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O governo Goulart nas representações do jornal O Diário do Paraná


(1961-1964).
Acadêmico: Regis Batista do Nascimento
Orientador: Prof. Dr. Marco Antônio Lima Machado Pereira

Resumo:
Os anos de João Goulart no cargo de presidente do Brasil, desde o seu caminho para
ascensão após renúncia de Jânio Quadros, merecem nossa atenção por ser o período
onde ocorreu o golpe civil-militar de 1964. Apoiado nas concepções da nova história
política, analisamos o “Diário do Paraná”, importante periódico da capital paranaense,
para compreender como o jornal se posicionou em relação ao presidente e suas reformas
de base, procurando entender de que forma a mídia impressa paranaense representou o
presidente de sua posse até a sua queda e perceber como o jornal mudou suas posições
através dos anos e acontecimentos que marcaram o governo Goulart.

Palavras chave: João Goulart; imprensa; 1961-1964.

Introdução
Nas prensas da imprensa, mais do que no papel, o que se tenta moldar é uma
imagem pública sobre os acontecimentos, as ideias sobre a economia e política, e os
personagens envolvidos com elas. É este “papel” agora digitalizado, que pretendemos
analisar para descobrir o que de João Goulart e suas “reformas de base”1 o jornal o
Diário do Paraná tentou imprimir na opinião pública no período em que ele foi
presidente do Brasil, que fatidicamente culminou em um golpe civil-militar pelas forças
que lhe faziam oposição.
É preciso compreender que a chegada de João Goulart ao poder em 1961 foi
conturbada. Jango, como era chamado João Belchior Marquez Goulart, ainda em missão
oficial na China comunista, foi informado da súbita renúncia de Jânio Quadros, de quem
ele era o vice-presidente. Aparentemente, Jânio pretendia voltar ao poder nos braços do
povo, mas a população manteve-se inerte sobre sua renúncia. Inicia-se então um
conchavo político-militar para manter João Goulart afastado da presidência. Os
comandantes das forças armadas, que no período possuíam status de ministro,
declararam que por questão de segurança nacional o regresso de João Goulart era

1
“Sob essa ampla denominação de "reformas de base" estava reunido um conjunto de iniciativas: as
reformas bancária, fiscal, urbana, administrativa, agrária e universitária. Sustentava-se ainda a
necessidade de estender o direito de voto aos analfabetos e às patentes subalternas das forças armadas,
como marinheiros e os sargentos, e defendia-se medidas nacionalistas prevendo uma intervenção mais
ampla do Estado na vida econômica e um maior controle dos investimentos estrangeiros no país,
mediante a regulamentação das remessas de lucros para o exterior.”
FERREIRA, Marieta de Moraes. As reformas de base, disponível em:
<http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/Jango/artigos/NaPresidenciaRepublica/As_reformas_de_base>.
Acessado em: 10/10/2017.
2

completamente inconveniente.2 Logo, o que faremos é caminhar nesse emaranhado de


disputas desde a renúncia de Jânio e o regresso de João Goulart ao Brasil até a sua
queda da presidência a partir da análise do periódico o Diário do Paraná nessa
conjuntura do pré-golpe, ou seja, do mês de agosto de 1961 até abril de 1964.
Para alcançar nosso objetivo, analisaremos os artigos publicados no jornal o
Diário do Paraná, periódico esse escolhido por ser um dos mais prestigiados jornais da
capital do estado, sendo ele, fruto do investimento planejado de um dos maiores
conglomerados de mídia do país, o Diários Associados3. O Diário do Paraná trouxe
consigo a modernização para os meios jornalísticos paranaenses, pois é ele o primeiro
jornal diagramado do estado e tem já em sua primeira edição, em 29 de março de 1955,
a tiragem de 22 mil exemplares.4 Considerado um dos periódicos mais proeminentes de
Curitiba no período, o jornal em questão será analisado através do acervo da Fundação
Biblioteca Nacional, em sua Hemeroteca Digital Brasileira5.
Mas não são apenas os aspectos técnicos do jornal que chamam a atenção, o
que temos é um jornal afiliado dos Diários Associados, sendo essa uma corporação
alinhada ao Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES)6, onde podemos verificar
através da literatura uma das principais oposições ao governo do presidente João
Goulart e de suas “reformas de base”.
Tendo em vista que a dimensão política da chamada Nova História Política
considera os governos não apenas como estados e seus aparelhos legais, que
compreende que as disputas que constituem a sociedade e os próprios estados estão
presentes em diversos setores, como por exemplo na educação, nas instituições
religiosas e como no caso dessa pesquisa, na imprensa.7 Logo compreender como se
comportou o Diário do Paraná perante o governo Goulart, nos permitirá perceber um
vestígio das manifestações políticas que levaram esse período a um golpe que inaugurou
um regime militar que durou mais de duas décadas.
2
FICO, Carlos. O golpe de 1964: momentos decisivos. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2014. p. 13-14.
3
Corporação criada por Assis Chateaubriand em 1924 que adquiriu diversos meios de comunicação com
o passar dos anos, se tornando um dos maiores conglomerados de comunicação do país.
4
CÔRTES, Carlos Danilo Costa. O Diário do Paraná na imprensa e sociedade paranaense. Curitiba:
Editora Paranaense, 2000. p. 21-22.
5
Disponível em: http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/
6
“grupos políticos, empresariais e militares articulavam-se em instituições para conspirarem contra o
governo de maneira mais organizada. A primeira delas foi o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, o
IPES. Fundado no início de 1962, inicialmente, publicava livretos, patrocinava palestras, financiava
viagens de estudantes aos Estados Unidos e ajudava a sustentar organizações estudantis, femininas e
operárias conservadoras. Em fins do mesmo ano, grupos mais conservadores e anticomunistas
reorientaram o órgão no sentido de derrubar o governo.” FERREIRA, Jorge. O governo Goulart e o golpe
civil-militar de 1964. In: O Brasil republicano, vol. 3. O tempo da experiência democrática: da
democratização de 1945 ao golpe civil-militar de 1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p.
359-360.
7
REMOND, René (Orgs). Por uma história política. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2003. p. 13-36.
3

Para tratar desse grande volume de edições do jornal, decidimos elencar


momentos decisivos a serem observados durante a trajetória de Goulart: analisaremos a
queda de Jânio Quadros; a ascensão de Goulart como presidente no regime
parlamentarista; o plebiscito pelo presidencialismo; a revolta dos sargentos da
Aeronáutica e da Marinha em Brasília; o pedido de estado de sítio; o comício na Central
do Brasil e a derrubada pelo golpe civil-militar.
No entanto, é importante não confundir a história através dos jornais com a
história dos jornais, na medida em que estaremos tratando aqui da primeira. Percebemos
os periódicos como atores políticos do passado, que nele viveram e que dele deixaram
relatos, e como atores políticos que são, esses relatos são suas interpretações, que
precisam ser analisadas para delas extrairmos a nossa narrativa. Em primeiro lugar
devemos indagar: o que querem esses atores? Na perspectiva da historiadora Maria
Helena Capelato: “Todos os jornais procuram atrair o público e conquistar seus corações
e mentes. A meta é sempre conseguir adeptos para uma causa, seja ela empresarial ou
política, e os artifícios utilizados para esse fim são múltiplos”8.
Como metodologia nos basearemos principalmente na obra de Tânia Regina de
Lucca intitulada: História dos, nos e, por meio dos periódicos9, sobretudo no que diz
respeito a materialidade da imprensa e a análise do conteúdo do jornal e seus
idealizadores.
Para tal buscaremos entender esse jornal, o situaremos na história, o que ele
relata e como o faz no período que nos propomos a analisar (1961-1964). Em relação
aos relatos para "o que", faremos a leitura dos artigos do jornal. Para entendermos "o
como", perceberemos em que espaço do jornal a notícia foi escrita, qual era o tamanho
das letras, a disposição em relação às outras notícias, se estava na capa, na primeira ou
segunda página. Portanto não podemos deixar de responder a perguntas essenciais,
quem é esse Jornal? Quais recursos técnicos dispõe? Quais pessoas o compõe? Quem é
o seu público alvo?

O Diário do Paraná

O Diário do Paraná foi um jornal sediado em Curitiba, a capital do Paraná. O


periódico teve sua fundação em uma data emblemática, 29 de março de 1955, o dia do

8
CAPELATO, Maria Helena Rolim. Imprensa e História do Brasil. 2ª ed. São Paulo: contexto, 1994. p.
13.
9
LUCA, Tânia Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla
Bassanezi(org.). Fontes históricas.São Paulo: Contexto, 2008.
4

aniversário da cidade. É fruto da aliança entre o conglomerado da comunicação D.A


(Diários Associados) de Assis Chateaubriand e a família Stresser, ficando o comando e
o editorial com Adherbal Gaertner Stresser que contou com a ajuda de seu filho Ronald
Sanson Stresser.
O Diários Associados foi fundado em 1924 por Assis Chateaubriand - também
conhecido pela alcunha de Chatô, com a compra do matutino O Jornal, do Rio de
Janeiro - e veio a se tornar o maior conglomerado jornalístico da América Latina, sendo
dele por exemplo a primeira emissora televisiva do continente.
Sobre Assis Chateaubriand, que possuí uma extensa biografia, cabe destacar
alguns pontos de sua trajetória política. Foi eleito senador por duas vezes pelo PSD, em
1952 e 1955, com o objetivo de defender ainda mais firmemente suas propostas liberais,
eleições essas vencidas após pressionar os senadores e suplentes na época à renunciarem
aos seus mandatos. Chateaubriand esteve sempre presente nos meios de influência da
alta cúpula política brasileira, permanecendo diversas vezes alinhado aos governos da
situação e em alguns momentos colocava-se em oposição, mas manteve-se sempre fiel a
sua postura de compromisso com a defesa do capital estrangeiro e o combate ao
comunismo.10
A respeito do financiamento do Diário do Paraná, sabendo que o jornal em
diversos pontos expressa os interesses de quem escreve seus editoriais e controla suas
finanças11, temos entre os seus investidores banqueiros e cafeicultores. O que se
expressa na preocupação do jornal com as questões agrárias, relacionadas
principalmente ao café e a reforma agrária, além da preocupação com as discussões
econômicas.
Do seu comando editorial podemos trazer duas figuras centrais do periódico, a
saber, Adherbal Stresser, que assim como Chateaubriand, iniciou sua carreira como
jornalista e ganhou destaque, assumindo chefia de redação e secretarias em jornais
como o Diário da Tarde e Gazeta do Povo além de fundar um jornal, o Correio do
Paraná. Lutou ao lado da Revolução constitucionalista, e foi “deputado classista”12 de
1935 até 1937, onde atuou como representante dos jornalistas e profissionais liberais na
Assembleia Legislativa do Paraná. Foi nesse cenário um aguerrido defensor da

10
Verbete Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo disponível em:
<http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/francisco-de-assis-chateaubriand-
bandeira-de-melo>. Acessado em 20/08/2017.
11
LUCA, Tania Regina de. História dos, nos e por meio dos periódicos. In: PINSKY, Carla
Bassanezi(org.). Fontes históricas.São Paulo: Contexto, 2008. p. 140-142.
12
Uma categoria de deputados presente na constituição de 1934 que visa assegurar a representação dos
trabalhadores no parlamento.
5

liberdade de imprensa e desde tempos passados um inimigo do "getulismo".13


Mas até que ponto essas opiniões pessoais estarão representadas em um jornal
que faz questão de conclamar imparcialidade logo em sua primeira edição?14 Como já
observamos, um jornal vai defender e pautar suas decisões conforme seus interesses,
logo as notícias que o periódico dará mais importância e, consequentemente espaço,
dependerão desses interesses. Assim, observaremos como o Diário do Paraná irá se
comportar nessas edições entre 1961 e 1964, usando como base para nossa análise o
conceito de representação cunhado por Roger Chartier.
Contudo o que queremos dizer por representação? Para Chartier “As
representações do mundo social assim construídas, embora aspirem à universalidade de
um diagnóstico fundado na razão, são sempre determinadas pelos interesses de grupo
que a forjaram. Daí, para cada caso, o necessário relacionamento dos discursos
proferidos com a posição de quem os utiliza”15
Logo quando compreendemos os artigos encontrados nos jornais como
representações, podemos observá-los a partir dessa premissa. De que partem de um
lugar de fala, que intencionalmente escolhem e tomam posições sobre os mais variados
assuntos conforme suas visões de mundo, pretendendo torná-las através do periódico a
representação correta do mundo. Essa realidade é construída então em meio aos
conflitos sociais e de poder.
Para adentrarmos ainda mais no tema, podemos tomar também as palavras de
Rodrigo Motta: “Naturalmente, estamos falando de representações mentais, ou seja, do
processo de construção de ideias, signos ou imagens por meio do qual os homens
interpretam e conferem sentido a realidade”16. Em suma, podemos definir que a
representação é então ferramenta usada para entender a realidade, que pode ser aplicada
pelas pessoas para compreender as coisas que as cercam, os fatos, os grupos, os partidos,
as outras pessoas.
Entretanto quando tratamos das representações devemos manter certa cautela,
pois elas não são um retrato fiel da realidade, são apenas uma das formas com que se
pode entendê-la. Por este motivo, pessoas com experiências e vivências diferentes
analisam a mesma situação de formas distintas. Mas as representações são construídas
socialmente, logo as representações não são individuais, elas sofrem influência da
sociedade como um todo.

13
CÔRTES, Op. Cit. p. 25-27.
14
“O sentido da nossa luta”. O Diário do Paraná. Curitiba, 29 de Março de 1955. p. 2.
15
CHARTIER, Roger. História Cultural – Entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990. p. 17.
16
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Em guarda contra o “perigo vermelho”: O anticomunismo no Brasil
(1917-1964), São Paulo, Perspectiva/FAPESP, 2002 p. 25.
6

Pode-se então dizer que as representações são as ideias, o lugar comum de


onde se retira a explicação para os fatos, logo entendemos que elas são partilhadas por
várias pessoas, servem de filtro para o real e possibilitam uma maneira de observar e
compreender o mundo em comum.
Não obstante, a maneira como são construídas socialmente está ligada aos
indivíduos que possuem a capacidade de moldá-las, de compartilhar suas maneiras de
compreender o mundo com várias pessoas, como os donos e diretores de jornais no caso
dessa pesquisa. Suas intenções e visões de mundo transparecem em seu periódico,
buscando formar pessoas que compartilhem dessas mesmas representações de mundo, e
serão essas representações que iremos analisar e interpretar em nossa pesquisa.

Um caminho já traçado

Esse estudo não está sozinho no meio acadêmico, outros autores já traçaram
caminhos similares antes, uma delas chegando a trabalhar inclusive com o mesmo
periódico. Andrea Beatriz Wozniak Gimenes17 trata no seu trabalho dos jornais o Diário
do Paraná, Última Hora e Correio do Paraná, mas em uma busca das representações
anticomunistas. Pesquisa de relevância, ainda mais tendo em vista que poucas obras
referentes a essa temática e período foram encontrados.
Temos também outros expoentes como a pesquisa de Rodrigo Patto Sá Motta18,
sobre o anticomunismo no Brasil, que estudou como nesse processo houve
modificações e permanências nas representações anticomunistas, mantendo a atenção
principalmente nos dois momentos de rupturas democráticas, em 1935/1937 e em 1964,
usando também jornais, revistas e imagens.
Em uma relação mais abrangente sobre o período disposto, não se pode deixar
de citar os trabalhos de Carlos Fico19, Jorge Ferreira20 e Rodrigo Motta21, onde
encontramos semelhanças e divergências, sobretudo sobre a importância alçada aos
fenômenos que foram mais relevantes na consolidação do golpe. Assumindo aqui o
risco de simplificar suas teses, podemos dizer que encontramos em Motta o
reconhecimento do poder do anticomunismo, e seus meios, de uma capacidade de se
alastrar e tornar mesmo os não-radicais em aliados do golpe de estado, sobre a ameaça
17
GIMENEZ, Andréa Beatriz Wosniak. As representações anticomunistas na grande imprensa
curitibana (1961/1964). 1999. Trabalho de Conclusão de Curso. (Graduação em História) - Universidade
Federal do Paraná.
18
MOTTA, Op. Cit.
19
Fico, Op. Cit.
20
FERREIRA, Jorge. Op. Cit. p. 345-404.
21
Motta, Op. Cit.
7

do “perigo vermelho”. Ferreira, por sua vez, compreende que o clima de radicalismo
tanto da esquerda quanto da direita em não querer negociar seus diferentes planos
políticos, criou um ambiente propício ao golpe. Enquanto Fico percebe as ações dos
agentes históricos, entre eles governadores, parlamentares, lideranças civis e até o
governo dos EUA como estrategistas e conspiradores que tomaram as atitudes decisivas
para a realização do golpe, efetivado como golpe civil-militar.
O que temos então são visões divergentes, e complementares, sobre os
fenômenos determinantes, mas que em sua análise não negam que outros fatores tenham
contribuído para a realização do golpe civil-militar. Nos atemos aqui então, a utilizar de
ambos os autores quando se mostrar mais pertinente a situação, onde apontam para a
influência que os jornais tiveram, conscientes na construção de uma conjuntura que no
fim levou a queda do Presidente Goulart.
Portanto, realizamos uma pesquisa que visa contribuir, com uma abrangência
de visão a história das representações da mídia paranaense, mais especificamente do
Diário do Paraná, não restringindo nosso recorte ao anticomunismo, e sim a um dos
elementos mais importantes do governo João Goulart, as “reformas de base”.

A queda de Jânio

É 25 agosto de 1961 e o jornal amanhece nas bancas curitibanas estampando a


manchete “NEY BRAGA MANIFESTA INTEGRAL APOIO À POLITICA EXTERNA
DE JQ”22, onde informam o apoio do então governador do Paraná, a política externa de
Jânio Quadros. A chamada demonstra o governador explicando que Cuba ainda não
havia sido perdida para o comunismo, tentando amenizar as críticas feitas às relações
diplomáticas de Jânio com Cuba. O pronunciamento afirma também que o catolicismo
não estaria sendo traído pelos membros do PDC (Partido Democrata Cristão).
Ainda sem noticiar a queda de Jânio Quadros a manchete do jornal já informa,
pondo em cheque as relações exteriores do país com Cuba e demais países comunistas,
e indo mais além, coloca essa aproximação como uma possível afronta aos princípios
cristãos. Contudo, a capa mantém fachada livre das opiniões de seus jornalistas, dando
voz as opiniões do governador.
Entretanto, é na segunda página, onde se encontra o editorial23, que
encontramos a fala de Theophilo de Andrade, jornalista dos Diários Associados, que

O Diário do Paraná, Curitiba, 25 de agosto de 1961. p. 1.


22

O editorial é o “espaço destinado à exposição das ideias e causas defendidas pelos donos do periódico”
23

CAPELATO, Op. Cit. p.131.


8

crítica firmemente a posição de aproximação de Jânio Quadros com os países socialistas,


evidenciando a “crise desnecessária”24. Para Theophilo o envolvimento com Cuba e
com os países comunistas não poderia ser vantajoso economicamente, pois esses
estariam fadados ao fracasso econômico. Ademais, o artigo ressalta os princípios
cristãos contra o comunismo, para por fim, realizar a crítica a desmoralização dos
capitães das forças armadas pela condecoração de Chê Guevara, “o agitador
internacional”25
Não obstante, no artigo logo ao lado, publicou-se a “intervenção
democrática”26 que questiona uma suposta tentativa de silenciamento à Carlos Lacerda,
o governador da Guanabara, que se põe contrário a política externa de Jânio Quadros e
tem suas críticas ignoradas pelo mesmo. Porém, mais importante, é a forma que se dá a
crítica, na qual evoca-se uma imaturidade democrática brasileira para se relacionar
abertamente com esses países, sob o risco de serem novamente seduzidos pelas “nações
vermelhas” como expressa o jornalista, o artigo adverte que o “27 de novembro de
1935”, a chamada intentona comunista27, onde “Alguns oficiais do exército estavam
dormindo em seus quartéis, quando a horda comandada por agentes russos, irrompeu
para assassiná-los” está muito próxima para ser esquecida, e pede, que ouvidos sejam
dados a Carlos Lacerda, pois essa marcha à esquerda é contrária a opinião pública, já
que quem tinha o apoio das esquerdas era o marechal Lott e o mesmo fora derrotado nas
eleições.
Temos aqui dois artigos que se encontram em lugar privilegiado na segunda
página, bem expostos e em clara oposição as políticas de aproximação externa com
países socialistas. Os articulistas desses textos representam essas políticas como
inclinações a esquerda e consequentemente uma afronta a vontade eleitoral do povo que
a descartou nas eleições, reforçando estigmas negativos sobre essas ações. Jânio
Quadros renuncia neste dia, mas as representações anticomunistas sobre essas ações
ficam e vão se solidificando.

O caminho de Goulart até a presidência

Com “ODILIO DENYS: RESPEITAREMOS OS PROCESSOS


CONSTITUCIONAIS” como manchete, e chamadas como “Jango deverá governar até

24
“Crise Desnecessária”. O Diário do Paraná, Curitiba, 25 de agosto de 1961. p. 2
25
Idem.
26
“Intervenção democrática” O Diário do Paraná, Curitiba, 25 de agosto de 1961. p. 2
27
A chamada intentona comunista foi um movimento revoltoso ocorrido em novembro de 1935, de
inspiração ideológica comunista que pretendeu derrubar o governo de Getúlio Vargas.
9

o termino do atual período presidencial”, “Jango Confia nas Forças Armadas”28 no


jornal no dia seguinte a renúncia, mais artigos como “Povo Paranaense (calmo) Aguarda
os esclarecimentos: Razões da Renúncia”29 nota-se uma tentativa de transparecer uma
sensação de estabilidade e segurança do regime democrático, ao passo que o espaço no
jornal é ocupado por notícias que defendem a continuidade legal, a posse de Goulart.
Para além desta situação, o jornal não é tomado nas páginas seguintes pela
euforia da situação apresentada, pelo contrário, na segunda página existe uma especial
atenção ao café, ao trigo e ao deficit de enfermeiras no país. Podemos observar nesse
não dito, ou seja, essa pouca ênfase dada a atitude de renúncia do presidente, uma
intenção de demonstrar normalidade.
Mas os dias que seguem até o dia posterior a decisão do parlamentarismo no
Brasil constituem um panorama de notícias voltadas a defesa da legalidade e
considerações sobre uma postura de moderação por parte de João Goulart, como
podemos observar em notícias como: “Deputados de todas as bancadas manifestam seu
apoio à Carta Magna e pela posse de J. Goulart”30 ;“Paz e Legalidade”31 .
Mas não podemos deixar de nos atentar ao texto de Garibaldi Dantas, “Humus,
propriedade privada e liberdade”32 onde o jornalista faz duras críticas a reforma agrária
e defende o direito “natural” da terra. Portanto já no primeiro dia que sucede a renúncia
temos a primeira crítica aberta a uma das pautas das “reformas de base”. E essa situação
não se restringe ao dia posterior a renúncia. Nos dias seguintes, até o dia posterior a
decisão de um regime Parlamentarista em 02 de setembro de 1961, encontramos mais
quatro artigos ponderando a reforma agrária: “Considerações sobre a reforma agrária”33
de Mario Rolim Telles (Presidente da Associação Paulista de Cafeicultores), “Reforma
Agrária Homeopática”34 de Celso Vidigal, e mais dois textos distintos com o mesmo
título de “Organização Agrária sem comunismo”3536 de João Henrique, jornalista dos
Diários Associados.
A partir disso, o que podemos constatar é uma posição de defesa da posse de
João Goulart, mas que entre diversos fatores, reforça uma ideia de que a posse e sua

28
O Diário do Paraná, Curitiba, 26 de agosto de 1961. p. 1.
29
“Povo Paranaense (calmo) Aguarda os esclarecimentos: Razões da Renúncia”. O Diário do Paraná,
Curitiba, 27 de agosto de 1961. p. 3.
30
“Deputados de todas as bancadas manifestam seu apoio à Carta Magna e pela posse de J. Goulart”. O
Diário do Paraná, Curitiba, 28 de agosto de 1961. p. 2.
31
“Paz e Legalidade”. O Diário do Paraná, Curitiba, 27 de agosto de 1961. p. 2.
32
“Humus, propriedade privada e liberdade”. O Diário do Paraná, Curitiba, 26 de agosto de 1961. p. 2.
33
“Considerações sobre a reforma agrária”. O Diário do Paraná, Curitiba, 27 de agosto de 1961. p. 2.
34
“Reforma Agrária Homeopática”. O Diário do Paraná, Curitiba, 27 de agosto de 1961. p. 2.
35
“Organização Agrária sem comunismo”. O Diário do Paraná, Curitiba, 30 de agosto de 1961. p. 2.
36
“Organização Agrária sem comunismo”. O Diário do Paraná, Curitiba, 03 de setembro de1961. p. 2.
10

governança deva ser realizada de maneira moderada, ou seja, sem avançar nas reformas,
buscando nesse período reforçar as representações com posições contrárias aos projetos
de reforma agrária.
O que desperta a atenção é que a reforma agrária não é ligada apenas ao
comunismo, como já era de se esperar, é também representada recorrentemente no
jornal como uma experiência também anticristã. Podemos destacar então alguns
elementos que se repetem nesses textos.
“Não é possível se esperar grande coisa de qualquer reformismo agrário, ainda
que, aparentemente justo”37. A recusa da reforma agrária é unânime, apesar de feita com
certas ressalvas em todos os artigos, mas ao fim o autor representa essa reforma a
auferindo uma impossibilidade de êxito. Além de considerarem a reforma
intrinsecamente fadada ao fracasso, frequentemente é associada também a princípios
anticristãos.
O ponto de vista dos grandes produtores de terra também é frequentemente
defendido, como o exalta Mario Rolim: "Os agricultores reconhecem e se revoltam
contra o abandono do homem do campo mais do que os que apregoam a reforma agrária
por que mais de perto assistem a sua miséria, lutando para atenuá-la."38. O que não pode
ser desprezado é o fato de que os grandes produtores de café eram também
financiadores do jornal em questão.
Percebemos então nesse caminho à presidência de João Goulart os jornalistas e
o comando editorial do Diário do Paraná preocupados em oferecer destaque a discursos
de legalidade, pela posse do Presidente, ao passo que defendiam que João Goulart
demonstrasse moderação e disposição em negociar favoravelmente àqueles que se
encontravam no poder. Para além, nesses dias em que se decide o destino do presidente,
no dia seguinte o jornal pública artigos que fazem críticas a proposta de reforma agrária,
principal indicativa das reformas de base.

O plebiscito pelo presidencialismo

Em 07 de setembro de 1961 Jango toma posse como presidente do regime


parlamentarista brasileiro, com os poderes presidenciais limitados pelo novo regime de
governo, mas com o apoio expresso no editorial do jornal “Esqueçamos as mágoas e

37
“Humus, propriedade privada e liberdade”. O Diário do Paraná, Curitiba, 26 de agosto de 1961. p. 2.
38
“Considerações sobre a reforma agrária”. O Diário do Paraná, Curitiba, 27 de agosto de 1961. p. 2.
11

Trabalhemos Pelo Brasil”39. Contudo, João Goulart se articula em direção a volta do


presidencialismo, busca primeiro formar uma coalizão, um gabinete de “conciliação
nacional”. Escolhe para seu gabinete como primeiro-ministro Tancredo Neves, do PSD,
partido de maior representação na câmara, o que visava ampliar as suas bases. Durante
esse período o presidente não abre mão e tenta lançar um plano nacionalista mínimo,
onde cancela a concessão de exploração de minério de ferro ao grupo estadunidense
Hanna Company em Minas Gerais. Também mantém as políticas externas aos moldes
de seu antecessor, sem tomar partidos na guerra fria, negociando tanto com países do
bloco socialista quanto do bloco capitalista40.
Mas já nesse período também se inicia uma conspiração militar contra João
Goulart, “nas semanas iniciais de seu governo, começou a conspiração civil-militar
articulada pelos grupos políticos mais conservadores e direitistas”41 E é nesse momento
também que se acirram as lutas nos campos, forçando o governo a ser mais incisivo
com a questão da reforma agrária, que segundo a tese de Ferreira era disputada por
grupos de direita e esquerda que não estavam dispostos a fazer concessões.
Já no ano de 1962 em meio a uma crise econômica e financeira, com uma alta
inflação, Goulart faz de tudo para inviabilizar o parlamentarismo, enquanto fez forte
campanha pela volta ao presidencialismo. Temos no Congresso Nacional a pressão de
Leonel Brizola, dos setores nacionalistas do exército e da força sindical pelo
adiantamento do plebiscito. Esses grupos alegam que a volta ao presidencialismo seria a
única forma de se lidar com a crise, além de colocarem em cheque a integridade do
Congresso. Após essa pressão o então primeiro-ministro Brochado Rocha após falhar na
antecipação do plebiscito por duas vezes se vê obrigado a renunciar. Sob a ameaça das
reações de greve e dos discursos dos grupos favoráveis ao plebiscito supracitados, o
Congresso em 14 de setembro de 1962 acaba por determinar o plebiscito sobre o
sistema de governo para o dia 06 de janeiro de 1963.42
Em defesa do parlamentarismo e receosos de um golpe comunista, assim estão
as páginas do Diário do Paraná em 1961 “Regime Parlamentar pode ser Adaptado
Perfeitamente às condições do Brasil”43 e “Com o Parlamentarismo Brasil obteve longo

39
“Esqueçamos as mágoas e Trabalhemos Pelo Brasil”. O Diário do Paraná, Curitiba, 08 de setembro de
1961. p. 1.
40
FERREIRA, Jorge. Op. Cit. p. 348-349.
41
Idem.
42
Ibidem. P358-360.
43
“Regime Parlamentar pode ser Adaptado Perfeitamente às condições do Brasil”. O Diário do Paraná,
Curitiba, 09 de setembro de 1961. p. 2.
12

período de paz”44. Mesmo no dia 11 de setembro do ano seguinte o jornal publicava


“Plebiscito: O Povo Paranaense Ainda Não Tomou Maior Interesse Pelo Problema”45.
Já no dia 13 do mesmo mês clama por calma nas disputas a respeito do sistema de
governo, publicando em seu editorial “Apaziguamento Necessário”46 onde faz-se o
apelo pela resolução das pendências sem extremismos. O jornal culpa a essas vontades
extremistas pela crise, avisando que eles, os extremistas, são os únicos a beneficiarem-
se dela, julgando extremistas os comunistas e a ala da direita que buscavam a deposição
do presidente.
Já no início de 1963 às vésperas da votação, o Diário do Paraná se concentra
em criticar a política propagandista de João Goulart e os aliados do governo em relação
ao regime presidencialista. Ao passo que as notícias defendem um princípio
democrático, onde o povo deveria ser informado sobre os dois. Não obstante percebe-se
uma defesa do parlamentarismo, onde se fazem várias ressalvas, dizendo que seria
necessário esperar mais tempo para uma melhor análise desse modelo.
Apesar da insistência das notícias em favor do parlamentarismo, podemos
identificar notícias como: “Governo de Jango será chamado à opção ideológica para
sobreviver”47, que demonstram uma clara resignação com uma eminente vitória do
presidencialismo, já pensando nos passos a serem seguidos adiante, onde o jornalista
assinala que João Goulart precisará colocar-se como um político “centrista” para ter
apoio, principalmente do PSD, e conseguir governar.
Com a vitória do presidencialismo o editorial logo na primeira página, fato
pouco usual, diz “<<NÃO>> AO ATO ADICIONAL VENCE
ESMAGADORAMENTE EM TODOS OS ESTADOS”48 e uma curiosa manchete com
ares sensacionalistas “PARANÁ: PLEBISCITO REVELA CIDADES
PARLAMENTARISTAS”49 tendo em vista que apenas duas pequenas cidades do
interior tiveram a maioria votando pelo parlamentarismo, Matelândia e Medianeira.
E ao largo do plebiscito outro tema favorito com relação ao governo é o plano
Trienal50, encarado com desconfiança e criticado como incoerente pelos jornalistas. As

44
“Com o Parlamentarismo Brasil obteve longo período de paz”. O Diário do Paraná, Curitiba, 12 de
setembro de 1961. p. 2.
45
“Plebiscito: O Povo Paranaense Ainda Não Tomou Maior Interesse Pelo Problema”. O Diário do
Paraná, Curitiba, 11 de setembro de 1962. p. 2.
46
“Apaziguamento Necessário”. O Diário do Paraná, Curitiba, 13 de setembro de 1962. p. 2.
47
“Governo de Jango será chamado à opção ideológica para sobreviver”. O Diário do Paraná, Curitiba,
01 de janeiro. 1963. p. 2 (Com datação equivocada de 30/12/1962).
48
O Diário do Paraná, Curitiba, 08 de janeiro. 1963. p. 1.
49
Idem.
50
“As metas principais eram as de combater a inflação sem comprometer o desenvolvimento econômico e,
em seguinte,implementar reformas, sobretudo no aparelho administrativo, no sistema bancário, na
13

atenções em certo momento são divididas entre Celso Furtado, ministro do


planejamento e João Goulart. Como indica a postura de seus membros e
patrocinadores ,um plano tido como nacionalista não chega a ter nenhuma repercussão
positiva nas páginas do jornal.
Portanto, vemos no editorial um apelo por continuidade, por manutenção do
sistema como está, e as mudanças o mais graduais possíveis, para não haver
instabilidades. Nesse interim há a defesa do parlamentarismo, ao mesmo tempo que
existe uma certa resignação com o adiantamento do plebiscito, e também do seu
resultado esperado. Pois mesmo quando confirmado o resultado, as discussões mantém-
se em estipular seu governo, ponderar suas ações, e enquanto critica-se o plano trienal
as reformas de base são deixadas de lado.

A revolta dos sargentos

A revolta dos sargentos ocorre como um momento de grande inflexão do


governo, sendo um momento de ruptura e de aumento da radicalização dos discursos. A
revolta acontece quando o Supremo Tribunal Federal julga inelegíveis os sargentos
eleitos no ano anterior. A partir desse ponto, uma reunião que pretendia discutir as
formas de protesto contra a ação jurídica, acaba eclodindo em uma insurreição popular
armada, que chega a tomar de assalto o Congresso e o Supremo Tribunal Federal.
Apesar da insurreição ser rapidamente sufocada, a desconfiança nos quartéis se alastrou
rapidamente, e até os setores menos conservadores pediam por punição aos revoltosos,
pela defesa firme das instituições nacionais. Apesar disso as esquerdas manifestaram
pleno apoio aos oficias revoltosos e sua pauta.51
O clima de polarização aumenta, as esquerdas não deixam de defender os
sargentos, e Goulart também lhes tece apoio “Jango disse que manteria a ordem, mas
tornou pública sua posição favorável à tese dos sargentos, enchendo de revolta a alta
hierarquia das Forças Armadas” Nota-se no dia 14 de setembro, pouco após a
insurreição dos sargentos, uma situação que revela um pouco das características de um
jornal filiado ao Diários Associados.
Ao passo que em um artigo opinativo de título “A Responsabilidade” o
jornalista não identificado escreve: “Desde que o sr. João Goulart assumiu o Governo
da República que se vem processando nas Forças Armadas essa desagregação

estrutura fiscal e, em particular, na estrutura agrária.” FERREIRA, Jorge. Op. Cit. p. 364.
51
FERREIRA, Jorge. Op. Cit p. 370-371.
14

hierárquica, promovida por alguns de seus porta vozes”52 Onde destaca-se novamente a
imagem de um João Goulart imprudente e agitador, afirmando que para além da revolta
dos sargentos, desde que assumiu a presidência, essa situação de degeneração da ordem
se iniciou.
Na mesma edição, o editorial “Nossa opinião: Presença de Goulart”53 exalta a
responsabilidade e compromisso do presidente com o Paraná, que foi afetado pelo
grande incêndio florestal de 1963, que chegou a devastar pelo menos 10% do território
estadual.54 O editorial enfatiza “Mostrou o sr. João Goulart medir em toda a sua
extensão as angustias dos paranaenses. Não se limitou a providências burocratizadas
tomadas à distância.”55
Enquanto Alzira Alvarez de Abreu identifica um momento de virada de
posição para o discurso radicalizado, onde impelia-se o golpe contra Goulart nos
jornais56, o que podemos identificar no Diário do Paraná, é a continuidade da crítica ao
presidente, tal como a continuidade do espaço aos seus opositores.
No entanto, não pode-se deixar de notar, se não encontramos editoriais como
“Basta” do Jornal do Brasil57, onde é feito um pedido direto pela intervenção das
Forças Armadas, as críticas a Goulart não cessam em boa parte das notícias. Sua
“suposta” incompetência e instabilidade é o tema mais explorado nas notícias que o
fazem menção, e a reforma agrária continua a aparecer como uma pauta inconsequente
do governo.

O pedido de Estado de Sítio

Se o momento de inflexão do Diário do Paraná não se encontra na Revolta dos


Sargentos, encontra-se logo no mês seguinte, quando o presidente da República realiza
seu pedido pelo estado de sítio, pressionado pelos seus ministros da guerra, em face a
completa insubordinação do governador da Guanabara Carlos Lacerda.58
Se a oposição a Goulart era sempre cuidadosa, a partir do pedido de estado de
sítio os jornalistas já passam a vislumbrar como certo um anseio golpista-comunista em

52
“A Responsabilidade”. O Diário do Paraná, Curitiba, 14 de setembro de 1963. p.2.
53
“Nossa opinião: Presença de Goulart”. O Diário do Paraná, Curitiba, 14 de setembro de 1963. p.3.
54
Maior incêndio do Paraná aconteceu há 50 anos, disponível em:
<https://www.tibagi.pr.gov.br/noticias/modules/news/article.php?storyid=303> Acessado em: 30/11/2017.
55
“Nossa opinião: Presença de Goulart”. O Diário do Paraná, Curitiba, 14 de setembro de 1963. p.3
56
ABREU, Alzira Alves de. A Participação da imprensa na queda do Governo Goulart. In: Seminário 40
anos do Golpe: Ditadura Militar e Resistência no Brasil, Rio de Janeiro: 7 Letras, 2004.
57
Idem.
58
FERREIRA, Jorge. Op. Cit. p.388.
15

João Goulart. Em 10 de outubro de 1963 temos “A espera do Sinal”59 onde fica claro o
início da denuncia à uma intenção não democrática do presidente, onde evidenciam o
seguinte: “Urgida insensatamente com o destino de um grande povo, encontra-se nos
primeiros capítulos. A comparsaria vermelha está vigilante, esperando que o contra-
regra dê o sinal para sua entrada em massa”60, ou seja, o presidente agora é comparado
ao contrarregra que no teatro é aquele que com um sinal dá início a ação teatral.
João Goulart e o PTB, seu partido, não são o único alvo da crítica, a postura
branda do PSD na oposição ao pedido de estado de sítio é o alvo do texto de Assis
Chateaubriand em “O dono da Rapadura”61 onde indica a grande derrocada de três
lideranças, Juscelino Kubitschek, Benedito Valladares e Tancredo Neves, “Os mineiros
olham para as lideranças do PSD e a encontram lutando para que o Brasil não saia deste
lodo”.62
Os textos condenando a postura do governo com o pedido de estado de sítio
não cessam, e a postura anticomunista do jornal se demonstra cada vez mais evidente: O
projeto do golpe comunista é continuamente anunciado, ao mesmo tempo em que uma
conduta mais enérgica é exigida das lideranças nacionais, que quando não a tomam são
duramente atacadas pelas páginas do periódico.
Apesar do acirramento da oposição do Diário do Paraná contra Goulart, o
jornal ainda mantém-se preso ao discurso legalista, condenando qualquer ação golpista
nesse fim de ano de 1963, focando insistentemente na alegação de eminência de um
golpe comunista no país. Mas se há alarde para um possível golpe comunista no Brasil,
os jornalistas já se ocupam a pensar na sucessão presidencial.63

Os comícios de Goulart com o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT) na


Central do Brasil e o Golpe civil-militar

Começa em março então a agitação que culminará no golpe civil-militar, com o


anuncio do comício de João Goulart na Central do Brasil em defesa das reformas de
base: “A radicalização política assumiu proporções preocupantes para a manutenção da
ordem democrática”64. A situação abre margem para um discurso cada vez mais incisivo

59
“A espera do Sinal”. O Diário do Paraná, Curitiba, 10 de outubro de 1963. p.2.
60
Idem.
61
“O dono da Rapadura”. O Diário do Paraná, Curitiba, 10 de outubro de 1963. p.2.
62
Idem.
63
“Nenhuma Aliança Entre PSD e PTB com Vista a Sucessão Presidencial” O Diário do Paraná, Curitiba,
14 de novembro de 1963. p.2.
64
FERREIRA, Jorge. Op. Cit. p.382.
16

sobre o governo, pois Goulart com esse e outros comícios assumia uma postura mais
agressiva às reformas de base, demonstrando por meio da ação que faria de tudo para
forçar o congresso a aceita-las e para isso vai em busca do apoio popular.
A ala de oposição não deixara o comício nem o seu planejamento passar
despercebido. Se havia disposição ao golpe civil-militar, esse foi o motivo utilizado
como justificativa para ele se fazer necessário. O Diário do Paraná não esteve ausente
na construção dessa representação. Já no dia 3 de março de 1964 o jornal publicava o
“Afastamento de Pinheiro Neto e Devassa nas Operações da SUPRA”65. Pois SUPRA
era a superintendência de política agrária, o órgão do governo responsável por
coordenar a reforma agrária. Mas se em alguns momentos as reformas foram pouco
presentes no jornal, no mês de março de 1964 sua presença está garantida em
praticamente todas as edições. O comício na Central do Brasil traz consigo essa
preocupação. Em 4 de março é noticiado em capa “Não Contaria com apoio Militar
comício no CGT”66. A manchete por si só já demonstra um afastamento dos militares,
no caso da Guanabara, em relação as propostas do comício e a sua realização. Coloca
ainda mais a frente, no texto abaixo da manchete, em duvida a realização do comício e a
ausência de decisão de Goulart nas questões referentes ao evento, sendo o CGT
responsável por tudo.
Nem pela primeira, nem pela última vez, João Goulart é colocado no texto,
como um personagem que se deixa levar, um político habilidoso, mas que não toma as
próprias decisões. Mas em contra partida, temos novamente as insinuações de uma
vontade golpista em Goulart67 que não incorre também uma única vez68. E esses textos
tomam uma forma cada vez mais direta de acusação a João Goulart, e um clamor por
uma atitude drástica, como vemos na passagem a seguir:

“enquanto o movimento subversivo se alastra pelo país a fora, com o evidente


objetivo de substituir as instituições vigentes por uma República Sindical
Totalitária, o congresso e as Forças armadas se mantém tranquilos e apáticos
por amor a uma legalidade puramente formal”69

O discurso que já pede a ação do Congresso ou dos militares pela retirada de João
Goulart do poder continua presente nas edições seguintes do Jornal.

65
“Afastamento de Pinheiro Neto e Devassa nas Operações da SUPRA”. O Diário do Paraná, Curitiba,
03 de março de 1964. p.2.
66
“Não Contaria com apoio Militar comício no CGT”. O Diário do Paraná, Curitiba, 04 de março de
1964. p.1.
67
“Queremismo à vista”. O Diário do Paraná, Curitiba, 04 de março de 1964. p.2.
68
“CONGRESSO PREPARA-SE PARA POSSÍVEL GOLPE”. O Diário do Paraná, Curitiba, 06 de
março de 1964. p.1.
69
“V exército em ação”. O Diário do Paraná, Curitiba, 06 de março de 1964. p.2.
17

O episódio que dá o golpe final tem inicio em um acontecimento


aparentemente irrelevante. Os subalternos da marinha tiveram vetado o ato em
comemoração do aniversário da Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do
Brasil, pelo ministro da marinha Silvio Mota. Contrariados transferiram a comemoração
para o sindicato dos metalúrgicos onde ela tomou um aspecto muito mais
reivindicatório, após a mudança foi ordenado a prisão dos subalternos presentes no
sindicato. Com a negativa da tropa de choque de entrar em conflito com seus
companheiros. Após essa afronta ainda vieram as ordens de João Goulart para que os
marinheiros não fossem atacados.
Já no dia 31 de março Chateaubriand em capa faz a denúncia “As colunas
mestras da subversão naval” e na segunda página no texto “Reações ao Congresso”
afirma “um homem levantou-se contra o Congresso e por mais espantoso que parece
esse homem é o presidente da república”. Já no editorial temos a afirmação da eminente,
merecida e derradeira queda do presidente “Que o episódio sirva de lição aos altos
comandos militares do país. Estão certos os almirantes: O perigo que isso representa
para as instituições e para o Brasil, não pode ser subestimado”.
Já a partir do dia 31 o jornal demonstra como certo o golpe civil-militar, que
retira o presidente, mas que só se confirma a partir do dia 3 com as discussões de quem
assumiria o poder, com a ênfase na “caça aos comunistas” estampadas no jornal70 e a
exaltação dos participantes no golpe71.
Está selado, o jornal já da como certa a derrubada do presidente, ao passo que
põe em sua culpa o acontecido, ao passo que liga o novo governo a retomada da ordem
e da defesa contra o “perigo vermelho”.

Considerações Finais

Quando pensamos a imagem que foi construída de João Goulart pelo Diário do
Paraná podemos chegar a algumas conclusões aparentemente contraditórias. Por vezes
ele é retratado como um político incompetente, incapaz de conduzir o país e propenso a
agitações desnecessárias. Em outros momentos é representado como habilidoso político,
com uma ampla capacidade de coordenar disputas.
Entretanto, em vários artigos João Goulart é esquecido, deixado em segundo
plano, e as críticas se dão aos comunistas próximos ao governo, as ideias tidas como

70
“EXPURGO TOTAL DO COMUNISMO: PRISÕES EM MASSA” O Diário do Paraná, Curitiba, 04
de abril de 1964. p.1
71
“Um general da revolução”. O Diário do Paraná, Curitiba, 04 de abril de 1964. p.2
18

comunistas, e as consideradas impraticáveis reformas de base, com a reforma agrária


sempre em destaque.
É preciso compreender que as representações acerca do presidente mantém-se
alinhadas ao seu momento histórico. Se durante seu imbróglio para assumir a
presidência ela se dá de maneira a criar uma imagem de desconfiança sobre as ações do
presidente, mas em apoio a sua pessoa para assumir o cargo em um desfecho legalista.
Ela mantém essa postura enquanto João Goulart atua apenas de maneira menos incisiva
no regime parlamentarista.
Mas com a vitória do plebiscito e a ascensão do presidencialismo é que
podemos perceber que os ataques a imagem do presidente se intensificam,
frequentemente o associando a agitação, instabilidade e fraqueza. É evidenciado como
alguém incapaz de conduzir as situações, de manter a ordem, e sobretudo inclinado a
ações descuidadas causadoras de instabilidade. Mas é nesse momento que encontramos
também uma situação inesperada, pois com o grande incêndio no Paraná, a edição do
jornal elogia de forma inédita o presidente. A interessante exceção demonstra que as
situações regionais dão em certa medida o tom do Diário do Paraná, mesmo sendo ele
filiado aos Diários Associados.
Mas é a partir de outubro de 1963 com o pedido de Goulart pelo estado de sítio
que se dá a forma derradeira como o jornal vem a representar João Goulart. É no jornal
definido como um comunista inconsequente, disposto a por diversos meios efetuar um
golpe para a implantação de uma “república sindicalista” no Brasil. Entre outubro e
março essa imagem é lançada nos textos do jornal, até que a partir de março ela é
constantemente reforçada, cada vez de forma mais direta, colocando o presidente sobre
aberta acusação de planejamento de um golpe.
Como um comunista disposto ao golpe se justificou a queda de Goulart da
presidência. Como mantenedor da ordem pública e com o dever de limpar o país do
comunismo ascende o governo militar com Humberto de Alencar Castello Branco.
Se as impressões sobre João Goulart se alteraram durante o seu mandato, o
mesmo não pode-se dizer da reforma agrária, que é representada como uma política
comunista, irresponsável, inviável e anti-cristã. A crítica a reforma agrária vem
acompanhada sempre a um discurso anticomunista e cristão. Onde a reforma é
representada como objeto de rejeição do catolicismo e dos cidadãos éticos e morais.
Nota-se então que para o Diário do Paraná a legalidade - até o período do
pedido de estado de sítio - foi mais importante que sua discordância com as posições de
Goulart e as reformas que defendia. Não deixando o jornal de empreender diversos
19

textos buscando a desqualificação das reformas de base, principalmente a reforma


agrária e ainda com uma incidência frequente de textos anticomunistas e de leve
depreciação do presidente. Contudo após o pedido pelo estado de sítio mais do que a
desaprovação pelas posições políticas do presidente o que se tece é uma intensa crítica
anticomunista ao governo, trazendo consigo o pedido de intervenção sob a alegação de
que ele aplicaria um suposto golpe comunista.
Por fim, observando as teses anteriormente citadas, percebemos nas
representações do jornal os elementos que delas foram destacados, o caráter
anticomunista citado por Rodrigo Motta fica evidente nos artigos do Diário do Paraná,
ao passo que o clima de polarização e radicalização descrito por Jorge Ferreira é um dos
elementos constantes enfatizados pelos jornalistas. Ainda como elemento atuante na
situação politica da sua época, o jornal atua primeiro desmoralizando João Goulart e,
em seguida, em campanha a favor da realização do golpe civil-militar que foi efetuado
em 31 de março de 1964. 72

72
Se em verdade ninguém além de mim escreveu cada página desse artigo, sozinho eu nunca o teria
escrito. Se há qualidade nessa pesquisa, em muito ela deve-se ao meu Orientador Marco Ântonio, sem ele
o melhor de mim não estaria aqui. Se houve força e perseverança para que ela fosse realizada, eu a devo a
minha família, especialmente a minha mãe Katia Mari Batista do Nascimento, mulher forte de quem
herdei a teimosia. Se me faltou motivação ou clareza, meus companheiros de sala e meus amigos me
apoiaram, agradeço especialmente a Adelaide por toda ajuda durante a graduação. Por fim, agradeço a
minha companheira Dâmia dos Santos Nunes, pelas incontáveis revisões desse trabalho, mas
especialmente pelas alegrias que comigo dividiu e pelas tristezas que me ajudou a suportar.
20

Referências Bibliográficas

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Seminário 40 anos do Golpe: Ditadura Militar e Resistência no Brasil, Rio de
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21

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Referências de Fontes Históricas Jornais

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O Diário do Paraná, Curitiba, 25 de agosto. 1961-31 abril 1964.

Arquivos e Acervos Consultados


Biblioteca Nacional digital disponível em: <http://memoria.bn.br/hdb/periodico.aspx>
acessada em 25/08/2017

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