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Universidade Federal de São Paulo – Unifesp

Programa de Pós-Graduação em História

Daniel Dallacqua

Por dentro dos espaços operários: a trajetória de associações de


trabalhadores no bairro do Brás (1900-1919).

Orientadora: Profª. Dr.ª Edilene Toledo.

São Paulo
Agosto 2014
Agradecimentos

Agradeço a todos que estiveram envolvidos, direta ou indiretamente, na


produção desta pesquisa pelo apoio e colaboração nestes dois anos, em especial:
A meus pais, por me proporcionarem os ambiente e espaço favorável ao trabalho
de pesquisa;
À Edilene, por mais esta etapa de trabalho conjunto e por toda a confiança,
colaboração, atenção e seriedade que dedicou a mim como orientadora;
À minha parceira amada, Nayre Carolina, pela sua paciência, apoio e presença
ao meu lado, me fortalecendo em todos os momentos da minha vida e deste processo;
E, por fim, agradeço à Unifesp e a meus professores pela oportunidade oferecida
para a produção desta pesquisa que, sem dúvida, foi de extrema relevância para mim
como continuidade da minha formação acadêmica e experiência de vida.
Registro também, com certo lamento, a velocidade que tem caracterizado os
atuais programas de pós-graduação no Brasil, sobretudo o mestrado. Acredito que vinte
e quatro meses é um período demasiado curto para cumprir as matérias necessárias e
produzir uma pesquisa com a qualidade e volume que desejamos, em especial, quando
não nos fechamos na academia e praticamos também a licenciatura. No entanto, apesar
deste fato e da colaboração das pessoas citadas, os possíveis erros e acertos contidos
neste trabalho são somente minha responsabilidade.

2
Sumário

Introdução. Pág. 05

Capítulo 1 –Transformações na cidade de São


Paulo e suas relações com o desenvolvimento
do bairro do Brás no final do século XIX. Pág. 22

Capítulo 2 – Associações de trabalhadores no Brás antes


e durante a década de 1900. Pág. 40

Capítulo 3 – As associações operárias do Brás na década


de 1910: continuidades e rupturas. Pág. 83

Lista das associações Pág. 117

Mapa do Brás com a localidade dos grupos pesquisados Pág.119

Considerações finais Pág. 120

Lista de fontes Pág. 129

Bibliografia Pág. 131

3
“No dia em que os povos se emanciparem dos
charlatões ruinosos a que chamam diplomatas e
grandes políticos, viverão como irmãos: terão a
paz e a vida barata.”
Laboulaye.

4
Introdução

A última década do século XIX e as primeiras décadas do século XX foram


marcadas por intensas mudanças na cidade de São Paulo. Os intensos fluxos
migratórios, vindos, sobretudo, da Europa, a expansão cafeeira, a urbanização e a
industrialização da cidade são processos interligados que fazem parte das tranformações
ocorridas nestes anos que reconfigurariam a cidade. Este trabalho tem como objetivo
estudar parte importante dos sujeitos que diretamente constituíram estes processos, ou
seja, os trabalhadores, através dos espaços de convívio por eles utilizados.
Os anos que marcam a chamada Primeira República foram uma época de
visibilidade e crescimento dos diferentes grupos de trabalhadores urbanos, bem como de
sua organização na cidade de São Paulo. Pretendemos nesta pesquisa percorrer a
história de algumas associações criadas por trabalhadores, que se localizaram
especificamente no bairro do Brás, que serviram de base para sua organização, e que
também foram fundamentais no processo de construção das identidades dessa classe.
Entendemos que o estudo destes diversos espaços desenvolvidos pela e para as classes
trabalhadoras nos possibilita o entendimento do funcionamento e da finalidade destas
associações, fossem sindicais, esportivas ou beneficentes, bem como nos permite
conhecer a importância que tiveram no processo de formação da classe operária na
cidade de São Paulo.
Através da análise da imprensa operária, este estudo tem como objetivo analisar
o passado de alguns grupos do Brás e das ações que mantiveram no período, explorando
sua historicidade e problematizando de que forma essas associações foram relevantes na
formação e nas expressões do operariado no Brasil.
A ideia de realizar esta pesquisa vem amadurecendo desde os anos finais da
graduação, quando apresentei a monografia intitulada A cidade operária: um mapa das
associações de trabalhadores em São Paulo na Primeira República. Neste trabalho eu
pude identificar, através da imprensa operária do período, a localidade de várias
associações e grupos de trabalhadores que desenvolveram atividades durante a Primeira
República na cidade1.

1
Neste trabalho apontamos as localidades de quarenta grupos, associações e espaços que pudemos encon-
trar nas fontes e que foram utilizados pelos militantes em pról dos direitos e bem estar dos trabalhadores
durante o período em que estiveram ativas. Juntamente, apresentamos uma lista com os nomes e endere-
ços destas associações. A partir dos dados levantados referentes à disposição das associações pela cidade
e da elaboração do mapa, pudemos desenvolver algumas reflexões que possibilitem uma maior compreen-

5
Apontar o endereço que os diversos grupos utilizaram como suas sedes fez parte
do objetivo de conhecer efetivamente quais foram e onde estavam os espaços utilizados
pela classe trabalhadora para desenvolver seus programas e organização e também nos
auxiliou na tarefa de problematizar o porquê da concentração de tantos grupos em
determinados bairros e regiões e sua ausência em outras áreas. Além disso, entendemos
que estudar os espaços utilizados pelos operários, assim como suas diversas
manifestações, formas de vida, lazer e atuação que desenvolveram nesses lugares faz
parte de um exercício de (re)construção de sua memória e história na cidade,
considerando as mais diversas atuações que a classe operária teve no início do século
XX, que constituíram importante papel no processo de entendimento desta classe como
tal e na construção dos trabalhadores como sujeitos políticos no Brasil.
De acordo com a pesquisa que realizamos, pudemos constatar que a maioria dos
espaços utilizados pelos trabalhadores como sede de suas associações estava localizada
nos bairros operários e, portanto, próximos às fábricas e muitas vezes também às suas
moradias. Das quarenta associações que mapeamos na pesquisa, vinte e uma
localizavam-se em regiões industriais, como o Brás, a Mooca, o Belém e o Cambuci.
Concluímos então neste estudo que isso se deveu ao interesse que os organizadores
dessas associações tinham em manter um contato próximo com o maior número de
trabalhadores possível e também à tarefa de servir esta classe em suas diferentes
necessidades, pois de fato as associações de trabalhadores, sobretudo, as de resistência
tinham entre suas finalidades aproximar os operários e promover a solidariedade de
classe entre eles. Para reforçar esta ideia é importante lembrarmos que muitas destas
associações tinham como foco em suas atividades não apenas os trabalhadores, mas
também toda sua família. Quando era possível, diversos grupos propunham atividades
destinadas às famílias dos militantes. Esses momentos de militância em família
variavam desde lazer com os bailes e o teatro militante até momentos culturais como é o
caso da criação de escolas e centros de estudo.
Essa preocupação em atingir as classes trabalhadoras como um todo e não
apenas dentro das fábricas, mas também nos ambientes do dia-a-dia, está presente na
imprensa operária e ainda pode ser enxergada através dos estatutos de alguns grupos
que especificaram isso em suas finalidades, como é o caso da Escola Moderna do Brás,
que além da sua principal finalidade de atender o estudo dos filhos dos operários ainda
tinha como objetivo: “atingir o público adulto, criar bibliotecas, promover

são destas localidades.

6
conferências de educação popular e criar uma revista pedagógica para propagar o
método científico e racional de ensino entre as famílias.”2 Podemos perceber, desta
forma, a clara intenção das associações de buscar bases e laços com as comunidades que
as cercavam. Isso é declarado também no estatuto de várias outras associações3.
Não pudemos, entretanto, na monografia, explorar com maior afinco a
historicidade dos grupos que identificamos, tendo em vista as limitações impostas à
ocasião e o volume de pesquisa que esta tarefa demandava. Desta maneira, buscamos
nesta pesquisa de mestrado circunscrever e diminuir a escala de pesquisa para podermos
atingir objetivos novos e antes intangíveis, como por exemplo, identificar, com maiores
detalhes, quais eram as atividades propostas e desenvolvidas por determinados grupos.
A escolha por diminuir a escala de observação deste estudo a um núcleo espe-
cífico, isto é, o bairro do Brás, parte do pressuposto metodológico, como aponta Gio-
vanni Levi, de que “o princípio unificador de toda a pesquisa micro-histórica é a crença
em que a observação microscópica revelará fatores previamente não observados” 4. As-
sim delimitamos o espaço de nossa pesquisa a um único bairro, ao invés de analisar a ci-
dade como um todo, com o intuito de enriquecer a análise social, pois acreditamos que a
mudança na escala da análise não interfere na escala das problemáticas propostas, pois
problemas e questões estruturais/globais podem, muitas vezes, ser melhor entendidos
através da análise reduzida.
Partindo, portanto, de uma análise micro-analítica, ou seja, estudando a trajetória
dos grupos formados por trabalhadores no bairro do Brás, pretendemos resgatar a histo-
ricidade destes grupos e a dinâmica das relações que os configuram. Partindo do princí-
pio de que estes grupos se formavam e se reformulavam no dia-a dia de sua vivência, a
análise minuciosa possibilita a reconstrução de suas experiências a partir do movimento
dos próprios sujeitos (homens, mulheres e crianças) que os compunham. Desta forma, a
metodologia de pesquisa proposta deve quebrar alguns paradigmas explicativos e gene-
ralizantes, ao passo que atenta às especificidades do local, criando novos problemas e
2
Esses objetivos constam no estatuto da Escola Moderna do Braz, que está presente no Primeiro Cartório
de Registro de Imóveis da Comarca da Capital. Sociedades Civis. 1918. c10413. Fonte disponível no Ar-
quivo Público do Estado de São Paulo.
3
Como é o caso da União dos Operários de São Paulo, que especifica em seu estatuto, que dentre as di-
versas finalidades da união ela ainda “fundará escolas diurnas e noturnas em todos os bairros fabris, crea-
rá uma biblioteca, proverá conferências, palestras e excursões[...] A União creará (sic.) cooperativas de
consumo em todos os bairros onde houver fábricas e oficinas, e quando possível creará também coopera-
tivas de produção”. Idem. c10430.
4
LEVI Giovani Sobre a Micro-História. In: BURKE, Peter. A Escrita da História: novas perspectivas
São Paulo: UNESP, 1992. Pág. 139.

7
interpretações sobre o particular, o reduzido para então conectá-lo ao contexto mais am-
plo, isto é, à realidade estrutural na qual os sujeitos estão inseridos.
Tendo isso em mente, definimos como objetivo da dissertação responder, ou
pelo menos refletir, sobre as seguintes questões: quais eram as tendências ideológicas
mais ativas no bairro do Brás; quais os conflitos existentes dentro destes grupos, étnicos
ou políticos; Se existiam e quais eram os elementos de identidade entre os trabalhadores
dentro dos grupos; perceber se existiam grandes discrepâncias entre as finalidades pro-
postas e as ações concretas dos grupos; identificar qual era e como foi a participação das
chamadas minorias, sobretudo das mulheres, dentro destes espaços; decifrar quais eram
os diversos interesses dos trabalhadores ao se organizarem, ou seja, beneficente, classis-
ta entre outros. Tinham de fato estes anseios atendidos?
Ao mesmo tempo, buscaremos levantar uma série de questões a respeito das as-
sociações e dos sujeitos que as compunham, com a intenção de compreender quais e
como foram as múltiplas formas de atuação dessas associações frente aos trabalhadores,
representadas através de suas mais diferentes atividades, e, também, salientar o quão
complexo e heterogêneo foi o movimento da classe trabalhadora no período.
Também é nossa proposta percorrer a atuação de determinados indivíduos por
meio de suas experiências particulares e, sempre que possível, conectar as atuações de
grupos e militantes com a finalidade de perceber quais foram essas mais variadas for-
mas de participação, tanto individuais como coletivas, que formaram o operário e sua
história na cidade nos primeiros anos do século XX. Caminhar pela história de associa-
ções no bairro do Brás através das experiências e trajetórias individuais de determinados
militantes mostra-se um exercício interessante não apenas para o universo do associati-
vismo, mas também no intento de se recriar a história do crescimento do bairro e de
seus espaços.
Assim como na monografia, pretendemos também aqui refletir sobre as localida-
des das associações. Endereços conhecidos do movimento operário paulista como a Rua
da Mooca, nº190 onde se localizava a Liga Operária daquele bairro, e a Rua Coronel
Bento Pires, nº35 onde, em 1903, estava o Centro de Estudos Sociais e Ensino Mútuo
que foi fundado e organizado pelo mesmo grupo de militantes responsáveis por publicar
o tão combativo periódico O Amigo do Povo, figuram como pertencentes ao bairro da
Mooca, no entanto, pudemos perceber que a localidade destas ruas está proporcional-
mente mais próxima a importantes espaços do bairro do Brás, como a Av. Rangel Pesta-
na, Rua Visconde de Parnaiba e o Largo da Concórdia do que propriamente de signifi-

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cativos logradouros da Mooca. Sendo assim, é possível que estes dois importantes gru-
pos mantivessem estreitas relações com algumas associações do Brás devido à sua pro-
ximidade. Desta forma, poderemos indagar se existia o auxílio entre grupos de bairros
distintos e, em que medida, a relação entre eles estava relacionada ou não à sua localida-
de real, ou seja, cooperavam entre sí por se localizarem próximos, ou evitavam um diá-
logo mais estreito por pertencerem a bairros distintos? Além desta, há ainda várias ou-
tras indagações cabíveis a serem postas e problematizadas a partir da análise das fontes.
Esta pesquisa, portanto, configura-se da seguinte forma: no primeiro capítulo, ti-
vemos como foco traçar um panorama geral sobre a ocupação e desenvolvimento da ci-
dade de São Paulo. No entanto, não tratamos aqui da cidade como um todo, mas privile-
giamos os aspectos que entendemos estarem ligados à formação do que no século XIX
será um importante reduto da classe trabalhadora, isto é, o Brás. Discutimos neste capí-
tulo importantes transformações sociais e econômicas ocorridas, sobretudo no final do
século XIX, que foram responsáveis pela estruturação da cidade e do Brás, da forma que
o vemos nos anos seguintes, ou seja, nos anos da cronologia deste trabalho.
Atentamos então para o desenvolvimento da freguesia do Brás, buscando resga-
tar e entender os aspectos particulares daquela região e as especificidades que fizeram
com que ele se tornasse o mais industrial e proletário dentre os bairros da cidade. As-
sim, abordamos importantes eventos neste processo, tais como a construção das estradas
de ferro, o desenvolvimento do capitalismo industrial e a imigração em massa. Estes fa-
tos estruturais ocorridos em São Paulo incidiram de maneira peculiar no Brás, e nosso
objetivo foi caracterizar de que maneira se deu essa relação entre o local e o global na
vida daqueles sujeitos.
No segundo capítulo, pretendemos trazer algumas discussões referentes às asso-
ciações operárias do Brás durante a primeira década do século XX, a partir de suas traje-
tórias de existência. O objetivo foi utilizar as fontes para descrever e analisar os vários
tipos de associações que existiam, suas correntes ideológicas, finalidades e atividades
que desenvolveram ao longo dessa primeira década do século XX. Utilizando a própria
definição dos grupos sobre seus fins e programas, buscamos traçar um quadro que ilus-
tre a complexidade da vida associativa no Brás daquele período. Por meio das pesquisas
realizadas, descobrimos que neste bairro existiam desde associações com fins mutualis-
tas5, como por exemplo, a Sociedade Beneficente União Internacional do Bráz, que foi

5
As sociedades mutualistas ou de beneficência são grupos que tinham como objetivo a cooperação mútua
entre os associados. Uma das principais finalidades era socorrer os trabalhadores e especialmente suas fa-

9
fundada em maio de 1905 e aceitava sócios de todas as nacionalidades e profissões, sem
fazer distinções por etnia ou ofício, como também, grupos de caráter estritamente com-
bativo6, como é o caso da Liga Operária do Braz ou do periódico O Combate7. É inte-
ressante observar que o único critério exigido para aqueles que quisessem fazer parte da
“União” citada, era ter a moralidade entre os seus costumes! Diferente das associações
militantes que normalmente exigiam ainda outros requisitos e maior compromisso ideo-
lógico de seus membros.
Demonstrar a heterogeneidade dos diversos grupos que atuavam na cidade, suas
diferentes preocupações e anseios faz parte do objetivo de compreender as demandas e
necessidades de cada grupo e, problematizar até que ponto essas associações representa-
vam interesses da classe trabalhadora como um todo ou de grupos especificamente divi-
didos, por etnias, ofícios, etc. Tivemos ainda a intenção de retomar toda a bibliografia
sobre o assunto com o objetivo de apanhar novas e preciosas informações sobre as asso-
ciações e sintematizá-las, criando assim um pequeno acervo sobre o que já foi dito e es-
crito sobre o Brás em importantes trabalhos, o que com certeza nos auxiliou na elabora-
ção da nossa pesquisa.
Atentamos também neste capítulo para o tipo de organização que caracterizou
parte das associações operárias do Brás no início do século passado. Discutimos ques-
tões referentes à existência e atuação das sociedades mutualistas no bairro, tal como in-
dagamos sobre o processo de perda de espaço das mútuas naquela região e a prolifera-
ção, cada vez maior, das associações de resistência. Além disso, procuramos mostrar e
problematizar o fato de que estas sociedades de resistência que surgiram no Brás ao lon-
go da primeira década do século XX optaram, majoritariamente, pela organização das
classes por ofícios.

mílias, em momentos de dificuldades, doenças ou falecimentos.


6
As associações que consideramos “combativas” ou militantes eram grupos onde normalmente impera-
vam as ideologias anarquistas, socialistas ou, a partir dos anos 1920, comunistas. Estes grupos, expressos
das mais diferentes formas, centros de estudos, sindicatos, jornais operários, ligas de bairro, etc, tinham
como característica o caráter reivindicativo e de denúncia das condições de vida dos trabalhadores. As di-
versas formas de expressão que estes grupos desenvolveram como greves, boicotes, piquetes e, também
fora das fábricas como debates, discussões políticas, jornais, grupos teatrais, escolas, piqueniques servi-
ram, a nosso ver, à formação de uma identidade da classe trabalhadora paulista.
7
É muito importante destacarmos que o periódico O Combate não pode ser considerado como um jornal
predominantemente combativo e comprometido com as causas das esquerdas e das classes trabalhadoras.
Dentre os periódicos que utilizamos como fonte é provável que O Combate seja o mais moderado em
suas considerações, portanto, não se configura como um porta voz das aspirações proletárias. No entanto,
este jornal tem claras simpatias pelas questões operárias, fato que se comprova devido ao teor de seu con-
teúdo e denúncias que são bastante inclinados à esquerda.

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Por fim, no terceiro capítulo, continuamos a narrativa sobre a história e atuação
das sociedades de trabalhadores do Brás ao longo da década de 1910. Recriar a trajetó-
ria destas associações não significa simplesmente descrever seu surgimento, desenvolvi-
mento e fim, na verdade o exercício de interpretar sua história possibilitará para nós le-
vantar questionamentos que nos permitam entender a realidade na qual estão inseridos
estes grupos.
Além disso, a pesquisa empírica micro-histórica, ou seja, a coleta de informa-
ções que as fontes nos disponibilizam sobre cada grupo, serve para que possamos cons-
truir explicações e teorias a respeito daqueles grupos em específico. As categorias, os
modelos vão surgindo na prática, isto é, pretendemos utilizar os dados coletados não
para justificar ou reafirmar determinados modelos gerais, mas pelo contrário, criar no-
vos modelos e categorias particulares a partir da problematização dos dados adquiridos
nas fontes. De tal modo, procuramos não condicionar a ação dos sujeitos à estrutura,
mas sim entender essas ações como uma capacidade de agir, de diferentes formas, den-
tro das estruturas sociais.
Pretendemos também, ao longo do trabalho, fazer com que a nossa pesquisa dia-
logasse com questões mais abrangentes e discutidas por importantes pesquisadores. Pro-
blemáticas como as analisadas por Luigi Biondi em seu trabalho Classe e Nação8 e vá-
rias outras importantes questões nos estudos dos trabalhadores poderão ser interpretadas
à luz de realidades específicas do bairro do Brás ou de determinados grupos dali. Nos-
sos resultados poderão reafirmar conclusões apontadas por outros autores, mas não ne-
cessariamente, eles podem também trazer conclusões diferentes e colocar à prova mode-
los há muito aceitos como absolutos num contexto mais amplo. A análise reduzida não
tem finalidade em si mesma, isolada do contexto geral no qual ela está inserida. Portan-
to, a observação do local deve estar intimamente ligada e ser relacionada ao global.
Contudo, a escala reduzida não deve reafirmar padrões, mas sim trazer à tona os parado-
xos e os conflitos que revelam a heterogeneidade das diferentes trajetórias sociais.
Apontamos que o objetivo da nossa pesquisa é percorrer a historicidade de al-
guns grupos formados por trabalhadores que se localizavam no bairro do Brás. Para tan-
to, como dissemos acima, utilizamos primordialmente como fonte de pesquisa a impren-
sa operária que circulava no período. Inúmeros foram os jornais produzidos e direciona-

8
Neste estudo o autor percorre a trajetória dos trabalhadores socialistas italianos na cidade de São Paulo.
É uma pesquisa de grande relevância, pois revela a enorme quantidade de diferentes interesses e projetos
que aqueles trabalhadores, supostamente um grupo homogêneo, possuíam.

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dos às classes trabalhadoras, alguns circularam por maiores períodos outros tiveram
uma vida pífia, dadas as dificuldades de manter tal projeto. O fato é que estes periódicos
formam atualmente uma rica fonte de pesquisa para os estudos da classe trabalhadora
brasileira da Primeira República. Utilizamos como fontes também os estatutos de alguns
grupos que fizeram seu registro em cartório, disponíveis no Primeiro Cartório de Regis-
tro da Comarca da Capital do Arquivo Público do Estado de São Paulo. Os estatutos que
estas sociedades criaram são importantes para a pesquisa histórica, pois eles representa-
vam o regimento interno dos grupos, isto é, serviram para nortear as atividades, condu-
tas e concepções ideológicas dos trabalhadores que deles participavam. Assim, eles re-
presentam uma fonte riquíssima no entendimento das dinâmicas internas e das diversas
atividades propostas por cada sociedade, ao passo que refletem as demandas e expectati-
vas dos sujeitos que as compunham. Além disso, através da análise dos estatutos, e das
possíveis reformas que houve nele ao longo dos anos, podemos ter o conhecimento so-
bre importantes especificidades de cada sociedade, como por exemplo, se possuíam
sede própria ou não, se todos os trabalhadores (homens, mulheres e crianças) poderiam
tomar parte do grupo, as condições necessárias para ser aceito como sócios, os membros
da diretoria, data de fundação da associação, etc.
Por último, é importante destacarmos que a elaboração dos capítulos deste traba-
lho segue a uma ordem cronológica. Na construção da narrativa que aborda a historici-
dade dos grupos pesquisados optamos pela divisão cronológica dos capítulos: o segundo
abarca as associações criadas poucos anos antes da virada do século XX e segue adentro
de sua primeira década, enquanto que o terceiro corresponde às sociedades ativas a par-
tir dos anos 1910 e continua até fins da década. A escolha desta divisão cronológica não
se deve unicamente à aparente facilidade em tratar o passar dos anos de forma crescen-
te, mas sim pelo fato de que identificamos nestas décadas algumas características co-
muns entre os grupos e a organização das classes trabalhadoras.
Como veremos, nos anos de 1900 as sociedades de resistência foram marcadas
fortemente, no geral, pela organização por categorias e ofícios. Por outro lado, ao longo
da década seguinte as classes trabalhadoras mostraram preferência por se organizarem
através das ligas de bairros que são sociedades divididas por regiões e não mais por pro-
fissão. A divisão cronológica nos permite identificar aproximações, no âmbito do asso-
ciativismo, durante estas décadas e, portanto, fazer comparações de uma com a outra,
buscando respostas que nos auxiliem na compreensão do por que destas diferenças orga-
nizativas de um período para o outro.

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Uma breve análise sobre a historiografia brasileira da classe operária.

Como sabemos, no início do século passado a cidade de São Paulo passou por
período de mudanças espaciais, populacionais e sociais. Muitas pesquisas importantes já
foram realizadas a respeito de questões que contribuíram para formar a cidade como a
conhecemos durantes aqueles anos. Inúmeros estudos no âmbito da imigração e seus
efeitos na composição e crescimento da cidade9, somados a uma série de trabalhos que
analisam as causas e os efeitos da industrialização na cidade 10 são exemplos de
importantes contribuições que se tornaram indispensáveis ao se pensar a capital paulista
durante as primeiras décadas do século XX.
Neste cenário, a história das classes trabalhadoras se apresentou como tema
extremamente vasto para as pesquisas históricas. As experiências dos trabalhadores,
suas práticas cotidianas, os lugares de lazer e organização, os conflitos com os patrões e
as autoridades, as divergências internas, se tornaram assuntos recorrentes nos estudos e
ganharam a atenção de diversos historiadores. Foi na década de 1970 que alguns
pesquisadores perceberam que o estudo da vida cotidiana dos operários, dentro e fora
das fábricas, em suas mais diferentes esferas, colaboraria de forma surpreendente para
entender as classes trabalhadoras.
As pesquisas mais recentes têm privilegiado em suas análises indivíduos que
nesse momento ganharam novos espaços na cidade, na medida em que seu contingente
cresceu de maneira surpreendente: falamos aqui dos trabalhadores 11. Como dissemos, a
partir da década de 1970 há um crescimento expressivo das pesquisas que tem como
9
Como exemplos temos o trabalho de TRENTO, Angelo. Do outro lado do Atlântico Um século de imi-
gração italiana no Brasil. e, DE BONI Luís Alberto (org.). Presença italiana no Brasil. Porto Ale-
gre, EST, 1987.
10
SILVA, Sergio. Expansão cafeeira e origens da indústria no Brasil, - DEAN, Warren. A industrializa-
ção de São Paulo. e FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. São exemplos de trabalhos im-
portantes que fomentaram um longo debate sobre o tema.
11
Entre os anos de 1890 a 1900 a população paulista passou de 64.934 habitantes para 239.820, registran-
do uma elevação de 268% num período de dez anos. Segundo FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e con-
flito social (1890-1920) Rio de Janeiro: Difel, 3º edição, 1983. Pág.18. Grande parte dessas pessoas traba-
lhava nas atividades ligadas à indústria, que por seu turno também apresentou um crescimento significati-
vo: foram registrados 334 novos estabelecimentos industriais na cidade entre os anos de 1900 a 1904, e
um significativo salto para 1.887, entre os anos de 1915 a 1919, segundo ROLNICK, Raquel. Cada um
no seu lugar!. Dissertação de Mestrado, FAU-USP, 1981. Pág. 25.

13
objetivo estudar a classe operária, suas manifestações e relações no período de formação
da capital. Apoiados, em larga medida, na metodologia e nos trabalhos do historiador
inglês E. P. Thompson12, autores como Michael Hall, Sheldon Leslie Maram13, Cláudio
Batalha e outros, dedicam-se ao estudo da classe operária brasileira no início do século
XX através de novas perspectivas de abordagens. Estes trabalhos deixam de lado a
busca por grandes modelos e explicações teóricas e priorizam a pesquisa empírica
desenvolvida, sobretudo, no aprofundamente da utilização das fontes operárias, com
especial atenção à imprensa do período.
A ideia de enxergar a formação da classe operária como fruto das próprias ações
conjuntas entre os trabalhadores e não mais como uma mera reação mecânica aos
abusos que os operários sofriam está contida na citada historiografia britânica da década
de 60-70. O autor que primeiro deu maior atenção à formação da classe operária foi
Edward P. Thompson em A formação da classe operária Inglesa. Vols. I, II e III. Nestes
trabalhos, o autor chama a atenção para a formação da classe operária como um
fenômeno histórico que “unifica uma série de acontecimentos díspares e aparentemente
desconectados”. Para Thompson a formação da classe só acontece quando os
trabalhadores passaram a se enxergar como tal e, isso ocorre a partir do resultado de
experiências comuns que formam uma identidade em torno de seus interesses que,
quando colocada em contato com outros homens, cujos interesses diferem ou se opõem,
formam a classe. Portanto, para ele, a classe operária não é uma “coisa” estática e
fechada dentro de si, mas sim um conjunto de relações que dependem não unicamente
de um grupo, mas sim da relação constante entre grupos. Desta forma, é importante
ressaltarmos, que as concepções e metodologias de análise que Thompson desenvolveu
perpassam todo este estudo, pois a nossa intenção e objetivos aqui foi percorrer a
história das associações de trabalhadores a partir do seu próprio movimento com o
12
THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. Vol. I, II e III. – Rio de Janeiro; Paz e
Terra, 1987.
13
Apesar das aproximações entre os autores, não podemos considerá-los pertencentes a uma mesma linha
de pensamento e pesquisa. Maram buscou analisar o desenvolvimento do movimento operário em São
Paulo vinculando-o, sobretudo, à ação dos anarco-sindicalistas e dos imigrantes europeus. Desta forma,
Maram, assim como Boris Fausto, buscou relacionar o desenvolvimento do movimento operário com a
participação e organização de uma, das várias, correntes ideológicas presentes entre os trabalhadores – o
anarco-sindicalismo, no caso. Com isso, o autor nos leva a crer que o processo de crescimento e organiza-
ção das classes trabalhadores foi dependente da organização de uma determinada vanguarda, que atuava
necessariamente através de um partido ou grupo. Michael Hall por outro lado, traça um panorama mais
diversificado sobre a atuação dos trabalhadores no período e das diversas correntes ideológicas que for-
maram o movimento operário brasileiro, buscando compreender, assim como Thompson, como as dife-
rentes dinâmicas e experiências das classes trabalhadoras foram, de certa maneira, formadoras do movi-
mento operário no Brasil.

14
intuito de compreender como a formação e a organização das classes trabalhadoras
paulistas foram fruto, antes de mais nada, da própria experiência e identidade que estes
sujeitos partilharam naquele contexto.
Assim, muitos estudos vêm dedicando suas análises à classe trabalhadora por
meio de suas diversas expressões e sujeitos. É uma tentativa de construir a história
destes homens a partir de suas próprias experiências e o esforço por se opor à
metodologia que pretendia enxergá-los como objetos mecânicos de um processo externo
à classe. Neste sentido, uma importante contribuição foi também o trabalho de
Francisco Foot Hardman, ainda no início da década de 1980, Nem pátria, nem patrão!.
Neste estudo o autor buscou interpretar o passado operário por meio dos processos
culturais vividos e partilhados pelos trabalhadores fora dos ambientes de trabalho. Desta
maneira, Hardman nos comprovou empiricamente a riqueza que possuem as análises
que contemplem os diversos aspectos da cultura e vivência dos trabalhadores.
Quem eram, como viviam, que lugares utilizaram para se organizar, quais eram
seus problemas, suas dificuldades, como eram os momentos de lazer dos operários da
cidade de São Paulo na aurora do século XX? Essas foram algumas perguntas que
nortearam as novas pesquisas a respeito dos trabalhadores no Brasil. Podemos perceber
que houve um aumento substancial nos estudos e no interesse pelas vivências dos
trabalhadores, sobretudo no tempo que passavam fora das fábricas. 14 O foco dos estudos
que estão sendo realizados ultimamente não se resume mais em simplesmente estudar a
evidente luta de classes entre patrões e trabalhadores, as péssimas condições de
trabalho, os baixos salários, etc. Não queremos com isso tirar os méritos dos trabalhos
que se dedicaram a estas abordagens, ao contrário, eles foram fundamentais e continuam
sendo, porém, intencionamos mostrar o quão benéfico foi para o estudo dos
trabalhadores adotar como ponto de partida nas análises a vida dos operários externa aos
locais de trabalho. Os lugares que os trabalhadores percorriam e frequentavam fora do
rígido horário de serviço devem ser melhor estudados, pois, foram nestes lugares
também que os operários se construíram. Os clubes recreativos, esportivos, as
associações beneficente, os teatros anarquistas, os piqueniques, as assembleias, os bailes
de familiares, os congressos operários e ainda outros, foram espaços em que o
trabalhador estava em evidência e onde sua condição era discutida, criticada e partilhada
14
Estudos como: Nem pátria, nem patrão. de Francisco Foot Hardman; Libertários no Brasil:memórias,
lutas, cultura. de Antônio Arnoni Prado e A vida fora das fábricas: cotidiano operário em São Paulo
(1927-1934). de Maria Auxiliadora Guzzo de Decca, são algumas pesquisas que tiverem como objetivo
estudar a vida e o cotidiano dos trabalhadores fora do ambiente de trabalho. Esses estudos deram ênfase
às experiências da classe trabalhadora e aos espaços onde elas foram desenvolvidas.

15
com os demais. Portanto, estes foram, sem dúvida, espaços privilegiados no processo de
formação e consolidação dos trabalhadores como classe na cidade.
Em parte, isso explica o efeito que podemos verificar no atual campo de
pesquisa, isto é, o crescimento no número de estudos que encontraram nos espaços
cotidianos dos trabalhadores a possibilidade de responder a antigas questões e ainda
levantar outras novas que nos auxiliem na compreensão do processo de formação do
trabalhador e das classes trabalhadoras. Assim, tantos os aspectos que colaboraram ou
que criaram condições para o surgimento de uma cultura da classe operária 15, quanto os
que possibilitaram o aparecimento de aspectos identitários desta classe 16 têm sido alvo
de diversas análises e estão sendo procurados nos mais diferentes ambientes
frequentados pelos trabalhadores, lugares estes que não se limitam aos ambientes de
trabalho.
Os organizadores do livro Culturas de Classe afirmam que: “Tendências atuais
da historiografia têm-se voltado cada vez mais para a diversidade, a divisão e os
conflitos internos à classe operária [...] a classe vem cedendo terreno para estudos
linguísticos, étnicos, culturais entre outros, abrindo a história para trocas conceituais e
abordagens transdisciplinares. O resultado é a ampliação do leque temático da história
do trabalho, compondo um quadro multifacetado da vida dos trabalhadores.” 17 Várias
das novas pesquisas sobre a história dos trabalhadores vem reafirmando o quadro
descrito. Vale a pena nos determos brevemente na análise de alguns trabalhos do
gênero.
Os trabalhos de Uassyr de Siqueira são exemplos destas novas análises a qual
nos referimos. Em sua dissertação de mestrado 18 o autor centraliza sua atenção não
apenas nas associações de caráter sindical, mas também nos clubes dançantes,

15
O assunto aparece debatido no livro: BATALHA, C. H. M., SILVA, F. T. da e FORTES, Alexandre
(orgs.). Culturas de Classe: identidade e diversidade na formação do operariado. Campinas, SP: Editora
da UNICAMP, 2004. Para estes autores, as culturas das classes trabalhadoras se manifestam através das
características culturais peculiares por ela assumida em diferentes contextos históricos que não se limitam
a datas festivas famosas e são manifestadas em forma de celebrações, rituais, lazer, etc. A “cultura
operária” é encarada mais como um campo aberto de discussão do que propriamente um conceito. Ou
seja, não há um padrão para sua manifestação.
16
Sobre identidade da classe operária ver: BATALHA, Cláudio Henrique de Moraes. Identidade da
Classe Operária no Brasil (1880-1920) Atipicidade ou Legitimidade.In: Revista Brasileira de História –
São Paulo. ANPUH/Marco Zero, vol. 12, nº 23/24 setembro 91/agosto 92.
17
BATALHA, C. H. M., SILVA, F. T. da e FORTES, Alexandre (orgs.). Culturas de Classe: identidade
e diversidade na formação do operariado. Campinas. Op. cit.
18
SIQUEIRA, Uassyr. Clubes e sociedades dos trabalhadores do Bom Retiro: Organização, lutas e la-
zer em um bairro paulistano (1915-1924) Dissertação apresentada no Departamento de Hisória do IFCH
– UNICAMP. Fevereiro\2002.

16
recreativos e esportivos, buscando entender o papel que estes diferentes grupos tiveram
na formação da classe trabalhadora. A opção metodológica de não se limitar aos núcleos
sindicais e políticos mostram que apesar de importantes centros de manifestações
culturais da classe operária eles não foram os únicos. Quando Siqueira percorre os
estatutos e as dinâmicas de grupos com finalidades não explicitamente políticas, ele nos
revela que este pode ser também um caminho interessante a se traçar para compreender
as práticas e os conflitos que envolviam o operariado. Assim, não só nos convida a
adentrar os mais diversos espaços da classe trabalhadora, como também prova que as
expressões desta classe não se limitam ao espaço do trabalho e que, de fato, foram
manifestadas em vários outros ambientes. Ainda, o recorte cronológico e espacial
escolhido por Siqueira é capaz de proporcionar um precioso panorama da diversificada
vida dos trabalhadores do bairro do Bom Retiro.
Em sua tese19 vemos uma pesquisa que segue também esta linha. Com o recorte
espacial e cronológico estendidos a toda a capital entre os anos de 1890-1920, o autor
desvenda as diferentes identidades que são construídas ao redor das classes
trabalhadoras. Extremamente relevante, essa análise demostra que muitas vezes a
condição de classe trabalhadora ficava em segundo plano dando lugar a identidades
articuladas em torno de categorias ou etnias específicas. Ao longo desse trabalho, fica
claro que os momentos de auxílio, união e entendimento entre os trabalhadores não
foram menores do que os momentos de conflitos, crises e rachas entre os mesmos.
Perceber as diferenças políticas, ideológicas, étnicas e culturais que muitas vezes
dividiram a classe trabalhadora é um dos grandes méritos de Siqueira neste estudo.
Outra pesquisa recente de Cláudio Batalha é mais um importante exemplo que
reforça a metodologia que aqui buscamos salientar.20 O autor faz uma reflexão a
respeito dos espaços da política manifestada pelos trabalhadores no Rio de Janeiro. Ele
afirma que uma importante manifestação destes espaços é a localização geográfica dos
endereços das sedes dos mais diversos grupos. Para ele “a escolha dos endereços, e a
lógica destas escolhas estão longe de ser fortuitas, pois seguem uma série de padrões

19
SIQUEIRA, Uassyr de Entre sindicatos, clubes e botequins; Identidades, associações e lazer dos tra-
balhadores paulistanos (1890-1920). Tese de Doutorado apresentada no IFCH – Unicamp. Campinas,
SP: 2008.
20
BATALHA, C. H. M. A geografia associativa:as associações operárias, protestos e espaço urbano no
Rio de Janeiro da Primeira República. In: Alciene Azevedo, Jefferson Cano, Maria Clementina Pereira
Cunha, Sidney Chalhoub (orgs) Trabalhadores na cidade: cotidiano e cultura no Rio de Janeiro e em
São Paulo, séculos XIX e XX. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2009.

17
detectáveis [...] o endereço da sede fazia parte da representação pública da
associação.”21
A metodologia de Batallha consiste em fazer uma análise dos lugares concretos
utilizados pelas associações de trabalhadores como sede. Ele se dedica a essa análise,
pois acredita que os endereços são, literalmente, espaços privilegiados que revelam a
história, os interesses e as demandas dos trabalhadores. Em seu trabalho ele é
extremamente eficaz em mostrar que a escolha das sedes associativas são momentos de
disputa política, visibilidade e respeitabilidade social. Essa pesquisa tem ainda o mérito
de recordar o quão árduo muitas vezes foi para os trabalhadores possuírem seus próprios
lugares para encontros e atividades e como era igualmente importante para estes grupos
terem seu próprio espaço. Isso nos traz ainda um quadro bastante complexo da dinâmica
mobilidade geográfica dos núcleos trabalhistas que viveram, nas escolhas de suas sedes,
momentos de luta. Resta então a nós historiadores a tarefa de seguir seus passos e
reescrever essas fascinantes histórias.
Além disso, há atualmente importantes contribuições de pesquisadores que
tratam da história urbana e das cidades, como é o caso de Raquel Rolnik. Esta autora faz
uma interessante análise sobre o processo de “redefinição dos lugares” que ocorre na
cidade de São Paulo durante os anos iniciais de industrialização 22. Ela atenta para a
“segregação sócio-territorial” que se desenvolve na emergente cidade capitalista e nos
ilumina na compreensão da nova configuração dos espaços na cidade, com seus lugares
divididos e pré-definidos. Fica claro notar assim, os lugares que cada grupo ocuparia no
que ela chama de “hierarquia social do espaço”, onde há regiões específicas e separadas
para cada grupo social, uma novidade da virada do século em São Paulo.
O trabalho de Rolnik é relevante ainda porque possibilita o entendimento do
conceito de território (que trataremos melhor no primeiro capítulo). Isto é, a separação
entre as classes sociais acaba gerando também um processo de identificação e
reconhecimento de cada região por parte de seus moradores. Desta forma, os espaços
ocupados pelas classes trabalhadoras tornam-se o seu território, com suas dinâmicas e
características específicas. Isso é fundamental, pois nos permite problematizar a
formação de territórios das classes trabalhadores em determinadas regiões ou bairros da
cidade, como, por exemplo, o Brás.
21
Idem. Pág. 260.
22
ROLNIK, Raquel. São Paulo, o início da industrialização: o espaço e a política. In: KOWARICK, Lú-
cio. (coordenador) As lutas sociais e a cidade: São Paulo, passado e presente. 2. Ed. – Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1994.

18
Ao encontro desta perspectiva urbana, temos também o trabalho organizado por
Ana Lúcia Duarte Lanna.23 Este livro traz vários estudos que relacionam diferentes
aspectos da cidade à presença de trabalhadores estrangeiros. As pesquisas apresentadas,
especialmente na primeira parte do livro, articulam-se em torno de questões
propriamente migratórias e da constituição de espaços específicos nas cidades em
função das presenças estrangeiras.
A estratégia metodológica destes pesquisadores é utilizar o conceito de “redes”24,
que possibilita englobar várias questões para esclarecer tanto a escolha de destinos
quanto a inserção dos estrangeiros no mercado de trabalho na sociedade receptora. Ou
seja, através deste conceito, os autores buscam esclarecer algumas escolhas e trajetórias
na vida dos sujeitos. Sem desconsiderar os fatores estruturais, as análises aqui
privilegiam os migrantes como sujeitos de suas próprias escolhas e histórias. As
decisões dos estrangeiros de migrar, a escolha dos destinos, a inserção social, são
problematizados levando em conta as possibilidades e interesses dos migrantes, tal
como, suas redes de relações que, como mostram as pesquisas, são preponderantes nas
escolhas dos sujeitos no ato de emigrar. É deste modo que o conceito de rede, mais
concreto e minucioso toma lugar do clássico modelo interpretativo que enfatiza as
condições estruturais das regiões de origem e de destino dos imigrantes como
paradigma explicativo das migrações.
Desta forma, é fundamental salientarmos que nossa pesquisa, em certa medida,
mantém diálogo estreito com trabalhos que problematizam questões espaciais,
territoriais e geográficas da cidade, como os acima citados. Entendemos que indagar
também sobre estas questões nos leve a perceber como as novas relações territoriais
foram fruto e, ao mesmo tempo, produtoras de novas dinâmicas sociais.
A meu ver, os estudos recentes sobre a classe operária no Brasil estão cada vez
mais diversificando seus métodos e perspectivas de análise através, sobretudo, do
alargamento e aprofundamento das fontes e do diálogo entre diferentes áreas do
conhecimento. Estas pesquisas têm como finalidade abandonar antigos, porém
arraigados, dogmas e paradigmas explicativos das classes trabalhadoras no país. Em vez
de fazer das mudanças estruturais o motor da história dos trabalhadores no Brasil as

23
LANNA, Ana Lúcia Duarte. [et. al.] São Paulo, os estrangeiros e a construção das cidades. São Paulo,
Alameda, 2011.
24
O conceito de redes é assim definido por Oswaldo Truzzi: “complexos de laços interpessoais que ligam
migrantes, migrantes anteriores e não migrantes nas áreas de origem e de destino, por meio de vínculos de
parentesco, amizade e conterraneidade.” In: LANNA, Ana. L. D. Op. cit. Pág. 23.

19
abordagens em questão agem positivamente mais com a intenção de marcar a
diversidade, quebrando as idéias de homogeneidade e fracasso pré-formuladas.
Podemos notar que atualmente muito pouco se fala ou busca-se explicar sobre a
classe operária brasileira “atípica” ou imatura25. Não há atipicidade quando não se busca
um modelo, um enquadramento e, felizmente, é isso que vêm ocorrendo. O movimento
das classes trabalhadoras no Brasil está sendo interpretado e analisado à luz de suas
próprias experiências. Idéias como a da “planta exótica”, para se entender o movimento
anarquista no Brasil, ou a do caráter “espontaneísta” da greve geral de 1917 já não se
sustentam e, como aponta Christina Lopreato, “indicam uma arraigada concepção
político-partidária em relação à classe operária e seu movimento, onde a classe
necessitaria de uma direção, de um orgão diretivo, ou seja, o partido.”26
Sendo assim, a trajetória do movimento operário no Brasil durante a Primeira
República pode revelar múltiplas faces e várias histórias que por vezes foram perdidas
nas entrelinhas ou, em outro limite, pode ser rotulado e julgado como ineficiente,
portanto, cabe aos historiadores fazer também suas escolhas. Neste sentido,
corroboramos com a historiadora Cristina Campos ao dizer que “a história não é feita
para se incorporar o passado, o historiador tem que mostrar, antes de tudo, os rachas, as
rupturas, para que se possa, na história viva, efetuar transformações.” 27 Não há dúvidas
portanto, que “as experiências acumuladas têm trajetórias e significados extremamente
díspares: a recuperação destas experiências de luta, suas articulações e grau de
organização mostram a necessidade de estudá-las nos seus micromovimentos.”28
Apontamos brevemente algumas importantes pesquisas que são referenciais e
que representam as várias possíveis abordagens ao se estudar as classes trabalhadoras na
virada dos séculos XIX/XX. Estas pesquisas somam-se a diversas outras e vêm
ajudando a aumentar o número de trabalhos que buscam nas mais diversas
manifestações e espaços cotidianos da classe trabalhadora seu mais sincero e real
movimento. Portanto, fica nítido a nós percebermos que ao privilegiar as experiências
de grupos e indivíduos não só dentro, mas também fora dos horários de trabalho, esses
25
Sobre este tema ver: BATALHA, Cláudio Henrique de Moraes. Identidade da Classe Operária no Bra-
sil (1880-1920) Atipicidade ou Legitimidade.In: Revista Brasileira de História – São Paulo. ANPUH/Mar-
co Zero, vol. 12, nº 23/24 setembro 91/agosto 92.
26
LOPREATO, Chrstina Da Silva Roquette. “O espírito da revolta: a greve geral anarquista de 1917”.
Tese de doutorado em história social do trabalho, UNICAMP. Campinas, 1996, Pág. 26.
27
CAMPOS, Cristina Hebling. “O sonhar libertário. Movimento operário nos anos de 1917 a 1921.”
Campinas: Editora Unicamp, 1988. Pág. 22.
28
KOWARICK, Lúcio. (coordenador) As lutas sociais e a cidade: São Paulo, passado e presente. 2. Ed.
– Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994. Pág. 45.

20
estudos estão comprovando que a história do trabalhador no Brasil é a maior
beneficiária. Esperamos que o presente estudo possa ser uma pequena contribuição a
este quadro.

Capítulo 1 – Transformações na cidade de São Paulo e suas relações


com o desenvolvimento do bairro do Brás no final do século XIX.

Na segunda metade do século XIX têm início no estado de São Paulo algumas
realizações materiais que dão nova ressignificação à dinâmica, cultura e vida da capital.
Até o ano de 1850 havia em todo o Brasil apenas cinquenta manufaturas classificadas
como estabelecimentos industriais, sendo que no estado de São Paulo em 1852 apenas
sete foram as fábricas existentes dignas de menção29. Nos anos que seguem, como
aponta Maria Auxiliadora de Decca, ocorre uma sensível e significativa expansão do
setor têxtil que até então representa o mais importante setor da indústria brasileira: até o
ano de 1866 registram-se nove fábricas têxteis em todo o país, ao passo que por volta de
1866-1885 são encontradas quarenta e duas fábricas deste tipo no Brasil 30. E estes ainda

29
MORSE, Richard M. Formação histórica de São Paulo. Corpo e Alma do Brasil – Difusão Europeia do
Livro, São Paulo, 1970. Pág. 148.
30
DECCA, Maria Auxiliadora. Indústria, trabalho e cotidiano: Brasil 1889 a 1930.- São Paulo: Atual,
1991. Pág. 21

21
são os primeiros anos de expansão da atividade industrial no país que se tornará mais
forte nas décadas posteriores. Visto isso, devemos nos perguntar quais foram as causas e
os motivos que levaram o Brasil e, particularmente, o estado de São Paulo a passar por
um processo de industrialização de tal amplitude nesta época, pois o advento da
indústria e a consolidação do modelo capitalista de produção são peças centrais no
entendimento das relações que se construíram no período e que se perpetuaram para
além da Primeira República.
Grande parte dos historiadores acredita que a industrialização de São Paulo,
assim como o concomitante e enorme afluxo de imigrantes para este estado, devem-se
inicialmente e fundamentalmente à expansão da cafeicultura. Foi intenso o debate
acadêmico que vigorou na década de 1970 a respeito dos primórdios da industrialização
no estado de São Paulo. O período em que este processo aconteceu é praticamente
consenso dentro da historiografia: fins do século XIX, início do XX. Na verdade, o que
se encontrava no cerne do debate era o como e o porquê justamente neste período e
neste espaço figurou-se tal processo, ou seja, quais os fatores que possibilitaram o
surgimento de um significativo desenvolvimento industrial na cidade de São Paulo na
virada do século XIX para o XX?
A principal corrente interpretativa deste fenômeno tendeu a fazer uma leitura
que relacionava de maneira benéfica a intensa produção de café nas fazendas do oeste
paulista com o surgimento e crescimento da indústria na capital. Mais do que
simplesmente afirmar que esta relação café-indústria foi positiva para o fortalecimento
da indústria paulista, estes autores31 procuram desenvolver em seus trabalhos a ideia de
que o grande crescimento da produção cafeeira e todos os desdobramentos que ele
trouxe consigo foi o fator sine qua non para a industrialização da cidade.
Fazer uma análise minuciosa sobre este debate não é o objetivo desta pesquisa.
Contudo, apontar os fatores que levaram estes autores a crer que a expansão cafeeira
teve estreita relação com o desenvolvimento da indústria, assim como demonstrar que
existem análises que discordam desta perspectiva é fundamental para nós. É importante
ressaltar ainda que algumas das análises presentes no primeiro grupo dos trabalhos
acima citados nos parecem bastante interessantes no que tange a fundamentos no
processo de industrialização da cidade.

31
Dentro deste debate estiveram presentes autores como Sérgio Silva. Expansão cafeeira e origens da in-
dústria no Brasil. São Paulo: Editora Alfa-Ômega, 1976; Warren Dean. A industrialização de São Paulo.
Rio de Janeiro: Difel, 1971 e José de Souza Martins. O cativeiro da terra. Contexto, 1979.

22
Os autores que atribuem à relação café-indústria as bases da industrialização
acreditam que o capital que possibilitou o desenvolvimento industrial foi alcançado
graças ao crescimento no setor de exportação do café. Mas não foi só isso: para eles, a
economia exportadora do café possibilitou realmente o acúmulo de capital necessário, e
ainda trouxe consigo uma série de fatores que seriam fundamentais à implantação da
indústria na capital. Um destes fatores ocorreu da seguinte forma, nas palavras de Boris
Fausto:

“À medida em que a exportação assumiu proporções consideráveis,


gerando um significativo excedente econômico, colocou-se o
problema do escoamento das mercadorias para os portos, a baixo
custo e em larga escala. Os caminhos precários percorridos por tropas
conduzidas por escravos desviados das atividades das fazendas, foram
sendo substituídos pelas vias férreas, que se implantaram como um elo
entre as regiões produtoras e os centros exportadores. A rede
ferroviária impulsionou em um caso e deu origem em outro à
expansão destes centros [São Paulo e Rio de Janeiro].”32

Percebemos que a expansão do setor capitalista de exportação do café demandou


uma rica e eficiente rede de transportes para o seu mais rápido escoamento e que foi
fundamental na formação dos centros urbanos e que mais tarde serviu para atender às
demandas da própria indústria e também como foco aglutinador de trabalhadores
industriais na cidade. Neste sentido, o bairro do Brás serve como um exemplo
significativo, pois, no ano de 1865 foi construída ali uma estação da estrada de ferro que
foi, em grande medida, responsável por consideráveis mudanças sociais que ocorreram
naquela região33.
A Estrada de Ferro Inglesa, como era também conhecida a São Paulo Railway
Company (S.P.R) foi inaugurada no dia 6 de setembro de 1865 e ligava a cidade
portuária de Santos à capital paulista em direção aos bairros do Brás e da Luz 34. A
construção desta ferrovia pode ser vista como uma das primeiras experiências que
contaram com a utilização do capital gerado pelo café para sua própria expansão (visto
32
FAUSTO, Boris. Trabalho urbano e conflito social (1890-1920) Rio de Janeiro: Difel, 3º edição, 1983.
Pág.13.
33
Maria Celestina Torres em História dos bairros de São Paulo: Brás. nos informa, por exemplo, que as
obras da estrada de ferro levaram a Câmara a apresentar os trabalhos relativos ao plano de canalização do
rio Tamanduateí.
34
JUNIOR, Geraldo Sesso. Retalhos da Velha São Paulo. Gráfica Municipal de São Paulo. São Paulo,
1983. Pág.55.

23
que sua criação visava o maior e mais rápido escoamento da produção cafeeira ao porto
de Santos). No entanto, mais do que isso, as ferrovias implantadas na capital do estado
servirão também à industria e serão responsáveis pelo crescimento da produção e por
aglutinar nas áreas próximas de si os bairros que num futuro pouco distante serão
responsáveis pela maior parte das atividades industriais e a marcante presença
proletária.
Sendo assim, a estrada de ferro Santos-Jundiaí, como ficou conhecida mais tarde
a S.P.R. por conta da sua expansão de trilhos até a cidade de Jundiaí e logo depois à
cidade de Campinas, em direção ao interior do estado, surgiu por intento do escoamento
da produção do café. Contudo, ela produziu também transformações locais que muito
provavelmente nem haviam sido pensadas anteriormente. Umas destas mudanças foi o
debate que a construção da estação ferroviária no Brás gerou em torno da concessão de
datas no bairro. Uma parte da população se opunha à idéia de que as terras que
deveriam ser dos cidadãos paulistas fossem doadas como terreno para uma empresa
estrangeira, inglesa no caso. Além disso, existiram inúmeros conflitos referentes às
desapropriações de parte do terreno, bem como, desinteligências quanto à
responsabilidade da empresa em abrir ou fechar vias para melhor aproveitamento do
espaço tanto por parte da S.P.R. quanto dos moradores do bairro.35
Voltando ao debate café/indústria, temos Warren Dean como outro autor que dá
suma importância à cafeicultura no processo de surgimento da indústria em São Paulo.
Para ele, “A industrialização de São Paulo dependeu, desde o princípio, da procura
provocada pelo crescente mercado estrangeiro do café.” 36. Na visão deste autor, o café é
a base do crescimento industrial porque proporcionava uma economia monetária que
aumentou o volume de dinheiro em circulação à medida que encontrou um mercado que
pagava em dinheiro por seus produtos. Assim como Boris Fausto, este autor salienta a
tese de que grande parte da infra-estrutura utilizada para a instalação e desenvolvimento

35
Não faltaram conflitos locais que envolveram a construção da ferrovia e a população. Não era para me-
nos. Como vimos, o Brás, apesar de relativamente próximo do centro, não estava habituado até então com
a dinâmica imposta ao bairro por uma linha férrea. Além dos problema citados acima tivemos ainda a
questão da “porteira do Brás” (que só foi solucionada dalí a cem anos com a criação do Viaduto Maestro
Alberto Marino) que foi construída, buscando impedir ou diminuir os sérios acidentes causados pela pas-
sagem da linha do trem ao nível e cortando a Avenida Rangel Pestana, apenas causou mais transtorno aos
pedestres e ao trânsito na região. Várias foram as petições entregues à Câmara exigindo providências da
empresa. TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. Bairro do Brás. Coleção História dos bairros de
São Paulo. Ed. Departamento do Patrimônio Histórico, São Paulo, 1969.
36
DEAN, Warren A industrialização de São Paulo (1880-1945) Rio de Janeiro: Difel, 1971. Pág. 9.

24
das indústrias foi gerada pelas demandas e capitais disponíveis pela expansão da
cafeicultura, como se observa na citação a seguir:

“O comércio do café custeou também grande parte das despesas


gerais, econômicas e sociais, necessárias a tornar proveitosa a
manufatura nacional. A construção de estradas de ferro proveio, toda
ela da expansão do café. As linhas foram construídas pelos próprios
plantadores com os seus lucros ou por estrangeiros seduzidos pela
perspectiva do frete do café. [...] A produção subseqüente das
máquinas dependia da instalação de sistemas urbanos de energia
hidrelétrica. As companhias elétricas foram, amiúde, organizadas por
cafeicultores desejosos de adornar suas cidades do interior com
inventos modernos.” 37

Contudo, acreditamos que talvez a maior contribuição de Dean resida no fato de


que para ele o plantio do café se constituía numa espécie de matriz que definia as
possibilidades do empresariado. Sendo assim, a economia cafeeira foi muito importante
na constituição de toda a infraestrutura necessária à industrialização. No entanto, ela foi
ainda mais importante em relação ao leque de oportunidades que possibilitou à elite
paulista aplicar seus ganhos. E estes só foram direcionados às indústrias, segundo o
autor, quando as percepções e interesses das elites estiveram favoravelmente
empenhados em tal tarefa38. Neste sentido é elucidativa também a análise de Morse ao
afirmar que a velha aristocracia do açúcar não tinha talvez menor espírito de lucro do
que se comparada aos novos barões do café. Estes estavam bem menos presos ao
costume, e mais livres para planificar sua exploração com objetivo puramente
capitalístico.39
Segundo a concepção dos autores (Dean e Fausto) há então uma relação
benéfica, ou melhor, indispensável entre a expansão cafeeira e a industrialização da
cidade, atribuindo uma maior dinâmica no desenvolvimento industrial nos períodos de
expansão das importações do café e certa desaceleração no processo nos períodos de
crise ou turbulências da exportação do produto, como no caso da Primeira Guerra
Mundial (1914-1918). O autor (Dean) acredita que este conflito contribuiu para
interromper o movimento de desenvolvimento industrial que se encontrava em

37
Idem. Pág. 14
38
Idem, Ibidem.
39
MORSE, Richard. Op.cit. Pág. 163.

25
andamento no país. Esta leitura se confronta com os trabalhos de outros autores como,
por exemplo, Francisco Iglesias40, que é um dos defensores da ideia de que com a
deflagração do conflito mundial o país é forçado a desenvolver suas indústrias a fim de
substituir produtos outrora vindos de fora.
Há também um autor que critica as concepções de Warren Dean e Sergio Silva,
opondo-se à idéia de que o café foi responsável por gerar uma forte economia monetária
que possibilitaria o desenvolvimento da indústria. Para Martins:

“[...] a gênese da indústria brasileira não deve ser buscada nas


oscilações da economia do café, na alternância de períodos de crise e
falta de crise. Na verdade, o aparecimento da indústria está vinculado
a um complexo de relações e produtos que não pode ser reduzido ao
binômio café-indústria.” 41

Portanto, podemos perceber que as visões a respeito das origens da indústria no


Brasil, e mais especificamente na cidade de São Paulo, alimentaram um intenso debate
acadêmico, especialmente da década de 1970. No entanto, acreditamos ainda que a
expansão da economia cafeeira foi responsável pela introdução de outro elemento que
teve suma importância na formação e desenvolvimento da cidade, bem como nas mais
diversas organizações e manifestações dos operários, sobretudo no bairro do Brás.
Estamos nos referindo aos imigrantes vindos da Europa.
Acreditamos que os imigrantes que vieram de diversos países europeus como a
Itália, Espanha, Portugal, Alemanha, etc. tiveram uma importância fundamental na
formação, desenvolvimento e organização dos operários na cidade de São Paulo.
Declarar isto não significa dizer que compartilhamos da ideia de que sem a participação
dos imigrantes na cidade, o movimento operário não teria existido nesta capital. No
entanto, devido ao grande contingente e à intensa participação de uma parcela
significativa destes trabalhadores nas organizações operárias do período, é impossível
deixar estes sujeitos como meros espectadores no processo de formação da cidade e
também das classes operárias e suas instituições. O fato é que a entrada de imigrantes no
estado de São Paulo foi uma realidade por um considerável período e, como tal,
40
IGLESIAS, Francisco. A industrialização Brasileira. São Paulo: Editora Brasiliense, 1982. Ao lado des-
te autor existem ainda outros como Roberto Simonsen e Antonio Castro que possuem uma mesma visão
e, tendem a entender a industrialização a partir da substituição de importações.
41
MARTINS, José de Souza. O cativeiro da terra. São Paulo: Hucitec, 3º Edição, 1983. Apud PAULA,
Amir El Hakim Os operários pedem passagem! – A geografia operária na cidade de São Paulo(1900-
1917). Dissertação apresentada no Departamento de Geografia da USP. São Paulo, 2005.

26
devemos analisar como se deu este processo e quais foram suas implicações na
formação das associações operárias.
A imigração em massa para o Brasil teve início no final da década de 1880 42 e
continuou em grande escala nas décadas posteriores, havendo grande diminuição de
contingente somente por volta dos anos 1920 do século XX. A maior incidência na
imigração para o Brasil ocorreu na década de 1890 quando entraram cerca de 1/3 de
todos os imigrantes que vieram para cá entre os anos de 1890-1929. 43. Diversos fatores
contribuíram para o aumento no número de imigrantes que tiveram como destino o
Brasil e em especial o estado de São Paulo. Destacamos como um dos principais fatores
a expansão das lavouras cafeeiras. Quando se tornava evidente que a escravidão não
poderia durar muito mais tempo, período este em que a atividade econômica de
exportação cafeeira se mostrava em pleno crescimento, os grandes cafeicultores do
interior de São Paulo necessitavam cada vez mais de braços laboriosos para trabalhar no
desmatamento, no plantio e cuidado do café, secagem e armazenamento, em áreas que
ser expandiam cada vez mais. A melhor maneira encontrada pelos cafeicultores e pelo
Estado44 para resolver o problema da escassez de trabalhadores foi trazer da Europa
famílias de imigrantes que procuravam conseguir deste lado do Atlântico melhores
condições de vida.
Paulo Sérgio Pinheiro aponta ainda outros fatores que contribuíram para fazer da
década de 1890 o período de maior intensidade na entrada de imigrantes. O autor frisa a
recessão econômica que atingia dois grandes concorrentes do Brasil no que tange a
imigração à América, que é o caso dos Estados Unidos e da Argentina, portanto atraindo
menos imigrantes e, também, a fase econômica desfavorável da própria Itália, maior

42
As primeiras cifras relativas à imigração para o Brasil mostram que o otimismo dos primeiros anos,
onde entre 1827-1829 houve a entrada de 955 trabalhadores imigrantes, foi se perdendo ao longo dos
anos subsequentes quando entre 1830-1845 apenas 834 imigrantes entraram no país para trabalhar, e só
retomou o seu forte crescimento no final do século XIX. Dpto. Estadual do Trabalho, Dados para a histó-
ria da imigração e da colonização em São Paulo (São Paulo, 1916), pp. 6. Apud MORSE, Richard. Op.-
cit. Pág. 102.
43
Dados contidos In: PINHEIRO, Paulo Sérgio. In: História geral da civilização brasileira Tomo III: O
Brasil republicano, Vol. 9: Sociedade e instituições (1989-1930); Introdução geral de Sérgio Buarque de
Holanda. – 8ª. Ed. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.
44
As viagens muitas vezes eram subsidiadas pelos próprios proprietários das fazendas onde os imigrantes
trabalhariam. Isso contribuía para o endividamento dos trabalhadores logo em seu momento de chegada
nos locais de trabalho. Contudo, a imigração também foi incentivada, e sobretudo, por “um amplo progra-
ma de imigração subsidiado pelos governos do estado e da nação”, transferindo para o conjunto da socie-
dade os custos da imigração. HALL, Michael M. Imigrantes na cidade de São Paulo; In: PORTA, Paula.
História da cidade de São Paulo. A cidade na primeira metade do século XX. São Paulo: Paz e Terra.
2004. Pág. 121.

27
fornecedora de imigrantes para o Brasil, o que, deste modo, contribuía para maior
emigração deste território.45
Portanto, sabemos que os primeiros imigrantes que chegaram ao Brasil tiveram
como destino as grandes fazendas de café do chamado “Oeste Paulista”. É importante
ressaltar que os imigrantes não vieram unicamente com o intuito de substituir os
escravos das fazendas de café, mesmo porque os escravos eram poucos no momento da
abolição e o número de imigrantes foi bem superior a eles, isso pelo fato de que o
número de escravos não era mesmo suficiente para a grande expansão das lavouras do
café. Desta forma, imigração massiva veio a atender também uma grande demanda de
trabalho presente nos mais diversos ramos de atividades, como nos mostra Boris Fausto:

“Lembre-se também que a força de trabalho estrangeira não veio


substituir simplesmente a mão-de-obra escrava, mas representou um
grande aumento do potencial de trabalho, destinado a atender os
requisitos de uma economia em plena expansão. Em 1887, havia
107.000 escravos na província de São Paulo; entre este ano e 1900 a
imigração líquida externa somou 599.426 pessoas.” 46

A considerável diferença entre o número de escravos presente em São Paulo e a


quantidade de estrangeiros que adentraram este estado demonstra que, apesar de o início
da imigração estar fortemente ligada a suprir a mão-de-obra nos cafezais que se
expandiam, foi grande também a quantidade de pessoas que se destinaram a outros
ramos e, principalmente, a outras regiões do estado, como por exemplo, a capital que
iniciava o desenvolvimento de suas indústrias, impulsionada, como vimos, pela
expansão cafeeira. Porém, a grande maioria desses imigrantes que vieram em busca de
trabalho para a cidade de São Paulo, não vinha diretamente de seus países de origem,
mas vinham fugindo das péssimas condições de vida e de trabalho nas fazendas de café
paulistas. A entrada de grandes levas de imigrantes em São Paulo foi um momento
decisivo no processo de estabelecimento da economia capitalista no estado e no surto de
industrialização, pois isso ampliou o mercado de trabalho e de consumo e, ainda,
impulsionou o crescimento da cidade de São Paulo, segundo a interpretação de Dean.47.

45
PINHEIRO, Paulo Sérgio. Op.cit. Pág. 111. Entretanto, vale lembrar que apesar do favorecimento da
entrada de imigrantes no Brasil nesta década, em números absolutos entre os anos da Primeira República,
a imigração para o Brasil pode ser considerada irrisória se comparada ao mesmo período na Argentina e,
sobretudo, nos Estados Unidos.
46
FAUSTO, Boris. Op. cit. Pág. 17.
47
Idem, Ibidem.

28
Além do fato de que parte dos imigrantes teve como destino inicial a capital do
estado (ainda que em menor escala em relação aos que foram inicialmente para as
fazendas), inúmeras famílias que se destinaram às fazendas de café não tardaram a
descobrir o grande sacrifício que seria trabalhar nestes locais, ainda mais pelo fato de
estarem substituindo antigos escravos. O ambiente de trabalho nos cafezais paulistas era
extremamente árduo e por vezes não propiciava as necessidades mínimas dos
trabalhadores. Os patrões, ainda acostumados com o período escravista, negavam uma
série de benefícios aos novos empregados. O trabalho era extremamente desgastante
para toda a família, que incluía desde mulheres até as crianças e, geralmente, os salários
não correspondiam a todo o esforço disponibilizado e mal cobria as despesas básicas de
uma família. Pinheiro descreve parte dos descontentamentos dos colonos ao afirmar
que:

“São muitas as queixas sobre o isolamento social e cultural a que os


colonos das fazendas de café estavam sujeitos. As grandes distâncias
entre uma fazenda e outra e entre a fazenda e o núcleo urbano
dificultavam os contatos e faziam com que os colonos não raro se
sentissem profundamente insatisfeitos e deprimidos devido à ausência
de satisfações espirituais, culturais e sociais.” 48

Os maus tratos chegaram a ser tão evidentes que em 1902 o governo italiano,
através do Decreto Prinetti49, proibiu a imigração com passagens subsidiadas para o
estado de São Paulo.
Estas constantes insatisfações e hostilidades presentes nas fazendas de café fizeram
com que muitas famílias abandonassem o trabalho na lavoura e procurassem novas
oportunidades e melhores condições de trabalho na capital do estado. Houve então um
grande afluxo de pessoas que se destinaram a procurar melhores condições de vida na
cidade, não só imigrantes, mas também ex-escravos que, como demonstra Uassyr de
Siqueira, eram atraídos pelas indústrias em expansão e pela possibilidade de trabalho
informal50 como ambulantes, artesãos, etc.
48
PINHEIRO, Paulo Sérgio. Op.cit. Pág. 123
49
Segundo HALL, Michael. e PINHEIRO, Paulo S. Op.cit. Pág.32: Adolfo Rossi foi enviado pelo gover-
no italiano para informar sobre as condições dos imigrantes italianos em São Paulo. Seu devastador rela-
tório foi um dos fatores que levou as autoridades italianas a proibir a imigração subsidiada de seus súditos
para São Paulo.
50
SIQUEIRA, Uassyr de Entre sindicatos, clubes e botequins; Identidades, associações e lazer dos tra-
balhadores paulistanos (1890-1920). Tese de Doutorado apresentada no IFCH – Unicamp. Campinas,
SP: 2008.

29
Tal como nas fazendas de café, empregadores das indústrias e do comércio
demonstravam inclinação à preferência em contratar trabalhadores europeus ao invés de
brasileiros.51 Assim, a cidade de São Paulo foi aos poucos se tornando um grande núcleo
demográfico alimentado cada vez mais pelos fluxos imigratórios vindos da Europa. Os
trabalhadores europeus buscavam trabalhos nos mais diversos ramos dentro da cidade.
No entanto, era no setor industrial que a maior parte deles era alocada. Segundo
Andrews, “em 1902, 90% da força de trabalho na indústria era composta por imigrantes
– quadro este que seria alterado somente no decorrer dos anos 20.” 52
Com esta constatada mudança de foco dos imigrantes, que ao longo do século
XX cada vez mais se destinavam à cidade, houve um aumento excessivo da oferta de
trabalho na cidade de São Paulo. Boris Fausto aponta para a formação de um exército
industrial de reserva, em um momento de decisiva arrancada da industrialização na
cidade. Assim, conclui que “ao promover na expansão um fluxo migratório que excedia
suas próprias necessidades, [o setor cafeeiro] proporcionava um excedente de
trabalhadores à cidade”. 53
As condições de trabalho na capital do estado, principalmente dentro das
fábricas, não diferiam muito das fazendas de café no que tange aos maus tratos e abusos
do patronato. O trabalho dentro das fábricas era extremamente exaustivo e mal
remunerado. A diferença é que, ao contrário das fazendas, o núcleo urbano da capital
paulista possibilitava a formação de vários tipos de grupos e associações que atendiam
aos interesses dos trabalhadores, pois, segundo Boris Fausto:

“As condições específicas do meio rural dificultaram ao extremo a


organização dos trabalhadores e a eclosão de greves. A massa de
imigrantes, introduzida em terra estranha, dispersou-se por fazendas
isoladas, impossibilitando contatos que reforçassem a tomada de
consciência de uma condição comum e o esboço de uma ação
reivindicatória.” 54

51
Bem como nas fazendas de café esta idéia está ligada a uma suposta superioridade na capacidade de tra-
balho dos europeus, visto que estes advinham de países “civilizados” e, portanto, com certa experiência
na produção industrial . É importante ressaltar que, no entanto, apesar de lhes serem atribuídas maiores
capacidades, muitos destes imigrantes nunca tiveram contato com o trabalho fabril em seus países de ori-
gem.
52
ANDREWS, George Reid. Negros e brancos em São Paulo (1888-1988), São Paulo: Edusc, 1998. Pág.
98. Apud: SIQUEIRA, Uassyr. Op. Cit. Pág. 14.
53
FAUSTO, Boris. Op. cit. Pág. 25
54
Idem. Pág. 21.

30
No entanto, é importante destacar que a desorganização dos trabalhadores rurais
apontada por Fausto não é completamente exata , há grandes greves dos trabalhadores
agrários durante a Primeira República como, por exemplo, as de 1913 ocorridas em
Ribeirão Preto. Hall e Pinheiro apontam ainda que “as greves de operários agrícolas
estavam longe de serem raras, especialmente em São Paulo, onde os colonos
repetidamente entraram em greves contra seus patrões”. 55 Além disso, Angelo Trento
nos faz lembrar também que a expressão numérica dos trabalhadores dentro das
fazendas era enorme, segundo o autor, “em 1918, a maior fábrica da capital reunia 3.000
operários, enquanto, já no início do século, havia fazendas com mais de 8.000
trabalhadores”56, o que sem dúvida era favorável à sua organização.
Contudo, estes entraves à organização social que eram comuns aos trabalhadores
rurais57 perderam força e praticamente foram anulados quando o palco dos conflitos
sociais deixou de ser o campo e passou à cidade. Dentro da cidade de São Paulo,
ficavam evidentes de diversas formas os conflitos e a segregação social existentes entre
a burguesia industrial e os trabalhadores. Os conflitos cada vez mais intensos ao longo
das décadas de 1900 e 1910 entre operários e patrões dentro das fábricas, deixaram de
ser uma especificidade do ambiente de trabalho e fizeram parte do cotidiano e da
realidade da capital paulista.
A própria formação e disposição dos bairros de São Paulo estão inseridas em
uma lógica de separação entre classes. Os trabalhadores moravam e faziam suas vidas
nos chamados bairros operários que, geralmente, coincidiam com os espaços onde se
localizavam as fábricas. Entre estes bairros temos, por exemplo, Brás, Barra Funda,
Mooca, Cambuci, Belenzinho etc. Por outro lado, a burguesia industrial habitava bairros
com condições bem mais salubres e arborizados como Campos Elíseos, Higienópolis e
Jardins que passaram então a se configurar como “bairros nobres”, onde a presença de
moradias de trabalhadores e das classes menos abastadas era praticamente inexistente.
A grande concentração da classe trabalhadora em determinados bairros da cidade
se deu por conta da presença da indústria e das estradas de ferro nestas regiões. Esta
unidade em torno dos bairros operários fica clara nos autores:
55
HALL, Michael. e PINHEIRO, Paulo Sergio. A classe operária no Brasil. Vol. I. O movimento operá-
rio. São Paulo. Alfa-Ômega, 1979, p. 116.
56
TRENTO, Angelo. Do outro lado do Atlântico: um século de imigração italiana no Brasil. Op.cit. Pág.
114.
57
Embora, como os autores apontam, tenham havido vários tipos de manifestações de insatisfação tam-
bém por parte destes trabalhadores rurais dentro das fazendas, tais como greves, boicotes, assassinato de
patrões, etc., os obstáculos à organização destes trabalhadores foi também igualmente grande.

31
“[...] a maioria das indústrias e do proletário localizava-se em
determinados trechos da cidade. Desde 1901 são eles apontados como
os bairros tipicamente operários e se situam em uma área demarcada
pela rede ferroviária dentro do município (Brás, Bom Retiro, Água
Branca, Lapa, Ipiranga e São Caetano)”.58
“Nenhum conforto tem o proletariado nesta formosa e
opulenta capital ... As casas são infectadas, as ruas, na quase
totalidade, não são calçadas, há falta de luz e esgotos”. 59
“Ele (o operariado) se localiza preferencialmente em
determinados bairros, Brás, Bexiga, Barra Funda em São Paulo...
Segundo relatos eles são antros fétidos que servem de habitação a
milhares de famílias”.60

Acreditamos que a concentração urbana dos trabalhadores, sua grande expressão


numérica localizada em alguns bairros ao longo da cidade, as péssimas condições de
vida a que estavam submetidos dentro e fora das fábricas, como no trecho citado,
somado ainda a outros fatores estruturais foram fundamentais no processo de formação
da classe operária e, principalmente, na organização do movimento operário e das
associações que tinham como objetivo reivindicar as demandas desta classe.
Os cortiços, que normalmente eram as habitações típicas dos operários, e as vilas
operárias, também serviram para despertar nos trabalhadores sentimentos de revolta e
união contra a burguesia: os cortiços, devido às suas condições subumanas de vida,
onde diversas famílias dividiam o mesmo espaço, normalmente pequeno e sujo. As vilas
operárias, destinadas, em geral, aos trabalhadores mais qualificados também traziam
problemas, por se tratarem de mais um aparelho especulativo no qual os patrões
submetiam os trabalhadores à lógica do capital.
Podemos notar então que a partir da década de 1880 e, sobretudo 1890, São
Paulo apresenta-se como outra cidade, mostrando um ritmo de crescimento até então
nunca visto. Assim, fica nítido observar também que o aumento populacional no bairro
do Brás foi bastante significativo já no período anterior a essas décadas, quando o
número de habitantes passa de 659 em 1836, para 974 em 1855, para atingir um salto
58
SIMÃO, A. Sindicato e estado. São Paulo: Diminus, USP, 1966. Pág. 25. Apud HARDMAN, Francisco
Food. Nem pátria, nem patrão!. Op. cit. Pág. 278.
59
BANDEIRA JÚNIOR, A. F. A indústria no estado de São Paulo em 1901. S.1. Tip. Do Diário Oficial,
1901. Apud HARDMAN, Francisco Food. Idem.
60
CARONE, Edgard. A República velha (instituições e classes sociais). 2. Ed. rev. e aum. São Paulo: Di-
fel, 1972. Pág. 194. Apud HARDMAN, Francisco Food. Idem.

32
exponencial de 2.308 no ano de 1872.61 A concentração populacional no Brás deve-se
em grande medida ao impulso ao desenvolvimento econômico dado pelas estradas de
ferro, primeiro a “Inglêsa”- São Paulo Railway, ligando o interior do estado ao Porto de
Santos e alguns anos mais tarde “Norte”, futura Central do Brasil, que ligava São Paulo
à Capital do Império. Segundo Maria Celestina Torres,

“A S.P.R. determinou a formação de uma faixa industrial, formando


um arco a leste e ao norte do centro de São Paulo, numa zona de
terrenos baixos e úmidos, e, por isso mesmo, abandonados durante
muito tempo [...] Dessa maneira, a S.P.R. e a Estrada de Ferro Central
do Brasil irão exercer decisiva influência no povoamento e na
valorização dos terrenos dos bairros do Brás e da Mooca, onde se
instalará a maioria dos trabalhadores, atraídos pela oferta de trabalho e
pelo baixo preço de terrenos considerados insalubres em virtude das
inundações a que estavam sujeitos.”62

Podemos identificar, portanto, como dissemos anteriormente, a importância que


representou nas transformações da cidade as estradas de ferro implantadas nas décadas
de 1860 e 1870. Desta forma foi se configurando o Brás como um bairro marcado cada
vez mais pela forte atividade industrial, pois as fábricas que ali se instalavam gozavam
das vantagens descritas por Maria Celestina Torres, tais como os baixos preços dos
terrenos, a proximidade com as ferrovias e a crescente oferta de mão de obra na região.
Pois como sabemos, próximos às fábricas nos bairros mais pobres e insalubres residiam
também, e em número cada vez maior, os braços aptos a mantê-las em funcionamente,
isto é, os operários.
Foi ainda por volta deste período, década de 1870, que se sugeriu a ideia de
desviar para a indústria a mão-de-obra estrangeira, até então destinada quase que
exclusivamente às atividades cafeicultoras. Como vimos anteriormente, os imigrantes
possuíam grandes motivações para deixarem as fazendas e se aventurarem à vida
urbana. Uma parcela significativa dos trabalhadores estrangeiros fez este movimento e,
somados a tantos outros que chegaram nos anos da imigração massiva, a população da

61
Cf. Daniel Pedro Muller (1836); Mapa da divisão civil, judiciária e eclesiástica da província de São
Paulo (1855); J. Jacinto Ribeiro, Cronologia Paulista (1872). Apud TORRES, M. C. T. M. Op.cit. Pág.
91.
62
TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. História dos bairros de São Paulo I – O bairro do Brás.
Gráfica Municipal de São Paulo. São Paulo, 1981. Pág. 107.

33
capital, especialmente nos bairros ligados ao centro, teve um crescimento ainda mais
expressivo.
A região da Sé sempre se apresentou como um dos mais habitados distritos da
capital. Alí concentravam-se também muitos trabalhadores o que explica, em parte, a
enorme existência de associações na região. Em outra pesquisa que realizamos, onde
identificamos a existência de 40 grupos, pudemos constatar que 15 dentre eles
localizavam-se na Sé63. Concluímos neste trabalho que o centro é territorialmente uma
região eqüidistante dos mais diversos pontos e bairros de toda a cidade e, portanto, é um
local de fácil acesso, onde havia linhas de bondes e também um local que contava com a
intensa circulação de pessoas diariamente. Uma associação que se localizasse nessa
região possivelmente era um local bastante freqüentado. Além disso, ele representa um
local de convergência entre as várias fábricas e os ambientes de trabalho ao redor,
espalhados pela cidade. Isso era um fator favorável à organização operária ao passo em
que facilitava o deslocamento dos trabalhadores para as reuniões e atividades que eram
realizadas, muitas vezes à noite.
No entanto, parece-nos também que a utilização dos espaços do centro da cidade
pelos trabalhadores atendia ainda ao caráter de reivindicação, ou seja, o de evidenciar ao
resto da cidade que eles estavam ativos e que o centro da cidade também pertencia aos
operários, que não se limitavam aos bairros fabris mais afastados, como a burguesia
pretendia.
Não só a região da Sé, mas também o Brás, que nas décadas de 1870/80 era um
bairro que contava com as principais estradas de ferro da capital, com uma crescente
concentração industrial e, ainda, com o baixo preço das moradias tornou-se um centro
aglutinador da classe trabalhadora e, sobretudo, de imigrantes. Esta característica do
bairro com forte presença de trabalhadores vindos do exterior acentuou-se ainda mais
com a criação da Hospedaria dos Imigrantes do Brás, em 1886.
A primeira tentativa de sistematizar e racionalizar os serviços de recepção,
hospedagem e encaminhamento dos imigrantes que para cá afluíam ocorreu no ano de
1878, com a criação da chamada Hospedaria de Sant’ana, no bairro de mesmo nome 64.
Sua atividade foi efêmera e no ano de 1882 foi criada a segunda Hospedaria de

63
Dentre os grupos pesquisados na monografia que ocupavam a região da Sé destacamos: FOSP (Federa-
ção Operária de São Paulo); União dos Trabalhadores Gráficos; União dos Chapeleiros em Geral; Uni-
ão Gráfica; Liga dos Trabalhadores em Madeira; Sindicato Operário de Ofícios Vários; Sindicato dos
Estocadores, Serventes e Pedreiros; Associação das Classes Laboriosas; Grupo Nuova Civiltà; Liga dos
Padeiros e Confeiteiros de São Paulo.

34
Imigrantes da cidade. Segundo Geraldo Sesso, os imigrantes que desembarcavam no
porto de Santos até o ano de 1885 eram enviados em vagões de carga para o antigo
Alojamento de Imigrantes situado no bairro do Bom Retiro 65. Entretanto, com
capacidade para quinhentos imigrantes a Hospedaria do Bom Retiro mostrou-se
inadequada para a demanda cada vez mais crescente. Assim, no ano de 1886 teve início,
por iniciativa de Antônio de Queiróz Telles, o então barão de Parnaíba, a Hospedaria de
Imigrantes do Brás. Nas palavras de Odair Paiva:

“A escolha do bairro do Brás para sua construção foi estratégica. Alí


se dava o cruzamento dos trilhos das duas ferrovias que serviam a
cidade de São Paulo: a antiga Central do Brasil, vinda do Rio de
Janeiro, e a São Paulo Raiway, que vinha de Santos, cidades em cujos
portos desenbarcavam as levas de imigrantes. Na época, a
representação que muitos habitantes da cidade tinham sobre o bairro
não era das melhores.”66

Todavia, segundo o autor, a construção da Hospedaria de Imigrantes do Brás


solucionou o velho problema da hospedagem dos imigrantes na capital. Após passarem
pelos procedimentos da Hospedaria em alguns dias os imigrantes eram encaminhados a
seus lugares de trabalho, geralmente nas fazendas do interior paulista. Contudo, outros
tantos permaneceram na capital e vários deles instalaram-se no próprio Brás, devido a
algumas “facilidades” que apontamos anteriormente.
Desta forma, podemos argumentar que o bairro do Brás caracteriza-se cada vez
mais, ao longo das décadas de 1880/90, como um território das classes trabalhadoras.
Como já observamos, no Brás, assim como em outras zonas populares da cidade (Pari,
Mooca, Belenzinho, Barra Funda, Ipiranga) delineou-se um desenvolvimento
específico, que Raquel Rolnik define como “núcleos avançados de urbanização às
margens das ferrovias, onde no espaço labiríntico dos cortiços e vilas, entremeados pela
presença das chaminés de fábricas, habitará a maior parte dos pobres da cidade”. 67 Esta
configuração e ocupação características do Brás culminaram por transformar aquela
64
Sobre a história da Hospedaria dos Imigrantes: Passim PAIVA, Odair da Cruz e MOURA, Soraya.
Hospedaria de imigrantes de São Paulo. São Paulo: Paz e Terra, 2008.
65
JUNIOR, Geraldo Sesso. Op.cit. Pág. 73.
66
PAIVA, Odair da Cruz e MOURA, Soraya. Hospedaria de imigrantes de São Paulo. São Paulo: Paz e
Terra, 2008. Pág. 22.
67
ROLNIK, Raquel. São Paulo, o início da industrialização: o espaço e a política. In: KOWARICK, Lú-
cio. (coordenador) As lutas sociais e a cidade: São Paulo, passado e presente. 2. Ed. – Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1994. Pág. 97

35
região em um espaço específico dos trabalhadores que alí viviam e se identificavam
como tal.
Jean Gottmann define território como “um conceito gerado por indivíduos
organizando o espaço segundo seus próprios objetivos”68. Portanto, segundo esta
concepção, o território não é entendido como um conceito estático, paradigmático, mas
pelo contrário, o autor entende território como uma construção social, onde cada um
será definido e organizado segundo os interesses e objetivos dos sujeitos que os formam
e que neles vivem. É neste sentido que definimos o Brás da virada do século passado
como território das classes trabalhadoras. Como buscamos demonstrar, o
desenvolvimento deste bairro através de seus núcleos habitacionais, da construção das
ferrovias, da grande presença de trabalhadores estrangeiros, do enorme núcleo industrial
que alí se instalou, etc. foi responsável por criar aspectos que nos permitem considerar
aquela região como um território dos trabalhadores.
Já observamos brevemente o processo de separação socio-territorial que ocorre
na constituição de muitos dos bairros de São Paulo. A grosso modo, alguns são os
espaços nobres e outros pobres. Margarida Andrade observa este fenômeno da seguinte
forma, “a ocupação das terras baixas relacionava-se a processos de segregação espacial
e social – certas atividades (industriais) e certos grupos da população (imigrantes)
tinham que ficar longe da ‘cidade’. A expansão dessas atividades e o crescimento dessa
população acabaram por incluir essas terras no âmbito da cidade” 69 Em certa medida,
essa segregação é responsável também pela formação de identidades entre os moradores
de cada região, ao passo em que coloca num mesmo espaço indivíduos com semelhantes
condições sociais.
No entanto, mais do que as questões estruturais de formação daquele espaço, o
que de fato, para nós, torna o Brás um território das classes trabalhadoras são as
próprias dinâmicas sociais e cotidianas criadas por seus moradores. Essas identificações
entre os sujeitos que habitam o espaço e que possibilitam o surgimento de determinados
territórios se dão, segundo Kowarick, através de

“uma sequência de sociabilidades forjada na vizinhança, na situação


comum dos bairros desprovidos, nos atrasos dos transportes, nos

68
GOTTMANN, Jean. A evolução do conceito de território. Boletim Campineiro de Geografia, v. 2, n. 3,
2012. Págs. 523-545.
69
ANDRADE, Margarida Maria de. Bairros além Tamanduateí: o imigrante e a fábrica no Brás, Mooca
e Belenzinho. Tese de doutorado. São Paulo: FFLCH-USP, 1991. Pág. 43.

36
acidentes, nas doenças e enchentes, na identificação do companheiro
de trabalho também submetido ao despotismo da disciplina fabril e ao
massacrante ritmo das máquinas que, no mais das vezes, redundam em
acentuada pauperização.”70

O cotidiano vivido e compartilhado pelas classes trabalhadores que habitavam o


Brás tornou aquele espaço o seu território. Os trabalhadores identificam aquele lugar, o
qual eles constituem, como seu espaço e, portanto, é ali que ele vai desenvolver suas
atividades inerentes à vida: trabalho, sociabilidade, lazer, cultura, disputas políticas,
sociais, etc. Além disso, é importante não nos esquecermos da dimensão política do
processo de territorialização de dado espaço. Pois, como destaca Gottmann, “território é
um conceito político e geográfico, porque o espaço geografico é tanto compartimentado
quanto organizado através de processos políticos.”71 Na constituição de bairros como o
Brás, há, sem dúvidas, clara disputa de interesses políticos. No entanto, a segregação
social que ocorre é uma via de mão dupla, pois de acordo com Raquel Rolnik,

“Ao mesmo tempo que há separação e recorte ocorre um processo de


identificação e reconhecimento internamente a cada região.
Confinados em determinadas zonas da cidade, os grupos sociais
acabam de certo modo controlando seus respectivos territórios e
sobretudo identificando-se com eles. Assim o bairro segregado não é
apenas um lugar no espaço da cidade, mas é o próprio grupo social
que o ocupa e com ele se identifica.”72

Desta maneira, não é difícil perceber porque entendemos o Brás como um


território das classes trabalhadoras e, mais do que isso, podemos compreender também a
existência de um grande número de grupos e associações formadas por trabalhadores
neste bairro. Após a década de 1870, é crescente a presença das classes trabalhadoras
neste espaço que ela própria transforma em seu território. É desta forma que o Brás se
torna um território das atividades desta classe e um local privilegiado para o
florescimento de ideias e grupos que tem como finalidade atender às suas demandas.
Com o passar dos anos, o bairro delineou-se gradativamente mais como um
núcleo de trabalhadores e, especialmente, trabalhadores imigrantes que viam neste
germinal bairro industrial a possibilidade de sobrevivência e o relativo conforto por
70
KOWARICK, Lúcio. (coordenador) Op.cit. Pág. 48.
71
GOTTMANN, Jean. Op. cit. Pág. 526.
72
ROLNIK, Raquel. Op.cit. Pág. 98.

37
estarem envoltos num mesmo espaço por centenas de seus compatriotas e pessoas que
partilhavam da mesma situação social, ou seja, imigração e dificuldades econômicas. A
característica do Brás como um bairro composto majoritariamente por imigrantes pode
ser reafirmada através da análise das listas de alunos matriculados nas Escolas
Modernas I e II, localizadas naquele bairro. Nestes centros de estudos, que eram
voltados, sobretudo, aos filhos dos trabalhadores e propunham o método instrutivo
baseado no racionalismo e na ação libertária, podemos identificar a presença
esmagadora de alunos estrangeiros ou filhos de imigrantes. É extremamente comum a
existência de sobrenomes como Campanelli, Caviola, Minieri, Carvalho, Figueira,
Cortez, Gallucci, Nicetto, Sapiencia, dentre outros, o que atesta a filiação europeia, em
especial italiana, dos alunos.73

Assim, nas décadas finais do século XIX, a cidade de São Paulo já não era mais
a mesma, tal como também não o era o nosso velho Brás. A construção das estradas de
ferro, o desenvolvimento industrial e capitalista e o enorme afluxo de imigrantes para o
estado foram fatores decisivos no processo de transformações da cidade. Para termos
uma ideia dos efeitos que essas mudanças provocaram na região, citamos aqui o
crescimento populacional vivido no período no Brás: 1872 - 2.308 habitantes; 1886 –
5998 habitantes; 1890 – 16.807 habitantes; 1893 – 32.387 habitantes! As cifras
referentes à população são um termômetro do crescimento da cidade, do bairro e da
ebulição de pessoas, ideologias e nacionalidades que convergiram neste espaço e tempo.
Todo este cenário de vida coletiva que se tornou palco da cidade de São Paulo
no início do século XX, amenizou as dificuldades de organização dos trabalhadores, que
existiam de maneira acentuada nas fazendas do oeste paulista. Dentro da capital do
estado, os trabalhadores, principalmente os operários fabris, estavam em grande
quantidade numérica e dividiam núcleos de trabalho e habitação comuns. Isso não só
facilitou o processo de tomada de consciência da realidade desta classe, como também
possibilitou a formação de grupos e associações de trabalhadores que veremos a seguir.

73
Boletim mensal da Escola Moderna I. Lista de alunos matriculados no curso primário. 18/03/1919.

38
Capítulo 2 – Associações de trabalhadores no Brás antes e
durante a década de 1900.

O associativismo das classes trabalhadoras na cidade de São Paulo não foi um


fenômeno que se iniciou no século XX, mas sim nos anos anteriores à virada deste
século. Um dos primeiros grupos organizados pelos trabalhadores de São Paulo para
atender alguns de seus interesses coletivos foi a “Società di Beneficenza” 74. Esta
sociedade, fundada por italianos em 1878, era mutualista e tinha como fins o auxílio, a
união e beneficência mútua entre os sócios. Segundo Trento, poucos anos depois,
seguiu-se em São Paulo a criação de vários outros grupos deste tipo formados por
italianos: é o caso do “Circolo Operaio Italiano”, a “Società Filodrammatica Corale
Pietro Cossa” e a “Società Protettrice delle Scuole Italiane di S. Paolo” 75. Para o autor, o
crescimento no número de sociedades italianas mutualistas se deve à imprescindível
necessidade que os primeiros imigrantes tiveram de se reunirem em círculos e
sociedades cuja finalidade fosse o mútuo socorro entre os componentes, dadas as
dificuldades enfrentadas por muitos imigrantes, sobretudo, nos primeiros anos de
chegada ao Brasil.
De fato, o mutualismo marcou fortemente as primeiras décadas do
associativismo no Brasil. Como podemos notar com os exemplos acima, ele foi
presença marcante nas primeiras sociedades italianas de São Paulo e não só nelas, mas
também nos grupos formados por trabalhadores nacionais 76 e estrangeiros de outras
nacionalidades. Ao longo das décadas de 1880 e 90 foi significativo o crescimento
destes grupos na capital. Em grande medida, isso se deve às finalidades e atividades que

74
TRENTO, Angelo. Do outro lado do Atlântico: um século de imigração italiana no Brasil. São Paulo:
Nobel: Instituto Italiano di Cultura di San Paolo: Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro, 1988. Pág. 171.
75
Idem, Ibdem.
76
Como exemplo de sociedades mutualistas formadas por trabalhadores nacionais podemos citar Associa-
ção Auxiliadora das Classes Laboriosas e Associação de Socorro Mútuo Artes e Ofícios.

39
estas associações desempenhavam frente a seus sócios, substituindo as funções sociais
de um Estado ausente nesse campo.
As sociedades denominadas de mútuo socorro/auxílio, tal como os
grupos/uniões de beneficência eram formados por trabalhadores que tinham como
objetivo a ajuda, na maior parte das vezes financeira, entre os sócios. Era comum que
estas sociedades explicitassem seus fins e objetivos em seus estatutos (aquelas que o
tiveram), como é o caso da Sociedade Beneficente União Internacional do Braz, que
expõe seus fins da seguinte forma:

“1 – socorrer com auxílios médicos, farmacêuticos e pecuniários aos


sócios enfermos que requisitarem taes (sic.) auxílios, por meio de
aviso do presidente. 2 – conceder uma mensalidade, pelo tempo que
for necessário aos sócios que, por motivo de enfermidade ou defeito
físico, ficarem em estado de invalidez, desde que haja – dez contos de
reis - de fundo social. 3 – fazer, quando requisitado, o funeral dos
sócios que falecerem, ou, quando seja ele feito a expensa (sic.) da
família, ajudá-la com a quantia correspondente a do funeral de
segunda classe. 4 – contribuir com – oitenta mil reis- para o funeral
ate que os fundos sociais não atinjam a – dez contos de reis. 5 –
proteger os sócios quando se acharem presos ou processados, uma vez
que a causa que deu origem a taes fatos não seja indecorosa ou
desonesta. 6 – criar uma escola, na qual lecionar-se-ão os elementos
preliminares da língua vernácula e de outras matérias primarias,
quando, para isso derem margem, os rendimentos sociaes, (sic.) com
prévia autorização da assembleia geral. 7 – socorrer com – duzentos
mil reis – de uma só vez as viúvas ou filhos menores dos sócios, cuja
necessidade seja patente e tenham bom procedimento. 8 – conceder
auxílios médicos as famílias dos sócios que requisitarem.” 77

Observando as finalidades descritas por esta sociedade de beneficência fica


nítido compreendermos, em parte, porque este tipo de grupo proliferou-se durante os
primeiros anos de organização das classes trabalhadoras em São Paulo. Quase todos, se
não todos, os oito pontos presentes neste estatuto vão ao encontro de necessidades reais
e, por vezes urgentes, que os trabalhadores tinham no período. Os auxílios prestados aos
membros deste grupo são em sua maioria referentes a questões financeiras, como

77
Estatuto da Sociedade Beneficente União Internacional do Braz. Arquivo Público do Estado de São
Paulo. Primeiro Cartório de Imóveis da Comarca da Capital. Sociedades Civis. Caixa c10396.

40
podemos observar: auxílios médicos, mensalidades em casos de invalidez, socorro às
famílias desamparadas, funeral, etc. No entanto, é interessante observar também que um
dos auxílios prestados aos sócios desta sociedade é a proteção em caso de processo ou
prisão. Isso nos leva a crer que não foi incomum casos em que os trabalhadores
necessitaram de defesa frente à justiça. Sem dúvida este socorro jurídico assegurado
pelo grupo foi por vezes uma necessidade real dos trabalhadores e é também indicativo
da forte tendência de criminalização e perseguição do Estado ao movimento operário
organizado.
Para se manter financeiramente a grande maioria das associações do período,
sobretudo as analisadas neste estudo, tanto as associações mutualistas como as
militantes sobreviviam com o dinheiro arrecadado pelos sócios através de doações e do
pagamento de uma mensalidade. A ideia das muitas associações era criar um cofre
social que pudesse servir aos sócios doentes, enfermos, inválidos, etc. em caso de
necessidade. Por este motivo a maior parte dos grupos especificava em seus estatutos a
mensalidade a ser paga pelos membros do grupo. O valor a ser pago nas mensalidades
eram estipulados pelos próprios membros do grupo, no geral, dentro das associações
pesquisadas a média da contribuição mensal variava de 1$000 a 3$000 (um mil a três
mil) réis por sócio.
Podemos imaginar que dadas as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores
durante a Primeira República e à carestia de vida a que estavam submetidos,
pouquíssimos se negariam a receber essas ajudas asseguradas pelas sociedades de
auxílio mútuo. Além disso, essas associações representavam também um porto seguro
aos trabalhadores vindos de outros países, desenraizados, que muitas vezes não tinham
nenhum contato, apoio ou auxílio de uma rede de conhecidos, amigos ou familiares.
Desta forma, a garantia dos auxílios prestados por estes grupos era algo que motivava os
imigrantes a fazerem parte deles quando podiam. Luigi Biondi ao estudar as sociedades
italianas de mútuo socorro aponta que “o crescimento industrial da cidade de São Paulo,
na década de 1890, teve como consequência um crescimento paralelo, sobretudo a partir
de 1895, das sociedades de socorro mútuo formadas por imigrantes italianos.” 78 Ainda
neste trabalho, Biondi lista a existência de quarenta e quatro sociedades italianas de
socorro mútuo na capital entre os anos de 1878 a 1924.

78
BIONDI, Luigi. Classe e nação: trabalhadores e socialistas italianos na cidade de São Paulo, 1890-
1920. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2011. Pág. 52.

41
No entanto, por maior expressividade e organização que as mutualistas italianas
representaram no período79, não era exclusividade dos italianos formar sociedades de
beneficência. Elas podiam ser formadas por afinidades étnicas, como as estudadas por
Biondi (italianas no caso), mas também podiam organizar-se por ofícios como a
Associação Auxiliadora dos Carpinteiros e Pedreiros e Mais Classes e havia ainda
aquelas organizadas geograficamente, por áreas de atuação, como é o caso da Sociedade
Beneficente União Internacional do Braz, formada por trabalhadores daquele bairro e
voltada a seu bem estar.
Esta associação foi fundada em 4 de maio de 1901. Sua sede social localizava-se
no distrito do Brás, área na qual se destinava sua atuação e composição de seus sócios.
O número de sócios deste grupo era ilimitado e a nomenclatura Internacional de seu
nome era levada a cabo, pois, para ser sócio não se fazia distinção de nacionalidade e
tampouco ofício, isto é, aceitava-se trabalhadores de todas as profissões, contanto que
residentes no Brás. Normalmente não se exigia nenhuma posição político partidária dos
associados para fazer parte das associações mutualistas, pelo contrário, as posições
políticas eram às vezes rechaçadas no interior dos grupos de beneficência.
Muitas associações do período, não somente as mutualistas, especificavam em
seus estatutos que as discussões políticas e religiosas não seriam contempladas pelo
grupo, como podemos observar no artigo 3º do estatuto da Liga dos Padeiros e
Confeiteiros de São Paulo, fundada em 1918. Registra-se que “A Liga não deverá
ocupar-se de questões políticas partidárias e religiosas.”80 Este tipo de aviso era comum,
sobretudo, em sociedades beneficentes cujo objetivo era a união entre os sócios,
evitando-se desentendimento deles. Acreditava-se que questões políticas/ideológicas e
religiosas muitas vezes poderiam ser algo que causasse a discórdia entre os sócios ao
invés de uni-los, e isso estava em descompasso com a finalidade da maioria das mútuas
que era o entendimento e cooperação entre os trabalhadores. Desta forma, nestas
sociedades nas quais o posicionamento ideológico dos sócios não era preponderante, ao
contrário das associações anarquistas, socialistas ou sindicalistas, optava-se por não
abordar questões politicas e religiosas81. As sociedades de beneficência e os clubes
recreativos se preocupavam mais em exigir que seus sócios “gozassem de boa

79
Passim BIONDI, Luigi. Op.cit.
80
Estatuto da Liga dos Padeiros e Confeiteiros de São Paulo. Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Primeiro Cartório de Imóveis da Comarca da Capital. Sociedades Civis. Caixa c10426.
81
Muitas vezes, os sindicatos também optavam pelo que chamavam de “neutralidade” política e religiosa
no interior das organizações, como forma de diminuir os conflitos e diferenças entre os trabalhadores.

42
reputação, moral entre seus costumes e formas lícitas de sobrevivência” do que
propriamente que fossem nacionalistas, anarquistas ou socialistas. Isso variava, é claro,
como veremos, de acordo com a finalidade de cada grupo.
O movimento operário na cidade de São Paulo foi desde o início marcado por
uma enorme diversidade em relação aos grupos e às correntes ideológicas que embasou
a ação dos trabalhadores. Além do mutualismo, que marcou fortemente o modelo
organizacional de várias sociedades, em especial, nos últimos anos do século XIX,
houve outras importantes ideologias as quais as sociedades e os operários puderam
apoiar em defesa de seus ideais, entre elas destacamos o socialismo, o anarquismo e o
sindicalismo revolucionário.
O anarquismo foi uma importante corrente ideológica que se difundiu entre os
trabalhadores e os meios operários de São Paulo a partir da década de 1890, com a
criação dos periódicos Gli Schiavi Bianchi, L’Asino Umano e L’Avvenire82. Essa
ideologia ganhou a simpatia e adesão de vários operários e também foi responsável por
organizar e participar de importantes momentos do movimento operário na Primeira
República. Isso levou muitos historiadores a crer e defender a ideia, por longo período,
de que o anarquismo foi a maior e principal corrente ideológica difundida entre as
classes trabalhadoras paulistas.
No entanto, importantes pesquisadores como Edilene Toledo 83 e Claudio Batalha
deram mais atenção à importante corrente ideológica chamada de sindicalismo
revolucionário. O sindicalismo revolucionário é uma concepção política baseada na luta
sindical de ação direta, isto é, condenava a organização partidária e via no sindicato o
instrumento responsável por derrubar o sistema capitalista e a base para a futura
sociedade proletária e livre.
O sindicalismo revolucionário assemelha-se bastante às concepções anarquistas,
exceto pelo fato de defenderem a greve geral como principal arma dos trabalhadores e
pelo fato de verem o sindicato como órgão responsável por organizar a futura sociedade
operária. Nas palavras de Batalha “o sindicalismo revolucionário foi, sem dúvida, a
tendência mais influente do cenário do movimento operário da Primeira República.” 84 O
autor argumenta isso, devido ao importante papel organizacional que esta corrente

82
BATALHA, Claudio Henrique de Moraes. O movimento operário na Primeira República. Rio de Janei-
ro: Jorge Zahar Editor, 2000. Pág. 23.
83
TOLEDO, Edilene Teresinha. Travessias Revolucionárias. Ideias e militantes sindicalistas em São
Paulo e na Itália (1890-1945). Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2004.
84
BATALHA, Claudio. Idem. Pág. 31.

43
desempenhou através de suas propagandas voltadas às classes, suas atividades e jornais,
etc. Juntamente com o socialismo, estas foram as duas principais correntes ideológicas
de esquerda que serviram de base para a atuação dos trabalhadores em defesa de suas
demandas.
Podemos perceber, portanto, a enorme complexidade que caracterizou o
movimento operário de São Paulo na Primeira República, através das principais
correntes ideológicas presentes e atuantes neste cenário. É por este motivo que
corroboramos com Thompson e Hall ao analisar o período, isto é, não condicionar a
organização e desenvolvimento das lutas por mudanças nas condições de vida dos
trabalhadores a esta ou àquela corrente ideológica específica. Foram vários os grupos de
trabalhadores que atuaram na capital em prol das classes operárias e, deste modo, criar
laços diretos de dependência entre o crescimento da ação operária e a presença de
determinados grupos e correntes, como a dos anarquistas, no caso de Boris Fausto, ou a
dos anarco-sindicalistas, como fez Maram, nos levam a compreender unicamente a
presença e atuação dos grupos ou das correntes em questão, contudo, nos impedem de
ter um quadro real do complexo panorama que caracterizou a ação dos vários sujeitos
que estiveram em cena neste período.

Sendo assim, bairro do Brás é um exemplo interessante do que ocorre na capital


paulista durante a Primeira República no que se refere às associações de trabalhadores.
Como dissemos, o início do associativismo na capital fora marcado por uma forte
presença das sociedades de socorro mútuo. Assim também se sucedeu neste bairro. Uma
das primeiras sociedades que sabemos ter existido no Brás foi a Sociedade Italiana de
Socorro Mútuo Guglielmo Oberdan.
Este grupo foi fundado no dia 10 de março de 1889 e estabeleceu sua sede à Rua
Brigadeiro Machado, nº 5. A Guglielmo Oberdan deve ser caracterizada como uma
sociedade mutualista organizada por etnia. Isto é, trata-se de uma sociedade formada e
voltada aos italianos e filhos de italianos residentes na capital. Segundo seu estatuto,
esta sociedade é a
“que une em um pacto de solidariedade os italianos residentes no
estrangeiro, em homenagem a independência da sua Pátria e em honra
de aquelles (sic.) que a essa independência sacrificaram-se,

44
intitulando-se com o glorioso nome do martyr triestino (sic.)
GUILHERME OBERDANK.”85

Neste trecho não é difícil percebermos que esta é uma sociedade fundada sob
uma base étnica, pois se destinava a unir em cooperação os italianos de São Paulo
através de “um pacto de solidariedade”. Devemos notar também que a utilização da
palavra “pacto” não é fortuita, ela poderia ser substituída por um sinônimo como acordo
ou compromisso, mas a ideia de um pacto é algo bem mais importante, ou seja, ele
pressupõe um comprometimento sério, fiel, quase que sagrado entre os sócios. O pacto
dá a ideia de irmandade, de uma cooperação insolúvel, algo fundamental dentro de uma
sociedade mutualista formada por estrangeiros. Além disso, fica explicito também o
caráter nacionalista e patriótico da associação que leva em seu bojo o nome de um
personagem símbolo da unificação italiana86. É importante destacar também que esta
associação surgiu inicialmente como uma sociedade recreativa, tornando-se dali a um
ou dois anos após a sua criação uma sociedade de socorro mútuo.87
Para associar-se a esta sociedade, o cidadão além de comprovar-se italiano
deveria ter idade entre os 15 e 50 anos, boa saúde, ser pessoa de bom comportamento
moral, não viver habitualmente de caridade, ser dedicado ao trabalho e não ter nunca
sofrido condenação por delito infamante. Após cumprir estes requisitos, o aspirante teria
a sua admissão deliberada a favor ou não pelo Conselho de Administração. 88 Salvo
algumas particularidades de cada grupo, as admissões dos sócios nas sociedades
beneficentes mantinham, em certa medida, um aspecto parecido. Particularmente a
Sociedade Italiana de Socorro Mútuo Guglielmo Oberdan não fazia distinção sexual,
isto é, dela podiam participar homens e mulheres em número ilimitado de sócios.89
Não é de surpreender o fato de que uma das primeiras associações de
trabalhadores constituídas no Brás tenha sido uma sociedade étnica e formada por
italianos. A população paulista por volta de 1893 era de 130.775 habitantes, dos quais
45.457, isto é 35% eram imigrantes italianos 90, muitos dos quais fixaram residência no

85
Estatuto da Sociedade Italiana de Socorro Mútuo Guglielmo Oberdan . Arquivo Público do Estado de
São Paulo. Primeiro Cartório de Imóveis da Comarca da Capital. Sociedades Civis. Caixa c10390.
86
Guglielmo Oberdan foi executado pela polícia austríaca depois de uma tentativa fracassada de assassi-
nar o austríaco Imperador Francisco José , tornando-se um mártir da unificação italiana.
87
BIONDI, Luigi. Classe e nação. Op.cit. Pág. 71.
88
Estatuto da Sociedade Italiana de Socorro Mútuo Guglielmo Oberdan. Op.cit.
89
Idem.
90
TRENTO, Angelo. Do outro lado do Atlântico. Op.cit. Pág. 124.

45
próprio Brás, como já vimos. Isso explica, em parte, a marcante presença deste grupo
étnico nas associações do bairro.
No entanto, nem todos os italianos do Brás, como veremos, fizeram parte de
sociedades mutualistas, pelo contrário, essas duas sociedades foram as únicas
mutualistas italianas do bairro91 e, muito menos, de associações marcadamente ufanistas
e patrióticas quanto a Guglielmo Oberdan. O caráter, em certa medida, nacionalista e de
exaltação à mãe Pátria presente neste grupo não é marcado somente pelo nome da
sociedade ou pela composição de seus sócios, mas também pela bandeira da associação
que é a tricolor italiana com os dizeres “Societá di Mutuo Soccorso Leale Oberdan”.
Não só a composição da bandeira indica o louvor à Itália, mas também a sua exposição
ao público na sede da associação em datas comemorativas, tais como:

“o dia 10 de março, anniversario (sic.) da fundação da Sociedade e


comemoração do grande patriota italiano Giuseppe Mazzini; o dia 1º
de maio em homenagem as classes trabalhadoras do mundo inteiro; o
2 de junho, comemoração do grande libertador dos povos Giuseppe
Garibaldi; o 14 de julho, festa nacional da República Brasileira (sic); o
20 de setembro data fathidica de cahida (sic.) do poder temporal dos
papas, e o 20 de dezembro data do marthirio (sic.) de Guilherme
Oberdank em cujo nome se intitula a sociedade.” 92

Por outro lado, é importante ressaltarmos a complexidade que envolvia esta


sociedade. Segundo Luigi Biondi, a Oberdan inicialmente teve uma base regional dos
imigrantes vindos do nordeste da Itália93, contudo, o autor aponta que em 1914 “a Leale
Oberdan contava com alguns diretores cujos sobrenomes eram, sem dúvida alguma, do
Sul da Itália, como Onofrio, Di Pietro e De Gennaro.”94 Com cerca de 1060 sócios no
ano de 191495 a Guglielmo Oberdan era composta por uma relativa heterogeneidade de
militantes italianos que articularam em suas características identitarias diferentes
nacionalismos (sobretudo o liberal conservador e o democrático socialista). 96 O autor

91
BIONDI, Luigi Op.cit. Pág.78.
92
Estatuto da Sociedade Italiana de Socorro Mútuo Guglielmo Oberdan. Op.cit.
93
BIONDI, Luigi. Mãos unidas, corações divididos. As sociedades italianas de socorro mútuo em São
Paulo na Primeira República: sua formação, suas lutas, suas festas.
94
Idem. Pág. 88.
95
Idem. Pág. 85.
96
Idem. Pág. 103.

46
nos mostra ainda que em alguns momentos da sua história estes diferentes
nacionalismos geraram tensões dentro do grupo.97 Biondi cita como um momento de
radicalização destas tensões o movimento grevista de 1917. O autor nos explica que

“geralmente as sociedades de socorro mútuo italianas no exterior,


independentemente de sua leitura, apoiavam a guerra, em conjunto
com toda aquela parte do empresariado imigrado que estava na
primeira fila dos entusiastas do conflito. Por outro lado, as SIMS não
deixavam de ter relações com o mundo dos trabalhadores e de ter em
seu interior militantes socialistas e sindicalistas firmemente contrários
a essa configuração pró-guerra e depois envolvidos plenamente (como
foi o caso de Monicelli, que frequentava a sociedade Leale Oberdan)
na greve geral de 1917.”98

Este caso da sociedade Guglielmo Oberdan é um exemplo elucidativo das


disputas e conflitos ideológicos e identitarios que poderiam surgir em diferentes
associações, supostamente homogêneas, de trabalhadores na Primeira República.
Esta sociedade possuía ainda algo que muitas almejaram durante anos e que
tantas outras nunca alcançaram ao longo de sua existência, isto é, uma sede própria.
Assim que se fundava uma nova associação fosse ela um clube, um sindicato, uma liga,
um círculo, uma escola, etc. colocava-se a questão de onde este grupo iria se localizar,
onde desenvolveria suas atividades, suas reuniões, assembleias e as várias outras
necessidades. A maior parte das associações que existiu durante a Primeira República
não possuía sede própria, fosse um prédio ou salão. O jeito que se dava era alugar algum
imóvel que lhes serviria como sede por determinado período, ou marcar suas reuniões
na sede de outros grupos maiores e que já possuíam mais estabilidade e recursos. Na
sede da Federação Operária de São Paulo, a FOSP, localizada na travessa da Sé, nº2,
por exemplo, eram realizadas reuniões de vários sindicatos que não possuíam seus
espaços, como é o caso da Liga dos Trabalhadores em Madeiras e da União
Internacional dos Sapateiros99. O Salão Celso Garcia, localizado à Rua do Carmo, nº36,

97
Idem. Ibidem.
98
Idem. Ibidem.

99
O mesmo acontece com o periódico operário La Lotta Proletaria, com a sua sede localizada no Largo
do Riachuelo, nº 7A. Entre os anos de 1908 e 1909 este espaço serviu à atividade de pelo menos oito dife-
rentes associações: Liga dos Trabalhadores em Madeira; Liga de Resistência entre Pedreiros e Anexos;
Sindicato dos Trabalhadores em Veículos; Sindicato dos Trabalhadores em Pedras de Granito; Sindicato
dos Trabalhadores em Ladrilhos; Sindicato dos Transportadores de Tijolos; Sindicato dos Metalúrgicos;

47
também foi um destes “espaços comunitários” que várias associações puderam
desfrutar.100

Atual localização do nº5 da Rua Brigadeiro Machado, no Brás. Onde se localizava a


Sociedade Italiana de Socorro Mútuo Guglielmo Oberdan.

Diferentemente destes grupos, a Guglielmo Oberdan possuía sede própria.


Embora não possamos ter exatidão quanto à data em que o grupo adquiriu sua sede,
podemos afirmar, segundo o estatuto do grupo reformado em 13 de abril de 1918, que
esta sociedade tinha entre seu capital um “prédio próprio à rua Brigadeiro Machado,
n.º5”.101 Esta associação além de ser uma das mais antigas do bairro foi também uma
das mais duradouras.
Nos últimos anos do século XIX, grande parte das sociedades mutualistas da
capital chegaram ao fim, o que evidencia o fato de que a vida de muitos destes grupos
foi bastante curta. Luigi Biondi mostra que das quarenta e quatro sociedades italianas
mutualistas que existiam na capital até o final do século, apenas onze delas
permaneceriam em atividade no ano de 1906. Dentre elas encontrava-se ativa a

União dos Sindicatos de São Paulo. La Lotta Proletaria ano III, nº21. 17/08/1908, p. 4.
100
Dentre os vários grupos que desenvolveram atividades neste Salão podemos destacar: Associação das
Classes Laboriosas, Liga dos Trabalhadores em Madeira, Sindicato Operário de Ofícios Vários, Sindica-
to dos Estocadores, Serventes e Pedreiros.
Estatuto da Sociedade Italiana de Socorro Mútuo Guglielmo Oberdan. Arquivo Público do Estado de
101

São Paulo. Primeiro Cartório de Imóveis da Comarca da Capital. Sociedades Civis. Caixa c10390.

48
Sociedade Italiana de Socorro Mútuo Guglielmo Oberdan (Leale Oberdan)102. Pelo que
o autor nos elucida, esta sociedade teve ainda um longo período de atividades, pois ela
só teve fim durante a 2ª Guerra Mundial, por volta dos anos de 1943 e 1944, quando a
maioria das mutualistas já não existia mais.
No entanto, de acordo com o estudo realizado pela historiadora Tânia Regina de
Luca, o mutualismo na cidade de São Paulo cresceu entre os trabalhadores urbanos
desde o final do século XIX até meados da década de 1920 103. Ao afirmar isso, a
pesquisadora rebate a tese de que as sociedades de socorros mútuos representavam uma
fase inicial do movimento operário e a pré-existência do surgimento dos sindicatos de
resistência, provando assim, que as mutualistas cresceram na cidade no mesmo período
que verificamos o crescimento das associações de esquerda.
Desta forma, outra sociedade de beneficência do Brás que podemos dizer que
teve uma duração relativamente expressiva foi a Sociedade Beneficente União
Internacional do Braz. Como observamos, este grupo foi criado em 1901, período em
que, segundo Tânia de Luca, as mutualistas passavam por um processo de
fortalecimento na cidade. Sendo assim, esta sociedade permanece ativa ainda em 1907,
período em que ocorre também uma reforma de seu estatuto.
As mudanças no estatuto não são das maiores: os artigos 4º e 6º do estatuto de
1901 são suprimidos. Portanto, a tentativa de se “criar uma escola, na qual lecionar-se-
ão os elementos preliminares da língua vernácula e de outras matérias primarias”, é
abandonada pela sociedade. No lugar disso, o grupo propõe “proporcionar aos
associados diversões como jogos de bilhar e outros considerados lícitos, leitura de
jornais e livros da biblioteca social.” Podemos imaginar que montar uma escola e
lecionar aos filhos dos associados fosse uma tarefa difícil, que demandava tanto esforço
e tempo que este grupo deixou-a de lado e preferiu optar pela mais humilde, porém
louvável, criação de uma biblioteca social.
Várias associações neste período colocavam como sendo uma de suas metas ou
fins a criação de escolas ou centros de estudos voltados aos trabalhadores e, mais ainda,
a seus filhos, podemos observar isso no estatuto de grupos como: a Associação
Instructora da Juventude Feminina; Sociedade Beneficente União Internacional do
Braz; Escola Moderna; União dos Operários em Fábricas de Tecidos; Liga Operária

102
BIONDI, Luigi. Classe e Nação. Op.cit. Pág. 57.
103
LUCA, Tânia Regina. de. O sonho do futuro assegurado. O mutualismo em São Paulo. São Paulo:
Contexto. 1990.

49
da Construção Civil; União dos Trabalhadores Gráficos, dentre outros. Contudo, como
veremos à frente, quando da criação das Escolas Modernas, as dificuldades e
mobilizações necessárias para se cumprir tal intento foi um empecilho à sua realização.
Apesar do fato de que essas duas principais sociedades mutualistas do Brás, a
Sociedade Italiana de Socorro Mútuo Guglielmo Oberdan e a Sociedade Beneficente
União Internacional do Braz estarem presentes e atuantes no cenário do associativismo
de São Paulo ainda no século XX, o que demonstra uma peculiaridade destes grupos
frente ao decréscimo e à extinção de associações mutualistas naquele bairro, podemos
observar também no Brás, durante os anos finais do século XIX, o aumento no número
de associações que deixam de lado o caráter e as finalidades estritamente beneficentes
ou mutualistas e optam por uma via mais combativa no que tange a união e os interesses
das classes trabalhadoras.
Em seu estudo sobre as sociedades mutualistas em São Paulo 104, os historiadores
Claudia Maria Viscardi e Ronaldo Pereira de Jesus demonstram de forma clara que a
maior concentração do associativismo mutualista na capital ocorreu ao longo das
décadas 1910 e 1920, portanto, concomitante e não anterior ao advento do movimento
sindicalista na cidade. Além disso, os autores atestam que “o associativismo mutualista
tinha para os trabalhadores prioridade nas escolhas estratégicas, quando se tratava de
sobreviver às condições de pauperização e exclusão social”105. Do mesmo modo que
Tânia de Luca, eles acreditam e argumentam que o advento das sociedades sindicalistas
na capital não excluiu, e muito menos veio para substituir, as sociedades de socorros
mútuos já existentes. Entretanto, apesar de importantes historiadores (de Luca, Batalha e
os acima citados) reafirmarem essa constatação, com o intuito de derrubar a inculcada
ideia de que as sociedades mutualistas desdobraram-se em sindicais, o que observamos
no Brás, no âmbito do associativismo, foi algo diferente.
Desde o início do século XX, observamos neste bairro uma diminuição no
número de sociedades de socorro mútuo e o crescimento significativo das associações
de resistência. Assim, apesar de os estudos recentes apontarem que ambas as formas de
organização dos trabalhadores cresceram juntas ao longo das primeiras décadas do
século XX, concluímos que o Brás é, neste sentido, uma exceção no quadro apresentado

104
VISCARDI, Cláudia. M. R. e JESUS, R. P. A experiência mutualista e a formação da classe trabalha-
dora no Brasil. In: FERREIRA, Jorge. e REIS, Daniel Aarão (orgs.). As esquerdas no Brasil. Vol. I. A
formação das tradições (1889-1945). – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
105
Idem. Pág. 38.

50
pelos pesquisadores acima referente ao associativismo na cidade, pois ali as mútuas
efetivamente desenvolveram-se menos do que as associações de resistência.
Parece-me que, passados alguns anos do período inicial de surgimento e
organização das classes trabalhadoras em São Paulo, mais especificamente no Brás, as
associações de trabalhadores que vão surgindo demonstram uma tendência a abandonar,
aos poucos, o caráter meramente beneficente e assistencialista que caracteriza as
sociedades mutualistas e passam a apostar cada vez mais em sociedades combativas,
onde o foco central dos grupos não se limitava à cooperação da classe trabalhadora, mas
ia além, eles apresentam uma postura mais reivindicativa, de auxílio e cooperação entre
os sócios sim, mas também de melhorias nas condições de vida e trabalho dos operários
e a garantia de direitos básicos que por vários anos lhes foram usurpados.
Conforme os anos vão passando e a expressão numérica das classes
trabalhadoras vai crescendo e os operários vão se habituando mais com as dinâmicas
associativas, ou seja, aprendendo a se organizar e lutar pelos seus direitos e por uma
vida digna, as demandas das classes trabalhadoras deixam de se limitar a auxílios
básicos e imediatos e passam a requerer mudanças mais amplas e estruturais na
sociedade da qual fazem parte, o que caracteriza a luta de classes. O surgimento de
associações de cunho “político-sindical”106 como as ligas de ofício, que têm como
finalidade a emancipação das classes trabalhadoras e o fim das dificuldades e
explorações impostas a elas pelo desenvolvimento e estabelecimento do capitalismo
industrial na sociedade, acompanha essa própria demanda da classe.
Embora, como vimos, importantes estudos demonstrem que as sociedades
sindicais não substituíram ou tomaram o lugar das mutualistas na organização das
classes trabalhadoras em São Paulo, a análise que fizemos neste trabalho em relação ao
Brás apresenta, em certa medida, uma constatação diferente. Não afirmamos que as
associações sindicais substituíram as mutualistas, mas sim que encontramos poucas
associações mutualistas naquela região desde fins do século XIX e um número cada vez
mais crescente de associações sindicais. Sendo assim, o Brás representa uma
especificidade em relação ao quadro descrito para a capital paulista pelos autores
citados, pois neste bairro existem mais e são maiores as atividades desenvolvidas pelas

106
Por associações “politico-sindicais” entendemos as mais diversas manifestações de grupos de trabalha-
dores fossem eles em forma de sindicatos, ligas, jornais, círculos, sociedade, centro de estudo, etc. que
atuaram politicamente na cidade em benefício e defesa das classes trabalhadoras, através de denúncias e
combates voltados contra o Estado, os patrões e o sistema capitalista. Obs: utilizaremos como sinônimos
também a nomenclatura “associações militantes ou de esquerda”.

51
sociedades classistas do que as mútuas, o que por sua vez, obviamente, não impediu o
desenvolvimento das associações mutualistas que lá também existiram, ainda que em
menor número, como já vimos.
Apontar essa diferenciação do Brás em relação ao resto da cidade não significa
que pretendo com isso insinuar que há um caminho pré-formulado para que as classes
trabalhadoras da Primeira República em São Paulo atingissem sua emancipação social,
isto é, organizar-se em sociedades mutualistas – organizar-se em sociedades
militantes/classistas – e, ao fim, a revolução social. Não. Não acredito que o
desenvolvimento da organização dos trabalhadores naquele espaço tenha sido pré-
determinado, tampouco acredito que haja um modelo a ser seguido por aquelas classes
que desejam melhorias sociais e, muito menos creio que o crescimento de associações
militantes tenha ocorrido para suprimir as deficiências das associações de beneficência,
não se trata disso. Se fosse assim, o surgimento de sociedades sindicais teria extinguido
as sociedades mutualistas e não foi o que aconteceu, é claro. Elas coexistiram, cada qual
lutando por seus ideais e finalidades de acordo com sua ideologia e programa.
É por este motivo que criticamos as pesquisas que relacionam o
desenvolvimento do movimento operário com a ação específica de determinados grupos
ou correntes, deixando de lado as inúmeras contribuições das minorias e de outras
associações não necessariamente organizadas em torno de uma ideologia ou partido.
Desta maneira, reafirmamos as concepções de Thompson, que nos mostrou que os
diversos aspectos responsáveis por criar identidades entre os trabalhadores e dar coesão
à formação das classes trabalhadoras devem ser buscados nos vários micro movimentos
e ações que eles desempenharam não só dentro das organizações políticas, como
sindicatos e partidos, mas também nas suas próprias dinâmicas cotidianas, expressas
através do dia a dia dos trabalhadores em outros importantes espaços de formação
destes sujeitos como os clubes recreativos, a tipografia, os bailes familiares e vários
outros.
Como apontam Viscardi e Jesus, portanto, “a experiência mutualista foi
simultânea à organização dos sindicatos (inclusive os de esquerda) e contribuiu para a
formação e o fortalecimento de uma cultura cívica entre os trabalhadores”107. Além
disso, devemos lembrar que a nossa análise é circunscrita ao Brás e isso permitiu que
identificássemos neste bairro uma exceção local que claramente se deu por motivos
diversos e por características específicas daquele espaço e das classes trabalhadoras que
107
Idem. Pág. 24.

52
ali viviam. Portanto, este bairro representa um caso à parte nesta questão, onde não
houve o fortalecimento das sociedades mutualistas entre as décadas de 1900 e 1910
como outros autores afirmaram existir e, portanto, não pode ser classificado como
modelo do associativismo em São Paulo.
O que pretendo dizer, todavia, é que, de fato, nos anos finais do século XIX
houve, no Brás, uma diminuição no número de sociedades mutualistas e o aumento
expressivo das sociedades militantes, o que não significa que esse primeiro grupo deu
origem ao segundo. Da mesma forma, importa-me esclarecer que este movimento de
mudança no foco dos grupos, que venho tentando demonstrar, não foi obra divina ou do
acaso, mas sim uma demanda sentida e criada pelos próprios trabalhadores que viveram
e construíram aquele momento naquele espaço. Isto se torna claro analisando as fontes
do período, como veremos a seguir. Sendo assim, é óbvio que outros historiadores já
haviam diagnosticado este quadro. É o caso de Luigi Biondi. Ele nos mostra que São
Paulo não foi a única e nem a primeira cidade a presenciar tal mudança na atuação das
sociedades operárias ao dizer que

“[...] também no Reino da Itália, 25% das sociedades de socorro


mútuo registradas em 1894 já não existiam mais em 1904, o que
denota uma dificuldade de existência das mútuas no momento em que
o movimento sindical começava a se organizar localmente nas Camere
del Lavoro e nas ligas de ofício.”108

Por mais que não possamos generalizar esta constatação a toda a cidade, como
outros historiadores demonstraram, em relação ao Brás ela parece acertada. Assim, um
exemplo bastante significativo desta mudança ideológica (se podemos chamar assim)
que ocorre em associações do período pode ser identificado também no Brás através de
um importante periódico daquele distrito, isto é, A Folha do Braz. Este jornal foi criado
no dia 18 de julho de 1897, pelos proprietários da folha que inicialmente eram os irmãos
Juvenal e Benjamim Cruz e Edgard Leuenroth. Neste período, ele possuía tiragem
semanal, os redatores responsáveis pela publicação eram João Sizenando e Benedicto
Meirelles e sua redação localizava-se à Rua Monsenhor Andrade, nº7, no bairro que
apresentava no seu nome, O Brás.
Desde o princípio, A Folha do Braz foi um órgão que servia aos interesses dos
moradores do bairro. Suas publicações traziam notícias da cidade, folhetins, informes
108
BIONDI, Luigi. Op.cit. Pág. 58.

53
sobre o bairro, anúncios de comércio local e uma série de reclamações que os
moradores enviavam à redação, endereçadas aos órgãos públicos municipais, sobretudo
o prefeito. Apresentamos abaixo uma destas recorrentes reclamações, publicada na folha
no dia 09 de julho de 1899:
“Uma reclamação: a policia só lembra de guardar o aterrado do
Gazômetro, um dia ou dois de alli (sic.) ter-se dado um assalto, o
mais, póde-se passar por ali sem perigo de encontrar um soldado
sequer. Si por acaso são destinados alguns soldados para fazer a ronda
da várzea, vão os mesmos para um quiosque da rua 25 de março,
onde se reunem em amistosa palestra, algumas vezes em redor de uma
fogueira aquecendo suas delicadas mãosinhas, enquanto que, a poucos
passos os pobres transeuntes são assaltados, roubados e espancados, e,
eles sem ter o mínimo incommodo, (sic.) continuam no seu “dulce
farniente”. E depois não nos chamem de máos, (sic.) nem de
palradores; o que ahi (sic.) dizemos é a pura verdade, não é uma
informação que nos prestaram, é uma coisa que presenciamos todas as
noites, e que presenciará todo aquele que ousar atravessar o aterrado
do Gazômetro depois das 7 horas. Sabemos perfeitamente que nossas
palavras de nada valem, que isto é o mesmo que pregar no deserto,
entretanto, ahi ficam.”109

O conteúdo dos reclames variava desde incisivas acusações contra a ineficácia


do policiamento no bairro, como a que apresentamos acima, passando por protestos
quanto ao péssimo estado do chão e a má iluminação de várias ruas, até chegar ao tipo
de reclamações particulares de alguns vizinhos queixando-se do mau comportamento de
outros moradores. Todavia, podemos notar que às vezes até mesmo os redatores do
jornal esboçavam pouca esperança de que seus anseios e reclamações às autoridades
fossem atendidas, “entretanto, aí ficam”.
É interessante observar que essas denúncias e pedidos de melhoramentos,
publicados na folha, nos auxiliam na compreensão das dinâmicas e dificuldades
partilhadas pelos moradores do Brás. Transcrevemos a seguir um interessante aviso,
novamente voltado à polícia, que configura mais um capítulo da empreitada dos
moradores em buscar o “aperfeiçoamento” dos serviços prestados por esta instituição:
“Chamamos atenção da polícia para uma taberna existente à Rua Monsenhor Anacleto,

109
A Folha do Braz. Anno II, nº 76. 09/07/1899. Disponível no Arquivo Edgard Leuenroth AEL. IFCH.
Unicamp.

54
nº8, onde costumam reunir-se algumas meretrizes, que praticam atos ofensivos a moral
pública, vociferando também palavras imoraes. (sic.)”110
Neste trecho, é evidente o caráter moralista dos moradores do bairro, que exigem
providências quanto à existência de um provável prostíbulo na região. No entanto, o que
nos parece mais revelador nestas reclamações é a postura ativa dos moradores no que
diz respeito às questões coletivas do Brás. O simples fato de haver naquele período uma
folha destinada aos interesses da região já é algo digno de nota. Contudo, mais
interessante ainda é a voz da comunidade, ou pelo menos de parte dela, presente nas
publicações. A nosso ver, a participação popular e o caráter das publicações “em prol do
Braz”111, torna este periódico uma ferramenta dos interesses das classes trabalhadoras,
sobretudo após a mudança que ocorre na folha em 1 de outubro de 1899.

110
A Folha do Braz. Anno IV, nº 94. 23/12/1900. Disponível no Arquivo Edgard Leuenroth AEL. IFCH.
Unicamp.
111
“Em Prol do Braz” é o nome que leva uma das seções do periódico.

55
Atual localização da Rua Monsenhor Andrade, nº7, no Brás, vizinha ao fundo
da Igreja do Brás, onde instalou-se a primeira tipografia do periódico A Folha
do Braz.

A Folha do Braz desde sua criação, apesar de sempre voltada aos interesses da
região e, portanto, também das classes trabalhadoras que ali viviam, nunca foi um jornal
com postura declaradamente política, ideológica ou combativa, como tantos outros
jornais do período112. No entanto, ocorreram algumas mudanças neste periódico que são
fundamentais e merecem a nossa atenção. Inicialmente, dois redatores tiveram que
abandonar a folha: em 18 de junho de 1899 sai João Sizenando e o substitui Amadeu
Rocha Martins, e, pouco menos de um mês depois, por ter deixado a capital, sai da
redação Benedicto Meirelles que recebe em seu lugar Lellis Vieira. Além disso, no dia
13 de agosto de 1899, por motivo de moléstia na família dos proprietários do jornal, ele
foi obrigado a mudar de endereço, com suas oficinas e redação, para a Rua Corrêa de
Andrade, nº3, também no Brás. As publicações permaneceram semanais e regulares até
3 de setembro, quando as atividades são interrompidas por um mês e voltam à
normalidade no dia 1 de outubro de 1899.
Neste retorno, a redação do jornal muda para o endereço Av. Pires Ramos, nº30
(ainda no Brás) e o secretário redator responsável é o senhor Octaviano Delmont. É aqui
que começam as mudanças relevantes no jornal que, como pretendemos demonstrar,
estão em diálogo com aquelas mudanças do associativismo no bairro que discutimos
acima. Deixemos os redatores falarem:

“Muda-se o programa deste periódico. A nossa folha procurando


alargar o circulo de suas manifestações, deixa de hoje em diante a sua
posição neutral, para assumir papel mais saliente nas lutas politicas,
desenvolvendo com energia as ideias mais práticas e saluartes (sic.) no
meio político.[...] O Braz, ao lado de outros districtos (sic.) tem
representado um papel bem humilde na sua vida (da cidade) e
costumes políticos, a ponto de ser comparado a um centro de crimes e
ignominias. Lutemos todos pela verdade do voto, desenvolvimento
material do distrito, pela boa organização política, aproveitando os
que, nutrindo o ideal republicano, trazem para a luta a pureza dos
costumes e sinceridade da fé política.”113

112
Citamos, por exemplo, A Lanterna, O Amigo do Povo, Palestra Social e La Lotta Proletaria.
113
A Folha do Braz. Anno III. nº 1/10/1899. Idem.

56
Podemos notar que os próprios redatores salientam a “posição neutral” que a
folha possuía até então, postura que segundo os mesmo estaria a partir dali abandonada.
As publicações do jornal permanecem regulares até dezembro de 1899. No entanto, a
verdade é que não identificamos uma postura mais radical e convicta, politicamente
falando, do jornal após esta declaração. São incluídas em algumas publicações colunas
de denúncias e de críticas, mas nada de muito novo em relação ao caráter que ele
possuía anteriormente.
Apesar do fato de que um dos proprietários d’A Folha do Braz era Edgard
Leuenroth114, que se tornaria mais tarde um dos mais importantes e atuantes militantes
anarquistas do movimento operário de São Paulo na Primeira República, ingressando
nas fileiras libertárias a partir de 1904, sua folha estava distante de ter essa postura
ideológica. Provavelmente isso se deve ao fato de que neste período Leuenroth está
apenas iniciando a sua longa jornada como militante de esquerda e, portanto, o jornal
traduz ainda de maneira incipiente e moderada, como haveria de ser, as convicções do
militante em formação. Leuenroth começará a desenvolver suas ideias de maneira mais
crítica e radical contra o sistema capitalista e, especialmente, a igreja quando funda o
jornal operário e anticlerical A Lanterna115.
Após esta mudança, ou a pretendida mudança, no programa do jornal, as
publicações saíram durante dois meses e em dezembro de 1899 foram interrompidas
suas atividades por um ano. A volta do periódico do bairro só aconteceu em 23 de
dezembro de 1900. Nesta ocasião sua sede mudou-se novamente, desta vez para a Rua
Monsenhor Anacleto, nº4. O ressurgimento do jornal é explicado nesta edição por seus
proprietários Edgard Leuenroth e Brazilio dos Santos Altro que terminam suas palavras
reafirmando a postura crítica e militante da folha:

“[...] mas hoje, felizmente, que superamos esses invencíveis


obstáculos e mil outros que concorreram também com o seu funesto
contingente para a morte do nosso querido periódico, hoje, com que
bafejada por um sopro do Além, surge a Folha das cinzas do seu

114
Edgard Leuenroth trabalhou como impressor e jornalista e, após uma breve passagem pelo Circolo So-
cialista em São Paulo no ano de 1903, tornou-se um dos líderes mais importantes do anarquismo brasilei-
ro. Ele ajudou a organizar e esteve à frente de importantes periódicos de tendência libertária como O tra-
balhador gráfico, A terra livre (1905), Folha do povo (1908), A Lanterna e A Plebe (1917), além, é claro,
d’A Folha do Braz.
115
Este jornal foi editado por Edgard Leuenroth e Benjamin Mota, seu primeiro número é do ano de 1901
e as publicações permaneceram irregulares e com várias interrupções até o ano de 1916, quando foi subs-
tituído pela publicação do também combativo e anarquista A Plebe em 1917.

57
passado feliz, para, limpa dessas manchas peçonhentas que a
aniquilaram, mais forte e pujante ainda a reviver esses ditosos tempos
que já lá vão, empunhando o seu antigo pavilhão de lutas, prontos,
como já outrora dissemos, a descarregar a espada fulminante da nossa
justiça no culpado, por mais poderoso que seja, como a empregar a
nossa vida na salvação do inocente, ou a extender a dextra (sic.) ao
indigente. E, assim, portanto, nada nos intimidará: nem nos
amordaçara, o ouro ou a bajulação, como não nos fara recuar o sabre
do arbitrário ou o arcabuz do bandido.”116

A Folha do Braz mantém seu funcionamento até 10 de fevereiro de 1901,


quando da publicação de seu último exemplar. Como dissemos, apesar da anunciada
mudança no programa da folha, pouco vimos de diferente em relação ao seu passado,
que podemos definir, no entanto, como um periódico, à sua maneira, verdadeiramente
crítico, combatente e voltado aos interesses da classe trabalhadora do Brás, pois, de fato
o jornal prestou os serviços pretendidos à população do bairro.
Além disso, há outras questões interessantes que ela nos possibilita indagarmos.
No capítulo anterior, argumentamos e definimos o Brás como um território das classes
trabalhadoras. É difícil pontuar com exatidão como ocorreu este processo de
assimilação dos trabalhadores neste bairro, mas mesmo assim arriscamos algumas
interpretações e a folha do bairro nos ajuda em mais uma. Como dissemos, é expressivo
o número de reclamações que a população envia às autoridades exigindo
melhoramentos da administração pública na região. Essas reclamações dão a entender
que havia uma ausência significativa do Estado através de políticas públicas básicas
como saneamento, calçamento das ruas, iluminação, policiamento, etc. como podemos
observar em mais esta reclamação publicada pela Folha do Braz:

“À prefeitura: chamamos a atenção do Sr Prefeito Municipal, para o


lastimável estado que se acham as ruas Uruguaiana, 21 de abril,
Cavalheiro e todas as transversais que, devido à quadra chuvosa que
atravessamos, transformaram-se em verdadeiras lagoas, pela completa
falta de boeiros ou coisas semelhantes, por onde as aguas possam
escoar, constituindo assim um grave perigo para a vida dos seus
habitantes, visto que ficam ali à merce exalando miasmas
desagradáveis (sic.) para os nossos olfatos. Não bastando esse
inconveniente acresse (sic.) mais um, que oferece não menos perigo

116
A Folha do Braz. Anno IV, nº 94. 23/12/1900. Idem.

58
que os outros, pois, como é sabido, aquelas ruas tem já um movimento
bastante grande de veículos, que com a cooperação das águas formam
enormes buracos, que vem merecem o nome de aquedutos.”117

Toda essa falta de assistência que o jornal denuncia é também representativa da


falta dos serviços e da ausência dos poderes públicos naquele distrito. Desta forma, a
organização dos trabalhadores e a sua identificação com aquele território pode ser vista
também como fruto de um processo de exclusão das classes trabalhadoras do Brás.
Quero dizer que na ausência, ou melhor, na carência de serviços básicos que o Estado
deveria garantir na região, os trabalhadores enxergaram a possibilidade de desenvolver
suas associações e atividades com certa autonomia e, garantir através de seus próprios
esforços e organização as condições que possibilitassem diminuir as dificuldades
cotidianas, já que pouco, ou nada, podiam contar com o serviço público.
Talvez isso explique, em parte, o fato de que no Brás desenvolveram-se um
número considerável de associações e militantes anarquistas, maior do que em outros
bairros da capital118. Contudo, se essa possibilidade realmente se confirma A Folha do
Braz nos permite levantar uma outra questão que parece gerar incoerência ideológica
naquele espaço, isto é, por que num território com forte presença proletária, sobretudo
de tendências anarquistas, este jornal, em nome dos habitantes locais requer com tanta
ênfase a presença do estado, seja na forma de melhorias públicas seja na forma de um
policiamento mais efetivo? Sabemos que os anarquistas negam quase que
religiosamente (se isso for possível!) a presença do Estado seja de qual ordem for, assim
jamais direcionariam pedidos ao prefeito e tão menos ao chefe de polícia, por exemplo.
No entanto, acredito que as respostas sejam bastante evidentes. Certamente A
Folha do Braz, apesar de servir aos interesses dos trabalhadores, não era um periódico
de postura anarquista e, portanto, seu papel era barganhar com o Estado, através de
matérias e denúncias, quaisquer tipos de melhorias possíveis ao bairro e aos cidadãos.
Ao mesmo tempo, não devemos ser inocentes ao ponto de pensar que este jornal falava
por todos os operários do bairro, certamente ele não era o porta voz “oficial” dos
libertários, que possuíam, por sua vez, seus periódicos declaradamente anarquistas.
O que efetivamente presenciamos no Brás, na verdade, é a existência de uma
heterogeneidade muito grande no que se refere às inclinações ideológicas de seus

117
Idem.
118
É o caso, por exemplo, dos jornais O Livre Pensador, A Plebe, Gli Schiavi Bianchi e as Escolas
Modernas I e II.

59
trabalhadores. Assim, a existência de grupos anarquistas não necessariamente exclui a
presença de outros grupos e formas mais brandas de esforços e conquistas materiais,
como as que se utilizou A Folha do Braz. Temos certeza de que os apelos lançados pela
folha aos órgãos públicos não foram como “pregar no deserto” e, é o próprio jornal que
nos mostra isso ao publicar que “a prefeitura dignou-se ordenar o melhoramento do
aterro do Gazômetro, uma das principais artérias que ligam o bairro ao centro da
cidade.”119 Conquista empreendida pela população e, tanto quanto, pela folha!
Sobre a presença dos anarquistas no Brás devemos registrar que ela se fez
perceber antes mesmo do século XX. Precocemente no ano de 1892 foi publicado o
jornal anarquista Gli Schiavi Bianchi120. Escrito em língua italiana e sob a
responsabilidade dos anarquistas do Brás, a sede deste periódico estava à Rua
Monsenhor Anacleto, nº11. Ele foi o primeiro jornal libertário existente na capital e seu
editor era Galileo Botti121.

Atual localidade da Rua Monsenhor Anacleto, nº11, no Brás, onde se localizava o


periódico Gli Schiavi Bianchi. Neste caso já não existe resquício da antiga construção.

119
A Folha do Braz. Anno IV, nº 94. 23/12/1900.
120
Em português: Os Escravos Brancos.
121
De acordo com a historiadora Claudia Leal, Galileo Botti foi um dos dez italianos detidos e presos na
saída de uma reunião do Centro Socialista Internacional em São Paulo, em 1894, e que permaneceram
presos como anarquistas por quase oito meses, sem processo ou julgamento, sem serem efetivamente de-
portados ou libertados. Para maiores informações sobre o caso ver: LEAL, Claudia. Anarquismo e segu-
rança pública: São Paulo, 1894.

60
Por volta do ano de 1900, portanto, há na cidade de São Paulo um aumento
expressivo no número de associações de esquerda. Elas se organizam majoritariamente
através das ligas de ofício. Contudo, devemos pontuar que os grupos empenhados em
auxiliar os trabalhadores no processo de formação de suas ligas são, sobretudo, grupos
ligados aos jornais operários em circulação. Dentre eles podemos destacar os esforços
desferidos pelos Palestra Social122, O Socialista123, O Amigo do Povo124, Avanti!125 e La
Lotta Proletária126.
O Palestra Social registra no dia 24/02/1901 “o despertar da classe operária,
pois foi em poucos dias que se organizaram em associações de resistência os
chapeleiros e classes anexas, e os tipographos, lytographos, etc.”(sic.). 127 De fato,
poucos dias antes houve uma reunião da Sociedade de Socorro Mútuo Cosmopolita de
Chapeleiros, onde seu presidente Elzio Baldi expôs a necessidade da organização da
classe em associação de resistência, frente à exploração e ganância patronal. No mesmo
encontro, o fervoroso militante Benjamim Mota128 teve a palavra e com clareza
palestrou aos vários operários presentes sobre seu ponto de vista em relação às
sociedades de resistência. Nesta oportunidade, ele disse ainda aos trabalhadores que a
primeira necessidade era a união da classe e, depois, reforçou rapidamente os meios de
ação para que isso se concretizasse.

122
Jornal libertário publicado “quando pode” em língua portuguesa e italiana entre os anos de 1900 e
1901. Inicialmente sua redação se localiza à rua Conselheiro Crispiniano, nº19, no centro. O responsável
por ele neste período é Ezzecchiello Simoni. Em dezembro de 1900 sua redação é à rua Libero Badaró, nº
82 e seu administrador é Tobia Boni.
123
Periódico publicado em 17 de julho de 1898 que se denomina órgão do partido socialista internacional.
Sua redação localiza-se à rua Direita, nº39, 2ºandar. Seu redator responsável é Arthur Breves.
124
Jornal anarquista e semanal publicado a partir de abril de 1902 até 1904. Seu responsável é Neno
Vasco. Sua redação encontra-se na rua Guilherme Maw, nº38, no Bom Retiro. Sobre este periódico:
Passim TOLEDO, Edilene. Em torno do jornal O Amigo do Povo: Os grupos de afinidades e a
propaganda anarquista em São Paulo nos primeiros anos deste século in Cadernos AEL “Anarquismo e
anarquistas” – Arquivo Edgard Leuenroth – IFCH UNICAMP.
125
Jornal socialista publicado em língua italiana, cuja sede no ano de 1900 localiza-se no Largo da Me -
mória, nº2, é vendido em vários bairros da capital, inclusive no Brás, pelo senhor Giuseppe Ceruti, na rua
Domingos Paiva, 80.
126
Jornal publicado em língua italiana, entre os anos de 1908 a 1909, é intitulado órgão da União dos Sin-
dicatos e sua sede era no Largo do Riachuelo, nº 7 A, no centro.
127
Palestra Social 24/02/1901. Disponível no Arquivo Edgard Leuenroth AEL. IFCH. Unicamp.
128
Benjamin Mota foi um importante militante anarquista neste período. Ele era advogado de formação e
assim defendeu muitos militantes ameaçados de expulsão ou prisão. Foi ainda redator do jornal O Rebate.
Em 1901 passa a dirigir junto com Leuenroth A Lanterna. Um ano depois junta-se a um grupo de impor-
tantes anarquistas como Neno Vasco, Oreste Ristori, Gigi Daminani e outros e fundam o jornal anarquista
O Amigo do Povo que articulava em torno de si diversos grupos libertários e, segundo Edilene Toledo, foi
o primeiro jornal anarquista em São Paulo a ter uma publicação regular.

61
Após poucos dias, em 11 de março de 1901, reuniram-se em assembleia
novamente estes trabalhadores onde ficou definitivamente constituída a Liga de
Resistência entre Chapeleiros e Classes Anexas.129 Desta forma, observamos que esta
associação é uma das primeiras que efetivamente mudam o foco de suas ações e
programa, ou seja, a antiga Sociedade de Socorro Mútuo Cosmopolita de Chapeleiros
torna-se um grupo declaradamente de resistência da classe.
Quase na mesma semana reuniram-se também em assembleia, na sede da Liga
Democrática Italiana, grupo criado pelos socialistas do periódico Avanti!, os
trabalhadores gráficos a fim de se criar a associação desta classe. Após as discussões
efetuadas fundou-se também a sociedade de resistência que se denominou Associação
das Classes Gráficas e Anexas. O número de aderentes a esta sociedade foi
significativo, cento e treze assinados na ocasião e mais setenta e oito até o final da
semana, o que demonstra um interesse relativamente grande dos trabalhadores a unirem-
se em associações militantes. Esta assembleia teve fim com palavras animadoras que
pediam aos gráficos a convicção de que “os demais grêmios saberão imitar este
exemplo”130 de união.
Como dissemos, o Circulo Socialista Avanti! foi um dos grupos que mobilizou
muitos esforços na criação e fortalecimento das ligas de ofício que se proliferavam na
capital. Antes mesmo da criação das sociedades que descrevemos acima, em julho de
1898, por iniciativa deste grupo houve uma reunião para organizar uma comissão
independente, com o encargo de estudar os meios para constituir as sociedades de
resistência de artes e ofícios que ainda não existiam. Para a dita comissão, foram eleitos
representantes de diversas associações, foram eles:

“um representante que deve ser nomeado pela Federação dos


Trabalhadores do Livro; Luiz Bezzi, para os chapeleiros; Pedro
Carraro para a sociedade de resistência dos sapateiros; Um
representante que deve ser nomeado por um grupo de mecânicos
constituído; Ector Bellei para os gazistas. Alfredo Capricci para os
carpinteiros; Um representante que deve ser nomeado por um grupo
de alfaiates; Camillo Amadio para os Pintores; Emilio Massardo para
o Circulo Socialista Avantí; Luiz Soares para o Centro Socialista de
Estudos Sociais; Luiz Damiani do Risveglio” 131.

129
Palestra Social. Anno II. nº8. 17/3/1901, p.7.
130
Idem. 24/2/1901, p.3.

62
Além disso, foram convidadas a enviar representantes todas as sociedades e
grupos operários do estado que desejassem.
É interessante perceber que a união dos trabalhadores é descrita em vários
jornais operários, o que nos faz entender que no período de fato houve uma mobilização
muito grande no âmbito da organização operária. Além disso, os grupos que tomam
frente no processo de organização dos trabalhadores apesar de terem o seu
comprometimento ideológico, pois, como vimos, foram muitas vezes sociedades
anarquistas ou socialistas, eles parecem deixar de lado os pormenores e os prováveis
conflitos ideológicos em nome da união das classes trabalhadoras. Outro aspecto que
merece a nossa atenção é o fato de que as sociedades que vão se constituindo no período
optam pela união de classe por ofício e/ou categorias e não por outras afinidades como
as étnicas ou as regionais, como o que ocorreu anos depois durante as agitações de
1917, quando do desenvolvimento de várias Ligas de bairro.
Em maio de 1902, outro grupo constitui-se em sociedade de resistência, a Liga
de Resistência entre Operários Sapateiros e Anexos. Em uma conferência realizada na
liga no mesmo período, na qual houve uma notável participação de operárias mulheres,
aproveitaram alguns sócios para falarem a respeito da necessidade dos sapateiros se
unirem, inscrevendo-se na liga que, segundo eles, trabalhava pela conquista dos
melhoramentos de que a classe necessitava132. Os trabalhadores parecem atender a estes
pedidos de união e organização da classe, pois, em pouco tempo é noticiado também o
franco desenvolvimento da liga dos sapateiros. Em 1903, em meio ao entusiasmo que
toma conta da atmosfera associativa dos trabalhadores neste período, O Amigo do Povo
alerta:
“[...] neste clássico país da apatia e da inercia é sem duvida alguma
onde mais se deixa sentir a necessidade de que os trabalhadores,
abandonados como estão ao capricho e à avareza patronal, se
constituam em sociedades de resistência para a defesa dos interesses
do trabalho. É uma necessidade imprescindível que os operários se
unam para empreender uma seria luta econômica: porque se se
associam para servir de instrumentos eleitorais, então é preferível que
se deixem ficar em casa sem fazer nada... nós anarquistas devemos
entrar nas corporações de oficio para evitar a intromissão dos políticos

131
O Socialista. Anno III. 17/7/1898, p. 3. Disponível no Arquivo Edgard Leuenroth AEL. IFCH. Uni-
camp.
132
O Amigo do Povo. 24/5/1902. Idem.

63
operários de nova marca que queiram subir a custa dos seus
companheiros.”133

Essa publicação traz à tona também uma antiga questão dos anarquistas ao redor
do mundo, isto é, a participação ou não dentro de sindicato e de grupos não exatamente
libertários. A eficácia da presença dos anarquistas em outros grupos que não os
abertamente anarquistas foi debatida pelos próprios militantes por muitos anos sem, no
entanto, chegar-se a um consenso. Alguns apoiavam a participação dos militantes
libertários em outras sociedades, sobretudo, nos sindicatos, pois, segundo essa
interpretação, as associações de trabalhadores, independente de suas inclinações
políticas representam um importante foco aglutinador da presença operária e, portanto,
um lugar privilegiado, por definição, para que as ideias libertárias pudessem ser
germinadas. Entretanto, havia aqueles libertários, um tanto mais radicais, que
acreditavam que a participação de anarquistas em sociedades de quaisquer matriz que
não fosse a anarquista seria um desvio da tarefa central de emancipação social do ser
humano e, desta forma, algo que só serviria para perpetuar o domínio do capitalismo
sobre os trabalhadores.
Pelo que podemos perceber na citação dos militantes d’O Amigo do Povo, eles
estão em diálogo com as ideias expressas por aqueles libertários que entendiam como
válida suas ações fora dos círculos anarquistas. O argumento utilizado para defender tal
atitude nos parece também fazer bastante sentido: “nós anarquistas devemos entrar nas
corporações de oficio para evitar a intromissão dos políticos operários de nova marca
que queiram subir a custa dos seus companheiros.” Como de fato acontecia em várias
associações, havia sujeitos infiltrados por patrões ou mesmo pelo governo para
supostamente fazer parte de um grupo, como se fosse um trabalhador qualquer, mas seu
objetivo na verdade era apenas desarticular as reuniões e provocar a discórdia entre os
sócios. Este é um dos motivos pelo qual várias associações não permitiam a presença de
mestres, contramestres e gerentes das fábricas entre seus sócios134.
Tratando ainda dos libertários, vemos surgir no Brás, no ano de 1904, o jornal
anarquista O Livre Pensador. Este órgão racionalista tem o seu endereço à Rua
Monsenhor Anacleto, nº38. É propriedade de Everardo Dias e em 1907 sua
133
O Amigo do Povo. Anno I. nº24. 11/04/1903, p.1.
134
A União dos Operários em Fábricas de Tecidos, por exemplo, especifica em seu estatuto que: “Não se-
rão admitidos como sócios os indivíduos estranhos ao serviço das fábricas de tecidos e ainda os mestres e
diretores das fábricas podendo, entretanto, os contramestres e encarregados ser admitidos” APESP. Pri-
meiro Cartório de Imóveis da Comarca da Capital. Caixa c10429.

64
administração, redação e oficina é transferida para a Rua Visconde de Parnaíba, nº121,
no mesmo bairro135.

No entanto, nem só de associações mutualistas ou militantes vivia o Brás. Este


bairro possuía também espaços onde as classes trabalhadoras podiam acompanhar
algum divertimento. É o caso do Teatro Popular localizado na Rua do Gazômetro
nº114. Este teatro foi um dos pioneiros no bairro e era conhecido por apresentar dramas
históricos de crítica social, como foi o caso da representação em dezembro de 1903 de
Os mistérios da inquisição de Hespanha. Sobre sua apresentação A Lanterna diria:

“O desempenho da peça correu do principio ao fim excelentemente,


sendo os artistas, todos de real merecimento, animados com uma
profusão de entusiasticas (sic.) palmas pelas inúmeras pessoas que
enchiam o vasto salão. Daquelas pessoas nenhuma houve, decerto, que
não saisse (sic.) com o coração confrangido, pois foi evidentemente a
inquisição hespanhola (sic.) a mais abominada e execrada das
inquisições, mandando queimar, no século XV, dez mil pessoas em
dezoito anos! Hoje, um bom espetáculo subindo a cena – Il vecchio
caporale Simão, drama em 4 actos e um prólogo, de Dumanoir e
Dennerz.”136

Sua duração como teatro, no entanto, foi bastante curta, pois já em 1904 este prédio
possuía uma nova ocupação.137

135
O Livre Pensador 11/5/1907. Disponível no Arquivo Edgard Leuenroth AEL. IFCH. Unicamp.
136
A Lanterna 26/12/1903.
137
Segundo informações encontradas na internet, em 1908, Alberto Botelho comprou o espaço do Teatro
Popular e o chamou de Eden-Theatre com a intenção de torna-lo um cinema. Porém, logo O Eden-Thea-
tre desapareceu e a sua já antiga construção mudou completamente de atividade, passando a acolher uma
fábrica de sapatos para crianças. A fábrica foi demolida em 1925 para dar lugar ao Palacete Ferrante, resi-
dência de um conhecido dentista do bairro na época. Disponível em: http://www.almanack.paulistano.-
nom.br/brascine1.htm 10/12/2013.

65
Além dele, existia também O Cassino Penteado. Ele tinha o nome de um
poderoso industrial do período, pois foi construído a mando do patrão Antônio Alvares
Penteado para usufruto de seus operários (tecelões da fábrica Santana, no Brás) 138. Em
algumas ocasiões, foi também um espaço utilizado pelas classes trabalhadoras do bairro
para a realização de reuniões e assembleias. Além disso, neste local tiveram a
oportunidade de se apresentar grupos que faziam críticas à igreja, como foi o caso da
apresentação do grupo dramático denominado Giovanni Bovio, no dia 26 de setembro
de 1903, com seu espetáculo intitulado Uma victima inoscente sacrificada pelo poder
temporal dos papas ou a morte de Cezar Locatelli 139. Segundo os autores do livro São
Paulo metrópole em trânsito, o Cassino Penteado foi ainda, em 1902, palco de um dos
primeiros espetáculos do teatro operário na capital, que acabou com a intervenção
violenta da polícia.140
Tal como o Teatro Popular e o Cassino Penteado existia ainda, no coração do
Brás, o Teatro Colombo. Localizado no Largo da Concórdia, endereço familiar a todas
as classes trabalhadoras de São Paulo. Este teatro foi por diversas vezes utilizado pelos
trabalhadores da capital, sobretudo os do Brás, como espaço de atuação para
desenvolverem suas reuniões, assembleias, palestras, festejos, etc. Ele foi fundado em
1908 para a colônia italiana residente no bairro pela Companhia Dramática Italiana que

138
MATTOS, David Jose Lessa. O espetáculo da cultura paulista: teatro e TV em São Paulo, 1940-1950.
São Paulo. Editora Codex. 2002. Pág. 115.
139
Idem. 12/9/1903.
140
CAMPOS, Candido Malta. GAMA. Lucia Helena. SACCHETTA, Vladimir. (orgs) São Paulo metró-
pole em transito percursos urbanos e culturais. São Paulo. Senac, 2004. Pág. 93.

66
aproveitou as instalações de um antigo mercado já existente ali. Teve vida longa e
proveitosa enquanto durou, sendo utilizado por diferentes classes sociais, sobretudo, as
trabalhadoras, desaparecendo somente em 1966, consumido por um incêndio. 141 O
surgimento do Teatro Colombo foi visto como uma resposta das classes menos
abastadas à elitização dos espaços e teatros paulistas do período, por possuir preços bem
mais acessíveis aos operários. Por isso ficou famoso por ser palco de inúmeras
manifestações das classes trabalhadoras e de grupos libertários.142

Foto do espaço onde se localizava o Teatro Colombo, no Largo da Concórdia, no Brás.


Atualmente encontra-se ali uma agência bancária.

Outras sociedades de caráter não sindical existiram no Brás. É o caso, por


exemplo, do Circulo Recreativo Flor do Braz. Fundada em 27 de agosto de 1905, como
o próprio nome indica, a finalidade deste grupo era recreativa, isto é, buscava
proporcionar divertimentos aos sócios. O grupo definiria seus objetivos assim: “o fim
desta sociedade é a filo dramaturgia, dança, e mais lícitas recreações que serão feitas de
acordo com o cofre social.”143 Mais uma vez, o grupo italiano se faz presente no bairro,
pois esta é uma associação fundada por eles, tanto que seu estatuto está registrado nesta

141
Idem.
142
Idem.
143
Estatuto do Circulo Recreativo Flor do Braz. Arquivo Público do Estado de São Paulo. Primeiro Car-
tório de Imóveis da Comarca da Capital. Sociedades Civis. Caixa c10399.

67
língua. Contudo, ela era aberta a todas as etnias, podendo fazer parte de seus sócios, que
eram divididos em três categorias, efetivos, honorários e beneméritos, cidadãos de todas
as nacionalidades, conquanto que fossem “maiores de idade e de bom comportamento”.
Apesar de não fazerem distinção em relação à origem dos sócios, este grupo fazia
distinções quanto à classificação dos mesmos, havendo as três categorias citadas. Esta
“escala social” era comum em grupos de recreação e lazer. No entanto, essa hierarquia
era geralmente rechaçada nas sociedades de esquerda, que pretendiam dar a ideia de
uma horizontalidade nas relações dos sócios e, portanto, optavam por não dividi-los
fazendo classificações. Entretanto, vale ressaltar que o grupo pretendia também manter
o bem estar entre os sócios, pois era proibida “na sociedade qualquer discussão a
respeito da nacionalidade e que não será de acordo com os fins da instituição.”144
Embora não tenhamos encontrado nas fontes muitos indícios que nos indiquem
como se deram as reais atividades desenvolvidas por este grupo ou por quanto tempo ele
permaneceu ativo, sabemos que ele esteve em atividade pelo menos até abril de 1908,
data do seu registro no cartório.
Neste mesmo ano foi fundada ainda outra sociedade recreativa no Brás. Trata-se
da Sociedade Recreativa Centro do Braz. Este grupo também foi criado por italianos no
dia 1º de abril de 1908. Em seu estatuto registra-se o seguinte:

“O fim desta sociedade é de manter entre os associados vivo o amor


para a patria e de dar festejos licitos (sic.), inclusive a dança e outras
que serão de oportunidade. Para alcançar o fim que esta sociedade se
propoe dara (sic.) de vez em quando festejos na sede social, ou em
outro lugar que o conselho diretivo achar conveniente. A sociedade
festejara o dia da sua fundação 1º de abril e os feriados pela nação
brasileira e italiana. A sociedade sendo recreativa não adapta bandeira
especial, mas no caso a tres cores italianas, porém tera (sic.) um
carimbo e um escudo com os dizeres de sodalício.”145

Assim como o Circulo Flor do Braz, esta sociedade, também criada por
italianos, aceitava como sócios cidadãos pertencentes a qualquer nacionalidade, desde
que reconhecidos idôneos pelo conselho, que exigia bom comportamento e idade entre
os quinze e cinquenta anos. Entretanto, a sociedade Centro do Braz, apesar de aberta a
144
Idem.
145
Estatuto da Sociedade Recreativa Centro do Braz. Arquivo Público do Estado de São Paulo. Primeiro
Cartório de Imóveis da Comarca da Capital. Sociedades Civis. Caixa c10399.

68
todos os trabalhadores, parece ter um caráter um pouco mais de compromisso com a
pátria mãe do que o Circulo Flor do Braz. Aquela, além de ser representada pelas cores
da Itália, especifica em seus objetivos a intenção de manter “vivo o amor para a pátria”
e, embora ela não pontue a qual pátria exatamente está se referindo, isto é, Itália ou
Brasil, seu estatuto registrado com “Centro del Braz” e os sobrenomes dos homens que
compõem a primeira diretoria do grupo146 nos leva a crer que esta sociedade pretende
também manter, de certa forma, acesa a cultura italiana entre seus sócios.
Como dissemos acima, embora não tenhamos muitas outras informações a
respeito das dinâmicas destes grupos, o que, infelizmente, limita a nossa análise e
compreensão do papel que desenvolveram frente às classes trabalhadoras, acredito ser
importante registrar neste trabalho a existência e composição destas sociedades, ainda
que de forma pouco desenvolvida, pois, estes espaços foram sem dúvida importantes na
formação dos trabalhadores que deles faziam parte. As culturas e experiências das
classes trabalhadoras em São Paulo não devem ser analisadas unicamente a partir da
participação da classe em sociedades de resistência ou militantes, mas devem ser
buscadas também nos vários outros tipos de grupos e centros que, de uma forma ou de
outra, atenderam aos anseios da classe.
Uassyr de Siqueira constata isso sabiamente ao apontar que “as tentativas de
perceber a experiência da classe através de suas manifestações culturais, privilegiam,
em sua maioria, os núcleos sindicais e políticos que, apesar da sua importância, não
podem ser vistos como as únicas expressões da identidade dos trabalhadores.” 147 Desta
forma, entendemos que a riqueza cultural vivida pelos trabalhadores do Brás deve ser
vista também através das várias outras formas de organização que eles mantiveram e,
que não estavam, necessariamente, ligadas às organizações sindicais, como os clubes
recreativos e as associações esportivas, por exemplo. Ainda que de maneira sucinta, é o
que buscamos também realizar neste estudo. Portanto, por mais que as associações e
círculos recreativos tenham representado uma pequena porcentagem do total de
associações do Brás, sua existência e história não podem ser ofuscadas e, sem dúvida,
merecem atenção maior do que a que pudemos dar a elas neste trabalho.
Temos o conhecimento ainda da criação de uma terceira sociedade recreativa no
Brás, constituída em julho de 1909. Diferentemente das outras duas sociedades

146
Giordano, Biondillo, Iandoli, Pasqua, Vigorito, Penna e De Noce.
147
SIQUEIRA, Uassyr. Clubes e sociedades dos trabalhadores do Bom Retiro: Organização, lutas e la-
zer em um bairro paulistano (1915-1924). Op.cit. Pág. 23.

69
recreativas do bairro, o Édem Clube do Braz não foi fundado por italianos. Esta
sociedade que “tem por fim proporcionar aos associados toda sorte de diversões, como
sejam, jogos de bilhar e outras consideradas lícitas, perante as nossas leis em vigor,
leituras de jornais, livros, revistas, etc. fazer passeios recreativos, pic-nics, dar bailes
familiares e sessões literárias,”148parece ser um pouco diferentes das demais. Ela
também aceitava os sócios sem distinções de nacionalidade, contudo, desde que a
indicação tivesse sido feita por um dos associados.
Além disso, consta no registro desse grupo que “os salões da sede da associação
não poderão ser cedidos para reuniões estranhas ao seu fim.” Isso é algo incomum.
Como observamos, neste período, as sedes de várias sociedades eram compartilhadas e
utilizadas por diferentes grupos, independente de suas finalidades e, às vezes, até
mesmo de suas orientações político-ideológicas. No entanto, o aspecto apresentado pelo
Édem Clube do Braz parece distanciar-se da cooperação entre as classes trabalhadoras.
Não só isso, mas o fato de que para ser sócio deste clube fosse necessária a prévia
indicação de alguém que já é sócio nos dá a entender que este grupo era, talvez, um
pouco mais seletivo na composição de seus membros. Esse processo de admissão dos
sócios também é diferente das outras sociedades que analisamos e mostra-se um tanto
burocrático149.
Reforçando esta ideia, é importante dizer que o presidente da dita sociedade no
período de sua fundação é o sr. Ernesto Goulart Penteado, advogado e pertencente ao
conhecido clã dos Penteados. A sociedade foi reorganizada por deliberação da
assembleia geral realizada em 10 de agosto de 1919 e passa a reger-se pelo novo
estatuto. Não podemos afirmar, contudo, se essa sociedade manteve sua existência
regular até a presente data ou se o grupo encerrou suas atividades em determinado
período e reinaugurou-se apenas em 1919. Acredito que a primeira opção seja a mais
acertada.
Enfim, tudo nos leva a crer que, de fato, o Édem Clube do Braz não é uma
sociedade formada por operários como as que estivemos analisando. Possivelmente este
se trate de um clube mais fechado de sócios que possuem uma relativa abastança

148
Estatuto do Édem Clube do Braz. Arquivo Público do Estado de São Paulo. Primeiro Cartório de Imó-
veis da Comarca da Capital. Sociedades Civis. Caixa c10405.
149
“Apresentada a proposta para admissão de um associado, a Diretoria nomeará uma comissão de sindi -
cância composta de três membros, que dará seu parecer sobre as condições a que se refere o artigo tercei-
ro. A resolução da Diretoria, neste sentido, é irrevogável.”

70
social150. Ao mesmo tempo isso nos parece interessante de observar, pois é revelador da
existência, no Brás, de outras sociedades que não só as de auxílio, sindicais ou
recreativas formadas pelas parcelas menos favorecidas, que são propriamente o foco
desta pesquisa. No entanto, esta constatação vai ao encontro da característica que
defendemos existir no bairro sobre a heterogeneidade do associativismo e da
composição dos trabalhadores. Assim, verificamos cada vez mais neste bairro uma
complexidade dos grupos associativos que surgem para atender aos diferentes interesses
e classes sociais dos moradores.

Sendo assim, no ano de 1906, o periódico O Trabalhador Gráfico enumera a


existência de sete associações de resistência na cidade, são elas: União dos
Trabalhadores Gráficos, União dos Chapeleiros, Liga dos Trabalhadores em
Madeiras, Liga dos Padeiros e anexos, União internacional dos Sapateiros, Federação
Operária de São Paulo e União Operária 151. Havia ainda outras, mas é que este jornal
ocupou-se em dar ênfase às sociedades que se reuniam na sede da Federação Operária
de São Paulo.
A Liga dos Pedreiros, todavia, possuía uma seção exclusiva dos operários do
Brás a qual chamavam de Lega di resistenza fra muratori e affini del rione del Braz,
com sede à rua Caetano Pinto, nº107 (sobrado) daquele bairro. O fato de esta seção ter a
sua denominação no idioma italiano nos leva a crer que trabalhadores dessa
nacionalidade constituíam, se não a maioria, uma parcela significativa desta categoria.
Sabemos também que muitos italianos possuíam ofícios qualificados, como os de
artesão e pedreiro, o que explica a sua marcante participação na liga.
Em agosto de 1908 as seções do “Braz e do Cambucy” da liga possuíam mais de
cem sócios cada e, anunciava-se a constituição de uma nova seção em outra região.
Neste período os operários da liga estavam empenhados nas lutas e agitações pelo
pagamento semanal. Além disso, os trabalhadores desta liga reivindicavam e
fiscalizavam o cumprimento da jornada diária de oito horas de trabalho. 152 Neste
sentido, deu-se um caso digno de nota.

150
Consta também no estatuto do grupo que “das atividades propostas pelos grupos serão convidados ape-
nas as famílias dos sócios”.
151
O Trabalhador Gráfico. Ano II, nº9. Janeiro de 1906, p.3.
152
La Lotta Proletaria. 11/11/1908. p. 4.

71
Atual localidade da Rua Caetano Pinto, nº107, no Brás, antiga
sede da Lega di resistenza fra muratori e affini del rione del
Braz.

No dia 30 de outubro uma comissão de trabalhadores encarregada de fiscalizar o


cumprimento das oito horas de trabalho foi visitar uma obra do engenheiro Paolo
Castellano. Este fez prender vários companheiros pedreiros que, segundo eles, só
queriam fazer respeitar o horário de trabalho, mas o Sr. Castellano achou por bem
mandar prendê-los. Terminado o fato e dada a impossibilidade de diálogo com este
engenheiro, os trabalhadores da liga declararam, por unanimidade, o boicote dos
serviços prestados a este homem. De acordo com La Lotta Proletaria, “nenhum
operário consciente deve andar e trabalhar com esse engenheiro, auto-proclamado
espião e mau pagador!”153 Aqueles dentre os operários que não aderissem ao boicote
seriam considerados traidores e boicotados por seus companheiros.
Pelo que podemos observar na imprensa do período esta liga foi “um dos
sindicatos que mais tem trabalhado pela propaganda”.154 Em um curto período de tempo
ela organizou diversas conferências e uma festa. Buscava também desenvolver uma
153
La Lotta Proletaria. 11/11/1908, p. 4.
154
La Lotta Proletaria. 15/12/1908, p. 4.

72
série de reuniões no bairro do Brás. Apesar de todos os esforços desferidos pelos
militantes da Liga dos Pedreiros para organizar o movimento da classe, o jornal La
Lotta Proletaria faz uma crítica quanto à ineficácia do modelo organizativo escolhido
por este sindicato, isto é, a divisão entre seções de diferentes bairros. O jornal
concordava que os pedreiros, por se tratar de uma classe numerosa, necessitavam de
comitês regionais, mas notavam também que havia diferenças nos comitês de
propaganda das diferentes seções. Desta forma, o periódico argumentava ainda, e com
razão, que boa parte das despesas da liga eram desperdiçadas, pois, gastos em aluguéis,
registros e atividades de militantes que poderiam se limitar a uma única central e não
precisavam ser gastos várias vezes em diferentes seções.
É interessante observarmos que o periódico não tem intenção de fazer uma
crítica para simplesmente deslegitimar ou desestabilizar a liga e suas atividades, mas
pelo contrário, ao lermos as matérias publicadas sobre o assunto fica clara a intenção
construtivista do observado. Segundo o artigo do jornal:

“Neste caso não é preciso fazer dele exemplo, mas demonstrar o erro
da iniciativa, a qual – pensava-se boa – não tem nenhuma vantagem.
Se todo o dinheiro gasto da seção, tivesse sido pago, como no
passado, a uma casa única, acreditamos que teria sido muito mais
vantajoso. Não queremos dizer que a seção tem estado com os braços
cruzados. Um outro inconveniente da seção é que o sócio não
participa mais numeroso como antes às reuniões da central, dizendo
não ser necessário, no momento da deliberação ele vai saber na
reunião da seção.”155

Por fim, é observado ainda, que o erro de criar filiais em bairros, não sabemos
por quais motivos, fez com que se acreditasse por um momento que aquela do Braz
fosse a Liga geral dos Pedreiros. Possivelmente isso tenha ocorrido por se tratar aquela
da mais ativa e numerosa seção da liga. Deste modo, consideramos que os
apontamentos do jornal parecem fazer sentido e buscam o melhor desenvolvimento do
grupo. O conselho último aos operários da liga é que eles construíssem uma casa única,
deixando as seções regionais como grupos de propaganda, alocando caso por caso as
despesas e, que os companheiros continuassem a propagandear a necessidade de união

155
Idem. 15/12/1908, p. 4.

73
da classe, buscando mostrar a seus colegas que se ele trabalha oito horas e é pago, é
tudo fruto da sua organização.
A relevância que a seção Brás da liga possui frente aos trabalhadores,
provavelmente é fruto da sua organização que se esforçava para se reunir todas as
quartas-feiras às 8 horas da noite no bairro. Em fevereiro do ano seguinte (1909), a liga
organizou outra festa de propaganda, para qual foram convocados, peremptoriamente,
todos os trabalhadores da classe. O programa para a ocasião constituiu-se de encenações
teatrais, conferência com conhecido militante sindicalista revolucionário Alceste De
Ambris156 e baile familiar com quermesse durante o intervalo.
Em 1908, o La Lotta Proletaria noticia a existência de mais uma sociedade de
resistência no Brás. Trata-se do Sindicato dos Fundidores157. Localizado à Rua Oriente,
nº16, este grupo deu sinais de bom andamento no período de sua criação. Em festa
ocorrida em sua sede social no mês de dezembro foi verificada a numerosíssima
presença da classe. Nesta reunião, também se verificou a presença de outro atuante
militante da capital, Giulio Sorelli158, que possuindo a palavra fez um animador discurso
a favor dos trabalhadores.159
Segundo a imprensa operária, este sindicato vinha fazendo um sério trabalho de
propaganda que dava bons resultados há algum tempo. Um destes resultados é
diagnosticado pelo número, sempre crescente, de sócios presentes nas assembleias. De
acordo com o periódico “em breve o sindicato estará em condições de recomeçar a luta
para as conquistas que há muito tempo se pretendia.(sic.)” 160 Não pudemos encontrar
nas fontes registros de atividades desta sociedade anteriores às dos anos 1908/09. No
entanto, os termos utilizados pela imprensa para se referir ao grupo, como “recomeçar”
e “ há muito tempo”, nos leva a crer que esta associação já pode ter existido em outros
períodos e dada a atmosfera positiva do período em vigor pôde, apenas nestes anos,
retomar suas atividades na luta por melhores condições à classe.

No final de 1909 acontece uma grande mobilização dos libertários e livres


pensadores da capital que terá estreitas relações e repercussão no bairro do Brás. Trata-
156
Há um importante estudo sobre este militante feito por Edilene Toledo: Travessias Revolucionárias.
Ideias e militantes sindicalistas em São Paulo e na Itália (1890-1945) Campinas, SP: Editora da Uni-
camp, 2004.
157
La Lotta Proletaria 15/12/1908, p.4
158
Sobre Giulio Sorelli: Passim TOLEDO, Edilene. Travessias Revolucionárias. Op.cit.
159
La Lotta Proletaria 15/12/1908, p.4
160
La Lotta Proletaria 1/2/1909.

74
se da criação das Escolas Modernas. Podemos dizer que nunca, durante os anos da
Primeira República, na cidade de São Paulo mobilizaram-se tantos militantes e recursos
em nome de uma experiência educacional como a criação destes estabelecimentos de
ensino.
Na reunião realizada pelos livres-pensadores no dia 17 de novembro, onde estes
compareceram em grande número, ficou resolvida a fundação de uma Escola
racionalista chamada de Escola Moderna que deveria seguir o modelo e programa da
escola fundada em Barcelona pelo grande pensador Francisco Ferrer 161. Após este
encontro ficou constituído um comitê para tratar de organizar conferências e festas em
benefício da escola e, desde então, contaram os fundadores da iniciativa com valiosos
auxílios dos militantes e associações da capital. Dentre as ajudas receberam um terreno
que foi doado a fim de fazer-se dele um sorteio (um tipo de rifa na verdade) em
benefício da escola.
Nos dias posteriores ao lançamento desta iniciativa organizaram-se várias
reuniões para que oradores pudessem expor, em diversas línguas, os fins da Escola
Moderna e o programa de ensino que seria adotado, que se definiu desta forma:

“criar escolas para nelas se ministrar a educação as crianças e adultos


baseada no metodo (sic.) objetivo e racional de ensino, e
consequentemente separada de qualquer noção mistica ou
sobrenatural. Criar bibliotecas e promover conferencias (sic.) de
educação popular. Publicar uma revista pedagógica com o escopo de
propagar o metodo objetivo e racional de ensino entre professorado e
as familias.”162

Como podemos perceber, a Escola Moderna não se trata de um estabelecimento


de ensino comum como os demais da cidade. Esta escola tem como finalidade o ensino
instrutivo, racional e crítico. Voltada aos trabalhadores e, sobretudo, a seus filhos, esta
instituição pregava a emancipação dos seres humanos através do conhecimento e da
razão. Possui, desta forma, uma concepção anarquista de educação que é entendida
como uma educação completa, isto é, constituída pelas várias áreas do saber e
161
Francisco Ferrer y Guardia , foi um educador espanhol fundador do método instrutivo racionalista da
Escola Moderna. Para maiores informações ver LIPIANSKY, Edmon A pedagogia libertária. Tradução:
Plínio Augusto Coêlho. São Paulo: Imaginário: Editora da Universidade Federal do Amazônas, 2007.
Pág. 47.
162
Estatuto da Escola Moderna. Arquivo Público do Estado de São Paulo. Primeiro Cartório de Imóveis
da Comarca da Capital. Sociedades Civis. Caixa c10413.

75
direcionada às classes populares como instrumento de luta e transformação social. Além
disso, o fato de que as reuniões que explicariam ao público as finalidades da escola
serem apresentadas em “diversas línguas” dá a entender o caráter cosmopolita desta
sociedade, que buscava atender aos interesses das classes trabalhadoras no geral,
independente de sua origem étnica, o que constitui também parte fundamental do
pensamento libertário.
O comitê encarregado de levar a cabo o desenvolvimento da escola fez
comunicação com os livres-pensadores de todo o estado, recebendo importantes adesões
de militantes da capital e também do interior. 163 Este comitê ficou encarregado de
sugerir também as modalidades “pelas quais todos aqueles que reconhecerem a
importância moral da renovação dos vigentes sistemas de pretendida educação, poderão
prestar o seu concurso e oferecer o seu óbolo para, custe o que custar, triunfar tão
generosa iniciativa como a da fundação da Escola Moderna.”164 É interessante observar
que os organizadores buscam a iniciativa e auxílio dos próprios militantes competentes
para fazerem parte dos profissionais que podem oferecer e prestar seus serviços à escola
e aos alunos. Além disso, o comitê buscava auxílios dos libertários do estado
aconselhando-os a criarem, em suas regiões, sub-comitês de propaganda, angariar
donativos, promover festas, quermesses, conferências a pagamento e por em circulação
as listas de subscrição que eles mesmo distribuíram aos seus companheiros165.
A finalidade deste comitê que foi constituído em assembleia pode ser enumerada
pelos seguintes pontos:
“1 instalação de uma casa editora de livros escolares e obras
destinadas ao ensino e a educação racionalista e que, conforme os
casos, serão cedidas gratuitamente ou a preço reduzido. 2 aquisição de
um prédio para implantar na cidade de São Paulo o núcleo modelo da
Escola Moderna. 3 procurar professores idôneos para dirigir a dita
escola. 4 auxiliar aquelas que no interior do estado poderão surgir
baseadas nobre as normas do ensino racionalista, normas que
passamos a estabelecer. A Escola Moderna propõem-se libertar a
criança do progressivo envenenamento moral que por meio de um
ensino baseado no misticismo e na bajulação politica, lhe comunica
hoje a escola religiosa ou do governo; - provocar junto o
desenvolvimento da inteligência, a formação do caráter, apoiando toda

163
A Lanterna. 20/11/1909, p.3.
164
A Lanterna. 27/11/1909, p.1.
165
Idem. Ibdem.

76
concepção moral sobre a lei de solidariedade; fazer do mestre um
vulgarizador de verdade adquiridas e livra-lo das preias das
congregações ou do estado, para que sem modo e sem restrições lhe
seja possível ensinar honestamente, não falseando a história e não
escondendo as descobertas científicas.”166

No entanto, apesar de todos os esforços direcionados à realização da iniciativa,


demoraria ainda algum tempo para que a Escola Moderna iniciasse suas atividades. No
ano de 1909, o grupo ainda não possuía um prédio para abrigar a instituição, questão
que só se resolveria em 1913.167 Contudo, especifica-se que as correspondências
relativas à escola deveriam ser enviadas a Leão Aymoré, na Rua Gomes Cardim, nº5, no
Brás. Além disso, quando a sociedade é registrada no cartório em 10 de outubro de
1913, outros dois dos seis militantes que compõem a Comissão Administrativa 168 do
grupo são também moradores do Brás: é o caso de Edgard Leuenroth e Francesco
Gattai169. Isso é em parte demonstrativo da importância que o Brás tem frente à criação
da Escola Moderna que, como veremos, também fixou em determinados períodos de
sua história sede no bairro.
Durante os anos de 1909 e 1910, uma série de sociedades desenvolveram festas
a favor da escola. Em dezembro de 1909, uma festa artística em benefício da Escola
Moderna foi organizada. Nela se apresentaram os grupos dramáticos Pensamento e
ação e Giordano Bruno. Na mesma ocasião, marcou presença o militante anarquista
Oreste Ristori,170que aproveitou o evento para dar uma conferência. Em janeiro de 1910,
por iniciativa do grupo Pensamento e ação, foi realizado no Salão Celso Garcia outra
festa em prol da escola, ainda em projeto.
Mais de um ano se passa sem que encontremos nenhuma informação nas fontes
a respeito do andamento e desenvolvimento da Escola Moderna. Em outubro de 1911,
porém, a comissão lança um esclarecimento que justifica a paralisação de tal projeto. A
comissão diz que as paralisações em suas atividades têm causas diversas e alheias às
166
Idem. Ibdem.
167
A Lanterna. 25/10/1913. Noticia a festa de inauguração das duas Escolas Modernas, ocorrida no salão
Gil Vicente. Após a festa, segundo o jornal, realizou-se uma visita à Escola Moderna II, localizada à Rua
Miller, nº74.
168
A Comissão Administrativa era composta pelos militantes: Antonio Candeias Duarte, Edgard Leuenro-
th, Francesco Gattai, Vitorino Correia, Francisco de Paola e Jose Fans Luna.
169
Desde que veio do interior Leuenroth fixou residência no bairro do Brás. Gattai, por sua vez, segundo
o periódico Palestra Social 26/5/1901, morava à Rua do Gazômetro, nº57.
170
Sobre este militante ver ROMANI, Carlo. Oreste Ristori, uma aventura anarquista. São Paulo: Anna-
blume; Fapesp, 2002.

77
suas vontades, tendo em especial colaborado para isso a falta de tempo dos
companheiros mais ativos da iniciativa. Anunciavam, portanto, o recomeço das “obras”,
publicaram um balancete geral da situação econômica do projeto e deram uma grande
quermesse a favor da escola.
No entanto, é só dali a dois anos em 25 de outubro de 1913 que temos a esperada
notícia: “Realizou-se no domingo, conforme noticiamos, a festa de inauguração das
duas escolas montadas pela Escola Moderna de São Paulo.”171 A noite de inauguração
foi um sucesso e tudo transcorreu dentro da normalidade e, como se esperava

“A concorrência ao salão Congresso Gil Vicente foi regular, saindo


todos favoravelmente impressionados da interessante velada. O
programa por nós anunciado, foi habilmente executado. Falaram, com
geral agrado, os companheiros Florentino de Carvalho, professor da
Escola Moderna n 2, e Leão Almoré, secretário do Comitê da Escola
Moderna. Os pequenos cantaram os hinos escolares e recitaram bem
escolhidas poesias. Realizou-se depois visita á Escola Moderna n 2,
onde ainda falaram o companheiro João Penteado, professor da EM
n1, que com um de seus alunos, deu uma demonstração prática do
ensino da sua escola, fazendo o mesmo Florentino de Carvalho com
dois dos seus alunos. Falaram ainda outros camaradas, terminando a
alegre reunião com os hinos das crianças.”172

Como o previsto não foi criada uma, mas sim duas Escolas Modernas, a nº1 e
nº2. Criadas com a finalidade de atender às demandas das classes trabalhadoras estas
escolas tinham como endereços bairros de grande circulação e presença operária. A
Escola Moderna I no período de sua fundação localizava-se à Rua Saldanha Marinho,
nº58, no bairro do Belenzinho, enquanto que a Escola Moderna II encontrava-se na Rua
Miller, nº 74, no Brás. Entretanto, parece que antes mesmo desta festa de inauguração
das escolas já estava em funcionamento a Escola Moderna II, a do Brás, como também
era conhecida. Afirmamos isso, pois a notícia de seu funcionamento é apresentada n’A
Lanterna de 30 de agosto de 1913.

171
A Lanterna. 25/10/1913.
172
Idem.

78
Localidades atuais dos três endereços que serviram de sede para a Escola Moderna II, a do Brás. Acima
seu primeiro endereço, em 1913, a Rua Miller, nº74. Ao lado o segundo, em 1914, na Rua Oriente, nº66.
E acima e a direita seu último endereço, na Rua Maria Joaquina, nº13, todos no bairro do Brás.

Nesta publicação também são apresentadas as matérias a serem iniciadas,


segundo o alcance de cada aluno, que constavam de “leitura, caligrafia, gramática,
aritmética, geometria, geografia, botânica, zoologia, numerologia, física, química,

79
fisiologia, história, desenho, etc.” Ainda segundo o jornal, na tarefa de educação tentar-
se-á estabelecer relações entre a família e a escola. Os meios para atingir tal objetivo
seriam a realização de pequenos festivais nos quais os alunos recitariam, cantariam e se
realizariam exposições periódicas dos seus trabalhos.
De fato, podemos identificar uma educação marcadamente anarquista presente
nas escolas, tanto em relação às matérias e a autonomia que marcam as relações de
ensino/aprendizagem dos alunos, como no diálogo com as famílias dos mesmos. Deste
modo, as atividades nas duas escolas parecem transcorrer sem maiores preocupações,
exceto pelo fato de que no ano seguinte, em 1914, a Escola Moderna II muda o seu
endereço, ela sai da Rua Miller e se desloca para a Rua Oriente, nº66, ainda no
proletário bairro do Brás173. Infelizmente não sabemos por quais motivos ocorreu esta
mudança e nem a data exata do citado evento. Sabemos, porém, que nesta data a Escola
Moderna do Brás estava em plena atividade com suas aulas ministradas do meio dia às
quinze horas. Por ora, deixemos suas atividades de lado, trataremos novamente das
Escolas Modernas mais a frente, durante os anos de 1917 a 1919.

Apesar de termos adentrado um pouco a década de 1910 neste capítulo com a


história da criação das Escolas Modernas, veremos a seguir como se desenvolveram as
atividades das associações que mostramos terem sido criadas no Brás ao longo da
década de 1900. Isto é, buscaremos analisar através da imprensa operária dos anos de
1910 quais foram os grupos que permaneceram em atividade, quais desapareceram,
quais mudaram seus rumos e programas, quais outros surgiram, etc.
Além disso, tivemos a intenção de mostrar neste capítulo a tendência que
caracterizou o associativismo da cidade e, especialmente, das sociedades do Brás neste
período. Notamos o claro crescimento das sociedades de resistência organizadas por
ofícios. O despertar dos trabalhadores para a organização das classes proletárias foi,
possivelmente, algo inédito até então na cidade de São Paulo. Como veremos, a década
seguinte também é um período de intensas agitações populares, sobretudo a partir de
1917. No entanto, as sociedades de resistência parecem optar por outra via de
organização que não se limita às associações por categorias. Buscaremos então
compreender a que se deve esta nova mudança no associativismo paulista.

173
A Lanterna. 08/10/1914.

80
Capítulo 3 – As associações operárias do Brás na década de
1910: continuidades e rupturas.

Os primeiros anos da década de 1910 foram marcados por uma certa apatia dos
trabalhadores de São Paulo em relação ao movimento operário. Luigi Biondi aponta que
“a retomada da atividade sindicalista de São Paulo em 1912 e 1913, correspondia a um
período de crescimento econômico, mas nunca chegou à intensidade de atividades que a
caracterizaram nos anos anteriores a 1909.”174 De fato, o período de 1909 a 1912 foi
definido como “ de completa letargia” pelos delegados da União Gráfica de São Paulo,
em congresso realizado em 1913.175 Além disso, a pouca participação dos trabalhadores
nas questões operárias do período pode ser identificada também através do pequeno
número de associações que participaram deste II Congresso Operário, realizado no Rio
de Janeiro em setembro de 1913, onde apenas cinco sindicatos e quatro ligas paulistanas
marcaram presença, enviando seus delegados176.
O historiador Sheldon Maram aponta que a repressão contínua da polícia, o
grande número de deportações em 1907 e o desemprego urbano que assolou o Brasil no
ano seguinte afetaram seriamente a vida da classe trabalhadora, fazendo com que o
movimento operário entrasse em declínio nos anos de 1908 a 1912. Segundo o autor:

“Os trabalhadores haviam se desinteressado em tomar parte em


organizações que não lhes trariam benefícios imediatos e tangíveis em
virtude da constante ameaça que pairava sobre o sindicalismo. A
atividade grevista foi interrompida bruscamente.” 177

174
BIONDI, Luigi Classe e Nação. Op. cit. Pág. 284.
175
“Relatórios enviados por associações operárias ao Segundo Congresso Operário Brasileiro”, apud Lui-
gi Biondi, op. cit. Apud Michael Hall e Paulo Sergio Pinheiro A classe operária no Brasil. Vol. I. O mo-
vimento operário. São Paulo. Alfa-Ômega, 1979, p. 153.
176
Idem.
177
MARAM, Sheldon Leslie. Anarquistas, imigrantes e o movimento operário brasileiro, (1890-1920).
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.. Pág. 129.

81
Algo que nos serve de termômetro e nos permite perceber também a diminuição
das atividades sindicais descritas pelos historiadores e pelos trabalhadores do período é
a queda considerável no número de registros, sobretudo, de periódicos operários
naqueles anos, que utilizamos atualmente como fonte de pesquisa. A verdade é que, em
comparação com anos anteriores (1900-1909) e também posteriores (1916-1919), o
número de jornais produzidos e voltados às classes trabalhadoras de São Paulo nesse
intervalo de anos foi bem reduzido. Encontramos um número bastante reduzido de
jornais operários nestes anos e, por conseguinte, nessas fontes, poucas informações
sobre o período, o que indica que houve dificuldades e outros impedimentos durante
esses anos que limitaram a organização operária, tal como suas publicações e atividades
como greves, passeatas, assembleias, comícios, etc.
Perceber o aumento ou a diminuição no número de jornais operários nestes anos
é importante, pois isso é revelador também do momento e da atmosfera vivida pelos
trabalhadores em relação às sociedades operárias, ou seja, a indiferença ou a
efervescência das ações proletárias, no que tange o associativismo, podem ser reveladas
ainda através do número de jornais operários em circulação, pois eles também
representam, antes de qualquer coisa, associações de trabalhadores. O que pretendo
dizer é que podemos observar de maneira clara o aumento no número de jornais
proletários em circulação durantes os anos de maiores agitações trabalhistas, como nos
anos acima citados, da mesma forma que identificamos a ausência ou pelo menos a
diminuição dos jornais operários em circulação durante os anos de refração das
atividades sindicalistas, como é o caso do período de 1910 a 1915.
No entanto, afirmar que o início da década de 1910 foi um período de
esfriamento das atividades dos grupos organizados não quer dizer que essas atividades
tenham inexistido. Primeiro devemos ressaltar que a diminuição das atividades
sindicais, que engloba a fundação de novas associações e suas atividades cotidianas
desenvolvidas pela e para as classes trabalhadoras, ocorreu em relação a períodos
anteriores e posteriores nos quais essas atividades foram bem mais intensas como nos
anos de 1917-1919, por exemplo. Se comparadas a este período que, diga-se de
passagem, foi inédito na história da capital paulista, de fato, verificamos uma queda no
entusiasmo e nas ações das associações.
Além das questões apontadas por Maram, para compreender o decréscimo da
organização operária nestes anos, devemos salientar também que talvez os próprios
trabalhadores tenham feito um balanço negativo do tipo de organização que

82
desenvolveram até então, isto é, a organização sindical baseada na divisão por ofícios.
Argumentamos isso pois nos anos seguintes, onde ocorre uma nova e forte onda de
organização operária na cidade, os trabalhadores optam mais pela organização através
das Ligas de bairro e menos pelos sindicatos de categorias. É certo que muitas
associações de ofícios serão reorganizadas em 1917 e, mais ainda, em 1919. Contudo,
essa nova organização é fruto dos esforços desferidos inicialmente pelas ligas dos
bairros. Como se não bastasse, é importante destacar ainda que no início da década de
1910, segundo Maram, as bases do movimento operário ainda eram frágeis. Apesar da
crescente adesão dos trabalhadores a seus sindicatos desde o início do século, a maioria
da classe operária permaneceu, efetivamente, ainda fora das organizações de
trabalhadores. Fosse por medo da repressão, do desemprego ou mesmo pela tarefa mais
urgente de conseguir o sustento diário, vários trabalhadores optaram pela neutralidade
nas lutas sociais, o que também colaborou para debilitar a organização da classe na
capital.
Contudo, é importante ressaltar que falamos de uma diminuição das atividades e
do surgimento de novos grupos e não de uma completa paralisação do associativismo
em São Paulo. Biondi demonstra mais uma vez que nos anos de 1911, 1912 e 1913
ocorreram greves no setor das construções na capital. Além disso, o autor destaca a
greve de trabalhadores realizada em 1912 que paralisou cerca de 10 mil trabalhadores
na cidade178. Todavia, essas ações não tiveram grande visibilidade e, portanto, não
serviram para despertar o proletariado da inércia em que ele se encontrava e criar bases
e laços mais fortes e estáveis que possibilitassem o fortalecimento do associativismo.
Estes eventos causaram, segundo o autor, um entusiasmo temporário e, quiçá, algumas
poucas melhorias à classe.
No bairro do Brás, presenciamos também um quadro parecido ao dos demais
espaços da capital paulista do período. A única sociedade do bairro que registra estatuto
nesta década, além daquelas que surgirão em 1919, é a Sociedade Cooperativa e
Beneficente do Braz. Fundado em maio de 1911, este grupo tinha número ilimitado de
sócios e seus fins eram a “beneficência e o fornecimento de gêneros alimentícios e
outros de economia doméstica aos seus associados”179. Como esta era uma sociedade
178
BIONDI, Luigi. Op.cit. Pág. 285.
179
Estatuto da Sociedade Cooperativa e Beneficente do Braz. Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Primeiro Cartório de Imóveis da Comarca da Capital. Sociedades Civis. Caixa c10409. Na ocasião de sua
fundação a diretoria era composta por: Manuel Vieira (Presidente); o cargo de vice-presidente estava
vago; Leonel Luiz Evans (1º secretário); Manuel Luiz de Carvalho (2º secretário); José da Motta (tesou -
reiro) e Emilio Peres (procurador).

83
beneficente, ela tinha o compromisso de cobrar dos sócios o valor de apenas 10% a mais
na mercadoria do que o valor de produção. Os lucros adquiridos sobre a venda das
mercadorias aos sócios eram destinados a auxiliar as despesas dos empregados e de
outros associados que necessitassem. Os associados deveriam pagar a quantia de 2$000
(dois mil réis) mensais, sendo isentos quando em período de desemprego ou doença180.
Além disso, era objetivo deste grupo também fundar algum tipo de indústria que
garantisse trabalho aos sócios desempregados, para que tivessem ocupação. Observando
o interesse social, a sociedade pretendia ainda criar escolas noturnas para os sócios e
seus filhos, fundar bibliotecas e promover conferências de instrução. Como vimos na
maioria das sociedades beneficentes, este grupo também não fazia distinção por
nacionalidade, ofício, religião ou inclinação política, aceitando todos “os indivíduos de
boa índole” como sócios. Entretanto, diferente das sociedades que vimos até aqui, esta
especifica em seu estatuto que poderiam fazer parte da associação as senhoras
autorizadas por seus maridos e os menores, por seus pais ou tutores. No entanto, a
participação destes indivíduos (mulheres e crianças) era limitada dentro do grupo, pois
“no gozo de seus direitos sociais, não terão permissão de votarem e nem serem
votados”.181
É importante observarmos como estes dois grupos sociais, as mulheres e as
crianças, que representavam boa parte dos trabalhadores do período, especialmente, no
setor têxtil da indústria182, são neste caso excluídos, quase que “naturalmente”, do
processo de organização social dos trabalhadores. As outras sociedades de que tratamos
anteriormente não especificaram em seus estatutos a situação das mulheres, o que nos
leva a crer que, felizmente, a maioria das associações beneficentes e sindicais não
impediam a participação feminina, ou, ao contrário, consideravam essa proibição tão
óbvia a ponto de calar sobre ela e manter excluído de suas fileiras o elemento feminino?
Neste sentido, observando os nomes assinados nos registros dessas sociedades,
constatamos a inexistência completa de sujeitos femininos figurando entre os
fundadores e/ou diretoria das sociedades mutualistas e sindicais. Da mesma forma,

180
Idem.
181
Idem.
182
Segundo Sheldon Maram, o maior grupo de operários industriais do Brasil estava na indústria têxtil.
As mulheres e crianças, principais componentes da força de trabalho têxtil (pois eram os preferidos pelos
industriais por sua maior docilidade e custos mais baixos), eram quem mais temia a repressão policial,
coisa que não intimidava tanto os homens operários da construção e das docas. Isso acabava limitando a
ação sindical do setor têxtil, que apesar do quadro descrito esteve à frente de importantes greves e vitórias
para o movimento operário de São Paulo.

84
percebemos que tanto as associações militantes quanto as beneficentes tinham também
restrições quanto à participação das crianças e menores entre seus sócios exigindo,
geralmente, idade maior que quatorze ou quinze anos.
No entanto, existiram na capital associações que representavam e eram voltadas
ao elemento feminino. Uma delas é a Associação Instrutora da Juventude Feminina,
fundada no início de 1907. Esta sociedade localizava-se à Rua Caio Prado, nº 232 e
tinha como finalidade proporcionar à juventude feminina uma sólida “instrução moral,
literária e científica”. Este é um dos poucos grupos que possuía apenas mulheres na
diretoria e como sócias fundadoras.183
Uma outra sociedade composta unicamente por mulheres foi formada no Brás
em novembro 1917. Trata-se do Centro Feminino de Educação Jovens Idealistas. Com
sede à Rua Brigadeiro Machado, nº 47. Este grupo tinha como finalidade a instrução das
mulheres daquele bairro. Não possuímos, contudo, informações que nos possibilitem
percorrer a trajetória deste grupo feminino, isto é, duração da sociedade, programa, etc.
Mesmo assim, vale salientar a criação desta sociedade no populoso Brás em um período
de forte crescimento e organização das sociedades de resistência. Possivelmente o
Centro Feminino Jovens Idealistas era uma sociedade de resistência que tinha como
intuito a emancipação social, sobretudo das mulheres, através da instrução racional de
suas componentes.
No entanto, duas autoras nos fornecem algumas informações sobre a atuação
desta sociedade. Christina Roquette Lopreato demonstra a importância da militância
feminina na capital, em especial no pós-greve de 1917, quando o Centro Feminino
Jovens Idealistas lançou um “manifesto ao trabalhador”, em 21 de setembro de 1917, no
qual, segundo a autora, as militantes fizeram um caloroso apelo aos trabalhadores de
São Paulo, afim de que eles permanecessem unidos apesar da forte repressão que foi
instaurada contra o movimento operário no período. 184 Além disso, Samanta Colhado
Mendes também faz referência a esta associação ao apontar que: “O Centro Feminino
de Jovens Idealistas organizou inúmeras festas e festivais onde foram representadas
peças como “O Pecado de Simonia”, de Neno Vasco, em fins da década de 10 e por
toda a década de 20 do século XX.”185 Apesar de poucas e dispersas informações sobre
este grupo feminino do Brás, podemos notar que suas ações não passaram despercebidas
183
Estatuto da Associação Instrutora da Juventude Feminina. Arquivo Público do Estado de São Paulo.
Primeiro Cartório de Imóveis da Comarca da Capital. Sociedades Civis. Caixa c10397.
184
LOPREATO, Christina Roquette. O espirito da revolta: a greve geral anarquista de 1917. Op.cit. pág.
169.

85
e, certamente, contribuíram para o fortalecimento e organização das classes
trabalhadoras, além de representar com propriedade o papel desenvolvido pelas
mulheres neste processo.

Da articulação à ação

Algumas das sociedades de resistência que vimos terem sido criadas no Brás no
início do século XX já não estavam em atividade na década seguinte. É o caso, por
exemplo, do periódico O Livre Pensador, do Sindicato dos Fundidores, da Liga dos
Trabalhadores em Madeira e também das Escolas Modernas que tiveram suas
atividades suspensas por alguns anos. No entanto, a partir do final de 1916 as agitações
populares tomam forma novamente na cidade. Assim, podemos dizer que São Paulo
presencia um novo momento do associativismo operário.
Há algumas interpretações que buscam entender como e por que em poucos anos
o movimento operário organizado em São Paulo deu um salto significativo, passando de
um período de relativa inércia para um momento de efervescência e grande mobilização
e organização das classes trabalhadoras como nunca antes visto na história da Primeira
República. A historiadora Cristina Campos retoma algumas questões relativas à
Primeira Guerra Mundial para explicar este fenômeno não só em São Paulo, mas
também na capital federal do período. 186
A autora acredita que os impactos da Guerra na economia brasileira foram
fatores importantes para compreender a ascensão do movimento operário nos anos
posteriores. Segundo a tese do processo de substituição de importações ocorrido durante
os anos de guerra, houve um aumento significativo da produção na indústria nacional.
Esta expansão industrial significou para os trabalhadores a intensificação dos ritmos de
trabalho através do aumento das jornadas de trabalho, sobretudo, na indústria têxtil e
metalúrgica. Contudo, o aumento de produção não foi transferido para os trabalhadores
em forma de aumentos salariais reais, pelo contrário, os salários quando não caíam,
congelavam, diferentemente da inflação que crescia ano a ano. Desta forma, os reflexos

185
MENDES, Samanta Colhado. As mulheres anarquistas na cidade de São Paulo (1889-
1930). Franca: Unesp, 2010. Dissertação de mestrado, pág. 231.
186
CAMPOS, Cristina Hebling. “O sonhador libertário. Movimento operário nos anos de 1917 a 1921.”
Campinas: Editora Unicamp, 1988.

86
sentidos pelas classes trabalhadoras foram a carestia de vida, especialmente dos gêneros
de primeira necessidade e exploração da sua mão-de-obra.187
Segundo a autora, a pauperização das classes populares decorrente do quadro
descrito será uma das chaves para o entendimento do movimento grevista de 1917. Por
outro lado, Cristina Campos pondera inteligentemente que os fatores estruturais por si
só não servem de explicação aos eventos ocorridos e que “crise econômica e miséria
não podem ser considerados como motores privilegiados da história social” 188. Portanto,
a seu ver, antes de mais nada, foi a crença na potencialidade revolucionária da classe
operária que caracterizou estes anos, que foram os de maior nível mobilizatório já
presenciado até então.
Da mesma forma, o historiador Angelo Trento atribui aos trabalhadores,
principalmente aos imigrantes, a vanguarda dos acontecimentos ocorridos no período de
1917 a 1920. De acordo com o autor, neste período a atitude do imigrante em relação às
lutas operárias e a sua ótica em relação ao Brasil já não eram a mesma de alguns anos
atrás. Em suas palavras:
“Essa mudança de atitude estava estritamente ligada à aceitação do
Brasil como residência definitiva por parte da emigração mais antiga,
à diminuta consistência numérica da mais recente e ao colapso de
oportunidades de mobilidade vertical determinado pelo longo período
de salários de pura subsistência.”189

Sendo assim, muitos imigrantes há tempos haviam perdido o sonho de


enriquecer e voltar à sua nação e assumiram, desta forma, uma postura mais
compromissada com as questões sociais da cidade que interferiam diretamente em suas
vidas. De acordo com o militante Gigi Damiani, os emigrantes “formavam família, se
nacionalizavam e, perdida qualquer esperança de voltar à pátria, começavam a
preocupar-se seriamente com suas condições de salário e de vida na que ia se tornando,
187
Idem. Pág. 39. No entanto, é importante ressaltar também que há debates que questionam os impactos
da Primeira Guerra Mundial na economia nacional. Alguns economistas como Caio Prado e Fernando
Henrique Cardoso, baseados nas ideias de Roberto Simonsen, acreditam que “a guerra acelerou o desen-
volvimento econômico nacional à medida que provocou grande diversificação na manufatura de novos
produtos”. Contudo, Warren Dean argumenta que o período de crescimento econômico que o Brasil pas-
sou durante a guerra estava mais ligado ao desenvolvimento do setor de exportação e ao aumento das jor-
nadas de trabalho, do que propriamente à evolução da indústria nacional, que segundo Dean, teve a ampli-
ação de sua capacidade produtiva limitada pelo conflito. Apud DEAN, Warren. A industrialização de São
Paulo. Op.cit. Pág. 97.
188
Idem. Pág. 40.
189
TRENTO, Angelo. Do outro lado do Atlântico: um século de imigração italiana no Brasil. Op.cit.
Pág. 240.

87
por força das circunstâncias, sua nova pátria.”190 Se somarmos a isto o constante
aumento do custo de vida, a baixa qualidade dos gêneros de primeira necessidade que
eram obrigadas a consumir as classes trabalhadoras paulistas, o rígido controle dos
salários e o caráter massivo que toma conta das aspirações sociais podemos
compreender um pouco melhor o porque dos rumos e da magnitude das ações e da
organização das classes trabalhadores na segunda metade da década de 1910. Vejamos,
portanto, de que forma configurou-se este crescimento na organização operária e as
relações deste processo com o associativismo de São Paulo e, especialmente, do Brás.
Se por um lado dissemos que algumas associações deixaram de existir no início
da década de 1910 por dificuldades várias, por outro constatamos poucos anos depois o
surgimento de diversos grupos de resistência antes desorganizados ou inativos. A
atmosfera positiva do período em questão estimulou a organização de várias associações
sindicais e o auxílio entre elas. Em 1915, por exemplo, o jornalista Nereu Rangel
Pestana fundou o periódico O Combate. A sede e a redação do jornal encontrava-se à
Av. Rangel Pestana, nº 246, no Brás. Este periódico é um representante das classes
pobres, pois expressa a defesa destas classes e marca uma forte oposição ao governo,
especialmente, no que tange as políticas para as classes trabalhadoras. Nereu permanece
à frente do periódico até o ano de 1925, quando seu irmão Ludolfo assume sua direção.
Desta forma, a folha perde o seu caráter crítico e de denúncia contra o governo, a
burguesia e o sistema capitalista como um todo que mantivera até então. Em 1930, com
a saída de Ludolfo, o jornal é arrendado para o Partido Republicano e torna-se o porta-
voz de suas ideias191.
O surgimento de O Combate e outros jornais operários marca, em certa medida,
um novo período em relação ao associativismo em São Paulo. Através da leitura destes
periódicos como O Combate e o Guerra Sociale identificamos um certo clima de
agitação das sociedades operárias. Segundo Campos, a mobilização deste período é
marcada pela forte atuação dos militantes anarquistas que sobreviveram aos duros
tempos de depressão da organização trabalhadora e agora estavam organizados em torno
dos grupos/jornais Guerra Sociale, A Lanterna, Sem Pátria, Centro Libertário,
Sociedade de Cultura Racionalista, dentre outros192. De acordo com a autora, estes
190
DAMIANI, G. I Paesi nei Quali Non si Deve Emigrare. La Questione Sociale nel Brasile, Milano,
Umanità Nuova, 1920. Apud TRENTO, Angelo. Op.cit. Pág. 240.
191
Sobre O Combate ver o artigo de BALSALOBRE, Sabrina. R. G. A história de São Paulo no ano de
1918 pelo olhar do jornalismo militante: uma análise dos gêneros textuais de O Combate . Unesp. Arara-
quara.
192
CAMPOS, Cristina Hebling. O sonhar libertário. Op.cit. Pág 41.

88
grupos uniram seus esforços e convergiram para a criação, em setembro de 1916, da
Aliança Anarquista, associação que reunia cerca de trinta grupos e militantes libertários
do estado de São Paulo.
A Plebe de 23 de junho de 1917 publica uma lista de subscrição com o nome de
trinta e sete militantes193 que contribuíram para que o manifesto da Aliança Anarquista
fosse publicado na seção livre d’O Estado de São Paulo. Nesta ocasião A Plebe publica
também o dito manifesto. Seu conteúdo descreve o compromisso que os anarquistas
tinham em relação às classes trabalhadoras e à sua emancipação, expondo os pontos
centrais e importantes da doutrina anarquista e se opondo convictamente à guerra em
curso naquele ano e a intervenção do Brasil no conflito. O repúdio à guerra e a
reafirmação dos ideais libertários é expresso desta maneira no manifesto:

“Reafirmamos portanto a nossa aversão a uma guerra que é de povos


porque são os povos que a fazem, mas que não é em parte nenhuma
empreendida (sic.) no interesse do povo nem para o povo. Todas as
invocações feitas pelos beligerantes á justiça, á fraternidade e ao
direito para se justificarem, não nos comovem (sic.) nem abalam, pois
sabemos que pretextos tão sympaticos ocultam (sic) toda a avidez
política e econômica dos Estados e das classes privilegiadas.”

Podemos identificar, mais uma vez, as insatisfações das classes trabalhadoras,


sobretudo dos anarquistas, com o comprometimento do Brasil na guerra e os reflexos
deste conflito no cotidiano das classes pobres, não por coincidência a mais afetada neste
contexto social. Além disso, nos meses de maio e junho de 1917 o Comitê popular de
agitação contra a exploração dos menores operários, grupo que conseguiu manter-se
em atividade desde os anos iniciais da guerra, desenvolveu uma série de reuniões em
diferentes bairros da capital a fim de organizar neles as ligas operárias, que unidas
deveriam reconstituir a União Geral dos Trabalhadores. É neste momento, o de
construção das ligas operárias de bairro, que a organização dos trabalhadores toma,
verdadeiramente, nova forma na cidade.

193
Foram eles: J. Moreno, F. Aroca, P. Lopez, A. Moraes, J. Otero, R. Felipe, Cleto Trombelli, Silvio An -
tonelli, Angelo Canessa, Pietro Alflero, Edgard Leuenroth, Egistro Colli, Cesar Bellaghini, F. Sipetz, C.
Clutti, Pereira da Silva, Bernardo Amaro, Alliança Anarchista, P. Escudelário, Meyer Feldemann, E. Bri-
to, João Mantovanni, P. Arches, José Prot, Antonio Abranelles, V. Corrêa, Antonio M. Corrêa, Serefaim
Scansoni, Ulisses Gragnani, Victorio Grapelli, G.B., Fioro, R., P. Tugnoli, A. Sante, Victorio B. S., Fre-
derico Bellatoni.

89
A formação das ligas operárias representa também um momento inédito no
associativismo paulista. Como pudemos observar nos anos anteriores, a organização
trabalhadora foi pautada na constituição de sindicatos ou sociedades que eram divididas
por categorias ou ofícios. Diferentemente do que vimos até aqui, em meados de 1917 a
vanguarda da organização operária esforça-se por constituir as novas sociedades de
resistência em ligas operárias nos bairros de maior concentração das classes
trabalhadoras. Não podemos ter certeza ao explicar o porquê os operários neste período
optaram pela organização de caráter geral, isto é, sem a separação por categorias e local,
nos bairros proletários, no entanto, devemos apontar e discutir alguns fatores que
contribuíram para este tipo de organização dos trabalhadores.
Devido ao decréscimo que passou o associativismo na cidade nos anos anteriores
a 1917 somos levados a crer que os militantes que participaram do movimento operário
paulista nesta e na década anterior estivessem, em certa medida, desapontados com os
resultados obtidos pelas associações organizadas por categorias. De fato a organização
por ofício ao mesmo tempo em que unia os trabalhadores de determinado segmento ou
ramo acaba por limitar suas ações, atividades e reivindicações unicamente aos
trabalhadores pertencentes àquela categoria. Por exemplo, por maiores esforços e
conquistas que tenham empreendido a União dos Canteiros e o Sindicato dos
Chapeleiros, que se configuram entre as mais antigas sociedades de resistência de São
Paulo, as lutas, vitórias e derrotas destes trabalhadores, de certa forma, dizem respeito
exclusivamente às suas respectivas classes. Em momentos de greves, dificuldades ou
mobilizações destas categorias, é possível que inúmeros outros operários não tenham se
mobilizado em solidariedade a seus companheiros por não pertencerem às classes dos
canteiros ou chapeleiros. Neste sentido, a separação por categorias é também, sem
dúvida, algo que em alguns momentos pode ter causado a desunião das classes
trabalhadoras de São Paulo.
Além disso, como sabemos, os anarquistas estiveram participando ativamente à
frente do processo de formação das ligas operárias e a constituição destas ligas por
bairros demonstra claramente essa atuação, bem como apresenta uma proposta
libertária. Os anarquistas sempre chamaram a atenção para a união das classes
trabalhadoras e, mais do que isso, dos explorados como um todo independente de seu
ofício, etnia ou sexo. A emancipação social da qual falam os libertários não deveria ser
obra desta ou daquela categoria, mas sim da união dos povos conscientes e organizados
contra a classe que os oprime e lucra com os seus esforços, ou seja, a burguesia. Em

90
reunião realizada pela Liga Operária da Mooca, os militantes expressam o seu caráter
libertário ao insistir que “a organização trabalhadora só atenderá às necessidades da
classe, ou seja, sua emancipação, se não tender para a luta das pequenas e nulas
necessidades imediatas e sim se se concentrar nos trabalhos com a finalidade de
conduzir a classe à Revolução Social.”194
As ligas de bairros funcionavam desta forma: os trabalhadores que aderissem a
tais ligas seriam vistos como trabalhadores daquele bairro e menos classificado pelo seu
ofício como um pedreiro, sapateiro, tecelão ou gráfico. Além disso, as duríssimas
condições de vida das classes trabalhadoras em São Paulo não eram especificidades
deste ou daquele ramo de trabalho, mas sim dos trabalhadores como um todo. Ainda que
algumas categorias tivessem piores condições de trabalho, salários mais baixos e fossem
menos especializadas do que outras, o que diminui também o seu poder de negociação
com os patrões e o Estado, os males sociais do período, que já apontamos, como a
carestia de vida, as restrições organizativas, longas jornadas de trabalho, a violência
policial, o livre arbítrio dos patrões e do governo, as falsificações dos alimentos, dentre
vários outros, era algo que assombrava a vida de praticamente todos os trabalhadores de
São Paulo neste período. Sendo assim, a divisão das sociedades de resistência por
categorias poderia não ser prática e até dificultar a união dos trabalhadores, visto que as
reclamações e aspirações de mudanças sociais deles eram basicamente as mesmas.
Desta maneira, a primeira liga operária a ser criada foi a Liga Operária da
Mooca. Sua fundação ocorreu em meados de maio a partir da greve realizada pelos
tecelões das indústrias de Rodolfo Crespi195. A sede desta liga estava à Rua da Mooca,
nº 292b e, até o dia 16 de junho, ela recebeu a adesão de cerca de seiscentos operários
de ambos os sexos.196 A greve declarada na seção II do Cotonifíco Crespi seguiu em
curso e, segundo A Plebe, ocorrem várias tentativas da polícia, a mando de Crespi, para
reprimir os trabalhadores fazendo-os voltar ao trabalho. No entanto, eles permaneceram
firmes frente às pressões e se reuniram com frequência diária na Liga, da qual faziam
parte boa parcela dos operários do Cotonifício. Após esta vitoriosa paralisação na seção
de tecelagem, parou-se também outra seção do Cotonifício, os operários aguardaram
negociações com a direção da fábrica que apesar disso tentou apenas dar um mísero

194
A Plebe. 23/06/1917, p. 3.
195
CAMPOS. Cristina Hebling. Op.cit. Pág. 43.
196
A Plebe. 23/06/1917, p.3.

91
aumento para uma parcela dos grevistas, com a finalidade de dividi-los, o que feliz e
conscientemente não aconteceu.197
No mesmo período, foram suspensas ainda as atividades na fábrica “Labor”,
localizada também na Mooca. Contudo, esta greve foi mais curta, pois logo as
atividades foram retomadas visto que os trabalhadores receberam o aumento de 15% em
seus salários. Apesar da curta paralisação e da vitória dos operários A Plebe registra,
porém, que talvez a maior vitória desta paralisação foi o contato dos trabalhadores desta
fábrica com a Liga Operária da Mooca, na qual tomaram parte como sócios vários
trabalhadores.198
No mês seguinte, continuaram ativas as reuniões e assembleias na liga para se
discutir os rumos das paralisações e as melhores formas de propaganda para o
movimento. Assim, noticia-se que “também as operárias já concorrem àquela sede,
dando com isso a prova de que até as mulheres vão se interessando pela causa da
libertação dos escravos modernos”199. Isso nos leva a crer que a participação feminina
dentro das sociedades de resistência não era tão comum, especialmente anos antes, mas
pelo que podemos verificar nas fontes é crescente a participação das mulheres nas ligas
de bairros. Pode ser que neste ambiente as mulheres sentiam-se mais confortáveis e
fortes, numericamente falando, para expor suas ideias e ações ao movimento
organizado. É importante ressaltarmos que muitos dos aderentes à Liga Operária da
Mooca eram tecelões e dentre estes há a forte presença feminina, ao mesmo tempo, a
presença das mulheres se faz perceber também em outros bairros. Tudo leva a crer que a
adesão de algumas operárias às ligas pode ter incentivado outras companheiras a seguir
o mesmo exemplo, e isso contribuiu para aumentar a expressão numérica das mulheres
dentro das ligas.
Após a greve geral ocorrida em São Paulo em julho de 1917 as ligas já
constituídas200, que foram fechadas durante os dias de repressão ao movimento,
reabriram e diversas outras foram fundadas: é o caso das Ligas do Ipiranga, da Vila
Mariana, do Bom Retiro, de Santana e a do Braz 201. Esta última foi criada no dia 6 de
197
A Plebe. 30/06/1917, p.3.
198
A Plebe. 30/06/1917, p.3.
199
A Plebe. 11/08/1917, p.3.
200
No período anterior à greve maio/junho foram criadas as Ligas da Mooca, do Belenzinho, da Lapa e
Água Branca e a do Cambucy. LOPREATO, Christina Roquette, O espirito da Revolta. Op.cit. e A Plebe.
23/06/1917, p. 3.
201
As Ligas Operárias do Cambucy e do Ypiranga foram criadas no dia 11/08 e as Ligas Operárias do
Bom Retiro e Vila Mariana foram fundadas no dia 18/08, segundo A Plebe, 11/08/1917, p.3. e
18/08/1917, p.3.

92
agosto de 1917 e a sua sede, inaugurada apenas dali a seis dias, localizou-se na Rua
Joly, nº125. Na data de inauguração da liga, 12 de agosto (domingo), os militantes da
Liga Operária do Braz anunciam uma festa de propaganda a se realizar no salão
“Almeida Garrett”. Nesta ocasião a liga já contava com a participação de mais de
oitocentos sócios.202 No mesmo local, no dia seguinte, realizou-se ainda uma reunião
dos tecelões das fábricas “Mariângela” e da “Juta”, ambas localizadas no Brás.203
No dia 25 de agosto, foi efetuada nova assembleia na Liga Operária do Braz
que, aparentemente, não ocorreu dentro da normalidade esperada. Segundo os militantes
d’A Plebe, as atividades neste dia ocorreram de forma desajeitada fazendo com que boa
parte dos presentes saísse de lá insatisfeita. A Plebe aproveita o fato para fazer uma
crítica ao ocorrido, lembrando os companheiros da Liga do Braz que as reuniões
deveriam ocorrer na melhor ordem possível, evitando-se as discussões prolongadas, nas
quais quem fala muitas vezes nada mais faz do que repetir coisas já fartamente ditas por
outros. Infelizmente desconhecemos o caráter e o conteúdo destas discussões que
geraram tais redundâncias. Entretanto, A Plebe que, como vimos, é uma continuação do
periódico A Lanterna, por encontrar-se há muitos anos nas lutas sindicais de São Paulo
e possuir em seu seio a participação de militantes antigos e experientes no movimento
operário sente a necessidade, quase que a obrigação, de auxiliar os companheiros em
luta para o melhor andamento de suas atividades e continua orientando os militantes da
Liga Operária do Braz da seguinte forma:

“Todos devem se esforçar para que isso não se repita [...] com um
pouco de boa vontade, não é difícil conseguir tornar as assembleias
valiosas elementos de educação sindical. As reuniões são tanto mais
proveitosas, quanto mais rapidamente se decidem as questões postas
em discussão.”204

No domingo seguinte dia 2, realizaram-se duas reuniões de propaganda na sede


da Liga Operária do Braz, uma às 9h que teve a finalidade de atrair os tecelões da
região e a segunda às 14h onde foram convidados especialmente os operários das
fábricas de tecidos “Mariângela” e “Sant’Anna”. As duas assembleias foram realizadas
com sucesso e estiveram muito concorridas em número de participantes e animadas nas

202
A Plebe. 18/08/1907, p. 3.
203
A Plebe. 18/08/1907, p. 3.
204
A Plebe. 01/09/1917, p. 3.

93
discussões. No encontro da manhã foram discutidas questões referentes aos operários da
tecelagem de seda “Ítalo-brasileira”. A reunião da tarde ocorreu com um número grande
de operários dessas fábricas que contribuíram fortemente com a sua adesão à liga.205

Atual localidade da Rua Joly, nº125, no Brás, antigo endereço da Liga


Operária do Braz.

Através da descrição que trazem jornais operários sobre as atividades realizadas


pela Liga Operária do Braz, podemos perceber que este grupo teve uma vida intensa
nos primeiros meses de seu funcionamento. Pelo que podemos notar, esta sociedade se
empenhou fortemente na construção de bases sólidas para a organização dos operários
daquele bairro. Os esforços realizados pela liga se traduzem no número de assembleias e
reuniões que ela convocou com o intuito de despertar, orientar e organizar outros
trabalhadores ainda dispersos para a conquista de seus anseios. Não obstante, é
importante observarmos que esta liga além de desenvolver suas atividades, mantém
ainda o contato e relaciona-se com outras sociedades de resistência buscando o auxílio,
a cooperação e a união das classes trabalhadoras através do intercâmbio e colaboração
entre diferentes sociedades. Podemos identificar parte disso quando A Plebe publica um
agradecimento à Liga Operária do Braz por ter contribuído com o periódico com a
quantia de 25$000. O jornal agradece reconhecidíssimo a ação afirmando que o fato era
demonstrativo do alto espírito de solidariedade que animava os companheiros daquela
organização206.
205
Idem. 08/09/1917.p.3.
206
A Plebe. 21/10/1917, p. 3.

94
Além disso, é interessante notarmos também a proximidade física existente entre
a Liga Operária do Braz e a Liga Operária da Mooca, duas das mais atuantes ligas de
resistência da capital. Havia uma distância relativamente pequena entre as sedes destas
duas associações, a primeira localizada na Rua Joly, no Brás e a segunda na Rua da
Mooca, na Mooca. É possível que dada a pouca distância que separava estes grupos
(cerca de 2,5 km) estas sociedades mantivessem laços de solidariedade em suas
atividades e programas. Não encontramos nas fontes nenhuma informação que de fato
nos revele esta aproximação, mas sabemos que a Liga Operária da Mooca realizou,
mais do que uma vez, ações no bairro do Brás, como por exemplo, o comício
organizado por esta associação no Largo da Concórdia, coração do Brás, no dia 10 de
junho de 1917 em solidariedade aos trabalhadores do Rio de Janeiro 207. Sem dúvida,
este comício realizado pelos trabalhadores da Mooca no Brás teve a participação
significativa dos trabalhadores deste bairro. Isso nos parece interessante, pois é
revelador da circulação existente de ideias e militantes nos diversos pontos da cidade
que, apesar de pertencerem a este ou àquele grupo, estavam aptos e prontos a colaborar
no fortalecimento das associações de seus companheiros.
Em outubro de 1917, houve nova agitação no bairro do Brás com a greve que foi
chamada de “greve das cento e vinte operárias”. Nesta ocasião, foram as mulheres de
uma das seções da fábrica “Mariângela” que declararam greve exigindo melhorias nas
condições de trabalho. Entretanto, o desfecho deste evento não foi favorável à causa das
trabalhadoras. Após a greve A Plebe publicou o seguinte comentário:

“A greve das 120 operárias de uma das secções da fábrica de tecidos


Mariângela terminou sem que as grevistas tivessem conseguido
algumas melhorias, visto que não souberam querer. Aprendam agora
as companheiras do Braz que não basta querer uma coisa. É preciso
saber quere-lá (sic.) e empregar os meios para o seu conseguimento,
custe o que custar.”208

Não é possível saber exatamente o porquê do insucesso desta greve, no entanto,


é provável, de acordo com o comentário duro feito pelo periódico, que as operárias não
tenham se preparado para entrar em greve e por isso o movimento não se sustentou por
muito tempo. As palavras d’A Plebe dão a entender que houve, mais uma vez, falta de

207
Idem. 23/06/1917, p. 3.
208
Idem. 21/10/1917.

95
organização e perseverança das trabalhadoras que logo tiveram que retomar suas
atividades sem, contudo, alcançar os benefícios esperados. Além disso, não pudemos
saber também se estas operárias em greve faziam parte da Liga Operária do Braz, mas é
provável que não. A opção das cento e vinte trabalhadoras ao entrar em greve pode ter
sido uma atitude isolada, visto que se pertencessem à liga possivelmente conseguiriam o
apoio de outras companheiras da fábrica e mesmo do bairro, o que daria maior
visibilidade e força ao movimento iniciado por aquelas mulheres.
Por outro lado, a greve das cento e vinte operárias, apesar de não ter atingido o
sucesso esperado, não deve ser visto apenas como uma ação fracassada. O fato de estas
operárias terem entrado em greve sem o apoio ou a participação de um grupo já
organizado é demonstrativo também da capacidade de mobilização que algumas
minorias, em especial as mulheres, tiveram fora de associações já constituídas. Além
disso, este fato serve para por em xeque a arraigada concepção de docilidade das
mulheres e crianças dentro do movimento operário.
O fato é que a Liga Operária do Braz, assim como as outras ligas de bairro
espalhadas pela capital desempenharam um papel importantíssimo frente à organização
dos trabalhadores durante e, especialmente, logo depois dos acontecimentos grevistas de
julho de 1917. As evidências e os militantes do período nos levam a crer, fazendo um
balanço positivo do contexto, que foi bem sucedida a ideia de reunir os operários em
sociedades de resistência de caráter geral e nos próprios bairros onde eles trabalham e
residem. A prova disso foi o bom encaminhamento das ligas já constituídas, o
crescimento de outras tantas e o desenvolvimento de várias reuniões e atividades nestes
centros. Nas palavras da imprensa do período:

“Multiplicam-se as reuniões nas quaes (sic.) participa o elemento


feminino. As iniciativas sucedem-se umas as outras. É belo o
entusiasmo das classes operarias desta capital, onde as sedes de suas
organizações regorgitam (sic.) de gente do trabalho que aflue (sic.)
com o louvável intuito de trocar ideias sobre os problemas sociais e
discutir assuntos de interesse e de atualidade. [...] Não há só uma Liga
Operaria que não experimente a benéfica influencia do momento. É
um belo despertar de energias ha tanto tempo adormecidas. Na Mooca
no Ipiranga, no Belenzinho, no Cambucy, Lapa e Braz as reuniões de
propaganda se sucedem sempre com grande concorrência”.209

209
Idem. 25/08/1917.

96
O fato de o movimento organizado na cidade de São Paulo nunca antes ter
atingido as proporções deste período nos indica também que realmente foi produtiva a
iniciativa das classes trabalhadoras em se organizarem desta forma. O clima de agitação
e as dificuldades partilhadas por boa parte dos trabalhadores nestes anos foi também um
fator de aglutinação da classe que manifestou solidariedade com seus companheiros de
forma bastante plural. Em junho de 1917, pouco antes da eclosão da greve geral, A
Plebe faz também um alerta à população esclarecendo a gravidade do período vivido
pelos trabalhadores por conta da guerra e da carestia de vida e justifica assim, o
aumento no número de protestos. Alerta ainda sobre a repressão policial existente e abre
os olhos da população referente à veracidade (ou à sua falta) dos fatos apresentados
pelas autoridades.
Parece-me que a dicotomia cada vez mais crescente entre as classes
trabalhadoras e o poder repressivo do Estado é também algo que favorece, em parte, a
união do movimento operário. Ora, se a burguesia e o Estado falavam a mesma língua
em matéria de repressão e controle dos trabalhadores, estes deveriam também organizar-
se de maneira mais efetiva para alcançarem maiores possibilidades de vitória em seus
reclames. Não busco com isso criar uma explicação mecânica de causa e efeito, como se
a organização dos trabalhadores estivesse ligada unicamente à oposição ao Estado e à
burguesia, mas por outro lado não podemos deixar de lado as várias questões que
impediam o livre desenvolvimento do associativismo que, como vimos, têm estreitas
ligações com as políticas do Estado em relação às classes trabalhadoras.
Neste sentido, assistimos no contexto de 1917 a um fortalecimento dos laços que
unem os trabalhadores desde a criação das ligas de bairro que são associações mais
gerais, portanto mais abertas à participação de um número maior de trabalhadores, até o
esforço da imprensa operária em divulgar, incentivar e fortalecer o surgimento de novos
grupos, passando pela participação ativa de alguns militantes, discursando a favor da
organização operária em sociedades da qual eles nem fazem parte, como é o caso, por
exemplo, de Edgard Leuenroth, morador do Brás, que teve participação ativa na criação
das Ligas Operárias da Vila Mariana e Lapa e Água Branca, buscando estreitar os
laços de união e diálogo entre estas associações.
O sucesso da união dos trabalhadores nas ligas de bairro deve ser elucidado
também a partir da criação do Comitê de Defesa Proletária. Este comitê foi criado em 6
de julho de 1917 por iniciativa das Ligas Operária da Mooca e do Belenzinho após

97
reunião realizada no salão “Germinal” na qual participaram representantes de várias
agrupações proletárias.210 A finalidade do Comitê foi acordar as bases de uma ação
conjunta que facilitasse a união das classes naquele período conturbado. Desta forma
ficou acertada a constituição de uma ação geral e o Comitê foi criado.
Quando a greve se generaliza, de fato, o Comitê assume a frente da organização
operária sendo responsável, inclusive, por negociar com os patrões o acordo que fará
com que os trabalhadores retomem as atividades após as paralisações massivas de
meados de julho. Além disso, o Comitê de Defesa Proletária (CDP) foi responsável por
lançar o programa de reivindicações dos trabalhadores em greve, ratificado em um
comício geral dos operários, realizado no Brás. Desta forma, sua missão seria a de
núcleo de relações e coordenador das reivindicações dos trabalhadores em agitação. As
exigências dos operários compiladas pelo CDP foram as seguintes:

“aumentos salariais, jornada de oito horas, abolição do trabalho do


menor de 14 anos, pagamento pontual dos salários, direito de
associação, não dispensa dos operários grevistas e soltura dos presos
por motivos de greve, diminuição dos preços dos gêneros de primeira
necessidade, redução de 30% dos aluguéis de casas, garantia de
trabalho permanente, abolição do trabalho noturno das mulheres e
menores de 18 anos, aumento de 50% nos trabalhos extraordinários,
requisição dos gêneros indispensáveis à alimentação pública pelo
Estado evitando a especulação e medidas contra a adulteração e
falsificação dos gêneros alimentícios.”211

As reivindicações que, como podemos notar, extrapolam as questões


estritamente trabalhistas e vão mais a fundo na busca de melhorias para a vida dos
trabalhadores, foram levadas a público através da iniciativa de Nereu Rangel Pestana,
que propôs um encontro entre uma comissão de jornalistas e o CDP. A proposta era a de
que os jornalistas presentes nesta reunião fossem encarregados de apresentar as
reivindicações dos trabalhadores aos empregadores e ao governo do Estado, servindo
assim como uma ponte entre as partes envolvidas na greve. A reunião ocorreu na
redação de O Estado de São Paulo e a comissão de jornalistas foi composta por

210
A Plebe. 09/07/1917.p. 3.
211
As reivindicações da greve geral de 1917. HALL e PINHEIRO. A classe operária no Brasil. Docu-
mentos (1889-1930). Vol. I. O movimento operário. São Paulo. Alfa-Ômega, 1979, p. 233.

98
representantes de periódicos de grande circulação da cidade, enquanto que o CDP
representou-se pelos seguintes sujeitos proletários e militantes: Antonio Candeias
Duarte, comerciário; Francisco Cianci, litógrafo; Rodolfo Felipe, serrador; Gigi
Damiani, pintor e diretor do jornal libertário La Battaglia; Teodoro Moniceli, diretor do
jornal socialista Avanti!, e Edgard Leuenroth, jornalista, diretor do jornal anarquista A
Plebe e secretário do Comitê212.
Feitas as negociações, o CDP informou as propostas aos trabalhadores, através
de três comícios realizados no dia 16 de julho, um no Brás, no Largo da Concórdia, e
outros dois nos teatros da Lapa e do Ipiranga 213, onde então os trabalhadores resolveram
retomar as atividades nas fábricas cujos industriais tivessem assinado o acordo se
comprometendo a cumprir as reivindicações. No entanto, o que se seguiu à semana da
greve geral e às negociações realizadas entre os trabalhadores o governo do Estado e a
burguesia não foi exatamente aquilo que as classes trabalhadoras imaginaram e
exigiram.
Várias das propostas acordadas entre as partes não foram cumpridas pelos
industriais e pelo governo. No dia 04 de agosto, o Comitê de Defesa Proletária lança
um boletim de caráter acusativo, demonstrando que as palavras de acordo em relação às
reivindicações apresentadas não estavam sendo cumpridas214. Segundo este documento,
o governo não estaria cumprindo as promessas feitas durante o período grevista, entre
elas a de pôr fim ao encarecimento dos gêneros de primeira necessidade. Além disso, o
boletim do Comitê denuncia também o não cumprimento dos acordos por parte dos
industriais. Sendo assim, o CDP lança aos industriais uma contraproposta reiterando o
não cumprimento de uma série de reivindicações negociadas durante a greve 215. A
reincidência de várias acusações deste tipo na imprensa operária nos faz crer que a
maioria das reivindicações não foi atendida ou foi por um pequeno período e, logo após
a greve, foram novamente tirados dos operários alguns destes benefícios conquistados.
Dentre as principais denúncias era constante o pedido que se freasse as especulações
dos comerciantes, sobretudo, em relação aos gêneros de primeira necessidade tal como
o controle sobre a adulteração e falsificação dos alimentos.216

212
Idem. Pág. 229.
213
CAMPOS, Cristina Hebling. Op.cit. Pág. 50.
214
A Plebe. 04/08/1917.
215
Idem. 11/08/1917.
216
A Plebe. 04/08/1917.

99
Como se não bastasse, no período posterior às negociações ocorreu uma grande
onda de repressão às sociedades e aos militantes envolvidos na organização dos
acontecimentos grevistas de julho. Edgard Leuenroth, por exemplo, foi preso e levado a
julgamento pela estúpida acusação de ter sido o mentor psíco-intelectual da greve geral
de 1917 e o culpado, portanto, pelo assalto ao Moinho Santista ocorrido durante aquela
semana de agitação de julho. Além disso, é este mesmo militante que faz lembrar que
“passado algum tempo, divulgou-se a notícia da deportação de alguns militantes
proletários para outros Estados”217. Não só Leuenroth e seus companheiros 218 foram
vítimas da repressão, mas também seu periódico A Plebe foi alvo da polícia. No dia 15
de setembro, este jornal lançou um suplemento, editado e impresso na oficina do
periódico O Combate, denunciando a ação da polícia ocorrida na manhã do dia anterior,
que invadiu e confiscou as máquinas da tipografia onde era confeccionada A Plebe, à
Rua Conselheiro Crispiniano, no centro. Assim, até o mês de novembro pelo menos A
Plebe continua sendo editada na redação de O Combate, que gentilmente cedeu seu
espaço para a realização de tal intento. É visível a gratidão dos companheiros que fica
expressa nesta publicação:

“este suplemento foi composto e impresso nas oficinas do jornal O


Combate, que o seu director poz (sic.) a nossa inteira disposição para
que A Plebe não deixasse de circular. Inútil será encarecer o valor de
tao (sic.) significativo gesto, neste momento. Ao O Combate e a sua
digna e honrada direção todo o nosso reconhecimento.”219

Por fim, é importante ressaltarmos algo sobre o qual a historiadora Cristina


Hebling nos chama atenção, ou seja, o fato de que este tipo de relacionamento dos
operários e do Estado durante a greve e o período de negociações não mais ocorrerá em
São Paulo, pois nas paralisações posteriores a repressão vai imperar sem negociações.
Todavia, apesar do pouco cumprimento dos compromissos firmados durante o período
grevista não podemos deixar de lado a atuação firme e representativa que desempenhou

217
A greve geral de São Paulo (1917). HALL e PINHEIRO. Op.cit. Pág. 230.
218
E. Colli, Manuel Martinez, José Fernandez, Florentino de Carvalho, Francisco Peralta, Antonio Nelipi-
ansky, Marciel Margia, Antonio Lopes e Evaristo Ferreira de Souza são alguns dos militantes presos jun-
tamente com Leuenroth no mesmo dia do saque da tipografia do jornal.
219
A Plebe. 15/09/1917.

100
o Comitê de Defesa Proletária nos eventos ocorridos e a vitória dos trabalhadores frente
à burguesia e ao Estado.
A formação deste Comitê surgiu a partir da organização das ligas de bairro e
seguiu as suas bases de acordo. Composto exclusivamente por militantes conhecidos e
atuantes do movimento operário paulista, este grupo foi o porta voz das reivindicações e
dos anseios das classes trabalhadoras da capital no período e, devemos ser francos ao
afirmar que, apesar das intempéries posteriores seus esforços não foram de forma
alguma em vão e, portanto, os esforços e a escolha por reunir os trabalhadores nas ligas
de bairros parecem ter gerado frutos positivos à organização trabalhadora do período.
Passadas as agitações de julho, as atividades dos grupos envolvidos nos eventos
grevistas continuam a acontecer apesar da forte pressão dos aparatos repressivos. Uma
das primeiras atividades organizadas foi a favor das famílias das vítimas da greve.
Realizou-se, desta forma, no dia 18 de agosto no Salão Celso Garcia, no centro, uma
noitada de propaganda promovida pelo Circolo Sociale Cuore ed Arte e pelo Grupo dos
Jovens Incansáveis, cujo produto se destinou às famílias dos operários vitimados pela
polícia assassina, durante a greve geral, cerca de 200, segundo o jornal da colônia
italiana, Fanfulla. O programa para tal evento foi assim organizado: “1 – representação
do drama social em dois atos, de Tito Carvília, Sangue Fecondo. 2 – Recitação por dois
companheiros do Grupo dos Jovens Incansáveis do diálogo social Sem Pátria. 3 –
Extracção (sic.) de uma rifa. 4 – Baile familiar”. 220 Esta festa foi demonstrativa do ideal
de solidariedade que tomou conta das organizações operárias que preocupavam-se em
amparar as várias famílias daqueles que foram assassinados durante os eventos
grevistas221.

As atividades do movimento organizado após a greve visaram também à


reestruturação do programa da FOSP (Federação Operária de São Paulo), com a
finalidade de unir e organizar os trabalhadores para a continuidade do movimento. No
dia 26 de agosto, portanto, realizou-se no Salão Germinal (localizado à Rua do Carmo,
nº20, no centro) um convênio que reuniu todas as agremiações, ligas e sindicatos
obreiros de São Paulo onde foram discutidas as bases do novo acordo que regeria a
220
A Plebe. 18/08/1917.
221
De acordo com a historiadora Christina Lopreato, apesar de o registro oficial acusar somente três mor-
tos durante a greve, informações coletadas em fontes diversas permitem supor que o número de vítimas
fatais pode ter sido muito superior, atingindo as dezenas ou mesmo centenas de operários mortos e feridos
pela polícia. Sobre o assunto ver LOPREATO, Christina Roquette. O espirito da revolta: a greve geral
anarquista de 1917. Op.cit. Pág. 210.

101
FOSP. De acordo com A Plebe222, o convênio foi constituído por vinte e sete entidades,
isto é: oito ligas operárias, doze sindicatos de oficio, quatro sindicatos de indústrias e
três corporações223. Dentre estes a Liga dos Trabalhadores em Madeira, o Sindicato dos
Trabalhadores em Fábricas de Bebidas e a Liga Operária do Braz, que reunia
trabalhadores de vários ofícios, foram os representantes deste bairro nesta ocasião. A
comissão executiva do Comitê de Defesa Proletária organizou a ordem dos eventos. As
bases dos acordos que foram discutidas em suas respectivas associações foram
aprovadas sem maiores discussões. Foi constituída assim uma Comissão Federal
Provisória, composta por dois membros de cada uma das associações presentes, a qual
deveria reunir-se nos segundos e últimos domingos de cada mês. De acordo com as
bases da FOSP, organizou-se também uma Comissão Administrativa, composta de sete
membros que também se reuniria semanalmente no Salão Germinal. Para fazer face aos
primeiros gastos da Federação Operária, os representantes do Comitê de Defesa
Proletária, que terminava aqui brilhantemente a sua missão iniciada durante a greve
geral, puseram à disposição da FOSP os restantes de seus fundos, orçados em algumas
centenas de mil réis. O convênio encerrou os trabalhos no meio do maior entusiasmo
operário que marcou para a segunda-feira seguinte a primeira reunião da comissão
administrativa, no Salão Germinal, e a da Comissão Federal para o dia 9 do mês
seguinte, no mesmo local.224
Findadas assim as atividades do CDP, devemos salientar que a sua formação, tal
como o surgimento e desenvolvimento das ligas de bairro que o precederam e vimos
crescer em São Paulo em meados de 1917 não excluiu, no entanto, a formação de outros
tipos de sociedades de resistência. Concomitante ao processo de organização das ligas e
às atividades do CDP e, mesmo algum tempo depois da greve, organizaram-se
novamente também vários sindicatos de ofícios. Inclusive, vale lembrar que o
aparecimento destas novas associações e até mesmo a reestruturação de antigas
sociedades foi auxiliada pelas ligas de bairros espalhadas pela cidade. Aparentemente a
atmosfera que tomou conta da capital nos meses de julho e agosto de 1917 foi favorável
222
A Plebe. 01/09/1917, p. 3.
223
As associações que participaram do convênio foram as seguintes: União dos Canteiros; Sindicato
Gráfico do Brasil; União dos Chapeleiros; Sindicatos dos Trabalhadores em Fábricas de Bebidas (Seção
da Companhia Antarctica); União Geral dos Ferroviários (Seção da SP Railway); Liga dos Trabalhadores
em Madeira; União dos Artífices de Calçados; União dos Pedreiros e Serventes; Liga dos Padeiros e Con-
feiteiros; Sindicato dos Serralheiros, União dos Alfaiates; Além destes sindicatos de ofícios e de indústri-
as, tomarão parte as Ligas: Operárias da Mooca, Belenzinho, Ipiranga, Braz, Cambucy, Bom Retiro, Villa
Mariana. Dos subúrbios: Liga dos Ceramistas e Liga Operária da Água Branca.
224
A Plebe. 01/09/1917.

102
à organização dos trabalhadores nos meses posteriores e continuou positiva, pelo
menos, até o ano de 1919. Isso é observado pelo periódico A Plebe que no final de julho
noticia que “após a greve as classes que se mostravam mais difíceis quanto à associação
parecem estar mais acessíveis à propaganda.”225
Uma destas associações que ressurgiu em decorrência da greve geral foi a União
dos Pedreiros e Serventes. Esta que era uma antiga sociedade trabalhadora realizou, a
partir do final de julho, uma série de reuniões nos diferentes bairros proletários como a
Mooca, Lapa e o Centro com a finalidade de propagandear suas atividades. Sua sede foi
instalada no Salão Germinal e as atividades permaneceram com certa regularidade. Um
dos maiores desafios enfrentados pelos operários deste grupo foi vencer a indiferença e
certa desconfiança de uma parte de seus membros que, em consequência do insucesso
de outras tentativas, ainda mostravam-se indecisos quanto à participação na sociedade.
Em assembleia realizada por este grupo discutiu-se uma velha questão das
corporações de resistência, isto é, a admissão ou não de empreiteiros, encarregados e
mestres de obras na sociedade. Sabemos que esta questão foi geradora de
desentendimentos em diversos grupos. No entanto, a maioria das sociedades de
resistência, como vimos, negou a participação de operários que possuíam cargos de
confiança da direção ou dos donos das fábricas, pois, consideram que eles são
colaboradores e representantes da classe burguesa, apesar de serem operários. A
conclusão a que chegou a União dos Pedreiros e Serventes sobre o assunto foi a
seguinte: “Reunindo-se os operários para resistir à exploração patronal, não se justifica
que admitam em seu convívio pessoas que, embora de bons sentimentos, estão
colocadas em situação de zeladoras dos interesses dos patrões.” 226 Desta maneira, os
militantes da União parecem ponderados em suas considerações, porém, inflexíveis na
sua decisão, onde prevalece a já conhecida negação dos encarregados e mestres como
membros do grupo. Esta associação realizou reuniões de propaganda também na Liga
Operária do Braz, para onde foram convocados todos os pedreiros, estocadores e
serventes moradores daquele bairro.
Na direção das (re)estruturações de antigas e novas sociedades vemos retomar
suas atividades também as Escolas Modernas. Em agosto de 1917, João Penteado
reassumiu a direção da Escola Moderna I, que manteve os mesmos programa e métodos
de outrora, no entanto, o endereço seria agora outro: ela estava localizada neste ano na

225
A Plebe. 28/07/1917.
226
Idem. 18/08/1917.

103
Av. Celso Garcia, nº 262, no Brás. Movimento parecido ocorreu com a Escola Moderna
II. Reaberto a cargo do militante Adelino de Pinho, este centro de educação racionalista
aceitava a matrícula de alunos de ambos os sexos, desde que tivessem idade entre os 6 e
12 anos, com aulas ministradas à tarde para as crianças e à noite para os adultos. Seu
endereço também é transferido, da Rua Oriente para a Rua Maria Joaquina, nº 13, ainda
no Brás.
Em março de 1919, a Escola Moderna I encontrava-se em franca atividade, com
cinco salas funcionando à tarde com os primeiros, segundos e terceiros anos do curso
primário e, mais uma sala com o curso primário noturno. Os cursos oferecidos pelo
programa da escola nesta época não diferiam muito dos apresentados em 1913 e eram
constituídos de: datilografia, português, aritmética, geografia, história, desenho,
caligrafia, etc. As aulas de desenho ficaram a cargo da professora Isabel Ramal,
presidenta também da Associação Artística Feminina do Braz, enquanto que as outras
aulas foram distribuídas entre o diretor do estabelecimento e a sua auxiliar srª.
Sebastiana Penteado. Além disso, no mesmo período o italiano Cleto Trompete se
ofereceu para dar aulas de inglês e francês na escola, pois já tinha morado neste último
país (a França) onde havia aprendido as ditas línguas. Este foi mais um exemplo da
solidariedade e autonomia da militância libertária do período, que se esforçou para
construção de uma educação racional e emancipatória.
No mesmo mês, a Escola Moderna I publicou um boletim informativo a respeito
de suas atividades, onde podemos observar algumas dificuldades e sucessos cotidianos
enfrentados pelo grupo. Transcrevemos parte do seu conteúdo:

“Apesar das dificuldades de nosso tempo a Escola Moderna nº1 tem-


se mantido com boa frequência de alunos, cujo número atualmente,
em seus diversos cursos atinge a setenta e tantos, inclusive os de
datilografia que se acha funcionando, com bom resultado a quase um
ano. A escola viu-se fechada de outubro a novembro passados, por
conta da epidemia, período em que sofreu dificuldades econômicas.
Foram então forçados a apelar a ajuda de associações operárias, lojas
maçônicas e pessoas que se identificam com a obra e a propaganda
racionalista.”227

227
Boletim mensal da Escola Moderna I. 18/03/1919. Disponível no acervo público da Biblioteca Mário
de Andrade.

104
Podemos perceber uma boa presença no número de alunos matriculados na
escola. Além disso, é interessante ressaltarmos o apelo à solidariedade operária lançada
pela escola em um momento de dificuldade financeira. Mais interessante ainda é vermos
que os auxílios econômicos foram prestados, exclusivamente, por dois grupos de fora da
capital paulista: foi o caso da Sociedade dos Laminadores de São Caetano 30$000
(trinta mil réis) e a Benemérito Loja Maçônica Eterno Segredo de São Carlos do Pinhal
21$000 (vinte e um mil réis). A escola desenvolvia também comemorações em datas
festivas ou especiais ao elemento libertário com o intuito de instruir e também angariar
donativos, como a que ocorreu em março por comemoração ao aniversário da Comuna
de Paris, na qual se realizou ainda uma conferência alusiva a este acontecimento
histórico.
A Escola Moderna II, por sua vez, também permanecia em atividade em 1919.
Em outubro de 1918 foi feita nela uma comemoração que, segundo o diretor, foi
bastante numerosa e o programa, bem executado, agradou aos presentes. Nesta ocasião,
houve cantos de hinos e recitações de poesias onde tomaram parte os alunos Rosa,
Joanna e Catharina Musitano, João Bonilha e Vicente Amadio. Houve também
conferência alusiva à data (13 de outubro) pelo professor Adelino Pinho. Para a receita
desta festa vemos a contribuição de uma série de associações obreiras, são elas:
Sindicato de resistência dos laminadores de São Caetano; Liga dos padeiros e
confeiteiros; União dos artífices em calçados; Sindicato proletário de Sabaúna; União
dos chapeleiros de São Paulo; Sindicato dos confeiteiros de Lageado.228
Posterior ao ano de 1919, ano em que as escolas modernas foram fechadas pela
polícia, não obtivemos mais informações sobre as atividades das Escolas Modernas I e
II que, como podemos notar, foram importantes centros de formação e instrução das
classes trabalhadoras localizados no Brás. Além disso, as Escolas Modernas
efetivamente representaram um importante espaço de auxílio e ensino aos filhos dos
operários nacionais de imigrantes que, como vimos, formavam a maior parte do número
de alunos matriculados nas escolas.
No bairro do Brás, desde o início do ano de 1919, assistimos ao surgimento de
pelo menos três novas ligas operárias: A Liga Operária da Construção Civil, União dos
Operários em Fábricas de Tecidos, a União dos Caramelistas e Chocolateiros e a Liga
dos Trabalhadores em Madeira. A primeira delas A Liga Operária da Construção Civil
foi fundada em abril daquele ano e, ao que tudo indica, foi um sindicato bastante
228
Idem. Publicação mensal. João Penteado.

105
organizado. Sua sede social estava localizada à Rua do Gazômetro, nº116, no Brás. A
composição dos sócios era ilimitada a todos os trabalhadores não fazendo, portanto,
distinção de nacionalidade, sexo ou religião. Desta forma, a sociedade procurou
agremiar os operários dos vários ramos que englobavam a construção civil, tais como
pedreiros, serventes, pintores, frentistas, carpinteiros, marceneiros, torneadores,
lustradores, de serrarias, etc. No entanto, este grupo era incisivo ao impedir nas suas
fileiras a participação de trabalhadores que tivessem qualquer cargo de mando, salvo
resolução de assembleia. Neste sentido, percebemos que a Liga mantém os padrões das
sociedades de resistência que, como vimos, eram contrárias à participação destes
funcionários.229
As finalidades desta Liga estavam em compasso com os objetivos da maioria das
sociedades de esquerda, que eram as seguintes:

“defender todos os direitos econômicos, moraes, (sic.) profissionais e


sociais dos operários; trabalhar para elevar o nível moral e intelectual
dos trabalhadores, por meio de escolas, bibliotecas, palestras e
conferencias; agir de acordo com as demais associações em todas as
questões em que sejam envolvidos os interesses da classe proletária no
que respeita os seus direitos públicos e sua dignidade; manter a
autonomia sobre a regularização do trabalho, estabelecendo horário
máximo e salario mínimo, coordenando o ganho de um trabalhador
com o custo da vida; obter colocação para seus associados quando
desempregados.”230

229
Estatuto da Liga Operária da Construção Civil. Disponível no Arquivo Público do Estado de São Pau-
lo. Caixa c10429.
230
Idem.

106
Atual localidade da Rua do Gazômetro, nº116, no Brás, onde se encontrava
a Liga Operária da Construção Civil, em 1919.

A LOCC não só garantiria apoio, instrução e defesa dos interesses operários


como, de fato, seria responsável por fiscalizar o cumprimento das jornadas de trabalho e
de outros direitos dos trabalhadores em seus locais de trabalho. Para isso e também para
zelar pelo interesse dos associados a Liga propunha manter nas obras, oficinas e
serrarias um delegado operário com todos os poderes para fiscalizar as condições de
segurança e higiene das mesmas e, ainda, dos respectivos andaimes para se evitar
acidentes. De acordo com a Liga, essa política de fiscalização serviria para fazer com
que os operários não fossem forçados a executar serviços excessivos e brutais, exigindo
da parte dos patrões, mestres, contramestres e empreiteiros o mais completo respeito
para com os trabalhadores. Poucos sindicatos ou associações do período propuseram-se
a desempenhar uma tarefa tão árdua de fiscalização dos serviços prestados por seus
sócios, delegando para isso funcionários específicos a tais tarefas. É claro que tal intento
está ligado ao perigo que representam as diversas áreas da construção civil. Visto isso, o
papel dos delegados, tal como as providências a serem tomadas em caso de acidente por
parte dos associados, ficou assim definido:

“Os delegados das obras, oficinas e serrarias farão ciente a associação,


as irregularidades notadas tomando providencias imediatas, para que
em caso de desastre, em quaisquer formas de trabalho, sejam os
operários indenizados em todos os prejuízos causados pelo desastre.

107
Ficando ao cuidado de uma assembleia geral a indenização pelo modo
mais prático.”231

Visando também a proteção do trabalho das crianças, esta Liga não permitia a
admissão nas obras, oficinas ou qualquer sistema de trabalho, dos menores de 14 anos.
Além disso, os sócios da Liga não eram divididos em categorias, procurando assim
tornar evidente o ideal de igualdade social proposto pelas agremiações de esquerda. A
Liga Operária da Construção Civil nos transmite a visão de ser um sindicato
compromissado com o bom desenvolvimento dos seus sócios e também com as
questões sociais que dizem respeitos às classes trabalhadoras, pois, em seu estatuto ela
propõe prestar apoio moral e material a quaisquer movimentos reivindicatórios dos
trabalhadores dentro e fora do país, desde que aprovados pela assembleia geral. Em caso
de impossibilidade de manutenção da Liga, por qualquer motivo que fosse, os bens
materiais seriam doados à FOSP, federação a qual a LOCC via-se ligada, tanto por laços
de solidariedade como pelo compromisso ideológico e programático firmado pelas
classes obreiras de São Paulo. É importante destacar também a atuação dessa Liga no
esforço feito por ela para encontrar emprego para os trabalhadores em caso de demissão
ou desemprego. Isso demonstra a solidariedade de classe e a preocupação dos sócios da
Liga em relação ao sustento de seus companheiros. Além disso, essa iniciativa é um
indicativo da crença de que se os operários da construção civil permanecessem ativos e
bem empregados isso também colaboraria com o bom desenvolvimento desta sociedade
e de todos os trabalhadores envolvidos.
A União dos Caramelistas e Chocolateiros também foi constituída em maio de
1919, quando da assembleia realizada na sede da Liga Operária do Braz. Segundo A
Plebe, a fundação desta sociedade ocorreu, pois os trabalhadores da classe “sabiam,
como todos os demais, que devem se capacitar, pois a sua emancipação só será
conseguida pelo seu próprio esforço em luta direta e permanente contra a burguesia
exploradora.”232 Não encontramos registros posteriores que nos elucidem quanto a
atuação e desenvolvimento desta associação, nem mesmo podemos saber se foi frutífera
ou não a sua criação. Apenas sabemos que a concorrência para a assembleia de
inauguração da sociedade foi aguardada com larga concorrência, o que indica a
disposição dos trabalhadores da classe em se unirem em sociedade de resistência.

231
Estatuto da Liga Operária da Construção Civil. Op.cit.
232
A Plebe. 24/05/1919.

108
Infelizmente o sucesso ou insucesso desta empreitada fica, no entanto, para nós como
um quebra-cabeça incompleto.
Do mesmo modo, uma antiga associação que foi reestruturada em 1919 e que
possuímos escassas informações foi a Liga dos Trabalhadores em Madeira. A Primeira
referência que tivemos desta sociedade foi no ano de 1908, quando o periódico La Lotta
Proletaria registrou que as reuniões desta Liga eram realizadas na sua sede social, isto é,
no Largo do Riachuelo, nº7A.233 No entanto, nos anos subsequentes as fontes
registraram ainda que a Liga dos Trabalhadores em Madeira realizou reuniões nos
conhecidos salões Germinal e Celso Garcia, localizados respectivamente, na Rua do
Carmo, nº20 e nº36. Só obtivemos informações sobre esta sociedade novamente em
1919, período de sua reconstrução. Isso nos leva a crer que é possível que este já
conhecido núcleo obreiro tenha interrompido suas atividades por determinado período,
retomando-as em junho de 1919.
Sobre a retomada das atividades da Liga neste período A Plebe registrou que
tinha sido convocada uma reunião onde deveriam comparecer todos os marceneiros,
forneiros, lustradores, entalhadores e trabalhadores das serrarias, pois todas essas
classes de operários seriam reunidas na Liga dos Trabalhadores em Madeiras, ficando
os carpinteiros das obras ligados à Liga Operária da Construção Civil. 234 Infelizmente
não pudemos ter certeza se a construção do projeto de ressurgimento da Liga teve ou
não teve êxito, pois a sua menção nas fontes tornou-se cada vez mais escassa.
Outra sociedade criada no Brás em 1919 foi a União dos Operários em Fábricas
de Tecidos. A partir de julho daquele ano, esta sociedade fez uma série de reuniões
buscando organizar os trabalhadores desta classe. Como sabemos, as fábricas de
tecelagem estavam espalhadas pelos diferentes bairros da capital sendo, porém, maior a
sua presença nos bairros da Mooca e do Brás. Desta forma, para organizar esta, que
representava uma das maiores categorias em número de operários, fundaram-se
sucursais em diferentes regiões, dentre elas a Lapa, Mooca, Belenzinho, Cambuci e a
central, no Brás, estabelecida no mesmo endereço da Liga Operária do Braz, à Rua
Joly, nº 125. Neste período todas as seções estavam em plena atividade onde ocorreram
reuniões na Lapa, assembleias de corporações das “indústrias Matarazzo” na Mooca e
também reuniões dos operários da seção de fiação da fábrica “Sant’Anna”, no Brás,
para tomar deliberações sobre a conduta reacionária de alguns contramestres, sendo

233
La Lotta Proletaria. Ano III, nº21. 17/08/1908, p.4.
234
A Plebe. 14/06/1919, p.3.

109
resolvido que a comissão da União reclamasse contra isso aos responsáveis. Na av.
Celso Garcia, nº 148, sede da sucursal do Belenzinho, também se trabalhava ativamente,
tendo se realizado, alguns dias antes, na mesma uma proveitosa reunião.235
Quando havia várias resoluções importantes a tomar, os operários da União se
reuniam na seção central do Brás, onde eram convocadas todas as comissões das
sucursais e das fábricas. Segundo os próprios trabalhadores, era nesses eventos que se
evidenciava a animadora disposição da classe quanto à sua organização, vida de sua
associação e a sua emancipação social. Contudo, os militantes d’A Plebe lançaram uma
nota de reclamação, acusando a sociedade de desviar-se dos seus reais interesse.
Vejamos o trecho publicado no periódico:

“Devemos, entretanto, registrar com desagrado certas manifestações


de apego a etiquetas inúteis e prejudiciais, bem como de tendências
autoritárias. Estamos certo de que os companheiros tecelões tratarão
de evitar que se desvirtue a orientação de sua sociedade, fazendo com
que ela siga o verdadeiro critério das associações de resistência.
Deixemos as formalidades ridículas para as agremiações
236
burguesas.”

O desapontamento que os companheiros do jornal demonstram era significativo


do mau andamento de alguma ou algumas reuniões propostas por esta sociedade. Não
foi a primeira vez que vemos A Plebe endereçar críticas construtivas às sociedades de
resistência, visando a sua melhor organização e desempenho das atividades frente às
classes. De fato, em algumas reuniões dos trabalhadores, sobretudo naquelas em que o
número de participantes era grande, por vezes o decorrer da reunião não transcorria na
normalidade desejada e as questões em pauta e importantes tinham de ser adiadas. Além
disso, não foi incomum neste período a participação, nas assembleias de diversas
sociedades, de elementos estranhos às classes obreiras, cujos objetivos visavam à
desarticulação da reunião e não a organização, cooperação e o bom desenvolvimento
das assembleias.
Em julho do mesmo ano, termina uma greve na seção de tecelagem da fábrica
“Lusitânia” na qual tomou parte a União dos Operários em Fábricas de Tecidos. A
associação foi responsável por estabelecer acordo com os industriais em nome dos

235
A Plebe. 05/07/1919, p.4.
236
Idem. 05/07/1919.

110
interesses de seus sócios. No mesmo período, encontravam-se em greve também os
operários da seção de tecelagem da fábrica “Sant’Anna”, do Brás. A greve foi
curtíssima, começou na terça e findou-se na quarta com a intervenção da UOFT. Esta
greve foi deflagrada em decorrência de serem os operários os maiores prejudicados pela
péssima qualidade dos fios oferecidos pela indústria. Isso acarretava maior dificuldade
na produção dos trabalhadores que ainda eram os responsabilizados pelos produtos com
defeito e má qualidade.237 A solução favorável aos trabalhadores que tiveram ao término
destas greves demonstrou quanto valia a união das classes exploradas pelo capitalismo e
é provável que isso tenha dado forças e esperanças para que outras sociedades e
categorias se inspirassem na mesma iniciativa organizativa e grevista.
Com o surgimento e desenvolvimento destes grupos podemos perceber que
desde a greve geral de 1917 o associativismo na capital desfruta ainda de um período de
intensas atividades, apesar da crescente repressão. Atentar, especificamente, para o
desenvolvimento e a trajetória das sociedades do Brás nos revela que este bairro era
ainda naquele período um espaço privilegiado para as ações das classes trabalhadoras.
Mas o Brás era, ao mesmo tempo, uma região que estava em constante observação pelas
autoridades, dado o grande número de operários que residiam e trabalhavam no bairro e
às inúmeras associações que ali se instalaram. Por conta disso, o Brás era visto como
uma espécie de quartel general das ações proletárias e, portanto, atenção especial era
destinada àquela região por parte do governo do Estado, cada vez mais repressivo.
Neste sentido, os trabalhadores d’A Plebe fazem uma denúncia
responsabilizando a Companhia Antarctica por tomar frente ativa no processo
governista de repressão às classes trabalhadoras do Brás. Devido à reincidência de tal
crime, o periódico publica a seguinte denúncia:

“Desde a grande greve de 1917, a Companhia Antarctica colocou-se


decididamente contra o proletário em geral, transformando seus
prédios em cavernas, prisões e depósitos para os móveis saqueados às
Ligas Operárias pela polícia do seu digno Bandeira de Mello. Desde
1917 o operariado do Braz, do grande bairro industrial, está
acostumado a ver sair da fábrica de cerveja e licores da CA magotes
de “secretas”, batalhões de soldados, esquadrões de cavalaria,
embebedados pela empresa; sair á rua para atropelar o povo, espancar
grevistas, invadir domicílios, correger com moveis e dar busca as

237
A Plebe. 05/07/1919, p.4.

111
algibeiras dos transeuntes. Logo que rebenta uma greve no Braz ou na
Mooca, é de lá que sai sempre o celebérrimo Schimidt, nos caminhões
da fábrica, acompanhado por vagabundos, ladrões e desordeiros que
se dizem “secretas” para dar caça aos operários grevistas ou como tal
considerado. Quando há greve no Braz, é para o escritório da CA que
se transfere o posto policial daquele bairro, porque é lá que se bebe e
se come a vontade”238

As acusações são bastante fortes e o tom de inconformismo que caracteriza a


publicação nos faz crer que realmente era recorrente tal auxílio da Companhia
Antarctica com o delegado de polícia. Além disso, não é de hoje que temos notícia do
clientelismo existente entre a burguesia industrial de São Paulo e os representantes do
governo. Desta forma, a Federação Operária de SP, considerando o caso, que era de
reincidência, estabeleceu como represália justiceira a boicotagem a todos os produtos
desta companhia.239 A boicotagem seria mantida enquanto os operários da Antarctica
não gozassem das mesmas concessões que os operários das demais indústrias
obtiveram.
Além disso, a FOSP afirmou que a boicotagem seria retomada toda vez que a
CA voltasse a se transformar em “espelunca policial donde saem bêbedos e caçadores
de grevistas”. A boicotagem dos produtos desta companhia é uma das poucas armas que
os trabalhadores possuem para ver realizados seus pedidos de respeito à organização
trabalhadora e do fim da intromissão desta indústria nos assuntos dos trabalhadores.
Fica, portanto, assim definido o boicote:

“A FOSP proclama boicotagem a Antarctica a pedido de todas as


organizações federadas, de todo o proletariado paulista. Os produtos
da CA devem por isso ser boicotados por todos os operários que se
prezam e que sintam o valor da solidariedade de classe. [...] Todos os
operários que consumir produtos daquela companhia deve ser
considerado um traidor. Todo operário que não fizer propaganda
contra a CA e seus auxiliares deve ser considerado inimigo da classe a
qual pertence.”240

238
A Plebe. 14/06/1919.
239
Idem.
240
Idem.

112
A boicotagem deflagrada pela FOSP teve duração indeterminada e não sabemos
se ela de fato conseguiu dar fim ao quadro descrito de auxílio ao governo, por parte da
CA, no que tange a perseguição aos trabalhadores. É bem provável que não, talvez a
Companhia tenha cedido a algumas reivindicações dos operários e cortado,
parcialmente, os laços que os unia ao policiamento, apenas por determinado período, é
claro. Mas devido ao alargamento das ações repressivas posteriores a este grande
período de agitações populares, de 1917 a 1919, acreditamos que a vida,
desenvolvimento e aparecimento das associações proletárias posteriores a 1919 não
tenham sido nada fácil e, sem dúvida, nunca mais atingiram as proporções vistas desde
o início do século passado.
Por fim é importante assinalar que algumas das associações do Brás não
limitaram suas ações unicamente ao seu bairro e desenvolveram também atividades
frente às classes trabalhadoras de regiões vizinhas. Este foi o caso, por exemplo, da
União dos Operários em Fábricas de Tecidos e da Liga Operária da Construção Civil.
Uassyr de Siqueira demonstra241 que estas duas associações, apesar de terem sua sede no
Brás, desenvolveram atividades no Bom Retiro. Desta forma, possuindo ou não
sucursais no bairro, estas sociedades atuaram neste bairro vizinho mais do que uma vez
com o intuito de auxiliar os trabalhadores necessitados e alargar os laços de união e
cooperação entre as classes operárias de diferentes regiões.
Após 1919 e ao longo da década de 1920 houve uma diminuição significativa no
número e atuação das sociedades formadas por trabalhadores espalhadas por toda a
cidade. Vários autores apontaram os possíveis motivos que contribuíram para a
diminuição da mobilização das classes trabalhadoras neste período. Dentre eles
podemos destacar a crescente e constante repressão que imperou na cidade ao longo dos
anos 1920 no âmbito das questões trabalhistas. As questões políticas foram
gradativamente mais tratadas como questões de polícia e, não raro, houve a invasão e
desmantelamento de diversas sociedades, em especial as sindicais. Além disso, a
revolução bolchevique de 1917 parecia mostrar ao mundo que o modelo organizativo
das classes trabalhadoras deveria ser, por excelência, o partido comunista. Isso sem
dúvida contribuiu para que organizações sindicais e militantes que não possuíam um
comprometimento ideológico tão delimitado e prescrito – como as associações
trabalhadoras que estudamos - perdessem espaço para as incipientes organizações

241
SIQUEIRA, Uassyr. Clubes e sociedades dos trabalhadores do Bom Retiro: Organização, lutas e la-
zer em um bairro paulistano (1915-1924). Op. Cit. Pág. 59.

113
comunistas. Se somarmos a isso a progressiva implementação de um mercado
previdenciário no país242, sobretudo a partir das décadas de 1930/40, o que fez com que
muitos trabalhadores se desligassem de suas associações por não precisarem mais dos
benefícios garantidos por elas, podemos compreender porque o associativismo das
classes trabalhadoras em São Paulo nunca mais atingiu os patamares e a visibilidade que
possuía nessas primeiras décadas do século XX que tratamos aqui.
Sendo assim, trazemos abaixo uma lista, em ordem cronológica, com o nome e
endereço das vinte e quatro associações e espaços dos trabalhadores, que abordamos
neste trabalho, que mantiveram estadia no Brás durante os anos de 1900 a 1919.

Lista das associações e espaços dos trabalhadores do Brás.

242
VISCARDI, Cláudia. M. R. e JESUS, R. P. A experiência mutualista e a formação da classe trabalha-
dora no Brasil. In: FERREIRA, Jorge. e REIS, Daniel Aarão (orgs.). As esquerdas no Brasil. Vol I. A for-
mação das tradições (1889-1945). – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. Pág. 36

114
1 – Jornal Gli Schiavi Bianchi. (Rua Monsenhor Anacleto, nº 11 em 1892);243
2 – A Folha do Braz. (Rua Monsenhor Andrade, nº 7 em 1897; Av. Pires Ramos, nº 30
em1899; Rua Monsenhor Anacleto, nº 4 em 1900);
3 – Sociedade de Socorro Mútuo Guglielmo Oberdan. (Rua Bdo. Machado, nº 5);
4 - Sociedade Beneficente União Internacional do Braz. (1901);244
5 – Jornal O Livre Pensador. (Rua Miller, nº 6; Rua Monsenhor Anacleto, nº 38 em
1904; Rua Visconde de Parnaíba, nº 121 em 1907, Brás);
6 – Círculo de Estudos Sociais. (Rua Gomes Cardim, nº 21 em 1903);
7 – Teatro Popular. (Rua do Gazômetro, nº 114);
8 – Cassino Penteado. (Rua Rodrigues dos Santos, nº 2);
9 - Teatro Colombo. (Largo da Concórdia);
10 - Círculo Recreativo Flor do Braz. (1908);
11 - Sociedade Recreativa Centro do Braz. (1908);
12 – Édem clube do Braz. (1909);
13 – Lega di resistenza fra muratore e affini del rione del Braz. (Rua Caetano Pinto,
nº 107 em 1908);
14 - Sindicato dos Fundidores. (Rua Oriente, nº 16 em 1909.);
15 – Escola Moderna I. (Rua Saldanha Marinho, nº 58 Belemzinho, em 1913; Avenida
Celso Garcia, nº 262. em 1917);
16 – Escola Moderna II do Braz. (Rua Miller, nº 74 em 1913; Rua Oriente, nº 66 em
1914; Rua Maria Joaquina, nº 13, em 1917);
17 - Sociedade Cooperativa e Beneficente do Braz. (1911);
18 – Centro Feminino de Educação Jovens Idealistas. (Rua Brigadeiro Machado, nº
47 em 1917);
19 – O Combate. (Av. Rangel Pestana, nº 246, em 1915);
20 – Jornal A Plebe. (Rua Uruguaiana, nº 108; Ladeira do Carmo “Av. Rangel
Pestana”, nº 7);
21 – Liga Operária do Braz. (Rua Joly, nº 125 em 1917);
22 – Liga Operária da Construção Civil. (Rua do Gazômetro, nº 116 em 1919);
243
Este periódico esteve em circulação na cidade entre os anos de 1892 a 1894, portanto, fora da cronolo-
gia desta pesquisa. No entanto, preferimos deixar aqui registrada sua existência e localidade apesar de não
ter contado esta associação no total de grupos pesquisados. Por esse motivo falamos em vinte e quatro
grupos ao invés de vinte e cinco como consta na listagem e no mapa.
244
Por infortúnio do ofício infelizmente não encontramos nas fontes nenhuma informação a respeito dos
endereços das associações que constam como números 4, 10, 11, 12 e 17.

115
23 - União dos Operários das Fábricas de Tecidos. (Rua Joly, nº 125 em 1919);
24 - União dos Caramelistas e Chocolateiros. (Rua Joly, nº 125 em 1919);
25 - Liga dos Trabalhadores em Madeira. (Rua do Gazômetro, nº 40 em 1919);

116
Associações de trabalhadores no bairro do Brás entre os anos de 1900 a 1919.

117
Figura 1
Planta do bairro do Brás e arredores. Cidade de São Paulo, 1916.
Disponível em: http://sempla.prefeitura.sp.gov.br/historico/img/mapas/1916.jpg
Considerações finais

Neste trabalho, tivemos a intenção de percorrer e analisar a trajetória de


diferentes associações de trabalhadores que existiram no bairro do Brás nas primeiras
décadas do século XX. A partir disso, pudemos identificar a existência de, pelo menos,
vinte e quatro grupos245 formados por trabalhadores e espaços por eles utilizados para
desenvolverem suas diversas atividades que foram ao encontro da tarefa de organização
dos trabalhadores na cidade, tal como contribuíram para o processo de formação de
identidades das classes trabalhadoras paulistas.
Falamos em identidades, pois a pesquisa nos mostrou que, mesmo em uma
análise circunscrita a um único bairro, é impossível homogeneizar as experiências e as
identidades articuladas pelos trabalhadores nas diferentes sociedades que ali existiram.
Como vimos, no Brás havia sociedades mutualistas e círculos recreativos formados a
partir da identidade étnica de seus membros, como é o caso da Sociedade de Socorro
Mútuo Guglielmo Oberdan, e a Sociedade Recreativa Centro do Braz, ambas formadas
pela comunidade italiana presente naquele distrito. Estes são exemplos de associações
onde o caráter étnico foi o fator de coesão e identidade do grupo, representado através
do nome da sociedade, da origem sócios, da língua de registro do estatuto e mesmo da
bandeira que os representava.
Por outro lado, pudemos notar de maneira clara que a maior parte das
associações do Brás era de sociedades de resistência, onde a experiência partilhada e a
identidade dos sócios eram representadas por meio da classe à qual pertenciam, isto é,
as classes trabalhadoras. Dentre as sociedades que apontamos ter existido no Brás entre
1900 a 1919, dezesseis delas (ou 67%) podemos definir como associações de
esquerda246. No entanto, mesmo dentro deste grupo de sociedades militantes,
aparentemente homogêneo, ainda não podemos falar em uma única identidade destes

245
Apresentamos anteriormente a lista destes grupos e o endereço que eles ocuparam no bairro. Além dis-
so, apontamos também estes endereços em um mapa do Brás, com o intuito de visualizar a disposição
destas associações no bairro, o que permite auxiliar a reflexão sobre a utilização destes espaços e as possí-
veis interações e cooperações entre as associações.
246
É importante ressaltarmos que, assim como Jorge Ferreira e Daniel Aarão, por “esquerda” entendemos
e aceitamos a acepção de Norberto Bobbio, onde “De esquerda seriam as forças e lideranças políticas ani-
madas e inspiradas pela perspectiva de igualdade.” In: Norberto Bobbio, Direita e esquerda: razões e sig-
nificados de uma distinção política, São Paulo, Unesp. 1995. Apud FERREIRA e AARÃO. Op.cit. Pág.
11.

118
trabalhadores do Brás. Como buscamos demonstrar, na década de 1900 as associações
de resistência que surgiram no Brás organizaram-se, em geral, através de sociedades
divididas e orientadas por ofícios e categorias de trabalho. Essas sociedades tinham em
comum o caráter classista em seus objetivos. No entanto, cada uma articulou a
identidade de sua classe de maneira específica, focando suas ações nas suas demandas e
expectativas próprias.
Além disso, como pudemos perceber, no início do século passado houve um
forte crescimento das sociedades de resistência em toda a cidade. Contudo, neste
período também houve aumento significativo no número de sociedades mutualistas da
capital. Todavia, o que presenciamos no Brás não foi exatamente isso. A análise em
escala reduzida que fizemos desta região nos permitiu perceber que, de fato, as
sociedades de resistência marcaram forte presença no bairro já a partir de fins do século
XIX. As mutualistas e beneficentes, por sua vez, não tiveram a expressividade que
atingiram os grupos militantes e tampouco cresceram efetivamente em número, como
historiadores apontaram ocorrer no período na cidade como um todo. Neste sentido,
concluímos que o Brás representou uma exceção, pois lá foi, sem dúvida, predominante
a existência de associações classistas, diferente do que ocorreu em outros bairros da
capital247.
Diferentemente do Bom Retiro, onde Siqueira248 aponta existir um número
relativamente baixo de sindicatos e a ausência de agremiações de caráter estritamente
político, o Brás é constituído majoritariamente por sociedades deste tipo. Além disso,
verificamos no bairro a quase completa inexistência de associações de caráter religioso,
isto é, ligadas à igreja católica ou mesmo outras 249. Contudo, sabemos que havia igrejas
no Brás, como por exemplo, a primeira capela do bairro erguida em honra a Bom Jesus
do Matosinhos, na atual av.Celso Garcia. Houve ainda outras igrejas como a paróquia
de São Vito Mártir e também a São João Batista do Brás, ambas no bairro. O que
podemos inferir, no entanto, é que nem elas, nem os grupos relacionados à atividade de
suas paróquias foram os centros de agregação mais importantes das classes

247
Em estudo realizado sobre as sociedades de trabalhadores do bairro do Bom Retiro, por exemplo,
Uassyr de Siqueira nos mostra que, durante os anos de 1915 a 1924, as sociedades recreativas, clubes es -
portivos e sociedades musicais representavam cerca de 90% do total das associações formadas por traba-
lhadores naquele bairro.
248
SIQUEIRA, Uassyr. Clubes e sociedades dos trabalhadores do Bom Retiro: Organização, lutas e la-
zer em um bairro paulistano (1915-1924). Op.cit.
249
Em todas as fontes e arquivos consultados durante esta pesquisa encontramos apenas o registro de uma
única sociedade religiosa no Brás, trata-se da Egreja Presbyteriana do Braz fundada em 15/04/1914.

119
trabalhadoras no bairro. Apesar de poderem ter possuído e exercido sua fé por meio das
igrejas espalhadas no entorno, a grande maioria dos trabalhadores do Brás optou por
outras formas de associação que não era primordialmente a religiosa.

A imprensa operária, por seu turno, teve forte participação dentre as sociedades de
resistência do Brás. Durante a cronologia desta pesquisa, encontramos nas fontes a
presença de quatro periódicos no bairro produzidos e voltados às classes trabalhadoras,
foram eles: A Folha do Braz, O Livre Pensador, O Combate e A Plebe. Em algum
momento de suas existências e trajetórias estes periódicos, que como vimos tiveram
uma marcante participação nas questões, atividades e ações das classes trabalhadoras
não só do Brás, mas da cidade toda, tiveram as suas redações e sedes no nosso bairro.
Durante a Primeira República, a imprensa operária desenvolveu um importante papel
frente às classes trabalhadoras, contribuindo fortemente no processo de formação da
identidade e organização destas classes. Através de suas publicações, denúncias, apelos,
informes, atividades e etc. os grupos que formavam estes jornais certamente foram um
dos principais responsáveis pelas ações operárias que marcaram o período, tal como
contribuíram positivamente na formação de uma cultura de auxílio e cooperação dos
trabalhadores. Além disso, a imprensa operária foi o veículo privilegiado e, por vezes o
único, a ouvir e dar voz às reivindicações e demandas dos trabalhadores paulistanos.

Tratamos neste estudo também da verificada e importante mudança organizacional


que caracterizou as associações de resistência do Brás na segunda metade da década de
1910. Neste período, as sociedades militantes deixaram um pouco de lado a formação
de grupos e sindicatos orientados pelas categorias e ofícios específicos e buscaram
organizar o movimento operário através das ligas de bairros. Esse fenômeno estendeu-se
por toda a cidade, como pudemos perceber pelo surgimento das várias ligas espalhadas
nos diferentes bairros operários. No Brás, a Liga Operária representou um importante
centro das ações trabalhistas e da defesa dos interesses das classes ali presentes,
tomando frente do processo organizativo de várias classes ainda sem coesão e de
diversas greves e reivindicações dos trabalhadores que a ela pertenciam.
No entanto, notamos também que as atividades realizadas pela Liga Operária do
Braz, apesar de teoricamente estar voltada aos trabalhadores do bairro, não se limitou
àquela localidade, desenvolvendo também ações em outros bairros e atuações voltadas
às classes operárias de São Paulo como um todo. Possivelmente estas ações iam ao

120
encontro da tarefa de unir as classes de toda a cidade sob bases de acordos e cooperação
comuns. Neste sentido, o Brás possuía uma importância central, pois este bairro era
referência nas questões operárias por ser um dos maiores e mais populosos distritos do
período, sobretudo, no âmbito da organização e da população trabalhadora.
Sobre a atuação das mulheres nas associações do Brás obtivemos poucas conclusões
efetivas. A maioria das sociedades registradas em cartório não especificou em seus
estatutos sobre a participação ou não do elemento feminino em suas fileiras, o que nos
leva a crer que elas eram aceitas sem maiores problemas ou, ao contrário, sua exclusão
era tão obvia e recorrente que, portanto, nem mesmo necessitava ser explicitada nos
estatutos. Contudo, como vimos, houve casos em que as mulheres necessitavam da
autorização dos maridos para poderem ser sócias de determinados grupos, como
verificamos na Sociedade Cooperativa e Beneficente do Braz. Além disso, observamos
também a inexistência das mulheres configurando entre as sócias fundadoras ou nas
diretorias de todas as sociedades que analisamos, excetuando-se o Centro Feminino de
Educação Jovens Idealistas, que foi a única feita por e para mulheres presente no Brás.
Porém, como já dissemos, as notícias referentes à participação feminina na Liga
Operária do Braz nos levam a crer que a presença das mulheres entre os componentes
da Liga foi, no mínimo, significativa. Sabemos que esta Liga voltou algumas de suas
atividades à classe dos tecelões e, por conseguinte, que as mulheres, junto com os
menores, formavam a maior parte das operárias deste ramo. Portanto, não podemos
deixar de lado esse histórico de participação do elemento feminino na Liga Operária do
Braz e nas atividades desenvolvidas por ela no bairro.
Em relação à cooperação das classes trabalhadoras em São Paulo, pudemos notar
que a solidariedade de classe no Brás foi bastante intensa. Isso se tornou bastante
evidente quando analisamos os esforços desferidos pelos militantes quando da criação
das Escolas Modernas. O estabelecimento destas instituições de ensino na cidade, como
vimos, demandou uma grande quantidade de trabalho dos militantes envolvidos em tal
empreitada. Se não fossem as listas de subscrições, festas, propagandas e as várias
atividades que os operários organizados de São Paulo fizeram, possivelmente o projeto
de criação das escolas não teria saído do papel. A mobilização no sentido de concretizar
tal iniciativa foi demonstrativa do grau de colaboração das classes trabalhadoras e do
ideal de cultura que essas classes partilhavam.
A formação da identidade das classes trabalhadoras da capital passa,
indubitavelmente, pelo processo de criação das Escolas Modernas, pois elas eram

121
direcionadas ao ensino e instrução dos filhos dos trabalhadores e, para tanto, visavam à
emancipação política, cultural e social destes pequenos sujeitos desde cedo.
Representantes dos ideais libertários, as Escolas Modernas forjaram, juntamente com as
outras associações do bairro, o espírito de solidariedade e revolta das crianças inerentes
às classes vitimadas pela estrutura e expansão do sistema capitalista.

Desta forma, como produto desta pesquisa, trouxemos ao final do terceiro capítulo
uma lista com o nome e endereço dos vinte e quatro grupos de trabalhadores e espaços
por eles utilizados para a construção de sua organização e desenvolvimento de suas
atividades no bairro do Brás, que abordamos neste trabalho. Além disso, apontamos
estes endereços em uma planta do bairro do ano de 1916 para que ela nos sirva de
auxílio e nos permita refletir sobre as localidades destes grupos, suas atuações e
historicidade neste espaço.
A partir da construção do mapa com a localidade das associações pesquisadas
podemos revelar mais alguns aspectos e arriscar conclusões sobre o associativismo dos
trabalhadores no Brás. Primeiramente é importante ressaltarmos o fato de que as vinte e
quatro associações apontadas estiveram atuantes no Brás em diferentes períodos entre
os anos de 1900 a 1919 e que, portanto, esses grupos não estiveram em plena atividade
todos ao mesmo tempo, tal como seus espaços, que ora estavam a serviços das classes
operárias ora não estavam.
O mapa apresentado serve, portanto, para nos dar uma ideia da dimensão do
associativismo no bairro e dos vários lugares utilizados pelos trabalhadores durante
esses anos. A maioria das associações pesquisadas não tiveram vida longa devido às
várias dificuldades para se manter estes grupos durante a Primeira República,
especialmente as associações de resistência que além das dificuldades recorrentes do
período, ainda tinham que lidar com a repressão das autoridades. Sendo assim, quando
em 1904 o Jornal O Livre Pensador teve sua oficina e redação à Rua Monsenhor
Anacleto nº 44, ele já não era mais vizinho do opúsculo Gli Schiavi Bianchi, localizado
na mesma rua, nº 11, pois sua sede já não era mais lá, visto que ele nem mais estava em
circulação neste ano. No entanto, é provável que outra sociedade estivesse ocupando o
espaço que um dia foi do periódico, pois, como vimos, um endereço podia alojar grupos
diferentes em épocas distintas, pois as sociedades podem e inevitavelmente, por vezes,
desaparecem, mas os espaços permanecem e são novamente reutilizados pelos
trabalhadores.

122
Além disso, um mesmo espaço pôde servir à utilidade de mais do que uma
sociedade ao mesmo tempo: foi o caso da Liga Operária do Braz, estabelecida à Rua
Joly, nº 125. Em 1919 seu salão era utilizado pela União dos Caramelistas e
Chocolateiros, pela União dos Operários em Fábricas de Tecidos e ainda por outros
grupos que faziam parte da Liga. Como vimos, a utilização compartilhada de um
mesmo espaço por diferentes grupos não foi incomum durante o período e ocorreu
também em outros bairros além do Brás. Este processo pode ser entendido como uma
necessidade, visto que utilizando o mesmo espaço as associações poderiam dividir o
aluguel, o que permitiria a escolha de um lugar melhor e de mais fácil acesso para as
reuniões, mas pode também estar ligada à representatividade e importância do
logradouro frente às classes, por exemplo, a Rua Joly nº 125, que era de 1917 a 1919
possivelmente o endereço mais conhecido dos moradores do Brás pelo fato de funcionar
ali a Liga do bairro, isto é, uma associação que aglutinava várias outras em torno de si.
Mas o fato é que os grupos podiam desaparecer com a mesma rapidez com a qual
foram criados ou até mais rápido o que fez com que poucas sociedades, na realidade
quase nenhuma, permanecessem ativas ao longo de todos estes vinte anos que tratamos.
A única que obtivemos informações a respeito de sua longevidade foi a Sociedade de
Socorro Mútuo Guglielmo Oberdan, que, como observamos, só extinguiu-se por volta
da Segunda Guerra Mundial.
É importante concluir também a respeito das dificuldades que as associações tinham
em manter suas sedes. Isso se torna evidente ao percebermos que várias associações
mantiveram-se, durante sua existência, em mais do que um endereço. A mudança nas
localidades dos grupos pode ser reveladora dos entraves em que eles estavam imersos
na tentativa de manter sua organização. A Folha do Braz, O Livre Pensador, A Plebe e
as Escolas Modernas são exemplos de sociedades que mudaram suas sedes durante o
período pesquisado.
Essas mudanças provavelmente atendiam primeiramente às questões financeiras e,
sobretudo, estava ligada à dificuldade de comprar um prédio próprio e mesmo de arcar
com as despesas dos aluguéis, mas havia outras coisas envolvidas, como por exemplo, a
escolha de uma localidade adequada e um local que atendesse às necessidades dos
sócios e dos grupos. Todavia as mudanças de espaço não devem ser encaradas
unicamente como algo ruim ou desfavorável à organização dos trabalhadores, pois ao
mesmo tempo em que a mudança de logradouro era um infortúnio ao grupo e aos sócios
já familiarizados com a sua sede, ela produzia também um alto grau de circulação e

123
mobilidade de pessoas, ideias e experiências díspares que marcaram a identidade do
Brás durante esses anos.
Parece-me que as questões referentes à necessidade que praticamente todas as
associações tiveram (e têm, até os dias atuais) de um espaço próprio para realizarem
suas reuniões, atividades, palestras, festas, etc. foram uma constante dentro destes
grupos. Uma sede social não significava simplesmente o conforto e a garantia de um
espaço físico para o desenvolvimento e vida do grupo, mas também está ligada à
representatividade e à legitimação daquela sociedade. Ter o seu espaço significava ter
um lugar para utilizar em benefício do grupo e, mais do que isso, a sede social, mesmo
que alugada, compartilhada ou provisória, de uma sociedade era um fator de visibilidade
e coesão daquele grupo que não estava, portanto, abandonado ou disperso no espaço,
pois possuía sua sede como referencial e como um bem concreto que por vezes
legitimou, trouxe coesão e identidade aos trabalhadores de determinadas associações.
Desta maneira, concordamos com Batalha quando ele afirma que

“as sociedades buscavam endereços em localizações relativamente


prestigiosas, em ruas comerciais importantes [...] encontrar uma sede
situada em um endereço relativamente prestigioso, parecia ser,
portanto, uma preocupação constante de diversas sociedades
operárias.”250

Neste âmbito, em relação ao Brás, pudemos efetivamente notar a presença de


algumas associações em importantes logradouros do bairro como, por exemplo, a
Avenida Rangel Pestana e a Rua do Gazômetro, que representam relevantes vias de
acesso e comunicação com o centro da cidade e arredores. Além disso, percebemos que
a maioria das associações localizava-se entre o Largo da Concórdia (centro do Brás, em
frente à estação ferroviária) e a região da Sé, isto é, localidades de mais fácil acesso aos
trabalhadores e também de maior circulação de pessoas e outras sociedades, como, por
exemplo, as localizadas no centro e no limite com o bairro da Mooca.
Em relação às dinâmicas espaciais das localidades dos grupos, ao que nos parece,
eles não buscaram uma organização estratégica no bairro, pois as associações estavam
dispostas naquele espaço mais ou menos aleatoriamente, ou seja, as sindicais próximas
250
BATALHA, C. H. M. A geografia associativa: as associações operárias, protestos e espaço urbano
no Rio de Janeiro da Primeira República. In: Alciene Azevedo, Jefferson Cano, Maria Clementina Perei-
ra Cunha, Sidney Chalhoub (orgs) Trabalhadores na cidade: cotidiano e cultura no Rio de Janeiro e em
São Paulo, séculos XIX e XX. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2009. Pág. 261.

124
às beneficentes, que por sua vez eram vizinhas de círculos recreativos ou salões, etc.
Desta forma, portanto, não pudemos identificar uma rede espacial de cooperação e
colaboração entre sociedades que possuíam as mesmas finalidades e até mesmo de
grupos com caráter distinto. No entanto, acreditamos que essa possibilidade não deva
ser descartada dada a proximidade física que as associações mantinham entre si e a
atmosfera colaborativa que marcou a organização trabalhadora durante a Primeira
República251.

Por último, mas não menos importante, devemos chamar a atenção para a
complexidade que caracterizou o associativismo das classes trabalhadoras no Brás
durante os vinte anos de que tratamos. Como pudemos ver, ao longo desses anos
coexistiram diferentes tipos de sociedades naquele espaço sem que as ações de umas
prejudicassem ou impedissem o livre desenvolvimento das outras, mas pelo contrário,
quando houve a oportunidade, estes grupos auxiliaram-se mutuamente no processo de
construção e desenvolvimento da organização trabalhadora no bairro. Podemos afirmar
também que, sem dúvida, um mesmo militante pode ter participado de grupos com
finalidades e caráter distintos, pois a participação de um sujeito em uma sociedade
beneficente ou num clube recreativo não excluía a possibilidade de militância em
associações de resistência, por exemplo. Neste sentido, é característico o caso do
militante Edgard Leuenroth que no ano de 1909 era o diretor responsável pela publicação do
opúsculo A Lanterna, e no mesmo período esteve também à frente da Comissão Administrativa
da Sociedade Escola Moderna. Apesar de ambas as iniciativas terem o evidente caráter
libertário é clara a diferente militância que cada um dos dois grupos demandava. Foi parecido
também o caso do Sr. Ernesto Goulart Penteado que em 1907 era o presidente da Sociedade
Beneficente União Internacional do Braz, que era uma sociedade mutualista e, pouco tempo
depois, no ano de 1909, já se encontrava como um dos fundadores e também presidente do
Édem Club do Braz, que se tratava de uma sociedade estritamente recreativa.
Bem observou Uassyr de Siqueira ao afirmar que “a proximidade entre sociedades
recreativas e sindicais [e acrescentamos também as beneficentes] não era meramente
geográfica”.252 Estes grupos partilhavam mais do que o território de sua atuação, ou seja,

251
GOMES, Ângela Maria de Castro. “A invenção do trabalhismo.” São Paulo/Rio de Janeiro,
Vétice/Iuperj, 1988.
252
SIQUEIRA, Uassyr de. Clubes recreativos: organização para o lazer. In: Alciene Azevedo, Jefferson
Cano, Maria Clementina Pereira Cunha, Sidney Chalhoub (orgs) Trabalhadores na cidade: cotidiano e
cultura no Rio de Janeiro e em São Paulo, séculos XIX e XX. Campinas, SP: Editora Unicamp, 2009. Pág.
304.

125
eles estavam inseridos num mesmo contexto de controle e pauperização da vida e das
relações sociais. Portanto, ao estudarmos estas diferentes associações que compunham a
heterogeneidade do associativismo no Brás, percebemos que muitas das questões e
preocupações, inclusive das sociedades com finalidades distintas, eram compartilhadas
por quase todos os trabalhadores no período que por sua vez pretenderam, cada qual ao
seu modo, amparar, instruir e organizar as classes trabalhadoras preparando-os para os
tão desejados bem estar e igualdade social.

Fontes

Periódicos disponíveis no AEL - Arquivo Edgard Leuenroth. IFCH. Unicamp.

- Gli Schiavi Bianchi. 20/06/1892.


- O Socialista. Anno III. 17/7/1898.

126
- A Folha do Braz. Anno II, nº 76. 09/07/1899.
- A Folha do Braz. Anno III. nº 1/10/1899.
- A Folha do Braz. Anno IV, nº 94. 23/12/1900.
- A Folha do Braz. Anno IV, nº 94. 23/12/1900.
- A Folha do Braz. Anno IV, nº 94. 23/12/1900.
- O Amigo do Povo. 24/5/1902.
- O Amigo do Povo. Anno I. nº24. 11/04/1903.
- O Trabalhador Gráfico. Ano II, nº9. Janeiro de 1906.
- O Livre Pensador 11/5/1907.
- La Lotta Proletaria. Ano III, nº21. 17/08/1908.
- La Lotta Proletaria. 11/11/1908.
- La Lotta Proletaria. 11/11/1908.
-
La Lotta Proletaria. 15/12/1908.
- La Lotta Proletaria. 1/2/1909.
- A Lanterna 26/12/1903.
- A Lanterna. 20/11/1909.
- A Lanterna. 27/11/1909.
- A Lanterna. 25/10/1913.
- A Lanterna. 08/10/1914.
- A Plebe. 23/06/1917.
- A Plebe. 30/06/1917.
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- A Plebe. 04/08/1917.
- A Plebe. 04/08/1917.
- A Plebe. 15/09/1917.
- A Plebe. 28/07/1917.
- A Plebe. 24/05/1919.
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- Liga dos Padeiros e Confeiteiros de São Paulo.
- Sociedade Italiana de Socorro Mútuo Guglielmo Oberdan.
- União dos Operários em Fábricas de Tecidos.
- Circulo Recreativo Flor do Braz.
- Sociedade Recreativa Centro do Braz.
- Édem Clube do Braz.
- Escola Moderna.
- Sociedade Cooperativa e Beneficente do Braz.
- Associação Instrutora da Juventude Feminina.
- Liga Operária da Construção Civil.
- União dos Operários das Fábricas de Tecidos.
- União dos Caramelistas e Chocolateiros.
- Liga dos Trabalhadores em Madeira.

Acervo público da Biblioteca Mário de Andrade:

- Boletim mensal da Escola Moderna I. 18/03/1919.

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