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Atacando a figura do rei pela infração da lei, o condenado era marcado por um
cerimonial de exibição de força, na qual o soberano colocava à vista de todos o corpo
supliciado. O corpo é o local que se insere a dissimetria das forças. Em relação à vítima o
suplício deve ser marcante. “Destina-se (...) a tornar infame aquele que é sua vítima; o
suplício mesmo não tem por função ‘purgar’ o crime, não reconcilia; traça (...) sinais que
não devem se apagar” (FOUCAULT, 2004: 31). Pelo lado da justiça exige a ostentação a
fim de ser constatado por todos o triunfo da ordem. O suplício penal era “um ritual
organizado para a marcação das vítimas e a manifestação do poder que pune” (FOUCAULT,
2004: 32). O povo era testemunha ocular do poder soberano que fragilizava com severidade
as agressões à sua soberania.
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Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) – Doutorando.
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obediência mediante o temor e o amor ao soberano (FOUCAULT, 2004: 158). O rei era o
titular do poder punitivo e o dispensador da clemência uma vez que todo crime era, em
ultima instância, uma violência contra o próprio rei. Com o advento da liberalismo a punição
ganha novos contornos com a exigência de maior humanidade e crítica aos suplícios.
marcou profundamente toda uma geração de juristas, inclusive brasileiros que estudaram em
Coimbra. Em 1781 apresenta o Institutiones júris lusitani, logo tornando-se obra de
referência. Em 1783 inicia a formação de um novo código criminal a pedido da coroa
portuguesa. Aos 26 de novembro de 1786 apresenta seu trabalho influenciado pelas idéias de
Beccaria. Trazia um controle social e disciplinar fundamentado na predominância de
codificações calculadas, com uma linguagem que rompia com a penalogia do Antigo
Regime: distinguia crimes de delitos, crimes públicos de privados, classificava as penas
mediante o crime e combateu os suplícios (NEDER, 2007a: 148-160). Há uma redefinição
do direito e da lei no contexto das tecnologias disciplinares. A lei vai, aos poucos, tornando-
se um instrumento de controle e disciplina. O Código Criminal do Império do Brasil recebe
influência daquele código encomendado pela coroa lusa à Pascoal e da Faculdade de Direito
de Coimbra.
está direcionada para o escândalo que promove e à desordem social que instaura. A punição
é uma necessidade de contenção dos efeitos. As motivações da violação foram levadas em
consideração, havendo condições agravantes e atenuantes. Esta economia do castigo entende
que o crime tem em vista uma vantagem. Deve-se, portanto, evidenciar uma desvantagem
maior. A lei deve ser o “monumento do pacto social”. Todos devem estar sujeitos a ela,
inclusive o monarca. O criminoso rompe com o pacto social. A pena não é mais fruto da
vingança do soberano, mas, a defesa da própria sociedade (FOUCAULT, 2004: 78-86).
Alguns crimes de responsabilidade como os crimes de imprensa, aparecem como inovação.
Responsabilizava todos os envolvidos na impressão ou divulgação (Código Criminal do
Império do Brasil – CCIB, art 7).
cometem crimes casualmente no exercício de ato lícito (CCIB, Art. 10). Na prática as coisas
não eram tão simples. A comprovação da idade era um empecilho ao julgamento, uma vez
que nem todos possuíam a certidão de Batismo. Ademais, exigia-se, além da comprovação
da idade de 14 anos, uma prova de falta de discernimento (CCIB, art. 13). Quanto ao ato de
violência irresistível e crimes casuais por ato lícito, não acarretavam punição, mas, exigem
satisfação do mal causado (CCIB, art 18).
As piores penas recaíam sobre os escravos. Para eles estava prevista a pena de morte
em caso de insurreição (CCIB art. 113), homicídio (CCIB art. 192) e roubo com morte
(CCIB art. 271). Os livres também seriam punidos com morte em caso de insurreição (CCIB
art. 114). Na pena de morte o patíbulo se transformava em palco. O condenado era
conduzido pelas ruas até a forca acompanhado pelas autoridades civil e militar. O executado
não poderia ser enterrado com pompa (CCIB, arts 40-42). Como exibição de força, a pena
capital é o cerimonial de triunfo da ordem que, mesmo depois de executado, imprime as
marcas do poder. As galés secundavam-se em ordem de severidade. Essa pena sujeitava os
condenados a andarem acorrentados pelos pés exercendo trabalhos públicos a serviço do
governo (CCIB, art. 44). Normalmente era atribuída aos escravos. Eles só podiam sofrer as
penas de morte, galés e açoite (CCIB, art. 60).
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Fontes