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INTERTEXTUALIDADE, NORMA E

LEGIBILIDADE 1

Gerard
Vigner
Pela prática dos textos que instaurou, a
escola forneceu, durante muito tempo, uma
imagem particularmente enganosa da leitura.
Trabalhando de maneira quase exclusiva com
trechos escolhidos, a escola tem
constantemente confrontado o aluno com
textos sempre novos — quanto ao gênero, à
temática, à estrutura. . . —, oriundos de
horizontes culturais que só o professor tinha
condições de perceber. A escola ia
desenvolvendo assim uma prática de leitura —
descoberta junto a leitores que se viam
obrigados, para cada leitura, a penetrar num
espaço — texto desconhecido.
A isto veio acrescentar-se, por uma
conjunção fortuita, o fato de que a crítica
formal, despreocupada em renovar a
abordagem das obras excluindo tudo o que não
era o texto (história literária, biografia do
autor, considerações sociológicas, psicanalíticas
etc), limitou-se a uma visão imanente da obra,
subentendendo assim que o acesso ao texto
não requeria nenhuma experiência textual
particular, nem necessitava de qualquer
articulação do texto em relação à obra ou ao
sistema literário do qual tinha sido extraído.
1
Este artigo é um dos capítulos do livro LIRE: du texte au sens, pp. 62-66,
CLE International, Paris, 1979.
Isto explica, aliás, a esperança que Afirma-se aqui a importância do fenômeno
depositaram um certo número de professores da intertextualidade como fator essencial da
nos métodos de leitura oriundos da crítica legibilidade do texto literário, e a nosso ver, de
formalista. Frente a alunos que ignoravam todos os outros textos. O texto não é mais
tudo ou quase tudo da História em geral como considerado só nas suas relações com um
da história literária, e só dispondo de uma referente extra-textual, mas primeiro na
experiência reduzida dos textos, pareceu a relação estabelecida com os outros textos;
certos professores que um estudo imanente Roland Barthes acrescenta (1974):
das obras permitiria economizar uma "O texto redistribui a língua. Uma das
preparação à "leitura" tanto, mais custosa que vias desta desconstrução é permutar
dizia respeito a um público escolar situado textos, farrapos de textos que
deliberadamente fora do campo cultural existiram ou existem em volta do texto
tradicional que constituía a literatura e sua considerado e finalmente dentro dele;
história. todo o texto é um intertexto; outros
Isto mantinha a ilusão de que poderia textos estão presentes nele, em
existir uma leitura ingênua dos textos, diversos níveis, sob formas mais ou
esquecendo que todo olhar sobre um texto é menos reconhecíveis".
um olhar estruturado, informado, sem o qual O fenômeno é particularmente evidente na
a obra seria imperceptível, não receptível. literatura, lugar por excelência do que Julia
Como observa com muita precisão Claude Kristeva chama de "diálogo textual". Pense-
Duchet (1971): "Não existem textos 'puros'". mos que durante séculos a literatura francesa,
Eles só existem em relação a outros textos para ficar nela, foi um sistema de troca
anteriormente produzidos, seja em intertextual particularmente ativa com a
conformidade ou em oposição a um esquema literatura grega e latina e que, para o leitor de
textual preexistente, mas sempre em relação outrora, que tivesse estudado humanidades,
a eles. ler tal poema de Ronsard era ler
Só é legível o já lido, o que pode inscrever- simultaneamente certa passagem de Virgílio,
se numa estrutura de entendimento elaborada de Horácio ou de Píndaro. A intertextualidade
definia, assim, uma espécie de horizonte de
a partir de uma pratica e de um reconhe- expectativa, sobre o qual o novo texto vinha
cimentoiHe funcionamentos textuais inscrever-se e adquirir sentido.
adquiridos pelo contato com longas séries de Não desenvolveremos, aqui, todas as
textos. Laurent Jenny define (1976): formas que pode tomar o trabalho
"Fora de um sistema a obra é intertextual, nem o seu nível de
impensável. Sua percepção supõe funcionamento. Ele pode dizer respeito a um
uma competência na decifração da gênero inteiro — por exemplo a relação do
linguagem literária que só pode ser romance de cavalaria com o romance
adquirida na prática de uma multi- picaresco — ou aplicar-se apenas a uma
plicidade de textos: do lado do simples passagem, sob a forma de uma
decodificador a virgindade é breve alusão, ou de uma simples
igualmente inconcebível".
reminiscência 2. admitidas do gênero, o caso, por exemplo, da
Guardemos apenas isto. Será legível poesia surrealista, para os leitores de Sully
numa perspectiva intertextual: Prudhomme ou de Eugène Manuel, ou até os
1) todo texto que, em seu funcionamento romances de Marcel Proust, para os leitores de
obedece a leis, códigos ou convenções Paul Bourget ou de Henry Bordeaux.
definidas pelo texto geral ou arqui-texto, isto Reconhecer um gênero é poder regular sua
é, tudo que constitui um gênero. Como leitura sobre um sistema de expectativa,
lembrava Hans Robert Jauss (1970): inscrevê-la numa trajetória previsível, sendo
"Toda obra literária pertence a um que este reconhecimento opera a partir da
gênero, o que significa afirmar pura apreensão de um certo número de sinais de
e simplesmente que toda obra supõe abertura;
o horizonte de uma expectativa, isto 2) todo texto que, pela relação que
é, de um conjunto de regras pré- estabelece com textos anteriores ou com o
existentes para orientar a texto geral, dissemina em si fragmentos de
compreensão do leitor e lhe permitir sentido já conhecidos pelo leitor, desde a
uma recepção apreciativa". citação direta até a mais elaborada reescritura.
Por esta razão, as obras mais legíveis e Ler significa aí perceber este trabalho de
manipulação sobre os textos originais e
mais acessíveis, isto é, aquelas que se interpretá-los.
destinam a um público pouco culto, e que
constituem o que alguns chamam com Notemos de passagem que este fenômeno
desprezo de sub-literatura — fotonovelas, não é próprio do texto literário. Manifesta-se
estórias em quadrinhos, romances policiais, com a mesma intensidade no discurso
científico, onde o importante aparelho de
folhetins etc. — serão aquelas que mais se notas, de referências bibliográficas, de
conformarão aos cânones do gênero. Não se citações, assinala o texto lido como o lugar de
deve ver neste manifesto respeito pelas regras circulação de uma infinidade de sentidos
do gênero, os estereótipos, uma marca de provenientes de fontes textuais diversas. A
inferioridade estética, mas a preocupação do citação tal como a referência bibliográfica tem
autor de tornar seu texto legível, receptível por função reforçar com o leitor a comunidade
por leitores cujas faculdades de predição e de de repertório, estabelecer uma espécie de
interpretação são relativamente limitadas. conivência, ancorar o discurso recém
Inversamente será ilegível a obra que produzido no discurso científico geral, tal
subverte deliberadamente as convenções como circula na comunidade de leitores à qual
se destina.
2 A prática intertextual encontra-se,
Referimo-nos, essencialmente, ao n.° 27 da Revue Poétique (1976). Inter- também, no discurso político, que não cessa
textualités, e particularmente ao artigo de Laurent Jenny, "La stratégie de la
forme". Na obra de Jean Ricardou, Pour une théorie du nouveau roman,
de remeter a um já-dito ou a um dizer
Paris, Le Seuil, 1971, ler-se-á a passagem Problèmes de la Similitude, p. 159-
possível do adversário. Como lembra Louis
167. Encontrar-se-á, também, uma primeira definição do fenômeno em Julia Guespin (1971):
Kristeva, Le texte du roman, La Haye, Mouton, 1970. "Os enunciados políticos (...)
propõem, geralmente, diversas cidade de certas disputas, particularmente no
escrituras de um mesmo discurso já século XVII, sobre o problema da
feito; trata-se, geralmente, de verossimilhança. Seu objeto, à primeira vista,
enunciados sobre enunciados; assim o parece relativamente anódino e não deve
problema da situação é reduzido ao merecer a atenção que lhe foi concedida em
mínimo; a situação sendo um discurso certas épocas. De fato, é todo o problema da
precedente, já é lingüística". legibilidade das obras que se encontrava
Produz-se aí uma espécie de contaminação assim posta em causa. Com efeito:
discursiva, cada adversário situando-se em "A narrativa verossímil é ( . . . ) uma
relação ao discurso do outro. Isso, aliás, narrativa cujas ações respondem,
explica porque as análises de discurso político como aplicações ou casos particulares,
baseadas em entradas lexicais, que são a um corpo de máximas recebidas
realizadas às vezes no final de tal ou tal como verdadeiras pelo público ao qual
campanha eleitoral, são desprovidas de se destina; mas estas máximas, pelo
qualquer interesse, já que não levam em
conta o fato intertextual e atribuem a um próprio fato de serem admitidas,
sujeito enunciador termos que pertencem ao permanecem, geralmente, implícitas"
discurso relatado, isto é, à fala do outro. (Genette, 1968).
Também é a razão pela qual geralmente é Daí a extrema previsibilidade de um
difícil e de pouco interesse, para o não- personagem verossímil em seu comportamento
especialista, ler coletâneas de discursos e em sua atitude, de uma ação verossímil em
políticos se não se dispuser de dados sobre o
discurso político global, tal como foi proferido sua organização e em seu desenvolvimento.
na época. Norma e verossimilhança funcionam como um
sistema ideológico compartilhado pelo escritor
Um texto será, então, legível, por um e o leitor, e permitem representar e interpretar
lado, porque funciona segundo leis, o mundo de maneira idêntica. Uma obra
esquemas, de que já dispõe o leitor: verossímil será, portanto, uma obra a
"Por que o leitor vem lendo desde propósito da qual será fácil para o leitor
sempre, cada signo desencadeia uma formular hipóteses interpretativas, o que
lembrança e entra no quadro de uma diminuirá em proporções notáveis o seu nível
longa experiência: o romance é sabido
antes de ser percorrido" (Grivel, de incerteza inicial, uma leitura fácil de
1973), empreender. Daí, inversamente, a dificuldade
e por outro lado, porque se dá como da leitura de obras do passado ou proveniente
reescritura de outros textos, levando assim de outros sistemas culturais, para um leitor
em conta a experiência anterior do leitor. que não compartilha esse implícito ideológico.
O texto, enfim, será legível em relação a Ê por isso, aliás, que a crítica universitária
uma norma ou a uma certa concepção do tradicional não estava inteiramente errada
verossímil. Conhecemos a extrema viva- quando se alarmou ao ver a crítica formalista e
estruturalista rejeitar totalmente o aparelho de De fato, a pedagogia da leitura quando
interpretação biográfico, histórico, filológico ou desenvolve a prática da leitura-descoberta,
sociológico, para se tomar só alguns fundamenta-se no princípio de que a criança é
exemplos. Um estudo puramente interno da "nova" quando chega à escola, e que não
obra só poderá constatar um certo estado do dispõe de nenhuma experiência, de nenhum
texto, mas de modo algum explicá-lo e ainda saber anterior explorável.
menos permitir assim sua leitura. Isto omite o Se refletirmos bem, perceberemos
fato de que, em seu funcionamento, o texto entretanto que a criança, mesmo quando é
obedece também a regras que não provém originária de meios sócio-culturais ditos
somente da coerência textual interna, mas das desfavorecidos, isto é, pouco marcados pelas
condições extra-textuais de enunciação (o tradições da cultura erudita, já dispõe de uma
código verossímil, por exemplo), e que, de experiência imperfeita, mas que não deixa de
qualquer maneira, é extremamente difícil ser uma experiência, da decifração das
perceber o sentido de uma obra sem um mensagens experiência que terá induzido da
mínimo de conhecimento histórico sobre as prática das estórias em quadrinhos, das
condições de sua aparição 3. novelas de televisão, das diversas mensagens
publicitárias, até mesmo das narrativas que
Ler não é mais essa entrada em espaços lhe terão sido contadas. Dispõe, portanto, de
desconhecidos, como uma certa tradição o um certo número de categorias interpretativas
subentendeu, é mais prosaicamente a procura — uma espécie de competência espontânea de
de uma confirmação, o acionamento quase leitura — que não derivam forçosamente do
automático de protocolos de leitura já domínio verbal, mas que são susceptíveis de
constituídos, em presença de textos já se aplicar a ele, caso o professor queira
repertoriados e identificáveis pêlo leitor desde explorá-las.
a recepção dos primeiros sinais de abertura:
título, capa, formato, tipografia, nome da Aprender a ler consistirá então em saber
editora. . . estabilizar, estruturar essas categorias
interpretativas, melhorá-las, refiná-las, até
OBSERVAÇÕES PEDAGÓGICAS mesmo modificá-las quando isto se fizer
necessário, em explorar os dispositivos de
Tudo isto deveria levar-nos a colocar o decodificação já presentes no espírito da
problema da leitura nas suas relações com o criança. É evidente que quanto mais a criança
aluno, e não mais somente com o texto. Com crescer, mais elementos de referência terá à
certeza isso não é fácil de resolver, já que se sua disposição e maior ficará sua experiência
vê mal, a priori, como fazer o aluno entrar no intertextual, mesmo que ela seja constituída
"círculo vicioso" da leitura, já que, para ser apenas de estórias em quadrinhos, foto
capaz de ler, é preciso já ter lido. novelas ou novelas de televisão. Existem aí
3
esquemas textuais susceptíveis de serem
Reler sobre o assunto o excelente artigo de George Mounin, "La notion de transferidos para outros domínios da leitura,
situation en linguistique et en poésie in La communication Poétique", Paris, os novos textos sendo sistematicamente
Gallimard, 1969, coll. Essais.
ligados a textos anteriormente lidos, ou para le discours politique", Langages n.°23, sept.
sistemas semióticos não verbais, se o aluno 1971.
não tem ainda a experiência da leitura de
textos. JENNY, L. — "Stratégie de la forme", Poétique
A questão colocar-se-á com mais acuidade n.°27, 1976.
ainda, se nos dirigirmos a alunos de língua
estrangeira. A experiência intertextual não é JAUSS, H.R. — "Littérature médiévale et
idêntica em todas as culturas e em todas as théories des genres", Poétique n.°1, 1970.
civilizações. É evidente que o aluno do
Maghreb ou africano, enfrentando diretamente
um texto "ocidental", terá dificuldades para
entrar na leitura, por não poder utilizar seus
próprios esquemas. De fato, a diferença não é
sempre tão importante quanto pode aparecer,
mas é preciso se lembrar de fazer surgir
claramente na consciência da criança esses
dispositivos de interpretação espontânea,
melhorá-los e ensiná-la a utilizá-los.
(Tradução: Paulo Otoni)

BIBLIOGRAFIA

BARTHES, R. — "Le linguistique du discours",


La Haye, Mouton, 1970. Artigo Texte,
Encyclopaedia Universalis, 1974.
DUCHET, C. — "Pour une sociocritique ou
variations sur un incipit", Littérature n.° 1,
fev. 1971.
GENETTE, G. — "Vraisemblable et motivation",
Communications n.°11, 1968.
GRIVEL, C. — Production de 1'intérêt
romanesque, Paris/ La Haye, Mouton, 1973.
GUESPIN, L. — "Problématique des travaux sur

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