Sie sind auf Seite 1von 12

Responsabilidade civil do Estado e as

Agências Reguladoras

Daisy de Asper y Valdés

Introdução. A centenária experiência ame-


ricana. Agências Reguladoras: aspectos rele-
vantes. Papel das Agências no contexto atual.
Responsabilidade civil da Administração Pú-
blica: evolução doutrinária e jurisprudencial.
Teorias civilistas. Teorias publicistas. Excluden-
tes da responsabilidade civil da Administra-
ção Pública. O caso fortuito ou força maior.
Culpa da vítima: exclusiva e concorrente. Atos
de terceiros e fenômenos da natureza. Da repa-
ração do dano. A responsabilidade civil no
novo Código Civil (Lei 10.406/2002, art. 43) e
na Constituição Federal (§ 6º do art. 37). A res-
ponsabilidade do Estado pelos atos das agências
reguladoras. Responsabilidade da Agência por
atos comissivos e omissivos da Administração.
Conclusão.

Introdução

A Responsabilidade Civil do Estado refere-


se à imposição sobre o Poder Público de re-
parar danos causados a terceiros em decor-
rência de suas ações ou omissões. Deflui,
atualmente, de dispositivo inscrito da Lei
Magna, que no art. 37, § 6º, diz expressa-
mente: “As pessoas jurídicas de direito pú-
blico e as de direito privado prestadoras de
serviços públicos responderão pelos danos
que seus agentes, nessa qualidade, causa-
rem a terceiros, assegurado o direito de re-
Daisy de Asper y Valdés é subprocuradora-
geral da República, aposentada, professora de gresso contra o responsável nos casos de
Direito Administrativo da UPIS e AEUDF e co- dolo ou culpa” (BRASIL, 2002).
ordenadora do Curso de Pós-Gradução em Di- Cogita-se, ao se tratar da responsabili-
reito Público do ICAT/AEUDF. dade estatal, de três tipos de funções pelas
Brasília a. 40 n. 159 jul./set. 2003 181
quais se reparte o poder estatal: a adminis- concebeu a criação de agências regulado-
trativa, a legislativa e a judicial. Atualmen- ras para aqueles setores em que as condi-
te, a crescente turbulência do processo de ções de monopólio natural vigoravam. A
redefinição das funções do Estado na eco- busca por maior competição e, portanto, o
nomia, em curso desde meados dos anos 90, ingresso de novos capitais nesses setores
centra-se na responsabilidade resultante da permitiria a simultânea expansão da oferta
atuação da Administração Pública, já que e queda de preço. Assim, foram criadas a
com relação aos demais poderes essa res- Agência Nacional de Telecomunicações
ponsabilidade incide em casos especiais. (ANATEL), a Agência Nacional do Petróleo
Para os atos administrativos, a regra consti- (ANP) e a Agência Nacional de Energia Elé-
tucional é, pois, a responsabilidade objeti- trica (ANEEL).
va da Administração. Quanto aos atos le-
gislativos e judiciais, o erário só responde A centenária experiência americana
quando comprovada a culpa na sua expe-
dição, de modo ilegítimo ou lesivo. Obser- Aperfeiçoadas e reformadas ao longo do
ve-se que o texto constitucional refere-se aos tempo, as agências americanas têm um sé-
“agentes administrativos” e não aos “agen- culo de existência. A primeira agência re-
tes políticos”, membros dos Poderes do Es- guladora surgiu em 1887 – Comissão de
tado. Comércio Interestadual (ICC) – para regu-
Limita-se o presente estudo à responsa- lar preços e impedir concentração excessi-
bilidade civil do Estado resultante da atua- va no setor ferroviário. Com o New Deal, no
ção das Agências Reguladoras. Moldadas governo Roosevelt, na década de 30, deze-
na experiência norte-americana, represen- nas de agências foram criadas para regular
tam um marco na transição do paradigma a economia e vencer a depressão. Dotadas
de Estado intervencionista para o Estado de amplos poderes, passaram a ser conhe-
regulador. Setores inteiros da produção, cidas, nessa época, como “o quarto poder”.
antes monopólios estatais, foram privatiza- Na década de 60, a evolução da legisla-
dos. Criaram-se, e ainda se criam, agências ção concentrou-se na proteção ao meio am-
e regimes regulatórios para administrar biente, à saúde pública e ao consumo, preo-
mercados novos em telecomunicações, ener- cupando-se com o bem-estar social, e na cor-
gia, petróleo, distribuição de água, trans- reção das falhas do mercado.
portes, entre outros. Assumem as agências Nos anos 70, organizações não-governa-
reguladoras funções executivas, legislativas mentais e grupos de interesse exerceram for-
e judiciárias que caracterizam a criação de te influência na agenda regulatória: novas
um Estado dentro do próprio Estado. diretrizes, metas e prazos rígidos lhes fo-
É interessante tentar resumir o extenso ram impostos. O excesso de regulamenta-
escopo de atuação a partir das diferentes ção passou a ser criticado como fonte de
competências que cabem às agências autô- ineficiência empresarial, manutenção de
nomas neste novo arranjo institucional. É preços altos e atraso tecnológico.
um órgão executor, na medida em que im- Na década de 80, com a onda de desre-
plementa o sistema nacional de gerencia- gulamentação e privatização encetada pelo
mento. É também um órgão regulador clás- governo Reagan, setores inteiros foram libe-
sico, uma vez que lhe compete, por um lado, rados: telecomunicações, seguros, rodovias,
regular no sentido clássico a oferta e a de- ônibus, TV a cabo, petróleo, gás e energia.
manda e, por outro lado, fiscalizar os usos Entretanto, o Governo Clinton, de maioria
dos recursos, inclusive mediando os confli- democrata, reafirmou o mandato das agên-
tos e dispondo de poder de polícia. Muitas cias, mantendo o sistema de regulação soci-
surgiram no quadriênio 1995-98, quando se al nos moldes clássicos. Segundo o Índice

182 Revista de Informação Legislativa


Regulatório Federal, em 2000, os Estados desses serviços. Substitui-se o desgastado
Unidos gastaram 721 bilhões de dólares em modelo burocrático, rígido, burocratizado,
financiamento e salários para as agências por um modelo flexível, participativo, efici-
reguladoras (EXAME, 2002, p. 44). ente. Não se busca o encolhimento do papel
do Estado, mas sim um Estado melhor, ver-
Agências Reguladoras: dadeiramente voltado para o cidadão como
aspectos relevantes destinatário final daquela prestação.
Nesse cenário, é fenômeno atual, de rá-
No Brasil, a mudança do perfil do Esta- pida expansão, as agências executivas. Par-
do-Previdência, titular e executor dos servi- te integrante das chamadas agências autô-
ços públicos, para o atual modelo neolibe- nomas, têm elas como meta a busca de ex-
ral processou-se por meio das Emendas celência na implementação de políticas
Constitucionais, particularmente a Emen- públicas. São as autarquias e fundações que
da nº 19/98, que tratou especificamente da realizam contrato de gestão com órgão da
Reforma Administrativa. Esse modelo está Administração Direta, a que se acha vincu-
expressamente evidenciado no Plano Dire- lada, para redução de custos e melhoria na
tor da Reforma do Aparelho do Estado, que qualidade do serviço. Outra das chamadas
estabeleceu as diretrizes de atuação políti- agências autônomas, a agência reguladora,
co-institucional do governo Fernando Hen- com maior atuação no mercado do que a
rique Cardoso. Entre as inovações trazidas agência executiva, surgiu da necessidade de
ao mundo jurídico, destacam-se as agênci- intervenção em determinados setores da eco-
as executivas e reguladoras. nomia, fruto do processo de privatização,
Partindo do pressuposto do exaurimen- que extinguiu total ou parcialmente os mo-
to do Estado interventor, diretamente envol- nopólios de alguns setores públicos, com-
vido no setor produtivo, postula-se uma petindo-lhes a função de fiscalização e con-
ampla reformulação das bases da Admi- trole.
nistração Pública. Deixa o Estado de ser exe- A Constituição Federal de 1988 dispôs
cutor para se tornar regulador, enfrentan- no art. 174 que, “como agente normativo e
do, desse modo, os novos desafios do mun- regulador da atividade econômica, o Esta-
do globalizado. Entre outras tarefas e fun- do exercerá, na forma da lei, as funções de
ções, compete-lhe promover maior aproxi- fiscalização, incentivo e planejamento, sen-
mação com a sociedade e impulsionar o do este determinante para o setor público e
desenvolvimento econômico. Entretanto, as indicativo para o setor privado”. Logo, para
mudanças requeridas pelo Estado não se fazer atuar esse dispositivo, atribui-se espe-
reduzem à imposição de reformas adminis- cial relevo às agências reguladoras.
trativas. De fato, vão mais além, na medida Segundo SILVA (2000, p. 217), planeja-
em que atingem valores, paradigmas e a pró- mento “é um processo técnico instrumenta-
pria cultura organizacional, buscando a do para transformar a realidade existente
construção de espaços de relacionamento no sentido de objetivos previamente estabe-
entre a ação do governo e o cidadão. Trans- lecidos.”
forma-se, principalmente, a ideologia, a for- Consiste, assim, o planejamento econô-
ma de conceber o Estado e a Administração mico em um processo de intervenção estatal
Pública (DI PIETRO, 2000). com vistas a organizar atividades econômi-
Não há, nessa nova visão, espaço para o cas para obter resultados previamente esta-
Estado prestador de serviços, para o assis- belecidos.
tencialismo. Estimula-se, agora, a participa- O planejamento envolve decisão políti-
ção ativa do cidadão, deliberando, atuando ca. Às agências reguladoras cabe a imple-
para a melhoria na qualidade da prestação mentação de tais políticas, elaborando pro-

Brasília a. 40 n. 159 jul./set. 2003 183


jetos, desenvolvendo incentivos, visualizan- tos de suas áreas de competência e respon-
do o usuário como destinatário final de todo dem pelo cumprimento de metas fixadas e
esse processo. Deve, pois, responder por pelo desempenho das atividades dos pres-
decisões equivocadas, pela imprudência na tadores de serviço.
elaboração do planos e pelos danos causa- Diverge-se, na doutrina, quanto ao po-
dos aos atores econômicos atingidos, ainda der normatizador das agências regulado-
que de modo reflexo, por sua atividade re- ras, afirmando parte da doutrina que po-
gulatória. dem exercitá-lo, desde que respeitados os
Do mesmo modo, a Administração Pú- limites legais estabelecidos na lei que as ins-
blica tem o privilégio de modificar unilate- tituiu. Compete-lhes, entretanto, a regula-
ralmente os contratos administrativos, e, mentação da prestação de serviços entre
por isso, deve o particular que com ela con- prestadores e usuários. Segundo a Lei
trata ter seus direitos resguardados. A 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo
Constituição Federal, no art. 37, inc. XXI, – LAP), têm essas agências o poder de apli-
garante o equilíbrio econômico-financeiro car sanções às empresas privatizadas, des-
do contrato administrativo, garantindo que de que respeitado o devido processo legal,
serão mantidas as condições efetivas da pro- administrativo.
posta. Logo, as agências reguladoras, como
poder concedente, não poderão alterar uni- Responsabilidade civil da
lateralmente os contratos de concessão se Administração Pública: evolução
romperem essa garantia do equilíbrio eco-
doutrinária e jurisprudencial
nômico-financeiro. Isso ocorrendo, deverão
ressarcir as concessionárias de serviço pú- Segundo MEIRELLES (2001, p. 609), a
blico pelos prejuízos causados a estas doutrina da responsabilidade civil da Ad-
(SAAD, 1994). ministração Pública evoluiu do conceito de
irresponsabilidade para o de responsabilidade
Papel das Agências no contexto atual com culpa, daí para o da responsabilidade ci-
vilística e desta para a atual fase de respon-
As agências reguladoras integram a sabilidade pública
Administração Pública Indireta e guardam No Absolutismo a regra era a irrespon-
a natureza jurídica de autarquias especiais. sabilidade do Estado, ínsita na regra que
Vinculam-se, nesse controle finalístico, ao via o Soberano como encarnação da divin-
Ministério competente para tratar da respec- dade na Terra – “The king can do no
tiva atividade. Têm seus diretores nomea- wrong”–, a infalibilidade real era a regra.
dos pelo Presidente da República, após Com a revolução liberal do século XVIII, o
aprovação do Senado Federal. Estado assemelhou-se ao indíviduo, para
Caio TÁCITO (1999, p. 6) destaca carac- que pudesse ser responsabilizado por atos
terísticas comuns das agências reguladoras culposos de seus representantes. Chega-se
brasileiras. São constituídas como autar- aos dias atuais em que é atribuída ao Poder
quias especiais. Estão afastadas da hierar- Público uma responsabilidade especial, re-
quia tradicional dos ministérios e da influ- grada pelo Direito Público, fora do conceito
ência política do governo, pois são dotadas civilístico de culpa.
de autonomia financeira e administrativa. A doutrina da irresponsabilidade foi
Podem exercitar poderes normativos com- sustentada pela Inglaterra e Estados Uni-
plementares à legislação, com amplos po- dos até meados da década de 40, e abando-
deres de fiscalização. Atuam, dentro dessas nada por legislação especial, respectivamen-
características, como instância administra- te, o Crown Proceeding Act de 1947 e pelo Cla-
tiva final nos litígios que envolvam assun- ims Act de 1946.

184 Revista de Informação Legislativa


No Brasil, nem mesmo a Constituição Estado, que praticava atos de gestão, por
Imperial de 1824 esposou a tese da irres- meio de seus prepostos.
ponsabilidade do Estado quanto a atos de- A oposição a essa teoria fundou-se no
correntes da Administração Pública. Em seu reconhecimento da impossibilidade de se
artigo 178, n. 29, dispunha que: “Os empre- dividir a personalidade estatal, ou impossi-
gados públicos são estritamente responsá- bilidade de se enquadrar como atos de ges-
veis pelos abusos e omissões praticados no tão todos aqueles praticados pelo Estado na
exercício de suas funções, e por não faze- administração do patrimônio público e na
rem efetivamente responsáveis aos seus su- prestação de seus serviços.
balternos”. A doutrina civilista aceitava, pois, a res-
Embora o texto ressalvasse que o Impe- ponsabilidade estatal desde que demonstra-
rador não estava sujeito a qualquer respon- da a culpa. Igualava a responsabilidade do
sabilidade, nos termos do art. 99 da referida Estado à do patrão ou comitente, pelos atos
Constituição, entendia-se, doutrinariamen- dos empregados ou prepostos. Serviu de
te, que a norma do art. 178, n. 29, traduzia inspiração ao art. 15 do Código Civil de 1919,
uma responsabilidade solidária entre o Es- que consagrou a Teoria da Responsabilida-
tado e seus agentes. Ainda que essa concep- de Subjetiva do Estado.
ção de responsabilidade fosse aquiliana, De tendência individualista, o Código
exigindo a prova da culpa do funcionário Civil Brasileiro, do início do século passa-
para a sua caracterização, jamais se inter- do, consagrou a teoria da culpa como base da
pretou esse dispositivo como consagrando responsabilidade civil do Estado. Dispõe o re-
apenas a responsabilidade pessoal do fun- ferido art. 15: “As Pessoas Jurídicas de di-
cionário, enquanto declarava a irresponsa- reito publico são civilmente responsáveis
bilidade estatal (MELLO, 2001). As Consti- por atos de seus representantes que nessa
tuições de 1891 e 1934 seguiram o mesmo qualidade causem dano a terceiros, proce-
modelo com respeito à responsabilidade do dendo de modo contrário ao direito ou fal-
Estado por ato do administrador. tando ao dever prescrito por lei, salvo o di-
reito regressivo contra os causadores do
Teorias civilistas dano.”
Não admitia, pois, o referido artigo a res-
Ao se admitir, inicialmente, a responsa- ponsabilidade sem culpa, exigindo sempre
bilidade do Estado, adotavam-se os princí- a demonstração desse elemento subjetivo
pios do direito civil, fundados na idéia de para a responsabilização do Estado. Esse
culpa. Distinguiam-se, nesse primeiro mo- posicionamento doutrinário perdurou até a
mento, para fins de responsabilidade, os Constituição de 1946, que, com o disposto
atos de império e os atos de gestão. Os pri- no art. 194, abandonou a culpa subjetiva e
meiros, praticados com todas as prerrogati- acolheu a teoria objetiva do risco administrati-
vas e privilégios de autoridade, eram impos- vo, revogando em parte o art. 15 do C. Civil.
tos unilateral e coercitivamente ao cidadão, Na medida em que predominam as nor-
regidos por um direito especial, exorbitante mas de Direito Público sobre as de Direito
do direito comum, porque aos particulares Privado, a doutrina civilista ou da culpa civil
não se admitiam atos semelhantes. Já os comum não é sustentável no âmbito da Ad-
segundos seriam aqueles praticados pela ministração Pública. Compatível com a re-
Administração em situação de igualdade lação de confiança que deve presidir as re-
com os particulares, para a gestão de seus lações entre a Administração e o Adminis-
serviços, ao qual se aplicava o direito comum. trado, resta, portanto, a teoria da responsabi-
A pessoa do monarca, que praticava atos lidade sem culpa, segundo MEIRELLES 1
de império, diferenciava-se da pessoa do (2001, p. 610).

Brasília a. 40 n. 159 jul./set. 2003 185


Teorias publicistas serviço; nesta o fato lesivo provocado pela
Administração faz concluir a sua respon-
Com o famoso caso Blanco, ocorrido em sabilidade e necessidade de indenizar o le-
1873, a jurisprudência francesa entendeu sado (RIVERO, p. 562).
que a responsabilidade estatal não poderia Fundamenta-se, pois, no risco que a atu-
reger-se pelos princípios subjetivos do Có- ação da Administração Pública gera para
digo Civil. Sujeita-se a regras especiais que os administrados, podendo causar dano a
variam conforme as necessidades do servi- determinadas pessoas. Para restabelecer o
ço e a imposição de harmonizar os direitos equilíbrio, o Estado deve indenizar o prejudi-
do Estado com os direitos do cidadão2. cado, utilizando recursos do erário público.
Com esse propósito, desenvolveram-se O risco, representado pela simples exis-
três linhas de raciocínio, fundadas na respon- tência da atividade administrativa, e a soli-
sabilidade objetiva do Poder Público:Teoria dariedade social, no sentido de compensar
da Culpa Administrativa; Teoria do Risco Ad- aquele lesado por essa atividade, são as ba-
ministrativo e Teoria do Risco Integral. ses dessa teoria, que, pelo teor de justiça soci-
A Teoria da Culpa Administrativa consi- al que prega, tem sido adotada em diversos
dera como essencial para caracterizar o nexo Estados modernos, e foi primeiro inscrita na
de causalidade, responsabilizando a Admi- Constituição Brasileira de 1946, no art. 194.
nistração, que ocorra a falta do serviço, para
dela inferir a culpa da Administração. Nes- Excludentes da responsabilidade civil
se caso, não se questiona a culpa subjetiva da Administração Pública
do agente público, mas o nexo causal entre
falta do serviço em si mesmo – fato gerador
O caso fortuito ou força maior
da obrigação de indenizar o dano a terceiro A doutrina é unânime em afirmar que a
– e a culpa administrativa. É ônus, entre- responsabilidade objetiva do Poder Público
tanto, da vítima comprovar a ocorrência da subsiste uma vez demonstrado o nexo de
falta de serviço para obter indenização. causalidade entre o dano e a atividade do
Essa falta de serviço pode apresentar-se Estado. Exclui-se, ao se adotar a teoria obje-
sobre três modalidades: inexistência do servi- tiva, das discussões, a necessidade de pro-
ço, mau funcionamento do serviço ou retardamento var a culpa, bastando o risco da própria ati-
do serviço. O lesado, podendo comprovar a vidade administrativa para justificar a res-
ocorrência de qualquer dessas disfunções do ponsabilização, uma vez evidenciado o
serviço público, caracteriza a falta de serviço, nexo causal.
com a correlata obrigação de indenizar. Logo, são excludentes de responsabili-
Para a Teoria do Risco Administrativo, sur- dade os eventos que, por sua imprevisibili-
ge o dever de indenizar tão-só pela ocorrên- dade e inevitabilidade, causem lesão ou
cia de dano à vitima causado pela Admi- dano sem culpa da Administração, como o
nistração, sem o concurso do lesado. caso fortuito ou força maior. Distinguem-se
A idéia da culpa é substituída pelo nexo ambos apenas quanto à origem do evento.
de causalidade entre o funcionamento do Força maior é o evento humano gerador de
serviço público e o prejuízo sofrido pelo dificuldade intransponível de regular atua-
administrado. É indiferente que o serviço ção da Administração. Assim, como adver-
público tenha funcionado bem ou mal, de te MEIRELLES (2001), uma greve que para-
forma regular ou irregular. lise os transportes é força maior, podendo
Na Culpa Administrativa exige-se a fal- deixar de sê-lo se não afetar totalmente a
ta de serviço, na Teoria do Risco Administra- prestação do serviço. E caso fortuito seria o
tivo exige-se, apenas, o fato do serviço. Na- evento da natureza, como uma inundação ou
quela presume-se a falta havendo falha do um vendaval causando danos imprevisíveis.

186 Revista de Informação Legislativa


Essa imprevisibilidade rompe o nexo de ta que “não é justo nem jurídico que a só transfe-
causalidade entre o dano e a atividade da rência da execução de uma obra ou serviço origi-
agência. Não se trata de exclusão de culpa nariamente público a particular descaracterize sua
mas sim de rompimento do nexo de causali- intrínseca natureza estatal e libere o executor pri-
dade pela excludente. vado das responsabilidades que teria o Poder
Público se o executasse diretamente, criando mai-
Culpa da vítima: ores ônus de prova ao lesado.”(MEIRELLES,
exclusiva e concorrente 2000, p. 615). Serão, portanto, responsabilizadas
na sua atuação como prestadoras de serviço públi-
Atenua-se a responsabilidade da Admi- co, não em sua atividade privada ou empresarial.
nistração, entretanto, no caso de ser possível No entanto, observe-se que o dano cau-
demonstrar a culpa da vítima, para excluir ou sado por obra pública, que é um fato admi-
minorar seus encargos. Como adverte MEI- nistrativo, mas que deriva de um ato admi-
RELLES (2001), a Teoria do Risco Adminis- nistrativo de quem ordena a execução, gera
trativo não se confunde com a do Risco Inte- para a Administração a mesma responsa-
gral – que prega a indenização em todo e qual- bilidade objetiva estabelecida para o servi-
quer caso de dano suportado pelo particular. ço público. Mesmo que seja confiada a em-
Significa sim que a Administração pode pro- preiteiros particulares, a responsabilidade
var a culpa total ou parcial do lesado na ocor- por danos oriundos do fato da obra é do Po-
rência, caso em que se eximirá do pagamento der Público que ordenou a execução. O
total ou parcial da indenização. construtor particular só responde por atos
O constituinte estabeleceu para as enti- lesivos resultantes de sua imperícia, imprudên-
dades estatais e seus desmembramentos cia e negligência na execução do projeto. A res-
administrativos, incluídas as agências au- ponsabilidade originária é da Administração,
tônomas, a obrigação de indenizar o dano como dona da obra, mas pode ela haver do execu-
causado a terceiros por seus servidores, in- tor culpado tudo quanto pagou à vítima4.
dependentemente de prova de culpa no co-
metimento da lesão. Firmou, portanto, o Atos de terceiros e fenômenos
princípio objetivo da responsabilidade sem da natureza
culpa pela atuação lesiva dos agentes públi-
cos e de seus delegados. “Agente” foi o vocá- Mas o Constituinte só protegeu o indiví-
bulo utilizado pelo constituinte, de modo ge- duo da atuação administrativa “pelos da-
nérico, abrangendo, para fins de responsabi- nos que seus agentes, nessa qualidade, cau-
lidade civil, todas as pessoas incumbidas da sarem a terceiros”, mas não por atos de ter-
realização de algum serviço público, perma- ceiros ou fenômenos da natureza. Para a inde-
nente ou transitório. O essencial é o “fato do nização de tais atos ou fatos naturais, per-
serviço”, que o agente tenha praticado o ato manece o princípio geral da culpa civil, nas
ou a omissão administrativa no exercício de suas modalidades de imperícia, imprudência
suas funções ou a pretexto de exercê-las3. ou negligência na realização do serviço pú-
MEIRELLES (2000) esclarece que evo- blico que possa ter ocasionado o dano. Logo,
luiu do entendimento anterior em que con- o dispositivo constitucional abraça somen-
siderava excluídas da incidência nesse prin- te a atuação funcional do servidor público, não
cípio as pessoas físicas e jurídicas que exerci- contemplando, pois, os atos de terceiros ou
tavam funções públicas delegadas, sob a for- fatos da natureza, como as enchentes, que
ma de empresas estatais ou de empresas venham causar dano ao administrado 5.
concessionárias ou permissionárias de ser- Tratando-se de evento da natureza pre-
viços públicos, para a sua inclusão no prin- visível e resistível, como por exemplo um
cípio da responsabilidade objetiva. Ressal- planejamento correto contra as secas, não

Brasília a. 40 n. 159 jul./set. 2003 187


haveria como imputar às agências compe- Código anterior, que: “as pessoas jurídicas
tentes (ANA e ANEEL) responsabilidade pela de direito publico interno são civilmente res-
crise energética. Evidentemente, se ocorreu a ponsáveis por atos dos seus agentes que
crise é porque não houve o devido planeja- nessa qualidade causem danos a terceiros,
mento para a utilização e aproveitamento dos ressalvado direito regressivo contra os cau-
recursos hídricos, bem como a previsão de sadores do dano, se houver, por parte des-
outras fontes de energia. Nesse diapasão, se tes, culpa ou dolo.”
os efeitos da seca poderiam ser amenizados Conclui-se, da análise de tal dispositi-
pela correta utilização dos recursos hídricos vo, que há responsabilidade da Adminis-
bem como no fomento de novas fontes de ener- tração mesmo quando não houver culpa ou
gia, caracterizou-se a falta do serviço. dolo por parte do agente público. Quando
os causadores do dano agirem com culpa
Da reparação do dano ou dolo, aplica-se a ação regressiva. Logo, a
responsabilidade das agências reguladoras
A ação de indenização é o meio judicial é objetiva em todos os casos. Desse modo,
adequado para a reparação do dano que todos os danos conseqüentes à atividade
não for resolvido de maneira amigável, por comissiva ou omissiva das agências regu-
acordo entre as partes. Após a indenização ladoras estarão sujeitas ao regime de res-
da vítima, a Administração Pública pode ponsabilidade objetiva, cabendo à vitima
exigir do agente causador do dano ação re- demonstrar apenas a lesão e o nexo causal
gressiva para obter dele o ressarcimento da- com a atividade estatal, no caso a agência
quilo que foi pago a título de indenização. É reguladora que provocou o dano.
o que autoriza o § 6º do art. 37 da CF, pois,
primordialmente, o Estado indeniza a víti- A responsabilidade do Estado pelos
ma, e só então o agente culpado indeniza o atos das agências reguladoras
Estado, por ação regressiva.
Enquanto para a Administração a res- As agências reguladoras identificam-se
ponsabilidade independe de culpa, para o com as autarquias, conforme conceituadas
servidor a responsabilidade depende de no art. 5º, inc. I, do Decreto-lei nº 200/67.
culpa: aquela é objetiva, esta é subjetiva e se São elas também entes descentralizados da
apura pelos critérios gerais do Código Civil. Administração Pública, com personalidade
Como ação civil, destinada à reparação jurídica de direito público, com autonomia,
patrimonial, a ação regressiva (Lei nº 8.112/ inclusive no tocante à gestão administrati-
90, art. 122, § 3º) transmite-se aos herdeiros va e financeira, com patrimônio e receita
e sucessores do servidor culpado, podendo próprios, destinados a normatizar, regular
ser instaurada mesmo após a cessação do e fiscalizar setores de atividades de interes-
exercício no cargo ou na função, por dispo- se público, em nome do Estado brasileiro.
nibilidade, aposentadoria, exoneração ou Como autarquias de regime especial, di-
demissão. ferem das autarquias comuns, pois a lei ins-
tituidora lhes confere privilégios específi-
A responsabilidade civil no novo cos com vistas à ampliação de sua autono-
Código Civil (Lei 10.406/2002, mia técnica, administrativa e financeira.
Seus diretores possuem mandato fixo, o que
art. 43) e na Constituição Federal
lhes assegura independência e autonomia
(§ 6º do art. 37)
nas decisões.
O novo Código trata da responsabilida- Logo, como pessoas jurídicas de direito
de das pessoas jurídicas de direito público público, são sujeitos de direitos e obrigações.
no art. 43, estabelecendo, diferentemente do Podem, portanto, adquirir direitos e contra-

188 Revista de Informação Legislativa


ir obrigações, inclusive as de indenizar pe- sentada pela companhia de sanea-
los atos danosos, ainda que lícitos. mento, de acordo com a Lei que a cria.”
Portanto, não se justifica a propositura entendeu, com base nesse precedente, não
de ação indenizatória à pessoa jurídica de haver qualquer possibilidade de ser conhe-
direito público interno a quem a agência cido o recurso do usuário, que objetivava o
esteja vinculada, com o fim de receber inde- restabelecimento do fornecimento de água.
nização pelos atos da agência reguladora. No seu voto, sustentou a legitimidade da
Como pessoa jurídica autônoma, tem capa- conduta jurisprudencial que impõe o se-
cidade para se fazer representar em juízo, guinte entendimento:
para contrair obrigações e para responder “a) No que diz respeito à possibili-
por lesões causadas a terceiros. Em conse- dade de corte de água pela falta de pa-
qüência, a responsabilidade do ente de di- gamento, como se já não bastasse a au-
reito público interno a quem a agência este- torização do Decreto nº 21.123/83 para
ja vinculada somente será possível a título tanto, é até intuitivo que não estaria a
subsidiário, uma vez exauridos os recursos SABESP obrigada a continuar forne-
da agência reguladora causadora do dano. cendo a devedores da tarifa. Qualquer
O art. 37, § 3º, da CF/88, com redação um sabe que a cobrança só será frutífe-
determinada e incisos I a III acrescentados ra se o devedor tiver bens com os quais
pela EC nº 19/98, prevê a elaboração de possa responder pelas dívidas. Em não
Lei, visando disciplinar as formas de parti- tendo bens em tais condições, não há
cipação do usuário na Administração Pú- quem faça um devedor pagar o que quer
blica, no sentido de assegurar a manuten- que seja. A admitir-se a tese do impe-
ção de serviços de atendimento ao usuário e trante, de que o fornecimento jamais
avaliação periódica da qualidade dos servi- poderia ser cortado por falta de paga-
ços. Nesse sentido, é interessante observar a mento, restando à concessionária a
evolução jurisprudencial. Não tendo sido ain- cobrança judicial, estaríamos albergan-
da elaborada a referida Lei, aplica-se o art. 22 do o locupletamento ilícito na sua for-
do Código de Proteção ao Consumidor, que ma mais perversa, vale dizer, obrigan-
determina: “os órgãos públicos, por si ou suas do a SABESP a fornecer água in aeter-
empresas, concessionárias, permissionárias num a todos os maus pagadores para
ou sob qualquer outra forma de empreendi- os quais teve, um dia, a infelicidade de
mento, são obrigados a fornecer serviços ade- fornecer” (Apelação Cível nº 201.554-
quados, eficientes, seguros e quanto aos es- 11/7, C, 2ª Câmara Civil, Rel SILVEI-
senciais, contínuos.” No seu parágrafo úni- RA PAULILO, v. u., julg. em 21.12.93).
co, dispõe que, “nos casos de descumprimen- No ROMS 8915/MA (DJ 17/08/98,
to, total ou parcial, das obrigações referidas p.00023), o mesmo Relator, Ministro José
neste artigo, serão as pessoas jurídicas com- Delgado, no “writ” impetrado por ausência
pelidas a cumpri-las e a reparar os danos cau- de pagamento de tarifa de energia elétrica,
sados, na forma prevista neste Código.” assim se manifestou:
No RE nº 120.630/SP, o Rel. Min. José Del- “ADMINISTRATIVO. MANDA-
gado, tendo como Recorrida a SABESP – Com- DO DE SEGURANÇA. ENERGIA
panhia de Saneamento Básico do Estado de ELÉTRICA. AUSÊNCIA DE PAGA-
São Paulo, em decisão de 20/11/97, e arri- MENTO DE TARIFA. CORTE. IM-
mado em decisão da Suprema Corte (RE nº POSSIBILIDADE.
85.268, do Estado do Paraná) que assentou: 1. É condenável o ato praticado
“SERVIÇO DE ÁGUA. É legítima pelo usuário que desvia energia elé-
a suspensão do fornecimento de água trica, sujeitando-se até a responder
por falta de pagamento de conta apre- penalmente.

Brasília a. 40 n. 159 jul./set. 2003 189


2. Essa violação, contudo, não re- de suas ações. Nesse sentido o acórdão do
sulta em reconhecer como legítimo o Superior Tribunal de Justiça relatado pelo
ato administrativo praticado pela Min. Vicente Leal6:
empresa concessionária fornecedora “PROCESSUAL CIVIL. ADMINIS-
de energia e consistente na interrup- TRATIVO. SERVIÇO FUNERÁRIO
ção do fornecimento da mesma. DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO.
3. A energia é, na atualidade, um ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAU-
bem essencial à população, constitu- SAM. AUTARQUIA MUNICIPAL.
indo-se serviço público indispensável AUTONOMIA ADMINISTRATIVA E
subordinado ao princípio da conti- FINANCEIRA.
nuidade de sua prestação, pelo que se O serviço funerário do Município
torna impossível a sua interrupção. de São Paulo, na qualidade de autar-
4. Os artigos 22 e 42, do Código de quia municipal dotada de autonomia
Defesa do Consumidor, aplicam-se às administrativo-financeira, tem perso-
empresas concessionárias de serviço nalidade jurídica e capacidade pro-
público. cessual para ser acionado em juízo
5. O corte de energia, como forma nas ações que os seus servidores pos-
de compelir o usuário ao pagamento tulam reajuste de vencimentos, o que
de tarifa ou multa, extrapola os limi- evidencia a ilegitimidade passiva ad
tes da legalidade. causam do Município de São Paulo.”
6. Não há de se prestigiar atuação Não há dúvidas de que responde a Pes-
da Justiça privada no Brasil, especi- soa Jurídica de Direito Público objetivamen-
almente, quando exercida por credor te pelos danos causados por suas ações,
econômica e financeiramente mais devendo ressarcir à vítima a integralidade
forte, em largas proporções, do que o dos prejuízos sofridos.
devedor. Afronta, se assim fosse ad- Discordam, entretanto, a doutrina e a ju-
mitido, aos princípios constitucionais risprudência quanto ao ato omissivo. Pre-
da inocência presumida e da ampla domina a tese de que neste caso é necessá-
defesa. ria a comprovação de negligência do Poder
7. O direito do cidadão de se utili- Público, para caracterizar a responsabili-
zar dos serviços públicos essenciais dade subjetiva. MELO (1993, p. 430) afirma
para a sua vida em sociedade deve ser que a imputação de um dano decorrente de
interpretado com vistas a beneficiar a omissão estatal não pode ser realizada de
quem deles se utiliza. forma imediata, uma vez que a inércia, por
8. Recurso improvido.” si, não é causadora de dano. A responsabi-
Portanto, a interpretação das normas do lidade da Administração surge quando se
Código do Consumidor aos usuários do ser- comprove que estava legalmente obriga-
viço público evoluiu no sentido de respeito da a impedir a ocorrência do evento da-
aos princípios constitucionais em prol do noso e não o fez – trata-se, pois, de res-
destinatário final desses serviços. ponsabilidade por ato ilícito, e, por isso,
subjetiva.
Responsabilidade da Agência Ressalte-se que o dispositivo constitucional
por atos comissivos e omissivos instituidor da responsabilidade objetiva do Poder
Público (art. 37, § 6º, da CF vigente) refere-se aos
da Administração
danos causados pelos agentes públicos, e não aos
Como sujeitos de direitos e obrigações, danos não causados por estes. A propósito, em
as agências devem ser acionadas diretamen- decisão para firmar a responsabilidade do
te pelos prejuízos causados em decorrência Estado por homicídio de presidiário pratica-

190 Revista de Informação Legislativa


do por outro detento, assim concluiu o Rela- vação de negligência dos funcionários do
tor, Ministro Carlos Mário Velloso: “o Poder hospital, a indenização foi devida, pois de-
Público, no caso, deve responder pela omis- monstrado o nexo de causalidade.
são, porque não atuou quando deveria atuar: “RESPONSABILIDADE CIVIL DO
cumpria-lhe colocar o preso em ‘cela segura’, ESTADO CARÁTER OBJETIVO, QUER
diante da ameaça que existia contra a vítima SE TRATE DE CONDUTA COMISSI-
e que lhe foi transmitida. O Poder Público foi, VA, QUER OMISSIVA:
portanto, negligente, modalidade de culpa, a Responsabilidade civil do Estado
faute du service dos franceses7.” - Interno de hospital municipal, com
Percebe-se, em se tratando de ato omissi- distúrbios mentais decorrentes de in-
vo do Poder Público, que a responsabilida- toxicação, que foge e vem a ser atro-
de civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige pelado e morto - Falha no dever de vi-
dolo ou culpa, numa de suas três vertentes, gilância - Veículo atropelador também
negligência, imperícia ou imprudência, não pertencente ao Município e que trafe-
sendo, entretanto, necessário individualizá- gava irregularmente – Procedência.”
la, mas ao serviço público, de forma genéri-
ca (teoria da culpa administrativa). Conclusão
No mesmo sentido a decisão do TRF da
4ª Região, Rel. Marcelo de Nardi8: Houve, doutrinária e jurisprudencial-
“RESPONSABILIDADE CIVIL DO mente, louvável evolução no tema respon-
ESTADO – FALTA DO SERVIÇO – sabilidade civil do Estado, partindo-se da
CORRETORA DE VALORES MOBI- teoria da irresponsabilidade até a teoria do
LIÁRIOS LIQUIDADA EXTRAJUDI- risco administrativo, fundada na responsa-
CIALMENTE: bilidade objetiva da Administração.
Os investidores clientes da corre- As agências reguladoras, conceituadas
tora de valores mobiliários liquidada como autarquias especiais, pessoas jurídi-
extrajudicialmente não têm direito a cas de direito público, têm autonomia técni-
indenização por omissão da fiscali- ca, administrativa e financeira e capacida-
zação a ser exercida pela CVM, pelo de de adquirir direitos, celebrar contratos e
BACEN, ou pela Bolsa de Valores em contrair obrigações, inclusive as de indeni-
que opera, quando essa empresa pra- zar.
ticou fraudes, e apresentou balanço ir- A responsabilidade objetiva do Estado
regular. A responsabilidade do Esta- está consagrada pela teoria do risco admi-
do, em casos de omissão de serviço de nistrativo, conforme previsto no art. 37, § 6º,
fiscalização, deve ser demonstrada da Constituição Federal de 1988. O disposi-
com os requisitos do nexo de causali- tivo prevê a responsabilização por atos co-
dade e da culpa.” missivos dos agentes públicos, atuando nes-
Logo, em se tratando de situações impos- sa qualidade. Basta para sua caracteriza-
síveis de prevenir, não há que se falar em ção a existência de nexo de causalidade, não
responsabilidade objetiva do Estado. A res- se perquirindo quanto a culpa do Estado ou
ponsabilidade por atos omissivos, nessa do agente administrativo.
perspectiva, deve-se pela não-prestação de Diverge-se, doutrinariamente, quanto à
um serviço público, do qual tinha o dever omissão da Administração. Rege-se pelo sis-
legal de prestar. tema da responsabilidade subjetiva, ado-
Mas há também decisões que entendem tando a teoria da culpa administrativa, fun-
ser objetiva a responsabilidade civil da Ad- dada na “falta do serviço” (inexistência,
ministração, mesmo em face de ato omissi- retardo ou mau funcionamento do serviço
vo. Nesse caso, não obstante a não-compro- público) e não da culpa individualizada do

Brasília a. 40 n. 159 jul./set. 2003 191


agente público. Mas também se entende ser peut incomber à l’Etat pour les dommages causés
objetiva a responsabilidade civil da Admi- aux particuliers par le fait des personnes qu’il em-
ploie dans le service publique...n’est ni générale, ni
nistração, mesmo diante do ato omissivo, absolue; elle a ses régles spéciales...’. Si restrictive
ou seja independentemente da comprova- que puisse paraître la formule, elle n’en consacre
ção de culpa, uma vez demonstrado o nexo pas moins l’existence d’une responsabilité da la
de causalidade. puissance publique, indépendamment de tout tex-
Mas, com o advento do novo Código Ci- te.” (RIVERO, 1990, p. 340).
3
DJU 22.04.91 – detento assassinado por colega de
vil, verifica-se, pelo seu art. 43, a unificação cela; RJTJSP 124/139 – (morte causada por falta de
do sistema de responsabilidade do Estado, tampa em bueiro; BAASP 1.671, de 2.1.90 – vítima
e, em conseqüência, das agências regulado- atingida por projétil durante tiroteio).
4
ras. Desse modo, os atos e fatos causadores RTJ 140/136; RT 142/612; 229/130; 233/153;
de danos, sejam eles comissivos ou omissi- 236/95.
5
Por isso, a jurisprudência tem exigido a prova
vos, provocados pela ação ou omissão dos de culpa da Administração nos casos de depreda-
agentes públicos, são responsabilizados ob- ções por multidões (RDA 49/198; 63/168, 211/
jetivamente. 189, 297/301).
6
São excludentes da responsabilidade, Superior Tribunal de Justiça no Resp 249527 –
por não se caracterizar o nexo causal, o caso SP – 6ª T. Rel. Min. Vicente Leal (DJU 14.02.2000,
p. 87):
fortuito e a força maior quando imprevisí- 7
RE 179.147. STF, Rel. Min. Carlos Mario Vello-
veis e inevitáveis, o fato da vítima, exclusi- so, 2ª Turma, DJ de 27.2.98, p.18.
vo ou concorrente, e o atos de terceiros, pois 8
Brasil, TRF 4ª Região. AC95.04.520.94-4-RS-
o Constituinte só protegeu o indivíduo da 3ª T. Rel. Juiz Marcelo de Nardi – DJU 05.05.1999.
atuação administrativa “pelos danos que
seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros”. Para a indenização de tais atos
Bibliografia
ou fatos naturais, permanece o princípio
geral da culpa civil – nas suas modalidades BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Repú-
de imperícia, imprudência ou negligência na blica Federativa do Brasil: São Paulo: Saraiva, 2002.
realização do serviço público – que possa
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito admnis-
ter ocasionado o dano. trativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000.
Logo, o dispositivo constitucional abra-
FEBRE reguladora. Exame, São Paulo, p. 44, 23
ça somente a atuação funcional do servidor
jan. 2002.
público, não contemplando, pois, o fato da
vítima, os atos de terceiros ou fatos da natu- MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo bra-
sileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
reza, como as enchentes, que venham a cau-
sar dano ao administrado. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direi-
to Administrativo. 4.. ed. São Paulo: Malheiros, 1993.
______. Curso de direito administrativo. 13. ed. São
Paulo: Malheiros, 2001.
Notas
RIVERO, Jean. Droit administratif. Treiziène éd. Pa-
1
Como menciona esse autor, “a doutrina do ris: Dalloz, 1990.
Direito Público propôs-se a resolver a questão da
responsabilidade civil da Administração por prin- SAAD, Renan Miguel. O ato ilícito e a responsabilida-
cípios objetivos, expressos na teoria da responsabili- de civil do Estado: doutrina e jurisprudência. Rio de
dade sem culpa ou fundados numa culpa especial do Janeiro: Lúmen Júris, 1994.
serviço público quando lesivos a terceiros”.
2
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucio-
“D’abord reconnue, em dehors même des cas
nal positivo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
où un texte précis la consacrait, pour les actes dits
de gestion, qui ne mettait pas en jeu la souveraineté TÁCITO, Caio. A reforma do Estado e a moderni-
de l’État, elle fut admise en principe par le célèbre dade administrativa. Revista de Direito Administra-
arrêt Blanco (...) qui affirme: ‘La responsabilité qui tivo, Rio de Janeiro, n. 215, p. 1-7, jan./mar. 1999.

192 Revista de Informação Legislativa

Das könnte Ihnen auch gefallen