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Coordenador da Disciplina
7ª Edição
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados desta edição ao Instituto UFC Virtual. Nenhuma parte deste material poderá ser reproduzida,
transmitida e gravada por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, dos autores.
Realização
Autor
1 - ANTONIO CANDIDO
2 - ADERALDO CASTELLO
3 - LÚCIA MIGUEL-PEREIRA
4 - NELSON WERNECK SODRÉ
5 - AFRÂNIO COUTINHO
1 - ANTONIO CANDIDO
Fonte [1]
Segundo Antonio Candido,
2 - ADERALDO CASTELLO
3 - LÚCIA MIGUEL-PEREIRA
1
Muito brilho literário, muito floreio verbal, e pouca substância foram o
resultado de querer fazer literatura amena, desligada de sua verdadeira
significação: através da arte, atuar como um fermento de inquietação. É
certo que a maioria desses escritores não tinha força para mais; mas ainda os
mais dotados prejudicaram-se por esse equívoco. (MIGUEL-PEREIRA, 1957.
p. 258.)
5 - AFRÂNIO COUTINHO
2
comportar-se quem estuda literatura diante de afirmações às vezes opostas
sobre o mesmo objeto?
FÓRUM
Os textos acima apresentam traços de um período da literatura
brasileira a que se convencionou chamar Pré-modernismo. Releia todo o
texto deste tópico, com atenção especial aos textos dos críticos, e procure
levantar as características mais marcantes que definem a época estudada,
levando em consideração particularmente as discordâncias entre os
críticos. Procure responder às questões formuladas no texto do tópico e
faça pelo menos duas intervenções a respeito do assunto. Comente
também pelo menos uma das intervenções de seus colegas ou do
professor.
3
LITERATURA BRASILEIRA III
AULA 01: O PRÉ-MODERNISMO
Talvez desse período se possa dizer que não apresenta uma tendência
marcante, uma "personalidade" criadora dominante, mas ele certamente
produziu algumas das obras mais importantes da literatura brasileira. Em
1902, por exemplo, publica-se Os sertões, de Euclides da Cunha, obra que
devassa o Brasil do interior ignorado e ignorante em confronto étnico e
cultural com o Brasil oficial, um romance de crise. No mesmo ano, aparece o
romance Canaã, de Graça Aranha, que trata de questões ligadas à emigração
estrangeira no Brasil.
Fonte [1] Sobre o romance dessa época, em geral, Candido afirma que ele se forma
"pela confluência do que há de mais superficial em Machado de Assis, da
ironia amena em Anatole France e dos romances franceses do Pós-
naturalismo" (CANDIDO, 2000. p. 113). Convém lembrar, a propósito, que
Machado publicou em 1904 e 1908, respectivamente, Esaú e Jacó e
Memorial de Aires, romances que não têm nada de superficiais. No primeiro
caso, temos toda uma desconstrução do saber canônico ocidental, enquanto
o último Machado abandona sua habitual ironia e descrença para penetrar
na alma da escrita, despedindo-se dela, que havia sido sua grande
companheira, juntamente com Carolina, também recém-falecida.
VERSÃO TEXTUAL
Sala 1
4
Lima Barreto, como Triste fim de Policarpo Quaresma (1915),
Recordações do Escrivão Isaías Caminha (1909), e Vida e morte de M.
J. Gonzaga de Sá (1919).
VERSÃO TEXTUAL
5
No caso de "O homem que sabia javanês" (Visite a aula online para
realizar download deste arquivo.), por exemplo, além da encenação do
famigerado jeitinho brasileiro, temos um cenário em que um amigo conta
uma história a outro. Eles bebem cerveja, o que de certa forma já coloca em
dúvida a "verdade" da fala; o enunciador principal fala em "belas páginas de
vida", e em seguida começa seu relato. Há então o surgimento de um livro
misterioso, que ninguém pode ler, mas que é lido, não importa como, pelo
locutor. Depois... Aí, procure seguir a trilha das pistas que o narrador vai
deixando pela narrativa, que podem conduzir o leitor a uma concepção de
escrita ficcional, a uma concepção de literatura, mesmo: o texto
descompromissado, que não se amarra em uma verdade, que não deseja ou
não quer ou não pode revelar...
Finalmente, "O duplo" (Visite a aula online para realizar download deste
arquivo.), de Coelho Neto, um incrível escritor de mais de 120 livros que foi
praticamente esquecido pelas investidas dos modernistas, que o
consideravam verborrágico, ultrapassado e alienado. O texto em questão é
uma pequena amostra da versatilidade desse escritor, e sua temática está
ligada ao imponderável, que ao final é relacionada a um tipo especial de
ciência.
ATIVIDADE DE PORTFÓLIO
A primeira atividade desse portfólio, que se completa no tópico
seguinte, é a redação de um texto (uma página, trinta linhas) comentando
os três contos apresentados. Procure relacioná-los ao ato de escrever, à
literatura, partindo das verdades que eles sustentam, para que tenhamos
uma pequena noção de como se escrevia no início do século, de como
nossos escritores se inquietavam com os rumos da literatura. Clique nos
nomes dos contos para abrir seus respectivos textos, ou procure-os nos
seguintes sítios abaixo. Bom trabalho e boa sorte!
Versão PDF de "O duplo", de Coelho Neto [5] (Visite a aula online
para realizar download deste arquivo.)
6
FONTES DAS IMAGENS
1. http://4.bp.blogspot.com/_8jqW3L5TxXI/SfElXqxmRJI/AAAAAAAAA
Lc/f7-vSvNtOKU/s400/GUERRA+DE+CANUDOS.jpg
2. http://www.adobe.com/go/getflashplayer
3. http://biblio.com.br/defaultz.asp?
link=http://biblio.com.br/conteudo/LimaBarreto/LimaBarreto.htm
4. http://www.cocminas.com.br/arquivos/file/A%20colcha%20de%
20retalhos.pdf
5. http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua00075a.pdf
6. http://www.biblio.com.br/defaultz.asp?
link=http://www.biblio.com.br/conteudo/CoelhoNeto/oduplo.htm
7
LITERATURA BRASILEIRA III
AULA 01: O PRÉ-MODERNISMO
8
preso/ O coração em laços poderosos/ Aqueles olhos claros, luminosos/ O
peito me têm posto em fogo aceso".
SONETO
9
Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo nenhum de pranto.
10
NOTURNOS
Raul de Leoni é mais um dos poetas dessa época que foram olvidados
pelo advento do Modernismo, mas que tem uma personalidade forte, uma
veia poética elegante e clássica. Sobre ele, assim se pronuncia Leyla Perrone-
Moisés:
11
Vejamos o que Raul de Leoni tem a dizer sobre a missão do poeta:
E O POETA FALOU
12
poema, ao herói da fábula cabocla, aberrava dentro do
mundo marmóreo do parnasianismo e destoava da
atmosfera aristocrática, alva, ou, muitas vezes,
penumbrenta, do simbolismo. Nestor Victor, que
timbrava em ser compreensivo à inovações, achou o
título do poema de mau gosto. Não sem razão,
Jackson de Figueiredo perguntava: "Há alguns anos
atrás, quem teria coragem de publicar um poema com
esse título?" (BRITO, 1964. p. 85)
13
Fonte [3]
O amarelecimento do papirus
— O metafisicismo de Abidarma —
14
A solidariedade subjetiva
Amarguradamente se me antolha,
15
Tal a finalidade dos estames!
A bacteriologia inventariante
16
À guisa de um faquir, pelos cenóbios?! ...
Há estratificações requintadíssimas
17
Que, tateando nas tênebras, se estende
As incestuosidades sanguinárias
18
Somente a Arte, esculpindo a humana mágoa,
vocábulos,
19
Trovejando grandíloquos massacres,
ATIVIDADE DE PORTFÓLIO
A atividade que complementa este portfólio é a redação de um texto
(uma página, trinta linhas) comentando as concepções de poesia, de poeta,
de fazer poético apresentadas em cada um dos cinco poemas
representativos do chamado Pré-modernismo brasileiro. Bom trabalho e
boa sorte!
REFERÊNCIAS
ANJOS, Augusto dos. In [5]
20
PERRONE-MOISÉS, Leyla. Inútil poesia. São Paulo: Companhia das
Letras, 2000.
PICCHIA, Menotti del. Juca Mulato. in [8] - acesso em 10/11/2009
21
LITERATURA BRASILEIRA III
AULA 02: ANTECEDENTES DA SEMANA E VANGUARDAS
Fonte [1] Em 1912, Oswald de Andrade regressa da Europa, onde havia conhecido
o Manifesto Futurista, de Marinetti, chamando-lhe a atenção o culto das
"palavras em liberdade", e encanta-se com as possibilidades que lhe abriam o
verso livre, já que se considerava incapaz de contar sílabas e subordinar a
poesia à métrica. Oswald se mantém fiel a suas ideias, que são normalmente
recusadas por amigos e conhecidos.
Lavile [2]
Tropical [3]
22
Sinfonia colorida [4]
Japonês [6]
23
A mulher de cabelos verdes [8]
Ventania [9]
O farol [10]
24
A onda [12]
O barco [13]
25
Fonte [15]
26
Sejamos sinceros: futurismo, cubismo, impressionismo e tutti quanti
não passam de outros tantos ramos da arte caricatural. É a extensão da
caricatura a regiões onde não havia até agora penetrado. Caricatura da cor,
caricatura da forma ― caricatura que não visa, como a primitiva, ressaltar
uma ideia cômica, mas sim desnortear, aparvalhar o espectador. A
fisionomia de quem sai de uma dessas exposições é das mais sugestivas.
Nenhuma impressão de prazer, ou de beleza, denunciam as caras; em
todas, porém, se lê o desapontamento de quem está incerto, duvidoso de si
próprio e dos outros, incapaz de raciocinar, e muito desconfiado de que o
mistificam habilmente. Outros, certos críticos sobretudo, aproveitam a
vaza para épater les bourgeois. Teorizam aquilo com grande dispêndio de
palavrório técnico, descobrem nas telas intenções e subintenções
inacessíveis ao vulgo, justificam-nas com a independência de interpretação
do artista e concluem que o público é uma cavalgadura e eles, os
entendidos, um pugilo genial de iniciados da Estética Oculta. No fundo,
riem-se uns dos outros, o artista do crítico, o crítico do pintor, e o público
de ambos.
27
pintura da sra. Malfatti não é futurista, de modo que estas palavras não se
lhe endereçam em linha reta; mas como agregou à sua exposição uma
cubice, queremos crer que tende para isso como para um ideal supremo.
Que nos perdoe a talentosa artista, mas deixamos cá um dilema: ou é um
gênio o sr. Bolynson e ficam riscadas desta classificação, como insignes
cavalgaduras cortes inteiras de mestres imortais, de Leonardo a Rodin, de
Velásquez a Sorolla, de Rembrandt a Whistler, ou... vice versa. Porque é de
todo impossível dar o nome de obra d'arte a duas coisas diametralmente
opostas como, por exemplo, a «Manhã de Setembro» de Chabas e o carvão
cubista do sr. Bolynson.
Não fosse profunda a simpatia que nos inspira o belo talento da sra.
Malfatti, e não viríamos aqui com esta série de considerações
desagradáveis.
Dos seus apologistas sim, porque também eles pensam deste modo...
por trás.
28
Pode-se discordar ou não da posição de Monteiro Lobato, mas é inegável
que seu texto produz uma bela reflexão sobre a obra de arte, e é essa reflexão
que propomos aqui. Enumeramos abaixo alguns desses itens para discussão:
29
Quanto às repercussões do famigerado artigo, o único que saiu em
defesa de Anita por escrito foi Oswald de Andrade, embora ele não tenha se
referido explicitamente ao texto de Lobato. O artigo de Oswald foi publicado
em 11 de janeiro de 1918 no “Jornal do Comércio”, e diz o seguinte:
NOTÍCIA
Fonte [17]
30
A realidade existe, estupenda, por exemplo, na liberdade com que se
enquadram na tela as figuras número 11 e número 1 ["O homem amarelo" e
"Lalive", respectivamente"]; existe, impressionante e perturbadora, na
evocação trágica e grandiosa da terra brasileira que é o quadro número 17
["Paisagem de Santo Amaro"]; existe, ainda, sutil e graciosa, nas fantasias e
estudos que enchem a exposição.
Alguns anos antes, em 1913, houve uma outra exposição em São Paulo,
do pintor russo modernista Lasar Segall, que posteriormente se naturalizou
brasileiro. Essa exposição rivaliza com a de Malfatti a primazia de ter
introduzido o Modernismo no Brasil. É certo que a exposição de Segall não
provocou a curiosidade, o ódio, o entusiasmo de Anita.
FÓRUM
Este fórum vem propor nada mais do que a discussão das ideias sobre
arte expostas por Monteiro Lobato em seu famoso artigo, que por pouco
não destruiu a carreira de artista de Anita Malfatti. Os cinco itens
arrolados acima são apenas um pequeno roteiro do que pode ser discutido,
mas há muito mais. O principal aqui é refletir sobre o que é arte, sobre
suas leis ou ausência delas, o que podemos chamar de arte ou não...
Procure responder às questões formuladas no texto do tópico e faça pelo
menos duas intervenções a respeito do assunto do texto em geral.
Comente também pelo menos uma das intervenções de seus colegas ou do
professor.
31
1. http://2.bp.blogspot.com/_a3XV9E_TkP4/ShGtTWWB4wI/AAAAAAA
AA-o/53MVZ65rhqI/s320/boba.jpg
2. http://br.monografias.com/trabalhos915/exposicao-malfatti-
edicao/image002.jpg
3. http://www.lehman.cuny.edu/ciberletras/v08/images/tropical.jpg
4. http://www.siufi.com/_/rsrc/1300338018487/colecionador/artistas/an
ita-malfatti/malfatti1.gif?height=200&width=146
5. http://i246.photobucket.com/albums/gg87/marcielnoronha/00630700
1013.jpg
6. http://1.bp.blogspot.com/_8e2IZZPw76E/SiFpwlOrZxI/AAAAAAAAAF
Q/MeBCpxLHwLc/s320/anita+8.jpg
7. http://www.galerialeme.com/images/artista/42_2363.jpg
8. http://lh4.ggpht.com/_1nWJdcjsdLQ/RnFjd3DrmPI/AAAAAAAAAIo/k
e62lcC7qSk/006313001013.jpg
9. http://4.bp.blogspot.com/-mIMvubnROHQ/TzkKbKtvTRI/AAAAAAAA
AeM/s-1mczw-6rI/s1600/aventania-191517-oleostela-51x61-col-
palaciodosbandeirantes-sp.jpg
10. http://blogdavivis.zip.net/images/o_farol.jpg
11. http://i246.photobucket.com/albums/gg87/marcielnoronha/a0581.jpg
12. http://www.fapesp.br/publicacoes/anita/i/06.jpg
13. http://i246.photobucket.com/albums/gg87/marcielnoronha/0063840
01013.jpg
14. http://farm4.static.flickr.com/3413/3218656467_46ff1305de.jpg?v=0
15. http://www.netcampos.com/cidades/cms/netgallery/media/saopaulo/
camposdojordao/noticias/cultura/monteiro_lobato.jpg
16. http://www.adobe.com/go/getflashplayer
17. http://www.jornalonline.net/wp-
content/uploads/2013/11/jornal_do_commercio.jpg
18. http://www.denso-wave.com/en/
32
LITERATURA BRASILEIRA III
AULA 02: ANTECEDENTES DA SEMANA E VANGUARDAS
EXPRESSIONISMO
CUBISMO
33
Pablo Picasso -Retrato de - A procura da verdade deve centralizar-se na realidade pensada e não na
realidade aparente.
Ambroise Vollard [3]
- A obra de arte deve bastar-se a si mesma.
- Técnica cinematográfica
- Simultaneidade espaço-tempo
A voz das filhas pródigas gritou para novos personagens que era Madô
na Butte.
FUTURISMO
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1. Nós pretendemos cantar o amor ao perigo, o hábito da energia e a
intrepidez.
2. Coragem, audácia, e revolta serão elementos essenciais da nossa poesia.
3. Desde então a literatura exaltou uma imobilidade pesarosa, êxtase e
sono. Nós pretendemos exaltar a ação agressiva, uma insônia febril, o
progresso do corredor, o salto mortal, o soco e tapa.
4. Nós afirmamos que a magnificiência do mundo foi enriquecida por uma
nova beleza: a beleza da velocidade. Um carro de corrida cuja capota é
adornada com grandes canos, como serpentes de respirações explosivas de
um carro bravejante que parece correr na metralha é mais bonito do que a
Vitória da Samotrácia.
5. Nós queremos cantar hinos ao homem e à roda, que arremessa a lança
de seu espírito sobre a Terra, ao longo de sua órbita
"Luz" de Giacomo Balla [4]
6. O poeta deve esgotar a si mesmo com ardor, esplendor, e generosidade,
para expandir o fervor entusiástico dos elementos primordiais.
7. Exceto na luta, não há beleza. Nenhum trabalho sem um caráter
agressivo pode ser uma obra de arte. Poesia deve ser concebida como um
ataque violento em forças desconhecidas, para reduzir e serem prostradas
perante o homem.
8. Nós estamos no último promontório dos séculos!... Porque nós
deveríamos olhar para trás, quando o que queremos é atravessar as portas
misteriosas do Impossível? Tempo e Espaço morreram ontem. Nós já
vivemos no absoluto, porque nós criamos a velocidade, eterna,
omnipresente.
9. Nós glorificaremos a guerra - a única higiene militar, patriotismo, o
gesto destrutivo daqueles que trazem a liberdade, ideias pelas quais vale a
pena morrer, e o escarnecer da mulher.
10. Nós destruiremos os museus, bibliotecas, academias de todo tipo,
lutaremos contra o moralismo, feminismo, toda covardia oportunista ou
utilitária.
11. Nós cantaremos as grandes multidões excitadas pelo trabalho, pelo
prazer, e pelo tumulto; nós cantaremos a canção das marés de revolução,
multicoloridas e polifônicas nas modernas capitais; nós cantaremos o
vibrante fervor noturno de arsenais e estaleiros em chamas com violentas
luas elétricas; estações de trem cobiçosas que devoram serpentes
emplumadas de fumaça; fábricas pendem em nuvens por linhas tortas de
suas fumaças; pontes que transpõem rios, como ginastas gigantes,
lampejando no sol com um brilho de facas; navios a vapor aventureiros que
fungam o horizonte; locomotivas de peito largo cujas rodas atravessam os
trilhos como o casco de enormes cavalos de aço freados por tubulações; e o
vôo macio de aviões cujos propulsores tagarelam no vento como faixas e
parecem aplaudir como um público entusiasmado.
(Acessado em 14/11/2009:- http://www.espiral.fau.usp.br/arquivos-
artecultura-20/1909-Marinetti-manifestofuturista.pdf [5])
VERSÃO TEXTUAL
35
"Nós não vivemos mais, somos vividos. Não temos mais liberdade,
não sabemos mais nos decidir, o homem é privado da alma, a natureza
é privada do homem...Nunca houve época mais perturbada pelo
desespero, pelo horror da morte. Nunca silêncio mais sepulcral reinou
sobre o mundo. Nunca o homem foi menor. Nunca esteve mais
irrequieto. Nunca a alegria esteve mais ausente, e a liberdade mais
morta. E eis que grita o desespero: o homem pede gritando a sua alma,
um único grito de angústia se eleva do nosso tempo. A arte também
grita nas trevas, pede socorro, invoca o espírito: é o
expressionismo." (Hermann Bahr - 1916)
Portinari - Os retirantes
36
O Cubismo de Gris era sempre mais cerebral do que o de Picasso e
Braque. Neste quadro de seus primeiros tempos, empregou um tipo
arbitrário, mas fixo, de luz e sombra contraditórias para desdobrar e
coordenar aspectos do tema. Esse método é derivado do Cubismo
Analítico.
ATIVIDADE DE PORTFÓLIO
A primeira atividade desse portfólio, que se completa no tópico
seguinte, é a redação de um texto (uma página, trinta linhas) comentando
as três vanguardas europeias apresentadas, levando em consideração o
que elas apresentam de comum em termos de ruptura com a estética então
vigente, que os modernistas subverteram. Bom trabalho!
37
LITERATURA BRASILEIRA III
AULA 02: ANTECEDENTES DA SEMANA E VANGUARDAS
DADAÍSMO
O primeiro dos sete manifestos dadaístas foi lido por Tristán Tzara em
Zurich, Suíça, em 1916, em meio à primeira Guerra Mundial. O Dadaísmo
prega a desconfiança diante de todos os sistemas, a agressividade, o
ceticismo, a anarquia, o niilismo, a irreverência, a expressão do nojo diante
da guerra, a antiarte, a antiliteratura.
Prenez un journal.
Agitez doucement.
apres l'autre.
Copiez conscieusement
Tradução:
Pegue um jornal.
Pegue a tesoura.
38
Escolha no jornal um artigo
Recorte o artigo.
Agite suavemente.
após o outro.
Copie conscienciosamente
VERSÃO TEXTUAL
Marcel Duchamp
O grande vidro ou
Noiva despida por suas
amigas solteiras (1915-28).
Um dos grandes marcos da
arte moderna (Dadaísmo) e,
em muitos aspectos, a obra mais
radical e revolucionária da
sua geração.
SURREALISMO
39
Surrealismo enciclopédico para descrever o movimento fundado por ele, estaria evitando
que o sentido do termo e consequentemente da estética fosse deformado por
outrem.
S U R R É A L I S M E, N. M. Automatisme
psychique pur par lequel on se propose d'exprimer,
soit verbalement, soit par écrit, soit de toute autre
manière, le fonctionement réel de la pensée. Dictée de
la pensée, en l'absence de tout contrôle exercé par la
raison, en dehors de toute préoccupation esthétique
ou morale.
TRADUÇÃO:
S U R R E A L I S M O, S. M. Automatismo
psíquico puro pelo qual se propõe exprimir, seja
oralmente, seja por escrito, seja de qualquer outra
maneira, o funcionamento real do pensamento.
Ditado pelo pensamento, na ausência de qualquer
controle exercido pela razão, fora de qualquer
preocupação estética ou moral.
40
ATIVIDADE DE PORTFÓLIO
Você vai completar aqui a atividade proposta no tópico anterior.
Redija um texto comentando as duas vanguardas europeias apresentadas,
levando em consideração o que elas apresentam de comum em termos de
ruptura com a estética combatida pelos modernistas. Bom trabalho e boa
sorte!
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Oswald de. Memórias sentimentais de João Miramar. Rio
de Janeiro: Ed. Três, 1973.
41
LITERATURA BRASILEIRA III
AULA 03: A SEMANA E SEUS DESDOBRAMENTOS
GRAÇA ARANHA:
MÁRIO DE ANDRADE:
OSWALD DE ANDRADE
RONALD CARVALHO:
§§§
§§§
§§§
§§§
§§§
43
Contra o gabinetismo, a prática culta da vida. Engenheiros em vez
de jurisconsultos, perdidos como chineses na genealogia das ideias. A
língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A
contribuição milionária de todos os erros. Como falamos. Como
somos.
§§§
§§§
§§§
A síntese.
O equilíbrio.
O acabamento de carrosserie.
A invenção.
44
A surpresa.
Uma nova perspectiva.
Uma nova escala.
§§§
§§§
§§§
§§§
§§§
§§§
45
mamadeira e do chá de erva-doce. Um misto de "dorme nenê que o
bicho vem pegá" e de equações.
Uma visão que bata nos cilindros dos moinhos, nas turbinas
elétricas, nas usinas produtoras, nas questões cambiais, sem perder de
vista o Museu Nacional. Pau-Brasil.
§§§
§§§
§§§
§§§
§§§
§§§
§§§
Oswald de Andrade
(http://www.ufrgs.br/cdrom/oandrade/oandrade.pdf, acesso em
15/11/2009.
46
Neste mesmo arquivo, você poderá ler também o "Manifesto
antropófago", importante documento de nosso modernismo)
A poesia de até então é mais um saber do que uma arte, a literatura das
belas-letras, com sua erudição e seu cerimonial de hierarquias e regras; para
os modernistas, uma deformação.
Em oposição a essa poesia "pesada", Oswald propõe "a alegria dos que
não sabem e descobrem", a poesia "ágil e cândida", como uma criança. Para
ele, poesia não pode ser coisa de gabinete, de academicismo, eruditismo,
mais um saber do que uma arte, provocadora de "indigestões de sabedoria".
Daí a reivindicação de uma literatura mais despojada: "A língua sem
arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição milionária de
todos os erros. Como falamos, como somos", a expressão de brasilidade
através da linguagem.
47
O material utilizado por Oswald em Pau-Brasil é o passado brasileiro,
revisitado em textos de outros autores, expressões em latim e em outras
línguas, dizeres populares, orações etc. Eis o que chamamos de escrita
parodística, escrita de segunda mão, uma apropriação dos enunciados pré-
existentes ao texto. Coloca-se então a questão do plágio, da cópia. Oswald
investe contra o status poético brasileiro do início do século, que é a estética
da imitação, da cópia de modelos estrangeiros, conforme ele afirma em
"Falação:
ATIVIDADE DE PORTFÓLIO
Outro texto que consideramos fundamental para se perceberem as
ideias modernistas é o "Prefácio interessantíssimo", de Mário de Andrade,
que o poeta escreveu como abertura de seu livro de poemas Pauliceia
desvairada. Neste portfólio, você deverá redigir um texto de pelo menos
duas páginas comentando as principais ideias desse manifesto,
estabelecendo uma comparação entre ele e o "Manifesto da poesia Pau-
Brasil", de Oswald de Andrade, comentado neste tópico.
Há algumas afirmações de Mário de Andrade que merecem
particularmente ser comentadas, como as que seguem:
48
6. Comente a relação que Mário estabelece entre a métrica e o "leito de
Procusto".
7. O autor inicia seu manifesto dizendo: "Está fundado o Desvairismo". E
termina afirmando: "Está acabada a poética "Desvairismo". Em que
crenças modernistas se apóia essa aparente contradição?
PREFÁCIO INTERESSANTÍSSIMO
"Dans mon pays de fiel et d'or j'en suis la loi." E. VERHAEREN
Leitor:
Está fundado o Desvairismo.
Este prefácio, apesar de interessante, inútil.
Alguns dados. Nem todos. Sem conclusões. Para quem me aceita são
inúteis ambos. Os curiosos terão prazer em descobrir minhas
conclusões, confrontando obra e dados. Para quem me rejeita
trabalho perdido explicar o que, antes de ler, já não aceitou.
Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem pensar tudo o que meu
inconsciente me grita. Penso depois: não só para corrigir, como para
justificar o que escrevi. Daí a razão deste Prefácio Interessantíssimo.
Aliás muito difícil nesta prosa saber onde termina a blague, onde
principia a seriedade. Nem eu sei.
E desculpe-me por estar tão atrasado dos movimentos artísticos
atuais. Sou passadista, confesso. Ninguém pode se libertar duma só
vez das teorias-avós que bebeu; e o autor deste livro seria hipócrita
si pretendesse representar orientação moderna que ainda não
compreende bem.
Livro evidentemente impressionista. Ora, segundo modernos, erro
grave o Impressionismo. Os arquitetos fogem do gótico como da
arte nova, filiando-se, para além dos tempos históricos, nos volumes
elementares: cubo, esfera, etc. Os pintores desdenham Delacroix
como Whistler, para apoiarem na calma construtiva de Rafael, de
Ingres, do Grecco. Na escultura Rodin é ruim, os imaginários
africanos são bons. Os músicos desprezam Debussy, genuflexos
diante da polifonia catedralesca de Palestrina e João Sebastião
Bach. A poesia... "tende a despojar o homem de todos os seus
aspectos contingentes e efêmeros, para apanhar nele a
humanidade..." Sou passadista, confesso.
"Este Alcorão nada mais é que uma embrulhada de sonhos confusos
e incoerentes. Não é inspiração provinda de Deus, mas criada pelo
autor. Maomé não é profeta, é um homem que faz versos. Que se
apresente com algum sinal revelador do seu destino, como os
antigos profeta." Talvez digam de mim o que disseram do criador de
Alá. Diferença cabal entre nós dois: Maomé apresentava-se como
profeta; julguei mais conveniente apresentar-me como louco.
Você já leu São João Evangelista? Walt Whitman? Mallarmé?
Verhaeren?
Perto de dez anos metrifiquei, rimei. Exemplo?
ARTISTA
49
O meu desejo é ser pintor ― Lionardo,
Cujo ideal em piedades se acrisola;
Fazendo abrir-se a mundo a ampla corola
do sonho ilustre que em meu peito guardo...
50
orgulho, ignorância, esterilidade.
Um pouco de teoria? Acredito que o lirismo, nascido no
subconsciente, acrisolado num pensamento claro ou confuso, cria
frases que são versos inteiros, sem prejuízo de medir tantas sílabas,
com acentuação determinada. Entroncamento é sueto para os
condenados da prisão alexandrina. Há porém raro exemplo dele
neste livro. Uso de cachimbo...
A inspiração é fugaz, violenta. Qualquer impecilho a perturba e
mesmo emudece. Arte, que, somada a Lirismo, dá Poesia, não
consiste em prejudicar a doida carreira do estado lírico para avisá-lo
das pedras e cercas de arame do caminho. Deixe que tropece, caia e
se fira. Arte é mondar mais tarde o poema de repetições fastientas,
de sentimentalidades românticas, de pormenores inúteis ou
inexpressivos.
Que Arte não seja porém limpar versos de exageros coloridos.
Exagero: símbolo sempre novo da vida como do sonho. Por ele vida
e sonho se irmanaram. E, consciente, não é defeito, mas meio
legítimo de expressão.
"O vento senta no ombro das tuas velas!" Shakespeare. Homero já
escrevera que a terra mugia debaixo dos pés de homens e cavalos.
Mas você deve saber que há milhões de exageros na obra dos
mestres.
Taine disse que o ideal dum artista consiste em "apresentar, mais
que os próprios objetos, completa e claramente qualquer
característica essencial e saliente das relações naturais entre as suas
partes, de modo a tornar essa característica mais visível e
dominadora". O Sr. Luís Carlos, porém, reconheço que tem o direito
de citar o mesmo em defesa das suas "Colunas".
Já raciocinou sobre o chamado belo horrível, é pena. O belo horrível
é uma escapatória criada pela dimensão da orelha de certo filósofos
para justificar a atração exercida, em todos os tempos, pelo feio
sobre os artistas. Não me venham dizer que o artista, reproduzindo
o feio, o horrível, faz obra bela. Chamar de belo o que é feio,
horrível, só porque está expressado com grandeza, comoção, arte, é
desvirtuar ou desconhecer o conceito de beleza. Mas feio = pecado...
Atrai. Anita Malfatti falava-me outro dia no encanto sempre novo do
feio. Ora Anita Malfati ainda não leu Emílio Bayard: "O fim lógico
dum quadro é ser agradável de ver. Todavia comprazem-se os
artistas em exprimir o singular encanto da feiúra. O artista sublima
tudo".
Belo da arte: arbitrário, convencional, transitório - questão de
moda. Belo da natureza: imutável, o objetivo, natural - tem a
eternidade que a natureza tiver. Arte não consegue reproduzir
natureza, nem este é seu fim. Todos os grandes artistas, ora
consciente ( Rafael das Madonas, Rodin do Balzac, Beetjoven da
Pastoral Machado de Assis do Brás Cubas), ora inconscientemente
(a grande maioria), foram deformadores da natureza. Donde infiro
que o belo artístico será tanto mais artístico, tanto mais subjetivo
quanto mais se afastar do belo natural. Outros infiram o que
51
quiserem. Pouco me importa.
Nossos sentidos são frágeis. A percepções das coisas exteriores é
fraca, prejudicada por mil véus, provenientes das nossas taras
físicas e morais: doenças, preconceitos, indisposições, antipatias,
ignorâncias, hereditariedade, circunstâncias de tempo, de lugar,
etc... Só idealmente podemos conhecer os objetos como os atos na
sua inteireza bela ou feia. A arte que, mesmo tirando os seus temas
do mundo objetivo, desenvolve-se em comparações afastadas,
exageradas, sem exatidão aparente, ou indica os objetos, como um
universal, sem delimitação qualificativa nenhuma, tem o poder de
nos conduzir a essa idealização livre, musical. Esta idealização livre,
subjetiva permite criar todo um ambiente de realidades ideais onde
sentimentos, seres e coisas, belezas e defeitos se apresentam na sua
plenitude heróica, que ultrapassa a defeituosas percepção dos
sentidos. Não sei que futurismo pode existir em quem quase
perfilha a concepção estética de Fichte. Fujamos da natureza! Só
assim a arte não se ressentirá da ridícula fraqueza da fotografia...
colorida.
Não acho mais graça nenhuma nisso da gente submeter comoções a
um leito de Procusto para que obtenham, em ritmo convencional,
número convencional de sílabas. Já, primeiro livro, usei
indiferentemente, sem obrigação de retorno periódico, os diversos
metros pares. Agora liberto-me também desse preconceito. Adquiro
outros. Razão para que me insultem?
Mas não desenho baloiços dançarinos de redondilhas e
decassílabos. Acontece a comoção caber neles. Entram pois às vezes
no cabaré rítmico dos meus versos. Nesta questão de metros não
sou aliado; sou como a Argentina: enriqueço-me.
Sobre a ordem? Repugna-me, com efeito, o que Musset chamou:
"L'art de servir à point un dénouement bien cuit".
Existe a ordem dos colegiais infantes que saem das escolas de mãos
dadas, dois a dois. Existe uma ordem nos estudantes das escolas
superiores que descem uma escada de quatro em quatro degraus,
chocando-se lindamente. Existe uma ordem, inda mais alta, na fúria
desencadeada dos elementos.
Quem leciona história no Brasil obedecerá a uma ordem que, certo,
não consiste em estudar a Guerra do Paraguai antes do ilustre acaso
de Pedro Álvares. Quem canta seu subconsciente seguirá a ordem
imprevista das comoções, das associações de imagens, dos contactos
exteriores. Acontece que o tema às vezes descaminha.
52
são verdades. Tanto Não abuso! Não pretendo obrigar ninguém a
seguir-me. Costumo andar sozinho.
Virgílio, Homero, não usaram rima. Virgílio, Homero, têm
assonâncias admiráveis.
A língua brasileira é das mais ricas e sonoras. E possui o
admirabilíssimo "ão".
Marinetti foi grande quando redescobriu o poder sugestivo,
associativo, simbólico, universal, musical da palavra em liberdade.
Aliás: velha como Adão. Marinetti errou: fez dela um sistema. É
apenas auxiliar poderosíssimo. Uso palavras em liberdade. Sinto
que o meu copo é grande demais para mim, e ainda bebo no copo
dos outros.
Sei construir teorias engenhosas. Quer ver? A poética está muito
mais atrasada que a música. Esta abandonou, talvez mesmo antes
do século 8, o regime da melodia quando muito oitavada, para
enriquecer-se com os infinitos recursos da harmonia. A poética, com
rara exceção até meados do século 19 francês, foi essencialmente
melódica. Chamo de verso melódico o mesmo que melodia musical:
arabesco horizontal de vozes (sons) consecutivas, contendo
pensamento inteligível.
Ora, si em vez de unicamente usar versos melódicos horizontais:
"Mnezarete, a divina, a pálida Finéias comparece ante a austera e
rígida assembléia do Areópago supremo...", fizermos que se sigam
palavras sem ligação imediata entre si: estas palavras, pelo fato
mesmo de se não seguirem intelectual, gramaticalmente, se
sobrepõem umas às outras, para a nossa sensação, formando, não
mais melodias, mas harmonias. Explico milhor: Harmonia:
combinação dos sons simultâneos. Exemplo: "Arroubos... Lutas...
Setas... Cantigas... Povoar!..." Estas palavras não se ligam. Não
formam enumeração. Cada uma é frase, período elíptico, reduzido
ao mínimo telegráfico. Si pronuncio "Arroubos", como não faz parte
de frase (melodia), a palavra chama a atenção para seu insulamento
e ficava vibrando, à espera duma frase que lhe faça adquirir
significado e QUE NÃO VEM. "Lutas" não dá conclusão alguma a
"Arroubos"; e , nas mesmas condições, não fazendo esquecer a
primeira palavra, fica vibrando com ela. As outras vozes fazem o
mesmo. Assim: em vez de melodia (frase gramatical) temos acorde
arpejado, harmonia, - o verso harmônico. Mas si em vez de usar só
palavras soltas, uso frases soltas: mesma sensação de superposição,
não já de palavras (notas) mas de frases (melodias). Portanto :
polifonia poética. Assim, em "Paulicéia Desvairada" usam-se o verso
melódico: "São Paulo é um palco de bailados russos"; o verso
harmônico: "A cainçalha ... A Bolsa... As jogatinas..."; e a polifonia
poética (um e à vezes dois e mesmo mais versos consecutivos): "A
engrenagem trepida... A bruma neva..." Que tal? Não se esqueça
porém que outro virá destruir tudo isto que construí.
Para juntar à teoria:
1.º
Os gênios poéticos do passado conseguiram dar maior interesse ao
53
verso melódico, não só criando-o mais belo, como fazendo-o mais
variado, mais comotivo, mais imprevisto. Alguns mesmo
conseguiram formar harmonias, por vezes ricas. Harmonias porém
inconscientes, esporádicas. Provo inconsciência: Victor Hugo, muita
vez harmônico, exclamou depois de ouvir o quarteto do Rigoleto:
"Façam que possa combinar simultaneamente vária frases e verão
de que sou capaz". Encontro anedota em Galli, Estética Musical. Se
non é vero...
2.º
Há certas figuras de retórica em que podemos ver embrião da
harmonia oral, como na lição das sinfonias de Pitágoras
encontramos germe da harmonia musical. Antítese - genuína
dissonância. E si tão apreciada é justo porque poetas como músicos,
sempre sentiram o grande encanto da dissonância, de que fala G.
Migot.
3.º
Comentário à frase de Hugo. Harmonia oral não se realiza, como a
musical, nos sentidos, porque palavras não se fundem como sons,
antes baralham-se, tornam-se incompreensíveis. A realização da
harmonia poética efetua-se na inteligência. A compreensão das artes
do tempo nunca é imediata, mas mediata. Na arte do tempo
coordenamos atos de memória consecutivos, que assimilamos num
todo final. Este todo, resultante de estados de consciência
sucessivos, dá a compreensão final, completa da música, poesia,
dança terminada. Victor Hugo errou querendo realizar
objetivamente o que se realiza subjetivamente, dentro de nós.
4.º
Os psicólogos não admitirão a teoria... É responder-lhes com o "Só-
que-ama"de Bilac. Ou com os versos de Heine de que Bilac tirou o
"Só-quem-ama". Entretanto: si você já teve por acaso na vida um
acontecimento forte, imprevisto (já teve, naturalmente), recorde-se
do tumulto desordenado das muitas ideias que nesse momento lhe
tumultuaram no cérebro. Essas ideias, reduzidas ao mínimo
telegráfico da palavras, não se continuavam, porque não faziam
parte de frase alguma, não tinham resposta, solução, continuidade.
Vibravam, ressoavam, amontoavam-se, sobrepunham-se. Sem
ligação, sem concordância aparente - embora nascidas do mesmo
acontecimento - formavam, pela sucessão rapidíssima, verdadeira
simultaneidade, verdadeiras harmonias acompanhando a melodia
energética e larga do acontecimento.
5.º
Bilac, Tarde, é muitas vezes tentativa de harmonia poética. Daí, em
parte ao menos, o estilo novo do livro. Descobriu, para a língua
brasileira, a harmonia poética, antes dele empregada raramente.
(Gonçalves Dias, genialmente, na cena da luta, Y-Juca-Pirama). O
defeito de Bilac foi não metodizar o invento; tirar dele todas as
consequências. Explica-se historicamente seu defeito: Tarde é um
apogeu. As decadências não vêm depois dos apogeus. O apogeu já é
decadência, porque sendo estagnação não pode conter em si um
54
progresso, uma evolução ascensional. Bilac representa uma fase
destrutiva da poesia; porque toda perfeição em arte significa
destruição. Imagino o seu susto, leitor, lendo isto. Não tenho tempo
para explicar: estude, si quiser. O nosso primitivismo representa
uma nova fase construtiva. A nós compete esquematizar, metodizar
as lições do passado. Volto ao poeta. Ele fez como os criadores do
Organum medieval: aceitou harmonias de quartas e quintas
desprezando terceiras, sextas, todos os demais intervalos. O número
das suas harmonias é muito restrito. Assim, "... o ar e o chão, a
fauna e a flora, a erva e o pássaro, a pedra e o tronco, os ninhos e a
hera, a água e o réptil, a folha e o inseto, a flor e a fera" dá a
impressão duma longa, monótona série de quintas medievais,
fastidiosa, excessiva, inútil, incapaz de sugestionar o ouvinte e dar-
lhe a sensação do crepúsculo na mata.
Lirismo: estado afetivo sublime - vizinho da sublime loucura.
Preocupação de métrica e de rima prejudica a naturalidade livre do
lirismo objetivado. Por isso poetas sinceros confessam nunca ter
escrito seus milhores versos. Rostand por exemplo; e, entre nós,
mais ou menos, o Sr. Amadeu Amaral. Tenho a felicidade de
escrever meus milhores versos. Melhor do que isso não posso fazer.
Ribot disse algures que inspiração é telegrama cifrado transmitido
pela atividade inconsciente à atividade consciente que o traduz.
Essa atividade consciente pode ser repartida entre poeta e leitor.
Assim aquele não escorcha e esmiúça friamente o momento lírico; e
bondosamente concede ao leitor a glória de colaborar nos poemas.
"A linguagem admite a forma que o mármore não admite." Renan.
"Entre o artista plástico e o músico está o poeta, que se avizinha do
artista plástico com a sua produção consciente, enquanto atinge as
possibilidades do músico no fundo obscuro do inconsciente." De
Wagner.
Você está reparando de que maneira costumo andar sozinho...
Dom Lirismo, ao desembarcar do Eldorado do Inconsciente no cais
da terra do Consciente, é inspecionado pela visita médica, a
Inteligência, que o alimpa dos macaquinhos e de toda e qualquer
doença que possa espalhar confusão, obscuridade na terrinha
progressista. Dom Lirismo sofre mais uma visita alfandegária,
descoberta por Freud, que denominou Censura. Sou contrabandista!
E contrário à lei da vacina obrigatória.
Parece que sou todo instinto... Não é verdade. Há no meu livro, e
não me desagrada, tendência pronunciadamente intelectualista.
Que quer você? Consigo passar minhas sedas sem pagar direitos.
Mas é psicologicamente impossível livrar-me da injeções e dos
tônicos.
A gramática apareceu depois de organizadas as línguas. Acontece
que meu inconsciente não sabe da existência de gramáticas, nem de
línguas organizadas. E como Dom Lirismo é contrabandista...
Você perceberá com facilidade que si na minha poesia a gramática
às vezes é desprezada, graves insultos não sofre neste prefácio
interessantíssimo. Prefácio: rojão do meu eu superior. Versos:
55
paisagem do meu eu profundo.
Pronomes? Escrevo brasileiro. Si uso ortografia portuguesa é
porque, não alterando o resultado, dá-me uma ortografia.
Escrever arte moderna não significa jamais para mim representar a
vida atual no que tem de exterior: automóveis, cinema, asfalto. Si
estas palavras frequentam-me o livro não é porque pense com elas
escrever moderno, mas porque sendo meu livro moderno, elas têm
nele sua razão de ser.
Sei mais que pode ser moderno artista que se inspire na Grécia de
Orfeu ou na Lusitânia de Nun' Álvares. Reconheço mais a existência
de temas eternos, passíveis de afeiçoar pela modernidade: universo,
pátria, amor e a presença-dos-ausentes, ex-gozo-amargo-de-
infelizes.
Não quis também tentar primitivismo vesgo e insincero. Somos na
realidade os primitivos duma era nova. Esteticamente: fui buscar
entre as hipóteses feitas por psicólogos, naturalistas e críticos sobre
os primitivos das eras passadas, expressão mais humana e livre da
arte.
56
João Cocteau, "La Noce Massacrée".
Mas todo esse prefácio, com todo o disparate das teorias que
contém, não vale coisíssima nenhuma. Quando escrevi "Paulicéia
desvairada" não pensei em nada disto. Garanto porém que chorei,
que cantei, que ri, que berrei... Eu vivo!
Aliás versos não se escrevem para leitura de olhos mudos. Versos
cantam-se, urram-se, choram-se. Que não souber cantar não leia
Paisagem n.º 1. Quem não souber urrar não leia Ode ao Burguês.
Quem não souber rezar, não leia Religião. Desprezar: A Escalada.
Sofrer: Colloque Sentimental. Perdoar: a cantiga do berço, um dos
solos de Minha Loucura, das Enfibraturas do Ipiranga. Não
continuo. Repugna-me dar a chave de meu livro. Quem for como eu
tem essa chave.
E está acabada a escola poética "Desvairismo".
Próximo livro fundarei outra.
E não quero discípulos. Em arte: escola = imbecilidade de muitos
para vaidade dum só.
Poderia ter citado Gorch Fock. Evitava o Prefácio Interessantíssimo.
"Toda canção de liberdade vem do cárcere."
57
LITERATURA BRASILEIRA III
AULA 03: A SEMANA E SEUS DESDOBRAMENTOS
•Linguagem cotidiana;
•Abertura de sentidos;
VERSÃO TEXTUAL
58
Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições!
Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros!
Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Mas à chuva dos rosais
o êxtase fará sempre Sol!
Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais!
Morte ao burguês-mensal!
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi!
Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano!
"–Ai, filha, que te darei pelos teus anos?
–Um colar... –Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!"
Come! Come-te a ti mesmo, oh gelatina pasma!
Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas!
Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia!
Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos,
sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia!
Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Todos para a Central do meu rancor inebriante
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio!
Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus!
Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico!
Ódio fundamento, sem perdão!
Fora! Fu! Fora o bom burguês!...
Enfunando os papos,
saem da penumbra,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra
Berra o sapo-boi:
―"Meu pai foi à guerra!"
― "Não foi!" ― "Foi!" ― "Não foi!".
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: ― "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
59
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consonantes de apoio
Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A formas a forma
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia
Mas há artes poéticas..."
Urra o sapo boi:
― "Meu pai foi rei" ― "Foi!"
― "Não foi!" ― "Foi!" ― "Não foi!".
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
― "A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo."
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas:
― "Sei!" ― "Não sabe!" ― "Sabe!".
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Verte a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo cururu
Da beira do rio.
60
Meus olhos espiam olhos ingleses vigilantes nas docas.
Tarifas bancos fábricas trustes craques.
Milhões de dorsos agachados em colônias longínquas formam um
tapete para
[sua Graciosa Majestade Britânica pisar.
E a lua de Londres como um remorso.
Submarinos inúteis retalham mares vencidos.
O navio alemão cauteloso exporta dolicocéfalos arruinados.
Hamburgo, embigo do mundo.
Homens de cabeça rachada cismam em rachar a cabeça dos outros
dentro de alguns anos.
A Itália explora conscienciosamente vulcões apagados,
vulcões que nunca estiveram acesos
a não ser na cabeça de Mussolini.
E a Suíça cândida se oferece
numa coleção de postais de altitudes altíssimas.
Meus olhos brasileiros se enjoam da Europa.
Não há mais Turquia.
O impossível dos serralhos esfacela erotismos prestes a declanchar.
Mas a Rússia tem as cores da vida.
A Rússia é vermelha e branca.
Sujeitos com um brilho esquisito nos olhos criam o filme bolchevista e
no túmulo
[de Lenin em Moscou parece que um coração enorme está batendo,
batendo
mas não bate igual ao da gente...
Chega!
Meus olhos brasileiros se fecham saudosos.
Minha boca procura a ''Canção do Exílio''.
Como era mesmo a "Canção do Exílio"?
Eu tão esquecido de minha terra...
Ai terra que tem palmeiras
onde canta o sabiá!
Manoel Bandeira
61
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo.
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
[exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras
[de agradar às mulheres, etc.
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare
─ Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.
FÓRUM
Este fórum propõe a discussão das ideias sobre arte e poesia expostas
por Mário de Andrade, Bandeira e Drummond nos poemas apresentados.
Leia atentamente os quatro poemas, e procure refletir sobre suas
principais propostas. Faça pelo menos duas intervenções a respeito do
assunto dos textos em geral. Comente também pelo menos uma das
intervenções de seus colegas ou do professor.
62
LITERATURA BRASILEIRA III
AULA 03: A SEMANA E SEUS DESDOBRAMENTOS
• Fluxo de consciência;
• Coloquialismo da linguagem;
PARADA OBRIGATÓRIA
Neste tópico, apresentamos dois dos mais importantes romances
modernistas: Memórias sentimentais de João Miramar, de Oswald de
Andrade, publicado em 1924, e Macunaíma, de Mário de Andrade, de
1928. É fundamental que você leia os dois romances para ter uma ideia
mais consistente das propostas modernistas, e para que o debate no chat
final desta aula seja bem proveitoso. Os textos completos dos dois
romances estão disponíveis nos sítios indicados abaixo, e em arquivos
anexados a esta aula. Abaixo colocamos alguns comentários sobre as duas
obras, que podem auxiliar você em sua leitura e reflexão sobre elas.
63
O romance abre com um texto denominado "À guisa de prefácio", em
que o poeta Machado Penumbra, personagem, orador e poeta parnasiano dá
as boas-vindas a João Miramar, saudando sua "entrada de homem moderno
na espinhosa carreira das letras", e defendendo o direito à inovação, em que
pese a admiração que o personagem ainda nutre pelos parnasianos.
Penumbra vaticina a derrota dos cânones: VAE VICTIS (Ai dos vencidos!) e
anuncia sua expectativa quanto à revolução das letras, que mistura "o estilo
telegráfico e a metáfora lancinante". Embora faça restrição à pontuação
inusual que torna o texto confuso, Machado Penumbra aprova a linguagem
de João Miramar, ou sua "glótica": "Isso resulta em lamentáveis confusões,
apesar de, sem dúvida, fazer sentir "a grande forma da frase", como diz
Miramar pro domo sua".
1. O PENSIEROSO
Jardim desencanto
O dever e procissões com pálios
E cônegos
Lá fora
E um circo vago e sem mistérios
Urbanos apitando noites cheias
Mamãe chamava-me e conduzia-me para dentro do oratório de mãos
grudadas.
· O anjo do Senhor anunciou à Maria que estava para ser a mãe de Deus.
Vacilava o morrão do azeite bojudo em cima do copo. Um manequim
esquecido avermelhava.
· Senhor convosco, bendita sois entre as mulheres, as mulheres não têm
64
pernas, são como o manequim de mamãe até embaixo. Para que pernas
nas mulheres, amém.
A leitura dos demais capítulos deve ser feita tendo em mente essa
capacidade de sugerir da linguagem oswaldiana, muito mais do que afirmar,
e de sugestão em sugestão, compõe-se a narrativa, que, afinal, não é em si
tão revolucionária (cronologia linear, história simples, ação banal).
65
ignorância dos eruditos "maledizentes", entre os quais
se inclui o próprio Raimundo de Morais, que não
perceberam que o plágio era de toda uma cultura, e
não apenas de um livro, comparando-se aos "rapsodos
de todos os tempos", que "transportam integral e
primariamente tudo o que escutam ou leem para seus
poemas" (SOUZA, 1999, p. 164).
1ª MORTE
1ª RESSURREIÇÃO
2ª MORTE
2ª RESSURREIÇÃO
O exílio cósmico do herói é tão triste quanto inútil, ou seja, não é saída
nem solução para o impasse entre o primitivismo ameaçado e a vida urbana
pseudo-europeizada e semi-americanizada. Assim como o retorno de
Macunaíma ao Uraricoera não tem sabor de triunfo, sua transformação em
estrela não é apoteótica, mas melancólica.
67
VERSÃO TEXTUAL
CHAT
Ao final desta terceira aula de nosso curso, propomos um chat em
torno dos dois romances, a partir de um confronto entre os dois
personagens principais: Macunaíma e João Miramar. Quem são esses dois
brasileiros, que visão trazem eles sobre seu país, que contradições
experimentam em sua trajetória, e como as resolvem, ou não resolvem?
Relacione essas indagações às demais categorias das narrativas, como os
focos narrativos, os demais personagens, os respectivos enredos, tempos,
espaços, as temáticas, e finalmente as linguagens, a riqueza das linguagens
utilizadas pelos dois autores, que deixaram perplexos os intelectuais de
suas épocas, e mesmo de épocas posteriores. Não deixe de dar suas
opiniões sobre os romances no contexto do Modernismo, ouça o que seu
(sua) professor (a) e seus colegas têm a dizer, integre-se à proposta de
coordenação estabelecida para o chat, e bom proveito!
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Mário de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter.
Edição crítica.
68
LOBATO, Monteiro. "Paranoia ou mistificação?" in [5] - acesso em
11/11/2009. BRITO, Mário da Silva. História do Modernismo
brasileiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964. Ou no site
69
,
1º TRAÇO
2º TRAÇO
3º TRAÇO
4º TRAÇO
5º TRAÇO
70
• Graciliano Ramos: São Bernardo (1934), Paulo Honório, fazendeiro,
bom administrador e negociante de sucesso, não consegue reificar o
coração de Madalena, que combate sua ganância. Vidas secas (1938), a
ausência da linguagem que impede o homem sequer de protestar. O
homem próximo do animal, identificando-se organicamente com ele. Ao
final, eles "andavam para o sul, metidos naquele sonho", mas mesmo
assim a abertura para o sul não parece constituir saída. Vidas secas: 13
capítulos de vida independente
71
A catinga ressuscitaria, a semente do gado
voltaria ao curral, ele, Fabiano, seria o vaqueiro
daquela fazenda morta. Chocalhos de badalos de
ossos animariam a solidão. Os meninos, gordos,
vermelhos, brincariam no chiqueiro das cabras, sinha
Vitória vestiria saias de ramagens vistosas. As vacas
povoariam o curral. E a catinga ficaria toda verde.
(RAMOS, 1999. p. 15)
VERSÃO TEXTUAL
Baleia - A CACHORRA
72
Tinha emagrecido, o pelo caíra-lhe em vários pontos, as costelas
avultavam num fundo róseo, onde manchas escuras supuravam e
sangravam, cobertas de moscas. As chagas da boca e a inchação dos
beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida.
― Capeta excomungado.
73
Pouco a pouco a cólera diminuiu, e sinha Vitória, embalando as
crianças, enjoou-se da cadela achacada, gargarejou muxoxos e nomes
feios. Bicho nojento, babão. Inconveniência deixar cachorro doido
solto em casa. Mas compreendia que estava sendo severa demais,
achava difícil Baleia endoidecer e lamentava que o marido não
houvesse esperado mais um dia para ver se realmente a execução era
indispensável.
― Ecô! ecô!
75
lhe o pequeno coração. Precisava vigiar as cabras: àquela hora cheiros
de suçuarana deviam andar pelas ribanceiras, rondar as moitas
afastadas. Felizmente os meninos dormiam na esteira, por baixo do
caritó onde sinha Vitória guardava o cachimbo.
ATIVIDADE DE PORTFÓLIO
A partir de suas leituras sobre a obra de Graciliano neste tópico, e do
capítulo "Baleia", de Vidas secas, resolva os exercícios abaixo, colocando
as respostas em seu portfólio. Clique aqui para abrir a atividade.
76
LITERATURA BRASILEIRA III
AULA 04: REGIONALISMO, BANDEIRA, DRUMMOND
Fonte [1]
Por que Pasárgada? O primeiro contato com este nome mágico ocorreu
ao poeta aos dezesseis anos, na leitura de um autor grego, e desde este
instante, formou-se em sua mente a imagem de um país fabuloso, terra de
delícias, de encantamento. Mais de vinte anos depois, o primeiro verso
brotou de seu inconsciente, mas o poema não progrediu, e ficou esquecido
em algum lugar. Mais alguns anos depois, a célula inicial ocorreu-lhe de
novo.
Desta vez o poema saiu sem esforço, como se já estivesse pronto, dentro
de mim. Gosto desse poema porque vejo nele, em escorço, toda a minha vida;
e também parece que nele soube transmitir a tantas outras pessoas a visão e
promessa da minha adolescência - essa Pasárgada onde podemos viver pelo
77
sonho o que a vida madrasta não nos quis dar. Não sou arquiteto, como meu
pai desejava, não fiz nenhuma casa, mas reconstruí e "não como forma
imperfeita neste mundo de aparências", uma cidade ilustre, que hoje não é
mais a Pasárgada de Ciro, mas a "minha" Pasárgada. (BANDEIRA,1984. p.
98)
INFÂNCIA
Até os dez anos, principalmente no Recife e arredores, o autor viveu
"um conteúdo inesgotável de emoção": lembranças das primeiras leituras
de poesia, recordações da infância, os versos ensinados pelo pai, as
personagens que constituíam sua mitologia doméstica, por serem pessoas
que possuíam aos seus olhos "a mesma consistência heroica das
personagens dos poemas homéricos".
ENTRE 11 DE 18 ANOS
Do Rio de Janeiro, entre onze e dezoito anos, vêm as lembranças da
escola, o Ginásio Nacional, com seus professores que pouco transmitiam,
por não saberem mostrar aos meninos as belezas das matérias que
ensinavam.
GRADUAÇÃO
Terminado o Ginásio, Bandeira segue para São Paulo para estudar
arquitetura na Escola Politécnica, que tem de deixar ao final do ano letivo
por motivo de doença, "sem saber que seria para sempre".
VERSÃO TEXTUAL
1917
79
1919
1924
1930
Depois vêm Estrela da manhã (1936), impresso com papel doado; Lira
dos cinquent'anos (1940), cujo título provocou um comentário de um amigo
sobre sua "lamentável academização"; Mafuá do malungo (1948), em que "o
poeta se diverte"; e Opus 10 (1952).
Paul Valéry, grande poeta francês, dizia que a criação poética é produto
de um trabalho intenso e consciente. Bandeira tentou seguir o pensamento
do mestre, mas termina confessando que seus melhores poemas saíram de
seu subconsciente, "numa espécie de transe ou alumbramento". Para ele, "a
poesia está nas palavras, se faz com palavras, e não com ideias e sentimentos,
muito embora, bem entendido, seja pela força do sentimento ou pela tensão
do espírito que acodem ao poeta as combinações de palavras onde há carga
de poesia".
80
revelia, em sete estrofes de sete versos de sete sílabas", surpreende-se o
autor.
81
Há um outro poema inteiramente inspirado na música, mais
precisamente na forma lied: "Poema de uma quarta-feira de cinzas". O lied é
uma composição musical surgida no romantismo alemão, estruturada a
partir de um poema e conjuntamente com ele. O encanto pela música
manifesta-se ainda nas repetições de versos ou até de estrofes em vários
outros poemas, além de efeitos musicais propositalmente explorados em sua
poesia, de uma maneira geral, sem falar nas homenagens poéticas a
compositores famosos, como Schumann, Mozart e Debussy.
Uma outra maneira de manter sua poesia ligada à música foi ter Manuel
Bandeira tido vários poemas musicados por músicos da envergadura de
Villa-Lobos, Francisco Mignone, Camargo Guarnieri, Lorenzo Fernández,
Jaime Ovalle, Radamés Gnattali e outros. Esta preferência por Bandeira
como autor de poemas "musicáveis" seria creditada à "musicalidade
subentendida" na obra do poeta, que forneceria à verdadeira música os fios
propícios para que se enredassem num só tecido.
É curioso observar que o autor, apaixonado pela música, afirma que não
se pode procurar a verdadeira música na poesia: "Nunca a palavra cantou
por si, e só com a música pode ela cantar
verdadeiramente" (BANDEIRA,1984. p. 80). Podem-se encontrar nos
poemas elementos rítmicos e melódicos, mas não, obviamente, a música
mesma. Manuel Bandeira, inclusive, cita como presunçosa a declaração do
poeta Mallarmé, ao saber que o compositor Claude Debussy havia musicado
um de seus textos, de que já havia posto música suficiente no poema. "Sim,
mas a autêntica melodia estará sempre ausente", conclui o poeta de
Pasárgada.
Para ele sempre foi um prazer ser musicado, bem como ser traduzido e
ser fotografado.
82
Com sua mudança para a rua do Curvelo, conheceu Ribeiro Couto, através de
quem conheceu a nova geração de artistas do Rio (Ronald de Carvalho,
Álvaro Moreira, Di Cavalcanti) e de São Paulo (Mário e Oswald de Andrade,
Paulo Prado, Menotti del Picchia e outros), chegando a ter forte amizade
literária com Mário de Andrade.
Teria sido então o poema "Os sapos", uma contradição dentro da crença
de Manuel Bandeira? O poema, composto em 1918 e publicado em 1919, foi
recitado em público por Ronald de Carvalho na Semana de Arte Moderna de
1922, "sob os apupos, os assobios, a gritaria de "foi não foi" da maioria do
público, adversa ao movimento". Por que teria servido esse poema de
bandeira para os modernistas, se seu autor não se considerava anti-
passadista?
VERSÃO TEXTUAL
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
— "A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
83
As referências debochadas aos parnasianos e sua técnica são
constantes:
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado,
Diz: — "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Bandeira se defende dizendo que dirigiu esta sátira mais "contra certos
ridículos do pós-parnasianismo", com carapuças certas endereçadas a
Hermes Fontes e Goulart de Andrade. Apesar da alfinetada, Goulart de
Andrade foi quem conseguiu que o livro Poesias de Bandeira fosse editado,
sete anos depois do episódio da semana de arte.
- Alô, iniludível!
84
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
A mesa posta,
ATIVIDADE DE PORTFÓLIO
Nesta atividade, apresentamos 10 questões, de múltipla escolha e
discursivas, sobre a obra de Manuel Bandeira aqui apresentada. Você deve
responder a todas elas e enviar ao seu portfólio. Não deixe de tirar sempre
as dúvidas com seu professor, ou sua professora.
85
LITERATURA BRASILEIRA III
AULA 04: REGIONALISMO, BANDEIRA, DRUMMOND
VERSÃO TEXTUAL
1. UM EU TODO RETORCIDO
O título dado por Drummond a esta parte sugere uma visão de si mesmo
nada simétrica, pouco equilibrada, imperfeita, cheia de equívocos. Retorcido
pode ser não linear, não conforme, não enquadrado, misturando um
comportamento social impecável com momentos de espírito rebelde e
chapliniano. O eu retorcido se resume na palavra gauche, presente na
primeira estrofe da primeira parte da Antologia.
se eu me chamasse Raimundo
As lições da infância
88
Na antevisão da morte, o eu lírico, a voz poética recebe nome e
sobrenome, para que não paire nenhuma dúvida sobre quem está se
despedindo da vida:
ROMARIA
89
Um leproso de opa empunha o estandarte
90
Romaria A ladeira no plano concreto é a estrada, que de repente se
"desconcretiza" para virar caminho do céu, caminho da salvação. Os
espinhos e as pedras nomeiam seres bastante brutos, que evocam o
sofrimento, o sacrifício dos fiéis em sua caminhada rumo à purificação. As
abstratas e impalpáveis culpas, nessa jornada, vão-se concretizando e vão
sendo eliminados por seus portadores, como pesos indesejáveis que
dificultam a ascensão.
flutuávamos
CONFIDÊNCIA DO ITABIRANO
91
Oitenta por cento de ferro nas almas.
92
quero firme e discreto o meu amor,
93
que a teu profundo mar conduza, Minas,
94
No voo que desfere,
silente e melancólico,
rumo da eternidade,
ele apenas responde
(se acaso é responder
a mistérios, somar-lhes
um mistério mais alto):
Amar, depois de perder
("Perguntas")
4. CANTAR DE AMIGOS
95
O primeiro é uma Ode comemorativa dos cinquenta anos do poeta
Manuel Bandeira, completados em 1936. Drummond exalta a arte de
Bandeira, criador de "um mundo amoroso e patético", cuja poesia tem a
propriedade de fazer sofrer, de uma maneira inexplicável, "esse sofrimento
seco, / sem qualquer lágrima de amor". Não importam os assuntos de sua
poesia, as paisagens pernambucanas, aspectos do Rio de Janeiro, sua própria
vida de condenado precoce à morte, seu grande valor é sua "pungente,
inefável poesia, é o fenômeno poético, de que te constituíste o misterioso
portador".
96
O segundo poema é uma homenagem póstuma ao poeta paulista Mário
de Andrade, grande pesquisador do folclore e da cultura brasileira em geral,
cuja residência (metonímia dele mesmo), "navio de São Paulo no céu
nacional, / vai colhendo amigos de Minas e Rio Grande do Sul, / gente de
Pernambuco e Pará, todos os apertos de mão, / todas as confidências a casa
recolhe". A morte do poeta provoca um sentimento de vazio, uma pausa oca,
mas a obra dele acaba permanecendo, "e ficam tuas palavras / (superamos a
morte e a palma triunfa) / tuas palavras carbúnculo e carinhosos diamantes".
mesmo no estar-angustiado.
plástico do mundo.
97
das coisas simples e descomplicadas na complicação do mundo moderno e
na complexidade das relações sociais.
5. AMAR-AMARO
Amar-amaro, nome que o poeta deu a esta seção, que contém textos
sobre o choque social, é o título do último poema que aparece na parte
seguinte, sobre o amor (Uma, duas argolinhas). O intrigante é que Amar-
amaro é um poema do livro Lição de coisas, de 1962, em que já não
transparece na poesia de Drummond a preocupação social, abundante nos
livros Sentimento do mundo, José e A rosa do povo. Em Lição de coisas,
Drummond já apresenta uma poesia mais madura, cheia de inquietações
Fonte [4] humanas, mais universal, despojada de engajamentos sociais.
este malestar
98
cantarino escarninho piedoso
VERSÃO TEXTUAL
99
O poeta
Declina de toda responsabilidade
Na marcha do mundo capitalista
E com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas
Promete ajudar
A destruí-lo
Como uma pedreira, uma floresta,
Um verme.
Merece destaque "O elefante", bicho poético que sai pelo mundo mas
não consegue se comunicar porque o mundo é incomunicável; não obstante,
ele busca as emoções, a inocência e a poesia, mas volta para casa insatisfeito
de seus desejos por causa da indiferença das pessoas. A criatura é afinal
identificada ao criador, o poeta, que recomeça diariamente sua procura vã.
ou mesmo suicidar-se.
quando virão,
se é que virão.
101
entre criaturas, amar?
amar e esquecer,
amar e malamar,
Desespero (de pernas para o ar), ternura, de que valem sentimentos, por
que amar? Amor é peça de museu? O museu não é do Prado, secular
instituição espanhola, situada em Madri, mas do pardo, o obscuro, quase
escuro, branco sujo, duvidoso. Amor, sofrimento, morte, doença contagiosa
que enche o corpo de feridas, sofre porque quer, errante, está em todo lugar,
pre-enche os vazios e é o próprio vazio. Concentremo-nos na sugestão:
a vida também
tudo também
103
7. POESIA CONTEMPLADA
Este é o momento em que o poeta vai falar sobre poesia, sobre fazer
poesia, sobre ler poesia. É o momento da metalinguagem, da explicação, ou
tentativa de, sobre o processo criativo e sobre o processo recriativo, de
leitura.
O LUTADOR - 1942
Em "O lutador", publicado em 1942, o eu lírico tenta descrever o
trabalho criativo, o fazer poético. O poeta se considera um ser "lúcido e
frio" que tenta achar as palavras certas e colocá-las na melhor ordem com o
objetivo de compor um poema "para meu sustento / num dia de vida".
Entre os povos primitivos, os loucos eram considerados mágicos, que
tinham poder de encantar as palavras e dominá-las, e eram respeitados em
Fonte [6]
sua sociedade por isso. Não é o caso do lutador, que se submete ao
capricho das palavras, corteja-as, tenta possuí-las, copular com elas, mas
elas são indóceis, desafiadoras, desobedecem às regras do jogo. Há
momentos em que a entrega quase se consuma, mas é ilusão. "O inútil
duelo / jamais se resolve", mas a luta continua.
Lá estão elas, "com seu poder de palavra / e seu poder de silêncio". Ora,
dirão, as palavras não remetem a ideias? A resposta é sim, mas é importante
considerar a poesia como a criação de um novo mundo, sem compromisso
com o mundo real. Ao comentarmos o poema "Amar-amaro", por exemplo,
percebemos que seu sentido não é o acontecido ou vivido ou sofrido por
alguém, mas uma relação às vezes lógica, às vezes ilógica, entre palavras que
se unem. Assim, as ideias evocadas pelas palavras constituem um sentido
lógico que é mais passagem para o estado poético do que um fim em si
104
mesmas. O "estado poético" é a poesia, um mundo à parte, um outro mundo
que não precisa, nem deve, guardar com o nosso nenhuma relação de
correspondência. Poesia é um estado de contemplação, é sentido estático, daí
o próprio título dessa seção, POESIA CONTEMPLADA.
de cuidados terrenos;
é um sinal de menos.
105
Onde há poesia então? Ela deve ser encontrada em outros mundos, não
aqui. De que se formam nossos poemas? Onde? Ninguém responde, muito
menos o poeta, um ressentido. Ninguém sabe.
8. NA PRAÇA DE CONVITES
VERSÃO TEXTUAL
NO MEIO DO CAMINHO
No meio do caminho tinha uma pedra
106
no meio do caminho tinha uma pedra.
Fonte [9]
a vida baixa...
("Cantiga de enganar")
tudo me atormentava
107
("Rola mundo")
("Jardim")
(...) e a fala
no negrume circundante
("Cantiga de enganar")
("Elegia")
Dia,
108
Fonte [10]
Irredutível ao canto,
superior à poesia,
("Rola mundo")
109
A busca de uma "Vida menor" contém o desejo de simplificação da
vida num estado de paz e descanso (Não a morte, contudo), sem
complicações, a completa ausência de necessidade de bens morais,
materiais e até da arte, a vida essencial:
e solitário vivo.
Isso eu procuro.
110
BOITEMPO
Os cinco primeiros foram publicados inicialmente no livro Boitempo
(1968).
DRUMMOND
Na sequência, encontramos quatro poemas do livro A falta que ama,
que retornam àquele Drummond mais introspectivo.
VERSIPROSA
Os três poemas seguintes são de Versiprosa (1967)
VIOLA DE BOLSO
Os três últimos poemas foram tirados de Viola de bolso (1967).
do tempo da vida.
Imenso
no pulso
111
O desfile de sensações do tempo antigo encerra-se com "Água-cor",
percepção mágica das cores profundas dos líquidos contidos nos frascos de
líquidos de farmácia: o verde - "verde-além-do-verde" -, o azul do mar
concentrado dentro da garrafa - uma enseada na redoma -, o amarelo
precioso - "laguna de ouro". É o império do sentido da cor: "A cor é o
existente; o mais, falácia".
"O par libertado" figura o casal que consegue manter-se imune à ação
constrangedora do mundo ao redor pelo silêncio que liberta; "A falta que
ama" é a vontade, a necessidade de amar para superar a solidão, necessidade
tão forte que o locutor confunde sua origem, se ela está no ser humano ou
simplesmente na própria falta, no buraco cavado pela ausência.
O inseto petrificado
na concha ardente do dia
une o tédio do passado
a uma futura energia.
VISÕES
112
antiapocalipse. Ele não quer o fim do mundo, mas um eterno recomeço,
com alegria, com manhãs claras, com integração à natureza, com muito
amor e muita paz: (Clique aqui e veja o verso)
VELHO AMOR
Ó namorados de galochas!
Não é maio!
Minh'alma chove
frio, tristinho.
Não te comove
este versinho?
113
Para fechar a Antologia, o poeta brada um fervoroso pedido de que não
o perturbem mais em "Apelo a meus dessemelhantes em favor da paz". O eu
lírico declara solenemente que não quer ler mais, não quer saber de fazer
prefácios nem posfácios. O poeta não está para ninguém, sua empregada
recebe a ordem de proferir as terríveis palavras que o afastam
definitivamente do contato com o mundo, palavras que o repórter Sebastião
Martins teve que enfrentar:
O urso-polar, que se declara tão velho que viveu sua juventude na era
A.C. , vai além: não quer sorrir para ninguém, não quer agradecer nada, não
quer participar de noites de autógrafos, nem responder nada a garotos de
colégio, não quer saber de fotos, quer que o esqueçam:
ATIVIDADE DE PORTFÓLIO
Nesta terceira parte do portfólio, apresentamos 10 questões, de
múltipla escolha e discursivas, sobre a obra de Carlos Drummond de
Andrade aqui apresentada. Você deve responder a todas elas e enviar ao
seu portfólio. Não deixe de tirar sempre as dúvidas com seu professor, ou
sua professora.
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Carlos Drummond de. Antologia poética. 43 ed. Rio de
Janeiro: José Olímpio, 1999.
114
BANDEIRA, Manuel. Itinerário de Pasárgada. 3 ed. Brasília, Nova
Fronteira, 1984.
115
LITERATURA BRASILEIRA III
AULA 05: A DÉCADA DE 40
VERSÃO TEXTUAL
116
Soneto do homem acordado
Anotação à Poética
(FONSECA,1967. p. 437)
O engenheiro
117
situavam na natureza o edifício
crescendo de suas forças simples.
O poema
A tinta e a lápis
escrevem-se todos
os versos do mundo.
É muitas vezes
o pardo e pobre
papel de embrulho;
é de outras vezes
de carta aérea,
leve de nuvem.
Mas é no papel,
no branco asséptico,
que o verso rebenta.
Canto da Insubmissão
118
a revolta profunda e ignorada
dos homens solitários.
Impossível, embora
eu saiba que há rosas sob a lua,
plátanos dormindo na alameda intacta,
119
lotações de sereias, luminosas
vivendas na praia, entre piano e beijos,
autos deslizando como peixes no grande mar do tráfego,
e pernas oleosas, mãos de brinde
no espelho do champanhe, o baile, o sonho.
Impossível, pois sei também que existem
soluços e clamores,
lírios no charco, luta de afogados
contra as marés, o monopólio e a morte.
120
a poesia dos proscritos,
negra ou branca, amo a poesia!
FÓRUM
Neste tópico, apresentamos seis poemas considerados da Geração de
45. Uma leitura atenta vai revelar que, apesar de terem elementos em
comum, todos eles têm personalidade própria, e apresentam traços
singulares. Este fórum pretende que sejam discutidas as características
gerais que fazem deles poemas da mencionada tendência, mas que sejam
apontadas também suas peculiaridades, aquilo que faz de cada um deles
um artefato poético de beleza singular.
Você pode utilizar as perguntas abaixo como guias para suas reflexões
(ou não):
(CLIQUE AQUI)
121
intervenções a respeito do assunto. Comente também pelo menos uma das
intervenções de seus colegas ou do professor.
REFERÊNCIAS
FONSECA, José Paulo Moreira da. In: RAMOS, Péricles Eugênio da
Silva (org. Seleção e notas). Poesia moderna – antologia. São Paulo:
Melhoramentos, 1967.
MELO NETO, João Cabral de. Obra completa. Rio de Janeiro: Nova
Aguilar, 1994.
122
LITERATURA BRASILEIRA III
AULA 05: A DÉCADA DE 40
O poeta João Cabral de Melo Neto escreveu mais de 180 poemas sobre
Pernambuco - a maioria deles sobre o Recife e seu rio Capibaribe. O que
inspirou vários deles, inclusive O cão sem plumas, de 1950, ou Morte e vida
severina, de 1954, foi a atmosfera de miséria que envolve as populações
ribeirinhas do Capibaribe ou os retirantes da seca.
O cão sem plumas tem sua gênese na descoberta que João Cabral fez,
um dia, de que a média de vida do recifense era de 28 anos, menor do que a
Índia. Isso lhe trouxe à lembrança sua infância no Recife, assistindo de lugar
privilegiado à miséria das favelas e mangues, em contraste com a beleza da
cidade. O choque entre a aristocracia - senhoras da sociedade pernambucana
Fonte [1] faziam crochê para doar aos mortos de fome da Índia, sem olhar para o
quintal delas - e a miséria irremediável levou o poeta a escrever esse poema,
o primeiro sobre o Recife.
123
As águas do rio são a negação da chuva azul, da fonte cor-de-rosa, / da
água do copo de água, / da água de cântaro, / dos peixes de água, / da
brisa na água. A negação da pureza é a afirmação da sujeira, da lama e dos
detritos. Sujeira e pobreza andam juntas, a flora e a fauna que habitam o rio
são a expressão da miséria. Seu curso é lento e parece, em alguns momentos,
estagnar-se.
(Paisagem do Capibaribe)
uma fruta
§ Aquele rio
da fonte cor-de-rosa,
da água de cântaro,
da brisa na água.
de lodo e ferrugem.
Sabia da lama
Sabia seguramente
124
da mulher febril que habita as ostras.
§ Aquele rio
ao brilho,
à inquietação de faca
§ Abre-se em flores
pobres e negras
como negros.
Abre-se em mangues
como um negro.
o rio cresce
Tem, o rio,
§ E jamais o vi ferver
(como ferve
Em silêncio,
§ Em silêncio se dá:
125
para o pé ou a mão
que mergulha.
§ Como às vezes
densas e mornas
de uma cobra
§ (É nelas,
mas de costas para o rio,
que "as grandes famílias espirituais" da
cidade
chocam os ovos gordos
de sua prosa.
Na paz redonda das cozinhas,
ei-Ias a revolver viciosamente seus
126
caldeirões
de preguiça viscosa.)
A degradação humana é tal que não se sabe mais o que é homem e o que
é paisagem, onde termina um e onde começa o outro, onde está a dimensão
humana do ser.
II
(Paisagem do Capibaribe)
Como um cão.
humilde e espesso.
§ Entre a paisagem
(fluía)
de casas de lama
plantadas em ilhas
coaguladas na lama;
paisagem de anfíbios
de lama e lama.
§ Como o rio
aqueles homens ,
é mais
é mais
127
§ Um cão sem plumas
É quando de um pássaro
§ O rio sabia
Sabia
de camarão e estopa.
(onde tudo
sem portas)
escancaradas
aos horizontes
§ E sabia
(vão todos
vestidos de brim)
secam
Estes
128
secam
de sua palha;
mais além
mais além
até
Ali se perdem
Ali se perdem
§ Ali se perdem
Ali se perdem
o fio de homem.
§ Na água do rio,
lentamente,
se vão perdendo
em lama;
129
numa lama
da lama;
o sangue de goma,
o olho paralítico
da lama.
§ Na paisagem do rio
difícil é saber
onde a lama
começa do rio;
onde a terra
começa da lama;
onde o homem,
onde a pele
começa da lama;
naquele homem.
§ Difícil é saber
se aquele homem
já não está
os ossos do ofício;
capaz de sangrar
na praça;
capaz de gritar
se a moenda
130
lhe mastiga o braço;
capaz
e não apenas
dissolvida
O LUTADOR - 1942
Espada (úmida gengiva de); cachorro; mastro, flores de terra, imagens
de cão e mendigo.
III
(Fábula do Capibaribe)
§ A cidade é fecundada
que se derrama,
por aquela
§ No extremo do rio
o mar se estendia,
131
sobre seus esqueletos
de areia lavada.
azul e branca
desdobrada
no extremo do curso
ou do mastro do rio.
§ Uma bandeira
polindo esqueletos,
um polícia puro
elaborando esqueletos,
o mar,
com afã,
vidrada, de estátua,
132
a mesma coisa,
professor de geometria.)
como um cachorro
como um mendigo,
§ Primeiro,
O mar se fecha
§ Depois,
Quer
o mar
destruir no rio
uma fruta.
o rio se detém
Junta-se o rio
a outros rios
133
§ Junta-se o rio
a outros rios.
Juntos,
todos os rios
de água parada,
sua luta
de fruta parada.
aqueles mangues
§ A mesma máquina
paciente e útil
de uma fruta;
a mesma força
invencível e anônima
de uma fruta
depois de cortada ─.
até o açúcar,
gota a gota
gota a gota
aflorando alegres.)
A parte final é "Discurso do Capibaribe". O rio tem sua história, ele está
para a memória dos homens como um cão vivo está para uma sala, um bolso,
debaixo dos lençóis, debaixo da camisa, debaixo da pele. O cão, por ser vivo,
é agudo e penetrante, e introduz a imagem do espesso.
134
As categorias do espesso vão-se projetando numa gradação, do menos
para o mais espesso: rio - maçã - cachorro - sangue de cachorro - sonho de
homem - sangue de homem.
Fonte [3] O rio contém o espesso da fome, da miséria social, da luta dos pobres
pela sobrevivência.
IV
(Discurso do Capibaribe)
§ Aquele rio
está na memória
dentro de um bolso.
debaixo da camisa,
da pele.
é agudo.
O que vive
não entorpece.
O homem,
porque vive,
Viver
§ O que vive
incomoda de vida
135
que sonhou cortar-se
roupas de nuvens.
é espesso.
Aquele rio
é espesso e real.
é espessa.
Como um cachorro
o sangue do cachorro
um homem
o sangue de um homem
§ Espesso
se um homem a come
se a fome a come.
136
Como é ainda muito mais espessa
§ Aquele rio
sé espesso
Espesso
sonde a fome
se Íntimas formigas.
E espesso
pelo fluir
ao parir
em mais vida,
como a árvore
é mais espessa
corno a flor
é mais espessa
etc. etc.
§ Espesso,
cada dia,
137
o dia que se adquire
cada dia
ATIVIDADE DE PORTFÓLIO
Após a leitura do poema "Cão sem plumas", tente responder às
questões abaixo, que envolvem sua apreciação e compreensão do poema.
Envie suas respostas para seu portfólio.
Clique aqui para abrir a atividade.
138
LITERATURA BRASILEIRA III
AULA 05: A DÉCADA DE 40
139
subordinar-se a essa nova e estranha potência, que não se dá a conhecer, mas
que move os poetas em seu fazer incessante.
Jardim
Dissolução
aceito a noite.
140
e coisas não figuradas.
Braços cruzados.
surgem do vácuo.
Habito alguma?
da confluente escuridão.
destroçada.
calamo-nos.
CHAT
Prepare-se bem para este chat, tentando dialogar intensamente com
os dois poemas transcritos neste tópico. Para auxiliar suas reflexões,
propomos a leitura do ensaio "O jardim da dissolução: considerações
sobre o poema "Jardim", de Carlos Drummond de Andrade", de Cid Ottoni
Bylaardt. O texto do ensaio pode ser encontrado aqui (clique para abrir)
[1] (Visite a aula online para realizar download deste arquivo.), ou no
seguinte sítio:
http://www.letras.ufmg.br/poslit/08_publicacoes_pgs/Eixo%20e%20a%
20Roda%2014/10-Cid-Ottoni-Bylaardt.pdf [2] (Visite a aula online para
realizar download deste arquivo.)
Leia os textos com atenção, reflita sobre o que eles sugerem e/ou
dizem, e tenha uma participação efetiva no chat que será marcado pelo(a)
professor(a).
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