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GUIÃO DE EDUCAÇÃO conhecimento, Género e cidadania no Ensino Secundário

1.6.

De que falamos quando


falamos em cidadania?

O
termo ‘cidadania’ no âmbito da sua A sua teoria de cidadania assenta num conjunto
aplicação ao ensino e à educação de três tipos de direitos – os direitos civis, direitos
começou a ser expressão corrente políticos e direitos sociais. Aqueles e aquelas que
nos últimos anos. No entanto, possuem o estatuto de cidadãos ou cidadãs são
surgiu sem uma clara apresentação dos seus – no que respeita aos direitos e responsabilidades
múltiplos significados. Por isso, é importante a esse estatuto associados – iguais. É aspiração
questionarmo-nos sobre o que é realmente dos cidadãos e cidadãs implementar a plena
a cidadania. Na realidade, este conceito igualdade, lutando pela progressiva concessão
é problemático, ambíguo, e a história tem de direitos que aumente o número de pessoas a
mostrado que ao longo dos tempos lhe estão quem é conferido o estatuto de cidadania.
associadas diferentes conceções, que vão
sendo retomadas, reformuladas ou mesmo A preocupação de Thomas Marshall (1964)
criticadas enquanto outras novas vão surgindo. relativamente à cidadania implicava procurar
A cidadania é um estado no qual (ou com o formas de (re)conciliar a democracia política
qual) a pessoa (ou ‘o/a cidadão/ã’) tem os formal com a continuidade da divisão da
direitos e/ou obrigações associados à pertença sociedade capitalista em classes sociais.
a uma comunidade alargada, especialmente a A resposta que avançou para esta reconciliação
um Estado. residia na hipótese de existência e promoção
do chamado Welfare State – Estado de Bem-
Uma referência chave na literatura sobre Estar Social ou Estado-Providência. Marshall
cidadania é Thomas Marshall (1893-1981), argumentava que o Estado-Providência poderia
um professor de sociologia na Universidade de limitar os impactos negativos das diferenças de
Londres, considerado um clássico no estudo classe nas oportunidades de vida de todas as
do tema. Numa série de conferências realizadas pessoas, ao mesmo tempo que permitia um
na Universidade de Cambridge nos anos 50 do comprometimento delas próprias com o sistema.
século XX conceptualizou a cidadania como um
tipo específico de estatuto legal de identidade Apesar de Thomas Marshall conceber a
oficial; juntamente, desenvolveu a noção de possibilidade de expansão dos direitos de
membro pleno de uma comunidade soberana cidadania através do conflito no seio da
que se auto-governa. Nos seus termos, a sociedade civil, o desenvolvimento histórico não
cidadania é um estatuto conferido àqueles deve ser entendido como um processo linear e
e àquelas que são membros plenos de uma evolutivo, segundo o qual se dá uma acumulação
determinada comunidade. Tal como um estatuto de direitos que passam a ser aceites como
legal, a cidadania confere o direito a ter direitos. garantidos. Pelo contrário, os direitos alcançados

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ENQUADRAMENTO TEÓRICO l Género e Cidadania

devem ser defendidos e


Thomas Marshall desenvolveu um esquema exercidos continuamente, o
classificatório e histórico. Identificou na cidadania três que implica a importância não
elementos (estádios) conceptuais e historicamente só da obtenção do poder,
distintos, construídos de forma encadeada e que como também o seu contínuo
fazem parte de um desenvolvimento também ele exercício.
sequencial. De acordo com o autor, o primeiro estádio
na cidadania é a cidadania civil: os direitos inerentes O trabalho deste autor tem
são os direitos fundamentais à liberdade individual gerado muito debate. Para
– liberdade da pessoa, liberdade de expressão, Ruth Lister (1997), uma das
pensamento e fé, o direito à propriedade e o direito principais razões para o carácter
à justiça. Já que os indivíduos que possuem estes controverso desta teoria de
direitos civis básicos existem perante a lei, trata-se cidadania reside na forma como
de uma espécie de personalidade legal. Um segundo pode funcionar, simultaneamente,
estádio é a cidadania política: os indivíduos têm como mecanismo inclusivo e
direito a participar no exercício do poder político excludente. Esta classificação
como membros de um corpo investido de poder pode ser muito proveitosa para
se mostrar, por exemplo, como
político. Este estádio representa o reconhecimento
se caracteriza a história das
básico e formal, dado pelas instituições legais e
mulheres como não-cidadãos.
políticas, do indivíduo como um membro igual
As mulheres casadas inglesas
entre iguais na sua comunidade, como alguém
no fim do século XIX não
que tem o direito (e as obrigações relacionadas)
teriam atingido ainda o primeiro
de tomar decisões (por exemplo, votar) sobre a
estádio preconizado por
comunidade. Finalmente fala do terceiro estádio
Thomas Marshall – podendo
no desenvolvimento da cidadania liberal que terá
considerar-se pessoas a viver
ocorrido durante o século XX: a cidadania social.
num sistema feudal. O mesmo
A cidadania social envolve o acesso individual se pode dizer das portuguesas,
independente aos bens sociais básicos providenciados para quem só muito mais
pela comunidade como um todo a todos os seus tarde (muitas conquistas são
membros. Assim, o acesso disponibilizado aos posteriores ao 25 de Abril de
benefícios de bem-estar social – cuidados médicos 1974) o estatuto de igualdade
e a toda a gama de programas de bem-estar, desde foi formalmente estabelecido
a educação à habitação – é o elemento que Thomas na lei, e consubstanciado
Marshall identifica como cidadania social. Estas na Constituição Portuguesa
formas sociais de cidadania foram institucionalizadas de 1976. Assim, as críticas
na forma do Estado-Providência. A batalha pelos fundamentais a este modelo
direitos sociais fundamentais é ainda hoje uma provêem da sua lógica
realidade, continuando a ser ainda uma aspiração evolucionista que não inclui nem
e não, conforme o referido autor preconizava, explica a história da maioria
o fim da história do conceito de cidadania. de indivíduos – as mulheres29
– ao assumir que no início do

29 As feministas criticam fortemente esta teoria já que nesta evolução histórica dos direitos de cidadania não revêem os direitos
das mulheres. O facto de a teoria assumir que desde a sua implementação estes direitos foram universais – i e, abrangeram
todas as pessoas – ainda aumenta mais o argumento crítico. Como é possível pensar em todas as pessoas se metade da
população (as mulheres) estava excluída da cidadania política?

por: Cristina C. Vieira (coord.), Conceição Nogueira e Teresa-Cláudia Tavares 043


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século XIX a cidadania, na forma de direitos na sua vertente de possibilitadores e auxiliadores


civis, se tornou universal, Thomas Marshall do espaço para o desenvolvimento individual. O
atira para as margens da universalidade a desenvolvimento pessoal, por sua vez, permite a
história da cidadania das mulheres. Como promoção dos interesses e potencial individuais;
sublinha Helena Araújo (1998), as mulheres permite a existência e promoção da liberdade,
foram excluídas da esfera pública, relativa ao isto é, da existência de seres auto-suficientes
Estado e à economia, mas foram incluídas e libertos da interferência de outros indivíduos
como subordinadas, confinando-se a sua ou da comunidade. Desta perspetiva de direitos
ação à esfera doméstica, com ênfase para o naturais e individuais, nasce a ideologia do
exercício do dever da maternidade. individualismo, essencialmente abstrato, mas
Veremos adiante como no campo dos estudos fundamentalmente em oposição à comunidade,
de género os debates se têm centrado que é assumida como potencial ameaça para
essencialmente à volta do mecanismo essas mesmas liberdades individuais.
excludente da cidadania e da questão entre a
igualdade e a diferença. Este individualismo abstrato desenvolvido
pela lógica liberal depois do século XVIII, e
Depois da Segunda Guerra Mundial, o continuamente exacerbado até aos dias de hoje,
liberalismo social tem sido a teoria dominante pode provavelmente explicar as ambivalências
sobre a cidadania nas democracias liberais da teoria da cidadania liberal face às noções de
ocidentais. Esta teoria assume um estatuto de responsabilidades sociais e de direitos sociais.
igualdade e de cidadania plena para todos os Assim, a ênfase liberal na autonomia individual
adultos nascidos dentro do território de um implica uma desconfiança básica relativa à
Estado pré-existente. Parte do princípio que noção e ideia de comunidade. O receio que a
– de um ponto de vista meramente teórico e comunidade possa implicar constrangimentos
no que diz respeito à vida pública – todos os aos interesses e desenvolvimentos pessoais tem
membros das sociedades (ocidentais) têm um dado origem a um afastamento progressivo de
estatuto igual e possuem iguais direitos. uma lógica coletivista de interesses comuns e
Nos termos da tradição liberal, a cidadania é partilhados.
definida primeiramente como um conjunto de
direitos individuais, com funções diferentes, Na prática, esta teoria não evita nem a
sendo que uma das suas funções mais persistência da desigualdade, nem o
frequentemente valorizada diz respeito à aumento da exclusão social, nem a crescente
autonomia individual. Ou seja: de acordo com complexificação e dificuldade de resolução
esta teoria, os direitos são encarados sobretudo dos problemas que as sociedades enfrentam.
No presente, colocam-se
seriamente em causa as
“ (...) a exigência mais premente dos povos europeus são os direitos
cívicos e sociais que dão forma a uma verdadeira cidadania democrática.
perspetivas liberais sobre
igualdade, liberdade, direitos
(...) O objectivo de introduzir os direitos sociais nos Tratados da união ou representação política.
Europeia visa elevar o social, fazendo com que este deixe de ser uma A sociedade está cada vez
mera correcção ou simples ajustamento das contingências da economia mais complexa e perspetivas
para ascender ao nível que deve ocupar: o de uma categoria de pensa-
limitadas (como as de tipo
mento, de política e de acção vinculada à vida e ao direito que todos têm
nacionalista) de cidadania estão

a levar uma vida digna de ser vivida.
a mostrar-se completamente
Maria de Lourdes Pintasilgo, 1992:18 desajustadas e só poderão
produzir fenómenos profundos

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ENQUADRAMENTO TEÓRICO l Género e Cidadania

de exclusão. Os processos migratórios Isto possivelmente pode vir a representar não


implicaram uma complexa heterogeneidade que apenas fronteiras políticas mais fluidas, como
tem implicações para as noções de identidade também a emergência de uma “cidadania
baseadas na nacionalidade ou na etnicidade. múltipla”, nas palavras de Derek Heater (1990).
Por isso, se se pretender viver, compreender e
promover sociedades onde a ordem e a justiça Temos de pensar num conceito de cidadania
social possam coexistir num mundo plural e que implique direitos, mas também deveres,
misto, como o são os Estados modernos, ações, qualidades, méritos e opiniões que são
é essencial que se faça uso de aspirações consequência da relação quer entre o Estado e
igualitárias de cidadania distanciando-a os indivíduos, quer destes entre si. Isso implica
do conceito de nação e aceitando-se a uma conceção mais ampla de cidadania.
multiplicidade de ‘pertenças’ das pessoas, Assim, para o desenvolvimento de um sentido
como defendeu Karen O’Shea (2003). de cidadania inclusivo, é necessário que cada
cidadão ou cidadã desenvolva sentimentos
Concluindo, atualmente é possível conceber o de simpatia, empatia e solidariedade face aos
exercício dos direitos e deveres de cidadania de outros e a outras culturas em particular. Para
pessoas que residem num determinado espaço isso, é necessário uma política voltada para a
geográfico (como a Comunidade Europeia) mais flexibilidade e a heterogeneidade, isto é, para
do que em qualquer Estado ou nação particular. a diversidade cultural, procurando desenvolver
Cada vez mais os indivíduos podem exercitar políticas de interculturalidade, onde há respeito
as suas obrigações e direitos de cidadania em e aceitação de todos, havendo igualmente
espaços múltiplos que incluem quer espaços direitos e deveres. Por isso se pode dizer que
próximos como a vizinhança, as associações não existe uma única teoria unificadora de
de sociedade civil, quer espaços locais e cidadania, mas pelo contrário várias tipologias e
espaços regionais, nacionais e supranacionais. classificações.

por: Cristina C. Vieira (coord.), Conceição Nogueira e Teresa-Cláudia Tavares 045

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