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uma ·filosofia para espíritos livres


Entrevista com Oswaldo Giacoia Junior2

C. A. Dalbosco: O senhor poderia come- mente aos domínios da ética , filosofia do


çar
, fazendo uma breve auto-apresenta- direito, filosofia política e hi s tcJri a d a
ção de sua formação intelectual, dizen- filosofia. É claro também que tud o i~so
do quais foram os motivos que o leva- guarda uma vinculação mui to es tre it a
ram a estudar filosofia, onde e quando com a crítica cultural.
concluiu seus estudos de doutorado e Minha primeira escolha para a pós-g ra-
pós-doutorado? Juntamente com isso, o duação foi filosofia do direito, que co-
senhor poderia oferecer um breve resu- mecei a cursar na Faculdade de Direito
mo daquilo que considera como proble- da USP, algum tempo depois de ter con-
ma filosófi~o central de suas investiga- cluído a graduação. Porém, com o na
ções desse período? PUC-SP implementara uma program a
O. Giacoia Junior: Meus estudos univer- de pós-graduação interessante e ori g i-
sitários, em nível de graduação, foram nal, contando com a participação d os
feitos simultaneamente na U niversida- professores aposentados da USP pel a
de de São Paulo, pela qual sou bacharel ditadura militar Oosé Arthur Gianno rti
em Direito, e na Pontifícia Universida- e Bento Prado Jr.), modifiquei o rum o
de Católica de São Paulo, pela qual sou de meu mestrado, tendo defendido uma
bacharel em Filosofia . Concluí ambos dissertação sob a orientação d e Be nt o
os cursos no período entre 1972-1976. Prado Jr. na PUC . O tem a fo i a relação
Como se pode depreender dessa escolha entre ciências e filosofia no pusitiYism o
meu interesse intelectual sempre este-' de Augusto Comte, defendida em 1983 .
\'e ligado às humanidades - especial- Já para o doutorado, tom ei a decisão de
enfrentar o problema que sempre foi um

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1.u u, a-,au Ja U n1 vc r'1Jad c J c Pa , ~n l'unJu _ LI PF s, \ e ~ulta t e a g ug 1J ,: J o mc~lrJJ,i c:m
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do~ m aiore~ núcleos de minha preocupa- hi stóri a e pela q u alificação de eu cor-
ção intelectua l: a crí tica d e ietz che ao po doce n te, tinha um glamour e um Po-
cristi a ni sm o e à m oderni da d e políti ca. d er de fa cíni o sem compararão. A Freie
Para ta nto, teri a ante de e tudar alemão Uni·vcrsitiit B crlin era - e co ntinua se n-
o s uficie n te p a ra poder rea li za r a ério do - um dos ma is importantes centros
um es tudo d e a natureza. Foi o que fi z unive rsitários da E u ropa , pelo que con-
ca ndida tando-me a uma bolsa d e douto- sidero um p rivilégio ter sido beneficia-
ra d o p leno n a Ale m a nh a, q ue co ncluí d o pelas oportuni dade e recursos que
em 1988 - pou co tempo antes d a queda lá enco ntrei.
do m u ro - n a F reie U nive rsitat Berlin
C. A. Dalbosco: D e su a produção intelec-
(Unive rsidade Livre de Berlim). Minha
tual, que livro o se nhor considera mais
te e p retendeu evidenciar a centralida-
importa nte? P or quê?
de do p roblem a da cultura na fil osofia
de ietzsch e, o que atenua, em alguma O'. Giacoia Junior: É mui to difícil para
medida, o peso preponderante atribuído mim respond e r a essa pergunta , pois
po r muitos comentadores aos temas da cada um de meus traba lhos tem, pelo
mora l. P en so que, com isso, ofere ço os menos p ara mim, um significado espe-
ele m e nt os mai s relevant es para uma cial e represe nta um m o m en to im por-
resp os ta à sua questão. tante d e meu percurso ü~telectual ate
aqui. Tenho a impressão que em Os la-
C. A. D albosco: O que represe ntou, em
birintos da alma est ão reunidos estudos
te rm os d e motivação intelectual, seu
que, a des peito d o ca r áter exploratório
do u t orad o na Uni ve r sidade Livre de
d e alguns d eles, co m b ina m diferentes
Berlim (Freie Universitat Berlin)?
perspecti vas de a b or dagem do pen a-
O. Giacoia Junior: Foi deci s ivo p a ra m ento d e Nietzsch e.
mim, em termos d e motivação intelec-
C. A. Dalbosco : Com o su rge eu intere ·-
tual, poder dedicar-me ao estudo de um
se por N ie tzsc h e e q u e avalia ão o e-
período sign ifi cativo da históri a fil osó-
nhor fa z d a recepção deste pen ador no
fica alem ã - o idealismo alem ão e m seu
B ras il? Compl e m e n tando a pergunta:
percurso de fo rmação, a té se u esgo ta-
qual é o a tual estágio da pe qui ,1: o-
mento com os hegeli anos de esquerd a e
b re N ie t ch e n o B rasil?
direito, com Schopenh auer e N ietzsche
(pois pe nso q u e a críti ca c ultu ra l d e O. Giacoia Junior: Meu inrere ·e por
N_ietzsche pode ser mais bem com p ree n- N ietz ch e su rg iu desde a primeira oca-
dida nesse co ntex to, e d ediq uei a i o s ião em q ue fui co n fro ntado com Para
meus estudos de doutoramento) - na at- a genealogia da moral ai nda durante o cur-
~sfera espiritual de um a unive rsidade o clá ico n o L i ce u Pa steur, em . . Jo
q e, naquele momento po l 1t1co,
' . por sua P a ul o. Desde aq uela época, percebera

IU: P - Rcv1Ma F .
:.pa1,o I cuagug1\:o v IO .
' . , n . 1, Pas~o l·unJ u , r • 1_,'º,,_ 157 - .
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. ., .'.'003
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claramente a fo rça, a radicalidade, o al- t r ibuíra m e ainda contri buem d cc isi\·a-
cance e a profundidade da crítica a que mente para 1 o.
N ie tz che s ubm ete u o cr i s ti a ni s m o,
C. A. Dalbosco : P o r um bcJm tempo
co n siderado por e le como a " m ed ul a
N ie tz c h e dei xou de cr est ud ad o na
e piritual " do Ocide nte . Co m o es a é
Alemanha e isso ocorre u, ent re o u tra.
uma q u es tão pe la qual sou profunda-
razõe s, co m o o e nh or m es m o afi rm a
mente co n cernido, tanto do ponto de
e m se u livro Nietzsche ( p. 73) , porque
vista in te lectua l quanto ex is tencial e
houve um a te ntativa de associar o pen-
pe oa l, o estudo de sua obra tornou-se
sam e nto desse a utor ao nazi smo, tenta-
um a paixão para mim . Assim que tive
ti va essa levada a cabo pel o . iet:zsclze-
condições de poder dedicar-me seria- Archiv e pelo P artido acional-Socia li s-
mente a ele - quase que em caráter d e ta . Curiosamente, a retom ad a d e e u
especialidade - , não hesitei em fazê-lo. pen sa mento n a pró pria Ale m a nh a se
A história da recepção de Nietzsche no deve, em grande parte, à influência dos
Brasil é um tema complexo e apaixonan- estudos franceses sobre Nietzsche e o-
te, escrevê-la é uma tarefa urgente, a ser bre a leitura que H eidegger faz dele. Isto
realizada. Existem alguns estudos pre- é, o seu retorno se dá, em grande parte \·ia
liminares a esse respeito, mas ainda res- os franceses. Como o senhor :-ivalia essa
ta muito por fazer. Nietzsche é recebi- tentativa de vin cul ar Nietzsche com o
do entre n ós relativamente cedo, e por nazismo? Se os france e contribuíram,
diferentes caminhos, porém essa recep- por um lado, para de fazer e a vincula-
ção é descontínua, esporádica, sem pro- ção, por outro, não deram margem para
fundidade e especialização. O estudo se fazer um a o ut ra as ocia çào, aq uela
continuado e rigoroso de sua ob:a, n o que relaciona N ie tz che a um a idéia
âmbito da universidade, conhece uma "faceira" de p ó -m odernid ad e, o que
profunda transformação no fin al dos também poderia co ntribuir, m a i uma
anos se tenta e, sobretudo, a partir d a ,·ez para a tri\'ializaçào e ·implificaçào
década seguinte, quando são introduzi- do pen amento de · e au tor?
dos, também no Brasil, os padrões his-
tórico-crítico-filológicos da ed ição Colli O. Giacoia]unior: É ,·erdade que os fran-
e Montinari, que mudaram os rumos da ce e , e pecialmente o trabalh o de
pesquisa Nietzsche no mundo inte iro. Batai ll e, De le uze, Fouca ult , D errid a e
Atu alm e nte, as pesqui sas bras il e ira outro , são de grande importânci a para
sobre Nietzsc he se dese nvo lvem num a recuperação Je ietz che da ap ro pri a-
nível acadêm ico que, em média, pode ser ção ideológica de sua obra, le,·ada a efei-
con siderado muito bom. Penso que o, to pe lo naz i-fa c i mo, e ·timul a nd o a
traba lh os de Gerad Lebrun, ca rl e tt re tomada d a pe qui a so bre ie tzsc he
Marton, Roberto Machado e ou tros con- n a própria Alemanha. ão podemos no

Rl:l' . Rc\l, la l:, pa1,11 Po.:Jag11g11.:u, v. IU, n. 1, l'a~~ll h111J11, p. 149-157 · tan. Jlln. 1003
e qu ecer, no entanto, de que essa hi stó- que novo abuso s implista foi perpetra-
ria é muito mais complicada do que tado, reforçando a unilateralidade da
pode parecer à primeira vista. Há que se interpretação. Apesar disso, não se pode
considerar, ne se contexto, a contribui- negar, quando se toma a sério a discus-
c;ão específica de autore como Karl são filosófic a da pó s modernidade _
Jaspers, Karl Lowith, o próprio Heidegger, como no caso da discussão entre
Horkheimer, Adorno, um pouco mais tar- Lyotard e Habermas, por exemplo -, que
de Muller-Lauter e muitos outros, cuja Nietzsche antecipa muita coisa a esse
trajetó ria é absolutamente própria . respeito.
Deve-se levar em conta também a in- C. A. Dalbosco: O senhor concebe que W.
fluência do trabalho filológico-herme- Kaufmann , em seu livro Nietzsc he:
nêu tico que se associa ao nome de philosopher, psychologist, antichrist, teria se
Mazzino .Montinari e de alguns pensa- diferenciado da clássica interpretação
dores italianos. hedeggeriana de Nietzsche? O que o se-
Quanto à vinculação entre Nietzsche e nhor considera como idéia central da in-
o nazismo, penso que só pode ser apre- terpretação de Heidegger e em que, preci-
ciada devidamente, com a gravidade e a
samente, Kaufmann se diferencia desta
seriedade que a importância da questão
interpretação?
exigem, quando ultrapassamos a retóri-
ca de fachada e nos damos ao trabalho O. Giacoia Junior : Para não complicar,
de examinar escrupulosamente as mo- diria que o essencial para Heidegger
tivações teóricas e os conceitos funda- consiste na inserção de Nietzsche na his-
mentais implicados de um e outro lado. tória da metafísica tradicional, interpre-
Para mim, um exemplo de trabalho sé- tada por ele, em seu conjunto, como
rio a esse respeito pode ser encontrado história do esquecimento progressivo do
no livro de Bernhard Taureck, de cujas Ser. Nessa escalada, a obra de Nietzsche
conclusões discordo radicalmente; as- representaria o ápice do esquecimento,
sim como no livro de Henning Ottmann, na medida em que nela a perguntJ ori-
com quem concordo no essencial. Exa- ginária pelo Ser d eixa de ecoar, posto
minadas as coisas em profundidade, que, em Nietzsche, o Ser é reduzido in-
penso que a obra filosófica de Nietzsche tegralmente à vontade de poder (a saber,
é incompatível com a teoria social e com a filosofia de Nietzsche corresponde ú
a práxis política nazi-fa scista, justamen- metafísica da era d a escalada planetári:.i
te pelo teor emancipatório e pela intran- da técnica moderna; nela, o ser do ente
sigente postura crítica e antidogmática em sua totalidade é identificado como
da primeira. vontade de poder e dominação), sendo
Quanto ao risco de trivialização em cha- a doutrina do e terno retorno Jo mesmo
ve "pós-moderna", não resta dúvid a de


REI' - Rcvi~la Espaço Pt:Jagogi1:o, v. lU, n . 1, PJ~so l ·unJo, p. 149- 15 7 . jan.1 j un.1 200:{
a e\pressão de seu modo de aparecer (seu O. Giacoia Junior: Penso que as teses de
aspecto) na modernidade. Sloterdijk e Habermas são paradigmáti-
Para Heidegger, porta11to, Nietzsche só cas em relação aos rumos que podem
pode ser adequadamente compreendido tomar os posicionamentos filosóficos
como o pensador que leva a efeito o aca- mais importantes, urgentes e cruciais, a
bamento da metafísica, permanecendo respeito do sentido do desenvolvimen-
0 último dos metafísicos. Nesse sentido, to da tecno-ciência, especialmente no
Heidegger subestima a importância da que concerne à biologia molecular e à
psicologia no pensamento de Nietzsche. genética, assim como das conseqüências
Kaufmann, por sua vez, discorda desse que desse progresso podem resultar para
peso decisivo atribuído por Heidegger à o futuro da humanidade. Ambos, cada
perspectiva metafísica, razão pela qual um segundo a lógica de uma argumen-
explora genialmente a obra de tação original, procuram fundamentar
Nietzsche na direção da psicologia, da suas colocações, ponderando razões, das
crítica da religião, da crítica cultural, o quais todo aquele que é concernido pela
que enriquece consideravelmente sua reflexão filosófica não pode passar res-
interpretação. ponsavelmente ao largo. Trata-se de um
C. A~ Dalbosco: Em julho de 1999 debate da maior importância e atualida-
Sloterdijk proferiu, no castelo de Elmau, de, ao qual foi dedicado meu minicurso
sul da Alemanha, uma conferência aqui em Passo Fundo.
intitulada Regeln Jür den Menschenpark: C. A. Dalbosco: Se o senhor me permitir,
Ein Antworlschreiben zu Heideggers Brief eu gostaria de passar agora, nesta segun-
über den Humanimus (Regras para o par- da parte da entrevista, para algumas
que humano: uma resposta à carta de questões mais pontuais. Em seu livro
Heidegger sobre o humanismo) . Esta Nietzsche, o senhor faz uma apresenta-
palestra gerou grande polêmica na ção clara do pensamento desse fil ósofo
mídia, fazendo surgir um acirrado deba- e, mesmo considerando o cantter não
te e fortes acusações de Sloterdijk con- consensual desta atitude, di\'ide a pro-
tra Habermas, dizendo que a teoria cri- dução intelectual des e filósofo em três
tica morrera e que Habermas não passa- fases. A primeira, na qual o Suscimenw
va de um jacobino defensor da versão da tragédia é um dos livros mais impor-
socioliberal da ditadura da virtude. O
tantes, é marcada pelo retorno do jovem
que o senhor tem a considerar sobre as
Nietzsche aos gregos do penodo trágico
críticas de Sloterdijk a Habermas? Nes-
te contexto, como o senhor avalia a po- e pelo seu distanciamento em relação a
sição de ambas em relação à tecnologia Sócrates. Segundo sua leitura, o ponto
genética aplicada ao ser humano? básico dessa interpretação diferenciada
de Nietzsche consisle no seguinte: en-
qua nto o homem trágico consegue, por mú sica para as fábulas d e Eso po - novo
m eio d a tragédia (da arte e da cultura), ·ímbo lo da profunda intui ção, p elo
s uportar o abs urdo da exis tência, o ho- ócrates moribundo, que arte e ciência
mem teórico (Sócrates) n ão pode mai s não se opõem, em mútua exclusão, mas
fazê-lo. ão e taria N ie tz che, com esta ão esfe ras complementares d a vida es-
s ua postura , de cons iderando a potencia- piritual, o que pode servir de indicativo
lidade crítica inerente ao conteúdo do das virtualidades da alma moderna para
di álogo ocrá tico: O se nhor poderia ex- um possível renascimento da cultura trá-
plicar melhor is o? gica. Por isso, n ão con sid ero q ue
Nietzsche tenha "desconsiderado" o po-
O. Giacoia Junior: Creio que uma das
tencial crítico do diálogo socrático.
razõe pela quais O nascimento da tra-
gcdia é tão fascinante pode ser pela ines- C. A. Dalbosco: Humano, demasiadamente
gotável profundidade da análise a que é humano é um marco ini cial da segunda
submetido o personagem enigmático de fase da produção nietzscheana. A im por-
Sócrates. Ele tem o estatuto de emble- tância desse livro reside, segundo o se-
ma histórico cultural da Aujklãrung gre- nhor (Nietzsche, p. 43-49), pelo menos
ga, assim como da decadência do mun- em três razões: a) a arte não representa
do helênico. Ao mesmo tempo, Sócrates mais, para Nietzsche, o meio atravé do
é um sí mbolo do homem teórico (e, qual o homem pode aproximar-se de sua
portanto, da cultura científica da mo- dimensão "essencial"; b) Nietzsche acerta
dernidade), prototípico da racionalida- contas com Schopenhauer; c) N ietz che
de oci dental: ele representa um novo adota nele um procedimento qu e n ão
m odo de arranjo, de composição e hie- abandonará mais a saber, a "explicação
rarquia entre energias psicofisiológicas genealógica". Diante disso, o enhor e ·-
humanas, pela qual o antigo equilíbrio taria de acordo em considerar o N ietz che
(que pode ser visto nos heróis de Homero, desta segunda fase como iluminista e e tJ
por exemplo) entre corporalidade fa e mesm a como uma d as mais impor-
instintualidade e racionalidade foi defi- tantes de seu pensamento? Em que con-
nitivame nte rompido, para dar lu gar à s iste, precisamente, o procedi m ento
" tirania da pulsão de con h ec im e nto" , genealógico e em que entido tal procedi-
com a conseqüente va loração exacerba- m ento influenciará a crítica nietz cheana
da da ciência e desqualificação da arte e à moral?
da antiga forma de sabedoria tradiciona l.
O. Giacoia Junior: P en so que é indiscuu-
No entanto - e esse é um aspecto muito
ve l a vocação iluminis ta do egundo pe-
p~u~o explorado de O nascimenlo da tra-
ge_d ia - ex is t e t ambém a lege nda do ríodo da produção filosófica de Nierz che,
Socrate~ que r· l .
' no ma d a vida, co mpõe
embora po am ser d e tectadas divergên-
cias significa tivas em re lação aos motivo
't pa r:i c~ pír itos ti nes ...
Ll n,O f 1.1(l~(lf'i
., •

e te e fund amentais do iluminism o clás- uma cond ição de po sib ilidad e para que
sico. A presença d e D escartes e Voltaire o ho me m m oder n o po sa cri ar pa r a
logo na abe rtura d a prim eira e dição d e a lém de s i mesmo (Nietzsche, p. 59)?
Humano constitui um eg uro indi ca tivo
O. Giacoia ] 1111ior: P ara N ietzsch e, as
dessa inflexão. Q uanto ao procedimento
esfe ra s s upe ri ores da cultu ra m oderna
ge ne al óg ico, p e n so qu e e le pod e se r
es tava m int e iram e nte do m i n adas por
esquema ticamente caracterizado co mo o
conceit os rea tivos, em grande parte pro-
mod o d e investigação e reflexão que se
ve ni entes d o utilitarism o, do positivi -
pergunta pe las condições hi stóricas d e
m o e do d arwinism o social. Por essa ra-
surgimento dos supremos valores vigen-
zão, noções como adaptação, conservação
tes em todas as esferas culturais mais re-
e reprodução apareciam como determi-
levantes, por seus deslocamentos de sen-
nantes das perspectivas teóricas funda-
tido, os processos de transformação que os
mentais, indicando os pretensos vetores
afetaram, culminando na pergunta pelo
d e sentido e movimento tanto no mun-
valor desses valores - o que descortina a
d o orgânico quanto n o histórico e cultu-
instância da avaliação (ou seja, do interes-
ral. Essa era, para Nietzsche, uma expres-
se, ou da perspectiva a partir de que valo-
são ideológica d a indigên cia vi tal dos
res são instituídos) como sendo mais de-
homens modernos, pacíficos e ordeiros
cisiva e radical que o próprio valor insti-
" animais d e rebanho"; para fa lar com
tuído. Em outras palavras, trata-se da pes-
Foucault, tratava-se de uma ped agogia
quisa pela gênese do valor, tanto quanto
política que investia a sociedad e e a cul-
pelo valor dessa gênese.
tura para fo rmar "corpos d óceis e úteis''.
C. A. Dalbosco: A última fase d o pensa- Em contra posição a esse con fo rmismo
mento de Nietzsche é marcada pelos li- resignado, q ue permanece congelado no
vros Assim falou Zaratustra: um livro para anonimato d a uniformidade, vontade de
todos e para ninguém, Para além de bem e poder é um a pe r s pec t iva crítica e
mal e Para a genealogia da moral. N o pri- plu ra lista que e d escortina a partir de
mei ro d eles N ietzsche expõe pontos d e uma experiência de exuberância e tran -
vista complexos com base e m conceitos bordamento de forças, para a qual não é
difíce is, como é o caso d e "vontade d e a acomod ação (adaptação) aos valore
pod er" e "eterno retorno". O que signi- v ige nte , o d e ejo de co nse rvação da
fica propriamente "vontade de poder" e '·mesmice", o que importa, mas, si m, o
em q ue sentido este concei to repre en- ult ra pa sa rn ento das configurações de
ta um a crí ti ca à autoconservação r ígid a poder já conquistadas, o cri ar para além
levada a cabo pela moderna civili zação de si mesmo.
ocidental? Ou seja, em que sent ido uma
C. A. Dalbosco: Em Para além de bem e mal
apropriação de sua vo ntad e d e poder é
N ietz che aprofunda sua crítica à moder-


REP - Rcvl\ta E~pa1,o Peúagog1co, v 10, n. 1, l'a~\ll l·unú u, p . 149-157 - jan./jun.1 2003
au to legislação (Sclbsgeset::~cbunR), isto é
:1 _ e
cla ramen -
·dade desta ,-cz ,·o1tanc o . . .d d .. da razão que e dá a i mesma a lei? Co~
n1 ,
.. "metafísica da su 1 J
t etffJ a e '
te conti a a Kant en- e te bloco de que tõe e tou-lh e solici-
t 1·a De cartes e tando, na verdade, que fale mais detida-
portanto, con O sen hor
eus represe nta nte . , mente da re lação de Nietzsche com Kant
quanto .
u ltvro "r· ,,•-\·,·lzce
procura mostrar em e
1
1'i 1L ..... ~
( 7~ e egu mte
. ) considerando também as apreciações qu;
para além de bem u ma P· -- .
0 se nhor desenvolve em seu outro livro
que Kant, na ava liação de Nietz~~he, ~0 1 )

. . ·ct ªde como o efe1to in titul ado N ietzsche para a genealogia da


conceber a subJetl\'J
- d o.pen- moral.
da sínte e realizada pela operaçao
ar'' continua fundando-a na ca tegoria de o. GiacoiaJunior: Por m ais surpreenden-
unidade, procedendo, com isso, do mes- te qu e isso p ossa parecer, penso qu e
mo modo como ocorrera anteriorment_e existem "vinculações espirituais subter-
com De carte . O problema dessa posi- râ neas" entre as n oções nietzscheanas
ção e, egundo o senhor, que "nem como d e " indivíduo sober ano", responsabili-
consciência forma l, nem como substân- dade e autonomia, por um lado, e alguns
cia pen ante, pode-se demonstrar a um- dos aspectos mais importantes da filoso-
dade efetiva da subjetividade" (p. 25). fi a práti ca d e Ka n t, e specialm ente a
Deixando agora de lado todos os proble- idéia d e autolegislação, por outro lado.
ma exegéticos d a inte rpre tação Também qu anto a esse aspecto, preten-
nietzscheana de Kant e, de modo espe- do apresentar e desenvolver alguns ele-
cial, da acusação do caráter fo rm al da
m entos no conteúdo programático do
consciência transcendental e sua identi-
mini-c urso em Passo Fundo.
ficação com o conceito de subjetividade,
eu gostaria de lhe perguntar se com a C. A. Dalbosco: Para finalizar a entrevis-
crítica nietzscheana a Kant, quando não t a, pe rmita-me passa r pa ra um outro
colocada dentro de seus limites, não cor- tema. Com o desenvolvimento das ciên-
reríamos o risco de per r o aspecto de- cias particulares a filosofi a parece per-
cisivo da contribuição k, riana à moder- der cad a vez mais e paço e a sua sobre'i-'1-
nidade? Perguntando de forma direta: o vência pa a egundo o diagrn\ qico de
que a crítica de ietzsche à "metafísica mui t os fi lósofo con temporàneos (in-
da subjetividade" de Kant consegue pre- cl uindo Habermas), pelo diálogo mais
servar (no sentido da Aufhebung alemã) hu m ilde e mo de t o co m out ra áreas.
dos argumentos da moralidade kantia na Ne e e nt ido, como o en hor vê a po, -
que são decisivos à justificação da a uto- sibil idade do d iá logo e ntre fil osofia .e
nomia e da maioridade do sujeito hu ma- ed uca ão? O que o enhor considerar13
no? Ou , nos termos ni etzschea nos e
. ' m co m o po sib il idade produtiva de um
que se nt ido o co nce ito de vo ntade de
d iá logo e ntre ambas a pa rtir de um a
poder preserva o conceito ka n tiano da
pe rspec tiva nietzsc hea na?

REP - Rl!Vl!>la hp·


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ctl.igog1l:u \1O

' . , n. l, Pa:.~u Funuo, ,n.. l ..'9- l .'i7 ·, .. Jl., J un ·-100.{
O. Giacoia Junior: A medida que a filo- salização ao deYido respeito pelas parti-
sofia, desde seu surgimento como saber cularidades, pelas diferenças individuais
racional , passa a integrar a PaidJia gre- e, mf'smo, pelo caráter singular da per-
ga, o diálogo entre filosofia e educação sonalidade? Penso que isso fornece am-
é congênito à filosofia . Também em plo material para um diálogo fecund o.
perspecti,·a nietzscheana, trata-se de
uma relação que jamais deixou de estar
Bibliografia
presente - basta pensar, por exemplo, na
preocupação do jovem Nietzsche com GIACOIA JUNIOR, Oswaldo . .\Tiec:=sche. São
"o futuro dos estabelecimentos de ensi- Paulo: Folha explica, 2000.
no,,. Un1 dos aspectos importantes con-
- -. Nietzsche: Para a Genealofia da ,Hora!.
siste en1 refletir sobre o conjunto dos va- São Paulo: Editora Scipione, 2001 .
lores e das metas com base nos quais,
- -. Os Labirilltos da Alma: 1\'ietzsclze e a
por um lado, e em direção aos quais, por auto-supressão da moral. Campinas: Editora da
outro, desenvolve-se a tarefa pedagógi- Unicamp, s/ d.
ca de formacão. Qual é a figura do hu-
- - -. N ietzsche & para além de bem e mal. Rio
.,
mano com vistas à qual pode adquirir de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002.
sentido e justificação o esforço forma- _______ . Niet~sch e como psicólogo . São
tivo? Como fazer corresponder, nessa fi- Leopoldo: Editora Unisinos, 2002.
gura, as legítimas exigências de univer-

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