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Wolney Unes2
1 - Introdução
Antecedentes - Jauss
acabou por se tornar o marco inicial do que mais tarde ficaria conhecido como Estética
da Recepção. Ao lado desse evento, Jauss publicou várias obras em que também trata do
obra artística a partir da experiência vivida por seu leitor, colocando o receptor como
trata-se de uma visão que contrasta com as correntes estéticas que mais tarde centrariam
receptor, com a experiência vivida pelo leitor da obra de arte, esteve mais ou menos
presente desde a época de Aristóteles, foi apenas a partir de Jauss que ela ganhou
sistematização.
chamada sociologia da leitura, por exemplo, – que tem seu representante mais
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Publicado em: Revista Estudos (Universidade Católica de Goiás), Goiânia, v. 30, n.4, p. 753-766, 2003
elaboração de uma história da literatura a partir da repercussão das obras literárias no
leitor. Essas tendências representam uma mudança importante de foco, pois colocam em
segundo plano a obra e mesmo o autor, em detrimento do leitor. Nos Estados Unidos,
ainda, o reader-response criticism de Stanley Fish propõe a estilística afetiva, que busca
investigar como o leitor vê o sentido de uma obra de arte: esse sentido estaria
Assim, se Jauss não foi totalmente inovador, ele tem o inegável mérito de haver
sistematizado e dado corpo à estética da recepção, publicando também várias obras nas
quais delineia as linhas gerais de sua estética e o papel do leitor na construção da obra
de arte, como por exemplo História Literária como Desafio à Ciência Literária, A
Iser
Wolfgang Iser tem como obra principal sobre estética O Ato da Leitura, obra
ficção.
dessas quatro categorias no texto ficcional cria como que um universo paralelo.
Portanto, para Iser, a ficção seria uma estrutura de comunicação situada entre a
realidade e uma consciência: “não é uma realidade porque organiza a realidade, não
podendo, portanto ser ela mesma aquilo que organiza” (RODRIGUES, 1994).
A obra de Jauss, mais divulgada no Brasil, ao lado desse texto de Iser formam o
que se convencionou chamar Estética da Recepção. Ponto central desse modelo teórico
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Professor da Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal de Goiás
é o enfoque centrado no leitor e na sua experiência estética na leitura da obra de arte.
Por leitura e leitor, entenda-se o ato de fruição e o fruidor de qualquer categoria de obra
Estética da Recepção. É sobre esses conceitos que queremos lançar um olhar mais
detalhado.
2 – Conceitos
O leitor
experiência real, para o mundo real. Decorre daí a preocupação, por assim dizer,
leitor dá sentido à obra de arte. Mais, quais motivações estariam por trás daquele sentido
descrever o objeto, mas sim a experiência produzida pelo objeto. Segundo Fish, haveria
um movimento acionado pela relação entre a obra e o leitor, que culminaria em algo
pensamento semelhante com relação ao artista criador: o processo artístico nada mais
seria que um “experimentar com a matéria (do veículo) e suas leis”, não podendo o
artista de antemão afirmar qual será seu resultado final. Faz-se um exame a priori sobre
Assim, a montagem de uma obra de arte se daria por partes: a partir de um plano
previamente traçado, vão sucedendo mudanças de curso que acabam por desaguar num
objeto totalmente não-previsto. Para Eco, portanto, o objeto artístico seria ao mesmo
áreas afins abordaram a questão da reação do leitor à obra de arte, pensadores não
leitor um instrumento importante para definir o papel do tradutor (ele próprio um leitor)
– até que ponto quem traduz uma obra deve nela inserir sua própria experiência de
leitor? Benjamin (1978) inicia essa discussão a partir do próprio conceito de autor.
no momento em que interprete uma sua idéia em alguma matéria, em palavras. O leitor,
por sua vez, deverá assimilar essa mesma idéia, não sem antes filtrá-la de acordo com
seu próprio universo, e recriá-la numa nova matéria, num novo meio, dentro de um
novo universo.
Por sua vez, a discussão acerca do autor nos remete ao conceito de autoria, de
originalidade e mesmo de fidelidade, que têm uma dimensão importante, mas algumas
fidelidade (caso exista) de uma leitura deve ser para com o mundo, para com o universo
construção da obra de arte. Assim, haveria o primeiro autor e o segundo autor, que é o
leitor numa participação ativa de construtor da experiência estética mesmo que única.
Portanto, ainda segundo Pareyson, deve existir uma abertura, por parte do leitor,
à personalidade do primeiro autor, de maneira que lhe permita o acesso à obra. Mas o
que seria o universo do autor? Ora, nada mais que aquilo que o leitor – baseado no seu
próprio universo – acredita que seja aquele universo. Assim, a obra é o artista, “conta-
nos sua personalidade. Conteúdo da obra é a própria pessoa do criador” (ECO, 1981).
outra área que também se defronta com o problema. A mesma questão da fidelidade, da
O chamado ‘estado original’ não passa de uma ficção, já que o fator tempo
como transmissor da historicidade de um monumento tornou-se uma parte
inegável e inseparável de sua existência.
universo histórico antigo, aquilo para que fomos “treinados a aceitar como tal”. E em
fonte no inconsciente e o jogo artístico nada mais seria que uma “troca de experiências”.
Assim, essa troca se realizaria entre autor e leitor, tendo como pano de fundo, apenas, as
idéias propostas pelo “primeiro autor”, termo também utilizado por Derrida (1980).
obra. “O leitor de uma obra mostra, ao mesmo tempo, a obra e a leitura que ele dela fez”
(idem). Ora, como a forma da obra de arte é um processo de comunicação entre dois
momento da leitura.
sua interpretação, uma vez que se confundem. Interesses dessa análise devem ser “tanto
Para concluir a analogia com a teoria da tradução, devemos ainda lembrar que a
prática de privilegiar o texto em detrimento da figura do leitor e da leitura que ele faz da
obra já foi condenada mais de uma vez. Segundo Coracini (1992), a figura do leitor e de
sua leitura individual nunca deveria ser colocada em um plano posterior ao do texto,
secundário aos significados ou ao autor do suposto texto original. O grande mal a evitar
é a tentação “da primazia do texto sobre o sujeito”: “Mas poderíamos ainda nos iludir
quanto à permanência do texto como objeto imutável, (...) sem cairmos nas ciladas do
logocentrismo?” Esse conceito de objeto imutável nada mais é que o de objeto histórico
Psicologia do leitor
autor dessa teoria, Gadamer, que investiga a historicidade. Na busca das origens da
compreensão do objeto artístico, Gadamer encontra respostas na relação entre passado e
presente. Segundo Gadamer, a compreensão de uma obra seria uma inter-relação entre a
experiência passada do leitor com o mundo e sua situação presente, à qual ele atribui
Mas Gadamer atribui ao conceito de história algo mais amplo que a simples
De fato, Gadamer apenas lança uma nova luz sobre textos mais antigos,
enfocando o papel do leitor. Sua afirmação de que na leitura da obra de arte ocorre “um
diálogo entre os dois tempos, pois compreender o que um texto nos diz envolve a
reconstituição da questão à qual ele responde” (apud RODRIGUES, op. cit.), está contida
na célebre defesa que Descartes (1930) faz da leitura como ponto de partida para a
a leitura dos bons livros é como uma conversa com os espíritos mais cultos dos séculos passados,
que foram os seus autores, e como que uma conversa erudita, na qual esses autores nos
para ver o próprio mundo. Sem esse aparelho, o leitor viria um mundo sem se aperceber
dele verdadeiramente, um mundo como que desfocado. A partir da leitura de uma obra
curso de sua análise, Jauss propõe três estágios pelos quais o leitor deveria passar para
ocorrer nessa leitura a formação do objeto estético. Esse objeto seria algo que não está
formulado no texto. Iser propõe em O Ato da Leitura que a antiga questão – formulada
por todos nós em um ou outro momento de angústia ante uma obra de arte – acerca do
significado, por exemplo, de um poema, romance ou drama, deveria ser substituída pela
Com isso, estamos aqui voltando à seção anterior na qual se discutiu a questão
do significado de um texto. Para Iser o texto não deve ser visto “como partitura de
instruções, mas como resultado da co-autuação entre texto e leitor” (RODRIGUES, op.
cit.).
problema enfrentado por Seleskovitch (1983) com seu “destinatário iniciado”: aquele
“cuja competência lingüística deve ser complementada pela sua bagagem cognitiva”.
recebido, ao mesmo tempo em que o “orador adapta quantitativamente seu discurso aos
conhecimentos permanentes que ele supõe em seu interlocutor”. Deve estar claro que
essa situação ideal está longe de ser obtida e aqui está um dos maiores problemas da
estética da recepção.
comando da experiência estética, não obstante estar se utilizando de um texto para tal,
que passa para uma dimensão meramente de coadjuvante. É o leitor que Eco (1976) já
preconizara como base interpretativa da obra. Um texto sem seu leitor é desprovido de
significado. Ou, dando a palavra para Foucault (1976), “um texto morre ao ser escrito.
Para que seja revivido, faz-se necessário o leitor”. Derrida (1980) lhe complementa
ainda: um texto “não passa de um emaranhado de sinais gráficos perdidos numa estante
Ehrenzweig (1969). Assim, a relação entre o dito e o não-dito é para Iser importante
objeto de investigação.
Interpretação
interpretação e criação por parte do leitor, pode-se concluir que um texto teria múltiplas
pergunta de como saber quais seriam as interpretações, por assim dizer, corretas e quais
interpretativos. Ora, nesse momento, Iser parece capitular ante o texto, como que a dizer
que o texto – em alguns momentos – deveria se impor sobre o leitor. Iser busca resolver
De acordo com Iser, todo texto proporia um tema, a partir de cujos vazios e
texto logo depois propõe ainda outro tema, com o que o leitor deve encaixar seu
horizonte nas limitações desse novo tema, e assim por diante, como num jogo de
sua perenidade. De fato, “a imortalidade da Arte parece estar ligada à liberdade de sua
1969).
Dentre essas, talvez a mais interessante sejam as propostas por Rainer Warning. Em seu
ensaio Por uma pragmática do discurso ficcional, Warning se pergunta sobre as razões
Warning lança mão da várias teorias para dar respostas a essa pergunta,
uma obra de ficção seria uma espécie de ganho antropológico, pois o leitor se
reconheceria no texto, encontraria ali sua identidade. Em outras palavras, estamos aqui
ficção. A obra ficcional propõe a realidade num mundo imaginário: ordem versus
essa construção.
preencher os vazios mencionados por Iser, o leitor estaria usufruindo de uma condição
de co-autor (o co-autor de Pareyson). Essa concepção, não obstante estar contida num
serve para tornar o leitor familiarizado com toda obra criada a partir desse modelo. E
essa familiaridade dá ao leitor, no decorrer de cada nova leitura de uma nova obra, a
sensação de poder prever seu desenvolvimento. A audição de uma obra musical clássica
modo que ele não possa estabelecer nenhum padrão tonal, nenhum padrão harmônico ou
uma série é obrigatoriamente aquela que ainda não foi utilizada). Parece estar aí uma
das razões do desalinhamento entre criação artística e leitores (ou ouvintes, em nosso
exemplo) que vem dominando várias áreas da produção artística nos últimos anos
(mesmo décadas). Por negarem modelos, obras compostas dentro dessa concepção se
fazem herméticas.
qualquer obra que negue total e absolutamente qualquer paradigma tende a produzir o
abstrato par excellence. Suponha-se uma pintura que parta do princípio de negar todo e
qualquer modelo. O resultado da obra assim composta deve negar até mesmo o suporte,
negativa de modelos anteriores deve abrir mão até mesmo do som, que dirá do silêncio.
3 – Depois da leitura
Uma última questão com a qual a estética da recepção se preocupa são os frutos
que leitura traz ao leitor. Em outras palavras: o que acontece ao leitor após a leitura?
Para Jauss, a experiência da leitura liberta o leitor, na medida em que lhe impõe
a percepção das coisas que o rodeiam. Um leitor jamais será o mesmo após uma leitura.
Jauss relembra o exemplo de Madame Bovary: o leitor jamais verá a infidelidade com
os mesmos olhos após a leitura dessa obra. É uma verdadeira catarse, através da qual as
convicções do leitor são transformadas, sua “psique liberada” (RODRIGUES, op. cit.).
Infelizmente estudos mais aprofundados acerca da mudança de conduta de
leitores ainda estão por fazer. Gadamer apenas insinua a idéia da leitura como aparelho
para permitir ao leitor enxergar-se a si e a seu mundo circundante e, antes dele, Proust já
havia chamado a atenção para a função instrumental da obra literária, que auxiliaria o
4 – Conclusão
Recepção não têm muito de novo. No decorrer deste ensaio procuramos mostrar como,
forma pontual: cada época se concentrou mais em um enfoque da questão, cada autor se
dedicou a investigar um ou outro lado do problema. Assim, o grande mérito de Jauss foi
propor uma teoria que investigasse as múltiplas facetas do relacionamento entre leitor e
obra, como que sistematizando os estudos da recepção do leitor à obra de arte. Suas
propostas suscitaram estudos que investigaram detalhes tais como a psique do leitor, sua
história, sua nova visão do mundo circundante após a leitura e até mesmo as
estética centrada no leitor – ao invés de estar centrada na obra de arte – apenas tenha
sido possível neste século, no período em que a individualidade mais esteve encorajada.
com o qual usufrui do agora sagrado direito de ir e vir livremente. Apenas num
ambiente assim é que foi possível o início do desenvolvimento de uma teoria estética
que partisse também da premissa do indivíduo: todo o resto lhe deve sujeição. Definir o
que é arte já não é importante. Importa mais definir como deve ser feita a arte, para que
cada um escolha aquela que melhor lhe aprouver. A estética deixa de existir para o
Bibliografia
Leitor - O leitor é parte - O leitor nunca mais será o mesmo após a - A plena experiência da leitura está restrita apenas ao
integrante da obra leitura de uma obra (JAUSS) leitor iniciado (SELESKOVITCH)
(ARISTÓTELES) - Existe um leitor ideal (JAUSS)
Obra - O que é uma obra? Não importa. Importa: O que acontece ao leitor com sua - A obra tomada em si
leitura? (ISER) mesma não tem
- A obra é um aparelho com o qual se vê o mundo (GADAMER) significado (FOUCAULT)
- Há vazios na obra: cabe ao leitor preencher o sentido de certos vazios (de - A obra existe apenas a
informação) da obra (ISER) partir da leitura o que
- Se há vazios em uma obra, que devem ser preenchidos a partir da interpretação leitor dele faz (ECO,
pessoal de cada leitor, há múltiplas interpretação possíveis de uma obra. Haveria, FOUCAULT)
então, uma leitura correta? - Aceitamos como obra de
- A obra cria um universo paralelo para o leitor (ponte realidade–consciência) (ISER) arte aquela para que
fomos treinados (BACHER)
Leitura - Por que se lê ficção? (WARNING )
1. O leitor descobre sua identidade na obra
2. A dialética ficção vs. realidade é prazerosa
3. A experiência da co-autoria é prazerosa
- A obra tem significado apenas nas relações passado–presente (experiências pessoais
pregressas–atuais) do leitor (GADAMER)
- O sentido da obra está ligado à experiência afetiva do leitor (FISH)
- Só o que importa é a experiência produzida pela obra, não a obra. Essa experiência produz
um insight (FISH)