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a amazônia no mar
a amazônia no mar
a amazônia no mar
Paulo Herkenhoff
(Org.)
2014
sumário
Como instituição capaz de se articular a partir de Paula Sampaio, Paulo Sampaio, Hélio Melo, Walda
seus próprios poros, o Museu de Arte do Rio vem for- Marques, entre outros.
mando seu acervo por meio de parcerias e diálogos Séries inteiras desses artistas são trazidas a públi-
contínuos com artistas, colecionadores e instituições. co, muitas delas exibidas pela primeira vez no Rio de
Situado no porto do Rio de Janeiro, o museu pro- Janeiro. Com grande presença da produção do Pará,
põe uma escuta ativa da sociedade brasileira. Talvez nossa Pororoca, como onda enorme que é, traz em
isso aconteça, fundamentalmente, porque o MAR está sua crista artistas de outras partes do Brasil. Gen-
aqui, diante do mar. E porque este local de vislumbre te que pensou e experimentou a Amazônia, como
nos desvela a vastidão cultural deste nosso país e nos Miguel Rio Branco, Rodrigo Braga e, fundamental-
lembra o compromisso que uma casa como a nossa mente, Claudia Andujar. Além das obras que ativam
deve sempre ter com a formação libertadora da ci- aspectos diversos dessa região sociocultural singu-
dadania. O Instituto Odeon, parceiro da prefeitura lar – como a paisagem, a história da violência social
da cidade na gestão do Museu de Arte do Rio, tem e a questão ambiental – Pororoca – A Amazônia no
papel crucial como gestor e propulsor de um acervo MAR articula ainda trabalhos, documentos e outros
crescente e plural. elementos que tratam da autorrepresentação e da in- Luciana Magno
Certos de que a responsabilidade de formar coleção terpretação das culturas indígenas do Brasil. Belterra, 2014
significa também contribuir para os processos de for- Exposição e catálogo são partes do exercício dia- Vídeo, looping
Doação da artista
mação de imaginários sociais, a política de constitui- lógico e contínuo do MAR, que atrai experiências e
ção de acervo do MAR é orientada por Núcleos Signi- experimentações para seu interior e se expande de-
ficativos, conjuntos de objetos que adensam sentidos volvendo-se à cidade e a seus visitantes. Reafirmando
No Museu de Arte do Rio não seria diferente. Por ou- Herkenhoff também tenha se dedicado ao processo
por estarem juntos, articulando-se por afinidades o legado do MAR para a educação, nossa expectativa
tro lado, a orientação de Herkenhoff tem sido levar o de formar um acervo amazônico no MAR e a implan-
e convergências, e também por transversalidades e é que Pororoca seja, como já se disse, onda ingente e MAR a assumir uma política de apresentação da arte tar uma política de exposições com a arte da região.
cortes. Nosso núcleo dedicado à visualidade amazô- transformadora para aquele que a encontra, toman- do Brasil no Rio de Janeiro sob um viés diversifica- Um viés por ele escolhido é a história da violência na
nica – conceito surgido na década de 1980, inicial- do-a como fenômeno do encontro de águas de dife- do e inédito. São suas histórias transversais. Propôs Amazônia, com as mostras individuais de Berna Rea-
mente em correlação com a cultura popular – é parte rentes naturezas, capaz de trazer outros mundos con- ao MAR a mostra Pernambuco Experimental, dando le, em 2013 e Armando Queiroz, em 2016. O MAR se
do encontro do MAR com outras regiões do Brasil, sigo. O que daqui deste MAR se vislumbra e se pede prosseguimento a Pernambuco Moderno, que ele reali- sente distinguido e muito agradecido pela adesão de
valorizando a contribuição do Norte brasileiro para é que tais mundos, artistas, falares e pensares, aspec- zou em Recife em 2006. Confiou-a a Clarissa Diniz. A artistas amazônicos na formação de nosso acervo, bem
sensibilidades que são comuns ao próprio país. tos, geografias, definições e indefinições possam ser política com relação ao Nordeste já se implantou com como pelas doações da Fundação Roberto Marinho,
Foi dessa ideia e desse desejo que surgiu a Coleção aprendidos e, simbolicamente, construídos por meio as mostras Turvações Estratigráficas, de Yuri Firmeza, da Fundação Romulo Maiorana, do Fundo Z, do Fun-
Pororoca, já partilhada com o público na mostra Vídeos da experiência direta da arte. Da arte, esta pororoca Tatu: Futebol, Adversidade e Cultura da Caatinga e do Orlando Nóbrega, do Museu do Índio, dos Fundos
da Coleção MAR, em 2013. E foi apresentada na ín- estrondosa, capaz de mudar as paisagens. Museu do Homem do Nordeste, de Jonathas de An- Luiz Paulo Montenegro, Guy Veloso, Max Perlingeiro,
tegra em uma exposição que se abriu ao público de Pororoca não é obra do acaso. Paulo Herkenhoff drade. Com o Centro-Oeste, abriu-se por meio da Adriana Varejão, Arthur Omar, Berna Reale, Patrícia
9 de setembro a 23 de novembro. Além disso, está frequenta a Amazônia desde o início da década de exposição e processo de residências Eu como Você, e Cicero Amaral, Emmanuel Nassar, Fernando Lindo-
parcialmente publicada neste catálogo. Assim, ex- 1980, quando trabalhou na Funarte e dirigiu o anti- do Grupo EmpreZa. Os grupos experimentais de São te, Luiz Braga, Marcio Roiter, Milton Guran, Orlando
posição e livro se organizam a partir da presença go Instituto Nacional de Artes Plásticas. Desde então, Paulo serão objeto da exposição Zona de Poesia Árida Maneschy, Maria Eduarda e Cesar Aché, Ricardo Faizi-
significativa de artistas cuja obra tem um de seus manteve um fluxo ininterrupto de contatos e viajou em 2015. Pororoca – A Amazônia no MAR (2014) e a liber, Pedro e Gabriel Chrysostomo, Grupo EmpreZa,
principais centros de representação e documentação mais de 50 vezes à região. Realizou inúmeras exposi- mostra de Berna Reale, Vazio de Nós (2013), foram Armando Queiroz e de dezenas de doadores esparsos.
no Museu de Arte do Rio – Berna Reale, Arman- ções lá e no Sudeste do país, além de ter escrito mais as primeiras experiências com a cultura do Amazo- Ao todo são cerca de 60 fontes doadoras de mais de
do Queiroz, Alexandre Sequeira, Danielle Fonseca, de 50 artigos sobre a cultura visual da Amazônia. nas. É um privilégio para nosso museu que Paulo 500 itens entre obras de arte e documentos históricos.
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Amazônia, a Pororoca Paulo Herkenhoff
A Amazônia interroga sobre as possibilidades de que do fantasma antitransparente. O Brasil que se enxer-
seu ambiente ecosófico possa propiciar paradigmas ga através dele é uma cultura subalterna a um centro
de análise e inquietação. Um museu que pense o Bra- simbólico. A totalização é totalitária. A luxúria dos
sil contemporâneo de forma múltipla, e sem centros corpos da escultura de Maria Martins – os corpos
de poder institucionalizados sobre a arte, precisa ca- em missão poético-antropológica evoluem do mito
minhar por vias transversais e compor seus circuitos. para a fantasmática do desejo desvelado. Evolução de
uma espécie amazônica. A subalternidade simbólica
1. Fantasmas da modernidade amazônica da Amazônia em Macunaíma de Mário de Andrade,
A modernidade geral brasileira produziu alguns fan- pois, afinal, como ilusões distorcem a realidade, são
tasmas sobre a cultura da Amazônia, que lhe servi- absorvidas pela maioria de seus leitores famintos
ram como uma espécie de reserva de estranhamento, de brasilidade. Em Ismael Nery, a arte era a superfí-
de Unheimliche freudiano – familiar e incongruen- cie da fantasmática sobre a qual emergiam imagens
te, ou seja, familiar ao imaginário do Sul sobre a oriundas da profundidade das dobras da alma.
Amazônia. Das Unheimliche é oposto ao que é fami-
liar – isto é, é oposto ao que é familiar à dominação 2. O “fluxo amazônico da linguagem” de Blaise
pela prosa e pela pintura, à cultura regente produ- Cendrars
zida no Sul do Brasil. Alguns fantasmas são memó- Muitas das fotografias dos coffee table books são me-
rias – como a obra de Oswaldo Goeldi, cuja infância ras interjeições de pasmo diante da grandeza da paisa-
viveu no Pará –, outros são aparições extemporâneas gem e da riqueza simbólica da Amazônia urbana, rural
(como a tela A Paraense, da paulista Anita Malfatti. e silvícola. Muitas são para bancos de imagens, dimen-
Estranha mulher, a “paraense”, mas não se conhece, são da economia bancária da cultura. Quase sempre,
entre suas imagens de mulheres do Sul, uma intitu- são também interjeições ora da boa alma hegeliana,
lada A Paulista, pois “aqui” de onde pinto – não es- ora da exploração do capital simbólico representado,
tamos falando da Amazônia – é o centro do mundo). pela cultura material e pelo patrimônio imaterial de
Goeldi escavou na madeira a matriz de seus fantas- povos indígenas e de segmentos de população, como
mas ‒ é a matéria amazônica com que este “outro”1 os ribeirinhos, que servem como uma espécie de “bom
do modernismo constrói sua cena de uma espécie selvagem” e de uma “reserva de alteridade”. Essas fo-
de “inconsciente amazônico”. A madeira tem uma tografias são quase reações emotivas fáceis, detonadas
relação fundante na narrativa de Cobra Norato, a na mecânica de apertar o disparador da câmera. O
hiperfantasmagoria de Raul Bopp, na de Martim “fluxo amazônico da linguagem” de Blaise Cendrars só
Cererê, de Cassiano Ricardo, não à toa ambas ilus- tem significado poético quando, em lugar das interjei-
tradas por Goeldi. Outras encenações são visitas de ções, ocorre no plano semântico.
outro mundo, como a fotografia de Mário de Andra-
de, o turista aprendiz. Alguns fantasmas são trans- 3. Animal symbolicum amazônico
parentes, i. e., são diáfanos. Diáfano, do grego, dia e A política da memória na Amazônia demanda, con-
phaínein – que se deixa enxergar através de si. Vê-se tra o esquecimento da violência, a construção de
Luiz Braga o quê? Fantasia. Mário de Andrade, por sua agenda história crítica do animal symbolicum amazôni-
Casa de Nagô, 1988
Cromo digitalizado 35 mm
secreta paulistocêntrica, trai a etimologia, inverten- co.2 Invocando a psicologia animal, Ernst Cassirer
Fundo Orlando Nóbrega do seu sentido. Sua narrativa do Brasil é o paradoxo reivindica a passagem de uma linguagem emocional,
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expressão reativa como nas interjeições fotográficas espécie de território fractalizado por diferenças, imo- 8. Visualidade amazônica borracha; (3) o modernismo e (4) as rupturas pós-
já abordadas, em direção à linguagem proposicional bilidade sócio-regional e sistemas de dominação na- Com a visualidade amazônica na década de 1980, a -modernas. São ciclos de consolidação política, co-
de discurso simbólico. Essa passagem, segundo Cas- cionais e intra-amazônicos. Isso nunca seria The Flag, antropologia visual como discurso do artista encon- nhecimento e produção simbólica.
sirer, requalifica a racionalidade do homem. de Jasper Johns. Talvez seja essa a mais verdadeira trou na região uma formulação singular que repre- O Estado do Grão-Pará foi a primeira modernida-
Aparentemente, a memória amazônica se constrói bandeira do Brasil, que vê o país concreto e múltiplo, sentou um salto intelectual no modo de articular o de: a arquitetura com rasgos neoclássicos de Giuse-
sobre o que está fora do território da história nos ter- que se recusa à totalização totalitária de um Mário pensamento sobre o visível. Hoje é menos literária. ppe Maria Landi e a ciência de Alexandre Rodrigues
mos de Hegel. No entanto, sobre a sociedade ágrafa, de Andrade. Bené Fonteles, o artista nascido no Pará, Ultrapassado o período de desenvolvimento concei- Ferreira pensada a partir de Sistema da Natureza, de
analfabeta, isolada na selva, está a história dos movi- nunca saiu do Brasil, nem Mário conseguiu não dei- tual e estabelecimento de alguns paradigmas, tornou- Lineu. Comparado ao resto do Brasil, o Grão-Pará
mentos físicos do projeto colonial e de suas sequelas xar o Brasil, pois visitou a Bolívia. -se mais sutil e fenomenológica. A necessidade de pombalino foi um salto singular de modernidade. No-
sobre o ethos brasileiro: a violência como solução de evitar o cânon que seduz, como modelo fácil, porque vas pesquisas sobre Landi, como a de Flávio Nassar,
conflitos, o esmagamento do mais fraco como res- 5. Fenomenologia pronto, aos artistas mais jovens. reiteram as bases paraenses da modernidade no Bra-
posta à diferença minoritária. O colonialismo ontem Por uma fenomenologia da Amazônia. Qual? A tão sil. Desde então, a luta emancipatória da Cabanagem
e as formas de colonialismo interno hoje são movi- evocada diversidade biológica sobrepõe-se omitin- 9. Treme-terra terá sido o maior episódio histórico da Amazônia até a
mentos do capital. do outra, não menos diversa – os múltiplos olhares A música popular indica que Belém é nossa porta borracha, que Armando Queiroz retoma em sua obra.
Se pensarmos no eixo Emmanuel Nassar e Marco- que se abrem de dentro da floresta ou sobre ela inci- para o Caribe. A Amazônia é transnacional. Aquele O auge do ciclo da borracha (ca. 1879-1912) é a se-
ne Moreira, podemos reconhecer uma tradição. Algo dem, no intento de atravessar mata cerrada. Portanto, universo é uma matriz para o Brasil profundo de Em- gunda modernidade. A nova consolidação territorial
que aconteceu no Brasil no pós-guerra com o impac- não há uma fenomenologia da Amazônia, mas mo- manuel Nassar. do Brasil incluiu o Acre, então parte da Bolívia. A Es-
to do neoconcretismo. A arte do Pará teria então uma dos como a região se apresenta e é apreendida pelo trada de Ferro Madeira-Mamoré é construída. A civi-
“curta história densa”, um processo que me parece sujeito. A teoria de Carlos Zílio, Claude Monet e a 10. A elasticidade e os territórios nacionais lização da borracha cria o segundo museu de ciências
ter ocorrido na Califórnia dos anos 1960 aos 1980 Amazônia,3 como provocação às visões essencialistas. A supraterritorialidade das etnias sobre as fronteiras do país. Sob a direção de Emílio Goeldi, com a Socie-
e em Brasília, após sua inauguração. Nassar funda a A pintura abstrata de Flavio-Shiró com a construção nacionais. Ianomâmis. dade Filomática convertida no Museu Paraense, o evo-
relação com a Amazônia como dimensão radical do de fantasmas no gesto e pântanos na matéria. O que é Um projeto de discussão da Amazônia levaria em lucionismo orienta os estudos da Amazônia. Ele não
“Brasil profundo” para a cultura contemporânea do a luz em diferenças como Armando Reverón, Oswal- conta fatores geopolíticos e suas consequências cul- era propriamente darwiniano, mas seguia a visão evo-
país – a gambiarra hoje de tantos. O peso de Nassar do Goeldi e Luiz Braga? As noites de Hélio Melo e turais. Cabe reconhecer que a região não coincide lucionista de Ernst Haeckel, que se correspondia com
se assemelha ao de Torres García invertendo a ideia Octavio Cardoso, entre o medo e a cautela em um e o com o espaço territorial brasileiro. O olhar supera Darwin, como aponta Nelson Sanjad. Essa moderni-
de “Norte” como significação de Sul no olhar do Rio silêncio do outro. Arte é subjetividade. fronteiras legais. A Amazônia poderia ser uma por- dade expande o sentido de cultura. Por que temos de
de La Plata na direção da Europa. Sua sintaxe e seus ta para compromissos maiores do Brasil com o con- tratar a pintura como base do modernismo brasileiro?
processos generativos do signo visual amazônico po- 6. Lugar e imensidão texto amazônico da Bolívia, do Peru, do Equador, da Por que não o urbanismo, como o de Belém?
pular, sobretudo urbano e ribeirinho, articulam-se Linha do Equador, entre-hemisférios, entreoceanos, Colômbia, da Venezuela e das Guianas. Outra forma A fotografia de Albert Frisch chega ao Alto Ama-
numa arte polissêmica. Sua política do signo rede- entremares. O Brasil caribenho – caraíba na etimo- ética de ver a Amazônia é pensá-la a partir dos ter- zonas em 1865. O Teatro da Paz (1878) e o Teatro
fine a luta contra a regência simbólica do país pela logia do canibal. Como comparar a Amazônia com a ritórios e das terras correspondentes aos povos indí- Amazonas (1896) não tinham rival no país na época.
centralidade determinada pelo Estado e pelo capital. imensidão íntima do sujeito? Uma questão que a obra genas que a habitam. A Amazônia é supranacional As reformas urbanísticas pensavam Belém como Pa-
A síntese de Marcone é na direção da economia se- de Elza Lima parece bordejar. Não existe a produção e transtemporal se pensarmos em culturas como os ris sob Haussmann. No Brasil, só o Rio adota o art
mântica, com tendência ao olhar construtivo sobre o amazônica nem uma produção amazônica – isso só é ianomâmis. A Amazônia brasileira se restringe à di- nouveau ou modern style com a intensidade de Be-
efêmero e o frágil. Seu desafio implicou compreender possível operacionalmente. O que ocorre é um rizo- visão do IBGE, ao conceito de Amazônia Legal. Inclui lém. Cabe comparar os antecedentes do moderno no
que precisava perceber Nassar profundamente para ma de individualidades. Maranhão, Tocantins, Mato Grosso e outras zonas. Pará e no Amazonas ao modernismo sulista e romper
dele diferenciar-se e, logo, enunciar-se de modo sub- Outra questão excruciante é a hipótese de colonia- com a vassalagem à geopolítica paulista, sobretudo
jetivo próprio por uma lógica de tensões distinta. 7. A invenção do olhar lismo interno na própria Amazônia. É preciso não da USP. Lá se degrada o processo brasileiro para con-
Paula Sampaio. “[...] lembrei de uma manhã dessas reproduzir para o interior da região o que acontece ferir a São Paulo o lugar de centro determinante do
4. Disparates de uma rosa dos ventos da Amazônia de dia claro em que encontrei Miguel. Na porta da com o Norte no contexto do Brasil. modernismo. Dada historiografia paraense tem sido
Sul, na Amazônia, é região do poder político e eco- casa (somos vizinhos), ele olhava firme pra algum lu- servil a tal modelo. Às vezes é preciso esquecer a Se-
nômico, entre o Rio de Janeiro e São Paulo na moder- gar que eu não via e me disse: ‘Hoje furei meus olhos’. 11. Portas de modernidades do Brasil: ciência e arte mana de Arte Moderna – afinal, ela não foi capaz de
nidade, isto é, Sudeste do Brasil, antes de Brasília. N Como assim?! ‘Com espinhos de tucumã’, ele falou. no Grão-Pará setecentista e as miragens do ciclo da incluir o paraense Ismael Nery. Desde os anos 1980, o
não é Norte nem E é Este ou Leste. Ambos configu- Esperei pela cegueira. Nasceu Hagakure, no dia em borracha no inferno da seringa. livro de Célia Bassalo sobre o art nouveau em Belém
ram regiões do Brasil profundo. Por isso, é necessário que Miguel Chikaoka furou seus olhos. Instalação/ A modernidade da Amazônia desdobrou-se em ci- propunha a ruptura dessa opacidade. Jussara Derenji
fraturar a bandeira brasileira, recompor seus cacos fotografia/filosofia… Pra mais ver e pensar, pra que- clos, entremeados por saltos e estagnação: (1) acon- também avançou o debate. A arquitetura de ferro em
em articulação cambiante de obra aberta, como uma rer ter feito.” tecimentos iluministas no Grão-Pará; (2) o ciclo da Belém é outro signo de modernidade, a “rocinha” é o
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modelo arquitetônico amazônico que incorpora con- metrópole. A caboquice, então, só faria sentido vis-
forto ambiental a padrões úteis e estéticos. ta como hibridismo vivo e em movimento, que não
O terceiro ciclo indaga o que foi o modernismo na se retém nem pode ser retido, mas isso não significa
Amazônia. A tese “Eternos modernos: uma história estar aberta para ser violentada. Que as mudanças se-
social da arte e da literatura na Amazônia, 1908- jam para a emancipação coletiva e a realização subje-
1929”, de Aldrin Moura de Figueiredo, confronta tiva. Que o caboclo conflua para a universidade, para
o real e a vassalagem universitária. A tese, feita na os centros de aprendizado técnico, para as escolas de
Unicamp, comprova que a ruptura do modelo não arte. Pensemos na população afro-americana. A ge-
ocorrerá nas universidades da cidade de São Paulo, ração do jazz era uma, mas a dos artistas contempo-
onde o interesse em consolidar a presente hegemo- râneos é outra, com Melvin Edwards, Martin Puryear,
nia paulistana se sobrepõe a todo questionamento. David Hammons, Lorna Simpson, Kara Walker ou
Campinas é a alternativa. A exposição Pernambuco Glenn Ligon, que produzem uma arte que configu-
Moderno foi minha ocasião para demonstrar a exis- ra dimensões do presente da sociedade americana. É
tência de modernidade e vanguarda pernambucanas uma relação entre continuidade e descontinuidade
que antecipavam e sustentavam o eixo Rio-São Paulo muito interessante. Cabe também pensar a saída lite-
ou diferiam da visão de Mário de Andrade. Assim, rária de Milton Hatoum...
trabalhei com o meio acadêmico pernambucano e
publiquei no Journal of Decorative Arts (1994) ensaio 13. Selva
sobre a imagem da selva e o padrão marajoara no Se a Amazônia é símbolo de selva, por que se aban-
modernismo brasileiro. donou o conceito “capitalismo selvagem” a partir da
instalação do neoliberalismo?
12. Violência
A violentação da violência é uma prática da arte na 14. Verbo
Amazônia (Roberto Evangelista, Cildo Meireles, Em- Pensar. Agir. Produzir. Debater. Compartilhar. Prepa-
manuel Nassar, Bené Fonteles, Miguel Rio Branco, rar-se. Planejar. Fazer trocas. Fazer autocrítica. Pre-
Sebastião Salgado, Ary Souza, Alberto Bitar, Arthur servar. Fazer pressão. Reivindicar. Articular. Aliar-se.
Leandro, Armando Queiroz, Berna Reale, Eder Oli- Viajar. Voltar. Usar a internet. Não compactuar com o
veira, Victor de la Rocque) [como em Michel Fou- colonizador. Opor-se. Dar nome à opressão. Resistir.
cault]. Não compactuar com o monopólio cultural.
Armando Queiroz
Midas, 2010
Vídeo, 9'59"
Fundo Armando Queiroz
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