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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA

Pedro Henrique Aquino de Freitas

O PAPEL DO SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS NA

GARANTIA DO DIREITO À JUSTIÇA REFERENTE A VIOLAÇÕES

OCORRIDAS NO REGIME AUTORITÁRIO BRASILEIRO

Proposta de Trabalho apresentada ao Programa de

Pós-Graduação em Ciência Política da Faculdade de

Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade

de São Paulo.

São Paulo

2013
Tema de pesquisa em Ciência Política

Nas últimas décadas do século XX diversos países da América Latina passaram

por um processo de redemocratização após anos de regimes autoritários. A conjuntura

de transição foi um momento de excepcionalidade política, de incerteza quanto à

consolidação do regime democrático e de ameaça de retorno ao autoritarismo. Estas

condições naquele momento, assim como a assimetria de poder entre os atores, travaram

o debate público e impossibilitaram que se efetivasse o direito à justiça em relação aos

crimes de violação de direitos humanos do período autoritário. Como aponta Renan

Quinalha (2013: 227), havia uma preocupação em estabilizar a nova ordem e garantir a

sujeição às regras democráticas, de forma que analisar o passado poderia comprometer

as transições.

Mais recentemente, no entanto, a proteção dos direitos humanos no nível

internacional tem ganhado novas dimensões. Regimes e jurisdições internacionais

criaram aquilo que Quinalha (2013: 229) chama de “uma rede de litigância estratégica

fundamental para a efetivação dos direitos humanos”. O debate da negociação política

se amplia, então, para o campo da legislação internacional sobre direitos humanos e

para o julgamento de garantias básicas em tribunais nacionais e internacionais. A Corte

Interamericana de Direitos Humanos, órgão jurisdicional do Sistema Interamericano de

Direitos Humanos, proferiu, nos últimos anos, sentenças sobre casos de violações de

direitos humanos ocorridas em regimes autoritários de diversos países da América

Latina.

Raquel Cruz (2012: 192) resume a configuração do Sistema Interamericano de

Direitos Humanos como ligado à OEA e composto por dois órgãos, a Comissão

Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos,

criados com a função de promover os direitos humanos nas Américas e desenhados


institucionalmente pela Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969. A

Convenção estabelece a obrigação de os Estados-partes respeitarem os direitos nela

previstos e adotarem medidas de direito interno a fim de torná-los efetivos. Os dois

órgãos já citados garantem o cumprimento dessas obrigações. Além de interpretar a

Convenção, a Corte tem ainda a competência de decidir demandas individuais referentes

à violação de direitos previstos nela. Para os Estados que ratificaram a Convenção e a

cláusula facultativa de jurisdição obrigatória, o Sistema passou a contar com um órgão

para implementar os tratados internacionais de direitos humanos e para aplicar a casos

individuais, estabelecendo obrigações jurídicas vinculantes ao Estado (Lima, 2012:

194). Brasil e Chile assinaram a Convenção Americana de Direitos Humanos e

aceitaram a jurisdição da Corte Interamericana nos anos 1990

Chegaram à Corte Interamericana os casos Gomes Lund et al. vs Brasil (2010) e

Almonacid-Arellano vs Chile (2006) sobre violações de direitos humanos ocorridas nos

regimes autoritários dos dois países. A demanda do caso Gomes Lund diz respeito à

responsabilidade do Estado brasileiro pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento

forçado de 70 pessoas como resultado de operações do Exército para erradicar a

Guerrilha do Araguaia. Em virtude da Lei da Anistia (lei 6683/1979), o Estado não

realizou investigação penal para julgar e punir os responsáveis e, além disso, não

realizou as reparações aos familiares. O requerimento da Comissão Interamericana junto

à Corte no caso chileno, por sua vez, diz respeito à falha de investigação e punição de

pessoas responsáveis pela execução extra-legal do senhor Almonacid-Arellano, baseada

na Lei da Anistia chilena, instituída pelo Decreto Lei 2191, de 1978, assim como à falta

de reparação aos seus parentes.

Esta proposta de trabalho pretende verificar qual a relevância das posições da

Corte Interamericana para a garantia do direito à justiça referente às violações de


direitos humanos ocorridas no Brasil durante o último período autoritário. Para discutir

esta questão, o estudo pretende identificar a jurisprudência da Corte por meio da

comparação da sentença do caso Gomes Lund et al. vs Brasil (2010) e a sentença do

caso Almonacid-Arellano vs Chile (2006); entender qual o contexto em cada país que

fez o respectivo caso chegar à Corte internacional; comparar o posicionamento dos

Estados e quais foram as medidas tomadas para o cumprimento das sentenças; entender

como os demandantes analisam os processos.

A hipótese inicial desta pesquisa é de que os julgamentos destes casos na Corte

Interamericana tiveram repercussão direta na luta pelo direito à justiça nos dois países,

mas que a efetivação deste direito no Brasil sofre maiores dificuldades devido a uma

correlação de forças mais desfavorável na arena política e na opinião pública. Para

verificar esta hipótese, caberá comparar as posições dos atores políticos na conjuntura

de julgamento dos casos pela Corte Interamericana.

Os procedimentos metodológicos desta pesquisa compreendem o levantamento

de informações e suas análises para a comparação e a sistematização dos casos. As

sentenças da Corte Interamericana dos casos Gomes Lund et al. vs Brasil (2010) e

Almonacid-Arellano vs Chile (2006) serão cruciais para o entendimento da

jurisprudência da Corte e da situação do direito à justiça nestes países naqueles anos.

Artigos de Raphael Neves (2012) e Raquel Lima (2012) irão colaborar para o

entendimento de como a Corte Interamericana entende o direito à justiça. O trabalho de

Glenda Mezarobba (2007) sobre as transições no Brasil, Chile e Argentina é um ponto

de partida para a visualização do panorama do direito à justiça em referência às

violações de direitos humanos dos regimes autoritários do Brasil e do Chile antes dos

julgamentos. Os relatórios de cumprimento de sentença servirão para o entendimento de

como os Estados têm agido para tomar as medidas que lhes foram determinadas. Para
verificar o posicionamento dos Estados, documentos oficiais e declarações públicas de

autoridades serão buscados. Para a compreensão das posições dos outros atores

políticos, inclusive dos demandantes, artigos na imprensa, entrevistas e editoriais serão

pesquisados.

CRONOGRAMA 2014.1 2014.2 2015.1 2015.2

Disciplinas X X X

Revisão Teórica X X

Coleta das Informações X X

Análise das Informações X X

Redação do Texto X X

Revisão e Entrega X

Justificativa da relevância do tema

O tema possui importância fundamental para o estudo da proteção dos direitos

humanos no Brasil e está na ordem do dia do debate público no país, em vista dos

trabalhos em andamento da Comissão Nacional da Verdade e de diversas Comissões da

Verdade estaduais, municipais e setoriais, assim como da maior visibilidade da luta por

memória, verdade e justiça no último período. O caráter interdisciplinar da pesquisa traz

importantes contribuições para a ciência política e para as relações internacionais ao

propor um estudo que, além da dimensão política do comportamento dos atores e da

negociação política no momento da transição, irá analisar a legislação internacional de

direitos humanos e a interpretação da Corte Interamericana sobre a violação destes

direitos durante os regimes autoritários.

A questão de como lidar com o passado autoritário no momento de

redemocratização foi atravessada pela lógica da prudência e da cautela, que impuseram


bloqueios e limitações às medidas transicionais (Quinalha, 2013: 223), pois poderiam

reavivar o conflito anterior. Desta forma, não foram atendidas as vontades das vítimas

por justiça: o caso guerrilha do Araguaia tratou do desaparecimento de 70 vítimas cujas

famílias não tiveram seus reclamos por justiça atendidos. “Quais são os direitos das

vítimas e de seus familiares” são questões fundamentais para entender resquícios

autoritários presentes ainda hoje na nossa democracia.

No entanto, os processos de transição democrática se esgotaram na década de

1990, quando as instituições democráticas foram razoavelmente consolidadas, de modo

que as demandas das vítimas e de seus familiares não podem mais ser negadas sob o

argumento do risco da regressão autoritária. A transição foi uma situação de exceção no

qual houve restrição das possibilidades, mas o que se tem hoje é um “Estado de Direito

atravessado por uma ordem internacional que tem em alta conta os direitos humanos e

que é capaz de conjugar essas vinculações com sua soberania” (Quinalha, 2013: 235).

Apesar de não haver ameaça de regressão autoritária, há setores conservadores

que possuem poder ainda hoje para influenciar as decisões políticas, situação que afeta a

efetivação dos direitos básicos da vítima, inclusive em casos ocorridos nos dias atuais.

Este estudo tenta entender, por uma perspectiva comparada entre análises de caso do

Brasil e do Chile, qual é a interpretação da Corte Interamericana de Direitos Humanos

sobre as violações ocorridas nos regimes autoritários. A pergunta “qual é a contribuição

da Corte Interamericana para a garantia do direito à justiça” tenta lidar com estes

aspectos presentes no debate acadêmico.

Por fim, além da pauta central do direito à justiça, cabe lembrar que o Sistema

Interamericano de Direitos Humanos tem sido criticado por governos latinoamericanos

que o identificam como submisso à Organização dos Estados Americanos e aos

interesses dos Estados Unidos. Ao analisar os dois casos mencionados, este trabalho
poderá dar uma contribuição para este debate que tem ganhado espaço na opinião

pública e na academia.

Análise da bibliografia pertinente ao tema

Conforme já apresentado nas seções anteriores, este trabalho parte do referencial

teórico segundo o qual temos hoje instituições democráticas minimamente consolidadas

nas democracias latinoamericanas estudadas, de forma a não haver ameaça de regressão

autoritária. Paralelamente, existe uma legislação internacional que garante direitos

básicos às vítimas de crimes de violação de direitos humanos, ou seja, não há momento

de excepcionalidade política que justifique a não responsabilização criminal dos

violadores.

Não estamos mais no processo de redemocratização a que Edson Teles (2010)

faz referência quando analisa o plano de abertura lenta, gradual e segura, aquele

momento de exceção originário da democracia, no qual foi excluído da ordem jurídica o

corpo ausente do desaparecido político, o corpo violentado da vítima de tortura e da

testemunha do trauma. Naquele momento, os mortos e desaparecidos tiveram atestado

de paradeiro ignorado, com morte presumida, e o Estado foi eximido da apuração do

local do corpo, que teve sua existência sujeita a ser apagada. Para o autor, o

desaparecimento forçado foi o simbolismo da tentativa de apagar o ocorrido, uma

recordação incessante no presente da violência. Cabe apontar que a ausência de túmulo

impede a realização do luto e não permite substituição do rastro dos desaparecidos, que

permanecem como lembrança da repressão. Houve silência da nova democracia em

relação a sua herança autoritária, que se faz presente pelo poder mantido por setores

conservadores ainda hoje, como no comando das forças policiais.


O principal impedimento à responsabilização criminal dos violadores é a Lei da

Anistia aprovada em 1979. Em outubro de 2008, a OAB propôs uma ADPF para que o

STF realizasse “uma interpretação conforme a Constituição, de modo a declarar, à luz

dos seus preceitos fundamentais, que a anistia concedida pela citada lei aos crimes

políticos ou conexos não se estende aos crimes comuns praticados pelos agentes da

repressão contra opositores políticos, durante o regime militar”. Para a OAB, a

Constituição Federal de 1988 não recepciona a interpretação vigente deste dispositivo,

pois em seu artigo 5º XLIII, o crime de tortura é insuscetível de anistia (Ventura, 2011:

3). Não se trata de um crime político, mas de um crime comum e de lesa-humanidade. O

plenário do STF indeferiu por 7 a 2, mantendo a interpretação que impede o julgamento

dos torturadores. O voto do relator julga que a anistia foi bilateral e fruto de um acordo

feito com a sociedade brasileira, interpretação seguida pelos demais juízes.

Posição diferente teve a Corte Interamericana de Direitos Humanos ao analisar o

caso Gomes Lund et al. vs Brasil (2010). Na exposição do tema do projeto, explicou-se

que a Convenção Americana de Direitos Humanos de 1969 buscou assegurar direitos

civis e políticos no continente, aos quais foram adicionados direitos sociais, econômicos

e culturais por um Protocolo Adicional em 1988 (Piovesan, 2011: 125). A Convenção

criou um aparato de monitoramento e implementação destes direitos, a Comissão e a

Corte Interamericana, esta última de caráter jurisdicional e de competência contenciosa,

produzindo decisões vinculantes e obrigatórias para os Estados que tenham reconhecido

sua jurisdição. É o caso do Brasil e do Chile, que se comprometeram internacionalmente

ao Sistema no momento da ratificação da Convenção e da aceitação da jurisdição da

Corte.

O caso Gomes Lund tratou da repressão à guerrilha do Araguaia, organizada

pelo Partido Comunista do Brasil. O partido defendia no final dos anos 1960 a luta
armada, na perspectiva de uma guerra popular prolongada, que nascesse no campo e se

expandisse para outras áreas, tomasse o poder e derrubasse o fascismo no país (Campos

Filho, 2003: 30). Muitos militantes do PCdoB que estavam sendo perseguidos nas

cidades pela repressão precisavam fugir e foram deslocados para a missão na região do

Araguaia. Os guerrilheiros se dividiram em três destacamentos e se inseriram no dia-a-

dia dos moradores locais, embora ainda não tivessem conseguido realizar trabalho

político. Foram para a mata adentro quando o Exército começou a chegar e os combates

se iniciaram. As duas primeiras campanhas das Forças Armadas não foram bem

sucedidas. Houve confronto com os guerrilheiros e perdas de ambos os lados. A partir

do momento em que passam a se infiltrar na população e a aterrorizar os locais, na

terceira campanha, as Forças Armadas mobilizam a maior quantidade de tropas desde a

Segunda Guerra Mundial, conseguem cercar a guerrilha, eliminar suas lideranças e

caçar os guerrilheiros restantes (Nossa, 2012).

Cecília MacDowell Santos (2007: 41) analisa o andamento da luta dos familiares

destes guerrilheiros por justiça. Primeiramente, o Estado brasileiro negou sua

responsabilidade, reconheceu ser responsável somente em 1995 e promoveu

indenização pecuniária a 46 familiares, medida considerada insuficiente por eles. O caso

chegou ao Sistema Interamericano após um imbróglio judicial, que gerou posições

contraditórias no interior do Estado brasileiro.

Conforme salientou a Comissão, a demanda se refere à alegada


“responsabilidade [do Estado] pela detenção arbitrária, tortura e
desaparecimento forçado de 70 pessoas, entre membros do Partido
Comunista do Brasil […] e camponeses da região, […] resultado de
operações do Exército brasileiro empreendidas entre 1972 e 1975 com o
objetivo de erradicar a Guerrilha do Araguaia, no contexto da ditadura militar
do Brasil (1964–1985)”. A Comissão também submeteu o caso à Corte
porque, “em virtude da Lei No. 6.683/79 […], o Estado não realizou uma
investigação penal com a finalidade de julgar e punir as pessoas responsáveis
pelo desaparecimento forçado de 70 vítimas e a execução extrajudicial de
Maria Lúcia Petit da Silva […]; porque os recursos judiciais de natureza
civil, com vistas a obter informações sobre os fatos, não foram efetivos para
assegurar aos familiares dos desaparecidos e da pessoa executada o acesso a
informação sobre a Guerrilha do Araguaia; porque as medidas legislativas e
administrativas adotadas pelo Estado restringiram indevidamente o direito de
acesso à informação pelos familiares; e porque o desaparecimento das
vítimas, a execução de Maria Lúcia Petit da Silva, a impunidade dos
responsáveis e a falta de acesso à justiça, à verdade e à informação afetaram
negativamente a integridade pessoal dos familiares dos desaparecidos e da
pessoa executada”. A Comissão solicitou ao Tribunal que declare que o
Estado é responsável pela violação dos direitos estabelecidos nos artigos 3
(direito ao reconhecimento da personalidade jurídica), 4 (direito à vida), 5
(direito à integridade pessoal), 7 (direito à liberdade pessoal), 8 (garantias
judiciais), 13 (liberdade de pensamento e expressão) e 25 (proteção judicial),
da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em conexão com as
obrigações previstas nos artigos 1.1 (obrigação geral de respeito e garantia
dos direitos humanos) e 2 (dever de adotar disposições de direito interno) da
mesma Convenção. Finalmente, solicitou à Corte que ordene ao Estado a
adoção de determinadas medidas de reparação. (Corte Interamericana de
Direitos Humanos, 2010: 4)
Pela leitura da sentença, verifica-se o posicionamento da Corte Interamericana

de Direitos Humanos neste caso. A Corte analisou o mérito das violações dos direitos

para determinar uma série de reparações. Primeiro, determinou a obrigação de

investigar os fatos, julgar e, se for o caso, punir os responsáveis, à qual foi seguida a

determinação para que haja esforços para definir o paradeiro das vítimas, identificar os

restos mortais e entregá-los às famílias. A seguir, determinou que se inclua a atenção

médica e psicológica para reabilitação dos familiares, uma medida de publicação da

sentença em um meio de circulação nacional, um ato público de reconhecimento da

responsabilidade internacional, a designação de um dia como o dia dos desaparecidos

políticos no Brasil e a construção de um memorial para lembrança das vítimas, como

medidas de satisfação; a implementação de programas de educação em direitos

humanos nas Forças Armadas, a tipificação do delito de desaparecimento forçado para

que possa haver julgamento e punição destes crimes, o acesso, a sistematização e a


publicação de documentos em poder do Estado e a criação de uma Comissão da

Verdade, como medidas de não repetição; montantes de indenização pecuniária por

dano material e de uma quantia por dano imaterial aos familiares das vítimas e

indenização por restituição de custas e gastos estabelecidos, no prazo de um ano. (Corte,

2010: 93-113)

A sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o caso Araguaia

mostra que o Sistema Interamericano de Direitos Humanos tem dado contribuições

importantes para a busca pela verdade, justiça e reparação em relação às violações de

direitos humanos ocorridas durante o período das ditaduras militares na América Latina.

Entre estas contribuições, verifica-se a jurisprudência consolidada do SIDH sobre a

incompatibilidade de anistias e de outros impedimentos jurídicos à persecução penal e

ao estabelecimento da verdade sobre estas violações. (KRSTICEVIC; AFFONSO,

2011: 381)

Para entrar neste debate de jurisprudência da Corte, conforme aponta Raphael

Neves (2012: 168), a Corte Interamericana tem entendido que a incapacidade de o

Estado revelar o que aconteceu com alguém sob sua custódia constitui uma violação da

integridade dos familiares da vítima por causar-lhes sofrimento psíquico e moral (artigo

5º da CADH). Há ainda a obrigação internacional dos Estados de promover acesso

efetivo à justiça e que as vítimas sejam ouvidas por um juiz (artigo 8º da CADH). Em

um caso de 1998 contra a Guatemala, a Corte entendeu que os familiares têm o direito

de investigação efetiva por parte das autoridades, por meio de jurisdição criminal com a

imposição de sanções e indenizações. A partir daí surge a interpretação de que o Estado

deve investigar, julgar e punir os responsáveis pelas violações de direitos humanos, caso

contrário violará o direito à proteção judicial previsto na CADH. Para a Corte, o direito

à verdade está vinculado ao acesso à justiça (Neves, 2012: 171) e seu titular é um
indivíduo, por meio de uma ação penal, para além do direito coletivo da sociedade de

conhecimento dos fatos e responsabilização dos agentes.

Raquel Cruz, ao estudar este tema, percebe que ao longo dos anos, a Corte

define um entendimento de que há uma obrigação de punir relacionada ao direito de

proteção judicial e de que a impunidade é ofensiva aos direitos humanos (Cruz, 2012:

200). É firmada a jurisprudência de que “a responsabilidade criminal do indivíduo é

uma obrigação estatal ligada à implementação doméstica da Convenção Americana de

Direitos Humanos” e que, sua ausência fundamenta a responsabilidade internacional do

Estado. No caso Barrios Altos vs. Peru de 2001 sobre violações ocorridas no regime

Fujimori, a Corte estabeleceu que “são inadmissíveis as disposições de anistia, de

prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade que pretendam

impedir a investigação e sanção dos responsáveis por graves violações de direitos

humanos” (Cruz, 2012: 203). Para as reparações, a Corte entende que se deve

investigar, publicar resultados e responsabilizar, e que qualquer tipo de anistia é

incompatível com os compromissos assumidos na Convenção Americana de Direitos

Humanos.

Não restam dúvidas de que o caso Gomes Lund é um divisor de águas no debate

brasileiro sobre justiça de transição. Conforme aponta, Raquel da Lima Cruz, “tendo

sido o Brasil o único país da América Latina que não adotou nenhum dos principais

mecanismos de justiça de transição – comissões de verdade ou julgamentos criminais -,

a sentença da Corte foi a primeira grande vitória dos movimentos de direitos humanos

depois de 20 anos” (Cruz, 2012: 207). Devido ao julgamento do caso no Sistema

Interamericano de Direitos Humanos, a discussão no Brasil sobre a persecução penal

dos violadores de direitos humanos, sobre o direito de reparação das famílias das

vítimas, sobre o acesso às informações e o direito à verdade, que foi atravancada por
mais de duas décadas por setores conservadores, ganhou nova força, atingiu a opinião

pública, o que obrigou o Estado brasileiro a tomar medidas, mesmo que de forma

incompleta. Em relatório enviado em julho de 2012 à Corte Interamericana, o Estado

brasileiro defende que tem executado de modo satisfatório o cumprimento da sentença

do caso e que diversos órgãos do governo federal e os agentes públicos estão

mobilizados para mitigar a dívida histórica do Estado com os familiares das vítimas do

regime militar.

Quanto ao caso chileno, cabe apontar que o regime militar daquele país

promulgou o decreto lei nº 2191/1978 de Anistia, que concedeu anistia a homicídios,

seqüestros, detenções ilegais e outros delitos cometidos entre 1973 e 1978, condutas que

continuavam sendo executadas por agentes do Estado no contexto da política de

violação de direitos humanos (Pereira, 2011: 293). No caso Almonacid Arellano versus

Chile, cujo objeto era a validade deste Decreto-Lei à luz das obrigações decorrentes da

Convenção Americana de Direitos Humanos, a Corte Interamericana estabeleceu a

invalidade deste decreto-lei de autoanistia, porque nega justiça às vítimas e afronta os

deveres do Estado de investigar, punir e reparar graves violações de direitos humanos

que constituem crimes de lesa-humanidade (Piovesan, 2010: 102).

“a adoção e aplicação de leis que outorgam anistia por crimes de lesa

humanidade impede o cumprimento das obrigações assinaladas. [...] Leis de

anistia com as características descritas [crimes internacionais como o

genocídio, os crimes de lesa humanidade ou as infrações graves do direito

internacional humanitário] conduzem à indefesa das vítimas e à perpetuação

da impunidade dos crimes de lesa humanidade, pelo qual são manifestamente

incompatíveis com a letra e o espírito da Convenção Americana e

indubitavelmente afetam direitos consagrados nela. Constitui per se uma

violação da Convenção e gera responsabilidade” (Corte apud Piovesan, 2010:

102)
Os rumos deste trabalho envolvem estudar, à luz da teoria e dos demandantes,

que direito à justiça é esse que buscam, se a leitura da Corte Interamericana atende a

seus anseios por justiça e está de acordo com o entendimento histórico sobre violações

de direitos humanos ocorridas em regimes autoritários. Foi feito um breve mapeamento

do que foi o caso Gomes Lund e de qual foi a análise da Corte sobre o direito à justiça

no Brasil, devendo-se comparar ao caso chileno, que precisa ser contextualizado. A

efetivação da sentença da Corte Interamericana para os dois casos deve ser estudada,

assim como a posição dos atores políticos e da opinião pública, para que consigamos

verificar se há no Brasil um maior poder de setores conservadores, o que levaria a uma

limitação dos resultados alcançados.

Bibliografia

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