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Curso de formação da Liga Popular – Vol.

1 (Guia de Estudos e referencias)

Sobre os Fundamentos do Leninismo Não é preciso demonstrar que hoje, quando a predição de Lênin sobre o papel do nosso
III — A teoria Partido já se converteu em realidade, esta tese de Lênin adquire uma força e uma
(J. V. Stálin) importância especiais.

1. Importância da teoria. Talvez a prova mais clara da grande importância que Lênin atribuía à teoria seja o fato
de que foi o próprio Lênin quem assumiu a tarefa extremamente importante de
Alguns supõem que o leninismo é a primazia da prática sobre a teoria, no sentido de generalizar, segundo a filosofia materialista, todas as conquistas de maior importância
que nele o essencial consiste na transformação em atos das teses marxistas, na feitas pela ciência no período de Engels a Lênin, e de criticar a fundo as correntes
"aplicação" destas teses, e que, no que se relaciona à teoria, o leninismo, segundo eles, antimaterialistas entre os marxistas. Dizia Engels que:
é bastante descuidado. É sabido que Plekhanov mais de uma vez escarneceu do
"descuido" de Lênin pela teoria e especialmente pela filosofia. Também é sabido que "o materialismo deve assumir uma nova forma à cada grande
muitos leninistas, ocupados hoje no trabalho prático, não são muito dados à teoria, por descoberta"[N34].
efeito, sobretudo, do enorme trabalho prático que as circunstâncias os obrigam a
realizar. Devo declarar que esta opinião, mais do que estranha, a respeito de Lênin e É sabido que foi precisamente Lênin quem, no seu notável livro " Materialismo e
do leninismo é inteiramente falsa e não corresponde de modo algum à realidade, que empiriocriticismo", cumpriu esta tarefa. É sabido que Plekhanov, tão inclinado a
a tendência dos militantes ocupados no trabalho prático para não fazer caso da teoria escarnecer do "descuido" de Lênin pela filosofia, não teve sequer ânimo de abordar
contradiz por completo o espírito do leninismo e está cheia de graves perigos para a seriamente a realização dessa tarefa.
nossa causa.
2. Crítica da "teoria" do espontaneísmo, ou sobre o papel da vanguarda no
A teoria é a experiência do movimento operário de todos os países, considerada sob o movimento.
aspecto geral. Naturalmente, a teoria deixa de ter objeto quando não se vincula à
A "teoria" do espontaneísmo é a teoria do culto da espontaneidade do movimento
prática revolucionária, exatamente do mesmo modo que a prática se torna cega se não
operário, a teoria da negação de fato do papel dirigente da vanguarda da classe
se ilumina o caminho com a teoria revolucionária. Mas a teoria pode converter-se em
operária, do Partido da classe operária.
formidável força do movimento operário se é elaborada em união indissolúvel com a
prática revolucionária, porque ela, e somente ela, pode dar ao movimento segurança, A teoria do culto da espontaneidade é decididamente hostil ao caráter revolucionário
capacidade de orientação e compreensão dos laços íntimos dos acontecimentos que do movimento operário, não quer que o movimento se dirija segundo a linha da luta
se verificam em torno de nós, porque ela, e somente ela, pode ajudar à prática a contra as bases do capitalismo, quer que o movimento siga exclusivamente a linha das
compreender, não só como e em que direção se movem as classes no momento reivindicações que possam ser "satisfeitos" e "aceitas" pelo capitalismo, é totalmente
presente, mas também como e em que direção deverão mover-se no futuro próximo. favorável à linha "da menor resistência". A teoria da espontaneidade é a ideologia do
E foi precisamente Lênin quem disse e repetiu dezenas de vezes a conhecida tese de trade-unionismo.
que:
A teoria do culto da espontaneidade é decididamente hostil a que se dê ao movimento
"Sem teoria revolucionária não pode haver movimento revolucionário". espontâneo um caráter consciente, metódico, não quer que o Partido marche à frente
(Vide vol. IV, pág. 380). da classe operária, que o Partido eleve as massas até torná-las conscientes, não quer
que o Partido assuma a direção do movimento; acha que os elementos conscientes não
Mais do que ninguém Lênin compreendia a grande importância da teoria,
devem impedir que o movimento siga pelo seu caminho; essa teoria quer que o Partido
especialmente para um partido como o nosso, em virtude do papel que lhe toca de
se limite a registrar o movimento espontâneo e se arraste a reboque. A teoria do
combatente de vanguarda do proletariado internacional, em virtude da complexa
espontaneísmo é a teoria da subestimação do papel do elemento consciente no
situação interna e externa que o rodeia. Prevendo este papel especial do nosso Partido,
movimento, a ideologia do "seguidismo", a base lógica do oportunismo de toda
em 1902, já então Lênin considerava necessário recordar que:
espécie.
"Só um partido guiado por uma teoria de vanguarda pode desempenhar o
Praticamente, essa teoria, que apareceu em cena já antes da primeira, revolução russa,
papel de combatente de vanguarda" . (Vide vol. IV, pág. 380).
teve como consequência que os seus adeptos, os chamados "economistas", negassem
a necessidade de um partido operário independente na Rússia, se manifestassem
contra a luta revolucionária da classe operária pela derrubada do czarismo, pregassem

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no movimento uma política trade-uníonista e pusessem, em geral, o movimento 3. A teoria da revolução proletária.
operário sob a hegemonia da burguesia liberal.
A teoria leninista da revolução proletária tem como ponto de partida três teses
A luta da velha "Iskra" e a brilhante crítica da teoria do "seguídisrno", feita por Lênin fundamentais.
no folheto "Que fazer?", não só derrotaram o chamado "economismo", mas
assentaram as bases teóricas de um movimento verdadeiramente revolucionário da Primeira tese: O domínio do capital financeiro nos países capitalistas
classe operária russa. avançados; a emissão de títulos, que é uma das principais operações do
capital financeiro; a exportação de capitais para as fontes de matérias-
Sem esta luta não seria possível sequer pensar na criação na Rússia de um partido primas, que é uma das bases do imperialismo; a onipotência da oligarquia
operário independente, nem no seu papel dirigente na revolução. financeira, como consequência do domínio do capital financeiro; tudo isso
põe a nu o caráter brutalmente parasitário do capitalismo monopolista, torna
Mas a teoria do culto da espontaneidade não é um fenômeno exclusivamente russo. cem vezes mais penoso o jugo dos trustes e dos sindicatos capitalistas,
Esta teoria tem a mais ampla difusão, é certo que sob uma forma um tanto diferente, aumenta a indignação da classe operária contra as bases do capitalismo,
em todos os partidos da II Internacional, sem exceção. Refiro-me à chamada teoria das conduz as massas à revolução proletária como única via de salvação. (Vide
"forças produtivas", reduzida a uma banalidade pelos chefes da II Internacional, teoria Lênin, "O imperialismo").
que, justifica tudo e concilia a todos, constata os fatos e os explica quando todos já
estão fartos deles, mas, depois de registrar os fatos, não vai além. Disse Marx que a Daí surge a primeira conclusão: aguçamento da crise revolucionária nos diferentes
teoria materialista não se pode limitar a explicar o mundo, mas que deve também países capitalistas, desenvolvimento nas "metrópoles" dos elementos que podem levar
transformá-lo. No entanto, Kautsky e Cia. não chegam senão a isso, preferindo deter- a uma explosão na frente interna, na frente proletária.
se na primeira parte da fórmula de Marx. Eis um exemplo, entre muitos, da aplicação
desta "teoria". Diz-se que, antes da guerra imperialista, os partidos da II Internacional Segunda tese: A exportação intensificada dos capitais para os países coloniais
ameaçavam declarar "guerra à guerra", se os imperialistas desencadeassem a guerra. e dependentes; a extensão das "esferas de influência" e dos domínios
Diz-se que, às vésperas da guerra, estes mesmos partidos arquivaram a palavra de coloniais até compreender todo o planeta; a transformação do capitalismo
ordem de "guerra à guerra" e puseram em prática a palavra de ordem oposta de num sistema mundial de escravização financeira e _de opressão colonial da
"guerra pela pátria imperialista". Diz-se que o resultado dessa mudança de palavras de imensa maioria da população do mundo por um punhado de países
ordem foi o morticínio de milhões de operários. Mas seria um erro pensar que alguém "avançados"; tudo isso, de uma parte, transformou as diferentes economias
foi culpado desse fato, que alguém traiu ou vendeu a classe operária. Nada disso! nacionais e os diferentes territórios nacionais em elos da mesma corrente,
Ocorreu o que tinha de ocorrer. Em primeiro lugar, porque a Internacional é um denominada economia mundial; por outro lado, dividiu a população do globo
"instrumento de paz" e não de guerra. Em segundo lugar, porque, dado o "nível das em dois campos: um punhado de países capitalistas "avançados", que
forças produtivas" existente àquela época, nada mais se podia fazer. A "culpa" é das exploram e oprimem vastos países coloniais e dependentes, e uma enorme
"forças produtivas". A "teoria das forças produtivas" do sr. Kautsky "no-lo" explica com maioria de países coloniais e dependentes, que se veem obrigados a lutar
precisão. E quem não crê nesta "teoria", não é marxista. O papel dos partidos? A sua para libertar-se do jugo do imperialismo. (Vide "O imperialismo").
importância no movimento? Mas, que pode fazer um partido contra um fator tão
Daí surge uma segunda conclusão: aguçamento da crise revolucionária nos países
decisivo como o "nível das forças produtivas"?...
coloniais, desenvolvimento do espírito de revolta contra o imperialismo, na frente
Poderíamos citar um montão de exemplos semelhantes de falsificação do marxismo. externa, na frente colonial.

Não é necessário demonstrar que esse "marxismo" falsificado, destinado a cobrir as Terceira tese: O monopólio das "esferas de influência" e das colônias, o
vergonhas do oportunismo, não é senão uma variedade europeia daquela teoria do desenvolvimento desigual dos diversos países capitalistas, que determina
"seguidismo" contra a qual Lênin combatia, já no período anterior à primeira revolução uma luta encarniçada por uma nova repartição do mundo entre os países que
russa. já se apossaram dos territórios e os países que querem receber a sua "parte";
as guerras imperialistas, único meio de restabelecer "o equilíbrio" desfeito:
Não é necessário demonstrar que a destruição dessa falsificação teórica é uma tudo isso leva a uma exacerbação da luta numa terceira frente, na frente
condição preliminar para a criação de partidos verdadeiramente revolucionários no intercapitalista, o que enfraquece o imperialismo e facilita a união contra o
Ocidente,

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imperialismo nas duas frentes anteriores, na frente revolucionária proletária é preciso considerar a revolução proletária mundial sobretudo como o resultado do
e na frente da luta pela libertação das colônias. (Vide "O imperialismo"). desenvolvimento da contradição no sistema mundial do imperialismo, como o
resultado da ruptura da cadeia da frente mundial imperialista neste ou naquele país.
Daí surge uma terceira conclusão: inevitabilidade das guerras na época do
imperialismo, inevitabilidade da coalizão da revolução proletária na Europa com a Onde começará a revolução? Onde poderá ser rompida, em primeiro lugar, à frente
revolução colonial no Oriente, numa só frente mundial da revolução contra a frente do capital? Em que país?
mundial do imperialismo.
Ali, onde a indústria for mais desenvolvida, onde o proletariado constituir a maioria,
Todas essas conclusões foram reunidas por Lênin numa só conclusão geral: o onde houver mais cultura, onde houver mais democracia — costumava-se responder,
imperialismo é a véspera da revolução socialista. (Vide vol. XIX pág. 71). antes.

Em consequência, modifica-se o modo de abordar o problema da revolução proletária, Não, objeta a teoria leninista da revolução, não é obrigatório que seja ali onde a
do seu caráter, da sua amplitude, da sua profundidade, modifica-se o esquema da indústria é mais desenvolvida, etc. A frente do capital se romperá lá onde a cadeia do
revolução em geral. imperialismo for mais fraca, porque a revolução proletária é o resultado da ruptura da
cadeia da frente imperialista mundial no seu ponto mais débil; e bem pode ocorrer que
Antes, costumava-se analisar as premissas da revolução proletária partindo do exame o país que iniciou a revolução, o país que rompeu a frente do capital seja do ponto-de-
da situação econômica deste ou daquele país. Hoje, este modo de abordar o problema vista capitalista menos desenvolvido do que outros, mais desenvolvidos, que
já não basta. Hoje, é necessário abordar a questão partindo do exame da situação permanecem, apesar disso, no quadro do capitalismo.
econômica de todos ou da maior parte dos países, do exame da situação da economia
mundial, porque os diferentes países e as diferentes economias nacionais deixaram de Em 1917, a cadeia da frente imperialista mundial era mais débil na Rússia do que
ser unidades autônomas, transformaram-se em elos de uma só cadeia que se chama noutros países. E aqui ela se rompeu, abrindo o caminho à revolução proletária. Por
economia mundial, porque o velho capitalismo "civilizado" se transformou em quê? Porque na Rússia se desencadeava uma grandiosa revolução popular, à frente da
imperialismo, e o imperialismo é o sistema mundial de escravização financeira e da qual marchava o proletariado revolucionário, que contava com um aliado tão
opressão colonial da enorme maioria da população do globo por parte de um punhado importante como os milhões e milhões de camponeses oprimidos e explorados pelos
de países "avançados". latifundiários. Porque na Rússia a revolução tinha como adversário um representante
tão repulsivo do imperialismo, como o czarismo, destituído de toda autoridade moral,
Antes, costumava-se falar da existência ou da falta de condições objetivas para a justamente odiado por toda a população. A cadeia era mais débil na Rússia, muito
revolução proletária nos diferentes países ou, mais exatamente, neste ou naquele país embora este país fosse menos desenvolvido no sentido capitalista do que, por
desenvolvido. Hoje, este ponto-de-vista já não basta. Hoje, deve-se falar da existência exemplo, a França ou a Alemanha, a Inglaterra ou a América.
das condições objetivas para a revolução era todo o sistema da economia imperialista
mundial, considerado como um todo. A existência, no seio deste sistema, de alguns Onde se romperá a cadeia no futuro próximo? Mais uma vez, ali onde for mais débil.
países de insuficiente desenvolvimento industrial não pode constituir obstáculo Não se excluí que a cadeia, possa romper-se, por exemplo, na Índia. Por quê? Porque
insuperável à revolução, se o sistema, no seu conjunto, ou melhor, uma vez que o ali existe um jovem proletariado revolucionário, combativo, que tem um aliado como
sistema no seu conjunto já está maduro para a revolução. o movimento de libertação nacional, aliado incontestavelmente poderoso e
incontestavelmente importante. Porque ali a revolução tem contra si um adversário
Antes, costumava-se falar da revolução proletária neste ou naquele país desenvolvido por todos conhecido, como o imperialismo estrangeiro, destituído autoridade moral e
como de uma entidade isolada, autônoma, oposta à respectiva frente nacional do justamente odiado por todas as massas exploradas e oprimidas da Índia.
capital, como seu antípoda. Hoje, este ponto-de-vista já não basta. Hoje, deve-se falar
da revolução proletária mundial, porque as diferentes frentes nacionais do capital se É também perfeitamente possível que a cadeia se rompa na Alemanha. Por quê?
transformaram em elos de uma só cadeia, que se chama frente mundial do Porque os fatores que atuam, por exemplo, na Índia, começam a atuar também na
imperialismo, a que se deve opor a frente geral do movimento revolucionário de todos Alemanha, tornando-se evidente que a imensa diferença existente entre o nível de
os países. desenvolvimento da Índia e o da Alemanha não poderá deixar de imprimir o seu sinete
no curso e no êxito da revolução neste último país.
Antes, considerava-se a revolução proletária como o resultado exclusivo do
desenvolvimento interno de um dado país. Hoje, este ponto-de-vista já não basta. Hoje Por isso, disse Lênin:

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«Os países capitalistas da Europa Ocidental levarão a termo o seu folheto "Duas táticas", a revolução democrático-burguesa e a revolução socialista
desenvolvimento para o socialismo... não por um processo gradual de como dois elos de uma só cadeia, como um quadro único, um quadro completo do
«amadurecimento» uniforme do socialismo neles, mas através da exploração processo da revolução russa:
de alguns Estados por parte de outros, através da exploração do primeiro
Estado entre os vencidos na guerra imperialista unida à exploração de todo o «O proletariado deve levar a termo a revolução democrática, atraindo para
Oriente. O Oriente, por outro lado, entrou definitivamente no movimento si a massa dos camponeses, para esmagar pela força a resistência da
revolucionário, justamente por força desta primeira guerra imperialista, e foi autocracia e paralisar a instabilidade da burguesia. O proletariado deve fazer
definitivamente arrastado ao turbilhão do movimento revolucionário aí revolução socialista, atraindo para si a massa dos elementos semi-
mundial». (Vide vol. XXVII, págs. 415-416). proletários da população, para quebrar pela força a resistência da burguesia
e paralisar a instabilidade dos camponeses e da pequena burguesia». Tais são
Em suma, a cadeia da frente imperialista, como regra, deve romper-se ali onde os elos as tarefas do proletariado, tarefas que os partidários da nova «Iskra»
da cadeia forem mais fracos e, em todo caso, não necessariamente ali onde o apresentam de modo tão restrito em todos os seus raciocínios e resoluções
imperialismo for mais desenvolvido, onde os proletários constituam uma determinada sobre a envergadura da revolução». (Vide Lênin, vol. VIII, pág. 86).
percentagem da população, os camponeses outros tantos por cento, etc.
E não falo de outros trabalhos, mas de recentes, de Lênin, em que a ideia da
Por isso, os cálculos estatísticos sobre a percentagem do proletariado na população transformação da revolução burguesa em revolução proletária aparece com maior
deste ou daquele país perdem, quando se trata de resolver o problema da revolução relevo do que em "Duas táticas", como uma das pedras angulares da teoria leninista da
proletária, aquela importância excepcional que lhe atribuíam, com muito gosto, os revolução.
escolásticos da II Internacional, que não souberam compreender o imperialismo e
temem a revolução como à peste. Certos camaradas, segundo parece, acreditam que Lênin não concebeu esta ideia
senão em 1916 e que até então pensara que a revolução, na Rússia, permaneceria no
Prossigamos. Os heróis da II Internacional afirmavam (e continuam a afirmar) que, quadro burguês, que o Poder passaria, portanto, das mãos do órgão da ditadura do
entre a revolução democrática burguesa, de um lado, e a revolução proletária, de proletariado e dos camponeses para as mãos da burguesia, e não para as mãos do
outro, há um abismo, ou, pelo menos, uma muralha chinesa, que separa uma da outra proletariado. Diz-se que esta afirmação penetrou até mesmo na nossa imprensa
por um lapso de tempo mais ou menos longo, durante o qual a burguesia, entronizada comunista. Devo dizer que esta afirmação é inteiramente falsa, que não corresponde
no Poder, desenvolve o capitalismo, enquanto o proletariado reúne forças e se prepara de modo algum à realidade.
para a "luta decisiva" contra o capitalismo. Este intervalo costuma ser avaliado em
muitos decênios, senão, mais. Não é preciso demonstrar que esta "teoria" da muralha Poderia referir-me ao conhecido discurso de Lênin, perante 0 II Congresso do Partido
chinesa, na época do imperialismo, não tem nenhum valor científico, que ela não pode (1905), no qual ele qualificava a ditadura do proletariado e dos camponeses, isto é, o
constituir senão um meio para encobrir e mascarar os apetites contrarrevolucionários triunfo da revolução democrática, não como "a organização da ordem"; mas como "a
da burguesia. é desnecessário demonstrar que, nas condições existentes no período do organização da guerra". (Vide vol. VII, pág. 264).[N39]
imperialismo, cheio de colisões e de guerras, às "vésperas da revolução socialista",
Poderia referir-me, ademais, aos conhecidos artigos de Lênin Sobre o governo
quando o capitalismo "florescente" se transforma em capitalismo "agonizante" (Lênin)
provisório (1905), em que traçando as perspectivas do desenvolvimento da revolução
e o movimento revolucionário se desenvolve em todos os países do mundo, quando o
russa, põe diante do Partido a tarefa de "conseguir que a revolução russa não seja um
imperialismo se alia com todas as forças reacionárias, sem exceção, até mesmo com o
movimento de alguns meses, mas um movimento de muitos anos, que ela não conduza
czarismo e com o regime feudal, tornando assim inevitável a coalizão de todas as forças
tão somente à obtenção de algumas pequenas concessões de parte dos que detêm o
revolucionárias, desde o movimento proletário no Ocidente até o movimento de
Poder, mas à derrubada completa deste, e nos quais Lênin, desenvolvendo esta
libertação nacional no Oriente; quando a destruição das sobrevivências do regime
perspectiva e ligando-a à revolução na Europa, continua:
feudal se torna impossível sem uma luta revolucionária contra o imperialismo, não é
necessário demonstrar que a revolução democrático-burguesa, num país mais ou «E se se conseguir isso, então... então as chamas da revolução incendiarão a
menos desenvolvido, deve, nestas condições, avizinhar-se da revolução proletária, que Europa; o operário europeu, cansado da reação burguesa, se levantará por
a primeira deve transformar-se na segunda. A história da revolução na Rússia sua vez e nos ensinará «como se fazem as coisas»; então, o impulso
demonstrou, com clareza, que esta afirmação é justa e incontestável. Não foi por acaso revolucionário da Europa repercutirá na Rússia e transformará uma época de
que Lênin, já em 1905, às vésperas da primeira revolução russa, apresentava, no seu

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alguns anos de revolução numa época de alguns decênios de revolução...». dos camponeses, subestimavam força e a capacidade do proletariado russo para
(Vide lugar citado, pág. 191). arrastar os camponeses e desse modo dificultavam a libertação dos camponeses da
influência da burguesia e o seu agrupamento em tomo do proletariado.
Poderia referir-me, ainda, ao conhecido artigo de Lênin, publicado, em novembro de
1915, em que ele escreve: Porque Lênin propunha coroar a obra da revolução com a passagem do Poder ao
proletariado, enquanto os partidários da revolução "permanente" pensavam em
«O proletariado luta e continuará lutando com abnegação pela conquista do começar diretamente com o Poder do proletariado, sem compreender que, desse
Poder, pela República, pela confiscação das terras..., pela participação das modo, fechavam os olhos a uma "insignificância" como as sobrevivências feudais e não
«massas populares não proletárias» na libertação da Rússia burguesa do levavam em conta uma força tão importante como os camponeses russos, sem
«imperialismo» feudal militar (isto é, o czarismo). E desta libertação da Rússia compreender que uma tal política não podia senão criar obstáculos à conquista dos
burguesa do czarismo, do Poder dos latifundiários, o proletariado se camponeses pelo proletariado.
aproveitará imediatamente (3) não para ajudar os camponeses acomodados
na sua luta contra os operários agrícolas, mas para levar a termo a revolução Lênin combatia, por isso, os partidários da revolução "permanente", não porque
socialista em aliança com os proletários da Europa». (Vide VOL XVIII, pág. defendessem a continuidade da revolução de vez que o próprio sustentava o ponto-
318). de-vista da revolução ininterrupta, mas porque subestimavam o papel dos
camponeses, que são a maior reserva do proletariado, e porque não compreendiam a
Poderia referir-me, finalmente, a uma conhecida passagem do folheto de Lênin, "A ideia da hegemonia do proletariado.
Revolução proletária e o renegado Kautsky" em que ele, referindo-se ao trecho acima
citado de "Duas táticas"(4), relativo à amplitude da revolução russa, chega a esta A ideia da revolução "permanente" não é uma ideia nova. Quem a expôs pela primeira
conclusão: vez foi Marx, por volta de 1850, na sua conhecida "Mensagem" à Liga dos Comunistas.
Desse documento os nossos "permanentistas" tiraram a ideia da revolução
«Aconteceu tal qual havíamos dito. O curso da revolução confirmou a justeza ininterrupta. É necessário, porém, observar que os nossos "permanentistas", ao tomá-
do nosso raciocínio. A princípio, juntamente com «todos» os camponeses, la de Marx, bastante e, modificando-a, "estragaram-na", tornando-a inútil para uso
contra a monarquia, contra os proprietários rurais, contra o regime medieval prático. Foi necessário que a mão hábil de Lênin corrigisse este erro, tomasse a ideia
(e, portanto, a revolução continua a ser burguesa, democrático-burguesa). da revolução ininterrupta de Marx na sua forma pura e dela fizesse uma das pedras
Em seguida, juntamente com os camponeses pobres, juntamente com os angulares da sua teoria da revolução.
semi-proletários, com todos os semi-proletários, com todos os explorados,
contra o capitalismo, inclusive os camponeses ricos, os kulaks, os Eis o que disse Marx a propósito da revolução ininterrupta na sua "Mensagem", depois
especuladores, e, portanto, a revolução se torna socialista. Querer levantar de ter enumerado uma série de reivindicações democrático-revolucionárias, a cuja
uma artificial muralha chinesa entre uma e a outra, separar uma da outra conquista conclama os comunistas:
com qualquer coisa que não seja o grau de preparação do proletariado e o
grau da sua união com os camponeses pobres, é a maior tergiversação do «Enquanto os pequeno-burgueses democráticos querem pôr fim à revolução
marxismo, a redução do marxismo a uma banalidade, a sua substituição pelo o mais rápido possível, depois de obterem a maior parte das reivindicações
liberalismo». (Vide vol. XXIII, pág. 391). acima mencionadas, nosso interesse e nossa tarefa consistem em tornar a
revolução permanente até que seja eliminado o domínio das classes mais ou
Parece-me que basta. menos possuidoras, até que o proletariado conquiste o Poder do Estado, até
que a associação dos proletários se desenvolva, e não só num país, mas em
Ora, poderia dizer-se, se é assim, por que Lênin combateu a ideia da "revolução todos os países dominantes do mundo, em proporções tais, que cesse a
permanente" (ininterrupta)? concorrência entre os proletários destes países, e até que pelo menos as
forças produtivas decisivas estejam concentradas nas mãos do proletariado».
Porque Lênin propunha que se "esgotasse" a capacidade revolucionária dos
camponeses e se utilizasse até o fim a sua energia revolucionária para a destruição Noutros termos:
completa do czarismo, para a passagem à revolução proletária, enquanto os
defensores da "revolução permanente" não compreendiam a importância do papel dos
camponeses na revolução russa, subestimavam a potência da energia revolucionária

Parte 1 – Sobre a filosofia, a base do Marxismo


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Marx, contrariamente aos planos dos nossos "permanentistas" russos, não propunha Eis o que disse Lênin a propósito destas condições no seu folheto "A doença infantil":
de modo algum que se iniciasse, na Alemanha de 1850-1860, a revolução diretamente
com o Poder do proletariado; «A lei fundamental da revolução, confirmada por todas as revoluções e
particularmente pelas três revoluções russas do século XX, consiste nisso:
Marx propunha apenas que se coroasse a revolução com o Poder proletário do Estado, para a revolução não basta que as massas exploradas e oprimidas estejam
desalojando, passo a passo, uma fração da burguesia após outra, para uma vez conscientes da impossibilidade de continuar vivendo como antes, e exijam
instaurado o Poder do proletariado, desencadear a revolução em todos os países. Isso mudanças; para a revolução é necessário que os exploradores não possam
corresponde perfeitamente a tudo o que ensinou e realizou Lênin no curso da nossa mais viver nem governar como antes. Somente quando as «camadas
revolução, segundo a sua teoria da revolução proletária nas condições existentes na inferiores» não mais querem continuar vivendo como no passado e as
fase do imperialismo. «camadas superiores» não podem mais continuar governando ã antiga,
somente então a revolução pode vencer. Noutros termos, esta verdade se
Resulta, pois, que os nossos "permanentistas" russos, não somente subestimaram o exprime do seguinte modo: é impossível a revolução sem uma crise nacional
papel dos camponeses na revolução russa e a importância da ideia da hegemonia do geral (que afete explorados e exploradores)(5) Para a revolução, por
proletariado, mas também modificaram (para pior) a ideia da revolução "permanente" conseguinte, é necessário, em primeiro lugar, que a maioria dos operários (ou
de Marx, tornando-a inútil para a sua aplicação prática. pelo menos a maioria dos operários conscientes, pensantes, politicamente
ativos) compreenda plenamente a necessidade da revolução e esteja disposta
Por isso, Lênin escarnecia da teoria dos nossos "permanentistas", chamando-a
a enfrentar a morte por ela; em segundo lugar, que as classes dirigentes
"original" e "magnífica", e acusando-os de não querer "refletir sobre a razão pela qual
atravessem uma crise de governo que arraste à vida política também as
a vida, por todo um decênio, passava ao largo desta magnífica teoria, sem levá-la em
massas mais atrasadas..., enfraqueça o governo e torne possível aos
conta". (Artigo de Lênin, escrito em 1915, dez anos depois da aparição na Rússia da
revolucionários a sua rápida derrubada».(Vide vol. XXV, pág. 222).
teoria dos "permanentistas". Vide vol. XVIII, pág. 317).
Mas derrubar o Poder da burguesia e instaurar o Poder do proletariado num só país
Por isso, Lênin considerava esta teoria como semi-menchevique, dizendo que ela "toma
não significa ainda assegurar a vitória completa do socialismo. Depois de ter
dos bolcheviques o apelo à luta revolucionária decisiva do proletariado e à conquista
consolidado o seu Poder e arrastado para o seu lado os camponeses, o proletariado do
do poder político por ele, e, dos mencheviques, a "negação" do papel dos camponeses".
país vitorioso pode e deve edificar a sociedade: socialista. Mas porventura significa que,
(Vide o artigo de Lênin: "Duas linhas da revolução", obra citada).
com isso, ele chegará à vitória completa, definitiva, do socialismo, isto é, significa que
É esse o pensamento de Lênin sobre a transformação da revolução democrático- o proletariado pode, com as forças de um só país, consolidar definitivamente o
burguesa em revolução proletária, sobre a utilização da revolução burguesa para socialismo e garantir inteiramente o país contra a intervenção estrangeira e, por
passar "imediatamente" à revolução proletária. conseguinte, contra a restauração? Não, não significa isso. Para isso é necessária a
vitória da revolução em pelo menos alguns países. Por isso, desenvolver e apoiar a
Prossigamos. Antes, considerava-se impossível a vitória da revolução num só país, revolução noutros países é uma tarefa essencial da revolução vitoriosa. Por isso, a
porque se achava que, para alcançar a vitória sobre a burguesia, fosse necessária a ação revolução do país vitorioso deve ser considerada, não como uma entidade autônoma,
comum do proletariado de todos os países avançados, ou, pelo menos, da maioria mas como um apoio, como um meio para acelerar a vitória do proletariado nos outros
destes. Hoje, este ponto-de-vista não mais corresponde à realidade. Hoje, é necessário países.
partir da possibilidade desse triunfo, porque o caráter desigual e aos saltos do
desenvolvimento dos diversos países capitalistas, na fase do imperialismo, o Lênin exprime esse pensamento em duas palavras, dizendo que a tarefa da revolução
desenvolvimento das catastróficas contradições internas do imperialismo, que geram triunfante consiste em realizar
as guerras inevitáveis, o desenvolvimento do movimento revolucionário em todos os
"o máximo possível num só país para desenvolver, apoiar e despertar a
países do mundo: tudo isso determina não somente a possibilidade, mas também a
revolução em todos os países". (Vide vol. XXIII, pág. 385).
inevitabilidade da vitória do proletariado em um ou outro país. A história da revolução
na Rússia nos fornece uma prova direta. Basta lembrar que a derrubada da burguesia ____________________________________________________________________
só pode ser efetuada com êxito caso existam certas condições absolutamente
indispensáveis, sem as quais nem sequer é possível pensar na tomada do Poder pelo
proletariado.

Parte 1 – Sobre a filosofia, a base do Marxismo


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Sobre a Questão da Dialética A primeira concepção é inerte, insípida, ressecada. A segunda é viva. Apenas a segunda
V. I. Lenine dá a chave para a "automovimento" de tudo o que existe; somente a concepção do
1915 desenvolvimento no sentido da unidade dos contrários explica os "saltos" que
"quebram a continuidade do desenvolvimento", a "mudança em favor do seu
A essência da dialética está na divisão de um todo e o conhecimento de suas partes contrário", a destruição do velho e o surgimento do novo.
contraditórias. Essa é uma das principais se não a característica principal da dialética.
É precisamente como Hegel também formula esta questão. A unidade (coincidência, identidade, equivalência) das contradições é condicional,
temporária, transitória, relativa. A luta dos contrários, excluindo-se mutuamente, é
A justeza deste aspecto do conteúdo da dialética deve ser verificada na história da absoluta, como são absolutos o desenvolvimento e o movimento.
ciência. Geralmente (como, por exemplo, nas obras de Plekhanov), não se dá a atenção
suficiente a este aspecto da dialética: a identidade dos contrários é considerada como __________
uma soma de exemplos ["por exemplo: “as sementes”, "o comunismo primitivo", o
mesmo acontece com Engels. Mas ele faz isso "para fins de divulgação"...], e não como A diferença entre a dialética e o subjetivismo (ceticismo, sofismo, etc.)
uma lei do conhecimento (a lei do mundo objetivo). reside, entre outras coisas, porque para a dialética (objetiva) a diferença
entre o relativo e o absoluto é relativa. Para a dialética objetiva existe um
Em matemática: os sinais (+) e (-) ou diferencial e integral. absoluto dentro do relativo. Para o subjetivismo e a sofística o relativo é
apenas relativo, excluindo o absoluto.
Na mecânica: ação e reação.
___________
Em física: eletricidade positiva e negativa.
Em O Capital, Marx analisa primeiro a relação mais simples, comum, ordinária,
Em química: a combinação e a dissociação dos átomos. cotidiana, fundamental, a mais popular relação da sociedade burguesa (mercantil), que
Nas ciências sociais: a luta de classes. se realiza bilhões de vezes na sociedade burguesa (de negócios): a troca de
mercadorias. A análise deste fenômeno tão simples (nesta "célula" da sociedade
A identidade das contradições (talvez fosse mais correto dizer sua "unidade", embora burguesa) revela todas as contradições (ou seja, o germe de todas as contradições) da
a diferença entre os termos “identidade” e “unidade” não tenha, neste caso, uma sociedade moderna. A discussão a seguir nos mostra o desenvolvimento (crescimento
importância essencial e, em algum sentido, ambos os termos são justos), constitui o e movimento) destas contradições e da sociedade na soma de suas partes individuais,
reconhecimento (descoberta) da existência de tendências contraditórias e desde o seu início até ao seu fim.
mutuamente excludente e antagônicas em todos os fenômenos e processos da
natureza (tanto os do espírito quanto os da sociedade). A condição para o Esse deve ser o método de exposição (e estudo) da dialética em geral (porque para
conhecimento de todos os processos do universo em seu "automovimento", em seu Marx a dialética da sociedade burguesa é apenas um caso particular da dialética). Que
desenvolvimento espontâneo, em sua vida real, está na unidade das contradições. As se comece pelo mais simples, comum, cotidiano, etc., com QUALQUER proposição: As
duas concepções fundamentais (as duas possíveis ou as duas historicamente folhas da árvore são verdes; João é um homem; Capitão é um cachorro, etc. Como
observadas) do desenvolvimento (evolução) são: desenvolvimento no sentido de observou Hegel de forma genial, em todas essas proposições existe dialética. O
diminuição e aumento, como repetição, e desenvolvimento no sentido da unidade dos INDIVIDUAL É o universal: Portanto, os contrários (o individual se opõe ao universal)
contrários (a divisão da unidade em dois polos mutuamente excludentes e a relação são idênticos, o individual existe apenas através da relação que o conduz o universal.
entre eles). O universal existe apenas no individual e através do individual. Cada elemento
individual é (de uma forma ou de outra) universal. Todo universal é (um fragmento, ou
A primeira concepção, o auto-movimento, sua força impulsora, a sua fonte, os seus um aspecto, ou a essência de) um individual. Todo universal abrange nada menos que
motivos ficam obscurecidos (melhor dizendo, a sua força é atribuída a algo externo: todos os individuais. Cada indivíduo compõe de forma incompleta o universo, etc., etc.
Deus, a ideia, etc.). A segunda concepção tem como foco principal precisamente o Todo o indivíduo está ligado por milhares de mediações com outros TIPOS de indivíduos
conhecimento da fonte do “auto”movimento. (coisas, fenômenos, processos), etc. Aqui já se expressam os elementos, os germes, os

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conceitos da necessidade, da conexão objetiva na natureza, etc. Aqui já temos o incapacidade de aplicar a dialética à Bildertheorie,(9) ao processo e
contingente e o necessário, o fenômeno e a essência; quando dizemos: As folhas da desenvolvimento do conhecimento.
árvore são verdes; João é um homem; Capitão é um cachorro, etc., nós
desconsideramos uma série de atributos contingentes; separamos a essência da __________
aparência, e contrapomos uma à outra. O idealismo filosófico é tão somente um absurdo do ponto de vista do materialismo
Assim, em qualquer proposição podemos (e devemos) explicar como um "núcleo" (ou vulgar, simples e metafísico. Por outro lado, do ponto de vista do materialismo
uma "célula") contém os germes de todos os elementos da dialética, e, com isso, dialético, o idealismo filosófico é um desenvolvimento unilateral, exagerado,
mostrar que a dialética é uma propriedade de todos os conhecimentos humanos em überschwengliches (Dietzgen) de uma das características, aspectos, facetas do
geral. As ciências da natureza nos mostram (e aqui novamente deve ser demonstrado conhecimento que se converte assim em um absoluto, divorciada da matéria, da
em qualquer simples exemplo) a natureza objetiva com as mesmas qualidades, a natureza, divinizado, levado a apoteose. Verdade. Mas o idealismo filosófico é ("mais
transformação do individual no universal, do contingente em necessário, transições, corretamente" e "além" dele) um caminho para o obscurantismo clerical através DE
mediações, modulações, e a ligação recíproca dos contrários. A dialética é a teoria do UM DOS MATIZES do conhecimento infinitamente complexo (dialético) do homem.
conhecimento (de Hegel) do marxismo. Este é o "aspecto" do assunto (não é "um ___________
aspecto", mas a essência do assunto) ao qual Plekhanov, para não falar de outros
marxistas, não deram atenção. O conhecimento humano não é (ou não segue) uma linha reta, mas uma curva que se
aproxima infinitamente a uma série de círculos, a uma espiral. Todo fragmento, seção
O conhecimento é representado sob a forma de uma série de círculos tanto por Hegel ou segmento de uma curva pode ser convertido (transformado unilateralmente) em
(ver na Lógica) como por Paul Volkmann, o moderno "epistemólogo" da ciência natural, uma reta independente completa que então (como as árvores impedem a visão do
e eclético inimigo do hegelianismo (doutrina que Volkmann nunca entendeu!) (ver em bosque) conduz ao pântano, ao obscurantismo clerical (onde fica ancorada pelos
Erkenntnistheorische Grundzüge). interesses das classes dominantes). O avanço retilíneo e a unilateralidade, a rigidez e a
__________ petrificação o subjetivismo e a cegueira subjetiva: aí estão as raízes epistemológicas do
idealismo. E o obscurantismo clerical (= idealismo filosófico), por suposto, tem raízes
Os "Círculos" na filosofia: [a cronologia das pessoas é essencial? Não!] epistemológicas, ele não deixa de ter fundamento é, incontestavelmente, uma flor
estéril, mas uma flor estéril que cresce na árvore viva do conhecimento humano, vivo,
Antiguidade: a partir de Demócrito a Platão e a dialética de Heráclito. fértil, autêntico, poderoso, onipotente, objetivo, absoluto.
Renascimento: Descartes versus Gassendi (Spinoza?) ____________________________________________________________________
Modernidade: Holbach - Hegel (a partir de Berkeley, Hume, Kant).
Teses sobre Feuerbach
Hegel - Feuerbach - Marx (Karl Marx)
___________ 1) A principal insuficiência de todo o materialismo até aos nossos dias - o de
Feuerbach incluído - é que as coisas [der Gegenstand], a realidade, o mundo
A Dialética como conhecimento vivo, multifacetado (com um número de
sensível são tomados apenas sobre a forma do objeto [des Objekts] ou da
aspectos que crescem eternamente), com uma infinita quantidade de
contemplação [Anschauung]; mas não como atividade sensível humana,
nuances de cada aspecto abordado e aproximações da realidade (com um
práxis, não subjetivamente. Por isso aconteceu que o lado ativo foi
sistema filosófico que se converte em um todo a partir de cada matiz)(8) -
desenvolvido, em oposição ao materialismo, pelo idealismo - mas apenas
aqui está um conteúdo imensamente rico em comparação com o
abstratamente, pois que o idealismo naturalmente não conhece a atividade
materialismo “metafísico”, cuja infelicidade fundamental reside em sua
sensível, real, como tal. Feuerbach quer objetos [Objekte] sensíveis
realmente distintas dos objetos do pensamento; mas não toma a própria

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atividade humana como atividade objetiva [gegenständliche Tätigkeit]. Ele 6) Feuerbach resolve a essência religiosa na essência humana. Mas, a essência
considera, por isso, na Essência do Cristianismo, apenas a atitude teórica humana não é uma abstração inerente a cada indivíduo. Na sua realidade ela
como a genuinamente humana, ao passo que a práxis é tomada e fixada é o conjunto das relações sociais.
apenas na sua forma de manifestação sórdida e judaica. Não compreende,
por isso, o significado da atividade "revolucionária", de crítica prática. Feuerbach, que não entra na crítica desta essência real, é, por isso, obrigado:
1. a abstrair do processo histórico e fixar o sentimento [Gemüt] religioso por
2) A questão de saber se ao pensamento humano pertence a verdade objetiva si e a pressupor um indivíduo abstratamente - isoladamente - humano; 2.
não é uma questão da teoria, mas uma questão prática. É na práxis que o ser nele, por isso, a essência humana só pode ser tomada como "espécie", como
humano tem de comprovar a verdade, isto é, a realidade e o poder, o carácter generalidade interior, muda, que liga apenas naturalmente os muitos
terreno do seu pensamento. A disputa sobre a realidade ou não realidade de indivíduos.
um pensamento que se isola da práxis é uma questão puramente escolástica.
7) Feuerbach não vê, por isso, que o próprio "sentimento religioso" é um
3) A doutrina materialista de que os seres humanos são produtos das produto social e que o indivíduo abstrato que analisa pertence na realidade
circunstâncias e da educação, [de que] seres humanos transformados são, a uma determinada forma de sociedade.
portanto, produtos de outras circunstâncias e de uma educação mudada,
esquece que as circunstâncias são transformadas precisamente pelos seres 8) A vida social é essencialmente prática. Todos os mistérios que seduzem a
humanos e que o educador tem ele próprio de ser educado. Ela acaba, por teoria para o misticismo encontram a sua solução racional na práxis humana
isso, necessariamente, por separar a sociedade em duas partes, uma das e no compreender desta práxis.
quais fica elevada acima da sociedade (por exemplo, em Robert Owen).
A coincidência do mudar das circunstâncias e da atividade humana só pode 9) O máximo que o materialismo contemplativo [der anschauende
ser tomada e racionalmente entendida como práxis revolucionante. Materialismus] consegue, isto é, o materialismo que não compreende o
mundo sensível como atividade prática, é a visão [Anschauung] dos
4) Feuerbach parte do fato da auto-alienação religiosa, da duplicação do mundo indivíduos isolados na "sociedade civil".
no mundo religioso, representado, e num real. O seu trabalho consiste em
resolver o mundo religioso na sua base mundana. Ele perde de vista que 10) O ponto de vista do antigo materialismo é a sociedade "civil"; o ponto de
depois de completado este trabalho ainda fica por fazer o principal. É que o vista do novo [materialismo é] a sociedade humana, ou a humanidade
fato de esta base mundana se destacar de si própria e se fixar, um reino socializada.
autônomo, nas nuvens, só se pode explicar precisamente pela autodivisão e
pelo contradizer-se a si mesma desta base mundana. É esta mesma, 11) Os filósofos têm apenas interpretado o mundo de maneiras diferentes; a
portanto, que tem de ser primeiramente entendida na sua contradição e questão, porém, é transformá-lo.
depois praticamente revolucionada por meio da eliminação da contradição.
Portanto, depois de, por exemplo a família terrena estar descoberta como o ________________________________________________________________
segredo da sagrada família, é a primeira que tem, então, de ser ela mesma
Sobre a Prática
teoricamente criticada e praticamente revolucionada.
(Mao Zedong)
5) Feuerbach, não contente com o pensamento abstrato, apela ao
O materialismo pré-marxista considerava os problemas do conhecimento sem ter em
conhecimento sensível [sinnliche Anschauung]; mas, não toma o mundo
conta a natureza social dos homens nem o desenvolvimento histórico da humanidade
sensível como atividade humana sensível prática.
e, por essa razão, era incapaz de compreender que o conhecimento depende da prática
social, quer dizer, depende da produção e da luta de classes.

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Os marxistas pensam, acima de tudo, que a atividade dos homens na produção completa e histórica do desenvolvimento histórico da sociedade, e transformar os seus
constitui justamente a base da sua atividade prática, o determinante de todas as outras conhecimentos sobre a sociedade numa ciência, a ciência do Marxismo.
atividades. O conhecimento do homem depende essencialmente da sua atividade de
produção material, durante a qual vai compreendendo progressivamente os Os marxistas pensam que só a prática social dos homens pode constituir o critério da
fenómenos da Natureza, as suas propriedades, as suas leis, assim como as relações verdade dos conhecimentos que o homem possui sobre o mundo exterior. Com efeito,
entre ele próprio, homem, e a Natureza; ao mesmo tempo, pela sua atividade de só chegando, na prática social (no processo da produção material, da luta de classes,
produção, ele aprende a conhecer em graus diversos, e também duma maneira da experimentação científica), aos resultados esperados é que os homens recebem a
progressiva, certas relações que existem entre os próprios homens. Todos esses confirmação da verdade dos seus conhecimentos. Se se pretende obter êxito no
conhecimentos não podem ser adquiridos fora da atividade de produção. Na sociedade trabalho, isto é, atingir os resultados previstos, é necessário proceder de maneira que
sem classes, todo o indivíduo isolado, enquanto membro dessa sociedade, colabora as ideias correspondam às leis do mundo exterior objetivo; sem essa correspondência,
com os demais, entra em determinadas relações de produção com estes e entrega-se fracassa-se na prática. Depois de se ter fracassado, há que tirar daí a respectiva lição e
a uma atividade de produção orientada para a solução dos problemas relativos à vida modificar as ideias de maneira a fazê-las concordar com as leis do mundo objetivo,
material dos homens. Nas diferentes sociedades de classes, os membros dessas podendo-se desse modo chegar a converter o fracasso num triunfo. É o que se quer
sociedades, que pertencem às diferentes classes e que, sob formas diversas, entram dizer com: "A derrota é a mãe da vitória" e "Cada revés torna-nos mais
em determinadas relações de produção, também se entregam a uma atividade de experimentados". A teoria materialista-dialética do conhecimento põe a prática em
produção orientada para a solução dos problemas relativos à vida material dos primeiro lugar, sustentando que o conhecimento humano não pode estar, em nenhum
homens. Aí está a fonte principal do desenvolvimento do conhecimento humano. grau, desligado da prática, e rejeitando todas as teorias erradas que negam a
importância da prática e desligam o conhecimento da prática. Lenine dizia:
A prática social dos homens não se limita à atividade de produção. Ela apresenta ainda
muitas outras formas: luta de classes, vida política, atividade desenvolvida no domínio "A prática é superior ao conhecimento (teórico), pois ela tem não somente a dignidade
da ciência e da arte; em resumo, o homem social participa em todos os domínios da do geral, mas também a do real imediato."
vida prática da sociedade. É por essa razão que o homem, na sua atividade cognitiva, O materialismo dialético da filosofia marxista tem duas particularidades mais
apreende em graus diversos as relações distintas que existem entre os homens, não evidentes. Uma é o seu carácter de classe: afirma abertamente que o materialismo
somente na vida material, mas igualmente na vida política e cultural (que está dialético serve o proletariado; a outra é o seu carácter prático: sublinha o facto de a
estreitamente ligada à vida material). Entre essas relações, as diversas formas de luta teoria depender da prática, de a teoria basear-se na prática e, por sua vez, servir a
de classes exercem uma influência particularmente profunda sobre o desenvolvimento prática. A verdade dum conhecimento ou duma teoria é determinada não por uma
do conhecimento humano. Numa sociedade de classes, cada indivíduo existe como apreciação subjetiva, mas sim pelos resultados da prática social objetiva. O critério da
membro duma classe determinada, e cada forma de pensamento está invariavelmente verdade não pode ser outro senão a prática social. O ponto de vista da prática é o ponto
marcada com o selo duma classe. de vista primordial, fundamental, da teoria materialista-dialética do conhecimento.
Os marxistas pensam que a atividade de produção da sociedade humana desenvolve- Mas de que maneira o conhecimento humano nasce da prática e como serve, a seu
se passo a passo, dos graus inferiores aos superiores; por essa razão, o conhecimento turno, essa mesma prática? Para compreender isso basta examinar o processo de
dos homens, quer no que respeita à Natureza quer sobre a sociedade, desenvolve-se desenvolvimento do conhecimento.
também passo a passo, dos graus inferiores aos superiores, isto é, do simples ao
complexo, do unilateral ao multilateral. Durante um período histórico muito longo, os Com efeito, no processo da sua atividade prática, os homens não veem, ao começo,
homens não puderam compreender a história da sociedade a não ser duma maneira senão o aspecto exterior dos diferentes fenómenos encontrados ao longo desse
unilateral; isso foi assim porque, por um lado, os preconceitos das classes exploradoras processo; eles veem aspectos isolados dos fenómenos, a ligação externa dos
deformavam constantemente a história da sociedade e, por outro lado, porque a escala fenómenos isolados. É assim que, por exemplo, as pessoas vindas do exterior para
reduzida da produção limitava o horizonte dos homens. Somente quando com a investigar em Ien-an viram, no primeiro ou segundo dia, a configuração, as ruas e as
formação de forças produtivas gigantescas — a grande indústria — surgiu o casas da região; entraram em contato com muita gente, assistiram a recepções, saraus,
proletariado moderno, é que os homens puderam chegar a uma compreensão reuniões, ouviram distintas intervenções, leram diversos documentos; tudo isso são os

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aspectos exteriores dos fenómenos, aspectos isolados desses fenómenos, a sua ligação a dominar o desenvolvimento desse mundo na sua integridade, com as suas ligações
externa. Esse grau do processo do conhecimento chama-se grau da percepção sensível, gerais internas.
isto é, o grau das sensações e das representações. Esses diferentes fenómenos,
encontrados em Ien-an, atuando sobre os órgãos dos sentidos dos senhores dos grupos Uma tal teoria materialista-dialética do processo de desenvolvimento do
de investigação, suscitaram neles sensações determinadas; na sua consciência surgiu conhecimento, fundada na prática, indo do superficial ao profundo, era desconhecida
toda uma série de representações e estabeleceu-se um laço aproximativo, exterior, antes do Marxismo. Foi o materialismo marxista que, pela primeira vez, resolveu
entre essas representações: tal é o primeiro grau do conhecimento. Nesse grau, os corretamente esse problema, pôs em evidência, duma maneira materialista e dialética,
homens ainda não podem elaborar conceitos profundos nem proceder a conclusões o movimento do conhecimento segundo a linha do seu aprofundar contínuo, o
lógicas. movimento progressivo do conhecimento dos homens, como seres sociais, na prática
complexa e constantemente repetida da produção e da luta de classes; o movimento
A continuação da prática social implica a múltipla repetição de fenómenos que do conhecimento sensível ao conhecimento lógico. Lenine dizia:
suscitam sensações e representações no homem. É então que se produz na consciência
humana uma mutação, súbita (um salto) no processo do conhecimento: o "As abstrações de matéria e de lei natural, a abstração de valor, etc., numa palavra,
aparecimento dos conceitos. O conceito já não reflete mais os aspectos exteriores dos todas as abstrações científicas (justas, sérias, não arbitrárias) refletem a Natureza mais
fenómenos, os seus aspectos isolados, a sua ligação externa; ele capta a essência dos profundamente, mais fielmente, mais completamente!"
fenómenos, os fenómenos no seu conjunto, a ligação interna dos fenómenos. Entre o O Marxismo-Leninismo considera que os traços distintivos dos dois graus do processo
conceito e a sensação, a diferença não é somente quantitativa, ela é também do conhecimento consistem no facto de o conhecimento intervir, no grau inferior,
qualitativa. O desenvolvimento que intervém ulteriormente nessa direção, o emprego enquanto conhecimento sensível, ao passo que intervém, no grau superior, como
dos métodos de juízo, de dedução, pode desembocar em conclusões lógicas. Quando, conhecimento lógico. Todavia, esses dois graus constituem os graus dum processo
no Romance dos Três Reinos, se diz "Basta um franzir de sobrolho para que um único do conhecimento. O conhecimento sensível e o conhecimento racional diferem
estratagema venha à mente", ou ainda quando nós dizemos, correntemente, "Deixe- pelo seu carácter, mas não estão separados um do outro, estão unidos na base prática.
me refletir", isso significa que o homem opera intelectualmente usando conceitos, a A nossa prática testemunha que os fenómenos de que temos uma percepção sensível,
fim de fazer juízos e proceder a deduções. Esse é o segundo grau do conhecimento. Os não podem ser imediatamente compreendidos por nós, e só os fenómenos
senhores dos grupos de investigação que vêm até nós, depois de reunirem um material compreendidos podem ser sentidos duma maneira mais profunda. A sensação não
variado e "refletirem" sobre ele, podem fazer o juízo seguinte: "A política de Frente pode resolver mais do que o problema dos aspectos exteriores dos fenómenos; o
Única Nacional Anti-japonesa, aplicada pelo Partido Comunista, aparece consequente, problema da essência não pode ser resolvido senão pelo pensamento teórico. A
sincera e honesta". E se, com a mesma honestidade, eles são partidários da unidade a solução desses problemas não pode separar-se em grau nenhum da prática. Todo
fim de assegurar a salvação da Pátria, após um tal juízo poderão ir ainda mais longe e aquele que quiser conhecer um fenómeno não poderá consegui-lo sem pôr-se em
extrair a conclusão seguinte: "A Frente Única Nacional Anti-japonesa pode ter êxito". contato com esse fenómeno, isto é, sem viver (entregar-se à prática) no seu próprio
No processo geral do conhecimento de qualquer fenómeno pelos homens, esse grau seio. Era impossível conhecer de antemão as leis da sociedade capitalista enquanto se
dos conceitos, dos juízos e das deduções aparece como um grau ainda mais importante, estava vivendo a sociedade feudal, dado que o capitalismo ainda não tinha surgido e
o grau do conhecimento racional. A verdadeira tarefa do conhecimento consiste em faltava a prática correspondente. O Marxismo só podia ser produzido pela sociedade
elevar-se da sensação ao pensamento, em elevar-se até à elucidação progressiva das capitalista. Na época do capitalismo liberal, Marx não podia conhecer concretamente,
contradições internas nos fenómenos que existem objetivamente, até à elucidação das de antemão, certas leis próprias da época do imperialismo, dado que o imperialismo,
suas leis, da ligação interna dos diferentes processos, isto é, consiste em atingir o estado supremo do capitalismo, ainda não tinha feito a sua aparição, e faltava a prática
conhecimento lógico. Nós repetimos: o conhecimento lógico difere do conhecimento correspondente; só Lenine e Stalin puderam assumir essa tarefa. Marx, Engels, Lenine
sensível na medida em que o conhecimento sensível abraça aspectos isolados dos e Stalin puderam criar a sua teoria não só em razão do seu gênio, mas, sobretudo,
fenómenos, os seus aspectos exteriores, a ligação externa dos fenómenos, enquanto porque tomaram pessoalmente parte na prática, correspondente a essa época, da luta
que o conhecimento lógico, fazendo um enorme passo em frente, abarca os fenómenos de classes e das experiências científicas; sem essa última condição, nenhum génio teria
por inteiro, a sua essência e a ligação interna dos fenómenos, eleva-se até ao ponto de podido chegar ao sucesso.
evidenciar as contradições internas do mundo objetivo e, por isso mesmo, pode chegar

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A expressão "O bacharel, sem atravessar o umbral da sua porta, pode conhecer tudo o a participação pessoal na prática que modifica a realidade, não é materialistas. Essa a
que se passa na terra" era uma frase vazia dos tempos antigos em que a técnica não razão por que os "sabe-tudo" são tão ridículos. Os chineses têm um velho provérbio
estava ainda desenvolvida, e se na nossa época de técnica desenvolvida isso aparece que diz: "Se não se penetra no covil do tigre não se lhe podem apanhar as crias." Esse
realizável, apenas os indivíduos ligados à prática do "que se passa na terra" podem provérbio é verdadeiro para a prática humana e, na mesma medida, para a teoria do
possuir conhecimentos autênticos, adquiridos graças à sua experiência pessoal; esses conhecimento. O conhecimento desligado da prática é inconcebível.
indivíduos, na sua prática, adquirem "conhecimentos" que, graças à escrita e à técnica,
podem ser transmitidos ao bacharel, dando-lhe a possibilidade de conhecer, Para pôr em evidência o movimento materialista dialético do conhecimento, que surgiu
indiretamente, "tudo o que se passa na terra". Para conhecer diretamente um na base da prática modificadora da realidade — movimento do conhecimento segundo
fenómeno ou fenómenos, é indispensável participar em pessoa na luta prática que visa a linha do aprofundar progressivo — vamos dar ainda alguns exemplos concretos.
modificar a realidade, esse fenómeno ou esses fenómenos, pois só participando No período inicial da sua prática, período da destruição das máquinas e da luta
pessoalmente em tal luta prática se torna possível entrar em contato com o aspecto espontânea, o proletariado, no seu conhecimento da sociedade capitalista, apenas se
exterior do fenómeno ou fenómenos, só assim é possível descobrir a essência do encontrava no grau do conhecimento sensível e não conhecia mais do que os aspectos
fenómeno ou fenómenos, e compreendê-los. Tal é o processo de conhecimento que os isolados e a ligação externa dos diferentes fenómenos do capitalismo. Nessa época, o
homens seguem na realidade; só que alguns deformam deliberadamente os factos e proletariado ainda não era mais do que aquilo a que se chama uma "classe em si".
pretendem o contrário. Os mais ridículos são os chamados "sabe-tudo", que, cheios de Assim que começou, porém, o segundo período da prática do proletariado, período da
conhecimentos ocasionais, fragmentários, consideram-se "autoridades número um do luta económica e política consciente e organizada, quando a experiência múltipla
mundo", o que comprova justamente a sua fatuidade desmesurada. O conhecimento resultante da prática, a experiência adquirida ao longo duma luta prolongada, foi
é uma questão de ciência, não admite a menor desonestidade ou presunção. O que se generalizada cientificamente por Marx e Engels, e nasceu a teoria marxista utilizada
requer é precisamente o contrário — honestidade e modéstia. Se se deseja adquirir para esclarecer o proletariado, teoria que ensina o proletariado a compreender a
conhecimentos, há que tomar parte na prática que transforma a realidade. Se se quer essência da sociedade capitalista, a compreender as relações de exploração entre as
conhecer o gosto duma pera há que transformá-la, prová-la. Se se quer conhecer a classes sociais, a compreender as tarefas históricas do proletariado, este tornou-se
estrutura e as propriedades do átomo, há que entregar-se a experiências físicas e numa "classe para si".
químicas, modificar o estado do átomo. Se se quer conhecer a teoria e os métodos da
revolução, há que participar na revolução. Todos os conhecimentos autênticos Esse foi o caminho que seguiu o povo chinês no seu conhecimento do imperialismo. O
resultam da experiência direta. Mas o homem não pode ter uma experiência direta de primeiro grau foi o do conhecimento sensível, superficial, o da luta indiscriminada
tudo, razão por que a maior parte dos nossos conhecimentos é, na realidade, o produto contra os estrangeiros, a época do Movimento do Reino Celestial dos Taipins, do
duma experiência indireta, são conhecimentos que nos vêm de todos os séculos Movimento de Ihotuan e outros. Só o segundo grau é que foi o do conhecimento
passados, ou conhecimentos que foram adquiridos por homens doutros países. Esses racional, quando o povo chinês divisou as diferentes contradições internas e externas
conhecimentos são o produto da experiência direta dos nossos antepassados, ou da do imperialismo, quando viu a essência da opressão e da exploração das grandes
experiência direta de estrangeiros. Se, durante a experiência direta dos nossos massas populares da China pelo imperialismo aliado à burguesia compradora chinesa
antepassados e estrangeiros, esses conhecimentos respondiam à condição de que e à classe feudal chinesa, conhecimento racional que começou com o período do
falava Lenine, quer dizer, se eram o resultado duma "abstração científica", se eram o Movimento de 4 de Maio de 1919.
reflexo científico de fenómenos com existência objetiva, tais conhecimentos são
seguros; no caso contrário, não o são. É por isso que os conhecimentos do homem se Vejamos agora a guerra. Se a guerra fosse dirigida por pessoas sem experiência militar,
compõem de duas partes: os dados da experiência direta e os dados da experiência no começo, elas não poderiam compreender as leis profundas que regem o desenrolar
indireta. Contudo, o que para mim é experiência indireta, permanece para a outra duma dada guerra concreta (por exemplo, o desenrolar da nossa Guerra Revolucionária
experiência direta. Segue-se daí que, falando dos conhecimentos no seu conjunto, Agrária dos últimos dez anos). No início, elas não poderiam adquirir senão a experiência
pode dizer-se que nenhum conhecimento pode ser desligado da experiência direta. A da participação pessoal em numerosas batalhas, das quais um número importante se
fonte de todo o conhecimento são as sensações recebidas do mundo exterior objetivo, terminaria em derrotas. Contudo, essa experiência (a experiência das vitórias e,
pelos órgãos dos sentidos do homem. Os que negam a sensação, a experiência direta, sobretudo, a das derrotas) dar-lhes-ia a possibilidade de compreender os elementos

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de ordem interna que marcam toda a guerra no seu conjunto, quer dizer, as leis dessa realidade da experiência, afirmava que não se podia fazer confiança a não ser na razão
guerra concreta, de compreender a estratégia e a táctica e, em consequência, dar-lhes- e nunca na experiência fornecida pela percepção sensível; o erro dessa tendência
ia a possibilidade de dirigir a guerra com segurança. Se se confiasse nesse momento a consiste na inversão que faz dos factos. Se é possível apoiarmo-nos nos dados do
direção da guerra a um homem desprovido de experiência, ele não poderia conhecimento racional, é justamente porque estes se originam nos dados da
compreender as leis reais da guerra senão depois de ter sofrido uma série de derrotas percepção sensível; de contrário, tais dados do conhecimento racional tornar-se-iam
(isto é, depois de ter adquirido experiência). num rio sem nascente, uma árvore sem raízes, seriam algo em que nada poderia
apoiar-se, algo que nascesse de maneira exclusivamente subjetiva. Do ponto de vista
Com frequência, ouvem-se certos camaradas, que não se decidem a ocupar-se de tal da ordem do processo do conhecimento, a experiência sensível é o primeiro dado, e
ou tal trabalho, declarar que não estão certos de poder desempenhar-se da tarefa. Por nós sublinhamos a importância da prática social no processo do conhecimento porque
que é que pensam assim? Porque não têm uma ideia sistemática do conteúdo e das o conhecimento humano só pode surgir baseado na prática social do homem, assim
condições desse trabalho, nunca tiveram ocasião de realizar um trabalho semelhante como somente baseado nessa prática é que o homem pode adquirir a experiência
ou só raramente o fizeram. Eis porque, com relação a eles, nem sequer se pode falar sensível proveniente do mundo objetivo exterior. Se o homem fechasse os olhos,
de conhecimento das respectivas leis. Só depois de se ter analisado em detalhe, na sua tapasse as orelhas e se desligasse em absoluto do mundo exterior, não se poderia
presença, o estado e as condições desse trabalho, é que começam a experimentar mais sequer, com relação a ele, falar de conhecimento. O conhecimento começa com a
confiança em si próprios e aceitam a responsabilidade da respectiva realização. Se experiência, e nisso reside o materialismo da teoria do conhecimento.
essas pessoas se consagram durante um certo tempo a essa tarefa, adquirem
experiência e, se tentarem honestamente ir ao fundo da situação concreta, em vez de O segundo elemento é a necessidade de aprofundar o conhecimento, a necessidade de
considerar as coisas duma maneira subjetiva, unilateral e superficial, tiram por si sós as passar do grau do conhecimento sensível ao grau do conhecimento racional: nisso está
conclusões relativas à maneira como convém efetuá-la, e metem-se com maior a dialética da teoria do conhecimento. Pensar que o conhecimento pode deter-se no
segurança ao trabalho. Só as pessoas que têm uma visão subjetivista, unilateral e grau inferior, no grau do conhecimento sensível, pensar que podemos apoiar-nos
superficial dos problemas, se lançam presunçosamente a dar ordens e instruções assim simplesmente sobre o conhecimento sensível e não sobre o conhecimento racional,
que chegam a um novo lugar, sem se informarem primeiro sobre as circunstâncias, sem significa repetir o erro, assinalado pela História, dos "empíricos". O erro dessa teoria
procurarem ver as coisas no seu conjunto (a sua história e o seu estado atual consiste na incompreensão do facto de que, embora os dados da percepção sensível
considerado como um todo) nem lhes aprender a essência (a sua natureza e a sua sejam, sem dúvida alguma, o reflexo de certas realidades do mundo exterior objetivo
ligação interna com as outras coisas). É inevitável que tal gente tropece e caia. (eu não abordarei aqui o empirismo idealista que limita a experiência ao que se chama
introspecção), eles são unilaterais, superficiais, sendo aquele reflexo um reflexo
Em consequência, o primeiro passo no processo do conhecimento é o primeiro contato incompleto, que não reflete a essência dos fenómenos. Para refletir plenamente um
com os fenómenos do mundo exterior: o grau das sensações. O segundo é a síntese fenómeno na sua totalidade, para refletir a sua essência e as suas leis internas, é
dos dados fornecidos pelas sensações, a sua ordenação e elaboração: o grau dos preciso criar um sistema de conceitos e teorias, depois de se terem submetido os
conceitos, dos juízos e das deduções. É somente em presença dum grande número de múltiplos dados da percepção sensível a uma elaboração mental que consiste em
dados fornecidos pelas sensações (não dados fragmentários, incompletos), e só no caso rejeitar a casca para guardar o grão, em eliminar o que é falso para conservar o
de elas corresponderem à realidade (quer dizer no caso de não serem o resultado dum verdadeiro, em passar dum aspecto dos fenómenos a outro, do externo ao interno; é
erro dos sentidos), que se torna possível, na base desses dados, elaborar conceitos preciso saltar do conhecimento sensível ao conhecimento racional. Essa elaboração
corretos e formular uma teoria correta. não torna os nossos conhecimentos menos ricos, menos seguros. Pelo contrário, tudo
Há aqui dois elementos importantes que convém especialmente destacar. Já se falou o que, após ter surgido no processo do conhecimento na base da prática, foi submetido
no primeiro, mas é necessário voltar a falar uma vez mais: é o problema da a uma elaboração científica, reflete como dizia Lenine o mundo objetivo duma maneira
dependência em que se encontra o conhecimento racional, com relação ao mais profunda, mais justa, mais completa. É justamente isso que não compreendem os
conhecimento sensível. Os que consideram que o conhecimento racional pode deixar "práticos" vulgares. Eles inclinam-se diante da experiência e desprezam a teoria, em
de vir do conhecimento sensível são idealistas. Na história da filosofia houve uma consequência do que não poderiam abarcar o processo objetivo no seu conjunto,
escola, chamada "racionalista", que só reconhecia a realidade da razão, negava a sofrem de falta de clareza de orientação, de perspectiva larga, e embriagam-se com os

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seus sucessos ocasionais e as suas vistas curtas. Se esses indivíduos dirigissem a sensível ao conhecimento racional de que acima falámos. Para resolver
revolução, conduzi-la-iam a um beco sem saída. completamente essa questão é necessário, a partir do conhecimento racional,
regressar à prática social; aplicar a teoria na prática e verificar se ela pode conduzir ao
O conhecimento racional depende do conhecimento sensível e este deve desenvolver- objetivo fixado. Muitas das teorias das ciências da Natureza foram reconhecidas como
se em conhecimento racional. Assim é a teoria materialista-dialética do conhecimento. verdadeiras, não só por terem sido elaboradas por sábios que se devotam a essas
O "racionalismo" e o "empirismo", em filosofia, não compreendem o carácter histórico ciências, mas também por terem encontrado confirmação na prática científica ulterior.
ou dialético do conhecimento; embora cada uma dessas tendências ofereça um Do mesmo modo, o Marxismo-Leninismo é reconhecido como verdade não só pelo
aspecto da verdade (trata-se do racionalismo e do empirismo materialistas, não facto de essa doutrina ter sido cientificamente elaborada por Marx, Engels, Lenine e
idealistas), ambas se afiguram erradas, quando consideradas do ponto de vista da Stalin, mas também por ter sido confirmada pela prática ulterior da luta de classes e da
teoria do conhecimento no seu conjunto. O movimento materialista dialético do luta nacional revolucionárias. O materialismo dialético é uma verdade universal porque
conhecimento: do sensível ao racional intervém tanto no processo do conhecimento é impossível, na prática, sair-se desse quadro. A história do conhecimento humano
do pequeno (por exemplo, o conhecimento dum objeto, dum trabalho qualquer) como mostra que a verdade de muitas teorias não era suficientemente completa, mas, em
no processo do conhecimento do grande (por exemplo, o conhecimento de tal ou tal consequência da verificação na prática, essa insuficiência foi eliminada. Muitas teorias
sociedade, de tal ou tal revolução). eram erradas, mas, em consequência da sua verificação na prática, os seus erros foram
Todavia, o movimento do conhecimento não se termina aí. Se o movimento corrigidos. É por isso que a prática é o critério da verdade,
materialista dialético do conhecimento se detivesse no conhecimento racional, só "o ponto de vista da vida, da prática, deve ser o ponto de vista primordial,
metade do problema ficaria esgotado; e o que é mais, do ponto de vista da filosofia fundamental, da teoria do conhecimento."
marxista, essa não seria a metade mais importante. A filosofia marxista sustenta que a
questão mais importante não é compreender as leis do mundo objetivo e poder, por Stalin exprimiu-se duma maneira notável a esse respeito:
isso, explicá-lo, mas sim utilizar o conhecimento dessas leis para transformar
ativamente o mundo. Do ponto de vista marxista, a teoria é importante, e a sua "A teoria resulta sem objeto e não for ligada à prática revolucionária,
importância exprime-se plenamente na seguinte frase de Lenine: exatamente como a prática resulta cega se a teoria revolucionária não
ilumina o seu caminho."
"Sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário."
É aí que se conclui o movimento do conhecimento? Nós respondemos sim e não. O
Contudo, o Marxismo atribui uma grande importância à teoria, justa e unicamente homem, enquanto membro da sociedade que participa na prática da modificação dum
porque ela pode guiar a atividade prática. Se, quando conhecemos uma teoria justa, processo objetivo determinado num determinado estádio do seu desenvolvimento
contentamo-nos em fazer dela um simples tema de conversação e, em vez de a pormos (seja da prática da modificação dum processo produzindo-se na Natureza, seja da
em prática, deixamo-la de lado, essa teoria, por mais bela que seja, não poderá ter prática da modificação dum processo social qualquer), recebe, sob a influência do
qualquer significação. O conhecimento começa pela prática; e uma vez adquirido o reflexo do processo objetivo e da sua própria atividade subjetiva, a possibilidade de
conhecimento teórico através da prática, há que levá-lo de novo à prática. A função passar do conhecimento sensível ao conhecimento racional e de criar ideias, teorias,
ativa do conhecimento não se exprime somente no salto ativo do conhecimento planos ou projetos que correspondem, em geral, às leis desse processo objetivo; e se
sensível ao conhecimento racional, mas também, e o que ainda é mais importante, no na aplicação ulterior dessas ideias, teorias, planos e projetos, na prática do mesmo
salto do conhecimento racional à prática revolucionária. Uma vez adquirido o processo objetivo, se chega ao objetivo fixado, isto é, se se consegue, na prática desse
conhecimento das leis do mundo, deve-se dirigi-lo para a prática da transformação do processo, transformar em realidade as ideias, teorias, planos e projetos previamente
mundo, aplicá-lo na prática da produção, na prática da luta de classes e da luta nacional elaborados, ou se se chega a realizá-los nas suas linhas gerais, o movimento do
revolucionárias, assim como na prática da experimentação científica. Tal é o processo conhecimento desse processo objetivo pode considerar-se terminado. Por exemplo, no
de verificação e de desenvolvimento da teoria, a continuação de todo o processo do processo duma modificação da Natureza, a realização do plano duma construção, a
conhecimento. A questão de saber se uma proposta teórica corresponde à verdade confirmação duma hipótese científica, a criação dum mecanismo, a recolha duma
objetiva não é, nem pode ser, inteiramente, resolvida no movimento do conhecimento planta cultivada ou então, no processo duma modificação da sociedade, o sucesso

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duma greve, a vitória numa guerra, a execução dum programa de ensino, tudo isso as suas ideias não seguem o ritmo das modificações da situação objetiva, o que na
significa que o objetivo fixado foi atingido. Contudo, dum modo geral, tanto na prática História se tem manifestado sob a forma de oportunismo de direita. Esses indivíduos
da modificação da Natureza como na da modificação da sociedade, é extremamente não veem que a luta dos contrários já fez avançar o processo objetivo, enquanto que o
raro que as ideias, teorias, planos e projetos previamente elaborados pelos homens, se seu conhecimento permanece ainda no grau precedente. Essa particularidade é
realizem sem sofrer a mínima alteração. Isso produz-se porque as pessoas que característica das ideias de todos os obstinados. As suas ideias estão desligadas da
modificam a realidade encontram-se geralmente condicionadas por múltiplas prática social, não podem colocar-se à frente do carro do progresso social e servir de
limitações: elas encontram-se limitadas não somente pelas condições científicas e guias; eles não sabem mais do que ficar atrás e queixar-se de que o carro vai muito
técnicas, mas ainda pelo desenvolvimento do próprio processo objetivo e pelo grau em depressa, tentando puxá-lo para trás ou fazê-lo correr em sentido contrário.
que ele se manifesta (por ainda não terem sido completamente esclarecidos os
diferentes aspectos e a essência do próprio processo objetivo). Em tal situação, dada a Nós lutamos igualmente contra os fraseadores de "esquerda". As suas ideias
formação na prática de circunstâncias imprevistas, as ideias, as teorias, os planos e os aventuram-se para lá duma etapa determinada do desenvolvimento do processo
projetos resultam, muitas vezes, parcialmente modificados e, em alguns casos, até objetivo; uns tomam as suas ilusões por realidades, outros tentam realizar à força, no
mesmo completamente. Isso significa que existem casos em que as ideias, teorias, presente, ideais que só são realizáveis no futuro; desligadas da prática corrente da
planos e projetos, tal como tinham sido originariamente elaborados, não maioria das pessoas, desligadas da realidade atual, as suas ideias traduzem-se, na
correspondem em parte ou no todo à realidade, resultam parcial ou totalmente prática, em espírito de aventura.
errados. Em muitos casos, só depois de falhanços repetidos se consegue eliminar o A ruptura entre o subjetivo e o objetivo, o separar o conhecimento da prática, são
erro, obter a correspondência com as leis do processo objetivo e transformar assim o características do idealismo e do materialismo mecanicista, do oportunismo e do
subjetivo em objetivo, quer dizer, chegar na prática aos resultados esperados. Em todo espírito de aventura. A teoria marxista-leninista do conhecimento, que se caracteriza
o caso, é nesse momento que o movimento do conhecimento pelos homens dum pela prática social científica, não pode deixar de lutar com resolução contrastais
processo objetivo determinado, num grau determinado do seu desenvolvimento, pode concepções erradas. Os marxistas reconhecem que no processo geral, absoluto, de
considerar-se acabado. desenvolvimento do Universo, o desenvolvimento de processos concretos particulares
Todavia, se se considera o processo no seu desenvolvimento, o movimento do é relativo. É por isso que, na corrente infinita da verdade absoluta, o conhecimento que
conhecimento humano não se termina aí. Quer na Natureza quer na sociedade, todos os homens têm de processos concretos particulares, em etapas determinadas do seu
os processos, em consequência das suas contradições e lutas internas, progridem e desenvolvimento, não contém mais do que verdades relativas. A verdade absoluta é
desenvolvem-se. E o processo do conhecimento humano deve igualmente progredir e constituída pela soma de incontáveis verdades relativas. O desenvolvimento dum
desenvolver-se com eles. Se se fala dum movimento social, os verdadeiros dirigentes processo objetivo é um desenvolvimento pleno de contradições e de lutas. O
revolucionários devem não só ser capazes de corrigir os erros existentes nas suas desenvolvimento do processo do conhecimento humano é igualmente um
ideias, teorias, planos e projetos, como se disse anteriormente, mas ainda, por ocasião desenvolvimento pleno de contradições e de lutas. Todo o movimento dialético do
da passagem desse processo objetivo determinado de um grau a outro do seu mundo objetivo pode, tarde ou cedo, encontrar o seu reflexo no conhecimento
desenvolvimento, tornar-se, a si próprios e a todos os demais participantes da humano. Na prática social, o processo do nascimento, desenvolvimento e morte, é
revolução, capazes de seguir essa passagem no seu conhecimento subjetivo, isto é, infinito; igualmente infinito é o processo do nascimento, desenvolvimento e morte do
chegar a fazer corresponder as novas tarefas revolucionárias, os novos planos de conhecimento humano. É justamente porque a prática que modifica a realidade
trabalho, às novas modificações surgidas na situação. Num período revolucionário, a objetiva na base de ideias, teorias, planos e projetos determinados, está em progressão
situação modifica-se muito rapidamente; se a consciência dos revolucionários não constante que o conhecimento humano da realidade objetiva se aprofunda sem cessar.
chega a seguir com rapidez tais modificações, estes são impotentes para conduzir a O movimento de modificação do mundo real, objetivo, é eterno e ilimitado; igualmente
revolução à vitória. eterno e ilimitado é o conhecimento que os homens obtêm da verdade no processo da
prática. O Marxismo-Leninismo não põe de maneira algum fim à descoberta da
Acontece frequentemente, porém, que as ideias se atrasam em comparação com a verdade; pelo contrário, ele abre sem cessar as vias do conhecimento da verdade no
realidade. Isso dá-se porque o conhecimento humano está limitado por várias processo da prática. A nossa conclusão é que nós somos pela unidade histórica,
condições sociais. Nós lutamos contra os obstinados nas fileiras revolucionárias porque concreta, do subjetivo e do objetivo, da teoria e da prática, do conhecimento e da ação;

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nós somos contra todas as concepções erradas — de "esquerda" e de direita —


desligadas da história concreta.
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Na época atual do desenvolvimento social, a História encarregou o proletariado e o seu
Partido da responsabilidade de conhecer o mundo duma maneira exata e transformá- Manuscritos Econômico-Filosóficos
lo. Na China, como no mundo inteiro, o processo da prática de transformação do Primeiro Manuscrito (Karl Marx)
mundo, determinado na base do conhecimento científico, já atingiu um momento
histórico de alta importância, um momento como a história da humanidade ainda não Trabalho Alienado
conheceu: o momento que vê dissiparem-se completamente as trevas na China e no
(XXII) Partimos dos pressupostos da Economia Política. Aceitamos sua terminologia e
mundo inteiro e a transformação deste mundo num mundo novo, radioso. A luta do
suas leis. Aceitamos como premissas a propriedade privada, a separação do trabalho,
proletariado e dos povos revolucionários pela transformação do mundo implica a
capital e terra, assim como também de salários, lucro e arrendamento, a divisão do
realização das tarefas seguintes: a transformação do mundo objetivo, como a do
trabalho, a competição, o conceito de valor de troca, etc. Com a própria economia
próprio mundo subjetivo de cada um — a transformação das próprias capacidades
política, usando suas próprias palavras, demonstramos que o trabalhador afunda até
cognitivas de cada um, como a da relação existente entre o mundo subjetivo e o mundo
um nível de mercadoria, e uma mercadoria das mais deploráveis; que a miséria do
objetivo. Numa parte do globo terrestre, na União Soviética, os homens realizaram já
trabalhador aumenta com o poder e o volume de sua produção; que o resultado
essas transformações e aceleram lhes atualmente o processo. O povo chinês e os povos
forçoso da competição é o acumulo de capital em poucas mãos, e assim uma
do mundo inteiro estão hoje igualmente empenhados, ou estarão empenhados no
restauração do monopólio da forma mais terrível; e, por fim, que a distinção entre
futuro, no processo de tais transformações. O mundo objetivo a transformar inclui
capitalista e proprietário de terras, e entre trabalhador agrícola e operário, tem de
igualmente todos os adversários dessa transformação; eles devem no início passar pela
desaparecer, dividindo-se o conjunto da sociedade em duas classes de possuidores de
etapa da transformação, pela coação, depois do que poderão abordar a etapa da
propriedades e trabalhadores sem propriedades.
reeducação consciente. A época em que a humanidade inteira passará
conscientemente à sua própria transformação e à transformação do mundo, será a A economia Política parte do fato da propriedade privada; não o explica. Ela concebe o
etapa do comunismo no mundo inteiro. processo material da propriedade privada, como ocorre na realidade, por meio de
Pela prática, descobrir as verdades e, igualmente pela prática, confirmá-las e fórmulas abstratas e gerais que, então, servem como leis. Ela não compreende essas
desenvolvê-las. Passar ativamente do conhecimento sensível ao conhecimento leis; isto é, ela não mostra como surgem da natureza da propriedade privada. A
racional, depois, passar do conhecimento racional à direção ativa da prática Economia Política não dá nenhuma explicação da base para a distinção entre trabalho
revolucionária, para transformar o mundo subjetivo e objetivo. A prática, o e capital, entre capital e terra. Quando, por exemplo, a relação entre salários e lucros
conhecimento, e novamente a prática e o conhecimento, essa forma, na sua repetição é definida, isso é explicado em função dos interesses dos capitalistas; por outras
cíclica, é infinita. Além disso, o conteúdo de cada um desses ciclos de prática e de palavras, o que devia ser explicado é admitido. Analogamente, a competição é referida
conhecimento vai-se elevando a um nível cada vez mais alto. Tal é, no seu conjunto, a a todos os pontos e explicada em função das condições externas. A Economia Política
teoria materialista-dialética do conhecimento, tal é a concepção materialista-dialética nada nos diz a respeito da medida em que essas condições externas, e aparentemente
da unidade do conhecimento e da ação. acidentais, são simplesmente a expressão de uma evolução necessária. Vimos como a
própria troca se afigura um fato acidental. As únicas forças propulsoras reconhecidas
pela Economia Política são a avareza e a guerra entre os gananciosos, a competição.

Justamente por deixar a Economia Política de entender as interconexões dentro desse


movimento, foi possível opor a doutrina de competição à de monopólio, a doutrina de
liberdade da profissão à das guildas, a doutrina de divisão da propriedade imobiliária a
dos latifúndios; pois a competição, liberdade de ocupação e divisão da propriedade
imobiliária foram concebidas tão-somente como consequências fortuitas produzidas

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pela vontade e pela força, em vez de consequências necessárias, inevitáveis e naturais Todas essas consequências decorrem do fato de o trabalhador ser relacionado com o
do monopólio, do sistema de guildas e da propriedade feudal. produto de seu trabalho como com um objeto estranho. Pois está claro que, baseado
nesta premissa, quanto mais o trabalhador se desgasta no trabalho tanto mais
Por isso, temos agora de apreender a ligação real entre todo esse sistema de alienação poderoso se torna o mundo de objetos por ele criado em face dele mesmo, tanto mais
- propriedade privada, ganância, separação entre trabalho, capital e terra, troca e pobre se torna a sua vida interior, e tanto menos ele se pertence a si próprio. Quanto
competição, valor e desvalorização do homem, monopólio e competição - e o sistema mais de si mesmo o homem atribui a Deus, tanto menos lhe resta. O trabalhador põe
do dinheiro. a sua vida no objeto, e sua vida, então, não mais lhe pertence, porém, ao objeto.
Não iniciaremos nossa exposição, como o faz o economista, por uma legendária Quanto maior for sua atividade, portanto, tanto menos ele possuirá. O que está
situação primitiva. Uma tal situação arcaica nada explica; simplesmente afasta a incorporado ao produto de seu trabalho não mais é dele mesmo. Quanto maior for o
pergunta para uma distância turva e enevoada. Ela afirma como fato ou acontecimento produto de seu trabalho, por conseguinte, tanto mais ele minguará. A alienação do
o que deveria deduzir, ou seja, a relação necessária entre duas coisas; por exemplo, trabalhador em seu produto não significa apenas que o trabalho dele se converte em
entre a divisão do trabalho e a troca. Da mesma maneira, a teologia explica a origem objeto, assumindo uma existência externa, mas ainda que existe independentemente,
do mal pela queda do homem; isto é, ela assegura como fato histórico aquilo que fora dele mesmo, e a ele estranho, e que com ele se defronta como uma força
deveria elucidar. autônoma. A vida que ele deu ao objeto volta-se contra ele como uma força estranha
e hostil.
Partiremos de um fato econômico contemporâneo. O trabalhador fica mais pobre à
medida que produz mais riqueza e sua produção cresce em força e extensão. O (XXIII) Examinemos agora, mais de perto, o fenômeno da objetificação, a produção do
trabalhador torna-se uma mercadoria ainda mais barata à medida que cria mais bens. trabalhador e a alienação e perda do objeto por ele produzido, nisso implícitas. O
A desvalorização do mundo humano aumenta na razão direta do aumento de valor do trabalhador nada pode criar sem a natureza, sem o mundo exterior sensorial. Este
mundo dos objetos. O trabalho não cria apenas objetos; ele também se produz a si ultimo é o material em que se concretiza o trabalho, em que este atua, com o qual e
mesmo e ao trabalhador como uma mercadoria, e, deveras, na mesma proporção em por meio do qual ele produz coisas.
que produz bens. Todavia, assim como a natureza proporciona os meios de existência do trabalho, na
Esse fato simplesmente subentende que o objeto produzido pelo trabalho, o seu acepção de este não poder viver sem objetos aos quais possa aplicar-se, igualmente
produto, agora se lhe opõe como um ser estranho, como uma força independente do proporciona os meios de existência em sentido mais restrito, ou sejam os meios de
produtor. O produto do trabalho humano é trabalho incorporado em um objeto e subsistência física para o próprio trabalhador. Assim, quanto mais o trabalhador
convertido em coisa física; esse produto é uma objetificação do trabalho. A execução apropria o mundo externo da natureza sensorial por seu trabalho, tanto mais se
do trabalho é simultaneamente sua objetificação. A execução do trabalho aparece na despoja de meios de existência, sob dois aspectos: primeiro, o mundo exterior sensorial
esfera da Economia Política como uma perversão do trabalhador, a objetificação como se torna cada vez menos um objeto pertencente ao trabalho dele ou um meio de
uma perda e uma servidão ante o objeto, e a apropriação como alienação. existência de seu trabalho; segundo, ele se torna cada vez menos um meio de
existência na acepção direta, um meio para a subsistência física do trabalhador.
A execução do trabalho aparece tanto como uma perversão que o trabalhador se
perverte até o ponto de passar fome. A objetificação aparece tanto como uma perda Sob os dois aspectos, portanto, o trabalhador se converte em escravo do objeto:
do objeto que o trabalhador é despojado das coisas mais essenciais não só da vida, mas primeiro, por receber um objeto de trabalho, isto é, receber trabalho, e em segundo
também do trabalho. O próprio trabalho transforma-se em um objeto que ele só pode lugar por receber meios de subsistência. Assim, o objeto o habilita a existir, primeiro
adquirir com tremendo esforço e com interrupções imprevisíveis. A apropriação do como trabalhador e depois como sujeito físico.
objeto aparece como alienação a tal ponto que quanto mais objetos o trabalhador O apogeu dessa escravização é ele só poder se manter como sujeito físico na medida
produz tanto menos pode possuir e tanto mais fica dominado pelo seu produto, o em que é um trabalhador, e de ele só como sujeito físico poder ser um trabalhador.
capital.

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(A alienação do trabalhador em seu objeto é expressa da maneira seguinte, nas leis necessidade, mas apenas um meio para satisfazer outras necessidades. Seu caráter
da Economia Política: quanto mais o trabalhador produz, tanto menos tem para alienado é claramente atestado pelo fato, de logo que não haja compulsão física ou
consumir; quanto mais valor ele cria, tanto menos valioso se torna; quanto mais outra qualquer, ser evitado como uma praga. O trabalho exteriorizado, trabalho em
aperfeiçoado o seu produto, tanto mais grosseiro e informe o trabalhador; quanto que o homem se aliena a si mesmo, é um trabalho de sacrifício próprio, de mortificação.
mais civilizado o produto, tão mais bárbaro o trabalhador; quanto mais poderoso o Por fim, o caráter exteriorizado do trabalho para o trabalhador é demonstrado por não
trabalho, tão mais frágil o trabalhador; quanto mais inteligência revela o trabalho, ser o trabalho dele mesmo, mas trabalho para outrem, pôr no trabalho ele não se
tanto mais o trabalhador decai em inteligência e se torna um escravo da natureza.) pertencer a si mesmo mas sim a outra pessoa.

A economia Política oculta a alienação na natureza do trabalho por não examinar a Tal como na religião, a atividade espontânea da fantasia, do cérebro e do coração
relação direta entre o trabalhador (trabalho) e a produção. Por certo, o trabalho humanos, reage independentemente como uma atividade alheia de deuses ou
humano produz maravilhas para os ricos, mas produz privação para o trabalhador. Ele demônios sobre o indivíduo, assim também a atividade do trabalhador não é sua
produz palácios, porém choupanas é o que toca ao trabalhador. Ele produz beleza, própria atividade espontânea. É atividade de outrem e uma perda de sua própria
porém para o trabalhador só fealdade. Ele substitui o trabalho humano por maquinas, espontaneidade.
mas atira alguns dos trabalhadores a um gênero bárbaro de trabalho e converte outros
em máquinas. Ele produz inteligência, porém também estupidez e cretinice para os Chegamos à conclusão de que o homem (o trabalhador) só se sente livremente ativo
trabalhadores. em suas funções animais - comer, beber e procriar, ou no máximo também em sua
residência e no seu próprio embelezamento - enquanto que em suas funções humanas
A relação direta do trabalho com seus produtos é a entre o trabalhador e os objetos de se reduz a um animal. O animal se torna humano e o humano se torna animal.
sua produção. A relação dos possuidores de propriedade com os objetos da produção
e com a própria produção é meramente uma consequência da primeira relação e a Comer, beber e procriar são, evidentemente, também funções genuinamente
confirma. Apreciaremos adiante este segundo aspecto. Portanto, quando perguntamos humanas. Mas, consideradas abstratamente, à parte do ambiente de outras atividades
qual é a relação importante do trabalho, estamos interessados na relação do humanas, e convertidas em fins definitivos e exclusivos, são funções animais.
trabalhador com a produção. Consideremos, agora, o ato de alienação da atividade humana prática, o trabalho, sob
Até aqui consideramos a alienação do trabalhador somente sob um aspecto, qual seja dois aspectos: 1) a relação do trabalhador com o produto do trabalho como um objeto
o de sua relação com os produtos de seu trabalho. Não obstante, a alienação aparece estranho que o domina. Essa relação é, ao mesmo tempo, a relação com o mundo
não só como resultado, mas também como processo de produção, dentro da própria exterior sensorial, com os objetos naturais, como um mundo estranho e hostil; 2) a
atividade produtiva. Como poderia o trabalhador ficar numa relação alienada com o relação do trabalho como o ato de produção dentro do trabalho. Essa é a relação do
produto de sua atividade se não se alienasse a si mesmo no próprio ato da produção? trabalhador com sua própria atividade humana como algo estranho e não pertencente
O produto é, de fato, apenas a síntese da atividade, da produção. Consequentemente, a ele mesmo, atividade como sofrimento (passividade), vigor como impotência, criação
se o produto do trabalho é alienação, a própria produção deve ser alienação ativa - a como emasculação, a energia física e mental pessoal do trabalhador, sua vida pessoal
alienação da atividade e a atividade da alienação A alienação do objeto do trabalho (pois o que é a vida senão atividade?) como uma atividade voltada contra ele mesmo,
simplesmente resume a alienação da própria atividade do trabalho. independente dele e não pertencente a ele. Isso é auto-alienação, ao contrário da
acima mencionada alienação do objeto.
O que constitui a alienação do trabalho? Primeiramente, ser o trabalho externo ao
trabalhador, não fazer parte de sua natureza, e por conseguinte, ele não se realizar em (XXIV) Temos, agora, de inferir uma terceira característica do trabalho alienado,
seu trabalho mas negar a si mesmo, ter um sentimento de sofrimento em vez de bem- partindo das duas já vistas.
estar, não desenvolver livremente suas energias mentais e físicas mas ficar fisicamente O homem é um ente-espécie não apenas no sentido de que ele faz da comunidade (sua
exausto e mentalmente deprimido. O trabalhador, portanto, só se sente à vontade em própria, assim como as de outras coisas) seu objeto, tanto prática quanto
seu tempo de folga, enquanto no trabalho se sente contrafeito. Seu trabalho não é teoricamente, mas também (e isto é simplesmente outra expressão da mesma coisa)
voluntário, porém imposto, é trabalho forçado. Ele não é a satisfação de uma

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no sentido de tratar-se a si mesmo como a espécie vivente, atual, como um ser O homem, porém, faz de sua atividade vital um objeto de sua vontade e consciência.
universal e consequentemente livre. Ele tem uma atividade vital consciente. Ela não é uma prescrição com a qual ele esteja
plenamente identificado. A atividade vital consciente distingue o homem da atividade
A vida da espécie, para o homem assim como para os animais, encontra sua base física vital dos animais: só por esta razão ele é um ente-espécie. Ou antes, é apenas um ser
no fato de o homem (como os animais) viver da natureza inorgânica, e como o homem autoconsciente, isto é, sua própria vida é um objeto para ele, porque ele é um ente-
é mais universal que um animal, assim também o âmbito da natureza inorgânica de espécie. Só por isso, a sua atividade é atividade livre. O trabalho alienado inverte a
que ele vive é mais universal. Vegetais, animais, minerais, ar, luz, etc., constituem, sob relação, pois o homem, sendo um ser autoconsciente, faz de sua atividade vital, de seu
o ponto de vista teórico, uma parte da consciência humana como objetos da ciência ser, unicamente um meio para sua existência.
natural e da arte; eles são a natureza inorgânica espiritual do homem, se meio
intelectual de vida, que ele deve primeiramente preparar para seu prazer e A construção prática de um mundo objetivo, a manipulação da natureza inorgânica, é
perpetuação. Assim também, sob o ponto de vista prático, eles formam parte da vida a confirmação do homem como um ente-espécie, consciente, isto é, um ser que trata
e atividade humanas. Na prática, o homem vive apenas desses produtos naturais, sob a espécie como seu próprio ser ou a si mesmo como um ser-espécie. Sem dúvida, os
a forma de alimento, aquecimento, roupa, abrigo, etc. A universalidade do homem animais também produzem. Eles constroem ninhos e habitações, como no caso das
aparece, na prática, na universalidade que faz da natureza inteira o seu corpo: 1) como abelhas, castores, formigas, etc. Porém, só produzem o estritamente indispensável a si
meio direto de vida, e igualmente, 2) como o objeto material e o instrumento de sua mesmos ou aos filhotes. Só produzem em uma única direção, enquanto o homem.
atividade vital. A natureza é o corpo inorgânico do homem; quer isso dizer a natureza produz universalmente. Só produzem sob a compulsão de necessidade física direta, ao
excluindo o próprio corpo humano. Dizer que o homem vive da natureza significa que passo que o homem produz quando livre de necessidade física e só produz, na verdade,
a natureza é o corpo dele, com o qual deve se manter em contínuo intercâmbio a fim quando livre dessa necessidade. Os animais só produzem a si mesmos, enquanto o
de não morrer. A afirmação de que a vida física e mental do homem e a natureza são homem reproduz toda a natureza. Os frutos da produção animal pertencem
interdependentes, simplesmente significa ser a natureza interdependente consigo diretamente a seus corpos físicos, ao passo que o homem é livre ante seu produto. Os
mesma, pois o homem é parte dela. animais só constroem de acordo com os padrões e necessidades da espécie a que
pertencem, enquanto o homem sabe produzir de acordo com os padrões de todas as
Tal como o trabalho alienado: espécies e como aplicar o padrão adequado ao objeto. Assim, o homem constrói
1) Aliena a natureza do homem e; também em conformidade com as leis do belo.
2) Aliena o homem de si mesmo, de sua própria função ativa, de sua atividade É justamente em seu trabalho exercido no mundo objetivo que o homem realmente se
vital, assim também o aliena da espécie. Ele transforma a vida da espécie em comprova como um ente-espécie. Essa produção é sua vida ativa como espécie; graças
uma forma de vida individual. Em primeiro lugar, ele aliena a vida da espécie a ela, a natureza aparece como trabalho e realidade dele. O objetivo do trabalho,
e a vida individual, e posteriormente transforma a segunda, como uma portanto, é a objetificação da vida como espécie do homem, pois ele não mais se
abstração, em finalidade da primeira, também em sua forma abstrata e reproduz a si mesmo apenas intelectualmente, como na consciência, mas ativamente
alienada. e em sentido real, e vê seu próprio reflexo em um mundo por ele construído. Por
Pois, trabalho, atividade vital, vida produtiva, agora aparecem ao homem apenas como conseguinte, enquanto o trabalho alienado afasta o objetivo da produção do homem,
meios para a satisfação de uma necessidade, a de manter sua existência física. A vida também afasta sua vida como espécie, sua objetividade real como ente-espécie, e
produtiva, contudo, é vida da espécie. É vida criando vida. No tipo de atividade vital, muda a superioridade sobre os animais em uma inferioridade, na medida em que seu
reside todo o caráter de uma espécie, seu caráter como espécie; e a atividade livre, corpo inorgânico, a natureza, é afastado dele.
consciente, é o caráter como espécie dos seres humanos. A própria vida assemelha-se Assim como o trabalho alienado transforma a atividade livre e dirigida pelo próprio
somente a um meio de vida. indivíduo em um meio, também transforma a vida do homem como membro da
O animal identifica-se com sua atividade vital. Ele não distingue a atividade de si espécie em um meio de existência física.
mesmo. Ele é sua atividade.

Parte 1 – Sobre a filosofia, a base do Marxismo


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A consciência que o homem tem de sua espécie é transformada por meio da alienação, O ser estranho a quem pertencem o trabalho e o produto deste, a quem o trabalho é
de sorte que a vida como espécie torna-se apenas um meio para ele. devotado, e para cuja fruição se destina o produto do trabalho, só pode ser o próprio
homem. Se o produto do trabalho não pertence ao trabalhador, mas o enfrenta como
3) Então, o trabalho alienado converte a vida do homem como membro da uma força estranha, isso só pode acontecer porque pertence a um outro homem que
espécie, e também como propriedade mental da espécie dele, em uma não o trabalhador. Se sua atividade é para ele um tormento, ela deve ser uma fonte de
entidade estranha e em um meio para sua existência individual. Ele aliena o satisfação e prazer para outro. Não os deuses nem a natureza, mas só o próprio homem
homem de seu próprio corpo, a natureza extrínseca, de sua vida mental e de pode ser essa força estranha acima dos homens.
sua vida humana;
4) Uma consequência direta da alienação do homem com relação ao produto de Considere-se a afirmação anterior segundo a qual a relação do homem consigo mesmo
seu trabalho, à sua atividade vital e a sua vida como membro da espécie, é o se concretiza e objetiva primariamente através de sua relação com outros homens. Se,
homem ficar alienado dos outros homens. Quando o homem se defronta portanto, ele está relacionado com o produto de seu trabalho, seu trabalho
consigo mesmo, também está se defrontando com outros homens. objetificado, como com um objeto estranho, hostil, poderoso e independente, ele está
relacionado de tal maneira que um outro homem, estranho, hostil, poderoso e
O que é verdadeiro quanto à relação do homem com seu trabalho, com o produto independente, é o dono de seu objeto. Se ele está relacionado com sua atividade como
desse trabalho e consigo mesmo, também o é quanto à sua relação com outros com uma atividade não-livre, então está relacionado com ela como uma atividade a
homens, com o trabalho deles e com os objetos desse trabalho. serviço e sob jugo, coerção e domínio de outro homem.
De maneira geral, a declaração de que o homem fica alienado da sua vida como Toda auto-alienação do homem, de si mesmo e da natureza, aparece na relação que
membro da espécie implica em cada homem ser alienado dos outros, e cada um dos ele postula entre os outros homens, ele próprio e a natureza. Assim a auto-alienação
outros ser igualmente alienado da vida humana. religiosa é necessariamente exemplificada na relação entre leigos e sacerdotes, ou, já
A alienação humana, e acima de tudo a relação do homem consigo próprio, é pela que aqui se trata de uma questão do mundo espiritual, entre leigos e um mediador. No
primeira vez concretizada e manifestada na relação entre cada homem e os demais mundo real da prática, essa auto-alienação só pode ser expressa na relação real,
homens. Assim, na relação do trabalho alienado cada homem encara os demais de prática, do homem com seus semelhantes.
acordo com os padrões e relações em que ele se encontra situado como trabalhador. O meio através do qual a alienação ocorre é, por si mesmo, um meio prático. Graças
(XXV) Principiamos por um fato econômico, a alienação do trabalhador e de sua ao trabalho alienado, por conseguinte, o homem não só produz sua relação com o
produção. Exprimimos esse fato em termos conceituais como trabalho alienado e, ao objeto e o processo da produção como com homens estranhos e hostis, mas também
analisar o conceito, limitamo-nos a analisar um fato econômico. produz a relação de outros homens com a produção e o produto dele, e a relação entre
ele próprio e os demais homens. Tal como ele cria sua própria produção como uma
Examinemos, agora, mais além, como esse conceito de trabalho alienado deve perversão, uma punição, e seu próprio produto como uma perda, como um produto
expressar-se e revelar-se na realidade. Se o produto do trabalho me é estranho e que não lhe pertence, assim também cria a dominação do não-produtor sobre a
enfrenta-me como uma força estranha, a quem pertence ele? Se minha própria produção e os produtos desta. Ao alienar sua própria atividade, ele outorga ao
atividade não me pertence, mas é uma atividade alienada, forçada, a quem ela estranho uma atividade que não é deste.
pertence? A um ser, outro que não eu. E que é esse ser? Os deuses? É evidente, nas
mais primitivas etapas de produção adiantada, por exemplo, construção de templos, Apreciamos até aqui essa relação somente do lado do trabalhador, e posteriormente
etc., no Egito, Índia, México, é nos serviços prestados aos deuses, que o produto a apreciaremos também do lado do não-trabalhador.
pertencia a estes. Mas os deuses nunca eram por si sós os donos do trabalho humano; Assim, graças ao trabalho alienado o trabalhador cria a relação de outro homem que
tampouco o era a natureza. Que contradição haveria se quanto mais o homem não trabalha e está de fora do processo do trabalho, com o seu próprio trabalho. A
subjugasse a natureza com seu trabalho, e quanto mais as maravilhas dos deuses relação do trabalhador com o trabalho também provoca a relação do capitalista (ou
fossem tornadas supérfluas pelas da indústria, ele se abstivesse da sua alegria em como quer que se denomine ao dono da mão-de-obra) com o trabalho. A propriedade
produzir e de sua fruição dos produtos por amor a esses poderes!

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privada é, portanto, o produto, o resultado inevitável, do trabalho alienado, da relação 2) Da relação do trabalho alienado com a propriedade privada também decorre
externa do trabalhador com a natureza e consigo mesmo. que a emancipação da sociedade da propriedade privada, da servidão,
assume a forma política de emancipação dos trabalhadores; não no sentido
A propriedade privada, pois, deriva-se da análise do conceito de trabalho alienado: isto de só estar em jogo a emancipação destes, mas por essa emancipação
é, homem alienado, trabalho alienado, vida alienada, e homem afastado. abranger a de toda a humanidade. Pois toda servidão humana está enredada
Está claro que extraímos o conceito de trabalho alienado (vida alienada) da Economia na relação do trabalhador com a produção, e todos os tipos de servidão são
Política, partindo de uma análise do movimento da propriedade privada. A análise somente modificações ou corolários desta relação.
deste conceito, porém, mostra que embora a propriedade privada pareça ser a base e Como descobrimos o conceito de propriedade privada por uma análise do conceito de
causa do trabalho alienado, é antes uma consequência dele, tal e qual os deuses não trabalho alienado, com o auxílio desses dois fatores também podemos deduzir todas
são fundamentalmente a causa, mas o produto de confusões da razão humana. Numa as categorias da Economia Política, e em cada uma, isto é, comércio, competição,
etapa posterior, entretanto, há uma influência recíproca. capital, dinheiro, descobriremos só uma expressão particular e ampliada desses
Só na etapa final da evolução da propriedade privada é revelado o seu segredo, ou seja, elementos fundamentais.
que é, de um lado, o produto do trabalho alienado, e do outro, o meio pelo qual o Sem embargo, antes de considerar essa estrutura, tentemos solucionar dois
trabalho é alienado, a realização dessa alienação. problemas.
Esta elucidação lança luz sobre diversas controvérsias não solucionadas: 1) Determinar a natureza geral da propriedade privada como resultou do
1) A Economia Política inicia tomando o trabalho como a verdadeira alma da trabalho alienado, em sua relação com a propriedade humana e social
produção e, a seguir, nada lhe atribui, concedendo tudo à propriedade genuína;
privada. Proudhon, defrontando-se com essa contradição, decidiu em favor 2) Tomamos como fato e analisamos a alienação do trabalho. Como sucede,
do trabalho contra a propriedade privada. Percebemos, contudo, que essa podemos indagar, que o homem aliene seu trabalho? Como essa alienação se
aparente contradição é a contradição do trabalho alienado consigo mesmo e alicerça na natureza da evolução humana? Já fizemos muito para resolver o
que a Economia Política meramente formulou as leis do trabalho alienado. problema, visto termos transformado a questão referente ã origem da
propriedade privada em uma questão acerca da relação entre trabalho
Observamos, também, por conseguinte, que salários e propriedade privada são alienado e o processo de evolução da humanidade. Pois, ao falar de
idênticos, porquanto os salários como o produto ou objetivo do trabalho, o próprio propriedade privada, acredita-se estar lidando com algo extrínseco à espécie
trabalho remunerado, são apenas consequência necessária da alienação do trabalho. humana. Mas, ao falar de trabalho, lida-se diretamente com a própria espécie
No sistema de salários, o trabalho aparece não como um fim por si mas como o servo humana. Esta nova formulação do problema já encerra sua solução.
dos salários. Mais tarde nos entenderemos sobre isto, limitando-nos, aqui, a desvendar a. ad (1) A natureza geral da propriedade privada e sua relação com
algumas das consequências (XXVI). a propriedade genuína.

Um aumento de salários imposto (desprezando outras dificuldades, e especialmente a Decompusemos o trabalho alienado em duas partes, que se determinam mutuamente,
de que uma anomalia dessas só poderia ser mantida pela força) não passaria de uma ou melhor, constituem duas expressões distintas de uma única relação. A apropriação
remuneração melhor de escravos, e não restauraria, seja para o trabalhador seja para aparece como alienação e alienação como apropriação; alienação como aceitação
o trabalho, seu significado e valor humanos. genuína na comunidade.

Mesmo a igualdade das rendas que Proudhon exige só modificaria a relação do Consideramos um aspecto, o trabalho alienado, em seus reflexos no próprio
trabalhador de hoje em dia com seu trabalho em uma relação de todos os homens com trabalhador, isto é, a relação alienada do trabalho humano consigo mesmo. E
o trabalho. A sociedade seria concebida, então, como um capitalista abstrato. constatamos ser corolário obrigatório dessa relação, a relação de propriedade do não-
trabalhador com o trabalhador e com o trabalho. A propriedade privada, como
expressão material sinóptica do trabalho alienado, inclui ambas as relações: a relação

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do trabalhador com o trabalho, com o produto de seu trabalho e com o não- patronais, das comunicações e dos serviços de informação; segundo, na tenaz
trabalhador, e a relação do não-trabalhador com o trabalhador e com o produto do sobrevivência das classes médias, resultado da diferenciação crescente dos ramos da
trabalho deste. produção e da elevação de largas camadas do proletariado ao nível das classes médias;
terceiro, finalmente, melhoria económica e política do proletariado, através da ação
Já vimos que em relação ao trabalhador, que apropria a natureza por intermédio de sindical.
seu trabalho, a apropriação se afigura uma alienação, a atividade própria como
atividade para outrem e de outrem, a vida como sacrifício da vida, e a produção do Essas observações conduzem a consequências gerais para a luta prática da
objeto como perda deste para uma força estranha, um homem estranho. socialdemocracia que, na óptica de Bernstein, não deve visar a conquista do poder
Consideremos, agora, a relação deste homem estranho com o trabalhador, com o político, mas melhorar a situação da classe trabalhadora e instaurar o socialismo não
trabalho e com o objeto do trabalho. na sequência de uma crise social e política, mas por uma extensão gradual do controlo
social da economia e pelo estabelecimento progressivo de um sistema de cooperativas.
Deve ser observado, de início, que tudo que aparece ao trabalhador como uma
atividade de alienação, aparece ao não-trabalhador como uma condição de alienação. O próprio Bernstein não vê nada de novo nessas teses. Pensa, muito pelo contrário,
Em segundo lugar, a atitude prática real do trabalhador na produção e face ao produto que estão em conformidade tanto com algumas declarações de Marx e Engels como
(como estado de espírito) afigura-se ao não-trabalhador, que com ele se defronta, com a orientação geral até agora seguida pela socialdemocracia.
como uma atitude teórica.
No entanto é incontestável que a teoria de Bernstein está em absoluta contradição
(XXVII) Em terceiro lugar, o não-trabalhador faz contra o trabalhador tudo que este faz com os princípios do socialismo científico. Se o revisionismo se limitasse à previsão de
contra si mesmo, mas não faz contra si próprio o que faz contra o trabalhador. uma evolução do capitalismo muito mais lenta do que é normal atribuir-se-Ihe, poder-
se-ia unicamente inferir um espaçamento da conquista do poder pelo proletariado, o
____________________________________________________________________ que na prática resultaria simplesmente num abrandamento da luta.
Reforma ou Revolução - Parte I Mas não se trata disso. O que Bernstein põe em causa não é a rapidez dessa evolução.
(Rosa Luxemburgo) mas a evolução do capitalismo em si mesma e, por consequência, a passagem ao
socialismo. Na tese socialista, na afirmação que o ponto de partida da revolução
1. O Método Oportunista socialista será uma crise geral e catastrófica, é preciso, em minha opinião, distinguir
duas coisas: a ideia fundamental e a sua forma exterior.
Se é verdade que as teorias são as imagens dos fenómenos do mundo exterior
refletidas no cérebro humano, é necessário acrescentar que, no concernente às teses A ideia é, supõe-se, que o regime capitalista fará nascer de si próprio, a partir das suas
de Bernstein, são imagens invertidas. A tese da instauração do socialismo por meio de contradições internas, o momento em que o seu equilíbrio será rompido e onde se
reformas sociais – depois do abandono definitivo das reformas na Alemanha! A tese do tornará propriamente impossível. Que se imaginava esse momento com a forma de
controlo da produção pelos sindicatos –depois do faIhanço dos construtores de uma crise comercial geral e catastrófica, havia fortes razões para o fazer, mas é, em
máquinas ingleses! A tese de uma maioria parlamentar socialista – depois da revisão última análise, um detalhe acessório da ideia fundamental. Com efeito, o socialismo
da constituição saxónica e dos atentados no Reichstag ao sufrágio universal (1). científico apoia-se, é sabido, em três dados fundamentais do capitalismo: 1º, na
Entretanto, o essencial da teoria de Bernstein não é a sua concepção das tarefas anarquia crescente da economia capitalista que conduzirá fatalmente ao seu
práticas da socialdemocracia, o que interessa é a tendência objetiva da evolução da afundamento; 2º, sobre a socialização crescente do processo de produção que cria os
sociedade capitalista que decorre paralela a essa concepção. Segundo Bernstein, um primeiros fundamentos positivos da ordem social futura; 3º, finalmente, na
desmoronamento total do capitalismo é cada vez mais improvável porque, por um organização e na consciência de classe cada vez maiores do proletariado e que
lado, o sistema capitalista demonstra uma capacidade de adaptação cada vez maior e, constituem o elemento ativo da revolução iminente.
por outro lado, a produção é cada vez mais diferenciada. Ainda na opinião de Bernstein,
a capacidade de adaptação do capitalismo manifesta-se primeiro no facto de já não Bernstein elimina o primeiro desses fundamentos do socialismo científico: pretende
existir crise generalizada, o que se deve à evolução do crédito das organizações que a evolução do capitalismo não se orienta para um afundamento económico geral.

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Por isso não é uma determinada forma de desmoronamento do capitalismo que rejeita, ou mesmo os germens" do socialismo? É indubitavelmente necessário compreender
mas o próprio desmoronamento. Escreve textualmente: "Pode-se objetar que quando que fazem ressaltar mais claramente o carácter social da produção. Mas, conservando
se fala da derrocada da sociedade atual, visa-se outra coisa que não uma crise lhe a forma capitalista, tornam supérflua a passagem dessa produção socializada a
comercial geral e mais forte que as outras, a saber, um desmoronamento completo do produção socialista. Assim, podem ser as premissas e os germens do socialismo no
sistema capitalista em consequência das suas contradições". sentido teórico e não no sentido histórico do termo, fenómenos que sabemos, pela
nossa concepção do socialismo, serem-lhe aparentados, mas não suficientes para o
E refuta essa objecção nestes termos: instaurar e muito menos para o tornar supérfluo. Só resta, como fundamento do
"Uma derrocada completa e mais ou menos geral do sistema de produção socialismo, a consciência de classe do proletariado. Mas mesmo esta não reflete no
actual é a consequência do desenvolvimento crescente, não o mais provável, plano intelectual as cada vez mais flagrantes contradições internas do capitalismo ou a
mas o mais improvável, porque este aumenta, por um lado, a sua capacidade eminência do seu desmoronamento, porque os "fatores de adaptação" impedem que
de adaptação e por outro lado – ou melhor, simultaneamente – a se produza, reduzindo-se portanto a um ideal, cuja força de convicção repousa nas
diferenciação da indústria". (Neue Zeit, 1897-1898, V, 18, p. 555). perfeições que se lhe atribuem.

Mas então uma questão fundamental se põe: esperaremos pelo objectivo final para Numa palavra: esta teoria fundamenta o socialismo num "conhecimento puro", ou para
onde tendem as nossas aspirações e, se sim, porquê e como? Para o socialismo usar uma terminologia clara, é o fundamento idealista do socialismo. Excluindo a
científico a necessidade histórica da revolução socialista é sobretudo demonstrada pela necessidade histórica, não deixa de se enraizar no desenvolvimento material da
anarquia crescente do sistema capitalista que o envolve num impasse. Mas, se se sociedade. A teoria revisionista é obrigada a uma alternativa: ou a transformação
admite a hipótese de Bernstein: a evolução do capitalismo não se orienta para uma socialista da sociedade é consequência, como anteriormente, das contradições
derrocada – e o socialismo deixa de ser uma necessidade objectiva. Aos fundamentos internas do sistema capitalista e, então, a evolução do sistema inclui também o
científicos do socialismo restam os dois outros lados do sistema capitalista: a acerbamento das suas contradições, acabando necessariamente um dia ou outro na
socialização do processo de produção e a consciência de classe do proletariado. Era ao derrocada sob uma ou outra forma e, nesse caso, os "fatores de adaptação" são
que Bernstein aludia na passagem seguinte: [Recusar a tese do desmoronamento do ineficazes e a teoria da catástrofe é justa. Ou os "fatores de adaptação" são capazes de
capitalismo] não enfraquece de modo algum a força de convicção do pensamento evitar realmente o desmoronamento do sistema capitalista e assegurar a sua
socialista. Porque, examinando de mais perto todos os factores de eliminação ou de sobrevivência, portanto, anular essas contradições e, nesse caso. o socialismo deixa de
modificação das crises anteriores, constatamos que são simplesmente premissas ou ser uma necessidade histórica e, a partir daí, é tudo o que se queira, exceto o resultado
mesmos germens da socialização da produção e da troca. (Neue Zeit, 1897-1898, V, 18, do desenvolvimento material da sociedade. Este dilema engendra um outro: ou o
p. 554). revisionismo tem razão quanto à evolução do capitalismo – e nesse caso a
transformação socialista da sociedade é uma utopia – ou o socialismo não é uma utopia
Num relance, apercebemo-nos da inexatidão destas conclusões. Os fenómenos e. nesse caso, a teoria dos "fatores de adaptação" perde a sua base.
apontados por Bernstein como sinais de adaptação do capitalismo: as fusões, o crédito,
o aperfeiçoamento dos meios de comunicação, a elevação do nível de vida da classe That is the question: este é o problema.
operária, significam simplesmente isto: anulam, ou pelo menos atenuam, as 2. A Adaptação do Capitalismo
contradições internas da economia capitalista; impedem que se desenvolvam e se
exasperem. Assim, a desaparição das crises significa a abolição do antagonismo entre Os mais eficazes meios de adaptação da economia capitalista são a instituição do
a produção e a troca numa base capitalista; assim, a elevação do nível de vida da classe crédito, a melhoria dos meios de comunicação e as organizações patronais.
operária, seja qual for, mesmo quando uma parte desses operários passa a pertencer
à classe média, significa atenuação do antagonismo entre o capital e o trabalho. Se as Comecemos pelo crédito. Das suas múltiplas funções na economia capitalista, a mais
fusões, o sistema de crédito, os sindicatos, etc., anulam as contradições do capitalismo, importante é a de aumentar a capacidade extensiva da produção e a de facilitar a troca.
salvando por esse meio o sistema capitalista da catástrofe (por isso Bernstein chama- No caso em que a tendência interna da produção capitalista para um crescimento
lhes "fatores de adaptação") como podem constituir, ao mesmo tempo, as "premissas ilimitado ultrapassa os limites da propriedade privada, as dimensões restritas do capital
privado, o crédito aparece como o meio de ultrapassar esses limites no quadro do

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capitalismo, intervém para concentrar um grande número de capitais privados num só Agrava a contradição entre a produção e a troca, favorecendo no máximo a tendência
– é o sistema das sociedades por ações – e para assegurar aos capitalistas a utilização expansionista da produção, paralisando a troca na primeira ocasião. Agrava a
de capitais estrangeiros – é o sistema de crédito industrial. Por outro lado, o crédito contradição entre a apropriação e a propriedade, separando a produção da
industrial acelera a troca das mercadorias, por conseguinte o refluxo do capital no propriedade, transformando o capital em capital social, mas por outro lado, dá a uma
circuito de produção. Percebe-se facilmente a influência que exercem essas duas parte do lucro a forma de interesse do capital, reduzindo-a a um simples título de
funções essenciais do crédito na formação das crises. Sabe-se que as crises resultam da propriedade. Agrava a contradição entre as relações de propriedade e as relações de
contradição entre a capacidade de extensão, a tendência expansionista da produção produção, expropriando um grande número de pequenos capitalistas e concentrando
por um lado, e a capacidade restrita de consumo do mercado por outro lado, nesse forças produtivas consideráveis nas mãos de alguns. Agrava a contradição entre o
caso o crédito é precisamente, vimo-lo já, o meio especifico de destruir essa carácter social da produção e o carácter privado da propriedade capitalista, tornando
contradição tantas quantas as vezes possíveis. Em primeiro lugar, aumenta a necessária a intervenção do Estado na produção (criação de sociedades por ações) .
capacidade de extensão da produção em proporções gigantescas; é a força motriz
interna que a leva a ultrapassar constantemente os limites do mercado. Mas é uma Numa palavra, o crédito só consegue reproduzir as contradições polares do
faca de dois gumes. Na sua qualidade de fator de produção, contribui para provocar a capitalismo, agudizadas, acelera a produção que o precipitará no enfraquecimento, no
superprodução, na sua qualidade de fator de troca só pode, durante a crise, ajudar na desmoronamento. O primeiro meio de adaptação do capitalismo quanto ao crédito
destruição radical das forças produtivas que por ele foram movimentadas. Desde os devia ser a supressão do crédito, a abolição dos seus efeitos. Tal como é, não constitui
primeiros sintomas de estrangulamento do mercado, o crédito funde-se, abandona a de modo algum um meio de adaptação, mas um fator de destruição com
sua função de troca precisamente no momento em que seria indispensável; revela a consequências profundamente revolucionárias. Esse carácter revolucionário que
sua ineficácia e inutilidade quando ainda existe, e contribui, no decurso da crise, para conduz o crédito a ultrapassar o capitalismo não terá ido ao ponto de inspirar planos
reduzir ao mínimo a capacidade de consumo do mercado. Citámos os dois efeitos de reforma, de espírito mais ou menos socialista? Basta olhar para esse grande
principais do crédito, atuando diversamente na formação das crises. Não somente representante do crédito que foi em França um Isaac Péreire cujos planos de reformas
oferece aos capitalistas a possibilidade de recorrer aos capitais estrangeiros, mas fizeram surgir, segundo Marx, como meio-profeta, meio-canalha.
encoraja-os a utilizarem ativamente e sem escrúpulos a propriedade alheia, ou, dito de Com esta mesma fragilidade aparece, quando o examinamos de mais perto, o segundo
outra maneira, incita a especulações arrojadas. Assim, na qualidade de factor secreto fator de adaptação da produção – as organizações patronais. Pela teoria de Bernstein
da troca de mercadorias, não só agrava a crise, mas ainda facilita a sua aparição e deviam, regulamentando a produção, pôr fim à anarquia e prever a aparição das crises.
extensão, fazendo da troca um mecanismo extremamente complexo e artificial, tendo Sem dúvida que o desenvolvimento das fusões e dos monopólios é um fenómeno que
por base real um mínimo de dinheiro-metal, facto que, na primeira ocasião, provoca ainda não foi estudado em todas as suas diversas consequências económicas. É um
perturbações nesse mecanismo. Desta forma, o crédito em vez de contribuir para problema que só se pode resolver recorrendo à doutrina marxista. De qualquer modo,
destruir ou mesmo atenuar as crises é, pelo contrário, um seu agente poderoso. Não uma coisa é certa: as associações patronais não conseguiram deter a anarquia
pode ser de outra maneira. A função específica do crédito consiste – exposta muito capitalista, na medida em que as fusões, os monopólios, etc., se tornariam, mais ou
esquematicamente – em corrigir tudo o que o sistema capitalista pode ter de rigidez, menos aproximadamente, uma forma de produção generalizada ou dominante. Ora a
introduzindo lhe a elasticidade possível, em tornar todas as forças capitalistas própria natureza das fusões a torna impossível. O objetivo económico final e a ação das
extensíveis, relativas e sensíveis. Só consegue, evidentemente e por isso mesmo, organizações é, excluindo a concorrência no interior de um sector da produção,
facilitar e agudizar as crises que se definem como o choque periódico entre as forças influenciar a repartição do lucro bruto realizado no mercado, de maneira a aumentar a
contraditórias da economia capitalista. parte desse sector da indústria à custa de outros, precisamente por estar generalizada
Isto conduz-nos a um outro problema: como pode aparecer o crédito como um "fator Prolongada a todos os sectores industriais importantes, anula por si própria o seu
de adaptação" do capitalismo? Qualquer que seja a forma sob a qual se imagine essa efeito.
adaptação, a sua função só pode consistir na redução de um qualquer antagonismo do Mesmo nos limites da sua aplicação prática, as associações patronais estão muito longe
capitalismo, resolvendo ou atenuando uma contradição, desbloqueando as forças de suprimir a anarquia, bem pelo contrário. Normalmente as concentrações só obtêm
gripadas em tal e tal ponto do mecanismo. Ora, se existe um meio para agudizar no esse aumento de lucro no mercado interno relacionando-o com o estrangeiro, com
mais alto grau as contradições do capitalismo atual, esse meio é exatamente o crédito.

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uma taxa de lucro muito inferior à parte do capital excedentário que não podem utilizar Assim, quanto à ação exercida na economia capitalista, as concentrações industriais,
para as necessidades internas, quer dizer. vendendo as suas mercadorias no os monopólios, não aparecem como "fator de adaptação" apropriado para lhe atenuar
estrangeiro a melhor preço que no interior do país. Dai resulta um agravamento da as contradições, mas antes como um dos meios que inventa para agravar a sua própria
concorrência no estrangeiro, um reforço da anarquia no mercado mundial, exatamente anarquia, desenvolver as suas contradições internas, acelerar a sua própria ruína.
o contrário do que se propunham conseguir. É o que prova, entre outras a história
mundial da indústria do açúcar. Entretanto, se o sistema de crédito, se as concentrações, etc., não eliminam a anarquia
do mundo capitalista, como se explica que, durante dois decénios, desde 1873, não se
Finalmente, e generalizando a sua qualidade de fenómenos ligados ao modo de tenha produzido nenhuma grande crise comercial? Não será isso um sinal de que o
produção capitalista, as associações patronais podem apenas ser consideradas como modo de produção capitalista se adaptou – pelo menos nas suas linhas fundamentais
uma fase precisa da evolução capitalista. De facto, as concentrações não passam de um – às necessidades da sociedade, contrariamente à análise feita por Marx? A resposta
paliativo para a baixa fatal da taxa de lucro em certos sectores da produção. Quais os não se fez esperar. Mal Bernstein arrumara, em 1898. a teoria marxista das crises entre
métodos utilizados pelas concentrações para obterem esse efeito? No fundo não se as ideias antigas, rebentou uma violenta crise geral em 1900; sete anos depois uma
trata de pôr em pousio uma parte do capital acumulado, quer dizer, o mesmo método nova crise abalou os Estados Unidos, atingindo todo o mercado mundial. Assim, a teoria
utilizado sob outra forma em períodos de crise. Ora, do remédio à doença só existe da "adaptação" do capitalismo foi desmentida por factos eloquentes. O próprio
uma diferença de grau e o remédio só pode passar por um mal menor durante um certo desmentido demonstrou que aqueles que abandonavam a teoria marxista das crises,
tempo. No dia em que as saídas tendam a estreitar-se, com o mercado mundial pela única razão que nenhuma crise tinha rebentado no "prazo" previsto para que isso
desenvolvido ao máximo e esgotado pela concorrência dos países capitalistas, – e não sucedesse, tinham confundido a essência dessa teoria com um dos seus aspectos
se pode negar que esse dia chegará mais tarde ou mais cedo – a imobilização parcial exteriores secundários: o ciclo dos dez anos. Ora, a fórmula do período decenal,
ou forçada do capital terá dimensões consideráveis: o remédio transformar-se-á no fechando todo o ciclo da indústria capitalista, era para Marx e Engels, nos anos 60 e 70,
próprio mal e o capital, fortemente socializado pela organização e concentração, uma simples constatação dos factos: esses factos não correspondiam a uma lei natural,
transformar-se-á novamente em capital privado. Enfrentando as dificuldades mas a uma série de circunstâncias históricas determinadas; estavam ligados à extensão
crescentes para encontrar um lugar no mercado, cada parte privada do capital preferirá por saltos, da esfera de influência do jovem capitalismo.
tentar isoladamente a sua oportunidade. Nesse momento, as organizações rebentam
como balões, dando lugar a um agravamento da concorrência . A crise de 1825 foi de facto o resultado dos grandes investimentos de capitais para a
construção de estradas, canais e fábricas de gás que se realizaram no decurso do
No conjunto, as fusões, tal como o crédito, aparecem como fases bem determinadas precedente decénio e principalmente em Inglaterra onde rebentou a crise. Da mesma
do desenvolvimento que, em última análise, apenas contribuem para aumentar a maneira, a crise seguinte, de 1836 a 1839, foi consequência de investimentos
anarquia do mundo capitalista, manifestando em si próprias e levando à exaustão formidáveis na construção de meios de transporte. É sabido que a crise de 1847 foi
todas as suas contradições internas. Agravam o antagonismo existente entre o modo provocada pelo impulso febril da construção dos caminhos de ferro ingleses (de 1844
de produção e o modo de troca, agudizando a luta entre produtores e consumidores; a 1847, quer dizer, em somente três anos, o Parlamento inglês cedeu concessões das
temos um exemplo nos Estados Unidos da América. Agravam, por outro lado, a linhas de caminho de ferro por um valor de quase 15 biliões de taleres). Por
contradição entre o modo de produção e o modo de apropriação, opondo à classe consequência, nesses três casos, são as diferentes e novas formas de expansão da
operária, da maneira mais brutal, a força superior do capital organizado, conduzindo economia capitalista, a criação das novas bases do desenvolvimento capitalista que
assim ao extremo o antagonismo entre o capital e o trabalho. Por fim, agravam a estão na origem das crises. Em 1857, assiste-se à brusca abertura de novos mercados
contradição entre o carácter internacional da economia capitalista mundial e o carácter para a indústria europeia na América e na Austrália, logo a seguir à descoberta das
nacional do Estado capitalista, porque sempre se fazem acompanhar de uma guerra minas de ouro: depois foi, sobretudo em França, na esteira do exemplo inglês, a
alfandegária generalizada, exasperando assim os antagonismos entre os diferentes construção de numerosas linhas de caminho de ferro (de 1852 a 1856 construíram-se,
Estados capitalistas. A tudo isto acresce a influência revolucionária exercida pelas em França, por 250.000 francos, novas linhas de caminho de ferro). Finalmente, a
fusões na concentração da produção, no seu aperfeiçoamento técnico, etc. grande crise de 1873 foi, como se sabe, uma consequência direta da criação e expansão
brutal da grande indústria na Alemanha e na Áustria, que se seguiram aos
acontecimentos políticos de 1866 e 1871.

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De cada vez, isso aconteceu pela expansão brusca da economia capitalista que esteve crescimento contínuo da escala de produção que ultrapassa periodicamente o quadro
na origem dessas crises comerciais, e não em consequência de limitações do seu dos capitais médios, desviando-os regularmente do campo da concorrência mundial. A
âmbito nem do seu esgotamento. A periodicidade decenal dessas crises internacionais tendência ascendente é constituída pela depreciação periódica do capital existente, o
é um facto puramente exterior, um acaso. O esquema marxista da formação das crises, que faz baixar por um certo tempo a escala da produção segundo o valor do capital
tal como Engels e Marx o expuseram, o primeiro no Anti-Dühring, o segundo no livro I mínimo necessário, tal como a penetração da produção capitalista em novas empresas.
e livro III do Capital, só se explica de maneira ajustável a essas crises na medida em que É preciso não encarar a luta das empresas médias contra o grande capital como uma
revela o seu mecanismo interno e as suas causas gerais e profundas; pouco importa batalha em forma, onde a parte mais fraca veria diminuir cada vez mais e fundir as suas
que essas crises se repitam todos os dez anos ou todos os cinco, ou ainda, em tropas em número absoluto: é principalmente como se os pequenos capitais fossem
alternância; todos os vinte e todos os oito anos. Mas o que melhor demonstra a periodicamente ceifados para apressar o seu florescimento a fim de serem novamente
inexatidão da teoria bernsteiniana, é o facto de terem sido precisamente os países ceifados pela grande indústria. Entre as duas tendências que disputam a sorte das
onde os famosos "fatores de adaptação" capitalistas (o crédito, os meios de informação classes médias capitalistas, a tendência descendente é, em última análise, a
e os monopólios) estão mais desenvolvidos, que se ressentiram com maior violência dominante. A evolução é, neste caso, a inversa da classe operária. Não se manifesta
dos efeitos da crise de 1907-1908. necessariamente por uma diminuição absoluta das empresas médias; pode haver: 1º,
um aumento progressivo do capital mínimo necessário para o funcionamento das
A ideia de que a produção capitalista poderia "adaptar-se" à troca implica uma de duas empresas dos anteriores sectores de produção; 2º, uma diminuição constante do
coisas: ou o mercado mundial cresce sem limites, até ao infinito, ou, pelo contrário, intervalo de tempo durante o qual os pequenos capitais detêm a exploração dos
trava o desenvolvimento das forças produtivas para que não ultrapassem os limites do sectores de produção. Daí resulta, para o pequeno capital individual, uma
mercado. A primeira hipótese esbarra com uma impossibilidade material, à segunda transformação cada vez mais rápida dos métodos de produção e da natureza dos
opõe-se os progressos constantes da técnica em todos os sectores da produção, investimentos. Para a classe média no seu conjunto resulta uma aceleração do
originando todos os dias novas forças produtivas. metabolismo social.
Fica um fenómeno que, segundo Bernstein, contrariaria a tendência indicada do Bernstein sabe-o muito bem e constata-o. Mas o que parece esquecer é ser ela a
desenvolvimento capitalista: é a "falange invulnerável" das empresas médias. Vê-se na própria lei do movimento das empresas médias capitalistas. Se se admitir que os
sua existência uma indicação minimizadora da influência revolucionária do pequenos capitais são os pioneiros do progresso técnico, o motor essencial da
desenvolvimento da grande indústria na concentração das empresas, que não é economia capitalista, deve concluir-se que os pequenos capitais acompanham
acreditável para os defensores da "teoria da catástrofe". É ainda aqui vítima de um mal necessariamente o desenvolvimento do capitalismo, porque fazem parte integrante
entendido que ele próprio engendrou. Na realidade, seria compreender muito mal o dele e apenas com ele desaparecerão. A desaparição progressiva das empresas médias
desenvolvimento da grande indústria se se imaginasse que conduziria necessariamente – na estreita acepção estatística de que fala Bernstein – só significaria não a tendência
à progressiva desaparição das empresas médias. revolucionária do desenvolvimento capitalista, como pensa, mas, pelo contrário, uma
No curso geral do desenvolvimento capitalista, os pequenos capitais desempenham o paragem, a letargia desse desenvolvimento. "Taxa de lucro, isto é, o incremento
papel, na teoria marxista, de pioneiros da revolução técnica, e isso de maneira dupla: proporcional do capital, diz Marx, é o mais importante para todos os novos investidores
em primeiro lugar no respeitante a novos métodos de produção nos sectores antigos de capitais agrupados independentemente. Assim que a formação do capital caísse
fortemente enraizados, depois pela criação de novos sectores de produção totalmente nas mãos de um grupo de grandes capitais totalmente constituídos, o fogo
inexplorados pelos grandes capitais. vivificador da produção extinguir-se-ia – entraria em torpor". (Capital, livro III, cap. 15,
2, tomo X, p. 202, tradução Molitor).
Ter-se-ia procedido mal ao pensar a história das empresas médias como uma linha reta
descendente que iria do declínio progressivo à desaparição total. A evolução real é 3. A Realização do Socialismo Pelas Reformas Sociais
ainda aqui dialética; oscila constantemente entre as contradições. As classes médias Ao recusar a teoria da catástrofe, Bernstein recusa-se a encarar a derrocada do
capitalistas encontram-se, como a classe operária, sob a influência de duas tendências capitalismo como via histórica conduzindo à realização da sociedade socialista. Qual é
antagónicas, uma ascendente, outra descendente. A tendência descendente é o a via para os teóricos da "adaptação do capitalismo"? Bernstein faz apenas breves

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alusões a essa questão a que Conrad Schmidt procurou responder detalhadamente, evidentemente fazer nesse sentido, quer dizer, ordenando a atitude de cada grupo
dentro do espírito de Bernstein (ver o Vorwästs de 20 de Fevereiro de 1898, revista dos operário diretamente interessado, por consequência opondo-se necessariamente às
livros) .Na óptica de Conrad Schmidt "a luta sindical e a luta política pelas reformas inovações. Nesse caso. não se trata do interesse global da classe operária nem da sua
teriam como resultado um controlo social cada vez mais direto sobre as condições de emancipação, que coincide sobretudo com o progresso técnico, quer dizer, com o
produção" e chegariam a "restringir cada vez mais, por meio da legislação, os direitos interesse de cada capitalista, mas, muito pelo contrário, de uma defesa de interesses
do proprietário do capital, reduzindo-o à condição de simples administrador" até ao orientada no sentido da reação. Com efeito, tais intervenções no domínio técnico
dia em que finalmente "levará ao capitalista, no limite da sua resistência, vendo a sua reencontram-se não no futuro, onde os procura Conrad Schmidt, mas no passado do
propriedade perder progressivamente o valor para si, a direção e a administração da movimento sindical. São característicos da mais antiga fase do trade-unionismo inglês
exploração" até se introduzir finalmente a exploração coletiva. (até metade dos anos de 1860), onde se encontram sobrevivências corporativas da
Idade Média, que se inspiravam no princípio caduco do "direito adquirido num trabalho
Em resumo, os sindicatos, as reformas sociais e, acrescenta Bernstein, a conveniente", segundo a expressão de Webb, na sua teoria e prática dos sindicatos
democratização política do Estado, são os meios para realizar progressivamente o ingleses (t. II, p. 100 e seguintes). A tentativa dos sindicatos para fixar as dimensões da
socialismo. produção e dos preços das mercadorias é, muito pelo contrário, um fenómeno recente.
Comecemos pelos sindicatos: a sua função principal – ninguém a expôs melhor que o Só que a vimos aparecer nos últimos tempos, mais uma vez e somente em Inglaterra
próprio Bernstein, em 18911 na Neue Zeit – consiste em permitir aos operários a (ibid., t. II, p. 115 e seg.). É de inspiração e tendência análogas às precedentes. A que
realização da lei capitalista dos salários, quer dizer a venda da força de trabalho ao se reduz com efeito a participação ativa dos sindicatos na fixação das dimensões e do
preço conjuntural do mercado. Os sindicatos servem o proletariado utilizando no seu custo de produção das mercadorias? A uma concentração, reunindo os operários e os
próprio interesse, a cada instante, essas conjunturas do mercado. Mas as próprias empresários contra o consumidor, a utilizar contra os empresários concorrentes
conjunturas, isto é, por um lado a procura da força de trabalho determinada pelo medidas coercivas que nada devem aos métodos da associação patronal ordinária. Já
estado da produção e, por outro, a oferta da força de trabalho criada pela não se trata aí de um conflito entre o trabalho e o capital, mas de uma luta travada
proletarização da classe operária, enfim, o grau de produtividade do trabalho, estão solidariamente pelo capital e pela força do trabalho contra a sociedade consumidora.
situadas fora da esfera de influência dos sindicatos. Assim, esses elementos não podem Se ajuizarmos do seu valor social, é um empreendimento reacionário, não se pode
suprimir a lei dos salários. Podem, na melhor das hipóteses, manter a exploração constituir como um estádio da luta para a emancipação do proletariado, porque é o
capitalista no interior dos limites "normais" determinados em cada momento pela oposto de uma luta de classes; se ajuizarmos do seu valor prático, é uma utopia: basta
conjuntura, mas estão longe do processo de suprimir a exploração em si-mesma, um relance para se ver que não pode ser alargada a grandes sectores da produção,
mesmo que progressivamente. trabalhando para o mercado mundial.

É verdade que Conrad Schmidt considera o sindicalismo atual como estando "num A atividade dos sindicatos reduz-se, essencialmente, à luta para aumento dos salários
fraco estado inicial", e espera que, no futuro, o "movimento sindical exerça uma e para a redução do tempo de trabalho, procura unicamente ter uma influência
influência reguladora progressiva na produção". Mas essa influência reguladora na reguladora sobre a exploração capitalista, segundo as flutuações do mercado; toda a
produção só pode ser entendida de duas maneiras: trata-se de intervir no domínio intervenção no processo de produção é-lhe, pela própria natureza das coisas, interdita.
técnico do processo, ou de fixar as próprias dimensões da produção. De que natureza Mas, além do mais, o movimento sindical desenvolve-se num sentido oposto ao da
poderá ser, rios dois campos, a influência dos sindicatos? É evidente que no hipótese de Conrad Schmidt: tende a cortar totalmente o mercado de trabalho de
concernente à técnica da produção, o interesse do capitalismo coincide até certo ponto qualquer contato direto com o resto do mercado. Citemos um exemplo característico
com o progresso e o desenvolvimento da economia capitalista. É a necessidade vital dessa tendência: toda a tentativa para ligar diretamente o contrato de trabalho com a
que o impele a aperfeiçoar-se tecnicamente. Mas a situação do operário individual é situação geral da produção, pelo sistema de escala móvel de salários, é ultrapassada
absolutamente inversa: toda a transformação técnica se opõe aos interesses dos pela evolução histórica, e as trade-unions afastam-se cada vez mais dela (Webb, ibid.,
operários diretamente implicados e agrava a sua situação imediata, depreciando a p. 115). Mesmo no interior dos limites da sua esfera de influência, o movimento sindical
força do trabalho, tornando o trabalho mais intensivo, mais monótono, mais penoso. não aumenta indefinidamente a sua expansão, como o suponha a teoria da adaptação
Na medida em que o sindicato pode intervir na técnica de produção, só o pode do capitalismo. Muito pelo contrário. Se se examinarem vários longos períodos de
desenvolvimento social, é-se obrigado a constatar que, no conjunto, vamos enfrentar

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uma época não de expansão triunfante, mas de dificuldades crescentes para o vez mais à simples gestão da empresa. Ora, de duas coisas, uma: ou essa construção
movimento sindical. As reformas chocam-se algures com os limites dos interesses do teórica não passa de uma inocente figura de retórica a que não se dá a mínima
capital. Claro que Bernstein e Conrad Schmidt consideram que o movimento sindical importância e então a teoria da expropriação progressiva perde todo o fundamento;
atual é um "fraco estádio inicial"; esperam, para o futuro, reformas que se ou representa, a seus olhos, o verdadeiro esquema de evolução jurídica; mas, neste
desenvolvam até ao infinito, para maior bem da classe operária. Aí, cedem à mesma caso, engana-se de uma ponta à outra. A decomposição do direito de propriedade em
ilusão em que acreditam, quando consideram a expansão ilimitada do sindicalismo. diversas competências jurídicas, a que Conrad Schmidt recorre para engendrar a sua
Quando o desenvolvimento da indústria atingir o seu apogeu e o mercado mundial teoria da "expropriação progressiva" do capital, caracteriza a sociedade feudal baseada
iniciar a fase descendente, a luta sindical tornar-se-á difícil: 1º, porque as conjunturas na economia natural: a repartição do produto social entre as diferentes classes da
objetivas do mercado serão desfavoráveis à força do trabalho, a procura da força de sociedade praticava-se naturalmente e fundamentava-se nas relações pessoais do
trabalho aumentará mais lentamente e a oferta mais rapidamente, o que não é o caso senhor feudal com os seus vassalos. Em compensação, a passagem à produção
atual; 2º, porque o próprio capital para se compensar das perdas sofridas no mercado mercantil e a dissolução de todas as ligações pessoais entre os diversos participantes
mundial, se esforçará por reduzir a parte do produto pertencente aos operários. A no processo de produção reforçou as relações entre o homem e a coisa, quer dizer. a
redução dos salários não é, em resumo, segundo Marx, um dos principais meios de propriedade privada. A partir desse momento, a repartição já não se fundamentava em
travar a baixa das taxas de lucro? (ver Marx, Capital, livro III, cap. XIV, 2, Tomo X, p, relações pessoais, mas realizava-se através dos meios de troca; os diferentes direitos
162). A Inglaterra oferece-nos o exemplo do princípio do segundo estádio do de participação na riqueza social não se mediam em fracções do direito de participação
movimento sindical. Nessa fase, a luta reduz-se necessariamente e cada vez mais à à riqueza social, não se medindo em fracções do direito de propriedade de um objeto,
simples defesa dos direitos adquiridos e mesmo isso é cada vez mais difícil. Esta é a mas pelo valor conferido a cada um no mercado. De facto, a primeira grande
tendência geral da evolução cuja contrapartida deve ser o desenvolvimento da luta de transformação introduzida nas relações jurídicas na sequência do aparecimento da
classe política e social. produção mercantil nas comunas urbanas da Idade Média foi a criação da propriedade
privada absoluta no próprio núcleo das relações jurídicas feudais, a criação do regime
Conrad Schmidt comete o mesmo erro de perspectiva histórica no referente à reforma de propriedade parcelada. Mas na produção capitalista essa evolução não parou. Por
social: espera que "obrigue a classe capitalista com a ajuda das coalizões operárias acréscimo, quanto mais o processo de produção é socializado, mais se fundamenta
sindicais, às condições em que possa adquirir a força de trabalho". É à reforma social exclusivamente na troca e mais a propriedade privada capitalista adquire um carácter
assim compreendida, que Bernstein assimila a legislação social, considerando-a um absoluto e sagrado. A propriedade capitalista, que era um direito sobre os produtos do
bocado de "controlo social" e como tal um bocado de socialismo. Da mesma maneira, seu próprio trabalho, transforma-se crescentemente num direito de apropriação do
Conrad Schmidt chama ao falar das leis de proteção operária: "controlo social"; depois trabalho dos outros. Enquanto o capitalista gerava ele próprio a fábrica, a repartição
de ter transformado, do mesmo modo e com felicidade, o Estado em sociedade, contínua estava ligada, em certa medida, a uma participação pessoal no processo de
acrescenta. com uma confiança magnífica: "quer dizer a classe operária". São vítimas produção. Mas, na medida em que se pode ultrapassar o capitalista para dirigir a
da mesma ilusão, quando acreditam fervorosamente numa expansão ilimitada do fábrica – que é o caso das sociedades por ações – a propriedade do capital, enquanto
sindicalismo. participação na repartição, liberta-se completamente de qualquer relação pessoal com
A teoria da realização progressiva do socialismo por intermédio de reformas sociais a produção, surge na sua forma mais pura e absoluta. É no capital-ação e no capital de
implica – e é aí que se encontra o seu fundamento – um certo desenvolvimento crédito industrial que o direito de propriedade capitalista atinge a sua forma mais
objetivo tanto da propriedade capitalista como do Estado. No referente à primeira, o acabada.
esquema do desenvolvimento futuro tende, segundo Conrad Schmidt, a "restringir O esquema histórico de Conrad Schmidt que mostra o proprietário passando da função
progressivamente os direitos do proprietário do capital, reduzindo-o a um papel de de "proprietário a simples administrador" não corresponde de modo algum à tendência
simples administrador". Para compensar a pretensa impossibilidade de destruir de uma real da evolução; esta mostra-nos, pelo contrário, a passagem do proprietário e
só vez a propriedade dos meios de produção, Conrad Schmidt inventa uma teoria de administrador a simples proprietário.
expropriação progressiva. Imagina que o direito de propriedade se divide em "direito
supremo de propriedade" atribuído à "sociedade" e obrigado, segundo ele, a alargar- Aqui, encontra-se um paralelo entre Conrad Schmidt e Goethe: "o que se possui vê-o
se sempre mais, e direito de usufruto que, nas mãos do capitalismo, se reduzirá cada como longínquo, o que não existe torna-se, a seus olhos, a realidade".

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O seu esquema histórico apresenta-nos uma evolução económica .que retrogradaria o


estádio moderno da sociedade por ações para a manufatura ou mesmo oficina
artesanal; mesmo juridicamente pretende levar o mundo capitalista para o seu berço,
para o mundo feudal da economia natural.

Nessa perspectiva, o "controlo social", tal como é apresentado por Conrad Schmidt,
aparece sobre outra focagem. O que hoje é a ação de "controlo social" – a legislação
operária, controlo das sociedades por ações, etc., – não tem, de facto, nenhuma
relação com uma participação no direito de propriedade, com uma "propriedade
suprema" da sociedade. A sua função não é limitar a propriedade capitalista, mas, pelo
contrário, protegê-la. Ou ainda – economicamente falando – não constitui um ataque
à exploração capitalista, mas uma tentativa de a normalizar. Quando Bernstein põe a
questão de saber se esta ou aquela lei de proteção operária é mais ou menos socialista,
podemos responder-lhe que a melhor das leis de proteção operária tem mais ou menos
tanto socialismo como as disposições municipais de limpeza das ruas e o acendimento
dos bicos de gás – que também revelam o "controlo social".

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