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centro-e-periferia

Publicado em NOVA ESCOLA 06 de Setembro | 2017

Plano de aula

Use Chico Buarque para discutir a


relação entre centro e periferia
“As Caravanas”, música de seu novo álbum, é um prato cheio para debater o tema
Rodrigo Ratier

Ele é o compositor e intérprete mais cultuado do Brasil. Mas, provavelmente, trata-se de um ilustre
desconhecido para seus alunos. Chico quem? Triste – e compreensível. Chico Buarque é uma celebridade
discreta. Não participa de programas de auditório, não tem músicas em rádios populares nem vídeos que
viralizam no YouTube.

Com o perdão da graça gasta, dá para virar esse disco. O lançamento de Caravanas, 38º álbum de estúdio de
Chico, é uma ótima chance para apresentar esse artista fundamental da MPB. As nove canções têm melodias e
letras ricas. Os temas – variados – podem servir para discussões em aulas de Língua Portuguesa, Sociologia,
História e Geografia.

A proposta deste texto é levar para sua aula a canção que dá nome ao álbum, “As Caravanas”. Apresentamos
algumas etapas que você pode seguir na íntegra ou adaptar livremente, dependendo da realidade da sua
turma e da discussão que você quer provocar.

1- Apresentando o artista

A sugestão é iniciar com uma provocação. Por incrível que pareça, a maioria dos alunos de Fundamental 2 e
Médio já deve ter visto Chico Buarque, embora não consiga ligar o nome à pessoa. Explore o terreno familiar
apresentando o clássico meme Chico feliz / Chico triste:

Pergunte aos alunos se já viram essa imagem, que nas redes sociais costuma vir sempre ligada a textos bem-
humorados em que a expectativa da primeira frase (o Chico “feliz”) cai por terra em seguida (o Chico “triste”).
Imaginam quem seja o rapaz do meme?

Você pode falar brevemente de quem se trata. O Dicionário Cravo Albin de MPB traz um verbete bem
completo, que pode servir de base ou para uma pesquisa da turma ou para sua fala.

Outra referência importante é a própria origem do meme: trata-se da capa de Chico Buarque de Hollanda,
disco de estreia do artista, em 1966.
Você pode encerrar essa parte com uma brincadeira provocativa – que também é um convite:
2- Apresentando a música “As Caravanas”

Diga para a turma que sua ideia é apresentar uma canção do álbum mais recente de Chico. Antes de qualquer
análise, toque a faixa de áudio ou vídeo para a turma se familiarizar.

Vídeo: https://www.youtube.com/embed/6TtjniGQqAc

Não esqueça de distribuir cópias da letra para os alunos acompanharem:

As Caravanas

É um dia de real grandeza, tudo azul


Um mar turquesa à la Istambul enchendo os olhos
Um sol de torrar os miolos
Quando pinta em Copacabana
A caravana do Arará — do Caxangá, da Chatuba

A caravana do Irajá, o comboio da Penha


Não há barreira que retenha esses estranhos
Suburbanos tipo muçulmanos do Jacarezinho
A caminho do Jardim de Alá

É o bicho, é o bochicho, é a charanga


Diz que malocam seus facões e adagas
Em sungas estufadas e calções disformes
Diz que eles têm picas enormes
E seus sacos são granadas
Lá das quebradas da Maré

Com negros torsos nus deixam em polvorosa


A gente ordeira e virtuosa que apela
Pra polícia despachar de volta
O populacho pra favela
Ou pra Benguela, ou pra Guiné

Sol, a culpa deve ser do sol


Que bate na moleira, o sol
Que estoura as veias, o suor
Que embaça os olhos e a razão

E essa zoeira dentro da prisão


Crioulos empilhados no porão
De caravelas no alto mar

Tem que bater, tem que matar, engrossa a gritaria


Filha do medo, a raiva é mãe da covardia
Ou doido sou eu que escuto vozes
Não há gente tão insana
Nem caravana do Arará

3- Situando o tema da discussão: a relação centro-periferia

Perceba a atualidade do tema. Chico descreve um dia de Sol no Rio de Janeiro, com um grupo de suburbanos
rumo à zona Sul para curtir a praia. A relação centro-periferia pode ser um assunto familiar para seus alunos,
principalmente se eles moram em grandes metrópoles. E o conteúdo deve ser contemplado no texto final da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

A sugestão é abordar o tema no 9º ano. No texto mais atual da BNCC (a 3ª versão), a habilidade EF09GE16 fala
em analisar as “aspectos populacionais, urbanos, políticos e econômicos” de países da América, o que
comporta “discutir desigualdades sociais e econômicas”. Prato cheio para a letra de As Caravanas , como
veremos.

4- Situando o tema na realidade do Rio de Janeiro

A trama, como já adiantamos, é tipicamente carioca. Os primeiros versos trazem a ambientação e o


deslocamento humano que será o foco da narrativa. Convide a turma para ler com atenção:

É um dia de real grandeza, tudo azul


Um mar turquesa à la Istambul enchendo os olhos
Um sol de torrar os miolos
Quando pinta em Copacabana
A caravana do Arará — do Caxangá, da Chatuba
A caravana do Irajá, o comboio da Penha

Uma primeira pergunta – básica: de que Chico está falando?

Os alunos podem dizer que se trata de um deslocamento, e o ideal é que a gente provoque para ter o máximo
de informações. De onde para onde? O destino é Copacabana, e a origem – citada na letra –são bairros como
Arará, Caxangá, Chatuba, Irajá, Penha, Jacarezinho e Maré.

Quais as características de cada um desses lugares? Google Mapas e Google Earth são aliados nessa
descoberta.

Pesquise junto com a turma, no computador ou no smartphone, algumas imagens de cada um dos
bairros. As fotos devem indicar que Copacabana (a sugestão é navegar na avenida Atlântica) é um bairro
de classe média-alta, turístico e organizado em termos urbanísticos. Os locais de origem, por outro lado,
são comunidades populares, com habitações precárias e sem planejamento urbano.
Qual o tamanho da viagem? A função “rota” do Google Mapas ajuda a responder. São viagens de 50
quilômetros (caso da Chatuba de Mesquita), que podem levar até duas horas no transporte público.
Vale explorar a polissemia (variedade de significados) de alguns termos.
“Real grandeza” é também o nome de uma rua do bairro de Botafogo, situada na entrada do morro
Santa Marta. Ela termina no túnel Velho, que liga Botafogo a Copacabana. “É dia de real grandeza”,
nesse sentido, pode indicar que é dia de praia.
“Tudo azul” é também uma gíria dos anos 1980, que significa “tudo certo”, “tudo bem”.

Vale checar se a turma compreende o significado de “caravana” (grupo de pessoas que se reúnem para viajar
ou sair) e de “comboio” (conjunto de animais ou pessoas que se deslocam juntos para um mesmo destino).

Convide a turma a arriscar: existe algum sinônimo atual para essas palavras na gíria carioca? Uma palavra
usual, com significado parecido, é bonde, que a partir do século 20 passou a designar também um “grupo
de pessoas amigas”, como registra o Houaiss.

5- O sentido do deslocamento

O que motiva uma viagem tão longa?

A resposta também está na letra: “um mar turquesa à la Istambul”, ou seja, a praia e o mar
deslumbrante como na cidade turca. As faixas de areia no Rio são disputadas nos fins de semana.
Vão para a praia pessoas de todas as classes – da média e média-alta que moram nos bairros nobres
das Zonas Sul (Copacabana, Ipanema, Leblon e São Conrado), na Barra da Tijuca e no Recreio dos
Bandeirantes, e das classes populares das favelas e subúrbios do Rio.
Não se trata de um encontro trivial. Há tensão no ar e explosões ocasionais de violência. Pergunte à
turma se eles já ouviram falar dos arrastões (alguns vídeos do problema aqui).

Chame a atenção para o seguinte verso: Não há barreira que retenha esses estranhos. A que se refere?
No computador, você pode abrir reportagens que tragam ações organizadas pelo poder público. A notícia
do UOL, de 2015, traz um exemplo de ações de revista em adolescentes em ônibus vindos da Baixada
Fluminense e do subúrbio para, em tese, prevenir arrastões na orla. As revistas a ônibus são exemplos
das barreiras de que fala Chico.

Chico Buarque e Rafael Mike no clipe de "As Caravanas" (Reprodução)

6- A visão do centro sobre os suburbanos

O “estranhos” do verso é a porta de entrada para analisar como as pessoas que vêm de bairros populares são
vistas pela opinião pública:

Suburbanos tipo muçulmanos do Jacarezinho


A caminho do Jardim de Alá
É o bicho, é o bochicho, é a charanga

Cabe provocar: por que Chico compara suburbanos e muçulmanos?

Uma aproximação é o preconceito que ambos os grupos sofrem. Hoje em dia, recai sobre os muçulmanos o
peso de serem considerados, indiscriminadamente, como terroristas. Quanto aos suburbanos, o rótulo é o de
serem criminosos.

Em comum, o fato de serem temidos e, ao mesmo tempo, desconhecidos por quem os teme -- e às suas
manifestações: “é o bicho, é o bochicho, é a charanga”, referência à arte musical do subúrbio, das bandinhas de
sopro meio desafinadas (as charangas) ao funk.

Alguns complementos, caso você queira avançar um pouco mais nesse trecho:

Jardim de Alá é um jogo com nome de Deus no islamismo e o parque nas margens do canal do que liga a
lagoa Rodrigo de Fritas ao mar, separando Ipanema e Leblon, dois dos bairros mais nobres do Rio.
O nome do parque não tem conotação religiosa. Foi baseado no filme americanoJardim de Alá, que
fez sucesso nos cinemas quando o local foi inaugurado em 1938.
Provoque a turma: vocês conseguem identificar alguma influência do funk na música? Mostre que em
alguns trechos que enfocam os suburbanos, a percussão transforma discretamente o ritmo no “batidão”
do funk.
Esses trechos, que aparecem e somem diversas vezes ao longo da música, têm também um
acompanhamento de beatbox (reprodução do som da bateria com a boca) feito por Rafael Mike,
integrante do grupo de funk Dream Team do Passinho.

O desconhecimento do centro em relação à periferia dá origem a narrativas demonizantes:

Diz que malocam seus facões e adagas


Em sungas estufadas e calções disformes
Diz que eles têm picas enormes
E seus sacos são granadas
Lá das quebradas da Maré

Interessante notar o uso do “diz que”. Pergunte à turma: quem diz?

Impossível saber. É um caso de sujeito indeterminado. Chico aposta na expressão, tão corriqueira na
linguagem coloquial, para estabelecer a ligação com fofocas ou boatos.

Quais?

Nesse caso, a turma pode identificar as narrativas que ligam virilidade sexual (“picas enormes”, “sacos são
granadas”) e violência (“malocam seus facões e adagas).

Uma sugestão é encerrar esta etapa com perguntas mais amplas para que todos possam opinar e refletir sobre
o sentido da letra até aqui. Como surgem essas histórias? Como elas adquirem o status de verdade para
determinados grupos sociais? Na opinião dos estudantes, como desconstruir essas versões?

7- Os pedidos de reação

Até aqui, os suburbanos tomam conta da ação. Nos versos seguintes, porém, a letra traz explicitamente um
outro personagem.

Com negros torsos nus deixam em polvorosa


A gente ordeira e virtuosa que apela
Pra polícia despachar de volta
O populacho pra favela
Ou pra Benguela, ou pra Guiné

A turma consegue identificar quem é? Assim que localizarem “a gente ordeira e virtuosa”, pergunte o que pede
esse grupo. Além do verso “apela pra polícia despachar de volta o populacho”, é importante que a turma
identifique que o verso abaixo é parte da fala do mesmo grupo:

Tem que bater, tem que matar, engrossa a gritaria

Finalmente, indague: a quem Chico pode estar se referindo? Os estudantes devem citar os habitantes dos
bairros nobres, e você pode debater se a visão apresentada, na opinião da classe, é próxima da realidade ou,
de alguma forma, também contém algum grau de generalização.

Uma provocação que você pode fazer: quando Chico diz “gente ordeira e virtuosa”, ele acredita que o
grupo possua essas qualidades? Ou está sendo irônico? Avançando na letra, a classe percebe que é ironia.
Nos trechos finais, o autor vai se referir a eles como “gente tão insana”.
Explique que “populacho” tem caráter negativo. O Houaiss define o termo como “grupo menos favorecido
de uma comunidade”, sinônimo de ralé. O autor aqui, explicita o discurso da elite.
Favela? Benguela? Guiné? Chico fala do desejo dos mais ricos de mandar o populacho de volta para
casa – seja a atual, seja a dos ancestrais. Benguela é uma cidade de Angola e Guiné é um país do
continente africano. Estabelece-se a ligação entre o preconceito de hoje com a escravidão de ontem.
A música sugere algum tipo de explicação para o preconceito? Leve a turma a ver que o seguinte verso
pode ensaiar uma explicação:

Filha do medo, a raiva é mãe da covardia

8- Delírio ou história real?

O refrão traz para o centro da cena um elemento natural e seus efeitos

Sol, a culpa deve ser do sol


Que bate na moleira, o sol
Que estoura as veias, o suor
Que embaça os olhos e a razão

Vale contar para a turma que, no século 19, existiam correntes teóricas que defendiam haver uma relação
direta entre o clima e o estágio de “civilização”: quanto mais quente, menos desenvolvida a sociedade. A
Superinteressante tem uma reportagem sobre esses estudos – que, com o tempo, passaram a ser
considerados racistas e foram descartados.

O calor é tamanho que Chico se pergunta se está “doido”. A cena parece tão absurda e primitiva que não pode
ser verdade. Passado e presente se fundem: favela, prisão, navios negreiros:

E essa zoeira dentro da prisão


Crioulos empilhados no porão
De caravelas no alto mar

Leve a turma a perceber que o autor usa o recurso de uma atmosfera delirante para mostrar que vê uma
continuidade entre a escravidão e a condição vulnerável da população suburbana – majoritariamente negra –
nos dias de hoje.

A constatação pode ser o gancho para a pergunta final: o autor está certo nessa avaliação? O que pode ser feito
para mudar essa realidade?

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