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UNIVERSIDADE DE MOGI DAS CRUZES

WAGNER BATISTA JUNIOR

A LEGALIZAÇÃO DA MACONHA E A PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO


ADOLESCENTE

São Paulo, SP
2014
UNIVERSIDADE DE MOGI DAS CRUZES
WAGNER BATISTA JUNIOR

A LEGALIZAÇÃO DA MACONHA E A PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO


ADOLESCENTE

Trabalho de conclusão de curso apresentado ao


curso de Direito da Universidade de Mogi das
Cruzes como parte dos requisitos para obtenção
do grau de Bacharel em Direito.

Profº. Orientador: Mestre Fernando Hideo Iochida Lacerda

São Paulo, SP
2014
À toda a sociedade brasileira, em especial àqueles
que cuidam e se preocupam com os direitos e
interesses dos menores.

Aos que sempre acreditaram em minha capacidade


e aos que me admiram, familiares, amigos,
conhecidos e desconhecidos.

À minha mãe, pai, padrasto, irmãs e sobrinhos e a


todos que amo.

Obrigado por, de alguma maneira, fazerem parte de


minha história.
AGRADECIMENTOS

A gratidão, talvez, seja o mais importante e bonito


sentimento que qualquer ser humano possa ter, pois,
não é preciso amar ou ter simpatia pela pessoa que
somos gratos, basta apenas o reconhecimento de que
sua atitude nos ajudou de alguma forma.

É possível ser grato tanto aos amigos quanto aos que


não possuímos qualquer sentimento, podemos ser
grato até mesmo com os que consideramos inimigos.

Aqueles que acreditam no poder divino sabem o


quanto são importantes as respostas de Deus quando
te pedimos uma orientação, uma ajuda, uma súplica,
piedade ou perdão.

Por acreditar em Deus todo poderoso e por ser grato


por ele fazer parte de minha vida, agradeço antes de
qualquer pessoa a ele e peço que este estudo não sirva
apenas para minha aprovação no curso superior, mas
para que possa ajudar à construção de uma sociedade
mais justa, solidária e livre.

Em seguida, agradeço a todos os professores da


Universidade de Mogi das Cruzes que me lecionaram,
pois, a educação é a base de qualquer sociedade e
estas pessoas assumiram um compromisso de grande
relevância ao optarem por repassarem o conhecimento
do qual tiveram acesso, me possibilitando o
desenvolvimento educacional e crítico que idealizou a
busca por uma sociedade mais justa.

Por fim, agradeço em especial o meu orientador,


Professor Mestre Fernando Hideo Ioshida Lacerda,
que não só me orientou e instruiu durante a
elaboração deste estudo, mas me ensinou muitas
coisas, mesmo nunca tendo lecionado para minha
turma. Obrigado mestre pela maneira que me
orientaste, dando total liberdade para o
desenvolvimento deste trabalho, debatendo sempre
em cada orientação que estive presente e
aconselhando quando necessário para a concretização
do presente.
Você se lembra quando me dizia?:
Cuida da sua vida, e vê se deixa a minha.
Hãm... vida? Que vida é essa irmão?
Vida de cão vira lata caminha sozinho na noite
Aqui, sem dono na escuridão,
Correndo atrás de pó,
Fugindo do plack pá.
Você se causa dó, mas não quer se tocar.
Que a noite esta se acabando,
E sua vida só começou.
Te ofereceram a morte, você abraçou,
Se esqueceu do nome de Deus, Contrariou seus princípios,
Pra você cair no abismo, não foi nada difícil.
Se atolou, se afogou, no beco sujo do vício.
Endividado até o pescoço não pagou desde o inicio.
Mistura, farinha, maconha, pedrinha,
O estômago entoja, seus olhos se afundam
Com a sua cova...
Volta...
Lembra da nossa infância, Lembra de DEUS...
Expressão Ativa
(Pacto)
RESUMO

O presente estudo tem como objetivos a verificação da compatibilidade da liberação do uso


recreativo da maconha e a proteção à criança e ao adolescente, bem como, a análise das
políticas de drogas adotadas pelo mundo até os dias de hoje, com ênfase maior na política e
legislação de drogas adotada pelo Brasil. O aumento do consumo de drogas, principalmente
da maconha, bem como, as descobertas da medicina acerca das propriedades medicinais
presentes na planta cannabis, da qual se origina a maconha, fizeram crescer as discussões
sobre a legalização da droga. Assim sendo, analisaremos a história e pesquisas relacionadas a
planta cannabis, demonstrando, segundo as recentes e antigas descobertas, quais as
propriedades medicinais da planta e os males e riscos que a maconha pode causar, para que
possamos adquirir uma capacidade crítica maior em torno destas discussões. Pois, dada a
complexibilidade do tema, é necessária a abordagem e analise de diversos fatores e disciplinas
para que se chegue a melhor conclusão do presente estudo e para que o mesmo consiga, de
fato, contribuir para a implementação de novas políticas para a prevenção e redução do
problema. Este estudo, talvez, não será o bastante para que possamos chegar numa solução
imediata do problema, porém, ajudará bastante no debate e reflexão em busca de novas
medidas que, possivelmente, contribuirão para a solução do problema em si e de outros
problemas relacionados com o tema em um longo prazo.

Palavras-chave: LEGALIZAÇÃO DA MACONHA; COMBATE AS DROGAS; ECA; LEI DE DROGAS;


CANNABIS.
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................ 9
1 PRINCÍPIOS ......................................................................................... 11
1.2 Princípios do Direito Penal ....................................................................................... 12
1.2.1 Princípio da ofensividade ou da lesividade ................................................................ 12
1.2.2 Princípio da alteridade .............................................................................................. 13
1.2.3 Princípio da intervenção mínima ............................................................................... 14
1.3 Princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente .................................................. 15
1.3.1 Princípio da prevenção geral ..................................................................................... 16
1.3.2 Princípio da prevalência dos direitos do menor ......................................................... 17
1.3.3 Princípio da proteção integral ................................................................................... 18
2 A CANNABIS ..................................................................................................... 20
2.1 O uso medicinal ........................................................................................................ 24
2.2 Os males e riscos ...................................................................................................... 26
3 O FRACASSO DA POLÍTICA INTERNACIONAL DE COMBATE
AS DROGAS .................................................................................................................. 30
3.1 A Holanda ................................................................................................................ 33
3.2 A Suécia ................................................................................................................... 34
3.3 O Uruguai................................................................................................................. 35
4 A POLÍTICA NACIONAL DE COMBATE AS DROGAS ................. 37
4.1 A lei 11.343/06 ......................................................................................................... 38
4.2 O bem jurídico tutelado ............................................................................................ 41
5 A LEGALIZAÇÃO DA MACONHA E A PROTEÇÃO À CRIANÇA
E AO ADOLESCENTE .............................................................................................. 43
5.1 As medidas de proteção à criança e ao adolescente ................................................... 45
5.2 A adolescência e o uso de drogas .............................................................................. 48
5.3 A acessibilidade dos menores as drogas .................................................................... 50
5.4 O combate ao tráfico ilícito de drogas visando a proteção da criança e do
adolescente .......................................................................................................................... 52
5.5 A não legalização do uso recreativo da maconha visando a proteção da criança e do
adolescente .......................................................................................................................... 55
CONCLUSÃO ................................................................................................................ 60
REFERÊNCIAS ............................................................................................................ 63
9

INTRODUÇÃO

O combate ao tráfico de drogas e a prevenção ao uso indevido é um objetivo antigo de


muitos Estados e um sonho cada vez mais longe de ser realizado. Diante do aumento exacerbado do
consumo de entorpecentes, alguns Estados estão, de certa forma, entregando os pontos e permitindo
o consumo de algumas drogas, como a maconha por exemplo, para tentar evitar o consumo de
outras drogas com maior potencial ofensivo.

O consumo de maconha está crescendo significativamente, principalmente entre os jovens, e


um “incentivo” do governo poderá refletir ainda mais nesse crescimento.

A discussão acerca da liberação ou aumento de repressão ao tráfico e consumo de maconha


no Brasil está crescendo gradativamente, principalmente por causa do potencial medicinal de
algumas substâncias da planta Cannabis, planta da qual se origina a maconha.

Para analisarmos qualquer hipótese de permissão ou de aumento da proibição, tanto do uso


medicinal quanto do uso recreativo, é necessário antes de tudo um estudo sobre a planta Cannabis,
as propriedades de uso medicinal, as propriedades que causam efeitos psicoativos e os males e
riscos que a planta pode causar.

Sequentemente, não podemos deixar de analisar a política internacional de drogas, os


motivos de seu fracasso e as medidas tomadas por alguns países como a Holanda que permitiu há
um tempo significativo o consumo e compra de maconha, a Suécia que adotou a política de
“tolerância zero” em conjunto com uma política integrada de prevenção ao uso e o Uruguai, que
recentemente regulamentou a venda e consumo de maconha.

Após analisarmos os motivos que levaram ao fracasso da política internacional de combate


as drogas, estudaremos a política de drogas brasileira, sua evolução, tratamento ao usuário e as
principais disposições da lei 11.343/06.

Finalmente, faremos uma ampla discussão acerca da legalização da maconha e a proteção à


criança e ao adolescente, abordando as principais medidas de proteção à criança e ao adolescente,
analisando o cenário atual da adolescência e o uso de drogas, bem como, à acessibilidade dos
menores às drogas, para verificar se há compatibilidade entre a liberação do uso recreativo da
maconha e a proteção à criança e ao adolescente.
10

Como abordado anteriormente, o consumo de maconha cresce a cada dia, principalmente


entre os menores. É consenso entre médicos de diversas especialidades e cientistas, pesquisadores
da maconha, que os riscos do uso da droga é maior quando o consumo inicia-se na adolescência.

Assim como o álcool fez nos últimos anos, a legalização do uso recreativo da maconha
colocaria, ainda mais, em risco a saúde mental de nossas crianças e adolescentes e
consequentemente o futuro do país?

A liberação do consumo da maconha seria realmente eficaz na prevenção do consumo de


outras drogas mais ofensivas e afastaria os usuários do traficante?

Quais os pontos negativos das políticas de combate ao tráfico e uso de drogas e o que
poderia ser mudado para atingir o objetivo esperado?

Certamente estas são perguntas que muitos desejam respostas e seriam os balizadores para a
implementação de novas medidas para a solução desse problema que há tempos assombra a
sociedade brasileira.

Nas próximas páginas faremos um grande estudo desse tema de tamanha complexibilidade,
finalizando nossa pesquisa com as respostas destes questionamentos, afim de, contribuir com o
debate e implementação de novas medidas para a busca de uma solução para este problema.
11

1. PRINCÍPIOS

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer.
(MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25 ed. São
Paulo: Malheiros, 2008. p. 943.)

Iniciar uma discussão entre legalização e proibição, aumento ou diminuição da


intervenção estatal, sem abordar os principais princípios balizadores da aplicação do Direito
em análise, é o mesmo que incentivar e defender um Estado tirano, infrator das essenciais
restrições de sua atuação, que garantem a manutenção de um Estado Democrático de Direito.

É certo que abordar todos os princípios fundamentais do Direito acabaria por tirar o
foco de nossa discussão e não acrescentaria significativamente em nosso estudo, assim sendo,
nos atentaremos ao estudo dos princípios utilizados para fundamentar defesas e contraditórios
de nossa pesquisa, bem como, aos necessários para verificar se a intervenção justifica-se ou
não.

Inicialmente deve-se esclarecer que princípio, embora seja um termo de difícil


definição, está ligado diretamente com uma limitação na intervenção do Estado e tem como
base principal os direitos fundamentais da pessoa humana.

Em linhas gerais, princípios são determinados valores presentes em nossa Constituição


Federal de 1988, que visam a proteção de determinados bens jurídicos tidos como de suma
importância. Os princípios estão presentes não somente na Constituição Federal, mas também
em todo ordenamento jurídico brasileiro, porém, sempre decorrem de um princípio ou direito
fundamental constitucional.

Portanto, princípios são valores fundamentais que servem de alicerce para a


construção de uma norma justa. Conforme os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de
Mello(2008):

A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento


obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade
ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque
representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores
fundamentais.
12

Assim sendo, a inobservância dos princípios acarreta na ilegalidade ou


inconstitucionalidade, que certamente se materializa na forma mais grave de injustiça.

Tamanha é a importância dos princípios e dos valores que o revestem que,


justificadamente, há dificuldade em encontrar um só conceito que os definam de forma
objetiva e clara.

1.2. PRINCÍPIOS DO DIREITO PENAL

Que o Direito Penal é a forma de intervenção mais agressiva do Estado na intervenção


da liberdade todos sabemos, inclusive aqueles que não são estudiosos do Direito, que embora
tecnicamente, talvez, não consigam explicar a forma de intervenção, mas certamente possuem
o conhecimento de que o Direito Penal restringirá alguns direitos fundamentais, em especial o
da liberdade.

Diante de tamanha agressão que esse instrumento estatal possui, é necessário frear a
ação do sistema, colocar um limite para que sua atuação seja extremamente necessária e não
ultrapasse a barreira dessa necessidade e se torne justificativa para arbitrariedades.

Assim sendo, o legislador deve, obrigatoriamente, observar alguns princípios do


Direito Penal, antes de criar ou editar qualquer norma que possa acarretar na intervenção de
direitos fundamentais.

Como já dito anteriormente, abordaremos apenas alguns princípios que tenham relação
direta com nosso objeto de estudo, em especial, aqueles que têm um peso maior na
justificativa de aumento ou diminuição da intervenção estatal.

1.2.1. PRINCÍPIO DA OFENSIVIDADE OU LESIVIDADE

Tido como um dos pilares no desenvolvimento de um Direito Penal com bases


garantistas, o princípio da ofensividade ensina que somente atos lesivos a bens jurídicos de
relevância admitem a intervenção Estatal, ou seja, para que determinada conduta seja
criminalizada, exige-se que haja ofensa a relevante bem jurídico, ou a ameaça de lesão do
13

relevante bem.

Conforme os ensinamentos de Cezar Roberto Bitencourt, “somente se justifica a


intervenção estatal em termos de repressão penal se houver efetivo e concreto ataque a um
interesse socialmente relevante, que represente no mínimo, perigo concreto ao bem jurídico
tutelado” (BITENCOURT, 2008, p. 22).

Isto significa que a conduta deve ocasionar lesão à bem jurídico relevante ou perigo de
lesão, para justificar e limitar o direito de punir estatal.

1.2.2. PRINCÍPIO DA ALTERIDADE

Um dos princípios balizadores das discórdias na proibição das drogas, segundo esse
princípio, o comportamento deve ultrapassar a esfera individual do autor e atingir ou colocar
em risco o direito de terceiro.

Isto posto, aquele que praticar autolesão, cortado os pulsos, por exemplo, ou mesmo a
prostituição do próprio corpo, não estariam praticando crime algum, sendo injustificável
qualquer intervenção punitiva.

Por outro lado, se aquele que prática autolesão visa à obtenção de vantagens, como por
exemplo, receber prêmio de seguro de vida, este estaria sujeito a punição, isto porque, a
autolesão praticada, tem como objetivo principal a fraude no seguro, o que atinge ou coloca
em perigo o direito da seguradora que teria que indenizar o acidentado.

O uso de drogas, portanto, não é conduta criminalizadora, segundo o princípio da


alteridade, afinal de contas o usuário está prejudicando a si próprio, não colocando em risco o
direito de terceiros, isto é claro se este receber a droga e consumi-la imediatamente. Ocorre
que caso a droga não seja consumida, o usuário facilitará a circulação da mesma e assim
poderá colocar em risco um bem jurídico relevante, que neste caso é a saúde pública. Por
exemplo, o usuário adquire a droga e não consome, continua com sua posse e vai para um
local com maior concentração de pessoas, neste caso além de ele próprio consumir, ainda
poderá facilitar com que outras pessoas a consumam. Outro caso nada impossível de ocorrer é
que neste trajeto o usuário deixe a droga cair, ou simplesmente se desfaça dela por ter
14

avistado uma viatura, por exemplo, digamos que uma criança passe pelo local e encontre a
droga, isto poderia instigá-la a consumir ou até mesmo poderia ocorrer um consumo
involuntário dependendo do conhecimento e capacidade do menor. Daí a justificativa para a
punição da simples posse de drogas para consumo próprio.

1.2.3. PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA

O mais importante princípio para controle da intervenção estatal, tem por base a
atuação penal somente em interesses de grande valor social. De acordo com este princípio, o
Direito Penal só deverá punir as ações que violem direitos de grande valor se não for possível
a proteção através de outros meios e normas extrapenais, isto quer dizer que, o Direito Penal
tem caráter fragmentário e subsidiário, devendo ser aplicado minimamente para a prevenção
de condutas que possam lesar um bem jurídico de significante valor.

Atualmente, diante da crescente insegurança social causada pelo aumento da


criminalidade e frente aos clamores populares, o Direito Penal Brasileiro tem tomado postura
mais intervencionista e preventiva.

Segundo Heleno Fragoso, “É inútil tentar evitar certas ações tornando-as delituosas”
(FRAGOSO, 1979), pois a criminalidade é fruto de um fenômeno sociopolítico, com ligação a
condições sociais, sendo pouco atuante o sistema punitivo neste sentido.

Como se pode notar, este é um dos principais princípios constitucional do Direito


Penal e é nele que se apóiam os defensores da legalização das drogas, pois, segundo o
entendimento desses defensores, não seria justo que o Estado interviesse na liberdade do
usuário em optar por usar ou não determinada droga. De outro lado estão as críticas de que as
drogas sempre existiram, sempre existirão e sempre vão usá-las e, portanto, o sistema punitivo
jamais conseguirá acabar com o problema.

Mas, assim como a corrente que defende a liberação da maconha se apoia em valioso
princípio, há possibilidade também de utilizar-se desse princípio, combinado com demais
medidas, para justificar a intervenção estatal, em prol de um bem jurídico de extrema
valiosidade e de grande vulnerabilidade, que é a saúde psicológica de nossas crianças e
adolescentes.
15

1.3. PRINCÍPIOS DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTES

Fruto do processo de democratização do Brasil, o ECA, por reconhecer a


vulnerabilidade e a importância do desenvolvimento de nossas crianças e adolescentes, nasceu
visando, especialmente, a garantia de proteção aos direitos dos menores e seu
desenvolvimento pleno e saudável.

Para garantir a concretização dessa proteção foram criadas diversas estratégias, afim
de, distribuir as responsabilidades, incentivar e garantir a participação de toda a sociedade,
possibilitando o exercício pleno desse direito.

Ocorre que, após 24 anos de existência do ECA, o sistema de garantias ainda não
funciona exatamente da forma planejada, nossas crianças e adolescentes estão cada vez mais
jogados a vulnerabilidade e essa realidade não tem culpa exclusiva das políticas públicas. Em
alguns casos a falta de investimento municipal ajuda a dar causa ao problema. Acerca do
assunto Leal e Andrade (2005, p.37) levantam o problema:

Infelizmente, a vontade política para o cumprimento de tais metas, embora


represente um bom começo, não é garantia certa de execução dessas políticas. São
muitos os municípios brasileiros que não dispõem dos recursos financeiros capazes
de materializar essas ações em resultados visíveis na vida das pessoas.

É certo que a política pública não tem conseguido por em prática, de forma plena, o
sistema de garantias previsto no ECA, porém, o próprio Estatuto divide as responsabilidades,
esperando a colaboração de todos, para que o sistema funcione com toda plenitude necessária.

A grande falha talvez esteja na sociedade, pois cada dia mais deixa-se de lado a
moralidade, o valor da família, a preocupação com os demais membros da sociedade, para dar
valor, somente, a conquista material, preocupando-se somente com os próprios problemas,
acreditando que o problema dos demais não atingirá sua subjetividade, o que é um engano,
pois quanto maior a criminalidade, maior o risco de se tornar uma vítima.

Nos dias atuais os pais com a necessidade enorme de trabalhar, ou trabalhando demais
visando apenas o sucesso, não conhecem os próprios filhos, não conseguem identificar seus
problemas e, cada dia mais, nossos menores se encontram desamparados.
16

Em contrapartida, a sociedade quer criminalizar os menores, vítimas dos problemas


sociais e da inversão de valores criadas por ela própria. Muitos clamam pela redução da
maioridade penal, mas poucos se preocupam em procurar a causa do problema e buscar
soluções. Cada um com seus problemas, esse é o lema.

Ora como colocar em prática o princípio da intervenção mínima sem por em prática
um princípio de prevenção máxima? Seria mais correto punir adolescentes, criados pelos
novos valores da sociedade, ou aqueles que colocam em perigo o desenvolvimento dos
menores, fazendo com que futuramente se tornem um delinquente juvenil, alvo de criticas da
sociedade?

Não devemos defender jamais os atos cruéis praticados por um adolescente, mas
devemos agir preventivamente para que aquele adolescente não se torne cruel.

Para, efetivamente, diminuirmos o índice de violência em nosso país é preciso antes de


tudo fazer funcionar o sistema de garantias do ECA, afim de criarmos uma criança e um
adolescente capaz de se tornar um homem de bem. Para isso, devemos observar todos os
princípios inerentes ao Estatuto, porém, nesta discussão abordaremos os que mais se
interligam com a proposta final deste estudo, que para esse autor é tida como uma ação muito
importante para ajudar nessa mudança.

1.3.1. PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO GERAL

Por esse princípio, entende-se que é obrigação de todos zelar pela integridade e pelo
pleno exercício dos direitos fundamentais dos púberes e impúberes, prevenindo a ocorrência
de qualquer ameaça ou violação desses direitos.

É dever do Estado garantir à criança e ao adolescente ensino fundamental, obrigatório


e gratuito além de outras demandas da criança necessária para seu correto desenvolvimento
para se tornar um cidadão.

Assim sendo, não somente o Estado, mas toda a sociedade deve agir no sentido de
prevenção dos direitos dos menores, principalmente no que diz respeito a educação, cultura e
demais medidas necessárias para o seu desenvolvimento moral.
17

Uma criança rica em valores morais e conhecimento dificilmente se tornará um


delinquente.

1.3.2. PRINCÍPIO DA PREVALÊNCIA DOS DIREITOS DO MENOR

Os interesses do menor deverão sempre sobrepor-se os interesses de terceiros, na


interpretação do ECA ou de qualquer outro ordenamento. Isto quer dizer que, reconhecida a
vulnerabilidade e importância do desenvolvimento saudável do menor, os interesses desse
grupo devem estar acima dos demais interesses.

Entretanto, embora os direitos do menor deva ser observado sempre, em qualquer


situação, a aplicação deste princípio ocorre, com maior frequência, apenas nos conflitos de
guarda ou tutela do menor, não sendo observado na criação ou aplicação das demais normas e
menos ainda nas condutas praticadas no cotidiano pela própria sociedade.

Em um dia 12 de outubro, dia em que se comemora o dia da criança, organizaram uma


festa numa zona periférica de São Paulo, observando aquele grande evento, realizado
exclusivamente por conta do dia das crianças, era possível perceber que aquela festa não tinha
a intenção nenhuma de prestigiar nossas crianças. Cantores de funk interpretavam melodias
vulgares, todos bebiam muito e consumiam drogas, mulheres e meninas dançavam
vulgarmente, sendo tratadas como simples objetos, e as crianças, que deveriam ser o centro
das atenções do evento, encontravam-se largadas, assistindo todo esse espetáculo apresentado
pelos adultos e pelos adolescentes.

Ora, como falar em prevalência dos direitos do menor e de prevenção geral se a


sociedade não se importa em fazer certos atos na presença dos menores?

É muito fácil clamar pela diminuição da maioridade penal, jogar crianças e


adolescentes na responsabilidade do Estado, difícil é agir de forma com que esses menores
possam se desenvolver plenamente, difícil é passar valores à nossas crianças, o importante é
que cada um atinja seu prazer através das bebidas, drogas e vulgaridades, sendo pouco
importante se há menores presentes ou não.
18

1.3.3. PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO INTEGRAL

Talvez o principal princípio para o presente estudo, decorre deste todos os demais
princípios inerentes ao ECA.

Por proteção integral devemos entender um conjunto de esforços realizados para


efetivar todas as garantias necessárias para o desenvolvimento humano e digno da criança e
do adolescente, que se dará através de redes descentralizadas do poder público e da sociedade.
Neste sentido, o artigo 227, caput, da CF/88:

É dever da família, da sociedade, e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,


com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de
negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Isto significa que, o Estado não descentralizou as responsabilidades inerentes aos


menores para se esquivar deste dever, pelo contrário, tendo consciência da gigante
importância de proteger integralmente à criança e ao adolescente, o Estado divide as
responsabilidades, pois entende que apenas o poder público não poderá garantir o exercício
desse direito tão precioso.

Por outro lado, o Estado é a sociedade como um todo. Embora haja representantes
legitimados a tomar decisões e agir em nome da sociedade, o Estado continua sendo fruto da
sociedade como um todo, e esta é a responsável pelo seu fortalecimento e sua grandeza. É
certo que se a própria sociedade deixar tudo nas mãos de seus representantes esse
fortalecimento e grandeza dependerão desses, porém continuarão sendo fruto de uma
sociedade omissa e se os resultados não forem positivos a maior culpa será da sociedade que
se tornou omissa.

Ainda no tocante a descentralização dos deveres, a distribuição além de facilitar o


alcance ao grande objetivo, através da colaboração de todos, serve também como um meio de
fiscalização por parte de todos, para que cada um efetivamente faça a sua tarefa,
concretizando-se assim o que foi idealizado.

Voltando ao princípio da proteção integral, a CF/88 e o ECA, reconheceram a criança


e o adolescente como indivíduos em formação e, diante disso, indivíduos com maior
vulnerabilidade. Isto quer dizer que, por essas peculiaridades, são indivíduos que merecem
19

uma maior atenção e certa prioridade para que não sejam colocados em situações de risco,
bem como, para que seja garantido um desenvolvimento pleno, saudável, culto, educativo,
digno e livre, desenvolvendo-se valores e atitudes positivas, para que possam se tornarem
cidadãos de bem e possam contribuir com um estado melhor, afinal de contas, eles são os
responsáveis pelo futuro da nação.

Se combinarmos o princípio da proteção integral e o princípio penal da intervenção


mínima, só podemos chegar a conclusão que, nossos esforços deverão se concentrar na
prevenção para que futuramente não seja necessária uma intervenção, e, caso seja necessária
uma intervenção, talvez seja melhor intervir nos que possuem sua capacidade formada, agora,
para amanhã não intervimos nos que estão em desenvolvimento. Em outras palavras, é mais
sábio privarmos os adultos de algumas liberdades em prol de um bem e um benefício maior
para a nação como um todo, isto porque, os que possuem a tal capacidade, não são capazes de
se comportarem de maneira adequada perante os menores, sendo necessário intervir nesse ato
hoje, para não intervirmos nos adultos de amanhã.

Por exemplo, um adulto usuário de droga não deve ser tratado como um criminoso e
ser colocado na prisão, porém, aquele que consome drogas, lícitas ou ilícitas, em locais
públicos, deveria sofrer intervenções, como multas, participações em programas educativos
etc. Isto porque, da proteção integral, decorre a prevenção geral, e, consumir drogas em locais
públicos, certamente faz com que os menores vejam as drogas como algo normal e ao invés
de prevenir que ele venha consumi-la futuramente, incentiva a consumir cada vez mais cedo.

Como podemos observar, o desenvolvimento pleno e saudável e a construção de


valores de um menor não dependem somente de garantias oferecidas pelo Estado, mas da
atuação e envolvimento de toda a sociedade, sendo a proteção integral concretizada somente
se todos agirem de forma contributiva.
20

2. A CANNABIS
A droga é um mundo falso, irreal e distante.
Aprenda a viver no seu mundo. (Zeli Luiz Gomes Filho – Investigador de Polícia
Civil e Integrante da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes em Teófilo Otoni – MG)

Quando falamos sobre Cannabis, muitos tem na mente a figura da substância


psicoativa derivada da planta, a maconha. Por conta desta substância, atualmente a planta
encontra-se, cada vez mais, centrada à uma enorme contradição. Debates fervorosos ocorrem
constantemente entre aqueles que a defendem enlouquecidamente e aqueles que a repugnam
intensivamente.

Embora tamanhos debates surjam todos os dias e em diversos lugares, poucos


conhecem profundamente a planta e suas propriedades, o que provoca defesas e reprovações
sem fundamentos científicos ou com base em interpretação incorreta de argumento científico
das propriedades benéficas encontradas na planta.

A planta faz parte da história da humanidade antes mesmo da invenção da roda e da


escrita e nela são encontradas mais de 400 substâncias. Dentre elas está o cânhamo, uma fibra
vegetal muito resistente que é utilizada desde a descoberta da planta para fabricação de
cordas. A erva já foi utilizada para fabricação de papel, óleos para fabricação de vernizes e
tintas, combustível, tecidos, alimentos, remédios, rituais e oferendas religiosas e também para
alteração do consciente, sendo esta ultima utilização o objeto principal de nossos estudos.

A alteração da percepção e comportamento, ou seja, o verdadeiro “barato” da erva é


conhecido pela humanidade desde a idade da pedra. Dentre as mais de 400 substâncias
encontradas na cannabis a principal causadora dos efeitos psicoativos é a delta9-
tetrahidrocanabinol (THC), que pode ser encontrado em todas as estruturas do vegetal,
estando concentrado principalmente nas flores e resinas que o revestem. O THC é encontrado
somente nas espécies fêmeas de cannabis, sendo que as espécies machos não possuem
qualquer efeito psicoativo, há também uma espécie que não possui qualquer efeito psicoativo,
que é a espécie cannabis runderalis, descrita em 1924, pelo botânico russo Dimitri
Janischewsky. O THC é encontrado nas plantas da espécie cannabis sativa e cannabis indica,
que pode sofrer variação de quantidade e concentração, por fatores naturais, mutação e
modificação genética realizada pelo homem.
21

A cannabis surgiu na Ásia, tendo uma teoria que defende seu surgimento na Ásia
Central, ao norte do Himalaia e uma segunda que defende que sua origem se deu mais a leste,
na China. Nos dias atuais porém, é possível cultivar a erva em qualquer localidade do mundo,
sendo possível inclusive o cultivo indoor, ou seja, dentro de um ambiente fechado, utilizando
algumas técnicas.

Com a evolução nos estudos acerca da cannabis foram desenvolvidos diversos


subtipos da planta sendo que a principal utilizada para o cultivo indoor são as plantas híbridas
com genes de cannabis runderalis, pois suas flores brotam em qualquer lugar e em qualquer
época do ano.

A cannabis, como já abordado anteriormente, possui mais de 400 substâncias, dentre


estas, também encontramos algumas com enorme potencial medicinal, como o canabidiol
(CBD), por exemplo, conhecido atualmente, principalmente, por suas propriedades
antiepiléticas, que abordaremos adiante.

O TCH, grande vilão da história, principalmente por causa de seu poder psicotrópico,
também possui seu lado heróico. A substância possui efeitos terapêuticos muito importantes
para auxiliar o tratamento do câncer, por exemplo, a droga é indicada para tratar alguns
efeitos colaterais da quimioterapia, como náuseas e enjoos. O THC tem ações específicas
sobre dores que acometem nervos e músculos (neuropáticas e miopáticas).

Atualmente, diversas famílias estão importando ilegalmente produtos derivados da


cannabis para tratamentos de algumas enfermidades, tendo destaque, a importação do CBD
para tratamento de epilepsias, em especial, a de tratamento de pacientes diagnosticados com a
síndrome CDKL5, uma epilepsia rara, de origem genética, com alta prevalência de autismo.
Este tipo de enfermidade dificilmente responde positivamente aos tratamentos convencionais
e, cada dia mais, são relatados casos de pacientes que conseguiram controlar a doença com o
uso do CBD.

Como o CBD custa caro, aproximadamente US$ 1.000,00 e muitas vezes é barrado na
alfândega brasileira, há muitas pessoas que se arriscam cultivando o vegetal e utilizando sem
orientação e acompanhamento clínico e sem mesmo saber as dosagens das substâncias
recebidas pelo organismo.

Além dos riscos e males que a utilização inadequada da erva pode causar no
22

organismo e saúde dessas pessoas que iremos abordar mais adiante, elas também correm um
grande risco que é a intervenção do Estado. Conforme disciplina a lei 11.343, de 23 de agosto
de 2006, a Lei de Drogas:

Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo,
para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação
legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I- advertência sobre os efeitos da droga;
II- prestação de serviços à comunidade;
III- medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§1º Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia,
cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de
substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
§2º Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à
natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se
desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos
antecedentes do agente.

Isso significa que aqueles que importam o CBD estão sujeitos as penas do artigo 28 da
referida lei, pois o CBD encontra-se na lista das substâncias proscritas da ANVISA (Agência
Nacional de Vigilância Sanitária), sendo, desta forma, tratado como substância ilícita e
passível das referidas penas, assim como os que cultivam a erva, que é a principal causa da
inclusão do CBD na lista dos proscritos.

Não obstante, de acordo com a interpretação do juiz e a quantidade importada ou


cultivada, os responsáveis poderão ter uma intervenção maior que é a pena de prisão, pois
conforme disciplina a lei de drogas:

Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender,
expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar,
prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que
gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar:
Pena: reclusão de 5 (cinco) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e
quinhentos) dias-multa.

Como se pode observar, o artigo transcrito elenca mais de uma dezena de verbos do
tipo penal e, certamente, muitas das pessoas que utiliza a cannabis medicinal poderá se
encaixar em um ou mais tipo, estando sujeita a pena de reclusão descrita no caput do referido
artigo. Por exemplo, a mãe ou pai que importam ou cultivam cannabis ou seus derivados para
ministrar ao seu filho que possuí alguma enfermidade que pode ser tratada ou controlada com
o uso da erva ou de seus componentes. No mesmo sentido, aquele que importa uma
quantidade significativa, que pode ser interpretada como importação destinada à venda.
23

Quem faz importação de produtos pela internet, sabe o quanto é demorado os


processos de recepção e entrega da encomenda e se tratando de substâncias proibidas é
conhecido o risco de apreensão da encomenda, motivo pelo qual pode fazer com que aqueles
que utilizam a droga medicinal se arrisquem a importar uma quantidade maior ou com uma
peridiocidade maior, para não correr o risco de ficar sem a droga. Situação que pode ser
semelhante aos que a cultivam, pois, em determinadas espécies, suas flores brotam em
determinadas épocas do ano e em determinadas situações naturais, climáticas e de solo por
exemplo, o que poderá fazer com que o usuário de cannabis medicinal plante uma quantidade
significativamente maior, para não correr o risco de ficar sem a droga.

Este é um dos maiores debates acerca da legalização, regulamentação ou permissão da


importação ou plantio para uso medicinal. De um lado os que realmente precisam da droga
para auxiliar o tratamento de doenças e diminuição de dores, de outro lado os que
desconhecem os efeitos medicinais e sabem, por baixo, dos efeitos psicoativos, de um outro
lado os que consomem maconha, recreativa e diariamente, que utilizam dos estudos que
demonstram o lado benéfico da cannabis para defender a liberação do uso recreativo. Dentro
dos que defendem a liberação do uso recreativo, baseando-se nas pesquisas de uso medicinal,
a grande maioria despreza os estudos científicos que demonstram os males e riscos causados
pelo uso indevido da substância. De um outro lado do grande debate acerca da legalização da
droga estão questões políticas, institucionais, econômicas, religiosas e morais, que certamente
dificultaram e ainda dificultam os debates e as pesquisas sobre o tema.

Todas as questões acima estão relacionadas com o atraso nas pesquisas acerca do uso
medicinal da droga, mas atualmente o cenário está mudando, e como já narrado, muitos
desconhecem a planta enquanto outros pegam carona para motivar uma possível liberação do
uso recreativo da droga, que certamente trará graves consequências para a sociedade, em
especial para nossas crianças e adolescentes, bem como, para o futuro do país, que
abordaremos nos próximos capítulos.

É preciso sim avançar nos estudos científicos para o uso medicinal da droga, é preciso
facilitar o acesso daqueles que realmente necessitam do tratamento, mas é preciso ter muita
cautela para não confundir os benefícios e não deixar de lado os malefícios para autorizar o
uso indiscriminado da droga.
24

2.1. O USO MEDICINAL

Conforme abordamos anteriormente, a cannabis possui substância com potenciais


efeitos medicinais, antes de discutirmos sobre liberação, legalização ou regulamentação da
droga é necessário conhecermos um pouco sobre sua utilidade medicinal, para possibilitar um
debate com bastante conhecimento, que proporcionará uma capacidade maior de raciocínio
acerca do tão analisado tema que toma conta do atual cenário nacional e internacional.

Dentre as mais de 400 substâncias encontradas na erva, 70 delas são substâncias com
capacidade de interagir com alguns receptores do neurônio humano e são denominadas
fitocabinoides. Dos fitocabinoides presentes na cannabis os mais estudados são o canabidiol
(CBD) e o tetraidrocanadibiol (THC).

O CBD tem ganhado grande espaço nas discussões nacionais e internacionais


principalmente por suas propriedades antiepiléticas, e apesar dessas propriedades serem
comprovadas há mais de 30 anos pelo médico psicofarmacologista Elisaldo Carlini, do Centro
Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Universidade Federal de São Paulo,
a droga é proibida no Brasil unicamente por fazer parte de um dos compostos da cannabis e
não é registrada como medicamento em nenhum país do mundo, apesar de ser comercializada
em 10 países. (Revista Mente e Cérebro, 2014)

Segundo as pesquisas de Carlini, o CBD não é tóxico e nem tem efeitos psicotrópicos.

Recentemente no Brasil a discussão sobre o CBD aumentou significativamente após o


caso de Anny, uma garotinha diagnosticada com síndrome CDKL5. A mãe da menina não
conseguiu prescrição de nenhum médico, então seguiu orientações de uma família que
também administrava o produto e sua filha foi melhorando significativamente, as crises
reduziram praticamente a zero e a família também sentiu diferença quanto ao autismo.
Segundo a mãe da garota, a droga proporcionou maior qualidade de vida para a criança, mas
após retenção da entrada da droga no país pela Anvisa, os pais da menina recorreram a justiça
e após uma liminar da justiça, acompanhada de relatórios médicos, conseguiram a autorização
para importar o produto.

Após a família relatar a história de Anny e sua luta para continuar o tratamento no
documentário Iegal (2014), muitas famílias com parentes diagnosticados com a doença
trilharam o mesmo caminho para conseguir autorização para importar a droga, isto estimulou
25

as discussões sobre a reclassificação do CBD pela Anvisa como substância controlada.

A agência ainda não decidiu acerca da reclassificação, apesar de na reunião ocorrida


em maio deste ano relatar a reclassificação como “tecnicamente recomendável”. Apesar de a
substância não ser reclassificada, a Anvisa disponibiliza em seu site um formulário para
requisição de autorização para importação do CBD, as autorizações são analisadas em 10
(dez) dias no máximo, segundo a Anvisa, e são concedidas em casos excepcionais. No site da
Agência também são disponibilizadas instruções de como proceder para conseguir a
autorização.

Embora o CBD tenha demonstrado-se muito útil para auxiliar a cura de algumas
doenças e para o controle de outras, o neurologista Edward Maa, chefe do Programa de
Compreensão da Epilepsia na Fundação Denver Health, no colorado, levanta algumas
questões sobre o tratamento experimental com cannabis natural, uma delas é a
complexibilidade da erva que além de possuir 70 fitocabinoides identificados e que podem
variar sua proporção de acordo com o tipo de planta, parte utilizada e local de cultivo, há
centenas de outras substância capazes de atravessar a barreira hematoencefálica, estrutura que
atua principalmente para proteger o sistema nervoso central de substâncias químicas presentes
no sangue. (Revista Mente e cérebro, 2014)

De outro lado, o THC, substância responsável pelo efeito psicotrópico da planta,


também possui suas propriedades medicinais, como por exemplo tratar efeitos colaterais da
quimioterapia, como náuseas e enjoos, melhorar a vontade de comer em pacientes com câncer
e AIDS.

A maior controvérsia sobre a regulamentação do vegetal está especificamente nesta


substância. Ela é o grande alvo de preconceitos, criticas, demonização, ódio e é claro amor.

Muitos dos que defendem a cannabis para uso não medicinal utilizam argumentos
medicinais para fundamentar suas opiniões. O oportunismo desses grupos e a desinformação
confundem as pessoas e dificultam muito os debates e avanços das pesquisas que visam o uso
medicinal da droga.

A ciência e casos experimentais já comprovaram que a droga possui substâncias com


alto poder medicinal, porém, a planta possui centenas de substâncias que variam suas
proporções de acordo com a localidade, tipo e outros fatores. A complexibilidade da planta
26

poderá acarretar em outros riscos ainda desconhecidos. É necessário aprofundar os estudos e


isolar cada uma das substâncias para um estudo mais detalhado, pois mesmo os componentes
não psicoativos, poderão trazer riscos se não utilizados de maneira e na dosagem correta,
assim como todo e qualquer medicamento.

Não podemos ser ignorantes a ponto de reprimimos a utilização da droga para fins
medicinais, mas não podemos possuir uma fé gigante para idolatrarmos a erva como um
milagre.

2.2. OS MALES E RISCOS

Dentro do cérebro humano, os neurônios se organizam em sistemas de


neurotransmissão. Dentre os neurotransmissores, existem alguns que são responsáveis pela
sensação de prazer. Segundo a neurociência, este sistema, batizado pelo psiquiatra alemão
James Olds (1922-1976) como sistema de recompensa, é responsável pela preservação da
espécie humana. Por exemplo, cada vez que o ser vivo come, bebe água, ele ativa os
neurotransmissores e recebe a recompensa, o mesmo acontece cada vez que um ser vivo
preserva sua vida, ou perpetua sua espécie.

As drogas agem no organismo da mesma maneira, mas elas enganam o organismo,


conforme o psiquiatra e psicodramatista e membro da equipe técnica da Associação Parceria
Contra as Drogas, Içami Tiba descreve em sua obra:

As drogas competem com alguns neurotransmissores, imitam outros, e, assim,


desequilibram seus sistemas funcionais, interferindo em toda a atividade orgânica.
Por exemplo, a sensação de prazer é obtida enganando-se o corpo humano. A droga
libera a recompensa sem a necessidade de comportamentos positivos, como defesa
de território, autopreservação e preservação da espécie. Significa muita recompensa
para pouco esforço. (TIBA, 2007, p. 105)

Isso explica o motivo pelo qual as pessoas acabam se tornando dependentes da droga.
O grande prazer obtido pelo consumo sem a necessidade de muito esforço, faz com que o
indivíduo procure novamente aquela sensação sem precisar se esforçar tanto.

Porém quando o assunto é cannabis há uma grande diferença das demais drogas, isto
porque, os fitocabinoides são muito semelhantes a compostos químicos produzidos
naturalmente pelo nosso organismo e que interagem com os receptores do sistema
27

endocabinoide.

Alguns especialistas minimizam os riscos do uso da maconha especialmente por este


motivo, porém há quem diz o contrário, como por exemplo o psiquiatra Valentim Gentil
Filho, doutor em psicofarmacologia clinica pela Universidade de Londres, ex-presidente do
conselho diretor do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, por doze anos, que em
entrevista para a revista Veja (2012) disse o seguinte:

Drogas como heroína, cocaína e crack são devastadoras porque podem matar a curto
ou curtíssimo prazo. Além disso, é difícil se livrar dessas substâncias pelo alto grau
de dependência que apresentam.
Os danos que elas causam ao cérebro, porém, cessam quando deixam de ser usadas.
Ou seja, passado o período de abstinência, as funções do organismo se restabelecem.
Com a maconha a história é outra. É a única droga a interferir nas funções cerebrais
de forma a causar psicoses definitivas, mesmo quando seu uso é interrompido.

O psiquiatra defende a condenação da maconha, mas não é contra o uso medicinal de


componentes da planta cannabis, desde que sejam isolados e não seja utilizada terapias com o
uso terapêutico da maconha fumada que contém muitos componentes nocivos a saúde. Para o
psiquiatra, se fosse para escolher uma única droga a ser banida, certamente essa seria a
maconha, conforme trecho da mesma entrevista:

Não é simpático expressar uma opinião contrária à cultura da “anticaretice” que


impera no país em relação à maconha. Atualmente, “pega mal” ser contra a liberação
da maconha. Até mesmo entre os médicos. O fato de a maconha não ser tão
agressiva como outras drogas quando usada nas primeiras vezes contribui para isso.
Mas ou esses médicos estão muito desinformados ou eles têm acesso a fontes
científicas bem diferentes das minhas. Se fosse obrigado a escolher uma única droga
a ser banida, seria a maconha, sem sombra de dúvida. (Revista Veja, 2012)

Ainda a respeito do assunto, o médico psicofarmacologista Elisaldo Carlini, do Centro


Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas da Unifesp, relata que “[...] Todo
medicamento produz efeitos adversos. No caso da maconha não é diferente: é necessário
considerar o paciente e a doença para pesar os riscos e benefícios da terapia com cannabis”
(Revista Mente e Cérebro, 2014, p. 37)

Analisamos acima a posição de dois psicofarmacologistas, Gentil condena a maconha


colocando seus riscos “maiores” que de outras drogas, pelo fato de seus riscos poderem ser
definitivos, mas não condena o uso medicinal da cannabis, desde que não seja na forma de
maconha e nem fumada. De outro lado, Carlini que há 30 anos comprovou o poder
antiepilético do CBD relata que assim como todo medicamento, o CBD extraído da cannabis
também produz efeitos adversos e possui um fator de risco que deve ser analisado de acordo
28

com o paciente e a doença a ser tratada. Em outras palavras, o uso medicinal da erva pode
causar riscos sim.

Outro fator de risco no uso medicinal da cannabis na forma de maconha e fumada, é a


proporção e concentração dos seus componentes, que como já abordado anteriormente, poderá
sofrer alterações significativas de acordo com a espécie, forma de cultivo e conservação,
clima, localidade e até mesmo pelas mutações e modificações genéticas realizadas pelo
homem.

Usos medicinais a parte, passamos a analisar os riscos do uso recreativo da maconha.


As maiores controvérsias que cercam o tema são os mitos e verdades, pois muitos utilizam
dos mitos para condenar a droga enquanto outros usam de verdades distorcidas para apoiarem
sua liberação.

O grande e maior mito ou verdade diz respeito da dependência ou não da droga,


muitos dos usuários dizem que a droga não causa dependência, alguns defensores da liberação
apontam como um mito alegando que a droga não causa dependência, porém, pesquisas
sugerem que cerca de 10% dos usuários de maconha se tornam dependentes, isso significa que
de cada 10 pessoas uma tem o risco de se tornar um dependente, e o número aumenta para
17% se o uso começa durante a adolescência. Há também os que apesar de não defenderem a
ausência de riscos de dependência, por certamente possuírem algum conhecimento sobre a
droga, minimizam os riscos, baseando-se no fator 1/10, que consideram baixo e motivaria a
liberação.

Dentre as verdades relatadas pela ciência está a que o consumo de maconha aumenta
em 4,8 vezes o risco de enfarto em pessoas com doenças cardiovasculares na hora seguinte ao
uso. Usuários regulares têm problemas de memorização e atenção, que podem ser
irreversíveis quando o uso começa na adolescência. O consumo da droga também está
associado com o câncer de testículos, e embora ainda haja poucos estudos, também há
indícios de que pode reduzir a fertilidade de homens e mulheres. Fator de risco para o
desenvolvimento de doenças psicóticas, aumenta em 2 vezes o risco de depressão e transtorno
bipolar, em 3,5 vezes o risco de esquizofrenia, especialmente na adolescência e 5 vezes mais
o de transtorno de ansiedade.

Entre os médicos e pesquisadores da cannabis é consenso que o uso recreativo durante


29

a adolescência e o inicio da vida adulta, pode causar problemas comportamentais e


neurológicos, que podem se tornar irreversíveis, conforme relatado acima, o risco de
dependência é maior quando se inicia o consumo durante a adolescência, isto porque, o córtex
pré frontal, relacionado, por exemplo, a comportamentos inibitórios, ainda não está
completamente maduro, enquanto o sistema de recompensa funciona como o de um adulto.

Fumar maconha trás sim diversos riscos à saúde, especialmente quando o uso se inicia
durante a adolescência. Os estudos científicos acerca dos riscos, assim como os do uso
medicinal, ainda precisam avançar muito. Certamente com a evolução de um o outro
consequentemente também evoluirá, mas as evidências de que o uso da maconha é mais
prejudicial na puberdade estão presentes em quase todos os estudos realizados acerca da
droga.

Combater a venda e o uso indevido da cannabis deveria ir muito além da tão protegida
saúde pública, pois deveria ser uma medida de proteção à criança e ao adolescente, que
certamente são os maiores prejudicados pelo consumo indevido da droga, colocando em risco
a saúde mental de nossas crianças e consequentemente o futuro do Estado brasileiro.

É certo que as medidas repressivas e educativas sobre drogas não tem dado os
resultados esperados, é necessário modernizar as medidas e mudar o foco da causa,
passaremos a estudar esta questão nos próximos capítulos.
30

3. O FRACASSO DA POLÍTICA INTERNACIONAL DE


COMBATE AS DROGAS

A primeira guerra internacional contra drogas talvez tenha sido a guerra do ópio,
substância entorpecente, altamente viciante, que acarreta em dependência química do
usuário.

Após a primeira Revolução Industrial, a Grã-Bretanha, considerada a potência mais


desenvolvida do mundo, bucava, cada vez mais, mercados maiores para seus produtos
industrializados. A China era um país que interessava muito para a Grã-Bretanha, por ser um
Estado com uma população bastante grande, ocorre que, a Inglaterra importava em grande
quantidade produtos como a seda, a porcelana e o chá, produzidos pelos chineses, por um
preço significativamente bom, enquanto a China, alvo do mercado industrial Europeu, não
demonstrava interesse algum por seus produtos e até criava barreiras para entrada de produtos
estrangeiros, o que acarretou em grandes défices a balança comercial britânica.

Havia, porém, um produto que aparentava despertar o interesse dos chineses, este
produto era o ópio. Visando o equilibrio em sua balança comercial e uma compensação
econômica, a Inglaterra passou a exportar ópio ilegalmente para a China, o consumo explodiu
em pouco tempo no país, causando diversos problemas sociais.

O governo chinês nunca viu com bons olhos essa troca imposta pelos ingleses e
constantemente tentou deter o problema. Em 1800 baixou o primeiro decreto proibindo o
consumo do ópio, o que nunca foi respeitado. Devemos frisar que o primeiro decreto imperial
proibia o consumo do ópio, ou seja, desde o ínicio tentavam solucionar o problema proibindo
o consumo.

Com o passar do tempo, a droga trazia, além dos reflexos sociais, reflexos
econômicos, chegou a representar metade das exportações britânicas para a China e refletiu
no preço da prata, que caiu ligeiramente por conta do pagamento da droga. Gravemente
ameaçada, a China baixou um novo decreto e tomou medidas, como a destruição de um
carregamento de ópio inglês.

Iniciou-se a Primeira Guerra do Ópio, ingleses invadiram e dominaram a China,


impondo a assinatura do tratado de Nanquim que dispunha sobre privilégios comerciais para
31

os ingleses e abertura do comércio internacional. Após 14 anos, por não respeitar algumas
cláusulas do Tratado de Nanquim, a Inglaterra se uniu a França e Irlanda para atacar a China
novamente, era a Segunda Guerra do Ópio, uma continuação da primeira e que teve como
derrotado, mais uma vez, o Estado chinês, que fora obrigado a assinar o Tratado de Tianjin,
que impunha que dez portos chineses deveriam estar abertos para o comércio internacional, a
liberdade de estrangeiros para viajar e fazer comércio na China e a legalização da importação
de ópio pelo país que perdurou por anos.

Daí pra frente, o consumo de ópio se espalhou pelo mundo viciando uma grande
parcela da população mundial, dando origem à primeira convenção internacional de combate
as drogas. Convocada pelos Estados Unidos, a Primeira Conferência Internacional de
Controle de Drogas contava com 13 nações e previa que os contratantes se esforçariam para
controlar a fabricação, importação, venda, distribuição e exportação de morfina, cocaína e
seus respectivos sais.

Em 1925, houve uma revisão da Convenção Internacional do Ópio em Genebra e


representantes do Brasil e Egito pediram a inclusão da Cannabis Sativa na “lista negra”. (
Super Interessante, A revolução da Maconha, p. 14, 2014)

Nos anos 70, os Estados Unidos declararam “Guerra às Drogas”, o consumo, cada vez
mais, foi definido um crime punido com cadeia.

Ronald Reagan, presidente dos Estados Unidos (1981-1989) dizia em seu


pronunciamento à mídia americana, “Na cruzada para livrar a América das drogas, o próximo
passo é aplicar a política de tolerância „zero‟ ao seu uso ilegal.” (Quebrando o Tabú, 2011)

Analisando o primeiro decreto imperial chinês, a política de drogas americana e o


pronunciamento de Reagan, percebemos que a política de combate as drogas teve como foco
principal o usuário. Talvez, por ser a parte mais fraca dessa guerra, acreditaram que proibir o
consumo e punir os consumidores fosse intimidá-los e previnir com que outras pessoas
consumissem drogas.

Ocorre que, um usuário frequente, muitas vezes já é um dependente e, por mais que
tema as forças do governo, sua vontade e sua dependência química é incontrolável, o que faz
com que desrespeitem qualquer norma ou imposição afim de satisfazer seu desejo
enlouquecedor.
32

A política internacional de drogas sempre foi baseada na repressão e na alienação


através do medo, porém essas técnicas não foram capazes de alcançar nem metade do objetivo
alcançado, acarretando num verdadeiro fracasso da política internacional de combate as
drogas.

Certamente, punir o usuário não ajuda em nada no controle do uso e no combate ao


tráfico de drogas, os resultados por si só já demonstra esta realidade, não sendo necessário
esforços para demonstrar este fato.

Por outro lado, muitos dos defensores da liberação geral, defendem suas teses
alegando que o proibicionismo está diretamente ligado a interesses econômicos de alguns
grupos que possuem fonte no tráfico, enquanto outros defendem que a liberação traria grandes
benefícios econômicos.

Analisando a história do ópio, a grande guerra ocorreu principalmente por interesses


econômicos, os britânicos inicialmente traficavam visando um equilibrio em sua balança
comercial, após algum período, os chineses proibiam, pois o consumo estaria causando além
de problemas sociais, prejuizos econômicos e à segurança do país, visto que, soldados da
força nacional estavam consumindo a droga. Enquanto um buscava aumentar seus lucros
através do tráfico, outro era prejudicado pelo consumo. Em certo momento da história a China
passou a produzir ópio, visando a diminuição dos prejuizos ecônomicos, mas recuou na
Convenção Internacional de Drogas, pois os prejuizos sociais e o impacto econômico
provenientes do uso eram muito maior.

É certo que, punir o usuário e tratá-lo como criminoso não ajudará em nada no
combate ao tráfico e uso de entorpecentes, mas, liberar o uso e produzir entorpecentes para
sua população consumir é repetir o que a China fez, forçadamente, na ocasião do ópio e
consequentemente um retrocesso e uma atitude de um Estado falído, que declarou a derrota e
reconhece que jamais conseguirá vencer essa batalha.

Ao invés de declarar a derrota e retroceder, devemos olhar para trás e reconhecemos


nossos erros, analisarmos a história, paramos e repensarmos em uma nova alternativa que
tenha como base principal a educação preventiva, a harmonia do Estado com a população,
principalmente a população dos suburbios que são aliados extremamente importantes nessa
batalha, para que possamos reformular a política de drogas, continuando a combater o
33

tráficante, mas previnindo para que nossas crianças e adolescentes não sejam abocanhados por
esse grupo. Se o mundo evoluiu tecnologicamente, se foram quebradas muitas barreiras que
impediam as comunicações e harmonia entre diversas nações, porque juntos não conseguimos
encontrar uma alternativa viável para a solução do problema, sem termos que aceitar a
imposição de tamanho mal?

A questão é complexa, os debates são fervorosos, a solução não é fácil, mas se até os
criminosos tem uma segunda chance de se reabilitar em diversos sistemas penais do mundo,
por que é que não nos damos uma segunda chance de encontrar uma nova solução para o
problema? Admitirmos que erramos ou que o que propussemos fracassou é preciso, porém,
aceitar que continue da forma que está, retroceder acreditando que vamos obter benefícios,
recuarmos ou não nos importamos é uma opção e, certamente, não é uma opção nem um
pouco inteligente e digna de um Estado falido.

3.1. A HOLANDA

Pioneira na regulamentação do uso recreativo da maconha, a Holanda desde os anos


70 permite o uso da droga nos chamados coffee shop, locais onde pessoas maiores de 18 anos
podem comprar e consumir maconha limitadamente.

Muitos defensores da legalização no Brasil usam a Holanda como um exemplo,


desses, a grande maioria defende a tese que a legalização diminui o tráfico, afasta os usuários
dos traficantes e consequentemente de outras drogas e diminui o poder do crime organizado,
porém, analizando o próprio exemplo de política de drogas admirado por essa corrente,
podemos obesrvar que nem tudo é da maneira teórica defendida.

Bob Keizer, Ex Chefe da Divisão Política de Drogas do Ministério da Saúde


Holândes, relata no documentário Quebrando o Tabú (2011) que entendem que é melhor
resolver metade do problema do que não resolver nada.

Isto quer dizer que, a política holandesa buscou a solução de parte de problema, pois
assim como todos temos consciência, resolver o problema como um todo é muito mais difícil.
34

Ocorre que, no mesmo documentário, o Chefe de Polícia Willian Kramer afirma que
apreensões de maconha são feitas diariamente na Holanda e uma cena que mostra uma
apreensão real, mostra nitidamente que as quantidades não são poucas.

Em uma conversa com o Ex Presidente Fernando Henrique cardoso, Paul Wilhelm,


Proprietário do Coffee Shop Dampking, na Holanda relata, “Se dividirmos meu coffe shop em
duas partes, teremos a „porta da frente‟, pela qual os fregueses entram e onde é possível
comprar 5 gramas de maconha por dia. Depois, há a „porta dos fundos‟, a parte ilegal da loja”
(Quebrando o Tabú, 2011).

Isto demonstra que, talvez a metade do problema não tenha sido resolvida, pois, se há
grande quantidade de apreenssão de maconha todos os dias, isso significa que há um mercado
para consumir essa maconha ilegal. De outro lado, se o estoque de maconha e o comércio é
limitado nos coffee shops holandeses, significa que o governo controla a compra e a venda
realizadas por estes estabelecimentos, que certamente recorrem a maconha ilegal, produzida
pelo mesmo traficante de antes, para obterem uma quantidade acima da permitida.

Assim sendo, devemos analisar friamente os resultados da política holandesa, que já


tem mais de 30 anos, para enxergarmos que, talvez, não seja a melhor política para aplicarmos
em nosso país. Devemos analisar também as diferenças holandesas e brasileiras no tocante a
educação, cultura, saúde e segurança pública, pois todos estes fatores são extremamente
relevantes quando colocamos em discussão um tema tão complexo quanto a liberação de
drogas.

3.2. A SUÉCIA

Opondo-se a política holandesa, a Suécia, em 1968, adotou através de uma legislação


restritiva, a política de “tolerância zero” às drogas. Desde 1993, a pena para o usuário é a
prisão, porém o mesmo pode escolher como alternativa o tratamento de reabilitação. Em
2011, durante audiência pública realizada no Brasil, a embaixadora suéca Anikka Markovic ,
afrima que o numero de dependentes químicos na Suécia caiu de 12% na década 1980 para
2% na década de 2011 (Agência Senado, 2011).
35

O sucesso da política suéca está relacionado à políticas integradas, com participação


da sociedade, orgãos governamentais, fiscalização aduaneira e medidas educativas, por
exemplo. As crianças e os jovens são os alvos principais das medidas preventivas instituidas
por esta política (Agência Senado, 2011).

O álcool e o tabaco são drogas legalizadas no país, mas segundo a embaixadora, há


campanhas permanentes para redução do consumo entre os jovens (Agência Senado, 2011).

O que muitos devem imaginar ao ter acesso a esta informação, é a respeito do sistema
carcerário suéco, talvez, muitos imaginem que seja parecido com o dos Estados Unidos, onde
usuários de drogas representam parte significativa da população carcerária, porém, em 2013 a
Suécia fechou quatro presídios por falta de condenados (o Globo, 2013), o que demonstra que
a proibição naquele país não possui relação nenhuma com o numero de detentos, apesar de o
uso de drogas ser considerado crime punido com cadeia ou medida alternativa.

Isto posto, fica visível que o sucesso da política de drogas suéca não está no ponto de
“tolerância zero” ou na repressão aos usuários, mas sim na política integrada de combate as
drogas, principalmente na proteção das fronteiras e nas medidas educativas que tem como
prioridade as crianças e adolescentes.

3.3. O URUGUAI

Primeiro país da América do Sul a regulamentar o uso da maconha, o Uruguai em


2014, mesmo com a opinião contra da maioria da população, aprovou uma lei que
regulamentou a venda, compra e consumo de maconha.

A lei uruguaia prevê que somente maiores de 18 anos, residentes no país e cadastrados
no Instituto de Regulação e Controle de Cannabis, poderão comprar a droga em farmácias
licenciadas, mediante apresentação da carterinha de cadastro, que não conterá dados do
comprador, limitadamente.

O uso da droga nunca foi criminalizado no país, a medida de regulamentação tem


como objetivo diminuir o poder do tráfico e as disputas do tráfico por pontos de drogas que
acarretaram em diversas execuções.
36

A regulamentação uruguaia é muito recente e ainda não há como analisar se tem um


resultado positivo ou não, porém, em entrevista para a revista Super Interessante (2014),
Alberto Costa, usuário de maconha afirmou que não pretende fumar maconha do governo,
pois não vai entrar numa “lista de maconheiros”, afirmando que o governo iria colocar isto em
sua carteira de identidade, referindo-se ao cadastro do governo.

Isto demonstra que, talvez, a proposta uruguaia de combater o poder do tráfico não
alcance os objetivos esperados, isto porque, no mundo moderno, os cidadãos, cada vez menos,
aceitam ser controlados pelo Estado, e a criação de cadastros para um controle de acesso,
evitando por exemplo o acesso de turistas e menores as drogas, aparenta aos demais como
uma forma de registrar e taxar os usuários para futuramente ter um controle sobre eles.

Há também a questão da limitação mensal de compra, assim como nos coffee shops
holandeses há uma parte ilegal, onde se mantém em estoque e é vendida quantidade maior que
a delimitada pelo governo, no Uruguai os usuários, mesmo que cadastrados na programa
estatal, se sentirem necessidades de consumirem uma quantidade maior da droga,
inevitavelmente, terão de recorrer ao tráfico para compra, após esgotar sua cota.

Não podemos deixar de levantar também a questão da concentração de THC,


certamente os tráficantes produzirão drogas com uma concentração maior, que trará um efeito
psicoativo maior e consequentemente atrairá os usuários. Sem descartar a hipótese de
destruição das plantações reguladas pelo governo e assaltos aos estabelecimentos cadastrados
para venda, gerando uma escassez do produto regulamentado.

Punir usuários certamente não é uma medida inteligente, mas pensar que vai conter o
tráfico e diminuir os problemas gerados pelo consumo de drogas através da regulação da
venda e consumo, talvez, seja mais ignorante do que impor medidas educativas e de
reabilitação de usuários.
37

4. A POLÍTICA NACIONAL DE COMBATE AS DROGAS

Seguindo a tendência mundial, o Brasil adotou a linha da criminalização do usuário de


drogas, tratando-o como um infrator da lei penal, coibindo o uso com pena de detenção.

O artigo 281 do Código Penal Brasileiro em seu inciso II, §3º, penalizava com
detenção de seis meses a dois anos aquele que utilizasse local, de que tinha a propriedade,
posse, administração ou vigilância, ou consentisse que outrem dele se utilizasse, ainda que a
título gratuito, para uso ou guarda ilegal de entorpecente.

Revogado pela lei 6368/76, a pena para o usuário não sofreu alteração, pois, o artigo
16 da referida lei penalizava com detenção de seis meses a dois anos aquele que adquirisse,
guardasse ou trouxesse consigo, para o uso próprio, substância entorpecente ou que determine
dependência física ou psíquica, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou
regulamentar.

É certo que as penas aplicadas aos usuários eram inferiores as penas aplicadas aos
traficantes, ocorre que, na prática, os usuários sempre foram mais coibidos que os traficantes,
sem contar com o preconceito que sofriam por grande parte da sociedade.

Com o passar dos anos e com o fracasso das políticas internacionais de drogas, os
usuários começaram a ser enxergados de maneira diferente, começou-se a reconhecer o
usuário como um doente e passou-se a tratar as drogas como um problema de saúde pública.

Na verdade, sempre houve consciência de que as drogas era um problema de saúde


pública, ocorre que, relacionaram os problemas de segurança pública com as drogas,
enfatizando-o de tal forma, que a sociedade passou a enxergar os usuários como potenciais
bandidos, deixando de lado o problema de saúde que o dependente sofria. Isso explica o
porque sempre houve um preconceito por grande parte da sociedade com os usuários de
drogas.

Com o advento da lei 11.343/2006, o usuário de drogas passou a ser tratado de forma
diferenciada, o artigo 28 da referida lei extinguiu a pena de detenção, sendo esta substituída
por penas de advertência, prestação de serviços à comunidade ou comparecimento a programa
ou curso educativo.
38

Não há dúvidas de que houve um afrouxamento, correto, da lei no tratamento aos


usuários de drogas, o que muito se discute é se ocorreu o abolitio criminis, ou seja, se ocorreu
ou não a descriminalização do plantio ou porte para uso ou do próprio uso de drogas.

Conforme o entendimento de Luiz Flávio Gomes (2006, p. 109), houve a


descriminalização da posse para o uso pessoal, tendo em vista o artigo 1º do Código Penal
Brasileiro, que caracteriza como crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou
detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa e
contravenção penal, a infração a que a lei comina, isoladamente, penas de prisão simples ou
de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

Por outro lado, o STF entende que a lei 11.343/06 não implicou abolitio criminis, pois
o delito de porte de entorpecente é crime de perigo presumido (STF, HC 102.940/ES, 1ªT.,
rel. Min. Dias Toffoli, j. 22 fev. 2011, Dje de 25 mai 2011).

Portanto, embora haja um afrouxamento da lei em relação aos usuários, o uso ou a


posse para consumo pessoal continuam sendo crimes, que não mais são punidos com penas de
detenção, mas com medidas sócio- educativas.

4.1. A LEI 11.343/06

A lei 11.343/06 de 23 de agosto de 2006 instituiu o Sistema Nacional de Políticas


Públicas sobre Drogas (SISNAD) e prescreveu medidas para prevenção do uso indevido,
atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, bem como, estabeleceu
normas para a repressão à produção não autorizada e ao tráfico ilícito de drogas e definiu
crimes, conforme dispõe o artigo 1º da referida.

No seu artigo 4º, a lei de tóxicos dispõe acerca dos princípios e objetivos do SISNAD
e assim os elenca:

Art. 4o São princípios do Sisnad:


I - o respeito aos direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente quanto à
sua autonomia e à sua liberdade;
II - o respeito à diversidade e às especificidades populacionais existentes;
III - a promoção dos valores éticos, culturais e de cidadania do povo brasileiro,
reconhecendo-os como fatores de proteção para o uso indevido de drogas e outros
comportamentos correlacionados;
IV - a promoção de consensos nacionais, de ampla participação social, para o
39

estabelecimento dos fundamentos e estratégias do Sisnad;


V - a promoção da responsabilidade compartilhada entre Estado e Sociedade,
reconhecendo a importância da participação social nas atividades do Sisnad;
VI - o reconhecimento da intersetorialidade dos fatores correlacionados com o uso
indevido de drogas, com a sua produção não autorizada e o seu tráfico ilícito;
VII - a integração das estratégias nacionais e internacionais de prevenção do uso
indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e de
repressão à sua produção não autorizada e ao seu tráfico ilícito;
VIII - a articulação com os órgãos do Ministério Público e dos Poderes Legislativo e
Judiciário visando à cooperação mútua nas atividades do Sisnad;
IX - a adoção de abordagem multidisciplinar que reconheça a interdependência e a
natureza complementar das atividades de prevenção do uso indevido, atenção e
reinserção social de usuários e dependentes de drogas, repressão da produção não
autorizada e do tráfico ilícito de drogas;
X - a observância do equilíbrio entre as atividades de prevenção do uso indevido,
atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas e de repressão à sua
produção não autorizada e ao seu tráfico ilícito, visando a garantir a estabilidade e o
bem-estar social;
XI - a observância às orientações e normas emanadas do Conselho Nacional
Antidrogas - Conad.

Como pode-se observar no inciso X, a lei 11.343/06, dispõe sobre a observância do


equilíbrio entre as atividades de prevenção do uso indevido e a de repressão, visando a
garantia da estabilidade e do bem-estar social.

O texto do referido artigo demonstra o avanço da legislação brasileira no combate ao


tráfico e prevenção ao uso de drogas, visto que, reconhece que para efetividade do combate ao
tráfico, é necessário a prevenção do uso que se dará pela conscientização e atenção e
reinserção social do usuário.

No tocante a política de prevenção, a Resolução n. 3, de 27 de outubro de 2005, do


CONAD (Conselho Nacional Antidrogas) dispõe que a efetiva prevenção é fruto do
comprometimento, da cooperação e da parceria entre os diferentes segmentos da sociedade
brasileira e dos órgãos governamentais, federal, estadual e municipal, fundamentada na
filosofia da “Responsabilidade Compartilhada”.

Dispõe ainda que a execução da política de drogas, no campo da prevenção, deve ser
descentralizada nos municípios, com o apoio dos Conselhos Estaduais de políticas públicas
sobre drogas e da sociedade civil organizada, adequada às peculiariedades locais e priorizando
as comunidades mais vulneráveis, identificadas por um diagnóstico. Para tanto, os municípios
devem ser incentivados a instituir, fortalecer e divulgar o seu Conselho Municipal sobre
Drogas.
40

Continua ainda dispondo que as ações preventivas devem ser planejadas e


direcionadas ao desenvolvimento humano, o incentivo à educação para a vida saudável,
acesso aos bens culturais, incluindo a prática de esportes, cultura, lazer, a socialização do
conhecimento sobre drogas com embasamento científico, o fomento do protagonismo juvenil,
da participação da família, da escola e da sociedade na multiplicação dessas ações.

Como pode-se observar, o sistema para a prevenção de drogas deve ser


descentralizado, com envolvimento de toda a sociedade e as autoridades públicas, sistema
muito semelhante ao sistema da proteção integral do Estatuto da Criança e do Adolescente,
isto porque, o que se busca é a proteção da saúde pública frente ao consumo de drogas, ou
seja, novamente se proteje um bem de gigantesco interesse frente a um problema de grande
complexibilidade, exigindo-se assim o envolvimento e capacitação de todos os segmentos da
sociedade para que, efetivamente, seja possível implementar uma política de prevenção que
traga resultados positivos.

Analisando a lei 11.343/06, é possível afirmar que o Brasil evoluiu bastante com
relação ao tratamento dos usuários de drogas e na política nacional de drogas, isto é claro,
normativamente falando, pois, na prática, não avançou significativamente e os problemas de
drogas continuam crescendo.

Assim como o Estatuto da Criança e do Adolescente, a nova lei de drogas também trás
um sistema bastante importante e em tese eficaz, ocorre que, a falta de conscientização da
sociedade acaba por não despertar interesse algum para a capacitação e mobilização social
para efetiva prevenção do problema.

É certo que, a falta de políticas públicas contribui bastante para que haja tamanha falta
de interesse, porém não seria correto afirmar que a nova política nacional de drogas fracassou,
pois na verdade ela não foi colocada em prática.

Não podemos aceitarmos o problema e essa realidade cruel de cabeça baixa, pois,
assim como a Suécia com suas políticas integradas obteve êxito na prevenção e combate ao
tráfico, porque o Brasil com toda grandeza que possuí não conseguiria colocar em prática suas
políticas integradas, já descritas na nova lei de drogas e até mesmo criar novas políticas,
prevenindo o uso, conscientizando e mobilizando a população e combatendo o verdadeiro
traficante, cortando o mal pela raiz?
41

Temos capacidade de bater de frente com o problema das drogas, sem utilizar somente
da força e repressão, pois isso seria persistir em um erro antigo e demonstraria ignorância.

Não podemos tratar as drogas como um problema de segurança como muitos


continuam tratanto.

Devemos colocar em prática as políticas integradas do Sistema Nacional de Drogas e


criarmos novas políticas, devemos mudar e mudar não significa permitir, mas sim optar por
estratégias que tragam um resultado melhor.

Se quisermos chegar em um novo lugar, deveremos trilhar um novo caminho.

4.2. O BEM JURÍDICO TUTELADO

O objeto jurídico tutelado no combate ao tráfico de drogas é a saúde pública. Para o


desembargador Anselmo Cerello, “o objetivo da lei é evitar o dano para a saúde que o uso de
drogas causa” (TJSC, Rev. 2.089, rel. Des. Anselmo Cerello, JC 61/279).

Por outro lado, Maria Lúcia Karam entende que o proibicionismo não protege a saúde
pública e sim a coloca em risco, conforme as escritas da autora:

[…] Na realidade, porém, a criminalização afeta essa mesma saúde pública,


provocando riscos e danos superiores aos eventualmente provocáveis pelos efeitos
primários das substâncias proibidas.
Impondo a clandestinidade à produção, à distribuição e ao consumo, o
proibicionismo criminalizador impede o controle de qualidade das substâncias
comercializadas, aumentando as possibilidade de adulteração, de impureza e de
desconhecimento de sua potência. (KARAM, 2009, p. 47-48).

Embora possa haver algum sentido no posicionamento da autora, não podemos


concordar com sua tese, pois, conforme demonstrado ao longo de nossa pesquisa, as drogas,
inclusive a maconha, podem causar diversos e sérios danos à saúde de quem as consome, não
importando a quantidade ou periodiocidade, pois há uma variação subjetiva, ou seja, o
organismo de cada indivíduo responderá de forma diferente a determinada quantidade ou
periodiocidade, podendo uma pequena quantidade acarretar em diversos males para um,
enquanto poderá não acarretar em grandes males para outro.
42

É difícil diagnosticar precocemente qual o indivíduo terá mais riscos ao utilizar


determinada droga antes que este a consuma, porém, quando se trata da maconha, conforme
demonstrado em nossos estudos, os menores têm um grau de risco mais elevados quando
consomem a droga.

A saúde é uma das bases mais importantes para o desenvolvimento não só do


indivíduo, mas também para o desenvolvimento pleno da sociedade, principalmente a saúde
psíquica.

Não podemos desprezar a tutela da saúde pública como se não fosse um objeto de
relevante importância a ser tutelado, principalmente quando o que está em risco é a saúde
psíquica de nossas crianças e adolescentes que são, sem sombra de dúvidas, os mais
importantes sujeitos para o futuro de uma nação justa, equilibrada e desenvolvida.
43

5. A LEGALIZAÇÃO DA MACONHA E A PROTEÇÃO À


CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

Após todo estudo realizado nas página anteriores, certamente, adquirimos uma
capacidade maior para o debate e analise da existência ou não de compatibilidade entre a
permissão legal do uso recreativo da maconha e a proteção da criança e do adolescente.

Não há dúvidas de que esse grupo seria o principail interessado a respeito do tema, isto
porque, de acordo com as pesquisas citadas anteriormente, os principais riscos do consumo da
droga é maior quando o uso é iniciado precocemente.

Por outro lado, de acordo com o princípio da prevalência dos direitos do menor, os
interesses desse grupo deverá sobrepor-se os interesses de terceiros.

O tema em discussão tem impacto gigante na sociedade e na situação social do


indivíduo, podendo refletir na saúde, educação e formação do cidadão, razão pela qual, o
princípio da prevalência dos direitos do menor deve ser aplicado integralmente no presente
debate.

Ocorre que, embora os interesses e direitos dos menores devam ser observados, os
debates até o presente momento não colocaram em evidência estes interesses e direitos,
preocupando-se apenas com os interesses gerais da sociedade e os gastos públicos realizados
até o presente, que não obtiveram resultados positivos, deixando de lado a preocupação com a
proteção à criança e ao adolescente.

Exemplo claro da inobservância dos interesses do menor, está na obra de Maria Lúcia
Karam que critica duramente o proibicionismo, defendendo entre outras teses a de que a
permissão da produção e consumo de drogas traria impacto positivo na economia brasileira e
seria uma fonte geradora de empregos, conforme a exposição da autora:

As drogas tornadas ilícitas são produzidas e comercializadas, como quaisquer outras


mercadorias, para atender a uma demanda formada por consumidores que, por uma
razão ou por outra, desejam adquirí-las, para delas fazer uso. As atividades
desenvolvidas na produção, na distribuição e no consumo dessas substâncias são
atividades econômicas, que, em sua essência, não são diferentes de quaisquer outras
atividades realizadas no mercado produtor, distribuidor e consumidor de bens e
serviços. (KARAM, 2009, pag. 35)
44

Com todo respeito ao entendimento da autora, não há como comparar a produção e


venda de drogas com o mercado produtor e distribuidor de bens e serviços, isto porque,
enquanto o mercado produtor de bens e serviços exploram uma demanda formada por
consumidores, o mercado de narcóticos exploram o vício, doença e incapacidade psíquica de
milhões de dependentes, enriquecendo-se ilícitamente por conta disto e causando diversos
prejuízos ao consumidor.

De acordo com a Teoria Geral dos Contratos, o contrato deve ser celebrado por
pessoas capazes e deverá atender a função social.

Seria possível considerar a exploração de um dependente um simples atendimento as


demandas do mercado e o consumidor de drogas pessoa de plena capacidade?

E a produção e distribuição de drogas, é possível afirmar que esta “fonte geradora de


rendas” estaria cumprindo uma função social?

Certamente não e não, se voltarmos no tempo e analisarmos a guerra do ópio, a droga


foi utilizada para equilíbrio da balança comercial, ou seja, foi utilizada para impactar
positivamente na economia, tanto dos ingleses quando começaram a traficá-la para a China,
quanto dos chineses que se viram forçados a produzi-la e comercializá-la para seu povo, para
diminuir os impactos da venda pela Inglaterra após a derrota das duas Guerras do Ópio.

A própria história demonstra que não seria possível que o comércio legal de drogas
impactasse positivamente na economia de um país, pois, embora haja possibilidade de gerar
lucros, os prejuízos sociais são bem maiores, podendo gerar cidadãos improdutivos e
aumentar o gasto com saúde pública significativamente, sendo irrelevante qualquer lucro
obtido com o comércio legal de drogas.

Se os dependentes não possuem qualquer capacidade na decisão do consumo ou não


de drogas, tendo em vista que são impulsionados pelo desejo de consumo e o vício, uma
criança ou um adolescente seria capaz de decidir se deve ou não consumir maconha?

Com toda a certeza, não há possibilidade nenhuma de um menor decidir com plena
capacidade se deve ou não consumir maconha, tendo em vista não somente a fase de
formação moral e mental, mas também o ensino público e a inexistência de medidas
preventivas eficazes em nosso país.
45

Por outro lado, haverá quem replique alegando que a droga seria liberada apenas para
o consumo adulto e que dessa forma não traria riscos aos menores, porém, se observarmos a
realidade do cotidiano, o álcool e o tabaco são drogas liberadas apenas para maiores de 18
anos, mas é muito comum vermos menores consumindo-as e comprando-as sem nenhum
problema.

Se não possuímos capacidade para fiscalizar a venda e distribuição do álcool e tabaco


será que teríamos a capacidade de fiscalizar a venda de maconha, restringindo o acesso dos
menores?

Devemos ouvir e analisar todas as teses e posicionamentos sobre a legalização do


consumo da maconha, devemos observar todos os princípios que os defensores da liberação se
apóiam, sem sombra de dúvidas, mas o mais necessário não está sendo levantado, pois, se em
todas as teses e posicionamentos forem observados os princípios do Estatuto da Criança e do
Adolescente, principalmente o princípio da prevalência dos direitos do menor, provavelmente
muitos mudarão seu ponto de vista ou abrirão espaço para enxergar pontos de vista diferentes.

Quando se inicia um debate buscando fundamentos que tutelam seu ponto de vista,
caminha-se para a conquista de seu pleito, mas, quando abrimos espaço para os fundamentos
que tutelam um interesse maior, caminhamos no sentido da justiça.

5.1. AS MEDIDAS DE PROTEÇÃO À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

A legislação voltada ao menor, anterior ao Estatuto da Criança e do Adolescente,


preocupava-se somente com o menor delinquente e com o menor abandonado, o chamado
menor em “situação irregular”, trazendo como principal solução do problema a internação do
mesmo.

Com a promulgação da nova Constituição Federal em 1988, a questão da infância e


juventude evoluiu e passou a ser tratada de outra maneira, prevendo-se uma série de direitos e
deveres relativos aos menores, dando origem posteriormente ao Estatuto da Criança e do
Adolescente, tendo como premissa principal, a proteção integral a todas as crianças e
adolescentes independente de estarem ou não na chamada “situação irregular”.
46

A nova legislação infanto-juvenil inovou ao dispor sobre a proteção aos menores,


passando a tratá-los como pessoas sujeitas de direitos especiais e reconhecendo a importância
de seu desenvolvimento pleno para o futuro da nação.

As medidas protetivas estão elencadas no artigo 101 do ECA que traz a seguinte
redação:

Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade
competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino
fundamental;
IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao
adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar
ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a
alcoólatras e toxicômanos;
VII - acolhimento institucional;
VIII - inclusão em programa de acolhimento familiar;
IX - colocação em família substituta

O artigo 98 por sua vez dispõe que as medidas de proteção à criança e ao adolescente
são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos no ECA forem ameaçados ou violados,
tanto por ação ou omissão do Estado ou da sociedade quanto por omissão ou abuso dos pais,
bem como em razão de determinada conduta praticada pelo menor.

A redação do artigo 101 trás algumas medidas de proteção à criança e ao adolescente,


porém, em seu capu,t abre-se a possibilidade da aplicação de medida diversa aquelas
elencadas, pois, sua redação dispõe que a autoridade competente poderá determinar dentre
outras medidas, as medidas naquele artigo elencadas. Primeiramente a redação trás o verbo
poderá no lugar de deverá, isto quer dizer que a aplicação da medida ficará a critério da
autoridade competente, sequentemente dispõe que poderá aplicar aquelas ou outras medidas,
que também será critério da autoridade competente, isto porque, deverá sempre observar o
princípio da prevalência dos direitos do menor. Isto quer dizer que, ao aplicar qualquer
medida protetiva ao menor, a autoridade competente deverá sempre observar a medida que
melhor atende os interesses do menor para seu desenvolvimento saudável e plena educação.

Dentre as medidas elencadas no artigo 101 do ECA, as que mais se relacionam com o
nosso estudo são as presentes nos incisos I, II e VI.
47

O inciso I dispõe sobre o encaminhamento aos pais ou responsável, coincidência ou


não, ocorre que no decorrer do desenvolvimento deste estudo, o autor do presente, em
discussão com um policial militar que prestava atendimento a uma determinada ocorrência no
qual estaria envolvido um dependente químico, após exposição do PM de que o problema de
drogas era um problema no qual a família do dependente deveria buscar solução, o autor
expôs o fato de há algum tempo atrás, quando a PM surpreendia um menor fumando
maconha, encaminhava aos pais e os comunicava o fato, o que poderia motivar uma ação dos
pais do menor que poderia prevenir a continuação do uso pelo menor e o envolvimento do
mesmo com outras drogas, mas que, nos dias atuais, a PM quando surpreende um menor
fumando maconha, muitas vezes finge que não viu ou o aborda e dá uns tapas, achando que
tem direito de tomar tal atitude. O policial por sua vez replicou alegando que cumpre o que
estabelece a lei e que a lei não dispõe que deve encaminhar o menor para os pais. Indagado
sobre o que dispõe a lei, respondeu que a lei determina que deve encaminhar o menor para a
delegacia. O autor indagou então o porque não cumprem essa determinação, se é por medo do
delegado que não quer atender uma ocorrência de usuário de drogas e que poderia tratá-lo de
maneira inadequada e se por este motivo deixava de cumprir o que estabelece a lei. O PM
calou-se.

O presente fato demonstra não somente a falta de respeito que ocorre diariamente entre
a polícia militar e civil do Estado de São Paulo, mas também o total despreparo da polícia
militar, desconhecimento da lei, principalmente no que dispõe sobre os direitos do menor.

Ora se a polícia militar que é tratada como policia preventiva desconhece a legislação
infanto-juvenil e seus principais princípios, não podemos cobrar o conhecimento de qualquer
cidadão e consequentemente não conseguiremos jamais aplicar o princípio da proteção
integral e da prevenção geral, que somente ocorrerá com a integração da sociedade, Estado e
instituições públicas e privadas.

A medida posta pelo inciso I, é medida protetiva e deveria sim ser aplicada no caso do
menor surpreendido pela polícia militar fumando maconha, pois possibilitaria uma ação dos
pais ou responsáveis para prevenção do uso da droga pelo menor e consequentemente
protegê-lo-ia de uma possível dependência ou dano causado pelo consumo da droga.

O inciso II dispõe sobre a orientação, apoio e acompanhamento temporários.


Surpreendido o menor fumando maconha, se a polícia militar o encaminhasse para o delegado
48

de polícia e este o encaminhasse aos pais e comunicasse as autoridades competentes ou os


órgãos responsáveis, poderia estes verificar o envolvimento do menor com a droga e orientar
os pais e o menor, dar o apoio necessário e acompanhá-lo temporariamente para prevenir o
uso da droga.

Ocorre que, na prática, o inciso II é aplicado com maior frequência no caso do menor
infrator, quando não é aplicada uma medida socioeducativa, determinando o juiz o
encaminhamento do menor para os pais ou responsáveis e a orientação, apoio e
acompanhamento pelos órgãos competentes, quando aplicada a liberdade assistida.

Isto demonstra que, apesar da inovação da legislação infanto-juvenil, o Estatuto da


Criança e do Adolescente ainda continua em sua maior parte sendo aplicado nos chamados
“menores em situação irregular”.

No tocante ao inciso VI que dispõe sobre a inclusão em programa de orientação e


tratamento a alcoólatras e toxicômanos, novamente estamos diante de uma medida aplicada a
um menor em situação irregular, pois, a determinação para inclusão em programa de
orientação e tratamento, muitas vezes ocorre apenas nos casos em que o menor já é
considerado um dependente.

Conforme podemos analisarmos, embora haja uma grande evolução na legislação e no


tratamento dos menores, a prevenção geral e a proteção integral ainda não é efetivamente
aplicada em sua totalidade, sendo aplicada a legislação infanto-juvenil principalmente nos
casos de menor em situação irregular e nos litígios envolvendo interesses de determinados
menores.

5.2. A ADOLESCÊNCIA E O USO DE DROGAS

Não é preciso pesquisar relatórios da ONU ou qualquer outra pesquisa para sabermos
que o consumo de drogas entre adolescentes vem crescendo a cada dia.

Quem mora ou frequenta a periferia consegue enxergar esse cenário diariamente, na


verdade, não é preciso nem frequentar a zona periférica, em todo bairro há praças ou certos
logradouros onde é comum o uso de drogas publicamente, principalmente o uso de maconha,
49

basta passar por estes locais para verificar que a maior parte das pessoas que fumam maconha
nestes locais são adolescentes.

Quem tem um convívio próximo dos mais jovens enxerga ainda mais esta realidade.
Com a evolução das redes sociais, é muito comum nos grupos do Whatsapp onde contém
muitos jovens, postagem de fotos com cigarro de maconha na mão, fumando maconha ou até
mesmo da própria droga prensada.

Nos dias atuais, o consumo de maconha está se tornando algo muito comum entre os
adolescentes e muitos até se vangloriam em suas postagens consumindo ou preparando a
droga, como se isso trouxesse algum glamour ou status.

Assim como o álcool, a maconha está se popularizando cada vez mais entre os jovens
trazendo um sério risco para a saúde mental de nossas crianças e adolescentes.

Ademais o envolvimento do menor com as drogas podem estar relacionados com a


delinquência juvenil. Conforme o artigo publicado no caderno de saúde pública da Biblioteca
Digital da Produção Intelectual da USP, “o álcool, o tabaco e a maconha são as drogas mais
usadas pelos adolescentes, mas a associação com relação ao comportamento delinquente pode
ser mais forte para o uso da maconha que para o uso do álcool ou tabaco” (MARTINS, 2008,
p. 1113).

O mesmo artigo faz a seguinte conclusão:

Com base nos estudos apresentados neste trabalho, conclui-se que, “é expressivo o
número de adolescentes que se envolvem com comportamentos de risco, como uso de drogas
e a prática de infrações, razão pela qual é indispensável a criação de programas preventivos
direcionados especificamente para os adolescentes” (MARTINS, 2008, p. 1.114).

Podemos analisar, segundo o estudo, que o risco de adolescentes se envolverem com


as drogas é bem expressivo, isto porque, os adolescentes estão com seu cérebro em formação,
enquanto o sistema de recompensas funcionam como o de um adulto, por outro lado, os
comportamentos de risco podem gerar bastante adrenalina e prazer, isto explica o porque é
expressivo o numero de adolescentes que se envolvem com comportamentos de risco.
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Se fizermos uma pesquisa entre os usuários de drogas, indagando qual a idade que
usou a primeira droga, é possível de antemão afirmar que a grande maioria iniciou o uso na
infância ou juventude, esta afirmativa é embasada na convivência com uma juventude usuária
de drogas e uma centena de usuários adultos que indagados, informalmente, todos declararam
iniciar o consumo de determinada droga na infância ou juventude.

Acerca do assunto, uma pesquisa realizada com internos da FEBEM, de 13 a 20 anos


de idade revela que 96,7% dos 147 entrevistados já haviam experimentado maconha e a idade
mínima do primeiro uso foi de 7 anos de idade e a máxima 17 anos. (MARTINS, 2008,
p.1.116)

Isto demonstra que os menores estão mais vulneráveis ao primeiro consumo de drogas
do que os maiores que já possuem seu cérebro completamente desenvolvidos e possuem
maior poder de decisão.

Isto posto, toda e qualquer política de prevenção ao uso de drogas deve ser direcionada
principalmente aos menores, pois estes, além de serem a parte mais vulnerável da sociedade e
possuidores de direitos especiais, estão em condição de risco muito maior que os demais
quanto ao primeiro consumo de drogas.

5.3. A ACESSIBILIDADE DOS MENORES AS DROGAS

No contemporâneo cenário nacional, muitas vezes não é mais preciso chegar até os
traficantes para ter acesso as drogas, isto porque, no cenário atual, existe a figura do
microtraficante, que é aquele que trafica uma pequena quantidade de drogas para conseguir
financiar o próprio consumo. O microtraficante está presente em todo e qualquer lugar da
cidade, nas escolas, praças, campos, parques e muitas vezes são muito próximos dos
adolescentes.

Antigamente era necessário buscar a droga nos pontos de venda mantidos pelos
traficantes, as chamadas “biqueiras”, atualmente, o adolescente consegue comprar a droga na
mão de outro usuário que a vende por um preço maior ou pelo mesmo preço em uma
quantidade menor, dentro da escola que estuda ou até mesmo em seu domicílio, sem ter a
necessidade de adentrar em uma favela por exemplo.
51

Isso facilitou muito o acesso dos menores às drogas, pois, muitos antes não as
compravam porque tinham certo receio de entrar em favelas ou locais do subúrbio para
adquirí-las.

Por outro lado, a expansão dos bailes funks de rua, além de motivarem cada vez mais
os menores a consumir drogas e terem atitudes delinquentes, aproximam cada vez mais os
jovens com as drogas e com os locais de venda dos entorpecentes, isto porque, a maioria dos
chamados “pancadão” ou “fluxo”, nome dado aos bailes funk de rua, ocorrem principalmente
próximo as periferias e aos locais de venda de drogas, pois, nestes locais, a autuação da
polícia é menos frequente.

Em alguns lugares de São Paulo, os “fluxos” ocorrem livremente ao ar livre, com


carros emitindo sons exageradamente altos, com interrupção do trânsito local, consumo de
álcool, maconha, inalantes e outras drogas, sem quaisquer restrições ou censuras, perturbando
o sossego de toda a comunidade que, muitas vezes, se silencia com medo da repressão do
narcotráfico que ganha muito com a venda de drogas nestes eventos.

Há também relatos de que a polícia tem um acordo com o narcotráfico para deixar o
baile rolar a noite toda, sendo ineficaz qualquer reclamação da comunidade, pois a polícia não
atende os chamados e denúncias e não intervêm, por conta do acordo.

Atualmente é muito comum também a realização de eventos, disfarçados de festas


particulares, onde os organizadores, para aumentarem seu lucro, vendem ou permitem que um
terceiro venda drogas dentro do evento, mediante o pagamento de uma porcentagem.

Como podemos observarmos, a acessibilidade dos menores as drogas é muito maior


atualmente que no passado. Nos dias de hoje, o menor tem muito mais acesso as drogas no dia
a dia do que qualquer pessoa maior, isto porque, enquanto muitos adultos estão trabalhando o
dia todo e descansando durante a noite nos dias da semana, os menores estão na escola onde
há muita droga, nos parques, praças, quadras de futebol, na rua e em diversos outros locais
onde há drogas todos os dias e nos finais de semana estão nas festas ou “fluxos” onde o
acesso e a quantidade de drogas são muito maiores.

Há muitos adultos que por trabalharem muito e não terem tempo de enxergarem a
realidade desse novo cenário, não fazem nem ideia do que acontece nas ruas, escolas, parques
etc. Alguns não sabem que seus filhos frequentam “pancadões” ou “fluxos”. Muitos não
52

sabem sequer da existência desses locais, frequentados não apenas por pessoas de classe
social mais baixa, mas também por muitas pessoas da classe alta.

A triste verdade é que, assim como o consumo de drogas cresce na população infanto-
juvenil, o acesso ao comércio de drogas também cresce de forma expressiva a cada dia.

5.4. O COMBATE AO TRÁFICO ILÍCITO DE DROGAS VISANDO A


PROTEÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Conforme observamos anteriormente, o grupo mais vulnerável ao uso de drogas são os


menores, assim sendo, devemos deixar de lado o ultrapassado tratamento das drogas como
exclusivo problema de segurança pública.

É certo que parte do problema deve, certamente, ser combatido por agentes de
segurança pública, e esse problema sem sombras de dúvida é o combate ao narcotráfico com
uma ênfase maior ao grande traficante e não aos microtraficantes como é feito nos dias atuais.

Para que esse combate seja eficaz de fato, é preciso combater a corrupção policial, que
não é segredo para ninguém que ela existe e é muito maior do que os telejornais brasileiros
acreditam ou fingem acreditar que seja.

Uma medida que poderia ser muito eficaz para o combate a corrupção policial seria o
monitoramento do trabalho policial através de câmeras e microcâmaras instaladas nas viaturas
oficiais e no fardamento do agente, gravadores de voz e a utilização de toda tecnologia
disponível. Além de combater a corrupção policial, esta medida diminuiria os abusos
cometidos pelas autoridades e geraria provas materiais inequívocas para a instrução de um
processo penal mais justo, diminuindo os casos de flagrante forjado, muito comum nos dias
atuais.

Ademais, ao ser fiscalizado, o policial trataria melhor o cidadão de bem e diminuiria


significativamente a rejeição da população com relação a polícia, aumentando o nível de
confiança para com os mesmos.

Sem dúvidas, o passo inicial para o combate ao grande traficante deve começar com o
combate a corrupção policial e dos agentes de fronteira.
53

Por outro lado, um grande aliado ao combate ao tráfico seria a diminuição significativa
do consumo, talvez por este motivo utilizaram-se da política de combate ao uso em todo o
mundo. A diminuição do consumo seria a mais eficaz forma de combate, pois, se não há
consumo, não haverá lucros e nem verbas para investimento e estruturação da rede de tráfico,
porém, o uso não deve ser combatido e sim prevenido.

Com o advento da lei 11.343/06, o Brasil evoluiu bastante na previsão legal da


prevenção ao uso, criando órgãos e medidas específicas para a diminuição do uso.

A nova lei de drogas e uma série de leis e decretos derivados dela estabelecem
medidas preventivas como capacitação dos educadores para detectarem e saber como agir
diante do problema com drogas, orientação escolar nos três níveis de ensino, manter nos
estabelecimentos de ensino serviços de apoio, orientação e supervisão de professores e alunos,
dentre outras.

É possível afirmar que o Brasil possui um plano de política integrada no combate ao


tráfico e prevenção ao uso de drogas, tendo em vista que há previsão legal destas políticas
integradas. Ocorre porém, que estas políticas não funcionam da forma como deveria e os
motivos são muito claros, primeiramente é preciso combater a corrupção como já citado
acima, secundariamente é necessário conscientizar a população de que a participação de todos
é extremamente necessária para que este grande objetivo seja atingido.

Conscientizar a população não basta, é preciso fazer funcionar o sistema de prevenção


que deverá ser impulsionado pelo Estado, é preciso investir na capacitação constante de toda a
cadeia desse sistema preventivo. É necessário campanhas de conscientização, sem ter como
objetivo despertar o medo das pessoas para não usarem drogas como é feito nas campanhas
atuais, é necessário disseminar o conhecimento, repassar a verdade das drogas para a
população, demonstrar que ela possui um lado muito ruim, mas que pode possuir um lado
atrativo e muito prazeroso para o ser humano, porém, este prazer poderá trazer consequências
muito grave.

Conforme conclusão do artigo publicado no Caderno de Saúde Pública da Biblioteca


Digital da Produção Intelectual da USP, sugere-se que os principais fatores de risco para o
envolvimento dos adolescentes com o uso de drogas e a prática de infrações talvez sejam a
54

relação com os pais, influência do grupo e o nível de escolaridade (MARTINS, 2008, pag.
1119).

Quando falamos em nível escolar, todos terão a visão de nível fundamental, médio e
superior, porém, se analisarmos com um ponto de vista diferente, podemos concluir que
quando falamos em nível escolar, estamos referindo ao grau de educação do sujeito, ou seja, o
nível de educação e conhecimento que o indivíduo possui, isto quer dizer que, segundo a
pesquisa sugere, aqueles que possuem um conhecimento menor, possui um maior risco de
usar drogas.

Isto posto, não trará resultados campanhas de prevenção que desperta o medo do
indivíduo para evitar que consuma drogas, é necessário um alto grau de instrução com relação
as drogas, fazendo com que o indivíduo enxergue que por mais que a droga tenha um lado
prazeroso, ela possui um lado destruidor que poderá arruinar sua vida em um longo prazo e
não de imediato. É preciso conscientizá-lo de que todos que consomem drogas correm o risco
de dependência e todos os demais riscos que as drogas podem causar.

Finalmente, é necessário conscientizar a população de que um usuário de drogas não é


necessariamente um criminoso, é preciso derrubar o preconceito existente para com o usuário
de drogas para possibilitá-lo a procurar ajuda e para que a própria população o ajude ou
oriente-o a procurar ajuda.

É extremamente necessário conscientizar a população de que parte da fiscalização da


venda de drogas é obrigação do cidadão, pois, por mais que o traficante seja um conhecido da
comunidade ou alguém que ajude a comunidade, ele não faz isso por acaso, mas sim para
conquistar a simpatia de todos e evitar que o denunciem, porém, se o filho menor do cidadão
começar a consumir drogas e for comprá-la com o traficante, ele não deixará de vendê-las,
pois o objetivo dele é obter muito lucro e se, o filho do cidadão comprar drogas e não pagá-
las, ou fizer algo de errado na comunidade para poder consumir a droga, o traficante não
hesitará em executá-lo.

O combate ao tráfico também é medida de prevenção ao uso, pois, quanto menor for a
acessibilidade dos menores às drogas, certamente menor será o consumo.
55

Dessarte, se todos visarem o combate do tráfico como medida de proteção à criança e


ao adolescente, certamente, o envolvimento de toda população será muito maior do que ocorre
nos dias atuais e os resultados poderão ser muito mais favoráveis.

5.5. A NÃO LEGALIZAÇÃO DO USO RECREATIVO DA MACONHA


VISANDO A PROTEÇÃO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

Após todo estudo realizado, entraremos no foco principal de nossa pesquisa.


Inicialmente abordaremos as principais justificativas de algumas defesas da liberação do uso
recreativo da maconha para confrontá-las e demonstrarmos o porque elas não devem
prosperar.

A primeira e maior justificativa é na verdade um questionamento: se o álcool que trás


maiores riscos e prejuízos é liberado, porque a maconha que trás prejuízos maiores é
proibida? Preconceito?

Por outro lado, há a justificativa que a proibição é o fato gerador da violência e que a
liberação da venda e do uso recreativo da maconha diminuiria o poder dos traficantes e
afastaria os usuários de outras drogas com maior potencial ofensivo.

Por fim, um grande posicionamento de defesa é de que o cidadão é livre para fazer o
que bem entender, desde que, não prejudique terceiros e dessa maneira, deve ser invocado o
princípio da intervenção mínima para tornar ilegítima a ação do Estado na proibição do
consumo da maconha.

Ao confrontarmos o questionamento acerca da liberação do álcool e proibição da


maconha, podemos afirmar que houve, talvez, um erro na liberação da venda do álcool,
porém, um erro não pode justificar o outro e conforme as palavras de Içami Tiba, “A maconha
não é pior nem melhor que outras drogas. Ela é apenas diferente” (2007, pág. 43).

Isto posto, cada droga possuí sua peculiaridade, não importando se é lícita ou não, o
certo é que cada droga agirá de maneira diferente em cada individuo que a consumir, podendo
a maconha trazer mais danos para um, enquanto o álcool trás mais danos para outro.
56

Muitos entendem que a liberação da maconha seria um grande avanço, mas, talvez, a
restrição ao álcool seria um avanço muito maior. Talvez, não seria retrocesso algum iniciar
uma conscientização e tratamentos para a diminuição do consumo do álcool e uma restrição
rígida para a venda e, futuramente, dependendo do impacto da política preventiva, porque
não, proibir de vez a venda de bebidas alcoólicas ou restringir o teor alcoólico das bebidas
permitidas.

Não devemos comparar algum ruim com algo pior para justificarmos qualquer tipo de
defesa, devemos pensar a frente, devemos eliminar o pior sem ter que substituí-lo pelo ruim.
Por que ao invés de nos preocuparmos em defender o ruim porque existe o pior, não nos
preocupamos em eliminar o pior para que o melhor entre em seu lugar?

No tocante ao proibicionismo ser o grande gerador da violência, não podemos fechar


os olhos e dizer que não há uma relação entre um e outro, porém, a violência é fruto de uma
parcela de indivíduos que querem tirar vantagens sobre condições indesejadas pelos cidadãos,
como a dependência por exemplo, e não aceitam que o Estado intervenha em seu negócio e
diminua os lucros almejados. O que gera a violência não é o proibicionismo, mas o
narcotráfico em si.

Se formos pelo ponto de vista de que o proibicionismo gera a violência, então se o


roubo não for tipificado como crime acabaríamos com a violência, pois os bandidos
assaltariam apenas os que tem maior condição financeira, estes não reagiriam, não acionariam
as autoridades, não haveria troca de tiros e ninguém morreria.

Mas ai vai ter quem diga que o assalto é um crime de violência por si só, mas e o
tráfico? A destruição do usuário e a desestabilidade que a droga gera na família dos
consumidores? Por outro lado também, o furto não é um crime de violência, mas trás
prejuízos financeiros, por isso deve ser proibido enquanto tráfico que só gera prejuízos à
saúde do usuário, à relação familiar, à relação deste com a sociedade não deveria ser proibido
porque gera violência?

Essa inversão de valores criadas pela sociedade moderna visa apenas a proteção
financeira desvalorizando a proteção de outros bens essenciais como a saúde por exemplo.

Ilusão seria pensar que a liberação do uso recreativo da maconha diminuiria o poder
do narcotráfico, pois, assim como os exemplos da Holanda e do Uruguai, a venda ilegal
57

continuaria ocorrendo, os usuários talvez prefiram comprar a droga do traficante do que a do


governo e o traficante poderá modificar a droga, aumentando a concentração de THC por
exemplo, ou fazendo uma mistura com uma outra droga para atrair o usuário, afinal de contas,
o grande sucesso de um negócio está em seu diferencial.

Por outro lado, o traficante não vende exclusivamente a maconha, ele vende diversas
outras drogas e por mais que a liberação diminuísse seu lucro, não seria uma diminuição
significativa que impactaria na diminuição de seu poder. Além do mais, ao ver a diminuição
do lucro, o traficante poderia migrar para outros crimes para complementar seus ganhos.

Outra ilusão seria a de que liberar a maconha afastaria os usuários de outras drogas
com maior potencial ofensivo, pois o afastaria do traficante. Como já abordado nos capítulos
anteriores, nos dias de hoje, qualquer droga é acessível em qualquer lugar, principalmente nos
locais de diversão e lazer, não sendo necessário que qualquer pessoa vá até um ponto de droga
de um traficante para obtê-lá.

Esta idéia poderia até funcionar há alguns anos atrás, quando para comprar maconha
era necessário ir até as chamadas “biqueiras”, nos dias atuais, não haveria possibilidade
alguma de prevenir o uso de outras drogas liberando a maconha para afastar os usuários do
traficante.

Quanto a liberdade do cidadão para fazer o que bem entender, desde que não
prejudique ou não coloque em risco o direito de terceiros, tendo em vista que, o envolvimento
dos menores com drogas é cada dia maior, não podemos, de qualquer forma, afirmar que uma
criança ou um adolescente tem plena capacidade de decidir se deve ou não fumar maconha,
até porque, conforme demonstra as pesquisas sobre a cannabis, o uso precoce aumenta os
riscos, inclusive o de dependência, podendo causar danos irreversíveis.

Isto posto, é possível invocar o princípio da intervenção mínima para não punir
penalmente os usuários da maconha, mas não para liberar o uso livre, pois, quando a droga é
usada por menores, estes não tem plena capacidade de decidir se deve ou não usá-la.

Por outro lado, além de nem todos adultos terem capacidade de decidir se deve ou não
usar maconha, tendo em vista o grau de dependência que cada indivíduo pode ter, o consumo
de maconha em locais públicos poderá estimular e incentivar que uma criança ou um
adolescente venha usar a droga, isto porque, ao ver um adulto fumar maconha ao ar livre, o
58

menor enxergará aquilo como algo comum e poderá por como uma restrição ao uso apenas a
maioridade, assim como acontece com o álcool e, consequentemente, quebrará a barreira da
maioridade quando se achar preparado para decidir sozinho o que pode fazer, mesmo não
tendo ainda essa capacidade, e consumirá a droga precocemente.

Acerca do tráfico de drogas, a conduta coloca sim em risco um interesse de grande


valor social que é a saúde pública, principalmente a saúde de nossas crianças, sendo
impossível invocar o princípio da intervenção mínima para esta conduta.

Partindo-se da premissa que o consumo de maconha está crescendo entre os jovens e


que o uso precoce da droga aumenta o perigo de danos, levando-se em consideração o
princípio da proteção integral e da prevalência dos direitos do menor, a maconha não deve ser
legalizada, visando a proteção da criança e do adolescente.

Conforme dispõe o Sistema Nacional de Políticas Públicas de Drogas as políticas para


prevenção do consumo e combate as drogas devem ser integradas e descentralizadas
envolvendo toda a sociedade, Estado e instituições públicas e privadas.

O Estatuto da Criança e do Adolescente por sua vez, dispõe que é dever de todos zelar
pelos direitos do menor e pela prevenção dos riscos, criando um sistema descentralizado e
integrado para a concretização dos objetivos ali postos.

Como podemos observar, tanto o sistema de prevenção do uso e combate ao tráfico de


drogas, quanto o sistema de proteção dos direitos do menor e prevenção dos riscos,
reconhecem a complexibilidade da efetivação dos objetivos almejados e dessa maneira,
criaram sistemas descentralizados, contando com o envolvimento e a participação de toda
sociedade.

De acordo com a realidade atual, estes sistemas não funcionam da maneira esperada,
pois não foram colocados em prática por falta de iniciativa do Estado. É certo que são
objetivos de grande complexibilidade e exige o envolvimento de todos, porém, cabe ao Estado
conscientizar sobre a importância da participação de todos, bem como, a capacitação dos
envolvidos para que cada um possa realmente contribuir de maneira significativa.

Já que os dois sistemas não foram postos em prática de forma plena e devem ser
colocados para que haja resultados positivos, talvez, seria mais proveitoso integrar as duas
59

políticas descentralizadas, inicialmente conscientizando a sociedade da importância de zelar


pelos direitos e interesses dos menores e da importância do envolvimento de todos no
combate ao tráfico e prevenção ao uso de drogas, levando-se em conta o envolvimento dos
menores com as drogas, para dar um foco principal no combate ao tráfico e prevenção ao uso
como medida protetiva à criança e ao adolescente.

Certamente além de mais proveitoso, este plano traria um gasto menor aos cofres
públicos tendo em vista que integraríamos dois sistemas em um, gerando uma ação para duas
prevenções.

Por outro lado, há uma necessidade de conscientizar os que já são usuários de drogas
que não é legal consumir drogas em locais públicos, pois poderiam incentivar os menores a
consumi-las, criando uma multa pecuniária para aqueles que forem surpreendidos consumindo
drogas em locais públicos, revertendo os valores arrecadados para a política integrada de
proteção aos menores e prevenção do uso de drogas.

Enxergar a prevenção do consumo de drogas como medida protetiva ao menor é


efetivamente reduzir o consumo e futuramente diminuir significativamente esse problema que
tantos males trás à nossa nação.
60

CONCLUSÃO

A legalização do uso recreativo da maconha não tem qualquer compatibilidade com a


proteção à criança e ao adolescente, pois, o consumo precoce da droga aumenta os riscos
provocados por ela, conforme consenso entre médicos de diversas especialidade e cientistas
pesquisadores da droga, podendo causar danos irreversíveis quando consumida durante a
menoridade.

Por outro lado, além de ser a droga ilícita mais consumida no Brasil, o consumo da
erva está crescendo significativamente entre os menores.

Conforme os princípios da proteção integral e da prevenção geral, é dever de todos,


sem exceção, a proteção dos direitos da criança e do adolescente, visando a efetivação das
garantias necessárias ao desenvolvimento humano e digno e a prevenção da violação dos
direitos fundamentais dos menores.

Isto posto, a legalização da maconha acabaria por colocar ainda mais em risco a
população infanto-juvenil, tendo em vista que abriria um mercado legal da droga, que
facilitaria ainda mais o alcance dos menores a ela.

A inversão de valores criadas pela atual sociedade faz com que, cada dia mais, nossos
menores deixem de desenvolver valores morais e éticos, o que culmina na formação de
indivíduos materialistas e, de alguma forma, desumanos.

A sociedade que possui dever de zelar pelos direitos inerentes aos menores e observar
os princípios fundamentais que os guiam, desrespeita muitos desses direitos e, enquanto tem o
dever de prevenir, acaba por colocar mais em risco ou incentivar os menores a cometerem
condutas de risco.

As crianças e adolescentes do Brasil encontram-se desamparados em grande parte de


seus direitos, pois, o sistema de proteção integral não funciona com a plenitude que deveria
por falta de envolvimento e conscientização da sociedade em geral.

Por outro lado, o sistema de prevenção de drogas, que deve ser descentralizado,
contando com o envolvimento de todos, assim como o sistema de proteção integral do ECA,
61

não funciona da forma que deveria por falta de ações públicas para conscientizar e incentivar
o envolvimento de toda sociedade e de instituições públicas e privadas.

No tocante as liberdades individuais, a proibição do consumo e do tráfico de drogas


tutela a saúde pública que, em que pese seja um bem muito desvalorizado por muitos que
defendem a liberação, é um bem de extrema importância e de enorme relevância,
principalmente quando se coloca em risco a saúde psíquica que poderá acarretar em diversos
outros danos para toda a saúde do indivíduo.

Uma sociedade livre, justa e solidária só poderá ser construída através de cidadãos
saudáveis e desenvolvidos.

Isto posto, apesar da existência do importante e necessário princípio da intervenção


mínima, o tráfico de drogas por ofender um bem jurídico relevante merece a intervenção
penal positivada na lei 11.343/06, bem como, os usuários são merecedores das atenções que a
referida lei dispõe.

Acerca da planta Cannabis, esta possui efeitos medicinais em algumas de suas mais de
400 substâncias que deveriam ser isoladas e pesquisadas para manipulação de medicamentos
específicos e necessários, sem contanto, liberar o uso recreativo da maconha.

Assim sendo, a legalização do uso recreativo da maconha não deve ocorrer, visando
principalmente a proteção da criança e do adolescente, pois, são os mais prejudicados com o
consumo da droga, devendo ser aplicado o princípio da prevalência dos interesses do menor,
revendo-se as permissões para pesquisa para o uso medicinal da droga, orientando-se a
isolação de cada substância, para que se utilize apenas as necessárias para cada caso,
diminuindo os riscos e prejuízos dos que necessitam da planta para tratamento.

Deve-se também, colocar em prática os sistemas de proteção integral do ECA e o


sistema descentralizado de prevenção ao uso de drogas, unindo os dois sistemas em tudo o
que for possível, visando a efetividade e o alcance aos objetivos traçados, conscientizando e
capacitando toda a sociedade e as instituições públicas e privadas.

A redução do consumo de drogas somente ocorrerá se prevenirmos o primeiro uso de


qualquer substância e, como a maior parte dos usuários utilizam as drogas pela primeira vez
62

na infância ou na adolescência, o foco principal para a prevenção do primeiro consumo deve


ser os menores.

Um Brasil sem drogas é possível, desde que, resgatemos valores, protegermos nossas
crianças e adolescentes, demos o exemplo, prevenirmos o uso, eduquemos, combatemos a
corrupção policial e nas fronteiras e combatermos o grande traficante e a entrada de drogas no
país.

Não são medidas simples, não é um resultado de curto prazo, é preciso o envolvimento
e comprometimento de todos, é preciso inovação, dedicação e persistência, é preciso atitude.

Com comodismo não chegaremos a lugar algum, só depende de nós, TODOS NÓS.
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