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SEMANA DA LEITURA 2018 - EB D.

António da Costa - uma seleção de textos para a Maratona da Leitura

Ler! A qualquer hora, em qualquer lugar!

Cantiga de Mãe, de Um livro


Alice Vieira
Levou-me um livro em viagem
Olha as horas! não sei por onde é que andei
Sai da cama ! Corri o Alasca, o deserto
Não demores andei com o sultão no Brunei?
a acordar! P’ra falar verdade, não sei
Lava os dentes
muito bem Com um livro cruzei o mar,
não sei com quem naveguei.
–mas…ó mãe!… Com marinheiros, corsários,
tremendo de febres e medo?
Não inventes P’ra falar verdade não sei.
mais desculpas
pra atrasar! Um livro levou-me p’ra longe
Passa o pente não sei por onde é que andei.
na cabeça! Por cidades devastadas
Bebe o leite no meio da fome e da guerra?
mais depressa! P’ra falar verdade não sei.
E não te esqueças
também… Um livro levou-me com ele
até ao coração de alguém
— mas … ó mãe!… E aí me enamorei –
de uns olhos ou de uns cabelos?
…de levar P’ra falar verdade não sei.
a papelada
assinada Um livro num passe de mágica
que a professora tocou-me com o seu feitiço:
mandou Deu-me a paz e deu-me a guerra,
Vai lá buscar mostrou-me as faces do homem
a mochila
– porque um livro é tudo isso.
e vê se, por esta vez,
estão prontos Levou-me um livro com ele
os tpc’s! pelo mundo a passear
E fecha bem..
Não me perdi nem me achei
– porque um livro é afinal…
–mas…ó mãe!..
a torneira um pouco da vida, bem sei.
da banheira! O G é um gato enroscado, João Pedro
Olha o pingo…
Mésseder
— mas ó mãe!…

Mas ó mãe!…
Hoje é domingo!
O homem que lê
Os Livros Eu lia há muito. Desde que esta tarde
com o seu ruído de chuva chegou às janelas.
Abstraí-me do vento lá fora:
o meu livro era difícil.
Apetece chamar-lhes Olhei as suas páginas como rostos
irmãos, que se ensombram pela profunda reflexão
tê-los ao colo, e em redor da minha leitura parava o tempo.
afagá-los com as mãos, —
De repente sobre as páginas lançou-se uma
abri-los de par em par, luz
ver o Pinóquio a rir e em vez da tímida confusão de palavras
e o D. Quixote a sonhar, estava: tarde, tarde… em todas elas.
e a Alice do outro lado Não olho ainda para fora, mas rasgam-se já
do espelho a inventar as longas linhas, e as palavras rolam
um mundo de assombros dos seus fios, para onde elas querem.
Então sei: sobre os jardins
que dá gosto visitar. transbordantes, radiantes, abriram-se os céus;
Apetece chamar-lhes irmãos o sol deve ter surgido de novo. —
e deixar brilhar os olhos E agora cai a noite de Verão, até onde a vista
nas páginas das suas mãos. alcança:
o que está disperso ordena-se em poucos
Pela casa fora, José Jorge grupos,
Letria obscuramente, pelos longos caminhos vão
pessoas
e estranhamente longe, como se significasse
algo mais,
Ler ouve-se o pouco que ainda acontece.
Ler sempre.
Ler muito. E quando agora levantar os olhos deste livro,
Ler “quase tudo”. nada será estranho, tudo grande.
Ler com os olhos, os ouvidos, com Aí fora existe o que vivo dentro de mim
o tacto, pelos poros e demais e aqui e mais além nada tem fronteiras;
sentidos. apenas me entreteço mais ainda com ele
Ler com razão e sensibilidade. quando o meu olhar se adapta às coisas
Ler desejos, o tempo, o som do e à grave simplicidade das multidões, —
silêncio e do vento. então a terra cresce acima de si mesma.
Ler imagens, paisagens, viagens. E parece que abarca todo o céu:
Ler verdades e mentiras. a primeira estrela é como a última casa.
Ler o fracasso, o sucesso, o
ilegível, o impensável, as O Livro das Imagens, Rainer Maria Rilke
entrelinhas.
Ler na escola, em casa, no campo, Os livros. A sua cálida,
na estrada, em qualquer lugar. terna, serena pele. Amorosa
Ler a vida e a morte. companhia. Dispostos sempre
Saber ser leitor, tendo o direito de a partilhar o sol
saber ler. das suas águas. Tão dóceis,
Ler simplesmente ler. tão calados, tão leais,
tão luminosos na sua
Edith Chacon Theodoro branca e vegetal e cerrada
melancolia. Amados
como nenhuns outros companheiros
da alma. Tão musicais
no fluvial e transbordante
ardor de cada dia.
Ofício de Paciência, Eugénio de Andrade
Os heróis dos livros E no centro do centro do mundo,
Deflagravam guerras, desse vasto mundo tumultuoso,
morriam presidentes, eu aprendia os sonhos dos homens,
vulcões despertavam, decorava as dores dos homens
tufões desfaziam cidades inteiras. e neles me conhecia.
Pouco soube porém
do que se passava nos confins da Terra. O G é um gato enroscado, João Pedro
Porque perto, muito perto de mim, Mésseder
os cavalos do Pony Express
deixavam atrás do galope
um rasto de poeira do deserto,

e no Kentucky Daniel Boone
batia-se com os Shawnees Nas estantes os livros ficam
em combates de vida ou de morte; (até se dispersarem ou desfazerem)
Spártaco em Cápua levantava os enquanto tudo
escravos, passa. O pó acumula-se
e na esplanada do Café do Gato e depois de limpo
com os dedos sujos de graxa torna a acumular-se
Pepe salivava no cimo das lombadas.
diante do homem gordo Quando a cidade está suja
ao molhar churros quentes (obras, carros, poeiras)
numa chávena fumegante; o pó é mais negro e por vezes
os meninos da gruta espesso. Os livros ficam,
na Nova Zelândia valem mais que tudo,
fugiam de casa para a montanha mas apesar do amor
e do alto observavam (amor das coisas mudas
no vale os pequenos adultos; que sussurram)
o pai, Sandália de Vento, e do cuidado doméstico
e o filho, Sapato de Fogo, fica sempre, em baixo,
corriam mundo mochila às costas, do lado oposto à lombada,
como dois velhos amigos; uma pequena marca negra
e Rudi, o rapaz da Steinstrasse 16, do pó nas páginas.
ali, bem ao pé da porta, A marca faz parte dos livros.
crescia desvendando um mistério Estão marcados. Nós também.
para provar a sua inocência:
Duplo Império, Pedro Mexia
Não fui eu quem roubou o relógio,
não fui eu quem roubou o relógio. A um livro
Por causa de todos eles, No silêncio de cinzas do meu Ser
pouco soube das fomes, das cheias, Agita-se uma sombra de cipreste,
dos temporais e das batalhas Sombra roubada ao livro que ando a ler,
que varriam o mundo no meu tempo. A esse livro de mágoas que me deste.
Mas Boone,
Spártaco, Estranho livro aquele que escreveste,
Pepe, Artista da saudade e do sofrer!
Rudi, Estranho livro aquele em que puseste
Tudo o que eu sinto, sem poder dizer!
Sapato de Fogo
e os outros, Leio-o, e folheio, assim, toda a minh’alma!
no escuro sótão da minha infância, O livro que me deste é meu, e salma
no coração de uma cidade de granito, As orações que choro e rio e canto!…
olhavam-me nos olhos,
rosto diante de rosto: Poeta igual a mim, ai que me dera
gente de palavras Dizer o que tu dizes! … Quem soubera
com cara-de-muitos-amigos. Velar a minha Dor desse teu manto!…

Florbela Espanca, Livro de Mágoas


A ilha do tesouro O mar também é abismo
e assombro e perdição.
Com mil diabos!
O meu tesouro é um livro Icem já a vela mestra,
de folhas gastas, dobradas, seus patifes de uma figa!
onde ainda brilha o ouro Já chega de beber rum
de palavras encantadas: e de coçar a barriga.
guinéus, luíses, dobrões. Depressa! Está na hora de arribar!
Mesmo em frente há uma ilha
Se o abro, à noite, no quarto, que cresceu durante a noite
levanta-se um vento leve do outro lado do mar.
que enfuna os lençóis da cama; Tragam o mapa de Flint,
cheira a sal, ouvem-se as ondas, limpem o pó dos canhões,
salpicos de espuma volteiam no ar. sintam o cheiro do ouro.
Mas já não voam as palavras que O vento nos levará
voavam para a ilha do tesouro.
e me arrastavam prò o mar, Para a ilha do tesouro!
o grande mar que é muitos e só As palavras que me levem
um. para a ilha do tesouro
Por mais que escute já não ouço e seja ela onde for.
a canção dos marinheiros: Quero os meus lábios gretados
Dez homens em cima da mala do pelo sal, pelo calor,
morto… como no tempo em que era jovem
Iou, ou, ou, e uma garrafa de rum… e andava no mar
Antigamente era outra essa viagem e era o tempo melhor.
e era eu o rapaz da estalagem.
Escondido na barrica das maçãs, Que aconteceu? Quem sou eu?
escutava o taque-taque Quem lê o livro não é quem o leu?
do homem da perna só Onde está o mapa
e as conversas dos piratas do tesouro que me deste?
que passavam no convés: Três cruzes a vermelho,
Com quarenta homens nos duas a norte, uma a sudeste.
fizemos ao mar,
mas só um, afinal, Agora abro o livro
se conseguiu salvar. e não acontece nada.
Faca de punho rachado, A minha noite é só medo e frio,
bússola, sabre, uma terra ressequida
telescópio de latão. batida por mar nenhum.
Só o rum é que podia Por mais que escute já não ouço
derrubar o capitão; a canção dos marinheiros:
mas agora ele está morto Dez homens em cima da mala do
e tem duas moedas de prata morto…
no sítio dos olhos, lou, ou, ou, e uma garrafa de rum.
um buraco para os peixes
no lugar do coração. O Limpa-palavras e outros poemas,
Álvaro Magalhães
Era um sonho? Um livro é uma casa grande, com todos os
quartos que quisermos ocupar e que está
Eram lobos, grilos, corvos, implantada no lugar do mundo que mais nos
tartarugas, raposões, convier.
bichas de sete cabeças, Um livro é um espelho onde nos podemos ver
unicórnios e dragões, mas com corpo de homem, ou de mulher, de
dromedários e chacais cor negra, ou branca ou aos quadradinhos,
e outros bichos que tais. com cabelo ruivo ou louro ou de todas as
Eram fadas, bruxas, príncipes, cores.
ogres, fantasmas, meninos,
Um livro é uma fonte de água muito límpida e
labirintos e palácios,
muito fresca que nos mata a sede à hora que
minas, grutas e florestas.
quisermos.
Eram ilhas e desertos,
Um livro é uma árvore que nos dá a sombra e
cidades do faroeste,
nos mostra as raízes diversas que povoam o
gelos eternos e selvas
chão.
e pirâmides do Egipto.
Um livro pode ser uma travesseira ou um
Mas também havia escolas,
bálsamo.
casas ricas, bairros pobres,
Um livro pode ser um despertador mais
esquadras, polícias, ladrões
estridente que os mais sibilantes
e gente de muitas nações.
despertadores.
Viajei em aviões,
Um livro pode levar-se para toda a parte – até
navios e foguetões,
para a banheira – e, muitas vezes agarra-se à
em botas de sete léguas
pele de quem o lê e nunca mais na vida é
e tapetes voadores.
capaz de o esquecer.
Naveguei em caravelas,
Um livro é o ser mais paciente do mundo.
desenterrei um tesouro,
Espera por um leitor a vida inteira.
naufraguei nos mares do sul,
Não lêem livros os desafortunados que nunca
vi escravos agrilhoados,
tiveram a oportunidade de provar os sabores
lutei com piratas, vilões
do sonho, da sabedoria e da vida.
entre pragas, maldições.
Senhor, tende piedade deles!
Vi o Pinóquio e a Alice,
o Polegarzinho, o Ulisses, José Jorge Letria
o Simbad e o Ali Babá,
Cinderela, Peter Pan,
Iracema e Iratan,
o lindo Palhaço Verde,
a gorda Dona Redonda,
e a fina Salta-Pocinhas.
Vi a Emília e o Visconde,
Dona Benta, Narizinho,
Capuchinho e a avozinha,
o Tom Sawyer, o Jim Hawkins
e a muleta de John Silver
Quando o sonho terminou
e as pálpebras abri,
tinha ao meu lado uma estante
com todos os livros que li.

João Pedro Mésseder


O Limpa-Palavras A Lapiseira
Álvaro Magalhães

Limpo palavras. Eu posso viver sem sol,


Recolho-as à noite, por todo o lado: sem ninguém à minha beira.
A palavra bosque, a palavra casa, a palavra flor.
Trato delas durante o dia Mas só não posso viver
Enquanto sonho acordado.
A palavra solidão faz-me companhia. sem a minha lapiseira.
Quase todas as palavras
Precisam de ser limpas e acariciadas: Rodo com ela nos dedos,
A palavra céu, a palavra nuvem, a palavra mar.
Algumas têm mesmo de ser lavadas, é varinha de condão,
É preciso raspar-lhe a sujidade dos dias
E do mau uso.
breve fósforo que acende
Muitas chegam doentes, lumes de imaginação.
Outras simplesmente gastas, estafadas,
Dobradas pelo peso das coisas
Que trazem às costas.
Pássaro de bico negro,
A palavra pedra pesa como uma pedra. de negro, negro carvão,
A palavra rosa espalha o perfume no ar.
A palavra árvore tem folhas, ramos altos. me leva com suas asas
Podes descansar à sombra dela.
A palavra gato espeta as unhas no tapete. a minha voz e canção.
A palavra pássaro abre as asas para voar.
A palavra coração não pára de bater.
Ouve-se a palavra canção. Chamo o sol e os amigos,
A palavra vento levanta os papéis no ar
E é preciso fechá-la na arrecadação. assim, à minha maneira,
viajando no papel
No fim de tudo, voltam os olhos para a luz
E vão para longe, só com uma lapiseira.
Leves palavras voadoras
Sem nada que as prenda à terra,
Outra vez nascidas pela minha mão: Luísa Ducla Soares, A Cavalo no
A palavra estrela, a palavra ilha, a palavra pão. Tempo
A palavra obrigado agradece-me.
As outras não.
A palavra adeus despede-se.
As outras já lá vão, belas palavras lisas
E lavadas como seixos do rio:
A palavra ciúme, a palavra raiva, a palavra frio.

Vão à procura de quem as queira dizer,


De mais palavras e de novos sentidos.
Basta estenderes um braço para apanhares
A palavra barco ou a palavra amor.

Limpo palavras.
A palavra búzio, a palavra lua, a palavra palavra.
Recolho-as à noite, trato delas durante o dia.
A palavra fogão cozinha o meu jantar.
A palavra brisa refresca-me.
A palavra solidão faz-me companhia.

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