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O nosso Império (6)

Será que Vos lembrais desta passagem do livro Aparição de Vergílio Ferreira?
«Pelas nove da manhã desse dia de Setembro cheguei enfim à estação de Évora.
Nos meus membros espessos, no crânio embrutecido, trago ainda o peso de uma noite de
viagem. Um moço de fretes abeira-se de mim, ergue a pala do boné:
- É preciso alguma coisa, senhor engenheiro?
Dou-lhe as malas, digo-lhe que há ainda um caixote de livros a desembarcar.
- Então é dar-me a senhazinha, senhor engenheiro.
- Mas não me trate por engenheiro. Sou professor do Liceu.»
Como já reparastes, o Nosso Império, hoje, começou com o pronome de
tratamento «Vós».
Estamos no âmbito das chamadas «fórmulas/pronomes de tratamento». Durante
um determinado tempo da nossa portugalidade, existiam três estatutos: o professor, o
médico e o padre. Óbvio que a sociedade vai sendo diferente à medida que as pessoas se
cultivam ou aculturam, força, também, da influência do meio envolvente, hoje, da
globalização.
É frequente ouvirmos; «Você!...»
Afinal, é ou não adequado este pronome de tratamento?
Vamos a um facto: em contactos com serviço de atendimento empresariais, tenho
reparado que o pronome «Você» nunca é utilizado. Curioso!
Também, em determinados meios mais tradicionais, ouvimos (ou ouvíamos) o
marido e a mulher se tratarem por «mecê».
Expliquemo-nos:
O pronome «Você», nas gramáticas mais científicas, como na Gramática do
Português, começada a publicar pela Gulbenkian em 2013 (saíram 2 volumes de 3
previsto), surge associado à segunda pessoa. Assim: Eu; tu/você, nós, vós/vocês, eles.
O dicionário de Cândido Figueiredo considera ser uma designação de tratamento
dirigido a pessoa de condição inferior ou, em contexto familiar, um pronome com sentido
de estima. Acrescenta, ainda, ser a contração de «Vossemecê», este, um tratamento de
subserviência.
Cita, a este propósito, Isabel Casanova, Discursar em Português… e não só: «É
que, de facto, a língua portuguesa não necessita desta forma, mas talvez pior ainda do que
a utilização abusiva da forma VOCÊ e o engano em que muitas pessoas são induzidas
seja a utilização da forma VOCÊS. É que, contrariamente ao que poderíamos ser levados
a pensar, a utilização de VOCÊS não é um mero plural de VOCÊ; VOCÊS corresponde
simplesmente ao plural de TU. Quero com isto dizer que só poderei recorrer a VOCÊS
sempre que a correspondente singular fosse TU, e não VOCÊ».
Volto um pouco atrás, para concretizar: sempre que entrei em contacto com o meu
operador de serviços de dados, tv e telefone, sou tratado por «Senhor» e nunca por
«Você». Ops!...acabo de me lembrar o que me contou um amigo e que tenho de reprovar:
um funcionário da alfândega do Funchal, ao telefone, não só recorreu ao «Você», como,
ao mesmo tempo que atendia um cliente, o filho ligou-lhe para o telemóvel e mandou o
«menino» esperar porque estava um «gajo», ao telefone, a chateá-lo.
Na verdade, pelas fórmulas de tratamento, mostramos a nossa educação e cultura
sociais. Enfim!
Assim, fique a sugestão:
1. Use-se, num contexto social, o «Você», informalmente, quando existe alguma
familiaridade entre as pessoas. Os amigos usam esta opção, porque são
próximos na relação do trato, mas ainda incapazes de usar o «Tu» (ou pela
idade, ou por outras razões!...).
2. Use-se, num contexto mais formal, o «Senhor/a», na situação em que não
existe qualquer relação de intimidade.
Terminemos com o/a «gajo/a».
Do Dicionário Etimológico de José Pedro Machado, transcrevemos: «Em gitano
espanhol gacho é a forma masculina; o feminino é, conforme à regra geral do gitano,
gachi; é uma palavra muito espalhada nos dialetos tsiganos […] A forma gachó foi, na
sua passagem para o português, tratada como caló-calão, isto é, gachó também passou
para o português na forma gajão, forma que ainda se usa na linguagem familiar e no calão
no sentido de «espertalhão», finório […] a gíria cigana do Brasil conhece ainda o
feminino gajim (mulher estranha ao grupo de ciganos).»
Fernão Lopes também usa muito a palavra «gajas». Por exemplo: enquanto os
exércitos esperam o momento de ataque, mandam «gajas» (bolas incendiárias) um ao
outro como provação.
É recorrente, na gíria mais ostracizada do salutar convívio linguístico, ouvir-se:
«aquele gajo», «aquela gaja»!...
Assim, «gaja», para designar alguém do sexo feminino de modo leviano. «Gajo»,
também para mostrar algum desprezo por outrem.
Para tornar este espaço mais profícuo aos leitores deste DN, fica o e-mail para
onde pode ser enviada qualquer questão sobre o nossa Língua, escrita ou falada:
onossoimperio@sapo.pt
João Luís Freire

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