Neste momento em que o Ministério Público Federal e o
Ministério Público Militar, no exercício de suas elevadas missões constitucionais, submetem diversos profissionais controladores do tráfego aéreo brasileiro a múltiplas e até redundantes persecuções penais, na condição de Advogado da Federação Brasileira das Associações de Controladores de Tráfego Aéreo - FEBRACTA, dirijo-me a Vossa Excelência, para requerer providências no sentido da apuração de responsabilidade quanto aos graves fatos abaixo relatados, todos relacionados à segurança de vôo no Brasil.
Enfatizo que tudo que adiante se expõe encontra farta prova
documental, para além daquela que se junta a este documento. Desde já a FEBRACTA coloca- se à inteira disposição para produzir, indicar e auxiliar na produção dos elementos probatórios indispensáveis à comprovação do que aduz.
Desde a trágica colisão ocorrida no ano de 2006, entre o
Boeing da Gol, vôo 1907, e o Legacy da empresa norte-americana ExcelAire, prefixo N600XL, que vitimou 154 passageiros da primeira aeronave, a nação brasileira vem recebendo informações parcialmente verdadeiras e intencionalmente incompletas quanto ao conjunto de causas que resultaram no acidente.
E são muitas as dificuldades reais que têm prejudicado o
esclarecimento dos fatos. Dessas, a mais relevante é a falta de isenção dos órgãos oficiais – CENIPA, Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos e DECEA, Departamento de Controle de Espaço Aéreo - subordinados a Aeronáutica, encarregados da apuração dos fatos.
Falta de isenção até compreensível, em face do complexo
quadro de problemas que cercam a atividade de controle de tráfego aéreo e que se tornou visível a partir daquele fatídico evento de 29 de setembro de 2006.
Em síntese antecipada do que adiante se expõe, encontra-se a
Força Aérea Brasileira responsabilizada por uma atividade essencialmente civil, considerada em todo o mundo como incompatível com a estrutura organizacional e o modelo de gestão de um comando militar.
De início registre-se que em todos os países da Europa e da
América do Norte a atividade é exercida por instituições civis, algumas até privatizadas. Mesmo os Estados Unidos da América, após o atentado de 11 de setembro, mantém a atividade controlada por civis, embora hoje integrada, sistemicamente, com a defesa aérea (preservados os códigos desta), modelo que pode ser perfeitamente adotado no Brasil. Fato é que o controle militarizado de tráfego civil em espaço aéreo é um anacronismo somente verificado na Eritréia, Gabão, Togo, Coréia do Norte (onde quase tudo se encontra submetido a controle militar) e outros países de pequeno porte nessa atividade.
Como resultado verifica-se que a apuração de causas de
acidentes aéreos no Brasil, que em todo o mundo é feita por perícia técnica absolutamente isenta de qualquer preocupação estranha à busca da verdade real, aqui se vê confundida no bojo das atividades de segurança militar e de defesa da soberania do país, o que se mostra de todo irracional .
Assim, qualquer falha é tratada como segredo de Estado, algo
capaz de comprometer a segurança da defesa aérea do país. Merece ênfase a lembrança repetida de que nenhuma das grandes potência militares do planeta esquivam-se de ver apuradas por engenheiros e outros especialistas, peritos civis, as causas de acidentes aéreos.
O que todos que se debruçam, responsavelmente, sobre a
atual conjuntura são obrigados a constatar é que o evento da colisão ocorrida em 29 de setembro de 2006 trouxe à luz o quadro de progressiva perda de eficiência no controle do tráfego aéreo nacional. A progressiva obsolescência de sistemas de controle – em sua tridimensionalidade de hardware, software e humanware - é fenômeno que se estabelece continuamente, o que exige reformulações igualmente permanentes, tal como se dá onde o sistema é mantido com excelência técnica.
Não há dúvidas de que o modelo concebido para o Brasil, no
tempo em que o foi, representava o estado da arte de então. Porém, incluso em sua concepção – pela THOMSOM, empresa responsável pelo sistema - havia o projeto de desmilitarização como solução técnica de gestão do sistema de controle. O que, apenas por desvio do processo político brasileiro, não se efetivou, em descompasso com todo o mundo civilizado, como se vê.
Deste quadro resulta que a produção das provas quanto às
falhas do sistema de controle – freqüências de rádio inativas, espaços não cobertos pela comunicação (zonas de sombra), falha no software que atualiza erroneamente situação de altitude sem interveniência do controlador – quanto a má formação dos jovens controladores, quanto a negligente gestão de problemas operacionais, tudo dependerá de colaboração daqueles que estão diretamente interessados em esconder as suas próprias responsabilidades.
Pior: é possível apontar conexão entre as irresponsáveis
decisões subseqüentes e o acidente superveniente da TAM no aeroporto de Congonhas, confirmando-se na maior tragédia aeronáutica do país aquilo que os verdadeiros profissionais do controle de tráfego já prenunciavam. E precisamente neste ponto reside o fundamento do interesse de oficiar este requerimento ao Procurador Geral da República, máxima expressão de custus legis - guardião da lei - para que se digne requisitar perícia internacional apta a trazer à lume a verdade real dos fatos que envolveram esses trágicos acidentes.
Reconhecido o caráter unitário da ação do Parquet na esfera
criminal, embora dúplice nos exercícios de Jus Persequendi e Custus legis, tem-se como inafastável o poder-dever do Ministério Público Federal de produzir provas idôneas ao exercício dos seus misteres. E para o fato que se pretende apurar, onde o Estado responsabiliza como únicos incriminados os controladores e pilotos, essas provas não virão, porque dificilmente poderiam vir com isenção se a perícia for conduzida pela Aeronáutica. Argüir o princípio da presunção de verdade em documento emanado dos poderes públicos, neste caso, seria uma leviandade. As instituições são feitas por seres humanos submetidas às mais variadas pressões políticas, sociais e psicológicas. E neste caso específico, todas as pressões são agigantadas em face dos simbólicos valores esgrimidos pelo estamento militar, que, no Brasil, ainda apresenta dificuldades setorizadas no reconhecimento de uma liderança civil em ministério militar.
E aqui, na exposição do segundo objeto do presente
requerimento, trazida no próximo parágrafo, fica bem claro a necessidade de intervenção da Justiça Brasileira para assegurar a manutenção do Estado de Direito, contra o qual buscam insurgir-se ultrapassados belicistas, deslocados da Ordem Democrática constitucionalmente institucionalizada.
Está a exigir apuração pelo mais elevado Órgão Guardião da Lei
no Brasil as gravíssimas ocorrências de que foram protagonistas todos os componentes do Alto Comando da Força Aérea Brasileira dos dias 30 de março a 02 de abril de 2007. Naquela noite de trinta de março os oficiais responsáveis pelo controle de tráfego aéreo deixaram os seus postos e entregaram todo o comando da atividade diretamente aos sargentos e suboficiais dos centros de controle.
Tal inusitado gesto se deu em represália à interveniência da
Presidência da República, que despachou para o local em que se encontravam reunidos os controladores, em uma reunião dentro do Centro de Controle de Brasília, o Ministro Paulo Bernardo. Ressalte-se que o alto comando da Aeronáutica tomou conhecimento, com muita antecedência, da concentração daqueles profissionais marcada para aquela noite e nada fez para impedir. Antes esperaram que a situação se configurasse para tratar como crime de motim, com o que esperavam desestabilizar o Ministro da Defesa por quem publicamente demonstravam desrespeito e desapreço. Isso porque aquele Ministro considerava plausível a hipótese de desmilitarização do setor.
Fato é que, desde o preciso momento em que o Ministro do
Planejamento, Paulo Bernardo. entrou no Centro de Controle de Brasília, naquela noite de 30 de março, até o meio dia de 02 de abril, o Comando da Força Aérea, em represália às sensatas ações mediadoras da Presidência da República - sem que ali se pretendesse qualquer apoio à propalada insubordinação dos controladores, em verdade ali reunidos em legítima defesa da segurança do tráfego aéreo nacional - e em lugar de atuar com a autoridade que qualquer comandante militar tomaria em tal situação, limitou-se a coordenar o Abandono de Posto, dando início a um Descumprimento de Missão, em clara Omissão de Eficiência da Força, tudo em completo Desrespeito a Superior. As expressões negritadas correspondem aos delitos capitulados nos artigos 195, 196, 198, e 160, respectivamente, do Código de Penal Militar Brasileiro.
Comprovam o que acima se aponta o BOLIMPE – Boletim
Periódico nº 01, de 31 de março de 2007, assinado pelo Comandante da Aeronáutica e pelos oito oficiais-brigadeiros mais graduados, que juntos compõem o Alto Comando da Força, e cópia de documentos do Destacamento de Controle de Tráfego Aéreo de Salvador, mero exemplo do gênero de ordens escritas no sentido do abandono que se seguiu.
Lamentavelmente, no que concerne à ocultação de provas das
causas dos acidentes, o Ministério Público, sem dúvida, conseguirá apurar os seguintes crimes, em tese: Falsidade ideológica; Supressão de documento; Prevaricação; Extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento; Condescendência criminosa; Falso testemunho ou falsa perícia, e, principalmente, Inutilização, sonegação ou descaminho de material probante. Todos previstos no Código Penal Militar.
Ressalte-se que o referido Comando não tem se furtado ao
propalar ofensas diretas às autoridades constituídas, mediante a divulgação em todas as unidades da Aeronáutica de publicações veiculadoras de matérias atentatórias ao Estado Democrático de Direito. É o que claramente se vê no artigo, igualmente aqui anexado, assinado pelo Cel. Aviador Renato Paiva Lamounier, na Revista Aeronáutica, nº 261.
Causa espanto, que após o longo sofrimento da reconquista
democrática, um militar, em face da inevitável modernização da gestão do controle de tráfego aéreo, profira impunemente frases do seguinte teor, contra o Ministro da Defesa, seu Superior Hierárquico:
“...seres estranhos ao meio militar e arrolados nesta idiotice,
precipitada e sem fundamento, pregada sem conhecimento de causa pelo Ministro da Defesa quanto à desmilitarização do Controle do Espaço Aéreo no Brasil...”.
Mais adiante:
...“Com tudo isto retrocedeu ao tempo de sua atuação como pelego
nas revoltas dos marinheiros no Automóvel Clube e de outros militares na Central do Brasil e soube revelar-se irresponsável e leviano ao desprezar a verdade histórica do quanto este fato contribuiu para a eclosão de Revolução de 1964.”
Ora, Excelentíssimo Procurador Geral da República,
que a democracia constitua regime onde a liberdade de expressão seja a tônica, não há o que reparar. Mas, dar publicidade em meio oficial, e militar, a expressões de desapreço às autoridades civis constituídas, o que pode ser fartamente comprovado por documentação que será mais adiante fornecida, é forte indício dos crimes capitulados nos artigos 17, 23 e 26 da Lei 7.170 de 1983, onde se expressam os crimes contra a Segurança Nacional e ao Ordem Política e Social.
Estes são aqueles que estão a perseguir de modo
sistemático os sargentos e suboficiais que, ao contrário dos seus comandantes, mantiveram postura compatível com a honra militar, na medida em que:
1) Não tiveram medo de aquartelarem-se (em lugar de fugir dos
quartéis) nas salas de controle para apontarem as falhas do sistema e manifestarem apoio aos colegas, injusta e covardemente apontados como responsáveis pelo acidente que matou mais de 154 brasileiros; 2) Mantiveram o controle do tráfego por todos aqueles dias em que seus superiores desertaram.E o fizeram com absoluta dedicação, espírito de superação, criando condições de segurança para as milhares de pessoas que voaram nos céus do Brasil naquele período; 3) Buscaram respostas jurídicas, civilizadas, para apresentar ao país como proposta, a exemplo do douto parecer em favor da desmilitarização da atividade, construído com o exame do Direito Comparado, parecer este assinado por um dos maiores juristas do mundo moderno, o professor de universidades na Alemanha, Suíça, Inglaterra, Itália, Estados Unidos e Brasil, o Dr. Marcelo Neves (documento anexado). 4) Têm suportado as agressões cotidianas de que têm sido vítimas - perseguidos criminal e disciplinarmente, sofrendo assédio moral de toda espécie – e ainda assim prosseguem sustentando o cotidiano trabalho do tráfego aéreo, na espera de que suas democráticas e responsáveis iniciativas tenham a oportunidade de encontrar na JUSTIÇA, a resposta adequada.
Registre-se,por absolutamente necessário, que muitas
das medidas que, embora imperfeitamente, estão sendo adotadas no sentido da melhoria da segurança foram justamente aquelas preconizadas pelos controladores e que resultaram na acusação de “motim” e “operação padrão”.
Registro que nenhuma satisfação pode ter um
brasileiro em ver a Força Aérea de seu país confundida com um equívoco institucional, qual seja o da administração de uma complexa atividade civil, sob códigos de hierarquia e disciplina, insuficientes de responder às linguagens de eficiência e eficácia administrativas.
Assim como resistiram à criação da EMBRAER como
instituição econômica autônoma, hoje alguns resistem à inevitável desmilitarização do setor. Fato que se tem como resolvido no Congresso Nacional. Todavia, tudo passará, e melhor será se em lugar de persecuções criminais e administrativas, todos sejam chamados à racionalidade, sem retaliações ou espírito de vingança, quem sabe entendendo em todos os comportamentos tidos como indevidos uma “inexigiblidade de conduta diversa, em sentido amplo”, CERTO DE QUE TODOS ESTIVERAM APOIADOS EM RAZÕES INCAPAZES DE SUPERAR A IRRACIONALIDADE SISTÊMICA A QUE FORAM, CONDUZIDOS, COM A OBSOLESCÊNCIA PROGRESSIVA DO MODELO OPERACIONJAL VIGENTE.
Neste sentido, por tudo exposto, e por tudo que se
espera ter a oportunidade de trazer ao conhecimento da mais elevada instituição de proteção à lei do Brasil, requer a FEBRACTA, por seu procurador, e em nome de todos os seus associados, sejam adotadas as indispensáveis providências capazes de restituir o Brasil a serenidade de um tráfego aéreo seguro.