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leandro sarmatz

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Maurício Santana Dias (Sp, SP)
Tarso de Meio (Sbc, SP)
Trago sempre comigo uma morte de bolso
Sarmatz, Leandro Murilo Mendes
Logocausto.
Florianópolis, Santa Catarina: Editora da Casa, 2009.
38 p. The poem isyou
John Ashbery
ISBN 978-85-60332-44-8

1. Poesia - Il. Título.


Logocausto

Uma língua de mortos. Idioma anti-segredo, a sibilar no


ispelho
seu eco de cova no indo-europeu ainda.
'I odas aquelas bocas costuradas, milhões de bocas e mais
n nhuma.
( nde haverá céu para suportar tantas vozes elevadas?

nde encontrar a malícia, aquela impertinência duradoura?


(Luz do leste reprojetada em tumbas: sintaxe que se sente
em casa. Expulsa
. vai: expulsa.)

Palavras não são coisas nem pessoas.


S ro um nada, uma piada, uma praga, um lamento surdo:
11111exílio.

E ssa morte infinita, multiplicada,


ho a contra boca ouvido contra ouvido
I)() a e olvido - verme, terra e vernáculo.

Vozessubmersas: e eu petrificado,
I' I ruejando minha mudez-cimento.
I<: lima calma forjada: porque se eu soubesse conversar com
t sombras,

(' 'u mastigasse as palavras, e delas um suco que não fosse


spcro escorresse abrindo os diques da memória,
III'i rando os rios-palavras,
111'lilizandocampos do idioma-
Ir sim: eu estaria mais só do que já estou.

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Não servirão de bucha e merda
nesse mundinho hostil
pobre onde os fizemos;
Se há, em algum lugar
ou América, um remorso
. os filhos deles, e os filhos
soterrado de imagem:
dos filhos, gerações inteiras
opulando e morrendo
não é, por conta disso
(enigma, vácuo ou tédio),
terão seus dias de sol,
que a solução - qual seja,
Suasnoites frias e sem berço,
suas cruzadas metafísicas.
o extermínio -, possa
ser dividida em fração
Porque não é um ciclo
igual pelo universo
u estação, fluídos
como o próprio tempo
inteiro em comoção
e medo. Culpa, não
ou como inculta água da bica,
mais será. Ardor, talvez.
que sorvemos com sede
e resignação medrosas:
(Aqui e ali os disparos
e a mobília destruída
é a falha geológica,
fazem a saudação
é a geração decaída.
Não apenas o simples
habitual a que nos
acostumamos, fiambres,
ornamento cronológico
a contemplar no noticiário.)
possível de ostentar
Basta de Heráclito, querida, (como a dentadura,
isso já parece familiar:
teus pais, quem sabe, o sexo inerte e os pêlos
ralos, chusmados
ou mesmo os filhos que, como esponja marinha):
num dia chuvoso,
virão a nós e, conosco,
8 9
é essa absorção do tempo,
e mesmo com o tempo
um novo tipo de conúbio La Rose embellit toutes choses
Ronsard
ou arranjo marital que seja Jllor cáustica,
• 1
proveitoso para amcas n 'nso em pétala,
partes: uma morte vazia, fluxo de
linguagem
exoesqueleto de si mesma, ('111 outra, espiralada,

uma morte sem estrela, flor soturna e


apenas um sinal- e um fim. Ia a
baixa -
lia noite mais
ti' répita:

acolhe-me, ó
I 'rnpo
-m gesta,
( 'mpo
s rn mote,
ti sbastado em
I da crespa
poca
( hamarn-
na pétrea).

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Ecologia da memóri~ Ilistória sentimental do teatro

Dor sentida sem pausa como o ar rarefeito que aqui inspiramos 'I udo o que foi dito mais tudo o que em certa
dor cinzenta e dura que nem conseguimos divisar no sangue () asião foi cogitado - choro, riso, blague
a cura e a doença . grito - está previamente encenado.
a noite e o dia
dor que penetra em cada poro, cova, kadish I~malgum ponto do universo alguém
que atravessa pulmões, coração, pênis, fígado, cérebro .starã prestes a retomar o texto:
e devasta os meses os diálogos esperam como frutas secas.
e produz em meio à terra mitigada
uma semente espúria de nascença. E então quando um pouco da morte
lespista aqueles que a assistem -
..I deus aquele canastrão aposentado.

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Sutileza metafísica Corpo vivo

Repara o quanto há de danoso (\ longo das fibras do desejo, pelas cordas


em cada pensamento e diz: "atenção IIistendidas da energia, neste coroado
para a ironia". Como uma espécie I orpo desprezado eu beijo a gloriosa
de vigília, vê a rua no fundo j mctria, a purgada carne
da janela e, tão logo desça atreva, rxrrernada e a sintética alegria.
sai por aí dizendo o quanto a vida
é princípio e fim, pois toda a graça
está no achar-se em meio à perda:
em catar-se na miudeza, na arte
(quase municipal) de recolher-se.

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Yehuda Ha-Levi Um sol que ele procura, e acha,
mas no fim (Moisés recalcitrante)
Logo mais a porta, e atrás jaz a cidade.
Há épocas, gerações, pontos cardeais. 1\,\ consegue virar a ampulheta,
(' t mba à margem, à porta da cidade.
Lá dentro, os telhados e as cúpulas
refletem a luz escassa do findar do dia. M . rre. Antes, clama ao Deus pesaroso
(' mza: essa nuvem, esse vazio, essa morte.
Pensa: Sfarad ficou em algum lugar,
em outra parte, noutra metade,

no oriente e no ocidente, na terra


e nas veias e no ouro. Aqui é leste.

Em algum ponto da Europa, filha


esquiva que, à beira dum abismo,

pisca os olhos e ajeita as tranças,


alguém ou algo: homem, planta,

animal ou pedra, adormece e vai


morrendo, aninhado em neve e luto.

Aqui, não: há sol, é bem verdade,


um sol todo à vontade, sol a pino

que desfalece as folhas, seca a vida,


enegrece a pele, frita o cocuruto.

Mas é um sol dele, Adonai, sol


que ali pendurado o dia todo fica.

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A forma de uma idéia Resíduos

Então chegando ao topo, sem horizonte ) pouco que é vida ainda conserva
nem idéia de paisagem, só o muito que é morte e nos reserva,
aragem e uma e outra lembrança, ressequidas. quase réstia, no pesar do dia
O fim: reconhecimento desta
Fragmentos de uma ex-árvore. . de outras mortes, suntuosas.
Aqui e ali migalhas
e mais adiante casas. Vai fugindo a luz
E estradas e carros prisrnástica, cristal
e um lago. rcdivivo: também o sol é um reflexo
na urina, também
Lá embaixo (é noite), as aquele céu escuro do sono de morfina.
luzes dos prédios conflagram
interrogatórios. É noite.
E fica cada vez mais difícil
descer
pelas escadas.

Aqui é barroco e ali,


tão calmo, decerto
é mais bucólico. Aparências
de contornos, aparições
do possível- ribanceiras
subindo e descendo,
mais isto que aquilo.
Porque
o real está guardado no fundo,
lá onde nem mais o fundo se divisa.

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Síndrome de Estocolmo GamlaStam
Walt Disney, meu caro, você teria amado
tudo isso: casinhas serni-enterradas, ruelas,
A luz do sol me dd claustrofobia
beco beco beco.
Ingmar Bergman
Mistura improvável de bazar e parque
numa ilha habitada por artesãos hindus,
Arlanda Airport
peruanos cantantes, judeus do leste,
Porque o branco e o frio tomaram conta
putas da Polônia e sombras mutiladas
Porque a neve em grossas camadas nos cobriu.
da última guerra da Bósnia- Herzegovina.
Há gregos, sem dúvida, Hagar o Terrível, árabes:
No apartamento de Strindberg
lívido líquido humano, sangue em profusão.
Aqui viveu, neste elevador subiu
Desfile imaginário de celebrações passadas.
aos céus da arte teatral e desceu
Um enterro. Uma sombra sem sol. Pernas.
ao inferno da vida comezinha o dramaturgo
August Strindberg, o maioral local.
A bagagem poderia ter sido reduzida. Só
Aqui gritou.
memória e silêncio, um mínimo apenas
Aqui escreveu.
de conversa. Mas é o oposto. A antítese
Aqui leu Die Fackel, de Karl Kraus.
de tudo o que é calor, sim, um frio
Mas aqui não há banheiro.
ardente, abrasador. Mas frio. Mas frio.
(Tanta merda tinha que dar nisso.)
Drottnigatan
A grande Estocolmo
A mesma cupidez capaz de, aqui e acolá, revelar-nos
É o trem que passa ou a vida?
a fonte inexeqüível dos mistérios da mercadoria.
A irmã de alguém passeia nua, abaixo de zero uns
Num bairro operdrio
20 graus. A velha cidade aparece, e suas muralhas
A grande fábrica da Scania simula um cenário
mal conseguem conter a revoada de salmões.
pós alguma coisa em seu caráter eminentemente
Parece difícil, no entanto, discursar a respeito
industrial.
das similitudes entre memória e fato, ficção e olvido,
Vapor desmancha a neve. Aziz vai ao trabalho,
quando tudo parece vedado em um tupperware
preocupado com o ar e com a Arábia.
jogado no meio da calçada como uma carniça.

20 21
Arlanda Airport II De um diálogo particular
Permanecer
para sempre esquecido "Você diz que não, mas
desta terra, deste sangue. as poucas coisas que achamos
poderiam ser jogadas
Aprisionar bem debaixo da terra,
em algum canto da memória no limite do impalpável:
este lapso, esta carne, este espaço. no meio-limite,
no entre vivo e inorgânico
em seu caráter de lixão -
restos de comida, jornais,
seringas, plásticos, vidros.
Tudo ali oxidado,
ali capitulado."

( ...)

"E há um pormenor,
um quase-nada feito de alegria
sem desabamentos (essa outra
forma de existir, longe de
origens e urinóis):
vê aquela água que
desce, refluindo,
e se perde num ponto
distante deste mapa? norte-sul,
leste-oeste - qualquer lado
será sempre o outro mesmo lado
será sempre a outra mesma vida."

22 23
"O Leste é uma carreira" Abrindo a correspondência

É apenas uma puta, What common language to unravel?


digo a mim mesmo, William Carlos Williams
éjustamente uma
puta alemã, uma frau- "É um mundinho doméstico,
liebe não sei das quantas uma droga de lugar para habitar."
à espera da minha baioneta. As poucas folhagens e arbustos
trespassam a porta de casa:
Ld fora, o coronel- sangue cá dentro,
cossaco, sem dúvida - especula cá fora.
sobre os "primos do Bronstein", Uma forma educada
como diz. de se quebrar os pratos -
mansa, desentranhada,
E nós aqui pode ser a única que reconhecemos.
nessefriozinho suarento,
fazendo filhos,
essa casca de banana
política,
outro pogrom.

24 25
Em louvor de N.B. A última conversação humana

Ao remorso erigiu bizarra torre: Em ftaca (ensolarada tampa devorou as


feita de pele, nervos, ossos, sangue e prontuários. sombras), alguém achou por bem
"Sendo ela a própria mãe. lnacreditável.", despistar os derradeiros dias: a sarça
dizem (no clamor terrível) os deuses funestos ainda os cobre, o vinho ainda os mantém
alegres -
que se aproximam - dedos finos - como cegos
a referendar a glória minúscula da taxidermia lestigões enfastiados de Homero.
e da banalidade. Exumam-se assim outros corpos,
diversas qualidades. À espreita, o detetive-
olhos líquidos de sapo - circunscreve com o corpo
o percurso derradeiro até a espectral mansão:
eis a tirania, eis a profanação, eis o esperma.
Fez então das imagens (senão um poema)
uma forma de consciência no terror, ,.
,\

esconde-esconde sem fim: penumbra e dia.

26 27
Astúcia Sem testamento

Perito em mim menos eu mesmo Estranhos afazeres confiados a mim neste quase fim de dia,
não consigo demonstrar esforço: quando
se fizer o que gosto com desgosto as esquinas enchem-se de gente - sua tralha habitual-,
é melhor roer meu próprio osso. e do outro lado
da rua um homem digladia-se entre impressões
de chuva, células que morrem e canções sem letra.

28 29
Portnoy' s Complaint Um pedaço de memória

a mão Cobertos de mijo e merda, fedendo à guerra, uivam


a mãe uns poucos seres vivos. O trágico, o sem
sentido, a parede rachada. E apesar de tudo, sim,
o pau há sempre o que atender em meio ao caos,
o pai a espera paciente da derrota, e além do princípio
da derrota, o prazer.
herr doktor:
a única piada

neste mundo:

eu

30 31
Reclame Samuel

Esquálido e patético, Era um profeta esfarrapado, que aparecia


mira o fim: entre fumos de cigarro e cheiro de arenque
o lodo é quente, defumado. Entre o início e o fim do dia,
o epitáfio está dois países,quatro filhos, mulheres
por ser escrito. e a promessa de um partido.

Era um profeta esfarrapado, pequeno e


cabeçudo, vastas sobrancelhas
centopéicas. Dirigia um Renault anterior
à hecatombe que levou irmãos e primos.
(Stálin era seu herói portátil.)

Era um profeta esfarrapado, movido a ódios


cegos e gritos reprimidos. Havia algo
genuíno em sua dor. E havia algo postiço,
um câncer, um menino adunco em outro
bairro: ~;n século de história, e sem história.

32 33
Brinde Não é espelho, não é vidraça

Escombro de mim, Como parte de uma mesma


sempre à espera COIsa,

do messias fajuto um algo completamente


e do dia em que integrado
o luto cobrirá a outro que se move
a noiva sem véu em meio
e a cabeça sem kippá. ao raro dom
Em claro janeiro cinético
às avessas - ritual, do sono,
hábito ou mania -, logo todas as palavras
hei de erguer a taça, possíveis
cortar o pão e anunciar estarão
(sorriso e dentrifício) completamente nulas,
a destruição do templo, frias, trêmulas e
a prole ensangüentada, adjetivadas:
a chaminé, será falta de rigor
o exílio, (e rigor mortis).
uma página do livro.

III

34 35
Série Alpendre de Poesia

1. Livro da Dança, de Gonçalo M. Tavares


2. Vazados & Molambos, de Laura Erber
3. Exames de Rotina, de Tarso de Melo
4. Imagem sem Centro, de Francisco dos Santos
5. Logocausto, de Leandro Sarmatz

Leandro Sarmatz nasceu em Porto Alegre e vive em São


Paulo desde 2001. É jornalista e Mestre em Teoria da
Literatura pela PUC-RS. Tem diversos poemas e textos de
ficção publicados em revistas e antologias. É autor da peça
Mães & Sogras (IEL). Logocausto, com poemas produzidos
entre 1998 e 2007, é a primeira coleção de seus versos.

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