, descobrir o sentido de sua
mensagem para que a comuniquemos com verdade.
Fato é que temos diante de nós, estudantes da Palavra de Deus, um grande desafio, pois
como escreveu Silva (2000, p. 11): “Palavra de Deus em palavras humanas”. Assim é defi-
nida, com muita exatidão, a Sagrada Escritura ou, mais simplesmente, a Bíblia. Mas po-
demos entabular um questionamento: a Bíblia é sagrada porque é a Palavra de Deus e é
Escritura porque é palavra humana? Ou seria o contrário: Ela é Palavra de Deus porque
é sagrada e é palavra humana porque é Escritura? É claro que não foi Deus, em pessoa,
quem escreveu a Bíblia. Muito menos podemos pensar que Deus necessite de palavras,
que são uma realidade humana, para se comunicar. A Sagrada Escritura é a configuração
categorial do que foi a percepção da presença e da revelação de Deus. Quem tem tal
percepção é o ser humano concreto e situado. Portanto a definição apenas proposta –
palavra de Deus em palavras humanas –, longe de comportar uma contradição, exprime
uma condição irrenunciável: se quisermos que a Bíblia fale aos homens, seja qual for
a cultura, a língua e o tempo em que vivem, precisamos, cada vez mais, recolocar esta
mesma Bíblia na cultura, na língua e no tempo em que surgiu. Isso significa afirmar que
“a Bíblia é uma obra literária que precisa ser abordada como tal, se não quisermos anular
seu valor como Palavra de Deus”.1
O texto bíblico que consideramos básico e central para entender a importância de estar-

1 SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 11.
Apresentação

mos dedicados ao estudo esmerado e que busca ser mais eficiente e responsável da
Palavra de Deus é o registrado em Atos dos Apóstolos 8.30,31 –
Então Filipe correu para a carruagem, ouviu o homem lendo o pro-
feta Isaías e lhe perguntou: “O senhor entende o que está lendo?”
Ele respondeu: “Como posso entender se alguém não me explicar?”
Assim, convidou Filipe para subir e sentar-se ao seu lado.

Nesse episódio, percebemos a oportunidade e como Filipe pôde ser usado por Deus
para clarear o sentido e informações que o texto de Isaías, que estava sendo lido
pelo etíope, trazia e, embora o homem lesse, confessa que não estava compreen-
dendo. Filipe explicou detalhadamente o texto, “começando com aquela passagem
da Escritura, anunciou-lhe as boas novas de Jesus” (verso 35). O resultado da obe-
diência ao Espírito Santo, do interesse e sabedoria em apresentar corretamente a
Palavra de Deus foi a conversão daquele homem.
Prosseguindo pela estrada, chegaram a um lugar onde havia água. O
eunuco disse: “Olhe, aqui há água. Que me impede de ser batizado?”
Disse Filipe: “Você pode, se crê de todo o coração”. O eunuco respon-
deu: “Creio que Jesus Cristo é o Filho de Deus”. Assim, deu ordem
para parar a carruagem. Então Filipe e o eunuco desceram à água,
e Filipe o batizou. Quando saíram da água, o Espírito do Senhor ar-
rebatou Filipe repentinamente. O eunuco não o viu mais e, cheio de
alegria, seguiu o seu caminho. (Versos 36 a 39)

Como escreveu o apóstolo Paulo em sua carta aos Romanos, como consequência, a
fé vem pelo ouvir as boas novas, e as boas novas vêm pela Palavra de Cristo (Romanos
10.17 - Versão King James).
Segundo o professor Júlio Zabatiero (2007, p. 17), a interpretação da Bíblia é uma
prática que tem diferentes sujeitos, tempos e espaços de realização. Dominicalmen-
te, pregadoras e pregadores explicam passagens bíblicas a pessoas que desejam
aprender, servir a Deus e tornar a vida mais feliz. Diariamente, isso é feito por meio
da televisão, em que telespectadores e telespectadoras são alcançados nos mais
distantes cantos da Nação e de outros países, com as mais variadas expectativas
e necessidades. Semelhantemente, professoras e professores de exegese e teolo-
gia bíblica ensinam estudantes a interpretar a Bíblia, seguindo padrões acadêmicos
precisos, visando formar mais pregadoras e pregadores e, quem sabe, mais inte-
lectuais da Teologia. Diariamente, fiéis de variadas confissões cristãs e de religiões
aparentadas ao cristianismo leem a Bíblia em momentos devocionais, nas horas de
apuro, nas celebrações familiares, para crescer na fé, cumprir obrigações religiosas
ou tantos outros fins. Além disso, muitas pessoas sem filiação eclesiástica leem a
Bíblia por prazer, devoção, para cumprir trabalhos acadêmicos, realizar pesquisas
linguísticas, literárias ou culturais. 2

2 ZABATIERO, Júlio. Manual de Exegese. São Paulo: Hagnos, 2007. p. 17.


Apresentação

Temos, então, que a Exegese e Hermenêutica Bíblicas são disciplinas que, com suas
ferramentas, nos instrumentalizam para chegarmos a um melhor entendimento da
Palavra de Deus e entendermos com amplitude que, como escreveu o frei Carlos
Mesters, citado por Rodrigues:
Deus nos fala na Bíblia não para que nos fechemos no estudo e na
leitura da Bíblia, mas para que, pela leitura e pelo estudo da Bíblia,
possamos ir descobrindo a Palavra viva de Deus dentro da vida e
dentro da história de nossa comunidade e de nosso povo. 3

Que seja assim conosco. Encerramos essa introdução com duas falas de Jesus, a pri-
meira é uma advertência – “Errais, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de
Deus” (Mateus 22.29). A segunda, que para nós funciona como um bom conselho
– “Examinais as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e elas mesmas são as
que dão testemunho de mim” (João 5.39).

A distância que vai entre a janela e os meus olhos determina o que vejo lá
fora na rua. Se fico mais perto, a visão se alarga; se fico de longe, a visão se
estreita. Se vou à esquerda, enxergo a praça; se vou à direita, eu vejo a torre.
Sou eu que determino o que aparece lá fora na rua para servir de panorama
aos meus olhos. Mas nem por isso é falso ou errado aquilo que vejo e descre-
vo, pois não sou eu que crio as coisas que aparecem lá fora. Já existiam antes
de mim. Não dependem de mim. É útil e até necessário que cada um defina
bem clara e honestamente aquilo que ele vê pela sua janela. Isso redundará
em benefício da análise que se faz da realidade e da vida. O que me consola
é que todos somos assim. Bem limitados e condicionados pelos próprios
olhos, dependentes uns dos outros. É trocando as experiências, numa con-
versa franca e humilde, que nos ajudamos mutuamente a enxergar melhor
as coisas que vemos, e a romper as barreiras que nos separam sem razão.
Pois ninguém é dono da verdade. Intérprete só.
MESTERS, Carlos. Por trás das palavras. Petrópolis: Vozes, 1974. p. 9. (Prefácio da
obra).

3 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus, palavra da gente: as formas literárias na Bíblia. São Paulo: Paulus,
2004. p. 5.
Apresentação

OBJETIVO DA DISCIPLINA – EXEGESE E HERMENÊUTICA BÍBLICAS

O objetivo desta disciplina é equipar o aluno de Teologia com as ferramentas bási-


cas das disciplinas de Exegese e Hermenêutica Bíblicas, pois entendemos de suma
importância, para um claro e responsável entendimento dos textos sagrados, que o
estudioso bíblico se dedique e, com grande zelo, procure manejar essas ferramentas
em seu trabalho interpretativo na busca da verdade da Palavra de Deus, seja para
sua vida, seja para os demais.
Nosso intuito é despertar os alunos da Teologia para a grande responsabilidade
diante dos versos da Bíblia Sagrada.
Em outras palavras, esta disciplina busca inserir os métodos básicos de estudos bí-
blicos e a aplicação do exercício exegético e hermenêutico visando possibilitar a
compreensão do texto e sua aplicação à experiência e prática da fé a partir dos es-
critos do Antigo e Novo Testamento.
Sendo assim, por meio das disciplinas, pretende-se apresentar alguns métodos de
leitura e interpretação bíblica, bem como verificar a utilidade desses para o trabalho
cotidiano na comunidade de fé e para o aprimoramento pessoal do conhecimento
bíblico, levando o(a) aluno(a) a desenvolver senso crítico a respeito dos ensinamen-
tos e práticas cristãs na atualidade, bem como oferecer instrumentos básicos para
trabalhar textos bíblicos com a finalidade de preparar artigos, estudos, sermões,
como também suas próprias meditações.
Uma palavra ao(à) aluno(a):
Seja bem-vindo(a) e que Deus o(a) abençoe em seus estudos.
Caro(a) aluno(a), nosso material está dividido em unidades (cinco), e cada unidade
concentra alguns temas muito importantes para nossa reflexão sobre a Evangeliza-
ção.
Na primeira unidade, trataremos de um panorama sobre a Bíblia Sagrada, buscando
oferecer algumas informações básicas. Teremos um tópico sobre a interpretação da
Bíblia e a necessidade de se interpretar. Apresentaremos também informações so-
bre revelação e inspiração e infalibilidade e inerrância.
Na segunda unidade, entraremos na questão da exegese. Apresentaremos informa-
ções sobre conceitos, descrição do termo, aspectos históricos, o texto original e a
exegese, como também a eisegese.
Já na terceira unidade, nos ocuparemos com a hermenêutica. Tópicos como descri-
ção do termo, método e regra, tipos de hermenêutica, critérios para a interpretação
bíblica, os principais bloqueios à interpretação bíblica, o risco das interpretações
equivocadas e o leitor/estudante como intérprete.
Na quarta unidade, nos ocuparemos com o texto numa perspectiva literária, gêne-
ros literários, figuras de linguagem, delimitação de um texto bíblico e hebraísmos.
Apresentação

Concluímos com a quinta unidade, onde teremos questões mais teóricas, especial-
mente em relação à transposição do abismo cultural gramatical e literário, o empre-
go do Antigo Testamento no Novo e contextualização.
Como escreve Fee e Stuart (2002, p. 13), na introdução de sua obra, com certa
frequência encontramos com alguém que diz com muito fervor: “você não precisa
interpretar a Bíblia; leia-a, apenas, e faça o que ela diz”. Usualmente, semelhante
observação reflete o protesto contra o “profissional”, o estudioso, o pastor, o cate-
drático ou o professor da Escola Dominical que, por meio de “interpretar”, parece
estar tirando a Bíblia do homem ou da mulher comum. É sua maneira de dizer que
a Bíblia não é um livro obscuro. “Afinal das contas”, argumenta-se, “qualquer pessoa
com metade de um cérebro pode lê-la e entendê-la. O problema com um número
demasiado de pregadores e professores é que cavam tanto que tendem a enlamear
as águas. O que era claro para nós quando a lemos já não é mais tão claro”. Há muito
de verdade em tal protesto. Concordamos que os cristãos devam aprender a ler a
Bíblia, crer nela e obedecê-la, e concordamos especialmente que a Bíblia não preci-
sa ser um livro obscuro, se for corretamente estudada e lida. Na realidade, estamos
convictos que o problema individual mais sério que as pessoas têm com a Bíblia
não é uma falta de entendimento, mas, sim, o fato de que entendem bem demais a
maior parte das coisas! O problema de um texto tal como: “Fazei tudo sem murmu-
rações e nem contendas” (Filipenses 2.14), por exemplo, não é compreendê-lo, mas,
sim, obedecê-lo – colocá-lo em prática. Concordamos, também, que o pregador ou
o professor estão por demais inclinados a escavar primeiro e a olhar depois, e assim
encobrir o significado claro do texto, que frequentemente está na superfície. Seja
dito logo de início – e repetido a cada passo, que o “alvo da boa interpretação não é
a originalidade, não se procura descobrir aquilo que ninguém jamais viu” (FEE, 2002,
p.13).
Bons estudos e
Deus o(a) abençoe!
13
sumário

UNIDADE I

A BÍBLIA SAGRADA

19 A Bíblia Sagrada

35 Bíblia – Dois Axiomas Importantes

38 A Interpretação Bíblica

41 A Necessidade da Interpretação Bíblica 

46 Bíblia Sagrada - Revelação e Inspiração

UNIDADE II

A EXEGESE BÍBLICA

63 Exegese Bíblica – Conceitos

65 Exegese Bíblica – Descrição Do Termo

69 Exegese Bíblica – Aspectos Históricos

76 A Exegese e o Texto Original

78 A Exegese na Prática

96 Eisegese
sumário

UNIDADE III

A HERMENÊUTICA BÍBLICA

105 Hermenêutica Bíblica – Descrição do Termo

114 Hermenêutica Bíblica – Método e Regras

121 Hermenêutica - Tipos

124 Hermenêutica e Interpretação da Bíblia

126 Critérios para a Interpretação da Bíblia

137 O Risco das Interpretações Equivocadas

139 O Leitor como Intérprete

UNIDADE IV

O TEXTO BÍBLICO

151 O Texto, Perspectiva Literária

155 Gêneros Literários da Bíblia

177 Figuras de Linguagem

178 Delimitação de Um Texto Bíblico

180 Hebraísmos

193 Observações Gerais sobre a Linguagem Bíblica


15
sumário

UNIDADE V

TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS

199 Transposição do Abismo Cultural, Gramatical e Literário

207 Antropomorfismo e Antropopatismo

212 A Importância da Língua Hebraica e Outros Recursos da Linguagem


Hebraica

220 O Emprego do Antigo Testamento no Novo Testamento

223 Contextualização – A Aplicação da Palavra de Deus para os Nossos Dias

235 Conclusão
237 Glossário
247 Referências
249 Anexos
Professor Me. Marcelo Aleixo Gonçalves

I
UNIDADE
A BÍBLIA SAGRADA

Objetivos de Aprendizagem
■■ Analisar as questões da interpretação bíblica.
■■ Analisar sobre a necessidade de interpretação.
■■ Verificar questões como: inspiração e revelação; infalibilidade e
inerrância.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ A Bíblia Sagrada
■■ A interpretação bíblica
■■ A necessidade da interpretação da Bíblia
■■ Bíblia Sagrada – inspiração e revelação
■■ Bíblia Sagrada – infalibilidade e inerrância
19

A Bíblia Sagrada

“Seca-se a relva, e cai a sua flor; mas a Palavra de nosso Deus permanece
para sempre”. (Isaías 40.8)

Oferecemos aqui, na abertura deste material de estudos, um breve comentário


sobre a Bíblia Sagrada.
Isso porque tudo o que vamos apresentar neste livro refere-se a estudos sobre
a Bíblia Sagrada, pois a Bíblia é o mais significativo de todos os livros e estudá-la
com esmero deve ser a mais nobre de todas as ocupações. Entendê-la, apreendê
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

-la e anunciá-la é o mais elevado de todos os objetivos. E devemos acrescentar


que buscar viver e permitir que as palavras desse livro façam parte ativa de nossa
vida cotidiana deve ser o alvo de cada um de nós, para a glória de nosso Senhor
e Salvador, Cristo Jesus.
Temos alguns versos bíblicos sobre este aspecto que merecem ser lidos:
Josué 1.8 – “Não deixe de falar as palavras deste Livro da Lei e de meditar
nelas de dia e de noite, para que você cumpra fielmente tudo o que nele está
escrito. Só então os seus caminhos prosperarão e você será bem-sucedido”.
Provérbios 30.5 – “Cada palavra de Deus é comprovadamente pura; ele é
um escudo para quem nele se refugia”.
Hebreus 4.12 – “Pois a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais afiada que
qualquer espada de dois gumes; ela penetra até o ponto de dividir alma e
espírito, juntas e medulas, e julga os pensamentos e intenções do coração”.
Salmo 119.97-108 –
97 Como eu amo a tua lei! Medito nela o dia inteiro. 98 Os teus manda-
mentos me tornam mais sábio que os meus inimigos, porquanto estão
sempre comigo. 99 Tenho mais discernimento que todos os meus mes-
tres, pois medito nos teus testemunhos. 100 Tenho mais entendimento
que os anciãos, pois obedeço aos teus preceitos. 101 Afasto os pés de
todo caminho mau para obedecer à tua palavra. 102 Não me afasto das
tuas ordenanças, pois tu mesmo me ensinas. 103 Como são doces para
o meu paladar as tuas palavras! Mais que o mel para a minha boca!
104 Ganho entendimento por meio dos teus preceitos; por isso detesto
todo caminho de falsidade. 105 A tua palavra é lâmpada que ilumina
os meus passos e luz que clareia o meu caminho. 106 Prometi sob ju-
ramento e o cumprirei: vou obedecer às tuas justas ordenanças. 107
Passei por muito sofrimento; preserva, Senhor, a minha vida, conforme

A Bíblia Sagrada
I

a tua promessa. 108 Aceita, Senhor, a oferta de louvor dos meus lábios,
e ensina-me as tuas ordenanças.

Cremos que a Bíblia é a Palavra de Deus, traz em seus versos a verdade da Palavra
imutável de Deus. Apesar das mudanças nas opiniões teológicas, das novas luzes
lançadas pela arqueologia e por outras ciências sobre o significado e a veracidade
das Escrituras e sobre as percepções racionais humanas em questões interpreta-
tivas complexas, a verdade incomparável da Palavra de Deus ainda permanece
de pé e permanecerá para sempre, pois como afirmou Jesus – “Os céus e a terra
passarão, mas as minhas palavras jamais passarão”. (Mateus 24.35)

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A palavra “Bíblia” designa as Escrituras do Antigo e Novo Testamentos reco-
nhecidas e empregadas pelas igrejas cristãs, entretanto, o judaísmo reconhece
somente as Escrituras do Antigo Testamento.
Cremos que só existe uma Bíblia, incomparável, singular em relação a todas
as outras literaturas ditas sagradas, porque: (1) é a revelação de Deus; (2) é ins-
pirada por Deus (II Timóteo 3.16) e inspirada num sentido diferente de todas as
outras literaturas; (3) revela os planos e os propósitos de Deus para as eras pas-
sadas e para a eternidade; (4) centra-se no Deus encarnado em Jesus Cristo, o
Salvador da humanidade (Hebreus 1.1-2).
O Antigo Testamento foi escrito quase que totalmente em hebraico, um dia-
leto semítico da família do fenício e do ugarítico. Nele, há uns poucos trechos
escritos em aramaico (abaixo informamos), outra língua semítica da família do
hebraico.
■■ A Bíblia é um Livro divino. Sua origem é em Deus, Ele mesmo é o autor.
Para escrevê-la chamou e capacitou homens inteiramente submissos a Ele
e com grande sujeição ao Espírito Santo. No texto sagrado Deus comunica
aos homens o Seu amor, a Sua salvação e a Sua santa vontade.
■■ Para escrever os diferentes livros que compõem a Bíblia Deus serviu-Se
de aproximadamente 40 homens1 diferentes, em épocas diferentes, num
período de mais ou menos 1600 anos (1400 a.C. – 100 d.C.).
■■ O Antigo Testamento é escrito todo ele antes do nascimento de Cristo,

1 Curiosidade: há quem diga que a Sulamita escreveu parte do livro de Cantares, como também temos estudiosos que dizem
que ela é que narra toda a história e alguém registrou.

A BÍBLIA SAGRADA
21

escrito em hebraico (alguns linguistas apontam que Esdras 4.8 a 6.18;


7.12-26; Jeremias 10.11; Daniel 2.4 a 7.8 foram lavrados em aramaico) e
composto, na versão protestante, de 39 livros.
■■ Os livros canônicos numa Bíblia hebraica de hoje são 24, sendo dividi-
dos em três partes: (1) A Lei (Torah); (2) Os profetas (Nebhiim); (3) os
Escritos (Ketubim), também denominadas “os Salmos” (Lucas 24.44). Essa
divisão é antiga, sendo claramente implícita no prólogo do livro apócrifo
de Eclesiástico, conhecida por Fílon e mencionada pelo Senhor (Lucas
24.22). A classificação, porém, sofreu algumas mudanças visíveis, com
livros passando da segunda para a terceira divisão nos primeiros sécu-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

los cristãos. A forma que nos chegou do período massorético (600-900


d.C.) é a seguinte:
1. A Lei (Torah), 5 livros: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números, Deuteronômio.
2. Os Profetas (Nebhiim), 8 livros: Profetas anteriores – Josué, Juízes, Samuel
e Reis. Profetas Posteriores – Isaías, Jeremias, Ezequiel, os Doze.
3. Os Escritos, 11 livros: Poéticos – Salmos, Provérbios e Jó. Os rolos
(Megilloth) – Cantares de Salomão, Rute, Lamentações, Eclesiastes e
Ester. Livros Profético-Históricos: Daniel, Esdras-Neemias e Crônicas.2
■■ O Novo Testamento tem como referência maior o nascimento de Cristo,
é assim que se estabelece seu início. Escrito em grego, (há quem defenda
que Mateus foi escrito em hebraico) também possui algumas poucas
frases ou palavras em aramaico, por ser esta a língua dos judeus após o
cativeiro assírio e a língua que Jesus e Seus discípulos utilizavam. É com-
posto de 27 livros.
■■ A palavra Bíblia vem do grego, bíblia, forma plural de bíblion, que signi-
fica “Livro”, essa palavra, por sua vez, derivou-se da palavra que significa
“papiro”.
■■ A palavra “Testamento” – diatheke (termo utilizado na Septuaginta), entre
outros, significa “pacto”.
■■ Cânon Protestante do Antigo Testamento (39 livros) é idêntico ao Cânon
hebreu da Palestina.

2 UNGER, Merrill Frederick. Manual Bíblico Unger. Revisado por Gary N. Larson. Tradução Eduardo Pereira e Lucy
Yamakami Ferreira. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 12.

A Bíblia Sagrada
I

■■ O Antigo Testamento na versão utilizada pelo Catolicismo Romano adi-


ciona onze dos quatorze livros apócrifos da versão LXX, a Bíblia grega
dos judeus das áreas fora da Palestina.
■■ Por volta do século II d.C., os cristãos gregos já chamavam suas Escrituras
Sagradas de ta Bíblia, ou seja, “os livros”. Quando esse título foi então
transferido para a versão latina, traduzido no singular, dando a entender
que “o livro” é a Bíblia.
■■ Deus revelou às pessoas tudo o que lhes era necessário, e ainda é, para
serem salvos, alcançarem o perdão dos pecados e para poderem viver uma

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
vida de plena obediência e consagração a Deus. E, levando em conta a fra-
gilidade humana, Deus revelou-Se de forma progressiva, onde a plenitude
dessa revelação acontece na Pessoa do Senhor Jesus Cristo.
■■ A primeira parte da Bíblia, os cinco primeiros livros (Pentateuco) foram
dedicados a Moisés. A escrita efetiva deve ter ocorrido no reinado de
Salomão, porém é indiscutível que o principal personagem da história
de Israel neste período fora Moisés. Temos Abraão como o patriarca que
principia essa história e Moisés. o homem usado por Deus para o projeto
da libertação e condução na caminhada para a terra prometida, destino
final para o estabelecimento deste povo.
■■ Os escritores bíblicos serviram-se de três idiomas: Hebraico; Aramaico
e Grego (koiné).
Hebraico = língua tradicional do povo de Israel no período veterotesta-
mentário.
Aramaico = língua de vários povos vizinhos e que chega a ser utilizada
por Jesus.
Grego = língua do dominante, comercial, praticamente oficial no tempo
dos apóstolos.
■■ Os primeiros livros bíblicos (Pentateuco) foram escritos por volta de 1500
a.C. (data presumida).
■■ Os livros bíblicos foram escritos (supõem-se) no período de:

1500 a.C.----------------------- 1C ------------------------100 d.C.


■■ Cremos na inspiração divina no que se refere à Bíblia Sagrada. Cremos
que foi obra do Espírito Santo a revelação dada a cada autor dos textos

A BÍBLIA SAGRADA
23

sacros. A unidade de pensamentos e a organização que percebemos na


Bíblia colaboram em muito com a crença da inspiração divina, pois se
trata de diversos escritores em épocas, geografias e culturas muito varia-
das, mesmo assim é fácil perceber coerência e unidade nos escritos. A
revelação bíblica é progressiva, e teologicamente a entendemos de duas
formas: direta e indireta.
■■ Toda a Bíblia deixa claro que Deus estava instruindo sobre a formação
de um povo que toma lugar na história, com legislação própria e normas
de conduta pessoal e coletiva.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

■■ O Antigo Testamento é geralmente apresentado em duas divisões: 1-


Divisão Judaica e 2- Divisão Cristã.

O Antigo Testamento é o conjunto dos livros bíblicos anteriores aos Evangelhos.


Baseando-se em II Coríntios 3.14 – “Na verdade a mente deles se fechou, pois até
hoje o mesmo véu permanece quando é lida a antiga aliança. Não foi retirado, por-
que é somente em Cristo que ele é removido”. Tertuliano e Orígenes deram este
título à primeira e maior porção da Bíblia Sagrada. É a antiga aliança, ou pacto,
entre Deus e os homens, antes da vinda de Cristo.

■■ A divisão da Bíblia em capítulos aconteceu em 1227 d.C., foi feita por


Stephen Langton.
■■ A divisão da Bíblia em versículos aconteceu em 1551 d.C., foi feita pelo
francês Robert Stevens ou Stephanus (conforme alguns tradutores).
■■ A Bíblia Protestante é composta de 66 livros, 1.189 capítulos, 31.173 ver-
sículos, mais de 773.000 palavras e aproximadamente 3.600.000 letras.
Gasta-se em média 50 horas (38 A.T. e 12 N.T.) para lê-la ininterrupta-
mente ou pode-se lê-la em um ano seguindo estas orientações: 3,5 ca-
pítulos diariamente ou 23 por semana ou ainda, 100 por mês em média.

A Bíblia Sagrada
I

O Antigo Testamento é composto de 39 livros (Bíblia protestante)3 que são


divididos (divisão ampla, não pormenorizada) como abaixo:

17 Livros Históricos: 5 Livros Poéticos: Profetas Menores:


Gênesis Jó Oséias
Êxodo Salmos Joel
Levítico Provérbios Amós
Números Eclesiastes Obadias
Deuteronômio Cantares Jonas

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Josué Miquéias
Juízes Naum
Rute Habacuque
I Samuel Profetas Maiores: Sofonias
II Samuel Isaías Ageu
I Reis Jeremias Zacarias
II Reis Lamentações Malaquias
I Crônicas Ezequiel
II Crônicas Daniel
Esdras
Neemias
Ester

Em relação ao Novo Testamento, apresentamos também um breve comentário.


Enquanto o Antigo Testamento cobre um período de milhares de anos de
história, o Novo Testamento cobre menos de um século, embora um século
marcante, pois começaram a se cumprir as profecias messiânicas, ganhou concre-
tude o plano divino da redenção dos homens, por intermédio do Filho do Deus
Vivo, Jesus Cristo, vemos formação da Igreja – Corpo de Cristo, tudo isso fun-
damentado sobre o novo pacto, a graça, no qual Deus se ofereceu para perdoar

3 Na Bíblia católica romana são mais livros. Pentateuco: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números,
Deuteronômio. Proféticos: Josué, Juízes, I e II Samuel, I e II Reis, Isaías, Jeremias, Ezequiel, Oséias,
Joel, Amós, Abdias (protestante: Obadias), Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc (Habacuque), Sofonias,
Ageu, Zacarias, Malaquias. Escritos: Salmos, Jó, Provérbios, Rute, Cântico dos Cânticos, Eclesiastes,
Lamentações, Ester, Daniel, Esdras, Neemias, I e II Crônicas. Deuterocanônicos: Judite, Tobit (Tobias), I e
II Macabeus, Sabedoria, Eclesiástico (Sirácida), Baruc (Baruque).

A BÍBLIA SAGRADA
25

os pecados daqueles que creem em Jesus Cristo, em virtude de Seu sacrifício de


cruz – ápice do amor.
Novo Testamento significa novo pacto, nova aliança, em contraste com a
antiga aliança, que ensinava que o perdão dos pecados só ocorreria à vista de
sacrifícios de animais, algo que ocorria como símbolo antecipado e provisório
daquele verdadeiramente e definitivo sacrifício de Cristo.
Hebreus 7.22-28
22 Jesus tornou-se, por isso mesmo, a garantia de uma aliança superior.
23 Ora, daqueles sacerdotes tem havido muitos, porque a morte os im-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

pede de continuar em seu ofício; 24 mas, visto que vive para sempre,
Jesus tem um sacerdócio permanente. 25 Portanto, ele é capaz de salvar
definitivamente aqueles que, por meio dele, aproximam-se de Deus,
pois vive sempre para interceder por eles. 26 É de um sumo sacerdote
como este que precisávamos: santo, inculpável, puro, separado dos pe-
cadores, exaltado acima dos céus. 27 Ao contrário dos outros sumos
sacerdotes, ele não tem necessidade de oferecer sacrifícios dia após dia,
primeiro por seus próprios pecados e, depois, pelos pecados do povo.
E ele o fez uma vez por todas quando a si mesmo se ofereceu. 28 Pois a
Lei constitui sumos sacerdotes a homens que têm fraquezas; mas o ju-
ramento, que veio depois da Lei, constitui o Filho perfeito para sempre.

Gundry4 escreve que o vocábulo “testamento” transmite-nos a ideia de uma última


vontade, e um testamento que só passa a ter efeito na eventualidade da morte do
testador. Assim é que o novo pacto entrou em vigor em face da morte de Jesus.
Hebreus 9.11-17
11 Quando Cristo veio como sumo sacerdote dos benefícios agora
presentes, ele adentrou o maior e mais perfeito Tabernáculo, não feito
pelo homem, isto é, não pertencente a esta criação. 12 Não por meio de
sangue de bodes e novilhos, mas pelo seu próprio sangue, ele entrou
no Santo dos Santos, de uma vez por todas, e obteve eterna redenção.
13 Ora, se o sangue de bodes e touros e as cinzas de uma novilha espa-
lhadas sobre os que estão cerimonialmente impuros os santificam, de
forma que se tornam exteriormente puros, 14 quanto mais o sangue
de Cristo, que pelo Espírito eterno se ofereceu de forma imaculada a
Deus, purificará a nossa consciência de atos que levam à morte, para
que sirvamos ao Deus vivo! 15 Por essa razão, Cristo é o mediador de
uma nova aliança para que os que são chamados recebam a promessa
da herança eterna, visto que ele morreu como resgate pelas transgres-
sões cometidas sob a primeira aliança. 16 No caso de um testamento,

4 GUNDRY, Robert H. Panorama do Novo Testamento. São Paulo: Edições Vida Nova, 2004.
A Bíblia Sagrada
I

é necessário que se comprove a morte daquele que o fez; 17 pois um


testamento só é validado no caso de morte, uma vez que nunca vigora
enquanto está vivo quem o fez.

Como escreve Walter M. Dunnett5, o mundo do Novo Testamento era ativo e


estimulante. Todos os caminhos levavam a Roma, os Césares dominavam a maior
parte do mundo habitado e, em uma pequena cidade da Palestina, nasceu Alguém
que mudaria o mundo! Depois do período em que Cristo viveu nesta terra, surge
a igreja cristã, primeiramente como um grupo reduzido de homens e mulhe-
res, e se expande, passando a reunir grande multidão de pessoas. Os livros do

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Novo Testamento foram escritos para instruir os cristãos de congregações locais
e informá-los a respeito da vida e dos ensinos de Cristo. No entanto, esses fatos
não ocorreram repentinamente, foram o resultado de uma preparação realizada
pelo próprio Deus: “... vindo, porém, a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho”
(Gálatas 4.4). Nos anos que precederam a vinda de Cristo, o Senhor transmitia
a sua palavra por intermédio de homens que influenciaram a vida cotidiana dos
povos do mundo de então. Muitos desses povos tiveram um papel importante
na era pré-cristã, entre os três mais importantes estão os hebreus e sua religião,
os gregos e sua língua e os romanos e sua organização político-social.
Escrita originalmente em grego, entre 45-95 d.C., a coleção dos livros do
Novo Testamento é tradicionalmente atribuída aos apóstolos Pedro, João, Mateus
e Paulo, bem como a outros antigos autores cristãos, João Marcos, Lucas, Tiago
e Judas. Em nossas Bíblias modernas, os livros do Novo Testamento não estão
arranjados na ordem cronológica em que foram escritos. Exemplificando, as pri-
meiras epístolas de Paulo foram os primeiros livros do Novo Testamento a ser
escritos (com a única exceção possível da epístola de Tiago), e não os Evangelhos6.

Temos também como Pessoa fundamental neste período neotestamentário


o Espírito Santo e como palavra mais inovadora – a Graça.

5 DUNNETT, Walter M. Panorama do Novo Testamento. Tradução Bruno Guimarães Destefani. São
Paulo: Vida Nova, 2005.
6 Os Evangelhos não aparecem em ordem cronológica correta, pois o Evangelho de Marcos é entendido
como o primeiro, seguido por Mateus, Lucas e João, este escrito por volta de 30 anos depois dos
anteriores.

A BÍBLIA SAGRADA
27

E mesmo o arranjo das epístolas paulinas não segue a sua ordem cronológica,
porquanto Gálatas (ou talvez I Tessalonicenses) foi a epístola escrita bem antes
daquela dirigida aos Romanos, a qual figura em primeiro lugar em nossas Bíblias
pelo fato de ser a mais longa das epístolas de Paulo.7
Os Evangelhos abrem o Novo Testamento, porém precisamos saber que
Evangelho é um tipo de literatura bastante diferente de outros escritos antigos
e modernos. Evangelho é um gênero de literatura, utilizado especialmente no
cristianismo primitivo, no qual apresenta as passagens acerca da vida, obras e
palavras de Jesus apontando para a essência da pregação: a obra redentora de
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Deus por intermédio de Cristo. Assim, os Evangelhos são as boas notícias de


Deus manifestas na vida, no ministério, na morte, no sepultamento, na ressur-
reição e na ascensão de Jesus Cristo.
Os Evangelhos8 são chamados também de biografias, em relação a Jesus. Faz-se
uma diferenciação: Evangelhos Sinópticos9 e Evangelho de João. De forma resu-
mida, entende-se por Evangelhos Sinópticos os três primeiros Evangelhos escritos,
por apresentarem, sob o mesmo ponto de vista, a vida de Cristo. Eles comple-
mentam a descrição do Filho de Deus apresentada por João em seu Evangelho.

7 GUNDRY, Robert H. Panorama do Novo Testamento. São Paulo: Edições Vida Nova, 2004.
8 Em sua origem, a palavra ‘evangelho’ não se referia aos quatro primeiros escritos apresentados no Novo
Testamento, referia-se aos anúncios proclamados oralmente, ‘evangelho’ é “boa notícia”. [grego: evaggélion
= boa notícia].
9 Os sinópticos: o nome “sinóptico” foi dado aos escritos dos três primeiros Evangelhos pelo pesquisador
alemão J. J. Griesbach, em sua obra Synopsis evangeliorum (Sinopse dos Evangelhos), publicada em Halle,
em 1776. Com efeito, Mateus, Marcos e Lucas têm semelhanças e diferenças, a ponto de se tornar possível
imprimi-los em três colunas e com uma visão simultânea verificar concordâncias e divergências. Não
se trata de uma concordância substancial com uma ou outra diferença. Não é isso. Teríamos, então, três
cópias de um mesmo texto. Mas também não se trata de uma discordância que possa ser considerada
substancial com alguma identificação. Nesse caso, teríamos três textos que sofreram mútua influência.
(...) Os três concordam quanto à sucessão dos fatos: Jesus inicia Seu ministério na Galileia, atravessa a
Samaria e chega a Jerusalém, onde tem o encontro com a morte; os três também concordam quanto à
parte interna das seções e até na escolha das próprias palavras. As divergências são de naturezas diversas
(MARCONCINI, 2001).

A Bíblia Sagrada
I

Conforme escreve Pearlman (2006), os pontos de diferença entre os Sinópti-


cos e o Evangelho de João são os seguintes:
Os sinópticos contêm uma mensagem evangélica para os homens não espi-
rituais; o de João contém uma mensagem espiritual para os cristãos.
Nos três, vemos Seu ministério na Galileia; no quarto, de modo especial, o
ministério na Judeia.
Nos três, sobressai a vida pública; no quarto, é revelada Sua vida particular.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Nos três, impressiona Sua humanidade real e perfeita; no quarto, Sua divin-
dade admirável e verdadeira.
Fonte: PEARLMAN, Myer. Através da Bíblia livro por livro. São Paulo: Editora Vida,
2006.

Poderíamos fazer uma pergunta: Por que são quatro Evangelhos? Não ofe-
recendo grande profundidade, podemos, no entanto, responder que são quatro
pelo fato de ter havido, no tempo dos apóstolos, quatro grupos representativos
entre o povo, a saber: os judeus, os romanos, os gregos e a Igreja10 (igreja com-
posta pelos convertidos desses três grupos).
Cada evangelista se propôs a escrever para um desses grupos, adaptando-
se ao caráter, às necessidades e aos ideais deles. E outro ponto a se considerar é
que um Evangelho só não teria sido suficiente para apresentar os vários aspectos
da personalidade de Cristo. Cada um dos evangelistas focaliza-O de um ângulo
diferente. Mateus apresenta-O como Rei; Marcos, como conquistador e servo;
Lucas, como o Filho do homem; João, como o Filho de Deus.
Apresentamos abaixo um texto introdutório de Myer Pearlman que contri-
bui com nossa explanação:
O fato de os evangelistas terem escrito os seus relatos de diferentes pontos
de vista explicará as diferenças entre eles, suas omissões e adições, a aparente
contradição ocasional e a falta de ordem cronológica. Os autores não procura-
ram produzir uma biografia completa de Cristo. Levando em consideração as

10 Igreja aqui referindo-se especialmente aos destinatários do Evangelho de João.

A BÍBLIA SAGRADA
29

necessidades e o caráter do povo para o qual (prioritariamente) escreviam, esco-


lheram os acontecimentos e discursos que destacassem exatamente sua mensagem
especial. Mateus, por exemplo, escrevendo para o povo judeu, fez que tudo no
seu evangelho – a seleção de discursos e acontecimentos, as omissões e adições,
o agrupamento dos fatos – servisse para realçar a missão messiânica de Jesus.11
Há também um livro classificado como histórico – Atos dos Apóstolos. É o
segundo livro da autoria de Lucas, contendo a história do nascente cristianismo,
é fundamental e rico em detalhes para o entendimento do cotidiano da igreja pri-
mitiva. Esse livro dá continuidade à investigação apurada de Lucas sobre a vida
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

e obra de Jesus narrada no terceiro Evangelho. Seu objetivo é enviar a Teófilo os


resultados da obra dos apóstolos de Cristo pelo poder do Espírito Santo.
Lucas 1.1-4
1 Muitos já se dedicaram a elaborar um relato dos fatos que se cum-
priram entre nós, 2 conforme nos foram transmitidos por aqueles que
desde o início foram testemunhas oculares e servos da palavra. 3 Eu
mesmo investiguei tudo cuidadosamente, desde o começo, e decidi
escrever-te um relato ordenado, ó excelentíssimo Teófilo, 4 para que
tenhas a certeza das coisas que te foram ensinadas.

Atos dos Apóstolos 1.1-5


1 Em meu livro anterior, Teófilo, escrevi a respeito de tudo o que Jesus
começou a fazer e a ensinar, 2 até o dia em que foi elevado aos céus,
depois de ter dado instruções por meio do Espírito Santo aos apóstolos
que havia escolhido. 3 Depois do seu sofrimento, Jesus apresentou-se
a eles e deu-lhes muitas provas indiscutíveis de que estava vivo. Apare-
ceu-lhes por um período de quarenta dias falando-lhes acerca do Rei-
no de Deus. 4 Certa ocasião, enquanto comia com eles, deu-lhes esta
ordem: “Não saiam de Jerusalém, mas esperem pela promessa de meu
Pai, da qual lhes falei. 5 Pois João batizou com água, mas dentro de
poucos dias vocês serão batizados com o Espírito Santo”.

Já as Epístolas12 escritas pelos apóstolos e seus cooperadores são diferentes das


cartas que a maior parte das pessoas escreveria hoje, isso porque os materiais e ins-
trumentos não eram abundantes, o que fazia com que os escritores economizassem

11 PEARLMAN, Myer. Através da Bíblia livro por livro. São Paulo: Editora Vida, 2006.
12 As Epístolas (cartas) foram escritas pelos apóstolos e seus cooperadores, são no total 21 e subdividem-
se em: 9 paulinas (às igrejas); 4 pastorais de Paulo (I e II Timóteo, Tito e Filemom); as Gerais (também
chamadas de católicas ou seja universais) são 8 e levam o nome de seus autores.

A Bíblia Sagrada
I

espaço quando escreviam.


Além disso, os cumprimentos e os pedidos [por bênçãos espirituais]
nas cartas do Novo Testamento são diferentes daqueles contidos nas
correspondências que vemos nos dias de hoje. Entretanto, são similares
às introduções e conclusões encontradas em outros escritos de mesmo
gênero do primeiro século. Os escritores do Novo Testamento redigi-
ram suas cartas a fim de solucionar problemas na Igreja e/ou transmitir
o Evangelho de Jesus Cristo àqueles que precisavam ouvir sobre Ele.13

Isto é, as Epístolas apresentam a interpretação da Pessoa e da obra de Jesus Cristo


e aplicam Seus ensinamentos à vida dos cristãos. A maioria das Epístolas, pelo

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
menos treze delas, é de autoria do apóstolo Paulo. Muitas foram redigidas em
forma de carta, e há uma curiosidade sobre elas, das vinte e uma, todas trazem
o nome do autor, exceto a remetida aos hebreus14 e as três Epístolas de João.
Nove dos escritos paulinos foram enviados a igrejas e quatro foram ende-
reçados a pessoas em particular. A maioria deles trata de problemas existentes
nas igrejas (Efésios é uma exceção). Alguns apresentam um tom bastante pessoal
(Filipenses e II Coríntios); outros aparentam ser mais formais, quase como uma
tese científica, e em suas divisões principais (excluindo-se a introdução pessoal
e a conclusão) trazem um tom bastante impessoal. Romanos provavelmente é o
exemplo mais notável. Além disso, as cartas de Paulo apresentam uma grande
variedade de conteúdo e fazem um excelente equilíbrio entre assuntos doutri-
nários e práticos.15
As demais Epístolas, que são procedentes de outros autores, podem ser divi-
didas em duas categorias básicas. Algumas tratam, sobretudo, do sofrimento
[Hebreus, Tiago e I Pedro], já nas outras, o tema central são os falsos ensinos [II
Pedro, I, II e III João e Judas]. Isto ocorre porque eram os dois problemas mais
sérios constatados naquele contexto à medida que o primeiro século se desen-
rolava. Historicamente, é possível observar que inicialmente a perseguição veio
por meio dos oponentes judeus e, mais tarde, pelo Império Romano (a partir de

13 RADMACHER, Earl D.; ALLEN, Ronald B.; HOUSE, H. Wayne (editores). O Novo Comentário Bíblico
Novo Testamento. Rio de Janeiro: Central Gospel, 2010.
14 Há entre os comentadores uma dúvida sobre o autor de Hebreus, mas pela forma de escrita e tema,
alguns atribuem a autoria a Apolo, um discípulo do apóstolo Paulo.
15 DUNNETT, Walter M. Panorama do Novo Testamento. Tradução Bruno Guimarães Destefani. São
Paulo: Vida Nova, 2005.

A BÍBLIA SAGRADA
31

64 d.C.), o que não era de surpreender, pois Jesus já havia advertido Seus segui-
dores com relação ao surgimento de falsos cristos e de falsos profetas, Mateus
24.24-25: “Pois aparecerão falsos cristos e falsos profetas que realizarão grandes
sinais e maravilhas para, se possível, enganar até os eleitos. 25 Vejam que eu os
avisei antecipadamente.”, e não é diferente do que o apóstolo Paulo escreveu aos
presbíteros de Éfeso, Atos dos Apóstolos 20.28-30:
28 Cuidem de vocês mesmos e de todo o rebanho sobre o qual o Espírito
Santo os colocou como bispos16, para pastorearem a igreja de Deus, que ele com-
prou com o seu próprio sangue. 29 Sei que, depois da minha partida, lobos ferozes
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

penetrarão no meio de vocês e não pouparão o rebanho. 30 E dentre vocês mes-


mos se levantarão homens que torcerão a verdade, a fim de atrair os discípulos.
Podemos lembrar também que na época em que João escreveu suas cartas,
sua preocupação foi denunciar os gnósticos17, pois eram como praga no meio
da igreja e as Epístolas de João foram prioritariamente uma resposta para este
equívoco doutrinário.
Há também no Novo Testamento um livro escrito de forma profética (escato-
lógica) ou apocalíptica, um gênero de literatura familiar aos judeus. O Apocalipse
(do grego: revelação, desvelar) transmite, em termos claros e comoventes, o triunfo
definitivo de Cristo sobre Seus inimigos, concordando assim com os anúncios
proféticos acerca da vitória do Messias e dos discursos de Jesus, por exemplo,
registrados em Mateus 24 e Marcos 13, que tratam da Sua segunda vinda. Em
outras questões que denunciavam o momento histórico em que o apóstolo João
estava inserido, a sua escrita é carregada de símbolos, o que exige grande pre-
paro e pesquisa no entendimento de seus versos. Em Apocalipse, percebemos
a descrição do clímax da redenção, o momento definitivo, e isso se cumpre nas
próprias palavras de João (Apocalipse 11.15): “... O reino do mundo se tornou de
nosso Senhor e do seu Cristo, e ele reinará para todo o sempre”.

16 Ou epíscopo, pessoa com atuação pastoral.


17 Gnosticismo: antigo movimento religioso grego de amplas proporções, particularmente influente
na igreja do século II. Muitos intérpretes da Bíblia veem em certos documentos do Novo Testamento,
especialmente em I João, uma tentativa de refutar o ensino gnóstico. A palavra gnosticismo deriva-
se do tremo grego gnosis, que significa “conhecimento”. Os gnósticos acreditavam que os seus devotos
adquiriram um tipo especial de iluminação espiritual, alcançando por ela um nível secreto ou mais
elevado de conhecimento não acessível aos não iniciados. Os gnósticos também tinham a tendência de
realçar a esfera espiritual em detrimento da material, muitas vezes afirmando que esta é má e por isso deve
ser evitada. Fonte: Dicionário de Teologia / Stanley J. Grenz / Editora Vida).

A Bíblia Sagrada
I

Como apresentamos na seção anterior, em relação à divisão literária do


Novo Testamento há muitas sugestões, mas, de forma geral, ela ocorre refle-
tindo a sequência lógica do plano de Deus; primeiro, os Evangelhos e Atos dos
Apóstolos, que constituem a base histórica necessária à compreensão e aprecia-
ção devida dos escritos posteriores, enfocam, nesse sentido, os relatos da vida de
Cristo e da origem da Igreja como essenciais. “Precisamos conhecer a história de
seu fundador antes de analisar a superestrutura que para ela foi estabelecida”.18
Sequencialmente, temos as cartas paulinas, gerais e o Apocalipse.
Os 27 livros do Novo Testamento, para efeito de estudos, podem ser dividi-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
dos em quatro categorias amplas:

Evangelhos:
Evangelhos Sinópticos: Mateus, Marcos e Lucas.
Evangelho: João

Histórico:
Livro histórico: Atos dos Apóstolos

Epístolas:

Epístolas Paulinas (cartas): Romanos, I e II Coríntios, Gálatas, Efésios,


Filipenses, Colossenses, I e II Tessalonicenses,
I e II Timóteo, Tito, Filemom.
Epístolas Gerais (cartas pastorais): Hebreus, Tiago, I e II Pedro, I, II e III João,
Judas.

Profecia:
Livro profético (revelação): Apocalipse

18 DUNNETT, Walter M. Panorama do Novo Testamento. Tradução Bruno Guimarães Destefani. São
Paulo: Vida Nova, 2005.

A BÍBLIA SAGRADA
33

O professor Júlio Zabatiero (2007, p. 20-22), escreve que a Bíblia é um livro dife-
rente e explica:
A Bíblia não é um livro, mas uma pequena biblioteca de 66 livros (no
cânon protestante) ou 73 (no cânon católico romano). Uma biblioteca
de duas religiões: judaica e cristã; de dois mundos culturais: oriental
e ocidental; de livros provenientes de lugares e épocas diferentes; de
livros escritos em três idiomas distintos (hebraico, aramaico e grego)
e traduzido para inúmeros idiomas. Uma biblioteca sem as primeiras
edições – não temos nenhum manuscrito original, apenas cópias an-
tigas também manuscritas, que serviram de base para as edições im-
pressas dos textos nas línguas e nas traduções. Uma biblioteca de livros
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

com os mais variados gêneros literários e temas: narrativas, leis, cartas,


interpretações da história do povo de Deus, profecias, exortações, can-
ções litúrgicas, canções de amor etc.

Outra peculiaridade dos livros bíblicos em relação às nossas práticas de escrever


livros é que boa parte deles não foi escrita pela mesma pessoa, nem num curto
período. Para ser exato, nem deveríamos chamar os livros da Bíblia de “livros”,
pois isso já nos faz pensar em um tipo muito específico de obra. Veja o “livro” de
Salmos – não se trata realmente de um livro, mas de uma coletânea de orações,
poemas e hinos litúrgicos, escritos por pessoas diferentes, em épocas e lugares
distintos, e usados em diversas liturgias e festividades cúlticas ao longo da his-
tória de Israel (...).
Os doze “livros” dos profetas menores, por sua vez, eram considerados um
único “livro” nos tempos bíblicos, após sua escrita, porque eles ocupavam um
“rolo” de pergaminho. A chamada “literatura paulina” se compõe exclusiva-
mente de cartas, assim como as “obras” de Pedro e Judas, e há um livro do Novo
Testamento que não é nem livro, nem carta, nem sermão: a epístola aos Hebreus.19
Temos então que a Bíblia é um livro de livros, sessenta e seis, divididos em
dois testamentos ou alianças. Os nomes Antigo Testamento e Novo Testamento,
embora não comumente usados até o fim do segundo século, focalizam as duas
grandes alianças feitas por Deus com Seu povo: a Aliança Mosaica (Êxodo 24.8;
II Reis 23.2) e a Nova Aliança (Mateus 26.28).
A tradução da Bíblia pode servir de ilustração aos problemas da tradução

19 ZABATIERO, Júlio. Manual de Exegese. São Paulo: Hagnos, 2007. p. 20-22

A Bíblia Sagrada
I

em geral. A Bíblia chega-nos de um modo distante no tempo, espaço e língua.


As variadas traduções e toda sua terminologia técnica (versão, versão revista,
versão atualizada, revisão, transliteração, recensão, tradução idiomática, tradu-
ção literal modificada, tradução dinâmica, paráfrase) mostram a tentativa de
mediar o hiato existente entre a língua receptora e o contexto histórico e social
diferenciado entre os dois mundos.20

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
■■ O conteúdo do Antigo Testamento é idêntico ao do hebraico. A única
diferença está no arranjo do material. Nossos tradutores seguiram a or-
dem dos livros da tradução Septuaginta (grego), feita em 280-150 a.C.
Os católicos romanos seguiram ainda mais a tradição Septuaginta, in-
cluindo 11 livros apócrifos.
■■ Por questões cronológicas, os Evangelhos, embora compostos depois
de muitas epístolas, foram colocados antes de Atos e das epístolas em
coleções completas. Catalogando a vida terrena e o ministério do Se-
nhor, eles precedem naturalmente Atos, que descreve a formação e a
história da igreja primitiva.
■■ Das 21 epístolas, 13 são de Paulo, uma anônima endereçada a judeus
cristãos (Hebreus), outra também endereçada às doze tribos da diáspo-
ra (Tiago), duas de Pedro, três de João e uma de Judas. Apocalipse é o
ápice da profecia bíblica e completa os livros do Novo Testamento.
Fonte: UNGER, Merrill Frederick. Manual Bíblico Unger. Revisado por Gary
N. Larson. Tradução Eduardo Pereira e Ferreira, Lucy Yamakami. São Paulo:
Vida Nova, 2006. p. 13.

20 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 62

A BÍBLIA SAGRADA
35

Bíblia – Dois Axiomas Importantes

A premissa fundamental da interpretação é que Deus é um Deus de senso, não


de contra-senso. Quero dizer com isso que tudo o que Deus revelou por inter-
médio de seus primeiros porta-vozes deve ter sido entendido tanto por estes
quanto por seus ouvintes. [...] Do prisma humano, o próprio fato de dispor-
mos de uma Bíblia é sinal de que ela realmente fazia sentido para as pessoas.
Ela comunicou-lhes algo.21
Zuck (1994, p. 71-78) apresenta algo que considero muito importante de se
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ressaltar, os dois axiomas básicos que devem nortear o conhecimento da Bíblia


Sagrada.

Primeiro Axioma: A Bíblia é um livro humano

Escreve o autor que embora a Bíblia seja uma obra sobrenatural de Deus, como
veremos pelo segundo axioma, também é um livro. Como qualquer outro livro,
foi escrita em idiomas que permitissem a comunicação de conceitos aos leitores.
Os sinais ou símbolos que aparecem nas páginas da Bíblia foram nelas colocados
pelos escritores com o objetivo de comunicar algo a alguém. Essa é a finalidade
de uma comunicação por escrito: ajudar os leitores a entenderem determinada
coisa, isto é, transmitir uma ideia, comunicar.
A comunicação, falada ou escrita, sempre contém três elementos:
a. Aquele que fala ou escreve;
b. A mensagem, expressa em sons audíveis e inteligíveis ou mediante sím-
bolos gráficos inteligíveis a que chamamos palavras; e
c. Os ouvintes ou os leitores.
Quem fala ou escreve procura transmitir aos ouvintes ou leitores uma ideia
que tem em mente. Ele consegue isso utilizando símbolos linguísticos conheci-
dos tanto por ele próprio quanto por quem recebe a comunicação. O resultado

21 Robert L. CATE. How to interpret the Bible. Nashville: Broadman, 1983. p. 161.

Bíblia – Dois Axiomas Importantes


I

desejado é que este assimile mentalmente os conceitos do orador ou do escri-


tor. Pode-se conhecer o que um orador ou escritor pensa só pelo que ele diz ou
escreve. Como a Bíblia foi escrita em línguas humanas, é óbvio que seu obje-
tivo é comunicar as verdades de Deus – o Autor original – aos seres humanos.
Alguns pressupostos:
1. Cada escrito bíblico – isto é, cada palavra, frase e livro – foi registrado em
linguagem escrita obedecendo a sentidos gramaticais comuns, incluindo
a linguagem figurada.
2. Todo texto bíblico foi escrito por alguém para ouvintes ou leitores especí-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ficos, que se encontravam num contexto histórico e geográfico específico,
e com um objetivo específico.
3. A Bíblia foi afetada e influenciada pelo meio cultural em que cada autor
humano a escreveu.
4. Cada passagem bíblica era apreendida ou entendida tendo em mente
seu contexto.
5. Cada escrito bíblico adquiriu o caráter de um estilo literário específico.
6. Os primeiros leitores entendiam cada escrito bíblico de acordo os prin-
cípios básicos da lógica e da comunicação.

Segundo Axioma: A Bíblia é um livro divino:

Zuck (1994, p. 78-88) escreve que na qualidade de veículo de comunicação, a


Escritura é um livro tal como qualquer outro. As palavras foram registradas pelas
mãos de pessoas. Tendo em vista que esses instrumentos humanos escreveram
os livros da Bíblia em linguagem humana, o primeiro axioma manda-nos prestar
atenção às regras naturais de gramática e sintaxe. No entanto, a Bíblia é um livro
sem igual. É singular porque nos foi dada pelo próprio Deus. Isso fica evidente a
partir de suas próprias reivindicações de inspiração. Paulo disse: “Toda Escritura
é inspirada por Deus [...]” (II Timóteo 3.16). Embora Deus tenha usado autores
humanos para escrever as Escrituras, com seus estilos de linguagem particulares

A BÍBLIA SAGRADA
37

e expressado suas próprias personalidades, as palavras que registraram foram


“inspiradas” por ele. Assim, inspiração é a obra sobrenatural do Espírito Santo
por meio da qual ele orientou e supervisionou os escritores bíblicos para que o
que escrevessem fosse a Palavra de Deus. Esse “sopro” nos escritos, ou super-
visão dos escritos, consistiu numa ação verbal completa. Verbal pelo fato de o
Espírito Santo ter orientado a escolha das palavras, que não podem ser divor-
ciadas dos pensamentos. A inspiração da Bíblia também foi completa porque
abrangeu todos os trechos da Bíblia. Consequentemente, ela é infalível quanto
à verdade e definitiva em autoridade.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Está claro, então, afirma Zuck, que a Bíblia veio de Deus. Sem sombra de
dúvida, a afirmação de que ela é um livro divino constitui um axioma, uma
verdade evidente por si própria. Quatro corolários derivam desse axioma, e os
intérpretes da Bíblia devem se atentar para eles ao estudarem as Escrituras:
1. Pelo fato de ser um livro divino, a Bíblia é inerrante;
2. Como a Bíblia é um livro divino, é fonte indiscutível;
3. Como a Bíblia é um livro divino, apresenta unidade;
■■ A Bíblia não se contradiz. Como obra de Deus, que é a verdade, as
Escrituras são coerentes e uniformes.
■■ Como a Bíblia é coerente, suas passagens obscuras e secundárias devem
ser interpretadas com base em trechos claros e principais.
■■ Outra consequência da unidade das Escrituras é que, muitas vezes, a
Bíblia interpreta a si mesma.
■■ Aceitar a unidade da Bíblia também implica reconhecer o que é chamado
de progresso da revelação.
4. Como a Bíblia é um livro divino, tem seus mistérios. É preciso admitir
que a Bíblia contém muitas coisas difíceis de entender. Os estudiosos das
Escrituras têm de reconhecer que nem sempre são capazes de determinar
o sentido de certa passagem. A Bíblia encerra mistérios em algumas áreas:
■■ Profética = ela contém predições sobre acontecimentos futuros que
nenhum ser humano poderia antecipar sozinho, sem revelação divina.

Bíblia – Dois Axiomas Importantes


I

■■ Milagres = como é possível explicar que um machado flutuou? Como


é possível andar sobre a água? (...) Nada disso seria possível sem a atu-
ação sobrenatural de Deus. Se aceitamos a natureza divina da Bíblia,
então podemos aceitar esses milagres como verdadeiros.
■■ Doutrina = existe uma série de ensinamentos bíblicos difíceis para a
mente finita entender.

Resumindo, aceitar a natureza divina da Bíblia significa reconhecer sua inerrân-


cia, sua autoridade, sua unidade e seu mistério. Se for considerada mero livro
humano, então, ao tentarmos interpretá-la, não poderemos esperar que seja iner-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
rante, indiscutível, harmoniosa e misteriosa. De acordo com essas afirmações
evidentes por si próprias, a Bíblia é um livro humano e também divino. Nenhum
dos dois aspectos pode ser negado. Se admitimos apenas o aspecto humano,
vamos analisá-la racionalmente. Se aceitarmos apenas o lado divino, ignorando
os aspectos humanos, vamos examiná-la como um livro místico. Quando a enca-
ramos como um livro humano e divino, procuramos interpretá-la como fazemos
com qualquer outro livro, ao mesmo tempo em que afirmamos sua singulari-
dade como o livro das verdades divinas, obra das mãos de Deus.22

A Interpretação Bíblica

Confesso que estudar e escrever sobre a Interpretação Bíblica é, para mim, algo
fascinante. Há tanto tempo envolto no mundo acadêmico, na busca de passar aos
alunos da Teologia a consciência responsável diante da Palavra de Deus, adver-
tindo sobre o temor e esmero que são necessários, num respeitoso manuseio dos
textos e, consequentemente, mas a frente, das vidas. Acho que não fiz nada mais
significativo nesses anos do que chamar a atenção para a prática da interpreta-
ção dos textos sagrados, com a dedicação de um estudante, sempre aberto para

22 ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. São Paulo: Vida Nova,
1994. p. 86

A BÍBLIA SAGRADA
39

aprender e na dependência indispensável do Espírito Santo, pois quando vamos


falar algo sobre a Bíblia, estamos falando em nome de Deus, da Palavra de Deus,
para o povo de Deus. Contemos com Sua misericórdia e graça!
Não li de tudo e não li muito, como muitos outros colegas já o fizeram, mas
do que li, alguns autores são fundamentais naquilo que aprendi e acredito sobre a
tarefa da interpretação bíblica, entre eles, destaco aqui Carlos Mesters. Já não me
recordo como tive acesso às suas obras, mas tenho claro em mim como suas pala-
vras me ajudaram na respeitosa busca pelo entendimento das Palavras sagradas.
Quero iniciar apresentando um trecho do seu livro Por trás das palavras, onde
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

fica claro, nesta introdução que queremos passar, a importância da interpretação.


Lembrando-nos de um episódio da vida de Santo Agostinho, querendo con-
verter-se para Cristo, recebeu de Santo Ambrósio o conselho de ler a Bíblia e de
começar a sua leitura pelo livro do profeta Isaías; comentando o fato, Agostinho
escreve: “Creio que foi por ser Isaías aquele que mais claramente anunciou o
Evangelho”. Boa e válida argumentação essa de Ambrósio. Agostinho de fato
precisava de alguém que lhe anunciasse claramente o Evangelho. No entanto, o
conselho tão bem intencionado produziu um efeito contrário. Diz Agostinho:
“Mas eu, não entendendo nada da primeira leitura que fiz do livro e julgando-o
ser todo assim obscuro diferi a sua leitura, até estar mais instruído nas divinas
escrituras” (Agostinho, Confissões, 9º livro, 5º capítulo). O método usado por
Ambrósio falhou, por não ter levado em conta a situação concreta do amigo.
Agostinho não estava em condições de entender aquele conselho. Ambrósio falou
a partir de uma determinada visão da Bíblia, visão ortodoxa, inteiramente de
acordo com a fé e compreensível para ele, Ambrósio, mas não para Agostinho.
Este, como orador formado na escola literária de Cícero e ainda mal acostumado
com a linguagem estranha dos profetas, não se sentia à vontade diante do latim
medíocre da Bíblia na tradução da “Vetus Latina”, nem podia entender o ensina-
mento de Isaías. Tinha exigências subjetivas muito reais que não foram percebidas
por Ambrósio. O conselho, bom em si, não funcionou, porque não respeitou as
exigências da realidade. Foi um conselho ambivalente: criou em Agostinho um
interesse pela Bíblia e, ao mesmo tempo, frustrou nele esse mesmo interesse.
Uma coisa idêntica acontece hoje. Uma iniciação à leitura da Bíblia pode falhar
quando, mesmo partindo de uma visão ortodoxa da mesma, não levar em conta

A Interpretação Bíblica
I

as exigências subjetivas do nosso povo a quem é dado o conselho de ler a Bíblia.23


Considero muito importante o alerta de Mesters aqui, corremos o sério risco
de fazermos o mesmo hoje.
Há de se ter um cuidado com a questão da interpretação, digo isso no que se
refere à intenção do intérprete, especialmente a intenção daquele estudante ambi-
cioso pela originalidade. Abaixo, apresentamos o texto que aborta tal preocupação.
Como escreve Fee e Stuart (2002, p. 13), na introdução de sua obra, concor-
damos, também, que o pregador ou o professor estão por demais inclinados a
escavar primeiro, e a olhar depois, e assim encobrir o significado claro do texto,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
que frequentemente está na superfície. Seja dito logo de início, e repetido a cada
passo, que o alvo da boa interpretação não é a originalidade, não se procura des-
cobrir aquilo que ninguém jamais viu. A interpretação que visa à originalidade,
ou que prospera com ela, usualmente pode ser atribuída ao orgulho (uma ten-
tativa de “ser mais sábio” do que o resto do mundo), ao falso entendimento da
espiritualidade (segundo o qual a Bíblia está repleta de verdades profundas que
estão esperando para serem escavadas pela pessoa espiritualmente sensível, com
um discernimento especial), ou a interesses escusos (a necessidade de apoiar um
preconceito teológico, especialmente ao tratar de textos que, segundo parece,
vão contra aquele preconceito). As interpretações sem igual usualmente são
erradas. Não se quer dizer com isto que o entendimento de um texto não possa
frequentemente parecer sem igual para alguém que o ouve pela primeira vez. O
que queremos dizer é que a originalidade não é o alvo da nossa tarefa. O alvo da
boa interpretação é simples: chegar ao “sentido claro do texto”. E o ingrediente
mais importante que a pessoa traz a essa tarefa é o bom-senso aguçado. O teste
de uma boa interpretação é se expõe o sentido do texto. A interpretação correta,
portanto, traz alívio à mente bem como uma aguilhoada ou cutucada no cora-
ção. Mas, se o significado claro é aquilo sobre o que a interpretação diz respeito,
então para que interpretar? Por que não ler, simplesmente? O significado sim-
ples não vem pela mera leitura? Em certo sentido, sim. Mas num sentido mais
verídico, semelhante argumento é tanto ingênuo quanto irrealista por causa de

23 MESTERS, Carlos. Por trás das palavras. 9. ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 1999. p. 21,22

A BÍBLIA SAGRADA
41

dois fatores: a natureza do leitor e a natureza da Escritura.24

A Necessidade da Interpretação Bíblica

A primeira razão por que precisamos aprender como interpretar é que,


quer deseje, quer não, todo leitor é ao mesmo tempo um intérprete; ou
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

seja, a maioria de nós toma por certo que, enquanto lemos, também
entendemos o que lemos. Tendemos, também, a pensar que nosso en-
tendimento é a mesma coisa que a intenção do Espírito Santo ou do
autor humano [...].25

Interpretar é aclarar, explicar o sentido de algo, o clarificar de um texto, ofere-


cer entendimento possível/acessível ao(s) outro(s) sobre o mais próximo sentido
que o texto possui.
Devemos ter muito cuidado com os que arrogam para si o direito de inter-
pretar o texto bíblico com propriedade, (às vezes se achando os únicos detentores
deste direito) sem, contudo, ter o conhecimento e prática das técnicas e, espe-
cialmente, o temor e zelo necessário. O que está verdadeiramente no coração
(intenção) quando se coloca para executar esta tarefa?
Todo estudioso e/ou ministro do Evangelho deve dominar as técnicas básicas
da exegese e da hermenêutica, sob pena de trair o real sentido do texto sagrado,
não perceber a lição a ser ensinada às pessoas e, o que ainda é pior, se tornar um
disseminador de heresias.
Para muitas pessoas, a Bíblia é apenas mais uma coleção de livros. Mas para
muitas outras, gente como nós, que lemos manuais de exegese, é muito mais que
uma coleção de livros. É a Palavra de Deus. “[...] Como Palavra de Deus, nos desa-
fia, nos exorta, nos ensina, nos corrige, nos conforta, nos transforma, alimenta
nossa fé, nos capacita a fazer a vontade de Deus, a sermos felizes, a praticarmos

24 FEE, Gordon D.; STUART, Douglas. Entendes o que lês? São Paulo: Vida Nova, 2002. p. 14
25 STUART, Douglas; FEE, Gordon D. Manual de Exegese Bíblica – Antigo e Novo Testamento. São Paulo:
Vida Nova, 2008.

A Necessidade da Interpretação Bíblica


I

a missão e seus ministérios”.26


Interpretar é buscar uma melhor compreensão dos textos bíblicos. Gosto
particularmente do texto de Charles C. Ryrie quando trata da compreensão dos
textos bíblicos, ele escreve:
Uma compreensão correta da Bíblia depende de duas coisas: (1) a obra ilu-
minadora do Espírito Santo, e (2) o trabalho de interpretação do próprio leitor/
estudante.
Sobre a iluminação, temos que, embora esta palavra já tenha sido aplicada
a vários aspectos doutrinários (como a iluminação geral que a vinda de Cristo

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
trouxe a todo homem, João 1.9, e a teoria que iguala iluminação a inspiração),
seu uso ocorre principalmente em relação ao ministério do Espírito Santo pelo
qual ele esclarece a verdade da revelação bíblica. Em relação à Bíblia, revelação
trata de seu conteúdo ou material, e iluminação trata do significado deste con-
teúdo. O homem não salvo não pode experimentar o ministério iluminador do
Espírito Santo já que está cego para a verdade de Deus (I Coríntios 2.14). Isto
não significa que nada possa aprender dos fatos da Bíblia, mas, sim, que ele os
considera loucura.
Por outro lado, o cristão tem a promessa de ser iluminado para compreender
o significado do texto bíblico (João 16.12-15; I Coríntios 2.9 -3.2). Ao observar-
mos juntamente essas duas passagens, surgem vários fatos:
1. O mais óbvio é que o próprio Espírito Santo é o Mestre e Sua presença
na vida do cristão é a garantia da eficácia desse ministério;
2. O conteúdo do ensino do Espírito Santo engloba “toda a verdade” (João
16.13 traz o artigo definido). Inclui especificamente uma compreensão
correta da profecia (“coisas que hão de vir”);
3. O propósito do ministério de iluminação do Espírito Santo é glorificar
a Cristo;
4. A carnalidade na vida do cristão pode prejudicar e até mesmo anular este
ministério do Espírito Santo (I Coríntios 3.1-2).

A iluminação, embora segurada, nem sempre garante compreensão automática.

26 ZABATIERO, Júlio. Manual de Exegese. São Paulo: Hagnos, 2007. p. 21.

A BÍBLIA SAGRADA
43

Conforme indicado anteriormente, o cristão deve estar em comunhão com


o Senhor para experimentar esse ministério. Deve, além disso, estudar, utili-
zando-se dos mestres dados por Cristo à Igreja (Romanos 12.7), bem como das
capacidades e recursos de que dispuser.
O princípio básico de interpretação é interpretar normalmente. A palavra
literalmente é aqui evitada por criar conotações que precisariam ser corrigidas.
A interpretação normal, simples, inclui pelo menos os seguintes conceitos:
■■ Entender o que cada palavra significa em seu sentido normal e
histórico-gramatical;
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

■■ Interpretar normalmente não exclui o uso de figuras de linguagem. De


fato, uma figura de linguagem pode comunicar um conceito de maneira
mais clara, mas o faz no sentido normal das palavras que emprega. Em
outras palavras, por trás de cada figura de linguagem está um significado
normal, e é este significado que o intérprete procura.
■■ Significa ainda ler compreendendo o contexto em que o versículo ou
passagem ocorre, pois isso lançará luz sobre o seu significado. É preciso,
pois, cuidado com pregadores que com frequência dizem: “Não preci-
sam abrir suas Bíblias neste versículo”. Eles podem estar tirando o texto
de seu contexto e dando a ele sentido diferente do pretendido pelo autor.
Além de ser sempre seguro ler o que precede e o que segue certo trecho,
isso revela prudência. [Neste sentido, os bereanos têm algo a nos ensinar.
Os bereanos eram mais nobres do que os tessalonicenses, pois receberam a
mensagem com grande interesse, examinando todos os dias as Escrituras,
para ver se tudo era assim mesmo (Atos dos Apóstolos 17.11)].
■■ Interpretar normalmente exige que se reconheça o progresso da revela-
ção. Lembre-se de que a Bíblia não nos foi entregue pronta, de uma vez,
como um livro completo, mas que nos chegou da parte de Deus através
de muitos autores, durante um período de cerca de 1600 anos. O Novo
Testamento acrescenta muita coisa que não fora revelada no Antigo. Além
disso, o que Deus exigira como obrigatório num período pode ser anu-
lado em outro (como, por exemplo, a proibição do consumo de carne de
porco, outrora imposta para o povo de Deus, entende-se suspensa em
nossa era, I Timóteo 4.3). Isso é muito importante; doutra sorte, a Bíblia
conteria contradições aparentemente insolúveis (como Mateus 10.5-7
comparado a Mateus 28.18-20).

A Necessidade da Interpretação Bíblica


I

■■ Deve-se esperar que a Bíblia use o que tecnicamente se chama lingua-


gem fenomenológica. Isto significa simplesmente que ela frequentemente
descreve coisas e situações tal como parecem ser, e não em linguagem
científica precisa. Falar do sol nascer e se pôr é um exemplo dessa lin-
guagem (Mateus 5.45; Marcos 1.32), mas esta é uma maneira simples e
normal de se comunicar.
■■ Deve-se reconhecer as divisões importantes da Bíblia quando se vai inter-
pretá-la. A diferença mais básica é entre Antigo e Novo Testamentos. Há,
porém, outras distinções, como aquelas entre os diversos tipos de litera-
tura – histórica, poética, profética – que precisam ser reconhecidas por

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
quem interpretar a Bíblia corretamente. Outros marcos bíblicos que afe-
tam sua interpretação são fatos como a grande aliança feita por Deus com
Abraão (Gênesis 12.1-3) e a aliança feita com Davi (II Samuel 7.4-7), o
ministério da Igreja como o Corpo de Cristo (Efésios 3.6) e a diferença
entre Lei e a Graça (João 1.17; Romanos 6.14).27

Conforme Zabatiero (2007, p. 20), as características da biblioteca que chama-


mos de “Palavra de Deus” exigem, consequentemente, um trabalho interpretativo
disciplinado. Mesmo se o objetivo da leitura for devocional, não podemos abrir
mão de interpretar o texto a partir de suas características literárias e linguísti-
cas, nem podemos deixar de ler o texto à luz do próprio contexto. Uma leitura
devocional não terá as mesmas características de uma leitura acadêmica, mas os
princípios básicos, derivados da natureza sociocultural da Bíblia, não podem dei-
xar de ser aplicados. A diversidade literária, social, cultural e religiosa da Bíblia
gerou, em meios acadêmicos, amplas e detalhadas pesquisas, e constituiu um
campo de estudos composto por várias disciplinas acadêmicas: geografia e arque-
ologia bíblicas, introdução aos escritos bíblicos, história dos tempos bíblicos,
estudo dos idiomas bíblicos, teologia bíblica, exegese e hermenêutica bíblica.28
Oferecemos aqui um quadro básico com 10 princípios norteadores para a
interpretação bíblica29:

27 Extraído de A Survey of Bible Doctrine, por Charlie C. Ryrie (Moody Press). © 1972 por The Moody
Bible Institute of Chicago. (<http://www.familiaghidini.com.br/paginas/palavra/biblia/biblia.htm>)
28 ZABATIERO, Júlio. Manual de Exegese. São Paulo: Hagnos, 2007. p. 20.
29 SHAFER, Byron E. Manual Bíblia, Iglesia, Sexualidad y Família de autoria dos doutores Robin Smith
e Jorge Maldonado – Centro Hispano de Estudios Teológicos.

A BÍBLIA SAGRADA
45

01- Deus é maior que a Bíblia. Existem muitas coisas a respeito dos mistérios de
Deus que não entendemos.
02 - A Bíblia não pode e não deve ser “desculturalizada”. Textos bíblicos não têm
significado fora dos contextos nos quais foram escritos, mas, sempre nos trazem
princípios (lições) para nossa vida cristã.
03 - O cânon estabelecido tem dimensões de adaptabilidade. A voz de Deus
numa passagem em particular está no contexto da voz de Deus em toda a Escri-
tura e não pode contradizer-se.
04 - A Bíblia é um livro plural, que não apresenta uma única imagem de Deus e
de Seu plano, mas revela isso de formas diversas.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

05 - Uma pessoa não deve se aproximar da Bíblia com o propósito de utilizá-la,


de justificar-se ou de atacar os outros.
06 - Deve-se aproximar-se da Bíblia em oração, pois nossa interpretação tem de
ser dirigida pelo Espírito Santo.
Salmo 119.17-24 – 17 Trata com bondade o teu servo para que eu viva e obedeça
à tua palavra. 18 Abre (desvenda) os meus olhos para que eu veja as maravilhas da
tua lei. 19 Sou peregrino na terra; não escondas de mim os teus mandamentos. 20
A minha alma consome-se de perene desejo das tuas ordenanças. 21 Tu repreendes
os arrogantes; malditos os que se desviam dos teus mandamentos! 22 Tira de mim a
afronta e o desprezo, pois obedeço aos teus estatutos. 23 Mesmo que os poderosos
se reúnam para conspirar contra mim, ainda assim o teu servo meditará nos teus de-
cretos. 24 Sim, os teus testemunhos são o meu prazer; eles são os meus conselheiros.
07 - A Bíblia deve ser lida na comunidade, pois as várias interpretações do povo
de Deus dão equilíbrio e corrigem as interpretações individuais.
08 - A pessoa deve aproximar-se da Bíblia com honestidade e humildade, com
abertura e uma busca genuína de significado e uma identificação não só com os
heróis, mas também com os perversos.
09 - A Bíblia deve ser lida teologicamente, antes de moralmente. O leitor precisa
partir do plano redentor de Deus, reconhecendo que Ele escolhe livremente pes-
soas em sua condição de pecado e continua operando por meio delas, quando
ainda são pecadoras. Assim, o leitor vai encontrar no texto ajuda moral, reconhe-
cendo que as personagens bíblicas são espelhos de identidade e não modelos
de moralidade. Pecadores como nós, sustentados pela Graça de Deus.
Gálatas 2.20,21 – 20 Fui crucificado com Cristo. Assim, já não sou eu quem vive, mas
Cristo vive em mim. A vida que agora vivo no corpo, vivo-a pela fé no filho de Deus,
que me amou e se entregou por mim. 21 Não anulo a graça de Deus; pois, se a justiça
vem pela Lei, Cristo morreu inutilmente!

A Necessidade da Interpretação Bíblica


I

10 - A realidade concreta na qual debatem-se as situações morais é, muitas ve-


zes, ambígua, tornando difícil a escolha entre a Graça e o Juízo de Deus. O tempo
e o contexto podem nos ajudar. Em geral as mensagens de Graça são dirigidas
aos fracos e oprimidos, enquanto as mensagens de juízo são dirigidas aos fortes
e seguros.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Bíblia Sagrada - Revelação e Inspiração

A Bíblia é revelação (não apenas o registro de uma revelação), e a inspiração foi


a ação mediante a qual Deus registrou por escrito, de forma infalível, verdades
reveladas. A revelação é a comunicação de verdades que de outro modo não
seriam conhecidas, enquanto a inspiração é o processo pelo qual essas informa-
ções são apresentadas com precisão em linguagem escrita. A revelação consiste
no desvendar de verdades divinas por ação do Espírito, ao passo que a inspira-
ção é a supervisão por ele efetuada do registro de sua revelação.30

30 Roy B. ZUCK. The Holy Spirit in your teaching. Ed. Rev. Wheaton: Victor Books, 1984, p. 49.

A BÍBLIA SAGRADA
47

Revelação

No excelente material escrito por Bentho, Hermenêutica fácil e descomplica-


da,31 há um capítulo do qual gosto demais, trata-se do capítulo 2 – Inspiração e
Revelação, que entendo importante recorrer para apresentar aqui um importante
e interessante tema. Tema este que é, por vezes, bastante discutido, desacredi-
tado, confundido, porém que precisa ser crido.
A doutrina da inspiração é uma parte da doutrina geral da revelação que,
por sua vez, se baseia nas doutrinas fundamentais da criação e da redenção.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Se cremos na bondade de Deus, é presumível que Ele não deixaria o ho-


mem na escuridão da ignorância sobre a Sua Pessoa, Seus atos e Seu in-
comensurável amor. Para compreendê-Lo, a razão humana é incompleta e
absolutamente ineficaz. Os grandes pensadores têm formulado milhares de
labirintos para entender e definir o Eterno, porém, sem qualquer proveito.
Afastados da revelação do Logos Encarnado e da Palavra escrita, os pen-
sadores céticos só encontraram percalços na compreensão do Insondável
(BENTHO, 2003, p. 37).

Revelação é desvelar, desvendar, revelar ou “tirar o véu”. É assim que o apóstolo


Paulo escreve aos Romanos (16.25) – “revelação do mistério que desde os tempos
antigos esteve oculto”. (...) Revelação, no sentido escriturístico, é a manifesta-
ção que Deus faz de Si mesmo e de Sua vontade aos homens. Essa revelação, de
acordo com a origem e desenvolvimento do Cânon Sagrado, é a comunicação
sobrenatural desconhecida do hagiógrafo32. Por meio da revelação, verdades
anteriormente ignoradas pelos hagiógrafos foram descortinadas, como Zacarias

31 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 37
32 Hagiógrafo: diz-se do ou cada um dos livros do Antigo Testamento que não se acha incluído no
Pentateuco e nos Profetas. Diz-se de ou escritor sagrado, autor de um desses livros.

Bíblia Sagrada - Revelação e Inspiração


I

12.10, Miquéias 5.2 e Isaías 50.4-10. Certamente, os autores sagrados não adqui-
riram essas informações por estudo ou vias meramente humanas.
II Pedro 1.20,21 – 20 “Antes de mais nada, saibam que nenhuma profecia
da Escritura provém de interpretação pessoal, 21 pois jamais a profecia teve ori-
gem na vontade humana, mas homens falaram da parte de Deus, impelidos pelo
Espírito Santo”.
A revelação bíblica é progressiva e esta revelação pode ser percebida em dois
movimentos: revelação ativa e revelação passiva.
A ativa significa a atividade de Deus, enquanto se dá a conhecer aos homens.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
O ato/movimento da revelação.
Nas palavras de Bentho (2003, p. 40), é uma revelação imediata da parte
de Deus, sem qualquer permeio humano. É Deus revelando-Se diretamente ao
homem. Como exemplo, podemos citar a revelação de Deus a Moisés no monte
Sinai e o ápice da revelação é Jesus, o Verbo que se fez carne. A revelação ativa
ou direta pressupõe a comunicação especial de Deus ao homem.
A revelação de Deus aos homens não é somente plausível, mas também
necessária por dois fatores:
a. O fator implícito: que diz respeito ao que Deus é em Sua natureza infinita,
sendo, por isso, Deus inacessível aos homens (I Timóteo 6.16; João 4.23,24).
b. O fator explícito: que é a vulnerabilidade humana para conhecer a Deus
em Sua natureza incomensurável. Não parte de Deus, mas da natureza
finita do homem. Daí a necessidade de uma comunicação direta de Deus
aos homens (aspecto teofânico).

Na teofania, é Deus quem toma a iniciativa. Ele nunca Se revela completamente


e usualmente o faz apenas de modo temporário, ao invés de Se manifestar de
forma permanente. A manifestação permanente foi a encarnação de Cristo (João
1.14-18).
A passiva é o conhecimento que lhes é comunicado, ou seja, o que se conhe-
ceu. Como escreve Bentho (2003, p. 41), é uma revelação mediativa, isto é,
Deus não Se revela diretamente ao homem como o fez com Moisés, porém, é
o conhecimento de Deus que é comunicado aos homens ou mesmo aquele que
é observado através da revelação geral (Gênesis 1; Salmo 119; 148; Romanos

A BÍBLIA SAGRADA
49

1.20ss.). Revelação geral é uma expressão teológica para definir uma forma de
teologia natural (Salmo 8; 19.1; Romanos 1.8-21). Essa revelação acha-se impressa
na criação e possui predicativo suficiente para que o homem conheça a Deus e
o adore. A revelação geral ocorre de dois modos distintos:
a. Uma revelação externa na criação – a qual proclama o poder, a sabedo-
ria e a bondade de Deus;
b. Revelação interna da razão e da consciência em cada indivíduo (Roma-
nos 12.16; João 1.9).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

O cristianismo reconhece tanto a Revelação Geral quanto a Especial33, como


modos progressivos da autorrevelação de Deus. Entretanto, o clímax revelador
manifesta-se em dois meios específicos: o Verbo vivo e a Palavra escrita. O Logos
encarnado revelou o Pai. A Palavra escrita registrou essa revelação e o seu pro-
gresso (Hebreus 1.1-3; II Pedro 1.20,21; Gálatas 1.12). A revelação bíblica ocorreu
de forma indireta e direta:
Indireta Direta

Entendemos que o Antigo Testamento supõe que sua revelação não seja total,
perfeita, completa, mas uma preparação (antevisão) para algo maior, que seria
a revelação plena, na encarnação de Cristo. Os profetas anteviram aquele dia

33 A Revelação Especial é manifestada no propósito redentor de Deus manifesto em Jesus Cristo, em


oposição à revelação mais geral do Seu poder e da Sua deidade no universo criado, na constituição da
natureza humana e na história (WILEY apud BENTHO, 2003, p. 53).

Bíblia Sagrada - Revelação e Inspiração


I

em que Deus iria revelar-Se de maneira mais prodigiosa com o nascimento e


ministério do Messias, onde se buscava reunir o povo disperso e estabelecer o
Seu reino entre os novos habitantes desse reino.
Já os homens inspirados por Deus para escreverem o Novo Testamento
mostram-se convencidos de que só em Jesus Cristo é que residia o significado
(ápice) da história dos judeus e conclusão do Antigo Testamento. Ou seja, a pro-
gressão da revelação, o desenrolar da história, a sequência de acontecimentos
em Israel, foram orientados e sustentados por Deus apontando (preparando) a
vinda do Senhor Jesus.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Romanos 10.1-4
1 Irmãos, o desejo do meu coração e a minha oração a Deus pelos is-
raelitas é que eles sejam salvos. 2 Posso testemunhar que eles têm zelo
por Deus, mas o seu zelo não se baseia no conhecimento. 3 Porquanto,
ignorando a justiça que vem de Deus e procurando estabelecer a sua
própria, não se submeteram à justiça de Deus. 4 Porque o fim da Lei é
Cristo, para a justificação de todo o que crê.

Há outro fator que precisa ser compreendido para o trabalho exegético e herme-
nêutico, a questão das premissas básicas de cada Testamento bíblico.
■■ Premissa (orientadora) do Antigo Testamento: possuir a terra.

Genesis 12.1 – Então o Senhor disse a Abrão: “Saia da sua terra, do meio dos seus
parentes e da casa de seu pai, e vá para a terra que eu lhe mostrarei”.
Genesis 13.14,15 – 14 Disse o Senhor a Abrão, depois que Ló separou-se dele: “De
onde você está, olhe para o norte, para o sul, para o leste e para o oeste: 15 toda a
terra que você está vendo darei a você e à sua descendência para sempre”.
Genesis 35.12 – “A terra que dei a Abraão e a Isaque, dou a você; e também aos
seus futuros descendentes darei esta terra”.
■■ Premissa (orientadora) do Novo Testamento: ir pela terra.

Mateus 28.18-20
18 Então, Jesus aproximou-se deles e disse: “Foi-me dada toda a autori-
dade nos céus e na terra. 19 Portanto, vão e façam discípulos de todas as
nações, batizando-os ema nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo,
20 ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei
sempre com vocês, até o fim dos tempos”.

A BÍBLIA SAGRADA
51

Hebreus 13.14 – “Pois não temos aqui nenhuma cidade permanente, mas busca-
mos a que há de vir”.

Revelação Progressiva

O princípio da revelação progressiva significa que Deus não revela tudo ao


mesmo tempo, nem sempre estabelece as mesmas condições para todos os perío-
dos. Revelações posteriores apresentam coisas que suplantam as anteriores. Uma
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

razão importante para mudança é que Deus está revelando um plano, esse plano
tem estágios nos quais algumas coisas são necessárias e estágios em que outras
coisas são necessárias. Quando um “tipo” de profecia se cumpre (o sangue do
cordeiro), quando se torna realidade, o tipo não é mais necessário. Quando o
fundamento da igreja foi estabelecido sobre os apóstolos (Efésios 2.20), eles não
foram mais necessários.
À luz do princípio de revelação progressiva, as revelações posteriores não são
contraditórias, mas complementares. Elas não erram, mas revelam mais verdade.
Revelações posteriores não negam as anteriores, apenas as substituem. Já que
não foram dadas a todos, mas apenas para um período específico, não se con-
tradizem quando mudam. Não há mandamentos contraditórios para o mesmo
povo ao mesmo tempo.
Um exemplo de revelação progressiva pode ser visto em toda família que
tem filhos em fase de crescimento, quando são bem pequenos, os pais deixam
os filhos comerem com as mãos, mais tarde, os pais insistem no uso da colher.
Finalmente, à medida que a criança progride, o pai manda usar o garfo. Essas
ordens são temporárias, progressivas e adequadas para a situação.34
Tudo o que hoje conhecemos a respeito de Deus foi mistério um dia. Nada
havia que o homem pudesse fazer para conhecer o Senhor e as realidades espiri-
tuais. Portanto, Deus tomou a iniciativa de se fazer conhecer. Na medida em que
a Bíblia foi sendo escrita, a revelação estava sendo dada aos homens. Contudo,
algumas porções das Escrituras continuavam sendo mistérios, embora registradas

34 GEISLER, Norman L. Enciclopédia de Apologética. São Paulo: Editora Vida, 2000.

Bíblia Sagrada - Revelação e Inspiração


I

por escrito. No decorrer da história, Deus foi desvendando tais segredos na


medida em que isso se fazia oportuno e necessário, por exemplo, Cristo estava
oculto como um mistério em muitas páginas do Antigo Testamento. No período
da Nova Aliança, esse mistério foi revelado à Igreja (Efésios 3.1-10; II Coríntios
3.14-18; Romanos 16.25-26). Daí em diante, se alguém ainda não compreendeu
a obra do Senhor Jesus, é porque não se converteu ou tem sido negligente em
relação às Escrituras (II Coríntios 4.3-4).
Algumas pessoas se gabam de terem recebido uma “revelação” sobre deter-
minada passagem bíblica. Entretanto, tudo o que Deus quis revelar sobre a Bíblia

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
até agora Ele o fez à Igreja como um todo. No momento em que um indivíduo
se converte, passa a ter acesso a toda essa revelação, foi tocado pela revelação.
Antes disso, a Bíblia lhe parecia loucura. O que lhe resta a partir de então é a
dedicação para alcançar uma maior compreensão de tudo o que Deus já revelou
(Daniel 9.2). A revelação não estará acontecendo naquele momento, pois Deus
já desvendou aquele mistério muito tempo atrás. A revelação das Escrituras não
é objeto de domínio particular.
Revelar significa “retirar o véu”. Quando Deus libera o conhecimento de
determinado mistério, ele está removendo o que poderíamos chamar de “véu
universal” que cobria aquela verdade espiritual. Por que então todos não passam
a compreender imediatamente aquilo que Deus revelou? Existem os “véus indivi-
duais”, conforme Paulo escreveu aos Coríntios a respeito dos judeus (II Coríntios
3.14-16). Deus já tinha removido o véu que ocultava a mensagem cristã presente
no Antigo Testamento, contudo, os judeus ainda não haviam compreendido a
revelação porque cada um tinha sobre si o véu da incredulidade. Quando alguém
se converte, esse “véu particular” é removido, restando-lhe então dedicar-se à
leitura e ao estudo para compreender tudo o que Deus colocou à sua disposição
em termos de conhecimento espiritual.35
Deus, como um pai que procura ensinar seu filho, foi Se revelando. Para
isso, foi nos mostrando aos poucos, conforme o homem ia conseguindo com-
preender, conforme a capacidade de entendimento humana ia se desenvolvendo,
Deus ia acrescentando progressivamente Sua revelação, que culmina em Jesus,
o Verbo vivo.

35 Disponível em: <http://pt.scribd.com/doc/104452427/Basico-Em-Teologia>. Acesso em: 10 jun. 2014.

A BÍBLIA SAGRADA
53

Romanos 16.25-27
25 Ora, àquele que tem poder para confirmá-los pelo meu evangelho
e pela proclamação de Jesus Cristo, de acordo com a revelação do mis-
tério oculto nos tempos passados, 26 mas agora revelado e dado a co-
nhecer pelas Escrituras proféticas por ordem do Deus eterno, para que
todas as nações venham a crer nele e a obedecer-lhe; 27 sim, ao único
Deus sábio seja dada glória para todo o sempre, por meio de Jesus Cris-
to. Amém.

Efésios 3.2-12
2 Certamente vocês ouviram falar da responsabilidade imposta a mim
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

em favor de vocês pela graça de Deus, 3 isto é, o mistério que me foi


dado a conhecer por revelação, como já lhes escrevi em poucas pala-
vras. 4 Ao lerem isso vocês poderão entender a minha compreensão
do mistério de Cristo. 5 Esse mistério não foi dado a conhecer aos ho-
mens doutras gerações, mas agora foi revelado pelo Espírito aos santos
apóstolos e profetas de Deus, 6 significando que, mediante o evangelho,
os gentios são co-herdeiros com Israel, membros do mesmo corpo, e
co-participantes da promessa em Cristo Jesus. 7 Deste evangelho me
tornei ministro pelo dom da graça de Deus, a mim concedida pela ope-
ração de seu poder. 8 Embora eu seja o menor dos menores de todos os
santos, foi-me concedida esta graça de anunciar aos gentios as inson-
dáveis riquezas de Cristo 9 e esclarecer a todos a administração deste
mistério que, durante as épocas passadas, foi mantido oculto em Deus,
que criou todas as coisas. 10 A intenção dessa graça era que agora, me-
diante a igreja, a multiforme sabedoria de Deus se tornasse conhecida
dos poderes e autoridades nas regiões celestiais, 11 de acordo com o seu
eterno plano que ele realizou em Cristo Jesus, nosso Senhor, 12 por in-
termédio de quem temos livre acesso a Deus em confiança, pela fé nele.

Inspiração

A palavra grega para “inspirado” (II Timóteo 3.16) é theopneustos, cujo sentido
literal é “soprado por Deus”.36
Inspiração: termo utilizado por muitos teólogos para designar a obra do

36 ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. São Paulo: Vida Nova,
1994. p. 79

Bíblia Sagrada - Revelação e Inspiração


I

Espírito Santo de capacitar escritores humanos a registrar o que Deus desejava


que fosse o conteúdo das Escrituras. As teorias que explicam como Deus “super-
visionou” o processo da formação das Escrituras variam do ditado (homens
escreveram como secretários, registrando palavra por palavra o que Deus ia
dizendo) à redação extática (homens escreveram no auge da criatividade humana).
A maioria das teorias evangélicas da inspiração sustenta que o Espírito Santo
orientou divinamente a redação das Escrituras, ao mesmo tempo permitindo
que elementos culturais e históricos de cada autor fossem incorporados, pelo
menos quanto ao estilo, à gramática e ao vocabulário.37

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Inspiração: (inerrância) tese teológica segundo a qual os autores da Bíblia
foram “inspirados” em sua obra pelo Espírito Santo, considerado consequente-
mente o autor principal. Por essa razão, fala-se em inerrância bíblica, visto que
a Bíblia não contém erro em matéria de fé. A tese da inspiração foi interpretada
de modo diferente ao longo dos séculos, seja na teologia católica, seja na protes-
tante. Também o judaísmo considera a Escritura “Palavra de Deus”, afirmando,
porém, uma revelação sem mediação para a Torá escrita e oral, e uma revelação
com mediação para os Profetas e os Escritos.38
A doutrina da inspiração é uma parte da doutrina geral da revelação que,
por sua vez, se baseia nas doutrinas fundamentais da criação e da redenção.
Zuck (1994, p. 80) escreve que é óbvio que o significado da palavra inspi-
ração, quando referente à Bíblia, difere de seu emprego usual hoje. É comum
falar-se de inspiração na música, nas artes e na poesia. O sentido aqui é o de obras
compostas de forma extraordinária, que exercem efeito sobre nossas emoções.
Quando falamos de inspiração da Bíblia, não queremos dizer que os escrito-
res foram inspirados, mas, sim, que as próprias palavras o foram, ou seja, elas
foram sopradas por Deus. Em certo sentido, Deus incutiu sua vida nas palavras
da Bíblia, de sorte que são realmente palavras suas. Não se pode dizer o mesmo
de nenhum outro livro já escrito.39

37 GRENZ, Stanley J. GURETZKI, David; NORDLING, Cherith FEE. Dicionário de Teologia. 3.ed. São
Paulo: Vida, 2002. p. 76
38 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p.
52
39 ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. São Paulo: Vida Nova,
1994. p. 80

A BÍBLIA SAGRADA
55

Em relação à inspiração do Antigo e do Novo Testamento, Bentho (2003,


p. 42) traz que o sentido teológico de inspiração divina é derivado da expressão
paulina de II Timóteo 3.16 – “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o
ensino, para a repreensão, para a correção e para a educação na justiça”.

Lembrando que o texto bíblico foi inspirado e não ditado!

A expressão “divinamente inspirada”, no grego théopneustos, constitui-se um


Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

hapax legoumenon, isto é, termo que aparece apenas uma vez nas Escrituras, e
é formada por dois vocábulos: Théos (Deus) e pneustos (inspiração, influxo). O
apóstolo Pedro afirma que os profetas eram literalmente levados pelo Espírito
Santo (II Pedro 1.21; Atos 27.15,17). Assim sendo, II Timóteo 3.16 quer dizer
que as Escrituras são produtos do sopro criador de Deus. Paulo exorta seu dis-
cípulo a perseverar na autêntica doutrina que aprendeu desde a tenra idade no
Antigo Testamento, a qual é capaz de guiá-lo à salvação exatamente porque se
origina de Deus.
Bentho (2003, p. 49) conceitua inspiração como sendo a influência sobre-
natural exercida pelo Espírito Santo sobre os hagiógrafos, em virtude do qual
seus escritos são produtos da vontade divina, constituindo-se cânon de regra,
fé e prática. A inspiração garante infalibilidade e veracidade ao ensino exposto
pelas Escrituras, enquanto a Revelação acrescenta o tesouro de conhecimento
do hagiógrafo. Não devemos ignorar as idiossincrasias40 dos hagiógrafos, onde
traços marcantes de suas personalidades são aviltados nas Escrituras.
A conclusão apostólica sobre a inspiração e autoridade bíblica é que as predi-
ções proféticas do Antigo Testamento cumpriram-se infalivelmente no ministério
terreno de Cristo, e o núcleo dessa ratificação é a certeza inviolável de que foi
Deus quem anunciou por boca de todos os profetas (Atos 3.18). A inspiração
garante infalibilidade e veracidade ao ensino exposto pelas Escrituras, enquanto
a Revelação acrescenta o tesouro de conhecimento do hagiógrafo.

40 Idiossincrasias: predisposição particular do organismo que faz que um indivíduo reaja de maneira
pessoal à influência de agentes exteriores. Fonte: Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, 2012.
(Eletrônico).

Bíblia Sagrada - Revelação e Inspiração


I

Bíblia Sagrada - Infalibilidade e Inerrância

■■ Infalibilidade: característica de ser incapaz de falhar na realização de


um propósito predeterminado. Na Teologia protestante, a infalibilidade
geralmente está associada às Escrituras. A Bíblia não falha em seu propó-
sito supremo de revelar Deus e o Caminho da Salvação ao ser humano.
■■ Inerrância: ideia de que a Bíblia é completamente isenta de erros. Todos os
teólogos que utilizam o termo concordam que a inerrância se refere funda-
mentalmente à confiabilidade e à autoridade das Escrituras como Palavra

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
de Deus, a qual informa ao homem a necessidade de buscar a salvação.41
Esses termos geralmente estão rodeados de discussões, para uma resumida apre-
sentação, recorremos, em relação a esses termos, a Bentho (2003), quando afirma
que ambos conceitos, aplicados às Escrituras, são amplamente corretos quando
entendidos os seus matizes principais. Ambos se depreendem da doutrina da
Inspiração das Escrituras. São termos mais teológicos do que bíblicos. Por esse
motivo, temos que ser prudentes em toda formulação dogmática a respeito dessas
características da Bíblia. A etimologia de “infalibilidade” nos ajuda a determinar
seu significado. Falibilidade se deriva do latim “fallere”, que quer dizer enganar,
induzir ao erro, ser infiel, não cumprir, trair. Nesse sentido, pode-se dizer que
a Bíblia é infalível, que não induz ao erro e que não trai o propósito para o qual
Deus a inspirou. Se assim não fosse, a Escritura, como instrumento de comu-
nicação de revelação de Deus, careceria de valor. A “inerrância”, neologismo
teológico, indica a ausência de erro nos livros da Bíblia. Porém, que amplitude
deve-se dar a esses conceitos? A tendência mais generalizada nos credos e con-
fissões de fé tem sido a de aceitar a infalibilidade das Escrituras em tudo que
concerne a questões de fé e conduta, enquanto que na inerrância se tem apli-
cado especialmente aos textos históricos em sua relação com a obra redentora.
Além dessas posições, há aqueles que têm defendido a inerrância levando-a a
extremos desnecessários, afirmando com veemência que na Bíblia não existe
nenhuma classe de erro, nem sequer os derivados de equívocos dos copistas,

41 GRENZ, Stanley J. GURETZKI, David; NORDLING, Cherith FEE. Dicionário de Teologia. 3.ed. São
Paulo: Vida, 2002. p. 75, 76

A BÍBLIA SAGRADA
57

solapando qualquer problema que o texto possa apresentar e sugerindo soluções


pouco convincentes. Em sentido oposto, não têm faltado aqueles que só reco-
nhecem a fidedignidade das Escrituras no tocante a assuntos doutrinais e éticos,
negando a inerrância nos fatos históricos. As duas posturas, contudo, estão pre-
sas a inconvenientes, a primeira, de uma falta de objetividade, e a segunda, de
um excesso de subjetividade.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

A Bíblia é revelação (não apenas o registro de uma revelação), e inspiração


foi a ação mediante a qual Deus registrou por escrito, de forma infalível, ver-
dades reveladas. A revelação é a comunicação de verdades que de outro
modo não seriam conhecidas, enquanto a inspiração é o processo pelo qual
essas informações são apresentadas com precisão em linguagem escrita. A
revelação consiste no desvendar de verdades divinas por ação do Espírito,
ao passo que a inspiração é a supervisão por ele efetuada do registro de sua
revelação.
Fonte: Roy B. Zuck. The Holy Spirit in your teaching. ed. Ver. Wheaton, Victor Books,
1984, p. 49

Bíblia Sagrada - Revelação e Inspiração


1. Após a leitura da obra de Eric Lund, apresentado como material complementar,
de forma resumida, apresente as cinco regras fundamentais que o autor apre-
senta sobre a Interpretação Bíblica:
2. Após a leitura da primeira parte da obra de Carlos Mesters, apresentado como
material complementar, de forma resumida, apresente os pontos principais que
o autor aborda sobre a importância da Interpretação Bíblica:
3. Apresente um texto com uma interpretação do Anexo 1.
4. Discorra sobre a necessidade de interpretação bíblica.
Material Complementar

Anexo 1 [Flor sem defesa, Carlos Mesters]


LUND, Eric. Hermenêutica: princípios de interpretação das Sagradas Escrituras. 2.
ed. São Paulo: Editora Vida, 2012.
MESTERS, Carlos. Por trás das palavras. Petrópolis: Vozes, 1974. p. 13-135.

Material Complementar
Professor Me. Marcelo Aleixo Gonçalves

II
UNIDADE
A EXEGESE BÍBLICA

Objetivos de Aprendizagem
■■ Analisar conceitos e termos da Exegese.
■■ Analisar a descrição do termo Exegese.
■■ Analisar os aspectos históricos da Exegese.
■■ Verificar questões como: a prática e a eisegese.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Exegese Bíblica, conceitos, descrição do termo
■■ Os aspectos históricos da Exegese Bíblica
■■ A necessidade da interpretação da Bíblia
■■ Questões práticas e o texto original
■■ Eisegese
63

Exegese Bíblica – Conceitos

É interessante observar que, muitas vezes, não há uma harmonia entre os estu-
diosos em relação à questão da Exegese Bíblica, seja na definição do termo, seja
na aplicação das regras/métodos no estudo da Palavra de Deus. Percebo certa
confusão quando se começa a ler um e depois outro e mais a frente um terceiro
estudioso.
Talvez não haja a necessidade de nos preocuparmos com isso, pois o reno-
mado professor Júlio Zabatiero, por exemplo, em seu Manual de Exegese, nos
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

mostra a aplicação dos preceitos da semiótica e da análise do discurso na inter-


pretação da Bíblia Sagrada, apontando para uma atualizada maneira de fazer a
Exegese e não entra nas questões de definição e de ordem na sequência do traba-
lho, pois entende que não importa se começamos com a Hermenêutica ou com
a Exegese, pois, para ele, são termos intercambiáveis, já que na leitura do texto
bíblico ambas são feitas simultaneamente (as distinções são metodológicas e
didáticas). Embora que, para uma grande maioria de estudiosos, a Exegese se faz
primeiro, pelas questões particulares do texto (questão textual) a ser estudado.
Mas concordo com o professor Júlio quando diz que a eficácia do método
depende da pessoa que o utiliza (sua capacidade e intenções). No caso da inter-
pretação bíblica, mais importante que o método que será utilizado, são os
conhecimentos que se tem da própria Bíblia (o que de fato cremos em relação
à Bíblia) e do mundo no qual foi escrita, como também, os conhecimentos que
se têm da história da interpretação bíblica e seu uso nas igrejas e academias. Os
conhecimentos que temos de nosso mundo e de nós mesmos nesse mundo, os
hábitos que já desenvolvemos e as certezas que já temos.
Em relação à desarmonia entre os autores, não é aqui que vamos solucio-
nar definitivamente isso, mas, pelo menos, partimos de uma definição do que é
Exegese e do que é Hermenêutica e suas funções. Com certeza haverá quem não
concorde ou pense diferente.
Na verdade, apresentamos neste material de estudo uma compilação de vários
textos e autores, que são resultado de nossas pesquisas para a preparação de nos-
sas aulas, com isso, não estamos oferecendo nada original, mas simplesmente
uma seleção de textos de bons autores para nosso aprendizado sobre o tema.

Exegese Bíblica – Conceitos


II

“Você entende o que está lendo?” (Atos dos Apóstolos 8.30), perguntava o
apóstolo Filipe ao funcionário etíope que estava indo a Gaza, ao retornar de uma
peregrinação a Jerusalém. O personagem lia a segunda parte de Isaías (53.7-8),
um texto que a Igreja primitiva, assim como o apóstolo, interpretava como uma
referência profética à morte de Jesus na cruz. Mas a pergunta poderia ser apli-
cada genericamente a qualquer leitor da Bíblia: quantas vezes interpretações
ambiciosas produziram mais dano que benefício, simplesmente porque o texto
foi mal entendido e forçado a expressar coisas que nada tinham a ver com ele,
embora agitassem a mente do leitor. Certamente essa atitude pode ser somente

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
em pequena escala quando se pensa na leitura devota e litúrgica: esta, contudo,
sempre foi feita durante milênios, produzindo trechos de profunda espirituali-
dade; da mesma forma, não é sempre garantido que uma boa cultura, seja ela
bíblica ou humanística, produza um entendimento dos textos que corresponda à
sua real intenção. Todavia, é absolutamente seguro que os autores sempre viram o
verdadeiro significado daquilo que escreveram? Se isso fosse verdade, não teriam
existido – para citar-se um exemplo particularmente doloroso – interpretações
antissemitas de afirmações bíblicas, até mesmo entre pessoas que foram reco-
nhecidas como santos e doutores da igreja, ou reformadores!1
Esse é um trecho do prefácio da obra Vademecum para o estudo da Bíblia, e
citamos aqui, como poderíamos citar tantos outros, para mostrar como precisa
ficar evidente que é de importância fundamental uma boa, equilibrada e zelosa
interpretação da Bíblia. Quantos erros aconteceram e quantos acontecem, infeliz-
mente, por não se procurar trabalhar a interpretação bíblica de forma responsável.
É interessante observar que os autores que tratam desse tema (Exegese e
Hermenêutica) nem sempre concordam com a sequência das ações, ou seja, para
uns, primeiro se aplica as ferramentas da Exegese, onde se busca a melhor tradu-
ção do texto e, em seguida, a Hermenêutica, buscando compreender o entorno
do texto, seu contexto. Mas há autores que dizem o contrário, como exemplo,
temos Bentho (2003, p. 66), que em uma forma resumida pontua isso e apresenta
uma correlação entre hermenêutica, exegese e eisegese, como segue:

1 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p.
5.

A EXEGESE BÍBLICA
65

A hermenêutica precede a exegese. Esta, por sua vez, vale-se dos princí-
pios, regras e métodos hermenêuticos em suas conclusões e investigações. O
sentido literal do termo confunde-se com o vocábulo hermenêutica, de sorte
que, às vezes, se usa com os dois termos simultaneamente. Exegese é a aplica-
ção dos princípios hermenêuticos para chegar a um entendimento correto sobre
o texto. É o estudo do sentido literal do texto. Refere-se à ideia de que o intér-
prete está derivando o seu entendimento do texto, em vez de incutir no texto o
seu entendimento. Enquanto a hermenêutica é a teoria da interpretação, a exe-
gese é a prática. Teologicamente, a exegese é o capítulo da Teologia que estuda
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

a interpretação, que pode ser aplicada a alguma passagem das Escrituras a fim
de compreender o seu sentido. Já a Eisegese consiste em manipular o texto para
dizer o que ele não diz.2
O objetivo da exegese bíblica é descobrir o que o texto diz e quer dizer, e não
atribuir-lhe outro sentido. Como disse João Calvino: “A primeira preocupação
do intérprete é permitir que o autor diga o que ele realmente disse, em vez de
lhe impor o que acha que ele devia dizer”.3

Exegese Bíblica – Descrição do Termo

Exegese é literalmente “extrair significado de”. Refere-se ao processo de buscar


entender o que um texto quer dizer ou comunicar por si mesmo.4
No caso da Exegese bíblica, é o trabalho para um melhor entendimento do
texto bíblico, tem a ver com o processo de interpretação sistemático do texto
sagrado com objetivo filológico e entendimento doutrinal.
Para Bentho (2003, p. 67), exegese é a extração dos pensamentos que assis-
tiam ao escritor redigir determinado documento.

2 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 66
3 ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. São Paulo: Vida Nova,
1994. p. 114
4 GRENZ, Stanley J.; GURETZKI, David; NORDLING, Cherith FEE. Dicionário de Teologia. 3. ed. São
Paulo: Vida, 2002. p. 54.

Exegese Bíblica – Descrição do Termo


II

O termo vem do grego, ex “fora” e agein “guiar”, ou seja, no sentido de


“explicar”. A palavra exegese na língua portuguesa traz a ideia de “tradução”,
“interpretação”, ou mais especificamente “comentário ou dissertação que tem por
objetivo esclarecer minuciosamente um texto ou uma palavra”5. Dentro do con-
texto teológico, a ênfase recai sobre a melhor tradução do texto original para que
se possa estudar a interpretação de modos formais de explicação, buscando uma
maior compreensão do sentido do texto, isto é, compreender o texto bíblico em
si mesmo: as ideias, as intenções, a forma literária de um texto específico e suas
relações formais com outros textos, aqui a ênfase é a análise textual.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
É a prática da exegese que busca a real interpretação dos textos que for-
mam o Antigo e o Novo Testamento. Vale-se, pois, do conhecimento das
línguas originais (hebraico, aramaico e grego), da confrontação dos diversos
textos bíblicos e das técnicas aplicadas à linguística e na filosofia.
É o processo de interpretação sistemática de textos, em especial os da Bíblia,
com objetivo filológico ou doutrinal. Dentro do contexto teológico, a ênfase recai
sobre a interpretação de modos formais de explicação que podem ser aplicados
a algum texto, a fim de se compreender o seu sentido.Para que isso ocorra, pro-
cura-se estudar os textos originais (basicamente hebraico e grego) para entender
que significados tinham as palavras quando foram usadas pelos escritores bíbli-
cos em seu tempo (sentido para o primeiro ouvinte). Saber o significado das
palavras isoladas (sentido real), como também a relação gramatical que manti-
nham umas com as outras, serve para proporcionar uma melhor compreensão
do que o texto inspirado quer dizer.
Trabalhamos o termo ‘exegese’ num sentido conscientemente limitado para
referir-nos à investigação histórica do significado de um texto bíblico. A pres-
suposição subjacente a essa tarefa é que os livros bíblicos tiveram “autores” e
“leitores”, e que os autores pretendiam que seus leitores entendessem o que eles
escreviam (exemplos: I Coríntios 5.9-11; I João 2.1). Exegese, portanto, responde
à seguinte questão: Qual era o significado que o autor bíblico queria comuni-
car? Exegese refere-se tanto ao que ele disse (o contexto propriamente dito)
quanto ao por que ele o disse num determinado lugar (o contexto literário) – na

5 Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, 2012. (Eletrônico).

A EXEGESE BÍBLICA
67

medida em que isso pode ser descoberto, dada nossa distância em tempo, lin-
guagem e cultura. Além disso, a exegese ocupa-se, fundamentalmente, com a
intencionalidade: O que o autor bíblico tencionava que seus leitores originais
compreendessem? Assim, o alvo imediato de quem estuda a Bíblia é entender o
texto bíblico. Contudo, a exegese não deve ser um fim em si mesma.6
Colabora nessa descrição do termo o que apresenta o Vademecum, Exegese
é termo que vem do grego exégesisi, “puxar para fora”, ‘explicar’. Teoria e prática
da explicação de um texto. A exegese bíblica visa, com o auxílio de várias disci-
plinas (crítica textual, arqueologia, filologia etc.), tornar claro o texto bíblico, seja
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

em suas peculiaridades linguísticas e conceituais, seja em suas motivações teo-


lógicas, bem como em suas circunstâncias histórico-literárias. As várias épocas,
de acordo com suas concepções filosóficas, literárias e teológicas, produziram
diversos tipos de exegese: patrística, rabínica, escolástica etc. A exegese pode ser
considerada o pressuposto da hermenêutica.7
Interessante considerar as palavras de Stuart (2008, p. 51), quando diz que
todos concordam que a exegese procura determinar o significado de uma passa-
gem das Escrituras. Muitos exegetas acreditam, porém, que sua responsabilidade
termina com o passado: a exegese é a tentativa de descobrir o que o texto signi-
ficou, não o que ele significa hoje.
Estabelecer limites tão arbitrários à exegese é insatisfatório por três razões:
primeiro, ignora o motivo principal pelo qual a maioria das pessoas se envolve
com a exegese ou está interessada nos resultados da mesma (elas desejam ouvir
e obedecer à Palavra de Deus que se encontra no texto). Em outras palavras,
quando divorciada da aplicação, a exegese é um exercício intelectual vazio.
Segundo, tem em vista apenas um aspecto do significado – o histórico –, como
se as palavras de Deus fossem dirigidas apenas para gerações específicas, e não
para todos nós e, também, para aqueles que virão depois de nós. As Escrituras
são nossas Escrituras, não somente as Escrituras dos antigos. Por último, deixa
no âmbito da subjetividade a interpretação existencial pessoal ou coletiva, bem

6 STUART, Douglas; FEE, Gordon D. Manual de Exegese Bíblica – Antigo e Novo Testamento. São Paulo:
Vida Nova, 2008. p. 25
7 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p.
39.

Exegese Bíblica – Descrição do Termo


II

como o uso da passagem em geral. O exegeta que chegou a uma compreensão


boa da passagem recusa-se a auxiliar o leitor ou ouvinte naquele ponto em que o
seu interesse é mais agudo. O exegeta deixa a função-chave – a reação à exegese
– completamente a cargo do leitor ou ouvinte, o qual sabe menos da passagem.
É evidente que o exegeta não pode controlar o que o leitor fará em resposta à
passagem. Mas o exegeta pode, e deve, fazer o melhor possível a fim de definir
áreas nas quais uma resposta fiel será encontrada. Além disso, ele deverá sugerir,
se necessário, áreas de resposta que a passagem pode parecer apontar superfi-
cialmente, mas que não são justificadas pelos resultados da exegese.8

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Ainda nesse assunto, Stuart complementa que tomar decisões sobre a apli-
cação é mais uma arte do que ciência; é algo qualitativo, não quantitativo. A
aplicação (das ferramentas de estudo e pesquisa) deve ser tão rigorosa, com-
pleta, justa e analiticamente correta quanto qualquer outro passo no processo
da exegese. Ela não pode ser anexada ao restante da exegese como um tipo de
reflexão posterior de caráter espiritual. Além disso, se ela quiser ser convincente,
deve refletir com cuidado os dados da passagem (estudada). (...) A subjetividade
é o inimigo primário da boa aplicação. Quando alguém pensa que pode extrair
para si mesmo uma aplicação relevante, mas não para os outros, ou que se trata
de algo exclusivo da passagem, sem aplicação para textos semelhantes, a proba-
bilidade dessa interpretação possuir coerência lógica é reduzida e sua exatidão
fica ameaçada.9
Temos que, segundo escreve Bentho (2003), a Metodologia da Exegese
Bíblica, portanto, é a organização e análise sistemática dos processos que devem
orientar a investigação científica da Bíblia. Consiste na aplicação dos princípios
racionais de investigação usados em documentos plurisseculares com o propó-
sito de apreender o estilo literário de cada autor, a estrutura da obra, as formas
literárias do conjunto, entre outros.10
Concluímos este tópico com as palavras de Douglas Stuart, quando escreve

8 STUART, Douglas; FEE, Gordon D. Manual de Exegese Bíblica – Antigo e Novo Testamento. São Paulo:
Vida Nova, 2008. p. 52.
9 STUART, Douglas; FEE, Gordon D. Manual de Exegese Bíblica – Antigo e Novo Testamento. São Paulo:
Vida Nova, 2008. p. 52.
10 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003.

A EXEGESE BÍBLICA
69

que uma exegese é um estudo analítico completo de uma passagem bíblica, feito
de tal forma que se chega à sua interpretação útil. A exegese é uma tarefa teoló-
gica, mas não mística. Existem certas regras básicas e padrões sobre como fazê-la,
embora os resultados possam variar em aparência, uma vez que as próprias pas-
sagens bíblicas variam bastante entre si.11
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Para fazer exegese do Antigo Testamento de um modo adequado você pre-


cisa se tornar uma espécie de “generalista”. Você logo se envolverá com as
funções e os sentidos das palavras (linguística); com a análise da literatura
e do discurso (filologia); com a teologia; com a história; com a transmissão
dos escritos bíblicos (crítica textual); com a estilística, com a gramática e a
análise de vocábulos; e com a, vagamente definida, mas inescapavelmente
importante área da sociologia. Habilidades naturais intuitivas são úteis, mas
não substituem o trabalho árduo e cuidadoso de pesquisa em primeira mão.
Como processo, a exegese pode ser algo bastante monótono. Felizmente,
porém, seus resultados geralmente são encorajadores. Todavia, sejam en-
corajadores ou não, os resultados devem ser, pelo menos, de valor prático,
genuíno para o crente, ou, então, alguma coisa está errada com a exegese.
(...) O exegeta precisa pesquisar muitos livros e fontes.
Fonte: STUART, Douglas; FEE, Gordon D. Manual de Exegese Bíblica – Antigo e
Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2008. p. 23.

Exegese Bíblica – Aspectos Históricos

Champlin e Bentes (1995) contribuem de forma resumida para alguns aspectos


históricos da Exegese Bíblica; escrevem que no Antigo Testamento os sacerdo-
tes eram os intérpretes oficiais da lei mosaica (Ageu 2.10-13). Os escribas eram

11 STUART, Douglas & FEE, Gordon D. Manual de Exegese Bíblica – Antigo e Novo Testamento. São
Paulo: Vida Nova, 2008. p. 23

Exegese Bíblica – Aspectos Históricos


II

seus sucessores. Usualmente provinham da seita dos fariseus, que foi a única
seita judaica que conseguiu sobreviver à destruição de Jerusalém, no ano 70 d.C.
Numa vívida e criativa imaginação criaram o Talmude, as interpretações rabíni-
cas do Antigo Testamento, bem como as produções literárias sobre os costumes,
a cultura e a lei dos judeus. Eles apelavam muito para a interpretação alegórica,
o que abre espaço para os maiores absurdos e fantasias.
No Novo Testamento, os autores nem sempre empregaram os textos citados
do Antigo Testamento de maneira literal, mas injetaram alguma eisegese. Não
obstante, há muita exegese autêntica do Antigo Testamento, no Novo Testamento,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
sobretudo no que tange à esperança messiânica, como exemplos podemos citar:
I Coríntios 9.9, 10 e Gálatas 4.21-31.
Após o Novo Testamento prosseguiu então a atividade dos intérpretes lite-
ralistas e alegoristas. Orígenes exerceu tremenda influência sobre o cristianismo
antigo, e ele e os pais alexandrinos da Igreja deram prosseguimento ao método
alegórico de interpretação. Orígenes procurava pelos sentidos: literal, moral,
simbólico, alegórico e místico das passagens, supondo que um texto qualquer
poderia ter vários sentidos tencionados. Passagens morais difíceis, do Antigo
Testamento, como a história da criação e as violências supostamente ordenadas
por Deus, eram por eles interpretadas simbólica e moralmente, mas não lite-
ralmente. A escola antioquiana, por sua vez, insistia em uma interpretação um
tanto mais literal dos textos sagrados.
Na Idade Média, a opinião geral dos exegetas, como Pedro Lombardo e Tomás
de Aquino, era que a interpretação incorpora quatro modos básicos:
■■ Interpretação literal;
■■ Interpretação figurada (ou alegórica);
■■ Interpretação moral;
■■ Interpretação anagógica ou espiritual (mística) – esta é a que explicaria
os segredos sobrenaturais.

Durante a Reforma Protestante, que tinha uma mentalidade de retorno à Bíblia,


era frisada a comparação da Bíblia com a Bíblia, ou seja, a interpretação de um
dado texto bíblico mediante o apelo a outros textos bíblicos “Scriptura interpres

A EXEGESE BÍBLICA
71

scripturae”. Todavia, os reformadores também tinham os seus preconceitos, não


se tendo livrado das tradições e das ideias doutrinárias dogmáticas e fixas. Nisso,
eles não se distanciavam muitos dos intérpretes católicos romanos, apesar dos
protestos em contrário. Contudo, entre os protestantes começou a impor-se uma
abordagem bíblica um tanto mais literal, com a diminuição da importância das
abordagens alegóricas e puramente dogmáticas. Embora a teologia ocidental
continuasse sendo a principal norma na interpretação das ideias protestantes,
visto que as igrejas luterana e reformada são filhas da tradição ocidental, que se
concretizou na Igreja Católica Romana. Os discernimentos alcançados pelas igre-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

jas ortodoxas orientais, através dos séculos, foram praticamente esquecidos. Os


protestantes dizem “apelamos somente às Escrituras”, mas a verdade é que suas
interpretações por muitas vezes são eisegéticas e não exegéticas, com base nos
preconceitos e nas preferências pessoais ou denominacionais.12
Em relação ao século XX, afirma Silva (2000, p. 12) que foi profundamente
frutuoso e questionador no que se refere à interpretação bíblica: muitos méto-
dos surgiram, firmaram-se, foram superados e/ou redefiniram seus pressupostos
e seus objetivos.13
E ainda, num viés histórico, devemos concordar com Silva (2000, p. 12)
quando argumenta que
a Bíblia, Palavra de Deus, nem sempre é compreendida pelo povo des-
te mesmo Deus! Para um mesmo texto, surgem muitas interpretações,
algumas legítimas, outras questionáveis, outras descartáveis. Tudo de-
pende do modo, ou melhor, do método (eu acrescento também o ca-
ráter e a intenção) com que lemos a Bíblia. Com efeito, a riqueza da
Sagrada Escritura é tamanha que não basta um único método de leitura
para esgotá-la. Ela nos reserva sempre uma novidade, uma surpresa,
um horizonte novo.

Para efeito de informação, quando, na interpretação alegórica, os judeus costu-


mavam alegorizar uma passagem bíblica nas seguintes situações:
■■ Se o significado literal fosse indigno de Deus;

12 CHAMPLIN, R. N.; BENTES, J. M. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. São Paulo: Candeia,
1995. p. 617, 618
13 SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 12.

Exegese Bíblica – Aspectos Históricos


II

■■ Se a declaração fosse contrária a outra declaração bíblica;


■■ Se o texto afirmasse tratar de alegoria;
■■ Se houvesse expressões dúplices ou palavras supérfluas;
■■ Se houvesse repetição de algo já conhecido;
■■ Se uma expressão fosse variada;
■■ Se houvesse emprego de sinônimos;
■■ Se fosse possível jogo de palavras;

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
■■ Se houvesse algo anormal em número ou tempo verbal;
■■ Se houvesse presença de símbolos.

Oferecemos aqui uma resumida história da Exegese14:

Exegese Patrística (100 a 600 d.C.)

Os pais da igreja interpretaram o Antigo Testamento principalmente de modo


alegórico. Com isso, foram muito longe da intenção dos autores. Não havia regras
para a interpretação.
Clemente de Alexandria (150 a 215 d.C.) – Dizia que o verdadeiro significado
das Escrituras está oculto para que sejamos inquiridores. Afirmava a existência
de cinco sentidos ou camadas no texto bíblico: histórico, doutrinal, profético,
filosófico e místico.
Orígenes (185 a 254) – Valorizava I Coríntios 2.6-7 e considerava as Escrituras
como uma vasta alegoria na qual cada detalhe era simbólico. Dizia que, assim
como o homem tem três partes, as Escrituras têm três sentidos: literal, moral e
alegórico (místico). Na prática, ele desprezou o sentido literal.
Agostinho (354 a 430) – Estabeleceu regras avançadas para a época. Algumas
são usadas até hoje. Defendeu a existência de quatro sentidos: histórico, etio-
lógico (referente à origem), analógico e alegórico. Na prática, Agostinho usou

14 Disponível em: <http://adm-2000.blogspot.com.br/p/arte-de-pregar.html>. Acesso em: 7 jul. 2014.

A EXEGESE BÍBLICA
73

alegorização excessiva, justificando-se com II Coríntios 3.6.


Suas regras são:
■■ O intérprete precisa possuir fé cristã;
■■ Deve-se considerar o sentido literal e histórico das Escrituras;
■■ A Escritura tem mais que um significado. Portanto, o método alegórico
é adequado;
■■ Há significado nos números bíblicos;
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

■■ O Antigo Testamento é um documento cristão porque Cristo está retra-


tado nele;
■■ Compete ao expositor entender o que o autor pretendia dizer e não intro-
duzir outro significado;
■■ O intérprete deve consultar o verdadeiro credo ortodoxo;
■■ Um versículo deve ser estudado dentro do seu contexto e não isolado;
■■ Se um texto é obscuro não pode ser usado como matéria de fé (doutrina);

■■ O Espírito Santo não toma o lugar do aprendizado necessário para se


entender as Escrituras;
■■ A passagem obscura deve dar preferência à passagem clara;
■■ O expositor deve levar em consideração que a revelação é progressiva.
A Escola de Antioquia da Síria – Teve como destaque Teodoro de Mopsuéstia
(350-428), rejeitaram o letrismo e o alegorismo da Escola de Alexandria, valo-
rizaram a interpretação histórico-gramatical, rejeitaram o uso da autoridade
sobre a interpretação.
A Escola de Alexandria – Ensinava a existência de um significado espiri-
tual acima dos fatos históricos. Embora o princípio tivesse algo válido, aqueles
intérpretes se entregaram a fantasias sem limites. Os intérpretes de Antioquia
admitiam a existência de um significado espiritual implícito no próprio aconteci-
mento (princípios detectáveis no texto), sem a necessidade de suposições externas.

Exegese Bíblica – Aspectos Históricos


II

Exegese Medieval (600 a 1500)

Foi uma época de ignorância e domínio católico. Os dogmas e a tradição regu-


lamentavam a interpretação bíblica. Durante esse período, a interpretação foi
dominada pela alegorização e pelo “sentido quádruplo” sugerido por Agostinho,
expresso pelos itens a seguir:
1. A letra mostra-nos o que Deus e nossos pais fizeram. (Por exemplo, nesse
sentido, Jerusalém seria a própria cidade histórica em Israel).

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
2. A alegoria mostra-nos onde está oculta a nossa fé. (Jerusalém represen-
taria, portanto, a igreja).
3. O significado moral dá-nos as regras da vida diária. (Jerusalém signifi-
caria a alma humana).
4. A anagogia (escatologia) mostra-nos onde terminamos nossa luta. (As
referências a Jerusalém indicariam então a Nova Jerusalém de Apocalipse).
É preciso verificar se o texto bíblico contém indicadores desses sentidos.
O “letrismo” também continuava e alcançava níveis ridículos. Até anagra-
mas eram construídos a partir de palavras bíblicas, atribuindo-se a cada letra
uma relação a outra frase ou palavra que não estava contida no texto original.
Em meio a essa confusão exegética, alguns judeus espanhóis (séculos12 a
15) defendiam o uso do método histórico-gramatical.
Alguns católicos franceses, da Abadia de São Vitor, propunham preferên-
cia ao sentido literal e que a exegese desse origem à doutrina e não o contrário.
Nicolau de Lira (1270 a 1340) defendeu a utilização do “sentido quádru-
plo”, mas entendia que o literal seria a base dos demais. Lutero foi influenciado
por suas ideias.

Exegese da Reforma (século XVI)

Observou-se o abandono gradual do “sentido quádruplo”.


Lutero (1483 a 1546) defendeu a tese de que a fé e a iluminação do Espírito
Santo são fundamentais para a correta interpretação da Bíblia.

A EXEGESE BÍBLICA
75

Afirmava que as Escrituras estão acima da igreja. A interpretação correta


procede de uma compreensão literal. Devem ser consideradas as condições his-
tóricas, a gramática e o contexto. As Escrituras são claras e não obscuras, como
dizia a Igreja Romana. O Antigo Testamento aponta para Cristo. É fundamental
a distinção entre Lei e Graça, embora ambos estejam presentes em toda a Bíblia.
Calvino (1509 – 1564) – Dizia que a alegorização era artimanha de Satanás.
Segundo Calvino, a Escritura interpreta a Escritura. Destacou a importância do
contexto, gramática, palavras e passagens paralelas, em lugar de trazer para o
texto o significado do intérprete.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Exegese Pós- Reforma (1550-1800)

Confessionalismo – Nessa época, foram definidos os credos católicos e pro-


testantes como base da exegese. A variedade de credos e a preferência do intérprete
conduziam a muitas discrepâncias teológicas. O uso das Escrituras ficou restrito
à escolha de textos para “comprovação” de posições religiosas predeterminadas.
Pietismo – Philipp Jakob Spener (1635-1705) – O pietismo foi um movimento
contra a exegese dogmática. Incentivou o retorno às boas obras, ao conheci-
mento bíblico, ao preparo espiritual dos ministros e o trabalho missionário. Por
algum tempo, houve boa utilização do método histórico-gramatical. Depois, a
tendência de espiritualizar de forma piedosa os textos fortaleceu a tese de uma
“luz interior” para a interpretação e o desprezo ao método histórico-gramatical,
distanciando os intérpretes das intenções do autor.
Racionalismo – A razão em confronto com a revelação – A razão passou a
ser considerada como única autoridade na interpretação bíblica. Só se aceitava
o que se podia compreender. Após a Reforma, o empirismo aliou-se ao racio-
nalismo. Empirismo significa que o conhecimento vem apenas por meio dos
sentidos físicos. Só se podia aceitar o que se pudesse comprovar.
Lutero disse anteriormente que a razão deve ser um instrumento para a com-
preensão da Palavra (uso ministerial) e não um juiz (uso magisterial).
Entendemos que o uso da razão na compreensão das Escrituras é provei-
toso, mas precisa estar sujeito à fé. Os milagres não podem ser compreendidos

Exegese Bíblica – Aspectos Históricos


II

pela razão. Nosso culto é racional (Romanos 12:1-2), mas a razão não é a sua
base de sustentação.

Hermenêutica Moderna (após 1800)

Nos últimos séculos, o método histórico-gramatical tem sido o mais aceito,


embora ainda ocorram interpretações por algumas das formas praticadas durante
a história.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A Exegese e o Texto Original

Fee e Stuart (2008, p. 57) oferecem alguns passos importantes para a sequência
do trabalho exegético, apresentados abaixo:
1. O texto
1.1 Confirmando os limites da passagem
Existem dois recursos aos quais poderá recorrer a fim de conseguir
ajuda imediata para confirmar os limites de uma passagem: (1) o pró-
prio texto hebraico na BHS ou BH315, e (2) praticamente qualquer
tradução moderna. O que deve ser examinado aqui é a paragrafação.
No caso do texto hebraico, o material bíblico é arranjado em forma de
parágrafos por meio de variação na endentação na margem direita.
1.2 Comparando as versões
Para analisar as muitas versões do Antigo Testamento, você precisa
verter cada uma delas de volta para o hebraico.
1.3 Reconstruindo o texto, fazendo anotações
1.4 Colocando a passagem em forma versificada

15 BH3 – Bíblia Hebraica. 3. ed. Stuttgart: Württembergische Bibelanstalt, 1937.

A EXEGESE BÍBLICA
77

2. A Tradução
3. O Contexto histórico
4. O Contexto literário
4.1 Examinando funções literárias
4.2 Examinando a localização de uma passagem
4.3 Analisando os detalhes
4.4 Analisando a autoria
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

5. A forma
5.1 A forma como chave para a função
6. A Estrutura
Entender a estrutura de uma passagem é captar o fluxo de conteúdo
projetado nela pela mente do autor, consciente ou inconscientemente.
Contudo, além disso, é importante considerar que o significado não é
comunicado apenas por palavras e frases (...).
6.1 Analisando a estrutura e a unidade
7. Os dados gramaticais
7.1 Identificando ambiguidades gramaticais
7.2 Identificando uma especificidade gramatical
7.3 Analisando a ortografia e a morfologia
8. Dados Lexicais
8.1 A importância do exame de palavras-chave
9. Contexto Bíblico
9.1 Observando o contexto mais amplo
10. Teologia
10.1 Uma perspectiva especial sobre a doutrina de Deus

A Exegese e o Texto Original


II

11. Literatura Secundária


12. Aplicação16

A Exegese na Prática

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
[Tópico especial para quem trabalha com a língua original.]
Douglas Stuart (2008, p. 31-55) apresenta um guia da exegese completa (lis-
tamos abaixo de forma concisa), onde diz que
esses comentários e questões são apenas sugestões e não devem ser se-
guidos irrefletidamente. Na verdade, algumas questões se sobrepõem;
já outras podem parecer-lhe redundantes. Algumas podem não ser re-
levantes para seus propósitos ou o escopo das necessidades de sua exe-
gese particular de uma certa passagem. Portanto, seja seletivo. Ignore o
que não se aplica à sua passagem; destaque o que se aplica.17

16 STUART, Douglas; FEE, Gordon D. Manual de Exegese Bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2008. p. 57
17 STUART, Douglas; FEE, Gordon D. Manual de Exegese Bíblica – Antigo e Novo Testamento. São Paulo:
Vida Nova, 2008. p. 31

A EXEGESE BÍBLICA
79

Texto:
1.1. Confirme os limites da passagem:
Procure certificar-se de que a passagem que escolheu para fazer exegese é, de
fato, uma unidade completa, independente, uma perícope. Evite interromper um
poema no meio de uma estrofe, ou uma narrativa no meio de um parágrafo – a
menos que essa seja uma tarefa do seu trabalho, ou a menos que você explique
claramente ao leitor/ouvinte a razão pela qual escolheu fazer a exegese de uma
seção da passagem. Seu principal aliado é o bom senso prático.

1.2. Compare as versões:


Leia a passagem em quantas versões puder. (...) Examine as diferenças (chama-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

das variantes). Tente decidir, da melhor forma possível, se alguma das variantes
textuais pode ser mais apropriada à passagem, isto é, pode ser mais original, do
que as palavras correspondentes no texto hebraico. Julgue se ela se encaixa me-
lhor no contexto. (...) Sua tarefa é reconstruir, até onde for possível, o texto como
foi originalmente inspirado por Deus – nunca reescrevê-lo.

1.3. Reconstrua o texto, fazendo observações:


Na tentativa de definir o texto, especialmente para quem trabalha a partir da
língua original, deve-se anotar os detalhes de lado e considerá-los na reconstru-
ção do texto. Texto esse que deveria vir no início de sua exegese, imediatamente
depois do prefácio (se houver), do índice (se houver), e da introdução. Problemas
textuais não são frequentes e raramente importantes a ponto de afetar o sentido
de uma passagem. As raras revisões textuais propostas que concretamente
afetam o sentido da passagem exigirão, provavelmente, uma explicação maior
nesse ponto do seu trabalho.

1.4. Coloque a poesia em forma versificada:


O processo de arranjo, e o arranjo propriamente dito, é chamado de
esticometria1, onde o paralelismo entre palavras e frases é o critério principal. Um
critério secundário é a métrica. As traduções modernas normalmente dispõem a
poesia de forma esticométrica.

1
Medida de extensão de um livro pelo número de linhas que contém. Divisão do texto de um livro em
linhas, especialmente em linhas que correspondem ao sentido (usada antes da adoção da pontuação).
Disponível em: <http://www.dicio.com.br/esticometria/>. Acesso em: 10 jun. 2014.

A Exegese na Prática
II

Tradução:
2.1 Prepare uma tradução provisória do texto reconstruído:
Comece de novo, desde o início. Pesquise em um léxico, todas as palavras cujo
conjunto de significados você não conhece bem. Leia sobre as palavras relevan-
tes, os artigos mais longos em léxicos mais importantes. Com relação a qualquer
palavra que pareça ser central ou essencial para o significado da passagem,
recomenda-se que neste ponto, ou em conexão com sua análise do conteúdo
lexical, sejam consultados estudos vocabulares detalhados (estudos de concei-
to). Lembre-se de que as palavras não possuem um significado único, mas um
conjunto de significados, e que há diferença entre uma palavra e um conceito.
Uma palavra hebraica raramente corresponde de forma precisa a uma palavra
em português, mas pode variar em significado quando se leva em consideração
o campo semântico, total ou parcial, de palavras afins em português. Tradução,
portanto, sempre implica seleção.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
2.2. Verifique a correspondência entre texto e a tradução:
Se domina a língua original, leia o texto hebraico/grego diversas vezes. (...) Con-
siderou a possibilidade de empregar mais de uma palavra em português para
comunicar o sentido de uma palavra no original? Ou vice-versa? Será que sua
passagem contém palavras ou frases que originalmente eram ambíguas? Sendo
assim, tente reproduzir, em vez de mascarar, a ambiguidade na sua tradução
para o português. A boa tradução é a que cria a mesma impressão geral no ou-
vinte que o original faria, sem distorcer o conteúdo específico comunicado.

2.3. Revise a tradução à medida que continuar o trabalho:


À medida que continuar a trabalhar na exegese da passagem escolhida,
especialmente ao examinar com cuidado os aspectos gramaticais e léxicos, você
poderá ampliar seu conhecimento do texto a ponto de melhorar sua tradução
provisória. Isso porque as palavras que escolher para determinado ponto da
passagem devem se encaixar bem no contexto maior. Quanto mais conhecer
acerca da passagem como um todo, maior sensibilidade terá para escolher a pa-
lavra, frase ou expressão certa para cada parte. As partes devem se encaixar no
todo. Além disso, à medida que decidir sobre os contextos literários e teológicos
do texto, seu julgamento a respeito da tradução será melhor.

2.4. Faça uma tradução final:


Quando a pesquisa estiver concluída, e você estiver pronto para escrever a reda-
ção final, inclua a tradução definitiva imediatamente depois do texto bíblico. Use
notas (de rodapé) para explicar a escolha das palavras que poderiam surpreen-
der ou que simplesmente não são óbvias para o leitor.

A EXEGESE BÍBLICA
81

Contexto Histórico:
3.1 Pesquise o pano de fundo histórico:
Procure responder às seguintes questões em sua pesquisa:
- Qual é o contexto da passagem?
- Que acontecimentos, exatamente, levaram o texto a este ponto?
Será que tendências importantes ou desdobramentos em Israel, e no restante
do mundo antigo, tiveram alguma influência na passagem ou em parte de seu
conteúdo?
- Existem passagens paralelas ou semelhantes na Bíblia que parecem estar rela-
cionadas às mesmas condições históricas e que contribuem para o entendimen-
to da passagem estudada?
- Sob quais condições históricas a passagem parece ter sido escrita?
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

- Poderia a passagem ter sido escrita, também, sob condições históricas bem
diferentes? Se não, por quê?
- A passagem é uma conclusão, ou representa algum estágio particular no pro-
gresso, de algum fato ou conceito?
Stuart (2008, p. 35) escreve ainda que deste ponto em diante observe com cui-
dado como as informações recolhidas sobre a passagem têm efeito sobre a sua
interpretação. Explique como essa informação histórica ajuda, de alguma forma,
a compreender ou a avaliar a passagem. Não se esqueça de explorar todas as
informações arqueológicas que possam existir em relação ao texto em estudo.
Às vezes poderá ser impossível determinar o contexto histórico da passagem.
Por exemplo, isso acontece às vezes com passagens poéticas, como os salmos ou
provérbios escritos com o objetivo de serem significativos em todos os tempos e
lugares. Se assim for, explique isso ao leitor. Descreva as implicações da falta de
um contexto histórico claro para a passagem.

3.2. Pesquise o ambiente social:


- Em que área da vida de Israel estão localizados o conteúdo ou os acontecimen-
tos descritos na passagem?
- Que instituições sociais ou civis têm algum impacto sobre a passagem? Como
isso esclarece o texto?
- A passagem é diretamente relevante só para o israelita antigo, isto é, cultural-
mente condicionada, ou tem alguma utilidade e significado para hoje? Se sim,
em que medida?
- Em que época ou dimensão da cultura israelita (ou outra) teriam sido possíveis,
ou prováveis, os acontecimentos da passagem (ou seus conceitos)? Teriam sido
esses acontecimentos ou conceitos exclusivamente israelitas, ou poderiam ter
ocorrido em algum outro lugar?

A Exegese na Prática
II

3.3. Pesquise o cenário histórico:


O que acontece a seguir? Em quem direção a passagem conduz? O que de
significativo ocorre afinal com as pessoas, os lugares, os objetos e os conceitos
da passagem? Terá a passagem informação essencial ao entendimento de algum
acontecimento ou informação posterior? A passagem está localizada no início de
algum novo desdobramento? Como a passagem se encaixa no panorama geral
da história do Antigo Testamento (ou Novo)? Existem implicações decorrentes
dessa localização histórica?

3.4. Pesquise os aspectos geográficos:


De onde procede a passagem (o contexto geográfico ou “origem”)?
A que nação, região, território tribal e povoado os acontecimentos ou concei-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tos da passagem se aplicam? (...) Aspectos como clima, topografia, distribuição
étnica, cultura regional ou economia cumprem algum papel aqui? Há algum
outro aspecto acerca da natureza geográfica que ilumina a passagem de algum
modo?

3.5. Determine a época da passagem em estudo:


Se a passagem é uma narrativa histórica, investigue a data dos fatos como des-
crito a seguir:
Se é um oráculo profético (uma mensagem revelada), procure a data em que
pode ter sido proferido pelo profeta.
Se é algum tipo de poesia, procure determinar quando o texto pode ter sido
composto.
Embora que nem sempre seja possível determinar uma data precisa, mas vale o
esforço da pesquisa, contudo, seja cauteloso ao usar a literatura secundária.
Stuart (2008, p. 35) pontua que datar passagens proféticas com precisão é em
geral muito difícil, senão impossível. Na maioria dos casos, o único meio de
prosseguir é tentar relacionar a mensagem da passagem com circunstâncias
históricas conhecidas, a partir de porções históricas do Antigo Testamento e de
outras fontes do Oriente Próximo. Isto é exatamente o que fazem os comentários
bíblicos.

A EXEGESE BÍBLICA
83

Contexto Literário:
4.1 Examine a função literária:
Stuart (2008, p. 35) explica que não há como evitar alguma sobreposição entre o
contexto histórico e o literário. O Antigo Testamento é revelação historicamente
orientada e, portanto, seu desenvolvimento e organização literários tenderão a
corresponder, de modo geral, à história de Javé e de sua intenção com seu povo.
Em relação à função literária, a passagem é parte de uma história, ou de um com-
plexo literário, que tem começo, meio e fim? Ela se encaixa, acrescenta, introduz,
conclui ou contrabalança a porção ou o livro do qual faz parte? É autossuficien-
te? Poderia ser colocada em algum outro lugar ou é essencial ao contexto atual?
O que ela acrescenta ao quadro total? O que o quadro total adiciona a ela?

4.2. Examine a localização:


Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Como a passagem se encaixa na seção, no livro, na divisão, no Testamento, na


Bíblia – nessa ordem?
O que você é capaz de descobrir sobre seu estilo, tipo, propósito, nível de
integração literária (nível em que a passagem é ligada ou “entrelaçada” com o
restante do livro), função literária etc.?
O texto é um dos muitos textos semelhantes no mesmo livro, ou talvez no Anti-
go Testamento como um todo? Em que sentido sua natureza é única em relação
ao material circundante, e/ou sua posição no material é singular?

4.3. Analise os detalhes:


Quão abrangente é a passagem? Se for histórica, até que ponto é seletiva? Em
que ela concentra a atenção e o que ela não menciona? Registra os aconte-
cimentos a partir de uma perspectiva especial? Se for assim, o que ela lhe diz
sobre o propósito especial da passagem? De que forma essa perspectiva se rela-
ciona com o contexto mais amplo? Se ela for poética, qual é a amplitude de seu
alcance? Algum detalhe o ajuda a determinar sua composição com base numa
situação cultural ou histórica específica? Os detalhes fornecem alguma ideia
sobre as intenções do autor?

4.4. Analise a autoria:


O autor da passagem é identificado ou identificável? Se o autor for identificado,
quão segura é sua identificação? Se a passagem for anônima, é possível sugerir,
de modo geral, a provável fonte humana ou o ambiente a partir do qual Deus
comunicou sua palavra?
É possível saber a data da escrita, independentemente de a identidade do autor
ser conhecida com certeza absoluta?
O autor revela aqui alguma característica peculiar (estilisticamente, por exemplo)
ou essa passagem é típica de seu modo de escrever em outros lugares?

A Exegese na Prática
II

Forma:
5.1 Identifique o tipo literário geral (gênero):
Primeiramente, enquadre a passagem nas categorias amplas e gerais dos tipos
literários existentes no Antigo Testamento (e Novo).

5.2. Identifique o tipo literário específico (forma):


A identificação do tipo específico permitirá sua comparação com outros tipos,
mostrando quais elementos da passagem são típicos de sua forma literária e
quais elementos são únicos e, portanto, de valor especial para a interpretação
dessa passagem quando comparada a outras.
Stuart (2008, p. 39) orienta que se precisa conhecer tanto o tipo literário geral
quanto o específico da passagem antes de poder analisar sua forma ou formas.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
São apenas os tipos específicos, não os gerais, que têm “formas”. Isto quer dizer
que cada tipo literário específico é identificável por possuir certas características
reconhecíveis (incluindo tanto seu conteúdo, ou “ingredientes”, quanto a ordem
em que os ingredientes ocorrem) que fazem dele uma forma.

5.3. Procure subcategorias:


Neste tópico, Stuart (2008, p. 39) nos orienta que o principal propósito da análise
da forma na exegese é propiciar a comparação da passagem com outras de
forma semelhante e, com isso, a apreciação do conhecimento resultante dessa
comparação. Portanto, é melhor descrever a forma o mais especificamente pos-
sível sem fazer dela algo único. Aqueles elementos que não podem ser compara-
dos são os elementos especiais que exigem cuidadosa atenção em outras partes
de sua exegese e distinguem sua passagem de todas as outras. Sua exclusivida-
de, no entanto, não define a forma. Ao contrário, a forma é definida por aquilo
que é típico ou compartilhado com outras passagens.

5.4. Sugira um contexto vivencial:


Tente ligar, escreve Stuart (2008, p. 40), a passagem (no que se refere à forma ou
formas) à situação real do seu uso. Às vezes, o próprio texto faz isso. De outro
modo, você terá de trabalhar dedutivamente e com cautela. Pode até ser óbvio
que um profeta emprestou a forma de um cântico fúnebre da situação real dos
funerais e a reutilizou num sentido profético ao, por exemplo, entoar um lamen-
to fúnebre preditivo por Israel, que será destruído por Javé. Entretanto, não é
tão óbvio assim localizar o contexto vivencial de um Salmo de “lamento comu-
nitário”, por exemplo. Conhecer o contexto vivencial original (frequentemente
denominado Sitz im Leben) (saiba mais) geralmente ajuda a entender a passa-
gem de modo concreto. Mas a ênfase exagerada no contexto vivencial pode ser
contraproducente.

A EXEGESE BÍBLICA
85

5.5. Analise a integridade da forma:


Ainda em relação à questão prática da exegese, Stuart (2008, p. 40) orienta que
se compare a sua passagem com outras que possuem a mesma forma. Até que
ponto a forma identificada é representada na passagem que você estuda? Estão
presentes todos os elementos característicos? Se assim for, existe também algo
alheio à forma apresentada? Se não, que elementos faltam? Esses elementos
estão ausentes porque a passagem é logicamente elíptica (deixa de expressar
certos elementos óbvios) ou porque ela foi propositalmente modificada? Essa
elipse, ou modificação, dá algum indício sobre o tema no qual a passagem se
concentra ou sobre qual é sua ênfase especial? As diferenças entre sua passagem
e as demais com a mesma forma essencial são o que tornam sua passagem única
e lhe dão função especial na Bíblia. Tente entender, tanto quanto puder, seu
caráter e função únicos. A passagem, como é normal, contém mais de uma for-
ma? Se assim for, de que maneira as formas se diferenciam? A passagem possui
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

uma mistura de formas ou uma forma dentro de outra (uma parábola dentro de
um relato de sonho, ou o discurso de um mensageiro dentro de um oráculo de
desgraça)? Ou a passagem é parte de uma forma maior, cuja extensão ultrapassa
os limites de seu texto? Se assim for, que papel a passagem e a forma (ou formas)
que ela contém cumpre no interior da forma maior?

5.5. Esteja atento a formas parciais e fragmentadas:


Stuart (2008, p. 41), neste tópico, diz que, na maioria das vezes, nem todos os
elementos de uma determinada forma estarão presentes em todas as ocasiões
em que for usada. Quanto mais comum a forma, tanto mais provável que ela seja
parcial, isto é, que contenha apenas alguns de todos os elementos possíveis que
possam ser encontrados no exemplo mais abrangente e completo dessa forma.
Uma forma parcial funciona no sentido de sugerir o propósito, o tom, o estilo e
a audiência da forma completa, sem detalhes desnecessários e todo o volume
exigidos pela forma completa. Uma forma pode também vir segmentada pela
inclusão de outro material, fazendo com que suas partes constituintes estejam
bem separadas umas das outras. Às vezes, o início e o fim de uma forma são
usados para inserir entre eles material tecnicamente alheio à forma propriamen-
te dita (inclusio).
O autor ainda, aqui, faz uma importante advertência: cuidado com questio-
namentos históricos e atomização. Críticas consideráveis têm sido levantadas
contra duas práticas passadas dos críticos da forma. Uma delas era a prática de
questionar a precisão do conteúdo histórico numa forma qualquer. A teoria bá-
sica aqui era que certos tipos de forma preservavam informações históricas mais
genuínas do que outros. A segunda era a prática de presumir que as formas mais
básicas eram encontradas nas unidades literárias menores – por exemplo, aque-
las cujo comprimento era de um versículo ou dois –, e que as unidades maiores
eram secundárias. Ambas as práticas fundamentavam-se em premissas agora
consideradas muito questionáveis. Você deve evitá-las em sua exegese.

A Exegese na Prática
II

Sitz im Leben: dá a entender “contexto em vida”. A expressão alemã original


é Sitz im Volksleben, do teólogo protestante Hermann Gunkel (1862-1932),
com o sentido de “contexto na vida do povo”. Essa expressão é utilizada na
exegese de textos bíblicos, traduz-se comumente como “contexto vital”. A
visão baseada no Sitz im Leben vai além de detalhes formais ou de gêneros
literários, a questão é que as funções dos textos antigos no cotidiano da cul-
tura que os produziu são geralmente diferentes das nossas. Então, de uma
forma resumida, a expressão descreve em que ocasião uma determinada
passagem da Bíblia foi escrita, ou seja, qual foi o fato que motivou o surgi-
mento de um determinado gênero literário bíblico. Há dois tipos de Sitz im
Leben: o primário e o secundário. O primário se refere ao fato que promoveu

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
a elaboração do gênero literário. O secundário se refere ao local onde era
utilizado este gênero (exemplo: Templo, Palácio, Portões da Cidade etc.).
Fonte: SILVA, Cássio Murilo Dias. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Pau-
linas, 2000. p. 231

Estrutura:
6.1. Faça um esboço da passagem:
Neste tópico, Stuart (2008, p. 42) orienta que se deve fazer um esboço que ge-
nuinamente represente as maiores unidades de informação. Em outras palavras,
o esboço deve ser o resultado natural, não artificial, da passagem. Observe que
os componentes são incluídos em cada tópico (quantitativo) e também a inten-
sidade ou significado global dos componentes (qualitativo). Deixe a passagem
falar por si mesma.
Depois de esboçar as divisões principais, trabalhe nas menores, tais como as ora-
ções e as frases. Essas devem, é claro, estar visivelmente subordinadas às divisões
maiores. O esboço deve ser tão detalhado quanto possível, sem parecer forçado
ou artificial. A partir dele, você poderá seguir adiante, fazendo suas observações
a respeito da estrutura mais ampla.

A EXEGESE BÍBLICA
87

6.2. Procure padrões de pensamento:


Qualquer passagem bíblica cujos limites foram adequadamente identificados
conterá uma lógica interna coerente, constituída de padrões de pensamento
significativos. Tente identificar os padrões, procurando especialmente caracte-
rísticas-chave: desdobramentos, recomeços, formas de frase peculiares, pala-
vras centrais e dominantes, paralelismo, quiasmos2, inclusios, e outros padrões
repetitivos ou progressivos. As chaves para se reconhecerem padrões são, quase
sempre, repetição e progressão, afirma Stuart (2008, p. 43). Tudo o que for ines-
perado e singular deve ser especialmente destacado, por ser parte do que torna
sua passagem diferente das demais e, dessa forma, contribui para seu caráter e
significado especial.

6.3. Organize sua discussão da estrutura considerando as unidades em ordem


Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

decrescente de tamanho:
Orienta Stuart (2008, p. 43) que, primeiramente, se discuta o padrão geral do
esboço, isto é, de três a cinco (ou mais) unidades maiores. Depois, discuta o que
você considera mais importante entre os padrões secundários nas unidades
maiores – uma de cada vez. Vá do maior para o menor, isto é, da passagem para
os parágrafos, para os versículos, para as orações, para as palavras e para os sons
em ordem. Onde for possível, escreva se você acha que um padrão é primário,
secundário ou simplesmente menor, e qual a sua importância para a interpreta-
ção da passagem.

6.4. Avalie a intencionalidade dos padrões menores:


Escreve Stuart (2008, p. 40) que dado o devido tempo, a maioria das pessoas
poderá encontrar todo tipo de padrões menores não muito óbvios numa pas-
sagem: ora a preponderância de certos sons vocálicos; ora a repetição de uma
raiz verbal; a ocorrência de uma certa palavra exatamente tantas palavras depois
de uma outra em dois versículos diferentes etc. A pergunta é: esses padrões
menores aparecem aleatoriamente ou foram construídos intencionalmente pelo
antigo falante ou pelo autor inspirado? Presumimos que os padrões são maiores,
são intencionais, uma vez que eles são tão evidentes. Também presumimos que
padrões menores são intencionais, especialmente quando podemos percebê-los
ocorrendo repetidas vezes num livro do Antigo Testamento ou em determinada
passagem ou em textos paralelos de outros livros. Mas, como ter certeza? Existe
apenas um critério: Pergunte se parece razoável que o antigo falante/autor
compôs esse padrão por algum motivo, e/ou se os primeiros leitores/ouvintes
(ou ambos) poderiam ter consciência desse padrão enquanto ouviram ou liam a
passagem. Se, de acordo com o seu julgamento, a resposta for sim, então avalie
o padrão como intencional. Se for não, identifique o padrão como provavelmen-
te não intencional ou algo parecido. Ao mesmo tempo, tenha muita cautela ao
fazer inferências exegéticas deste último.

2
Quiasmo: Disposição cruzada da ordem das partes simétricas de duas frases, de modo que formem uma
antítese ou um paralelo (ex.: vou sempre ao cinema, ao teatro não vou nunca).
Fonte: <http://www.dicio.com.br/quiasmo/>. Acesso em: 10 jun. 2014.
A Exegese na Prática
II

6.5. Se a passagem for poética, analise-a como tal:


Stuart (2008, p. 42) recomenda que se arranjem as linhas do poema paralelas
umas às outras, usando paralelismo semântico (de significado). Depois, tente
identificar a métrica de cada linha. Se puder, revocalize o texto de modo que este
reflita a pronúncia original, tanto quanto possível, e descreva a métrica conforme
o número de sílabas por linha (o método mais preciso). Se isso não for possível,
descreva a métrica segundo os acentos (menos preciso, ainda assim útil). Obser-
ve características métricas ou padrões especiais.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Dados Gramaticais:
7.1. Analise os dados gramaticais relevantes:
Para esta análise, Stuart (2008, p. 42) informa que a correta compreensão da
gramática é essencial à interpretação adequada da passagem. Existem dúvidas
sobre questões gramaticais? Períodos, orações ou frases poderiam ser lidos di-
ferentemente se a gramática da passagem fosse interpretada de modo distinto?
Você está certo de ter dado o peso correto às nuanças inerentes às conjugações
verbais específicas e não apenas às raízes verbais? Pequenas variações na sintaxe
podem ocultar alterações significativas no sentido. Todas as estruturas sintáticas
da passagem foram claramente entendidas? À luz disso, sua tradução necessita
de revisão ou correção? Existem ambiguidades genuínas que impedem a inter-
pretação definitiva de alguma parte da passagem? Se é esse o caso, quais são
as opções? A gramática é anômala (não é aquilo que se esperaria encontrar) em
algum ponto? Sendo assim, você é capaz de apresentar alguma explicação para
essa anomalia? Esteja atento, também, a casos de elipse, assíndeto, parataxe,
anacoluto3 e outras características gramaticais relacionadas à interpretação.

3 Elipse: num enunciado, supressão de um termo que pode ser facilmente subentendido pelo contexto
linguístico ou pela situação (ex.: meu livro não está aqui, [ele] sumiu!). Disponível em: <http://www.dicio.
com.br/elipse/>. Acesso em: 10 jun. 2014.
Assíndeto: ausência de conjunção coordenativa entre palavras, termos da oração ou orações de um período
(ex.: chegamos, dormimos, fomos embora); justaposição, parataxe. Disponível em: <http://www.dicio.
com.br/assindeto/>. Acesso em: 10 jun. 2014.
Parataxe: num enunciado, sequência de frases justapostas, sem conjunção coordenativa. Disponível em:
<http://www.dicio.com.br/parataxe/>. Acesso em: 10 jun. 2014.
Anacoluto: período iniciado por uma palavra ou locução, seguida de pausa, que tem como continuação
uma oração em que essa palavra ou locução não se integra sintaticamente, embora esteja integrada pelo
sentido; por exemplo, no provérbio, quem ama o feio, bonito lhe parece (que corresponde à frase canônica
o feio parece bonito a quem o ama); anacolutia, frase quebrada. Disponível em: <http://www.dicio.com.
br/anacoluto/>. Acesso em: 10 jun. 2014.

A EXEGESE BÍBLICA
89

7.2. Analise a ortografia e a morfologia no que se refere à data e outras afinida-


des:
Stuart (2008, p. 45) nos informa que todos os textos mais importantes da Bíblia
Hebraica apresentam a ortografia (regras de escrita) característica do período
persa (pós-exílico), uma vez que os textos selecionados como oficiais pelos rabi-
nos do primeiro século d.C. eram, aparentemente, cópias do período persa. Em
muitos lugares, no entanto, traços de ortografias mais antigas são discerníveis.
A passagem apresenta alguma coisa assim, ou traços de características morfoló-
gicas antigas especiais? A morfologia refere-se a partes de palavras que afetam
seu significado, como sufixos e prefixos. Se é esse o caso, eles poderão auxiliá-lo
a descobrir a data ou mesmo a origem geográfica da passagem. Sua presença
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

em outros pontos poderá ajudá-lo a classificar a passagem comparando-a com


outras.
(O conhecimento do hebraico em nível intermediário é necessário para essa tarefa).

Dados Lexicais:
8.1. Explique todas as palavras e conceitos que não forem óbvios:
Explica Stuart (2008, p. 45) que não podemos esquecer a diferença que existe
entre palavra e conceito. Qualquer conceito pode ser expresso por meio de pa-
lavras ou fraseados diferentes. Um excelente lembrete deste ponto é a parábola
do Bom Samaritano em Lucas 10. Jesus conta a parábola a fim de demonstrar o
significado de amar o próximo como a si mesmo; contudo, a parábola não usa
a palavra amor, próximo, ou si mesmo – ainda que sustente com toda a força
o conceito de amar o próximo como a si mesmo. Da mesma forma, é importante
perceber que o propósito da análise dos dados lexicais é compreender individu-
almente os conceitos da passagem, quer sua expressão se dê pelo uso de uma
única palavra, por um grupo de palavras, ou pela forma em que todas as palavras
são interligadas numa perícope consistente. Trabalhe a partir de uma ordem
descendente em relação ao tamanho. Nomes próprios quase sempre merecem
atenção. O mesmo acontece com expressões idiomáticas, porque, por definição,
a expressão idiomática não pode ser traduzida literalmente, isto é, palavra por
palavra.

A Exegese na Prática
II

8.2. Concentre a atenção em conceitos, palavras e expressões-chave:


Trabalhando a partir de uma ordem descendente em relação ao tamanho, isole
o que considerar especialmente significativo ou central para a interpretação da
passagem. Faça uma lista de, talvez, seis a doze conceitos, palavras ou expres-
sões. Tente classificá-los em ordem, desde o mais crucial até o menos importan-
te.
O significado de uma passagem é estabelecido a partir do significado de seus
conceitos, e quanto mais precisa for a explicação deles, mais compreensível e
clara se tornará a passagem.

8.3. Faça “estudos de vocábulos” (na verdade estudos de conceitos) das palavras
e fraseados mais importantes:

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Não negligencie o(s) significado(s) teológico(s) específico(s) de palavras ou fra-
seados na avaliação dos diversos níveis de significado. Além disso, certifique-se
de não estar analisando meramente palavras soltas, mas também combinadas
– incluindo combinações separadas às vezes por vocábulos interpostos – por-
que combinações de palavras também transmitem conceitos. Seja tão indutivo
quanto possível, comparando suas conclusões com, e não derivando-as de,
dicionários teológicos.

8.4. Identifique características semânticas especiais:


A semântica (a relação entre conteúdo e significado) de uma passagem é afetada
de forma geral por suas características, tais como: ironia, anáfora, epífora, paro-
nomásia, metonímia, hendíadis, fórmulas, empréstimos, arcaísmos4 propositais
e singularidades etimológicas. Procure por elas e leve-as à atenção do leitor.
Quando possível, demonstre como elas afetam a interpretação.

4
Ironia: figura por meio da qual se diz o contrário do que se quer dar a entender; uso de palavra ou frase de
sentido diverso ou oposto ao que deveria ser empregado para definir ou denominar algo.
Anáfora: repetição de uma palavra ou grupo de palavras no início de duas ou mais frases sucessivas, para
enfatizar o termo repetido (p.ex.: este amor que tudo nos toma, este amor que tudo nos dá, este amor que
Deus nos inspira, e que um dia nos há de salvar).
Epífora: repetição de uma ou várias palavras no final de um verso, de uma estrofe, de uma frase ou um
período.
Paronomásia: conjunto de palavras de línguas diferentes que possuem origem comum (ex.: push (inglês)
e puxar (português), ambos do latim pulsare), ou de palavras com sentidos diferentes numa mesma
língua, também com origem comum (ex.: tenro e terno, no português). Figura de linguagem que extrai
expressividade da combinação de palavras que apresentam semelhança fônica (e/ou mórfica), mas
possuem sentidos diferentes (ex.: anda possuído não só por um sonho, mas pela sanha de viajar).
Metonímia: figura de retórica que consiste no uso de uma palavra fora do seu contexto semântico normal,
por ter uma significação que tenha relação objetiva, de contiguidade, material ou conceitual, com o
conteúdo ou o referente ocasionalmente pensado.
Hendíadis: figura que consiste em exprimir por dois substantivos, ligados por conjunção aditiva, uma ideia
que usualmente se designa por um substantivo e um adjetivo ou complemento nominal (ex.: enterrou suas
mágoas no silêncio e no claustro em lugar de no silêncio do claustro ou no claustro silencioso).
Arcaísmos: palavra, expressão, construção sintática ou acepção que deixou de ser usada na norma atual
de uma língua [Em linguagens especiais, é comum a sobrevivência de algumas formas arcaicas (ex.: na
linguagem forense, na linguagem regional, entre locutores de idade avançada etc.); também podem ser
utilizadas como recurso para recriar a atmosfera de uma época (ex.: no romance histórico)].
Disponível em: <www.dicio.com.br>.

A EXEGESE BÍBLICA
91

Contexto Bíblico:
Em relação ao Contexto Bíblico, Stuart (2008, p. 47) diz que chegando a este
ponto do trabalho exegético, deve-se começar a encadear na mente, ainda que
de maneira provisória, as descobertas essenciais das seções anteriores com o
propósito de focalizar na “mensagem” específica da mensagem. Isso deverá ser
feito tendo em vista sua relação mais ampla com a mensagem de seu contexto
imediato e o contexto mais amplo. Em outras palavras, você não poderá mais dar
atenção exclusiva às características individuais de sua passagem. O que importa
agora é como a passagem, vista como um todo, insere-se no corpo de verda-
des mais amplo. Poderá ser útil resumir o que você considera ser a mensagem
do texto: sua(s) lição(ões) principal(is); características essenciais, implicações
indubitáveis etc. Esse tipo de resumo é necessariamente provisório, mas ajuda a
focalizar a atenção no significado bíblico e teológico da passagem.
9.1. Analise o uso da passagem em outras partes da Bíblia:
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

A passagem, ou parte dela, é citada, ou aludida, em outro lugar na Bíblia? Como?


Por quê? Se aparece mais de uma vez, como e por que isso ocorre, e quais são as
diferenças? O que a referência da passagem em outro lugar indica sobre o modo
como ela era interpretada? Se ela é aludida, como essa alusão lança luz sobre
como ela era entendida no contexto onde a alusão é encontrada? Se a passagem
é citada, como as circunstâncias nas quais ela é citada ajudam na interpretação
da mesma? O simples fato de que uma porção de uma passagem é citada em
outro lugar nas Escrituras pode dizer muito sobre seu pretendido impacto, sua
singularidade, sua natureza teologicamente fundamental ou coisa parecida.

9.2. Analise a relação entre esta passagem e o restante da Bíblia:


Qual é o papel da passagem no que diz respeito à dogmática (isto é, ao ensinar
ou transmitir uma mensagem) na seção, livro, divisão, Testamento, Bíblia – nessa
ordem? A passagem tem alguma relação especial com algum escrito apócrifo ou
pseudepigráfico? Como a passagem, ou seus elementos, compara-se com outros
textos que versam sobre os mesmos tipos de assunto? Em que ela se assemelha
ou de que forma se distingue? Pode ser necessário lidar com essas questões em
vários pontos da passagem se, em sua avaliação, as diversas partes fizerem afir-
mações individuais. Entretanto, o objetivo primário é considerar a mensagem do
texto como um todo à medida que ela se encaixa na revelação bíblica geral.

A Exegese na Prática
II

9.3. Analise a relevância da passagem para a compreensão da Bíblia:


Stuart (2008, p. 48), nesta questão da relevância da passagem, orienta com al-
gumas perguntas: O que depende dessa passagem em outra parte? Que outros
elementos nas Escrituras ajudam a torná-la compreensível? Por quê? Como? A
passagem afeta o significado ou o valor de outros textos das Escrituras de modo
a ir além de aspectos literários ou históricos? A passagem se refere a questões
tratadas da mesma maneira – ou de modo distinto – em outros lugares da Bíblia?
A passagem existe primariamente para reforçar o que já se sabe de outras partes
da Escritura, ou ela faz uma contribuição especial? Suponha que a passagem não
estivesse na Bíblia. O que estaria perdido ou em que proporção a mensagem da
Bíblia estaria menos completa se a passagem não existisse?

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Teologia:
10.1. Localize a passagem teologicamente:
Sobre as questões Teológicas que norteiam o trabalho da Exegese no texto
bíblico, Stuart (2008, p. 48) orienta a perguntar na pesquisa: Qual é o lugar
da passagem no contexto de todo o corpus da revelação que compreende a
teologia (a dogmática) cristã? Em que aliança ela se enquadra? Há aspectos da
passagem limitados em parte, ou no todo, à antiga aliança como, por exemplo,
certas práticas sacrificais cúlticas ou regras a respeito das responsabilidades
tribais? Se assim for, a passagem permanece relevante como exemplo histórico
do relacionamento de Deus com seres humanos, ou como indicativo de padrões,
santidade, justiça, imanência, transcendência, compaixão divinos?
10.2. Identifique os tópicos específicos levantados e resolvidos pela passagem:
Vá além das áreas gerais de doutrina tocadas pela passagem e identifique os as-
suntos específicos. Quais são, de fato, os problemas, as bênçãos, preocupações,
confidências a respeito dos quais a passagem tem algo a dizer? De que forma a
passagem aborda tudo isso? Com que clareza eles são tratados na passagem? De
que forma a passagem levanta dificuldades aparentes para algumas doutrinas,
enquanto resolve outras? Se é o caso, tente lidar com essa situação de maneira
sistemática e também de forma a auxiliar os seus leitores, explica Stuart (2008, p.
49).

A EXEGESE BÍBLICA
93

10.3. Analise a contribuição teológica da passagem:


Neste tópico, Stuart (2008, p. 49) apresenta algumas perguntas que nortearam
o estudo: O que a passagem contém que contribui para a solução de questões
doutrinárias ou apoia soluções oferecidas em outras partes das Escrituras? Qual
é o grau de contribuição da passagem? Até que ponto você pode ter certeza de
que a passagem, adequadamente entendida, tem o significado teológico que
propõe atribuir a ela? Sua abordagem concorda com a de ouros estudiosos ou
teólogos que ocuparam-se da mesma passagem? Como a passagem se confor-
ma teologicamente com todo o sistema de verdade contido na teologia cristã?
Como essa passagem se encaixa no quadro teológico mais amplo? De que forma
ela pode ser importante exatamente para esse quadro? Ela serve para contra-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

balançar ou corrigir alguma posição teológica questionável ou extremada? Há al-


guma coisa sobre a passagem que não parece se relacionar facilmente a alguma
expressão particular da teologia cristã?

A Literatura Secundária:
11.1. Investigue o que outras pessoas disseram sobre a passagem:
Stuart (2008, p. 50) recomenda que embora tenham sido consultados comentá-
rios, gramáticas e muitos outros livros e artigos no processo de completar os dez
passos anteriores, você deverá agora empreender uma pesquisa mais sistemá-
tica da literatura secundária aplicável à sua exegese. Para que a exegese seja o
seu trabalho, e não meramente um compêndio daquilo que os outros pensam, é
sábio fazer suas próprias reflexões e chegar a conclusões próprias, o tanto quan-
to for possível, antes deste passo. Caso contrário, não estará fazendo exegese da
passagem, mas avaliando as exegeses dos outros, garantindo, assim, que não irá
além do que os outros alcançaram.

11.2 Compare e faça ajustes:


As conclusões de outros estudiosos contribuíram para que mudasse a sua aná-
lise de alguma forma? Eles abordam a passagem ou algum de seus aspectos de
forma mais incisiva, ou que conduza um conjunto de conclusões mais satisfató-
rias? Eles organizam a exegese de modo melhor? Eles dão atenção a implicações
que você nem mesmo considerou? Eles completaram algo que você mesmo des-
cobriu? Se é o caso, não hesite em revisar as suas conclusões ou procedimentos.

A Exegese na Prática
II

11.3. Aplique as descobertas ao seu trabalho:


Não inclua em seu trabalho uma divisão com seus achados da literatura secun-
dária. Não imagine esse passo resultando num bloco independente de material
da exegese. Seus achados devem produzir acréscimos ou correções, ou ambos,
em diversos pontos ao longo de sua exegese.

Aplicação:
12.1. Liste os assuntos que dizem respeito à vida:

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Stuart (2008, p. 52), explica que uma das chaves para a aplicação apropriada
de uma passagem é a comparação de assuntos que dizem respeito à vida. Para
aplicar uma passagem, você precisa decidir quais são os seus assuntos centrais
e quais deles são apenas secundários. Em outras palavras, que aspectos da
vida são a real preocupação da passagem? Você deve tentar estabelecer quais
questões são, ou não, ainda relevantes na vida das pessoas hoje. O que “eu” ou
“nós” encontramos hoje que é semelhante, ou pelo menos muito próximo, àquilo
de que a passagem trata? Os assuntos relacionados à vida vão surgir tanto das
informações exegéticas como a partir de seu próprio conhecimento do mundo.
12.2. Esclareça a natureza da aplicação (ela informa ou orienta?):
As aplicações poderão ser de dois tipos: as que informam o leitor e aquelas que
orientam o leitor. Uma passagem que descreve alguns aspectos do amor de Deus
pode ser considerada, basicamente, informativa. Uma passagem que exorta o
leitor a amar a Deus de todo o coração possui o objetivo de orientar.

12.3. Esclareça as possíveis áreas de aplicação (fé ou ação):


As aplicações podem se inserir em duas áreas gerais: fé e ação. Na prática, fé e
ação deveriam ser inseparáveis – um cristão genuíno não deveria exibir uma sem
a outra.

A EXEGESE BÍBLICA
95

12.4. Identifique os ouvintes da aplicação:


Há dois públicos-alvo para quem a aplicação pode ser direcionada: o pessoal e
o coletivo. O que na passagem dá informação ou direção a respeito da fé ou da
ação a indivíduos? O que é direcionado a grupos ou estruturas corporativas? Se
uma diferenciação dessas não pode ser feita, qual seria a razão? Se uma passa-
gem informa ou orienta indivíduos, que tipo de indivíduos são eles? Cristãos ou
não cristãos? Leigos ou clérigos? Pais ou filhos? Poderosos ou pessoas comuns?
Arrogantes ou humildes?

12.5. Determine as categorias da aplicação:


Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

A aplicação é direcionada a questões de natureza prioritariamente pessoal ou


interpessoal? Temas relacionados ao pecado, ou talvez à dúvida, ou à piedade?
Ao relacionamento entre Deus e o povo? A preocupação é social, econômica,
religiosa, espiritual, familiar, financeira etc.?

12.6. Determine a época a ser focalizada na aplicação:


A passagem convida, primordialmente, ao reconhecimento de um fato do pas-
sado? Ela prevê fé ou ação no tempo presente? A passagem focaliza, principal-
mente, o futuro? A aplicação envolve uma combinação de “épocas”? Existe uma
preocupação pela ação imediata? Ou o que é exigido é mais questão de resposta
firme durante um longo período? O tempo da aplicação depende da natureza do
público ou de algum outro fator?

12.7. Estabeleça os limites da aplicação:


Encerrando este tópico da exegese em sua prática, Stuart (2008, p. 55) orienta
que é muitas vezes tão útil explicar como uma passagem não pode ser aplicada
quanto explicar como pode. Como regra geral, é provavelmente mais aconselhá-
vel limitar as aplicações em potencial tanto quanto possível. Raras são as passa-
gens que sugerem diversas aplicações, todas com igual relevância e viabilidade.
Procure decidir qual é a aplicação mais central de sua passagem, e que procede
mais naturalmente da mesma.

A Exegese na Prática
II

Você poderá achar confuso iniciar com a análise textual da passagem, se


o seu conhecimento da língua original é insuficiente. Nesse caso, faça pri-
meiramente uma tradução provisória do texto hebraico. Não invista mui-
to tempo neste ponto. Utilize uma tradução moderna confiável como guia
ou, se preferir, use uma Bíblia “interlinear”. Depois de ter uma ideia básica
do sentido das palavras na língua original, poderá retomar a análise textual
com proveito.

Concluindo, vimos que a Exegese procura estudar os textos originais (basica-


mente hebraico e grego) para entender que significados tinham as palavras quando

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
foram usadas pelos escritores bíblicos em seu tempo (sentido para o primeiro
ouvinte). Saber o significado das palavras isoladas (sentido real), como também
a relação gramatical que mantinham umas com as outras, serve para proporcio-
nar uma melhor compreensão do que o texto inspirado quer dizer.
Porém, só o estudo da palavra (aqui palavra mesmo, tradução) nem sempre
revela o verdadeiro significado do texto bíblico. Por isso, entende-se necessário
o exercício da hermenêutica, pois na linguagem técnica, a exegese aponta para a
interpretação de alguma passagem literária específica, ao mesmo tempo em que
os princípios gerais aplicados em tais interpretações são chamados hermenêutica.

Eisegese

Esse termo é geralmente depreciativo e significa “achar o significado em”. É usado


para designar a prática de impor um significado preconcebido ou estranho a um
texto, mesmo que tal significado não tenha sido a intenção original do autor.18
Em outras palavras, Eisegese significa ler no texto aquilo que alguém quer
encontrar ali, mas que, na realidade, não se encontra no mesmo. Ou seja, é dis-
torcer o significado real do texto para adaptá-lo à própria ideia/intenção do

18 GRENZ, Stanley J.; GURETZKI, David; NORDLING, Cherith FEE. Dicionário de Teologia. 3.ed. São
Paulo: Vida, 2002. p. 54.

A EXEGESE BÍBLICA
97

intérprete. Na descrição do dicionário: “interpretação de um texto atribuindo-


lhe ideias do próprio leitor”19.
Bentho (2003) afirma que enquanto a Exegese consiste em extrair o signi-
ficado de um texto, mediante legítimos métodos de interpretação, a Eisegese
consiste em injetar ou introduzir em um texto algum significado que o intér-
prete deseja, mas que na verdade não faz parte do mesmo. Em última instância,
quem usa a Eisegese, força o texto mediante várias manipulações, fazendo com
que uma passagem diga o que na verdade não diz. O autor apresenta também
em seu texto algumas formas pelas quais o intérprete pratica a eisegese:
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

1- Quando força o texto a dizer o que não diz:


O intérprete está cônscio de que a interpretação por ele asseverada não está
condizente com o texto, ou então está inconsciente quanto ao objetivo do autor
ou propósito da obra. Entretanto, voluntária ou involuntariamente, manipula o
texto a fim de que sua loquacidade possa ser aceita como princípio escriturístico.
Geralmente tal interpretação não possui qualquer justificativa lexical, cultural,
histórica ou teológica, pois se baseia em pressupostos ou premissas previamente
estabelecidos pelo intérprete. Outro problema nesse caso é o individualismo
que embebe alguns na leitura da Bíblia. O que se busca como interpretação “é
o que as Escrituras significam para mim agora”, e não “o que elas significam em
seu contexto”.
2- Quando ignora o contexto, sob o pretexto ideológico:
Poucas atividades hermenêuticas têm sangrado tanto o texto como o bani-
mento do contexto. Ignorar o contexto é rejeitar deliberadamente o processo
histórico que deu margem ao texto. O intérprete, neste caso, não examina com
a devida atenção os parágrafos pré e pós-texto, e não vincula um versículo ou
passagem a um contexto remoto ou imediato. Uma interpretação que ignora e
contraria o contexto não deve ser admitida como exegese confiável. Existem pes-
soas que são capazes de banir conscientemente o contexto e o sentido do texto,
simplesmente para forçar as Escrituras a conformarem-se com suas ideologias
(doutrinas).

19 Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, 2012. (Eletrônico).

Eisegese
II

3- Quando ignora a mensagem e o propósito principal do livro:


Um livro pode ser mais facilmente entendido quando se sabe qual é o
propósito do autor e qual a mensagem que ele procura afirmar para seus con-
temporâneos. A mensagem do livro e o propósito do autor são “almas gêmeas”
da interpretação bíblica. Os assuntos genéricos tratados pelo autor precisam
ser observados a partir dos propósitos e da mensagem do autógrafo. Quando
ignoramos a mensagem principal e o propósito do livro, somos dispersivos na
aplicação coerente do texto.
4- Quando não esclarece um texto à luz de outro:

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Os textos obscuros devem ser entendidos à luz de outros e segundo o pro-
pósito e a mensagem do livro (coerência com o todo). Recorrer a outro texto é
reconhecer a unidade das Escrituras na correlação de ideias. Por vezes, pratica-se
eisegese por ignorar a capacidade que as Escrituras têm de interpretar a si mesma.
5- Quando põe a “revelação” acima da mensagem revelada:
Por vezes, aparecem indivíduos sangrando o texto sagrado sob o pretexto
de que “... Deus revelou”, ou “... essa veio do céu”. Estes colocam a pseudo-revela-
ção acima da mensagem revelada. Quando assim asseveram, procuram afirmar
infalibilidade à sua interpretação, pois Deus, que “revelou”, autor principal das
Escrituras, não pode errar. Devemos ter o cuidado de não associar o nome de
Deus à mentira, pois Ele não pode contradizer o que anteriormente, pelas (reve-
lação das) Escrituras, havia afirmado.
6- Quando está comprometido com um sistema ou ideologia20:
Não são poucos os obstáculos que o exegeta encontra quando a interpretação
das Escrituras afeta os cânones do sistema e as tradições de sua denominação. Por
outro lado, até as ímpias religiões encontram justificativas bíblicas para ratificar
as suas heresias. Utilizar as Escrituras para apologizar um sistema ou ideologia
pode passar de uma eisegese para uma heresia aplicada.21
Cabe aqui um comentário sobre a Moderna Crítica Bíblica, pois esse tipo de
estudo tem lançado tanto luzes quanto sombras sobre o conhecimento bíblico e

20 Ideologia é um sistema de ideias sustentadas por um grupo social, as quais refletem, racionalizam e
defendem os próprios interesses e compromissos institucionais, sejam estes morais, religiosos, políticos
ou econômicos. Ou seja, um conjunto de convicções filosóficas, sociais, políticas etc. de um indivíduo ou
grupo de indivíduos. Fonte: Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, 2012. (Eletrônico).
21 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 68-72

A EXEGESE BÍBLICA
99

teológico. Apesar de ser uma atividade legítima e necessária, a fim de pôr os estu-
dos bíblicos a par das evidências linguísticas, literárias, históricas e científicas,
infelizmente as pessoas que são conhecidas como críticas da Bíblia geralmente se
têm mostrado dotadas de uma mentalidade cética, além de lhes faltar a experi-
ência com elementos místicos e miraculosos da fé cristã. Portanto, esses críticos
têm injetado em seus estudos uma eisegese própria da mente incrédula, ou pelo
menos, cética.
Concluindo, Eisegese significa ler no texto aquilo que alguém quer encon-
trar ali, mas que, na realidade, não se encontra no mesmo, ou então, significa
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

distorcer um texto para adaptá-lo às próprias ideias e/ou interesses do intérprete.


O bispo anglicano Robinson Cavalcanti costumava dizer que a Bíblia é única
e infalível, porém todos os seus intérpretes são humanos e falíveis; portanto,
nenhuma interpretação é absolutamente correta.
Isso deve nos encher de temor e respeito pela Palavra do Senhor e Seu povo.

Fundamentalismo: atitude, típica de algumas igrejas livres protestantes e de


ambientes religiosamente conservadores, que identifica a Palavra de Deus
com uma interpretação absolutamente literal do texto bíblico. O funda-
mentalismo rejeita, por consequência, todo tipo de crítica histórico-literária
dos escritos bíblicos, fazendo uma aplicação da Bíblia aos problemas éticos,
científicos e sociais de hoje sem nenhuma mediação cultural.
Fonte: VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica.
São Paulo: Paulinas, 2000. p. 42.

Eisegese
II

SENTIDOS BÍBLICOS: na tradição hermenêutica judaica e cristã, são as


diversas modalidades segundo as quais pode ser lido e reinterpretado o
texto bíblico. Partindo da pressuposição de que a “letra” bíblica não esgota os
conteúdos da Palavra de Deus, desde a Antiguidade foram formulados vários
graus de leitura. Na tradição judaica, impôs-se a classificação feita por Bahyá
bem Asher, de Saragoça (1291), o qual distingue quatro sentidos: peshat ou
sentido ‘simples’, isto é, imediato, literal; rémez ou sentido ‘alegórico’; derash
ou interpretação homilética (midraxe); sod ou sentido místico, exotérico.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A exegese cristã medieval, inspirando-se nos métodos interpretativos
de Orígenes, João Cassiano, Agostinho e Jerônimo, como também nos
métodos empregados pelos Padres alexandrinos, identificou também
quatro sentidos: literal, alegórico, moral ou tropológico e anagógico, alusivo
à vida futura como meta de existência e objeto de contemplação. Outras
denominações são o sentido pleno (sensus plenior), que pretende integrar
os dados da exegese científica com os da teologia, e o sentido típico ou
espiritual, que encontra em pessoas ou fatos do Antigo Testamento uma
prefiguração de realidade do Novo (tipologia).
Fonte: VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica.
São Paulo: Paulinas, 2000. p. 84.

A EXEGESE BÍBLICA
101

1. Após a leitura de parte da obra de Esdras Bentho, indicada como material com-
plementar, de forma resumida, apresente comentários sobre: (1) Fundamentos
da Hermenêutica; (2) Inspiração e Revelação e (3) Hermenêutica Bíblicas.
2. Após a leitura da primeira parte da obra de Carlos Mesters, apresentada como
material complementar, de forma resumida, apresente os pontos principais que
o autor aborda sobre a importância da Interpretação Bíblica.
3. Apresente um comentário sobre o texto do Anexo 2.
4. Discorra sobre a hermenêutica como ferramenta importante na interpretação
bíblica.

Anexo 2 [Cuidado com o fundamentalismo, Rodrigues, Maria Paula (org.)]


BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de
Janeiro: CPAD, 2003. p. 11-91.
MESTERS, Carlos. Por trás das palavras. Petrópolis: Vozes, 1974. p. 135-239.
Professor Me. Marcelo Aleixo Gonçalves

III
UNIDADE
A HERMENÊUTICA BÍBLICA

Objetivos de Aprendizagem
■■ Analisar as questões da hermenêutica bíblica – descrição do termo.
■■ Analisar método e regras, oferecendo um modelo de estudo.
■■ Verificar questões como: tipos, critérios para a interpretação,
principais bloqueios à interpretação bíblica.
■■ Analisar o risco das interpretações equivocadas e o leitor como
intérprete.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Hermenêutica Bíblica – Descrição do Termo
■■ Hermenêutica Bíblica – Método e Regras
■■ Um modelo de estudo hermenêutico
■■ Hermenêutica - Tipos
■■ Hermenêutica e Interpretação Bíblica
■■ Critérios para a interpretação Bíblica
■■ Os principais bloqueios à interpretação Bíblica
■■ O risco das interpretações equivocadas
■■ O leitor como intérprete
105

Hermenêutica Bíblica – Descrição do Termo

A razão pela qual a teologia se chama teologia reflete o fato de que à


medida que se conhece a Deus, mais bem conhecida se torna a vida,
conhece-se quais verdades e práticas são essenciais ou importantes, e
quais valores nos protegem mais contra a desobediência a Deus.1

O estudioso bíblico deve se comprometer a buscar explicar o significado/sentido


pleno da passagem bíblica sob a luz do que melhor compreende com relação a
Deus, ao homem e ao mundo em que vivemos. Sendo assim, a hermenêutica
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

bíblica tem muito a contribuir com nossa tarefa.


Hermenêutica Bíblica é entendida como uma disciplina da Teologia Exegética
que ensina as regras para interpretar as Escrituras e a maneira de aplicá-las cor-
retamente. É ciência tanto bíblica como secular, que possui métodos e técnicas
da interpretação. É, basicamente, o estudo do entorno, do contexto que gerou e
caracterizou o texto e favorece a compreensão e a contextualização para nossos
dias. Seu objetivo primário é estabelecer regras gerais e específicas de interpre-
tação, a fim de entender o verdadeiro sentido do autor ao redigir as Escrituras.
Conceitua-se como a ciência da compreensão de textos bíblicos.
O dicionário da língua portuguesa traz que hermenêutica é ciência, técnica
que tem por objeto a interpretação de textos religiosos ou filosóficos. Busca o sen-
tido das palavras, interpretação dos signos e seu valor simbólico.2
Historicamente, o termo mais geral para a ciência da interpretação, que
incluía a exegese, era a hermenêutica. Entretanto, uma vez que a hermenêutica
veio a focalizar o significado como uma entidade existencial, isto é, o que esses
antigos textos sagrados significam para nós em um ponto posterior da história,
limitamos qualquer uso do termo ao seu sentido mais restrito de “significado
contemporâneo” ou “aplicação”.3
Hermenêutica dá o sentido de ‘explicar’ ou ‘interpretar’. É o exercício prático

1 STUART, Douglas; FEE, Gordon D. Manual de Exegese Bíblica – Antigo e Novo Testamento. São Paulo:
Vida Nova, 2008. p. 48
2 Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, 2012. (Eletrônico).
3 STUART, Douglas; FEE, Gordon D. Manual de Exegese Bíblica – Antigo e Novo Testamento. São Paulo:
Vida Nova, 2008. p. 25

Hermenêutica Bíblica – Descrição do Termo


III

do interpretar. É necessário que o estudante da Bíblia Sagrada procure descobrir


o significado do texto que está examinando, a fim de saber exatamente sua lição
e sentido. Para isso, é necessário verificar os vários componentes envolvidos na
hermenêutica, especialmente o contexto histórico onde o texto está inserido.
É a disciplina que estuda os princípios e as teorias de como os textos devem
ser interpretados, sobretudo os textos sacros como a Bíblia. A Hermenêutica
também se preocupa com o entendimento dos papéis e dos relacionamentos sin-
gulares entre o autor, o texto, o público-leitor original e o posterior.4
A Hermenêutica, como ciência, é, segundo Bentho (2003, p. 55, 56),

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
■■ Objetiva, pois está fundada em fatos concretos, isto é, na verdade
bíblica.

■■ Racional, pois é constituída de conceitos, juízos e raciocínios, e


não por sensações e imagens.

■■ Analítica, pois em virtude de abordar um fato, processo ou situa-


ção de interpretação, ela decompõe o todo em partes componen-
tes e relacionadas entre si. Isto quer dizer que a hermenêutica, ao
analisar um texto, disseca-os em partes a fim de que o todo seja
compreendido.

■■ Explicativa, em virtude de ter como finalidade explicar os fatos em


termos de leis, e as leis em termos de princípios. Ora, qualquer
pregador ou estudante precisa justificar sua interpretação, isto é,
mostrar as leis ou princípios que o conduziram na interpretação de
qualquer texto bíblico. Como elemento explicativo, a hermenêuti-
ca é tanto descritiva quanto prescritiva. Como descritiva explica o
que é o texto (significado), enquanto prescritiva, determina qual
deve ser o nosso comportamento mediante a interpretação forne-
cida – o que deve ser feito.

4 GRENZ, Stanley J.; GURETZKI, David; NORDLING, Cherith FEE. Dicionário de Teologia. 3.ed. São Paulo: Vida, 2002.
p. 66.

A HERMENÊUTICA BÍBLICA
107

Bentho (2003, p. 11): em relação à hermenêutica, uns conferem às regras


uma autonomia e chegam a separar o texto e o contexto do pensamento do
seu autor como se o texto tivesse vida independente de quem o produziu.
Por outro lado, há quem não creia na existência de qualquer regra válida de
interpretação, ou que “interpretação boa é aquela que o Espírito revela no
púlpito”; “a letra mata, mas o Espírito vivifica”, dizem eles. Acreditamos que
o Espírito Santo é o agente funcional de toda interpretação bíblica genu-
ína. Entretanto, não aceitamos o argumento de que se o Espírito revela o
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

que está no texto, não é necessária uma metodologia para a interpretação e


compreensão das Escrituras.
A hermenêutica e a teologia são uma para a outra, o que o ouro é para o
ourives, e o sol para o dia. Inexistem separadas.
Fonte: BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro:
CPAD, 2003. p. 11 e 15

É comum se referir a Platão como um dos primeiros que utilizou esse termo
dando a ideia de “explicação”, sendo que “explicação” aqui deve ser entendida
na ótica do filósofo como interpretação textual. A hermenêutica tem relevân-
cia nas interpretações dos textos bíblicos/sagrados e nas críticas textuais, sendo
assim, ocupa um espaço histórico na cultura Ocidental. Segundo alguns estu-
diosos, na antiguidade clássica, o termo hermenêutica estava ligado ao nome do
deus da mitologia grega, Hermes.
Hermes possui uma história mitológica longa, que entre outros aspectos
aponta que ele se tornou o deus das travessias, nos caminhos terrenos e nos
caminhos do além. Hermes veio a ser o mensageiro dos deuses aos homens; dos
mortos aos vivos. Considerado o mensageiro e arauto dos deuses do Olimpo.
Observa-se no mito que Hermes é o deus das possibilidades de dois mundos,
sendo assim, nas civilizações clássicas, escreviam-se e narravam-se parábolas
que expressavam a existência humana a partir de suas “interpretações”. Hermes,
conforme a mitologia grega, era o mensageiro (trazia a mensagem) e intérprete

Hermenêutica Bíblica – Descrição do Termo


III

dos deuses. A referência à interpretação é porque hermeneutikós5 significa ‘inter-


pretação’ ou ‘arte de interpretar’ e hermeneutes significa ‘intérprete’. Na cultura
romana era chamado de Mercúrio, o deus da eloquência.
Já em relação ao tempo dos apóstolos, Dockery, em sua obra “Hermenêutica
Contemporânea à luz da Igreja Primitiva”6, escreve que estes e os pais da igreja
escreviam para suas igrejas e contra seus oponentes, para promoverem o avanço
e a defesa da fé cristã na forma por eles interpretada. Embora a articulação de
sua fé fosse influenciada pelo contexto – cultura, tradição e pressupostos –, todos
partilhavam de uma crença comum: a Bíblia como fonte e autoridade primor-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
dial para a fé cristã.
Conforme traz o Vademecum, hermenêutica vem do grego hermeneutiké,
“traduzir”, “interpretar”. Teoria e prática da interpretação de um texto. Nas ciên-
cias bíblicas, a hermenêutica, com o auxílio esclarecedor fornecido pela exegese,
tem o objetivo de colher o significado profundo de um texto à luz de pressupos-
tos ideológicos diferentes, dependendo da época à qual pertencem, das teologias,
dos âmbitos confessionais, das motivações filosóficas ou sociológicas.7
Atos dos Apóstolos 14.11-15
11 Ao ver o que Paulo fizera, a multidão começou a gritar em língua
licaônica: “Os deuses desceram até nós em forma humana!” 12 A Bar-
nabé chamavam Zeus e a Paulo Hermes, porque era ele quem trazia a
palavra. 13 O sacerdote de Zeus, cujo templo ficava diante da cidade,
trouxe bois e coroas de flores à porta da cidade, porque ele e a multidão
queriam oferecer-lhes sacrifícios. 14 Ouvindo isso, os apóstolos Bar-
nabé e Paulo rasgaram as roupas e correram para o meio da multidão,
gritando: 15 “Homens, por que vocês estão fazendo isso? Nós também
somos humanos como vocês. Estamos trazendo boas novas para vocês,
dizendo-lhes que se afastem dessas coisas vãs e se voltem para o Deus
vivo, que fez os céus, a terra, o mar e tudo o que neles há.

5 Para efeito de informação, há materiais que defendem que hermenêutica procede do verbo grego
hermeneuein, comumente traduzido por ‘interpretar’ e o substantivo seria hermeneia, significando
‘interpretação’, ‘explicação’. Na Bíblia Sagrada, no Novo Testamento em grego, hermenêutes é ‘intérprete’,
exemplo, I Coríntios 14.28 – “Se não houver intérprete, fique calado na igreja, falando consigo mesmo e com
Deus”.
6 DOCKERY, David S. Hermenêutica Contemporânea à luz da Igreja Primitiva. São Paulo: Editora Vida,
2005.
7 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p.
49.

A HERMENÊUTICA BÍBLICA
109

Bentho (2003) apresenta um capítulo sobre a Hermenêutica Bíblica, onde


diz que a hermenêutica não é apenas a arte ou a ciência da interpretação de qual-
quer texto; antes de tudo, é uma ciência que procura também o significado da
palavra como evento histórico, social e de vida. O que representa um fóssil para
o arqueólogo e paleontólogo, tal é a palavra fossilizada através dos séculos nas
Escrituras para o intérprete.8
Sobre o uso/aplicação da hermenêutica, em outras áreas, sabe-se que na lite-
ratura grega se utilizava para conciliar o mito e a filosofia, isso porque os filósofos
começaram a ‘interpretar’ a mitologia ao invés de ficarem na leitura literal, haja
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

vista que seria incompatível com o que se propõe na filosofia.


No Direito também se faz uso da hermenêutica (jurídica) na busca de se
interpretar as leis.

MIDRAXE: interpretação rabínica da Escritura. O termo hebraico, provenien-


te do verbo darash, “procurar”, “investigar”, indica tanto o método de exege-
se quanto a produção literária dele resultante. O midraxe nascido na escola
como pesquisa normativa, é chamado midraxe heláquico; o midraxe nasci-
do na sinagoga como comentário edificante de leituras bíblicas litúrgicas é
denominado midraxe homilético ou hadágico. São prevalentemente hagá-
dicos também os midraxes exegéticos que comentam de forma continuada
um livro bíblico. O midraxe começou a ser posto por escrito no século III d.C.,
e por mais de um milênio produziu uma vasta literatura de difícil datação e
atribuição, devido às inúmeras reelaborações redacionais.
Fonte: VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica.
São Paulo: Paulinas, 2000. p. 60.

A hermenêutica é uma importante ferramenta no esforço do estudioso bíblico


que procura com esmero a compreensão dos textos sagrados para comparti-
lhar o significado de uma passagem (perícope); busca perceber, por exemplo,

8 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 55

Hermenêutica Bíblica – Descrição do Termo


III

a medida em que o texto é afetado por qualquer um dos diversos fatos familia-
res (culturais, históricos) ao escritor, mas, talvez pouco conhecidos pelo leitor.
Estes fatos são, por exemplo:
■■ O contexto (versículos ou capítulos anteriores e posteriores);
■■ O pano de fundo histórico (questões de cultura, hábitos, costumes, ques-
tões sociais, políticas, monetárias, religiosas do período, governo);
■■ O ensino relacionado com outras passagens bíblicas (coerência);
■■ A significação dessas mensagens de Deus conforme se relacionam com os

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
fatos universais da vida humana hoje (sentido para o segundo ouvinte, nós);
■■ A relevância dessas verdades para as situações humanas (sociais) exclu-
sivas à nossa contemporaneidade.

Precisamos entender que a hermenêutica é uma ferramenta necessária devido


aos bloqueios à interpretação natural: distância histórica, cultural, idiomática
e filosófica. Nossa postura cultural funciona como uma lente quando lemos a
Bíblia. Isto pode causar muitas distorções de sentido. A questão idiomática faz
com que a relação entre conceitos e palavras seja diferente de uma língua para
outra. A questão filosófica trata da diferença entre a cosmovisão9 dos autores
bíblicos e a do leitor atual.
É necessária também para que os ensinamentos bíblicos possam ser aplica-
dos na atualidade. Para ser útil, o texto bíblico precisa ser lido, compreendido e,
então, devidamente aplicado.
→ Apontam, por exemplo, que uma das características das seitas é que estas
não possuem princípios hermenêuticos e interpretam os textos bíblicos con-
forme suas conveniências.
Precisamos estar muito atentos à resistência em relação ao estudo mais
apurado e responsável da Bíblia Sagrada; muitos, por pura falta de interesse e
preguiça intelectual, outros, por concepções doutrinárias bastante equivocadas
que apoiam a sua decisão de não estudar o texto com afinco. Outros apelando
para uma espiritualidade bastante contestada, onde se excluem do processo de

9 Cosmovisão é visão do mundo, maneira de entender o universo e as relações entre seus elementos.

A HERMENÊUTICA BÍBLICA
111

estudar e deixam tudo nas mãos do Espírito, com coisa que o estudar não possa
estar nas mãos do Espírito Santo. Outros não estudam porque seus interesses não
são contemplados num estudo sério e coerente da Bíblia, não estudam, não per-
mitem que os que com ele estão estudem e os faz crer que o estudar as Escrituras
não é algo de Deus. Não é à toa que estamos rodeados de maus testemunhos,
opiniões grosseiras e descabidas, eisegeses que distorcem o texto e revelam inte-
resses escusos e muito distantes da verdade bíblica. Uma verdadeira ignorância.
E essa ignorância faz ocorrer alguns erros, como exemplo:
1- Invenção de versículos: nasce da confusão que as pessoas fazem com os
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ditos populares (ou impopulares) e que pela forma que são ditos e na frequência
que são repetidos, sejam versículos bíblicos (algumas destas frases podem até ter
um sentido bíblico, mas não são versos bíblicos). Alguns exemplos:
■■ Quem não vem por amor, vem pela dor.
■■ Na presença de Deus, até a tristeza salta de alegria.
■■ Não cai uma folha de uma árvore se Deus não permitir.
■■ Deus tarda, mas não falha.

Para ilustrar, ministrei uma palavra na igreja da qual faço parte que basicamente
falava da importância de se ler a Palavra de Deus diariamente. Na manhã do dia
seguinte, numa avenida, encontrei uma pessoa que me reconheceu e me disse
que havia estado na reunião da noite anterior e que havia me ouvido ministrar e
que já estava fazendo o que eu havia recomendado, ler a Palavra de Deus. Fiquei
contente com a fala do homem e agradeci sua visita e que persistisse nas leituras.
Não satisfeito, ele me informa que, por exemplo, tinha lido naquela manhã um
versículo muito interessante: nem tudo que reluz é ouro. Falou com tanta convic-
ção que fiquei até confuso por um instante, até que lhe disse: isso não é versículo
bíblico, isso é um dito popular, o amigo está confundindo. Ele me ouviu, mas
senti que ele achava mesmo que era um versículo.
2- Distorção de versículos: como que uma maléfica e/ou equivocada adap-
tação do versículo para atender a alguma necessidade da pessoa. Por exemplo,
aprendemos muitos versículos por ouvi-los citados por outras pessoas ou através
da letra de alguma música. Algumas vezes, os versículos sofrem ligeira alteração

Hermenêutica Bíblica – Descrição do Termo


III

para se adequarem à melodia. Com isso, aprendemos um texto que não cor-
responde ao que a Bíblia diz, e isso pode conduzir a entendimentos incorretos.
3- Isolamento de versículos ou recorte de partes do versículo: em alguns
casos, pressa, em outros, má conduta e desrespeito com o texto bíblico, como
também dar um sentido que o texto não dá se for lido da forma correta. Quando
se tira um versículo do seu contexto, corre-se o risco de colocá-lo numa situação
totalmente diversa de onde ele se encontra. Não se considera o salto de tempo
histórico, cultura, língua, real intenção, personagens envolvidos, simplesmente
se pinça um verso e se faz dele como um mantra, uma afirmação, que neste caso

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
é descabida. Outro grave problema é o recorte aleatório do verso. Infelizmente,
muito usado hoje, o recorte da parte A ou parte B ou parte C de um versículo,
pois parece que para se falar algo, precisa ser a parte B e não se deve ler a parte
A, coisas assim; interessante que o autor inspirado por Deus, escreveu as par-
tes (se é que elas existem) compondo o todo do verso. Exemplo: João 15.7 – Se
vocês permanecerem em mim, e as minhas palavras permanecerem em vocês,
pedirão o que quiserem, e lhes será concedido. Em muitos lugares, esse verso é
pregado assim: João 15.7 “parte B” – pedirão o que quiserem, e lhes será conce-
dido. Veja a irresponsabilidade! Gritam a plenos pulmões que você pode pedir
o que quiser e será concedido. Sorrateiramente, “escondem” nesse recorte o que
na verdade Jesus disse a partir da partícula se, uma conjunção adverbial condi-
cional, ou seja, a tal parte B só ocorrerá se você cumprir a dita parte A que, por
algum motivo, não foi pregada.
4- Interpretação livre e momentânea: o desinteresse e/ou desconhecimento
das regras e princípios da hermenêutica faz com que muitas pessoas se aventu-
rem/arrisquem de modo perigoso no terreno da interpretação bíblica. Assim,
não compreendem de fato a Bíblia Sagrada, mas inventam um sentido para o
texto, de acordo com suas ideias e desejos. Muitas vezes colocam o dedo num
verso e dali retiram uma série de afirmações sem qualquer critério. A herme-
nêutica nos permite uma interpretação parametrizada. Os princípios e regras
procuram nos impedir de cair no precipício do erro teológico, de “colocar” na
boca de Deus, palavras que Ele não disse.
Bentho (2003, p. 68) afirma que a finalidade da hermenêutica é muito mais
do que interpretação. Sua finalidade é guiar-nos a uma compreensão adequada

A HERMENÊUTICA BÍBLICA
113

de Deus através de Cristo, a Palavra Encarnada. As interpretações dos textos do


Antigo e Novo Testamentos devem ser o efeito de uma preocupação evangelís-
tica e pastoral, mais do que técnica e documental. A hermenêutica deve ser um
instrumento que conduza o homem a Deus.
Estudar é importante, aprender a aplicar métodos, ferramentas na busca do
real sentido/significado do texto bíblico para poder apresentá-lo de forma res-
ponsável é fundamental, mas isso vai além de regras e métodos, é crucial que
se tenha caráter, caráter cristão, verdadeira intenção de comunicar a Palavra
de Deus sem outro objetivo que não seja o de levar as palavras do Senhor aos
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

corações. Muitos sabem bem das metodologias, mas não as administram com a
consciência de que estão diante da Palavra de Deus e do povo que Ele quer salvar,
consolar, curar, libertar, ensinar. Há vezes que não falta método, falta honesti-
dade, temor a Deus e, com isso, se atrapalha em muito o anúncio do Evangelho.
Evangelho este que, como diz sabiamente René Padilla, não é uma verdade abs-
trata que podemos reservar para a vida privada, mas, sim, a revelação de Deus,
que assume forma humana pessoal e comunitária em nossa situação concreta e
nos transforma em testemunhas suas em nosso próprio contexto social e até no
último lugar da terra.
João 1.1-18
1 No princípio era aquele que é a Palavra (Verbo, Logos). Ele estava
com Deus, e era Deus. 2 Ele estava com Deus no princípio. 3 Todas
as coisas foram feitas por intermédio dele; sem ele, nada do que existe
teria sido feito. 4 Nele estava a vida, e esta era a luz dos homens. 5 A luz
brilha nas trevas, e as trevas não a derrotaram. (...) 10 Aquele que é a
Palavra estava no mundo, e o mundo foi feito por intermédio dele, mas
o mundo não o reconheceu. 11 Veio para o que era seu, mas os seus não
o receberam. 12 Contudo, aos que o receberam, aos que creram em seu
nome, deu-lhes o direito de se tornarem filhos de Deus, 13 os quais não
nasceram por descendência natural, nem pela vontade da carne nem
pela vontade de algum homem, mas nasceram de Deus. 14 Aquele que
é a Palavra tornou-se carne e viveu entre nós. Vimos a sua glória, glória
como do Unigênito vindo do Pai, cheio de graça e de verdade. 15 João
dá testemunho dele. Ele exclama: “Este é aquele de quem eu falei: aque-
le que vem depois de mim é superior a mim, porque já existia antes de
mim”. 16 Todos recebemos da sua plenitude, graça sobre graça. 17 Pois
a Lei foi dada por intermédio de Moisés; a graça e a verdade vieram por
intermédio de Jesus Cristo. 18 Ninguém jamais viu a Deus, mas o Deus
Unigênito, que está junto do Pai, o tornou conhecido.

Hermenêutica Bíblica – Descrição do Termo


III

Hebreus 1.1-4
1 Há muito tempo Deus falou muitas vezes e de várias maneiras aos
nossos antepassados por meio dos profetas, 2 mas nestes últimos dias
falou-nos por meio do Filho, a quem constituiu herdeiro de todas as
coisas e por meio de quem fez o universo. 3 O Filho é o resplendor
da glória de Deus e a expressão exata do seu ser, sustentando todas as
coisas por sua palavra poderosa. Depois de ter realizado a purificação
dos pecados, ele se assentou à direita da Majestade nas alturas, 4 tor-
nando-se tão superior aos anjos quanto o nome que herdou é superior
ao deles.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Interpretar a Bíblia sem olhar a realidade da vida é o mesmo que manter o
sal fora da comida, a semente fora da terra, a luz debaixo da mesa; é como o
galho sem tronco, olhos sem cabeça, rio sem leito. (Carlos Mesters)

Hermenêutica Bíblica – Método e Regras

Hermenêutica é entendida como a ciência e arte da interpretação. Trata-se de


um conjunto de regras e técnicas para a compreensão de textos.
Método (na teologia): certos procedimentos, técnicas ou modos de inquiri-
ção sistemáticos usados no desenvolvimento de determinada posição teológica.
Os tratados de teologia sistemática10 geralmente apresentam o método teoló-
gico nas seções de abertura.
Bentho (2003, p. 56-57) traz que método é todo processo racional para se

10 Teologia Sistemática: tentativa de resumir a verdade religiosa ou o sistema de crenças de um grupo


religioso (como o cristianismo) por meio de um sistema organizado de pensamento desenvolvido em
determinado ambiente cultural ou intelectual. Uma ordem sistemática comum na teologia cristã começa
com Deus e sua autorrevelação, seguindo-se a criação e a queda no pecado, a obra salvadora de Deus em
Jesus Cristo e por meio dele, o Espírito Santo como agente da salvação pessoal, a igreja como comunidade
redimida do povo de Deus e finalmente o objetivo do programa de Deus, conduzindo ao final dos tempos,
à volta de Cristo e à eternidade. Fonte: GRENZ, Stanley J.; GURETZKI, David; NORDLING, Cherith FEE.
Dicionário de Teologia. 3. ed. São Paulo: Vida, 2002. p. 131

A HERMENÊUTICA BÍBLICA
115

chegar a determinadas conclusões válidas. Em hermenêutica, refere-se às regras


ou técnicas usadas para chegar ao conhecimento do significado original do texto.
Para que o método seja útil e aconselhável, não basta que indique qualquer cami-
nho; é preciso que indique aquele que melhor e mais satisfatoriamente conduza
ao fim que se tem em vista. Método, então, é a maneira de proceder.
Metodologia, entretanto, é uma indicação do método. Metodologia exegé-
tica é o conjunto de procedimentos científicos colocados em ação para explicar
os textos. Diferencia-se das “abordagens” que são pesquisas e orientadas segundo
um ponto de vista particular.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Quando fazemos exegese, usamos sempre um método que orienta a pesquisa


e o modo de proceder. Entre os principais métodos hermenêuticos ou exegéti-
cos encontram-se o histórico-crítico, o estruturalista e o fundamentalista. Além
desses métodos, encontramos abordagens distintas aplicadas às Escrituras: socio-
lógicas, antropológicas, psicológicas e psicanalíticas.
A hermenêutica, como disciplina geral do conhecimento, é uma ciência que
se ocupa do estudo da compreensão, sendo essencialmente a ciência da compre-
ensão de textos. Mas não se aplica somente a estes, pois transcende as formas
linguísticas de interpretação. Os seus princípios se aplicam não somente a textos
literários, teológicos, bíblicos, filosóficos, linguísticos ou jurídicos, mas também
a obras de arte e ao viver cotidiano. Desse modo, a hermenêutica propõe-se a
postular métodos válidos de interpretação.
Conceitua Bentho (2003, p. 57-58) um método como todo processo racio-
nal usado para se chegar a determinadas conclusões válidas. Em hermenêutica,
refere-se às regras ou técnicas usadas para chegar ao conhecimento do signifi-
cado original do texto.
Vale aqui relembrar a afirmação de Bosch, quando escreve que é uma ilusão
acreditar que podemos chegar até um evangelho puro, não afetado por quaisquer
acréscimos culturais ou outros. Inclusive na mais antiga tradição de Jesus, os ditos
de Jesus já eram informações sobre Jesus. E se isso é verdadeiro para a fé cristã em
sua fase inicial, certamente deve sê-lo ainda mais para os períodos subsequen-
tes. Ninguém recebe o evangelho de maneira passiva; cada qual, naturalmente,
reinterpreta-o. Não existe, deveras, conhecimento algum em que a dimensão
subjetiva não esteja presente de uma ou outra forma. Essa circunstância não é

Hermenêutica Bíblica – Método e Regras


III

algo que devamos lamentar; trata-se de uma característica inerente à fé cristã,


porque concerne à Palavra encarnada.11

Fundamentalismo: atitude, típica de algumas igrejas livres protestantes


e de ambientes religiosamente conservadores, que identifica a Palavra de

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Deus com uma interpretação absolutamente literal do texto bíblico. O fun-
damentalismo rejeita, por consequência, todo tipo de crítica histórico-lite-
rária dos escritos bíblicos, fazendo uma aplicação da Bíblia aos problemas
éticos, científicos e sociais de hoje sem nenhuma mediação cultural.
Fonte: VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo:
Paulinas, 2000. p. 42.

Estruturalismo - (exegese estruturalista): movimento amplo da crítica lite-


rária que incorpora várias formas de interpretação. O estruturalismo susten-
ta que o significado é produto das “estruturas profundas” – meios de en-
tendimento básicos e universais, e elementos articuladores – encontradas
no texto. O estruturalismo busca identificar e classificar essas estruturas e
depois empregá-las como auxílio na interpretação.
Fonte: GRENZ, Stanley J.; GURETZKI, David; NORDLING, Cherith FEE. Dicionário de Teologia.
3.ed. São Paulo: Vida, 2002. p. 51

11 BOSCH, David J. Missão Transformadora. São Leopoldo: Sinodal, 2002. p. 228.

A HERMENÊUTICA BÍBLICA
117

Graças a um imenso esforço de muitas pessoas ao longo dos últimos três


séculos, temos, hoje, à disposição, uma vasta bibliografia especializada em
diversas áreas do estudo da Bíblia. Gramáticas e livros-texto para o apren-
dizado das línguas bíblicas, léxicos e dicionários teológicos de grego, he-
braico e aramaico; séries de comentários exegéticos, literários, sociológicos,
homiléticos, feministas etc.; compêndios de arqueologia bíblica, história de
Israel, história do período do Novo Testamento; introduções ao Antigo e ao
Novo Testamento; manuais sobre formas literárias da Bíblia; manuais de crí-
tica textual, de metodologia exegética e muito mais. Graças a essa biografia,
nosso trabalho de interpretação fica bastante facilitado, pois muitas ques-
tões já foram resolvidas por estudiosos. Ao mesmo tempo, porém, precisa-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

mos tomar cuidado com a maneira pela qual usamos essa biografia. Ela não
pode substituir o trabalho de análise cuidadosa e interpretação do texto
bíblico; antes, deve servir de auxílio, e não de guia, à nossa interpretação.
Fonte: ZABATIERO, Júlio. Manual de Exegese. São Paulo: Hagnos, 2007. p.
20.

Um Modelo de Estudo Hermenêutico

É necessário que o estudante das Escrituras procure descobrir o significado do


texto que está examinando, a fim de saber exatamente sua significação. Para isso,
é necessário verificar os vários componentes envolvidos na hermenêutica: autor,
texto e leitor/estudante.
■■ O autor como elemento determinante do significado: esse é o método mais
tradicional para o estudo da Bíblia. O significado é aquele que o escritor,
conscientemente, quis dizer ao produzir o texto. É importante verificar o
que o autor disse em outro escrito.
■■ O texto como elemento determinante do significado: alguns eruditos
afirmam que o significado tem autonomia semântica, sendo completa-
mente independente do que o autor quis comunicar quando o escreveu.
De acordo com esse ponto de vista, quando um determinado escrito
se torna literatura, as regras normais de comunicação não mais se lhe
aplicam, transforma-se em texto literário. O que o texto está realmente
dizendo sobre o assunto?

Hermenêutica Bíblica – Método e Regras


III

■■ O leitor como elemento determinante do significado: segundo essa pers-


pectiva, o que determina o significado é aquilo que o leitor compreende
do texto. Em verdade, o leitor atualiza a interpretação do texto. Explicando
melhor. Os leitores distintos encontram diferentes significados, isso porque
o texto lhes concede essa multiplicidade. O que o leitor pensar é rele-
vante? Isso poderia influenciar o sentido do texto? Se compreendermos
que há diferença de interpretação entre um leitor crente e um leitor ateu,
a resposta é sim! Contudo, é necessário que o leitor esteja em condições
de entender o texto. Ao verificar como as palavras são usadas nas frases,
como as orações são empregadas nos parágrafos, como os parágrafos se
ajustam aos capítulos e como os capítulos são estruturados no texto, o

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
leitor procurará compreender a intenção do autor. O texto, em sua ínte-
gra, ajudará o leitor a compreender cada palavra, individualmente. Assim,
as palavras, ou o conjunto de palavras, ajudam a compreender o todo.
■■ Definição de regras: uma utilização equivocada das ferramentas da her-
menêutica resultará em confusão e desvio. Ou seja, resultará em heresia.
O que está envolvido no processo de interpretação? Que padrão termino-
lógico o autor utilizou para dar significado ao texto? Que implicações se
enquadram legitimamente no padrão por ele pretendido? Que significa-
ção atribui o leitor ao texto? Qual é o assunto do texto? Que compreensão
e interpretação o leitor terá? Se as normas da linguagem devem ser res-
peitadas, que possibilidade de significados é permitida pelas palavras de
um texto? Foi reconhecido o gênero literário? As respectivas regras que
o governam estão sendo obedecidas? O contexto prevê o significado dos
objetos literários encontrados no texto?
■■ Significado: o autor pretendia comunicar suas informações. Valeu-se, então,
de um código de linguagem para transmitir sua mensagem. O significado
não pode ser alterado, pois o autor, levando em consideração suas possi-
bilidades de interpretação, submeteu-se conscientemente às normas de
linguagem com as quais o leitor está familiarizado. Da mesma maneira,
os textos produzidos pelos autores das Sagradas Escrituras, movidos pelo
Espírito Santo, têm implicações que abrangem o significado específico
que eles, conscientemente, procuraram transmitir. Isso é razoável, uma
vez que o leitor deverá compreender a linguagem utilizada.
■■ Implicações: as implicações ultrapassam os significados originais. O autor
não estava ciente das novas circunstâncias. Apesar disso, elas se enquadram

A HERMENÊUTICA BÍBLICA
119

legitimamente no padrão de significado pretendido pelo autor. Em Gálatas


5.2, lemos: “Eu, Paulo, vos digo que, se vos deixardes circuncidar, Cristo
de nada vos aproveitará”. O significado específico está bem claro. Se os
cristãos da Galácia cedessem às pressões dos judeus e se submetessem à
circuncisão, estariam renunciando à fé, recusando a graça de Deus em
Cristo e procurando, consequentemente, estabelecer uma relação dife-
rente com Deus, baseada em suas próprias obras.
■■ Interpretação: refere-se ao modo como o leitor/estudante responderá ao
significado de um texto. Um cristão atribuirá, naturalmente, interpretação
positiva às implicações do texto; um descrente, pelo contrário, atribuirá
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

interpretação negativa. Mesmo no grupo de discípulos cristãos, as aplica-


ções de um mesmo texto poderão ser diferentes: a grande comissão, em
Mateus 28.18,19, pode ser interpretada como uma ordem para se tornar
um missionário em terra distante, um mantenedor, um pioneiro no pró-
prio país, um pastor local ou, quem sabe, como um incentivo ao professor
de uma classe de Escola Dominical. Mas todas, apesar de diferentes, são
respostas às implicações legítimas do significado do texto.
■■ O assunto do texto: qual é o assunto do texto a ser considerado. Em Gênesis,
temos a história da criação; em Juízes, a história política; em Salmos, a
poesia hebraica; em Provérbios, a sabedoria prática; e, nos Evangelhos,
a vida e ministério de Jesus. Devemos discernir qual é o objetivo especí-
fico do escritor.
■■ Compreensão e interpretação: a compreensão refere-se ao entendimento
correto do significado pretendido pelo autor. Já que há apenas um signi-
ficado, todo aquele que o entender terá a mesma compreensão do autor.
Algumas compreensões podem ser mais completas do que outras, devido
à maior percepção das várias implicações envolvidas. Como expressar essa
compreensão? Existe um número infinito de formas de expressá-la. Por
exemplo: o Senhor Jesus, ao ensinar sobre a chegada do reino de Deus,
valeu-se de várias parábolas. Alguns intérpretes alegam que não existe
sinônimo perfeito. Ainda assim, um autor, com o propósito de evitar o
desgaste de vocabulários já empregados, pode, conscientemente, dese-
jar usar outros com o mesmo sentido. Isso porque o uso de sinônimos é
previsto pelas normas da linguagem, as quais admitem também uma exten-
são de possíveis significados para a mesma palavra. Há dois princípios
para orientar o trabalho de tradução: palavra por palavra e pensamento

Hermenêutica Bíblica – Método e Regras


III

por pensamento. A dificuldade do primeiro é que, em idiomas e culturas


diferentes, nem sempre os vocábulos têm a mesma exatidão. O segundo
também apresenta suas dificuldades. Isso fica evidente quando procu-
ramos determinar como um autor usa os mesmos termos em lugares
diferentes com o mesmo significado. O valor de equivalência na tradu-
ção fica muito mais comprometido do que no propósito de comparar
outras passagens nas quais o autor bíblico usa as mesmas palavras com
o mesmo significado.
■■ Normas de linguagem: as normas de linguagem tentam especificar a exten-
são de significados permitidos nas palavras de um texto. O termo fé, por

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
exemplo, possui ampla extensão de significados no Novo Testamento.
Em certos contextos, pode ser “mera aceitação mental de um fato”; em
alguns, “confiança plena”; ou ainda em outros, “um conjunto de crenças”.
O que não pode, no entanto, é significar algo incompatível com o con-
texto, quando, por exemplo, o texto ou contexto está falando do ritual do
batismo. Felizmente, as normas de linguagem limitam o número de possi-
bilidades, de modo que apenas uma delas terá o significado que interessa
ao autor. Por isso o autor bíblico se manteve cuidadosamente dentro des-
ses limites, a fim de ajudar seus leitores a compreenderem sua mensagem.
O contexto é fundamental para reduzir os significados possíveis a apenas
um significado específico.
■■ Reconhecendo o gênero literário: quais são os gêneros literários usados
pelo autor? A Bíblia apresenta diferentes gêneros. Obviamente, como os
escritores da Bíblia tinham por finalidade compartilhar o significado do
que escreviam, submeteram-se às convenções literárias de seu tempo. Se
o leitor/estudante não ponderar esse fato, ser-lhe-á impossível a compre-
ensão do significado.
■■ Contexto: o contexto12 facilita a compreensão do significado pretendido
pelo autor. Devemos entender o contexto literário como sendo aquilo
que o autor procurou dizer com os símbolos utilizados antes e depois do
texto em questão. Portanto, quando nos referimos ao contexto, aludimos

12 Contexto: inter-relação de circunstâncias que acompanham um fato ou uma situação. Conjunto


de palavras, frases, ou o texto que precede ou se segue a determinada palavra, frase ou texto, e que
contribuem para o seu significado; encadeamento do discurso, ambiente em torno. Conjunto de
condições de uso da língua, que envolve, simultaneamente, o comportamento linguístico e o social, e é
constituído de dados comuns ao emissor e ao receptor. Fonte: Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss,
2012. (Eletrônico).

A HERMENÊUTICA BÍBLICA
121

ao padrão de significado compartilhado pelo autor nas palavras, orações,


parágrafos e capítulos presentes no texto.
■■ O Espírito Santo e a interpretação bíblica: a Bíblia, como produto da ins-
piração divina, é a Palavra de Deus e revela aquilo em que os cristãos
creem (regras de fé) e como devem viver (regra de prática). Os termos
infalibilidade e inerrância são frequentemente usados para descrever a
fidedignidade da Bíblia. Tudo quanto os autores desejavam transmitir,
quanto aos assuntos de fé (doutrina) e prática (ética), é verdadeiro. O
termo inerrância significa que tudo quanto está escrito na Bíblia (infor-
mações históricas, geográficas, científicas etc.) corresponde à verdade e
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

não pode induzir ninguém ao erro.

Hermenêutica - Tipos

No encerramento deste tópico sobre a Hermenêutica, trazemos como informa-


ção alguns tipos de Hermenêutica (há outros que não apresentamos aqui).
A história da interpretação bíblica apresenta quatro tipos principais de
hermenêutica:
■■ Literal,
■■ Moral,
■■ Alegórica,
■■ Anagógica (ou puramente espiritual).

Recorremos ao artigo Hermenêutica Religiosa13 para compor este tópico, como


segue:
• A interpretação literal associa-se com a convicção segundo a qual
não só a mensagem divina, como também cada uma das palavras
que constituem a Bíblia são de plena inspiração divina. Como crí-

13 Disponível em: <http://www.estudantedefilosofia.com.br/doutrinas/hermeneutica.php>.


Acesso em: 7jun. 2014.

Hermenêutica - Tipos
III

tica à forma extrema desse tipo de hermenêutica, pode-se dizer


que ignora as evidentes diversidades de estilos e vocabulário dos
diversos autores bíblicos. Tomás de Aquino, Martinho Lutero e
Calvino foram partidários da hermenêutica literal.

• A interpretação moral busca estabelecer os princípios exegéticos


mediante os quais se podem extrair as lições éticas da Bíblia. Asso-
cia-se, com frequência, à alegórica. Assim, por exemplo, a Carta de
Barnabé, escrita aproximadamente no ano 100 da era cristã, consi-
derava que a proibição bíblica de comer a carne de certos animais
referia-se principalmente aos vícios simbolicamente representa-
dos por eles.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
• A interpretação alegórica busca na narração bíblica um segundo
nível de referência, além das pessoas, coisas e acontecimentos ex-
plicitamente narrados no texto. O grande impulsor desse tipo de
interpretação foi o teólogo cristão Orígenes (século III), que ela-
borou um sistema teológico e filosófico a partir das palavras da
Bíblia.

• A interpretação anagógica ou mística, essencialmente espiritual,


pretende explicar os acontecimentos bíblicos como signos prefi-
guradores dos últimos fins da criação. Exemplo característico seria
a cabala judia, que procurava descobrir o significado místico das
letras e palavras hebraicas.

Há, também, a Hermenêutica Filosófica, Jurídica e da Suspeita, como segue:


Filosófica: A partir do método compreensivo inaugurado em história e socio-
logia por Wilhelm Dilthey e Max Weber, deu-se uma intensa discussão sobre o
problema da compreensão em geral, seja como base para a pesquisa em história
e ciências humanas, seja como problema filosófico. Para Dilthey, a hermenêu-
tica não é apenas uma técnica auxiliar para o estudo da história da literatura,
mas um método de interpretação baseado no conhecimento prévio dos dados
históricos, filológicos e de outras índoles da realidade que se tenta compreen-
der. A hermenêutica, baseada na consciência histórica, permitiria compreender
um autor melhor que ele próprio se compreendia e uma época histórica melhor
que os que nela viveram.
Hermenêutica jurídica: F. K. von Savigny recomendava que se usassem
juntos os vários critérios de interpretação da lei: gramatical, histórico, lógico
e sistemático. Rudolf von Ihering foi mais além e acentuou a finalidade da lei.
Cumpre, antes de qualquer providência, definir os termos. Assim, o exame da

A HERMENÊUTICA BÍBLICA
123

letra da lei é o primeiro passo para seu bom entendimento. Feita a interpreta-
ção lógica, busca-se o alcance efetivo da proposição. A interpretação sistemática,
defendida pela escola de Hans Kelsen, deriva da unidade da ordem jurídica: não
há norma isolada ou solta, e uma norma não pode estar em contradição com
outra. A pesquisa histórica não busca a vontade histórica do legislador, mas sua
última vontade notória, que é a lei. A lei aplicar-se-á segundo as novas circuns-
tâncias. Enfim, como a regra se define pelos fins colimados, há que descobrir o
espírito da lei. O componente teológico, ou seja, aquele que diz respeito ao argu-
mento, conhecimento ou explicação que relaciona um fato com sua causa final,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

completa a hermenêutica.
Hermenêutica da Suspeita: expressão usada pela primeira vez pelo filósofo
francês Paul Ricoeur, referindo-se à prática de interpretação que se aproxima
do texto com perguntas ou “suspeitas” sobre a sua veracidade ou confiabilidade.
Inversamente, a hermenêutica da suspeita permite que o texto coloque em ques-
tão as suposições e a cosmovisão do leitor.
A exegese e hermenêutica bíblicas tomaram novo rumo no século XX, com
William Wrede e Albert Schweitzer, que deram ênfase à escatologia do Novo
Testamento. C. H. Dodd promoveu o movimento conhecido como “teologia
bíblica”. Karl Barth, com seus comentários a Paulo, lançou uma interpretação
existencial do Novo Testamento, radicalizada depois por Rudolf Bultmann, sob
influência de Wilhelm Dilthey e de Martin Heidegger.
Bultmann e Dibelius são, talvez, os principais responsáveis pelo moderno
estudo crítico do texto dos Evangelhos, aplicado, com o mesmo êxito, ao Antigo
Testamento, por Hermann Gunkel e Sigmund Morwinckel. Na França, os estudos
da hermenêutica receberam grande impulso por parte do cardeal Jean Danielou
e dos dominicanos da Escola Bíblica e Arqueológica. O Concílio Vaticano II
incentivou vigorosamente a hermenêutica católica, recomendando que se fizesse
em associação com os “irmãos separados”, o que abre novo horizonte à exegese
e hermenêutica bíblicas.

Hermenêutica - Tipos
III

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Hermenêutica e Interpretação da Bíblia

Abrimos este tópico pontuando a função da Hermenêutica e da Exegese Bíblica,


resumidamente:
■■ Traduzir o texto original tornando-o compreensível em língua vernácula,
sem sangrar o sentido primário;
■■ Compreender o sentido do texto dentro de seu ambiente histórico-cul-
tural e léxico-sintático;
■■ Explicar o verdadeiro sentido do texto, sem todas as dimensões possíveis
[autor, audiência (público), condições sociais, religiosas etc.];
■■ Tornar a mensagem das Escrituras inteligível ao homem moderno;
■■ Conduzir-nos a Cristo.14

Antes de tratarmos da interpretação bíblica propriamente dita, precisa ficar claro


que se deve aprender a ler a Bíblia. Lê-la exige respeito, se faz necessário per-
mitir-se descobri-la. Será que quando a lemos deixamos que as palavras ali nos

14 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 69.

A HERMENÊUTICA BÍBLICA
125

conduzam ou impomos uma direção, sentido ou significado? Ou seja, nós lemos


para refletir e aprender ou buscamos respostas a perguntas previamente esta-
belecidas (provocamos equívocos de recorte no texto, não levando em conta o
contexto; nos precipitamos em significados e rasamente colocamos o que acha-
mos na busca por respostas que nos agradam)? Quantos absurdos são ditos por
aí pelo simples fato de que não se soube (ou pior, não se quis) ler a Bíblia com o
respeito e a dedicação que se deve.
Escreve Silva (2000, p. 23) que para os estudiosos, desde muito tempo, a
Sagrada Escritura deixou de ser apenas “o livro que traz a Palavra de Deus”, e
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

reconquistou sua identidade como Palavra humana, Literatura. Em outras pala-


vras, a Bíblia não mais vista apenas como um repertório de argumentos e de
provas teológicas e dogmáticas, mas como um livro que, tal qual qualquer texto
literário, quer também informar, divertir, fazer pensar. Como dissemos a pouco,
é um livro vivo e, como tal, quer entrar em diálogo com o leitor, influenciar sua
vida, sua consciência. Com efeito, o caminho mais curto e eficaz para matar a
Sagrada Escritura é não considerá-la como obra de literatura, como texto, e,
assim, cooptar sua liberdade.15

A busca de conteúdos, isto é, de respostas para situações concretas, acabou


por relegar a segundo plano o aspecto literário da Bíblia. Não raro, fazemos
uma leitura imediatista, esperando encontrar na Escritura argumentos ou
luzes para o momento em que estamos vivendo. Não permitimos a nós mes-
mos aproveitar o objetivo primeiro do ato da leitura: o simples prazer de ler1!

1 SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 12.

Há várias interferências que devem ser levadas em conta quando se busca a cor-
reta interpretação do texto bíblico, há também vários métodos que apontam
para os aspectos que devem ser analisados/estudados. A seguir oferecemos um
desses métodos:

15 SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 23.

Hermenêutica e Interpretação da Bíblia


III

Espiritual Sociedade
Interpretação Bíblica
Política Economia

Ou seja, deve-se levar em consideração, na interpretação do texto bíblico, as


interferências da espiritualidade, questões sociais, políticas e econômicas que
estão no contexto do texto a ser analisado.
■■ Espiritual: o que Deus estava dizendo? Quem foi usado para trazer a pala-
vra? Qual a mensagem central? Quais as questões religiosas e espirituais

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
no momento do texto?
■■ Sociedade: qual o momento histórico em que estavam inseridos? Como
estava organizada a sociedade? Qual a condição (livres ou escravizados)?
■■ Política: como estavam as questões políticas? Sofriam domínio externo?
Como estava o governo interno? Como o povo estava vivendo?
■■ Economia: como estavam as questões econômicas? O povo estava oprimido
ou próspero? Como o governo estava gerindo e gerenciando a economia?
■■ Soma-se a isso perceber a reação do primeiro (ou primeiros) ouvinte(s). E
em uma contextualização, precisamos ter uma atualizada leitura de nossa
sociedade e momento histórico e suas implicações para que em uma relei-
tura o texto faça sentido e contribua para nossa reflexão.

Critérios para a Interpretação da Bíblia

Muito se pode falar sobre critérios para a interpretação bíblica, vários estudio-
sos contribuem com suas opiniões, mas o que precisa ficar claro é a questão do
caráter do intérprete, sua real intenção, seu temor a Deus e Sua Palavra e a noção
clara de seu papel diante da Palavra de Deus e do povo.
Acontecem erros que precisam ser reconhecidos e evitados, e citamos, com
base no texto de Bentho (2003, p. 72, 73), alguns desses:

A HERMENÊUTICA BÍBLICA
127

■■ Atitude defensiva do intérprete em relação às suas ideologias que seja


responsável pela prática da eisegese (equívoco forçado na interpretação).
Com o doutrinismo, usa o Livro Sagrado para ratificar suas doutrinas, em
vez de confrontá-las com a Palavra de Deus. Ignora o caráter histórico e
contextual da Bíblia e sobrepõe a ela a “revelação espiritual” das entre-
linhas do texto. A interpretação histórica e contextual para esses não é
suficiente, por isso, é necessária a espiritualização do texto.
■■ Há a questão do preconceito (antecipação de conceitos), pois há muitos
conceitos, costumes, interpretações e ensinos que precedem mais do pre-
conceito, ignorância e atitudes pré-concebidas do intérprete do que de
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

uma exegese bíblica confiável.


■■ Em relação a métodos, há a preferência ao Método Alegórico de inter-
pretação que é um dos mais usados por esses intérpretes. Desprezam o
significado comum e ordinário das palavras e especulam sobre o sentido
místico ou simbólico de cada uma delas, além, é claro, de ignorar a inten-
ção autoral, inserindo no texto todo tipo de extravagância ou fantasia. O
intérprete que usa métodos como o alegórico tende a rejeitar os demais
métodos válidos de interpretação, e a única base interpretativa que con-
cebe é aquela que procede de sua própria imaginação folclórica.16

I Timóteo 6.3-12
3 Se alguém ensina falsas doutrinas e não concorda com a sã doutrina
de nosso Senhor Jesus Cristo e com o ensino que é segundo a piedade,
4 é orgulhoso e nada entende. Esse tal mostra um interesse doentio por
controvérsias e contendas acerca de palavras, que resultam em inve-
ja, brigas, difamações, suspeitas malignas 5 e atritos constantes entre
aqueles que têm a mente corrompida e que são privados da verdade, os
quais pensam que a piedade é fonte de lucro. 6 De fato, a piedade com
contentamento é grande fonte de lucro, 7 pois nada trouxemos para
este mundo e dele nada podemos levar; 8 por isso, tendo o que comer
e com que vestir-nos, estejamos com isso satisfeitos. 9 Os que querem
ficar ricos caem em tentação, em armadilhas e em muitos desejos des-
controlados e nocivos, que levam os homens a mergulharem na ruína
e na destruição, 10 pois o amor ao dinheiro é a raiz de todos os males.
Algumas pessoas, por cobiçarem o dinheiro, desviaram-se da fé e se
atormentaram com muitos sofrimentos. 11 Você, porém, homem de
Deus, fuja de tudo isso e busque a justiça, a piedade, a fé, o amor, a

16 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 72, 73.

Critérios para a Interpretação da Bíblia


III

perseverança e a mansidão. 12 Combata o bom combate da fé. Tome


posse da vida eterna, para a qual você foi chamado e fez a boa confissão
na presença de muitas testemunhas.

Neste tópico, Critérios para a Interpretação da Bíblia, nesta compilação de tex-


tos para compor nossos estudos, recorremos ao artigo de Osvaldo Luiz Ribeiro,
onde se pode observar o ponto de vista deste autor sobre o tema. Nos ajudará
no sentido de observarmos mais como o autor se posiciona em relação aos cri-
térios de interpretação bíblica.
Ribeiro escreve que a Bíblia é literatura. A Bíblia é uma biblioteca de ses-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
senta e seis livros no cânon protestante. A Bíblia é uma coleção de centenas, ou
mesmo milhares de textos. Logo, mais do que justo que haja uma ciência do texto
- Hermenêutica. Por outro lado, nós, cristãos, tomamos a Bíblia também como
Palavra de Deus. Como os protestantes e, por consequência, os evangélicos não
reconhecem porta-vozes divinos (Atos 14.14,15), salvo o próprio Espírito Santo,
a Hermenêutica enquanto disciplina assume a responsabilidade de ajudar a cada
leitor da Bíblia a ouvir a voz da Bíblia.
Porque é um conjunto de livros e de textos, a Bíblia tem critérios próprios.
Quais são?
1. Os critérios literários da Bíblia enquanto livro
Antes de tudo, deve ficar claro que a própria Bíblia não trata do tema. A Bíblia
não pára para nos dizer como devemos lê-la, já que ela é um livro. O que chama-
mos aqui de critérios literários são critérios válidos para qualquer literatura. Isso
significa que é o fato de a Bíblia ser um livro ou uma série de livros e textos que
nos impõe a pergunta sobre sua leitura adequada. Sendo um conjunto de livros,
sabemos que não são todos eles do mesmo tipo. Há diferentes tipos de livros na
Bíblia: pequenos e grandes, mais ou menos antigos, poéticos ou em prosa, his-
tórico-teológicos ou sapienciais, simples ou complexos etc. Não se trata, ainda,
de perguntar como se lê cada um desses tipos de livros. Trata-se da pergunta de
fundo: qual o critério para se ler um texto. Trata-se da pergunta sobre onde está
o sentido de um texto. E há três teorias sobre onde está o sentido de um texto.
2. O sentido do texto está na intenção do leitor do texto
Essa teoria diz que um texto é sempre uma coisa que o leitor manipula. O lei-
tor é que acaba fazendo o texto dizer o que ele quer dizer. O argumento é duplo:

A HERMENÊUTICA BÍBLICA
129

a) de um lado, o autor do texto não está mais presente para controlar a sua inten-
ção; b) de outro, os homens são movidos por suas ideologias, e o leitor lê sempre
ideologicamente os textos. Um bom exemplo disso é o que diz Justino. Em seu
livro Diálogo com Trifão, escrito no séc. II d.C., Justino diz ao judeu Trifão que
os livros dos judeus não são (mais) dos judeus, mas “nossos” (PAULUS, 1995.
p. 152). Zuck faz um comentário em seu livro A Interpretação Bíblica: “Justino
afirmava que o Antigo Testamento era pertinente aos cristãos, mas essa perti-
nência, dizia ele, era percebida por meio da alegorização” (VIDA NOVA, 1994.
p. 10). Na constituição dogmática católica Dei Verbum, afirma-se que “a Igreja
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

logo, desde os seus começos, fez sua aquela tradução grega antiquíssima do
Antigo Testamento” (PAULINAS, 1966, p. 26). Quando a igreja se apropria dos
textos judaicos e os lê como textos cristãos, está dizendo com isso que o verda-
deiro sentido daqueles textos está com ela, e não com os autores dos próprios
textos. Quando a igreja faz isso, consciente ou inconscientemente, está dizendo
que o sentido desses textos está no leitor cristão. Umberto Eco chama essa teo-
ria de intentio lectoris - intenção do leitor (Interpretação e Superinterpretação,
Martins Fontes, 1993, p. 27-29).
Como leitores da Bíblia, devemos nos perguntar: lemos a Bíblia porque que-
remos ouvi-la, ou lemos a Bíblia porque nós é que sabemos o que ela deve dizer?
Em outras palavras? O sentido dos textos bíblicos está no leitor cristão?
3. O sentido do texto está nas intenções do próprio texto
Faz sentido? O que significa exatamente dizer que o sentido de um texto está
no próprio texto? Significa que o texto deve falar por si só, dizem os teóricos da
intentio operis (ECO, p. 27-29) ou intenção da obra (do texto). Os teóricos afir-
mam que todo texto é polissêmico - ou seja, que tem muitos sentidos. Croatto
explica isso muito bem em seu livrinho Hermenêutica Bíblica (LA AURORA,
1984): toda vez que uma fala (que tem um único sentido) é escrita, passa a susten-
tar vários sentidos possíveis (polissemia). Assim, os textos bíblicos são passíveis
de sustentar vários sentidos.
Não se deve confundir intenção do texto com intenção do leitor. Enquanto
a teoria da intenção do texto diz que o texto tem vários sentidos, por outro lado,
a teoria da intenção do leitor diz que o leitor enxerga apenas um único sentido.
Digamos assim, o texto é potencialmente polissêmico; mas na prática, o leitor

Critérios para a Interpretação da Bíblia


III

enxerga apenas um sentido dentre tantos possíveis.


Penso que essas duas teorias se prestam mais a explicar a prática da leitura
da Bíblia e suas complicações em face da ausência do autor dos textos do que
realmente propor uma teoria de interpretação. O próprio Croatto, que defen-
dia a intenção do leitor no seu livrinho citado, ultimamente decidiu-se pela
intenção do autor, como se pode perceber de seus últimos artigos da Revista de
Interpretação Bíblia Latino-Americana. Vamos, pois, analisar o que a teoria da
intenção do autor afirma.
4. O sentido do texto está na intenção do autor do texto

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Eco chama essa teoria de intentio auctoris, ou intenção do autor (p. 27-29).
Segundo essa teoria, não importa se o leitor possui suas próprias ideias sobre a
vida, o mundo, o homem e Deus (= ideologia); nem importa que realmente os
textos tenham a capacidade de dizerem coisas diferentes. Para a teoria literária
da intenção do autor, deve-se ler um texto para recuperar a intenção do autor
que o escreveu e que é possível esse esforço. O sentido de um texto não estaria
no leitor e na sua ideologia; o sentido não estaria flutuando solto como den-
tes-de-leão na polissemia do texto; o sentido está na intenção com que o autor
escreveu o seu texto.
Gosto de citar II Pedro 1.21b nesse contexto: “os homens da parte de Deus
falaram movidos pelo Espírito Santo” (Almeida, melhores textos, IBB, 1992) ou
“os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo” (Almeida, rev.
e cor. IBB, 1991). Odette Mainville tem algo a dizer: “compreender a intenção ori-
ginal de um texto permite evitar interpretações equivocadas, senão inteiramente
errôneas” (A Bíblia à Luz da História, Paulinas, 1999. p. 10). Mas não confunda:
“intenção original de um texto” só faz sentido na teoria literária da intenção do
autor. O texto em si não tem intenção original, mas sentidos diferentes e iguais
em termos de valor. Se estivermos interessados na intenção original, o que esse
texto bíblico quis dizer lá e então quando ele foi escrito, então temos de nos
esforçar para descobrir o que é que o autor do texto queria dizer com seu texto.
O leitor da Bíblia sabe que a Palavra de Deus é um livro. Enquanto um con-
junto de centenas de textos escritos, a Bíblia deve ser lida e compreendida. Para
compreender o texto, primeiro o leitor deve decidir-se onde ir buscar o sentido

A HERMENÊUTICA BÍBLICA
131

do texto. Enquanto disciplina que trata justamente do sentido dos textos, a


Hermenêutica sugere ao leitor três possibilidades: a) leitor; b) texto; c) autor. O
leitor deve escolher uma dessas possibilidades. Essa é sua mais importante deci-
são. Esse é o principal critério.
Esse artigo sugere que o sentido da Palavra de Deus seja procurado na inten-
ção do(s) autor(es) do(s) texto(s) bíblico(s). Ouvir a Bíblia (ouvir o que Deus
tem a dizer por meio da Bíblia) é preparar-se para ouvir o que os autores dos
textos da Bíblia têm a dizer. Os homens inspirados falaram. Vamos ouvir o que
eles têm a dizer.17
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Os Principais Bloqueios à Interpretação Bíblica

Bentho (2003, p. 73) afirma que a tarefa da hermenêutica e da exegese não é tarefa
fácil. Quando alguém se propõe a interpretar as Escrituras, encontra diversos blo-
queios a uma compreensão espontânea do significado primitivo da mensagem.
Quando o intérprete inicia a empresa de “traduzir” o texto bíblico, ele inevita-
velmente está lidando com uma língua e cultura distinta da sua; acrescentamos
nós a essa afirmação a distância histórica, cultural, costumes, perspectivas etc.
Há inúmeros complicadores que atrapalham a interpretação bíblica de forma
coerente e correta, Bentho (2003, p. 73,74) apresenta alguns bloqueios à tarefa
da interpretação bíblica, listamos abaixo:
Bloqueios histórico-culturais: as Escrituras foram escritas não para a nossa
realidade e cultura, mas para outra equidistante da nossa há mais de três milê-
nios. Os conjuntos de fatos e mensagens expostos nas Sagradas Escrituras são
produtos de uma evolução histórico-cultural vivenciados pelo hagiógrafo e
seus contemporâneos. Nós não fomos os destinatários originais. A Cosmovisão,
compreensão dos fenômenos físicos e naturais, existência e filosofia de vida dos
hagiógrafos e de seus contemporâneos eram distintas da atual. Os povos pró-
ximos à época dos autógrafos assimilaram mais rapidamente o conteúdo das

17 Disponível em: <http://www.ouviroevento.pro.br/revistadabiblia/criterios_para_interpre_I.htm>.


Acesso em: 7 jun. 2014.

Critérios para a Interpretação da Bíblia


III

Escrituras por viverem na mesma cultura, ou próximos a ela, do que os intér-


pretes afastados por milênios de anos. Por vezes, os escritores da Antiga Aliança
tiveram de explicar os costumes que por tempos imemoriais já haviam caído em
desuso em Israel (exemplo, Rute 4.7). Os exegetas atuais precisam também trans-
por a barreira histórico-cultural.
Bloqueios linguísticos: nossas Bíblias não foram originalmente escritas em
nosso idioma. Isto é um fato. Tanto a grafia hebraica quanto a grega são distintas
da nossa. A Bíblia foi escrita nos idiomas hebraico, aramaico e grego, além de pos-
suir diversos vocábulos derivados de outros idiomas do ramo semita18. Quando

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
os hagiógrafos se comunicaram, fizeram-no pela palavra falada e escrita. Para
que suas mensagens fossem entendidas, eles precisaram, no mínimo, coordenar
sua fala e escrita de acordo com a gramática vigente. Por sua vez, essa gramática
e a língua pelas quais as Escrituras foram produzidas possuem sintaxe, morfolo-
gia, fonemas, enfim, estruturas diferentes da nossa. É quase impossível àqueles
que não possuem conhecimento das línguas originais entenderem as Escrituras
no seu idioma de origem.
Bloqueios textuais: não perceptivas a qualquer intérprete, as diferenças de
cópias e versões tornaram necessária a árdua atividade dos críticos textuais.
Nenhum dos autógrafos19 dos escritores sagrados chegou até nós, o que pos-
suímos são cópias manuscritas. Apesar da meticulosidade dos escribas, o texto
sagrado sofreu algumas alterações ao ser repetidamente copiado, porém não
invalidam o conjunto.
Crítica textual: o propósito fundamental da Crítica textual é reconstruir
com toda perfeição possível o texto bíblico, expurgando-o de qualquer altera-
ção introduzida por erro do escriba, seja um equívoco de ditografia20, fusão21,
ou outro qualquer que costumam achar-se na transmissão de obras manuscritas

18 Semita: de Sem, filho de Noé. Grupo de povos de origem étnica diferente, mas que falam línguas
semíticas. Estas, muito semelhantes entre si, dividem-se em semítico oriental (acádico ou assiro-
babilônico), semítico norte-ocidental (dialetos aramaicos, cananeu, ugarítico, fenício, hebraico) e semítico
sul-ocidental (árabe, sul-arábico, etíope). Os semitas deram o alfabeto e as três religiões monoteístas à
cultura mundial. Fonte: VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São
Paulo: Paulinas, 2000. p. 83
Em sentido restrito, o mesmo que judaico, hebraico. Línguas semíticas, conjunto de línguas faladas pelo
grupo étnico dos semitas (judeus hebreus). Fonte: <www.dicio.com.br>.
19 Diz-se de manuscrito original de um autor. Fonte: <www.dicio.com.br>.
20 Escrever duas vezes o que se deveria ser escrito apenas uma vez.
21 Combinação da última letra da palavra anterior com a primeira do termo seguinte.

A HERMENÊUTICA BÍBLICA
133

plurisseculares. Tal texto, reconstruindo a base dos critérios da crítica textual,


chama-se texto crítico.
Temos diversas cópias e versões das Escrituras Sagradas. Embora redundante,
creio ser necessário sublinhar que cada tradução ou versão das Escrituras, pro-
testante ou não, dá à estampa de que usam os manuscritos mais antigos e mais
corretos, apesar de diferirem em muitos aspectos textuais um dos outros por
seguirem manuscritos distintos. O exegeta, cônscio dessa barreira, fará uso das
diversas versões, além de se exercitar por adquirir cada vez mais perícia tanto
nas línguas bíblicas quanto nos cânones que regem a crítica textual.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Diante dessas informações, Bentho (2003, p. 79) infere que as relações da crí-
tica textual com a exegese e a hermenêutica fundem-se grandemente, tornando
a empresa de interpretar não só desafiante e exaustiva, mas também compen-
sadora, pois por meio dessas três ciências indissociáveis, o sentido primário do
texto sagrado é entregue na ação evangelística e pastoral, tal qual pretendido
pelo Espírito da inspiração escriturística.

Temos diversas cópias e versões das Escrituras Sagradas1 , e por meio do


exercício dos críticos textuais, podemos assegurar com toda clareza a con-
fiabilidade das Escrituras vetero e neotestamentárias, e afirmar que são
exatamente idênticas aos autógrafos originais. Por mais de dois mil anos
as cópias manuscritas dos originais foram transmitidas com a máxima exa-
tidão. Antes da descoberta dos rolos do mar Morto, discutia-se muito a
confiabilidade dos textos sagrados, se as sucessivas cópias haviam alterado
profundamente o sentido original. Porém, ao ser descoberto o rolo de Isaí-
as, escrito em 125 a.C., descobriu-se que esse texto corresponde ao mesmo
texto massorético de Isaías que data de 916 (A.D.). O texto preparado quase
mil anos antes era idêntico ao texto que hoje possuímos, deixando dúvidas
apenas sobre dezessete letras que em nada alteram o sentido primário.
Fonte: BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD,
2003. p. 79.

1 Acrescentando os manuscritos unciais, minúsculos, lecionários, papiros e outros, temos apenas para
o Novo Testamento, mais de 5.000 manuscritos, acrescentando os da Vulgata Latina e outras versões,
perfazem mais de 24.000 manuscritos. (...) As Escrituras são mais confiáveis pelo testemunho textual do
que qualquer outro manuscrito antigo.

Critérios para a Interpretação da Bíblia


III

Como afirma também que a crítica textual baseia-se no testemunho dos mais
antigos e melhores manuscritos, assim como dos papiros, das traduções antigas
e da patrística, ela procura, segundo regras determinadas, estabelecer um texto
bíblico que seja tão próximo quanto possível do texto original.
Os Gêneros procuram determinar os gêneros literários, ambiente de origem,
traços específicos e evolução desses textos. O texto é, em seguida, submetido a
uma análise linguística (morfologia e sintaxe) e semântica, que utiliza os conhe-
cimentos obtidos graças aos estudos da filologia histórica.
A Crítica Literária esforça-se, então, em discernir o início e o fim das unida-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
des textuais, grandes e pequenas, e em verificar a coerência interna dos textos.
A Crítica dos Gêneros procura determinar os gêneros literários, ambiente
de origem, traços específicos e evolução desses textos.
Enquanto as etapas precedentes procuraram explicar o texto pela sua gênese,
em uma perspectiva diacrônica, esta última etapa termina com um estudo sin-
crônico: explica-se aqui o texto em si, graças às relações mútuas de seus diversos
elementos e considerando-os sob seu aspecto de mensagem comunicada pelo
autor a seus contemporâneos.22
A atividade maligna no mundo: segundo as Escrituras, “o deus deste século
cegou o entendimento dos incrédulos para que lhes não resplandeça a luz do
Evangelho” (II Coríntios 4.4). Percebe-se uma atividade maligna com intuito de
que o Evangelho não floresça na mente e no coração dos incrédulos. Além de
procurar obscurecer a mensagem do Evangelho, envia seus ministros malévo-
los para perverter a sã doutrina (II Timóteo 4.1), quando não, falsos ministros
atestando infalibilidade procuram distorcer o Evangelho de Cristo, “por meio de
filosofias e vãs sutilezas, segundo a tradição dos homens, segundo os rudimentos
do mundo, e não segundo Cristo” (Colossenses 2.8, 22/Efésios 4.14).
As armas com as quais lutamos não são humanas; ao contrário, são
poderosas em Deus para destruir fortalezas. Destruímos argumentos
e toda pretensão que se levanta contra o conhecimento de Deus, e le-
vamos cativo todo pensamento, para torná-lo obediente a Cristo. (II
Coríntios 10.4, 5)

22 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 254

A HERMENÊUTICA BÍBLICA
135

Gosto muito de um texto de Karl Barth intitulado “O falso profeta”23, compar-


tilho aqui para sua reflexão:
O falso profeta é o pastor que agrada todo mundo. Seu dever é dar
testemunho de Deus, mas ele não O vê e O prefere, porque vê muitas
outras coisas. Segue seus pensamentos humanos, conserva-se interior-
mente calmo e seguro, evita habilmente tudo quanto o incomoda. Não
espera senão poucas coisas ou mesmo nada da parte de Deus. Pode
calar-se, mesmo quando vê homens atravancando seus caminhos com
pensamentos, opiniões, cálculos e sonhos falsos, por quererem viver
sem Deus. Retira-se sempre quando devia avançar. Compraz-se em
ser chamado pregador do Evangelho, condutor espiritual e servidor de
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Deus, mas só serve aos homens. Sonha, às vezes, que fala em nome de
Deus, mas não fala a não ser em nome da igreja, da opinião pública,
das pessoas respeitáveis e da sua “pequena” pessoa”. Ele sabe que, desde
agora e para sempre, os caminhos que não começam em Deus não são
caminhos verdadeiros, mas não quer se incomodar nem incomodar
os outros; por isso é que pensa e diz: “Continuemos prudentemente
e sempre alegres em nosso caminho atual; as coisas se arranjarão”. Ele
sabe que Deus quer tirar os homens da impiedade e que a luta espiritual
deve ser travada. No entanto, prega a “paz”, a paz entre Deus e o mundo
perdido que está em nós e fora de nós. Como se tal paz existisse! Sabe
que seu dever consiste em proclamar que Deus quis uma nova vonta-
de, uma nova vida, porém deixa reinar o espírito do medo, do engano,
de Mamon, da violência – a muralha construída pelo povo (Ezequiel
13.10), o muro oscilante e manchado. Ele disfarça-o pintando com as
cores suaves e consoladoras da religião para o contentamento de todo
mundo. Eis aí o falso profeta!

A depravação mental a que os homens ficaram sujeitos após a queda: em decor-


rência da queda, o homem não perdeu a faculdade intelectual; entretanto, o
pecado a dilacerou terrivelmente, e por meio do pecado, os homens adquiri-
ram uma mente depravada em relação a Deus, a moral e a si mesmo (Romanos
1.28ss.; Tito 1.15). Pela corrupção de suas mentes, não têm capacidade, por mais
eruditos que sejam, de divisar os assuntos espirituais, por parecerem irracionais
e loucura (I Coríntios 2.14). Por outro lado, após a regeneração, o homem recebe
profunda transformação em sua mente (I Coríntios 2.14-16), que é operado pelo

23 BARTH, Karl. A proclamação do Evangelho. 2. ed. São Paulo: Novo Século, 2003. p. 13. [Karl Barth
foi um dos maiores teólogos do século XX. Nasceu na cidade de Basileia (Suíça) em 10 de maio de 1886 e
morreu na mesma cidade em 10 de dezembro de 1968. Este artigo originalmente destinado aos pastores
pode também ser aplicado aos cristãos em geral].

Critérios para a Interpretação da Bíblia


III

Espírito Santo (João 16.8-10) mediante a Palavra pregada ou ensinada (Romanos


10.13-21).
Romanos 1.28-32
28 Além do mais, visto que desprezaram o conhecimento de Deus, ele
os entregou a uma disposição mental reprovável, para praticarem o que
não deviam. 29 Tornaram-se cheios de toda sorte de injustiça, malda-
de, ganância e depravação. Estão cheios de inveja, homicídio, rivalida-
des, engano e malícia. São bisbilhoteiros, 30 caluniadores, inimigos de
Deus, insolentes, arrogantes e presunçosos; inventam maneiras de pra-
ticar o mal; desobedecem a seus pais; 31 são insensatos, desleais, sem

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
amor pela família, implacáveis. 32 Embora conheçam o justo decreto
de Deus, de que as pessoas que praticam tais coisas merecem a morte,
não somente continuam a praticá-las, mas também aprovam aqueles
que as praticam.

Efésios 4.17-24
17 Assim, eu lhes digo, e no Senhor insisto, que não vivam mais como
os gentios, que vivem na inutilidade dos seus pensamentos. 18 Eles es-
tão obscurecidos no entendimento e separados da vida de Deus por
causa da ignorância em que estão, devido ao endurecimento do seu
coração. 19 Tendo perdido toda a sensibilidade, eles se entregaram à
depravação, cometendo com avidez toda espécie de impureza. 20 To-
davia, não foi isso que vocês aprenderam de Cristo. 21 De fato, vocês
ouviram falar dele, e nele foram ensinados de acordo com a verdade
que está em Jesus. 22 Quanto à antiga maneira de viver, vocês foram
ensinados a despir-se do velho homem, que se corrompe por desejos
enganosos, 23 a serem renovados no modo de pensar e 24 a revestir-se
do novo homem, criado para ser semelhante a Deus em justiça e em
santidade provenientes da verdade.

A HERMENÊUTICA BÍBLICA
137

O Risco das Interpretações Equivocadas

Uma geração de crentes que cresceram apertando botões e lidando com


máquinas automáticas, impacientam-se perante métodos mais lentos e
menos diretos para atingir os seus alvos. Temos procurado aplicar os
métodos mecânicos de nossa época às nossas relações com Deus. Le-
mos um capítulo da Bíblia, temos um breve momento devocional que
logo encerramos afobadamente, e procuramos preencher nosso vazio
interior indo a uma reunião evangélica ou ouvindo mais uma história
emocionante, relatada por algum aventureiro religioso, que tenha aca-
bado de voltar de algum lugar distante. Os resultados trágicos dessa
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

atitude são visíveis. Vidas superficiais, vãs filosofias religiosas, cultos


evangelísticos em que a preocupação é uma programação agradável, a
glorificação de homens, a confiança na aparência religiosa, em associa-
ções religiosas sem qualquer realidade espiritual, o emprego de méto-
dos seculares na vida da igreja, falta de discernimento entre a persona-
lidade dinâmica e o poder do Espírito: essas e outras coisas parecidas
são os sintomas de uma horrível enfermidade, de uma profunda e grave
enfermidade da alma. É mister um coração resoluto, e uma coragem
ilimitada, para que nos desprendamos das cadeias de nossa época e
retornemos aos caminhos bíblicos.24

Interpretar o texto sagrado é muito importante, mas é uma tarefa que exige dedi-
cação, conhecimento e trabalho. Oração e dependência do Espírito Santo. Não
se pode fazer apressadamente e nem acreditar em questões mágicas e imedia-
tistas, pois se corre o sério e comprometedor risco de gerar grandes equívocos.
Uma obra que precisa ser estudada sobre este tema é A Exegese e suas Falácias
– perigos na interpretação da Bíblia, de D. A. Carson. No prefácio dessa obra, o
pastor Russell P. Shedd escreve que falácia é sinônimo de erro, embora seja uma
palavra mais erudita, mais suave, menos chocante ou negativa. O fato de sermos
humanos implica em errarmos, mas ninguém considera uma virtude a perma-
nência nesse caminho errado, mesmo quando a maioria anda por essa estrada
larga. Entre as falácias, há falácias gramaticais e lógicas, bem como pressuposi-
ções que desviam da verdade. Para quem está incumbido de falar em nome de
Deus é muito importante descobrir as ilusões que ofuscam a visão da Palavra
eterna. Erros interpretativos e exegéticos ocorrem em púlpitos, livros e artigos,

24 TOZER, A. W. À procura de Deus. Venda Nova/MG: Editora Betânia, 1985. p. 52, 53.

O Risco das Interpretações Equivocadas


III

sem mencionar as opiniões corriqueiras dos cristãos.25


O professor Anísio Renato de Andrade, do Seminário Batista do Estado de
Minas Gerais, publicou um material que apresenta os riscos das interpretações
equivocadas, como segue:
■■ A falsa compreensão e interpretação da Bíblia Sagrada pode parecer algo
inofensivo, mas não é, pois sua grande ameaça é a produção de heresias,
que são falsas doutrinas baseadas no erro de interpretação. Nestes erros,
muitos líderes exigem coisas absurdas, equivocadas e proíbem o que
seria realmente bíblico e um direito legítimo dos que o ouvem. Fazem

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
isso “em nome de Deus”, prejudicam gravemente aqueles que deveriam
estar sendo conduzidos de modo sensato e responsável. Quantos líderes
estão levando as pessoas a ofertarem tudo no altar, sob o argumento de
que elas serão abençoadas com riqueza material? Quantos são proibidos
de usarem roupas de determinada cor, proibidos de se casarem, proibi-
dos de comerem este ou aquele alimento (I Timóteo 4.1-3). É verdade
que as heresias não se limitam aos erros de interpretação bíblica, mas
têm neles sua base principal.
■■ Tais equívocos de compreensão bíblica produzem ideias erradas sobre
Deus e expectativas infundadas em relação ao cristianismo, que vão gerar
frustração, revolta e apostasia. O pior efeito possível desse processo é a
perdição eterna.
■■ As heresias são comparáveis a um alicerce de areia. Jesus disse que algu-
mas pessoas haveriam de ouvir a Sua palavra, mas por não obedecerem,
seriam comparáveis ao homem que edificou sua casa sobre a areia (Mateus
7.26). Depois, por causa do vento, da chuva e dos rios, aquela casa caiu.
Por que essas pessoas não obedeceram à palavra? Podemos mencionar
diversos motivos, mas, certamente, um deles é a falta de entendimento
do verdadeiro sentido das palavras do Senhor. É o caso daquela semente
que caiu à beira do caminho e foi levada pelas aves (Mateus 13.19).
■■ Muitas das religiões e denominações hoje existentes surgiram do falso
entendimento das Escrituras, (pouca tolerância) embora outras tenham
surgido do esforço de se corrigirem erros do passado. As heresias têm
duas fontes possíveis: o homem (Gálatas 5.19-20) e o Diabo (Gênesis

25 CARSON, D. A. A Exegese e suas falácias. São Paulo: Vida Nova, 1992. p. 9.

A HERMENÊUTICA BÍBLICA
139

3.1; Mateus 4.6). Precisamos compreender bem a Bíblia porque, de outro


modo, correremos o risco de cair no engano de Satanás ou ele simples-
mente procurará se aproveitar do nosso próprio engano, nossa ignorância.26

II Timóteo 2.14-19
14 Continue a lembrar essas coisas a todos, advertindo-os solenemen-
te diante de Deus, para que não se envolvam em discussões acerca de
palavras; isso não traz proveito, e serve apenas para perverter os ou-
vintes. 15 Procure apresentar-se a Deus aprovado, como obreiro que
não tem do que se envergonhar e que maneja corretamente a palavra
da verdade. 16 Evite as conversas inúteis e profanas, pois os que se dão
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

a isso prosseguem cada vez mais para a impiedade. 17 O ensino deles


alastra-se como câncer; entre eles estão Himeneu e Fileto. 18 Estes se
desviaram da verdade, dizendo que a ressurreição já aconteceu, e assim
a alguns pervertem a fé. 19 Entretanto, o firme fundamento de Deus
permanece inabalável e selado com esta inscrição: “O Senhor conhece
quem lhe pertence” e “afaste-se da iniquidade todo aquele que confessa
o nome do Senhor”.

O Leitor como Intérprete

Não somos todos teólogos, mas temos todos o chamado para estudarmos as
Sagradas Escrituras, “conheçamos o Senhor; esforcemo-nos (prossigamos em conhecê
-lo) por conhecê-lo [...]” (Oséias 6.3). Devemos buscar, a cada dia, nos aprofundar
nas verdades que o Senhor nos revelou em Sua Palavra: “Se vocês permanecerem
firmes na minha palavra, verdadeiramente serão meus discípulos. E conhecerão a
verdade, e a verdade os libertará” (João 8.31, 32).
Há uma obra indispensável para o estudante interessado em Exegese e
Hermenêutica Bíblicas, “Entendes o que lês?”, de Gordon D. Fee e Douglas Stuart.
Para este material, apresento o que esses renomados autores escrevem sobre o

26 Material “Introdução à Hermenêutica Bíblica” do professor Anísio Renato de Andrade. Seminário Batista
do Estado de Minas Gerais. Disponível em:<http://www.oocities.org/athens/agora/8337/entrada6.htm>.
Acesso em: 7 jun. 2014.

O Leitor como Intérprete


III

leitor como intérprete.27


A primeira razão de precisarmos aprender como interpretar é que, quer
deseje, quer não, todo leitor é ao mesmo tempo um intérprete, ou seja, a maioria
de nós toma por certo que, enquanto lemos, também entendemos o que lemos.
Tendemos, também, a pensar que nosso entendimento é a mesma coisa que a
intenção do Espírito Santo ou do autor humano. Apesar disso, invariavelmente
levamos para o texto tudo quanto somos, com toda nossa experiência, cultura
e entendimento prévio de palavras e ideias. Às vezes, aquilo que levamos para o
texto, sem o fazer deliberadamente, nos desencaminha ou nos leva a atribuir ao

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
texto ideias que lhe são estranhas.
Dessa maneira, quando uma pessoa em nossa cultura ouve a palavra “cruz”,
séculos de arte e simbolismo cristãos levam a maioria das pessoas a pensar auto-
maticamente numa cruz romana (┼) embora haja pouca probabilidade de que
aquele era o formato da Cruz de Jesus, que provavelmente tinha a forma de um
“T”. A maioria dos protestantes, e dos católicos também, quando lê textos acerca
da igreja em adoração, automaticamente forma um quadro de pessoas sentadas
numa construção com bancos, muito semelhante às deles. Quando Paulo diz:
“Nada disponhais para a carne, no tocante às suas concupiscências” (Romanos
13.14), as pessoas nas culturas de idiomas europeus tendem a pensar que “a carne”
significa “o corpo” e, portanto, que Paulo está falando nos “apetites físicos.” Mas
a palavra “carne,” conforme Paulo a emprega, raras vezes se refere ao corpo — e
neste texto quase certamente não tem esse sentido — mas, sim, a uma enfermi-
dade espiritual, uma doença de existência espiritual às vezes chamada “a natureza
pecaminosa.” O leitor, portanto, sem o fazer deliberadamente, está interpretando
o que lê, e, infelizmente, por demais frequentemente interpreta incorretamente.
Isso nos leva a notar ainda mais arte o leitor de uma Bíblia em idioma latino
já está envolvido na interpretação. A tradução, pois, é em si mesma uma forma
(necessária) de interpretação. Sua Bíblia, seja qual for a tradução que você empre-
gar, que para você é o ponto de partida, é, na realidade, o resultado final de muito
trabalho erudito. Os tradutores são regularmente conclamados a fazer escolhas
quanto aos significados, e as escolhas deles irão afetar como você entende.

27 FEE, Gordon D.; STUART, Douglas. Entendes o que lês? São Paulo: Vida Nova, 2002. p. 14-17

A HERMENÊUTICA BÍBLICA
141

Os bons tradutores, portanto, levam em consideração as diferenças entre


nossos idiomas. Esta, porém, não é uma tarefa fácil. Em Romanos 13.14, por
exemplo, devemos traduzir “carne” porque essa é a palavra que Paulo empregou,
e depois deixar o intérprete contar-nos que “carne” aqui não significa “corpo”?
Ou devemos “ajudar” o leitor e traduzir “natureza pecaminosa” porque é isto que
Paulo realmente quer dizer? Retomaremos este assunto com maiores detalhes
na unidade seguinte. Por enquanto, basta indicar que o próprio fato da tradu-
ção já envolveu a pessoa na tarefa da interpretação.
A necessidade de interpretar também é achada por meio de notar aquilo
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

que acontece em nosso redor o tempo todo. Uma simples olhada para a igreja
contemporânea, por exemplo, torna abundantemente claro que nem todos os
“significados claros” são igualmente claros para todos. É de interesse mais do
que passageiro que a maioria daqueles na igreja de hoje que argumentam que
as mulheres devem guardar silêncio na igreja, com base em 1 Coríntios 14.34-
35, negam, ao mesmo tempo, a validez do falar em línguas e da profecia, o
próprio contexto em que a passagem do “silêncio” ocorre. E aqueles que afir-
mam que as mulheres, e não somente os homens, devem orar e profetizar, com
base em I Coríntios 11.2-16, frequentemente negam que devem fazê-lo com a
cabeça coberta. Para alguns, a Bíblia “ensina claramente” o batismo dos crentes
mediante a imersão; outros acreditam que podem defender o batismo de crianças
por meio da Bíblia. Tanto a “segurança eterna” quanto a possibilidade de “per-
der a salvação” são pregadas na igreja, mas nunca pela mesma pessoa! As duas
posições, no entanto, são afirmadas como sendo o significado claro dos textos
bíblicos. Até mesmo os dois autores desse livro têm certos desacordos entre si
quanto ao significado “claro” de certos textos. Mesmo assim, todos nós estamos
lendo a mesma Bíblia e todos estamos procurando ser obedientes àquilo que o
texto “claramente” significa.
Além dessas diferenças reconhecíveis entre “crentes bíblicos,” há, também,
todos os tipos de coisas estranhas em andamento. Usualmente podemos reco-
nhecer as seitas, por exemplo, porque têm uma autoridade além da Bíblia. Mas
nem todas elas a têm; em todos os casos, porém, torcem a verdade pelo meio que
selecionam textos da própria Bíblia. Toda heresia ou prática que se possa imagi-
nar, desde o arianismo (a negação da divindade de Cristo), das Testemunhas de

O Leitor como Intérprete


III

Jeová e de “O Caminho”, até o batismo em prol dos mortos entre os mórmons,


até o manipular de serpentes entre as seitas apalacianas, alega ser “apoiada” por
algum texto.
Até mesmo entre pessoas mais teologicamente ortodoxas, no entanto, muitas
ideias estranhas conseguem ganhar aceitação em vários círculos. Por exemplo,
uma das modas atuais entre os protestantes norte-americanos, especialmente
os carismáticos, é o assim-chamado Evangelho da riqueza e da saúde. As “boas
novas” são que a vontade de Deus para você é a prosperidade financeira e mate-
rial! Um dos defensores desse “evangelho” começa seu livro ao argumentar em

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
prol do “sentido claro” da Escritura e ao alegar que coloca a Palavra de Deus
em posição de absoluta primazia no decurso do seu estudo. Diz que não conta
aquilo que pensamos que ela diz, mas, sim, o que ela realmente diz. O “signifi-
cado claro” é o que ele quer. Começamos, porém, a ter nossas dúvidas acerca de
qual é realmente o “significado claro” quando a prosperidade financeira é argu-
mentada como sendo a vontade de Deus a partir de um texto tal como III João
2 – “Amados, acima de tudo faço votos por tua prosperidade e saúde, assim, como
é próspera a tua alma” — texto este que realmente não tem nada a ver com a
prosperidade financeira. Outro exemplo toma o significado claro do jovem rico
(Marcos 10.17-22) como sendo exatamente o oposto daquilo “que realmente
diz,” e atribui a “interpretação” ao Espírito Santo. Podemos talvez questionar
com razão se o significado claro realmente está sendo procurado; talvez o signi-
ficado claro seja simplesmente aquilo que semelhante escritor quer que o texto
signifique a fim de apoiar suas ideias prediletas.
Dada toda essa diversidade, tanto dentro quanto fora da igreja, e todas as dife-
renças até mesmo entre os estudiosos, que alegadamente conhecem “as regras,”
não é de se maravilhar que alguns argumentam em prol de nenhuma interpreta-
ção, em prol da simples leitura. Essa, porém, é uma opção falsa, conforme vimos.
O antídoto à má interpretação não é simplesmente nenhuma interpretação,
mas, sim, a boa interpretação, baseada nas diretrizes do bom senso.
Os autores deste livro não sofrem de ilusões de que, ao ler e seguir nossas
diretrizes, todos finalmente concordarão quanto ao «significado claro», nosso
significado! O que esperamos realizar é aumentar a sensibilidade do leitor a pro-
blemas específicos inerentes a cada gênero, informá-lo por que existem opções

A HERMENÊUTICA BÍBLICA
143

diferentes e como fazer julgamentos de bom-senso, e especialmente ter a capa-


cidade de discernir entre interpretações boas e as não tão boas — e de saber o
que as faz assim.28
Bentho (2003, p. 81-85) também contribui para essa reflexão que estamos
apresentando quando em sua obra apresenta algumas atitudes e qualidades do
intérprete: maturidade espiritual, comunhão com o Espírito Santo, oração, inimigo
da ociosidade bíblica, mente sã e equilibrada, apreciador das línguas originais,
cultura geral. Detalhamos, conforme o autor, abaixo:
■■ Maturidade espiritual: deve o hermeneuta possuir qualidades espirituais,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

principalmente o temor e a reverência ao Espírito Santo, o temor do Senhor


é o princípio do conhecimento, mas os insensatos desprezam a sabedoria e
a disciplina (Provérbios 1.7). O “homem espiritual”, segundo o apóstolo
Paulo, é o crente que tem capacidade de julgar, de discernir, de compre-
ender todas as verdades espirituais. O escritor aos Hebreus assevera que
o homem espiritual é “adulto, o qual tem, pela prática, a faculdade exerci-
tada para discernir tanto o bem como o mal” (Hebreus 5.12-14; I Coríntios
3.1-3). Assim como o homem espiritual contrasta como o “homem natu-
ral”, o homem maduro é a antítese do cristão menino. Enquanto o cristão
tem suas faculdades exercitadas pela prática e alimenta-se de alimentos
sólidos, os “meninos” “ainda necessitais de que se vos torne a ensinar quais
sejam os primeiros rudimentos das palavras de Deus”. Sua dieta é a base
de leite e não de alimentos sólidos. O hermeneuta possui suas faculda-
des “dilatadas” por Cristo (Lucas 24.44), para compreender “as coisas do
Espírito de Deus” (I Coríntios 2.14).
■■ Comunhão com o Espírito Santo: o homem natural, por conhecimentos de
filologia (estudo das línguas, idiomas), pode extrair significados dos mais
aplicáveis aos vernáculos bíblicos, mas entender as realidades espirituais
é facultado apenas àqueles que têm a mente de Cristo. Daí a necessidade
do hermeneuta cristão ser, acima de tudo, nascido de novo (João 3.5,6).

I Coríntios 1.18-21
18 Pois a mensagem da cruz é loucura para os que estão perecendo,
mas para nós, que estamos sendo salvos, é o poder de Deus. 19 Pois está

28 FEE, Gordon D.; STUART, Douglas. Entendes o que lês?. São Paulo: Vida Nova, 2002. p. 14-17

O Leitor como Intérprete


III

escrito: “Destruirei a sabedoria dos sábios e rejeitarei a inteligência dos


inteligentes”. 20 Onde está o sábio? Onde está o erudito? Onde está o
questionador desta era? Acaso não tornou Deus louca a sabedoria deste
mundo? 21 Visto que, na sabedoria de Deus, o mundo não o conheceu
por meio da sabedoria humana, agradou a Deus salvar aqueles que cre-
em por meio da loucura da pregação.

O intérprete deve estar cheio do Espírito Santo e guiado por Ele. Somente o
crente pode sondar o verdadeiro significado das Escrituras, porque o mesmo
Espírito que a inspirou realiza no intérprete uma obra de iluminação que lhe
permite chegar, através do texto, ao pensamento de Deus (I Coríntios 2.10). A

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
carência de sensibilidade com o Espírito Santo incapacita o exegeta para captar
com profundidade o significado das passagens bíblicas com o Espírito Santo. A
mente, os sentimentos e a vontade do hermeneuta devem estar abertos para a
ação espiritual do Espírito Santo.
Romanos 11.33-36
33 Ó profundidade da riqueza da sabedoria e do conhecimento de
Deus! Quão insondáveis são os seus juízos e inescrutáveis os seus ca-
minhos! 34 “Quem conheceu a mente do Senhor? Ou quem foi seu
conselheiro?” 35 “Quem primeiro lhe deu, para que ele o recompense?”
36 Pois dele, por ele e para ele são todas as coisas. A ele seja a glória para
sempre! Amém.

■■ Oração: todo trabalho exegético deve ser acompanhado com oração. No


campo da hermenêutica tem perfeita aplicação o aforismo orar bem e
estudar bem. O exegeta, mais que qualquer leitor da Bíblia, deveria fazer
a mesma súplica do salmista: “Desvenda os meus olhos para que veja as
maravilhas de tua lei” (Salmo 119.18).
■■ É inimigo da ociosidade bíblica: em Hebreus 5.11 e 6.12, o escritor chama
os cristãos hebreus de “tardios em ouvir” e “indolentes”. Essas duas expres-
sões são a tradução de um termo grego (nothrói) usado somente nessas
duas passagens no Novo Testamento. O vocábulo literalmente signi-
fica “preguiçosos”. Por serem indolentes, deixaram de receber profundas
instruções espirituais (verso 11). Pois devido ao tempo de fé que possu-
íam (cerca de trinta anos), nunca se preocuparam com o estudo sério da
Palavra de Deus. A preguiça era tanta que até o que sabiam haviam esque-
cido. Em vez de haver progresso: “Quando deveríeis ser mestres” (verso
12), houve regressão: “Tendes, novamente, necessidade de alguém que vos

A HERMENÊUTICA BÍBLICA
145

ensine, de novo, quais são os princípios elementares dos oráculos de Deus”;


a estagnação seria mais aceitável. A inanição era tão crônica que o escri-
tor desabafa: “Vos tornastes como necessitados de leite e não de alimento
sólido” (5.12). Eles não tinham condições de seguir uma explanação pro-
funda das Escrituras porque o raciocínio deles era semelhante ao de uma
criança. O mais notável é que eles não eram preguiçosos, mas tornaram-
se (vos tornastes).
Provérbios 6.6 – “Observe a formiga, preguiçoso, reflita nos caminhos dela e seja
sábio!”.
Precisamos da postura e atitude dos bereanos elogiados pelo apóstolo Paulo.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Atos dos apóstolos 17.11 – “Os bereanos eram mais nobres do que os tessalonicen-
ses, pois receberam a mensagem com grande interesse, examinando todos os dias
as Escrituras, para ver se tudo era assim mesmo”.
A superficialidade é a maldição de nosso tempo. A doutrina da satisfa-
ção instantânea é, antes de tudo, um problema espiritual. A necessidade
urgente hoje não é de um maior número de pessoas inteligentes, ou
dotadas, mas de pessoas profundas.29

■■ Mente sã e equilibrada: o hermeneuta deve evitar o raciocínio defeitu-


oso e a extravagância da imaginação, a perversão do raciocínio e as ideias
vagas. O intérprete deve ser capaz de perceber rapidamente o que uma
passagem ensina e não ensina, assim como observar sua verdadeira ten-
dência. O intérprete deve gozar do poder de observar o pensamento do
autor e notar, de uma só vez, toda força e significado. Essa rapidez de per-
cepção deve ser unida a um entendimento, não somente do sentido das
palavras, como também do propósito do argumento.
Romanos 12.1-3
1 Portanto, irmãos, rogo-lhes pelas misericórdias de Deus que se ofere-
çam em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o culto racional
de vocês. 2 Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transfor-
mem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de ex-
perimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus.
3 Por isso, pela graça que me foi dada digo a todos vocês: Ninguém
tenha de si mesmo um conceito mais elevado do que deve ter; mas, ao
contrário, tenha um conceito equilibrado, de acordo com a medida da
fé que Deus lhe concedeu.

29 FOSTER, Richard J. Celebração da Disciplina – o caminho do crescimento espiritual. 5. ed. Traduzido por
Luiz Aparecido Caruso. São Paulo: Editora Vida, 1993.

O Leitor como Intérprete


III

■■ É apreciador das línguas originais: o hermeneuta reconhece o valor das


línguas sagradas. Sabe que uma consistente extração da verdade depende,
a certo ponto, do conhecimento das línguas bíblicas, sua gramática e idio-
tismos30. Não somente isso, mas sabe que uma intuição verdadeira com a
cultura e o gênio característicos da linguagem do hagiógrafo propiciará
riquezas que somente o conhecimento da língua original não favorece.
■■ Possui cultura geral: não somente o conhecimento da gramática e do ver-
náculo de sua língua pátria, mas também da história dos povos bíblicos,
da geografia palestina, arqueologia do Oriente Médio etc.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Precisamos ter reverência quando vamos ler a Bíblia, ler com educação e
respeito, orando para que consigamos entender e assimilar o que estamos
lendo.
Salmo 119.11 – “Guardei no coração a tua palavra para não pecar contra ti”.

30 Traço ou construção peculiar a uma determinada língua, que não se encontra na maioria dos outros
idiomas; locução própria de uma língua, cuja tradução literal não faz sentido numa outra língua de
estrutura análoga. Fonte: Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, 2012. (Eletrônico).

A HERMENÊUTICA BÍBLICA
147

1. Após a leitura de parte da obra de Esdras Bentho, indicada como material com-
plementar, de forma resumida, apresente comentário sobre: (1) Escolas Tenden-
ciosas da Interpretação; (2) Hermenêutica Contextual e (3) Hebraísmos.
2. Após a leitura da primeira parte da obra de CARSON, apresentada como material
complementar, de forma resumida, apresente os pontos principais que o autor
aborda sobre as falácias na exegese.
3. Apresente um comentário sobre o texto do Anexo 3.
4. Discorra sobre a exegese, como ferramenta importante na interpretação bíblica,
e sobre eisegese.

Anexo 3 [Cuidado com o utilitarismo, Rodrigues, Maria Paula (org.)]


BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janei-
ro: CPAD, 2003. p. 125-259.
CARSON, D. A. A Exegese e suas falácias. São Paulo: Vida Nova, 1992. p.
13-61.
Professor Me. Marcelo Aleixo Gonçalves

IV
UNIDADE
O TEXTO BÍBLICO

Objetivos de Aprendizagem
■■ Analisar as questões do texto e perspectiva literária.
■■ Verificar os gêneros literários da Bíblia (gêneros menores e figuras de
linguagem).
■■ Analisar a delimitação de um texto bíblico.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ O texto, perspectiva literária
■■ Gêneros literários da Bíblia
■■ Gêneros literários menores
■■ Figuras de linguagem
■■ Delimitação de um texto bíblico
■■ Hebraísmos
■■ Observações gerais sobre a linguagem bíblica
151

O Texto, Perspectiva Literária

“Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repre-
ensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem
de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra”. (II Ti-
móteo 3.16,17)

Texto é uma palavra que vem do latim textus que traz a ideia de ‘tecido’, ‘trama’. É
um conjunto de palavras escritas, seja em livro, folheto, documento, fragmento
da obra de um autor. Em nosso caso aqui, passagem bíblica que se lê, estuda e
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

se ministra num sermão ou estudo.


Convém ressaltar que um texto pode ser decomposto em elementos meno-
res, o que chamamos ‘frases’, que decompõem-se em elementos ainda menores,
‘palavras’. Como afirma Silva (2000, p. 24), as palavras se articulam e interagem
em frases, que, por sua vez, se articulam e interagem no texto. Os fatores que
concorrem para a articulação e a interação desses elementos pertencem a dis-
tintos aspectos linguísticos:
a. Fonético: a configuração sonora do texto, as assonâncias.
b. Morfológico: os signos linguísticos menores e suas propriedades, as cate-
gorias gramaticais (verbos, substantivos etc.).
c. Sintático: a articulação das palavras no todo, como estrutura.
d. Estilístico: a elegância do texto (mais poético ou não, mais redundante
ou não).

Conforme esses vários fatores estejam mais ou menos presentes, o texto pode
ter maior ou menor grau de coerência.1
Entendemos importante apresentar uma unidade neste material sobre a ques-
tão do texto. Para isso, recorremos a Silva (2000, p. 24,25), como segue:
Outra das qualidades do texto é sua delimitação. Em linguagem mais colo-
quial, dizemos que um texto precisa ter “começo, meio e fim”2. A ciência bíblica

1 SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 24.
2 Um dos passos mais importantes no trabalho de interpretação de um texto é recortá-lo. O recorte,
chamamos de perícope, que significa: passagem da Bíblia utilizada para leitura durante culto ou sermão,
ou trecho que se separa para estudos e este deve ter começo, meio e fim.

O Texto, Perspectiva Literária


IV

utiliza um termo técnico para designar uma unidade literária que preenche tais
requisitos: perícope. Várias perícopes formam um texto mais complexo, e assim
por diante, até compor um livro.
Nenhum texto é uma entidade isolada, mas se insere no amplo contexto do
processo de comunicação linguística. Em um processo carregado de deturpações,
a saber, o autor percebe a realidade de modo parcial e para traduzir e transmitir
tal percepção parcial da realidade está condicionado à língua que fala, à cultura
em que vive, aos meios materiais (pinturas rupestres, escrita, rádio, jornal etc.)
e simbólicos da comunicação.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Por fim, todo texto é construído sobre um sistema sígnico determinado.
Autor e leitor devem ter um sistema sígnico comum, para que o processo comu-
nicativo aconteça. No caso da Bíblia, é mister levar em consideração as distâncias
entre autor e leitor: tempo, espaço, cultura, língua etc.
A Produção do texto: quando o autor decide produzir um texto, de sua parte,
ocorrem os seguintes fatores:
a. A ideia ou o aspecto dela que ele quer transmitir;
b. Suas fontes (orais ou escritas);
c. O material simbólico que está disponível em sua cultura e em sua língua;
d. A ideia que ele faz do leitor a quem escreve;
e. O efeito que quer produzir no leitor.

Mas imediatamente após sair das mãos do autor, o texto torna-se autônomo, tem
vida própria. Mesmo que, a princípio, possamos consultar o autor e perguntar
a ele o que de fato tinha em mente ao escrever, à medida dele se distanciar no
tempo e no espaço, não podemos mais consultá-lo e resta-nos apenas o texto
que produziu. A comunicação, portanto, torna-se unilateral.
Eis o que acontece com a Sagrada Escritura. E tendo em vista que a comuni-
cação entre autor bíblico e seu leitor baseia-se somente no texto e não em dados
extratextuais, a compreensão do escrito, por parte do leitor, deve levar em con-
sideração que:
a. O autor e o leitor pertencem a mundo e culturas diferentes: os signos e as
categorias do primeiro nem sempre são naturais ao segundo;

O TEXTO BÍBLICO
153

b. O leitor de hoje não foi previsto pelos autores da Bíblia;


c. Até chegar a nós, o texto bíblico teve de superar obstáculos (...);
d. O texto tornou-se estável, pois as edições impressas eliminam o risco
de deturpações quanto à letra escrita. As divergências ficam por conta
das interpretações. Em caso de dificuldades, o leitor não pode consul-
tar diretamente o autor, mas pode sempre reler o texto, confirmando ou
modificando suas interpretações.
Ler, portanto, é decifrar, decodificar. A competência de uma leitura depende
diretamente da capacidade que o leitor tem de formar um quadro abrangente
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

dos diversos fatores que concorreram para a formação do texto.


Uma leitura competente exige responder a determinadas perguntas:
■■ Quem elaborou o texto? (autoria)
■■ A quem foi, primeiramente, destinado o texto? (destinatário original)
■■ Com qual intenção escreveu? A que está respondendo, reagindo ou
informando?
■■ Qual o efeito quis produzir?
■■ Qual o efeito se percebe que produziu?
■■ Qual o conteúdo? (tema principal)
■■ Como? Qual a forma? Com quais palavras? (código)
■■ Quando escreveu? (tempo histórico)
■■ Onde escreveu? (lugar)
■■ Quem é o atual leitor? (destinatário atual)
■■ Como decifrar o código? (apropriação do texto)
■■ Com qual intenção lê? [escopo do leitor, este item merece especial atenção,
escreve Silva (2000, p. 26), principalmente por se tratar da Bíblia. Nossa
interpretação do texto bíblico e nossa sensibilidade ao que ele nos sugere
dependem diretamente da intenção com que o abordamos. Os rabinos
judeus dizem que a Escritura tem “setenta faces”, isto é, há sempre uma
nova maneira de interpretá-la].3

3 SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 24,25.

O Texto, Perspectiva Literária


IV

Temos também o texto de Rodrigues (2004, p. 16, 17) que nos fala desse tema:
Um único livro, formado de muitos livros, com tantas histórias: assim é a Bíblia.
É, sobretudo, o registro da experiência de um povo com seu Deus.4

A Bíblia Sagrada contém as palavras dos homens e mulheres do povo de


Deus. São palavras de variados tipos, nascidas de diferentes experiências de

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
vida e fé, tecidas como fios em diversos tipos de trama. Assim são os textos
da Bíblia: tecidos variados na cor, na trama e no fio a nos oferecer tantas
mensagens de fé e vida.
Fonte: RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente –
as formas literárias na Bíblia. São Paulo: Paulus, 2004. p. 9

A cada forma fixa de linguagem corresponde uma intenção. Já reparou como


as orações têm formas diferentes, conforme a finalidade? Para pedir, utilizamos
as orações de intercessão: começamos com uma invocação a Deus, seguida mui-
tas vezes de elogio ou comentário. Depois vem o pedido, também acompanhado
de uma súplica para que seja concedido, e a saudação final. Mas, se queremos
louvar, agradecer ou pedir perdão, servimo-nos de outras fórmulas. Como as
intenções são diferentes, também são diferentes as formas. O mesmo podemos
dizer das formas fixas de literatura. Não basta, portanto, perceber a forma de
linguagem utilizada num determinado texto. É preciso também captar a inten-
ção do autor ao escrever daquele jeito.5
Temos que admitir, no entanto, que não é tarefa simples saber qual a inten-
ção de um texto bíblico. Seus autores já morreram há muito tempo. A bem da
verdade, a maioria dos livros da Bíblia nem sequer sabemos quem os escreveu.
Além disso, estamos muito distantes da língua, da cultura, da mentalidade do

4 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 16, 17
5 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 20

O TEXTO BÍBLICO
155

povo bíblico. Porém, é muito importante nos perguntarmos sobre a intenção


de cada texto da Bíblia. Textos cuja finalidade foi mal interpretada já levaram a
muita confusão na Igreja. Por isso, o estudo das formas é um instrumento impor-
tante para entender melhor o que a Bíblia tem a dizer também para nós hoje.6

Gêneros Literários da Bíblia


Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

O primeiro fator que se deve observar em qualquer texto bíblico é elementar,


mas é também crucial, pois determina muito do restante: de que tipo de litera-
tura (gênero) você está fazendo exegese?
É importante perceber isso, pois embora tenham muitas coisas em comum,
cada um desses gêneros também tem seus problemas exegéticos peculiares e
suas normas.
Os gêneros literários dizem respeito a conteúdo e estrutura de um texto.
Depende da análise de como se estruturam e do conteúdo que apresentam, e, de
forma ampla, os textos literários são divididos em três gêneros literários princi-
pais: Lírico, Épico e Dramático.
Precisamos entender gênero e forma, pois são coisas diferentes. Gênero lite-
rário designa os vários tipos ou modelos de texto que podemos encontrar.
Forma indica o texto real, do jeito como ele aparece para nós. É a diferença
que existe, por exemplo, entre o molde e a roupa. O molde determina a forma
da roupa, assim como o gênero determina a forma do texto.7
- Na teoria da literatura e na crítica bíblica, são assim denominados os con-
juntos da literatura oral ou escrita que apresentam homogeneidade de estilo, de
formas, de técnicas (poéticas ou prosaicas), de procedimentos narrativos, de
finalidade etc. Introduzido no estudo da Bíblia por Hermann Gunkel, no início

6 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 21
7 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 24

Gêneros Literários da Bíblia


IV

do século XX, o método dos gêneros literários classifica o conteúdo do Antigo


e Novo Testamento em inúmeras categorias: hinos, poesia popular, ditos, nar-
rações, gêneros sapienciais, documentos oficiais, parábolas, oráculos proféticos
etc.; a identificação do gênero é indispensável para colher-se a intenção do autor
e a relação entre a expressão literal e o seu conteúdo.8
Agora queremos chamar atenção para um detalhe. Geralmente encontra-
mos formas com um único gênero. Mas pode haver um texto que seja feito de
mais de um gênero. Veja, por exemplo, o Salmo 22. Ele é feito de uma lamen-
tação (versos 2 a 19), uma súplica (versos 20 a 22) e uma promessa (versos 23 a

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
30). O Salmo é a forma, o texto concreto; lamentação, súplica e promessa são os
gêneros ou modelos que estão refletidos ali. Cada um deles expressa sentimen-
tos próprios, respondendo a intenções diferentes. E isso deve ser considerado
quando se toma o texto querendo descobrir seu sentido, sua mensagem. Isso
vale para os textos bíblicos em geral. Você pode estar se perguntando: mas que
importância têm essas reflexões? De que serve pensar em gênero e forma? Não
é muita complicação para pouco resultado? A importância está naquilo que já
foi dito: dependendo dos gêneros que identificamos no texto, faremos esta ou
aquela interpretação, descobriremos este ou aquele sentido.
Rodrigues (2004, p. 25) afirma que, no caso da Bíblia, teremos a oportuni-
dade de verificar que essas questões são da maior importância, inclusive porque
os gêneros mais utilizados naquela época não são necessariamente os que nós
mais usamos. Daí o cuidado que se deve ter na leitura e interpretação dos textos
bíblicos: muitas das dificuldades de compreensão vêm dessas questões ligadas à
forma e ao gênero literário. Por outro lado, a atenção a essa problemática pode
nos levar a perceber aspectos surpreendentes nos textos. Se, por exemplo, vol-
tarmos ao Salmo 22, vamos nos surpreender ao encontrar nele não apenas o
lamento, mas também a confiança e o olhar para dias melhores, tudo fortalecido
pela fé! Por isso, ânimo e coragem no caminho: essas reflexões abrirão pistas na
compreensão dos textos da Bíblia.9

8 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p.
43.
9 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 25

O TEXTO BÍBLICO
157

Explica também Rodrigues (2004, p. 27) que é preciso fazer outra distinção.
A expressão gênero literário pode ser tomada em dois sentidos: em primeiro lugar,
ela indica a característica maior de um texto mais extenso, como um romance
ou um jornal de notícias, é o gênero literário maior; ou então, a expressão pode
designar os diversos tipos de texto que encontramos, por exemplo, dentro de
um jornal: a manchete, o editorial, a reportagem são gêneros literários menores.
Voltando ao exemplo do Salmo 22, ele está inserido num gênero maior: o Saltério,
mas dentro de si traz gêneros menores como lamentação, súplica e promessa.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Gênero literário Maior: Gênero literário Menor:


Evangelho Parábolas, narrativas de milagres, diálo-
gos de controvérsia etc.
Carta Ações de graças, pedidos, exortações,
saudações, reflexões etc.
Atos Ações de personagens, relatos de mi-
lagres, discursos, narrativas de viagem
etc.
Obra histórica Poemas (Juízes 5; I Samuel 2.1-10),
A mais famosa é a obra histórica narrações sobre profetas (I Reis 17;
deuteronomista, composta pelos livros II Reis 10), apólogo (história em que
do Deuteronômio, Josué, Juízes, I e II árvore fala: Juízes 9.8-15), parábola (II
Samuel e I e II Reis. Samuel 12.1-4), relatos sobre reis (é o
conteúdo de quase todo I e II Reis), leis
(o Deuteronômio é um código legal).

Apocalipse Simbologias, predições catastróficas


etc.
Profecia Marcado principalmente pela presen-
ça da palavra de Javé comunicada ao
profeta.

Gêneros Literários da Bíblia


IV

1. Forma e conteúdo: todo texto tem forma e conteúdo. O conteúdo é


a informação transmitida. A forma é a maneira como a informação é
transmitida. Juntos, compõem o sentido do texto.
2. Formas fixas: no dia a dia e na Bíblia, usamos formas de linguagem
para nos comunicar. Algumas são fixas, isto é, repetem-se em situações
parecidas.
3. Intenção das formas: cada forma literária surge numa diferente situ-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ação do cotidiano, a partir de interesses particulares. A intenção está
relacionada com o objetivo do autor ao escrever seu texto.
4. Função das formas: as formas literárias podem ser usadas de acordo
com as necessidades do leitor. A função da forma está relacionada ao
uso que o leitor faz do texto.
5. Gênero X Forma: o gênero literário é o modelo usado para dar forma a
um texto concreto. Enquanto gênero é um conceito abstrato, a forma é
concreta, está presente e visível nos textos reais.
6. Identificação: podemos identificar um gênero comparando textos en-
tre si. A comparação ajudará a ver as características comuns a ambos e
a identificar o modelo seguido em sua construção.
7. Gêneros misturados: um mesmo texto pode refletir vários gêneros li-
terários. O autor é livre para compor peças literárias a partir de modelos
diferentes, conforme seu estilo e talento.
8. Gênero maior e Gênero menor: os gêneros maiores são indicados
pelo conjunto das características literárias de um texto mais extenso. Os
menores são os modelos mais específicos, que se unem para compor os
modelos maiores.
9. Importância do estudo: há inúmeros gêneros literários na atualidade
e na Bíblia. Conhecê-los ajuda o leitor a compreender em profundidade
a mensagem que o autor intencionava comunicar.
Fonte: RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as for-
mas literárias na Bíblia. São Paulo: Paulus, 2004. p. 29

Apresentamos a seguir um quadro dos Gêneros Maiores encontrados na Bíblia


Sagrada:

O TEXTO BÍBLICO
159

Quadro dos Gêneros Maiores na Bíblia:


A classificação dos gêneros literários da Bíblia não é tão fácil como pode
parecer à primeira vista. Afinal, há uma série de textos que não se enquadram
bem nela. Todavia, não convém esquecer que essa classificação é apenas um ins-
trumento, uma ferramenta para facilitar a vida da comunidade. O principal para
ler a Bíblia é a vida!

Gênero: Características: Intenção:


História Narração de fatos do passado. Com- Interpretar os fatos do
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

pilação de dados sobre a trajetória presente.


do povo de Deus. Análise da situação
política. Mitos e lendas das origens do
povo de Deus.
Profecia Denúncia de injustiças. Comunicação Chamar à conversão os
da palavra divina. Anúncio de promes- indivíduos e a sociedade.
sa ou castigo.
Apocalipse Narrativas fantásticas da transforma- Protestar e resistir contra
ção da história ou do fim dos impérios a opressão humana.
e outras instituições humanas.
Narrativas de visões, sonhos e audi-
ções.
Lei Coleção de normas de conduta, man- Organizar o povo de
damentos, proibições e outros tipos de Deus. Chamar o povo e
regras. seus governantes à práti-
ca da justiça.
Salmos Coleção de poemas para orar, hinos, Promover a comunicação
súplicas e cânticos. afetiva entre Deus e o
povo.
Sabedoria Coleção de ditos, provérbios, parábo- Iluminar o cotidiano.
las, conselhos, poemas, reflexões.
Evangelho Narrativas sobre Jesus e seus discí- Atualizar a boa notícia do
pulos. Coleção de ditos, parábolas e Reino de Deus. Chamar
ensinamentos de Jesus. ao seguimento de Jesus.
Cartas Conselhos práticos, repreensões, reco- Orientar a vida comuni-
mendações, ensinamentos, admoesta- tária.
ções, exortações.

Fonte: RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia.
São Paulo: Paulus, 2004. p. 89.

Gêneros Literários da Bíblia


IV

Rodrigues (2004, p. 16,17) diz que na linguagem escrita, encontramos muitas


formas fixas; conhecemos a poesia, o romance, o conto, a história em quadrinhos,
as fábulas, as lendas do tipo “era uma vez”. O mesmo observamos com a lingua-
gem mais técnica e científica: um manual, um requerimento, um formulário,
uma tese, todos possuem uma forma já estabelecida. Do mesmo modo, a Bíblia
possui muitas formas fixas. Para conhecer melhor sua mensagem, precisamos
saber identificar as várias formas de que se serviram os autores e as comunida-
des para contar a própria experiência de vida e de fé.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Gêneros Literários Menores

Apresentamos, neste tópico, os gêneros literários menores, para isso, recorre-


mos à obra organizada por Maria Paula Rodrigues (2004, p. 93), como segue:
Os gêneros literários menores são tipos de textos que encontramos espalha-
dos ao longo de toda a Bíblia. Geralmente estão concentrados em algum grande
bloco literário, com características formais, intenções, finalidades e contextos
bastante próximos.
Linguagem Simbólica: a Bíblia utiliza inúmeras vezes o recurso da lingua-
gem simbólica, seja por meio das palavras e das histórias que conta, seja através
dos gestos e fatos que cercam a vida de algumas de suas principais personagens.
O símbolo é um recurso da linguagem humana. Toda vez que julgamos ou
sugerimos que uma coisa tenha um significado mais profundo que o normal
estamos transformando essa coisa num objeto simbólico.
A linguagem simbólica é assim: acrescenta significado às coisas, aos aconteci-
mentos e às pessoas mais importantes de nossa vida. Tudo pode ser simbolizado:
objetos, datas, fatos, pessoas, locais, palavras, histórias.
Por exemplo, as histórias bíblicas podem ser símbolos de realidades que ultra-
passam o que se viveu no passado e propõem o que se deve viver no presente e
no futuro. E isso sem deixar de serem histórias que realmente foram vividas. O
livro de Gênesis está cheio dessas histórias. Elas têm sido contadas de geração
em geração para alimentar a esperança, a fé e a solidariedade no meio do povo.
Na Bíblia não existe uma receita única de linguagem simbólica. Ficção,

O TEXTO BÍBLICO
161

fábula, anedota, lenda, saga, novela, parábola, alegoria e mito são apenas alguns
exemplos de gêneros que expressam bem esse tipo de linguagem. História, fic-
ção e realidade misturam-se na linguagem simbólica. A pergunta básica sobre a
verdade dos diversos textos com esse tipo de linguagem não está nos aconteci-
mentos, mas na mensagem profunda que esses acontecimentos, reais ou fictícios,
querem nos transmitir. Todos, de alguma forma, partem da realidade e transmi-
tem significados que estão para além dela. Portanto, o símbolo na Bíblia é um
sinal mais aberto; representa a realidade de maneira a permitir que cada pessoa
a interprete a partir da riqueza de sua própria experiência (obviamente que com
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

o cuidado que tal tarefa exige).


- Ficção e não ficção: personagens inventados, por exemplo, pertencem às
histórias de ficção, mas não é preciso que tudo seja irreal ou inventado para ser
ficção. Um fato histórico pode virar um belo romance. A ficção é o campo da
imaginação. Já uma notícia, um livro didático, um tratado científico são bem
diferentes. O que se quer, nesses casos, é relatar os fatos exatamente como acon-
teceram, descrever alguma experiência, explicar uma fórmula científica, a essa
literatura chamamos de não ficção. O que separa a ficção da não ficção não é,
portanto, a verdade. Um mesmo fato histórico pode virar uma notícia de jornal
ou um conto, o que muda é a forma e a intenção.10
- Fábulas: são histórias fictícias que, em geral, têm como personagens animais
ou outros elementos da natureza, só que com características humanas. A Bíblia
possui alguns exemplos. A fábula mais conhecida é a que encontramos no livro
dos Juízes, no capítulo 9, dentro da história de Abimeleque. Este queria se tornar
rei, passando por cima da organização das tribos, para isso, mandou assassinar
seus parentes, a fim de ficar sozinho no poder. Joatão, um dos irmãos, consegue
escapar do massacre, tenta, então, mostrar ao povo o perigo que a monarquia
representa. Do alto do monte, conta uma história em que as personagens prin-
cipais são árvores: as árvores resolveram eleger um rei para governar sobre elas.
Vão atrás, então, de candidatos. A Oliveira, primeira a ser consultada, diz que
não poderia deixar de produzir seus frutos para reinar. A mesma resposta é dada

10 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 96

Gêneros Literários da Bíblia


IV

pela Figueira e pela Videira. Por fim, todas as árvores se dirigem ao Espinheiro.
Este aceita, mas impõe condições e ameaça às outras árvores.
Na história, as árvores possuem qualidades humanas: organizam-se em
sociedade, pensam, falam, respondem, mas há um elemento, o próprio mundo
vegetal, que serve como costura para a história: os frutos. Enquanto as três pri-
meiras se negam a reinar porque querem continuar produzindo, o espinheiro
não tem nada a oferecer, a não ser sua sombra “acolhedora”.
Dessa maneira, a fábula produz o efeito esperado: questiona os ouvintes de
Joatão sobre as verdadeiras intenções de Abimeleque.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Podemos resumir assim: a fábula é uma narrativa alegórica em prosa ou verso
que, em geral, tem animais como personagens e uma conclusão de natureza moral.
- Sagas: são ciclos de histórias que contam as origens das tribos que forma-
ram o povo de Israel. Em cada um dos ciclos, há pequenas histórias que primeiro
eram independentes e depois foram “costuradas” para formar um grande painel.
Cada pequena história ou narrativa forma uma pequena perícope ou unidade
independente. Mesmo estando dentro de um ciclo maior, muitas delas têm gêne-
ros literários diferentes.
Em resumo, esses ciclos chamados de sagas são o ajuntamento de muitas
pequenas narrativas independentes, de origens diferentes. O que une as histó-
rias num só conjunto é a personagem principal.
Saga foi assim denominada pelo biblista Hermann Gunkel, que recorreu a
um termo próprio das literaturas escandinavas medievais, uma narração bíblica
centrada num personagem, num lugar, num patriarca etc., que tem como objetivo
não o fornecimento de informações históricas, mas a justificação de um uso, de
uma situação, de um rito, de um santuário. Assim, por exemplo, a saga da Torre
de Babel quer explicar a pluralidade das línguas (Gênesis 11); a da destruição de
Sodoma (Gênesis 19), a passagem espetacular do mar Morto.
- Novela: outro estilo de escrita que aparece na Bíblia, por exemplo, a histó-
ria de José, diferente da saga, a narrativa desse personagem forma uma unidade
sozinha. Não dá para tirar uma parte sem perder o sentido total. É uma única
história, mais longa e mais bem elaborada que a saga. A novela traz algumas
partes importantes: introdução, conflito, desenvolvimento da trama, o clímax
e a conclusão.

O TEXTO BÍBLICO
163

José é uma história real, mas, escrita como novela, ganha ares de ficção, como
um belo romance ou um conto cheio de emoções. Sua intenção não é transmitir
eventos históricos, mas instruir, sugerir, envolver, emocionar para fazer refletir
sobre as surpresas que a vida nos faz.11
- Alegoria: linguagem que ajuda a contar o enredo por meio de figuras. A
Bíblia também se utiliza dessa linguagem, exemplo disso, temos Isaías 5.1-7, onde
há um lindo cântico: o amado tinha uma vinha e a tratava com todo cuidado,
mas a vinha só produziu uvas podres. O profeta, para deixar clara sua mensagem,
usa da alegoria: o amado é Deus e a vinha que produz uvas podres é a dinastia
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

real de Judá. Grande parte dos sonhos que aparecem na Bíblia é interpretada de
forma alegórica, isto é, cada elemento do sonho representa algo ou um acon-
tecimento. Na alegoria, o significado está fora do objeto, como porta que só se
abre com a chave correta.12
Surgida na escola exegética de Alexandria por influência helenística e tida
como elemento de capital importância na leitura bíblica até os tempos modernos,
a alegoria descobriu no Antigo Testamento toda uma série de figuras ou “tipos”
(tipologia) do Novo Testamento, considerados, consequentemente, seu cumpri-
mento e sua revelação. O maior representante do método alegórico é Orígenes.
A exegese hebraica recorre a uma alegoria menos generalizada, usando-a exclu-
sivamente para o Cântico dos cânticos.13
Devemos ter certo cuidado com a alegoria, não convém confundir a inter-
pretação (alegoria) com a história em si, pois isso faz perder a mensagem que
a história queria transmitir originalmente. A alegoria, muitas vezes, torna-se
‘camisa de força’ que tira a riqueza de sentidos possíveis da história ou parábola.14
- Etiologia: significa o estudo de causas e origens das coisas. É um gênero
literário cuja intenção é explorar os acontecimentos que deram origem aos nomes
de grandes heróis, dos lugares e dos ritos mais importantes na vida do povo. Sua

11 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 101.
12 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 102
13 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p.
17.
14 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 112

Gêneros Literários da Bíblia


IV

função é mostrar que essas realidades ligadas à religião têm origem sagrada, isto
é, vêm de Deus. Sua lógica é a da linguagem simbólica e da ficção, misturando
elementos da realidade histórica com a capacidade da imaginação criadora.15
Narração de um acontecimento com o qual se pretende apresentar a causa
(em grego, aitía, desta provém etio) ou a explicação de um uso, de um rito, de
um nome ou de um topônimo, do qual não mais se sabe a origem. Explicações
etiológicas são frequentes na Bíblia hebraica: tome-se, a título de exemplo, o
que se diz a respeito da proibição de comer o nervo ciático, em Gênesis 32. 33.16
- Mito: gênero literário que consiste na interpretação, em forma narrativa

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
e simbólica, de eventos meta-históricos, situações existenciais ou fenômenos
naturais. A Bíblia apresenta diversos exemplos, frequentemente comuns a outras
culturas do Antigo Testamento, desde a assim chamada história primordial
bíblica (criação, queda, dilúvio, Torre de Babel – Genesis 1-11) até as narrações
da infância nos Evangelhos de Mateus e Lucas. O mito, que não deve ser con-
fundido com a mitologia ou com as aventuras de deuses e heróis, representa um
momento da problemática religiosa que nunca foi completamente superado.17
Mito é uma criação da imaginação humana para satisfazer a necessidade
de explicar os mistérios mais profundos da vida. O princípio fundante de uma
crença. Há algumas outras definições sobre mito, vejamos algumas:
- O romeno Mircea Eliade, grande historiador e mitólogo, escreve:
A definição que a mim, pessoalmente me parece a menos perfeita, por
ser a mais ampla, é a seguinte: o mito conta uma história sagrada; ele
relata um acontecimento ocorrido no tempo primordial, o tempo fabu-
loso do “princípio”.18

Ainda temos que, segundo esse autor,


o mito é uma realidade cultural extremamente complexa, que pode ser
abordada e interpretada em perspectivas múltiplas e complementares
[...] o mito conta uma história sagrada, relata um acontecimento que

15 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 104
16 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000.
p. 39.
17 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000.
p. 61.
18 ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972. p. 183

O TEXTO BÍBLICO
165

teve lugar no tempo primordial, o tempo fabuloso dos começos [...] o


mito conta, graças aos feitos dos seres sobrenaturais, uma realidade que
passou a existir, quer seja uma realidade total, o Cosmos, quer apenas
um fragmento, uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento hu-
mano, é sempre, portanto uma narração de uma criação, descreve-se
como uma coisa foi produzida, como começou a existir.19

O mito só fala daquilo que realmente aconteceu do que se manifestou, sendo as


suas personagens principais seres sobrenaturais, conhecidos devido àquilo que
fizeram no tempo dos primórdios. Os mitos revelam a sua atividade criadora
e mostram a “sobrenaturalidade” ou a sacralidade das suas obras. Em suma os
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

mitos revelam e descrevem as diversas e frequentemente dramáticas eclosões


do sagrado ou sobrenatural no mundo. É essa eclosão do sagrado (sobrenatu-
ral) que funda, dá origem ao mundo tal como ele é hoje. Sendo também graças à
intervenção de seres sobrenaturais que o homem é o que é hoje. Ainda segundo
Mircea Eliade,
o mito é considerado como uma história sagrada, e, portanto, uma his-
tória verdadeira, porque se refere sempre a realidades. O mito cosmo-
gônico é verdadeiro porque a existência do mundo está aí para o provar,
o mito da origem da morte é também verdadeiro porque a mortalidade
do homem prova-o (...) e pelo fato de o mito relatar as gestas dos seres
sobrenaturais e manifestações dos seus poderes sagrados, ele torna-se o
modelo exemplar de todas as atividades humanas significativas.20

- O antropólogo Claude Levy-Strauss afirma que o mito é a história de um povo, é


a identidade primeira e mais profunda de uma coletividade que se quer explicar.21
- Joseph Campbell, mitólogo e antropólogo americano, afirma que
o material do mito é material da nossa vida, do nosso corpo, do nosso
ambiente; e uma mitologia viva, vital, lida com tudo isso nos termos
que se mostram mais adequados à natureza do conhecimento da épo-
ca.22

Mito, fé e religião estão ligados a uma mesma intenção: explicar as coisas

19 ELIADE, Mircea. Aspectos do Mito. Lisboa/Portugal: Edições 70 Ltda., 1963. p. 12,13.


20 ELIADE, Mircea. Aspectos do Mito. Lisboa/Portugal: Edições 70 Ltda., 1963. p. 13.
21 STRAUSS, Claude Levy. Mito e Significado. Lisboa/Portugal: Edições 70 Ltda., 1989. p. 91.
22 CAMPBELL, Joseph. As Transformações do Mito Através do Tempo. São Paulo: Editora Cultrix, 1993.
p. 24.

Gêneros Literários da Bíblia


IV

atribuindo-lhes um valor sagrado. Os mais diferentes povos e culturas contam,


por meio de mitos, as histórias de seus heróis, deuses e seres sobrenaturais. Dessa
forma, eles ajudam as pessoas a enfrentar melhor os desafios do cotidiano. Gênesis
1-11 traz uma série de mitos. Para melhor compreendê-los, é preciso desfazer
um grande preconceito: entendendo o mito como mentira e o transformando em
sinônimo de falsidade. Incorre-se em um duplo erro: ler o mito como fotogra-
fia da realidade e entender a verdade apenas como cópia dela. Nessa concepção,
sonhos, ideais e valores humanos, sobretudo aqueles que são alternativos à rea-
lidade, são tidos como “falsos”. Tudo aquilo que não se pode tocar, ver, medir e

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
pesar deixa de ser considerado verdade. Realmente, para quem pensa assim, o
mito é falso. Entretanto, a intenção do mito não é reproduzir a realidade; o que
ele quer, é exatamente ultrapassar a realidade que se vê e conduzir o leitor, por
intermédio de seu enredo, a uma mensagem que o ajude a desvendar os segre-
dos da vida.23
- Cosmogonia: é um tipo de mito que pretende explicar a origem do mundo.
Não é qualquer explicação. O mito cosmogônico que lemos em Gênesis 1.1-2,4
não pretende ser uma informação filosófica ou científica sobre o surgimento do
universo. Isso significa que as coisas não aconteceram exatamente como ali estão
relatadas. Aliás, no caso de Gênesis 1.1-2,4, estamos lidando com um texto do
século VI a.C., muito distante, portanto, das compreensões científicas atuais sobre
as origens do mundo. O objetivo maior da cosmogonia bíblica não é informar,
mas, sim, formar e educar seus leitores para um grande amadurecimento da fé.
Temos, neste texto, uma grande cosmogonia que funda a ordem cósmica com
base na gratuidade e bondade da vontade (Gênesis 1.31). Temos ali mais do que
informação, uma verdadeira confissão de fé em Deus como criador do mundo.
O sol, a lua e as estrelas não são deuses, como propunha a mitologia babilônica.
Ao contrário, eles são criaturas de Deus e estão sob seu poder, assim como tudo
o que existe, seja no céu ou na terra. Deus é o único Senhor das coisas, do tempo

23 ELIADE, Mircea. Aspectos do Mito. Lisboa/Portugal: Edições 70 Ltda., 1963. p. 12,13.


ELIADE, Mircea. Aspectos do Mito. Lisboa/Portugal: Edições 70 Ltda., 1963. p. 13.
STRAUSS, Claude Levy. Mito e Significado. Lisboa/Portugal: Edições 70 Ltda., 1989. p. 91.
CAMPBELL, Joseph. As Transformações do Mito Através do Tempo. Editora Cultrix: São Paulo, 1993. p.
106

O TEXTO BÍBLICO
167

e do espaço. Como criador de tudo, nada do que fez pode trazer o medo e o ter-
ror que algumas cosmogonias babilônicas impunham ao povo. As cosmogonias
da Bíblia não são todas iguais. Compare Gênesis 1.1-2,4 com Gênesis 2.4-25 e
note como eles descrevem de modo bem diverso as origens do mundo.
Além de mostrar a origem do mundo como obra divina, as cosmogonias
querem indicar nosso lugar na ordem criada. Nos dois diferentes relatos cosmo-
gônicos de Gênesis, há a indicação das tarefas e responsabilidades que mulher e
homem devem assumir diante da criação (1.27, 29 e 2.7 e 15-25). Por isso, toda
cosmogonia é uma antropogonia (relato das origens do ser humano), pois revela
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

a identidade humana na origem de suas relações com Deus, o outro e o mundo.24

Vejamos o relato mítico da criação de Adão e Eva (Gênesis 2.4-25): perce-


bamos como ali o mais importante não está na superfície do relato, mas na
mensagem que ele traz: o Deus criador que dá a vida é comparado ao oleiro
que modela e dá forma à argila do solo (Gênesis 2.7). Isso não revela uma
verdade profunda sobre a fé que temos em Deus e sobre como deve ser
nosso relacionamento com ele?
Fonte: RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as for-
mas literárias na Bíblia. São Paulo: Paulus, 2004. p. 106.

- Teofania: é um gênero de texto que tenta responder ao desejo de saber


onde Deus está, a esse desejo de encontro com o sagrado. Ela é muito usada na
Bíblia para falar dos momentos especiais de manifestação da divindade. Perceba
como trovões, relâmpagos, nuvem espessa, sarça ardente e montanha fumegando
indicam a presença de Deus falando a Moisés (Êxodo 19.16-19; 20.18...). É inte-
ressante observar que, diferentemente de outras culturas que divinizam as forças
da natureza, na tradição bíblica, elas são apenas sinais da manifestação de Deus.

24 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 107

Gêneros Literários da Bíblia


IV

O essencial nos símbolos usados pelas teofanias é o mistério. Qualquer que seja o
modo da manifestação, nenhum esgota a plenitude do ser de Deus. Isso significa
que nenhuma teofania representa absolutamente o modo como Deus realmente
é, mas apenas o modo como Ele, naquele momento, quis se manifestar.25
Além de gênero literário, é também compreendido como manifestação de
Deus em algum lugar, acontecimento ou pessoa. É uma figura da encarnação
do Senhor.
- Provérbio: típico da cultura oriental, resume em poucas palavras uma ver-
dade profunda, aprendida mediante erros e tropeços. Ninguém aprende esse tipo

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
de sabedoria quando faz tudo certo, ou quando fica parado. Só experimentando,
errando e, às vezes, acertando é que se descobrem os segredos que regem a vida
e as relações pessoais. A Bíblia traz muitos ensinamentos, porém nem todos que
nascem da observação da vida são tão sucintos como os provérbios. Na tradição
hebraica, esse tipo de texto é chamado de mashal.
Mashal, texto de sabedoria e dependendo da forma como é encontrado pode
ser traduzido como provérbio, refrão, fábula, parábola, canção, trovinha, sátira,
enigma, poema numérico. Todas essas formas têm em comum o fato de refleti-
rem a observação da realidade, e também o estilo, pois são concisos, objetivos,
usam linguagem figurada e, acima de tudo, pretendem levar o leitor/ouvinte a
refletir profundamente sobre o que vivem e pensam.
Provérbio tem esta característica, sentenças fortes que resumem um assunto
complexo e, às vezes, polêmico, numa única frase. Geralmente é composto de
duas partes paralelas: uma complementa ou serve de contraponto à outra. É
indispensável, na compreensão do provérbio, prestar atenção no jogo que existe
entre as duas partes. É dali que vem toda a riqueza do texto.26

25 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 108
26 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 110

O TEXTO BÍBLICO
169

Na língua hebraica, as palavras de ligação “e” e “mas” são escritas da mesma


forma. Então, você pode ler o provérbio das duas formas: a segunda frase
como complemento da primeira ou como contraste. Veja como isso enrique-
ce a leitura do seguinte provérbio: “Quem cuida de sua figueira comerá de
seus figos; e (mas) quem respeita o patrão será honrado” (Provérbios 27.18).
O que você prefere: ser honrado por trabalhar para os outros ou comer do
fruto de seu próprio trabalho? Há um contraste escondido aqui, pode-se
dizer, até um dilema, que faz o ouvinte repensar todo seu projeto de vida.
Fonte: RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as for-
mas literárias na Bíblia. São Paulo: Paulus, 2004. p. 110.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

- Parábola: uma das mais importantes formas de mashal. Enquanto no pro-


vérbio se tem uma grande lição/ensinamento numa pequena frase, na parábola
se tem uma grande lição/ensinamento numa pequena história. Embora apare-
çam em muitos momentos do Novo Testamento, temos também parábolas no
Antigo Testamento, um exemplo é o Salmo 78, embora, aqui, o gênero parábola
tenha sido misturado a outro: o salmo didático. A parábola, como qualquer
gênero literário, lembra um jogo: tem suas próprias regras, seu jeito específico de
abordar a realidade que a gente precisa conhecer para compreender. Recurso de
comunicação muito utilizado por Jesus. A parábola é também entendida como
uma narração alegórica na qual o conjunto de elementos evoca, por compara-
ção, outras realidades superiores, lições profundas que devem ser entendidas.
Regras ou características da parábola:
a. É uma narrativa. É isso que distingue a parábola do provérbio e de outros
gêneros sapienciais menores. Enquanto o provérbio é descritivo (é um
retrato da vida), a parábola é narrativa (mostra um fato da vida aconte-
cendo, em pleno movimento).
b. Reflete uma situação verossímil (isto é, que poderia realmente ter acon-
tecido). Não contém elementos explícitos do mundo da fantasia. Isso a
distingue da fábula.
c. Refere-se a uma realidade em si mesma. Ou seja, deve ser interpretada a
partir da lógica dos próprios fatos que narra. Não é um texto que tenta
explicar outros textos ou fatos externos, como alegoria.

Gêneros Literários da Bíblia


IV

d. Traz um desfecho surpreendente (contundente), às vezes, até mesmo


chocante, que questiona a interpretação comum dos fatos e faz o ouvinte
olhar a realidade com outros olhos. Em outras palavras, tira a pessoa do
senso comum e leva-a a questionar o que antes parecia óbvio. Essa carac-
terística a parábola tem em comum com o enigma.

- Poema didático: a sabedoria hebraica utiliza variadas formas de expressão,


entre elas, a poesia. Não que a poesia hebraica seja igual a nossa: ela tem suas
características particulares (por exemplo, não se ocupa com a rima e sim com o
ritmo). Mas é sempre um texto com bela sonoridade e de grande concisão, e em

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
sua origem era acompanhado de instrumentos musicais, como uma canção popu-
lar. Na Bíblia, encontramos muitos poemas didáticos. Eles nasceram como forma
de educação popular: eram usados para chamar o povo à reflexão sobre a vida e
seus desafios. Em seu desenvolvimento, o poema desafia os ouvintes a refletir e
podemos observar palavras e expressões ligadas ao tema sabedoria (sabedoria,
inteligência, provérbio, enigma) e, a seguir, vem uma série de observações sobre
fatos concretos da vida e da morte: rico e pobre, sábio e insensato etc.
O poema didático é, pois, um texto que nasce da observação profunda da
realidade, e é construído de forma a ser decorado, cantado, meditado, guar-
dado no coração e na memória para as horas em que é necessário dar sentido
aos acontecimentos da vida.27
- Poemas de amor: a Bíblia canta o amor e a relação de fogo e ternura entre
homem e mulher. Em geral, os poemas bíblicos de amor (ou poemas eróticos, pois
falam de eros, amor apaixonado) são ricos em linguagem simbólica. Recorrem
a descrições ousadas dos corpos humanos, comparando-os com elementos da
natureza, da arquitetura, das artes. Falam das carícias e dos movimentos do amor
por meio de figuras de linguagem, principalmente metáfora, que é a compara-
ção direta entre duas realidades distintas. Um exemplo mais contundente desse
tipo de poema temos em Cântico dos Cânticos ou Cantares de Salomão, onde há
diversos poemas sobre os encantos da sedução, a beleza da mulher e do homem,
as delícias do amor. Em seus poemas, o Cântico canta principalmente a beleza

27 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 113,114

O TEXTO BÍBLICO
171

do corpo feminino (4.3; 11). Todas as partes do corpo da mulher e do homem


são elogiadas, sem preconceito ou maldade. O elogio dos corpos é o principal
recurso dos poemas eróticos da Bíblia, mas são utilizados outros recursos tam-
bém. Fala-se das roupas e dos perfumes (Salmo 45.9-10, 14), de luzes e sombras
que rodeiam os casais (Cânticos 5.6-8), fala-se também da profundidade dos sen-
timentos (Cântico 8.6-7). Tais poemas são muito comuns no Antigo Oriente. Às
vezes, eram cantados nos casamentos. A Bíblia incorporou-os porque o povo de
Deus sempre teve a convicção de que, no amor humano, reside a mais bela das
bênçãos de Deus. É o amor entre homem e mulher que gera, não só filhos, mas
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

também o bem-estar e a felicidade que estão na base de uma sociedade mais


justa e igualitária.28

SAPIENCIAIS: sabedoria, também chamados “poéticos”. São assim denomi-


nados no cânon cristão do Antigo Testamento sete livros da terceira seção:
cinco livros canônicos (Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes e Cântico dos cân-
ticos) e dois (na concepção católica romana) deuterocanônicos (Eclesiástico
e Sabedoria). No cânon hebraico, eles fazem parte da terceira seção, a dos
“Escritos” (Ketuvim).
Fonte: VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica.
São Paulo: Paulinas, 2000. p. 81.

- Sátira: achamos a Bíblia tão séria que não entendemos quando ela sorri para
nós ou ri de nós! Entre as formas que os autores bíblicos utilizaram para trans-
mitir suas mensagens está a sátira: apresenta-se um fato ou uma personagem de
forma irônica, ou seja, elogia-se para, na verdade, zombar. A ironia mostra como
toda forma de poder, de opressão, de domínio não é compactuada por Deus. Ele
reduz a nada o poder dos poderosos. Para entender melhor a ironia presente nos

28 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 115

Gêneros Literários da Bíblia


IV

textos bíblicos, sugerimos a leitura do capítulo 18 do Apocalipse, para descobrir


como o autor apresenta, por meio da sátira, o destino do Império Romano e de
todos os impérios que vivem do sangue dos inocentes.29
- Bem-aventuranças: um jeito de falar inventado por Jesus. A Bíblia está
cheia de textos que se expressam assim. Vários Salmos (1; 32; 119; 128) come-
çam dessa maneira. O livro de Apocalipse também tem suas bem-aventuranças
(1.3; 20.6). E os Evangelhos trazem outras além daquelas mais conhecidas (Lucas
1.45; 7.23; 14.15; João 20.29). Mais importante, porém, é compreender o sen-
tido de uma bem-aventurança, senão alguém pode achar que se o pobre é feliz,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
é melhor deixá-lo assim! E os textos que estamos considerando (mal compre-
endidos) se tornam um convite à passividade, ao conformismo. Proclamando
felizes aquelas pessoas desprezadas pela sociedade, as bem-aventuranças ques-
tionam os critérios que organizam a vida em comum. São textos que andam na
contramão, que ensinam outros caminhos para a convivência! O segundo ponto
diz respeito ao que uma bem-aventurança pretende.
A palavrinha hebraica que as Bíblias traduzem por “feliz” ou “bem-aven-
turado” significa mais do que isso. Ela é uma espécie de convocação para agir.
Assim, quando o texto do Salmo 1 diz: “Feliz o homem que não vai ao conselho
dos injustos”, quem ouve ou lê essas palavras é desafiado a agir de acordo com
elas. As Bem-aventuranças do Evangelho de Mateus (5.3-12), por exemplo, são
convocações aos pobres, aos que têm fome e sede de justiça, aos que lutam pela
paz, para agir na certeza de que a partir deles o Reino anunciado por Jesus será
construído!
Mas temos também os “ais”. No Evangelho de Lucas há quatro “ais” que seguem
a estrutura das bem-aventuranças (6.20-26). Se felizes são os pobres, ai dos ricos,
e assim por diante. Mas também os “ais” se encontram em muitos outros tex-
tos da Bíblia. Parece que esse jeito de falar vem dos velórios, quando se chora a
morte de uma pessoa querida. Os profetas tomaram essa forma e a aplicaram a
suas denúncias contra os exploradores do povo (Isaías 5.8-24; Miquéias 2.1-5).
No Novo Testamento é principalmente esse o sentido dos “ais”: não se trata de

29 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 116,117

O TEXTO BÍBLICO
173

lançar maldições, mas, sim, de lamentar, ao mesmo tempo denunciando atitu-


des de pessoas, grupos e até mesmo cidades inteiras (Mateus 23. 13-33; Lucas
10.13-15).30
- Apocalipse: é um gênero literário o qual usa a linguagem de protesto e de
resistência para denunciar os opressores de certos grupos. Nos apocalipses, os
autores geralmente usam pseudônimos e empregam imagens do passado para
criticar realidades de perseguição e opressão presentes. Nesse tipo de literatura,
é notória a presença de elementos característicos de cultura semítica, que podem
ser: imagens de animais; revelações dadas por meio de anjos; Apocalipse; o juízo
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

de Deus; descrições metafóricas de Deus; a presença de visionários e outras. Esses


elementos são caracterizados como linguagem simbólica ou apocalíptica, isto
é, linguagem que recorre a imagens e símbolos do cotidiano das comunidades
para ilustrar algo; são recursos que o visionário usa para revelar uma comunica-
ção divina para o povo. O visionário é escolhido por Deus, em geral profeta, que
desvela fatos que se realizarão no futuro. A visão apocalíptica elabora seu dis-
curso relacionando o futuro ao presente. Por conseguinte, ela revela eventos que
acontecerão no futuro, mas que estão intimamente ligados ao cotidiano atual.31
Em resumo, temos que ‘apocalíptica’ vem do grego apokálypsis, “revelação”,
“desvelamento”. Corrente religiosa que se exprime na literatura apocalíptica,
cuja produção, de inspiração hebraica ou cristã, estende-se do século II a.C. ao
século II d.C. A literatura apocalíptica, diferentemente da literatura profética,
não tem por objetivo a edificação e a mudança da realidade histórica presente, e
sim a revelação em forma simbólica, mítica e visionária, de eventos ocultos no
passado e, sobretudo, no futuro; trata-se de revelações frequentemente postas
na boca de uma grande personagem bíblica. O gênero apocalíptico, que possui
inúmeros escritos na literatura apócrifa, está representado na Bíblica hebraica
por Daniel e por alguns textos proféticos; no Novo Testamento, é representado
pelo Apocalipse de João.32

30 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São Paulo: Paulus,
2004. p. 118
31 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São Paulo: Paulus,
2004. p. 161
32 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 20.

Gêneros Literários da Bíblia


Gêneros literários menores encontrados nos Salmos:

Os cânticos de ação de graças estão relacionados aos agradecimentos de uma pessoa,


grupo ou comunidade a Deus, pela resposta a seus clamores ou pela superação de pro-
blemas. Essas canções têm traços característicos. Por meio delas, a pessoa ou comuni-
dade agradece uma ajuda concedida por Deus. Encontramos nessas orações e canções
uma grande proximidade com os hinos de louvor.
Ação de Graças:
- Coletiva (65; 66; 67; 68; 118 e 124)
- Individual (9; 30; 32; 34; 40; 41; 92; 107; 116 e 138)
Os hinos têm no “aleluia” sua característica e, além disso, as introduções têm a forma
imperativa: “louvem a Javé” e uma descrição de júbilo e alegria, muitas vezes acompa-
nhada de instrumentos musicais. Outro fator preponderante nos hinos é, sem dúvida, o
grande alvo do louvor: Deus. O Deus dos hebreus é louvado por suas qualidades, obras,
ação libertadora e histórica junto a seu povo. De modo geral, as conclusões consistem
em uma oração para que Deus aceite o poema, em uma intercessão pela comunidade,
em uma maldição contra os inimigos ou em uma benção para os amigos de Deus. O
lugar desses hinos é o ambiente de culto, as procissões, as festas e liturgias.
O hino de louvor celebra com exaltação os grandes feitos históricos de Deus, e os salmos
de agradecimento, os auxílios no plano particular: seja na descrição de uma libertação
vivida pela comunidade ou na apresentação dos benefícios concedidos por Deus, tais
como boa colheita, chuvas e bênçãos.
Hinos de Louvor:
(8; 19; 29; 33; 100; 103; 104; 105; 111; 113; 114; 117; 135; 136; 145; 146; 147; 148; 149 e
150)
Cânticos de Sião:
(46; 48; 76; 84; 87; 122 e 132)
Salmos da Realeza do Senhor: (47; 93; 96; 97; 98 e 99)
Salmos de Súplica, de modo geral, são orações de lamento, queixa e acusação diante de
Deus, que não responde à situação de grave perigo em que se encontra o salmista ou a
comunidade.
Salmos de Súplica Individual: (5; 6; 7; 10; 13; 17; 22; 25; 26; 28; 31; 35; 36; 38; 39; 42; 43;
51; 54; 55; 56; 57; 59; 61; 63; 64; 69; 70; 71; 86; 88; 102; 109; 120; 130; 140; 141; 142 e 143)
Salmos de Súplica Coletiva: (12; 44; 58; 60; 74; 77; 79; 80; 82; 83; 85; 90; 94; 106; 108;
123; 126 e 137)
175

Salmos de confiança estão situados num ambiente de cerimônia de petição, na qual o


suplicante se defende dos ataques, insiste em sua inocência e na justiça de sua causa, e,
finalmente, declara sua firme confiança em Deus.
Salmos de Confiança Individual: (3; 4; 11; 16; 23; 27; 62; 121 e 131)
Salmos de Confiança Coletiva: (115; 125 e 129)
Salmos Reais e Messiânicos: (2; 18; 20; 21; 45; 72; 89; 101; 110; 132 e 144)
Salmos Litúrgicos: (15; 24 e 134)
Salmos Proféticos: (14; 50; 52; 53; 75; 81 e 95)
Salmos Históricos: (78; 105 e 106)
Salmos Sapienciais: (1; 37; 49; 73; 91; 112; 119; 127; 128; 133 e 139)
Fonte: RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 119,120.
IV

PARALELISMO: procedimento característico da poesia judaica e do antigo


Oriente. Consiste em uma correspondência de conceitos ao invés de rimas
ou de assonâncias, entre dois hemistíquios ou membros de um mesmo ver-
so, ou entre dois versos. Distinguem-se o paralelismo sinonímico, no qual a
ideia é repetida com outras palavras; o antitético, no qual o segundo mem-
bro exprime conceitos contrários ou antitéticos; o sintético, no qual o con-
teúdo do primeiro membro é completado pelo do segundo; o climático ou
ascendente (do grego klímax, “escada”), no qual uma expressão do primeiro
membro retorna no segundo “em ascendência”, isto é, com um desenvolvi-
mento posterior, conceitual e verbal.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Fonte: VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica.
São Paulo: Paulinas, 2000. p. 68.

METÁFORA: comparação direta entre duas realidades distintas. Designação


de um objeto ou qualidade mediante uma palavra que designa outro obje-
to ou qualidade que tem com o primeiro uma relação de semelhança (por
exemplo: ele tem uma vontade de ferro, para designar uma vontade forte
como o ferro). A metáfora também se baseia na relação de similaridade en-
tre o sentido próprio e o figurado, mas emprega tais termos de forma que
o conectivo comparativo fique omitido, subentendido. Ou seja, metáfora é
uma figura de estilo (ou tropo linguístico) que consiste numa comparação
entre dois elementos por meio de seus significados imagísticos, causando o
efeito de atribuição “inesperada” ou improvável de significados de um termo
a outro. Didaticamente, pode-se considerá-la como uma comparação que
não usa conectivo (por exemplo, “como”), mas que apresenta de forma lite-
ral uma equivalência que é apenas figurada.
ANALOGIA: relação de semelhança entre coisas ou fatos distintos, isto é, em
que há relação de correspondência ou semelhança entre coisas e/ou pesso-
as distintas. Analogia é a semelhança entre coisas diferentes. Traz consigo
um conectivo comparativo, ou seja, um termo que une os objetos compa-
rados e podem ser: que, do que (depois de mais, maior, melhor ou menos,
menor, pior), como etc. E as locuções: tão … como, tanto … quanto, assim
como, bem como, que nem etc. Fazer analogia usando versículos isolados
da Bíblia é contrário ao entendimento razoável do texto sagrado.
Partindo desse pensamento, temos que definir os conceitos de sentido co-
notativo e denotativo. A denotação liga-se a termos reais, pautados de ve-
racidade, já quando falamos em conotação, referimo-nos a algo que não é
verdade absoluta, ou seja, está no sentido figurado, e é esse sentido que nos
interessa.
Disponível em: <www.dicio.com.br>. Acesso em: 10 jun. 2014.

O TEXTO BÍBLICO
177

Figuras de Linguagem

Figuras de linguagem são certos recursos não convencionais que o falante ou


escritor cria para reforçar ideias ou dar maior expressividade à sua mensagem.
Conforme apresenta Bentho (2003, p. 307), figuras de linguagem ou de retó-
rica são recursos linguísticos empregados pelo literato para expressar de modo
concreto suas ideias, evocando algum tipo de imagem real, comparação ou
de correspondência entre as palavras e o pensamento. O autor apresenta uma
classificação:
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

De comparação Símile
Metáfora

De dicção Pleonasmo
Hipérbole

De relação Sinédoque
Metonímia

De contraste Ironia
Parábola
Litote
Eufemismo

De índole pessoal Prosopopeia


Apóstrofe

E como figuras compostas, temos: alegoria, fábula e enigma. Torna-se neces-


sário ressaltar que as figuras de linguagem não se limitam apenas a essas que
acima classificamos. A esses exemplos poderíamos acrescentar a sinestesia, cata-
crese, epizeuxe, diácope, anadiplose, epímone e muitos outros, conclui o autor.

Figuras de Linguagem
IV

Muitas vezes, ao ministrar as aulas de Teologia, especialmente as disciplinas


que envolvem a interpretação bíblica, os alunos perguntam como fiz para che-
gar a tal interpretação. Faço aqui de minha resposta as palavras do professor José
Luiz Fiorin, quando diz que o aluno lhe pergunta como enxergar numa produ-
ção discursiva (e em nosso caso textual) as coisas geniais que ele nela percebeu,
então ele diz que muitos responderiam apresentando duas respostas: para ana-
lisar um texto, é preciso ter sensibilidade; para descobrir os sentidos do texto, é
necessário lê-lo uma, duas, três, n vezes. Mas Fiorin completa, as duas repostas
estão eivadas de ingenuidade. Não basta recomendar que o aluno leia atenta-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
mente o texto muitas vezes, é preciso mostrar o que é que se deve observar nele.
A sensibilidade não é um dom inato, mas algo que se cultiva e se desenvolve.
Atualmente, os estudiosos da linguagem estão começando a desenvolver uma
série de teorias do discurso, em que se mostra que existe uma gramática que
preside à construção do texto. Assim como ensinamos aos alunos, por exemplo,
a coordenação e a subordinação como processos e estruturação do período, é
preciso ensinar-lhes a gramática do discurso para que eles possam, com mais
eficácia, interpretar e redigir textos. O texto pode ser abordado de dois pontos
de vista complementares. De um lado, podem-se analisar os mecanismos sin-
táxicos e semânticos responsáveis pela produção do sentido; de outro, pode-se
compreender o discurso como objeto cultural, produzindo a partir de certas con-
dicionantes históricas, em relação dialógica com outros textos.33

Delimitação de um Texto Bíblico

Às vezes precisamos selecionar trechos da Bíblia para fins de oração, ensino,


pregação ou estudo. É nessa hora que notamos a importância de aprender a
demarcar corretamente onde começa e onde termina o texto que nos interessa.
Delimitar é fixar limites no texto que selecionamos. E selecionar é, de alguma

33 FIORIN, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso. 12. ed. São Paulo: Contexto, 2004. p. 9,10.

O TEXTO BÍBLICO
179

forma, recortar e retirar o texto de seu contexto maior. Quando isso não é feito de
forma adequada, facilmente perdemos o sentido. É como interromper a fala de
alguém pela metade e interpretá-la sem que a pessoa possa completar o raciocínio.
A distorção acontece toda vez que lemos um texto pela metade ou emprega-
mos uma frase solta da Bíblia fora de seu contexto. O mal-entendido só se desfaz
quando o discurso é delimitado corretamente em sua totalidade, do começo ao fim.
Um texto com começo, meio e fim constitui uma unidade que pode ser enten-
dida por si mesma, sem recorrer a outros textos, por isso é chamado de perícope
(que quer dizer cortar em volta de).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

O estudo de uma perícope passa pela identificação dos três elementos bási-
cos de sua composição: a introdução, o desenvolvimento e a conclusão.34

SOFISMA: argumento aparentemente correto, mas, na realidade, falso. O


sofisma supõe má-fé por parte de quem o apresenta. Falácia, silogismo.
Efésios 4.14 – “O propósito é que não sejamos mais como crianças, levados
de um lado para outro pelas ondas, nem jogados para cá e para lá por todo
vento de doutrina e pela astúcia e esperteza de homens que induzem ao
erro”.
SEMÂNTICA: é o estudo das significações das palavras. No que diz respeito
ao aspecto semântico da língua, pode-se destacar três propriedades:
1. Sinonímia: que é a divisão na Semântica que estuda as palavras sinôni-
mas, ou aquelas que possuem significado ou sentido semelhante.
2. Antonímia: se por um lado sinonímia é o estudo das palavras dos signi-
ficados semelhantes na língua, antonímia é o contrário dessa definição.
3. Polissemia ou Homonímia: uma mesma palavra na língua pode assu-
mir diferentes significados, o que dependerá do contexto em que está
inserida. Chamamos polissemia quando uma palavra possui muitas
significações e, sendo assim, estuda-se a averiguação das significações
que uma palavra assume em determinado contexto linguístico.
Disponível em: <http://www.brasilescola.com/portugues/semantica.htm>. Acesso
em: 10 jun. 2014.

34 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus palavra da gente – as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 33

Delimitação de um Texto Bíblico


IV

Hebraísmos

Um dos percalços extremamente sérios com que se tem defrontado a


Hermenêutica Bíblica, desde a antiguidade, é o fato da variabilidade
da língua e da cultura hebraica. Sua formação, composição gramatical
e histórico cultural cobrem períodos abissais que, não raras vezes, só
é possível uma correta interpretação, através do estudo sincrônico da
linguagem.35

Hebraísmos são determinadas expressões idiomáticas encontradas nas Escrituras


que registram a forma de comunicação específica dos judeus. São idiotismos36

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
familiares à cultura hebraica de então, desconhecida do exegeta, e que não podem
ser determinados a priori, mas somente através de um estudo consciencioso.
Geralmente as estruturas linguísticas chamadas de hebraísmos são aplicadas a
um comportamento social, que por suas características culturais não são per-
ceptíveis ao leitor moderno.37
Para a apresentação deste tópico, recorremos à obra Hermenêutica – princípios
de interpretação das Sagradas Escrituras de Eric Lund & P. C. Nelson, como segue:
Lund & Nelson (2006, p. 143) entendem por hebraísmos certas expressões e
construções peculiares do idioma hebreu que ocorrem em nossas traduções da
Bíblia, escrita originalmente em hebraico e grego (koiné). Entre os hebreus, era
costume chamar uma pessoa de filho fazendo referência àquilo que a caracteri-
zava de modo especial, tanto assim, que o pacífico e bem disposto era chamado
filho da paz (Lucas 10.6); o iluminado e entendido, filho da luz (Efésios 5.8); os
desobedientes, filhos da desobediência (Efésios 2.2). As comparações, às vezes,
eram expressas mediante negações, como ao dizer Jesus: “Qualquer que me rece-
ber, não recebe a mim, mas ao que me enviou” (Marcos 9.37), o que equivale à
maneira nossa de dizer: o que me recebe não recebe tanto a mim quanto ao que
me enviou, ou não somente a mim, mas também ao que me enviou. Devemos

35 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 209
36 Idiotismo: traço ou construção peculiar a uma determinada língua, que não se encontra na maioria
dos outros idiomas; locução própria de uma língua, cuja tradução literal não faz sentido em uma outra
língua de estrutura análoga, geralmente por ter um significado não dedutível da simples combinação dos
significados dos elementos que a constituem. Fonte: Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, 2012.
(eletrônico).
37 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 211

O TEXTO BÍBLICO
181

interpretar do mesmo modo quando lemos:


“Não procuro agradar (somente) a mim mesmo, mas àquele que em enviou”
(João 5.30).
“Não trabalhem (só) pela comida que se estraga, mas pela comida que perma-
nece para a vida eterna” (João 6.27).
“Você não mentiu (somente) aos homens, mas sim a Deus” (Atos 5.4).
“Cristo não me enviou (apenas) para batizar, mas (também) para pregar o
Evangelho” (I Coríntios 1.17).
O uso do amar e aborrecer (ou amar e rejeitar) era para expressar preferência
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

de uma coisa a outra. Tanto é assim que, por exemplo, ao lermos: “Amei a Jacó,
e aborreci a Esaú” (Romanos 9.13), devemos compreender: preferi Jacó a Esaú.
Os hebreus, apesar de se referirem tão somente a uma pessoa ou coisa, às
vezes mencionavam diversas pessoas a fim de indicar desse modo sua existência
e relação com a pessoa ou coisa a que se referiam. Por exemplo, em Gênesis 8.4
– “A arca pousou nas montanhas do Ararate”, equivale a dizer que a arca pousou
sobre uma das montanhas de Ararate. Do mesmo modo, ao lermos em Mateus
24.1 – “[...] seus discípulos aproximaram-se dele para lhe mostrar as construções
do templo”, sabemos que um deles (como intérprete do sentimento dos demais)
lhe mostrou os edifícios do templo.
Com frequência, os hebreus usavam o nome dos pais para indicar seus
descendentes, como em Gênesis 9.25 – “Maldita seja Canaã”, em lugar de “des-
cendentes de Canaã”, com exceção, é claro, dos justos entre seus descendentes.
Muitas vezes, usa-se também o nome de Jacó ou Israel para designar os israeli-
tas, isto é, os descendentes de Israel (Gênesis 49.7; Salmo 14.7; I Reis 18.17,18).
A palavra “filho”, como em quase todos os idiomas, é usada para designar um
descendente mais ou menos remoto. Tanto é assim que, por exemplo, os sacer-
dotes são chamados de filhos de Levi. Já Mefibosete é chamado filho de Saul,
embora de fato fosse seu neto. E assim como se usa “filho” para designar um
descendente qualquer, do mesmo modo a palavra “pai” é, às vezes, para indi-
car um ascendente qualquer. Outras vezes, “irmão” também é usado quando
se trata somente de um parentesco mais ou menos próximo. Desse modo, por
exemplo, Ló é chamado irmão de Abraão, embora fosse, na verdade, seu sobri-
nho (Gênesis 14.12-16). Além dos hebraísmos já citados, a linguagem bíblica

Hebraísmos
IV

apresenta outras singularidades, entre as quais os quase-hebraísmos, que precisa-


mos conhecer para a correta compreensão de muitos textos. Estamos nos referindo
ao uso particular de determinados números, a algumas palavras que expressam
fatos realizados ou supostos e a vários nomes próprios. Algumas vezes, certos
números específicos são usados no hebraico para expressar quantidades inde-
terminadas. Por exemplo, o número “dez” pode significar “vários” (ver Gênesis
31. 7; Daniel 1.20), também o número “quarenta” pode ter o significado de “mui-
tos”; um exemplo é Persépolis, chamada “a cidade das quarenta torres”, embora
tivesse muito mais que isso. Essa é provavelmente a linha de interpretação em

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
II Reis 8.9, em que sabemos que Hazael levou consigo um presente carregado
por quarenta camelos, com bens de Damasco, a Eliseu. Talvez esse também seja
o significado do que lemos em Ezequiel 29.11-13. “Sete” e “setenta” são usados
para expressar um número grande e completo, ainda que indeterminado (veja,
por exemplo, Provérbios 26.16,25; Salmo 119:164 e Levítico 26.24). A ordem de
perdoar até setenta vezes sete é para que compreendamos que, se o irmão se arre-
pende, devemos sempre conceder-lhe o perdão (Mateus 18.22). É provável que
os sete demônios expulsos de Maria Madalena indiquem seu extremado sofri-
mento e ao mesmo tempo a grande maldade deles (Marcos 16.9).
Outras vezes são usados nas Escrituras números exatos para expressar quan-
tidades inexatas. Por exemplo, em Juízes 11.26, vemos a indicação do número
redondo “300” no lugar de 293 (ver também Juízes 20.35,46). Também ocorre
o uso peculiar de palavras que expressam ação, em que às vezes se diz que uma
pessoa faz determinada coisa quando somente a declara feita, quando profetiza
que se fará, supõe que se fará ou a considera feita; outras vezes, manda-se tam-
bém fazer uma coisa quando apenas se permite que se faça. Por exemplo, em
Levítico 13.13, quando originalmente se diz que o sacerdote limpa o leproso,
isso quer dizer apenas que ele o declara limpo. Em II Coríntios 3.6, lemos: “[...]
a letra (quer dizer, a Lei) mata”, quando na realidade se está declarando apenas
que o transgressor deve morrer.
Em João 4.1, lê-se que Jesus batizava mais discípulos do que João (Batista),
quando sabemos que ele apenas ordenava que eles fossem batizados, pois, em
seguida, lemos: “[...] embora não fosse Jesus quem batizasse, mas os seus discípu-
los” (verso 2). Também lemos, em Atos 1.16-19, que Judas “adquiriu um campo
com a recompensa da iniquidade”, embora isso só fosse procedente dele, já que

O TEXTO BÍBLICO
183

entregara aos sacerdotes o dinheiro com que estes compraram o referido campo,
o que fica evidente em Mateus 27.4-10.
Desse modo, também compreendemos em que sentido consta que “o Senhor
endureceu o coração do faraó” (Êxodo 9.12), ao mesmo tempo em que lemos que
o próprio faraó endureceu seu coração (Êxodo 8.15). Ou seja: Deus foi causa do
endurecimento do coração do faraó, oferecendo-lhe misericórdia com a condição
de ser obediente, porém ele resistiu à bondade oferecida por Deus (ver também
Romanos 9.17, 18). Como prova de que o idioma hebraico expressa em forma
de mandamento positivo algo que não implica mais do que simples permissão
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

(nem sequer consentimento) para fazer algo, leia o que Deus diz em Ezequiel
20.39: “Vão prestar culto a seus ídolos, cada um de vocês!”; linhas adiante, com-
preende-se que o Senhor não aprovava tal conduta. O mesmo ocorre no caso
em que Deus diz a Balaão: “Visto que esses homens [conselheiros do malvado
Balaque] vieram chamá-lo, vá com eles, mas faça apenas o que eu lhe disser”
(Números 22.20); aqui o contexto nos diz que aquilo não era mais do que uma
simples permissão de ir e fazer um mal que Deus absolutamente não queria que
o profeta fizesse. Acontece algo semelhante nestas palavras que Jesus diz a Judas:
“O que você está para fazer, faça depressa” (João 13.27).
Na tarefa de interpretar as palavras das Escrituras, é preciso também levar
em consideração uma característica muito peculiar no uso dos nomes próprios:
às vezes, designam-se pessoas diferentes com um mesmo nome, lugares diferen-
tes com um mesmo nome e uma mesma pessoa com nomes diferentes.
■■ Pessoas diferentes designadas com um mesmo nome – a palavra “faraó”,
que significa regente, era o nome comum de todos os reis do Egito, desde
o tempo de Abraão até a invasão dos persas, sendo mais tarde o nome de
faraó alterado para Ptolomeu. Já Abimeleque, que significa “meu pai e rei”,
parece ter sido o nome comum dos reis filisteus. Da mesma maneira, temos
Agague, dos amalequitas; Ben-Hadade, dos sírios; e César, dos impera-
dores romanos.38 No Novo Testamento, acham-se diferentes pessoas com
o mesmo nome de Herodes. Chamado na história secular de Herodes, o
Grande, foi ele quem, sendo já velho, matou (mandou matar) as crianças

38 César Augusto, que governava quando do nascimento de Jesus (Lucas 2.1), era o segundo que levava
esse nome. O César que reinava quando Jesus foi crucificado era Tibério. O imperador para quem Paulo
apelou, o qual era tanto chamado de Augusto quanto de César, era Nero (Atos 25.21). Os reis egípcios e
filisteus parecem ter tido um nome próprio, além do comum, como os romanos. Assim, encontramos, por
exemplo, o registro do faraó Neco, do faraó Ofra e de Abimeleque Aquis (I Samuel 21.11).

Hebraísmos
IV

em Belém. Uma vez morto esse monarca, a metade de seu reino, Judeia e
Samaria inclusive, foi dada a seu filho Arquelau (Mateus 2.22), enquanto
a maior parte da Galileia foi destinada a seu filho Herodes, o Tetrarca, o
rei citado em Lucas 3.1; já outras partes da Síria e Galileia ficaram com
seu terceiro filho, Filipe Herodes. Foi Herodes, o Tetrarca, quem decapi-
tou João Batista (Mateus 15.9,10). Também outro rei Herodes, o neto do
cruel Herodes, o Grande, mandou matar o apóstolo Tiago (Atos 12.1,2)
e, em seguida, morreu abandonado em Cesareia. Foi diante de Herodes
Agripa, filho do assassino de Tiago, que Festo fez Paulo comparecer (Atos
25.22,23). O caráter desse rei era muito diferente do de seu pai, e é impor-
tante não confundi-los para a correta compreensão da História.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
■■ Lugares diferentes designados com um mesmo nome – um exemplo são
as duas cidades com o nome de Cesareia: na Galileia, a Cesareia de Filipe;
e na costa do Mediterrâneo, a Cesareia, conhecida por ser um porto marí-
timo e ponto de partida para os viajantes que saíam da Judeia em direção
a Roma, sendo citada constantemente no livro de Atos dos Apóstolos.
Igualmente são mencionadas duas Antioquias: a da Síria, onde Paulo e
Barnabé iniciaram a obra missionária e onde os discípulos, pela primeira
vez, foram chamados de cristãos; e a Pisídia, cuja referência achamos em
Atos 13.14 e em II Timóteo 3.11.
■■ Da mesma maneira, existem vários lugares chamados de Mispá no Antigo
Testamento, como o de Galeede, de Moabe, de Gibeá e o de Judá (Gênesis
31.47-49; I Samuel 22.3; 7.11; Josué 15.38).
■■ Um mesmo nome que designa tanto uma pessoa quanto um lugar – por
exemplo, Magogue representa o nome de um filho de Jafé, bem como o de
um país ocupado por um povo chamado Gogue (Ezequiel 38.3; Apocalipse
20.8), provavelmente os antigos citas, conhecidos hoje por tártaros, dos
quais descendem os turcos.
■■ Uma mesma pessoa e um mesmo lugar designados com nomes dife-
rentes – Horebe e Sinai são nomes de diferentes picos de uma mesma
montanha, contudo, às vezes um ou outro deles designa a montanha
inteira. Antigamente, o lago de Genesaré (Lucas 5.1) se chamava mar de
Quinerete, depois passou a se chamar mar da Galileia (Mateus 4.18) ou
mar de Tiberíades (João 21.1).

A atual Abissínia se chama Etiópia e Cuxe, às vezes designando este último


nome, a Arábia ou a Índia. A Grécia tanto é Java quanto propriamente Grécia

O TEXTO BÍBLICO
185

(Isaías 66.19; Zacarias 9.13; Daniel 8.21); Egito às vezes se chama Cam (Salmo
78.51), e outras Raabe (Isaías 51.9). Algumas vezes, o mar Morto recebe o nome
de mar da planície (II Reis 14.25) por ocupar a planície onde estavam as cidades
de Sodoma e Gomorra; mar do Leste (Zacarias 14.8), em razão de sua posição
para o oriente (leste), contando desde Jerusalém; e ainda mar Salgado (Gênesis
14.3; Josué 12.3). O Nilo chama-se Sibor, porém com mais frequência o Rio,
nomes esses que também, às vezes, outros rios (Naum 3.8). O Mediterrâneo
tem o nome de mar dos filisteus (Êxodo 23.31), povo que vivia em seu litoral;
outras vezes, mar Ocidental (Deuteronômio 11.24) e com mais frequência, mar
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Grande (Números 34.6,7). Já a terra da Judeia, Palestina, terra dos Pastores e


Terra Prometida (Êxodo 15.15; I Samuel 13.19; Hebreus 11.9).
Por fim, Levi, citado em Marcos 2.14, e Mateus são nomes do mesmo dis-
cípulo “sentado na coletoria”. Tomé e Dídimo são nomes que se referem ao
mesmo discípulo que ficou conhecido por seu encontro com o Cristo ressus-
citado. Tadeu, Lebeu e Judas são os diferentes nomes do apóstolo Judas, não o
Iscariotes. E Natanael e Bartolomeu são também os nomes do mesmo discípulo
elogiado por Jesus.39
Outro autor que trabalha a questão dos Hebraísmos é Esdras Costa Bentho,
abaixo apresentamos de forma resumida algumas de suas informações:
Bentho (2003, p. 209) diz que para que haja uma compreensão adequada
das Escrituras, é necessária uma compenetração e empatia à cultura hebraica.
Os hagiógrafos deixaram registrados nas Escrituras os matizes culturais e for-
mas próprias de expressão semita que nos causam estranheza à primeira vista.
São frases recheadas de figuras selváticas e campestres, todas retiradas da obser-
vação do ambiente que cercava os escritos sacros. Pouco adiante ao intérprete
o conhecimento da filologia sacra, se não for acompanhado da compenetração
com o gênio característico da cultura hebraica. O conhecimento filológico e sin-
tático é extremamente essencial; mesmo assim a interpretação pode continuar
cálida, estática, sem qualquer dinamismo. O que cria mobilização na interpre-
tação do texto é justamente essa congenialidade com a cultura e a dicção semita.
Daí a necessidade de se estudar sincronicamente40 as Escrituras, isto é, mergulhar

39 LUND, Eric. Hermenêutica – princípios de interpretação das Sagradas Escrituras. E. Lund, P. C. Nelson.
Tradução Etuvino Adiers. 2. ed. São Paulo: Editora Vida, 2006. p. 143-154.
40 Sincronia é o estudo da linguagem sem levar em consideração sua evolução histórica (diacronia),

Hebraísmos
IV

no ambiente histórico-cultural do hagiógrafo. Não podemos divorciar a análise


sintática da análise cultural.41
Seguindo no texto de Bentho (2003, p. 211), são citados alguns hebraísmos
e suas peculiaridades:
1) Hebraísmo de posse e poder: “Sobre Edom lançarei a minha sandália,
sobre a terra dos filisteus cantarei o meu triunfo” (Salmo 108.9; 60.8, cf. Gênesis
14.23). Nesse texto, “lançar a sandália” refere-se ao ato de tomar posse de alguma
coisa ou dominar sobre algo. À luz de Rute 4.7, 8, compreendemos que o ato de
descalçar os sapatos fazia parte das transações comerciais da época, indicando o

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
direito legal sobre alguma coisa. Quando o remidor não desejava adquirir aquilo
que estivesse em permuta, dava (passava) o direito ao parente que estivesse na
vez, após ele. O ato era oficializado quando o remidor tirava o sapato e entregava
ao parente mais próximo. Isso era símbolo de que ele estava passando a outrem o
direito sobre aquela propriedade (Deuteronômio 25.5-11, sobre a lei do levirato42).
Além disso, devemos acrescentar que o pé, para os antigos hebreus, era símbolo
de poder (Salmo 36.11). O símbolo deriva-se do ato de o vencedor colocar o pé
na nuca do vencido (Josué 10.24; Salmo 110.1). Daí, “lançar a sandália” é uma
extensão do hebraísmo “pé” que conotava o poder e domínio sobre alguma coisa.
2) Hebraísmo de felicidade e suficiência: “A minha alma se farta, como de
tutano e de gordura; e a minha boca te louva com alegres lábios” (Salmo 63.5).
A escolha desse texto justifica-se porque ele descreve dois aspectos do mesmo
hebraísmo: suficiência e sentimento. Já em Gênesis 41, aprendemos que as vacas
gordas representam prosperidade, suficiência, abundância e, consequentemente,
a felicidade (versos 26, 29), enquanto as magras, necessidade, escassez, fome
e tristeza (versos 27, 30). Imagens como essas eram frequentes no Crescente
Fértil. No que diz respeito ao aspecto sentimental, a gordura era considerada
pelos judeus de então a sede dos sentimentos por estar intrinsecamente relacio-
nada às entranhas, enquanto o sangue, com a sede de vida. Daí, usar-se quase
sempre no cerimonialismo levítico a junção entre sangue e gordura. Enquanto

considerando, portanto, o mecanismo pelo qual uma língua funciona num dado momento. Fonte:
Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, 2012. (Eletrônico).
41 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 210
42 Costume observado entre alguns povos primitivos, que obrigava um homem a casar-se com a viúva de
seu irmão quando este não deixava descendência masculina (o filho desse casamento era considerado
descendente do falecido). Este costume é mencionado no Antigo Testamento como uma das leis de
Moisés. Fonte: Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, 2012. (eletrônico).

O TEXTO BÍBLICO
187

o sangue representava a expiação, a gordura representa uma celebração pelas


riquezas ministradas ao ofertante. Entendemos, pois, que os escritores sagrados
procuravam expressar-se utilizando-se do dinamismo de sua língua-cultura, em
vez de confinar no sentido dos termos aos valores estáticos da língua. Por isso,
os substantivos abstratos alegria, felicidade, poder e domínio eram substituídos
por termos concretos, tais como: gordura, tutano, sandália e pé.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Crescente fértil é o nome dado a uma região do Oriente Médio, historica-


mente habitada por diversos povos e civilizações desde os mais primitivos
estágios de evolução do homem moderno. Seu nome deriva precisamente
do fato dessa região, em forma de lua crescente, ser extremamente propícia
à agricultura, literalmente “rasgando” áreas desérticas completamente inós-
pitas, impróprias para povoamento constante e estável. Tal condição vanta-
josa à ocupação humana advém do fato dessa região acompanhar o curso
dos rios Tigre e Eufrates (que nascem entre as montanhas Taurus, localiza-
das na atual Turquia), permitindo assim o pleno acesso à água potável, que
também serve para a irrigação das lavouras locais, bem como para criação
de gado. O Crescente abrange as áreas da Mesopotâmia e do Levante (os
territórios ou partes dos territórios de Palestina, Israel, Jordânia, Líbano, Síria
e Chipre), delimitado ao sul pelo deserto da Síria e ao norte o Planalto da
Anatólia. A região é frequentemente denominada o “berço da civilização”,
por ser ali o local de nascimento e desenvolvimento de vários povos, que
atestadamente, antes de quaisquer outros em outras regiões do planeta,
iniciaram o processo de desenvolvimento civilizatório como até hoje o reco-
nhecemos, como através do estabelecimento em um determinado local em
detrimento do nomadismo, o desenvolvimento de cidades, da agricultura,
da roda, da escrita, de diversas ferramentas, além do desenvolvimento do
comércio, isso tudo já existente por volta de 8000 anos atrás naquela mes-
ma área.
Fonte: <http://www.infoescola.com/geografia/crescente-fertil/>. Acesso em: 9 jun
2014.

3) Hebraísmo de contraste ou antítese: os judeus usaram constantemente


a antítese para designar a virtude em contraste com a fraqueza, a sabedoria em

Hebraísmos
IV

oposição à loucura, a prudência contrapondo-se à ingenuidade, o amor ao ódio,


e assim respectivamente. Esses contrastes ilustram uma realidade por meio da
enunciação do oposto, especificamente quando se trata de questões de conduta,
seja ela moral ou religiosa. Na poética hebraica chama-se “paralelismo antitético”,
pois a primeira linha poética entra em franca oposição à segunda. O segundo
verso faz agudo contraste com o primeiro.
4) Hebraísmo de poder e força: um dos fatos interessantes no gênio semita
que dão azo (motivo) a diversas proposições poéticas é a equivalência de signi-
ficados que um objeto concreto empresta a um termo ou expressão abstrativa.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Assim, usaram constantemente exemplos extraídos dos hábitos dos animais, da
praticidade da vida cotidiana e assim por diante. É sob essa ótica que devemos
entender os hebraísmos que conotavam força e poder. Esses conceitos eram
expressos pelos termos rochedo, lugar forte, escudo, chifre.
Salmo 18.2 – “O Senhor é o meu rochedo, e o meu lugar forte, e o meu liber-
tador; o meu Deus, a minha fortaleza, em quem confio; meu escudo, a força
(literalmente chifre) da minha salvação e o meu refúgio”.

Os israelitas usavam frequentes comparações e imagens, visando também,


por esta via, impressionar mais profundamente os ouvintes, já que os he-
breus tendiam a considerar o aspecto dinâmico e vital de cada ser. Sabiam
aproveitar-se largamente dos objetos materiais que os cercavam para ilus-
trar verdades abstratas ou sobrenaturais. Isso justifica o constante uso de
símbolos nas Escrituras. Estes constituem, sem dúvida, um artifício muito
apto a traduzir o sentido concreto e o valor que para a vida têm as proposi-
ções religiosas.
Fonte: BETTENCOURT, Estevão. Para entender o Antigo Testamento. Editora San-
tuário, 1990. p. 52

Bentho (2003, p. 218) recomenda que seja com compenetração e empatia que
nossos olhos devem voltar-se para o texto sagrado. Conhecer as nuanças cultu-
rais e a variedade de expressões retiradas do cenário da criação torna a empresa

O TEXTO BÍBLICO
189

de interpretar não somente austera e conscienciosa, mas também necessária


e plausível. É dentro dessa perspectiva que devemos considerar os símbolos e
tipos das Escrituras.
Símbolos e tipos fazem parte do mesmo contexto dos hebraísmos:
■■ Símbolo: é uma figura, objeto, número ou emblema, cuja imagem repre-
senta, de modo sensível, uma verdade moral ou religiosa. Por meio do
símbolo, uma certa coisa, objeto ou verdade é substituída por um sinal.
No símbolo, um conceito abstrato recebe uma correspondência material e
concreta pela relação existente entre o conceito e o objeto ou símbolo por
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ele representado. Assim, o cajado do pastor, um bastão encurvado, é sím-


bolo de regência; o cetro, de senhorio, de poder e domínio; o casamento,
da união entre Deus e Israel, e Cristo e a Igreja, e assim consequentemente.
Os simbolismos usados pelos escritores bíblicos eram recursos literários
contrários ao significado próprio ou verbal. As realidades sobrenaturais
da religião judaica eram expressas mediante objetos concretos. Também
se compraziam em usar símbolos para designarem as ações e o caráter
dos homens, escreve Bentho (2003, p. 219).
■■ Tipos: enquanto símbolo e recursos poéticos são práticas universais a todas
as religiões e livros, quer sagrados ou não, o tipo é um recurso puramente
bíblico, pois é propositalmente intencionado por Deus nas Escrituras. Os
símbolos e os tipos respiram no mesmo campo de atuação, de forma que
podemos afirmar que todo tipo é um símbolo, mas nem todo o símbolo é
um tipo. Isso porque para que um tipo seja mensurado, é necessário que
este possua certa validação textual posterior, pois se trata de um ato, fato
ou objeto que tenciona uma mensagem profética e até mesmo enigmá-
tica. O símbolo, porém, não reclama a mesma validação, seja ela profética
ou neotestamentária. Acrescente-se a essa proposição o fato de que o tipo
não é variável em sua forma ou estrutura posterior, enquanto os símbo-
los podem receber diversos significados, explica Bentho (2003, p. 220).

Hebraísmos
IV

É importante fazer distinção entre tipos, símbolos e alegorias. O símbolo


tem seu significado à parte do seu campo semântico normal e vai além dele
para representar um conceito abstrato (cruz = vida; fogo = julgamento). A
alegoria é uma série de metáforas em que cada uma dessas acrescenta um
elemento para formar um quadro composto da mensagem, na alegoria do
Bom Pastor (João 10), cada parte transmite algum significado. A tipologia,
no entanto, lida com o princípio do cumprimento análogo. Uma alegoria
compara dois elementos distintos e envolve uma história ou um desenvol-
vimento prolongado de expressões figuradas, ao passo que um tipo é um
paralelo entre duas entidades históricas; a alegoria é indireta e implícita, o
tipo é direto e explícito.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Fonte: ELWELL, Walter A. (ed.). Enciclopédia histórico-teológica da Igreja Cristã.
São Paulo: Vida Nova, 2008. p. 535

Ainda com base no texto de Bentho (2003, p. 226), literalmente o termo


“tipo” significa uma marca visível deixada por algum objeto. Daí a marca dei-
xada na história ou natureza pelo antítipo43. A ideia comum em todos os casos é
a de alguma coisa que se assemelha ou corresponde a outra. O termo por si não
indica que haja uma relação formal entre coisas, seres, pessoas ou objetos, mas
ocorre sem qualquer matiz teológico.
■■ A legitimidade dos tipos: a semelhança básica entre os dois Testamentos
e o uso que o segundo faz do primeiro explicam a validez da tipologia.
A tipologia expressa a forma básica de hermenêutica. O sentido típico
contém traços de predição e de simbolismo, representado pela palavra.
O pão da Páscoa devia ser sem levedura. Literalmente designa aquele ali-
mento sem fermento que acompanha a refeição da Páscoa. Em sentido
típico, designa que a libertação do crente em Cristo implica sua purifi-
cação moral, isto é, a ausência de fermentos pecaminosos (I Coríntios
5.6-8). Por essa razão, é chamado típico ou figurativo, porque aquela tal
coisa ou pessoa é figura de uma outra.

43 Antítipo: termo característico do estudo do sentido típico é o antítipo, que representa ou corresponde
a um modelo. O sentido típico ou a tipologia pode ser definido como o estabelecimento de conexões
históricas entre determinados atos, pessoas ou coisas (tipos) do Antigo Testamento e pessoas ou objetos
do Novo Testamento (antítipos).
Fonte: BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 232

O TEXTO BÍBLICO
191

O sentido típico pode ser:


a. Real: porque é expresso imediatamente por uma coisa;
b. Profético: porque pronuncia realidades futuras;
c. Espiritual: porque transmuta o sentido que a palavra pode exprimir;
d. Enigmático: porque a realidade profética ou espiritual está escondida sob
a realidade indicada pela palavra, ou ainda porque sem a revelação do
Novo Testamento o homem não pode identificá-lo.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

As bases do sentido típico ou tipologia:44


a. Tanto o tipo como o antítipo são realidades históricas que se correspondem.
b. Entre o tipo e o antítipo deve haver algum ponto importante de analogia.
c. O tipo sempre apresenta um caráter preditivo e descritivo.
d. O tipo é determinado pelo próprio Deus.
e. Um verdadeiro tipo apresenta bases neotestamentárias.
f. Em relação à interpretação dos símbolos:

Bentho (2003 p. 220) afirma sobre a interpretação dos símbolos que tanto os
símbolos quanto os tipos devem ser interpretados dentro de seu contexto de ori-
gem, respeitando o sentido intencionado pelo autor, além, é claro, de respeitar as
diversas significações que um mesmo símbolo pode possuir em diferentes épo-
cas, e inseridos no escrito de um mesmo autor sacro. Deve-se, portanto:
1. Considerar os diversos contextos em que o símbolo é usado, antes de afir-
mar que este ou aquele sentido é o pretendido pelo autor.
Outros fatores que devem ser considerados ao interpretar um símbolo
são a situação vivencial do escritor, sua perspectiva histórica, o essen-
cial de sua mensagem e o significado claro do mesmo símbolo usados
em outras passagens do livro.45

44 Mais sobre tipos e antítipos, consultar: BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada.
Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 232-235.
45 MARTÍNEZ, José M. Hermenêutica Bíblica. ViladeCavalls/Barcelona/Espanã, 1984. p. 182

Hebraísmos
IV

2. Considerar o símbolo focalizado com as utilidades representadas pela


própria coisa ou objeto, pelas significações gerais do símbolo em contex-
tos diferentes, e limitá-lo ao sentido pretendido pelo autor.
3. Será esclarecedor, ao mesmo tempo em que interessante, fazer uma var-
redura no significado do símbolo em contextos diferentes do cenário
judaico. Como o ambiente sociocultural bíblico não estava imune às cren-
ças das civilizações e povos aos arredores de Israel, deve-se entender o
caráter pagão de alguns símbolos.

Em relação à interpretação dos tipos:

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
1. Descobrir o sentido literal do tipo. Bentho (2003, p. 235) aponta que
aspecto fundamental na interpretação dos tipos é a apuração do sentido
literal do texto. A exegese deve proceder qualquer afirmação dogmática
ou heurística. Ao fazer o confronto entre os dois termos do sentido típico,
é necessário restringir estritamente ao ponto intencionado por Deus, para
evitar que se entre em detalhes estranhos à tipologia, ainda que pareça
haver algum fundamento analógico.
2. Explica também Bentho que se faz necessário reparar no ponto ou nos
pontos de correspondência adequadamente a fim de não atribuir ao tipo
mais do que realmente prefigura.
3. Reparar nos elementos de contraste ou de diferenças para evitar carac-
terizá-los como aspectos do tipo.
4. Atentar para as afirmações explícitas no Novo Testamento que atestem
a correspondência tipológica.
5. O tipo deve possuir fundamento histórico: afirma Bentho (2003, p. 236)
que essa norma possibilitará decidir nos casos aparentes e duvidosos: se
a relação que se acredita encontrar destrói o sentido histórico, a tipolo-
gia certamente não existe; se o respeita, é possível que exista.46

46 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 235,236

O TEXTO BÍBLICO
193

Observações Gerais sobre a Linguagem Bíblica

Segundo Lund (2012. p. 25), de acordo com o testemunho das próprias Escrituras,
elas foram divinamente inspiradas. A Bíblia é “útil para ensino, para a repreen-
são, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem de Deus seja
apto e plenamente preparado para toda boa obra” (II Timóteo 3.16, 17). Em uma
palavra, a Escritura tem por objetivo tornar o homem “sábio” para a salvação
mediante a fé em Cristo Jesus (II Timóteo 3.15).
Por isso esperamos, com razão, que a Bíblia fale com simplicidade e clareza.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Com efeito, lendo o Novo Testamento, por exemplo, encontramos a cada passo
em suas páginas os grandes princípios e deveres cristãos expressos em lingua-
gem simples e clara, evidente e palpável. Cada página ressalta a espiritualidade
e santidade de Deus; ao mesmo tempo, a espiritualidade e o fervor demandam
a sua adoração.
Em todas as partes, queda e corrupção humanas nos são retratadas, bem
como a consequente necessidade de arrependimento e conversão. Também em
todas as partes são proclamadas a remissão do pecado em nome de Cristo e a
salvação por seus méritos, a vida eterna pela fé em Jesus e, ao mesmo tempo, a
morte eterna pela falta de fé no Salvador. A cada etapa aparecem os deveres cris-
tãos em todas as circunstâncias da vida e as promessas de ajuda do Espírito de
Deus no combate contra a corrupção e o pecado. Essas verdades brilham como
a luz do dia, de modo que nem o leitor mais superficial e indiferente deixará de
percebê-las.
Todavia, o que acontece com o discernimento47? O mesmo que em outros
livros. No livro mais simples da escola primária, que se ocupa tão somente de coi-
sas terrenas, encontram-se, por exemplo, palavras e passagens que a pessoa não
compreende sem estudos. Seria, portanto, estranho encontrar palavras e passa-
gens de difícil compreensão nas Sagradas Escrituras que em linguagem humana
tratam de coisas divinas, espirituais e eternas? Se em uma província da Espanha
são usados modos ou figuras de expressão que em outra não se compreendem

47 Capacidade de compreender situações, de separar o certo do errado; capacidade de avaliar as coisas com
bom senso e clareza; juízo, tino, conhecimento, entendimento. Fonte: Dicionário da Língua Portuguesa
Houaiss, 2012. (Eletrônico).

Observações Gerais sobre a Linguagem Bíblica


IV

sem interpretação, por que não seria estranho encontrar tais figuras e expres-
sões nas Escrituras, que foram escritas em países distantes e bem diferentes do
nosso? Se todo o escrito antigo oferece pontos obscuros, por acaso seria estranho
que os tivesse um livro inspirado por Deus a seus servos de diferentes épocas, há
centenas e milhares de anos? Assim, é bastante natural que as Escrituras conte-
nham pontos obscuros, palavras e passagens que requerem estudo e cuidadosa
interpretação.
É importante lembrar aqui que unicamente em tais casos de dificuldade, e
não com relação ao simples e claro, precisamos dos conselhos da hermenêutica

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
a fim de que nosso estudo acabe sendo proveitoso e nossa interpretação, correta.
Bem, então imaginemos que chegue até nós um documento, testamento ou
legado que muito nos interesse e represente uma grande fortuna, contudo, nele
existem detalhes que trazem algumas palavras e expressões de difícil compreen-
são. Como ou de que maneira faríamos para conseguir o verdadeiro significado
de tal documento? Sem dúvida, em primeiro lugar, pediríamos explicação ao
autor do texto, se isso fosse possível.
No entanto, se ele prometesse nos esclarecer com a condição de que trabalhás-
semos, examinando-o nós mesmos, o mais comum e acertado seria certamente
ler e reler o documento, tomando as palavras e frases no sentido usual e corrente.
Com relação às palavras obscuras, naturalmente buscaríamos seu significado e
esclarecimento, em primeiro lugar, pelas palavras próximas ou contíguas às obs-
curas, isto é, pelo conjunto da frase em que ocorrem.
Entretanto, se ainda ficássemos sem luz, procuraríamos a clareza pelo con-
texto, ou melhor, pelas frases anteriores e seguintes ao ponto obscuro. Isto é, pelo
fio ou tecido circunscrito ao tópico de difícil entendimento.
Se para isso não bastasse o contexto, consultaríamos todo o parágrafo ou
passagem, fixando-nos no objetivo, na intenção ou no propósito a que se dirige
a passagem.
E se ainda não obtivéssemos a clareza desejada, buscaríamos luz em outras
partes do documento a fim de verificar se haveria parágrafos ou frases semelhan-
tes, porém mais explícitas, que se ocupassem do mesmo assunto que a expressão
obscura que nos causa perplexidade.

O TEXTO BÍBLICO
195

Em resumo, procederíamos de maneira que o próprio documento fosse seu


intérprete. Isso porque, ao conduzi-lo a esse ou àquele advogado, estaríamos con-
trariando a vontade do generoso autor e, no final, correríamos o risco de uma
interpretação por interesse e pouco rigorosa.
Tratando-se da interpretação das Sagradas Escrituras, do duplo Testamento
de Nosso Senhor, o procedimento indicado, além de ser o mais usual e simples,
é o mais acertado e seguro48, afirma Lund.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Acomodação bíblica é a aplicação de um texto bíblico a pessoas ou coisas


inteiramente diversas daquelas que o autor intencionou, por uma certa se-
melhança. Em princípio, é lícita: justifica-se pelo uso ilustrativo no sermão
ou no ensino, entretanto, não é lícito ensiná-la como Palavra de Deus ou
como um sentido intencionado por Deus ou pelo hagiógrafo.
Fonte: BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro:
CPAD, 2003. p. 237

48 LUND, Eric. Hermenêutica: princípios de interpretação das Sagradas Escrituras. 2.ed. São Paulo: Editora
Vida, 2012. p. 25-29.

Observações Gerais sobre a Linguagem Bíblica


1. Após a leitura de parte da obra de Esdras Bentho, indicada como material com-
plementar, de forma resumida, apresente comentário sobre: (1) Poética Hebrai-
ca; (2) Figuras de Linguagem.
2. Após a leitura da primeira parte da obra de CARSON, apresentada como material
complementar, de forma resumida, apresente os pontos principais que o autor
aborda sobre as falácias na exegese.
3. Apresente um comentário sobre o texto do Anexo 4.
4. Discorra sobre a interpretação bíblica que nasce de uma leitura e pesquisa feita
com criticidade.

Anexo 4 [Ler de forma crítica... sempre. Rodrigues, Maria Paula (org.)]


BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de
Janeiro: CPAD, 2003. p. 261-336.
CARSON, D. A. A Exegese e suas falácias. São Paulo: Vida Nova, 1992. p.
63-132.
Professor Me. Marcelo Aleixo Gonçalves

TRANSPOSIÇÕES

V
UNIDADE
NECESSÁRIAS

Objetivos de Aprendizagem
■■ Analisar a transposição do abismo cultural, gramatical e literário.
■■ Apresentar o Antropomorfismo e o Antropopatismo.
■■ Verificar o emprego do Antigo Testamento no Novo Testamento.
■■ Analisar questões como a contextualização.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■■ Transposição do abismo cultural, gramatical e literário
■■ O emprego do Antigo Testamento no Novo Testamento
■■ Contextualização – a aplicação da Palavra de Deus para os nossos
dias
199

Transposição do Abismo Cultural, Gramatical


e Literário

Para apresentar este tópico, recorremos a Roy Zuck, que em sua obra A
Interpretação Bíblica, traz este tema que é importante para o entendimento da
interpretação dos textos bíblicos.

A Transposição do Abismo Cultural


Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Zuck (1994, p. 88) explica a importância de se levar em conta na interpretação do


texto bíblico a questão do contexto cultural, pois pelo contexto, no qual explica
a frase, seu sentido fica claro. Se não fizermos isso, ficará precário o resultado de
nosso trabalho, pois há um abismo cultural entre nós e eles.
As pessoas costumam fazer isso com a Bíblia, ou seja, isolam uma palavra,
uma frase ou um parágrafo e pensam que significa o que acham que significa.
Não levar em consideração o contexto consiste num dos problemas mais graves
na interpretação bíblica. Se desconsiderarmos o “meio envolvente” (o entorno
do verso) de um versículo bíblico, poderemos acabar interpretando-o de forma
completamente errada. Precisamos levar em conta as frases e os parágrafos que
antecedem e sucedem o versículo em questão e, ainda, considerar o contexto
cultural em que aquela passagem e até mesmo o livro inteiro foram escritos.
A importância desse procedimento decorre das diferenças culturais que exis-
tem entre nossa cultura ocidental e a cultura dos tempos bíblicos.
Para entender a Bíblia, adequadamente, precisamos esvaziar nossas
mentes de todas as ideias, opiniões e métodos modernos e procurar
transportar-nos para a época e o ambiente em que viviam os apóstolos
e os profetas que a escreveram.1

Quanto mais tentamos transportar-nos para o contexto histórico dos autores bíbli-
cos e nos desvincular de nossas próprias culturas, mais cresce a probabilidade
de interpretarmos as Escrituras com maior precisão. Quando os reformadores

1 John F. Johnson. Analogei fidei as hermeneutical principle. Springfielder 36: 249, 1973.

Transposição do Abismo Cultural, Gramatical e Literário


V

(Martinho Lutero, Philip Melanchton, João Calvino, Ulrich Zuínglio e outros)


acentuaram a necessidade do retorno às Escrituras, eles ressaltaram a interpre-
tação histórica, gramatical. Com “histórica”, estavam se referindo ao contexto
em que os livros da Bíblia foram escritos e às circunstâncias em jogo. Com “gra-
matical”, referiam-se à apuração do sentido dos textos bíblicos mediante estudo
das palavras e das frases em seu sentido normal e claro. Pode-se somar outro
aspecto da interpretação a esses dois, a saber, o retórico. A interpretação retórica
sugere estudar como as características literárias de um trecho bíblico influem
em sua interpretação. Conjugando as três, podemos falar de uma interpretação

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
histórica, gramatical e retórica. Esta unidade versa sobre a interpretação histó-
rica, examinando as circunstâncias e o contexto cultural em que os textos foram
escritos. O contexto em que determinada passagem bíblica foi escrita influi no
entendimento que se terá dela. O contexto abrange vários elementos:
■■ O(s) versículo(s) imediatamente anterior(es) e posterior(es);
■■ O parágrafo e o livro em que o versículo se encontra;
■■ A dispensação em que foi escrito;
■■ A mensagem de toda a Bíblia;
■■ O ambiente histórico-cultural da época em que foi escrito.

É importante conhecer as circunstâncias que cercavam determinado livro da


Bíblia. Para tanto, procura-se responder às seguintes perguntas:
■■ Quem escreveu o livro?
■■ Em que época foi escrito?
■■ O que levou o autor a escrevê-lo?
■■ Em outras palavras, a que problemas, situações ou necessidades ele estava
referindo-se?
■■ De que trata o livro? Ou seja, qual é seu tópico ou tópicos principais?
■■ Para quem foi escrito? Quer dizer, quem foram os primeiros leitores ou
ouvintes?

TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
201

As respostas a essas indagações podem ajudar-nos a discernir o que o livro está


dizendo. Precisamos ter a preocupação de identificar o ambiente cultural em que
os escritores humanos da Bíblia trabalharam. Em qualquer cultura ou época,
os escritores de um documento, assim como os leitores, sofrem a influência do
contexto social. Dada a existência de um abismo cultural entre nossa era e os
tempos bíblicos – e como nosso objetivo na interpretação bíblica é descobrir o
sentido original das Escrituras – é imperativo que nos familiarizemos com a cul-
tura e os costumes de então.2
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

A não ser que acreditemos que a Bíblia tenha caído do céu de paraquedas,
escrita com uma pena celestial, em uma língua celestial curiosa, exclusiva-
mente adequada como instrumento de revelação divina, ou então, que foi
ditada por Deus direta e imediatamente, sem referência a nenhum costume
regional, estilo ou perspectiva, seremos obrigados a encarar os abismos cul-
turais. Isto é, a Bíblia retrata a cultura de sua época.
Fonte: R. C. SPROUL. Knowing Scripture, Downers Grove, InterVarsity, 1979, p.
102.

A questão da Cultura

Zuck (1994, p. 90) traz que os dicionários definem “cultura”3 como “o con-
junto dos moldes de comportamento, crenças, instituições e valores espirituais
e materiais característicos de uma sociedade”. Portanto, a cultura envolve o que
as pessoas pensam e creem, dizem, fazem e produzem. Estamos falando de suas
crenças, formas de comunicação, costumes e hábitos, e de elementos materiais,

2 ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. São Paulo: Vida Nova,
1994. p. 90
3 No ponto de vista da antropologia, cultura é o conjunto de padrões de comportamento, crenças,
conhecimentos, costumes etc. que distinguem um grupo social. É também a forma ou etapa evolutiva das
tradições e valores intelectuais, morais, espirituais (de um lugar ou período específico); características de
uma civilização. Fonte: Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, 2012. (eletrônico).

Transposição do Abismo Cultural, Gramatical e Literário


V

como ferramentas, habitações, armas etc. A cultura de um indivíduo abrange


vários níveis de relacionamentos e influências – suas relações com outras pes-
soas e grupos, a função que exerce na família e na classe social e a nação ou
governo a que está sujeito. A religião, a política, as operações militares, as leis, a
agricultura, a arquitetura, o comércio, a economia e a geografia da região onde
o indivíduo vive e por onde viaja, o que ele e outros escreveram e leram, o que
ele veste e a(s) língua(s) que fala –, tudo isso influencia seu modo de vida e, no
caso de ser um autor bíblico, o que ele escreve.
A questão da aplicabilidade cultural é importante por causa das duas fun-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ções do intérprete: descobrir o significado do texto para os primeiros leitores,
dentro daquele contexto cultural, e verificar seu significado para nós, hoje, em
nosso contexto. Deve ser óbvio que nem todos os costumes bíblicos têm apli-
cação hoje em dia, se tivessem, então, quando você compra uma casa, o antigo
dono deve tirar uma das sandálias e dá-la a você, o comprador, como aconte-
ceu em Rute 4.8.4
Zuck (1994, p. 106-111) oferece alguns princípios para contribuir à busca
pela interpretação bíblica:
1. Certas situações, mandamentos ou princípios são aplicáveis, contínuos
ou irrevogáveis e/ou dizem respeito a temas morais e teológicos e/ou são
repetidos em outra parte das Escrituras, sendo, portanto, permanentes
e transferíveis para nós.
2. Certas situações, mandamentos ou princípios dizem respeito às circuns-
tâncias específicas de um indivíduo não aplicáveis e/ou a temas que não
possuem caráter moral ou teológico e/ou foram revogados, sendo, por-
tanto inaplicáveis na atualidade.
3. Determinadas situações ou mandamentos dizem respeito a contextos
culturais que se assemelham apenas parcialmente ao nosso e nos quais
só os princípios são aplicáveis.
4. Certas situações ou mandamentos dizem respeito a contextos culturais
totalmente diferentes, mas em que os princípios se aplicam.

4 ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. São Paulo: Vida Nova,
1994. p. 103,104

TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
203

Às vezes fica difícil saber se devemos seguir o terceiro ou o quarto princípio


discutido anteriormente, quando abordamos a questão de costumes culturais
restritos ou transcendentes. Talvez as etapas relacionadas abaixo sejam úteis.
Primeira: veja se o costume naquela cultura tem um significado diferente
em nossa cultura.
Segunda: se o costume tem significado diferente para nós, descubra o prin-
cípio permanente que o norteia.
Terceira: verifique como esse princípio pode ser expressado num equiva-
lente cultural.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

O discernimento espiritual e o estudo cuidadoso das Escrituras são elemen-


tos importantes na análise do impacto dos aspectos culturais na interpretação
da Bíblia.5

A Transposição do Abismo Gramatical

Zuck (1994, p. 114-141) escreve que um fato característico da Reforma6


(Protestante) foi o retorno à interpretação histórica e gramatical das Escrituras.
Esse método contrapunha-se radicalmente ao esquema de interpretação bíblica
dos termos que vinha sendo normal e que permitia que os leitores atribuíssem
a palavras e frases o significado que desejassem. As palavras, expressões e frases
da Bíblia adquiriram muitos significados na Idade Média, e a objetividade foi
se perdendo. “Então, como a Bíblia podia ser uma revelação divina clara?”, per-
guntavam os reformadores. Eles argumentavam que Deus havia transmitido sua
verdade por escrito, empregando palavras e frases cujo sentido normal, evidente,
o homem deveria ser capaz de compreender, portanto, quanto melhor enten-
demos a gramática bíblica e o contexto histórico em que aquelas frases foram

5 ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. São Paulo: Vida Nova,
1994. p. 106-111
6 Reforma Protestante: termo geral para designar o período de profundas mudanças eclesiásticas e
teológicas no cristianismo ocidental com raízes no século XIV, mas estendendo-se até o século XVII. A
Reforma refere-se mais especificamente ao rompimento com a igreja Católica Romana efetuado no século
XVI por homens notáveis como Martinho Lutero, Ulrico Zuínglio e João Calvino. Eles protestavam contra
o que consideravam ser a decadência geral da Igreja Romana e o afastamento dela em relação ao que para
eles era a fé dos apóstolos e dos pais da igreja primitiva. Fonte: GRENZ, Stanley J.; GURETZKI, David;
NORDLING, Cherith FEE. Dicionário de Teologia. 3. ed. São Paulo: Vida, 2002. p. 114

Transposição do Abismo Cultural, Gramatical e Literário


V

inicialmente comunicadas, tanto mais compreenderemos as verdades que Deus


quis transmitir-nos. Os reformadores almejavam levar as pessoas a adotarem o
mesmo tratamento que dispensavam à Bíblia os pais da igreja primitiva, entre
os quais Clemente de Roma, Inácio, Policarpo e Ireneu, e também os doutores
da escola Antioquina, entre eles Luciano, Diodoro, Teodoro da Mopsuéstia, João
Crisóstomo e Teodoreto.
Vários fatores destacam a importância de atentar para a gramática bíblica (os
significados de palavras e frases e a maneira como são combinadas).
Em relação à natureza da inspiração: se cremos que a Bíblia foi verbalmente

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
inspirada, então acreditamos que cada palavra nela contida é importante. Talvez
nem todas as palavras e frases tenham a mesma importância, mas todas têm uma
finalidade. Do contrário, por que Deus as teria incluído?
A interpretação gramatical é o único método que respeita integralmente
a inspiração verbal das Escrituras. Se uma pessoa não acredita que a Bíblia foi
verbalmente inspirada, seria uma contradição e no mínimo estranho se ela se
preocupasse com os aspectos gramaticais.

Os pensamentos são expressos por meio de palavras, e as palavras são os


elementos que constituem as frases. Assim sendo, para descobrir os pen-
samentos de Deus, precisamos estudar suas palavras e como elas são com-
binadas nas frases. Se negligenciarmos os significados das palavras e a ma-
neira como são empregadas, não teremos como saber quais interpretações
são corretas. A afirmação de que é possível atribuir à Bíblia o sentido que se
deseja só é verdade quando se despreza a interpretação gramatical.
Fonte: ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia.
São Paulo: Vida Nova, 1994. p. 114

Afirma Zuck (1994, p. 115) que nossa meta no estudo bíblico é descobrir
com a maior exatidão possível o que Deus quis dizer com cada uma das palavras
e frases que colocou nas Escrituras. Quando falamos de interpretação gramatical

TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
205

da Bíblia, referimo-nos ao processo de tentar descobrir seu significado por meio


da verificação de quatro aspectos:
a. O significado das palavras (lexicologia7);
b. A forma das palavras (morfologia);
c. A função das palavras (partes do discurso);
d. A relação entre as palavras (sintaxe).

Existem quatro fatores que determinam o significado de uma palavra:


Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

1. Examinar a etimologia das palavras;


2. Descobrir o emprego das palavras;
3. Descobrir os significados das palavras semelhantes (sinônimos) e opos-
tas (antônimos);
4. Examinar o contexto.8

A Transposição do Abismo Literário

Zuck (1994, p. 144) explica que quanto mais você conhecer os modelos, os
estilos e os formatos dos diversos elementos de um livro bíblico, mais conhe-
cerá seu objetivo e suas características singulares e melhor o compreenderá. Esse
aspecto costuma ser esquecido no estudo e na interpretação bíblica. Por um lado
isso é compreensível, pois um bom projeto não atrai toda a atenção para si. Mas,
mediante um exame minucioso, você percebe a sabedoria que o norteou.
■■ Interpretação Retórica: algumas definições dicionarizadas do termo
“retórica” são as seguintes: “estilo de linguagem” e “arte de escrever ou

7 Parte da linguística que estuda o vocábulo quanto ao seu significado, constituição mórfica e variações
flexionais, sua classificação formal ou semântica em relação a outros vocábulos da mesma língua, ou
comparados com os de outra língua, em perspectiva sincrônica ou diacrônica. Fonte: Dicionário da
Língua Portuguesa Houaiss, 2012. (eletrônico).
8 ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. São Paulo: Vida Nova,
1994. p. 116

Transposição do Abismo Cultural, Gramatical e Literário


V

falar cuja forma de comunicação preocupa-se com o aspecto literário”.


A “interpretação retórica” refere-se, portanto, ao estudo de como o estilo
(vocábulos ou formas de expressão particulares) e a forma (estrutura
sintática) influenciam o modo como o texto deve ser entendido. A inter-
pretação retórica consiste na determinação da qualidade literária de um
documento mediante a análise do gênero (tipo de composição), de estru-
tura (disposição dos elementos) e das figuras de linguagem (expressões
que adicionam colorido e força ao texto) e de como esses fatores partici-
pam do sentido do texto. O exame desses elementos precisa ser incluído
no exame e na interpretação bíblica porque, sendo a Bíblia um livro, ela
é, portanto, uma obra literária.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A Bíblia fala de pessoas reais, vivas. A literatura bíblica está repleta de aventuras,
fatos maravilhosos, batalhas, personagens sobrenaturais, vilões, heróis valentes,
heroínas belas e corajosas, cárceres, sagas, histórias de resgates, romantismo,
heróis juvenis. A literatura bíblica tem vida. Os estudiosos das Escrituras cos-
tumam passar a impressão de que a literatura bíblica é como um documento
maçante que se deve destrinchar e colocar em exposição, como uma relíquia de
culturas primitivas.9
Como literatura, a Bíblia traz o registro de experiências humanas. Ela fala de
emoções e conflitos, vitórias e derrotas, alegrias e tristezas, defeitos e pecados,
prejuízos e benefícios espirituais. Intrigas, suspense, emoções, fraquezas, desi-
lusões, contratempos. Essas e muitas outras experiências do ser humano podem
ser encontradas ali. A Bíblia foi escrita por autores capazes.10

9 RYKEN. Literary criticism of the Bible: some fallacies. In: Kenneth R. R. Gros Louis; James Ackerman;
Thayer S. Warshaw, eds., Literary interpretations of biblical narratives, Nashville, Abingdon, 1974, p. 29
10 ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. São Paulo: Vida Nova,
1994. p. 146

TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
207

Antropomorfismo e Antropopatismo

“Deus é espírito, e é necessário que os seus adoradores o adorem em espí-


rito e em verdade” (João 4.24).

Em boa parte das igrejas evangélicas no Brasil, os crentes possuem um conceito e


visão equivocada de Deus. Para alguns deles, crer que Deus possui forma corpó-
rea, tal qual o homem, é proposição de fé. Geralmente, essa forma de compreensão
não está baseada na má compressão dos textos que atribuem a Deus certas carac-
terísticas corpóreas, mas bem investigado, veremos que se trata de uma suposta
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

revelação divina. Reafirmamos que Deus continua a revelar-Se nos dias hodier-
nos, mas a pretensão de afirmar que alguém viu a Deus e que Ele possui esta ou
aquela forma corpórea cheira ao politeísmo grego. Até as teofanias visíveis no
Antigo Testamento não foram similares (Êxodo 3.2-6; 19.18-20; Daniel 9.9-14).
Às vezes foram manifestações angélicas (Juízes 2.1; 6.11,14), humanas (Gênesis
18.1-2, 13, 14), e não humanas (Gênesis 15.17; Êxodo 19.18-20). Outras vezes
apenas audíveis (I Reis 19.12, 13; Mateus 3.17).11

Antropomorfismo

Figura de linguagem utilizada pelos escritores da Bíblia em que características


físicas do ser humano são atribuídas a Deus com o propósito de ressaltar algo
importante. Por exemplo, a Bíblia às vezes se refere à “face” ou ao “braço” de Deus,
apesar de Deus se revelar como Espírito não limitado ao tempo e ao espaço por
um corpo físico. O antropomorfismo essencialmente ajuda a tornar mais con-
cretas certas verdades abstratas sobre Deus.12
Ou seja, no antropomorfismo se confere a Deus e objetos atributos e atos
humanos. É a atribuição de caráter e formas humanas a quem não é humano.
Bentho (2003, p. 237) escreve sobre o antropomorfismo e nos informa que
nas Escrituras verifica-se que os escritores sacros não hesitaram em conceber o

11 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 258
12 GRENZ, Stanley J.; GURETZKI, David; NORDLING, Cherith FEE. Dicionário de Teologia. 3. ed. São
Paulo: Vida, 2002. p. 11, 12

Antropomorfismo e Antropopatismo
V

mundo irracional com características humanas (prosopopeia13), e nem de atribuir


a Deus essas características. É certo que essa forma, algumas vezes rústica, não
agrada a consciência estética do homem moderno, pois descrever a Deus com o
nariz fumegando e com a boca rubra pelas brasas ardentes que dela saem (Salmo
18.8) talvez careça de um retoque poético. Dificilmente em nossa época alguém
descreveria o Eterno com essa linguagem. Entretanto, essas imagens antropo-
mórficas estão carregadas de significados concretos que devem ser entendidos
segundo os matizes e gênio peculiar dos hagiógrafos. Subentendida essa reali-
dade, devemos concluir que os antropomorfismos são, na realidade, metáforas

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
pelas quais os escritores sagrados procuraram descrever os atributos da divin-
dade, ou clarear, com o uso de signos concretos, certas realidades espirituais.
Temos então que os antropomorfismos são recursos simbólicos, figurados e
poéticos, presentes em todas as religiões, pois são inevitáveis à natureza humana,
onde o conhecimento preliminar das coisas processa-se por meio dos sentidos.14
Recorreu-se a essa figura de linguagem na tentativa de se arriscar falar algo
sobre Deus, embora se saiba que tudo que possamos utilizar para defini-Lo ou
apresentá-Lo O diminua conceitualmente, haja vista que Ele é maior do que
tudo o que possamos dizer. As palavras, qualificações, explicações O diminuem,
O prendem, ajustam a conceitos humanos, sendo assim, menores do que Deus,
mas não há outra forma, somente assim nos arriscamos a aproximá-las da gran-
deza conceitual de Deus.

Antropomorfismo – a razão da utilização

Bentho (2003, p. 237) explica a razão dos escritores bíblicos recorrerem ao


antropomorfismo, pois os israelitas não gostavam da abstração. Eram circunló-
quios15 e estavam interessados em descrever as características essenciais de Deus

13 Prosopopeia: figura pela qual o orador ou escritor empresta sentimentos humanos e palavras a seres
inanimados, a animais, a mortos ou a ausentes; personificação, metagoge. É uma figura de linguagem que
atribui características humanas (vida), personificando assim seres ou coisas inanimadas.
Fonte: <www.dicio.com.br>.
14 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 237
15 Uso excessivo de palavras para emitir um enunciado que não chega a ser claramente expresso; rodeio,

TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
209

por meio de longas descrições do que usara síntese. Partiam do concreto para
o abstrato, isto é, preferiam descrever as coisas sensíveis e abstratas mediante
atos ou gestos concretos. Não somos acusados de frisar que, em nossa experi-
ência cristã, encontramos muitos irmãos queridos que rejeitam a realidade dos
antropomorfismos, atribuindo mesmo a Deus as características corpóreas dos
homens. Confundem corporeidade com personalidade, e espírito com a maté-
ria. Quando afirmamos que Deus é espírito, dizemos que Ele é real, apesar de
ser invisível aos olhos humanos.
→ Ninguém jamais viu a Deus em Sua glória – Colossenses 1.15; I Timó-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

teo 6.16; João 1.18; I João 3.2.


→ A afirmação de que Deus é espírito leva-nos a concluir que Ele é incor-
póreo, mas pessoal. Um espírito não possui carne e osso – Lucas 24.39;
Números 23.19; Oséias 11.9; João 5.37.
→ Contudo, consideramos ser necessário observar mais atentamente a
proposição de que Deus não possui corpo humano:
■■ Por não possuir partes corporais, Deus não está sujeito às limitações a
que estão sujeitos os seres humanos;
■■ Por ser incorpóreo, não possui faculdades sensoriais como um homem
e, por isso, não está sujeito às paixões humanas;
■■ Por ser incorpóreo, não se compõe de nenhum elemento material, e não
está sujeito às condições naturais;
■■ Por ser incorpóreo, subentende-se que Ele deve ser adorado de modo não
corpóreo, e sim espiritual (João 4.24), pelas faculdades da alma, vivificadas
e iluminadas pelo Espírito Santo (I Coríntios 2.14; Colossenses 1.15-17);
■■ Isso posto, Deus não pode ser visto com olhos naturais e nem apreendido
pelos sentidos físicos. Com essas declarações, não estamos afirmando que:
(1) Deus seja um hálito, vento ou algo amorfo, irreal, sombrio, pois Jesus
referiu-se à forma de Deus (João 5.37); (2) Deus seja impessoal, despro-
vido de atributos de personalidade, pois entendemos que corporeidade
não equivale à personalidade.16

circunlocução, circuito de palavras. Fonte: Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, 2012. (eletrônico).
16 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 238, 239

Antropomorfismo e Antropopatismo
V

Os escritores sagrados não se intimidavam no momento de conceber as


realidades abstratas e sensíveis do Criador e da criação natural em termos
puramente humanos. Para tanto, aplicavam desmesuradamente os antro-
pomorfismos a fim de realçar certas características, tanto afetuosas quanto
metafísicas, que não poderiam ser facilmente perceptíveis. Assim, aplicaram
os antropomorfismos à natureza (Gênesis 4.10, 11; Isaías 44.23; 55.12) e ao
Criador. Do Criador, é dito ter:

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
• Face (Êxodo 33.14)
• Mãos (Salmo 10.12; Êxodo 33.23)
• Ouvidos (I Samuel 8.21; Salmo 17.6)
• Lábios (Jó 11.5; Isaías 30.27)
• Língua (Isaías 30.27)
• Pálpebras (Salmo 11.4)
• Olhos (Salmo 11.4; Deuteronômio 11.12; I Samuel 15.19)
• Dedos (Êxodo 31.18)
• Pés (Salmo 18.9; Naum 1.3)
• Costas (Êxodo 33.23)
• Voz (Gênesis 3.8; I Samuel 15.19)
• Narinas (Êxodo 15.8; Salmo 18.8-16)
• Asas e penas sob as quais protege os justos (Salmo 91.4);
• Um belo manto, cujas orlas enchem o templo (Isaías 6.1);
Além dessas características antropomórficas, o Senhor:
• Ruge (Amós 1.2);
• Assovia (Isaías 7.18);
• Dorme (Salmo 44.23);
• Desperta-se como dum sono (Salmo 78.65);
• Cavalga sobre um querubim (Salmo 18.10).
Fonte: BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro:
CPAD, 2003. p. 239, 240.

TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
211

Antropopatismo

O antropopatismo é a atribuição de sentimentos humanos a Deus e seres que


não são humanos, isto é, atribuição de características humanas a elementos da
natureza, animais, divindades.17
Bentho (2003, p. 242) explica que na mentalidade primitiva dos hagiógra-
fos, os antropopatismos registravam os afetos humanos que marcam a figura do
Senhor. O termo “antropopatismo” é de origem grega, proveniente de dois ver-
betes anthropos, “homem” e pathos, que significa “afeto” ou “paixão”. Literalmente
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

é paixão ou afeto humano.


Tanto antropomorfismo como antropopatismo fazem parte dos recursos de
linguagem que precisam ser entendidos e considerados na busca de uma clara
interpretação dos textos bíblicos.

Principais dos primordiais sentimentos atribuídos a Deus:


• O desgosto (Levítico 20.23);
• Aversão (Salmo 106.39-40);
• Zelo (Êxodo 20.5; 34.14);
• Vingança (Êxodo 32.24; Deuteronômio 32.25; Isaías 1.24);
• Cólera (Êxodo 15.7; Isaías 9.19);
• Complacência (Jeremias 9.23);
• Alegria (Deuteronômio 28.63; Salmo 104.31; Sofonias 3.17);
• Arrependimento (Gênesis 6.6; I Samuel 15.35; Jeremias 26.13).
Fonte: BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro:
CPAD, 2003. p. 242

17 Fonte: Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, 2012 (eletrônico).

Antropomorfismo e Antropopatismo
V

A Importância da Língua Hebraica e Outros


Recursos da Linguagem Hebraica

A língua hebraica, hoje, só tem algo em torno de cinco milhões de falantes, mas
tem muita importância histórica, especialmente porque, como sabemos, parte
da Bíblia foi escrita em hebraico.
Apresentamos aqui um pequeno artigo de Luiz Sayão, que nos aponta a
importância da língua hebraica e alguns recursos dessa língua.
Quase todos sabem que a Palavra de Deus surgiu no contexto histórico do

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
povo judeu. A verdade é que cerca de três quartos da Bíblia Sagrada foi escrita
originariamente em hebraico. E apesar de quase todo restante ter sido escrito em
grego, o raciocínio subjacente à maioria dos documentos do Novo Testamento
é claramente hebraico. Portanto, se há uma língua importante para os estudos
bíblicos mais profundos, sem dúvida alguma, trata-se do hebraico. Diante disso,
temos de reconhecer que existe motivo de sobra para que o cristão de hoje pro-
cure conhecer o hebraico bíblico. Vamos relacionar as razões mais importantes:
1. Conhecer o hebraico é lidar com o sagrado. Esse conhecimento permite-
nos falar as mesmas palavras e frases que os antigos profetas e homens
de Deus falaram. A língua possui uma sonoridade bonita, exótica e dife-
rente. Sinta o som do primeiro versículo bíblico: Bereshit bará elohim et
hashamaim veet haarets. O hebraico é a língua antiga mais preservada
que existe. Se Isaías ressuscitasse hoje, teria condições de comunicar-se
e de pedir um almoço em um restaurante de Jerusalém.

2. Conhecer o hebraico é uma emocionante viagem ao desconhecido. As


letras são bastante diferentes e parecem pequenas obras de arte, as conso-
antes são mais importantes do que as vogais, a língua é escrita da direita
para a esquerda (sentido oposto ao do português) e as palavras são total-
mente diferentes das que conhecemos. Todavia, por incrível que pareça,
há termos parecidos: a conjunção ou em hebraico é `o (ô).

3. Conhecer o hebraico significa conhecer uma cultura muito diferente. As


línguas humanas não possuem apenas palavras diferentes para as mesmas

TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
213

coisas. Elas são uma expressão da cultura e do modo de ser de um povo.


No hebraico, não existe gênero neutro como é o caso do inglês. Tudo é
dividido entre masculino e feminino; existe, por exemplo, o pronome
você (masculino) e você (feminino). Ideias abstratas são muito raras. A
expressão bíblica «fazer uma aliança», por exemplo, é literalmente «cortar
uma aliança» em hebraico. É por isso que é impossível fazer uma tradu-
ção totalmente literal da Bíblia.

4. Conhecer o hebraico é aprender a pensar de modo diferente. O hebraico


também é muito diferente do português e do inglês por possuir um jeito
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

e uma ordem de frase distintos. A gramática é peculiar. Uma caracterís-


tica interessante da língua é o seu aspecto conciso. A antiga língua dos
hebreus usava poucas palavras para dizer muito. Os verbos de ligação
são dispensados, os pronomes pessoais estão embutidos na maioria das
formas verbais e algumas preposições e sufixos de posse aparecem ane-
xados aos substantivos. Outra questão que merece atenção é o verbo do
hebraico. Estamos muito acostumados com a ideia de tempo verbal em
português. Para muitos, é surpreendente descobrir que o que caracteriza
o verbo no hebraico não é principalmente o tempo do verbo, mas, sim,
o modo da ação. O que mais importa é se a ação é acabada ou não. Em
muitas passagens bíblicas, somente o contexto determinará se o verbo
deve ser traduzido no futuro, no presente ou no passado. Um exemplo
dessa diferença pode ser visto no Salmo 15.2. Veja a tradução literal com-
parada com uma boa tradução (NVI):

Andante integramente e praticante (da) justiça. E falante (da) verdade no seu


coração.
Aquele que é íntegro em sua conduta e pratica o que é justo, que de coração
fala a verdade.
5. Conhecer o hebraico significa entender corretamente as palavras teológi-
cas da Bíblia. Esse conhecimento é muito importante para que não sejam
ensinados conceitos errados nas igrejas evangélicas. Os vocábulos hebrai-
cos muitas vezes não possuem correspondentes adequados em português.

A Importância da Língua Hebraica e Outros Recursos da Linguagem Hebraica


V

O campo semântico das palavras é muito particular e até mesmo estra-


nho para nós. É por essa razão que uma tradução totalmente literal da
Bíblia não teria sentido em português. Uma das palavras muito impor-
tantes do Antigo Testamento, por exemplo, é o termo Sheol, traduzido por
Hades no grego do Novo Testamento. A tradução uniforme do termo não
é adequada. Sheol refere-se de fato ao “mundo dos mortos”, e, em muitos
contextos, refere-se concretamente à sepultura, em outros textos, a ideia
é profundezas; há contextos poéticos onde o sentido é morte; mas em
muitos textos a ideia é mundo dos mortos (no Novo Testamento, Hades

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
pode significar inferno em certos textos). Quem poderia imaginar, sem
o devido estudo, que a palavra Shalom, tão conhecida, significa muito
mais do que paz. Shalom quer dizer também prosperidade, vida plena,
segurança. Em português, essas associações não são claras. Quando um
judeu cumprimenta o outro, ele pergunta: “Como vai a tua paz?” Paz,
portanto, não é um termo simplesmente psicológico e emotivo, mas, sim,
um termo concreto em relação à vida.

Diante de tais fatos, não há dúvida de que a igreja evangélica de hoje deve dar a
devida atenção ao estudo do hebraico. Especialmente em nossos dias, quando
muitos conceitos equivocados são disseminados por quem conhece pouco do
assunto, é mais do que necessário ampliar o conhecimento do povo de Deus no
campo das línguas originais da Bíblia.18

Outros Recursos da Linguagem Hebraica

Nome
Conforme Bentho (2003, p. 242), na concepção dos semitas, o nome é nitida-
mente a essência e o destino do portador. Não se tratava apenas de algo que
distinguia uma cousa ou pessoa da outra, mas uma parte essencial da natureza

18 Disponível em: <http://prazerdapalavra.com.br/colunistas/luiz-sayao/2876-a-importancia-do-hebraico-


biblico-luiz-sayao>. Acesso em: 10 jun. 2014.

TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
215

e personalidade da pessoa. A leitura em profundidade pressupõe que o nome


corresponde, ou pelo menos deveria corresponder, a uma qualidade da pessoa.
É isso que se subentende nas palavras da sábia Abigail:
“Não se importe o meu senhor com este homem de Belial, a saber, com Nabal;
porque o que significa o seu nome ele é. Nabal é o seu nome, e a loucura está com
ele; eu, porém, tua serva, não vi os moços de meu senhor, que enviaste” (I Samuel
25.25).
Os israelitas tinham consciência clara da significância dos nomes pesso-
ais e próprios. A maneira como os autores bíblicos se referem ao nome, seja de
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Deus, seja das criaturas, chama a atenção e só pode se explicar à luz do gênio
semítico, que o Espírito Santo houve por bem respeitar. O nome não era apenas
um apelativo, para distinguir uma pessoa das outras, mas para mostrar o cará-
ter e a índole do indivíduo. Mudar o nome19 de alguém significa assinalar-lhe
uma nova função, um novo destino de vida. O caráter meritório do nome, então,
fica exposto pela mentalidade do hagiógrafo. O nome é identificado com a pró-
pria pessoa e existência do respectivo portador, isso equivale para o hagiógrafo
ao caráter pessoal do nome. Quando o nome de alguém é pronunciado sobre
alguma coisa, objeto ou cidade, então esse torna-se intimamente ligado à pessoa
nomeada ou torna-se sua propriedade. É assim que devemos entender o texto de
II Samuel 12.28. Se Joabe pronunciasse o seu nome sobre a cidade de Rabá essa
lhe pertenceria. O nome garante proteção, pois quando alguém pronuncia sobre
outrem o nome de um soberano, garante-lhe a proteção do monarca, exemplos:
Números 6.27; Salmo 20.1.
Em relação ao nome da divindade, na mentalidade primitiva dos semitas,
conhecer o nome de uma divindade conferia ao adorador certa autoridade para
obrigar o divo a fazer a vontade do adorador. Isto se torna claro quando, em II
Reis 18.26-28, os adoradores de Baal evocam o seu nome a fim de que essa divin-
dade cananita se obrigue a realizar o desejo do ofertante. Em Gênesis 32.29 e
Juízes 13.6,17-18, os nomes das personagens são ocultados, pois, conforme a
mentalidade vigente, a entrega do nome seria a consignação do poder próprio,
é neste contexto que devemos entender também o ato de invocar o nome do

19 Com exceção aqui a mudança de nomes que, por exemplo, ocorreu na Babilônia, pois neste caso foi para
impor o comando do dominador e despersonalizar o dominado.

A Importância da Língua Hebraica e Outros Recursos da Linguagem Hebraica


V

Senhor (Gênesis 4.26; 12.8).20

Números
Os números, tal como as características semíticas anteriores, estão arrolados
no processo de desenvolvimento e transmissão do texto sagrado, constituindo-
se uma forma típica, idiomática e simbólica de transmitir a verdade por meio
escrito. Nas Escrituras Veterotestamentárias, os números não são representa-
dos por numerais ou letras, mas por expressões numéricas escritas por extenso.
No Antigo e Novo Testamento, os números são usados para expressar diversos

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
conceitos relacionados com quantidade, de maneira bem semelhante ao uso em
outros livros, exemplo:
a. “medida”, Salmo 39.5
b. “soma”, “total”, Números 1.49
c. “em números pequenos”, Deuteronômio 26.5
d. “incontável”, Gênesis 41.19; Isaías 2.7
e. “ser muitíssimo numeroso”, Salmo 40.5

Bentho (2003, p. 247) ainda explica que os números, muitas vezes, nas
Escrituras, não figuram como indicações de quantidade, mas como enunciação
de qualidades. Nesse caso, são a expressão de um juízo que o hagiógrafo formula
a respeito de determinado sujeito (Apocalipse 13.17,18). Este autor oferece uma
tabela de números bíblicos significativos, como segue:
1- Unidade e caráter ímpar: exemplo, Deuteronômio 6.4 – “O Senhor Deus
é o único Senhor”.
(Atos 17.25; Romanos 5.12, 15; Hebreus 7.27; João 10.30; Mateus 19.6).
2- Unidade e divisão: (a) dois é a expressão mínima da pluralidade, e natu-
ralmente indica alternativas e contraste (Mateus 6.24; 21.28); (b) dois também
pode indicar alguma força separadora (Jeremias 18.21), como duas opiniões que
apresentam um dilema, ou como duas maneiras diferentes de apresentar algo
(Mateus 7.13,14); (c) Homem e mulher são um só (Gênesis 1.27; Mateus 19.6);

20 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 246

TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
217

(d) Duas pessoas trabalham juntas em cooperação (Josué 2.1); (e) Os apóstolos
foram enviados de dois em dois (Marcos 6.7); (f) No Sinai, foram dadas as duas
tábuas da Lei (Êxodo 24.12).
3- Unidade na multiplicidade: três é um número retórico muito comum e
natural, e ocorre frequentemente a repetição ou agrupamento tríplice onde não
se menciona número propriamente dito. Muitos conceitos básicos se formalizam
através de um padrão tríplice: começo, meio e fim; passado, presente e futuro;
espírito, alma e corpo. São números os exemplos diferentes: há três dons dura-
douros em I Coríntios 13.13; três testemunhas em I João 5.8; tríplice títulos de
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Cristo e Deus em Apocalipse 1.4 e 4.8.


4- A totalidade da Terra e do Universo: é indicativo de amplitude ilimitada
no sentido de espaço e tempo aplicado ao Universo visível. (a) O tetragrama
divino YaHWeh (YHWH); (b) quatro rios fluíam do Éden (Gênesis 2.10); (c) os
quatro cantos da terra (Apocalipse 7.1); (d) os quatro ventos (Jeremias 49.36;
Ezequiel 37).
6- Exprime algo incompleto: o número do homem, que fica aquém do número
sete, o número divino. (a) Deus criou o homem no sexto dia da criação (Gênesis
1.27); (b) o homem deve trabalhar por seis dias (Êxodo 20.9); (c) o Anticristo,
o homem terrível, é representado por um tríplice seis “666” (Apocalipse 13.18).
O uso das letras de uma palavra para expressar através da combinação de seus
valores numéricos um nome ou uma frase engenhosa é chamado de gematria21.
Esse é o método usado principalmente pelos rabinos judeus, e seus adeptos têm
alcançado combinações improváveis.
7- Número da perfeição e da divindade, integridade, intensidade:
a. Sete maldições contra quem matar Caim (Gênesis 4.15);
b. A palavra do Senhor é depurada sete vezes (Salmo 12.6);
c. Sete vezes ao dia, o salmista louvava ao Senhor (Salmo 119.164);

21 Regra hermenêutica que consiste em explicar uma palavra ou um conjunto de palavras, conferindo
um valor numérico convencionado a cada letra; criptograma sob a forma de uma palavra cujas letras
têm valores numéricos de outra, tomada como sua significação oculta; método cabalístico de explicar as
escrituras judaicas (Antigo Testamento) por meio do significado criptográfico numérico de suas palavras;
parte da cabala judaica fundada sobre a interpretação aritmética ou geométrica das palavras da Bíblia.
Fonte: Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, 2012. (eletrônico).

A Importância da Língua Hebraica e Outros Recursos da Linguagem Hebraica


V

d. Sete estrelas, sete igrejas, sete anjos (Apocalipse 1.10, 12, 20; 2.1)
e. A proeminência desse número se observa:
■■ Em ordenanças rituais (santificação do sétimo dia, as festas dos pães sem
fermento, a festa dos Tabernáculos, o ano sabático, as sete aspersões com
sangue no dia da expiação), (Êxodo 34.18; Levítico 23.24; Êxodo 21.2;
Levítico 16.14, 19).
■■ Em Atos históricos (sete anos de servidão de Jacó, sete mergulhos de
Naamã, sete subidas do servo de Elias ao Carmelo – Gênesis 29.20, 27; II
Reis 5.10; I Reis 18.43, 44).

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
■■ Em passagens didáticas (sete abominações que há no coração de quem
odeia, ou no Novo Testamento, concernentes às ofensas e ao perdão –
Provérbios 26.25; Lucas 17.4; Mateus 18.21).
■■ Em textos apocalípticos (a visão de João sobre as sete igrejas, as sete lâm-
padas, os sete selos, os sete chifres, os sete olhos do Cordeiro, as sete pragas
finais – Apocalipse 1.4,16; 4.5; 5.1,6; 15.1).
■■ Sobre os seus múltiplos: 14-Catorze (Êxodo 12.6; Números 29.13, 15)
chama a atenção especialmente para a divisão das gerações de Abraão até
Cristo em três grupos de catorze cada um (Mateus 1.17); 49-Quarenta e
nove – 7X7. Aparece em uma das principais prescrições rituais: regula-
mento da festa das primícias que havia entre um ano de jubileu e outro
(Levítico 25.8); 70-Setenta. Os mais importantes são: descendentes de
Jacó (Êxodo 1.5; Deuteronômio 10.22), os anciãos de Israel (Êxodo 24.1,
9; Números 11.16, 24), os filhos de Acabe (II Reis 10.1), os anciãos idó-
latras vistos por Ezequiel (Ezequiel 8.1), as setenta semanas de Daniel
(Daniel 9.24), os anos da vida humana (Salmo 90.10), os setenta discí-
pulos (Lucas 10.1,17).
■■ Todo completo, fechado em si: o número dez tornou-se importante entre
os semíticos pelo fato de que o homem primitivo, ao contar, recorria aos
dedos de suas mãos; desta praxe se originou o sistema decimal. Em tais
circunstâncias, foi tido como símbolo de um “todo completo, fechado
em si”. É certamente esse o significado que lhe compete nas genealogias
dos setitas22 (Gênesis 5.4-32) e dos semitas (Gênesis 11.10-32). (a) Os dez

22 Descendentes de Sete.

TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
219

servos (um grupo completo), as dez dracmas (número redondo), as dez


noivas (todos os cristãos) – Lucas 19.13; 15.8; Mateus 25.1; (b) O catá-
logo taxativo de dez adversários que não conseguem arrebatar ao cristão
o amor de Cristo (Romanos 8.38ss.); (c) Dez vícios taxativos, que excluem
do reino de Deus (I Coríntios 6.9ss.); (d) Dez milagres narrados sucessi-
vamente para comprovar a autoridade de Jesus após o importantíssimo
sermão da montanha (Mateus 8ss.); (e) As dez prescrições dirigidas a
quem queira subir a montanha do Senhor (Salmo 14).
■■ O número doze – 12: é um número básico para a história do povo de Deus
em sua totalidade, unidade, grandeza e glória a que está destinado. Era
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

número predileto dos judeus. Estes constavam de doze tribos, portadores


da fé e da esperança messiânicas; em consequência, o reino messiânico é
frequentemente assinalado pelo número doze. (a) os doze filhos de Jacó/
as doze tribos de Israel; (b) os doze apóstolos (Mateus 10.12; I Coríntios
15.5); (c) os doze mil selados de cada tribo de Israel (Apocalipse 7.4-8);
(d) as doze estrelas sobre a cabeça da mulher vestida de sol (Apocalipse
12.1); (e) A Nova Jerusalém tem doze portas, guardadas por doze anjos
(Apocalipse 21.12), ornada cada qual com uma pérola e o nome de uma
das tribos de Israel; sobre cada qual das pedras da base acha-se o nome
de um dos apóstolos (Apocalipse 21.14); suas dimensões são múltiplas de
doze (Apocalipse 21.19, 20), e os doze frutos da árvore da vida (Apocalipse
22.2). Tais indicações significam o caráter de plenitude e consumação,
que toca à Nova Jerusalém ou à Igreja. Esta constitui o reino teocrático
por excelência, em que os bens outrora outorgados às tribos de Israel se
acham multiplicados e oferecidos a todos os homens.
■■ O número quarenta – 40: também simbólico nas Escrituras, parece refe-
rir-se a um tempo completo. Um número arredondado que denota uma
geração. Alguns dos juízes julgaram durante 40 anos (Otniel, Débora,
Baraque, e Gideão). Saul, Davi e Salomão que reinaram cada um como
rei durante 40 anos. As Escrituras falam frequentemente do número 40:
As chuvas do Dilúvio duraram 40 dias e 40 noites; Moisés esteve 40 anos
no Egito, 40 anos em Midiã e no Monte 40 dias; Israel vagou no deserto
durante 40 anos; os espiões estiveram em Canaã por 40 dias; Elias jejuou
40 dias; foram dados 40 dias a Nínive; Jesus jejuou 40 dias; Jesus esteve
com os seus discípulos durante 40 dias após a sua ressurreição (Atos 1:3),

A Importância da Língua Hebraica e Outros Recursos da Linguagem Hebraica


V

entre outros exemplos.

O termo “número” é a tradução do grego arithmos e do hebraico mispãr, que sig-


nificam respectivamente “aquilo que foi juntado, quantidade, medida, número,
total, extensão”.23

O Emprego do Antigo Testamento no Novo

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Testamento

O Antigo e o Novo Testamentos precisam ser interpretados em seus contextos


separados. Cada passagem fala a um contexto histórico específico. Mas um sig-
nificado mais pleno é fornecido quando a revelação completa do cânon orienta
essas passagens, o que representa uma compreensão mais ampla e profunda do
que a fornecida apenas por uma interpretação histórica. Da mesma forma, no
Novo Testamento, os escritos de Paulo e Tiago precisam ser interpretados em
seus próprios termos. Cada um deles fala a uma situação pastoral e histórica
específica no que diz respeito à fé e às obras.24
Zuck (1994, p. 289) afirma que o uso do Antigo Testamento no Novo é um
dos aspectos mais complexos da interpretação bíblica. Quando se lê o Novo
Testamento, fica-se impressionado com a quantidade de citações ou alusões ao
Antigo. Mediante um exame circunstanciado das citações, pode-se verificar que
nem sempre elas correspondem exatamente, palavra por palavra, às passagens
originais. Embora os estudiosos divirjam no tocante ao número de citações do
Antigo Testamento no Novo, a maioria concorda que varia de 250 a 300. Por
que a dificuldade de saber o número exato? Como as citações nem sempre são
idênticas às passagens originais, às vezes não podemos afirmar com certeza que
estamos diante de uma citação. Além disso, ocasionalmente, há citações interliga-
das, o que dificulta sua identificação. Em outros casos, uma passagem do Antigo
Testamento pode estar sintetizada, o que suscita a dúvida quanto a considerá-la

23 BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD, 2003. p. 247-252
24 DOCKERY, David S. Hermenêutica Contemporânea à luz da Igreja Primitiva. São Paulo: Editora
Vida, 2005. p. 174

TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
221

ou não uma citação.


Há uma lista de alterações no texto das citações:
■■ As alterações na gramática;
■■ A omissão de certos trechos dos versículos;
■■ As citações parciais;
■■ O emprego de sinônimos;
■■ A apresentação de novos aspectos da verdade.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

O autor também sugere uma série de objetivos das citações do Antigo Testamento:
■■ Para ressaltar o cumprimento ou a concretização de uma predição do
Antigo Testamento;
■■ Para confirmar que um acontecimento neotestamentário está de acordo
com um princípio do Antigo Testamento;
■■ Para explicar uma proposição do Antigo Testamento;
■■ Para confirmar uma proposição do Novo Testamento;
■■ Para ilustrar uma verdade do Novo Testamento;
■■ Para aplicar o Antigo Testamento a um acontecimento ou a uma ver-
dade do Novo;
■■ Para sintetizar um conceito do Antigo Testamento;
■■ Para utilizar uma terminologia do Antigo Testamento;
■■ Para traçar um paralelo com um acontecimento do Antigo Testamento;
■■ Para associar Cristo a uma situação do Antigo Testamento.

Grosso modo, sabe-se que do conteúdo do Novo Testamento, 10% compõem-se


de citações/alusões do Antigo, incluindo menção a trinta de seus livros. O Senhor
Jesus e alguns autores do Novo Testamento citaram o Antigo, quase sempre, o
interpretando de modo literal.
O evangelista Mateus destaca o cumprimento de palavras do Antigo
Testamento em seus dias.

O Emprego do Antigo Testamento no Novo Testamento


V

O Senhor Jesus fez menção de várias personagens do Antigo Testamento


como pessoas reais, afirmando, inclusive o retorno das mesmas para o juízo final.
Além disso, criticou o uso das tradições na interpretação das Escrituras que aca-
bavam por inutilizá-la (Mateus 15.1-9).
Entre os apóstolos, temos Pedro destacando em Atos 2 o cumprimento de
Joel 2. Como também junto a Paulo, declarara a inspiração divina do Antigo
Testamento (II Timóteo 3.16; II Pedro 1.21).
Zuck (1994, p. 322) também oferece uma sequência de etapas que devem ser
seguidas na interpretação de citações do Antigo Testamento no Novo:

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
1. Investigue o contexto no Novo Testamento onde a citação ou alu-
são ao Antigo é feita.

2. Investigue o contexto no Antigo Testamento da passagem citada


ou aludida. Certifique-se de não aplicar aos leitores originais do
Antigo Testamento o que agora se pode saber por meio da revela-
ção neotestamentária. Em outras palavras, entenda o significado
que a passagem tinha para os leitores do Antigo Testamento antes
de ser citada no Novo; depois, veja como é entendida no Novo.

3. Repare nas diferenças, se houver, entre a passagem no Antigo Tes-


tamento e a citação ou alusão no Novo.

4. Descubra como a passagem do Novo Testamento faz uso da passa-


gem do Antigo. A passagem neotestamentária cita o texto hebrai-
co, a Septuaginta ou nenhum dos dois? Ela faz uma paráfrase ou
utiliza sinônimos? Ela inclui uma introdução?

5. Estabeleça a relação dessas conclusões com a interpretação da pas-


sagem no Novo Testamento.25

Mais detalhes para entendimento deste tópico devem ser consultados na obra
de Roy B. Zuck, A Interpretação Bíblica.

25 ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. São Paulo: Vida Nova,
1994. p. 322

TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
223

Contextualização – A Aplicação da Palavra de


Deus para os Nossos Dias

Contextualização é o processo de buscar transmitir a mensagem e os ensina-


mentos das antigas Escrituras usando formas contemporâneas de linguagem
bem como metáforas e imagens conhecidas do público atual. A contextualização
suscita a questão dos limites que o teólogo precisa ter para alterar a linguagem
das Escrituras sem perder a essência da mensagem do Evangelho. Também tenta
entender a forma pela qual a comunidade cristã pode viver o Evangelho em meio
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

a uma cultura não cristã.26


Deve ser a razão principal de todo o trabalho do intérprete bíblico chegar à
contextualização, trazer as verdades, sentidos, lições da Palavra de Deus para os
nossos dias; ser mais do que um entendido nas histórias bíblicas, um contador
delas, mas trabalhar na interpretação Bíblia de forma responsável e dedicada,
para ser um pregador da Palavra de Deus. O frei Carlos Mesters diz:
Deus nos fala na Bíblia não para que nos fechemos no estudo e na lei-
tura da Bíblia, mas para que, pela leitura e pelo estudo da Bíblia, possa-
mos ir descobrindo a Palavra viva de Deus dentro da vida e dentro da
história de nossa comunidade e de nosso povo.27

Recorro aqui a um artigo de Ronaldo Lidório28, para amplificar este tópico; o


recomendo, pois considero importantíssima a leitura do artigo todo, ainda mais
porque o autor faz uma explanação da contextualização e missiologia.
Quando Hesselgrave29 afirma que contextualizar é tentar comunicar a men-
sagem, trabalho, Palavra e desejo de Deus de forma fiel à Sua Revelação e de
maneira significante e aplicável nos distintos contextos, sejam culturais ou exis-
tenciais, ele expõe um desafio à Igreja de Cristo: comunicar o Evangelho de forma
teologicamente fiel e ao mesmo tempo humanamente inteligível e relevante. E

26 GRENZ, Stanley J. GURETZKI, David; NORDLING, Cherith FEE. Dicionário de Teologia. 3. ed. São
Paulo: Vida, 2002. p. 31
27 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus, palavra da gente: as formas literárias na Bíblia. São
Paulo: Paulus, 2004. p. 5.
28 Disponível em: <http://www.ronaldo.lidorio.com.br/index.php?option=com_
content&task=view&id=55&Itemid=32>. Acesso em: 10 jun. 2014.
29 Hesselgrave, David. 1980. Planting churches cross-culturally: A guide to home and foreign missions.
Grand Rapids, MI: Eerdmans.

Contextualização – A Aplicação da Palavra de Deus para os Nossos Dias


V

este talvez seja o maior desafio de estudo e compreensão quando tratamos da


teologia da contextualização. Historicamente, a ausência de uma teologia bíblica
de contextualização tem gerado duas consequências desastrosas no movimento
missionário mundial: o sincretismo religioso e o nominalismo evangélico.
Lidório, em seu artigo, escreve que gostaria de chamar a atenção para o prin-
cípio bíblico da comunicação. Jesus nos ensina diversas vezes que a transmissão
do conhecimento do Evangelho não será uma ação realizada sem a participação
comunicativa da igreja. Essa participação envolve duas ações principais: a vida e
testemunho da Igreja, bem como a atitude de proclamar, expor o Evangelho de

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Cristo. Essa comunicação do Evangelho, portanto, em uma perspectiva transcul-
tural, necessita de um trabalho de “tradução” em duas áreas específicas: a língua
e a cultura. As línguas dispõem de códigos diferentes para viabilizar a comuni-
cação e o mesmo ocorre com a cultura.
Apenas a Igreja, redimida, cumprirá essa tarefa, ou seja, não é o Cristianismo
que evangelizará o mundo, mas, sim, a Igreja redimida, que passou pelo novo
nascimento. Tendo em mente esses conceitos, permita-me mencionar alguns
pressupostos que utilizo ao escrever esta unidade.
1. A Palavra é supracultural e atemporal, portanto viável e comunicável para
todos os homens, em todas as culturas, em todas as gerações. Cremos,
assim, que a Palavra define o homem e não o contrário.
2. Contextualizar o Evangelho não é reescrevê-lo ou moldá-lo à luz da Antro-
pologia, mas, sim, traduzi-lo linguística e culturalmente para um cenário
distinto a fim de que todo homem compreenda o Cristo histórico e bíblico.
3. Apresentar Cristo é a finalidade maior da contextualização. A Igreja deve
evitar que Jesus Cristo seja apresentado apenas como uma resposta para
as perguntas que os missionários fazem – uma solução apenas para um
segmento ou uma mensagem alienígena para o povo alvo.

O conceito da contextualização evoca toda sorte de sentimentos e argumentações.


Por um lado encontramos a defesa de sua relevância, com base na culturalidade
e princípios gerais da comunicação. Crê-se, de forma geral, que sem contextua-
lização não há verdadeira comunicação e aqueles que assim entendem procuram
estudar as diversas possíveis abordagens nessa comunicação contextualizada. Por

TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
225

outro lado, encontramos a exposição de seus perigos quando essa contextuali-


zação se divorcia de uma teologia bíblica essencial que a norteie e avalie. Isto
é especialmente verdade tendo em mente que o próprio termo “contextualiza-
ção” foi abundantemente utilizado no passado por Kraft a partir do relativismo
de Kierkegaard com fundamentação em uma teologia liberal que não cria na
Palavra de Deus de forma dogmática, mas, sim, adaptada. Creem que a Palavra
de Deus se aplica apenas a contextos similares de sua revelação, não sendo assim
supracultural e nem atemporal. Nossa proposta é entendermos que a contextu-
alização não é apenas possível com uma fundamentação bíblica que a conduza,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

mas necessária para a fidelidade na transmissão dos conceitos bíblicos.


É preciso avaliarmos nossos pressupostos teológicos a fim de guiarmos nossa
ação missionária. Martinho Lutero, crendo na integralidade da verdade Bíblica,
expôs um Evangelho que fosse comunicável, na língua do povo, com seus sím-
bolos culturais definidos, porém um Evangelho escriturístico e sem diluição da
verdade. Sem receio, por diversas vezes ensinou Melanchton dizendo: “prega de
forma que odeiem o pecado ou odeiem a você”. Se por um lado defendeu uma
contextualização eclesiológica traduzindo a Bíblia para a língua do povo, tendo
cultos com a participação dos leigos, pregando a Palavra dentro do contexto da
época, por outro, deixou claro que o conteúdo da Palavra não deve ser limitado
pelo receio do confronto cultural. Se sua sensibilidade cultural fosse definidora
de sua teologia, e não o contrário, teríamos tido uma Reforma humanista e não
da Igreja. Teria sido o início de um movimento de libertação apenas do pensa-
mento e da expressão, um grito por justiça social que não inclui Deus e nem a
salvação, ou um apelo pelo resgate da identidade cultural, mas não a condução
do povo ao Reino de Deus.

Os mais evidentes perigos de pressupostos de Contextualização


Lidório, nesse mesmo artigo, expõe três perigos fundamentais quando tra-
tamos da contextualização dentro do universo missionário.
■■ O primeiro perigo, que é político, tem sua origem na natural tendên-
cia humana de impor a outros povos sua forma adquirida de pensar e
interpretar, prática esta realizada em grande escala pelos movimentos
imperialistas do passado e do presente, bem como por forças missionárias

Contextualização – A Aplicação da Palavra de Deus para os Nossos Dias


V

que entenderam o significado do Evangelho apenas dentro de sua própria


cosmovisão, cultura e língua. Dessa forma, as torres altas dos templos, a
cor da toalha da ceia, a altura certa do púlpito e as expressões faciais de
reverência tornam-se muito mais do que peculiaridades de um povo e de
uma época, misturam-se com o essencial do Evangelho na transmissão de
uma mensagem que não se propõe a resgatar o coração do homem, mas,
sim, moldá-lo a uma teia de elementos impostos e culturalmente defi-
nidos apenas para o comunicador da mensagem, apesar de totalmente
divorciados de significado para aqueles que a recebem. As consequên-
cias de uma exposição política do Evangelho têm sido várias, porém, mais
comumente, encontraremos o nominalismo, em um primeiro momento

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
e, por fim, o sincretismo quase irreversível. David Bosch afirma que o
valor do Evangelho, em razão de proclamá-lo, está totalmente associado
à compreensão cultural do povo receptor. O contrário seria apenas um
emaranhado de palavras que não produziriam qualquer sentido sociocul-
tural. George Hunsburger observa também que não há como pregarmos
um Evangelho acultural, pois o alvo de Cristo ao se revelar na Palavra foi
atingir pessoas vestidas com sua identidade humana. A perigosa apre-
sentação política do Evangelho a que nos referimos, portanto, confunde
o Evangelho com a roupagem cultural daquele que o expõe, deixando de
apresentar Cristo e propondo apenas uma religiosidade vazia e sem sig-
nificado para o povo que a recebe.
■■ Um segundo perigo, que é pragmático, pode ser visto quando assumimos
uma abordagem puramente prática na contextualização. Como a contextu-
alização é um assunto frequentemente associado à metodologia e processo
de campo, somos levados a entendê-la e avaliá-la baseados mais nos
resultados do que em seus fundamentos teológicos. Consequentemente,
o que é bíblico e teologicamente evidente se torna menos importante do
que aquilo que é funcional e pragmaticamente efetivo. Estou convencido
de que todas as decisões missiológicas devem estar enraizadas em uma
boa fundamentação bíblico-teológica, se desejamos ser coerentes com a
expressão do mandamento de Deus (Atos 2.42-47). Entre as iniciativas
missionárias mais contextualizadas com o povo receptor, encontramos
um número expressivo de movimentos heréticos como a Igreja do Espírito
Santo em Gana, África, na qual seu fundador se autoproclama a encarna-
ção do Espírito Santo de Deus. Do ponto de vista puramente pragmático,
porém, é uma igreja que contextualiza sua mensagem sendo sensível às

TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
227

nuances de uma cultura matriarcal, tradicional, encarnacionista e mís-


tica. Devemos ser lembrados que nem tudo o que é funcional é bíblico. O
pragmatismo leva-nos a valorizar mais a metodologia da contextualização
do que o conteúdo a ser contextualizado. A apresentação pragmática do
Evangelho, portanto, privilegia apenas a comunicação com seus devidos
resultados e se esquece de ater-se ao conteúdo da mensagem comunicada.
■■ Um terceiro perigo, que é sociológico, é aceitar a contextualização como
sendo nada mais do que uma cadeia de soluções para as necessidades
humanas, em uma abordagem puramente humanista. Essa deve ser nossa
crescente preocupação por vivermos em um contexto pós-cristão, pós-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

moderno e hedônico. Isso ocorre quando missionários tomam decisões


baseadas puramente na avaliação e interpretação sociológica das necessida-
des humanas e não nas instruções das Escrituras. Nesse caso, os assuntos
culturais, ao invés das Escrituras, determinam e flexibilizam a teologia a
ser aplicada a certo grupo ou segmento. O desejo por justiça social não
deve nos levar a esquecermos da apresentação do Evangelho. Vicedon
afirma que somente um profundo conhecimento bíblico da natureza da
Igreja (Efésios 1.23) irá capacitar missionários a terem atitudes enraiza-
das na Missio Dei e não apenas na demanda da sociedade. A defesa de
um Evangelho integral e desejo de transmitir uma mensagem contextu-
alizada não devem ser pontes para o esquecimento dos fundamentos da
teologia bíblica.30

Carlos Mesters, diz que “O olhar do povo não é o olhar do cientista que busca
o sentido histórico-literal do texto. A descoberta do sentido histórico-literal
é tarefa dos exegetas. Graças a suas pesquisas, é hoje possível conhecermos,
até nos seus mínimos detalhes, o sentido literal dos textos bíblicos e a situa-
ção do povo daqueles tempos passados. É um conhecimento relativamente
novo e recente que, por assim dizer, faz da Bíblia um livro antigo, pois a joga
no passado, isto é, na situação em que ela nasceu, séculos atrás. Porém não
basta saber como o texto nasceu e qual o sentido que ele tinha no passado.
É preciso trazê-lo de volta ao presente. Este é o alerta do povo aos exegetas”.
Fonte: RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus, palavra da gente: as for-
mas literárias na Bíblia. São Paulo: Paulus, 2004. p. 6.

30 Disponível em: <http://www.ronaldo.lidorio.com.br/index.php?option=com_


content&task=view&id=55&Itemid=32>. Acesso em: 10 jun. 2014.
Contextualização – A Aplicação da Palavra de Deus para os Nossos Dias
V

A contextualização deve ser corretamente construída, lembrando sempre que


quem se propõe a interpretar a Bíblia Sagrada deve buscar explicar o significado
pleno da passagem bíblica sob a luz do que melhor compreende a respeito de
Deus, do homem e do mundo atual.
Sobre a pregação, Ambrósio de Milão, em uma de suas cartas, oferece algu-
mas instruções:
também o trato de assuntos tais como o ensino da fé, a instrução sobre
a continência pessoal, a discussão sobre a justiça, a exortação à ativi-
dade, não devem ser assumidos todos de uma vez e ao mesmo tempo,

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
mas devem ser levados adiante quando oportuno for e quando o con-
teúdo da passagem em foco o permitir. Nosso discurso não deve ser
longo demais, nem curto demais, para não suceder que o longo resulte
em aversão, e o curto produza relaxamento e negligência. A mensagem
deve ser objetiva e simples, clara e evidente, repassada de dignidade e
de relevância; a linguagem não deve ser estudada ou muito refinada, e,
contudo, por outro lado, não deve ser em um estilo rude e desagradá-
vel.31

Como compreender a Bíblia

Compartilhamos o artigo abaixo sobre como compreender a Bíblia, extraído de


A Survey of Bible Doctrine, por Charles C. Ryrie.
Uma compreensão correta da Bíblia depende de duas coisas:
1. A obra iluminadora do Espírito Santo, e
2. O trabalho de interpretação do próprio leitor.
■■ Em relação à Iluminação:

Embora a palavra iluminação já tenha sido aplicada a vários aspectos dou-


trinários (como a iluminação geral que a vinda de Jesus Cristo trouxe a todo
homem, João 1.9, e a teoria que iguala iluminação à inspiração), seu uso ocorre,

31 SMITHER, Edward L. Agostinho como mentor – um modelo para preparação de líderes. São Paulo:
Hagnos, 2012.

TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
229

principalmente, em relação ao ministério do Espírito Santo pelo qual ele esclarece


a verdade da revelação bíblica. Em relação à Bíblia, revelação trata de seu con-
teúdo ou material, e iluminação trata do significado desse conteúdo. O homem
não salvo não pode experimentar o ministério iluminador do Espírito Santo, pois
está cego para a verdade de Deus (I Coríntios 2.14). Isso não significa que nada
possa aprender dos fatos da Bíblia, mas, sim, que ele os considera loucura. Por
outro lado, o cristão tem a promessa de ser iluminado para compreender o sig-
nificado do texto bíblico (João 16.12-15; I Coríntios 2.9-3.2). Ao observarmos
juntamente essas duas passagens, surgem vários fatos: (1) O mais óbvio é que o
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

próprio Espírito Santo é o Mestre e Sua presença na vida do cristão é a garantia


da eficácia desse ministério. (2) O conteúdo do ensino do Espírito Santo engloba
“toda a verdade” (João 16.13 traz o artigo definido). Inclui especificamente uma
compreensão correta da profecia (“cousas que hão de vir”). (3) O propósito do
ministério de iluminação do Espírito Santo é glorificar a Cristo e não a si mesmo.
(4) A carnalidade na vida do cristão pode prejudicar e até mesmo anular este
ministério do Espírito Santo (I Coríntios 3.1-2).
■■ Interpretação do próprio leitor:

A Iluminação, embora assegurada, nem sempre garante compreensão auto-


mática. Conforme indicado acima, o cristão deve estar em comunhão com o
Senhor para experimentar esse ministério. Deve, além disso, estudar utilizando-
se dos mestres dados por Jesus Cristo à igreja (Romanos 12.7), bem como das
capacidades e dos recursos de que dispuser.
O princípio básico de interpretação é interpretar normalmente. A palavra
literalmente é aqui evitada por criar conotações que precisariam ser corrigi-
das. A interpretação normal, simples, inclui pelo menos os seguintes conceitos:
1. Para interpretar normalmente é preciso, em primeiro lugar, entender o
que cada palavra significa em seu sentido normal e histórico-gramatical.
2. Interpretar normalmente não exclui o uso de figuras de linguagem. De
fato, uma figura de linguagem pode comunicar um conceito de maneira
mais clara, mas o faz no sentido normal das palavras que emprega. Em
outras palavras, por traz de cada figura de linguagem está um significado
normal, e é esse significado que o intérprete procura.

Contextualização – A Aplicação da Palavra de Deus para os Nossos Dias


V

3. Significa ainda ler compreendendo o contexto em que o versículo ou


passagem ocorre, pois isso lançará luz sobre o seu significado. É preciso,
pois, cuidado com os pregadores que com frequência dizem: “Não pre-
cisam abrir suas Bíblias neste versículo”; eles podem estar tirando o texto
de seu contexto e dando a ele sentido diferente do pretendido pelo autor,
além de ser sempre seguro ler o que precede e o que segue certo trecho,
isso revela prudência.
4. Interpretar normalmente exige que se reconheça o progresso da revelação.
Lembre-se de que a Bíblia não nos foi entregue pronta, de uma vez, como
um livro completo, mas que nos chegou da parte de Deus por meio de

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
muitos autores, durante um período de cerca de 1.600 anos. Isso significa
que no progresso de Sua revelação ao homem, Deus pode ter acrescido
ou até mesmo mudado numa era aquilo que dera em outra. O Novo Tes-
tamento acrescenta muita coisa que não fora revelado no Antigo. Além
disso, o que Deus exigira como obrigatório num período pode ser anu-
lado em outro (como, por exemplo, a proibição do consumo de carne de
porco, outrora imposta para o povo de Deus, foi suspensa em nossa era,
I Timóteo 4.3). Isso é muito importante; doutra sorte, a Bíblia conteria
contradições aparentemente insolúveis (como Mateus 10.5-7 comparado
a Mateus 28.18-20).
5. Deve-se esperar que a Bíblia use o que tecnicamente se chama lingua-
gem fenomenológica. Isso significa simplesmente que ela frequentemente
descreve coisas e situações tal como parecem ser, e não em linguagem
científica precisa. Falar do sol nascer e se pôr é um exemplo dessa lin-
guagem (Mateus 5.45; Marcos 1.32), mas essa é uma maneira simples e
normal de se comunicar.
6. Deve-se reconhecer as divisões importantes da Bíblia quando se vai inter-
pretá-la. A diferença mais básica é entre o Antigo e o Novo Testamentos.
Há, porém, outras distinções, como aquelas entre os diversos tipos de lite-
ratura – histórica, poética, profética – que precisam ser reconhecidas por
quem interpretar a Bíblia corretamente. Outros marcos bíblicos que afe-
tam sua interpretação são fatos como a grande aliança feita por Deus com
Abraão (Gênesis 12.1-3) e a aliança feita com David (II Samuel 7.4-17),
o mistério da Igreja como o Corpo de Cristo (Efésios 3.6) e a diferença
entre a Lei e a graça (João 1.17; Romanos 6.14).
Essas sugestões são simples facetas do conceito básico de interpreta-

TRANSPOSIÇÕES NECESSÁRIAS
231

ção normal. Foi assim que Deus planejou que a Bíblia, que Ele inspirou,
fosse entendida.32

APÓCRIFO: do grego apókryphos, “oculto”. Termo que designa um livro,


exteriormente parecido com os livros bíblicos, excluído do cânon hebraico
ou cristão. Na terminologia protestante, os apócrifos são chamados “pseudo
-epígrafos” (isto é, atribuídos falsamente a algum autor bíblico), enquanto
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

pelo termo “apócrifo”, designam os deuterocanônicos.


ARAMAICO: língua semítica norte-ocidental, semelhante ao hebraico, fala-
da pelos arameus. Entre os séculos VIII e IV a.C., foi usada como língua oficial
internacional e como língua ordinária nos impérios assírio-babilônico e per-
sa (aramaico do império). Em suas inúmeras variantes orientais e ocidentais
(samaritano, mandaico nabateu etc.), foi uma língua muito usada na Síria e
na Palestina, onde, a partir da época pós-exílica, passou a substituir o he-
braico no uso comum. Foram escritas em aramaico algumas partes dos li-
vros de Daniel e Esdras, e mais tarde os dois Talmudes. A variante galileia era
a língua de Jesus e, da mesma forma, a das tradições orais que precederam
os Evangelhos (para Mateus, até existe a hipótese de uma edição anterior à
atual, que seria um Mateus aramaico escrito). Com o nome de “siríaco”, trans-
formou-se na língua litúrgica das igrejas monofisistas e nestorianas. Dialetos
aramaicos são falados ainda hoje em algumas áreas da Síria e do Curdistão.
CÂNON: vocábulo grego de origem semita (cana), com o significado de
“medida”, “regra”. Indica uma série de escritos particularmente reconhecidos
como autênticos; no caso da Bíblia, trata-se da série de livros considerados
de inspiração divina, chamados por esta razão de canônicos. Existem algu-
mas diferenças entre os livros canônicos do Antigo Testamento reconheci-
dos pelos judeus, católicos e protestantes; quanto ao Novo Testamento, a
lista dos livros canônicos é a mesma em todas as confissões cristãs.
Fonte: VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica.
São Paulo: Paulinas, 2000. p. 20, 22, 29.

32 Fonte: Extraído, da Editora Mundo Cristão, de “A Bíblia Anotada” (The Ryrie Study Bible, Charles
Caldwell Ryrie, Th.D., Ph.D.)

Contextualização – A Aplicação da Palavra de Deus para os Nossos Dias


No meio de todo esse passado, dinamizado São Paulo é quem formula essa descoberta
pela luz da Palavra e pela força do Espí- em termos apropriados, quando diz: “toda
rito em direção a Cristo, estavam também a Escritura é inspirada por Deus”. Assim,
os escritos, recebidos dos antepassa- dentro do contexto mais amplo do Novo
dos. Como vimos, esses escritos tinham Testamento, que acabamos de descrever,
desempenhado um papel muito impor- a palavra inspirar, isto é, mover pelo Espí-
tante na condução do povo para Cristo, rito, recebe a conotação cristã de conduzir
pois estimulavam à fidelidade e conferiam para Cristo pela força do Espírito que opera
“instrução, perseverança, consolação, cor- na vida. Portanto, a afirmação da inspiração
reção e sabedoria, e formavam a justiça”. divina da Sagrada Escritura não é apenas
Anteriormente, já se chegou a atribuir-lhes outra maneira de se acentuar a autoridade
autoridade divina. Agora, à luz da ressurrei- divina da mesma, mas indica a função espe-
ção de Cristo e vivendo nesse contexto do cífica que a Bíblia exerce na vida do povo.
Espírito de Cristo, os cristãos acabam por Ou seja, indica a descoberta que os cris-
reconhecer que os escritos, surgiram, como tãos fizeram do objetivo último da Bíblia,
todo o resto, sob o impulso desse mesmo a saber: conduzir os homens para Cristo,
Espírito e eram expressão dessa mesma pela força do Espírito que nela atua. Des-
Palavra. Ou seja, os escritos surgiram pela cobrindo o objetivo da Bíblia, descobriram
força do Espírito, a fim de levar os homens ao mesmo tempo a sua origem: o Espírito
para Cristo que oferece a vida em plenitude. de Deus.
Fonte: MESTERS, Carlos. Por trás das palavras. 9. ed. Petrópolis/RJ: Vozes, 1999. p. 185
233

1. Após a leitura de parte da obra de David S. Dockery, indicada como material


complementar, de forma resumida, apresente comentário sobre: (1) Século I: o
início das hermenêuticas cristãs; (2) Século II: da hermenêutica funcional à auto-
rizada; (3) A escola alexandrina: hermenêutica alegórica; (4) A escola antioquena:
hermenêutica lítero-histórica e tipológica.
2. Apresente um comentário sobre o texto do Anexo 5 (destacando os pontos prin-
cipais apresentados pelo autor).
3. Discorra sobre a Interpretação bíblica ontem e hoje, com base no capítulo 6 da
obra de Dockery, citada acima.
Material Complementar

Anexo 5 [Inspiração da Bíblia]


BARTH, Karl. A proclamação do Evangelho – homilética. São Paulo: Novo Século, 2003.
CARSON, D. A. A Exegese e suas Falácias. São Paulo: Vida Nova, 1992.
DOCKERY, David S. Hermenêutica Contemporânea à luz da Igreja Primitiva. São
Paulo: Editora Vida, 2005. p. 27-123; 150-175.
____. Introdução à Teologia Evangélica. São Leopoldo: Sinodal, 1996.
FIORIN, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso. São Paulo: Contexto, 2004.
HALE, Broadus David. Introdução ao Estudo do Novo Testamento. São Paulo: Hagnos,
2001.
JEREMIAS, J. As Parábolas de Jesus. São Paulo: Paulus, 1986.
LLOYD-JONES, D. Martyn. Pregação & Pregadores. São José dos Campos/SP, 2013.
LOHSE, Eduard. Contexto e Ambiente do Novo Testamento. São Paulo: Paulinas, 2000.
PELLETIER, Anne-Marie. Bíblia e hermenêutica hoje. São Paulo: Loyola, 2006.
PETERSON, Eugene H. A Linguagem de Deus. São Paulo: Mundo Cristão, 2011.
PLOEG, J. P. M. van der. Jesus nos fala – as parábolas e alegorias dos quatro Evangelhos.
São Paulo: Paulinas, 1999.
STUART, Douglas; FEE, Gordon D. Manual de Exegese Bíblica – Antigo e Novo
Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2008.
VIRKLER, Henry. Hermenêutica Avançada: princípios e processos de interpretação
bíblica. São Paulo: Editora Vida, 2007.
ZABATIERO, Júlio. Manual de Exegese. São Paulo: Hagnos, 2007.
235
Conclusão

“16 Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a
correção e para a instrução na justiça, 17 para que o homem de Deus seja apto e plena-
mente preparado para toda boa obra”.
(II Timóteo 3.16, 17)
12 Pois a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais afiada que qualquer espada
de dois gumes; ela penetra até o ponto de dividir alma e espírito, juntas e
medulas, e julga os pensamentos e intenções do coração. 13 Nada, em toda
a criação, está oculto aos olhos de Deus. Tudo está descoberto e exposto
diante dos olhos daquele a quem havemos de prestar contas.

(Hebreus 4.12, 13)

Nesta conclusão, quero agradecer sua companhia por essas páginas, que tenham
servido para informá-lo(a) e estimulá-lo(a) a buscar trabalhar a interpretação dos
textos bíblicos com esmero, dedicação, respeito e temor a Deus.
Devemos ter claro que somos chamados para anunciar a Verdade do Evangelho e
devemos nos dedicar a um trabalho interpretativo e a uma comunicação respon-
sável e clara, pois a Palavra é d’Ele, o povo é d’Ele e somos Seus instrumentos de
comunicação e exemplo que devem legitimar as Palavras do Senhor no viver diário.
Entendemos que nenhum livro isolado, uma série de volumes ou uma biblioteca
inteira, ou até mesmo todo o conhecimento reduzido à forma escrita, pode con-
ter e expressar toda a verdade. Também não podemos ter os livros como a nossa
exclusiva autoridade. Isso quer dizer que é inútil esperar, da parte da exegese, o
delineamento da verdade inteira, por mais exata e completa que ela possa ser. Há
coisas que Deus simplesmente não nos revelou (Deuteronômio 29.29), são misté-
rios para serem cridos e necessariamente não explicados. Como escreveu certa vez
Santo Agostinho, “não queiras entender para crer; crê para que possas entender. Se não
crês, não entenderás”.
Nada disso, porém, diminui a importância da pesquisa bíblica séria, mediante cor-
retos métodos exegéticos e hermenêuticos, os quais, de forma simples e resumida,
foram apresentados neste material a partir de uma seleção de textos de excelentes
autores sobre o tema.
Nosso objetivo foi apontar ferramentas e métodos para explanar e definir os aspec-
tos da exegese e hermenêutica bíblica, mostrando como é rico esse trabalho de
interpretar a Palavra de Deus e trazê-la para nossos dias, pois um estudo metódico
e bem feito explicita a Verdade de Deus aos corações e, como nunca, hoje, isso é
extremamente necessário.
Infelizmente, hoje, se percebe que em muitas igrejas evangélicas há grande super-
ficialidade doutrinária: púlpitos onde há pouca interpretação séria da mensagem
bíblica e do Evangelho em particular, cabe aos estudantes que creem e amam a
Palavra de Deus a busca por uma exegese comprometida, uma hermenêutica bem
aplicada, com a verdade e com a fidelidade ao texto bíblico.
Conclusão

Falamos de interpretação da Bíblia. O instrumento mais importante da interpreta-


ção não é o microscópio com que se olha, mas são os olhos que olham pelo micros-
cópio. Os olhos, porém, não se fabricam nem recebem diplomas. São dons que se
recebem do Autor da vida e que nascem da convivência com os outros.
“Os céus e a terra passarão, mas as minhas palavras jamais passarão”.
(Lucas 21.33)
Deus abençoe sua vida!
Bons estudos!
Professor Marcelo Aleixo Gonçalves
GLOSSÁRIO

Demitização: na teologia de Rudolf Bultmann, procedimento hermenêutico (for-


mulado em torno dos anos 1940) influenciado pela filosofia de pensadores como
Martin Heidegger e Wilhelm Dilthey. Para Bultmann, a mensagem do Novo Testa-
mento deve ser libertada da linguagem “mitológica” própria da cultura do tempo
(milagres, nascimento virginal, aparições, anjos e demônios, ressurreição etc.) para
recuperar o seu núcleo permanente, ou seja, trata-se de um apelo àquele que tem
fé para que ele faça uma escolha existencial autêntica. O mito, portanto, deve ser
entendido, segundo Bultmann, como o revestimento historicamente condicionado
do “evento da salvação” que Deus oferece ao homem.1
Deuterocanônico: em grego, “incluído no cânon em um momento posterior”. De-
signação daqueles livros do Antigo e do Novo Testamento, cuja canonicidade foi
discutida, mas não se chegou a um acordo definitivo. Deuterocanônicos do Antigo
Testamento (que a igreja católica e as igrejas orientais consideram inspirados, os
quais são negados e chamados apócrifos pelos hebreus e protestantes) são livros
ou partes de livros escritos ou conservados em grego, provenientes do hebraísmo
alexandrino: Tobias, Judite, acréscimos a Ester, I e II Macabeus, Sabedoria, Eclesiásti-
co (Sirácida), Baruc, acréscimos a Daniel. Os deuterocanônicos do Novo Testamento
(posteriormente aceitos por todas as igrejas cristãs) são, com algumas divergências
na escolha: Hebreus, Tiago, II Pedro, II e III João, Judas e Apocalipse.
Deutero-Isaías: apelido que a crítica moderna deu ao autor desconhecido, do tem-
po do exílio, que escreveu os capítulos 40 a 55 de Isaías (os que contêm, dentre ou-
tros textos, os “Cânticos do Servo”). Atualmente, os capítulos seguintes, 56 a 66, são
atribuídos a um terceiro autor chamado Trito-Isaías, de época pós-exílica.
Diáspora: do grego diáspora, “disseminação”, “dispersão”. Em hebraico, galut ou golà.
Difusão de grupos hebraicos fora de terra de Israel. A origem da diáspora remonta
à queda do reino do norte e à destruição de Samaria (722/1 a.C.), tendo sido incre-
mentada pela queda do reino de Judá (587/6 a.C.), pela deportação para a Babilônia
e, enfim, pela queda de Jerusalém em 70 d.C. Todavia, às causas militares é preciso
acrescentar razões econômicas e comerciais. A reflexão teologia, a começar pelos
profetas, apresentou a diáspora como um castigo pela infidelidade de Israel, mas
também como instrumento do universalismo, graças ao qual os pagãos alcançavam
o conhecimento do Deus único. Nesse sentido, ela foi um instrumento de extrema
importância na difusão do cristianismo.
Doxologia: do grego dóxa, “glória”, “honra” e logos, “discurso”. Fórmula de glorifica-
ção de Deus que na Bíblia conclui uma oração ou um salmo (por exemplo, Salmo
7.18) ou mesmo as cinco seções do saltério (Salmo 41.14; 72.18-20; 89.52; 106.48;
150). Na antiga liturgia cristã, desenvolveram-se outras doxologias, como a Gloria
Patri.

1 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 33.
GLOSSÁRIO

Escatologia: doutrina a respeito das “últimas coisas” (do grego tà éschata): a morte,
o juízo, a parusia de Cristo ou o advento do Messias, a vida futura. Concepções es-
catológicas podem ser encontradas nos profetas, sobretudo em Daniel, na literatura
apocalíptica, bem como em partes do Novo Testamento. Alguns estudiosos identifi-
cam em todo o conjunto do anúncio neotestametário a expressão de uma urgente
espera escatológica ou de sua antecipação.2
Parusia: (ou parousia), em grego, “presença”. No Novo Testamento, o termo indica a
segunda vinda de Jesus, no fim dos tempos. A Igreja apostólica considerava que a
parusia fosse iminente; nessa perspectiva, devem ser interpretadas muitas afirma-
ções e disposições neotestamentárias.
Gentios: do latim, gentiles. Designação dos povos estrangeiros. O termo correspon-
de ao hebraico goyim e ao grego éthne, respectivamente no Antigo e no Novo Tes-
tamento, indicando de modo genérico os não judeus. No cristianismo primitivo, os
gentios representam aquela parte da Igreja que foi o fruto da “chamada” dos povos,
junto e por vezes, em contraposição à igreja dos circuncisos. Como os povos, quase
universalmente, professavam o paganismo, gentio frequentemente é sinônimo de
pagão.
Filisteus: antiga população proveniente das ilhas do Egeu, estabelecida na parte
sul-ocidental, a faixa costeira de Canaã, quando da invasão dos povos do mar. Suas
cidades principais eram Asdod, Gaza, Ascalon, Gate, Ecron, mas logo se estenderam
também para o interior, em direção ao norte. Por muito tempo detiveram o mono-
pólio da metalurgia e, também por essa razão, constituíram uma grave ameaça para
as tribos de Israel até o tempo de Davi. A saga de Sansão (Juízes 13 a 16), assim como
a tragédia de Saul (I Samuel 31), refletem esse relacionamento difícil. Deles deriva o
nome Palestina, pois eram a Filístia, região que abrangia uma área desde um ponto
perto de Jope para baixo até Gaza, estendia-se uns 80 km ao longo do mar Medi-
terrâneo e uns 24 km terra adentro. “O mar dos filisteus”, evidentemente, refere-se à
parte do Mediterrâneo ao longo da costa da Filístia. As dunas de areia ao longo do
litoral penetram terra adentro por uma considerável distância, às vezes, até 6 km.
Fora disso, a região é fértil e tem cereais, olivais e árvores frutíferas.
Palestina: nome com o qual, em épocas diversas, foi designada a faixa costeira de-
limitada a ocidente pelo Mediterrâneo, ao norte pelo Líbano, ao sul pelo deserto do
Negueb e a oriente pelos montes de Moab e de Edom; que compreende as regiões
históricas da Galileia, da Samaria e da Judeia. O seu nome mais antigo foi Canaã,
mas é também chamada Terra de Israel, Terra Prometida, Terra Santa. O nome Pales-
tina deriva dos filisteus, que habitaram a faixa costeira meridional a partir do século
XII a.C. Presente já nos escritos de Heródoto, esse nome foi imposto oficialmente
pelos romanos, em 135 d.C., depois de terem reprimido a segunda revolta judaica.
Enquanto a tradição judaica usa o título Eretz Israel, ‘terra de Israel’, os árabes ado-
taram os termos “Palestina, palestinos”, também com apropriada conotação étnico-
nacional.

2 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 38.
GLOSSÁRIO

Povos do mar: são assim denominados grupos étnicos de origem diversa que, par-
tindo de Creta, da península e das ilhas gregas, bem como de outras regiões circun-
vizinhas, instalaram-se nas áreas costeiras da Ásia Menor (por terem sido expulsos
do Egito). Essa invasão foi a causa do estabelecimento dos filisteus, ocorrida no sé-
culo XIII-XII a.C., na costa palestina.3
Fenícios: antiga população estabelecida na costa siro-palestina; falava uma língua
semítica muito semelhante ao hebraico e dedicava-se ao comércio marítimo e à
produção de púrpura. A Bíblia lembra as relações amigáveis de colaboração entre
os fenícios e Israel (de Davi, de Salomão com Hiram, rei de Tiro etc.). A Fenícia seguiu
a mesma história de Israel e foi submetida por povos estrangeiros até a conquista
romana. Entre as várias escrituras alfabéticas surgidas no II milênio a.C., o alfabeto
fenício prevaleceu, passando posteriormente aos gregos, etruscos e latinos.
Selêucidas: dinastia macedônia, fundada pelo general de Alexandre Magno, Seleu-
co I Nicátor, em 312 a.C. Exerceu o domínio sobre as províncias orientais do império
macedônio, da Síria até a Pérsia, tendo por capital a Antioquia. Lutando contra o
reino helenístico dos Ptolomeus do Egito, em 198 a.C., os selêucidas conquistaram
a Palestina. Entre os soberanos mais famosos, temos Antíoco III, o Grande (223-187),
Antíoco IV, Epífanes (175-164), o qual, por querer helenizar à força a Judeia, provo-
cou a revolta dos macabeus, e Demétrio I Soter (162-150), sob o qual Judas Macabeu
morreu em batalha. O reino selêucida foi destruído por Pompeu, em 64 a.C., e a Síria
tornou-se província romana.
Semitas: de Sem, filho de Noé. Grupo de povos de origem étnica diferente, mas
que falam línguas semíticas. Estas, muito semelhantes entre si, dividem-se em se-
mítico oriental (acádico ou assiro-babilônico), semítico norte-ocidental (dialetos
aramaicos, cananeu, ugarítico, fenício, hebraico) e semítico sul-ocidental (árabe,
sul-arábico, etíope). Os semitas deram o alfabeto e as três religiões monoteístas à
cultura mundial.
Escribas: em hebraico, soferim (singular, sofer). A partir da época pós-exílica, os que
têm a competência e a autoridade de interpretar as Escrituras, explicar os preceitos
da Torá (Torah) e organizar os textos bíblicos. Às vezes, o termo designa também
funcionários reais. Exemplo ilustre de ambas as acepções é Esdras. No Novo Testa-
mento, aparece com frequência a expressão “escribas e fariseus”, a qual leva a supor
que as duas categorias não se identificassem; de fato, provavelmente existiam escri-
bas também entre os saduceus e os essênios, isto é, o termo indicava uma profissão
mais do que uma doutrina específica. A outra expressão neotestamentária, “dou-
tores da lei”, deve ser considerada um sinônimo. No judaísmo farisaico-rabínico, a
figura do escriba identificou-se com a do rabino.
Essênios: seita ou grupo judaico de tipo ascético-rigorista, que floresceu entre o
século II a.C. e o século I d.C., derivado dos hassideus (hassid). Mencionados por

3 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 72.
GLOSSÁRIO

Flávio Josefo, Filo de Alexandria e Plínio, o Velho, provavelmente subdividiram-se


em vários ramos, alguns dos quais praticavam o celibato e a separação rigorosa da
sociedade judaica e do sacerdócio de Jerusalém. Uma dessas correntes “monásticas”
foi identificada no movimento de Qumran e em sua literatura.4
Fariseus: em hebraico, perushim, “separados” (dos pagãos ou dos hebreus pouco
observantes). Grupo religioso judaico que se originou provavelmente dos hassideus
(hassid) e floresceu na época neotestamentária. Embora já estivessem em contraste
com os asmoneus, que até os perseguiram, obtiveram liberdade de ação na morte
de Alexandre Janeu (76 a.C.). Organizados em fraternidades (havurot), empenhados
na observância mais rigorosa dos preceitos, sobretudo os que se referiam à pureza,
exerceram grande influência sobre o povo, seja pela sua estratificação social, nor-
malmente não aristocrática, seja pela sua preocupação em tornar a Torá aplicável
a situações sempre novas. Introduziram no judaísmo a crença na vida futura e de-
fenderam a autoridade da Torá oral ou tradição ao lado da Torá escrita. Por essas
razões, encontraram-se em oposição aos saduceus e, alguns deles, com Jesus e seus
discípulos, os quais, todavia, partilharam grande parte das doutrinas e dos métodos
farisaicos. O judaísmo rabínico, substancialmente, é herdeiro dos fariseus, a única
corrente que sobreviveu à destruição de Jerusalém e do Templo, em 70 d.C.
Saduceus: grupo religioso judaico dos tempos de Jesus, atestado por Flávio Josefo
e no Novo Testamento. O nome grego saddoukáioi normalmente é creditado a um
sacerdote, Sadoc, da época davídica macabeia. Os saduceus constituíram a aristo-
cracia sacerdotal que tinha seu centro no Templo. Politicamente conservadores e
favoráveis à colaboração com os romanos, professavam um judaísmo de tipo arcai-
co, até mesmo pela recusa em aceitar a tradição oral: consequentemente, eles não
acolhiam crenças não claramente atestadas na Torá escrita, tais como a ressurreição
dos mortos e a existência de anjos e demônios. Por outro lado, mostravam uma
abertura cultural ao helenismo que explica também a ambiguidade do seu compor-
tamento sob os selêucidas. Eram de tendência saduceia os soberanos hasmoneus.
Desapareceram com a destruição do Templo, em 70 d.C.
Publicanos: arrecadador de impostos no sistema fiscal do Estado romano. Os pu-
blicanos pertenciam geralmente à classe dos cavaleiros. Por extensão, foram assim
chamados também os funcionários que recolhiam os impostos diretamente junto
aos governadores das províncias, como era o caso da Palestina dos tempos do Novo
Testamento. Eram malvistos pela população em virtude da frequente irascibilidade;
por isso o termo “publicano” assume nos Evangelhos um significado negativo: os
publicanos eram considerados pecadores e evitados do mesmo modo que se evi-
tavam os pagãos e as prostitutas. Jesus era acusado de frequentar lugares com os
publicanos, é suficiente lembrar a sua visita à casa de Zaqueu (Lucas 19.2-10) e o seu
chamado a Mateus, para que o seguisse em seu apostolado (Mateus 9.9).

4 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 38
GLOSSÁRIO

Zelotes: (zelotas) do grego zelotès, “zeloso”, “ciumento”. Termo com o qual Flávio Jo-
sefo indica uma das quatro “filosofias”, isto é, movimentos, do judaísmo palestino
do início da era cristã. Corresponde ao termo “cananeu” quando ele não designa os
habitantes de Canaã, mas traduz o hebraico qanna’ (‘zeloso’, ‘ciumento’); é o caso
do apostolo de Jesus, chamado Simão, o Cananeu (Marcos 3.18; Mateus 10.4) ou o
Zelota (Lucas 6.15; Atos 1.13). Embora se inspirassem no idealismo dos fariseus, os
zelotas não partilhavam seu projeto político, resistindo ativamente à dominação,
recorrendo também ao terrorismo. Foram os zelotas os responsáveis pela eclosão
da primeira guerra judaica (66-70 d.C.), que acabou tragicamente até por causa
das discórdias sangrentas entre os seus próprios chefes. A última resistência zelota
aconteceu em Massada, em 73 d.C. Um grupo extremista, próximo aos zelotas, foi o
dos sicários, denominados assim por causa da sica (em latim, ‘punhal’) com que eles
efetuavam seus atentados (Atos 21.38).5
Samaritanos: da Samaria, cidade e região do reino de Israel. Comunidade étnico
-religiosa que hoje reside em parte na cidade de Nablus (Cisjordânia), em parte em
Holon, próximo a Tel-Aviv, num total de aproximadamente quinhentas pessoas. São
os descendentes dos habitantes do reino que, depois da destruição de Samaria por
parte dos Assírios (722-721 a.C.) e a destruição do reino, foi ocupada por colonos
assírios, misturados aos remanescentes israelitas, não deportados por Salmanasar
V. A esta mistura étnica e cultural a Bíblia atribui o sincretismo religioso caracterís-
tico dos samaritanos, que construíram um templo sobre o monte Garizim, junto a
Siquém. Por causa das diferenças religiosas, os que retornaram do exílio babilônico
com Esdras e Neemias recusaram a colaboração dos samaritanos, acentuando assim
a hostilidade entre os dois grupos. Em 128 a.C., João Hircano I, filho de Simão Ma-
cabeu, destruiu o templo samaritano; mas o monte Garizim permaneceu até hoje
como o centro do culto, onde se celebra ainda a imolação do cordeiro pascal. Os
samaritanos consideram sagrado somente o Pentateuco (o que leva os estudiosos
a retardarem a data do cisma para uma época pós-exílica), fazem as festas bíblicas,
possuem um sacerdócio levítico, esperam um Messias (Ta´el) e consideram-se os
autênticos hebreus. O Pentateuco samaritano, escrito em caracteres paleo-hebrai-
cos, apresenta aproximadamente seis mil variantes em comparação com o texto
massorético, algumas das quais de notável interesse. Uma parte da sua literatura é
escrita em dialeto samaritano, uma variante do aramaico, enquanto inúmeras obras
exegéticas e jurídicas que chegaram até os nossos dias são escritas em árabe. O
episódio de João 4 é um testemunho fiel e vivo das relações entre os judeus e os
samaritanos no início da era cristã.
Hassid: em hebraico, “piedoso”. O termo indica os membros de alguns movimentos
religiosos judaicos, pertencentes a diferentes épocas: os hassideus (expressão cria-
da em grego para identificar os hassidim), braço religioso do partido macabeu, do
qual derivaram os essênios e os fariseus.

5 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 97
GLOSSÁRIO

Intertestamento: termo com que alguns estudiosos indicam o período histórico,


a cultura e a produção literária extrabíblica, entre o século I a.C. e o século I d.C. Do
ponto de vista literário, estão compreendidos neste período parte dos apócrifos, os
escritos de Qumran, as tradições orais dos fariseus, Flávio Josefo e Filo de Alexandria.
Judaísmo: termo com que se indica a fase do hebraísmo iniciada com o exílio babi-
lônico. O nome deriva do fato de que, durante e depois do exílio, os hebreus envol-
vidos foram os da Judeia. O judaísmo distingue-se do período anterior pela centra-
lidade (que se tornou exclusiva a partir do ano 70 d.C.) do culto e do estudo da Torá,
pela primazia da classe leiga dos escribas e doutores (posteriormente chamados
rabinos) sobre os sacerdotes, e pela difusão das sinagogas. O judaísmo representa,
portanto, ao mesmo tempo, um período de evolução fisiológica da religião de Israel
e a resposta acertada à perda do centro nacional.6
Judaizantes: na época neotestamentária, denominam-se assim os cristãos prove-
nientes do judaísmo, em particular os que vêm dos fariseus, que julgavam necessá-
rio manter a observância dos preceitos impondo-os até aos pagãos convertidos. Por
essa razão, surge a controvérsia citada em Atos 15 e Gálatas 2.1-9. Por muito tempo,
a igreja judaico-cristã de Jerusalém ou igreja de Tiago permaneceu judaizante.
Sinédrio: em hebraico, sanhedrin. Suprema instância política, administrativa e re-
ligiosa judaica, na época helenística e romana. Era composto de setenta membros,
além do sumo sacerdote, que o presidia. Faziam parte dele integrantes da classe sa-
cerdotal (saduceus) e doutores da lei de orientação farisaica, tendo a maioria de sa-
duceus ou de fariseus, conforme a época. Reconhecido pelos dominadores gregos
e depois pelos romanos, o Sinédrio tinha funções legislativas e judiciárias. Depois
do ano 70 d.C., sua autoridade política cessou, mas não sua autoridade religiosa. O
Sinédrio continuou sendo, então, o ponto de referência dos judeus sob o Império
Romano. Nesse período, quem o presidia era um patriarca (nasi), considerado um
descendente da estirpe de Davi. A instituição desapareceu no início do século V d.C.
O mesmo nome foi dado até a tribunais locais, de instância inferior.
Koiné: em grego “comum”. A língua grega comum, escrita e falada no mundo hele-
nístico, usada também pelos autores do Novo testamento.
Língua do povo, não erudita, língua comercial e na busca de levar as palavras do
nascente cristianismo a todos, foi a língua que os escritores sacros utilizaram.
Macabeus: nome pelo qual é identificada uma família sacerdotal da Judeia, prove-
niente do apelido makkabí (martelo?), dado inicialmente a Judas Macabeu, um dos
cinco filhos de Matatias (primeira metade do século II a.C.). A família, que se tornou
dinastia reinante sobre a Judeia, é também conhecida com o nome de Hasmoneus.
Com o mesmo nome de macabeus, são designados os sete irmãos protagonistas
de um episódio legendário de martírio, narrado em II Macabeus 7, ambientado na
perseguição de Antíoco IV. Eles, como também a própria mãe no final, morrem entre

6 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 54
GLOSSÁRIO

tormentos porque se recusaram a transgredir a lei alimentar judaica.


Moabitas: antiga população que a Bíblia diz ser descendente de Moab, filho de Ló,
residente a leste do mar Morto, ao sul dos amonitas e ao norte dos edomitas, no
país chamado terra de Moab. De acordo com Números 22-24, o seu rei Balac encar-
regou Balaão de amaldiçoar os israelitas. Submetidos por Davi, tornaram-se depois
independentes com o seu rei Mesa ou Mesha (II Reis 3). O deus nacional era Kemos.
A este povo pertenceu Rute.
Fonte: VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. – São Pau-
lo: Paulinas, 2000.7

Septuaginta (Setenta ou LXX): tradução grega do Antigo Testamento, executada


por judeus de Alexandria do Egito, nos séculos III-II/I a.C. É assim chamada por causa
dos seus 72 tradutores (seis de cada tribo de Israel) que, segundo a lenda contada
pela carta apócrifa de Aristeias, teriam traduzido a Bíblia em 72 dias, separadamen-
te, com resultado idêntico. Sua importância deriva do fato de que ela pressupõe um
texto hebraico muito anterior ao texto massorético, tornando-se posteriormente o
texto oficial das Igrejas cristãs de língua grega. Em virtude disso e de algumas pas-
sagens traduzidas com liberdade de interpretação, a tradução dos Setenta logo foi
recusada pelo mundo judaico, que preferiu a de Áquila.
Sinopse: do grego sýnopsis, “olhar instantâneo”. Disposição tipográfica em colunas
paralelas de textos que tratam de modo semelhante um mesmo argumento. Em
particular, o termo designa as edições com essa disposição gráfica, contendo os três
primeiros Evangelhos, às vezes com o acréscimo de citações paralelas em João. Exis-
tem também sinopses que apresentam em paralelo os livros de Reis e Crônicas.
Sinóticos: os Evangelhos. São assim denominados pelos estudiosos modernos os
Evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas, porque o seu conteúdo apresenta tanta se-
melhança que pode ser disposto em sinopse, isto é, em colunas paralelas. A sinopse
não pode ser confundida com a concordância dos Evangelhos.
Sumérios: população de origem e de estirpe não conhecidas, que se estabeleceu na
Mesopotâmia antes do ano 3500 a.C. As principais cidades-estado sumerianas, Ni-
pur, Erek, Lagash, Ur, Uruc, permaneceram independentes até que Sargon I de Acad
assumiu o poder; com a III dinastia de Ur (c. 2060-1950 a.C., Babilônia) eles voltaram
a ser independentes, pela última vez. A essa civilização deve-se a invenção da mais
antiga forma de escrita (sumérico), uma rede de irrigação perfeita, uma complexa
mitologia, bem como importantes progressos na matemática e na astronomia. Tal
patrimônio cultural foi transmitido, posteriormente, aos babilônicos e aos assírios.
Talmude: em hebraico, “estudo”. É o conjunto da lei oral, constituído pela Mixná e
pela Gemara. Foi elaborado nas escolas rabínicas e babilônicas, nas quais a Mixná
era estudada e discutida pelos mestres chamados amoreus. Desse modo, existem

7 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. – São Paulo : Paulinas, 2000. p. 61
GLOSSÁRIO

dois Talmudes, o palestino ou jerosolimitano (Jerushalmi) e o babilônico (Bavli). O


primeiro, mais breve, foi elaborado do século III d.C. até o início do século V, e co-
menta 39 dos 63 tratados da Mixná. O segundo, três vezes maior, foi elaborado do
século III d.C. até o fim do século VI, e comenta 36 tratados e meio da Mixná. Com-
preende dois milhões e quinhentas mil palavras e quase seis mil páginas, sendo,
dentre os dois, o que se afirmou como a mais autêntica expressão da Torá oral. Escri-
tos em aramaico (respectivamente palestino e babilônico) e em hebraico recolhem
uma imensidade de material não somente jurídico e normativo. Temos, portanto,
sobretudo no Talmude babilônico, lendas, folclore, episódios sobre a vida e o mar-
tírio dos mestres, orações, crenças populares, midrashim (midraxes), ditos etc., que
derivam do ensinamento vivo dos amoreus. O conteúdo normativo é amplamente
discutido com uma dialética (pilpul) refinada. Para cada opinião, são apresentados o
autor ou a corrente dos que a transmitiram. A última elaboração redacional deveu-
se aos mestres saboreus (“ponderantes”) dos séculos VI-VII. A editio princeps do Tal-
mude babilônico, do qual se reproduz sempre a numeração da folha e da página,
foi feita pelo editor cristão Daniel Bomberg, de Veneza, em 1520-23. O Talmude foi
repetidamente censurado e submetido a questionamentos no mundo cristão até a
Idade Moderna.
Amoreus: ou amoraítas. Em hebraico amora’im, os “dizentes”; termo que designa os
mestres rabínicos palestinos e babilônicos dos séculos III-VI d.C., cujos ensinamen-
tos constituem o Talmude.
Mixná: em hebraico, “repetição”, “estudo”. Compilação sistemática da lei moral, feita
pelo rabi Yehuda há Nassi, em torno do fim do século II d.C., inicialmente em forma
oral e depois por escrito. Está dividida em 63 tratados, agrupados em seis ordens,
que codificam todas as normas relativas ao culto, aos relacionamentos sociais, ao
direito civil e penal, ao matrimonio, à pureza e impureza etc. A partir do início do
século III, a Mixná tornou-se o principal instrumento usado no ensino; com suas
interpretações deu origem ao Talmude.
Midraxe: interpretação rabínica da Escritura. O termo hebraico, proveniente do
verbo darash, “procurar”, “investigar”, indica tanto o método de exegese quanto
a produção literária dele resultante. O midraxe nascido na escola como pesquisa
normativa é chamado midraxe haláquico (halacá); o midraxe nascido na sinagoga
como comentário edificante de leituras bíblicas litúrgicas é denominado midraxe
homilético ou hagádico (hagadá). São prevalentemente hagádicos também os mi-
draxes exegéticos que comentam de forma continuada um livro bíblico. O midraxe
começou a ser posto por escrito no século III d.C. e por mais de um milênio produziu
uma vasta literatura de difícil datação e atribuição, devido às inúmeras reelabora-
ções redacionais.
Tanach: ou Tenak. Uma das formas de nomear a Bíblia hebraica. É uma sigla, forma-
da pelas iniciais das três seções nas quais é dividida a Bíblia, de acordo com o cânon
hebraico: Torá (Pentateuco), Neviim (Profetas), Ketuvim (Escritos). Outra denomina-
ção comum é Miqra´ (“leitura”).
GLOSSÁRIO

Targum: em hebraico, “tradução”. Versão aramaica dos textos bíblicos lidos no cul-
to sinagogal, executada, sobretudo, em paráfrase. Pertencentes à época na qual o
hebraico não era mais entendido por todos, os targumim (plural de targum) deviam
permanecer na forma oral. Eram um simples subsidio à leitura litúrgica hebraica.
Mais tarde (do século I a.C. até o século III d.C.), os principais targumim foram pos-
tos por escrito. São eles: o Targum Onkelos, ao Pentateuco, redigido na Babilônia; o
Pseudo-Jonatan ou Jerosolimitano I, ao Pentateuco; o Targum de Jonatan ben Uz-
ziel, aos Profetas. O Targum Onkelos adquiriu uma autoridade particular, a ponto de
ser colocado ao lado do texto hebraico nas Bíblias rabínicas. A literatura targúmica é
importante para se conhecer a exegese e a teologia do judaísmo antigo.8
Tetragrama: termo grego (com o significado de “quatro letras”) que indica o nome
divino impronunciável YHWH, revelado a Moisés no episódio eloísta da sarça arden-
te (Êxodo 3) e no seu paralelo sacerdotal (Êxodo 6). No texto hebraico, é pronun-
ciado com as vogais do nome Adonai, com o qual é substituído na leitura; desta
substituição nasceu a pronúncia errônea de Jeová ou Geová. Fora do uso litúrgico,
ele é substituído por ha-Shem (“o Nome”). Geralmente, as traduções, representam o
tetragrama com “o Senhor” ou “o Eterno”.
Torá: (Torah), em hebraico, “ensinamento”, “direção”, “educação”. Termo (impropria-
mente traduzido por “lei”, seguindo a tradução grega nómos e a latina lex), que in-
dica a parte normativa do Pentateuco e, em sentido mais global, o próprio Pen-
tateuco, acabando por designar a Bíblia hebraica como um todo, como também,
conforme a doutrina rabínica, a tradição oral, chamada exatamente de “Torá oral”.
Com o termo Torá, entende-se substancialmente o inteiro discurso divino endereça-
do ao homem, como revelação da vontade de Deus em favor de Israel. Esta vontade
se realiza em uma promessa feita aos patriarcas, na criação de um povo, Israel, com
o qual Deus selou um pacto ou aliança. A Torá representa, justamente, o documento
desse pacto; suas normas são o “caminho” (halacá) que Israel deve percorrer para
realizar a vontade divina. No pensamento rabínico, a Torá é considerada o modelo
preexistente segundo o qual Deus criou o mundo, apresentando, portanto, algu-
mas analogias com a doutrina joanina do Logos (Palavra). A Torá, entendida como
Pentateuco, é considerada pelo judaísmo como o produto imediato e completo da
revelação sinaítica a Moisés, e enquanto tal é lida inteiramente no curso de um ano,
durante a liturgia do Sábado. O livro que a contém é objeto de particular honra. A
solenidade de Shavuot ou Pentecostes celebra o “dom da Torá” (em hebraico, mattan
Torá).
Unciais: manuscritos. Códices gregos da Bíblia, escritos em caracteres maiúsculos.
São anteriores aos minúsculos e compreendem o período que vai do século IV ao
século IX.
Vulgata: do latim, vulgata, “divulgada”. Tradução para o latim de toda a Bíblia, fei-
ta por Jerônimo no final do século IV e declarada “autêntica”, isto é, oficial para a

8 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000. p. 93
GLOSSÁRIO

Igreja latina, pelo Concílio de Trento (1546). Jerônimo, ao estabelecer-se em Jeru-


salém, traduziu do hebraico os livros protocanônicos do Antigo Testamento (nos
anos 390-405) e mais rapidamente e de modo superficial Judite e Tobias, enquanto
para os outros deuterocanônicos manteve-se a Vetus Latina. O Novo Testamento foi
somente revisado por ele, e não inteiramente (só os Evangelhos), nos anos 383-384.
Salmos, por ele traduzido do hebraico, não foi incluído na Vulgata, mediante uma
tradução do grego da qual ele fez uma simples revisão. Em 1965, Paulo VI instituiu
uma comissão que, sob a direção de Pietro Rossano, publicou a Neo-Vulgata nos
anos seguintes, na qual são corrigidas as frases ou expressões que a crítica moderna
do texto considera erradas, usando sempre a língua de Jerônimo.9

9 VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. – São Paulo : Paulinas, 2000. p. 97
247
Referências

BARTH, Karl. A proclamação do Evangelho. 2. ed. São Paulo: Novo Século, 2003.
BENTHO, Esdras Costa. Hermenêutica fácil e descomplicada. Rio de Janeiro: CPAD,
2003.
BETTENCOURT, Estevão. Para entender o Antigo Testamento. Aparecida/SP:
Editora Santuário, 1990.
BH3 – Bíblia Hebraica, 3. ed. Stuttgart: Württembergische Bibelanstalt, 1937.
BOSCH, David J. Missão Transformadora. São Leopoldo: Sinodal, 2002.
CAMPBELL, Joseph. As Transformações do Mito Através do Tempo. São
Paulo: Editora Cultrix Ltda., 1993.
CARSON, D. A. A Exegese e suas falácias. São Paulo: Vida Nova, 1992.
CATE, Robert L. How to interpret the Bible. Nashville: Broadman, 1983.
CHAMPLIN, R. N.; BENTES, J. M. Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia. São
Paulo: Candeia, 1995.
DAVIDSON, F. O Novo Comentário da Bíblia. São Paulo: Edições Vida Nova, 1997
(impressão 2008).
DICIONÁRIO ONLINE DE PORTUGUÊS. Disponível em: <www.dicio.com.br>. Acesso
em: 10 jun. 2014.
DOCKERY, David S. Hermenêutica Contemporânea à luz da Igreja Primitiva. São
Paulo: Editora Vida, 2005.
DUNNETT, Walter M. Panorama do Novo Testamento. Tradução Bruno Guimarães
Destefani. São Paulo: Vida Nova, 2005.
ELIADE, Mircea. Aspectos do Mito. Lisboa/Portugal: Edições 70 Ltda., 1963.
ELIADE, Mircea. História das Crenças e das Ideias Religiosas. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1978.
ELIADE, Mircea. Mito e Realidade. São Paulo: Editora Perspectiva, 1972.
ELWELL, Walter A. (ed.). Enciclopédia histórico-teológica da Igreja Cristã. São
Paulo: Vida Nova, 2008.
FIORIN, José Luiz. Elementos de Análise do Discurso. 12. ed. São Paulo: Contexto,
2004.
FOSTER, Richard J. Celebração da Disciplina: o caminho do crescimento espiritual.
Traduzido por Luiz Aparecido Caruso. 5.ed. São Paulo: Editora Vida, 1993.
GEISLER, Norman L. Enciclopédia de Apologética. São Paulo: Editora Vida, 2000.
GRENZ, Stanley J.; GURETZKI, David; NORDLING, Cherith FEE. Dicionário de
Teologia. 3. ed. São Paulo: Vida, 2002.
Referências

GUNDRY, Robert H. Panorama do Novo Testamento. São Paulo: Edições Vida Nova,
2004.
HOUAISS. Dicionário da Língua Portuguesa Houaiss, 2012. (Eletrônico).
LUND, Eric. Hermenêutica: princípios de interpretação das Sagradas Escrituras.
2.ed. São Paulo: Editora Vida, 2012.
MARTÍNEZ, José M. Hermenêutica Bíblica. ViladeCavalls/Barcelona/Espanã, 1984.
MESTERS, Carlos. Flor sem defesa – uma explicação da Bíblia a partir do povo. 4. ed.
Petrópolis/RJ: Editora Vozes, 1991.
MESTERS, Carlos. Por trás das palavras. Petrópolis: Vozes, 1974.
PEARLMAN, Myer. Através da Bíblia livro por livro. São Paulo: Editora Vida, 2006.
RADMACHER, Earl D.; ALLEN, Ronald B.; HOUSE, H. Wayne (editores). O Novo
Comentário Bíblico Novo Testamento. Rio de Janeiro: Central Gospel, 2010.
RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus, palavra da gente: as formas
literárias na Bíblia. São Paulo: Paulus, 2004.
ZUCK, Roy B. The Holy Spirit in your teaching. Ed. Ver. Wheaton: Victor Books, 1984.
SHAFER, Byron E. Manual Bíblia, Iglesia, Sexualidad y Família de autoria dos doutores
Robin Smith e Jorge Maldonado – Centro Hispano de Estudios Teológicos.
SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas,
2000.
SMITHER, Edward L. Agostinho como mentor: um modelo para preparação de
líderes. São Paulo: Hagnos, 2012.
STRAUSS, Claude Levy-. Mito e Significado. Lisboa/Portugal: Edições 70 Ltda., 1989.
STUART, Douglas; FEE, Gordon D. Manual de Exegese Bíblica: Antigo e Novo
Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2008.
TOZER, A. W. À procura de Deus. Venda Nova/MG: Editora Betânia, 1985.
UNGER, Merrill Frederick. Manual Bíblico Unger. Revisado por Gary N. Larson.
Tradução Eduardo Pereira e Ferreira, Lucy Yamakami. São Paulo: Vida Nova, 2006.
VADEMECUM para estudo da Bíblia. Associação Laical de Cultura Bíblica. São
Paulo: Paulinas, 2000.
ZABATIERO, Júlio. Manual de Exegese. São Paulo: Hagnos, 2007.
ZUCK, Roy B. A Interpretação Bíblica: meios de descobrir a verdade da Bíblia. São
Paulo: Vida Nova, 1994.
ANEXOS

ANEXO I

Flor sem defesa 1

Nasceu uma flor no fundo do mato. Diferente das flores que todos conhecem. Um
vento estranho jogou a semente desta flor diferente na mão do semeador.
Todos quiseram saber de que flor se tratava, para poder ajudá-la no seu crescimen-
to. Convidaram a flor para vir mostrar suas cores e espalhar seu perfume no meio da
roda da gente amiga que tinha lançado a semente da flor.
A flor que é simples não soube negar o convite. Veio mostrar-se, espalhou seu per-
fume. Pediram à flor que dissesse o seu nome. Mas a flor que é simples não soube
dizê-lo. Só soube dizer: “Sou flor!”, mostrando a todos um sorriso desarmado.
Olharam-na de perto, fizeram perguntas, mas não descobriram de que flor se tra-
tava. E disseram: “És flor! Volta para o mato e cresce por lá. Espalha o teu perfume
pelo sertão a fora, até que se limpe o ar da cidade e se alivie a dor do povo abafado!”
A flor que é simples não ficou zangada. Voltou para o sertão e cresce por lá. Os que
convidaram a flor, os amigos, ficaram preocupados: “É uma flor muito fraca! Não
tem defesa. Só sabe dizer que é flor! Como pode crescer no chão duro do sertão? É
preciso fazer alguma coisa por ela. Vamos pensar!”
Saindo da roda, a flor voltou para o sertão. Os amigos voltaram para casa. Mas uma
gota de seiva ficou na mão de todos que tocaram na flor. Era noite. Não dava para
ver a mancha. Só dava para senti-la pegajosa.
Um deles aproximou-se da luz, para ver o que era. Foi aí que descobriu o segredo da
flor. A gota de seiva era de sangue. Sangue de séculos que germinou em flor!
Quis, então, gritar aos amigos: “Já não precisam preocupar-se com a flor! Preocu-
pem-se consigo mesmos! Deixem crescê-la! Ninguém consegue cortá-la! Ela cresce
tranquila e serena, mesmo sangrando, mesmo cortada! Seu sangue é o seu adubo!
Já não importa saber de que tipo de flor se trata. Importa saber se ela nasce do
sangue! Importa saber se a sua semente foi levada pelo vento estranho não mão do
semeador!”
Mas ele não gritou, pois pensou: “A mancha está na mão de todos. Eles vão descobri
-la, quando a luz da aurora chegar”.
Noite ainda, saiu de casa. Foi para o sertão, e andou por lá, até que saísse uma gota
de sangue de seus pés cansados. Aí, ele parou e descansou tranquilo, esperando a

1 MESTERS, Carlos. Flor sem defesa – uma explicação da Bíblia a partir do povo. 4.ed. Petrópolis/RJ: Editora Vozes, 1991.
p. 4
ANEXOS

aurora chegar. E disse ao sangue que corria de seus pés: “Alimenta a flor que nasceu
no fundo do mato! Diferente das flores que todos conhecem”.
Descansando da dor, à espera da luz, ouviu uma música nova e simples que dizia:
“Flor, que transformas o sangue em adubo! És mais forte que a mão que te corta!
Mais duradoura que a ideia que te define. Mais nítida que a pintura que retrata o teu
rosto! Já cresce no mundo o medo de ti. Flor sem defesa!”

ANEXO II

Cuidado com o fundamentalismo 2

Vamos falar de dois tipos de leitura que desnaturalizam a Bíblia: a leitura fundamen-
talista e a utilitarista.
O termo fundamentalismo vem de uma coisa boa: ter fundamento, alicerce. Mas
achar que o próprio fundamento, aquilo em que se acredita é o melhor e o único
válido faz a coisa mudar de figura. Fundamentalismo é isso: absolutizar a própria
visão do mundo, da vida e até da religião. A leitura fundamentalista absolutiza o
texto bíblico. Então não devemos acreditar em tudo o que está escrito na Bíblia? Ela
não é a Palavra de Deus? Vamos esclarecer isso.
Em primeiro lugar, não basta ler a Bíblia sozinha. Ela nasceu numa cultura, na vida
de um povo (contexto). Temos de conhecer o jeito de escrever, o vocabulário, os
gêneros literários (texto). E o leitor, a leitora e a comunidade que leem a Palavra
também são importantes. Podemos então falar de um triângulo: Bíblia – comunida-
de – realidade.
Ora, o fundamentalismo toma uma das pontas do triângulo, o texto, e diz que ela é
a única que conta.
Mas será que os fundamentalistas não estão corretos? Afinal, eles dizem que se-
guem a Bíblia “ao pé da letra”, que são fiéis ao texto original, que seguem fielmente
àquilo que está escrito.
O jeito fundamentalista de ler a Bíblia é justamente o que menos respeita o texto.
Por quê? Como vimos em nosso estudo sobre os gêneros literários, os autores escre-
veram utilizando as formas típicas de escrita do tempo em que viviam. Além disso,
não escreveram para nós, mas para aqueles que viviam naquela época, para aqueles
leitores e leitoras.

2 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus, palavra da gente: as formas literárias da Bíblia. São Paulo: Paulus,
2004. p. 171, 172.
ANEXOS

Vamos dar alguns exemplos. Na leitura fundamentalista, o mundo e o ser humano


foram criados como está escrito nos dois primeiros capítulos de Gênesis. É como se
fosse uma descrição “científica” de como surgiu o universo. Mas já estudamos esses
capítulos e pudemos perceber que há jeito melhor de entender esse texto. Até por-
que ali há dois relatos bem diferentes um do outro.
Outro problema. Paulo, em suas cartas, dá várias orientações às comunidades. Ele
dirige-se a pessoas concretas, que vivem situações próprias daquele tempo e da-
quele lugar. Em I Coríntios 14.34 ele fala do silêncio das mulheres. Ele não escreveu
pensando em nós. Então, se tomarmos “ao pé da letra” suas normas, sem entender
a linguagem usada e o contexto da comunidade, não vamos saber como ler hoje
esses textos.
Tomemos o espinhoso exemplo da política. Na primeira carta de Pedro (2.13), o au-
tor pede que os cristãos se submetam às instituições humanas. Quer dizer, temos
que ser obedientes às autoridades. Porém outro livro bíblico traz uma visão bem
diferente. No Apocalipse, o Império Romano é considerado a “grande Besta”, inimiga
de Deus e dos cristãos (Apocalipse 13). Se é para seguir cegamente o que está escri-
to, qual das duas posições é mais “inspirada”?
A leitura fundamentalista, portanto, não consegue entender o texto, nem as inten-
ções do autor, nem o significado que determinada palavra tem para nós hoje.

ANEXO III

Cuidado com o utilitarismo 3

Tem gente que abusa da Bíblia! Vejamos alguns casos.


Há o perigo de se reduzir a Bíblia a um livro de consulta pessoal, que dispensa a co-
munidade. O que muitos fazem é reduzir o texto bíblico a umas poucas passagens
“fáceis” de se entender. Muitos até descartam o Primeiro Testamento como coisa
sem importância. Nesse caso, a experiência do êxodo, fundamental para entender
a Bíblia, perde seu significado. As histórias bíblicas viram apenas belos contos edifi-
cantes, e não mais profundas experiências comunitárias de fé. E Jesus fica parecen-
do mais um guru que tem receitas apenas para problemas pessoais.
Pois é, tem gente que só se serve da Bíblia para isto: estou em dificuldades, vou ver
o que a Bíblia me diz. Não sei como fazer nessa situação, deixe-me abrir a Bíblia e ver

3 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus, palavra da gente: as formas literárias da Bíblia. São Paulo: Paulus,
2004. p. 172, 173.
ANEXOS

qual a resposta. A Bíblia, nesse caso, vira receita, livro de curas, guia de autoajuda.
Puxa, quer dizer então que a Bíblia não ajuda em situações de crise, ou de dúvida, ou
de dificuldades? Sim e não. Depende de como a lemos.
Podemos orar com a Bíblia. Seja em comunidade, seja pessoalmente. Há muitos
textos que nasceram da oração das comunidades daqueles tempos. Os salmos são
bons exemplos. Encontramos nesses poemas situações semelhantes às nossas, seja
de dificuldade, seja de alegria e agradecimento. Mas a Bíblia não é livro de mágicas.
Ela inspira a pessoa ou a comunidade para que busque uma resposta válida para
seu próprio tempo.
Outro perigo: usar a autoridade da Bíblia para o próprio interesse. Como um pai que
põe medo em seu filho, dizendo que Deus vai castigá-lo se não lhe obedecer, como
fez com os israelitas no deserto. De fato, há textos que falam de castigo, até do di-
reito do pai de punir seus filhos. Mas há outros que mostram que o respeito é mais
importante. Por isso, é necessário buscar uma resposta que seja boa hoje.
Também há um tipo de leitura que podemos chamar de “subsidiária”. É o uso de tex-
tos bíblicos para justificar as próprias ideias ou atitudes. Um bom exemplo: em Ma-
teus, o Reino dos céus pertence aos “pobres de espírito” (Mateus 5.1). Em Lucas, são
bem-aventurados os pobres, simplesmente (Lucas 6.20). O estudo dos textos leva a
descobrir que essa última formulação é, provavelmente, mais próxima daquilo que
teria falado Jesus. Quantas vezes, porém, o texto de Mateus foi usado – e abusado
– para mostrar que, para Jesus, o mais importante seria o pobre “só de espírito” (não
no sentido material), justificando assim a opressão, a miséria, a dominação. Essa for-
ma de ler continua sendo muito usada nas igrejas, na catequese, nas homilias.
A Bíblia, apesar de todos esses abusos, não se rende a nossos interesses. Ela não se
deixa domar por este ou aquele grupo. Ela não serve a nossos propósitos imediatos;
ao contrário, nos provoca. Não diz o que temos de fazer, mas nos ilumina para que
busquemos o melhor caminho.

ANEXO IV

Ler de forma crítica... sempre 4

Há, no livro do Gênesis, um texto que toca as entranhas e nos faz tremer por dentro.
Abraão expulsa, sem muitas delongas, sua escrava Agar, com quem tinha um filho,
Ismael. Parte ela com o menino nos ombros, com um pouco de pão e água. Diz o

4 RODRIGUES, Maria Paula (org.). Palavra de Deus, palavra da gente: as formas literárias da Bíblia. São Paulo: Paulus,
2004. p. 174,175.
ANEXOS

texto: “Ela saiu e andava errante pelo deserto de Bersabeia. Quando acabou a água
do cantil, ela pôs a criança debaixo de um arbusto e foi sentar-se na frente... Ela pen-
sava: “Não quero ver a criança morrer!” (Gênesis 21.14-16). É difícil crer que alguém
fique insensível a uma situação como essa.
Mas o texto será entendido conforme o olhar de quem o ler. Um pregador poderá
fazer uma leitura alegórica dessa passagem bíblica, quem sabe até justificando a
atitude do patriarca. A mãe nordestina, porém, que já viu sua criança morrer de
fome, não precisará fazer muitas reflexões para entender o drama de Agar. Para ela,
a situação que vive e sua história direcionam a compreensão da Bíblia. Portanto, a
realidade social, econômica e religiosa influenciam a leitura bíblica.
Nas últimas décadas, muitas pessoas que estudam a Bíblia começaram a utilizar vá-
rias ciências para compreender melhor seu significado. A sociologia, por exemplo,
tem ajudado a compreender melhor como funcionava a sociedade nos tempos bí-
blicos, inclusive as relações de poder. As mulheres, por exemplo, eram consideradas
“propriedade” de seus maridos. Pior ainda se fossem escravas, como Agar.
Outra ciência importante é a Antropologia. Os costumes, a organização da família,
os rituais têm sido estudados pelos especialistas nessa área. Imagine entender o que
Jesus fez na “última ceia” sem conhecer o modo como seu povo celebrava a Páscoa!
E há tantas outras: Psicologia, História, Economia, Literatura, Arqueologia etc. Todas
elas têm um papel importante no estudo e na compreensão da Bíblia. Mas é preciso
dizer que, como todas as ciências, nem sempre há unanimidade, isto é, nem sempre
todos pensam da mesma maneira.
Aqui precisamos alertar para um risco: pensar que essas ciências possam, sozinhas,
ter a chave da verdade. Nenhuma delas e nenhum estudioso é dono da verdade. A
Arqueologia, por exemplo, trabalha descobrindo lugares, objetos, que ficam enter-
rados por séculos e milênios. Muitos achados têm ajudado a resolver dúvidas sobre
os textos. Em um monumento de pedra com mais de 3 mil anos, chamado Estela
de Mesha, foi encontrada, provavelmente, a mais antiga inscrição com o nome de
Israel. Mas a Arqueologia nunca irá conseguir, sozinha, contar a experiência de Deus
vivida por esse povo.
Conclusão: é melhor juntar muitos olhares para enxergar melhor, mais longe, com
mais detalhes. Melhor juntar o olhar do cientista e da operária, do homem e da mu-
lher, do católico e do evangélico. O profeta Joel (3.1) expressa isso de maneira ainda
mais bonita: “os velhos terão sonhos, e os jovens terão visões!”
ANEXOS

ANEXO V

Inspiração da Bíblia

Toda pessoa tem uma base de autoridade sobre a qual pensa e age. Para o Cris-
tão, essa base é a Bíblia, um livro que se proclama diferente de todos os outros. A
palavra Bíblia é derivada da palavra grega que significa “rolo” ou “livro”, na verdade
um rolo feito com folhas de papiro coladas umas às outras (Lucas 4.17; Daniel 9.2).
O termo Escritura(s) é usado no Novo Testamento em relação aos livros sagrados
do Antigo Testamento que eram considerados inspirados (II Timóteo 3.16; Romanos
3.2), e também em relação a outras partes do Novo Testamento (II Pedro 3.16). A
expressão “Palavra de Deus” é usada no Novo Testamento em relação a ambos os
testamentos em forma escrita (Mateus 15.6; João 10.35; Hebreus 4.12). Cada uma
dessas expressões refere-se a esse livro por excelência, o registro único e reconhe-
cido da revelação de Deus ao homem. Há certos critérios óbvios que demonstram
ser a Bíblia um livro singular. Foi escrita durante um período de mais de 1.500 anos
por 40 autores diferentes e, no entanto, é um só livro, com mensagem única e sem
contradições naquilo que afirma. Além disso, o que afirma é notável, pois fala com
igual facilidade do conhecível e do impossível de conhecer, do agradável e do desa-
gradável, dos sucessos e dos fracassos do homem, do passado e do futuro. Poucos
livros buscaram tal amplitude de assunto e tempo; nenhum é completamente exato
a não ser a Bíblia.

O Significado e os Meios de Revelação:


A palavra revelação significa simplesmente um desvendamento. Com relação à
Bíblia, esta é frequentemente definida como o ato ou processo de Deus tornar co-
nhecido do homem algo que, de outra forma, permaneceria desconhecido. Essa não
é, todavia, uma boa definição realmente porque há muitas coisas na Bíblia que fo-
ram ou se tornaram conhecidas simplesmente porque homens as testemunharam
pessoalmente. Há, no entanto, muitas coisas que jamais seriam conhecidas a não
ser por revelação divina. A palavra é usada em I Coríntios 2.10 para descrever a obra
iluminada do Espírito Santo de Deus. Assim, a revelação pode vir por meios naturais
ou sobrenaturais; pode estar relacionada a pessoas ou a proposições; pode se referir
a partes da Bíblia (“Deus revelou o futuro aos profetas”) ou a toda a Bíblia, e pode se
referir ao conteúdo da Bíblia ou à interpretação desse conteúdo (iluminação).
Os meios de revelação têm sido geralmente classificados em duas categorias, reve-
lação geral e revelação especial. A revelação geral inclui todos os meios à parte de
Jesus Cristo e da Bíblia, ou seja, a revelação de Deus por meio da natureza (Romanos
1.18-21), de Sua providência para com a humanidade e o restante da criação (Ro-
manos 8.28; Atos 14.17; Colossenses 1.17) e mediante a natureza moral do homem
ANEXOS

(Gênesis 1.16; Atos 17.29). A revelação especial é aquela que vem mediante Jesus
Cristo (João 1.18) e Bíblia (I João 5.9-12). A revelação geral é suficiente para aler-
tar o homem quanto à sua necessidade de Deus e para condená-lo caso rejeite o
que pode conhecer através da natureza; somente a fé em Jesus Cristo, todavia, é
suficiente para salvá-lo (Atos 4.12). A revelação geral de Deus, se rejeitada, traz jus-
ta condenação; se aceita, porém, Ele se responsabilizará por trazer a necessária luz
com a mensagem do evangelho para que o indivíduo possa ser salvo (Atos 10.3-6).

O que quer dizer Inspiração?


A revelação diz respeito ao material ou ao conteúdo por meio do qual Deus é apre-
sentado ao homem. A inspiração diz respeito ao registro de tal conteúdo, a Bíblia.
Estritamente falando, inspiração significa “soprar para dentro, aspirar”. Em II Timóteo
3.16, a palavra traduzida “inspirada” seria mais corretamente traduzida “expirada”, ou
seja, “soprada por Deus”. Em outras palavras, o versículo diz que a Escritura é produ-
zida por Deus, sem, contudo, indicar qualquer meio que Deus possa ter utilizado em
sua produção.

Uma Definição:
Inspiração Bíblica é o processo divino de supervisão dos autores humanos da Bíblia,
de modo que, usando suas próprias personalidades e estilos, compuseram e regis-
traram sem erro a revelação de Deus ao Homem nas palavras dos manuscritos ori-
ginais. Vários aspectos dessa definição são dignos de nota: (1) Deus supervisionou,
mas não ditou o conteúdo. (2) ele usou autores humanos e seus estilos individuais.
(3) O produto final, nos manuscritos originais, era isento de erro.

Pontos de Vista sobre Inspiração:


Nem todos concordam com a definição acima e com suas implicações. (1) Alguns
afirmam que os autores bíblicos foram homens de grande talento, mas que seus
escritos não são mais inspirados do que os de outros gênios ao longo da história.
Essa opinião tem sido chamada inspiração natural, pois é totalmente desprovida
de qualquer dimensão sobrenatural. (2) Um passo além se vê na posição de quem
vê os autores bíblicos como controlados e dirigidos pelo Espírito Santo de Deus
como qualquer outro poderia ser hoje. Essa posição é chamada inspiração mística
ou iluminação. Logicamente poder-se-ia concluir que qualquer um controlado pelo
Espírito Santo de Deus estaria capacitado a escrever a Bíblia hoje em dia. Uma ideia
semelhante a essa é a de que os autores bíblicos possuíam tal inspiração em grau
mais elevado que os demais. (3) A visão distorcida mais comum da inspiração é a
que a reduz a um mero ditado. Os autores bíblicos teriam sido completamente pas-
sivos e Deus teria simplesmente ditado a eles o que deveria ser registrado. É certo
e claro que algumas partes da Bíblia foram ditadas (como os Dez Mandamentos e
outras partes da Lei), mas a definição acima proposta traz em si a ideia de que Deus
permitiu aos autores humanos graus variados de expressão pessoal à medida que
escreviam. (4) A teoria da inspiração parcial admite certas partes da Bíblia como
ANEXOS

sobrenaturalmente inspiradas, ou seja, porções da Bíblia que de outra forma seriam


desconhecidas (relatos da criação, profecias etc.). (5) Um conceito muito popular de
inspiração é o de que apenas os conceitos, não as palavras, foram inspirados. Essa
posição pode garantir certa medida de autoridade, sem a necessidade de que cada
palavra da Bíblia seja totalmente correta. (6) O conceito neo-ortodoxo (ou barthia-
no) de inspiração é o de que a Bíblia é uma testemunha da Palavra de Deus, embora
teólogos barthianos não se oponham à frase “A Bíblia é a Palavra de Deus”. Para eles,
entretanto, tal sentido seria apenas secundário (no sentido primário Cristo é a Pala-
vra), e a sua Bíblia estaria cheia de erros, por ser apenas o produto de autores falíveis.
O teólogo neo-ortodoxo aceita os ensinos do liberalismo quanto à Bíblia e tenta,
apesar disso, conceder a ela uma medida de autoridade pelo fato de, ainda que
falivelmente, dar testemunho de Cristo. (7) Entre muitos cristãos conservadores há
uma posição que se poderia chamar de propósito inspirado da Bíblia. Isso significa
simplesmente que, apesar de conter erros de fato e discrepâncias insolúveis em seu
conteúdo, a Bíblia possui “integridade doutrinária” e, assim, cumpre perfeitamente
o propósito de Deus para ela. Pessoas que defendem essa ideia podem usar, e geral-
mente usam, os termos infalível e inerrante, mas é importante notar que eles limi-
tam cuidadosamente a infalibilidade da Bíblia a seu propósito ou ênfase principal,
não a estendendo de modo a incluir a exatidão de todos os fatos históricos e relatos
paralelos. Um escritor expressou-se recentemente assim: “eu confesso a infalibilida-
de e a inerrância das Escrituras em cumprir o propósito de Deus para elas – dar ao
homem a revelação de Deus e seu amor redentor através de Jesus Cristo”. Em outras
palavras, a principal revelação de Deus – salvação – foi infalivelmente transmitida
através de registros que, apesar disso, são perfeitamente falíveis. Em contraste com
os teólogos barthianos, os que defendem esse conceito de inspiração possuem po-
sições mais conservadoras em questões como autoria e data dos livros da Bíblia,
considerando-a, em geral, um livro mais fidedigno. Ainda assim, consideram-na falí-
vel e errante; e se ela o é em questões históricas, quem pode estar certo de que não
o seja também em questões doutrinárias? Além disso, como pode alguém separar
doutrina e história? Experimente fazer isso em relação aos grandes acontecimentos
da vida de Cristo. Tais doutrinas dependem da exatidão dos fatos históricos.

O Testemunho Bíblico:
Apenas para ilustrar como os tempos mudaram, até poucos anos atrás, tudo o que
se precisava dizer para expressar convicção de que a Bíblia era plenamente inspira-
da era “A Bíblia é a Palavra de Deus”. Depois, foi preciso acrescentar “a Palavra inspira-
da de Deus”. Mas algum tempo passou e a frase cresceu “a Palavra verbalmente ins-
pirada de Deus”. Daí, para dizer a mesma coisa era preciso dizer: “A Bíblia é a palavra
de Deus, verbal e plenariamente inspirada”. Depois, surgiu a necessidade de dizer
“[...] a Palavra de Deus, infalível, verbal e plenariamente inspirada”. Hoje em dia, é
preciso usar uma bateria de termos teológicos: “A Bíblia é a Palavra de Deus, infalível,
inerrante nos manuscritos originais, verbal e plenariamente inspirada”. Apesar de
tudo isso, é possível não comunicar exatamente o que se quer dizer! O que, todavia,
a Bíblia reivindica para si? (1) Ela afirma que toda a Escritura é inspirada por Deus (II
ANEXOS

Timóteo 3.16). Isso significa que Deus, que é verdadeiro (Romanos 3.4), “soprou” a
verdade, (2) mas não teria o homem corrompido a verdade enquanto a registrava?
Não, porque a Bíblia também testifica que os homens que a escreveram foram “mo-
vidos (lit., carregados) pelo Espírito Santo” (II Pedro 1.21). O Espírito foi, assim, Coau-
tor de todos os livros da Bíblia, escrevendo “de parceria” com cada autor humano. Há
uma série de passagens no novo testamento em que trechos do antigo testamento
tiveram como autor designado o Espírito Santo de Deus, embora tenham sido escri-
tos por vários homens diferentes. A única maneira de explicar esse fenômeno é re-
conhecer uma dupla autoria (veja Marcos 12.36, onde Jesus afirma que foi o Espírito
o autor de algo que David escreveu no Salmo 110; em Atos 1.16 e 4.24-25, onde os
Salmos 41 e 2 são atribuídos ao Espírito Santo; igualmente Hebreus 3.7; 10.15-16).
(3) Às vezes o registro reflete claramente o estilo e as expressões dos autores huma-
nos. Isso deve ser esperado em um livro de dupla autoria, e não significa de maneira
alguma que, ao empregarem seu próprio estilo, os autores estivessem produzindo
registros errôneos (veja Romanos 9.1-3 como exemplo dessa afirmação). (4) Fora de
dúvida, a Bíblia expressa possuir essa inerrância. De que outra maneira poderíamos
explicar o fato de Jesus Cristo ter reivindicado para as próprias letras que formam
as palavras da Escritura um caráter permanente e irrevogável: “Porque em verdade
vos digo: Até que o céu e a terra passem, nem um só i ou um til passará da lei, até
que tudo se cumpra” (Mateus 5.18)? O i é a letra hebraica yod, a menor do alfabeto
hebraico. O til era um pequenino traço que servia para distinguir certas letras he-
braicas de outras (como um dalet de um resh). Num tipo comumente usado para
livros, teria extensão menor que um milímetro! Em outras palavras, o Senhor estava
afirmando que cada letra, ou cada palavra é importante, e que o Antigo Testamento
seria cumprido exatamente como fora soletrado, letra por letra, palavra por palavra.
O Senhor também insistiu na importância de um tempo presente em Mateus 22.32.
Para deixar bem clara a veracidade da ressurreição, ele relembrou os saduceus que
Deus é o Deus dos vivos porque Se identificara a Moisés dizendo “Eu sou” o Deus
de Abrão, de Isaque e de Jacó, embora eles já estivessem mortos havia centenas de
anos. Se a ressurreição não fosse uma realidade, Ele teria dito “Eu fui” o seu Deus.
O Senhor também baseou um argumento crucial sobre Sua própria divindade na
palavra do Senhor (Mateus 22.41-46), conforme usada no Salmo 110.1. Se Ele não
considerasse inerrantes as próprias palavras da Escritura, seu argumento na teria
sentido. Em outra ocasião Ele Se escusou da acusação de blasfêmia focalizando uma
única palavra do Salmo 82.6 (João 10.34). Depois, reforçou seu argumento lembran-
do a Seus acusadores que a Escritura “não pode falhar” (Lit., ser quebrada). De igual
modo, Paulo insistiu na importância de um singular em contraste com um plural em
seu argumento registrado em Gálatas 3.16. Tal argumento não seria válido a não
ser que se pudesse confiar plenamente na diferença entre singular e plural de cada
palavra. Todos esses exemplos nos levam a admitir que a Bíblia reivindica inerrân-
cia para si. (5) Ninguém que defenda a inerrância nega que a Bíblia use figuras de
linguagem comuns (como “os quatro cantos da terra” Apocalipse 7.1); porém tais fi-
guras são usadas com precisão. (6) Também não negamos que os autores humanos
ocasionalmente pesquisaram os fatos sobre os quais escreveram (Lucas 1.1-4). O
ANEXOS

produto, todavia, cremos que tenha sido guardado do erro pelo trabalho de super-
visão do Espírito Santo. (7) Também não negamos que haja problemas com o texto
de que hoje dispomos. Problemas, todavia, são muito diferentes de erros. Na verda-
de, diante das reivindicações que a Bíblia faz em seu favor em termos de inspiração
e inerrância, seria mais razoável, quando confrontados com problemas, colocar nos-
sa fé nas Escrituras, que se têm demonstrado fidedignas ao longo dos séculos, e não
confiar em qualquer opinião humana e falível. O conhecimento humano de muitos
desses problemas é limitado e, em algumas ocasiões, demonstravelmente errado.
Sem dúvida o tempo continuará a trazer à luz fatos que ajudarão a solucionar os
problemas ainda não resolvidos na Bíblia.

Fonte: Extraído de A Survey of Bible Doctrine, por Charlie C. Ryrie (Moody Press). 1972 por The
Moody Bible Institute of Chicago.

Das könnte Ihnen auch gefallen