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POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

O primeiro destaque a se fazer com relação a essa de-


nição dada por Azevedo é de que política pública é coisa
1. POLÍTICAS PÚBLICAS NO CONTEXTO
para o governo. A sua de nição é clara nesse sentido. Isso
DE UMA SOCIEDADE. quer dizer que a sociedade civil, ou melhor, o povo, não é
1.1 POLÍTICAS PÚBLICAS NO CONTEXTO responsável direto e nem agente implementador de po-
EDUCACIONAL líticas públicas. No entanto, a sociedade civil, o povo, faz
política.
Percebe-se então que existe uma distinção entre po-
POLÍTICAS PÚBLICAS E POLÍTICAS EDUCACIONAIS lítica e política pública. Mas como de nir a primeira ex-
pressão? O lósofo e historiador Michel Foucault (1979)
Política pública é uma expressão que visa de nir uma si- a rmou que todas as pessoas fazem política, todos os dias,
tuação especí ca da política. A melhor forma de compreen-
e até consigo mesmas! Isso seria possível na medida em
dermos essa de nição é partirmos do que cada palavra,
que, diante de con itos, as pessoas precisam decidir, sejam
separadamente, signi ca. Política é uma palavra de origem
grega, politikó, que exprime a condição de participação da esses con itos de caráter social ou pessoal, subjetivo. So-
pessoa que é livre nas decisões sobre os rumos da cidade, cialmente, a política, ou seja, a decisão mediante o choque
a polis. Já a palavra pública é de origem latina, publica, e de interesses desenha as formas de organização dos gru-
signi ca povo, do povo. pos, sejam eles econômicos, étnicos, de gênero, culturais,
Assim, política pública, do ponto de vista etimológico, religiosos, etc. A organização social é fundamental para
refere-se à participação do povo nas decisões da cidade, do que decisões coletivas sejam favoráveis aos interesses do
território. Porém, historicamente essa participação assumiu grupo.
feições distintas, no tempo e no lugar, podendo ter aconteci- Por m, é importante dizer que os grupos de interesse,
do de forma direta ou indireta (por representação). De todo organizados socialmente, traçam estratégias políticas para
modo, um agente sempre foi fundamental no acontecimen- pressionaram o governo a m de que políticas públicas se-
to da política pública: o Estado. jam tomadas em seu favor.
Por isso, vejamos qual é o sentido contemporâneo para
o termo política pública. Tipos de Políticas Públicas
Conceito de Políticas Públicas Desenvolvendo a leitura de Lowi (1966), Azevedo
(2003) apontou a existência de três tipos de políticas públi-
A discussão acerca das políticas públicas tomou nas
cas: as redistributivas, as distributivas e as regulatórias. As
últimas décadas uma dimensão muito ampla, haja vista o
políticas públicas redistributivas consistem em redistribui-
avanço das condições democráticas em todos os recantos
do mundo e a gama de arranjos institucionais de governos, ção de “renda na forma de recursos e/ou de nanciamento
que se tornou necessário para se fazer a governabilidade. de equipamentos e serviços públicos”. São exemplos de
Entende-se por governabilidade as condições adequadas políticas públicas redistributivas os programas de bolsa-es-
para que os governos se mantenham estáveis. São essas cola, bolsa-universitária, cesta básica, renda cidadã, isenção
condições adequadas, enquanto atitudes de governos (se- de IPTU e de taxas de energia e/ou água para famílias ca-
jam eles de âmbito nacional, regional/estadual ou munici- rentes, dentre outros.
pal), que caracterizam as políticas. Do ponto de vista da justiça social o seu nanciamen-
Campo do conhecimento que busca, ao mesmo tempo, to deveria ser feito pelos estratos sociais de maior poder
“colocar o governo em ação” e/ou analisar essa ação (variável aquisitivo, de modo que se pudesse ocorrer, portanto, a
independente) e, quando necessário, propor mudanças no redução das desigualdades sociais. No entanto, por conta
rumo ou curso dessas ações e ou entender por que o como do poder de organização e pressão desses estratos sociais,
as ações tomaram certo rumo em lugar de outro (variável o nanciamento dessas políticas acaba sendo feito pelo or-
dependente). Em outras palavras, o processo de formulação çamento geral do ente estatal (união, estado federado ou
de política pública é aquele através do qual os governos tra- município).
duzem seus propósitos em programas e ações, que produ- As políticas públicas distributivas implicam nas ações
zirão resultados ou as mudanças desejadas no mundo real. cotidianas que todo e qualquer governo precisa fazer. Elas
dizem respeito à oferta de equipamentos e serviços pú-
A distinção entre Política e Políticas Públicas
blicos, mas sempre feita de forma pontual ou setorial, de
Apesar da importante contribuição de Souza para a de- acordo com a demanda social ou a pressão dos grupos de
nição de políticas públicas, entende-se que o melhor termo interesse. São exemplos de políticas públicas distributivas
que o de ne, por conta de seu caráter didático, é o desen- as podas de árvores, os reparos em uma creche, a imple-
volvido por Azevedo (2003) a partir da articulação entre as mentação de um projeto de educação ambiental ou a lim-
compreensões de Dye (1984) e Lowi (1966). Neste exercício, peza de um córrego, dentre outros. O seu nanciamento é
Azevedo (2003, p. 38) de niu que “política pública é tudo o feito pela sociedade como um todo através do orçamento
que um governo faz e deixa de fazer, com todos os impactos geral de um estado.
de suas ações e de suas omissões”.

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POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Por último, há as políticas públicas regulatórias. Elas Globalização, neoliberalismo e educação


consistem na elaboração das leis que autorizarão os gover-
nos a fazerem ou não determinada política pública redis- A escola como se conhece hoje, lugar de ensino para
tributiva ou distributiva. Se estas duas implicam no campo todos os grupos sociais, garantida em suas condições mí-
de ação do poder executivo, a política pública regulatória é, nimas de existência pelo Estado, reprodutora da cultura
essencialmente, campo de ação do poder legislativo. universal acumulada pela experiência humana sobre a
Como conclusão, ressaltamos ainda que esse tipo de Terra e disseminada em todos os países do planeta, não
política possui importância fundamental, pois é por ela que possui mais do que 150 anos, ou seja, um século e meio. É
os recursos públicos são liberados para a implementação uma experiência educacional do nal do século XIX, mo-
das outras políticas. Contudo, o seu resultado não é ime- mento em que as relações capitalistas de produção, ama-
diato, pois enquanto lei ela não possui a materialidade dos durecidas pelo ritmo da industrialização (mecanização da
equipamentos e serviços que atendem diariamente a po- produção) e visando a mais-valia, demandavam, por um
pulação. Assim, os grupos sociais tendem a ignorá-la e a
lado, conhecimento técnico padronizado da mão-de-obra
não acompanhar o seu desenvolvimento, permitindo que
e, por outro, controle ideológico das massas de trabalha-
os grupos econômicos, principalmente, mais organizados e
dores.
articulados, façam pressão sobre os seus gestores (no caso
Assim surgiu a escola moderna, encerrando, desde
do Brasil, vereadores, deputados estaduais, deputados fe-
derais e senadores). sua fundação, uma grande contradição: ser ao mesmo
Na nossa primeira aula trabalhamos os conceitos de tempo espaço de superação, de criação, de práxis e, na
política e de políticas públicas. Nesta aula veremos o que contramão dessa feita, espaço de reprodução e controle
de fato signi ca políticas públicas educacionais, quais são ideológicos. É com essa característica contraditória, dialé-
as suas dinâmicas atuais e quais são os fenômenos que in- tica, dual que a escola se desenvolveu nos últimos 150
uenciam na sua decisão. Pretendemos, com a sua com- anos, tempo em que a cultura humana passou por suas
preensão, aproximar a sua ideia à de educação ambiental. mais profundas transformações em 1,5 milhões de anos de
Por isso, é importante que você que atento (a) a essa existência da humanidade. A revolução tecnológica desse
discussão. período exigiu um conjunto signi cativo de novos saberes,
pois esse período representou uma sucessão de saltos que
O que são Políticas Públicas Educacionais partiram da Revolução Industrial à automação da produ-
ção (processos automáticos, baseados na microeletrônica
Se “políticas públicas” é tudo aquilo que um governo e na informática), conformando o mundo dos meios de
faz ou deixa de fazer, políticas públicas educacionais é tudo transporte velozes, da telemática, da conquista do espaço
aquilo que um governo faz ou deixa de fazer em educação. sideral, dos satélites arti ciais, da teleconferência, da -
Porém, educação é um conceito muito amplo para se tra- nanceirização das relações econômicas (venda de dinheiro
tar das políticas educacionais. Isso quer dizer que políticas pelos bancos), da urbanização, etc.
educacionais é um foco mais especí co do tratamento da Não obstante, ao mesmo tempo em que tais trans-
educação, que em geral se aplica às questões escolares. Em formações signi caram um grande avanço da humanida-
outras palavras, pode-se dizer que políticas públicas edu- de no controle e na previsão da natureza, elas também
cacionais dizem respeito à educação escolar. serviram para uni car o mundo na dinâmica produtiva do
Por que é importante fazer essa observação? Porque capitalismo. A ampliação das desigualdades sociais resul-
educação é algo que vai além do ambiente escolar. Tudo tantes desse processo (visível na divisão do planeta entre
o que se aprende socialmente – na família, na igreja, na hemisfério norte e hemisfério sul, na divisão dos países en-
escola, no trabalho, na rua, no teatro, etc. –, resultado do
tre o urbano e o rural, na divisão do espaço urbano entre o
ensino, da observação, da repetição, reprodução, inculca-
centro e a periferia) e a degradação da natureza em função
ção, é educação. Porém, a educação só é escolar quando
dos modelos de produção predatórios marcaram o nal
ela for passível de delimitação por um sistema que é fruto
do século XX e produziram a face do fenômeno designado
de políticas públicas.
Nesse sistema, é imprescindível a existência de um como globalização.
ambiente próprio do fazer educacional, que é a escola, Entende-se por globalização o fenômeno da uni ca-
que funciona como uma comunidade, articulando partes ção dos países do mundo numa mesma agenda econô-
distintas de um processo complexo: alunos, professores, mica, de certo modo imposta a estes pelo controle que
servidores, pais, vizinhança e Estado (enquanto sociedade um grupo limitado de países (o G-8) exerce sobre o mer-
política que de ne o sistema através de políticas públicas). cado internacional. O que torna os países do G-8 fortes
Portanto, políticas públicas educacionais dizem respeito às e os permite in uenciar as decisões políticas dos demais
decisões do governo que têm incidência no ambiente es- países é o fato de que todos são muito ricos, concentram
colar enquanto ambiente de ensino-aprendizagem. sítios produtivos de altíssima tecnologia (portanto, com
Tais decisões envolvem questões como: construção produção de alto valor agregado), dominam as maiores
do prédio, contratação de pro ssionais, formação docente, potências bélicas do planeta e têm como instrumento para
carreira, valorização pro ssional, matriz curricular, gestão propagação de suas decisões a ONU.
escolar, etc.

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POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

A globalização, portanto, ao mudar o desenho políti- A reestruturação produtiva que ocorreu na década
co e econômico do mundo, exigiu também a incorporação de 1960, através da automação, conhecida inicialmente
de novas preocupações e tecnologias na educação. Uma como toyotismo, garantiu essa condição e abriu possibili-
dessas preocupações diz respeito à questão ambiental, dades para que o liberalismo pudesse ser novamente im-
fortemente impactada pela degradação e esgotamento plantado como política econômica. As evidências de que
dos recursos naturais, pela alteração de paisagens e a des- a URSS entrava em crise, por sua crescente dependência
truição de faunas e oras e pelo aviltamento das condições do mercado internacional, estimulou os líderes do capi-
subnormais de vida de milhares de pessoas, em particular talismo de ponta a arquitetarem, na década de 1970, o
nas áreas urbanas. Isso fez surgir, especialmente no último retorno à ortodoxia liberal. Porém, isso ocorreu conside-
quartel do século XX (pós-1975), uma forte demanda pela rando-se uma série de elementos históricos que se inter-
educação ambiental. puseram entre as primeiras experiências do liberalismo e
A integração do mundo inteiro a uma mesma agenda a atualidade do m do século XX. Daí que os arranjos na
econômica foi possível pela política neoliberal. Neolibera- política liberal, adequando-a para a era da globalização,
lismo é uma expressão derivada de liberalismo, doutrina tornaram-na conhecida como neoliberalismo.
de política econômica fundada nos séculos XVIII e XIX que Vale ressaltar que enquanto política liberalizante do
teve como orientação básica a não intervenção do Estado mercado, que advoga a não intervenção do Estado nas
nas relações econômicas, garantindo total liberdade para relações econômicas e a reinversão da prioridade de in-
que os grupos econômicos (proprietários dos meios de vestimentos públicos das áreas sociais para as áreas pro-
produção; burguesia, usando uma de nição marxista) pu- dutivas, o neoliberalismo teve um forte impacto sobre a
dessem investir a seu modo os seus bens. educação. Isso porque as políticas educacionais, enquan-
Na perspectiva liberal, o Estado deixa de regular a re- to políticas sociais, perderam recursos onde o neolibe-
lação entre empregador e trabalhador, entre patrão e em- ralismo foi implantado, agravando as condições de seu
pregado, entre burguesia e proletariado. Isso fatalmente nanciamento.
conduz as relações de produção a uma situação de com- Contudo, pelo exposto, percebe-se que há um con-
pleta exploração da classe proprietária sobre a classe des- junto de conceitos de políticas públicas, sendo que Sérgio
possuída. de Azevedo (2003) construiu um conceito didático para
O liberalismo saiu de cena enquanto política econô- a sua compreensão: tudo aquilo que um governo faz ou
mica em meados do século XX, em função das crises que deixa de fazer, bem como os impactos de sua ação ou
se repetiram nas relações internacionais de mercado e que omissão. Assim, se um governo não faz nada em relação
levaram as nações europeias, particularmente, às duas a alguma coisa emergente isso também é uma política
grandes guerras mundiais. Por isso, entre as décadas de pública, pois envolveu uma decisão.
1940 e de 1970 o mundo do capitalismo de ponta (Europa, O que distingue política pública da política, de um
EUA e Japão) ensaiou outras formas de políticas econô- modo geral, é que esta também é praticada pela socieda-
micas, visando a superação das crises cíclicas e o espanto de civil, e não apenas pelo governo. Isso quer dizer que
das ideias socialistas (em voga principalmente na Europa política pública é condição exclusiva do governo, no que
por causa da participação decisiva da URSS na Segunda se refere a toda a sua extensão (formulação, deliberação,
Guerra Mundial). implementação e monitoramento).
O resultado disso foi a implantação, na Europa, da So- Entende-se por políticas públicas educacionais aque-
cialdemocracia e do Welfare State (Estado do Bem-estar) e, las que regulam e orientam os sistemas de ensino, insti-
nos EUA, do New Deal (Novo Acordo), que consistiram em tuindo a educação escolar. Essa educação orientada (es-
políticas de garantias sociais, mediante direitos nos cam- colar) moderna, massi cada, remonta à segunda metade
pos da seguridade social, saúde, educação, trabalho etc., do século XIX. Ela se desenvolveu acompanhando o de-
nanciadas pela tributação das elites econômicas. Por elas, senvolvimento do próprio capitalismo, e chegou na era da
os grupos de trabalhadores nesses territórios tiveram uma globalização resguardando um caráter mais reprodutivo,
sensação de “bem-estar”, o que, em certa medida, contri- haja vista a redução de recursos investidos nesse sistema
buiu para arrefecer a organização e a luta sindical e parti- que tendencialmente acontece nos países que implantam
dária. Por outro lado, para as elites econômicas essas po- os ajustes neoliberais.
líticas signi caram uma redução acentuada nas margens
de lucro, apesar de que houve um grande investimento Referência:
na mudança do padrão tecnológico visando, dentre outas OLIVEIRA, A. F. de. POLÍTICAS PÚBLICAS EDUCACIO-
coisas, a superação da classe operária e, como consequên- NAIS: conceito e contextualização numa perspectiva didática
cia, de sua organização - o que afastaria as chances de
lutas e revoluções socialistas.

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POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Portanto, a moralidade humana deve ser enfocada no


contexto histórico e social. Por consequência, um currículo es-
2. PAPEL DA ESCOLA COMO FORMADORA DE
colar sobre a ética pede uma re exão sobre a sociedade con-
VALORES E DA ÉTICA SOCIAL temporânea na qual está inserida a escola; no caso, o Brasil do
século XX.
Tal re exão poderia ser feita de maneira antropológica e
O homem vive em sociedade, convive com outros ho- sociológica: conhecer a diversidade de valores presentes na
mens e, portanto, cabe-lhe pensar e responder à seguinte sociedade brasileira. No entanto, por se tratar de uma referên-
pergunta: “Como devo agir perante os outros?”. Trata-se de cia curricular nacional que objetiva o exercício da cidadania, é
uma pergunta fácil de ser formulada, mas difícil de ser res- imperativa a remissão à referência nacional brasileira: a Consti-
pondida. Ora, esta é a questão central da Moral e da Ética. tuição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988.
Moral e ética, às vezes, são palavras empregadas como Nela, encontram-se elementos que identi cam questões mo-
sinônimos: conjunto de princípios ou padrões de conduta. rais.
Ética pode também signi car Filoso a da Moral, portan- Por exemplo, o art. 1o traz, entre outros, como fundamen-
to, um pensamento re exivo sobre os valores e as normas tos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa
humana e o pluralismo político. A ideia segundo a qual todo
que regem as condutas humanas. Em outro sentido, ética
ser humano, sem distinção, merece tratamento digno corres-
pode referir-se a um conjunto de princípios e normas que
ponde a um valor moral. Segundo esse valor, a pergunta de
um grupo estabelece para seu exercício pro ssional (por
como agir perante os outros recebe uma resposta precisa: agir
exemplo, os códigos de ética dos médicos, dos advogados, sempre de modo a respeitar a dignidade, sem humilhações ou
dos psicólogos, etc.). discriminações em relação a sexo ou etnia. O pluralismo políti-
Em outro sentido, ainda, pode referir-se a uma distin- co, embora re ra-se a um nível especí co (a política), também
ção entre princípios que dão rumo ao pensar sem, de ante- pressupõe um valor moral: os homens têm direito de ter suas
mão, prescrever formas precisas de conduta (ética) e regras opiniões, de expressá-las, de organizar-se em torno delas. Não
precisas e fechadas (moral). se deve, portanto, obrigá-los a silenciar ou a esconder seus
Finalmente, deve-se chamar a atenção para o fato de pontos de vista; vale dizer, são livres. E, naturalmente, esses
a palavra “moral” ter, para muitos, adquirido sentido pe- dois fundamentos (e os outros) devem ser pensados em con-
jorativo, associado a “moralismo”. Assim, muitos preferem junto. No art. 5o, vê-se que é um princípio constitucional o re-
associar à palavra ética os valores e regras que prezam, púdio ao racismo, repúdio esse coerente com o valor dignida-
querendo assim marcar diferenças com os “moralistas”. de humana, que limita ações e discursos, que limita a liberdade
Como o objetivo é o de propor atividades que levem o às suas expressões e, justamente, garante a referida dignidade.
aluno a pensar sobre sua conduta e a dos outros a partir de Devem ser abordados outros trechos da Constituição que
princípios, e não de receitas prontas, batizou-se o tema de remetem a questões morais. No art. 3o, lê-se que constituem
Ética, embora frequentemente se assuma, aqui, a sinonímia objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (en-
entre as palavras ética e moral e se empregue a expressão tre outros): I) construir uma sociedade livre, justa e solidária;
clássica na área de educação de “educação moral”. Parte-se III) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desi-
do pressuposto que é preciso possuir critérios, valores, e, gualdades sociais e regionais; IV) promover o bem de todos,
mais ainda, estabelecer relações e hierarquias entre esses sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
valores para nortear as ações em sociedade. Situações dile- outras formas de discriminação. Não é difícil identi car valo-
máticas da vida colocam claramente essa necessidade. Por res morais em tais objetivos, que falam em justiça, igualdade,
exemplo, é ou não ético roubar um remédio, cujo preço solidariedade, e sua coerência com os outros fundamentos
é inacessível, para salvar alguém que, sem ele, morreria? apontados. No título II, art. 5o, mais itens esclarecem as bases
Colocado de outra forma: deve-se privilegiar o valor “vida” morais escolhidas pela sociedade brasileira: I) homens e mu-
lheres são iguais em direitos e obrigações; (...) III) ninguém será
(salvar alguém da morte) ou o valor “propriedade privada”
submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degra-
(no sentido de não roubar)?
dante; (...) VI) é inviolável a liberdade de consciência e de cren-
Seria um erro pensar que, desde sempre, os homens
ça (...); X) são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e
têm as mesmas respostas para questões desse tipo. Com a imagem das pessoas (...).
o passar do tempo, as sociedades mudam e também mu- Tais valores representam ótima base para a escolha de
dam os homens que as compõem. Na Grécia antiga, por conteúdos do tema Ética. Porém, aqui, três pontos devem ser
exemplo, a existência de escravos era perfeitamente legíti- devidamente enfatizados.
ma: as pessoas não eram consideradas iguais entre si, e o O primeiro refere-se ao que se poderia chamar de “nú-
fato de umas não terem liberdade era considerado normal. cleo” moral de uma sociedade, ou seja, valores eleitos como
Outro exemplo: até pouco tempo atrás, as mulheres eram necessários ao convívio entre os membros dessa sociedade.
consideradas seres inferiores aos homens, e, portanto, não A partir deles, nega-se qualquer perspectiva de “relativismo
merecedoras de direitos iguais (deviam obedecer a seus moral”, entendido como “cada um é livre para eleger todos os
maridos). Outro exemplo ainda: na Idade Média, a tortura valores que quer”. Por exemplo, na sociedade brasileira não
era considerada prática legítima, seja para a extorsão de é permitido agir de forma preconceituosa, presumindo a in-
con ssões, seja como castigo. Hoje, tal prática indigna a ferioridade de alguns (em razão de etnia, raça, sexo ou cor),
maioria das pessoas e é considerada imoral. sustentar e promover a desigualdade, humilhar, etc. Trata-se

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POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

de um consenso mínimo, de um conjunto central de valores, Mesmo reconhecendo tratar-se de uma questão po-
indispensável à sociedade democrática: sem esse conjunto lêmica, a resposta dada por estes Parâmetros Curriculares
central, cai-se na anomia, entendida seja como ausência de Nacionais é a rmativa: cabe à escola empenhar-se na for-
regras, seja como total relativização delas (cada um tem as mação moral de seus alunos. Por isso, apresenta-se uma
suas, e faz o que bem entender); ou seja, sem ele, destrói-se a proposta diametralmente diferente das antigas aulas de
democracia, ou, no caso do Brasil, impede-se a construção e o Moral e Cívica e explica-se o porquê.
fortalecimento do país. As pessoas não nascem boas ou ruins; é a sociedade,
O segundo ponto diz respeito justamente ao caráter de- quer queira, quer não, que educa moralmente seus mem-
mocrático da sociedade brasileira. A democracia é um regime bros, embora a família, os meios de comunicação e o con-
político e também um modo de sociabilidade que permite a vívio com outras pessoas tenham in uência marcante no
expressão das diferenças, a expressão de con itos, em uma comportamento da criança. E, naturalmente, a escola tam-
palavra, a pluralidade. Portanto, para além do que se chama bém tem. É preciso deixar claro que ela não deve ser con-
de conjunto central de valores, deve valer a liberdade, a tole- siderada onipotente, única instituição social capaz de edu-
rância, a sabedoria de conviver com o diferente, com a diver- car moralmente as novas gerações. Também não se pode
sidade (seja do ponto de vista de valores, como de costumes, pensar que a escola garanta total sucesso em seu trabalho
crenças religiosas, expressões artísticas, etc.). Tal valorização de formação. Na verdade, seu poder é limitado. Todavia,
da liberdade não está em contradição com a presença de um tal diagnóstico não justi ca uma deserção. Mesmo com
conjunto central de valores. Pelo contrário, o conjunto garante, limitações, a escola participa da formação moral de seus
justamente, a possibilidade da liberdade humana, coloca-lhe alunos. Valores e regras são transmitidos pelos professores,
fronteiras precisas para que todos possam usufruir dela, para pelos livros didáticos, pela organização institucional, pelas
que todos possam preservá-la. formas de avaliação, pelos comportamentos dos próprios
O terceiro ponto refere-se ao caráter abstrato dos valores alunos, e assim por diante. Então, ao invés de deixá-las
abordados. Ética trata de princípios e não de mandamentos. ocultas, é melhor que tais questões recebam tratamento
Supõe que o homem deva ser justo. Porém, como ser justo? explícito. Isso signi ca que essas questões devem ser ob-
Ou como agir de forma a garantir o bem de todos? Não há
jeto de re exão da escola como um todo, ao invés de cada
resposta prede nida. É preciso, portanto, ter claro que não
professor tomar isoladamente suas decisões. Daí a propos-
existem normas acabadas, regras de nitivamente consagra-
ta de que se inclua o tema Ética nas preocupações o ciais
das. A ética é um eterno pensar, re etir, construir. E a escola
da educação.
deve educar seus alunos para que possam tomar parte nessa
Acrescente-se ainda que, se os valores morais que
construção, serem livres e autônomos para pensarem e julga-
subjazem aos ideais da Constituição brasileira não forem
rem.
intimamente legitimados1 pelos indivíduos que compõem
Mas será que cabe à escola empenhar-se nessa formação?
Na história educacional brasileira, a resposta foi, em várias este país, o próprio exercício da cidadania será seriamente
épocas, positiva. Em 1826, o primeiro projeto de ensino públi- prejudicado, para não dizer, impossível. É tarefa de toda
co apresentado à Câmara dos Deputados previa que o aluno sociedade fazer com que esses valores vivam e se desen-
deveria ter “conhecimentos morais, cívicos e econômicos”. volvam. E, decorrentemente, é também tarefa da escola.
Não se tratava de conteúdos, pois não havia ainda um Para saber como educar moralmente é preciso, num
currículo nacional com elenco de matérias. Quando tal elenco primeiro momento, saber o que a Ciência Psicológica tem
foi criado (em 1909), a educação moral não apareceu como a dizer sobre os processos de legitimação, por parte do
conteúdo, mas havia essa preocupação quando se tratou das indivíduo, de valores e regras morais.
nalidades do ensino. Em 1942, a Lei Orgânica do Ensino Se-
cundário falava em “formação da personalidade integral do Legitimação dos Valores e Regras Morais
adolescente” e em acentuação e elevação da “formação espiri-
tual, consciência patriótica e consciência humanista” do aluno. Diz-se que uma pessoa possui um valor e legitima as
Em 1961, a Lei de Diretrizes e Bases do Ensino Nacional coloca- normas decorrentes quando, sem controle externo, pauta
va entre suas normas a “formação moral e cívica do aluno”. Em sua conduta por elas. Por exemplo, alguém que não rouba
1971, pela Lei n. 5.692/71, institui-se a Educação Moral e Cívica por medo de ser preso não legitima a norma “não roubar”:
como área da educação escolar no Brasil. apenas a segue por medo do castigo e, na certeza da im-
Porém, o fato de, historicamente, veri car-se a presença punidade, não a seguirá. Em compensação, diz-se que uma
da preocupação com a formação moral do aluno ainda não pessoa legitima a regra em questão ao segui-la indepen-
é argumento bastante forte. De fato, alguns poderão pensar dentemente de ser surpreendida, ou seja, se estiver inti-
que a escola, por várias razões, nunca será capaz de dar uma mamente convicta de que essa regra representa um bem
formação moral aceitável e, portanto, deve abster-se dessa moral.
empreitada. Outros poderão responder que o objetivo da es- Mas o que leva alguém a pautar suas condutas segun-
cola é o de ensinar conhecimentos acumulados pela huma- do certas regras? Como alguns valores tornam-se tradu-
nidade e não se preocupar com uma formação mais ampla ções de um ideal de Bem, gerando deveres?
de seus alunos. Outros ainda, apesar de simpáticos à ideia de Seria mentir por omissão não dizer que falta consen-
uma educação moral, poderão permanecer descon ados ao so entre os especialistas a respeito de como um indivíduo
lembrar a malfadada tentativa de se implantar aulas de Moral chega a legitimar determinadas regras e conduzir-se coe-
e Cívica no currículo. rentemente com elas.

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POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Para uns, trata-se de simples costume: o hábito de cer- Outros, pelo contrário, pensam que a felicidade deve
tas condutas validam-nas. Para outros, a equação deveria acontecer durante a vida terrena, e consequentemente não
ser invertida: determinadas condutas são consideradas aceitam a ideia de que devam privar-se. E assim por dian-
boas, portanto, devem ser praticadas; neste caso, o juízo te. Veri ca-se, portanto, que as formas de desejabilidade,
seria o carro-chefe da legitimação das regras. Para outros derivadas de seus conteúdos, são variadas. No entanto, há
ainda, processos inconscientes (portanto, ignorados do um desejo que parece valer para todos e estar presente nos
próprio sujeito, e, em geral, constituídos durante a infân- diversos projetos de felicidade: o autorrespeito.
cia) seriam os determinantes da conduta moral. E há outras A ideia básica é bastante simples. Cada pessoa tem
teorias mais. consciência da própria existência, tem consciência de si. Tal
Serão apresentadas a seguir algumas considerações consciência traduz-se, entre outras coisas, por uma ima-
norteadoras para o entendimento dos processos psicológi- gem de si, ou melhor, imagens de si — no plural, uma vez
cos presentes na legitimação de regras morais: a afetivida- que cada um tem várias facetas e não se resume a uma só
dimensão. Ora, as imagens que cada um tem de si estão
de e a racionalidade.
intimamente associadas a valores. Raramente são meras
constatações neutras do que se é ou não se é. Na grande
Afetividade
maioria das vezes, as imagens são vistas como positivas ou
negativas. Vale dizer que é inevitável cada um pensar em si
Toda regra moral legitimada aparece sob a forma de mesmo como um valor. E, evidentemente, cada um procura
uma obrigação, de um imperativo: deve-se fazer tal coi- ter imagens boas de si, ou seja, ver-se como valor positivo.
sa, não se deve fazer tal outra. Como essa obrigatoriedade Em uma palavra, cada um procura se respeitar como pessoa
pode se instalar na consciência? Ora, é preciso que os con- que merece apreciação.
teúdos desses imperativos toquem, em alguma medida, a É por essa razão que o autorrespeito, por ser um bem
sensibilidade da pessoa; vale dizer, que apareçam como essencial, está presente nos projetos de bem-estar psico-
desejáveis. Portanto, para que um indivíduo se incline a le- lógico, nos projetos de felicidade, como parte integrante.
gitimar um determinado conjunto de regras, é necessário Ninguém se sente feliz se não merecer mínima admiração,
que o veja como traduzindo algo de bom para si, como mínimo respeito aos próprios olhos.
dizendo respeito a seu bem-estar psicológico, ao que se O êxito na busca e construção do autorrespeito é fe-
poderia chamar de seu “projeto de felicidade”. Se vir nas nômeno complexo. Quatro aspectos complementares são
regras aspectos contraditórios ou estranhos ao seu bem essenciais.
-estar psicológico pessoal e ao seu projeto de felicidade, O primeiro diz respeito ao êxito dos projetos de vida
esse indivíduo simplesmente não legitimará os valores que cada pessoa determina para si. Os projetos variam mui-
subjacentes a elas e, por conseguinte, não legitimará as to de pessoa para pessoa, vão dos mais modestos empreen-
próprias regras. Poderá, às vezes, comportar-se como se dimentos até os mais ousados. Mas, seja qual for o projeto
as legitimasse, mas será apenas por medo do castigo. Na escolhido, o mínimo êxito na sua execução é essencial ao
certeza de não ser castigado, seja porque ninguém toma- autorrespeito. Raramente se está “de bem consigo mesmo”
rá conhecimento de sua conduta, seja porque não haverá quando há fracassos repetidos. A vergonha decorrente, as-
algum poder que possa puni-lo, se comportará segundo sim como a frustração, podem levar à depressão ou à cólera.
seus próprios desejos. Em resumo, as regras morais devem O segundo aspecto refere-se à esfera moral. Cada um
apontar para uma possibilidade de realização de uma “vida tem inclinação a legitimar os valores e normas morais que
boa”; do contrário, serão ignoradas. permitam, justamente, o êxito dos projetos de vida e o de-
Porém, ca uma pergunta: sendo que os projetos de corrente autorrespeito.
E, naturalmente, tenderá a não legitimar aqueles que
felicidade são variados, que dependem inclusive dos dife-
representarem um obstáculo; aqueles que forem contradi-
rentes traços de personalidade, e sendo também que as re-
tórios com a busca e manutenção do autorrespeito. Assim,
gras morais devem valer para todos (se cada um tiver a sua,
é sensato pensar que as regras que organizem a convivên-
a própria moral desaparece), como despertar o sentimento
cia social de forma justa, respeitosa e solidária têm grandes
de desejabilidade para determinadas regras e valores, de chances de serem seguidas. De fato, a justiça permite que
forma que não se traduza em mero individualismo? as oportunidades sejam iguais para todos, sem privilégios
De fato, as condições de bem-estar e os projetos de que, de partida ou no meio do caminho, favoreçam alguns
felicidade são variados. Para alguns, por exemplo, o ver- em detrimento de outros. Se as regras forem vistas como
dadeiro bem-estar nunca será usufruído na terra, mas sim injustas, di cilmente serão legitimadas.
alhures, após a morte. Tais pessoas legitimam determinadas O terceiro aspecto refere-se ao papel do juízo alheio na
regras de conduta, inspiradas por certas religiões, como as imagem que cada um tem de si.
de origem cristã, porque, justamente, correspondem a um Pode-se a rmar o seguinte: a imagem e o respeito que
projeto de felicidade: car ao lado de Deus para a eterni- uma pessoa tem de si mesma estão, naturalmente, referen-
dade. Aqui na terra, podem até aceitar viver distantes dos ciados em parte nos juízos que os outros fazem dela. Al-
prazeres materiais, pois seu bem-estar psicológico está em gumas podem ser extremamente dependentes dos juízos
se preparar para uma “vida” melhor, após a morte física do alheios para julgar a si próprias; outras menos. Porém, nin-
corpo. guém é totalmente indiferente a esses juízos.

6
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

São de extrema importância, pois alguém que nunca Na busca de maior clareza desta exposição, podem ser
ouça a crítica alheia — positiva ou negativa — corre o risco estabelecidas desde já duas decorrências centrais para a
de enganar-se sobre si mesmo. Então, a crítica é necessária. educação moral. São elas:
Todavia, há uma dimensão moral nesses juízos: é o reco- • A escola deve ser um lugar onde cada aluno encontre
nhecimento do valor de qualquer pessoa humana, que não a possibilidade de se instrumentalizar para a realização de
pode ser humilhada, violentada, espoliada, etc. Portanto, o seus projetos; por isso, a qualidade do ensino é condição
respeito próprio depende também do fato de ser respeita- necessária à formação moral de seus alunos. Se não pro-
do pelos outros. A humilhação — forma não rara de relação move um ensino de boa qualidade, a escola condena seus
humana — frequentemente leva a vítima a não legitimar alunos a sérias di culdades futuras na vida e, decorrente-
qualquer outra pessoa como juiz e a agir sem consideração mente, a que vejam seus projetos de vida frustrados.
pelas pessoas em geral. As crianças conhecem esse meca- • Ao lado do trabalho de ensino, o convívio dentro da
nismo psicológico. escola deve ser organizado de maneira que os conceitos
Uma delas, perguntada a respeito dos efeitos da humi- de justiça, respeito e solidariedade sejam vivi cados e com-
lhação, a rmou que um aluno assim castigado teria mais preendidos pelos alunos como aliados à perspectiva de
chances de reincidir no erro, pois pensaria: “Já estou dana- uma “vida boa”.
do mesmo, posso fazer o que eu quiser”. Em resumo, serão Dessa forma, não somente os alunos perceberão que
legitimadas as regras morais que garantirem que cada um esses valores e as regras decorrentes são coerentes com
desenvolva o respeito próprio, e este está vinculado a ser seus projetos de felicidade como serão integrados às suas
respeitado pelos outros. personalidades: se respeitarão pelo fato de respeitá-los.
O quarto e último aspecto refere-se à realização dos
projetos de vida de forma puramente egoísta. A valorização Racionalidade
do sucesso pro ssional, coroado com gordos benefícios -
nanceiros, o status social elevado, a beleza física, a atenção Se é verdade que não há legitimação das regras morais
da mídia, etc., são valores puramente individuais (em geral sem um investimento afetivo, é também verdade que tal
relacionados à glória), que, para uma minoria, podem ser
legitimação não existe sem a racionalidade, sem o juízo e a
concretizados pela obtenção de privilégios (por exemplo,
re exão sobre valores e regras. E isso por três razões, pelo
conhecer as pessoas certas que fornecem emprego ou aces-
menos.
so a instituições importantes), pela manipulação de outras
A primeira: a moral pressupõe a responsabilidade, e
pessoas (por exemplo, mentir e trapacear para passar na
esta pressupõe a liberdade e o juízo.
frente dos outros), e pela completa indiferença pelos outros
Somente há responsabilidade por atos se houver a
membros da sociedade. Diz-se que se trata de uma mino-
liberdade de realizá-los ou não. Cabem, portanto, o pen-
ria, pois é mero sonho pensar que todos podem ter carro
samento, a re exão, o julgamento para, então, a ação. Em
importado, sua imagem na televisão, acesso aos corredores
do poder político, etc. Mas o fato é que a valorização desse resumo, agir segundo critérios e regras morais implica fazer
tipo de sucesso é traço marcante da sociedade atual (não só uma escolha. E como escolher implica, por sua vez, adotar
no Brasil, mas no Ocidente todo) e tende a fazer com que as critérios, a racionalidade é condição necessária à vida moral.
pessoas o procurem mesmo que o preço a ser pago seja o A segunda: a racionalidade e o juízo também compa-
de passar por cima dos outros, das formas mais desonestas recem no processo de legitimação das regras, pois di cil-
e até mesmo violentas. Resultado prático: a pessoa perderá mente tais valores ou regras serão legítimos se parecerem
o respeito próprio se não for bem-sucedida nos seus planos contraditórios entre si ou ilógicos, se não sensibilizarem a
pessoais, mas não se, por exemplo, mentir, roubar, despre- inteligência. É por essa razão que a moral pode ser dis-
zar o vizinho, etc. cutida, debatida, que argumentos podem ser empregados
Ora, para que as regras morais sejam efetivamente legi- para justi car ou descartar certos valores. E, muitas vezes, é
timadas, é preciso que sejam partes integrantes do respeito por falta dessa apreensão racional dos valores que alguns
próprio, ou seja, que o autorrespeito dependa, além dos di- agem de forma impensada.
versos êxitos na realização dos projetos de vida, do respeito Se tivessem re etido um pouco, teriam mudado de
pelos valores e regras morais. Assim, a pessoa que integrar ideia e agido diferentemente. Após melhor juízo, arrepen-
o respeito pelas regras morais à sua identidade pessoal, à dem-se do que zeram. É preciso também sublinhar o fato
imagem positiva de si, com grande probabilidade agirá con- de que pensar sobre a moralidade não é tarefa simples: são
forme tais regras. necessárias muita abstração, muita generalização e muita
Em resumo, a dimensão afetiva da legitimação dos va- dedução.
lores e regras morais passa, de um lado, por identi cá-los Tomando-se o exemplo da mentira, veri ca-se que
como coerentes com a realização de diversos projetos de poucas pessoas pensaram de fato sobre o que é a mentira.
vida e, de outro, pela absorção desses valores e regras como A maioria limita-se a dizer que ela corresponde a não di-
valor pessoal que se procura resguardar para permanecer zer, intencionalmente, a verdade. Na realidade, mentir, no
respeitando a si próprio. sentido ético, signi ca não dar uma informação a alguém
Assim, o autorrespeito articula, no âmago de cada um, que tenha o direito de obtê-la. Com essa de nição, po-
a busca da realização do projetos de vida pessoais e o res- de-se concluir que mentir por omissão não signi ca trair a
peito pelas regras coerentes com tal realização. verdade, mas não revelá-la a quem tem direito de sabê-la.

7
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Portanto, pensar, apropriar-se dos valores morais com o dizer da criança que ela “é o que faz”, ou seja, a imagem que
máximo de racionalidade é condição necessária, tanto à legi- ela tem de si mesma está intimamente relacionada com suas
timação das regras e ao emprego justo e ponderado delas, ações. Sua autocon ança depende do êxito de suas ações.
como à construção de novas regras. A partir dos onze ou doze anos, o respeito próprio torna-se
Finalmente, há uma terceira razão para se valorizar a pre- mais abstrato: começa a basear-se nos traços de sua perso-
sença da racionalidade na esfera moral: ter a capacidade de nalidade, traços que não necessariamente se traduzem em
dialogar, essencial à convivência democrática. De fato, viver ações concretas. Projetos de vida começam a ser vislumbra-
em democracia signi ca explicitar e, se possível, resolver con- dos, e, por volta dos quinze anos (correspondente ao m do
itos por meio da palavra, da comunicação, do diálogo. Signi- ensino fundamental), poderão já estar claramente equaciona-
ca trocar argumentos, negociar. Ora, para que o diálogo seja dos. Portanto, o respeito próprio começa a ser baseado não
profícuo, para que possa gerar resultados, a racionalidade é apenas em sucessos momentâneos, mas sim em perspectivas
condição necessária. Os interlocutores precisam expressar-se referentes ao que é ser um homem ou uma mulher de valor.
com clareza — o que pressupõe a clareza de suas próprias Os juízos e condutas morais também se desenvolvem
convicções — e serem capazes de entender os diferentes com a idade, já que estão assentados na afetividade e na ra-
pontos de vista. Essas capacidades são essencialmente racio- cionalidade.
nais, dependem do pleno exercício da inteligência. A primeira etapa do desenvolvimento moral da criança é
Aqui também são estabelecidas duas consequências cen- chamada de heteronomia. Começa por volta dos três ou qua-
trais para a educação: tro anos e vai até oito anos em média. Nessa fase, a criança
• A escola deve ser um lugar onde os valores morais são legitima as regras porque provêm de pessoas com prestígio e
pensados, re etidos, e não meramente impostos ou frutos do força: os pais (ou quem desempenha esse papel).
hábito. Por um lado, se os pais são vistos como protetores e bons,
• A escola deve ser o lugar onde os alunos desenvolvam a criança, por medo de perder seu amor, respeita seus man-
a arte do diálogo. damentos; se, por outro, são vistos como poderosos, seres
imensamente mais fortes e sábios que ela, seus ditames são
Desenvolvimento Moral e Socialização
aceitos incondicionalmente. Vale dizer que a criança não pro-
cura o valor intrínseco das regras: basta-lhe saber que quem
Tanto a afetividade como a racionalidade desenvolvem-
as dita é uma pessoa “poderosa”.
se a partir das interações sociais, desde a infância e durante a
É neste sentido que se fala de moral heterônoma: a va-
vida toda. Como representam a base da moral, esta também
lidade das regras é exterior a elas, está associada à fonte de
se desenvolve.
onde provêm. Quatro características complementares da mo-
Quanto ao respeito próprio, sua necessidade está presen-
ral da criança são decorrência dessa heteronomia. A primeira
te em crianças ainda bem pequenas. Uma criança que passa
é julgar um ato não pela intencionalidade que o presidiu, mas
por violências, por constantes humilhações, estará inclinada
a se desvalorizar, a ter muito pouca con ança em si mesma; pelas suas consequências. Por exemplo, a criança julgará mais
vale dizer que sua afetividade será provavelmente muito culpado alguém que tenha quebrado dez copos sem querer
marcada por essas experiências negativas. Vários autores já do que outra pessoa que quebrou um só num ato proposi-
apontaram as desastrosas consequências dos sentimentos de tal. O tamanho do dano material, no caso, é, para ela, critério
humilhação e vergonha para o equilíbrio psicológico. Isso não superior às razões de por que os copos foram quebrados. A
signi ca que sempre se devam fazer avaliações positivas das segunda característica é a de a criança interpretar as regras ao
condutas das crianças. Pelo contrário. Se a criança perceber pé da letra, e não no seu espírito. Assim, se uma regra a rma
que, seja qual for sua realização, ela recebe elogios, chegará que não se deve mentir, sempre condenará qualquer traição
facilmente à conclusão que tais elogios são falsos, sem valor. à verdade, sem levar em conta que, no espírito dessa regra, é
E pior ainda: acabará justamente por atribuir pouco valor a si o respeito pelo bem-estar da outra pessoa que está em jogo,
mesma por pensar que os elogios representam uma forma e não o ato verbal em si. A terceira característica refere-se às
de consolá-la por seus fracassos reais. Portanto, não se trata condutas morais: embora a criança, quando ouvida a respeito,
em absoluto de, a todo o momento, dar sinais de admiração defenda o valor absoluto das regras morais, frequentemente
à criança, ou de induzi-la a pensar que é perfeita. A crítica de comporta-se de forma diferente e até contraditória a elas. Esse
suas ações é necessária. fato provém do não-entendimento da verdadeira razão de ser
Trata-se, isto sim, de dar-lhe todas as possibilidades de ter das regras; às vezes, sem saber, age de forma estranha a elas,
êxito no que empreender, e demonstrar interesse por esses mas pensando que as está seguindo. A quarta e última carac-
empreendimentos, ajudando-a a realizá-los. terística é o fato de a criança não conceber a si própria como
Embora o respeito próprio represente uma necessida- pessoa legítima para criar e propor novas regras (caberia a ela
de psicológica constante, ele se traduz de formas diferen- apenas conhecer e obedecer a aquelas que já existem). Em
tes nas diversas idades. Em linhas gerais, pode-se dizer que, uma palavra, todas as características desta primeira fase do
entre oito e onze ou doze anos de idade, ele se traduz por desenvolvimento moral decorrem da não-apropriação racio-
pequenas realizações concretas. Não existe ainda um projeto nal dos valores e das regras. A criança as aceita porque pro-
de vida (ser ou fazer tal coisa quando crescer) que justi caria vêm dos pais “todo-poderosos”, e não procura descobrir-lhes
um paciente trabalho de preparação. Os objetivos são mais a razão de ser. Ora, será justamente o que procurará fazer na
imediatos, seu êxito deve ser rapidamente veri cado. Pode-se próxima fase de seu desenvolvimento moral, a da autonomia.

8
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Nesta etapa — a partir de oito anos em média — a respeitado no que tem de peculiar em relação aos outros.
criança inicia um processo no qual pode cada vez mais jul- Se o objetivo é formar alguém que procure resolver con itos
gar os atos levando em conta essencialmente a intenciona- pelo diálogo, deve-se proporcionar um ambiente social em
lidade que os motivou, começar a compreender as regras que tal possibilidade exista, onde possa, de fato, praticá-lo.
pelo seu espírito (não mais ao pé da letra) e legitimá-las não Se o objetivo é formar um indivíduo que se solidarize com
mais porque provêm de seres prestigiados e poderosos, mas os outros, deverá poder experienciar o convívio organizado
porque se convence racionalmente de sua validade. O res- em função desse valor. Se o objetivo é formar um indivíduo
peito que antes era unilateral — no sentido de respeitar as democrático, é necessário proporcionar-lhe oportunidades
“autoridades”, mas sem exigir a recíproca — torna-se mútuo: de praticar a democracia, de falar o que pensa e de subme-
respeitar e ser respeitado. O medo da punição e da perda do ter suas ideias e propostas ao juízo de outros. Se o objetivo é
amor, que inspirava as condutas na fase heterônoma, é subs- que o respeito próprio seja conquistado pelo aluno, deve-se
tituído pelo medo de perder a estima dos outros, perder o acolhê-lo num ambiente em que se sinta valorizado e res-
respeito dos outros, e perder o respeito próprio, moralmente
peitado. Em relação ao desenvolvimento da racionalidade,
falando. Finalmente, a criança se concebe como tendo legi-
deve-se acolhê-lo num ambiente em que tal faculdade seja
timidade para construir novas regras, e colocá-las à aprecia-
estimulada. A escola pode ser esse lugar. Deve sê-lo.
ção de seus pares.
A conquista da autonomia não é imediata. Durante um
tempo, o raio de ação dessa autonomia ainda está limitado Fonte: BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Ética. 1997
ao grupo de amigos e pessoas mais próximas; mais tarde a
criança passa a perceber-se como membro de uma socieda-
de mais ampla, com suas leis e instituições. É então, nessa 3. AS POLÍTICAS PARA O
época, que poderá re etir sobre os princípios que organi- CURRÍCULO NACIONAL.
zam um sistema moral humano (portanto, mais amplo que
sua comunidade, como o grupo de amigos e conhecidos).
No entanto, é preciso que que claro que um sujeito, ao al-
cançar a possibilidade de exercer a autonomia moral, não Sistema Nacional de Educação
necessariamente torna-se autônomo em todas as situações
da vida. Os contextos sociais e afetivos em que está inserido O Sistema Nacional de Educação é tema que vem sus-
podem contribuir ou mesmo impedir a autonomia moral. citando o aprofundamento da compreensão sobre sistema,
Assim, é importante re etir sobre o que faz uma criança no contexto da história da educação, nesta Nação tão di-
passar de um estado de heteronomia moral, característico versa geográ ca, econômica, social e culturalmente. O que
da infância, para um estado de autonomia moral. a proposta de organização do Sistema Nacional de Educa-
Durante muito tempo, pensou-se que educação moral ção enfrenta é, fundamentalmente, o desa o de superar
deveria ocorrer pela associação entre discursos normatiza- a fragmentação das políticas públicas e a desarticulação
dores, modelos edi cantes a serem copiados, repressão, in- institucional dos sistemas de ensino entre si, diante do im-
terdição e castigo. pacto na estrutura do nanciamento, comprometendo a
Hoje, sabe-se que o desenvolvimento depende essen- conquista da qualidade social das aprendizagens, median-
cialmente de experiências de vida que o favoreçam e esti- te conquista de uma articulação orgânica.
mulem. No que se refere à moralidade, o mesmo fenôme- Os debates sobre o Sistema Nacional de Educação, em
no acontece. Por exemplo, na racionalidade: uma criança a vários momentos, abordaram o tema das diretrizes para
quem nunca se dá a possibilidade de pensar, de argumentar, a Educação Básica. Ambas as questões foram objeto de
de discutir, acaba frequentemente por ter seu desenvolvi-
análise em interface, durante as diferentes etapas prepa-
mento intelectual embotado, nunca ousando pensar por si
ratórias da Conferência Nacional de Educação (CONAE) de
mesma, sempre refém das “autoridades” que tudo sabem
2009, uma vez que são temas que se vinculam a um ob-
por ela. Em relação ao autorrespeito: uma criança a quem
jetivo comum: articular e fortalecer o sistema nacional de
nunca se dê a possibilidade de se a rmar, de ter êxito nos
seus menores empreendimentos, uma criança sempre humi- educação em regime de colaboração.
lhada, di cilmente desenvolverá alguma forma de respeito Para Saviani, o sistema é a unidade de vários elementos
próprio. Ora, sendo que o desenvolvimento moral depende intencionalmente reunidos de modo a formar um conjunto
da afetividade, notadamente do respeito próprio, e da ra- coerente e operante (2009, p. 38). Caracterizam, portanto,
cionalidade, e sendo que a qualidade das relações sociais a noção de sistema: a intencionalidade humana; a unidade
tem forte in uência sobre estas, a socialização também tem e variedade dos múltiplos elementos que se articulam; a
íntima relação com o desenvolvimento moral. coerência interna articulada com a externa.
Sendo que as relações sociais efetivamente vividas, Alinhado com essa conceituação, este Parecer adota o
experienciadas, têm in uência decisiva no processo de le- entendimento de que sistema resulta da atividade inten-
gitimação das regras, se o objetivo é formar um indivíduo cional e organicamente concebida, que se justi ca pela
respeitoso das diferenças entre pessoas, não bastam belos realização de atividades voltadas para as mesmas nalida-
discursos sobre esse valor: é necessário que ele possa ex- des ou para a concretização dos mesmos objetivos.
perienciar, no seu cotidiano, esse respeito, ser ele mesmo

9
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Nessa perspectiva, e no contexto da estrutura federativa Nesse sentido, a fonte em que residem os conheci-
brasileira, em que convivem sistemas educacionais autôno- mentos escolares são as práticas socialmente construídas.
mos, faz-se necessária a institucionalização de um regime Segundo os autores, essas práticas se constituem em “âm-
de colaboração que dê efetividade ao projeto de educa- bitos de referência dos currículos” que correspondem:
ção nacional. União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a) às instituições produtoras do conhecimento cientí -
cada qual com suas peculiares competências, são chama- co (universidades e centros de pesquisa);
dos a colaborar para transformar a Educação Básica em b) ao mundo do trabalho;
um conjunto orgânico, sequencial, articulado, assim como c) aos desenvolvimentos tecnológicos;
planejado sistemicamente, que responda às exigências dos d) às atividades desportivas e corporais;
estudantes, de suas aprendizagens nas diversas fases do e) à produção artística;
desenvolvimento físico, intelectual, emocional e social. f) ao campo da saúde;
Atende-se à dimensão orgânica quando são observa- g) às formas diversas de exercício da cidadania;
das as especi cidades e as diferenças de cada uma das três h) aos movimentos sociais.
etapas de escolarização da Educação Básica e das fases que Daí entenderem que toda política curricular é uma
as compõem, sem perda do que lhes é comum: as seme- política cultural, pois o currículo é fruto de uma seleção e
lhanças, as identidades inerentes à condição humana em produção de saberes: campo con ituoso de produção de
suas determinações históricas e não apenas do ponto de cultura, de embate entre pessoas concretas, concepções
vista da qualidade da sua estrutura e organização. Cada eta- de conhecimento e aprendizagem, formas de imaginar e
pa do processo de escolarização constitui-se em unidade, perceber o mundo. Assim, as políticas curriculares não se
que se articula organicamente com as demais de maneira resumem apenas a propostas e práticas enquanto docu-
complexa e intrincada, permanecendo todas elas, em suas mentos escritos, mas incluem os processos de planejamen-
diferentes modalidades, individualizadas, ao logo do per- to, vivenciados e reconstruídos em múltiplos espaços e por
curso do escolar, apesar das mudanças por que passam por múltiplas singularidades no corpo social da educação. Para
força da singularidade de cada uma, bem assim a dos sujei- Lopes (2004, p. 112), mesmo sendo produções para além
das instâncias governamentais, não signi ca desconsiderar
tos que lhes dão vida.
o poder privilegiado que a esfera governamental possui na
Atende-se à dimensão sequencial quando os processos
produção de sentidos nas políticas, pois as práticas e pro-
educativos acompanham as exigências de aprendizagem
postas desenvolvidas nas escolas também são produtoras
de nidas em cada etapa da trajetória escolar da Educação
de sentidos para as políticas curriculares.
Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Médio), até
Os efeitos das políticas curriculares, no contexto da
a Educação Superior. São processos educativos que, embo-
prática, são condicionados por questões institucionais e
ra se constituam em diferentes e insubstituíveis momentos disciplinares que, por sua vez, têm diferentes histórias, con-
da vida dos estudantes, inscritos em tempos e espaços edu- cepções pedagógicas e formas de organização, expressas
cativos próprios a cada etapa do desenvolvimento humano, em diferentes publicações. As políticas estão sempre em
inscrevem-se em trajetória que deve ser contínua e progres- processo de vir-a-ser, sendo múltiplas as leituras possíveis
siva. de serem realizadas por múltiplos leitores, em um constan-
te processo de interpretação das interpretações.
Organização curricular: conceito, limites, possibili- As fronteiras são demarcadas quando se admite tão
dades somente a ideia de currículo formal. Mas as re exões teó-
ricas sobre currículo têm como referência os princípios
No texto “Currículo, conhecimento e cultura”, Moreira educacionais garantidos à educação formal. Estes estão
e Candau (2006) apresentam diversas de nições atribuídas orientados pela liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e
a currículo, a partir da concepção de cultura como práti- divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o conhecimento
ca social, ou seja, como algo que, em vez de apresentar cientí co, além do pluralismo de ideias e de concepções
signi cados intrínsecos, como ocorre, por exemplo, com pedagógicas, assim como a valorização da experiência ex-
as manifestações artísticas, a cultura expressa signi cados traescolar, e a vinculação entre a educação escolar, o traba-
atribuídos a partir da linguagem. Em poucas palavras, essa lho e as práticas sociais.
concepção é de nida como “experiências escolares que se Assim, e tendo como base o teor do artigo 27 da LDB,
desdobram em torno do conhecimento, permeadas pelas pode-se entender que o processo didático em que se reali-
relações sociais, buscando articular vivências e saberes dos zam as aprendizagens fundamenta-se na diretriz que assim
alunos com os conhecimentos historicamente acumulados delimita o conhecimento para o conjunto de atividades:
e contribuindo para construir as identidades dos estudan- Os conteúdos curriculares da Educação Básica obser-
tes” (idem, p. 22). Uma vez delimitada a ideia sobre cultura, varão, ainda, as seguintes diretrizes:
os autores de nem currículo como: conjunto de práticas I – a difusão de valores fundamentais ao interesse so-
que proporcionam a produção, a circulação e o consumo cial, aos direitos e deveres dos cidadãos, de respeito ao
de signi cados no espaço social e que contribuem, intensa- bem comum e à ordem democrática;
mente, para a construção de identidades sociais e culturais. II – consideração das condições de escolaridade dos
O currículo é, por consequência, um dispositivo de grande estudantes em cada estabelecimento;
efeito no processo de construção da identidade do (a) es- III – orientação para o trabalho;
tudante (p. 27). Currículo refere-se, portanto, a criação, re- IV – promoção do desporto educacional e apoio às
criação, contestação e transgressão (Moreira e Silva, 1994). práticas desportivas não-formais.

10
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Desse modo, os valores sociais, bem como os direitos Por outro lado, enquanto a escola se prende às carac-
e deveres dos cidadãos, relacionam-se com o bem comum terísticas de metodologias tradicionais, com relação ao en-
e com a ordem democrática. Estes são conceitos que re- sino e à aprendizagem como ações concebidas separada-
querem a atenção da comunidade escolar para efeito de mente, as características de seus estudantes requerem ou-
organização curricular, cuja discussão tem como alvo e tros processos e procedimentos, em que aprender, ensinar,
motivação a temática da construção de identidades sociais pesquisar, investigar, avaliar ocorrem de modo indissociá-
e culturais. A problematização sobre essa temática contri- vel. Os estudantes, entre outras características, aprendem a
bui para que se possa compreender, coletivamente, que receber informação com rapidez, gostam do processo pa-
educação cidadã consiste na interação entre os sujeitos, ralelo, de realizar várias tarefas ao mesmo tempo, preferem
preparando-os por meio das atividades desenvolvidas na fazer seus grá cos antes de ler o texto, enquanto os docen-
escola, individualmente e em equipe, para se tornarem ap- tes creem que acompanham a era digital apenas porque
tos a contribuir para a construção de uma sociedade mais digitam e imprimem textos, têm e-mail, não percebendo
solidária, em que se exerça a liberdade, a autonomia e a que os estudantes nasceram na era digital.
responsabilidade. As tecnologias da informação e comunicação consti-
Nessa perspectiva, cabe à instituição escolar com- tuem uma parte de um contínuo desenvolvimento de tec-
preender como o conhecimento é produzido e socialmente nologias, a começar pelo giz e os livros, todos podendo
valorizado e como deve ela responder a isso. É nesse sen- apoiar e enriquecer as aprendizagens. Como qualquer fer-
tido que as instâncias gestoras devem se fortalecer instau- ramenta, devem ser usadas e adaptadas para servir a ns
rando um processo participativo organizado formalmente, educacionais e como tecnologia assistiva; desenvolvidas de
por meio de colegiados, da organização estudantil e dos forma a possibilitar que a interatividade virtual se desen-
movimentos sociais. volva de modo mais intenso, inclusive na produção de lin-
A escola de Educação Básica é espaço coletivo de con- guagens. Assim, a infraestrutura tecnológica, como apoio
vívio, onde são privilegiadas trocas, acolhimento e acon- pedagógico às atividades escolares, deve também garantir
chego para garantir o bem-estar de crianças, adolescentes, acesso dos estudantes à biblioteca, ao rádio, à televisão, à
jovens e adultos, no relacionamento entre si e com as de- internet aberta às possibilidades da convergência digital.
mais pessoas. É uma instância em que se aprende a valo- Essa distância necessita ser superada, mediante apro-
rizar a riqueza das raízes culturais próprias das diferentes ximação dos recursos tecnológicos de informação e comu-
regiões do País que, juntas, formam a Nação. Nela se res- nicação, estimulando a criação de novos métodos didáti-
signi ca e recria a cultura herdada, reconstruindo as iden- co-pedagógicos, para que tais recursos e métodos sejam
tidades culturais, em que se aprende a valorizar as raízes inseridos no cotidiano escolar. Isto porque o conhecimento
próprias das diferentes regiões do País. cientí co, nos tempos atuais, exige da escola o exercício da
Essa concepção de escola exige a superação do rito es- compreensão, valorização da ciência e da tecnologia desde
colar, desde a construção do currículo até os critérios que a infância e ao longo de toda a vida, em busca da am-
orientam a organização do trabalho escolar em sua mul- pliação do domínio do conhecimento cientí co: uma das
tidimensionalidade, privilegia trocas, acolhimento e acon- condições para o exercício da cidadania. O conhecimento
chego, para garantir o bem-estar de crianças, adolescentes, cientí co e as novas tecnologias constituem-se, cada vez
jovens e adultos, no relacionamento interpessoal entre to- mais, condição para que a pessoa saiba se posicionar frente
das as pessoas. a processos e inovações que a afetam. Não se pode, pois,
Cabe, pois, à escola, diante dessa sua natureza, assumir ignorar que se vive: o avanço do uso da energia nuclear;
diferentes papéis, no exercício da sua missão essencial, que da nanotecnologia; a conquista da produção de alimentos
é a de construir uma cultura de direitos humanos para pre- geneticamente modi cados; a clonagem biológica. Nesse
parar cidadãos plenos. A educação destina-se a múltiplos contexto, tanto o docente quanto o estudante e o gestor
sujeitos e tem como objetivo a troca de saberes, a sociali- requerem uma escola em que a cultura, a arte, a ciência e a
zação e o confronto do conhecimento, segundo diferentes tecnologia estejam presentes no cotidiano escolar, desde o
abordagens, exercidas por pessoas de diferentes condições início da Educação Básica.
físicas, sensoriais, intelectuais e emocionais, classes sociais, Tendo em vista a amplitude do papel socioeducativo
crenças, etnias, gêneros, origens, contextos socioculturais, atribuído ao conjunto orgânico da Educação Básica, cabe
e da cidade, do campo e de aldeias. Por isso, é preciso fa- aos sistemas educacionais, em geral, de nir o programa
zer da escola a instituição acolhedora, inclusiva, pois essa é de escolas de tempo parcial diurno (matutino e/ou ves-
uma opção “transgressora”, porque rompe com a ilusão da pertino), tempo parcial noturno e tempo integral (turno
homogeneidade e provoca, quase sempre, uma espécie de e contraturno ou turno único com jornada escolar de 7
crise de identidade institucional. horas, no mínimo , durante todo o período letivo), o que
A escola é, ainda, espaço em que se abrigam desen- requer outra e diversa organização e gestão do trabalho
contros de expectativas, mas também acordos solidários, pedagógico, contemplando as diferentes redes de ensino,
norteados por princípios e valores educativos pactuados a partir do pressuposto de que compete a todas elas o de-
por meio do projeto político- pedagógico concebido se- senvolvimento integral de suas demandas, numa tentativa
gundo as demandas sociais e aprovado pela comunidade de superação das desigualdades de natureza sociocultural,
educativa. socioeconômica e outras.

11
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Há alguns anos, se tem constatado a necessidade de a Na Educação Básica, a organização do tempo curricular
criança, o adolescente e o jovem, particularmente aqueles deve ser construída em função das peculiaridades de seu
das classes sociais trabalhadoras, permanecerem mais tem- meio e das características próprias dos seus estudantes, não
po na escola. se restringindo às aulas das várias disciplinas. O percurso
Tem-se defendido que o estudante poderia bene ciar- formativo deve, nesse sentido, ser aberto e contextualizado,
se da ampliação da jornada escolar, no espaço único da es- incluindo não só os componentes curriculares centrais obri-
cola ou diferentes espaços educativos, nos quais a perma- gatórios, previstos na legislação e nas normas educacionais,
nência do estudante se liga tanto à quantidade e qualidade mas, também, conforme cada projeto escolar estabelecer,
do tempo diário de escolarização, quanto à diversidade de outros componentes exíveis e variáveis que possibilitem
atividades de aprendizagens. percursos formativos que atendam aos inúmeros interesses,
Assim, a qualidade da permanência em tempo integral necessidades e características dos educandos.
do estudante nesses espaços implica a necessidade da in- Quanto à concepção e à organização do espaço cur-
corporação efetiva e orgânica no currículo de atividades e
ricular e físico, se imbricam e se alargam, por incluir no
estudos pedagogicamente planejados e acompanhados ao
desenvolvimento curricular ambientes físicos, didático-pe-
longo de toda a jornada.
dagógicos e equipamentos que não se reduzem às salas
No projeto nacional de educação, tanto a escola de
de aula, incluindo outros espaços da escola e de outras
tempo integral quanto a de tempo parcial, diante da sua
responsabilidade educativa, social e legal, assumem a instituições escolares, bem como os socioculturais e espor-
aprendizagem compreendendo- a como ação coletiva co- tivo-recreativos do entorno, da cidade e mesmo da região.
nectada com a vida, com as necessidades, possibilidades e Essa ampliação e diversi cação dos tempos e espaços
interesses das crianças, dos jovens e dos adultos. O direito curriculares pressupõe pro ssionais da educação dispostos
de aprender é, portanto, intrínseco ao direito à dignidade a reinventar e construir essa escola, numa responsabilidade
humana, à liberdade, à inserção social, ao acesso aos bens compartilhada com as demais autoridades encarregadas
sociais, artísticos e culturais, signi cando direito à saúde em da gestão dos órgãos do poder público, na busca de par-
todas as suas implicações, ao lazer, ao esporte, ao respeito, cerias possíveis e necessárias, até porque educar é respon-
à integração familiar e comunitária. sabilidade da família, do Estado e da sociedade.
Conforme o artigo 34 da LDB, o Ensino Fundamental A escola precisa acolher diferentes saberes, diferentes
incluirá, pelo menos, quatro horas de trabalho efetivo em manifestações culturais e diferentes óticas, empenhar-se
sala de aula, sendo progressivamente ampliado o período para se constituir, ao mesmo tempo, em um espaço de
de permanência na escola, até que venha a ser ministrado heterogeneidade e pluralidade, situada na diversidade em
em tempo integral (§ 2º). Essa disposição, obviamente, só é movimento, no processo tornado possível por meio de re-
factível para os cursos do período diurno, tanto é que o § 1º lações intersubjetivas, fundamentada no princípio eman-
ressalva os casos do ensino noturno. cipador. Cabe, nesse sentido, às escolas desempenhar o
Os cursos em tempo parcial noturno, na sua maioria, papel socioeducativo, artístico, cultural, ambiental, fun-
são de Educação de Jovens e Adultos (EJA) destinados, mor- damentadas no pressuposto do respeito e da valorização
mente, a estudantes trabalhadores, com maior maturidade das diferenças, entre outras, de condição física, sensorial e
e experiência de vida. São poucos, porém, os cursos regu- socioemocional, origem, etnia, gênero, classe social, con-
lares noturnos destinados a adolescentes e jovens de 15 a texto sociocultural, que dão sentido às ações educativas,
18 anos ou pouco mais, os quais são compelidos ao estudo enriquecendo-as, visando à superação das desigualdades
nesse turno por motivos de defasagem escolar e/ou de ina- de natureza sociocultural e socioeconômica.
daptação aos métodos adotados e ao convívio com colegas
Contemplar essas dimensões signi ca a revisão dos ri-
de idades menores. A regra tem sido induzi-los a cursos de
tos escolares e o alargamento do papel da instituição esco-
EJA, quando o necessário são cursos regulares, com progra-
lar e dos educadores, adotando medidas proativas e ações
mas adequados à sua faixa etária, como, aliás, é claramente
preventivas.
prescrito no inciso VI do artigo 4º da LDB: oferta de ensino
noturno regular, adequado às condições do educando. Na organização e gestão do currículo, as abordagens
disciplinares, pluridisciplinar, interdisciplinar e transdisci-
Formas para a organização curricular plinar requerem a atenção criteriosa da instituição escolar,
porque revelam a visão de mundo que orienta as práticas
Retoma-se aqui o entendimento de que currículo é o pedagógicas dos educadores e organizam o trabalho do
conjunto de valores e práticas que proporcionam a produ- estudante. Perpassam todos os aspectos da organização
ção e a socialização de signi cados no espaço social e que escolar, desde o planejamento do trabalho pedagógico,
contribuem, intensamente, para a construção de identida- a gestão administrativo-acadêmica, até a organização do
des sociais e culturais dos estudantes. E reitera-se que deve tempo e do espaço físico e a seleção, disposição e utiliza-
difundir os valores fundamentais do interesse social, dos di- ção dos equipamentos e mobiliário da instituição, ou seja,
reitos e deveres dos cidadãos, do respeito ao bem comum todo o conjunto das atividades que se realizam no espaço
e à ordem democrática, bem como considerar as condições escolar, em seus diferentes âmbitos. As abordagens multi-
de escolaridade dos estudantes em cada estabelecimento, disciplinar, pluridisciplinar e interdisciplinar fundamentam-
a orientação para o trabalho, a promoção de práticas edu- se nas mesmas bases, que são as disciplinas, ou seja, o re-
cativas formais e não-formais. corte do conhecimento.

12
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Para Basarab Nicolescu (2000, p. 17), em seu artigo compreensão interdisciplinar do conhecimento, a transver-
“Um novo tipo de conhecimento: transdisciplinaridade”, a salidade tem signi cado, sendo uma proposta didática que
disciplinaridade, a pluridisciplinaridade, a transdisciplinari- possibilita o tratamento dos conhecimentos escolares de
dade e a interdisciplinaridade são as quatro echas de um forma integrada. Assim, nessa abordagem, a gestão do co-
único e mesmo arco: o do conhecimento. nhecimento parte do pressuposto de que os sujeitos são
Enquanto a multidisciplinaridade expressa frações do agentes da arte de problematizar e interrogar, e buscam
conhecimento e o hierarquiza, a pluridisciplinaridade es- procedimentos interdisciplinares capazes de acender a
tuda um objeto de uma disciplina pelo ângulo de várias chama do diálogo entre diferentes sujeitos, ciências, sabe-
outras ao mesmo tempo. Segundo Nicolescu, a pesquisa res e temas.
pluridisciplinar traz algo a mais a uma disciplina, mas res- A prática interdisciplinar é, portanto, uma abordagem
tringe-se a ela, está a serviço dela. que facilita o exercício da transversalidade, constituindo-se
A transdisciplinaridade refere-se ao conhecimento pró- em caminhos facilitadores da integração do processo for-
prio da disciplina, mas está para além dela. O conhecimen- mativo dos estudantes, pois ainda permite a sua participa-
to situa-se na disciplina, nas diferentes disciplinas e além ção na escolha dos temas prioritários. Desse ponto de vis-
delas, tanto no espaço quanto no tempo. Busca a unidade ta, a interdisciplinaridade e o exercício da transversalidade
do conhecimento na relação entre a parte e o todo, entre
ou do trabalho pedagógico centrado em eixos temáticos,
o todo e a parte. Adota atitude de abertura sobre as cultu-
organizados em redes de conhecimento, contribuem para
ras do presente e do passado, uma assimilação da cultura
que a escola dê conta de tornar os seus sujeitos conscien-
e da arte. O desenvolvimento da capacidade de articular
tes de seus direitos e deveres e da possibilidade de se tor-
diferentes referências de dimensões da pessoa humana, de
seus direitos, e do mundo é fundamento básico da trans- narem aptos a aprender a criar novos direitos, coletivamen-
disciplinaridade. De acordo com Nicolescu (p. 15), para os te. De qualquer forma, esse percurso é promovido a partir
adeptos da transdisciplinaridade, o pensamento clássico é da seleção de temas entre eles o tema dos direitos huma-
o seu campo de aplicação, por isso é complementar à pes- nos, recomendados para serem abordados ao longo do de-
quisa pluri e interdisciplinar. A interdisciplinaridade pres- senvolvimento de componentes curriculares com os quais
supõe a transferência de métodos de uma disciplina para guardam intensa ou relativa relação temática, em função
outra. de prescrição de nida pelos órgãos do sistema educativo
Ultrapassa-as, mas sua nalidade inscreve-se no estudo ou pela comunidade educacional, respeitadas as caracterís-
disciplinar. Pela abordagem interdisciplinar ocorre a trans- ticas próprias da etapa da Educação Básica que a justi ca.
versalidade do conhecimento constitutivo de diferentes Conceber a gestão do conhecimento escolar enrique-
disciplinas, por meio da ação didáticopedagógica mediada cida pela adoção de temas a serem tratados sob a pers-
pela pedagogia dos projetos temáticos. Estes facilitam a or- pectiva transversal exige da comunidade educativa clareza
ganização coletiva e cooperativa do trabalho pedagógico, quanto aos princípios e às nalidades da educação, além
embora sejam ainda recursos que vêm sendo utilizados de de conhecimento da realidade contextual, em que as esco-
modo restrito e, às vezes, equivocados. A interdisciplinari- las, representadas por todos os seus sujeitos e a sociedade,
dade é, portanto, entendida aqui como abordagem teóri- se acham inseridas. Para isso, o planejamento das ações
cometodológica em que a ênfase incide sobre o trabalho pedagógicas pactuadas de modo sistemático e integrado é
de integração das diferentes áreas do conhecimento, um pré-requisito indispensável à organicidade, sequencialida-
real trabalho de cooperação e troca, aberto ao diálogo e de e articulação do conjunto das aprendizagens perspecti-
ao planejamento (Nogueira, 2001, p. 27). Essa orientação vadas, o que requer a participação de todos. Parte-se, pois,
deve ser enriquecida, por meio de proposta temática tra- do pressuposto de que, para ser tratada transversalmente,
balhada transversalmente ou em redes de conhecimento e a temática atravessa, estabelece elos, enriquece, comple-
de aprendizagem, e se expressa por meio de uma atitude menta temas e/ou atividades tratadas por disciplinas, eixos
que pressupõe planejamento sistemático e integrado e dis- ou áreas do conhecimento.
posição para o diálogo.
Nessa perspectiva, cada sistema pode conferir à comu-
A transversalidade é entendida como uma forma de
nidade escolar autonomia para seleção dos temas e deli-
organizar o trabalho didáticopedagógico em que temas,
mitação dos espaços curriculares a eles destinados, bem
eixos temáticos são integrados às disciplinas, às áreas di-
como a forma de tratamento que será conferido à transver-
tas convencionais de forma a estarem presentes em todas
elas. A transversalidade difere-se da interdisciplinaridade e salidade. Para que sejam implantadas com sucesso, é fun-
complementam-se; ambas rejeitam a concepção de conhe- damental que as ações interdisciplinares sejam previstas no
cimento que toma a realidade como algo estável, pronto projeto político-pedagógico, mediante pacto estabelecido
e acabado. A primeira se refere à dimensão didáticope- entre os pro ssionais da educação, responsabilizando-se
dagógica e a segunda, à abordagem epistemológica dos pela concepção e implantação do projeto interdisciplinar
objetos de conhecimento. A transversalidade orienta para na escola, planejando, avaliando as etapas programadas e
a necessidade de se instituir, na prática educativa, uma ana- replanejando-as, ou seja, reorientando o trabalho de todos,
logia entre aprender conhecimentos teoricamente sistema- em estreito laço com as famílias, a comunidade, os órgãos
tizados (aprender sobre a realidade) e as questões da vida responsáveis pela observância do disposto em lei, princi-
real (aprender na realidade e da realidade). Dentro de uma palmente, no ECA.

13
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Com a implantação e implementação da LDB, a expressão Incide sobre a aprendizagem, subsidiada pela consciên-
“matriz” foi adotada formalmente pelos diferentes sistemas cia de que o processo de comunicação entre estudantes
educativos, mas ainda não conseguiu provocar ampla e apro- e professores é efetivado por meio de práticas e recursos
fundada discussão pela comunidade educacional. O que se tradicionais e por práticas de aprendizagem desenvolvidas
pode constatar é que a matriz foi entendida e assumida carre- em ambiente virtual. Pressupõe compreender que se trata
gando as mesmas características da “grade” burocraticamente de aprender em rede e não de ensinar na rede, exigindo
estabelecida. Em sua história, esta recebeu conceitos a partir que o ambiente de aprendizagem seja dinamizado e com-
dos quais não se pode considerar que matriz e grade sejam partilhado por todos os sujeitos do processo educativo. Es-
sinônimas. Mas o que é matriz? E como deve ser entendida a ses são procedimentos que não se confundem.
expressão “curricular”, se forem consideradas as orientações Por isso, as redes de aprendizagem constituem-se em
para a educação nacional, pelos atos legais e normas vigentes? ferramenta didáticopedagógica relevante também nos
Se o termo matriz for concebido tendo como referência o
programas de formação inicial e continuada de pro ssio-
discurso das ciências econômicas, pode ser apreendida como
nais da educação.
correlata de grade. Se for considerada a partir de sua origem
Esta opção requer planejamento sistemático integra-
etimológica, será entendida como útero (lugar onde o feto de
do, estabelecido entre sistemas educativos docentes como
desenvolve), ou seja, lugar onde algo é concebido, gerado e/
ou criado (como a pepita vinda da matriz) ou, segundo Antô- infraestrutura favorável, prática por projetos, respeito ao
nio Houaiss (2001, p. 1870), aquilo que é fonte ou origem, ou tempo escolar, avaliação planejada, per l do professor, per-
ainda, segundo o mesmo autor, a casa paterna ou materna, l e papel da direção escolar, formação do corpo docente,
espaço de referência dos lhos, mesmo após casados. Admi- valorização da leitura, atenção individual ao estudante, ati-
tindo a acepção de matriz como lugar onde algo é concebido, vidades complementares e parcerias.
gerado ou criado ou como aquilo que é fonte ou origem, não Mas inclui outros aspectos como interação com as fa-
se admite equivalência de sentido, menos ainda como dese- mílias e a comunidade, valorização docente e outras medi-
nho simbólico ou instrumental da matriz curricular com o mes- das, entre as quais a instituição de plano de carreira, cargos
mo formato e emprego atribuído historicamente à grade cur- e salários.
ricular. A matriz curricular deve, portanto, ser entendida como As experiências em andamento têm revelado êxitos e
algo que funciona assegurando movimento, dinamismo, vida desa os vividos pelas redes na busca da qualidade da edu-
curricular e educacional na sua multidimensionalidade, de tal cação. Os desa os centram-se, predominantemente, nos
modo que os diferentes campos do conhecimento possam se obstáculos para a gestão participativa, a quali cação dos
coadunar com o conjunto de atividades educativas e instigar, funcionários, a integração entre instituições escolares de
estimular o despertar de necessidades e desejos nos sujeitos diferentes sistemas educativos (estadual e municipal, por
que dão vida à escola como um todo. A matriz curricular cons- exemplo) e a inclusão de estudantes com de ciência. São
titui-se no espaço em que se delimita o conhecimento e repre- ressaltados, como pontos positivos, o intercâmbio de infor-
senta, além de alternativa operacional que subsidia a gestão mações; a agilidade dos uxos; os recursos que alimentam
de determinado currículo escolar, subsídio para a gestão da relações e aprendizagens coletivas, orientadas por um pro-
escola (organização do tempo e espaço curricular; distribuição pósito comum: a garantia do direito de aprender.
e controle da carga horária docente) e primeiro passo para a Entre as vantagens, podem ser destacadas aquelas
conquista de outra forma de gestão do conhecimento pelos que se referem à multiplicação de aulas de transmissão em
sujeitos que dão vida ao cotidiano escolar, traduzida como tempo real por meio de tele aulas, com elevado grau de
gestão centrada na abordagem interdisciplinar. Neste sentido, qualidade e amplas possibilidades de acesso, em telessalas
a matriz curricular deve se organizar por “eixos temáticos”, de-
ou em qualquer outro lugar, previamente preparado, para
nidos pela unidade escolar ou pelo sistema educativo.
acesso pelos sujeitos da aprendizagem; aulas simultâneas
Para a de nição de eixos temáticos norteadores da or-
para várias salas (e várias unidades escolares) com um pro-
ganização e desenvolvimento curricular, parte-se do entendi-
fessor principal e professores assistentes locais, combina-
mento de que o programa de estudo aglutina investigações e
pesquisas sob diferentes enfoques. O eixo temático organiza das com atividades on-line em plataformas digitais; aulas
a estrutura do trabalho pedagógico, limita a dispersão temá- gravadas e acessadas a qualquer tempo e de qualquer
tica e fornece o cenário no qual são construídos os objetos de lugar por meio da internet ou da TV digital, tratando de
estudo. O trabalho com eixos temáticos permite a concretiza- conteúdo, compreensão e avaliação dessa compreensão;
ção da proposta de trabalho pedagógico centrada na visão e oferta de esclarecimentos de dúvidas em determinados
interdisciplinar, pois facilita a organização dos assuntos, de momentos do processo didáticopedagógico.
forma ampla e abrangente, a problematização e o encadea-
mento lógico dos conteúdos e a abordagem selecionada para Formação básica comum e parte diversi cada
a análise e/ou descrição dos temas. O recurso dos eixos temá-
ticos propicia o trabalho em equipe, além de contribuir para a A LDB de niu princípios e objetivos curriculares gerais
superação do isolamento das pessoas e de conteúdos xos. para o Ensino Fundamental e Médio, sob os aspectos:
Os professores com os estudantes têm liberdade de escolher I – duração: anos, dias letivos e carga horária mínimos;
temas, assuntos que desejam estudar, contextualizando-os em II – uma base nacional comum;
interface com outros. III – uma parte diversi cada.

14
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Entende-se por base nacional comum, na Educação Bá- Cabe aos órgãos normativos dos sistemas de ensino
sica, os conhecimentos, saberes e valores produzidos cultu- expedir orientações quanto aos estudos e às atividades cor-
ralmente, expressos nas políticas públicas e que são gera- respondentes à parte diversi cada do Ensino Fundamental
dos nas instituições produtoras do conhecimento cientí co e do Médio, de acordo com a legislação vigente. Segundo
e tecnológico; no mundo do trabalho; no desenvolvimento a LDB, os currículos do ensino médio incluirão, obrigatoria-
das linguagens; nas atividades desportivas e corporais; na mente, o estudo da língua inglesa e poderão ofertar outras
produção artística; nas formas diversas e exercício da ci- línguas estrangeiras, em caráter optativo, preferencialmen-
dadania; nos movimentos sociais, de nidos no texto dessa te o espanhol, de acordo com a disponibilidade de oferta,
Lei, artigos 26 e 33 , que assim se traduzem: locais e horários de nidos pelos sistemas de ensino.
Correspondendo à base nacional comum, ao longo do
I – na Língua Portuguesa;
processo básico de escolarização, a criança, o adolescente,
II – na Matemática;
o jovem e o adulto devem ter oportunidade de desenvol-
III – no conhecimento do mundo físico, natural, da rea-
ver, no mínimo, habilidades segundo as especi cidades de
lidade social e política, especialmente do Brasil, incluindo-
cada etapa do desenvolvimento humano, privilegiando- se
se o estudo da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, os aspectos intelectuais, afetivos, sociais e políticos que se
IV – na Arte em suas diferentes formas de expressão, desenvolvem de forma entrelaçada, na unidade do proces-
incluindo-se a música; so didático.
V – na Educação Física; Organicamente articuladas, a base comum nacional e a
VI – no Ensino Religioso. parte diversi cada são organizadas e geridas de tal modo
Tais componentes curriculares são organizados pelos que também as tecnologias de informação e comunicação
sistemas educativos, em forma de áreas de conhecimento, perpassem transversalmente a proposta curricular desde a
disciplinas, eixos temáticos, preservando-se a especi ci- Educação Infantil até o Ensino Médio, imprimindo direção
dade dos diferentes campos do conhecimento, por meio aos projetos político-pedagógicos. Ambas possuem como
dos quais se desenvolvem as habilidades indispensáveis ao referência geral o compromisso com saberes de dimensão
exercício da cidadania, em ritmo compatível com as etapas planetária para que, ao cuidar e educar, seja possível à es-
do desenvolvimento integral do cidadão. cola conseguir:
A parte diversi cada enriquece e complementa a base I – ampliar a compreensão sobre as relações entre o
nacional comum, prevendo o estudo das características re- indivíduo, o trabalho, a sociedade e a espécie humana,
gionais e locais da sociedade, da cultura, da economia e seus limites e suas potencialidades, em outras palavras, sua
da comunidade escolar. Perpassa todos os tempos e es- identidade terrena;
paços curriculares constituintes do Ensino Fundamental e II – adotar estratégias para que seja possível, ao longo
do Médio, independentemente do ciclo da vida no qual os da Educação Básica, desenvolver o letramento emocional,
sujeitos tenham acesso à escola. É organizada em temas social e ecológico; o conhecimento cientí co pertinente
gerais, em forma de áreas do conhecimento, disciplinas, aos diferentes tempos, espaços e sentidos; a compreensão
eixos temáticos, selecionados pelos sistemas educativos e do signi cado das ciências, das letras, das artes, do esporte
pela unidade escolar, colegiadamente, para serem desen- e do lazer;
volvidos de forma transversal. A base nacional comum e a III – ensinar a compreender o que é ciência, qual a sua
história e a quem ela se destina;
parte diversi cada não podem se constituir em dois blocos
IV – viver situações práticas a partir das quais seja
distintos, com disciplinas especí cas para cada uma dessas
possível perceber que não há uma única visão de mundo,
partes.
portanto, um fenômeno, um problema, uma experiência
A compreensão sobre base nacional comum, nas suas
podem ser descritos e analisados segundo diferentes pers-
relações com a parte diversi cada, foi objeto de vários pa- pectivas e correntes de pensamento, que variam no tempo,
receres emitidos pelo CNE, cuja síntese se encontra no Pa- no espaço, na intencionalidade;
recer CNE/CEB nº 14/2000, da lavra da conselheira Edla de V – compreender os efeitos da “infoera”, sabendo que
Araújo Lira Soares. Após retomar o texto dos artigos 26 e estes atuam, cada vez mais, na vida das crianças, dos ado-
27 da LDB, a conselheira assim se pronuncia: lescentes e adultos, para que se reconheçam, de um lado,
(…) a base nacional comum interage com a parte di- os estudantes, de outro, os pro ssionais da educação e a
versi cada, no âmago do processo de constituição de família, mas reconhecendo que os recursos midiáticos de-
conhecimentos e valores das crianças, jovens e adultos, vem permear todas as atividades de aprendizagem.
evidenciando a importância da participação de todos os Na organização da matriz curricular, serão observados
segmentos da escola no processo de elaboração da pro- os critérios:
posta da instituição que deve nos termos da lei, utilizar a I – de organização e programação de todos os tempos
parte diversi cada para enriquecer e complementar a base (carga horária) e espaços curriculares (componentes), em
nacional comum. forma de eixos, módulos ou projetos, tanto no que se re-
(…) tanto a base nacional comum quanto a parte diver- fere à base nacional comum, quanto à parte diversi cada,
si cada são fundamentais para que o currículo faça sentido sendo que a de nição de tais eixos, módulos ou projetos
como um todo. deve resultar de amplo e verticalizado debate entre os ato-
res sociais atuantes nas diferentes instâncias educativas;

15
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

II – de duração mínima anual de 200 (duzentos) dias Considera, ainda, que o avanço da qualidade na edu-
letivos, com o total de, no mínimo, 800 (oitocentas) horas, cação brasileira depende, fundamentalmente, do compro-
recomendada a sua ampliação, na perspectiva do tempo misso político, dos gestores educacionais das diferentes
integral, sabendo-se que as atividades escolares devem instâncias da educação, do respeito às diversidades dos
ser programadas articulada e integradamente, a partir da estudantes, da competência dos professores e demais
base nacional comum enriquecida e complementada pela pro ssionais da educação, da garantia da autonomia res-
parte diversi cada, ambas formando um todo; ponsável das instituições escolares na formulação de seu
III – da interdisciplinaridade e da contextualização, que projeto político-pedagógico que contemple uma proposta
devem ser constantes em todo o currículo, propiciando a consistente da organização do trabalho.
interlocução entre os diferentes campos do conhecimen-
to e a transversalidade do conhecimento de diferentes Fonte: BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais Da
disciplinas, bem como o estudo e o desenvolvimento de Educação Básica, 2013.
projetos referidos a temas concretos da realidade dos es-
tudantes;
IV – da destinação de, pelo menos, 20% do total da
6. POLÍTICAS EDUCACIONAIS COMO
carga horária anual ao conjunto de programas e projetos
POLÍTICAS PÚBLICAS DE NATUREZA SOCIAL
interdisciplinares eletivos criados pela escola, previstos no
projeto pedagógico, de modo que os sujeitos do Ensino
Fundamental e Médio possam escolher aqueles com que
se identi quem e que lhes permitam melhor lidar com o Políticas educacionais e Direito à Educação
conhecimento e a experiência. Tais programas e projetos
devem ser desenvolvidos de modo dinâmico, criativo e e- Da forma que modernamente se con gurou, o direi-
xível, em articulação com a comunidade em que a escola to à educação pode ser traduzido basicamente em dois
esteja inserida; aspectos: a oportunidade de acesso e a possibilidade de
V – da abordagem interdisciplinar na organização e permanência na escola, mediante educação com nível de
gestão do currículo, viabilizada pelo trabalho desenvolvi- qualidade semelhante para todos. O direito à educação
do coletivamente, planejado previamente, de modo inte- traz uma potencialidade emancipadora do ponto de vista
grado e pactuado com a comunidade educativa; individual e igualitária do ponto de vista social, visto que
VI – de adoção, nos cursos noturnos do Ensino Funda- a sua a rmação parte do pressuposto que a escolarização
mental e do Médio, da metodologia didáticopedagógica é niveladora das desigualdades do ponto de partida. Com
pertinente às características dos sujeitos das aprendiza- base nisso, a partir de 1917, a escolarização foi transforma-
gens, na maioria trabalhadores, e, se necessário, sendo al- da em responsabilidade estatal e social pela maioria dos
terada a duração do curso, tendo como referência o míni- países mediante inscrição em textos constitucionais.
mo correspondente à base nacional comum, de modo que Contudo, não se pode confundir a existência de esco-
tais cursos não quem prejudicados; las públicas com o direito à educação. O direito à educa-
VII – do entendimento de que, na proposta curricular, ção pressupõe o papel ativo e responsável do Estado tanto
as características dos jovens e adultos trabalhadores das na formulação de políticas públicas para a sua efetivação,
turmas do período noturno devem ser consideradas como quanto na obrigatoriedade de oferecer ensino com iguais
subsídios importantes para garantir o acesso ao Ensino possibilidades para todos. Quando o Estado generaliza a
Fundamental e ao Ensino Médio, a permanência e o suces- oferta de escolas de ensino fundamental, tem o poder de
so nas últimas séries, seja em curso de tempo regular, seja responsabilizar os indivíduos e/ou seus pais pela frequência.
em curso na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, Portanto, o direito à educação, diferentemente dos de-
tendo em vista o direito à frequência a uma escola que mais direitos sociais, está estreitamente vinculado à obri-
lhes dê uma formação adequada ao desenvolvimento de gatoriedade escolar. Isso porque, enquanto os cidadãos
sua cidadania; podem escolher entre fazer uso ou não dos demais direitos
VIII – da oferta de atendimento educacional especia- sociais, a educação é obrigatória porque se entende que as
lizado, complementar ou suplementar à formação dos es- crianças não se encontram em condições de negociar se
tudantes público-alvo da Educação Especial, previsto no querem ou não recebê-la e de que forma. Paradoxalmen-
projeto político-pedagógico da escola. te, a educação é ao mesmo um direito e uma obrigação.
A organização curricular assim concebida supõe ou- Assim, o direito de não fazer uso dos serviços educacio-
tra forma de trabalho na escola, que consiste na seleção nais não está colocado como possibilidade e a perspectiva
adequada de conteúdos e atividades de aprendizagem, de emancipadora não está colocada como ponto de partida e,
métodos, procedimentos, técnicas e recursos didático-pe- sim, como ponto de chegada. Daí a relação estreita entre
dagógicos. A perspectiva da articulação interdisciplinar é direito à educação e educação obrigatória.
voltada para o desenvolvimento não apenas de conheci-
mentos, mas também de habilidades, valores e práticas.

16
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

No Brasil o processo de a rmação dos direitos de cidada- De início, é preciso destacar que a expansão das opor-
nia (ainda inconcluso) irá conferir um grau maior de ambigui- tunidades de escolarização no Brasil foi assinalada por uma
dade nas medidas de proclamação e de implementação do ambiguidade fundamental: ao mesmo tempo em que havia
direito à educação, uma vez que apenas a partir de 1988 uma um reconhecimento, no nível do discurso, da educação es-
concepção universalista dos direitos sociais foi incorporada ao colar como fator importante para o desenvolvimento eco-
sistema normativo brasileiro e que o processo de a rmação nômico e social, ou seja, como projeto civilizador, o direito
dos direitos no país foi assinalado pela defasagem entre os ao acesso e à permanência na escola elementar era negado
princípios igualitários proclamados na lei e a realidade de de- tanto pelo sistema normativo, quanto pelos mecanismos de
sigualdade e de exclusão. seleção intra e extraescolares.
Essa introdução tardia da concepção universalista dos di- É inegável que, pelo menos desde 1934, o sistema nor-
reitos sociais guarda relação com a não institucionalização de mativo brasileiro inscreveu a educação como direito e que
uma esfera pública democrática, pois os ideais de igualdade e os avanços dessa inscrição foram notáveis tanto em relação
justiça eram e ainda são introduzidos numa sociedade marca- à forma quanto em relação ao conteúdo. Também é inegável
da por relações verticalizadas e autoritárias e, portanto, fratu- que o Brasil acompanhou a tendência mundial pela demanda
rada internamente por suas contradições. por educação a partir da década de 1940 com processo sig-
Além disso, o ideal emancipador e igualitário do direito à ni cativo de expansão das oportunidades de escolarização.
educação também foi mitigado pelas próprias relações que se Apesar disso, no sistema normativo brasileiro, o direito
estabeleceram na dinâmica interna da escola, já muitas vezes à educação correspondeu à obrigatoriedade escolar como
denunciadas como reprodutoras das desigualdades sociais e imposição ao indivíduo e não como responsabilidade esta-
como inculcadoras dos valores e interesses das classes sociais tal. Mesmo, quando se tornou responsabilidade estatal não
que detêm o poder econômico e político. As práticas curricula- havia uma concepção universalista que lhe servisse de base.
res, avaliativas e de gestão das escolas brasileiras vêm, ao lon- Só a partir de 1988, ao direito à educação por parte do indi-
go da história, corroborando um contexto de exclusão de um víduo, correspondeu à obrigatoriedade de oferecer educação
enorme contingente de brasileiros da plenitude de signi cado por parte do Estado e só muito recentemente o Brasil atingiu
do direito à educação composto pelo acesso, pela permanên-
índices de escolarização obrigatória alcançados por muitos
cia e pela qualidade para todos.
países europeus desde o início da segunda metade do século
Primeiramente pela di culdade de acesso, quando não
XX.
havia acesso à educação obrigatória para a maioria dos brasi-
Assim, após mais de um século de história constitucional,
leiros; depois, quando houve a ampliação do acesso por volta
é que o país terá, no nível dos valores proclamados, o direito
dos anos 1970, pelos mecanismos que levavam à reprovação
de grande contingente de alunos que superavam a barreira do à educação inscrita a partir de uma lógica mais universalista,
ingresso na etapa obrigatória de escolarização e; atualmente, fazendo frente ao longo trajeto de iniquidades e privilégios
com a quase universalização da oferta da etapa obrigatória de na oferta da instrução elementar. De 1824 até 1988, as inscri-
escolarização, o direito à educação vem sendo mitigado com ções do direito à educação nos textos constitucionais eram
a baixa qualidade do ensino oferecido pelas escolas, que faz assinaladas por uma concepção de que o mínimo era o bas-
com que muitos alunos percorram todas as séries do ensino tante.
fundamental, mas não se apropriem do instrumental mínimo Dessa forma, se o direito pode ser de nido como tipi -
para o exercício da cidadania num contexto em que o letra- cação e de nição de responsabilidade, bem como por rela-
mento é condição mínima para inserção social. ções sociais pautadas pela igualdade e pela reciprocidade, na
Se, no Brasil, não podemos falar de direitos como normas educação brasileira só houve ruptura na racionalidade jurídi-
de civilidade nas relações sociais mediante os pressupostos da ca a partir de 1988.
igualdade e da reciprocidade, podemos a rmar que esse ideal Apesar de essa ruptura na racionalidade jurídica constituir
sempre esteve no horizonte político como campo de referên- grande avanço no campo do direito à educação, o desa o
cia para as lutas pela cidadania. que está colocado é a ruptura na racionalidade política da so-
Apesar de os direitos sociais terem sido inscritos no sis- ciedade em geral e dos trabalhadores em educação, uma vez
tema normativo brasileiro desde a década de 1930, essa ins- que até mesmo nas instituições de ensino a educação não se
crição se deu desde uma perspectiva classista no contexto con gurou como direito entendido como medida que opera
do Estado corporativo inaugurado por Getúlio Vargas. Disso a passagem para a igualdade no plano das relações sociais.
resulta a íntima relação entre os direitos sociais e o mundo Com efeito, ao lado do tardio surgimento de uma con-
do trabalho regulado e a exclusão de amplos contingentes da cepção mais universalista do direito à educação nos textos
população brasileira (empregadas domésticas e trabalhadores constitucionais, a dinâmica de expansão da escolarização
rurais, por exemplo) das garantias sociais. obrigatória foi refreada, até a década de 1960, por meca-
E é justamente esse campo de referência do possível que nismos de seleção nas instituições escolares. Mantínhamos
nos coloca o problema complexo da relação entre o projeto uma escola “de” e “para” as elites que tinham objetivos con-
brasileiro de modernização e os princípios da igualdade e da vergentes com os da escola: buscava-se prestígio, inserção
responsabilidade social como chaves de compreensão para no mercado de trabalho e ascensão social. Dessa forma, o
a questão da cidadania no Brasil e, mais ainda, nos desa a a acesso à educação era fator de diferenciação social, pois me-
entender “se” e “como” circulam socialmente os direitos con- diante rigorosos mecanismos de seleção e ensino propedêu-
quistados nos embates travados nesses campos nas últimas tico voltado para o acesso a níveis superiores de educação
décadas, como é o caso das garantias constitucionais de 1988, ou para postos mais elevados no mercado de trabalho eram
ou mais especi camente, “se” e “como” o direito tem se con - “eleitos” aqueles que seriam incluídos nos demais direitos de
gurado como mediação jurídica e política nas relações sociais. cidadania.

17
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

O crescimento da população urbana e a industrialização NÍVEL DO ESPAÇO SOCIAL: A DIMENSÃO SOCIOE-


do país a partir da década de 1940 contribuíram para o au- CONÔMICA E CULTURAL DOS ENTES ENVOLVIDOS
mento das pressões sociais por expansão das oportunidades
de escolarização. Essas demandas por ampliação das oportu- Uma compreensão mais aprofundada da ideia de uma
nidades de escolarização, ainda que atendidas de forma pre- escola de qualidade não pode perder de vista o nível do
cária nos marcos do populismo, interferiram na ação estatal no espaço social, ou melhor, a dimensão socioeconômica e
sentido da efetivação do princípio da igualdade de oportuni-
cultural, uma vez que o ato educativo escolar se dá em
dade para o acesso nas décadas seguintes.
um contexto de posições e disposições no espaço social
Contudo, foi entre as décadas de 1970 e 1990 que hou-
ve um aumento expressivo no número de matrículas na etapa (em conformidade com o acúmulo de capital econômico,
obrigatória de escolarização. Mas outras formas de exclusão social e cultural dos sujeitos-usuários da escola), de he-
assumiram a posição central no processo de escolarização nas terogeneidade e pluralidade sociocultural, de problemas
décadas de 1970 e 1980: os próprios procedimentos internos sociais re etidos na escola, tais como: fracasso escolar,
da escola, sua estrutura e funcionamento, que conduziam à desvalorização social dos segmentos menos favorecidos,
elitização do ensino, não mais por falta de vagas ou mecanis- incluindo a autoestima dos alunos etc.
mos de seleção, mas mediante a produção do fracasso escolar Pesquisas e estudos do campo educacional eviden-
(repetência, evasão) como fator de diferenciação entre os me- ciam o peso de variáveis como: capital econômico, social
recedores e os não merecedores do acesso ao saber historica- e cultural (das famílias e dos alunos) na aprendizagem es-
mente construído. colar e na trajetória escolar e pro ssional dos estudantes.
Na década de 1990 assistimos a um processo de expansão De modo geral, pode-se a rmar que o nível de renda, o
das oportunidades de escolarização, em que esses mecanis- acesso a bens culturais e tecnológicos, como a Internet,
mos internos de exclusão por parte da escola foram ameniza-
a escolarização dos pais, os hábitos de leitura dos pais, o
dos (democraticamente ou não) por políticas de regularização
do uxo (ciclos, progressão continuada, aceleração da apren- ambiente familiar, a participação dos pais na vida escolar
dizagem). Porém, novamente, “estratégias” de exclusão foram do aluno, a imagem de sucesso ou fracasso projetada no
criadas pela dinâmica interna da escola: os alunos percorrem estudante, as atividades extracurriculares, dentre outras,
todas as séries ou todos os ciclos do ensino fundamental sem interferem signi cativamente no desempenho escolar e
se apropriar de um instrumental mínimo necessário para a in- no sucesso dos alunos.
serção social. Em muitas situações, os determinantes sócio-econô-
Esses mecanismos internos de exclusão forjados no inte- mico-culturais são naturalizados em nome da ideologia
rior das práticas educativas precisam ser superados para a rup- das capacidades e dons naturais, o que reforça uma visão
tura da racionalidade política dos trabalhadores em educação, de que a trajetória do aluno, em termos de sucesso ou
uma vez que a defesa da educação como direito não signi ca fracasso, decorre das suas potencialidades naturais. Essa
a sua consolidação no campo das representações sociais. Do visão social é, muitas vezes, reforçada na escola e, sobretu-
lado da sociedade, a ruptura da racionalidade política, deve do, na sala de aula, ampliando o processo de exclusão dos
passar, necessariamente, pela aceitação, circulação social e de-
já excluídos socialmente, seja pela etnia, raça, classe social,
fesa nos fóruns apropriados dos mecanismos jurídicos que as-
segurem não só vagas, mas também qualidade de ensino nas capital econômico, social e cultural, religião, dentre outros.
escolas públicas, além da superação da resistência aos direitos Estudos mostram que até mesmo a visão que se tem
assegurados no Estatuto da Criança e do Adolescente, tido, da escola na comunidade e no sistema educativo, e que
muitas vezes por professores e pais como um instrumento que leva os usuários à escolha da escola e mantém motivações
elimina a autoridade paterna ou docente, ao proibir o trabalho para sua permanência, in uencia na aprendizagem e na
infantil ou ao proteger o aluno das relações de poder estabe- produção de uma escola de qualidade social para todos.
lecidas na dinâmica interna das práticas escolares. Isso também acaba contribuindo na expectativa de apren-
Se por um lado, hoje a educação é proclamada como di- dizagem na escola pelos professores, pais e alunos, que
reito do cidadão e dever do Estado e estamos, segundo o dis- aceitam como normal e natural um determinado padrão
curso o cial, muito próximos da universalização do acesso no de aprendizagem para parte dos estudantes.
ensino fundamental, por outro lado, as representações sociais De modo geral, a criação de condições, dimensões
estão muito distantes das promessas de emancipação e de e fatores para a oferta de um ensino de qualidade social
igualdade que estão na base do direito à educação.
também esbarram em uma realidade marcada pela desi-
Dessa forma, a ruptura dessa racionalidade política exclu-
gualdade sócio-econômica-cultural das regiões, localida-
dente é o grande desa o histórico para esse século no que diz
respeito à educação obrigatória e, se temos a de nição jurídica des, segmentos sociais e dos sujeitos envolvidos, sobre-
da questão da responsabilidade social com a educação, ainda tudo dos atuais sujeitos-usuários da escola pública, o que
há um longo percurso quanto às representações sociais sobre exige o reconhecimento de que a qualidade da escola seja
os valores do direito, da igualdade e da inclusão. uma qualidade social, uma qualidade capaz de promover
uma atualização histórico-cultural em termos de uma for-
Referência: mação sólida, crítica, ética e solidária, articulada com polí-
ARAUJO, G. C. Estado, política educacional e direito à ticas públicas de inclusão e de resgate social.
educação no Brasil. Educar em Revista, Curitiba, Brasil, n.
39, p. 279-292, jan./abr. 2011. Editora UFPR

18
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Portanto, a produção de qualidade da educação, sob


o ponto de vista extraescolar, implica, por um lado, em
7. REFORMAS NEOLIBERAIS
políticas públicas, programas compensatórios e projetos
PARA A EDUCAÇÃO.
escolares e extraescolares para enfrentamento de ques-
7.1 IMPLICAÇÕES DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
tões como: fome, violência, drogas, sexualidade, deses-
truturação familiar, trabalho infantil, racismo, transpor- PARA A ORGANIZAÇÃO DO
te escolar, acesso à cultura, saúde e lazer, dentre outros, TRABALHO ESCOLAR.
considerando-se as especi cidades de cada país e sistema
educacional. Por outro lado, implica em efetivar uma visão
democrática da educação como direito e bem social, que A INFLUÊNCIA NEOLIBERAL NA EDUCAÇÃO BRASI-
deve expressar-se por meio de um trato escolar pedagógi- LEIRA
co que ao considerar a heterogeneidade sociocultural dos
Como podemos analisar, a in uência neoliberal tem sido
sujeitos-alunos seja capaz de implementar processos for-
muito forte no Brasil, consequentemente a educação foi e
mativos emancipatórios. ainda é um alvo de extrema importância para a dissemina-
Tão perspectiva, na direção do enfretamento dos pro- ção em massa desses ideais neoliberais.
blemas advindos do espaço social, deve materializar-se, O neoliberalismo defende a não participação do estado
por um lado, no projeto da escola por intermédio da cla- na economia. No discurso neoliberal a educação como um
ra de nição dos ns da educação escolar, da identi cação todo passa a ingressar no mercado capitalista funcionando
de conteúdos e conceitos relevantes no processo ensino logo a sua semelhança, deixando-se assim de ser parte do
-aprendizagem, da avaliação processual voltada para a campo social e político, os conteúdos políticos da cidada-
correção de problemas que obstacularizam uma aprendi- nia, foi substituído pelos direitos do consumidor. Daí a visão
zagem signi cativa, da utilização intensa e adequada dos neoliberal de que os pais e alunos são consumidores.
recursos pedagógicos, do envolvimento da comunidade Sonia Marrach (1996) explica que a retórica neoliberal,
escolar e, sobretudo, do investimento na quali cação e va- atribui um papel estratégico para a educação com três ob-
lorização da força de trabalho docente, seja por meio da jetivos basicamente; preparação para o trabalho atrelado a
formação inicial seja por meio da formação continuada. educação escolar e a pesquisa acadêmica ao imperativo do
Por outro lado, faz-se necessário implementar políti- mercado. Assegura que o mundo empresarial tem interesse
cas públicas e, dentre essas, políticas sociais ou progra- na educação por que deseja uma mão de obra quali cada,
mas compensatórios que possam colaborar efetivamente apta para a competição no mercado. Valoriza as técnicas de
organização, capacidade de trabalho cooperativo e o racio-
no enfrentamento dos problemas sócioeconômico-cultu-
cínio de dimensão estratégica.
rais que adentram a escola pública. Nessa perspectiva, a
O que está em questão é a adequação da escola a ideo-
melhoria da qualidade do processo ensino-aprendizagem logia dominante, a rma Marrach (1996) que torna a escola
deve envolver os diferentes setores a partir de uma con- um meio de transmissão de seus princípios doutrinários, e
cepção ampla de educação envolvendo cultura, esporte e cita ainda que a realidade simbólica ela é de fato constituída
lazer, ciência e tecnologia. Ou seja, é necessário avançar pelos meios de comunicação de massas e que a escola tam-
para uma dimensão de uma sociedade educadora, onde a bém é responsável pela expansão da ideologia o cial.
escola cumpre a sua tarefa em estreita conexão com ou- No neoliberalismo pais e alunos são consumidores da
tros espaços de socialização e de formação do indivíduo educação, dessa forma ocorrerá uma competição para a
garantindo condições econômicas, sociais e culturais, bem melhor oferta educacional entre as escolas. Marrach a rma
como nanciamento adequado à socialização dos proces- também que o banco mundial recomenda que se reduzam
sos de acesso e de permanência de todos os segmentos os investimentos na educação pública, para que os pais pro-
a educação básica (de zero a 17 anos), entendida como curem escolas privadas que possam garantir um bom ensino
direito social. para seus lhos, aproximando assim a ideia de escola como
uma empresa. Outro ponto que é nítido é a transformação
Referência: dos problemas educacionais em problemas mercadológicos.
Disponível em: http://escoladegestores.virtual.ufc.br/ Com a participação do banco mundial na política edu-
PDF/sala4_leitura2.pdf cacional foi proposto aos países em desenvolvimento inclu-
sive o Brasil um pacote de reformas educativas, também foi
propalado soluções consideradas cabíveis no que diz res-
peito a educação para os países em desenvolvimento pelos
organismos internacionais, além do Banco Mundial foram
os: fundo monetário internacional(FMI), banco internacional
de reconstrução e desenvolvimento (BIRD), banco interame-
ricano de desenvolvimento ( BID),organização mundial do
comercio (OMC), programa para as nações unidas para o
desenvolvimento (PNUD), comissão econômica para a Amé-
rica latina Caribe (CEPAL), associação latino americana para
o desenvolvimento industrial e social (ALADIS).

19
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

A partir desses organismos internacionais, em uma con- Com o esgotamento do regime militar e a crise da dé-
ferência mundial de educação para todos (1990), foi acor- cada de 80 a ideologia privatista ganha força, o privado
dado que a educação básica de qualidade seria prioridade. inclui na lógica neoliberal a administração do ensino, tra-
Para essas organizações, a educação básica deveria çando com alternativas o recebimento de subsídios gover-
dar conta de atender as necessidades básicas da educação. namentais para o seu empreendimento.
Logo visando com isso as seguintes questões; a redução da Cabe neste momento de discussão nos perguntarmos;
pobreza, ao aumento da produtividade de trabalhadores, a ideias neoliberais na LDB? A resposta é sim, pode-se per-
melhoria da saúde, redução da fecundidade. Ou seja, com ceber de forma muito clara essa in uência, alguns pontos
a educação básica pretendida contribuiria para a formação
são relevantes quando nos dispomos a analisar a LDB.
do sujeito mais adaptável a nova demanda de mercado glo-
A lei de diretrizes e bases da educação nacional, foi
balizado.
sancionada pelo presidente da república em 20 de de-
Doravante é notório observar paulatinamente que a
intervenção nas políticas educacionais por esses organis- zembro de 1996 (lei 9.394) e publicada no diário o cial da
mos evidencia de forma clara a expansão das políticas mais união, uma nova lei de educação que objetivou a aquisição
convenientes aos interesses do capital internacional. Sendo de novas competências e habilidades pelos indivíduos.
assim a educação na sociedade neoliberal tem como princi- Bianchetti (2005) a rma que o primeiro ponto crucial
pal o papel de reproduzir a força de trabalho para o capital, é a descentralização de poderes e da responsabilidade
formando individuo ideologicamente conforme os interes- atribuídas, onde a lei aponta que o ensino fundamental é
ses do mesmo, sendo explorado comercialmente pelo setor prioridade de responsabilidade do estado e municípios. E
privado. a educação infantil como responsabilidade dos municípios,
A modernização em curso pretende reformar o es- supondo dessa forma que as escolas tornar-se-iam mais
tado para transformá-la em estado mínimo desenvolver a sensíveis à dinâmica do mercado.
economia, fazer a reforma educacional e aumentar o poder
da iniciativa privada. O desaparecimento de um poder centralizador per-
No Brasil, a modernização neoliberal assim como as mitia que a maioria das atividades de serviços do governo
anteriores não toca na estrutura piramidal da sociedade. poderia ser delegada vantajosamente a autoridades regio-
Apenas amplia sua verticalidade, que se nota pelo aumento nais ou locais, totalmente limitadas em seus poderes coer-
do número de desempregados, de moradores de rua, de
citivos pelas regras ditadas por uma autoridade legislativa
mendigo e etc..., em outras palavras, a pirâmide social se
superior.
mantém e as desigualdades sociais crescem. Para a edu-
Doravante esta autonomia é apenas administrativa, as
cação o discurso neoliberal parece propor um tecnicismo
reformado. Os problemas sociais, econômicos, políticos e avaliações, os livros didáticos, os currículos, os programas,
culturais da educação se convertem em problemas admi- os conteúdos, os cursos de formação e scalização conti-
nistrativos, técnicos de reengenharia. A escola ideal deve nuam sendo centralizados, porém se torna também des-
ter gestão e ciente para competir no mercado. O aluno se centralizado quando se refere a questão nanceira.
transforma em consumidor do ensino e o professor um fun- Essa estratégia de des-responsabilizaçao do estado
cionário treinado e competente para preparar seus alunos para com a educação, esta cada vez mais contribuindo para
para o mercado de trabalho e para fazer pesquisas práticas a redução da ofertas dos serviços educacionais ao povo
e utilitárias a curto prazo. brasileiro.
Neste contexto, a proposta educativa referendada pela
A partir das colocações de Marrach (1996), Podemos lei máxima da educação em nosso país tem provocado a
entender que, além de querer diminuir a responsabilidade desestrutura do sistema educativo público e estimulando
do estado, o neoliberalismo mantém um caráter meritocrá- assim a privatização do ensino de forma competitiva.
tico no ensino, por trás da ideia de competitividade e livre Uma vez que ao ser transferida para a esfera do merca-
escolha entre as várias opções de mercado. do, a educação deixa de ser direito universal e passa a ser
As propostas neoliberais com relação a educação se- condição de privilegio, tornando-se seletiva e excludente.
guem a lógica de mercado, restringindo a ação do estado
Quando o estado começa a compartilhar as responsa-
a garantia da educação básica e deixando os outros níveis
bilidades pela educação com a iniciativa privada, ela rea-
sujeitos as leis de oferta e procura.
rma que a educação é uma questão pública, mas não é
Os sinais da in uência neoliberal na educação, foram
mais evidenciadas a partir da década de 60, pois deu início necessariamente estatal.
ao processo de privatização da educação com a colabo-
ração dos agentes do golpe de 64 cujo tinham a nidades Lei federal n◦ 9.394/ 1996 lei de diretrizes e bases da
ideológicas com os grupos que defenderam a LDB de orien- educação nacional.
tação privatista e que deram origem a lei n◦ 4.024/61.
Após 64 o ensino privado cresceu teve uma expansão Art.2◦ A educação, dever da família e do estado, inspi-
considerável. A primeira LDB favorecia os interesses priva- rada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidarieda-
dos onde permitia que em níveis federais e estaduais os de humana, tem por nalidade o pleno desenvolvimento do
empresários da educação ocupassem cargos nos conselhos educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
da educação. quali cação para o trabalho.

20
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Art 7◦ O ensino é livre a iniciativa privada, atendidas as Neste âmbito nota-se que o currículo transforma a es-
seguintes condições: cola em um espaço que produz e legitima os interesses
I- Cumprimento das normas gerais da educação na- econômicos e políticos das elites empresariais, a sala de
cional e do respectivo sistema de ensino; aula passa a ser um local exclusivo de reprodução dos va-
II- Autorização de funcionamento e avaliação de qua- lores, das atitudes e dos comportamentos da classe média
lidade pelo poder público; alta, interferindo assim na subjetividade do aluno.
III- Capacidade de auto nanciamento ressalvado e O neoliberalismo, também in uencia na formação do
previsto no art.213 da constituição federal. professor na atualidade. As mudanças que ocorreram na
Art 19◦ As instituições de ensino dos diferentes níveis estrutura da sociedade, no processo de trabalho com a in-
classi cam-se nas seguintes categorias administrativas: (re- trodução de novas tecnologias e com o esgotamento do
gulamento) fordismo, passaram-se então a exigir a formação de um
I- Publicas, assim entendidas as criadas ou incorpora- outro trabalhador, mais exível e ciente e polivalente.
das, mantidas e administrada pelo poder público; A criação da educação a distância, a instalação de apa-
II- Privadas, assim entendidas as mantidas e adminis- relhos de tv em cada escola, 58 milhões de livros didáti-
tradas por pessoas físicas ou jurídicas de direito privado. cos distribuídos anualmente para as escolas, a reforma do
currículo e a avaliação das escolas por meio de testes com
premiação à aquela com maior desempenho, são medidas
Essas entre outras leis fazem parte da organização edu- que pretendem adequar o Brasil a nova ordem.
cacional com ideias neoliberais para com a sua formulação. O art. 21 da LDB cria uma nova estrutura para a educa-
Como pudemos analisar a questão do privado como parte ção escolar, constituída de dois níveis de escolarização, que
a substituir as responsabilidades do estado. é a educação básica e a educação superior, e a formação do
Podemos neste momento também discutir a organi- professor também sofre alterações com essas mudanças.
zação do currículo escolar uma vez que ele é organizado
conforme os critérios da LDB cujo é elaborado com ideais Segundo o art. 62 da LDB, toda a formação de docen-
neoliberais. tes para todos os níveis da educação deverá ser feita em
Antes de qualquer coisa devemos perceber que o currí- nível superior com licenciatura plena em universidades e
culo não é um elemento neutro e inocente, com desinteres- institutos de educação. Logo podemos perceber que es-
se na transmissão do conhecimento social. Ele não é mais tas mudanças expressam uma concepção organizativa da
meramente técnico, ele esta guiado agora por questões educação superior fundadas em diagnostico de crise des-
políticas sociológicas e epistemológicas. Logo podemos te nível. Cabe então perguntar: até que ponto as diretrizes
a rmar que o currículo está moldado para as suas determi- para a formação de professores levam a autonomia ou a
nações sociais, na transmissão de ideologias interessantes adaptação do sistema em funcionamento?
a elite burguesa da sociedade, O currículo logo esta impli- Para Gadotti (1974), o papel do professor é fundamen-
cado nas relações de poder uma arena política. tal e sua formação assume uma função central nas polí-
O currículo sob o olhar da LDB, busca ser feita criterio- ticas educacionais. Esse pro ssional precisa ser preparado
samente, pois é um instrumento para alcançar a cidadania para contribuir com os ajustes da educação as exigências
alvo, ou seja, pretendida. do capital, desta forma quem irá determinar os conteúdos
No entanto essas diretrizes formuladas e impostas de- de ensino e atribuir sentido prático aos educadores será o
vem ser garantidas a m de manter a ideologia dominante mundo econômico. Podendo servir na realidade, submeter
como já pudemos discutir e entender anteriormente. Tendo a formação a racionalidade que facilita uma dominação,
com isso uma visão mais crítica e minuciosa das questões com a quebra de toda resistência por meio da formação de
que norteiam a educação brasileira, dentro da política neo- indivíduos que respondam as exigências do mercado, mas
liberal. que não tenham desenvolvido as capacidades críticas que
contribuam para buscar a utilização dos conhecimentos
Os currículos devem ter uma base nacional comum a como uma forma de emancipação.
todas as instituições seja ela privada ou publica, ajustando Segundo Moacir Gadotti (2001), os educadores na con-
apenas ao público de cada local, assim determina a LDB. temporaneidade têm a necessidade de dar uma especial
Segundo a LDB os currículos obrigatoriamente devem atenção às necessidades da nossa sociedade que é a ne-
abranger, o estudo da língua portuguesa e da matemática, cessidade do povo. O autor cita o exemplo da formação
o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade do pedagogo no Brasil que por sua vez deixou de ser “A
social e política. tomada de consciência dos problemas educacionais” e tor-
Também estabelece a lei como diretriz para o ensino nou-se uma formação voltada para várias habilitações di-
médio o domínio do conhecimento de loso a e sociologia. ferenciadas (supervisão, orientação, administração, inspe-
Ou seja, dessa forma é corpori cado um conhecimento ção e planejamento), cita mais que “nenhuma pedagogia é
com pontos de vista de grupos que socialmente dominan- neutra, toda pedagogia é política”.
tes. Valerão apenas os conhecimentos institucionalizados A rma ainda que a formação do educador sempre es-
seguidos de uma cultura imposta como única, padronizada teve voltada para a reprodução do individualismo, o verda-
para tal m com objetivos concretos e lógicos para a ma- deiro papel da educação como transformadora e conscien-
nutenção do sistema capitalista. tizadora vem se esvaziando ao longo do tempo.

21
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Para tanto como se pode transformar a educação qual A questão do âmbito familiar no processo de apren-
a possibilidade de corromper com aquilo que reproduz? dizagem do indivíduo, é um fator observado por Bourdieu
Moacir propõe uma educação libertadora onde o educador no intuito de discutir e analisar a bagagem cultural e o su-
se posicione e não seja de forma alguma omisso as gran- cesso escolar, Burdieu chama essa bagagem cultural de ba-
des questões que norteiam e consequentemente reprimem gagem socialmente herdada. Dentro desta bagagem estão
severamente a sociedade, e também lutem contra a educa- tais fatores; capital econômico, capital social, capital cultu-
ção dominante que é totalmente imposta juntamente com ral institucionalizado. O capital econômico é aquele onde
a ideologia e a legitimação do “status quo” dos sistemas o indivíduo tem acesso aos bens e serviços a partir desse
educacionais. O professor comprometido com a educação capital, capital social, são os conjuntos de in uencias que
segundo Moacir deve ser um político em luta constante. são mantidas pelos familiares e o capital cultural institucio-
Enquanto a educação reproduz a sociedade, a con- nalizado, são aqueles que podem ser obtidos nos centros
tradição e o con ito não são tão manifestos porque a educacionais ou seja por títulos escolares.
Doravante, Bourdieu observa que o verdadeiro e o
reprodução é dominante: a educação faz o que a classe
maior centro de desenvolvimento do educando é a família,
dominante lhe pede, nesse contexto, o que poderíamos
a partir da herança cultural familiar que se é formado a es-
chamar de pedagogia transformadora? Certamente aquela
trutura social de uma sociedade, logo a formação inicial do
pedagogia que não tenta esconder as contradições exis-
indivíduo se dá de dentro para fora, do seio familiar para
tentes na sociedade, mas tenta mostrá-las: a contradição, o exterior caracterizando assim o indivíduo pela bagagem
por exemplo, de uma escola que se diz igual para todos e socialmente herdada, dessa forma o destino escolar de in-
a seletividade escolar. divíduos com capital social teria maior de nição.

O educador deve, no entanto ser crítico, e enfrentar os A partir desta analise, Bourdieu a rma que as crianças
desa os que lhe são colocados para uma educação liberta- que são oriundas de meios favorecidos terão maior facili-
dora, pois a educação é sem dúvida um grande espaço de dade de aprendizado escolar, diferentemente das crianças
luta. Por isso não devemos nos acomodar e muito menos oriundas dos meios menos favorecidos que ao passar pelo
fazer vista grossa aos problemas da sociedade em especial mesmo processo de educação não terá tanto signi cado,
na educação. pois são coisas extremamente distantes de sua realidade.
Uma pedagogia do con ito deve estar presente em Ele observa ainda que a avaliação escolar vai muito
cada um de nós enquanto educadores, na esperança de além de uma simples veri cação da aprendizagem, incluin-
um futuro melhor para a educação brasileira. do um verdadeiro julgamento cultural e até mesmo moral
Ao novo educador compete refazer a educação, rein- dos alunos. Cobram-se que os alunos tenham um estilo
ventá-la e criar condições para que possibilite que a educa- elegante de falar, escrever e até mesmo de se comportar,
ção seja realmente democrática criar alternativas para que que sejam intelectualmente curiosos, interessados e disci-
se formem um novo tipo de pessoas, pessoas mais soli- plinados que saibam cumprir adequadamente as regras da
dárias com o intuito de superar o individualismo que fora “boa educação” para que se mantenha essa regra, o neo-
criado pela grande exploração do trabalho. liberalismo reforça paulatinamente a sua ideologia domi-
Todavia esses e novos projetos e novas alternativas não nante.
poderão jamais ser elaborados pelos tecnoburocratas da Bourdieu a rma que as exigências impostas pela es-
educação. Essa reeducação dos educadores já começou cola só poderão ser concretizadas se o indivíduo for so-
sendo ela extremamente necessária e possível a rma Moa- cializado na família previamente. O capital cultural é, no
cir Gadotti. entanto, um fator importantíssimo na sociedade neolibe-
ral, observa ainda que o título escolar é avaliado confor-
Pierre Bourdieu (2002) também discute a questão da
me a sua quantidade de ofertas e a desvalorização desse
educação na sociedade, Bourdieu faz uma análise sobre a
título ocorre quando o seu acesso é facilitado. Ele faz uma
origem social do educando na sociedade, a rmando que,
análise da credibilidade do ensino nas diferentes classes:
o desempenho escolar do indivíduo não depende apenas
populares, medias e elites concluindo que, as classes po-
dos dons individuais, mas sim também dos fatores como; pulares que são pobres em capital cultural, social e econô-
classe, etnia, sexo, local de moradia entre outros. mico, investem muito menos na educação dos seus lhos
Bourdieu (2002) a rma ainda que a massi cação do isso se deve a alguns fatores, tais como a chance reduzida
ensino na década de 60 trouxe a desvalorização dos títulos de sucesso, a consciência de que com a falta dos capitais
escolares, e com isso também à elevada frustração dos jo- necessários para um bom desempenho escolar o retorno
vens das classes média e populares. do investimento será totalmente incerto e mínimo uma vez
A educação na percepção de Bourdieu perde seu papel que é preciso ter posse de algum capital para o crescimen-
de transformadora e democratizadora passando a ser uma to intelectual do indivíduo, Bourdieu chama esse tipo de
instituição que legitima os privilégios sociais, uma vez que adoção de “liberalismo” onde a trajetória escolar dos lhos
a escola ao de nir seu currículo seu método e sua avaliação da classe popular não teria um acompanhamento regulado
passa com isso a reproduzir as desigualdades sociais. e nem uma cobrança dos pais para a obtenção do sucesso
escolar, mas sim apenas o necessário para a sua própria
manutenção dentro da sociedade.

22
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

As classes medias, ao contrário das populares tendem a A desigualdade manifesta-se, por exemplo, na distân-
investir maciçamente na educação dos seus lhos, as famí- cia entre as rendas dos mais ricos e dos mais pobres. Nos
lias desse grupo possuem capitais mais elevados e razoáveis, Estados Unidos a quinta parte rica da população recebia
que os permitem investir na educação, Bourdieu a rma ain- 50% do produto nacional em 1995, no início do governo
da que a classe média geralmente é originaria da classe po- Reagan, recebiam 41% e, no m, 44%, na Alemanha ou Itá-
pular que conseguiram por meio da educação ascenderem lia 40%, na Holanda Suécia e Noruega, 37%. No Chile, 62%
socialmente e chegar a classe média. Dessa forma os levam a frente a isto, no Chile, os 25% mais pobres recebem 3,5%
acreditar com esperanças que a educação é a melhor forma do produto.
de ascensão dos seus lhos a uma classe ainda superior à A desigualdade é tão grande que a democracia não se
dos pais, Bourdieu chama essa conduta da classe média de torna compatível, pois se é necessário uma certa igualdade
“ascetismo” onde a classe média renuncia os seus prazeres para que haja uma democracia no país. Contudo com o ní-
imediatos tais como; compras, passeios e etc. para garantir vel de pobreza elevadíssimo, o cidadão logo não participa
a boa educação aos lhos com a valorização da disciplina, e nem participara da democracia.
autocontrole e educação intensiva nos estudos. Cita ainda o Desde a instalação do programa neoliberal, outro fator
“malthusianismo” como forma de controle da fecundidade, que mais prejudica o cidadão é o desemprego. É alarmante
como estratégia de concentração de investimentos. o número de desempregados no país atualmente. As esta-
As elites no mesmo âmbito tendem a investir forte- tísticas governamentais buscam, no entanto sempre ocul-
mente na educação da prole, porém de uma forma “laxis- tar essa realidade comum na sociedade.
ta” como diz Burdieu, pois não será necessário um esforço O trabalho hoje na informalidade e até mesmo na ile-
muito grande uma vez que o sucesso escolar dos lhos da galidade se tornou a saída para as pessoas que se encon-
elite ocorre de forma natural, o fracasso seria algo imprová- tram desempregadas e que não possuem a quali cação
vel uma vez que esse indivíduo terá condições de um bom mínima exigida pelo mercado de trabalho a rma Comblim.
desempenho escolar, mediante a obtenção do volume dos Segundo Comblim José as razoes para o desemprego
capitais acumulados. seria a competitividade onde as razoes sociais desapare-
Bourdieu chama essas características da escolarização
cem ou não existem prevalecendo apenas as razoes eco-
dos lhos de “habitus familiar” sendo criticado por vários
nômicas.
teóricos acerca desse tema.
Muitos desempregados entram na categoria dos ex-
cluídos e merecem essa designação. Perdem estímulo, or-
Por mais que se democratize o acesso ao ensino por
gulho, dignidade pessoal, praticam a auto destruição. A
meio da escola pública e gratuita, continuará existindo uma
mesma coisa acontece com tantos jovens que não acham
forte correlação entre as desigualdades ou hierarquias in-
trabalho e já estudaram tudo o que podiam estudar. Vão
ternas ao sistema de ensino. Essa correlação só pode ser
explicada, na perspectiva de Burdieu, quando se considera junta-se aos que, desde o início, pertenceram a economia
que a escola dissimuladamente valoriza e exige dos alunos informal porque sempre souberam que nunca haveria em-
determinadas qualidades que são desigualmente distribuí- prego para eles. Frequentemente, os excluídos chegam a
das entre as classes sociais, notadamente, o capital cultural e perder até uma casa. Não podem mais pagar aluguel. Ou
uma certa neutralidade no trato com a cultura e o saber que vivem com parentes ou constroem uma favela. Os piores
apenas aqueles que foram desde a infância socializados na vivem na rua. A classe dos excluídos cresce, o sistema vai
cultura legitima podem ter. gerando levas e levas de excluídos: estes já não participam
Pode se concluir então que a escola é o processo de mais da vida social cam revoltados, desencantados. Mui-
reprodução das desigualdades sociais que busca legitimar a tas vezes tornam-se violentos ou cedem aos vícios: não é
dominação exercida pelas classes dominantes, sendo assim sem razão que as drogas são os sinais mais evidentes da
o seu currículo é moldado conforme o interesse da classe presença de uma sociedade neoliberal.
dominante. No entanto também é preciso ainda mais inves-
tigar e analisar a estrutura social e o processo de aprendiza- No trecho citado acima o autor deixa muito claro que
gem na sociedade em que estamos inseridos. o desemprego é um fator de extrema catástrofe na vida
de uma pessoa tanto no campo emocional como no fami-
Critica a in uência neoliberal na educação liar, ele remete também a questão dos excluídos de onde
ele faz um levantamento muito signi cativo, que seria o
Para começarmos este capitulo, não poderíamos deixar fato de muitos escolarizados estarem também passando
de falar dos efeitos sociais que o neoliberalismo trouxe e pelo mesmo problema de desemprego e logo partirem
que permanecem até os dias de hoje, prejudicando a vida pelo mesmo caminho da informalidade. Driblar as másca-
dos cidadãos na sociedade. ras neoliberais é, no entanto uma tarefa árdua e difícil pois
O primeiro grande efeito social é o aumento signi ca- suas ideologias são massacrantes e fazem se tornar legiti-
tivo da desigualdade que nos últimos anos se tornou cres- mas diante da sociedade.
cente e muito preocupante em todo o país, até mesmo no Na questão educacional como não poderíamos deixar
Chile aumentou o índice de desigualdade, o Chile que era o de discutir nesta presente monogra a, o neoliberalismo
único país que mostrava uma diminuição na proporção de afeta com abrangência e utiliza-se de suas ideologias para
pobres na população tem agora um aumento nesta mesma os rumos educacionais onde a cultura do mercado se faz
proporção segundo o autor Comblim José. valer que é o de comprar e consumir.

23
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Doravante o sentido real no neoliberalismo da arte esta no Não é possível pensar os seres humanos longe, sequer,
valor do quadro da escultura, na música a quantidade de dvds da ética, quanto mais fora dela. Estar longe, ou pior, fora da
e cds que são vendidos, na invenção cienti ca seria a quanti- ética, entre nós, homens e mulheres, é uma transgressão. É
dade em milhões que serão economizados com tais invenções por isso que transformar a experiência educativa em puro
e até mesmo a valor da natureza se resultaria na quantidade treinamento técnico é amesquinhar o que há de funda-
de visitantes turistas e os dólares deixados no local, no esporte mentalmente humano no exercício educativo: o seu caráter
também não é diferente os ingressos vendidos da partida que formador. Se respeita a natureza do ser humano, o ensino
diz qual é o seu valor real na economia. dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação moral
Partindo desse princípio é notório observar que tudo na do educando. Educar é substantivamente formar.
cultura tem o seu valor girando assim no preço das coisas se
o produto não rende logo ele não será válido.Com essa forte Paulo Freire (2000) em seu trabalho pedagogia da
ideologia neoliberal podemos perceber as in uencias e os re- autonomia, a rma que a educação seja ela bem ou mal
exos tão negativos na educação.
ensinados e ou aprendidos, serve como base para a pura
Não é somente o dinheiro ou bens materiais que cam
reprodução da ideologia dominante ou para o seu desmas-
nas mãos de poucos mas também o conhecimento e tecno-
caramento. A educação não é neutra a reprodução ou a
logias, a sociedade é levada a acreditar no sistema neoliberal,
contestação da ideologia, Freire a rma que para a elite do-
que essa relação é uma condição natural e que apenas a mino-
ria devem gozar de muitos privilégios e a grande maioria nada minante a educação deve ser uma pratica “imobilizadora e
ter pois não podem pagar por eles. ocultadora de verdades” neutra.
Neste contexto, a educação de qualidade logo será con- A ideia de aproximação crítica da realidade esta visivel-
cedida à aqueles que realmente possuem meios para assegurá mente fundada na concepção de educação quando Freire
-las e não como diz a lei de diretrizes e bases que a educação a rma que a educação transformadora e humanizadora,
é um direito de todos, a educação de qualidade não é e nem, logo deve ser aquela que de uma forma ou de outra cons-
será direcionada a classe dos excluídos, pois o poder público cientize o homem para que com isso possa ele ter atitudes
não garante essa qualidade para os mesmos. Tendo este fator críticas em torno daquilo que o circunda e não aceite de
vigente da falta de políticas públicas nos campos educacionais, forma estanque os problemas sociais em que se encontra a
faz com que segundo Gentilli (1996), que o neoliberalismo sociedade com o modelo neoliberal. Diz ainda que o neoli-
logo trate de transferir a educação para a esfera mercadológi- beralismo desconsidera os interesses humanos favorecen-
ca. Consomem aqueles que por ela podem pagar da mesma do os interesses do mercado, citando o exemplo do em-
forma que compra um utensílio doméstico de alto valor. presário e do operário, onde o empresário não concordaria
que o seu operário comece a discutir os problemas sociais
A grande operação estratégica do neoliberalismo consiste tais como; “o desemprego no mundo é uma fatalidade do
em transferir a educação da esfera política para a esfera do m deste século”. E por que fazer a reforma agrária não é
mercado, questionando assim seu caráter de direito e redu- também uma fatalidade? E por que acabar com a fome e a
zindo-a a sua condição de propriedade. É neste quadro que se miséria não são igualmente fatalidades de que não se pode
reconceitualiza a noção de cidadania, através de uma revalo- fugir? “ou seja esse tipo de discussão não cabe nos progra-
rização da ação do indivíduo enquanto proprietário, enquan- mas de aperfeiçoamento técnico ou de alfabetização ofe-
to indivíduo que luta por conquistar (comprar) propriedades recidos pelo empresário, ele apenas estimula e patrocina o
mercadorias de diversa índole, sendo a educação uma delas. aperfeiçoamento técnico e recusa a formação que discuta
O modelo de homem neoliberal é o cidadão privatizado, o in- a presença do homem no mundo.
terpreneur, o consumidor. Freire conclui ainda que, muito mais sério ainda é a fa-
cilidade que temos em aceitar o que nos vemos e ouvimos,
Segundo Gentilli (1996), o neoliberalismo busca monopo-
a capacidade de nos escondermos da realidade, manter-
lizar o poder e está presente no âmbito educacional, logo a
mos-nos na obscuridade na verdade nos cegar mediante
educação ela é moldada de acordo com os interesses da classe
as verdades distorcidas. Essa ideologia de amaciamento do
dirigente na economia. Se o interesse neoliberal é lucrativida-
de logo o interesse deles é quali car a mão de obra no intui- neoliberalismo, nos leva de forma lenta e sempre, a acre-
to de servir as necessidades do mercado para lhes garantir a ditar que as coisas existem por elas mesmas não sofreram
lucratividade, transformar o indivíduo em um ser pensante as interferências das elites, como por exemplo a globalização
realidades que os cercam esta fora de cogitação, pois não seria da economia. A globalização ela é tida como algo natural
interessante formar pensadores, mas sim mão de obra barata. na ideologia neoliberal e não como uma produção históri-
Segundo Paulo Freire (2000), não deveríamos ter uma ca. Freire critica com toda a sua força o modelo neoliberal e
educação que quali ca o homem somente para o mercado, como ele mesmo diz a malvadeza que o capitalismo tem
mas também uma educação que humanize o sujeito tornando em aumentar a riqueza de alguns poucos e de forma cruel
-o um cidadão que seja crítico-re exivo e que atue na socieda- verticalizar a pobreza e a miséria de milhões de pessoas. A
de. Freire a rma que a educação sozinha não forma o cidadão ideologia como já vimos tem esse grande poder de per-
ela é limitada, não contribuído desta forma para a formação suasão, ela nos anestesia, e consegue com muita facilidade
do sujeito ético e preparado também para com seu próximo distorcer a percepção que temos dos fatos, das coisas e dos
conviver. acontecimentos.

24
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Para Gaudêncio Frigotto (2001), a escola é um porto se- dades pro ssionais do educador escolar, com a consequen-
guro para os ataques neoliberais, a partir do momento em te desquali cação de seu trabalho e o aviltamento de seus
que os poderes dos organismos internacionais como o FMI, salários, deu-se algo de semelhante: na medida em que não
Banco mundial, organização mundial de comercio (OMC) interessava à classe detentora do poder político e econômico,
passam a participar das reformas educacionais, reforçando a pelo menos no que diz respeito à generalização para as mas-
educação como um bem de consumo com valor previamente sas trabalhadoras, mais que um ensino de baixíssima quali-
estipulado. dade, o estado, como porta voz dos interesses dessa classe,
passou a dar cada vez menor importância a educação pública.
Estes por sua vez para alcançar com total plenitude o su-
cesso de seus objetivos, utilizam-se de ideologias e facetas A ideia de desquali cação está logo ligado a intensi ca-
consistentes para tentar passar a ideia de que as intenções ção maçante do trabalho, e o que leva a este fenômeno não é
são as melhores possíveis e que podem com elas solucionar de forma alguma difícil de se perceber, que é, a baixa remune-
as crises do modelo capitalista, dentre elas a crise educacional. ração para o pro ssional, o cumprimento de outros cargos na
A partir desta analise podemos identi car que o projeto educação ou não, sem sair da sala de aula, uma necessidade
neoliberal de educação trata a educação como “coisi cadora” de capacitação frente as tecnologias educacionais crescentes.
ou seja, uma educação que por sua vez manipula o educan- No entanto os resultados deste processo não poderiam
do a se moldar aos padrões de mercado, como já vimos an- de forma alguma ser diferente e o trabalho docente está cada
teriormente, tornando assim o conhecimento em um objeto dia mais se descon gurando.
comercial. Na escola privada os professores possuem menos auto-
Não podemos também nesta presente monogra a deixar nomia ainda para a organização do seu material de estudo,
de citar as condições de trabalho e de vida dos trabalhadores são obrigados a utilizar os materiais determinados e impostos
da educação no sistema neoliberal. pelas escolas com moldes empresariais.
Os professores e os demais funcionários da educação vi- O professor é um proletário sujeito a todas as mudanças
vem hoje em situações de baixa remuneração, as condições do mercado de trabalho. Se a lógica neoliberal é lucrar e o
de trabalho péssimas ou inadequadas e além disso tudo o investimento em mão de obra ser o mínimo, logo a desqua-
grande desprestigio do trabalho docente junto aos governos. li cação do pro ssional da educação é uma ótima condição
Para Henrique Paro (1999), o trabalho do professor vai para a manutenção do sistema.
muito além da sala de aula, isso se deve a grande agitação Dessa forma o sistema neoliberal passa a empregar a for-
do trabalho semanal em que o atual professor se encontra, ça de trabalho sem quali cação, aumentando a competitivi-
trabalhando em várias escolas e com baixa remuneração o dade e reduzindo os salários.
educador ca sem tempo para dar conta de tudo com a qua- As condições de trabalho as quais os professores estão
lidade devida, acaba por levando o seu trabalho para casa e sendo submetidos, e a instabilidade do corpo docente e téc-
utilizando até mesmo o seu nal de semana devido à enorme nico impedem a construção de qualquer tipo de projeto a ser
quantidade de trabalho, os seus dias de descanso, os nais realizado no âmbito educacional.
de semana e feriados estão sendo ocupados pelo trabalho As políticas públicas deveriam sem dúvida criar mecanis-
acumulado este sem nenhuma remuneração. mos para assegurar a estabilidade dos educadores, isso im-
O professor por sua vez acaba com isso aplicando as plica em melhores salários, condições de trabalho digno e a
mesmas aulas planejadas sem tempo para atualizá-las, o que valorização dos educadores.
demonstra a rotinização do trabalho e também uma trans- Para Henrique Paro (1999) o educador não deve de forma
missão mecânica dos conteúdos. alguma ser expropriado do saber e muito menos alienado as
Na intenção de maximizar o seu tempo de trabalho o questões sociais para que ele possa ter uma relação educador
professor acaba por optar por esse tipo de transmissão o sis- -educando na existência do saber.
tema não valoriza seu trabalho logo não oferece o mínimo de
condições para a realização de sua tarefa educacional. Para a tal valorização que esperamos para os pro ssio-
nais da educação faz se necessário uma mudança imediata do
Na indústria, a desquali cação do operário deu-se por modelo econômico vigente, e fazendo-se necessário implan-
força da divisão pormenorizada do trabalho, que visava a tar um novo modelo para que possamos construir um siste-
maior produtividade. Na escola, embora não se possa menos- ma educacional único, público e laico que, integre as massas
prezar a divisão do trabalho como fator de desquali cação populares ao mundo da ciência e da cultura e também que
pro ssional, não se deve desprezar também outros aspectos contribua, no entanto para o crescimento e a independência
especí cos da realidade escolar. Neste contexto, é justo a r- tecnológica e cienti ca.
mar que o ponto de partida dessa desquali cação não foi a Para tal fator devemos unir lutas com demais lutas dos
preocupação com a e ciência da escola, mas precisamente a trabalhadores, contra esse modelo capitalista neoliberal.
desatenção para com a degradação de seu produto. Como Florestan Fernandes (1986) em seu trabalho sobre a for-
acontece em qualquer processo de produção, na medida em mação política e o trabalho do professor faz uma discussão
que o bem ou serviço a ser produzido pode ser de qualidade em torno da formação atual do professor, a gura do profes-
bastante inferior, passa-se utilizar, em sua elaboração, meios sor enquanto cidadão e seu papel decisivo na sociedade bem
de produção e mão de obra de qualidade também inferior, os como a sua aceitação de condição de assalariado que logo
quais estão disponíveis, geralmente, em maior quantidade e proletariza sua consciência dentro do sistema.
a preços mais baixos. No processo de degradação das ativi-

25
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Ele é uma pessoa que esta em tensão política perma- aprendizagem vivenciados pela criança na Educação Infantil
nente com a realidade e só pode atuar sobre essa realida- da escola anterior. Mesmo no interior do Ensino Fundamental,
de se for capaz de perceber isso politicamente. Portanto a há de se cuidar da uência da transição da fase dos anos ini-
disjunção da pedagogia ou da loso a e das ciências ou da ciais para a fase dos anos nais, quando a criança passa a ter
arte, com relação à política, seria um meio suicida de reagir. É diversos docentes, que conduzem diferentes componentes e
algo inconcebível e é retrogrado. O professor precisa se colo- atividades, tornando-se mais complexas a sistemática de es-
car na situação de um cidadão de uma sociedade capitalista tudos e a relação com os professores.
subdesenvolvida e com problemas especiais e, nesse quadro, A transição para o Ensino Médio apresenta contornos
reconhecer que tem um amplo conjunto de potencialidades, bastante diferentes dos anteriormente referidos, uma vez
que só poderão ser dinamizadas se ele agir politicamente, se que, ao ingressarem no Ensino Médio, os jovens já trazem
conjugar uma pratica pedagógica e ciente a uma ação da maior experiência com o ambiente escolar e suas rotinas;
mesma qualidade. além disso, a dependência dos adolescentes em relação às
Florestan (1986), discute ainda que o professor precisa ter suas famílias é quantitativamente menor e qualitativamen-
uma consciência política para lutar em prol dos interesses da te diferente. Mas, certamente, isso não signi ca que não
classe e por uma revalorização econômica da categoria den- se criem tensões, que derivam, principalmente, das novas
tro do sistema. expectativas familiares e sociais que envolvem o jovem. Tais
Estar ciente que estamos sendo submetidos a um sistema expectativas giram em torno de três variáveis principais
elitista e excludente, se faz necessário para encarar os proble- conforme o estrato sociocultural em que se produzem: a)
mas sociais de forma crítica e re exiva perante o sistema, logo os “con itos da adolescência”;
o professor não pode estar alheio aos acontecimentos, se ele b) a maior ou menor aproximação ao mundo do traba-
quer alguma mudança deve tentar realizá-los nos dois níveis lho; c) a crescente aproximação aos rituais da passagem da
dentro e fora da escola e unir o seu papel de cidadão ao seu Educação Básica para a Educação Superior.
papel de educador para que possa ele pensar politicamente, Em resumo, o conjunto da Educação Básica deve se
que é uma coisa que não se aprende fora da prática. constituir em um processo orgânico, sequencial e articula-
do, que assegure à criança, ao adolescente, ao jovem e ao
Fonte: SILVA, S. D. da. A in uência neoliberal na educação. adulto de qualquer condição e região do País a formação
comum para o pleno exercício da cidadania, oferecendo as
IMPLICAÇÕES DAS POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A
condições necessárias para o seu desenvolvimento integral.
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ESCOLAR
Estas são nalidades de todas as etapas constitutivas da
Educação Básica, acrescentando-se os meios para que pos-
A articulação das dimensões orgânica e sequencial das
sa progredir no mundo do trabalho e acessar a Educação
etapas e modalidades da Educação Básica, e destas com a
Superior. São referências conceituais e legais, bem como
Educação Superior, implica a ação coordenada e integradora
desa o para as diferentes instâncias responsáveis pela con-
do seu conjunto; o exercício efetivo do regime de colaboração
cepção, aprovação e execução das políticas educacionais.
entre os entes federados, cujos sistemas de ensino gozam de
autonomia constitucionalmente reconhecida. Isso pressupõe
o estabelecimento de regras de equivalência entre as funções Acesso e permanência para a conquista da qualida-
distributiva, supletiva, de regulação normativa, de supervisão de social
e avaliação da educação nacional, respeitada a autonomia dos
sistemas e valorizadas as diferenças regionais. Sem essa arti- A qualidade social da educação brasileira é uma con-
culação, o projeto educacional – e, por conseguinte, o projeto quista a ser construída de forma negociada, pois signi ca
nacional – corre o perigo de comprometer a unidade e a qua- algo que se concretiza a partir da qualidade da relação en-
lidade pretendida, inclusive quanto ao disposto no artigo 22 tre todos os sujeitos que nela atuam direta e indiretamen-
da LDB: desenvolver o educando, assegurar-lhe a formação te. Signi ca compreender que a educação é um processo
comum indispensável para o exercício da cidadania e forne- de socialização da cultura da vida, no qual se constroem,
cer-lhe meios para progredir no trabalho e em estudos pos- se mantêm e se transformam conhecimentos e valores.
teriores, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de Socializar a cultura inclui garantir a presença dos sujeitos
solidariedade humana. das aprendizagens na escola. Assim, a qualidade social da
Mais concretamente, há de se prever que a transição en- educação escolar supõe a sua permanência, não só com a
tre Pré-Escola e Ensino Fundamental pode se dar no interior redução da evasão, mas também da repetência e da distor-
de uma mesma instituição, requerendo formas de articulação ção idade/ano/série.
das dimensões orgânica e sequencial entre os docentes de Para assegurar o acesso ao Ensino Fundamental, como
ambos os segmentos que assegurem às crianças a continui- direito público subjetivo, no seu artigo 5º, a LDB instituiu
dade de seus processos peculiares de aprendizagem e de- medidas que se interpenetram ou complementam, estabe-
senvolvimento. Quando a transição se dá entre instituições lecendo que, para exigir o cumprimento pelo Estado desse
diferentes, essa articulação deve ser especialmente cuidadosa, ensino obrigatório, qualquer cidadão, grupo de cidadãos,
garantida por instrumentos de registro – portfólios, relatórios associação comunitária, organização sindical, entidade de
que permitam, aos docentes do Ensino Fundamental de uma classe ou outra legalmente constituída e, ainda, o Ministé-
outra escola, conhecer os processos de desenvolvimento e rio Público, podem acionar o poder público.

26
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Esta medida se complementa com a obrigatoriedade atri- ras, e, portanto, reforça a premência de se criarem processos
buída aos Estados e aos Municípios, em regime de colabora- gerenciais que proporcionem a efetivação do disposto no ar-
ção, e com a assistência da União, de recensear a população tigo 5º e no inciso VIII do artigo 12 da LDB, quanto ao direito
em idade escolar para o Ensino Fundamental, e os jovens e ao acesso e à permanência na escola de qualidade.
adultos que a ele não tiveram acesso, para que seja efetuada Assim entendida, a qualidade na escola exige de todos os
a chamada pública correspondente. sujeitos do processo educativo:
Quanto à família, os pais ou responsáveis são obrigados I – a instituição da Política Nacional de Formação de Pro-
a matricular a criança no Ensino Fundamental, a partir dos 6 ssionais do Magistério da Educação Básica, com a nalida-
anos de idade, sendo que é prevista sanção a esses e/ou ao de de organizar, em regime de colaboração entre a União, os
poder público, caso descumpram essa obrigação de garantia Estados, o Distrito Federal e os Municípios, a formação inicial
dessa etapa escolar. e continuada dos pro ssionais do magistério para as redes
Quanto à obrigatoriedade de permanência do estudan- públicas da educação (Decreto nº 6.755, de 29 de janeiro de
te na escola, principalmente no Ensino Fundamental, há, na 2009);
mesma Lei, exigências que se centram nas relações entre a II – ampliação da visão política expressa por meio de
escola, os pais ou responsáveis, e a comunidade, de tal modo habilidades inovadoras, fundamentadas na capacidade para
que a escola e os sistemas de ensino tornam-se responsáveis aplicar técnicas e tecnologias orientadas pela ética e pela es-
por: tética;
- zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à III – responsabilidade social, princípio educacional que
escola; norteia o conjunto de sujeitos comprometidos com o projeto
- articular-se com as famílias e a comunidade, criando que de nem e assumem como expressão e busca da qualida-
processos de integração da sociedade com a escola; de da escola, fruto do empenho de todos.
- informar os pais e responsáveis sobre a frequência e o Construir a qualidade social pressupõe conhecimento
rendimento dos estudantes, bem como sobre a execução de dos interesses sociais da comunidade escolar para que seja
sua proposta pedagógica; possível educar e cuidar mediante interação efetivada entre
- noti car ao Conselho Tutelar do Município, ao juiz com- princípios e nalidades educacionais, objetivos, conhecimen-
petente da Comarca e ao respectivo representante do Minis- to e concepções curriculares. Isso abarca mais que o exercício
tério Público a relação dos estudantes que apresentem quan- político-pedagógico que se viabiliza mediante atuação de
tidade de faltas acima de cinquenta por cento do percentual todos os sujeitos da comunidade educativa. Ou seja, efetiva-
permitido em lei. se não apenas mediante participação de todos os sujeitos da
No Ensino Fundamental e, nas demais etapas da Educa- escola – estudante, professor, técnico, funcionário, coordena-
ção Básica, a qualidade não tem sido tão estimulada quanto dor – mas também mediante aquisição e utilização adequada
à quantidade. Depositar atenção central sobre a quantidade, dos objetos e espaços (laboratórios, equipamentos, mobiliá-
visando à universalização do acesso à escola, é uma medida rio, salas-ambiente, biblioteca, videoteca etc.) requeridos para
necessária, mas que não assegura a permanência, essencial responder ao projeto político-pedagógico pactuado, vincula-
para compor a qualidade. Em outras palavras, a oportunidade dos às condições/disponibilidades mínimas para se instaurar
de acesso, por si só, é destituída de condições su cientes para a primazia da aquisição e do desenvolvimento de hábitos in-
inserção no mundo do conhecimento. vestigatórios para construção do conhecimento.
O conceito de qualidade na escola, numa perspectiva am- A escola de qualidade social adota como centralidade o
pla e basilar, remete a uma determinada ideia de qualidade de diálogo, a colaboração, os sujeitos e as aprendizagens, o que
vida na sociedade e no planeta Terra. Inclui tanto a qualidade pressupõe, sem dúvida, atendimento a requisitos tais como:
pedagógica quanto a qualidade política, uma vez que requer I – revisão das referências conceituais quanto aos diferen-
compromisso com a permanência do estudante na escola, tes espaços e tempos educativos, abrangendo espaços sociais
com sucesso e valorização dos pro ssionais da educação. Tra- na escola e fora dela;
ta-se da exigência de se conceber a qualidade na escola como II – consideração sobre a inclusão, a valorização das dife-
qualidade social, que se conquista por meio de acordo coleti- renças e o atendimento à pluralidade e à diversidade cultural,
vo. Ambas as qualidades – pedagógica e política – abrangem resgatando e respeitando os direitos humanos, individuais e
diversos modos avaliativos comprometidos com a aprendi- coletivos e as várias manifestações de cada comunidade;
zagem do estudante, interpretados como indicações que se III – foco no projeto político-pedagógico, no gosto pela
interpenetram ao longo do processo didático-pedagógico, o aprendizagem, e na avaliação das aprendizagens como ins-
qual tem como alvo o desenvolvimento do conhecimento e trumento de contínua progressão dos estudantes;
dos saberes construídos histórica e socialmente. IV – inter-relação entre organização do currículo, do tra-
O compromisso com a permanência do estudante na es- balho pedagógico e da jornada de trabalho do professor, ten-
cola é, portanto, um desa o a ser assumido por todos, por- do como foco a aprendizagem do estudante;
que, além das determinações sociopolíticas e culturais, das di- V – preparação dos pro ssionais da educação, gestores,
ferenças individuais e da organização escolar vigente, há algo professores, especialistas, técnicos, monitores e outros;
que supera a política reguladora dos processos educacionais: VI – compatibilidade entre a proposta curricular e a in-
há os uxos migratórios, além de outras variáveis que se re e- fraestrutura entendida como espaço formativo dotado de
tem no processo educativo. Essa é uma variável externa que efetiva disponibilidade de tempos para a sua utilização e aces-
compromete a gestão macro da educação, em todas as esfe- sibilidade;

27
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

VII – integração dos pro ssionais da educação, os estu- Organização da Educação Básica
dantes, as famílias, os agentes da comunidade interessados
na educação; Em suas singularidades, os sujeitos da Educação Básica,
VIII – valorização dos pro ssionais da educação, com pro- em seus diferentes ciclos de desenvolvimento, são ativos,
grama de formação continuada, critérios de acesso, perma- social e culturalmente, porque aprendem e interagem; são
nência, remuneração compatível com a jornada de trabalho cidadãos de direito e deveres em construção; copartícipes
de nida no projeto político-pedagógico; do processo de produção de cultura, ciência, esporte e arte,
IX – realização de parceria com órgãos, tais como os de compartilhando saberes, ao longo de seu desenvolvimento
assistência social, desenvolvimento e direitos humanos, cida- físico, cognitivo, socioafetivo, emocional, tanto do ponto de
dania, ciência e tecnologia, esporte, turismo, cultura e arte, vista ético, quanto político e estético, na sua relação com
saúde, meio ambiente. a escola, com a família e com a sociedade em movimento.
No documento “Indicadores de Qualidade na Educação” Ao se identi carem esses sujeitos, é importante considerar
(Ação Educativa, 2004), a qualidade é vista com um caráter di- os dizeres de Narodowski (1998). Ele entende, apropriada-
nâmico, porque cada escola tem autonomia para re etir, pro- mente, que a escola convive hoje com estudantes de uma
por e agir na busca da qualidade do seu trabalho, de acordo infância, de uma juventude (des) realizada, que estão nas
com os contextos socioculturais locais. ruas, em situação de risco e exploração, e aqueles de uma
Segundo o autor, os indicadores de qualidade são sinais infância e juventude (hiper) realizada com pleno domínio
adotados para que se possa quali car algo, a partir dos cri- tecnológico da internet, do orkut, dos chats. Não há mais
térios e das prioridades institucionais. Destaque-se que os como tratar: os estudantes como se fossem homogêneos,
referenciais e indicadores de avaliação são componentes cur- submissos, sem voz; os pais e a comunidade escolar como
riculares, porque tê-los em mira facilita a aproximação entre a objetos. Eles são sujeitos plenos de possibilidades de diá-
escola que se tem e aquela que se quer, traduzida no projeto logo, de interlocução e de intervenção. Exige-se, portanto,
político-pedagógico, para além do que ca disposto no inciso da escola, a busca de um efetivo pacto em torno do projeto
IX do artigo 4º da LDB: de nição de padrões mínimos de qua- educativo escolar, que considere os sujeitos-estudantes jo-
lidade de ensino, como a variedade e quantidade mínimas,
vens, crianças, adultos como parte ativa de seus processos
por estudante, de insumos indispensáveis ao desenvolvimen-
de formação, sem minimizar a importância da autoridade
to do processo de ensino-aprendizagem.
adulta.
Essa exigência legal traduz a necessidade de se reconhe-
Na organização curricular da Educação Básica, devem-
cer que a avaliação da qualidade associa-se à ação planejada,
se observar as diretrizes comuns a todas as suas etapas,
coletivamente, pelos sujeitos da escola e supõe que tais sujei-
modalidades e orientações temáticas, respeitadas suas es-
tos tenham clareza quanto:
peci cidades e as dos sujeitos a que se destinam. Cada eta-
I – aos princípios e às nalidades da educação, além do
reconhecimento e análise dos dados indicados pelo IDEB e/ou pa é delimitada por sua nalidade, princípio e/ou por seus
outros indicadores, que complementem ou substituam estes; objetivos ou por suas diretrizes educacionais, claramente
II – à relevância de um projeto político-pedagógico con- dispostos no texto da Lei nº 9.394/96, fundamentando-se
cebido e assumido coletivamente pela comunidade educa- na inseparabilidade dos conceitos referenciais: cuidar e
cional, respeitadas as múltiplas diversidades e a pluralidade educar, pois esta é uma concepção norteadora do projeto
cultural; político-pedagógico concebido e executado 35 pela comu-
III – à riqueza da valorização das diferenças manifestadas nidade educacional. Mas vão além disso quando, no pro-
pelos sujeitos do processo educativo, em seus diversos seg- cesso educativo, educadores e estudantes se defrontarem
mentos, respeitados o tempo e o contexto sociocultural; com a complexidade e a tensão em que se circunscreve
IV – aos padrões mínimos de qualidade (Custo Aluno o processo no qual se dá a formação do humano em sua
Qualidade inicial – CAQi7 ), que apontam para quanto deve multidimensionalidade.
ser investido por estudante de cada etapa e modalidade da Na Educação Básica, o respeito aos estudantes e a seus
Educação Básica, para que o País ofereça uma educação de tempos mentais, socioemocionais, culturais, identitários, é
qualidade a todos os estudantes. um princípio orientador de toda a ação educativa. É res-
Para se estabelecer uma educação com um padrão míni- ponsabilidade dos sistemas educativos responderem pela
mo de qualidade, é necessário investimento com valor calcu- criação de condições para que crianças, adolescentes, jo-
lado a partir das despesas essenciais ao desenvolvimento dos vens e adultos, com sua diversidade (diferentes condições
processos e procedimentos formativos, que levem, gradual- físicas, sensoriais e socioemocionais, origens, etnias, gêne-
mente, a uma educação integral, dotada de qualidade social: ro, crenças, classes sociais, contexto sociocultural), tenham
creches e escolas possuindo condições de infraestrutura e a oportunidade de receber a formação que corresponda à
de adequados equipamentos e de acessibilidade; professo- idade própria do percurso escolar, da Educação Infantil, ao
res quali cados com remuneração adequada e compatível Ensino Fundamental e ao Médio.
com a de outros pro ssionais com igual nível de formação, Adicionalmente, na oferta de cada etapa pode corres-
em regime de trabalho de 40 horas em tempo integral em ponder uma ou mais das modalidades de ensino: Educa-
uma mesma escola; de nição de uma relação adequada entre ção Especial, Educação de Jovens e Adultos, Educação do
o número de estudantes por turma e por professor, que as- Campo, Educação Escolar Indígena, Educação Pro ssional e
segure aprendizagens relevantes; pessoal de apoio técnico e Tecnológica, Educação a Distância, a educação nos estabe-
administrativo que garanta o bom funcionamento da escola. lecimentos penais e a educação quilombola.

28
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Assim referenciadas, estas Diretrizes compreendem


orientações para a elaboração das diretrizes especí cas 8. A HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL:
para cada etapa e modalidade da Educação Básica, tendo FUNDAMENTOS HISTÓRICOS.
como centro e motivação os que justi cam a existência da
instituição escolar: os estudantes em desenvolvimento. Re-
conhecidos como sujeitos do processo de aprendizagens,
têm sua identidade cultural e humana respeitada, desen- HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NO BRASIL
volvida nas suas relações com os demais que compõem o
coletivo da unidade escolar, em elo com outras unidades Contexto Histórico
escolares e com a sociedade, na perspectiva da inclusão
social exercitada em compromisso com a equidade e a A formação do Brasil implica necessariamente na es-
qualidade. É nesse sentido que se deve pensar e conceber truturação de nosso modelo de ensino porque desde os
primeiros anos de nossa descoberta sofremos da falta de
o projeto político-pedagógico, a relação com a família, o
estrutura e investimento nessa área. Contudo, além do
Estado, a escola e tudo o que é nela realizado. Sem isso, é
componente histórico que parece ser de comum aceitação,
difícil consolidar políticas que efetivem o processo de inte-
aparece o problema do modelo pedagógico adotado. Nes-
gração entre as etapas e modalidades da Educação Básica te aspecto ocorre uma polarização e até uma divisão tripla
e garanta ao estudante o acesso, a inclusão, a permanência, se quisermos englobar a escola técnica (anos 70). Ou seja,
o sucesso e a conclusão de etapa, e a continuidade de seus as posturas mais adotadas em nosso país são justamente
estudos. Diante desse entendimento, a aprovação das Dire- a pedagogia tradicional (método fonético) e a escola nova
trizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (construtivismo).
e a revisão e a atualização das diretrizes especí cas de cada Segundo Xavier, de um lado está a escola tradicional,
etapa e modalidade devem ocorrer mediante diálogo ver- aquela que dirige que modela, que é ‘comprometida’; de ou-
tical e horizontal, de modo simultâneo e indissociável, para tro está a escola nova, a verdadeira escola, a que não dirige,
que se possa assegurar a necessária coesão dos fundamen- mas abre ao humano todas as suas possibilidades de ser. É,
tos que as norteiam. portanto, ‘descompromissada’. É o produzir contra o deixar
ser; é a escola escravizadora contra a escola libertadora; é o
Etapas da Educação Básica compromisso dos tradicionais que deve ceder lugar à neu-
tralidade dos jovens educadores esclarecidos.
Quanto às etapas correspondentes aos diferentes mo- Aparentemente temos a impressão de que o grande
mentos constitutivos do desenvolvimento educacional, a problema de nossa de ciência educacional se resume a o
Educação Básica compreende: problema da rigidez do modelo tradicional de ensino, mas
ao aprofundarmos nossa investigação constáramos que a
I – a Educação Infantil, que compreende: a Creche,
péssima qualidade de ensino presente nas escolas do Brasil
englobando as diferentes etapas do desenvolvimento da
acontece devido, em parte tanto a falta de estrutura edu-
criança até 3 (três) anos e 11 (onze) meses; e a Pré-Escola, cacional adequada como pela desestruturação das poucas
com duração de 2 (dois) anos. bases presentes na pedagogia tradicional, causada pela críti-
II – o Ensino Fundamental, obrigatório e gratuito, com ca dos escolanovistas, que acreditavam piamente que pura-
duração de 9 (nove) anos, é organizado e tratado em duas mente pela crítica se atingiria uma melhoria no aprendizado.
fases: a dos 5 (cinco) anos iniciais e a dos 4 (quatro) anos No entender de SAVIANI a escola tradicional procura-
nais; va ensinar e transmitia conhecimento, a escola nova estava
III – o Ensino Médio, com duração mínima de 3 (três) preocupada em apenas considerara o aprender a aprender. E
anos. posteriormente a escola técnica detinha-se em simplesmen-
Estas etapas e fases têm previsão de idades próprias, te considerar necessário o ensino da técnica. Até o início do
as quais, no entanto, são diversas quando se atenta para século XX a educação no Brasil esteve praticamente abando-
alguns pontos como atraso na matrícula e/ou no percurso nada, no entender de Romanelli: a economia colonial brasi-
escolar, repetência, retenção, retorno de quem havia aban- leira fundada na grande propriedade e não na mão-de-obra
donado os estudos, estudantes com de ciência, jovens e escrava teve implicações de ordem social e política bastante
adultos sem escolarização ou com esta incompleta, habi- profundas. Ela favorece o aparecimento da unidade básica
tantes de zonas rurais, indígenas e quilombolas, adoles- do sistema de produção, de vida social e do sistema de po-
der representado pela família patriarcal.
centes em regime de acolhimento ou internação, jovens e
Assim, a educação no Brasil caminhou por veredas tor-
adultos em situação de privação de liberdade nos estabe-
tuosas desde o início, reservada a uma elite dominante e to-
lecimentos penais.
talmente exploradora, sempre esteve voltada a estrati cação
e dominação social. Esteve arraigada por diversos séculos
Fonte: BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais Da em nossa sociedade a concepção de dominação cultural de
Educação Básica, 2013. uma parte minúscula da mesma, con gurando-se na ideia
básica de que o ensino era apenas para alguns, e por isso os
demais não precisariam aprender.

29
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

As oligarquias do período colonial e monárquico es- A superação dessa distorção far-se-ia por intermédio
tavam profundamente fundamentadas na dominação via da educação. Tendo por função “reforçar os laços sociais,
controle do saber. Caracterizou-se nesse período colonial, promover a coesão e garantir a integração de todos os
bem como no monárquico, um modelo de importação de indivíduos no corpo social”, permitindo a superação da
pensamento, principalmente da Europa e consequente- marginalidade. Por outro lado, os que defendem uma
mente a matriz de aprendizagem escolar fora introduzida postura crítica entendem que a sociedade como sendo
no mesmo momento. Nas palavras de Romanelli, foi a fa- essencialmente marcada pela divisão entre grupos ou
mília patriarcal que favoreceu, pela natural receptividade, a classes antagônicas que se relacionam à base da força,
importação de formas de pensamento e ideias dominantes
a qual se manifesta fundamentalmente nas condições de
na cultura medieval europeia, feita através da obra dos Je-
produção da vida material. Nesse quadro a marginalidade
suítas”.
é entendida como um fenômeno inerente à própria estru-
Assim, a classe dominante tinha de ser detentora dos
meios de conhecimento e de ensino. Isso implicou no mo- tura da sociedade.
delo aristocrático de vida presente em nossa sociedade co- Assim, a educação assume um papel de produtora da
lonial e posteriormente na corte de D. Pedro. Existiram dois marginalização, porque produz a marginalidade cultural
fatores fundamentais na formação do modelo educacional e de maneira especi ca a escolar. No entender de Sa-
brasileiro, ou seja, “a organização social (...) e o conteúdo viani existem três modalidades diferentes de con gurar
cultural que foi transportado para a colônia, através da for- os modelos educacionais expressos pelas duas teorias ex-
mação dos padres da companhia de Jesus”. pressas anteriormente, isto é, a tradicional, fundada na re-
No primeiro fator aparece com mais intensidade a pre- lação ensino aprendizagem e na relação professor aluno;
dominância de uma minoria de donos de terra e senhores a escola nova, que entende como fundamental a necessi-
de engenho sobre uma massa de agregados e escravos. dade de aprender a aprender e na função de acompanhar
Apenas àqueles cabia o direito à educação e, mesmo assim, o desenvolvimento individual do estudante por parte do
em número restrito, porquanto deveriam estar excluídos professor; e por último aparece a concepção técnica que
dessa minoria as mulheres e os lho primogênitos. Limita- se funda no fazer e elimina totalmente a relação professor
va-se o ensino a uma determinada classe da população, ou aluno.
seja, apenas a classe dominante. Surge claramente um dos Segundo Saviani a concepção crítica não apresenta
fundamentos da baixa escolaridade de nossa população e
nenhuma proposta para substituir a pedagogia tradicio-
da falta de recursos para a eliminação das diferenças entre
nal e por isso não permite ser pensada como uma solução
as classes.
do problema da relação entre escola e marginalidade so-
A segunda contribuição para a formação de nosso
sistema educacional de citário é justamente o conteúdo cial. Ao apresentar uma solução possível para a questão
do ensino dos Jesuíta, “caracterizado sobretudo por uma Saviani aponta para a de nição de prioridades políticas
enérgica reação contra o pensamento crítico”, contudo, a fundadas no princípio aristotélico de animal político, tudo
maneira como os Jesuítas cultivavam as letras permitiu al- englobaria o ato de educar.
gum alvorecer em nossa literatura. Assim, a educação sempre possui uma dimensão po-
lítica tenhamos ou não consciência disso, portanto assu-
O con ito entre as diferentes posturas de ensino me-se um caráter educativo e político para a educação
e este só cumpre seu papel quando permite a formação
A relação entre escola e democracia depende de dife- integral do indivíduo. Mas o desa o permanece, como
rentes aspectos presentes na sociedade. Contudo, parece podemos falar em educação global se vivemos em uma
que o problema aparece realmente nas teorias de educa- sociedade fragmentada, imbuída de diferentes conceitos
ção. Isso se expressa pelo elevado índice de analfabetismo de razão, educação, ética, política, marginalidade, socie-
funcional, con gurando uma marginalidade desses indiví- dade e cultura?
duos analfabetos. Por outro lado, “no segundo grupo, estão No entender de Saviani existem onze teses acerca
as teorias que entendem ser a educação um instrumento da educação que precisam ser consideradas como funda-
de discriminação social, logo, um fator de marginalização”
mentais no engajamento político. Isto é, o agir educativo
(SAVIANI, 2003).
sempre cumpre um papel fundamental na estruturação da
Deste modo, podemos constatar que ambos os gru-
sociedade. O modelo tortuoso e desorganizado de nosso
pos explicam a questão da marginalidade a partir de uma
determinada concepção da relação entre educação e so- sistema educacional gera aberrações como as que vemos
ciedade. Assim, ambos os grupos destoam partindo de um nas instituições de ensino público superior. Ou seja, os
mesmo referencial, com isso, para os não-críticos (primeiro que deveriam ter acesso as escolas públicas superiores
grupo) não conseguem e os que podem pagar adentram as por-
A sociedade é concebida como essencialmente harmo- tas das universidades públicas.
niosa, tendendo a integração de seus membros. A margi-
nalidade é, pois, um fenômeno acidental que afeta indivi-
dualmente um número maior ou menor de seus membros,
o que, no entanto, constitui um desvio, uma distorção que
não pode como deve ser corrigida.

30
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

A teoria da complexidade e sua relação com a educa-


ção contemporânea 9. EDUCAÇÃO, HISTÓRIA E CULTURA
AFRO-BRASILEIRA.
Segundo MORIN a sociedade contemporânea possui
elementos diversi cados e complexos, isto signi ca que o
ensino precisa estar atento a complexidade da vida con-
temporânea. PLANO ETNICO-RACIAL
Desta forma, a incorporação dos sete saberes como
fundamentos para desenvolver o homem moderno. Den- São inegáveis os avanços que a educação brasileira
tro deste cenário a sociedade se preocupa cada vez mais vem conquistando nas décadas mais recentes. Consideran-
com a realidade escolar e com a formação dos indivíduos, do as dimensões do acesso, da qualidade e da equidade,
sobretudo precisa-se de criatividade para mudar a reali- no entanto, pode-se veri car que as conquistas ainda estão
dade brasileira. Contudo, “O conhecimento disciplinar, e restritas ao primeiro aspecto e que as dimensões de qua-
consequentemente a educação, têm priorizado a defesa lidade e equidade constituem os maiores desa os a serem
de saberes concluídos, inibindo a criação de novos sabe- enfrentados neste início do século XXI. A educação bási-
res e determinando um comportamento social a eles su- ca ainda é profundamente marcada pela desigualdade no
bordinado”. quesito da qualidade e é possível constatar que o direito
Por isso a interdisciplinaridade entre os diferentes sa- de aprender ainda não está garantido para todas as nos-
beres seria essencial para resolver esse problema. Morin sas crianças, adolescentes, jovens e mesmo para os adul-
entende que o conhecimento na complexidade tos que retornaram aos bancos escolares. Uma das mais
É a viagem em busca de um modo de pensamento importantes marcas dessa desigualdade está expressa no
capaz de respeitar a multidimensionalidade, a riqueza, o aspecto racial. Estudos realizados no campo das relações
mistério do real; e de saber que as determinações – cere- raciais e educação explicitam em suas séries históricas que
bral, cultural, social, histórica – que impõem a todo o pen- a população afrodescendente está entre aquelas que mais
samento, co-determinam sempre o objeto de conheci- enfrentam cotidianamente as diferentes facetas do pre-
mento. É isto que eu designo por pensamento complexo. conceito, do racismo e da discriminação que marcam, nem
Trata-se de um pensamento desprovido de certezas sempre silenciosamente, a sociedade brasileira.
e verdades cientí cas, que considera a diversidade e a O acesso às séries iniciais do Ensino Fundamental, pra-
incompatibilidade de ideias, crenças e percepções, inte- ticamente universalizado no país, não se concretiza, para
grando-as à sua complementaridade. “A consciência nun- negros e negras, nas séries nais da educação básica. Há
ca tem a certeza de transpor a ambiguidade e a incerteza”. evidências de que processos discriminatórios operam nos
Morin refere-se ao princípio da incerteza tal como formu- sistemas de ensino, penalizando crianças, adolescentes, jo-
lado por Werner Heisenberg, físico, um dos precursores vens e adultos negros, levando-os à evasão e ao fracasso,
da mecânica quântica. Esse princípio baseia-se na fali- resultando no reduzido número de negros e negras que
bilidade lógica, no surgimento da contradição presente chegam ao ensino superior, cerca de 10% da população
na realidade física e na indeterminabilidade da verdade universitária do país. Sabe-se hoje que há correlação entre
cientí ca. Assim, o conceito de lógica tradicional funda- pertencimento étnicorracial e sucesso escolar, indicando
do em Aristóteles não pode mais responder aos anseios portanto que é necessária rme determinação para que
da sociedade moderna, a lógica da complexidade assume a diversidade cultural brasileira passe a integrar o ideário
novas probabilidades e possibilidades. educacional não como um problema, mas como um rico
Com efeito, promover, pois, a qualidade ética em edu- acervo de valores, posturas e práticas que devem conduzir
cação, componente indispensável da qualidade total, e re- ao melhor acolhimento e maior valorização dessa diversi-
formular o modo de se relacionar de todos os atores na dade no ambiente escolar.
escola, educadores e educandos, de acordo com as dife- A Lei 10639, de X janeiro de 2003, é um marco históri-
rentes características do agir humano radicado na liberda- co. Ela simboliza, simultaneamente, um ponto de chegada
de e voltado para o bem. Portanto, a complexidade como das lutas antirracistas no Brasil e um ponto de partida para
teoria de ação precisa levar em conta a ética na conduta a renovação da qualidade social da educação brasileira.
pratica do pro ssional da educação. Ciente desses desa os, o Conselho Nacional de Educação,
já em 2004, dedicou-se ao tema e, em diálogo com rei-
Referência: vindicações históricas dos movimentos sociais, em especial
STIGAR, R.; SCHUCK, N: Re etindo sobre a História da do movimento negro, elaborou parecer e exarou resolu-
Educação no Brasil. ção, homologada pelo Ministro da Educação, no sentido
de orientar os sistemas de ensino e as instituições dedi-
cadas à educação, para que dediquem cuidadosa atenção
à incorporação da diversidade etnicorracial da sociedade
brasileira nas práticas escolares, como propõe a Lei 10639.

31
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Importante destacar a luta dos movimentos sociais ao à educação e garantia de oportunidades educativas para
criar um conjunto de estratégias por meio das quais os seg- todas as pessoas, entende que a implementação ordenada
mentos populacionais considerados diferentes passaram e institucionalizada das Diretrizes Curriculares Nacionais de
cada vez mais a destacar politicamente as suas singulari- Educação para a Diversidade Etnicorracial é também uma
dades, cobrando que estas sejam tratadas de forma justa questão de equidade, pertinência, relevância, e cácia e e -
e igualitária, exigindo que o elogio à diversidade seja mais ciência (UNESCO/OREALC, 2007).
do que um discurso sobre a variedade do gênero humano.
Nesse sentido, é na escola onde as diferentes presenças se Portanto, com a regulamentação da alteração da LDB Lei
encontram e é nas discussões sobre currículo onde estão n. 9.394/1996, trazida inicialmente pela Lei 10639/03, e pos-
os debates sobre os conhecimentos escolares, os proce- teriormente pela Lei 11645/08, buscou cumprir o estabeleci-
dimentos pedagógicos, as relações sociais, os valores e as do na Constituição Federal de 1988, que prevê a obrigatorie-
identidades dos alunos e alunas. Na política educacional, a dade de políticas universais comprometidas com a garantia
implementação da Lei 10639/2003, uma das primeiras leis do direito à educação de qualidade para todos e todas. O
sancionadas, signi ca estabelecer novas diretrizes e práticas Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curricula-
pedagógicas que reconheçam a importância dos africanos e res Nacionais da Educação das Relações Étnico-raciais e para
afrobrasileiros no processo de formação nacional. Para além o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana – Lei
do impacto positivo junto à população e da republicaniza- 10639/2003, documento ora apresentado é resultado das
ção da escola brasileira, essa lei deve ser encarada como solicitações advindas dos anseios regionais, consubstancia-
parte fundamental do conjunto das políticas que visam à da pelo documento Contribuições para a Implementação da
educação de qualidade como um direito de todos e todas. Lei 10639/2003: Proposta de Plano Nacional de Implemen-
As alterações propostas na Lei de Diretrizes e Bases da tação das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação das
Educação 9394/1996 pela Lei 10639/2003, geraram uma Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultu-
série de ações do governo brasileiro para sua implemen- ra Afro-Brasileira e Africana – Lei 10639/2003, fruto de seis
tação, visando inicialmente contextualizar o texto da Lei. encontros denominados Diálogos Regionais sobre a Imple-
Nesse sentido, o Conselho Nacional de Educação aprovou mentação da Lei 10639/03, do conjunto de ações que o MEC
as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Re- desenvolve, principalmente a partir da fundação da SECAD
lações Etnicorraciais e para o Ensino de História e Cultura em 2004, documentos e textos legais sobre o assunto. Cabe
Afrobrasileira e Africana (Parecer CNE/CP nº. 03 de 10 de aqui registrar e agradecer à UNESCO, aos técnicos do MEC e
março de 2004), onde são estabelecidas orientações de con- da SEPPIR, aos movimentos sociais e ao movimento negro,
teúdos a serem incluídos e trabalhados e também as ne- ao CONSED e à UNDIME, além de intelectuais e militantes da
cessárias modi cações nos currículos escolares, em todos causa antirracista pelo forte empenho com que se dedica-
os níveis e modalidades de ensino. A Resolução CNE/CP nº ram à tarefa de avaliar e propor estratégias que garantam a
01, publicada em 17 de junho de 2004, detalha os direitos mais ampla e efetiva implementação das diretrizes contidas
e obrigações dos entes federados frente à implementação nos documentos legais já citados.
da Lei 10639/2003. A esse respeito, cabe ressaltar a qualida- O Plano tem como nalidade intrínseca a institucio-
de do Parecer nº 03/2004 emitido pelo Conselho Nacional nalização da implementação da Educação das Relações
de Educação, que, além de tratar com clareza o processo Etnicorraciais, maximizando a atuação dos diferentes ato-
de implementação da Lei, abordou a questão com lucidez res por meio da compreensão e do cumprimento das Leis
e sensibilidade, rea rmando o fato de que a educação deve 10639/2003 e 11645/08, da Resolução CNE/CP 01/2004 e do
concorrer para a formação de cidadãos orgulhosos de seu Parecer CNE/CP 03/2004. O Plano não acrescenta nenhuma
pertencimento etnicorracial, qualquer que seja este, cujos imposição às orientações contidas na legislação citada, antes
direitos devem ser garantidos e cujas identidades devem ser busca sistematizar essas orientações, focalizando competên-
valorizadas. Posteriormente, a edição da Lei 11645/2008 veio cias e responsabilidades dos sistemas de ensino, instituições
corroborar este entendimento, reconhecendo que indígenas educacionais, níveis e modalidades. O texto do Plano Na-
e negros convivem com problemas de mesma natureza, em- cional foi construído como um documento pedagógico que
bora em diferentes proporções. possa orientar e balizar os sistemas de ensino e as institui-
Assim, os preceitos enunciados na nova legislação trou- ções educacionais na implementação das Leis 10639/2003
xeram para o Ministério da Educação o desa o de consti- e 11645/2008. A introdução traça um breve histórico do
tuir em parceria com os sistemas de ensino, para todos os caminho percorrido até aqui pela temática etnicorracial na
níveis e modalidades, uma Educação para as Relações Et- educação e as ações executadas para atendimento da pauta;
nicorraciais, orientada para a divulgação e produção de a primeira parte é constituída pelas atribuições especí cas a
conhecimentos, bem como atitudes, posturas e valores cada um dos atores para a operacionalização colaborativa
que eduquem cidadãos quanto à pluralidade etnicorracial, na implementação das Leis 10639/03 e 11645/08; a segun-
tornando-os capazes de interagir e de negociar objetivos da parte é composta por orientações gerais referentes aos
comuns que garantam, a todos, respeito aos direitos legais níveis e modalidades de ensino. A terceira parte foi construí-
e valorização de identidade, na busca da consolidação da da com recomendações para as áreas de remanescentes de
democracia brasileira. Por este motivo, a compreensão trazi- quilombos, pois entendemos que os negros brasileiros que
da pela Lei 11645/2008, sempre que possível, está expressa aí residem são públicos especí co e demandam ações dife-
neste Plano Nacional. O Ministério da Educação, seguindo renciadas para implementação da Lei e a conquista plena do
a linha de construção do processo democrático de acesso direito de aprender.

32
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

À SECAD, como órgão responsável no MEC pelos temas Luiz Inácio Lula da Silva, com a criação, em 2003, da Secre-
da diversidade, coube uma decisão complexa: a Lei 10639, de taria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
2003, contou com a lúcida contribuição do Conselho Nacional (SEPPIR) – que representa a materialização de uma histórica
de Educação para sua regulamentação, expressa no Parecer e reivindicação do movimento negro em âmbito nacional e in-
na Resolução já amplamente citados. O mesmo não ocorreu, ternacional - a questão racial é incluída como prioridade na
todavia, com a Lei 11645 de 2008 que igualmente altera a LDB pauta de políticas públicas do País. É uma demonstração do
nos mesmos artigos. No entanto, o CNE, em sua manifesta- tratamento que a temática racial passaria a receber dos ór-
ção, já antevia, com clareza, que o tema do preconceito, do ra- gãos governamentais a partir daquele momento.
cismo e da discriminação, se por um lado atinge mais forte e A SEPPIR é responsável pela formulação, coordenação
amplamente a população negra, também se volta contra ou- e articulação de políticas e diretrizes para a promoção da
tras formas da diversidade e o Parecer, em diversas passagens, igualdade racial e proteção dos direitos dos grupos raciais e
alerta para a necessidade de contemplar a temática indígena étnicos discriminados, com ênfase na população negra. No
em particular, quando se tratar da educação para as relações planejamento governamental, à pauta da inclusão social foi
etnicorraciais. Face a esta orientação do espírito do Parecer, a incorporada a dimensão Etnicorracial e, ao mesmo tempo, a
SECAD optou por incluir referências à Lei 11645, sempre que meta da diminuição das desigualdades raciais como um dos
couber, de modo a fazer deste Plano uma ação orientada para desa os de gestão.
o combate a todas as formas de preconceito, racismo e discri-
minação que porventura venham a se manifestar no ambien- O papel indutor do Ministério da Educação Em fevereiro
te escolar. O Plano de Desenvolvimento da Educação, lançado de 2004, o Ministério da Educação, na perspectiva de esta-
pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e pelo Ministro da belecer uma arquitetura institucional capaz de enfrentar as
Educação Fernando Haddad, contempla um amplo conjunto múltiplas dimensões da desigualdade educacional do país,
de ações que, apoiado na visão sistêmica da educação, bus- criou a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e
ca articular, da creche à pós- graduação, políticas voltadas Diversidade (SECAD). Essa Secretaria surge com o desa o de
para garantir o acesso, a qualidade e a equidade na educação desenvolver e implementar políticas de inclusão educacional,
brasileira, em todos os seus níveis e modalidades. O PDE, na considerando as especi cidades das desigualdades brasileiras
medida em enxerga a educação como um todo, cria as con- e assegurando o respeito e valorização dos múltiplos contor-
dições necessárias para ampliar a qualidade social do ensino nos de nossa diversidade Etnicorracial, cultural, de gênero, so-
oferecido a nossas crianças, adolescentes, jovens e adultos. Já cial, ambiental e regional. A instituição da SEPPIR e da SECAD,
foi dito, com razão, que as lutas de libertação libertam tam- e a profícua parceria entre estas duas Secretarias está dada
bém os opressores. Já foi constatado que as manifestações em diversas ações e programas e traduzem uma ampla con-
do preconceito estão amparadas em visões equivocadas de jugação de esforços em todo o país para implementação de
superioridade entre diferentes, transformando diferenças em políticas públicas de combate à desigualdade.
desigualdades. Participam também de sua formulação e desenvolvimen-
Por tudo isso, incluir a temática da Lei 11645 neste Plano to, a SPM e a SEDH, e assim, face os diversos níveis de abor-
faz justiça às lutas dos movimentos negros no Brasil que des- dagens para o desenvolvimento da democracia participativa,
de há muito alertam a sociedade brasileira para o que, infeliz- com o fortalecimento dos importantes segmentos da socie-
mente existe e não é reconhecido: há racismo em nossa so- dade organizada e de instituições outras que representam
ciedade e ele deve ser combatido rmemente, seja qual for o gestores educacionais, o Estado estabelece as bases para que
grupo que sofra a discriminação e o preconceito. A sociedade políticas públicas de educação para a diversidade se tornem
brasileira deve ao movimento negro um tributo por sua cora- uma realidade no país e fomenta sua continuidade, construin-
gem em se empenhar, com determinação e persistência, pela do colaborativamente com os mais diversos setores as linhas
construção de uma sociedade nova, onde a diferença seja vis- de ação que anteveem sua maior abrangência e benefício dos
ta como uma riqueza e não como um pretexto para justi car cidadãos historicamente mais vulneráveis. Sintonizada com
as desigualdades. A expectativa da SEPPIR, da SECAD/MEC e este pressuposto, a Resolução CNE/CP nº 1/2004, publicada
de todos os parceiros envolvidos na construção deste Plano é no Diário O cial da União (DOU) em 22/6/2004, instituiu as
que ele seja um instrumento para a construção de uma escola Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação das relações
plural, democrática, de qualidade, que combata o preconcei- Etnicorraciais e para o ensino de história e cultura afro- brasi-
to, o racismo e todas as formas de discriminação, respeitando leira e africana. O Parecer CNE/CP nº 003/2004, homologado
e valorizando as diferenças que fazem a riqueza de nossa cul- em 19 de maio de 2004 pelo Ministro da Educação, expressa
tura e de nossa sociedade. em seu texto que as políticas de ações a rmativas, no campo
educacional, buscam garantir o direito de negros e negras e
I – Introdução de todos os cidadãos brasileiros ao acesso em todos os níveis
e modalidades de ensino, em ambiente escolar com infraes-
Nos últimos anos, em especial a partir da Conferência trutura adequada, professores e pro ssionais da educação
Mundial contra o racismo, discriminação racial, Xenofobia e quali cados para as demandas contemporâneas da sociedade
Intolerâncias Correlatas, realizada em Durban, África do Sul, brasileira, e em especial capacitados para identi car e superar
em 2001, observa-se um avanço das discussões acerca da di- as manifestações de preconceitos, racismos e discriminações,
nâmica das relações raciais no Brasil, em especial, das diversas produzindo na escola uma nova relação entre os diferentes
formas de discriminação racial vivenciadas pela população grupos etnicorraciais, que propicie efetiva mudança compor-
negra. Em consequência, na primeira gestão do presidente tamental na busca de uma sociedade democrática e plural.

33
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

O parecer procura oferecer uma resposta, entre outras, discussão inclusão e diversidade como um dos eixos temá-
na área da educação, à demanda da população afrodescen- ticos da Conferência Nacional da Educação Básica, a cria-
dente, no sentido de políticas de ações a rmativas, isto é, de ção do Grupo Interministerial para a realização da propos-
políticas de reparações, e de reconhecimento e valorização ta do Plano Nacional de Implementação da Lei 10639/03,
de sua história, cultura, identidade. Trata, ele, de política cur- participação orçamentária e elaborativa no Programa Brasil
ricular, fundada em dimensões históricas, sociais, antropo- Quilombola, como também na Agenda Social Quilombola,
lógicas oriundas da realidade brasileira, e busca combater participação na Rede de Educação Quilombola, além de as-
o racismo e as discriminações que atingem particularmente sistência técnica a Estados e Municípios para a implementa-
os negros. Nesta perspectiva, propõe à divulgação e produ- ção das Leis 10639/2003 e 11645/2008.
ção de conhecimentos, a formação de atitudes, posturas e
valores que eduquem cidadãos orgulhosos de seu perten- Em 2005, um milhão de exemplares da cartilha das DCNs
cimento Etnicorracial - descendentes de africanos, povos da Educação das Relações Etnicorraciais foram publicados e
indígenas, descendentes de europeus, de asiáticos – para distribuídos pelo MEC a todos os sistemas de ensino no terri-
interagirem na construção de uma nação democrática, em tório nacional. Seu texto foi disponibilizado em domínio pú-
que todos, igualmente, tenham seus direitos garantidos e blico e inserido em outras publicações, como no livro Orien-
sua identidade valorizada. (Parecer CNE/CP nº 03/2004) tações e Ações para Educação das Relações Etnicorraciais,
publicado pelo MEC/SECAD em 2006, também com larga
O MEC ampliou e criou ações a rmativas voltadas para distribuição. O Programa Diversidade na Universidade, uma
promoção do acesso e permanência à educação superior cooperação internacional entre o MEC e o BID com gestão
como o PROUNI, dirigido aos estudantes egressos do ensi- da UNESCO instituído pela Lei nº 10.558, de 13 de novembro
no médio da rede pública ou da rede particular na condição de 2002, tinha como objetivo defender a inclusão social e
de bolsistas integrais, com renda per capita familiar máxima o combate à exclusão social, étnica e racial. Isso signi cou
de três salários mínimos. Já atendeu, desde 2004, ano de sua melhorar as condições e as oportunidades de ingresso no
criação, cerca de 500 mil alunos, sendo 70% deles com bolsa ensino superior para jovens e adultos de grupos socialmente
integral. O Programa Universidade para Todos, somado à ex- desfavorecidos, especialmente de populações afro-descen-
pansão das Universidades Federais e ao Programa de Apoio dentes e povos indígenas. Os Projetos Inovadores de Curso
a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades (PICs) representaram cerca de 65% dos recursos nanceiros
Federais - REUNI, ampliam signi cativamente o número de do programa, no apoio aos cursos preparatórios para vesti-
vagas na educação superior, contribuindo para o cumpri- bulares populares e comunitários voltados para afro-brasi-
mento de uma das metas do Plano Nacional de Educação, leiros e indígenas, assim como programas de fortalecimento
que prevê a oferta de educação superior até 2011 para, pelo de negros e negras no Ensino Médio. Foram também garan-
menos, 30% dos jovens de 18 a 24 anos. O Programa Cone- tidos auxílios a estudantes universitários por meio de bolsas
xões de Saberes realiza permanência com sucesso de alu- para permanência de alunos egressos dos PICs. No ano de
nos de origem popular, ligado as Pró-reitorias de Extensão 2007, 36 PICS foram nanciados diretamente pela SECAD/
das IFES, e atendeu, desde 2005, cerca de 5 mil estudantes. MEC. Outra ação desenvolvida pelo Programa, as o cinas de
O debate sobre as ações a rmativas ganhou corpo e insti- Cartogra a sobre Geogra a Afro-brasileira e Africana, be-
tuiu uma agenda de políticas públicas e institucionais para a ne ciou 4.000 educadores, em 7 estados da federação, 214
promoção da igualdade racial na sociedade brasileira.1 Em alunos de universidades estaduais e federais e 10.647 pro-
conjunto a SEPPIR, e com outros órgãos da Administração fessores até 2006. O Programa Cultura Afro, entre 2005 e
Federal, o MEC tem participado ativamente, com elaboração 2006, teve como objetivo prestar assistência nanceira para
de pareceres, fornecimento de dados, presença em audiên- formação de professores e material didático na temática no
cias públicas, entre outras ações para a aprovação do Projeto âmbito da Educação Básica (Ensino Fundamental), com or-
da Lei de Cotas, no Congresso Nacional. A política de reserva çamento no valor de R$ 3 milhões. Foram contemplados os
de vagas no ensino superior público brasileiro, que atinge municípios das capitais brasileiras, Distrito Federal e os mu-
52 instituições no ano de 2009, revela a legitimidade e a le- nicípios que possuíam Órgãos de Promoção de Igualdade
galidade das ações a rmativas. Todo esse contexto favorá- Racial (FIPPIR), reconhecidos pela SEPPIR.
vel impulsionou o trabalho da SECAD/MEC na promoção da
educação das relações etnicorraciais. Na formulação de uma Em 2004/2005, foram realizados eventos regionais e es-
política educacional de implementação da Lei 10639/03, o taduais com a proposta de manter um diálogo entre poder
MEC executou uma série de ações das quais podemos citar: público e sociedade civil, com o objetivo de divulgar e dis-
formação continuada presencial e a distância de professo- cutir as DCN’s para a Educação das Relações Etnicorraciais,
res na temática da diversidade Etnicorracial em todo o país, resultando na criação de 16 (dezesseis) Fóruns Estaduais de
publicação de material didático, realização de pesquisas na Educação e Diversidade Etnicorracial. Essa indução propor-
temática, fortalecimento dos Núcleos de Estudos Afrobrasi- cionou a criação, no âmbito de secretarias de educação de
leiros (NEAB`s) constituídos nas Instituições Públicas de Ensi- estados e municípios, de Núcleos, Coordenações, Depar-
no, através do Programa UNIAFRO (SECAD/SESU), os Fóruns tamentos ou outros organismos destinados ao desenvolvi-
Estaduais e Municipais de Educação e Diversidade Etnicor- mento de ações para educação e diversidade. A formação
racial, a implementação, as publicações especí cas sobre a continuada presencial de professores e educadores foi de-
Lei dentro da Coleção Educação Para Todos, a inserção da senvolvida por meio do Programa UNIAFRO, coordenado

34
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

pelos Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros; Em 2007 e 2008 Essas ações e a realização desse Plano Nacional mostram
o programa promoveu 1.245 Especializações; 1.470 Aper- todo o empenho do governo brasileiro, na área educacional,
feiçoamentos e Extensões. O Programa UNIAFRO de 2005 para a implementação da Educação para as Relações Etni-
a 2008 recebeu investimento do MEC de mais de R$ 5 mi- corraciais. O Parecer CNE/CP 03/2004 preocupou-se também
lhões, e também desenvolveu ações de pesquisa, seminários em fornecer de nições conceituais importantes para aqueles
e publicações acadêmicas, cerca de 90 títulos, voltadas para que trabalham com a temática, sendo relações etnicorraciais
a Lei 10639. Nos anos de 2006 e 2007 a formação continua- um conceito basilar de toda a política proposta. O sucesso
da de professores a distância foi realizada no curso Educa- das políticas públicas de Estado, institucionais e pedagógicas,
ção-Africanidades-Brasil, desenvolvido pela UNB, e História [...] em outras palavras, todos os alunos negros e não negros,
da Cultura Afrobrasileira e Africana, executado pela Ágere, bem como seus professores, precisam sentir-se valorizados
bene ciando mais de 10.000 professores da rede pública. A e apoiados. Depende também, de maneira decisiva, da ree-
partir do ano de 2008, a formação a distância para a temáti- ducação das relações entre negros e brancos, o que aqui es-
ca está a cargo da Rede de Educação para a Diversidade, que tamos designando como relações Etnicorraciais. Depende,
funciona dentro da rede Universidade Aberta do Brasil (UAB/ ainda, de trabalho conjunto, de articulação entre processos
MEC), cujo oferecimento de vagas chegou próximo a 3000, educativos escolares, políticas públicas, movimentos sociais,
na sua primeira edição. Foram produzidos e distribuídos, en- visto que as mudanças éticas, culturais, pedagógicas e po-
tre os anos de 2005 e 2007, 29 títulos da Coleção Educação líticas nas relações Etnicorraciais não se limitam à escola. É
para Todos (SECAD/UNESCO), dos quais seis se referem dire- importante, também, explicar que o emprego do termo ét-
tamente à implementação da Lei 10639/2003, numa tiragem nico, na expressão Etnicorracial, serve para marcar que essas
total de 223.900 exemplares. Em parceria com Fundação Ro- relações tensas devidas a diferenças na cor da pele e traços
berto Marinho, houve a produção de 1000 kits do material sionômicos o são também devido à raiz cultural plantada na
A Cor da Cultura (2005), capacitando 3.000 educadores. Em ancestralidade africana, que difere em visão de mundo, valo-
2009, 18750 kits serão reproduzidos e distribuídos a todas as res e princípios das de origem indígena, europeia e asiática.
Secretarias Estaduais e Municipais de Educação no Brasil. Os (Parecer CNE/CP nº 03/2004)
livros Orientações e Ações para a implementação da Educa-
Em 2007, avaliações realizadas pela SECAD/MEC veri-
ção das Relações Etnicorraciais, 54.000 exemplares, e “Supe-
caram que a implementação das DCN’s da Educação das
rando o Racismo na Escola”, 10.000 exemplares, organizado
Relações Etnicorraciais precisava ganhar mais amplitude e
pelo Professor Kabenguele Munanga, foram distribuídos
escala, tendo em vista o crescimento geométrico da deman-
para as Secretarias de Educação e em cursos de formação
da por formação de pro ssionais da educação e de material
continuada para a Lei 10639, para os professores, público ao
didático voltado para a temática. Para corroborar e socializar
qual se dirigem as obras.
essas constatações iniciais, em novembro de 2007, o MEC,
em parceria com a UNESCO, realizou o cina para avaliar a
Em dezembro de 2007, a SECAD/MEC descentralizou re- implementação da Lei 10639/03, resultando em documento
cursos para a tradução e atualização dos 8 volumes da cole- entregue ao Ministro Fernando Haddad no dia 18 de dezem-
ção História Geral da África, produzida pela UNESCO, e que bro de 2007. O resultado imediato foi a instituição, por meio
possuía apenas 4 volumes traduzidos no Brasil, na década de da Portaria Interministerial nº 605 MEC/MJ/SEPPIR de 20 de
1980. Em 2008, foram publicados pela SECAD/MEC dois ma- Maio de 2008, do Grupo de Trabalho Interministerial – GTI
teriais didáticos especí cos para a utilização nas escolas bra- – com o objetivo de elaborar o Documento Referência que
sileiras com objetivo de implementação da Lei 10639/2003: serviria de base para o Plano Nacional de Implementação das
o livro Estórias Quilombolas e o jogo Yoté, distribuído inicial- Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação das Relações
mente nas escolas quilombolas. Também ao longo de 2008, Etnicorraciais. O Documento Referência foi submetido à con-
no âmbito das discussões sobre a política nacional de forma- sulta e contribuição popular em 06 (seis) agendas de traba-
ção de professores, a SECAD encaminhou proposições relati- lho conhecidas como Diálogos Regionais sobre a Implemen-
vas às temáticas de educação para as relações etnicorraciais, tação da Lei 10639/03, realizados nas 5 (cinco) Regiões do
o que foi plenamente acolhido pelo Comitê Técnico-cientí - Brasil, sendo duas no Nordeste. As cidades que sediaram os
co de Educação Básica da CAPES e encontra-se consubstan- Diálogos foram: Belém/PA; Cuiabá/MT; Vitória/ES; Curitiba/
ciado no Decreto 6755/2009, de 29/01/2009, que institui a PR; São Luís/MA e Aracaju/SE. O resultado consubstanciou-
Política Nacional de Formação de Pro ssionais do Magistério se no documento Contribuições para a Implementação da
da Educação Básica. A Pesquisa Práticas Pedagógicas de tra- Lei 10639/2003: Proposta de Plano Nacional de Implemen-
balho com relações etnicorraciais na escola na perspectiva tação das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação das
da Lei 10639, ainda em curso, nanciada pela SECAD/MEC Relações Etnicorraciais e para o Ensino de História e Cultu-
e desenvolvida pela Universidade Federal de Minas Gerais, ra Afro-Brasileira e Africana – Lei 10639/2003, entregue ao
Faculdade de Educação – FAE, Programa Ações A rmativas Ministro da Educação por representantes do GTI, em 20 de
na UFMG, tem como objetivo mapear e analisar as práticas novembro de 2008. O documento das Contribuições é basilar
pedagógicas desenvolvidas pelas escolas públicas de acordo na construção desse plano, pois norteou os eixos temáticos
com a Lei 10639/03, a m de subsidiar e induzir políticas e que orientaram todas as discussões dos Diálogos Regionais,
práticas de implementação desta Lei em nível nacional em e aqui estão também orientando ações e metas. Os atores
consonância com este Plano Nacional. referidos neste documento, fundamentais parceiros no es-
tabelecimento do processo contínuo de implementação da

35
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Lei 10639/03 são: Ministério da Educação; Conselho Nacional com a elaboração de propostas de ações a rmativas, de im-
de Educação; CAPES; INEP; FNDE; SEPPIR; FIPPIR; Fundação plementação da Lei e de acompanhamento das ações deste
Cultural Palmares; CADARA; Movimento negro brasileiro; Plano Nacional. A necessidade de ampliação do diálogo para
Secretarias de Educação Estaduais e Municipais; Conselhos implementação da Educação para as Relações Etnicorraciais
Estaduais e Municipais de Educação; Ministérios Públicos foi dada também pela edição da Lei 11645/2008, que tor-
Estaduais e Municipais; Fóruns de Educação e Diversidade; nou a modi car o mesmo dispositivo da LDB alterado pela
CONSED; UNDIME; UNCME; unidades escolares; Instituições Lei 10639/2003, estendendo a obrigatoriedade do “estudo
de Ensino Superior públicas e privadas. da história e cultura afro-brasileira e indígena” em todos os
estabelecimentos de ensino fundamental e de ensino médio,
Diálogo ampliado para a implementação da Educação públicos e privados. Uma vez que a Lei 11645/08 ainda não
das Relações Etnicorraciais As di culdades inerentes à im- recebeu a sistematização que foi objeto a Lei 10639/03, este
plementação de uma lei no âmbito da Federação brasileira Plano, sempre que couber, orienta os sistemas e as institui-
também alcançaram a Lei 10639/03. A relação entre os entes ções a adotar os procedimentos adequados para sua imple-
federativos (municípios, estados, União e Distrito Federal) é mentação, visto que a Lei mais recente conjuga da mesma
uma variável bastante complexa e exige um esforço constan- preocupação de combater o racismo, desta feita contra os
te na implementação de políticas educacionais. Isso não foi indígenas, e a rmar os valores inestimáveis de sua contribui-
diferente em relação à implementação das Diretrizes Curricu- ção, passada e presente, para a criação da nação brasileira.
lares Nacionais para a Educação das Relações Etnicorraciais,
se considerarmos os papéis complementares dos diversos Objetivos do Plano Nacional
atores necessários à implementação da Lei. Deve car explíci-
to que estamos aqui falando de processo de implementação O presente Plano Nacional tem como objetivo central
da Lei, correspondendo a ações estruturantes que pretende- colaborar para que todo o sistema de ensino e as institui-
mos que sejam orquestradas por esse Plano, pois todos os ções educacionais cumpram as determinações legais com
atores envolvidos necessitam articular-se e desenvolvê-las de vistas a enfrentar todas as formas de preconceito, racismo
forma equânime. e discriminação para garantir o direito de aprender e a
Isso signi ca incluir a temática no Projeto Político Peda- equidade educacional a m de promover uma sociedade
gógico da Escola, ação que depende de uma série de ou- mais justa e solidária. São objetivos especí cos do Plano
tras, como, por exemplo, o domínio conceitual do que está Nacional;
expresso nas DCNs da Educação para as Relações Etnicorra- - Cumprir e institucionalizar a implementação das Di-
ciais, a regulamentação da Lei pelo respectivo Conselho de retrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Rela-
Educação, as ações de pesquisa, formação de professores, ções Etnicorraciais e para o Ensino de História e Cultura
pro ssionais da educação e equipes pedagógicas, aquisição Afrobrasileira e Africana, conjunto formado pelo texto da
e produção de material didático pelas Secretarias de Educa- Lei 10639/03, Resolução CNE/CP 01/2004 e Parecer CNE/
ção, participação social da gestão escolar, entre outras. Com CP 03/2004, e, onde couber, da Lei 11645/08.
o propósito de ampliar o diálogo entre o MEC e os atores - Desenvolver ações estratégicas no âmbito da política
responsáveis pela implementação da Lei 10639/03, a partir de formação de professores, a m de proporcionar o co-
do ano de 2007, a Coordenação-Geral de Diversidade/DEDI/ nhecimento e a valorização da história dos povos africanos
SECAD/MEC desenvolveu ações de reestruturação e amplia- e da cultura Afrobrasileira e da diversidade na construção
ção dos Fóruns de Educação e Diversidade, resultando atual- histórica e cultural do país;
mente em 26 Fóruns Estaduais e 05 Fóruns Municipais de - Colaborar e construir com os sistemas de ensino, ins-
Educação e Diversidade, com função estratégica de acom- tituições, conselhos de educação, coordenações pedagógi-
panhamento e monitoramento da implementação da Lei cas, gestores educacionais, professores e demais segmen-
10639/03. Os Fóruns são compostos por representações de tos a ns, políticas públicas e processos pedagógicos para a
todos os atores necessários à implementação da Lei. implementação das Leis 10639/03 e 11645/08;
- Promover o desenvolvimento de pesquisas e produ-
A colaboração, o espírito de diálogo e solidariedade ção de materiais didáticos e paradidáticos que valorizem,
no fortalecimento da temática deve nortear os Fóruns para nacional e regionalmente, a cultura Afrobrasileira e a di-
que eles possam tecer parcerias, propor caminhos e políti- versidade;
cas, acompanhar, auxiliar e congregar todos aqueles que - Colaborar na construção de indicadores que permi-
são indispensáveis à implementação da temática das rela- tam o necessário acompanhamento, pelos poderes públi-
ções etnicorraciais. A CADARA, Comissão Técnico-Cientí ca cos e pela sociedade civil, da efetiva implementação das
de assessoramento do MEC para assuntos relacionados aos Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Re-
afrobrasileiros e a implementação da Lei 10639/2003, foi re- lações Etnicorraciais e para o Ensino da História e Cultura
centemente reconstituída, contemplando, além das Secreta- Afrobrasileira e Africana;
rias do MEC, a SEPPIR, CONSED, UNDIME, representantes da - Criar e consolidar agendas propositivas junto aos
sociedade civil, movimento negro, NEABs, Fóruns Estaduais diversos atores do Plano Nacional para disseminar as Leis
de Educação e Diversidade Etnicorracial, ABPN, especialistas 10639/03 e 11645/08, junto a gestores e técnicos, no âm-
da temática distribuídos pelos níveis e modalidades de ensi- bito federal e nas gestões educacionais estaduais e mu-
no. A Comissão tem papel fundamental de ‘colaborar com o nicipais, garantindo condições adequadas para seu pleno
MEC na formulação de políticas para a temática etnicorracial, desenvolvimento como política de Estado.

36
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Eixos fundamentais do plano visando à construção de uma sociedade anti-racista, justa e


igualitária (Edital do PNLD, 2010). O eixo 4- Gestão democrá-
O Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Curri- tica e mecanismos de participação social re ete a necessidade
culares Nacionais para a Educação das Relações Etnicorraciais de fortalecer processos, instâncias e mecanismos de controle
e para ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana e participação social, para a implantação das Leis 10639/03 e
tem como base estruturante os seis Eixos Estratégicos pro- 11645/08. O pressuposto é que tal participação é ponto fun-
postos no documento “Contribuições para a Implementação damental para o aprimoramento das políticas e concretização
da Lei 10639/03”, a saber: como política de Estado. A União, por meio do MEC, desem-
penha papel fundamental na coordenação do processo de
1) Fortalecimento do marco legal; desenvolvimento da política nacional de educação, articulan-
2) Política de formação para gestores e pro ssionais de do os diferentes níveis e sistemas e exercendo função norma-
educação; tiva, redistributiva e supletiva, em relação às demais instâncias
3) Política de material didático e paradidático; educacionais (conforme o art. 8º da LDB).
4) Gestão democrática e mecanismos de participação so-
cial; A mesma lei estabelece normas para a gestão democráti-
5) Avaliação e Monitoramento e ca do ensino público, assegurando dessa forma a participação
6) Condições institucionais. da sociedade como fator primordial na garantia da qualidade
e no controle social dos seus impactos. O eixo 5 – Avaliação
O Plano pretende transformar as ações e programas de e Monitoramento aponta para a construção de indicadores
promoção da diversidade e de combate à desigualdade racial que permitam o monitoramento da implementação das Leis
na educação em políticas públicas de Estado, para além da 10639/03 e 11645/08 pela União, estados, DF e municípios,
gestão atual do MEC. Nesse sentido, o Eixo 1 - Fortalecimento e que contribuam para a avaliação e o aprimoramento das
do Marco Legal tem contribuição estruturante na institucio- políticas públicas de enfrentamento da desigualdade racial
nalização da temática. Isso signi ca, em termos gerais, que é na educação. Nestes indicadores incluem-se aqueles moni-
urgente a regulamentação das Leis 10639/03 e 11645/06 no toráveis por intermédio do acompanhamento da execução
âmbito de estados, municípios e Distrito Federal e a inclusão das ações contidas no Plano de Ações Articuladas (PAR) im-
da temática no Plano Nacional de Educação (PNE). Os eixos plementado pelo MEC. O eixo 6 - Condições Institucionais
2 - Política de formação inicial e continuada e 3 - Política de indica os mecanismos institucionais e rubricas orçamentárias
materiais didáticos e paradidáticos constituem as principais necessárias para que a Lei seja implementada. Rea rma a ne-
ações operacionais do Plano, devidamente articulados à revi- cessidade da criação de setores especí cos para a temática
são da política curricular, para garantir qualidade e continui- etnicorracial e diversidade nas secretarias estaduais e munici-
dade no processo de implementação. Tal revisão deve assumir pais de educação.
como um dos seus pilares as Diretrizes Curriculares Nacionais
para a Educação das relações Etnicorraciais e para o ensino Atribuições dos sistemas de ensino
de história e cultura afro-brasileira e africana. Todo o esforço
de elaboração do Plano foi no sentido de que o MEC pos- As exigências legais conferidas aos sistemas de ensino pe-
sa estimular e induzir a implementação das Leis 10639/03 e las Leis 10639 e 11645, Resolução CNE/CP 01/2004 e Parecer
11645/08 por meio da Política Nacional de Formação Inicial e CNE/CP 003/2004 compartilham e atribuem responsabilidades
Continuada de Pro ssionais da Educação, instituída pelo De- entre os diferentes atores da educação brasileira. Compõem
creto 6755/2009, e de programas como o Programa Nacional essa segunda parte as atribuições, por ente federativo, sistemas
do Livro Didático (PNLD), o Programa Nacional do Livro Didá- educacionais e instituições envolvidas, necessárias à implemen-
tico para o Ensino Médio (PNLEM) e o Programa Nacional de tação de uma educação adequada às relações Etnicorraciais.
Bibliotecas Escolares (PNBE).
Ações do sistema de ensino da educação brasileira
A formação deve habilitar à compreensão da dinâmica
sociocultural da sociedade brasileira, visando a construção de Segundo o art. 8º da LDB, a educação formal brasileira
representações sociais positivas que encarem as diferentes é integrada por sistemas de ensino de responsabilidade da
origens culturais de nossa população como um valor e, ao União, Estados, Distrito Federal e municípios e dotados de
mesmo tempo, a criação de um ambiente escolar que per- autonomia. A Resolução CNE/CP Nº 01/2004 compartilha res-
mita que nossa diversidade se manifeste de forma criativa e ponsabilidades e atribui ações especí cas para a consecução
transformadora na superação dos preconceitos e discrimina- das leis.
ções Etnicorraciais (Parecer CNE/CP n. 03/2004). Os princípios No art 1º da Resolução, é atribuído aos sistemas de en-
e critérios estabelecidos no PNLD de nem que, quanto à sino a consecução de “condições materiais e nanceiras” as-
construção de uma sociedade democrática, os livros didáticos sim como prover as escolas, professores e alunos de materiais
deverão promover positivamente a imagem de afro-descen- adequados à educação para as relações etnicorraciais. Deve
dentes e, também, a cultura afro-brasileira, dando visibilidade ser dada especial atenção à necessidade de articulação entre
aos seus valores, tradições, organizações e saberes sociocien- a formação de professores e a produção de material didático,
tí cos. Para tanto, os livros destinados a professores(as) e alu- ações que se encontram articuladas no planejamento estabe-
nos(as) devem abordar a temática das relações Etnicorraciais, lecido pelo Ministério da Educação, no Plano de Ações Articu-
do preconceito, da discriminação racial e violências correlatas, ladas. Nesse sentido, faz-se necessário:

37
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

a) Incorporar os conteúdos previstos nas Diretrizes j) Fomentar pesquisas, desenvolvimento e inovações


Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Etni- tecnológicas na temática das relações etnicorraciais, na CA-
corraciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasi- PES, CNPq e nas Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa
leira e Africana em todos os níveis, etapas e modalidades e estimular a criação e a divulgação de editais de bolsas de
de todos os sistemas de ensino e das metas deste Plano na pós-graduação stricto sensu em Educação das Relações Et-
revisão do atual Plano Nacional de Educação (2001-2011), nicorraciais criados e dirigidos aos pro ssionais que atuam
na construção do futuro PNE (2012-2022), como também na educação básica, educação pro ssional e ensino superior
na construção e revisão dos Planos Estaduais e Municipais das instituições públicas de ensino.
de Educação;
Ações do governo federal
b) Criar Programas de Formação Continuada Presencial
e à distância de Pro ssionais da Educação, com base nas
O Plano Nacional de Implementação das Diretrizes Cur-
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Re- riculares Nacionais para Educação das Relações Etnicorra-
lações Etnicorraciais e para o Ensino da História e Cultura ciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e
Afro-Brasileira e Africana, com as seguintes características: Africana atende a Lei 9394/96, no que tange como tarefa
I - A estrutura curricular dos referidos programas de forma- da “União a coordenação da política nacional da educação”,
ção deverá ter como base as Diretrizes Curriculares Nacio- articulando-se com os sistemas, conforme já ocorre com o
nais para Educação das Relações etnicorraciais e História PNE.
da África e Cultura Afro-Brasileira e Africana, conforme o O Art. 9º da LDB incumbe à União missão, dentre outras,
Parecer CNE/CP nº 03/2004; II – Os cursos deverão ser de- de “prestar assistência técnica e nanceira aos Estados, ao
senvolvidos na graduação e também dentro das modali- Distrito Federal e aos Municípios”; estabelecer, em colabo-
dades de extensão, aperfeiçoamento e especialização, em ração com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios,
instituições legalmente reconhecidas e que possam emitir competências e diretrizes para a educação infantil, o ensino
certi cações. III - Os cursos de formação de professores de- fundamental e o ensino médio, que nortearão os currículos;
vem ter conteúdos voltados para contemplar a necessida- baixar normas gerais sobre cursos de graduação e pós- gra-
de de reestruturação curricular e incorporação da temática duação”.
nos Projetos Político- Pedagógicos das escolas, assim como A LDB, no Art. 16, compreende que o sistema federal de
ensino é formado por: I - as instituições de ensino mantidas
preparação e análise de material didático a ser utilizado
pela União; II - as instituições de educação superior criadas
contemplando questões nacionais e regionais.
e mantidas pela iniciativa privada; III - os órgãos federais de
c) Realizar levantamento, no âmbito de cada sistema,
educação. Este Plano deve ser compreendido como uma
da presença de conteúdos de Educação das Relações Etni- proposta estruturante para a implementação da temáti-
corraciais e o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e ca, do ponto de vista do sistema federal, na sensibilização
Africana, como estabelece a Resolução CNE/CP n º 01/2004; e informação dos ajustes e procedimentos necessários por
d) Fomentar a produção de materiais didáticos e pa- parte das instituições de ensino superior públicas e particu-
radidáticos que atendam ao disposto pelas Diretrizes Cur- lares devidamente autorizadas a funcionar pelo Ministério
riculares Nacionais para a Educação das Relações Etnicor- da Educação ou, quando for o caso, pelo Conselho Nacional
raciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira de Educação. Aos órgãos federais de educação, colégios de
e Africana e às especi cidades regionais para a temática; aplicação, rede federal pro ssional e tecnológica e demais
e) Adequar as estratégias para distribuição dos novos entes dessa rede, o Plano Nacional de Implementação das
materiais didáticos regionais de forma a contemplar ampla DCNs da Educação Etnicorracial deve ser objeto das discus-
circulação e divulgação nos sistemas de ensino; sões dos colegiados de cursos e coordenações de planeja-
f) Realizar Avaliação diagnóstica sobre a abrangência mentos para o cumprimento devido no que dizem respeito
e a qualidade da implementação das Leis 10639/2003 e à sua esfera de competência e nos termos aqui levantados.
11645/2008 na educação básica; o
g) Elaborar agenda propositiva em conjuntos com os Principais ações para o Governo Federal:
Fóruns Estaduais e Municipais de Educação e Diversidade
a) Incluir as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educa-
Etnicorracial e sociedade civil para elaboração, acompa-
ção das Relações Etnicorraciais e Ensino de História e Cultura
nhamento e avaliação da implementação desse Plano e
Afro-Brasileira e Africana e os conteúdos propostos na Lei
consequentemente das Leis 10639/2003 e 11645/2008; 11645/2008 nos programas de formação de funcionários,
h) Divulgar amplamente as Diretrizes Curriculares Na- gestores e outros (programa de formação de conselheiros,
cionais para Educação das Relações etnicorraciais e para de fortalecimento dos conselhos escolares e de formação
o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana e de gestores);
de seu signi cado para a garantia do direito à educação b) Incluir na Política Nacional de Formação dos Pro ssio-
de qualidade e para o combate ao preconceito, racismo e nais do Magistério da Educação Básica, sob a coordenação
discriminação na sociedade, assim como a Lei 11645/2008; da CAPES, as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educa-
i) Divulgar experiências exemplares e as ações estraté- ção das Relações Etnicorraciais e História da África e Cultura
gicas que já vêm sendo desenvolvidas pelas Secretarias de Afro- Brasileira e Africana, com base no Parecer CNE/CP n.
Educação e Instituições de Ensino; 03/2004 e Resolução CNE/CP n. 01/2004 e a Lei 11645/08;

38
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

c) Incluir como critério para autorização, reconheci- Ações do governo estadual


mento e renovação de cursos superiores, o cumprimen-
to do disposto no Art. 1º, § 1º da Resolução CNE/CP nº O Art. 10 da LDB incumbe os Estados de, entre outras
01/2004; atribuições: “organizar, manter e desenvolver os órgãos e
d) Reforçar junto às comissões avaliadoras e analistas instituições o ciais dos seus sistemas de ensino; elaborar e
dos programas do livro didático a inclusão dos conteúdos executar políticas e planos educacionais, em consonância
referentes à Educação das Relações etnicorraciais e à histó- com as diretrizes e planos nacionais de educação, integran-
ria da cultura afro-brasileira e africana, assim como a temá- do e coordenando as suas ações e as dos seus Municípios;
autorizar, reconhecer, credenciar, supervisionar e avaliar,
tica indígena, nas obras a serem avaliadas;
respectivamente, os cursos das instituições de educação
e) Apoiar e divulgar a Ouvidoria da SEPPIR para ques-
superior e os estabelecimentos do seu sistema de ensino;
tões Etnicorraciais, na área de educação;
baixar normas complementares para o seu sistema de ensi-
f) Encaminhar o Parecer CNE/CP nº 3/2004, a Resolu- no”. No Art. 17 da LDB diz que aos “sistemas de ensino dos
ção CNE/CP nº 01/2004, a Lei 11645/08 e este Plano aos Estados e do Distrito Federal” pertencem: “I - as instituições
conselhos universitários, sublinhando a necessidade do de ensino mantidas, respectivamente, pelo Poder Público
cumprimento dos preceitos e orientações neles contidos; estadual e pelo Distrito Federal; II - as instituições de edu-
g) Incluir questões no Censo Escolar sobre a implemen- cação superior mantidas pelo Poder Público municipal; III
tação das Leis 10639/2003 e 11645/2008 e aplicação das - as instituições de ensino fundamental e médio criadas e
Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação das Relações mantidas pela iniciativa privada; IV - os órgãos de educação
Etnicorraciais em todos os níveis e modalidades de ensino estaduais e do Distrito Federal, respectivamente.” sendo
da educação básica; que “No Distrito Federal, as instituições de educação infan-
h) Desagregar os dados relativos aos resultados das til, criadas e mantidas pela iniciativa privada, integram seu
avaliações sistêmicas (Prova Brasil, ENEM, ENADE), assim sistema de ensino”. Para o Plano Nacional de Implementa-
como as informações do Censo Escolar sobre uxo esco- ção das DCNs da Educação para as Relações etnicorraciais,
lar (evasão, aprovação, distorção idade/série/ciclo e con- os Estados, o Distrito Federal e seus sistemas de ensino têm
cluintes acima de 15 anos de idade) por escola, município como objetivo aplicar as formulações aqui explicitadas, as-
e estado a partir de recortes por per s socioeconômicos, sim como suas instituições privadas ou superiores públicas,
etnicorraciais e de gênero; como reza o conteúdo da Resolução CNE/CP 01/2004 e do
presente Plano.
i) Divulgar os dados coletados e analisados (escolas e
estruturas gerenciais das secretarias estaduais e municipais,
Principais ações para o Sistema de Ensino Estadual:
MEC), de forma a colaborar com o debate e a formulação
de políticas de equidade; a) Apoiar as escolas para implementação das Leis
j) Promover ações de comunicação sobre as relações 10639/2003 e 11645/2008, através de ações colaborativas
etnicorraciais com destaque para realização de campanhas com os Fóruns de Educação para a Diversidade Etnicorra-
e peças publicitárias de divulgação das Leis 10639/2003 e cial, conselhos escolares, equipes pedagógicas e sociedade
11645/2008 e de combate ao preconceito, racismo e discri- civil;
minação nos meios de comunicação, em todas as dimen- b) Orientar as equipes gestoras e técnicas das Secreta-
sões; rias de Educação para a implementação da lei 10639/03 e
k) Promover, de forma colaborativa, com estados, mu- Lei 11645/08;
nicípios, Instituições de Ensino Superior e Entidades sem c) Promover formação para os quadros funcionais do
ns lucrativos a Formação de Professores e produção de sistema educacional, de forma sistêmica e regular, mobi-
Material Didático para atendimento das Leis 10639/2003 e lizando de forma colaborativa atores como os Fóruns de
11645/2008; Educação, Instituições de Ensino Superior, NEABs, SECAD/
l) Criar mecanismos de supervisão, monitoramen- MEC, sociedade civil, movimento negro, entre outros que
to e avaliação do Plano, conforme Resolução CNE/CP nº possuam conhecimento da temática;
01/2004; d) Produzir e distribuir regionalmente materiais didáti-
m) Instituir e manter comissão técnica nacional de cos e paradidáticos que atendam e valorizem as especi ci-
dades (artísticas, culturais e religiosas) locais/regionais da
diversidade para assuntos relacionados à educação dos
população e do ambiente, visando ao ensino e à aprendi-
afro-brasileiros, com o objetivo de elaborar, acompanhar,
zagem das Relações Etnicorraciais;
analisar e avaliar políticas públicas educacionais, voltadas
e) Articular com CONSED e o Fórum Nacional dos Con-
para o el cumprimento do disposto nas Leis 10639/2003 selhos Estaduais de Educação o apoio para a construção
e 11645/2008, visando a valorização e o respeito à diver- participativa de planos estaduais e municipais de educação
sidade etnicorracial, bem como a promoção da igualdade que contemplem a implementação das Diretrizes Curricula-
etnicorracial no âmbito do MEC. res Nacionais para a Educação das Relações etnicorraciais e
para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana
e da lei 11645/08;

39
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

f) Elaborar consulta às escolas sobre a implementação d) Produzir e distribuir regionalmente materiais didá-
das Leis 10639/03 e 11645/2008, e construir relatórios e ticos e paradidáticos que atendam e valorizem as especi -
avaliações do levantamento realizado; cidades (artísticas, culturais e religiosas) locais/regionais da
g) Desenvolver cultura de autoavaliação das escolas e população e do ambiente, visando ao ensino e à aprendiza-
na gestão dos sistemas de ensino por meio de guias orien- gem das Relações Etnicorraciais;
tadores com base em indicadores socioeconômicos, étni- e) Articular com a UNDIME e a UNCME apoio para a
corraciais e de gênero produzidos pelo INEP; construção participativa de planos municipais de educação
h) Instituir nas secretarias estaduais de educação equi- que contemplem a implementação das Diretrizes Curricula-
res Nacionais para a Educação das Relações etnicorraciais e
pes técnicas para os assuntos relacionados à diversidade,
para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana
incluindo a educação das relações etnicorraciais, dotadas
e da Lei 11645/08;
de condições institucionais e recursos orçamentários para
f) Realizar consultas junto às escolas, gerando relatório
o atendimento das recomendações propostas neste Plano; anual a respeito das ações de implementação das Diretrizes
i) Participar dos Fóruns de Educação e Diversidade Et- Curriculares Nacionais para Educação das Relações Etnicor-
nicorraciais. raciais e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e
Africana.
Ações do governo municipal g) Desenvolver cultura de autoavaliação das escolas e
na gestão dos sistemas de ensino por meio de guias orien-
O Art. 11 da LDB diz que os Municípios se incumbem, tadores com base em indicadores socioeconômicos, Etnicor-
dentre outras coisas, de: “organizar, manter e desenvolver raciais e de gênero produzidos pelo INEP;
os órgãos e instituições o ciais dos seus sistemas de en- h) Instituir nas secretarias municipais de educação equi-
sino, integrando-os às políticas e planos educacionais da pes técnicas permanentes para os assuntos relacionados à
União e dos Estados; baixar normas complementares para diversidade, incluindo a educação das relações etnicorra-
o seu sistema de ensino; autorizar, credenciar e supervisio- ciais, dotadas de condições institucionais e recursos orça-
nar os estabelecimentos do seu sistema de ensino; oferecer mentários para o atendimento das recomendações propos-
a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prio- tas neste Plano;
ridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em ou- i) Participar dos Fóruns de Educação e Diversidade Et-
nicorracial.
tros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas
plenamente as necessidades de sua área de competência
Atribuições dos conselhos de educação
e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados
pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento Os Conselhos de Educação têm papel fundamental na
do ensino.” Podem ainda, compor um sistema único com o regulamentação e institucionalização das Leis 10639/2003 e
estado ou ser parte do sistema deste, caso opte. Possuindo 11645/2008. O trabalho realizado pelo Conselho Nacional
sistema próprio, pertencem a esse sistema municipal, pelo de Educação na produção das DNCs da Educação para as
Art. 18 da LDB: “I - as instituições do ensino fundamental, Relações Etnicorraciais, e a preocupação em instituí-las atra-
médio e de educação infantil mantidas pelo Poder Público vés da Resolução nº. 01/ 2004, mostra a responsabilidade
municipal; II - as instituições de educação infantil criadas e em adequar a Lei de Diretrizes e Bases às transformações
mantidas pela iniciativa privada; III - os órgãos municipais que vem sendo estabelecidas em Lei nos últimos anos. Sa-
de educação”. Portanto, o presente Plano, recomenda, no bemos que a importância da temática requer sensibilidade e
espírito da legislação vigente, que os municípios em seus ação colaborativa entre os Conselhos, os Sistemas Educacio-
sistemas cumpram e façam cumprir o disposto da Reso- nais, os Fóruns de Educação, os pesquisadores da temática
lução CNE/CP 01/2004 inclusive observando à sua rede nas Instituições de Ensino Superior, assim como a larga ex-
privada a necessidade de obediência a LDB, alterada pelas periência do movimento negro brasileiro, para a consolida-
Leis 10639/2003 e 11645/2008. ção das ações que são traduzidas pelos marcos legais. Assim
Principais ações para o Sistema de Ensino Municipal: a Lei de Diretrizes e Bases 9394/1996, ao de nir a formação
básica comum estabelecia: a) o respeito aos valores culturais
a) Apoiar as escolas para implementação das Leis
como princípio constitucional da educação, tanto quanto da
10639/2003 e 11645/2008, através de ações colaborativas
dignidade da pessoa humana; b) a garantia da promoção
com os Fóruns de Educação para a Diversidade Etnicorracial,
do bem de todos, sem preconceitos; c) a prevalência dos
conselhos escolares, equipes pedagógicas e sociedade civil; direitos humanos e o repúdio ao racismo; d) a vinculação da
b) Orientar as equipes gestoras e técnicas das Secreta- educação com a prática social; Os Conselhos de Educação
rias de Educação para a implementação da lei 10639/03 e não só regulamentam a Lei, mas são órgãos que zelam, atra-
Lei 11645/08; vés de seus instrumentos próprios, pelo cumprimento das
c) Promover formação dos quadros funcionais do siste- mesmas. O § 3º do Artigo 2º da Resolução CNE/CP 01/2004,
ma educacional, de forma sistêmica e regular, mobilizando estabelece que “caberá aos conselhos de Educação dos Esta-
de forma colaborativa atores como os Fóruns de Educação, dos, do Distrito Federal e dos Municípios desenvolver as Di-
Instituições de Ensino Superior, NEABs, SECAD/MEC, socie- retrizes Curriculares Nacionais instituídas por esta Resolução
dade civil, movimento negro, entre outros que possuam dentro do regime de colaboração e da autonomia de entes
conhecimento da temática; federativos e seus respectivos sistemas”.

40
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Principais ações para os Conselhos de Educação: contribuições de raiz africana e europeia. É preciso ter clareza
de que o Art. 26A, acrescido à Lei nº. 9.394/96, impõe bem
a) Articular ações e instrumentos que permitam aos con- mais do que a inclusão de novos conteúdos, mas exige que
selhos nacional, estaduais, municipais e distrital de educação se repense um conjunto de questões: as relações Etnicorra-
o acompanhamento da implementação das Diretrizes Curri- ciais, sociais e pedagógicas; os procedimentos de ensino; as
culares Nacionais para a Educação das Relações Etnicorraciais condições oferecidas para aprendizagem; e os objetivos da
e para o Ensino de História e Cultura Afrobrasileira e Africana; educação proporcionada pelas escolas.
b) Articular com a UNCME e Fórum Nacional dos Con-
selhos Estaduais de Educação para ampliar a divulgação e O Plano Nacional de Implementação das DCNs da Edu-
orientação que permita o acompanhamento da implementa- cação para as Relações Etnicorraciais, está dirigido formal-
ção das Leis 10639/03 e 11645/08 pelos conselhos estaduais mente para que, s sistemas e instituições de ensino cum-
e municipais de educação; pram o estabelecido nas leis 10639/03 e 11645/08. Assim,
c) Assegurar que em sua composição haja representação as instituições devem realizar revisão curricular para a im-
da diversidade etnicorracial brasileira comprometida com a plantação da temática, quer nas gestões dos Projetos Polí-
implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a ticos Pedagógicos, quer nas Coordenações pedagógicas e
Educação das Relações Etnicorraciais e para o Ensino de His- colegiados, uma vez que possuem a liberdade para ajustar
tória e Cultura Afro- Brasileira e Africana, assim como da Lei seus conteúdos e contribuir no necessário processo de de-
11645/08, quando couber; mocratização da escola, da ampliação do direito de todos e
d) Orientar as escolas na reorganização de suas propos- todas à educação, e do reconhecimento de outras matrizes
tas curriculares e pedagógicas fundamentando-as com as de saberes da sociedade brasileira.
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Rela- Art. 3° A Educação das Relações Etnicorraciais e o estu-
ções Etnicorraciais e para o Ensino de História e Cultura Afro do de História e Cultura Afro-Brasileira, e História e Cultura
-Brasileira e Africana estabelecidas no Parecer CNE/CEB n º Africana será desenvolvida por meio de conteúdos, com-
03/2004; petências, atitudes e valores, a serem estabelecidos pelas
Instituições de ensino e seus professores, com o apoio e
e) Recomendar às instituições de ensino públicas e pri-
supervisão dos sistemas de ensino, entidades mantenedo-
vadas a observância da Interdisciplinaridade tendo presente
ras e coordenações pedagógicas, atendidas as indicações,
que: I. os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Bra-
recomendações e diretrizes explicitadas no Parecer CNE/CP
sileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo es-
003/2004. (Resolução CNE/CP nº 01/2004)
colar, em especial nas áreas de Educação Artística, de Lite-
ratura, História Brasileiras e de Geogra a; II. O ensino deve ir
Da rede pública e particular de ensino
além da descrição dos fatos e procurar constituir nos alunos
a capacidade de reconhecer e valorizar a história, a cultura, a Assim, as exigências legais contidas nas Leis 10639 e
identidade e as contribuições dos afrodescendentes e da di- 11645, a Resolução CNE/CP 01/2004 e o Parecer CNE/CP
versidade na construção, no desenvolvimento e na economia 003/2004 recomendam às instituições: a) Reformular ou
da Nação Brasileira; III. Os conteúdos programáticos devem formular junto à comunidade escolar o seu Projeto Político
estar fundados em dimensões históricas, sociais e antropoló- Pedagógico adequando seu currículo ao ensino de histó-
gicas referentes à realidade brasileira, com vistas a combater ria e cultura da Afrobrasileira e africana, conforme Parecer
o preconceito, o racismo e as discriminações que atingem CNE/CP 03/2004 e as regulamentações dos seus conse-
a nossa sociedade. IV. a pesquisa, a leitura, os estudos e a lhos de educação, assim como os conteúdos propostos na
re exão sobre este tema introduzido pelas Leis nºs 9.394/96, Lei 11645/08; b) Garantir no Planejamento de Curso dos
10639/03 e 11645/2008, têm por meta adotar Políticas de professores a existência da temática das relações etnicor-
Reconhecimento e Valorização de Ações A rmativas que im- raciais, de acordo sua área de conhecimento e o Parecer
pliquem justiça e iguais direitos sociais, civis, culturais e eco- CNE/CP 03/2004; c) Responder em tempo hábil as pesqui-
nômicos, bem como valorização da diversidade. sas e levantamentos sobre a temática da Educação para as
Relações etnicorraciais; d) Estimular estudos sobre Educa-
Atribuições das instituições de ensino ção das Relações Étnicorraciais e história e cultura africa-
na e Afrobrasileira, proporcionando condições para que
A LDB classi ca as instituições de ensino dos diferentes professores, gestores e funcionários de apoio participem
níveis públicas e privadas. O Art. 12 da LDB diz que os estabe- de atividades de formação continuada e/ou formem gru-
lecimentos de ensino, respeitando as normas do seu sistema pos de estudos sobre a temática; e) Encaminhar solicitação
de ensino (Federal, Estadual, Municipal ou do Distrito Fede- ao órgão de gestão educacional ao qual esteja vinculada
ral), terão a incumbência, entre outras, de: elaborar e executar para a realização de formação continuada para o desen-
sua proposta pedagógica; zelar pelo cumprimento do plano volvimento da temática; f) Encaminhar solicitação ao órgão
de trabalho de cada docente; articular-se com as famílias e a superior da gestão educacional ao qual a escola estiver su-
comunidade, criando processos de integração da sociedade bordinada, para fornecimento de material didático e pa-
com a escola. Segundo a Resolução CNE/CP 01/2004, cabe- radidático com intuito de manter acervo especí co para o
rá às escolas incluírem no contexto de seus estudos e ativi- ensino da temática das relações etnicorraciais; g) Detectar
dades cotidianas, tanto a contribuição histórico-cultural dos e combater com medidas socioeducativas casos de racismo
povos indígenas e dos descendentes de asiáticos, quanto às e preconceito e discriminação nas dependências escolares.

41
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Art. 6° Os órgãos colegiados dos estabelecimentos de Atribuições das coordenações pedagógicas


ensino, em suas nalidades, responsabilidades e tarefas, in-
cluirão o previsto o exame e encaminhamento de solução As coordenações pedagógicas no âmbito das insti-
para situações de discriminação, buscando-se criar situações tuições de ensino são as que maiores interfaces possuem
educativas para o reconhecimento, valorização e respeito da entre o trabalho docente, por meio do Planejamento de
diversidade. (Resolução CNE/CP nº 01/2004) Curso/aula e do Projeto Político-Pedagógico. Ignorar essa
importante função é não ter a garantia de que as tecnolo-
Instituições de ensino superior gias educacionais, as políticas de educação que visam me-
lhoria na qualidade de ensino e melhoria do desempenho
Como Instituições de Ensino Superior, compreende-se educacional tenham êxito. As coordenações pedagógicas
qualquer instituição que se incumba de formação em nível não só devem ser valorizadas como, também, devem fa-
superior de caráter público ou privado. Essas instituições zer parte dos planejamentos de cursos de aprimoramento,
têm seu funcionamento ligado aos documentos legais que
aperfeiçoamento e de gestão educacionais. A LDB, no Art.
normatizam a Política Educacional Brasileira, quais sejam: Lei
13 diz que os docentes têm a incumbência de “participar
9394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; PNE
da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimen-
– Plano Nacional de Educação e Diretrizes Curriculares Na-
to de ensino; elaborar e cumprir plano de trabalho, segun-
cionais que, a rigor, compreendem resoluções do Conselho
Nacional de Educação e demais organizações da educação do a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;
brasileira. A Resolução CNE/CP 01/2004 em seu Artigo 1º zelar pela aprendizagem dos alunos; estabelecer estraté-
dispõe que as Diretrizes tema deste Plano devem ser “ob- gias de recuperação para os alunos de menor rendimento;
servadas pelas instituições de ensino, que atuam nos níveis e ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidos, além
modalidades da Educação Brasileira e, em especial, aquelas de participar integralmente dos períodos dedicados ao pla-
que mantém programas de formação inicial e continuada nejamento, à avaliação e ao desenvolvimento pro ssional;
de professores”. No § 1º deste artigo, estabelece que “As colaborar com as atividades de articulação da escola com
Instituições de Ensino Superior incluirão nos conteúdos de as famílias e a comunidade”. A Resolução CNE/CP 01/2004,
disciplinas e atividades curriculares dos cursos que minis- no Artigo 3º, § 2º estabelece que “As coordenações peda-
tram, a Educação das Relações Etnicorraciais, bem como o gógicas promoverão o aprofundamento de estudos, para
tratamento de questões e temáticas que dizem respeito aos que os professores concebam e desenvolvam unidades de
afrodescendentes, nos termos explicitados no Parecer CNE/ estudos, projetos e programas, abrangendo os diferentes
CP 3/2004”. componentes curriculares”. Portando, o presente Plano re-
Principais Ações das Instituições de Ensino Superior comenda que os sistemas e as instituições de ensino orien-
tem os coordenadores pedagógicos para aplicação desse
a) Incluir conteúdos e disciplinas curriculares relaciona- Plano no âmbito escolar.
dos à Educação para as Relações Etnicorraciais nos cursos de Principais Ações das Coordenações Pedagógicas
graduação do Ensino Superior, conforme expresso no §1° do
art. 1°, da Resolução CNE /CP n. 01/2004; a) Conhecer e divulgar o conteúdo do Parecer CNE/CP
b) Desenvolver atividades acadêmicas, encontros, jor- 03/2004 e a Resolução CNE/CP 01/2004 e da Lei 11645/08
nadas e seminários de promoção das relações étnicorraciais em todo o âmbito escolar;
positivas para seus estudantes. c) Dedicar especial atenção b) Colaborar para que os Planejamentos de Curso in-
aos cursos de licenciatura e formação de professores, garan- cluam conteúdo e atividades adequadas para a educação
tindo formação adequada aos professores sobre História e
das relações etnicorraciais e o ensino de história e cultura
Cultura Afro-Brasileira e Africana e os conteúdos propostos
afro-brasileira e africana de acordo com cada nível e mo-
na Lei 11645/2008; d) Desenvolver nos estudantes de seus
dalidade de ensino;
cursos de licenciatura e formação de professores as habilida-
c) Promover junto às docentes reuniões pedagógicas
des e atitudes que os permitam contribuir para a educação
das relações etnicorraciais com destaque para a capacitação com o m de orientar para a necessidade de constante
dos mesmos na produção e análise crítica do livro, materiais combate ao racismo, ao preconceito, e à discriminação,
didáticos e paradidáticos que estejam em consonância com elaborando em conjunto estratégias de intervenção e edu-
as Diretrizes Curriculares para Educação das Relações Etni- cação;
corraciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasilei- d) Estimular a interdisciplinaridade para disseminação
ra e Africanas e com a temática da Lei 11645/08; e) Fomen- da temática no âmbito escolar, construindo junto com pro-
tar pesquisas, desenvolvimento e inovações tecnológicas fessores e pro ssionais da educação processos educativos
na temática das relações etnicorraciais, contribuindo com a que possam culminar seus resultados na Semana de Cons-
construção de uma escola plural e republicana; f) Estimular e ciência Negra e/ou no período que compreende o Dia da
contribuir para a criação e a divulgação de bolsas de inicia- Consciência Negra (20 de novembro).
ção cientí ca na temática da Educação para as Relações Etni- e) Encaminhar ao Gestor escolar e/ou aos responsá-
corraciais; g) Divulgar junto às secretarias estaduais e muni- veis da Gestão Municipal ou Estadual de Ensino, situações
cipais de educação a existência de programas institucionais de preconceito, racismo e discriminação identi cados na
que possam contribuir com a disseminação e pesquisa da escola.
temática em associação com a educação básica.

42
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Atribuições dos grupos colegiados e núcleos de estudo d) Divulgar e disponibilizar estudos, pesquisas, materiais
didáticos e atividades de formação continuada aos órgãos de
O exercício democrático pressupõe que a sociedade comunicação dos Sistemas de Educação;
participe, de diferentes formas, dos processos que visam e) Manter permanente diálogo com os Fóruns de Edu-
atender às demandas sociais. Assim, a política pública é cação e Diversidade Etnicorracial, os Sistemas de Educação,
entendida como uma construção coletiva onde a socieda- Conselhos de Educação, sociedade civil e todos as instancias e
de tem importante papel propositor e de monitoramento, entidades que necessitem de ajuda especializada na temática;
considerando a capilaridade social e seu alcance. Essa par- f) Atender e orientar as Secretarias de Educação quan-
ticipação social organiza-se por si mesma ou por indução to às abordagens na temática das relações etnicorraciais,
dos agentes públicos e instituições com diferentes nature- auxiliando na construção de metodologias de pesquisa que
zas, campos de atuação e interesses. No caso da educação contribuam para a implementação e monitoramento das Leis
para as relações etnicorraciais essa participação e controle 10639/2003 e 11645/08, quando couber;
social não são somente desejáveis, mas fundamentais. É
Fóruns de educação e diversidade etnicorracial
necessário que existam grupos que monitorem, auxiliem,
proponham, estudem e pesquisem os objetos de trabalho
Os Fóruns de Educação de Diversidade Etnicorracial, for-
deste plano para que sua atualização permaneça dinâmica
mados por representantes do poder público e da sociedade
e se autoajustem às necessidades do aluno, da escola e da civil, organizados por meio de Regimento Interno, são gru-
sociedade brasileira. Os Fóruns de Educação e Diversidade pos constituídos para acompanhar o desenvolvimento das
Etnicorracial, os NEAB’s e os Grupos de Trabalho e Comitês políticas públicas de educação para diversidade Etnicorracial,
possuem, normalmente, a capilaridade para inserção da te- propondo, discutindo, sugerindo, estimulando e auxiliando a
mática em grupos diferenciados de interesses, por isso, a implementação das Diretrizes Curriculares Nacionais e, por
importância desses órgãos para a implementação do Plano consequência, também, este Plano. Sua existência se respalda
Nacional. no princípio disposto no inciso II do Art. 14 da LDB
“participação das comunidades escolar e local em con-
Núcleos de estudos afrobrasileiros e grupos correlatos selhos escolares ou equivalentes”, e no Art. 4º da Resolução
CNE/CP nº 01/2004: “os sistemas e os estabelecimentos de
Os Núcleos de Estudos Afrobrasileiros - NEAB’s e Gru- ensino poderão estabelecer canais de comunicação com
pos correlatos, instituídos em Instituições de Ensino Su- grupos do Movimento Negro, grupos culturais negros, ins-
perior representam um importante braço de pesquisa e tituições formadoras de professores, núcleos de estudos e
elaboração de material e de formatação de cursos dentro pesquisas, como os Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, com
das temáticas abordadas por este Plano. O Art. 3º, § 4º da a nalidade de buscar subsídios e trocar experiências para
Resolução 01/2004 do Conselho Nacional de Educação diz planos institucionais, planos pedagógicos e projetos de ensi-
que “Os sistemas de ensino incentivarão pesquisas sobre no”. Sendo instrumentos estabelecidos pelos sistemas, é reco-
processos educativos orientados por valores, visões de mendável que existam estruturas semelhantes induzidas em
mundo, conhecimentos afro-brasileiros, ao lado de pesqui- nível estadual, municipal e federal.
sas de mesma natureza junto aos povos indígenas, com o Principais ações para os Fóruns de Educação e Diversida-
objetivo de ampliação e fortalecimento de bases temáticas de Etnicorracial
para a educação brasileira”.
Principais Ações Para os Núcleos de Estudos e Grupos a) Manter permanente diálogo com instituições de ensi-
no, gestores educacionais, movimento negro e sociedade civil
correlatos
organizada para a implementação das Leis 10639 e 11645;
b) Colaborar com a implementação das DCNs das Re-
a) Colaborar com a Formação Inicial e Continuada de
lações étnicorraciais na sua localidade, orientando gestores
Professores e graduandos em educação das relações Et-
educacionais sobre a temática das relações raciais quando
nicorraciais e ensino de história e cultura afro-brasileira solicitados;
e africana, de acordo com o disposto na Resolução CNE/ c) Colaborar com os sistemas de ensino na coleta de in-
CP 01/2004 e no Parecer CNE/CP nº 03/2004, e da Lei formações sobre a implementação da lei nas redes privada e
11645/08, quando couber. pública de ensino, para atendimento ao Artigo 8º da Resolu-
b) Elaborar Material Didático especí co para uso em ção CNE/CP nº. 01/2004;
sala de aula, sobre Educação das relações Etnicorraciais e d) Divulgar atividades de implementação da Lei 10639/03,
história e cultura afro-brasileira e africana que atenda ao assim como suas reuniões e ações para toda a sociedade local
disposto na Resolução CNE/CP 01/2004 e no Parecer CNE/ e regional;
CP nº 03/2004. e) Acompanhar e solicitar providências dos órgãos com-
c) Mobilizar recursos para a implementação da temáti- petentes onde se insira quando da constatação de ações dis-
ca de modo a atender às necessidades de formação conti- criminatórias ou do descumprimento da Lei 10639/03;
nuada de professores e produção de material didático das f) Veri car e acompanhar nos estados e municípios as
Secretarias municipais e estaduais de educação ou/e pes- ações de cumprimento do presente Plano, assim como a apli-
quisas relacionadas ao desenvolvimento de tecnologias de cação de recursos para implementação da Educação das Re-
educação que atendam à temática; lações Etnicorraciais;

43
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Níveis de ensino papel da educação infantil é signi cativo para o desenvol-


vimento humano, a formação da personalidade, a constru-
A educação brasileira organiza-se por níveis e modali- ção da inteligência e a aprendizagem. Os espaços coletivos
dades de ensino, expressos na Lei de Diretrizes e Bases da educacionais, nos primeiros anos de vida, são espaços pri-
Educação. Os níveis compreendem educação básica – com- vilegiados para promover a eliminação de qualquer forma
posto por educação infantil, ensino fundamental e ensino de preconceito, racismo e discriminação, fazendo com que
médio – e educação superior. Para qualquer nível de ensino, as crianças, desde muito pequenas, compreendam e se en-
os dados revelam signi cativas diferenças de acesso e per- volvam conscientemente em ações que conheçam, reco-
manência quando analisados sob o aspecto das distinções nheçam e valorizem a importância dos diferentes grupos
entre brancos e negros. No espírito da Lei 10639/2003, que etnicorraciais para a história e a cultura brasileiras.
pretendeu explicitar a preocupação com o acesso e o su- O acolhimento da criança implica o respeito à sua cul-
cesso escolar da população negra, a Resolução CNE/CP nº tura, corporeidade, estética e presença no mundo(...) Nessa
01/2004 dispôs, em seu Art. 5º, que “os sistemas de ensino perspectiva, a dimensão do cuidar e educar deve ser am-
tomarão providências no sentido de garantir o direito de pliada e incorporada nos processos de formação dos pro-
alunos afrodescendentes de frequentarem estabelecimen- ssionais para os cuidados embasados em valores éticos,
tos de ensino de qualidade, que contenham instalações e nos quais atitudes racistas e preconceituosas não poder ser
equipamentos sólidos e atualizados, em cursos ministrados admitidas. (Orientações e Ações para a Educação das Rela-
por professores competentes no domínio de conteúdos de ções Etnicorraciais – Brasil; MEC)
ensino e comprometidos com a educação de negros e não Um destaque especial deve ser dado aos professores
negros, sendo capazes de corrigir posturas, atitudes, pala- que atuam na educação infantil, pois devem desenvolver
vras que impliquem desrespeito e discriminação”. atividades que possibilitem e favoreçam as relações entre
as crianças na sua diversidade.
Educação básica Ações principais para a Educação Infantil

A LDB, em seu Art. 22, determina que: “A educação bá- a) Ampliar o acesso e o atendimento seguindo crité-
sica tem por nalidades desenvolver o educando, assegu- rios de qualidade em EI, possibilitando maior inclusão das
rar-lhe a formação comum indispensável para o exercício crianças afros-descendentes.
da cidadania e fornecer-lhe meios para progredir no traba- b) Assegurar formação inicial e continuada aos profes-
lho e em estudos posteriores”. Nessa fase o risco de eva- sores e pro ssionais desse nível de ensino para a incorpo-
são, os problemas sociais e familiares cam evidentes na ração dos conteúdos da cultura Afrobrasileira e indígena
grande maioria dos educandos. No bojo desses con itos e o desenvolvimento de uma educação para as relações
estão as manifestações de racismo, preconceitos religiosos, etnicorraciais.
de gênero, entre outros despertos à medida que o aluno c) Explicitar nas Diretrizes Curriculares Nacionais de
progride no conhecimento da sociedade multiétnica e plu- Educação Infantil a importância da implementação de prá-
ricultural a que pertence. As desigualdades percebidas nas ticas que valorizem a diversidade étnica, religiosa, de gê-
trajetórias educacionais das crianças e dos jovens negros nero e de pessoas com de ciências pelas redes de ensino.
nos diferentes níveis de ensino, bem como as práticas ins- d) Implementar nos Programas Nacionais do Livro Di-
titucionais discriminatórias e preconceituosas determinam dático e Programa Nacional Biblioteca na Escola ações vol-
percursos educativo muito distintos entre negros e bran- tadas para as instituições de educação infantil, incluindo
cos. As Leis 10639/03 e 11645/09 alteram a LDB especi ca- livros que possibilitem aos sistemas de ensino trabalhar
mente no que diz respeito aos conteúdos obrigatórios para com referenciais de diferentes culturas, especialmente as
este nível de ensino, pois determina a obrigatoriedade do negras e indígena.
ensino de História e Cultura Afro-brasileira, Africana e in- e) Implementar ações de pesquisa, desenvolvimento e
dígena na perspectiva de construir uma positiva educação aquisição de materiais didático- pedagógicos que respei-
para as relações etnicorraciais. tem e promovam a diversidade, tais como: brinquedos, jo-
gos, especialmente bonecas/os com diferentes caracterís-
Educação infantil ticas Etnicorraciais, de gênero e portadoras de de ciência.
f) Desenvolver ações articuladas junto ao INEP, IBGE e
Em 2006, segundo os dados estatísticos, apenas 13,8% IPEA para produção de dados relacionados à situação da
das crianças declaradas como negras estavam matriculadas criança de 0 a 5 anos no que tange à diversidade e ga-
em creches; entre as crianças brancas esse número é igual a rantir o aperfeiçoamento na coleta de dados do INEP, na
17,6%. Na pré-escola, a diferença é menor, mas da mesma perspectiva de melhorar a visualização do cenário e a com-
forma desigual: na população infantil branca 65,3% estão preensão da situação da criança afrodescendente na edu-
matriculados na pré-escola, enquanto na população infan- cação infantil.
til negra esse número representa 60,6% do total da popu- g) Garantir apoio técnico aos municípios para que im-
lação infantil. Esses números revelam o tamanho dos desa- plementem ações ou políticas de promoção da igualdade
os que se apresentam para a Política de Educação Infantil racial na educação infantil.
no que se refere à educação das relações Etnicorraciais. O

44
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Ensino fundamental g) Propiciar, nas coordenações pedagógicas, o resgate e


acesso a referências históricas, culturais, geográ cas, linguís-
O Ensino fundamental obrigatório e gratuito, dever da ticas e cientí cas nas temáticas da diversidade.
família e do estado, direito público subjetivo, é de nido pela h) Apoiar a organização de um trabalho pedagógico que
LDB como a etapa educacional em que se dá a formação contribua para a formação e fortalecimento da autoestima dos
básica do cidadão, mediante, entre outros fatores, “a com- jovens, dos(as) docentes e demais pro ssionais da educação.
preensão do ambiente natural e social, do sistema político,
da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamen- Ensino médio
ta a sociedade” (Art 32). A partir da análise dos indicado-
res educacionais recentes, ao efetuarmos um corte étnico/ O Ensino Médio é a etapa nal da Educação Básica. É
racial, a desigualdade educacional demonstra-se perversa. nesta fase em que o indivíduo consolida as informações e
Segundo o censo escolar de 2007 a distorção idade-série conhecimentos necessários para o exercício da cidadania. É
de brancos é de 33,1% na 1ª série e 54,7% na 8ª, enquanto também essa a fase que antecede, para poucos jovens, o in-
a distorção idade-série de negros é de 52,3% na 1ª série e gresso na Educação Superior e em que muitos jovens se pre-
78,7% na 8ª. Entre os jovens brancos de 16 anos, 70% ha- param para o mercado de trabalho. Contudo, esse é um dos
viam concluído o ensino fundamental obrigatório, enquanto níveis de ensino com menor cobertura e maior desigualdade
que dos negros, apenas 30%. Entre as crianças brancas de 8 entre negros e brancos. Em 2007, 62% dos jovens brancos
e 9 anos na escola, encontramos uma taxa de analfabetismo de 15 a 17 anos frequentavam a escola, enquanto que o per-
da ordem de 8%, enquanto que dentre as negras essa taxa centual de negros era de apenas 31%. Se o recorte etário for
é de 16% (PNAD/IBGE 2007). No Ensino Fundamental, o 19 anos, os brancos apresentam uma taxa de conclusão do
ato de educar implica uma estreita relação entre as crianças, ensino médio de 55%, já os negros apenas 33% (PNAD/IBGE
adolescentes e os adultos. Esta relação precisa estar pautada 2007). Acreditamos que a educação das relações etnicorra-
em tratamentos igualitários, considerando a singularidade ciais pode contribuir para a ampliação do acesso e perma-
de cada sujeito em suas dimensões culturais, familiares e so- nência de jovens negros e negras no Ensino Médio e possibi-
ciais. Nesse sentido, a educação das relações etnicorraciais litar o diálogo com os saberes e valores da diversidade.
deve ser um dos elementos estruturantes do projeto político
pedagógico das escolas. Respeitando a autonomia dos sis- Ações principais para o Ensino Médio
temas e estabelecimentos de ensino para compor os proje- a) Ampliar a oferta e a expansão do atendimento, possi-
tos pedagógicos e o currículo dos estados e municípios para bilitando maior acesso dos jovens afro-descendentes;
o cumprimento das Leis 10639/03 e 11645/08, é imprescin- b) Assegurar formação inicial e continuada aos profes-
dível a colaboração das comunidades em que a escola está sores desse nível de ensino para a incorporação dos conteú-
inserida e a comunicação com estudiosos e movimentos so- dos da cultura Afrobrasileira e indígena e o desenvolvimento
ciais para que subsidiem as discussões e construam novos de uma educação para as relações etnicorraciais;
saberes, atitudes, valores e posturas. c) Contribuir para o desenvolvimento de práticas pe-
dagógicas re exivas, participativas e interdisciplinares, que
Ações Principais para o Ensino Fundamental possibilitem ao educando o entendimento de nossa estru-
a) Assegurar formação inicial e continuada aos profes- tura social desigual;
sores e pro ssionais desse nível de ensino para a incorpo- d) Implementar ações, inclusive dos próprios educan-
ração dos conteúdos da cultura Afrobrasileira e indígena e dos, de pesquisa, desenvolvimento e aquisição de materiais
o desenvolvimento de uma educação para as relações etni- didático diversos que respeitem, valorizem e promovam a
corraciais. diversidade cultural a m de subsidiar práticas pedagógicas
b) Implementar ações, inclusive dos próprios educan- adequadas a educação para as relações etnicorraciais.
dos, de pesquisa, desenvolvimento e aquisição de materiais e) Prover as bibliotecas e as salas de leitura de materiais
didático-pedagógicos que respeitem, valorizem e promo- didáticos e paradidáticos sobre a temática Etnicorracial ade-
vam a diversidade a m de subsidiar práticas pedagógicas quados à faixa etária e à região geográ ca do jovem.
adequadas a educação para as relações etnicorraciais. f) Distribuir e divulgar as DCN’s sobre a Educação das
c) Prover as bibliotecas e as salas de leitura de materiais relações etnicorraciais entre as escolas que possuem educa-
didáticos e paradidáticos sobre a temática Etnicorracial ade- ção em nível médio, para que as mesmas incluam em seus
quados à faixa etária e à região geográ ca das crianças. currículos os conteúdos e disciplinas que versam sobre esta
d) Incentivar e garantir a participação dos pais e respon- temática;
sáveis pela criança na construção do projeto político peda- g) Incluir a temática de história e cultura africana, Afro-
gógico e na discussão sobre a temática etnicorracial. brasileira e indígena entre os conteúdos avaliados pelo ENEM;
e) Abordar a temática etnicorracial como conteúdo h) Inserir a temática da Educação das Relações Etnicor-
multidisciplinar e interdisciplinar durante todo o ano letivo, raciais na pauta das reuniões do Fórum dos Coordenadores
buscando construir projetos pedagógicos que valorizem do Ensino Médio, assim como manter grupo de discussão
os saberes comunitários e a oralidade, como instrumentos sobre a temática no Fórum Virtual dos Coordenadores do
construtores de processos de aprendizagem. Ensino Médio;
f) Construir coletivamente alternativas pedagógicas com i) Incluir, nas ações de revisão dos currículos, discussão
suporte de recursos didáticos adequados e utilizar materiais da questão racial e da história e cultura africana, Afrobrasi-
paradidáticos sobre a temática. leira e indígena como parte integrante da matriz curricular.

45
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Educação superior inserção pro ssional. Os resultados do Censo 2008 indicam


a matrícula de 4,9 milhões na modalidade EJA, sendo 3,3 mi-
De acordo com o Parecer CNE/CP 03/2004, as institui- lhões no ensino fundamental e 1,6 milhões no médio. Esse
ções de educação superior devem elaborar uma pedago- número é muito inferior ao necessário para cumprimento do
gia anti-racista e antidiscriminatória e construir estratégias preceito constitucional que estabelece o ensino fundamen-
educacionais orientadas pelo princípio de igualdade básica tal como obrigatório – temos 65 milhões de jovens e adultos
da pessoa humana como sujeito de direitos, bem como se sem os 8 anos de escolaridade. Considerando que jovens
posicionar formalmente contra toda e qualquer forma de e adultos negros representam a maioria entre aqueles que
discriminação. Segundo o IPEA, da população branca acima não tiveram acesso ou foram excluídos da escola, é essencial
de 25 anos, 12,6% detém diploma de curso superior. Dentre observar o proposto nas Diretrizes Curriculares que regula-
os negros a taxa é de 3,9%. Em 2007, os dados coletados mentam a Lei 10639/2003, como possibilidade de ampliar
pelo censo do ensino superior indicavam a frequência de o acesso e permanência desta população no sistema edu-
19,9% de jovens entre 18 e 24 anos no ensino superior. Já cacional, promovendo o desenvolvimento social, cultural e
para os negros, o percentual é de apenas 7%. As IES são econômico, individual e coletivo.
as instituições fundamentais e responsáveis pela elaboração, Ações principais para a Educação de Jovens e Adultos
execução e avaliação dos cursos e programas que oferecem,
assim como de seus projetos institucionais, projetos peda- a) Ampliar a cobertura de EJA em todos os sistemas de
gógicos dos cursos e planos de ensino articulados à temáti- ensino e modalidades, para ampliação do acesso da popula-
ca Etnicorracial. ção afrodescendente;
É importante que se opere a distribuição e divulgação b) Assegurar à EJA vinculação com o mundo do trabalho
sistematizada deste Plano entre as IES para que as mesmas, por meio de fomento a ações e projetos que pautem a mul-
respeitando o princípio da autonomia universitária, incluam tiplicidade do tripé espaço-tempo-concepção e o respeito a
em seus currículos os conteúdos e disciplinas que versam educação das relações etnicorraciais;
sobre a educação das relações Etnicorraciais. c) Incluir quesito cor/raça nos diagnósticos e programas
Ações principais para a Educação Superior
de EJA;
d) Implementar ações de pesquisa, desenvolvimento e
a) Adotar a políticas de cotas raciais e outras ações a r-
aquisição de materiais didático- pedagógicos que respei-
mativas para o ingresso de negros, negras e estudantes indí-
tem, valorizem e promovam a diversidade, a m de subsidiar
genas ao ensino superior;
práticas pedagógicas adequadas à educação das relações
b) Ampliar a oferta de vagas na educação superior, pos-
etnicorraciais;
sibilitando maior acesso dos jovens, em especial dos afro-
e) Incluir na formação de educadores de EJA a temáti-
descendentes, a este nível de ensino;
ca da promoção da igualdade Etnicorracial e o combate ao
c) Fomentar o Apoio Técnico para a formação de profes-
sores e outros pro ssionais de ensino que atuam na escola racismo.
de educação básica, considerando todos os níveis e modali- f) Estimular as organizações parceiras formadoras de
dades de ensino, para a educação das relações Etnicorraciais; EJA, para articulação com organizações do movimento ne-
d) Implementar as orientações do Parecer nº 03/2004 gro local, com experiência na formação de professores.
e da Resolução nº 01/2004, no que se refere à inserção da - Educação tecnológica e formação pro ssional
educação das relações Etnicorraciais e temáticas que dizem Segundo a LDB, alterada pela lei 11.741/2008, “A edu-
respeito aos afro-brasileiros entre as IES que oferecem cur- cação pro ssional e tecnológica, no cumprimento dos obje-
sos de licenciatura; tivos da educação nacional, integra-se aos diferentes níveis
e) Construir, identi car, publicar e distribuir material di- e modalidades de educação e às dimensões do trabalho, da
dático e bibliográ co sobre as questões relativas à educação ciência e da tecnologia” (art. 39). O chamado “Sistema S”
das relações ético-raciais para todos os cursos de graduação; (SENAI, SENAC, SENAR, SEST/SENAT, SEBRAE, entre outros),
f) Incluir os conteúdos referentes à educação das rela- que é o conjunto de organizações das entidades corpora-
ções Etnicorraciais nos instrumentos de avaliação institucio- tivas empresariais voltadas para o treinamento pro ssional,
nal, docente e discente e articular cada uma delas à pesquisa assistência social, consultoria, pesquisa e assistência técnica,
e à extensão, de acordo com as características das IES. têm raízes comuns e características organizacionais simila-
res, e compõe a educação pro ssional e tecnológica atin-
Modalidades de ensino gindo uma parcela expressiva da população nas suas ações
educacionais. Assim compreendemos que as organizações
-Educação de jovens e adultos do Sistema S que atuam nessa modalidade educacional são
Analisando os dados das desigualdades raciais no país, parceiros importantes a serem incorporados nas ações de
identi camos que adolescentes negros são precocemente implementação das DCNs para Educação das Relações Et-
absorvidos pelo mercado de trabalho informal e “expulsos” nicorraciais. Essa re exão se aplica também a toda a rede
do sistema de ensino regular. Pesquisas recentes apontam, privada que desenvolve a educação pro ssional e tecnológi-
ainda, que jovens negros são maioria entre os desempre- ca. Em 2008, a SETEC publicou o livro “Implementação das
gados, demandando maior atenção para a escolarização Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Etnicor-
dessa população e uma formação mais adequada para sua raciais e o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e

46
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Africana da Educação Pro ssional e Tecnológica”, resul- Nas comunidades remanescentes de quilombos,
tado de o cinas desenvolvidas com a SECAD, com uma série o acesso à escola para as crianças é difícil, os meios de
de artigos sobre a relação entre a Educação Pro ssional e transporte são insu cientes e inadequados, e o currículo
Tecnológica e a Lei 10639/2003. Os artigos mostram o que escolar está longe da realidade destes meninos e meninas.
tem sido pensado sobre a implementação da lei 10639/2003 Raramente os alunos quilombolas veem sua história, sua
no âmbito da Educação Pro ssional, Cientí ca e Tecnológica, cultura e as particularidades de sua vida nos programas
na tentativa de facilitar os trabalhos dos gestores e professo- de aula e nos materiais pedagógicos. Somam-se a essas
res que atuam nessa modalidade de ensino. di culdades o fato de que os(as) professores(as) não são
Principais ações para Educação Tecnológica e Formação capacitados adequadamente e o seu número é insu ciente.
Pro ssional Poucas comunidades possuem unidades educacionais com
o Ensino Fundamental completo. Garantir a educação nes-
a) Incrementar os mecanismos de nanciamento de for- tes territórios onde vive parcela signi cativa da população
ma a possibilitar a expansão do atendimento, possibilitando
brasileira, respeitando sua história e suas práticas culturais
maior acesso dos jovens, em especial dos afrodescendentes,
é pressuposto fundamental para uma educação anti-racis-
a esta modalidade de ensino.
ta. Assim a implementação da Lei 10639 nas comunidades
b) Garantir que nas Escolas Federais, agrícolas, centros,
quilombolas deve considerar as especi cidades desses ter-
institutos e Instituições Estaduais de Educação Pro ssional,
existam Núcleos destinados ao acompanhamento, estudo e ritórios, para que as ações recomendadas nesse Plano pos-
desenvolvimento da Educação das Relações Etnicorraciais e sam ter qualidade e especi cidade na sua execução.
Políticas de Ação A rmativa; Principais ações para Educação em Áreas de Remanes-
c) Manter diálogo permanente entre os Fóruns de Edu- centes de Quilombos
cação e Diversidade e as instituições das Redes de Educação
Pro ssional e Tecnológica; a) Apoiar a capacitação de gestores locais para o ade-
d) Inserir nos manuais editados pela Secretaria de Edu- quado atendimento da educação nas áreas de quilombos;
cação Pro ssional e Tecnológica as diretrizes e demais docu- b) Mapear as condições estruturais e práticas pedagó-
mentos norteadores de currículos e posturas, os conceitos, gicas das escolas localizadas em áreas de remanescentes
abordagens e metas descritos nos documentos deste Plano, de quilombos e sobre o grau de inserção das crianças, jo-
no que se refere as ações para Ensino Médio e Ensino Su- vens e adultos no sistema escolar;
perior. c) Garantir direito à educação básica para crianças e
e) Os Institutos Federais, Fundações Estaduais de Edu- adolescentes das comunidades remanescentes de quilom-
cação Pro ssional e instituições a ns, deverão incentivar o bos, assim como as modalidades de EJA e AJA;
estabelecimento de programas de pós-graduação e de for- d) Ampliar e melhorar a rede física escolar por meio de
mação continuada em Educação das Relações Etnicorraciais construção, ampliação, reforma e equipamento de unida-
para seus servidores e educadores da região de sua abran- des escolares;
gência; e) Promover formação continuada de professores da
f) A SETEC, em parceria com a SECAD e os Institutos educação básica que atuam em escolas localizadas em co-
Federais, contribuirá com a sua rede e os demais sistemas munidades remanescentes de quilombos, atendendo ao
de ensino pesquisando e publicando materiais de referência que dispõe o Parecer 03/2004 do CNE e considerando o
para professores e materiais didáticos para seus alunos na processo histórico das comunidades e seu patrimônio cul-
temática da educação das relações etnicorraciais. tural;
- Educação em áreas remanescentes de quilombos f) Editar e distribuir materiais didáticos conforme o que
dispõe o Parecer CNE/CP nº 03/2004 e considerando o pro-
No Brasil estão identi cadas, segundo dados da Fun-
cesso histórico das comunidades e seu patrimônio cultural;
dação Cultural Palmares, 1.305 (mil trezentas e cincos) co-
g) Produzir materiais didáticos especí cos para EJA em
munidades remanescentes de quilombos localizadas nas
Comunidades Quilombolas;
diferentes regiões brasileiras. Fato este que justi cou a cria-
ção de um Grupo Interministerial, em 2003, com a função h) Incentivar a relação escola/comunidade no intuito
de discutir e rede nir o artigo 68 do ADCT, considerando de proporcionar maior interação da população com a edu-
tanto os questionamentos postos, (“O que se pode enten- cação, fazendo com que o espaço escolar passe a ser fator
der por remanescente de quilombo? O que signi ca ocu- de integração comunitária;
pando suas terras? Há necessidade do efetivo exercício da i) Aumentar a oferta de Ensino Médio das comunida-
terra?”), quanto os pensamentos expressos pelas comuni- des quilombolas para que possamos possibilitar a forma-
dades quilombolas. Como fruto do trabalho desse Grupo ção de gestores e pro ssionais da educação das próprias
Interministerial foi instituído o Decreto nº 4.887, no dia 20 de comunidades.
novembro de 2003, que transfere a competência de identi-
cação, reconhecimento, delimitação, demarcação, titulação
das áreas remanescentes de quilombos, ao Ministério do
Desenvolvimento Agrário, por meio do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária – INCRA.

47
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

CONSELHO NACIONAL DE EDUCAÇÃO Art. 3° A Educação das Relações Étnico-Raciais e o es-


CONSELHO PLENO tudo de História e Cultura AfroBrasileira, e História e Cultu-
ra Africana será desenvolvida por meio de conteúdos, com-
RESOLUÇÃO Nº 1, DE 17 DE JUNHO DE 2004. petências, atitudes e valores, a serem estabelecidos pelas
Instituições de ensino e seus professores, com o apoio e
Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação supervisão dos sistemas de ensino, entidades mantenedo-
das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino de História e Cul- ras e coordenações pedagógicas, atendidas as indicações,
tura Afro-Brasileira e Africana. recomendações e diretrizes explicitadas no Parecer CNE/
CP 003/2004.
O Presidente do Conselho Nacional de Educação, tendo § 1° Os sistemas de ensino e as entidades mantenedo-
em vista o disposto no art. 9º, § 2º, alínea “c”, da Lei nº 9.131, ras incentivarão e criarão condições materiais e nanceiras,
publicada em 25 de novembro de 1995, e com fundamen- assim como proverão as escolas, professores e alunos, de
tação no Parecer CNE/CP 3/2004, de 10 de março de 2004, material bibliográ co e de outros materiais didáticos ne-
homologado pelo Ministro da Educação em 19 de maio de cessários para a educação tratada no “caput” deste artigo.
2004, e que a este se integra, resolve: § 2° As coordenações pedagógicas promoverão o apro-
fundamento de estudos, para que os professores concebam
Art. 1° A presente Resolução institui Diretrizes Curricula- e desenvolvam unidades de estudos, projetos e programas,
res Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e abrangendo os diferentes componentes curriculares.
para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, § 3° O ensino sistemático de História e Cultura Afro
a serem observadas pelas Instituições de ensino, que atuam -Brasileira e Africana na Educação Básica, nos termos da
nos níveis e modalidades da Educação Brasileira e, em espe- Lei 10639/2003, refere-se, em especial, aos componentes
cial, por Instituições que desenvolvem programas de forma- curriculares de Educação Artística, Literatura e História do
ção inicial e continuada de professores. Brasil.
§ 1° As Instituições de Ensino Superior incluirão nos § 4° Os sistemas de ensino incentivarão pesquisas so-
conteúdos de disciplinas e atividades curriculares dos cur-
bre processos educativos orientados por valores, visões de
sos que ministram, a Educação das Relações Étnico-Raciais,
mundo, conhecimentos afro-brasileiros, ao lado de pesqui-
bem como o tratamento de questões e temáticas que dizem
sas de mesma natureza junto aos povos indígenas, com o
respeito aos afrodescendentes, nos termos explicitados no
objetivo de ampliação e fortalecimento de bases teóricas
Parecer CNE/CP 3/2004.
para a educação brasileira.
§ 2° O cumprimento das referidas Diretrizes Curriculares,
por parte das instituições de ensino, será considerado na ava-
Art. 4° Os sistemas e os estabelecimentos de ensino
liação das condições de funcionamento do estabelecimento.
poderão estabelecer canais de comunicação com grupos
Art. 2° As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Edu- do Movimento Negro, grupos culturais negros, instituições
cação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino de História formadoras de professores, núcleos de estudos e pesqui-
e Cultura Afro-Brasileira e Africanas constituem-se de orien- sas, como os Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros, com a
tações, princípios e fundamentos para o planejamento, exe- nalidade de buscar subsídios e trocar experiências para
cução e avaliação da Educação, e têm por meta, promover planos institucionais, planos pedagógicos e projetos de
a educação de cidadãos atuantes e conscientes no seio da ensino.
sociedade multicultural e pluriétnica do Brasil, buscando re-
lações étnico-sociais positivas, rumo à construção de nação Art. 5º Os sistemas de ensino tomarão providências no
democrática. sentido de garantir o direito de alunos afrodescendentes
§ 1° A Educação das Relações Étnico-Raciais tem por de freqüentarem estabelecimentos de ensino de qualidade,
objetivo a divulgação e produção de conhecimentos, bem que contenham instalações e equipamentos sólidos e atua-
como de atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos lizados, em cursos ministrados por professores competen-
quanto à pluralidade étnico-racial, tornando-os capazes de tes no domínio de conteúdos de ensino e comprometidos
interagir e de negociar objetivos comuns que garantam, a to- com a educação de negros e não negros, sendo capazes de
dos, respeito aos direitos legais e valorização de identidade, corrigir posturas, atitudes, palavras que impliquem desres-
na busca da consolidação da democracia brasileira. peito e discriminação.
§ 2º O Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Afri-
cana tem por objetivo o reconhecimento e valorização da Art. 6° Os órgãos colegiados dos estabelecimentos de
identidade, história e cultura dos afro-brasileiros, bem como ensino, em suas nalidades, responsabilidades e tarefas, in-
a garantia de reconhecimento e igualdade de valorização das cluirão o previsto o exame e encaminhamento de solução
raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, para situações de discriminação, buscando-se criar situa-
européias, asiáticas. ções educativas para o reconhecimento, valorização e res-
§ 3º Caberá aos conselhos de Educação dos Estados, do peito da diversidade.
Distrito Federal e dos Municípios desenvolver as Diretrizes § Único: Os casos que caracterizem racismo serão tra-
Curriculares Nacionais instituídas por esta Resolução, dentro tados como crimes imprescritíveis e ina ançáveis, confor-
do regime de colaboração e da autonomia de entes federati- me prevê o Art. 5º, XLII da Constituição Federal de 1988.
vos e seus respectivos sistemas.

48
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Art. 7º Os sistemas de ensino orientarão e supervisionarão É lugar comum, em nossos dias, apontar a educação
a elaboração e edição de livros e outros materiais didáticos, como a saída para os impasses que vivemos. Mas será que
em atendimento ao disposto no Parecer CNE/CP 003/2004. a educação pode mesmo dar conta desta enorme expecta-
tiva? Segundo o cientista da educação Rui Canário, da Uni-
Art. 8º Os sistemas de ensino promoverão ampla divulga- versidade de Lisboa, a imaturidade política e social que nos
ção do Parecer CNE/CP 003/2004 e dessa Resolução, em ati- caracteriza é proporcional ao grau de escolarização de nossa
vidades periódicas, com a participação das redes das escolas
sociedade. Quanto mais uma sociedade se escolariza, quan-
públicas e privadas, de exposição, avaliação e divulgação dos
to mais coloca suas crianças na escola, mais esta sociedade
êxitos e di culdades do ensino e aprendizagens de História e
Cultura Afro-Brasileira e Africana e da Educação das Relações produz imaturos políticos e sociais, e os responsáveis por isso
Étnico-Raciais. são, entre outras coisas, a excessiva fragmentação dos saberes
§ 1° Os resultados obtidos com as atividades mencionadas e o isolamento da escola.
no caput deste artigo serão comunicados de forma detalhada In uenciada, por um lado, pela industrialização que che-
ao Ministério da Educação, à Secretaria Especial de Promoção gava e, por outro, pelo regime militar que passou a vigorar
da Igualdade Racial, ao Conselho Nacional de Educação e aos no Brasil, nossa escola foi se estruturando como uma linha de
respectivos Conselhos Estaduais e Municipais de Educação, montagem, um modo de produção que fragmentou o traba-
para que encaminhem providências, que forem requeridas. lho humano, tendo em vista o aumento da produtividade. A
hiper-especialidade, o ensino voltado ao “cientí co”, movido
Art. 9º Esta resolução entra em vigor na data de sua pu- pela euforia tecnicista, as inúmeras aulas de 50 minutos, sem
blicação, revogadas as disposições em contrário. conexão entre si, sem contexto, nos levaram a uma sociedade
que desaprendeu o valor do todo, do global, do complexo.
Roberto Cláudio Frota Bezerra
Presidente do Conselho Nacional de Educação
E nos tornamos especialistas cada vez mais fragmenta-
dos, desvinculados das grandes questões humanas, sociais,
10. EDUCAÇÃO NO MUNDO planetárias. E vamos vivendo acoplados a uma parcela tão
CONTEMPORÂNEO: DESAFIOS, pequena da realidade que chegamos a esquecer quem so-
mos, o que buscamos. Se, por um lado, a fragmentação do
COMPROMISSOS E TENDÊNCIAS DA
ensino respondia à necessidade de produzir uma educação
SOCIEDADE, DO CONHECIMENTO
“em massa”, por outro, atendia à fundamentação ideológica
E AS EXIGÊNCIAS DE UM NOVO do novo regime, avesso à re exão e à crítica, como mostram
PERFIL DE CIDADÃO. as denominações que ainda hoje usamos: grade curricular,
disciplina, prova.
Com tudo isso, fomos formando pessoas cada vez mais
EDUCAÇÃO CONTEMPORÂNEA segmentadas, incapazes de responder às grandes questões, e
que hoje vivem em um mundo que as obriga a dar conta de
A modernidade nos deixou como herança um enorme
desenvolvimento tecnológico, possivelmente em função do temas cada vez mais complexos, como o destino do planeta,
investimento tecnicista dirigido aos alunos que apresentavam a internet, a globalização.
alto desempenho, mas nos deixou também um absurdo caos “Há, por um lado, uma inadequação cada vez mais ampla,
social, que deve resultar, entre outras coisas, do descaso com profunda e grave entre os saberes separados, fragmentados,
relação aos distraídos, desobedientes, impulsivos, mal vestidos. compartimentados entre disciplinas, e, por outro, realidades
O sonho do mundo moderno terminou por desabar so- ou problemas cada vez mais transversais, multidimensionais,
bre nossas cabeças, em forma de violência, aquecimento glo- transnacionais, globais, planetários.” Edgard Morin
bal, fome. A sociedade moderna, com seus projetos de futuro, Assistimos ao nascimento de um novo modelo de mun-
acabou não bene ciando de fato ninguém, e se desmorona do, sem grandes valores xos e eixos centrais, mas fundado
em consequência de sua própria exaustão: diante da violên- em diversas conexões, formando uma imensa rede sem cen-
cia em grande escala e da iminência de desastres ecológicos, tro, composta de uma in nidade de jogos e saberes, que se
todos somos iguais. aglutinam e se afastam, que se estendem. Na era tecnológica,
Mas o simples fracasso deste modelo moderno de so-
a verdade, a certeza, a estabilidade, o princípio, a causa, tão
ciedade, que nos prometeu um futuro ordenado pela ciência,
caros à ciência, se tornaram sinônimo de nada, perderam o
não signi ca que resultará uma sociedade menos desigual e
mais justa. Mas, como a tecnologia produziu rachaduras ir- valor, mas, se estes grandes valores, que tanto já nos opri-
reversíveis no modo como a sociedade se organizava, uma miram, desabaram, talvez a urgência seja exatamente de um
brecha sem dúvida se abriu, um ponto de vazão, capaz de novo olhar, um novo posicionamento com relação ao mundo,
fazer ruir relações e conceitos opressivos, permitindo uma nascido de uma nova correlação de forças, de novas avalia-
nova con guração de forças e gerando novos acordos. Mas, ções e novos valores. E isto exige pessoas inteiras, capazes
para isso, precisamos ter coragem de rever valores e modelos, de olhar o mundo, as situações, como um todo, ao mesmo
e o mais difícil talvez seja encarar o quanto obsoletos estão tempo que são capazes de neles se localizar de forma singu-
nossos saberes. Precisamos rever o modo como estruturamos lar, própria.
nosso conhecimento, nosso pensamento, nossa educação.

49
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

É muito difícil falar sobre este universo que nasce, tentar Assim sendo, Fontana (2000) a rma que é preciso que o
imaginar qual será a estrutura gramatical capaz de dar con- adulto assuma o seu papel com o objetivo claro da relação
ta destes in nitos discursos. Mas precisamos admitir que de ensino (que é o de ensinar), levando em consideração a
os meios não são mais os mesmos, hoje vivemos em rede. condição de ambos os lados dessa prática, como parceiros
A palavra mais pronunciada é, provavelmente, conexão, ou intelectuais, desiguais em termos de desenvolvimento psico-
link. Mas nós, professores, alunos, pais, continuamos aper- lógico e dos lugares sociais ocupados no processo histórico,
tando botões na linha de montagem de uma fábrica em mas por isso mesmo, parceiros na relação contraditória do
extinção. Torna-se, portanto, urgente reconstruir o modo conhecimento.
como estruturamos nossos saberes. A escola, começando É justamente, pensando nessa “prática social” que o pro-
pela universidade, precisa rever seus modelos. E, para isto, fessor deve estar ciente de que não basta tratar somente de
é imprescindível enfrentar o problema da fragmentação conteúdos atuais em sala de aula, mas sim, também, resgatar
dos saberes, de uma escola desvinculada do contexto so- conhecimentos mais amplos e históricos, para que os alunos
possam interpretar suas experiências e suas aprendizagens na
cial, ambiental, cultural, político.
vida social.
A escola deve ser um corpo vivo. E precisa envolver
também os espaços públicos e as festividades, deve ir aos
Por isso, como a rma Kramer (1989), para que essa fun-
concertos, às exposições de arte, aos museus e bibliotecas,
ção se efetive na prática: [...] o trabalho pedagógico precisa se
aos centros de pesquisa, às reservas ambientais, en m, as orientar por uma visão das crianças como seres sociais, indiví-
escolas devem ir à cidade. E a cidade tem de se preparar duos que vivem em sociedade, cidadãs e cidadãos. Isso exige
para recebê-las, construindo espaços de convivência e de que levemos em consideração suas diferentes características,
relação, assumindo seu papel no processo educativo, em não só em termos de histórias de vida ou de região geográ -
vez de lavar as mãos, enquanto isola jovens e crianças em ca, mas também de classe social, etnia e sexo. Reconhecer as
espaços que mais se parecem a presídios de alunos. E es- crianças como seres sociais que são implica em não ignorar
pera cidadania quando oferece exclusão. as diferenças.
Torna-se urgente retomarmos a difícil complexidade É exatamente nesse sentido que devemos considerar as
que é viver, pensar, criar, conhecer. Todas as coisas se re- experiências sociais acumuladas de cada aluno e seu contexto
lacionam, não há nada realmente isolado, cada gesto pro- social, de modo a construir a partir daí um ambiente escolar
duz desdobramentos incalculáveis; um saber, uma escola, acolhedor em que o aluno se sinta parte do todo e esteja to-
uma pessoa não existe sem um contexto: talvez este seja talmente aberto a novas aprendizagens.
o aprendizado social, a maturidade política de que preci- Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (2001), o
samos, para impedir que as coisas, de uma vez por todas, enfoque social oferecido aos processos de ensino e aprendi-
implodam. zagem traz para a discussão pedagógica aspectos de excep-
cional importância, em particular no que se refere ao modo
Fonte: como se devem entender as relações entre desenvolvimento
MOSÉ, V. A educação e os desa os contemporâneos. e aprendizagem, à relevância da relação interpessoal nesse
processo, à relação entre educação e cultura e ao papel da
O PAPEL DO PROFESSOR NO ENSINO E APRENDI- ação educativa ajustada às situações de aprendizagem e às
ZAGEM características da atividade mental construtiva do aluno em
NA ATUALIDADE cada momento de sua escolaridade. Nesse sentido, o se-
gundo passo ao se discutir uma pedagogia crítico-social dos
conteúdos, de acordo com Saviani (2003), não seria a apre-
Nessa análise, será discutido o papel desempenhado
sentação de novos conhecimentos pelo professor (Pedagogia
pelo professor e pelos alunos em sala de aula, de modo a
Tradicional) nem o problema como um obstáculo que inter-
destacar, a atuação do professor na interação do aluno com
rompe a atividade dos alunos (Pedagogia Nova). Caberia, nes-
o conhecimento.
te momento, a identi cação dos principais problemas postos
Saviani (2003), ao defender uma pedagogia crítico- pela prática social. E a este segundo passo, Saviani (2003) cha-
social dos conteúdos na qual professor e alunos se en- ma de problematização, através da qual se detectam ques-
contram numa relação social especí ca – que é a relação tões que precisam ser resolvidas no âmbito da prática social
de ensino - com o objetivo de estudar os conhecimentos e, em consequência, que conhecimento é necessário dominar.
acumulados historicamente, a m de construir e aprimorar Percebe-se então, a importância do enfoque social na
novas elaborações do conhecimento, aponta que o ponto aprendizagem da criança. É através da problematização desse
de partida da ação pedagógica não seria a preparação dos “social” que o conhecimento começa a ser construído indivi-
alunos, cuja iniciativa é do professor (Pedagogia Tradicional dualmente e socializado através da mediação do professor.
) nem a atividade, que é de iniciativa dos alunos (Pedago- A aprendizagem escolar tem um vínculo direto com o
gia Nova ), mas seria a prática social comum a professor e meio social que circunscreve não só as condições de vida das
alunos, considerando que do ponto de vista pedagógico crianças, mas também a sua relação com a escola e estudo,
há uma diferença essencial em que professor, de um lado, sua percepção e compreensão das matérias. A consolidação
e os alunos de outro, encontram-se em níveis diferentes dos conhecimentos depende do signi cado que eles carre-
de compreensão (conhecimento e experiências) da prática gam em relação à experiência social das crianças e jovens na
social. família, no meio social, no trabalho.

50
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Dessa forma, segundo os Parâmetros Curriculares Na- Nesse processo de entrecruzamento e incorporação se
cionais (2001), se potencialmente não podemos mais deixar fazem presentes e atuantes, como a rmam Fontana e Cruz
de ter inquietações com o domínio de conhecimentos for- (1997), as maneiras de dizer e pensar da criança e o papel do
mais para a participação crítica na sociedade, considera-se professor como parceiro social de sua aprendizagem, que
também que é indispensável uma adequação pedagógica às considera os saberes trazidos em sala de aula, provocando
características de um aluno que pensa, de um professor que outros signi cados e sentidos além do que os alunos já co-
sabe e de conteúdos com valor social e formativo. nhecem, buscando articular conhecimentos e chegar ao co-
O ensino tem, portanto, de acordo com Libâneo (1994), nhecimento sistematizado.
como função principal garantir o processo de transmissão e
assimilação dos conteúdos do saber escolar e, através desse Segundo Libâneo):
processo, o desenvolvimento das capacidades cognoscitivas O trabalho docente é atividade que dá unidade ao bi-
dos alunos, de maneira que, o professor planeje, dirija e co- nômio ensino-aprendizagem, pelo processo de transmissão
mande o processo de ensino, tendo em vista estimular e sus- -assimilação ativa de conhecimentos, realizando a tarefa de
citar a atividade própria dos alunos para a aprendizagem. mediação na relação cognitiva entre o aluno e as matérias
É justamente o que defende Saviani (2003) como terceiro de estudo.
passo no processo de ensino, que não coincide com assimi- Desse modo, percebemos uma interrelação entre dois
lação de conteúdos transmitidos pelo professor por compa- momentos do processo de ensino – transmissão e assimila-
ração com conhecimentos anteriores (Pedagogia Tradicional) ção ativa – que supõe o confronto entre os conteúdos siste-
nem com a coleta de dados (Pedagogia Nova), ainda que por matizados, trazidos pelo professor, e a experiência sociocul-
certo envolva transmissão e assimilação de conhecimentos tural do aluno e por suas forças cognoscitivas, enfrentando
podendo, eventualmente, envolver levantamento de dados. as situações escolares de aprendizagem por meio da orien-
Trata-se de uma instrumentalização, da apropriação pelas tação do professor.
camadas populares das ferramentas culturais produzidas so- Finalmente então, chega-se ao quinto passo, no qual
cialmente e preservados historicamente de modo que a sua Saviani (2003) nos coloca que não será a aplicação (Peda-
apropriação pelos alunos está na dependência de sua trans- gogia Tradicional) nem a experimentação (Pedagogia Nova),
missão direta ou indireta pelo professor. mas o ponto de chegada que será a própria prática social,
Essencialmente, é o que nos coloca Fontana e Cruz ao compreendida agora não mais em termos sincréticos pelos
a rmarem que “deixa-se de esperar das crianças a postura de alunos. Neste momento, ocorre uma elevação dos alunos ao
ouvinte valorizando-se sua ação e sua expressão. Possibilitar nível do professor, posto que em consequência de todo o
à criança situações em que ela possa agir e ouvi-la expressar processo, manifesta-se nos alunos a competência de expres-
suas elaborações passam a ser princípios básicos da atuação sarem um entendimento da prática em termos tão elabora-
do professor”. dos quanto era possível ao professor.
De fato, a criança precisa ser ouvida para que através de Dessa forma, observa-se uma desigualdade no ponto
suas palavras e da problematização feita a partir delas, ocorra de partida (primeiro passo) e uma igualdade no ponto de
uma aprendizagem ativa e crítica. chegada. Através da ação pedagógica é possível formar su-
Desse modo, segundo Fontana e Cruz (1997), pensar so- jeitos sociais críticos e ativos numa sociedade pensante.
bre o modo como a criança utiliza a palavra, é pensar em uma A teoria em si [...] não transforma o mundo. Pode contri-
atividade intelectual nova e complexa. Assim, o que a profes- buir para sua transformação, mas para isso tem que sair de
sora faz é levar as crianças a desenvolverem um tipo de ativi- si mesma, e, em primeiro lugar tem que ser assimilada pelos
dade intelectual que elas ainda não realizam por si mesmas. que vão ocasionar, com seus atos reais, efetivos, tal transfor-
É neste sentido que consiste a intervenção e o papel do mação. Entre a teoria e a atividade prática transformadora se
professor na prática educativa. insere um trabalho de educação das consciências, de organi-
Sem dúvida, através de suas orientações, intervenções e zação dos meios materiais e planos concretos de ação; tudo
mediações, o professor deve provocar e instigar os alunos a isso como passagem indispensável para desenvolver ações
pensarem criticamente e a se colocarem como sujeitos de sua reais, efetivas. Nesse sentido, uma teoria é prática na medi-
própria aprendizagem. da em que materializa, através de uma série de mediações,
Portanto, como a rmam Fontana e Cruz (1997), o profes- o que antes só existia idealmente, como conhecimento da
sor através de suas perguntas, não nega nem exclui as de - realidade ou antecipação ideal de sua transformação.
nições iniciais das crianças, ao contrário, ele as problematiza É justamente, pela formação de sujeitos autônomos e
e as “empurra” para outro patamar de generalização, levando produtivos que a educação deve se destacar, pois por meio
as crianças a considerarem relações que não foram incluídas dela, professores e alunos, reciprocamente aprendem, de
nas suas primeiras de nições, provocando reelaborações na modo que assim ambos possam inserir-se criticamente em
argumentação desenvolvida por elas. seu processo histórico e na sociedade.
Efetivamente, neste momento chegamos ao quarto passo Contudo, consideramos, neste trabalho, que cabe ao
defendido por Saviani (2003), que não é a generalização (Pe- professor, mediar o chamado “saber elaborado” acumulado
dagogia Tradicional) nem a hipótese (Pedagogia Nova), trata- historicamente pela sociedade com as vivências do aluno
se de “catarse”, entendida como: Elaboração superior da es- possibilitando uma aprendizagem crítica para sua atuação
trutura em superestrutura na consciência dos homens, em que como sujeito na sociedade, enfocando o ensino dos conhe-
ocorre a efetiva incorporação dos instrumentos culturais, trans- cimentos do passado, da tradição, para o entendimento das
formados agora em elementos ativos de transformação social. situações presentes e formas de se rede nir as ações futuras.

51
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Portanto, a ação pedagógica no processo de ensino consiste, No âmbito instrumental, o tema permite a explicitação
basicamente, na “prática social”. De modo que, inicialmente cabe dos direitos da criança e do adolescente referentes ao respei-
ao educador, mediar conhecimentos historicamente acumulados to e à valorização de suas origens culturais, sem qualquer dis-
bem como os conhecimentos atuais, possibilitando, ao m de criminação. Exige do professor atitudes compatíveis com uma
todo o processo, que o educando tenha a capacidade de reelabo- postura ética que valoriza a dignidade, a justiça, a igualdade
rar o conhecimento e de expressar uma compreensão da prática e a liberdade. Exige, também, a compreensão de que o pleno
em termos tão elaborados quanto era possível ao educador. exercício da cidadania envolve direitos e responsabilidades de
Percebe-se então, que tal prática social só pôde ser alcan- cada um para consigo mesmo e para com os demais, assim
çada através de uma ação pedagógica mediadora e proble- como direitos e deveres coletivos. Traz, para os conteúdos re-
matizadora dos conteúdos sistematizados, das vivências dos levantes no conhecimento do Brasil, aquilo que diz respeito à
alunos e dos acontecimentos da sociedade atual. complexidade da sociedade brasileira: sua riqueza cultural e
Assim sendo, na relação de ensino estabelecida na sala de suas contradições sociais.
aula, o professor precisa ter o entendimento de que ensinar
Ao mostrar as diversas formas de organização social de-
não é simplesmente transferir conhecimento, mas, ao con-
senvolvidas por diferentes comunidades étnicas e diferentes
trário, é possibilitar ao aluno momentos de reelaboração do
grupos sociais, explicita que a pluralidade é fator de fortaleci-
saber dividido, permitindo o seu acesso critico a esses saberes
mento da democracia pelo adensamento do tecido social que
e contribuindo para sua atuação como ser ativo e crítico no
processo históricocultural da sociedade. se dá, pelo fortalecimento das culturas e pelo entrelaçamento
De fato, este é o verdadeiro papel do professor mediador que das diversas formas de organização social de diferentes grupos.
almeja através da sua ação pedagógica ensinar os conhecimentos Esse tema necessita, portanto, que a escola, como institui-
construídos e elaborados pela humanidade ao longo da história e ção voltada para a constituição de sujeitos sociais e ao a rmar
assim contribuir na formação de uma sociedade pensante. um compromisso com a cidadania, coloque em análise suas
relações, suas práticas, as informações e os valores que veicu-
Referência: la. Assim, a temática da Pluralidade Cultural contribuirá para
BULGRAEN, V. C. O papel do professor e sua mediação a vinculação efetiva da escola a uma sociedade democrática.
nos processos de elaboração do conhecimento. Revista Con-
teúdo, Capivari, v.1, n.4, ago./dez. 2010. Ensinar Pluralidade Cultural ou viver Pluralidade Cultural?

Pela educação pode-se combater, no plano das atitudes,


11. A ESCOLA E A PLURALIDADE CULTURAL a discriminação manifestada em gestos, comportamentos e
palavras, que afasta e estigmatiza grupos sociais. Contudo,
ao mesmo tempo em que não se aceita que permaneça a
atual situação, em que a escola é cúmplice, ainda que só por
ENSINO E APRENDIZAG EM NA omissão, não se pode esquecer que esses problemas não são
PERSPECTIVA DA PLURALIDADE CULTURAL essencialmente do âmbito comportamental, individual, mas
das relações sociais, e como elas têm história e permanência.
O tema Pluralidade Cultural propõe que sejam revistas O que se coloca, portanto, é o desa o de a escola se constituir
e transformadas práticas arraigadas, inaceitáveis e inconsti- um espaço de resistência, isto é, de criação de outras formas
tucionais, enquanto se ampliam conhecimentos acerca das de relação social e interpessoal mediante a interação entre o
gentes do Brasil, suas histórias, trajetórias em território nacio- trabalho educativo escolar e as questões sociais, posicionan-
nal, valores e vidas. O trabalho volta-se para a eliminação de
do-se crítica e responsavelmente perante elas.
causas de sofrimento, de constrangimento e, no limite, de ex-
Assim, cabe à escola buscar construir relações de con an-
clusão social da criança e do adolescente. Além disso, o tema
ça para que a criança possa perceber-se e viver, antes de mais
traz oportunidades pedagogicamente muito interessantes,
nada, como ser em formação, e para que a manifestação de
motivadoras, que entrelaçam escola, comunidade local e so-
ciedade: ampliando questões do cotidiano para o âmbito cos- características culturais que partilhe com seu grupo de ori-
mopolita e vice-versa, colocando-se assim, simultaneamente, gem possa ser trabalhada como parte de suas circunstâncias
como objetivo e como meio do processo educacional. de vida, que não seja impeditiva do desenvolvimento de suas
Para os alunos, o tema da Pluralidade Cultural oferece opor- potencialidades pessoais.
tunidades de conhecimento de suas origens como brasileiro e É possível identi car no cotidiano as muitas manifesta-
como participante de grupos culturais especí cos. Ao valorizar as ções que permitem o trabalho sobre pluralidade: os fatos da
diversas culturas que estão presentes no Brasil, propicia ao aluno comunidade ou comunidades do entorno escolar, as notícias
a compreensão de seu próprio valor, promovendo sua autoesti- de jornal, rádio e TV, as festas das localidades, estratégias de
ma como ser humano pleno de dignidade, cooperando na for- intercâmbio entre escolas de diferentes regiões do Brasil, e de
mação de autodefesas a expectativas indevidas que lhe poderiam diferentes municípios de um mesmo Estado.
ser prejudiciais. Por meio do convívio escolar possibilita conheci- A escola deve trabalhar atenta às limitações éticas. Assim,
mentos e vivências que cooperam para que se apure sua percep- quando se fala de alguma comunidade, é preciso ter certeza
ção de injustiças e manifestações de preconceito e discriminação de que se referem a conhecimentos reconhecidos por essas
que recaiam sobre si mesmo, ou que venha a testemunhar — e comunidades como verdadeiros. Então, como conseguir in-
para que desenvolva atitudes de repúdio a essas práticas. formações? Nesse sentido, a prática de intercâmbio escolar

52
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

e da consulta a órgãos comunitários e de imprensa, inclusive A prática do acobertamento é a mais usual, porque
das próprias comunidades, é instrumento pedagógico privile- assim se estabeleceu no campo social. Vive-se numa rea-
giado. Com isso, será possível transformar a possibilidade de lidade na qual a simples menção da palavra discriminação
obter informações das comunidades em fator de correspon- assusta, uma vez que se convencionou aceitar sem discus-
sabilização social pelos rumos da discussão, da formação de sões a ideia de que no Brasil todos se entendem e são cor-
crianças e adolescentes. diais e pací cos (o “mito da democracia racial”). Mais ainda,
É importante abrir espaço para que a criança e o ado- muitas vezes a ideia de aceitar que o preconceito existe
lescente possam manifestar-se. Viver o direito à voz é expe- gera tanto o medo de ser acusado de ser preconceituoso
riência pessoal e intransferível, que permite um oportuno e como o medo de ser vítima de preconceito. Essa atitude é
rico trabalho de Língua Portuguesa. Assim também o exer- o que se chama, popularmente, de “política de avestruz”,
cício efetivo do diálogo, voltado para a troca de informa- na qual, por se fazer de conta que um problema não existe,
ções sobre vivências culturais e esclarecimentos acerca de tem-se a expectativa de que ele deixe, de fato, de existir.
eventuais preconceitos e estereótipos é componente forta- Na escola, a prática do acobertamento se dá quando se
lecedor do convívio democrático. procura diluir as evidências de comportamento discrimina-
tório, com desculpas muitas vezes evasivas. Um professor
O cotidiano da escola permite viver algo da beleza da pode ter tratado um aluno mal “porque estava nervoso”,
criação cultural humana em sua diversidade e multipli- ou a ofensa de uma criança contra outra é tratada como se
cidade. Partilhar um cotidiano onde o simples “olhar-se” fosse um simples descuido, uma distração.
permite a constatação de que são todos diferentes traz a
consciência de que cada pessoa é única e, exatamente por A prática do desvelamento, que é decisiva na supera-
essa singularidade, insubstituível. ção da discriminação, exige do professor informação, dis-
O simples fato de os alunos serem provenientes de cernimento diante de situações indesejáveis, sensibilidade
diferentes famílias, diferentes origens, assim como cada ao sentimento do outro e intencionalidade de nida na di-
professor ter, ele próprio, uma origem pessoal, e os outros reção de colaborar na superação do preconceito e da dis-
auxiliares do trabalho escolar terem também, cada qual, criminação.
diferentes histórias, permite desenvolver uma experiência A informação deverá permitir um repertório básico re-
de interação “entre diferentes”, na qual cada um aprende e ferente à pluralidade étnica su ciente tanto para identi car
cada um ensina. O convívio, aqui, é explicitação de apren- o que é relevante para a situação escolar como para buscar
dizagem a cada momento: o que um gosta e o outro não, outras informações que se façam necessárias.
o que um aprecia e o outro, talvez, despreze. O discernimento é indispensável, de maneira particular,
Aprender a posicionar-se de forma a compreender a quando ocorrem situações de discriminação no cotidiano
relatividade de opiniões, preferências, gostos, escolhas, é da escola. Enfrentar adequadamente o ocorrido, signi ca
aprender o respeito ao outro. Ensinar suas próprias práti- tanto não escapar para evasivas quanto não resvalar para o
cas, histórias, gestos, tradições, é fazer-se respeitar ao dar- tom de acusação. Se o professor se cala, ou trata do ocor-
se a conhecer. rido de maneira ambígua, estará reforçando o problema
Para o aluno, importa ter segurança da aceitação de social; se acusa, pode criar sofrimento, rancor e ressenti-
suas características, ter disponível a abertura para que pos- mento. Assim, discernir o ocorrido, no convívio, é tratar
sa dar-se a conhecer naquelas que sejam experiências par- com rmeza a ação discriminatória, esclarecendo o que é o
ticulares suas ou do grupo humano a que se vincule e re- respeito mútuo, como se pratica a solidariedade, buscando
ceber incentivo para partilhar com seus colegas a vivência alguma atividade que possa exempli car o que diz, com
que tenha fora do mundo da escola, mas que possa ali ser algo que faça, junto com seus alunos.
referida, como contribuição sua ao processo de aprendiza- Aqui se coloca a sensibilidade em relação ao outro.
gem. Resumindo, trata-se de oferecer à criança, e construir Compreender que aquele que é alvo da discriminação so-
junto com ela, um ambiente de respeito, pela aceitação; de fre de fato, e de maneira profunda, é condição para que o
interesse, pelo apoio à sua expressão; de valorização, pela professor, em sala de aula, possa escutar até mesmo o que
incorporação das contribuições que venha a trazer. não foi dito. Como a história do preconceito é muito antiga,
É claro que aquilo que se apresenta para o aluno é muitos dos grupos vítimas de discriminação desenvolveram
idêntico ao que se apresenta para o professor e demais um medo profundo e uma cautela permanente como rea-
funcionários da escola: uma organização escolar que sai- ção. O professor precisa saber que a dor do grito silencia-
ba estar atenta às singularidades dos pro ssionais que ali do é mais forte do que a dor pronunciada. Poder expressar
atuam, respeitando suas características próprias, entenden- o que sentiu diante da discriminação signi ca a chance de
do que esse respeito é a base para a atuação pro ssional, ser resgatado da humilhação, e de partilhar com colegas
e tal respeito não é incompatível com o respeito às normas seus sentimentos. Ou seja, trata-se de ensinar a dialogar so-
institucionais, embora possa, às vezes, exigir exibilidade bre o respeito mútuo, num gesto que pode transformar o
em sua aplicação (por exemplo, os feriados religiosos). signi cado do sofrimento, ao fazer do ocorrido ocasião de
Tal atuação não é simples e exige por parte do profes- aprendizagem. A sensibilidade, aqui, exige a atenção para
sor a consciência de que ele mesmo estará aprendendo, a reação que a criança esteja apresentando, para sua maior
uma vez que nessa área a prática do acobertamento é mui- ou menor disposição para tratar do assunto exatamente no
to mais frequente que a prática do desvelamento. momento ocorrido, ou em situação posterior.

53
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

A intencionalidade se faz necessária como produto


de uma re exão que permita ao professor perceber o pa- 12. CURRÍCULO: ELABORAÇÃO E PRÁTICA.
pel que desempenha nessa questão. É também a capaci-
dade de perceber que tem o que trabalhar em si mesmo,
e isso não o impede de trilhar, junto com seus alunos, o
caminho da superação do preconceito e da discrimina- CURRÍCULO E SUAS DEFINIÇÕES
ção. Trata-se de ter a certeza de que cada um de seus
gestos pode fazer a diferença entre o reforço de atitudes O debate sobre Currículo e sua conceituação é necessário
inadequadas e a chance de abrir novas possibilidades de para que saibamos de ni-lo e para conhecer quais as teorias
diálogo, respeito e solidariedade. que o sustentam na educação. Um Currículo não é um con-
junto de conteúdos dispostos em um sumário ou índice. Pelo
A prática do desvelamento exige perspicácia para contrário, a construção de um Currículo demanda:
a) uma ou mais teorias acerca do conhecimento escolar;
responder adequadamente a diferentes situações que
b) a compreensão de que o Currículo é produto de um pro-
serão, na maioria das vezes, imprevisíveis. Devido a essa
cesso de con itos culturais dos diferentes grupos de educadores
imprevisibilidade, a forma de desenvolver tal perspicácia
que o elaboram;
é preparando-se com leituras, buscando informações e
c) conhecer os processos de escolha de um conteúdo e não
vivências, estando atento aos gestos do cotidiano, expli- de outro (disputa de poder pelos grupos) (LOPES, 2006).
citando valores, re etindo coletivamente na equipe de
professores. Desenvolve-se, assim, como uma forma de Para iniciar o debate vamos apresentar algumas de nições
procurar entender a complexidade da vida e do compor- de currículo para compreender as teorias que circulam entre
tamento humano. nós, educadores. De acordo com Lopes (2006, contra capa):
Essa informação deve ser buscada de maneira inten- [...] o currículo se tece em cada escola com a carga de
cional e pode se fazer de maneira lúdica: conhecer os seus participantes, que trazem para cada ação pedagógica de
cantos, as lendas, as danças, as peculiaridades nas quais sua cultura e de sua memória de outras escolas e de outros
uma criança pode ensinar a outra aquilo que é caracterís- cotidianos nos quais vive. É nessa grande rede cotidiana, for-
tico do grupo humano do qual participa. mada de múltiplas redes de subjetividade, que cada um de
Esse conhecimento recíproco respeitoso é mais que nós traçamos nossas histórias de aluno/aluna e de professor/
verbal. Deverá incluir linguagens diversi cadas, bem professora. O grande tapete que é o currículo de cada escola,
como a possibilidade de o aluno assumir o papel de também sabemos todos, nos enreda com os outros formando
educador naquilo que lhe seja próprio. Nesse sentido, tramas diferentes e mais belas ou menos belas, de acordo com
o professor deverá cooperar, ao mesmo tempo em que as relações culturais que mantemos e do tipo de memória que
aprende com o restante da classe. Observe-se que essa nós temos de escola [...].
vivência, em si, será extremamente importante, por tra- Essa concepção converge com a de Tomaz Tadeu da Silva
zer para o aluno a possibilidade de constatar que a so- (2005, p.15):
ciedade se apresenta, em sua complexidade, como um O currículo é sempre resultado de uma seleção: de um
constante objeto de estudo e aprendizagem, onde todos universo mais amplo de conhecimentos e saberes seleciona-se
sempre têm a aprender. aquela parte que vai constituir, precisamente o currículo.
Assim, a problemática que envolve a discriminação As de nições de currículo de Lopes (2006) e Silva (2005)
étnica, cultural e religiosa, ao invés de se manter em uma são aquelas de Sacristán (2003):
zona de sombra que leva à proliferação da ambiguidade [...] conjunto de conhecimentos ou matérias a serem supe-
radas pelo aluno dentro de um ciclo-nível educativo ou modali-
nas falas e nas atitudes, alimentando com isso o precon-
dade de ensino; o currículo como experiência recriada nos alu-
ceito, pode ser trazida à luz, como elemento de aprendi-
nos por meio da qual podem desenvolver-se; o currículo como
zagem e crescimento do grupo escolar como um todo.
tarefa e habilidade a serem dominadas; o currículo como pro-
grama que proporciona conteúdos e valores para que os alunos
Ensinar a pluralidade ou viver a pluralidade? melhorem a sociedade em relação à reconstrução da mesma [...]
Sem dúvida, pluralidade vive-se, ensina-se e apren- Lopes (2006), Silva (2005) e Sacristán (2000) a rmam que
de-se. É trabalho de construção, no qual o envolvimento o Currículo não é uma listagem de conteúdos. O currículo é
de todos se dá pelo respeito e pela própria constatação processo constituído por um encontro cultural, saberes, co-
de que, sem o outro, nada se sabe sobre ele, a não ser o nhecimentos escolares na prática da sala de aula, locais de in-
que a própria imaginação fornece. teração professor e aluno.
Essas re exões devem orientar a ação dos pro ssionais da
educação quanto ao Currículo, além de estimular o valor for-
mativo do conhecimento pedagógico para os professores, o
que realmente nos importa como docentes.
Conhecer as teorias sobre o Currículo nos leva a re etir
sobre para que serve, a quem serve e que política pedagógica
elabora o Currículo.

54
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

TEORIAS DO CURRÍCULO Precisamos entender os vínculos entre o currículo e a


sociedade, e saber como os professores/as, a escola, o currí-
Para Silva (2005) é importante entender o signi cado de culo e os materiais didáticos tenderão a reproduzir a cultura
teoria como discurso ou texto político. Uma proposta curricular hegemônica e favorecer mais uns do que outros. Também é
é um texto ou discurso político sobre o currículo porque tem certo que essa função pode ser aceita com passividade ou
intenções estabelecidas por um determinado grupo social. De pode aproveitar espaços relativos de autonomia, que sempre
acordo com esse autor, uma Teoria do Currículo ou um discurso existem, para exercer a contra-hegemonia, como a rma Apple.
sobre o Currículo, mesmo que pretenda apenas descrevê-lo tal Essa autonomia pode se re etir nos conteúdos selecionados,
como é, o que efetivamente faz é produzir uma noção de currí- mas principalmente se de ne na forma como os conteúdos
culo. Como sabemos as chamadas “teorias do currículo”, assim são abordados no ensino.
como as teorias educacionais mais amplas, estão recheadas de A forma como trabalhamos os conteúdos em sala de aula
a rmações sobre como as coisas devem ser (SILVA, 2005). indica nosso entendimento dos conhecimentos escolares. De-
É preciso entender o que as teorias do currículo produ- monstra nossa autonomia diante da escolha.
zem nas propostas curriculares e como interferem em nossa SARUP (apud SACRISTÁN, 2000) distingue a perspectiva
prática. Uma teoria de ne-se pelos conceitos que utiliza para crítica da tradicional da seguinte forma:
conceber a realidade. Os conceitos de uma teoria dirigem nos- A nalidade do currículo crítico é o inverso do currículo
sa atenção para certas coisas que sem elas não veríamos. Os tradicional; este último tende a “naturalizar” os acontecimen-
conceitos de uma teoria organizam e estruturam nossa forma tos; aquele tenta obrigar os alunos/a a que questione as atitu-
de ver a realidade (SILVA, 2005). des e comportamentos que considera “naturais “. O currículo
crítico oferece uma visão da realidade como processo mutante
Para Silva (2005) as teorias do currículo se caracterizam contínuo, cujo agentes são os seres humanos, os quais, por-
pelos conceitos que enfatizam. São elas: tanto, estão em condição de realizar sua transformação. A fun-
Teorias Tradicionais: (enfatizam) ensino - aprendizagem-a- ção do currículo não é “re etir “uma realidade xa, mas pensar
valiação – metodologia- didática-organização – planejamen- sobre a realidade social; é demonstrar que o conhecimento e
to- e ciência- objetivos. os fatos sociais são produtos históricos e, consequentemente,
Teorias Críticas: (enfatizam) ideologia- reprodução cultural que poderiam ter sido diferentes (e que ainda podem sê-lo).
e social- poder- classe social- capitalismo- relações sociais de
produção- conscientização- emancipação- currículo oculto- É por isso que Albuquerque /Kunzle (2006) perguntam:
resistência. Quando pensamos o currículo tomamos a ideia de ca-
Teorias Pós-Críticas: (enfatizam) identidade – alteridade – minho: que caminho vamos percorrer ao longo deste tempo
diferença subjetividade - signi cação e discurso- saber e po- escolar? Que seleções vamos fazer? Que seleções temos feito?
der- representação- cultura- gênero- raça- etnia- sexualidade- E mais: em que medida nós, professoras/es e pedagogas/os
multiculturalismo. interferimos nesta seleção? Qual é o conhecimento com que a
escola deve trabalhar? Quando escolhemos um livro didático,
As teorias tradicionais consideram–se neutras, cientí cas ele traz desenhado o currículo o cial: o saber legitimado, o
e desinteressadas, as críticas argumentam que não existem saber reconhecido que deve ser passado ás novas gerações.
teorias neutras, cientí cas e desinteressadas, toda e qualquer Porque isso é que o currículo faz: uma seleção dentro da cul-
teoria está implicada em relações de poder. tura daquilo que se considera relevante que as novas gerações
As pós-críticas começam a se destacar no cenário nacio- aprendam.
nal, os currículos existentes abordam poucas questões que as Esses questionamentos dizem respeito aos conteúdos es-
representam. Encontramos estas que dimensões nos PCNS, colares. Na escola aprendemos a fazer listagens de conteúdos
temas transversais (ética, saúde, orientação sexual, meio am- e julgamos que eles vão explicar o mundo para os alunos. No
biente, trabalho, consumo e pluralidade cultural) e em algu- entanto, não estamos conseguindo articular esses conteúdos
mas produções literárias no campo do multiculturalismo. com a vida dos nossos alunos. Ultimamente utilizamos de te-
O que é essencial para qualquer teoria é saber qual conhe- mas transversais, projetos especiais e há até sugestões de criar
cimento deve ser ensinado e justi car o porquê desses conhe- novas disciplinas, como direito do consumidor, educação s-
cimentos e não outros devem ser ensinados, de acordo com cal, ecologia, para dar conta desta realidade imediata.
os conceitos que enfatizam. Temos di culdades de assumirmos estas discussões curri-
Quantas vezes em nosso cotidiano escolar paramos para culares devido a uma tradição que designava a outros segui-
re etir sobre Teorias do currículo e o Currículo? Quando orga- mentos da educação as decisões pedagógicas ou pela falta
nizamos um planejamento bimestral, anual pensamos sobre de tempo, devido as condições do trabalho docente ou pela
aquela distribuição de conteúdo de forma crítica? Discute-se falta de conhecimento das propostas políticas-pedagógicas
que determinado conteúdo é importante porque é fundamen- implantadas pelo Governo.
to para a compreensão daquele que o sucederá no bimestre Todavia, diante do desa o de ser professor, cabe-nos
posterior ou no ano que vem. Alegamos que se o aluno não entender quais os saberes socialmente relevantes, quais os
tiver acesso a determinado conteúdo não conseguirá entender critérios de hierarquização entre esses saberes/disciplinas, as
o seguinte. Somos capazes de perceber em nossas atitudes concepções de educação, de sociedade, de homem que sus-
(na prática docente), na forma como abordamos os conteúdos tentam as propostas curriculares implantadas. Quem são os
selecionados, um posicionamento tradicional ou crítico? E por sujeitos que poderão de nir e organizar o currículo? E quais os
que adotamos tal atitude? pressupostos que defendemos?

55
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

O estudo das teorias do currículo não é a garantia de Concordamos que o eixo central do Currículo é diversos
se encontrar as respostas a todos os nossos questionamen- conhecimentos. Para de ni-lo se faz necessário discutir a servi-
tos, é uma forma de recuperarmos as discussões curricula- ço de quem a escola está. Defendemos que o trabalho escolar
res no ambiente escolar e conhecer os diferentes discur- de na seu Currículo a partir da cultura do aluno, respeitan-
sos pedagógicos que orientam as decisões em torno dos do-a, mas sem perder a ênfase no conhecimento clássico das
conteúdos até a “racionalização dos meios para obtê-los e disciplinas que compõem a grade curricular.
comprovar seu sucesso” (SACRISTÁN, 2000). Alguns autores a rmam que o ponto de partida é o aluno
concreto. Outros questionam o que sabemos sobre esse alu-
Para nós, professores, os estudos sobre as teorias do no concreto, se realmente partimos dele. E ao questionarem
poderão responder aos questionamentos da comunidade a rmam que “a cultura popular é, assim, um conhecimento
escolar como: a valorização dos professoras/es, o baixo que deve, legitimamente, fazer parte do Currículo, pois toda
rendimento escolar, di culdades de aprendizagem, desin- cultura é fruto do trabalho humano”.
teresse, indisciplina e outras dimensões. Poderão, sobre- O conhecimento cientí co é o que dá as explicações mais
tudo, mostrar que os Currículos não são neutros. Eles são objetivas para a realidade e este é o objetivo principal da esco-
elaborados com orientações políticas e pedagógicas. Ou la. No entanto, é preciso questionar, o que determina a legiti-
seja, é produto de grupos sociais que disputam o poder. midade de um conhecimento.
As reformulações curriculares atuais promovem discus-
sões entre posições diferentes, há os que defendem os cur- Fonte:
rículos por competências, os cientí cos, os que enfatizam SABAINI, S. M. G; BELLINI, L. M. Porque estudar currículo e
a cultura, a diversidade, os mais críticos à ciência moderna, teorias de currículo.
en m, teorias tradicionais, críticas e pós-críticas disputam
esse espaço cheio de con itos, Como a rma Silva (2005), o Bibliografa
Currículo é um território político contestado. ALBUQUERQUE, Janeslei A; KUNZLE, Maria Rosa. O currí-
Diante desse complexo mundo educacional de tendên- culo e suas dimensões, multirracial e multicultural. In: Caderno
Pedagógico nº 4, APP-SINDICATO 60 ANOS. 2007.
cias, teorias, ideologias e práticas diversas, cabe-nos estu-
LOPES, Alice C. Pensamento e política curricular – entre-
dar para conhecê-las, podendo assim assumir uma condu-
vista com William Pinar. In: Políticas de currículo em múltiplos
ta crítica na ação docente.
contextos. São Paulo: Cortez, 2006.
SACRISTÁN J. G.; PÉREZ GÓMEZ A. I. Compreender e
William Pinar (apud LOPES, 2006), estudioso do campo
transformar o ensino. Porto Alegre: ArtMed, 2000.
do currículo, a rma:
SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de Identidade: uma in-
[...] estudar teoria de currículo, é importante na medida
trodução às teorias do currículo. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.
em que oferece aos professores de escolas públicas, a com-
preensão dos diversos mundos em que habitamos e, espe-
cialmente a retórica política que cerca as propostas educa-
cionais e os conteúdos curriculares. Os professores de escolas 13. O DESENVOLVIMENTO DO PROJETO
(norte americanas) têm di culdades em resistir a modismos POLÍTICO PEDAGÓGICO DA ESCOLA.
educacionais passageiros, porque, em parte não lembram EDUCAÇÃO INCLUSIVA: FUNDAMENTOS
das teorias e da história do currículo, porque muito frequen- LEGAIS, CONCEITO E PRINCÍPIOS,
temente não as estudaram [...]
ADAPTAÇÕES CURRICULARES,
Essa também é a realidade brasileira. Precisamos es-
tudar nossas propostas curriculares, bem como as teorias A ESCOLA INCLUSIVA.
do currículo e tendências pedagógicas para que possamos
entender nossa prática e suas consequências aos alunos e
docentes. Para Veiga e colegas, o projeto políticopedagógico tem
Acerca disso, Eisner (apud SACRISTÁN, 2000), pontua sido objeto de estudos para professores, pesquisadores e insti-
que: tuições educacionais em níveis nacional, estadual e municipal,
[...] que o ensino é o conjunto de atividades que trans- em busca da melhoria da qualidade do ensino.
formam o currículo na prática para produzir a aprendiza- O presente estudo tem a intenção de re etir acerca da
gem, é uma característica marcante do pensamento curri- construção do projeto políticopedagógico, entendido como a
cular atual, interar o plano curricular a prática de ensiná-lo própria organização do trabalho pedagógico de toda a escola.
não apenas o torna realidade em termos de aprendizagem, A escola é o lugar de concepção, realização e avaliação de
mas que na própria atividade podem se modi car as pri- seu projeto educativo, uma vez que necessita organizar seu
meiras intenções e surgir novos ns [...] trabalho pedagógico com base em seus alunos. Nessa pers-
A sala de aula é o espaço onde se concretiza o currí- pectiva, é fundamental que ela assuma suas responsabilidades,
culo e deve acontecer o processo ensino e aprendizagem. sem esperar que as esferas administrativas superiores tomem
Este processo acontece não só por meio da transferência essa iniciativa, mas que lhe deem as condições necessárias
de conteúdos, mas, também pela in uência das diversas para levá-la adiante. Para tanto, é importante que se fortale-
relações e interações desse espaço escolar, na sala de aula çam as relações entre escola e sistema de ensino.
e na relação professor-aluno.

56
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Para isso, começaremos conceituando projeto político- O projeto políticopedagógico, ao se constituir em pro-
pedagógico. Em seguida, trataremos de trazer nossas re e- cesso democrático de decisões, preocupa-se em instaurar
xões para a análise dos princípios norteadores. Finalizaremos uma forma de organização do trabalho pedagógico que
discutindo os elementos básicos da organização do trabalho supere os con itos, buscando eliminar as relações competi-
pedagógico, necessários à construção do projeto políticope- tivas, corporativas e autoritárias, rompendo com a rotina do
dagógico. mando impessoal e racionalizado da burocracia que per-
meia as relações no interior da escola, diminuindo os efeitos
O que é projeto políticopedagógico? fragmentários da divisão do trabalho que reforça as diferen-
ças e hierarquiza os poderes de decisão.
No sentido etimológico, o termo projeto vem do latim Desse modo, o projeto políticopedagógico tem a ver
projectu, participio passado do verbo projicere, que signi- com a organização do trabalho pedagógico em dois níveis:
ca lançar para diante. Plano, intento, designio. Empresa, como organização de toda a escola e como organização da
empreendimento. Redação provisoria de lei. Plano geral de sala de aula, incluindo sua relação com o contexto social
edi cação. imediato, procurando preservar a visão de totalidade. Nesta
Ao construirmos os projetos de nossas escolas, planeja- caminhada será importante ressaltar que o projeto político-
mos o que temos intenção de fazer, de realizar. Lançamo-nos pedagógico busca a organização do trabalho pedagógico
para diante, com base no que temos, buscando o possível. da escola na sua globalidade.
É antever um futuro diferente do presente. Nas palavras de A principal possibilidade de construção do projeto polí-
Gadotti: Todo projeto supõe rupturas com o presente e pro- ticopedagógico passa pela relativa autonomia da escola, de
messas para o futuro. Projetar signi ca tentar quebrar um sua capacidade de delinear sua própria identidade. Isso sig-
estado confortável para arriscar-se, atravessar um período de ni ca resgatar a escola como espaço público, como lugar de
instabilidade e buscar uma nova estabilidade em função da debate, do diálogo fundado na re exão coletiva. Portanto,
promessa que cada projeto contém de estado melhor do que é preciso entender que o projeto políticopedagógico da es-
o presente. Um projeto educativo pode ser tomado como pro- cola dará indicações necessárias à organização do trabalho
messa frente a determinadas rupturas. As promessas tornam
pedagógico que inclui o trabalho do professor na dinâmica
visíveis os campos de ação possível, comprometendo seus ato-
interna da sala de aula, ressaltado anteriormente.
res e autores.
Buscar uma nova organização para a escola constitui
Nessa perspectiva, o projeto políticopedagógico vai
uma ousadia para educadores, pais, alunos e funcionários.
além de um simples agrupamento de planos de ensino e de
Para enfrentarmos essa ousadia, necessitamos de um refe-
atividades diversas. O projeto não é algo que é construído e
rencial que fundamente a construção do projeto políticope-
em seguida arquivado ou encaminhado às autoridades edu-
dagógico. A questão é, pois, saber a qual referencial temos
cacionais como prova do cumprimento de tarefas burocrá-
ticas. Ele é construído e vivenciado em todos os momentos, que recorrer para a compreensão de nossa prática peda-
por todos os envolvidos com o processo educativo da escola. gógica. Nesse sentido, temos que nos alicerçar nos pressu-
O projeto busca um rumo, uma direção. É uma ação in- postos de uma teoria pedagógica crítica viável, que parta
tencional, com um sentido explícito, com um compromisso da prática social e esteja compromissada em solucionar os
de nido coletivamente. Por isso, todo projeto pedagógico da problemas da educação e do ensino de nossa escola; uma
escola é, também, um projeto político por estar intimamente teoria que subsidie o projeto políticopedagógico. Por sua
articulado ao compromisso sociopolítico com os interesses vez, a prática pedagógica que ali se processa deve estar li-
reais e coletivos da população majoritária. E político no sen- gada aos interesses da maioria da população. Faz-se neces-
tido de compromisso com a formação do cidadão para um sário, também, o domínio das bases teóricometodológicas
tipo de sociedade. “A dimensão política se cumpre na medida indispensáveis à concretização das concepções assumidas
em que ela se realiza enquanto prática especi camente pe- coletivamente. Mais do que isso, a rma Freitas, (...) as novas
dagógica”. Na dimensão pedagógica reside a possibilidade formas têm que ser pensadas em um contexto de luta, de
da efetivação da intencionalidade da escola, que é a forma- correlações de força - às vezes favoráveis, às vezes desfavo-
ção do cidadão participativo, responsável, compromissado, ráveis. Terão que nascer no próprio “chão da escola”, com
crítico e criativo. É pedagógico no sentido de de nir as ações apoio dos professores e pesquisadores. Não poderão ser
educativas e as características necessárias às escolas para inventadas por alguém, longe da escola e da luta da escola.
cumprir seus propósitos e sua intencionalidade. Isso signi ca uma enorme mudança na concepção do
Político e pedagógico têm, assim, uma signi cação in- projeto políticopedagógico e na própria postura da admi-
dissociável. Nesse sentido é que se deve considerar o pro- nistração central. Se a escola se nutre da vivência cotidiana
jeto políticopedagógico como um processo permanente de de cada um de seus membros, coparticipantes de sua or-
re exão e discussão dos problemas da escola, na busca de ganização do trabalho pedagógico à administração central,
alternativas viáveis à efetivação de sua intencionalidade, que seja o Ministério da Educação, a Secretaria de Educação Es-
“não é descritiva ou constatativa, mas é constitutiva”. Por ou- tadual ou Municipal, não compete a eles de nir um modelo
tro lado, propicia a vivência democrática necessária para a pronto e acabado, mas sim estimular inovações e coordenar
participação de todos os membros da comunidade escolar as ações pedagógicas planejadas e organizadas pela pró-
e o exercício da cidadania. Pode parecer complicado, mas se pria escola. Em outras palavras, as escolas necessitam re-
trata de uma relação recíproca entre a dimensão política e a ceber assistência técnica e nanceira decidida em conjunto
dimensão pedagógica da escola. com as instâncias superiores do sistema de ensino.

57
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Isso pode exigir, também, mudanças na própria lógica de Nessa perspectiva, o autor chama atenção para o fato
organização das instâncias superiores, implicando uma mu- de que a qualidade se centra no desa o de manejar os ins-
dança substancial na sua prática. trumentos adequados para fazer a história humana. A qua-
Para que a construção do projeto políticopedagógico seja lidade formal está relacionada com a qualidade política e
possível não é necessário convencer os professores, a equi- esta depende da competência dos meios.
pe escolar e os funcionários a trabalhar mais, ou mobilizá-los A escola de qualidade tem obrigação de evitar de to-
de forma espontânea, mas propiciar situações que lhes per- das as maneiras possíveis a repetência e a evasão. Tem que
mitam aprender a pensar e a realizar o fazer pedagógico de garantir a meta qualitativa do desempenho satisfatório de
forma coerente. todos. Qualidade para todos, portanto, vai além da meta
O ponto que nos interessa reforçar é que a escola não quantitativa de acesso global, no sentido de que as crian-
tem mais possibilidade de ser dirigida de cima para baixo e ças em idade escolar entrem na escola. É preciso garantir
na ótica do poder centralizador que dita as normas e exerce o a permanência dos que nela ingressarem. Em síntese, qua-
controle técnico burocrático. A luta da escola é para a descen- lidade “implica consciência crítica e capacidade de ação,
tralização em busca de sua autonomia e qualidade. saber e mudar”.
Do exposto, o projeto políticopedagógico não visa sim- O projeto políticopedagógico, ao mesmo tempo em
plesmente a um rearranjo formal da escola, mas a uma quali- que exige de educadores, funcionários, alunos e pais a
dade em todo o processo vivido. Vale acrescentar, ainda, que de nição clara do tipo de escola que intentam, requer a
a organização do trabalho pedagógico da escola tem a ver de nição de ns. Assim, todos deverão de nir o tipo de
com a organização da sociedade. A escola nessa perspectiva sociedade e o tipo de cidadão que pretendem formar. As
é vista como uma instituição social, inserida na sociedade ca- ações especí cas para a obtenção desses ns são meios.
pitalista, que re ete no seu interior as determinações e con- Essa distinção clara entre ns e meios é essencial para a
tradições dessa sociedade. construção do projeto políticopedagógico.
c) Gestão democrática é um princípio consagrado pela
Princípios norteadores do projeto políticopedagógico Constituição vigente e abrange as dimensões pedagógica,
administrativa e nanceira. Ela exige uma ruptura histórica
A abordagem do projeto políticopedagógico, como or-
na prática administrativa da escola, com o enfrentamento
ganização do trabalho de toda a escola, está fundada nos
das questões de exclusão e reprovação e da não-perma-
princípios que deverão nortear a escola democrática, pública
nência do aluno na sala de aula, o que vem provocando
e gratuita:
a marginalização das classes populares. Esse compromisso
a) Igualdade de condições para acesso e permanência na
implica a construção coletiva de um projeto políticopeda-
escola. Saviani alerta-nos para o fato de que há uma desigual-
gógico ligado à educação das classes populares.
dade no ponto de partida, mas a igualdade no ponto de che-
A gestão democrática exige a compreensão em pro-
gada deve ser garantida pela mediação da escola. O autor
destaca que “só é possível considerar o processo educativo fundidade dos problemas postos pela prática pedagógica.
em seu conjunto sob a condição de se distinguir a democracia Ela visa romper com a separação entre concepção e execu-
como possibilidade no ponto de partida e democracia como ção, entre o pensar e o fazer, entre teoria e prática. Busca
realidade no ponto de chegada”. resgatar o controle do processo e do produto do trabalho
pelos educadores.
Igualdade de oportunidades requer, portanto, mais que a A gestão democrática implica principalmente o repen-
expansão quantitativa de ofertas; requer ampliação do aten- sar da estrutura de poder da escola, tendo em vista sua
dimento com simultânea manutenção de qualidade. socialização. A socialização do poder propicia a prática da
b) Qualidade que não pode ser privilégio de minorias participação coletiva, que atenua o individualismo; da reci-
econômicas e sociais. O desa o que se coloca ao projeto po- procidade, que elimina a exploração; da solidariedade, que
líticopedagógico da escola é o de propiciar uma qualidade supera a opressão; da autonomia, que anula a dependência
para todos. de órgãos intermediários que elaboram políticas educacio-
A qualidade que se busca implica duas dimensões indis- nais das quais a escola é mera executora.
sociáveis: a formal ou técnica e a política. Uma não está su- A busca da gestão democrática inclui, necessariamen-
bordinada à outra; cada uma delas tem perspectivas próprias. te, a ampla participação dos representantes dos diferentes
A primeira enfatiza os instrumentos e os métodos, a téc- segmentos da escola nas decisões/ações administrativo
nica. A qualidade formal não está afeita, necessariamente, a -pedagógicas ali desenvolvidas. Nas palavras de Marques:
conteúdos determinados. Demo a rma que a qualidade for- “A participação ampla assegura a transparência das deci-
mal “signi ca a habilidade de manejar meios, instrumentos, sões, fortalece as pressões para que sejam elas legítimas,
formas, técnicas, procedimentos diante dos desa os do de- garante o controle sobre os acordos estabelecidos e, so-
senvolvimento”. bretudo, contribui para que sejam contempladas questões
A qualidade política é condição imprescindível da parti- que de outra forma não entrariam em cogitação”.
cipação. Está voltada para os ns, valores e conteúdos. Quer Nesse sentido, ca claro entender que a gestão demo-
dizer “a competência humana do sujeito em termos de se fa- crática, no interior da escola, não é um princípio fácil de ser
zer e de fazer história, diante dos ns históricos da sociedade consolidado, pois se trata da participação crítica na cons-
humana”. trução do projeto políticopedagógico e na sua gestão.

58
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

d) Liberdade é outro princípio constitucional. O princípio A formação continuada é um direito de todos os pro-
da liberdade está sempre associado à ideia de autonomia. ssionais que trabalham na escola, uma vez que ela não só
O que é necessário, portanto, como ponto de partida, é possibilita a progressão funcional baseada na titulação, na
o resgate do sentido dos conceitos de autonomia e liber- quali cação e na competência dos pro ssionais, mas tam-
dade. A autonomia e a liberdade fazem parte da própria bém propicia, fundamentalmente, o desenvolvimento pro-
natureza do ato pedagógico. O signi cado de autonomia ssional dos professores articulado com as escolas e seus
remete-nos para regras e orientações criadas pelos pró- projetos.
prios sujeitos da ação educativa, sem imposições externas. A formação continuada deve estar centrada na escola e
Para Rios, a escola tem uma autonomia relativa e a li- fazer parte do projeto políticopedagógico. Assim, compete
berdade é algo que se experimenta em situação e esta é à escola: a) proceder ao levantamento de necessidades de
uma articulação de limites e possibilidades. Para a autora, formação continuada de seus pro ssionais; b) elaborar seu
a liberdade é uma experiência de educadores e constrói- programa de formação, contando com a participação e o
apoio dos órgãos centrais, no sentido de fortalecer seu pa-
se na vivência coletiva, interpessoal. Portanto, “somos li-
pel na concepção, na execução e na avaliação do referido
vres com os outros, não apesar dos outros”. Se pensamos
programa.
na liberdade na escola, devemos pensá-la na relação entre
Assim, a formação continuada dos pro ssionais da es-
administradores, professores, funcionários e alunos que aí
cola compromissada com a construção do projeto político-
assumem sua parte de responsabilidade na construção do pedagógico não deve se limitar aos conteúdos curriculares,
projeto políticopedagógico e na relação destes com o con- mas se estender à discussão da escola de maneira geral e
texto social mais amplo. de suas relações com a sociedade. Daí, passarem a fazer
Heller a rma que: parte dos programas de formação continuada questões
como cidadania, gestão democrática, avaliação, metodo-
A liberdade é sempre liberdade para algo e não ape- logia de pesquisa e ensino, novas tecnologias de ensino,
nas liberdade de algo. Se interpretarmos a liberdade apenas entre outras.
como o fato de sermos livres de alguma coisa, encontramo- Veiga e Carvalho a rmam que “o grande desa o da
nos no estado de arbítrio, de nimo-nos de modo negativo. A escola, ao construir sua autonomia, deixando de lado seu
liberdade é uma relação e, como tal, deve ser continuamente papel de mera ‘repetidora’ de programas de ‘treinamento’,
ampliada. O próprio conceito de liberdade contém o con- é ousar assumir o papel predominante na formação dos
ceito de regra, de reconhecimento, de intervenção recíproca. pro ssionais”.
Com efeito, ninguém pode ser livre se, em volta dele, há ou- Inicialmente, convém alertar para o fato de que essa
tros que não o são! tomada de consciência dos princípios norteadores do pro-
jeto políticopedagógico não pode ter o sentido esponta-
Por isso, a liberdade deve ser considerada, também, neísta de cruzar os braços diante da atual organização da
como liberdade para aprender, ensinar, pesquisar e divul- escola, inibidora da participação de educadores, funcioná-
gar a arte e o saber direcionados para uma intencionalida- rios e alunos no processo de gestão.
de de nida coletivamente. É preciso ter consciência de que a dominação no in-
e) Valorização do magistério é um princípio central na terior da escola efetiva-se por meio das relações de poder
discussão do projeto políticopedagógico. que se expressam nas práticas autoritárias e conservadoras
A qualidade do ensino ministrado na escola e seu su- dos diferentes pro ssionais, distribuídos hierarquicamen-
cesso na tarefa de formar cidadãos capazes de participar te, bem como por meio das formas de controle existentes
da vida socioeconómica, política e cultural do país relacio- no interior da organização escolar. Como resultante des-
sa organização, a escola pode ser descaracterizada como
nam-se estreitamente a formação (inicial e continuada),
instituição histórica e socialmente determinada, instância
condições de trabalho (recursos didáticos, recursos físicos
privilegiada da produção e da apropriação do saber. As
e materiais, dedicação integral à escola, redução do núme-
instituições escolares representam «armas de contestação
ro de alunos na sala de aula etc), remuneração, elementos
e luta entre grupos culturais e econômicos que têm dife-
esses indispensáveis à pro ssionalização do magistério. rentes graus de poder». Por outro lado, a escola é local de
A melhoria da qualidade da formação pro ssional e a desenvolvimento da consciência crítica da realidade.
valorização do trabalho pedagógico requerem a articula- Acreditamos que os princípios analisados e o apro-
ção entre instituições formadoras, no caso as instituições fundamento dos estudos sobre a organização do trabalho
de ensino superior e a Escola Normal, e as agências em- pedagógico trarão contribuições relevantes para a com-
pregadoras, ou seja, a própria rede de ensino. A formação preensão dos limites e das possibilidades dos projetos polí-
pro ssional implica, também, a indissociabilidade entre a tico-pedagógicos voltados para os interesses das camadas
formação inicial e a formação continuada. menos favorecidas.
O reforço à valorização dos pro ssionais da educação, Veiga acrescenta, ainda, que “a importância desses
garantindo-lhes o direito ao aperfeiçoamento pro ssional princípios está em garantir sua operacionalização nas es-
permanente, signi ca “valorizar a experiência e o conheci- truturas escolares, pois uma coisa é estar no papel, na le-
mento que os professores têm a partir de sua prática pe- gislação, na proposta, no currículo, e outra é estar ocor-
dagógica”. rendo na dinâmica interna da escola, no real, no concreto”.

59
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Construindo o projeto políticopedagógico É necessário decidir, coletivamente, o que se quer re-


forçar dentro da escola e como detalhar as nalidades para
O projeto políticopedagógico é entendido, neste es- atingir a almejada cidadania.
tudo, como a própria organização do trabalho pedagógi- Alves a rma que é preciso saber se a escola dispõe de
co da escola. A construção do projeto políticopedagógico alguma autonomia na determinação das nalidades e dos
parte dos princípios de igualdade, qualidade, liberdade, objetivos especí cos. O autor enfatiza: “Interessará reter se
gestão democrática e valorização do magistério. A escola as nalidades são impostas por entidades exteriores ou se
é concebida como espaço social marcado pela manifesta- são de nidas no interior do ‘território social’ e se são de-
ção de práticas contraditórias, que apontam para a luta e/
nidas por consenso ou por con ito ou até se são matéria
ou acomodação de todos os envolvidos na organização do
ambígua, imprecisa ou marginal” (p. 19).
trabalho pedagógico.
Essa colocação está sustentada na ideia de que a es-
O que pretendemos enfatizar é que devemos analisar
e compreender a organização do trabalho pedagógico, no cola deve assumir, como uma de suas principais tarefas, o
sentido de gestar uma nova organização que reduza os trabalho de re etir sobre sua intencionalidade educativa.
efeitos de sua divisão do trabalho, de sua fragmentação Nesse sentido, ela procura alicerçar o conceito de autono-
e do controle hierárquico. Nessa perspectiva, a construção mia, enfatizando a responsabilidade de todos, sem deixar
do projeto políticopedagógico é um instrumento de luta, de lado os outros níveis da esfera administrativa educacio-
é uma forma de contrapor-se à fragmentação do trabalho nal. Nóvoa nos diz que a autonomia é importante para “a
pedagógico e sua rotinização, à dependência e aos efeitos criação de uma identidade da escola, de um ethos cientí -
negativos do poder autoritário e centralizador dos órgãos co e diferenciador, que facilite a adesão dos diversos atores
da administração central. e a elaboração de um projeto próprio” (1992, p. 26).
A construção do projeto políticopedagógico, para ges- A ideia de autonomia está ligada à concepção eman-
tar uma nova organização do trabalho pedagógico, passa cipadora da educação. Para ser autônoma, a escola não
pela re exão anteriormente feita sobre os princípios. Acre- pode depender dos órgãos centrais e intermediários que
ditamos que a análise dos elementos constitutivos da orga- de nem a política da qual ela não passa de executora. Ela
nização trará contribuições relevantes para a construção do concebe seu projeto políticopedagógico e tem autonomia
projeto políticopedagógico. para executá-lo e avaliá-lo ao assumir uma nova atitude
Pelo menos sete elementos básicos podem ser apon-
de liderança, no sentido de re etir sobre suas nalidades
tados: a) as nalidades da escola; b) a estrutura organiza-
sociopolíticas e culturais.
cional; c) o currículo; d) o tempo escolar; e) o processo de
decisão; f) as relações de trabalho; g) a avaliação.
b) A estrutura organizacional
a) As nalidades da escola
A escola persegue nalidades. É importante ressaltar A escola, de forma geral, dispõe basicamente de duas
que os educadores precisam ter clareza das nalidades de estruturas: as administrativas e as pedagógicas. As primei-
sua escola. Para tanto, há necessidade de re etir sobre a ras asseguram, praticamente, a locação e a gestão de re-
ação educativa que a escola desenvolve com base nas - cursos humanos, físicos e nanceiros. Fazem parte, ainda,
nalidades e nos objetivos que ela de ne. As nalidades da das estruturas administrativas todos os elementos que têm
escola referem-se aos efeitos intencionalmente pretendi- uma forma material, como, por exemplo, a arquitetura do
dos e almejados. edifício escolar e a maneira como ele se apresenta do pon-
- Das nalidades estabelecidas na legislação em vigor, to de vista de sua imagem: equipamentos e materiais didá-
o que a escola persegue, com maior ou menor ênfase? ticos, mobiliário, distribuição das dependências escolares e
- Como é perseguida sua nalidade cultural, ou seja, a espaços livres, cores, limpeza e saneamento básico (água,
de preparar culturalmente os indivíduos para uma melhor esgoto, lixo e energia elétrica).
compreensão da sociedade em que vivem? As pedagógicas, que, teoricamente, determinam a
- Como a escola procura atingir sua nalidade política ação das administrativas, “organizam as funções educati-
e social, ao formar o indivíduo para a participação política
vas para que a escola atinja de forma e ciente e e caz as
que implica direitos e deveres da cidadania?
suas nalidades”.
- Como a escola atinge sua nalidade de formação pro-
As estruturas pedagógicas referem-se, fundamental-
ssional, ou melhor, como ela possibilita a compreensão do
papel do trabalho na formação pro ssional do aluno? mente, às interações políticas, às questões de ensino e
- Como a escola analisa sua nalidade humanística, ao aprendizagem e às de currículo. Nas estruturas pedagógi-
procurar promover o desenvolvimento integral da pessoa? cas incluem-se todos os setores necessários ao desenvolvi-
As questões levantadas geram respostas e novas inda- mento do trabalho pedagógico.
gações por parte da direção, de professores, funcionários, A análise da estrutura organizacional da escola visa
alunos e pais. O esforço analítico de todos possibilitará a identi car quais estruturas são valorizadas e por quem, ve-
identi cação de quais nalidades precisam ser reforçadas, ri cando as relações funcionais entre elas. É preciso car
quais as que estão relegadas e como elas poderão ser deta- claro que a escola é uma organização orientada por na-
lhadas de acordo com as áreas do conhecimento, das dife- lidades, controlada e permeada pelas questões do poder.
rentes disciplinas curriculares, do conteúdo programático.

60
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

A análise e a compreensão da estrutura organizacional Na organização curricular é preciso considerar alguns


da escola signi cam indagar sobre suas características, seus pontos básicos. O primeiro é o de que o currículo não é
polos de poder, seus con itos - O que sabemos da estrutura um instrumento neutro. O currículo passa ideologia, e a
pedagógica? Que tipo de gestão está sendo praticada? O que escola precisa identi car e desvelar os componentes ideo-
queremos e precisamos mudar na nossa escola? Qual é o or- lógicos do conhecimento escolar que a classe dominante
ganograma previsto? Quem o constitui e qual é a lógica inter- utiliza para a manutenção de privilégios. A determinação
na? Quais as funções educativas predominantes? Como são do conhecimento escolar, portanto, implica uma análise in-
vistas a constituição e a distribuição do poder? Quais os fun- terpretativa e crítica, tanto da cultura dominante, quanto
damentos regimentais? -, en m, caracterizar do modo mais da cultura popular. O currículo expressa uma cultura.
preciso possível a estrutura organizacional da escola e os pro- O segundo ponto é o de que o currículo não pode ser
blemas que afetam o processo de ensino e aprendizagem, de separado do contexto social, uma vez que ele é historica-
modo a favorecer a tomada de decisões realistas e exequíveis. mente situado e culturalmente determinado.
Avaliar a estrutura organizacional signi ca questionar os O terceiro ponto diz respeito ao tipo de organização
pressupostos que embasam a estrutura burocrática da escola curricular que a escola deve adotar. Em geral, nossas insti-
que inviabiliza a formação de cidadãos aptos a criar ou a mo- tuições têm sido orientadas para a organização hierárqui-
di car a realidade social. Para poderem realizar um ensino de ca e fragmentada do conhecimento escolar. Com base em
qualidade e cumprir suas nalidades, as escolas têm que rom- Bernstein (1989), chamo a atenção para o fato de que a
per com a atual forma de organização burocrática que regula escola deve buscar novas formas de organização curricu-
o trabalho pedagógico - pela conformidade às regras xadas, lar, em que o conhecimento escolar (conteúdo) estabeleça
pela obediência a leis e diretrizes emanadas do poder central uma relação aberta e inter-relacione-se em torno de uma
e pela cisão entre os que pensam e executam -, que conduz ideia integradora. Esse tipo de organização curricular, o au-
à fragmentação e ao consequente controle hierárquico que tor denomina de currículo-integração. O currículo integra-
enfatiza três aspectos inter-relacionados: o tempo, a ordem ção, portanto, visa reduzir o isolamento entre as diferentes
e a disciplina. disciplinas curriculares, procurando agrupá-las num todo
Nessa trajetória, ao analisar a estrutura organizacional, mais amplo.
ao avaliar os pressupostos teóricos, ao situar os obstáculos e Como alertaram Domingos et al., “cada conteúdo deixa
vislumbrar as possibilidades, os educadores vão desvelando de ter signi cado por si só, para assumir uma importância
a realidade escolar, estabelecendo relações, de nindo na- relativa e passar a ter uma função bem determinada e ex-
lidades comuns e con gurando novas formas de organizar plícita dentro do todo de que faz parte”.
as estruturas administrativas e pedagógicas para a melhoria O quarto ponto refere-se à questão do controle social,
do trabalho de toda a escola na direção do que se preten- já que o currículo formal (conteúdos curriculares, metodo-
de. Assim, considerando o contexto, os limites, os recursos logia e recursos de ensino, avaliação e relação pedagógica)
disponíveis (humanos, materiais e nanceiros) e a realidade implica controle. Por outro lado, o controle social é instru-
escolar, cada instituição educativa assume sua marca, tecen- mentalizado pelo currículo oculto, entendido este como as
do, no coletivo, seu projeto políticopedagógico, propiciando “mensagens transmitidas pela sala de aula e pelo ambien-
consequentemente a construção de uma nova forma de or- te escolar”. Assim, toda a gama de visões do mundo, as
ganização. normas e os valores dominantes são passados aos alunos
no ambiente escolar, no material didático e mais especi-
c) O currículo camente por intermédio dos livros didáticos, na relação
Currículo é um importante elemento constitutivo da or- pedagógica, nas rotinas escolares. Os resultados do currí-
ganização escolar. Currículo implica, necessariamente, a inte- culo oculto “estimulam a conformidade a ideais nacionais
ração entre sujeitos que têm um mesmo objetivo e a opção e convenções sociais ao mesmo tempo que mantêm desi-
por um referencial teórico que o sustente. gualdades socioeconómicas e culturais”.
Currículo é uma construção social do conhecimento, Moreira (1992), ao examinar as teorias de controle so-
pressupondo a sistematização dos meios para que essa cons- cial que têm permeado as principais tendências do pensa-
trução se efetive; é a transmissão dos conhecimentos histo- mento curricular, procurou defender o ponto de vista de
ricamente produzidos e as formas de assimilá-los; portanto, que controle social não envolve, necessariamente, orien-
produção, transmissão e assimilação são processos que com- tações conservadoras, coercitivas e de conformidade com-
põem uma metodologia de construção coletiva do conheci- portamental. De acordo com o autor, subjacente ao dis-
mento escolar, ou seja, o currículo propriamente dito. Nesse curso curricular crítico, encontra-se uma noção de controle
sentido, o currículo refere-se à organização do conhecimento social orientada para a emancipação. Faz sentido, então,
escolar. falar em controle social comprometido com ns de liberda-
O conhecimento escolar é dinâmico e não uma mera de que deem ao estudante uma voz ativa e crítica.
simpli cação do conhecimento cientí co, que se adequaria à Com base em Aronowitz e Giroux (1985), o autor cha-
faixa etária e aos interesses dos alunos. Daí a necessidade de ma a atenção para o fato de que a noção crítica de controle
promover, na escola, uma re exão aprofundada sobre o pro- social não pode deixar de discutir “o contexto apropriado
cesso de produção do conhecimento escolar, uma vez que ele ao desenvolvimento de práticas curriculares que favoreçam
é, ao mesmo tempo, processo e produto. A análise e a com- o bom rendimento e a autonomia dos estudantes e, em
preensão do processo de produção do conhecimento escolar particular, que reduzam os elevados índices de evasão e
ampliam a compreensão sobre as questões curriculares. repetência de nossa escola de primeiro grau”.

61
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

A noção de controle social na teoria curricular crítica é É preciso tempo para que os educadores aprofundem
mais um instrumento de contestação e resistência à ideo- seu conhecimento sobre os alunos e sobre o que estão
logia veiculada por intermédio dos currículos, tanto do for- aprendendo. E preciso tempo para acompanhar e avaliar o
mal quanto do oculto. projeto políticopedagógico em ação. É preciso tempo para
Orientar a organização curricular para ns emancipa- os estudantes se organizarem e criarem seus espaços para
tórios implica, inicialmente, desvelar as visões simpli cadas além da sala de aula.
de sociedade, concebida como um todo homogêneo, e de
ser humano, como alguém que tende a aceitar papéis ne- e) O processo de decisão
cessários à sua adaptação ao contexto em que vive. Con- Na organização formal de nossa escola, o uxo das ta-
trole social, na visão crítica, é uma contribuição e uma aju- refas, das ações e principalmente das decisões é orientado
da para a contestação e a resistência à ideologia veiculada por procedimentos formalizados, prevalecendo as relações
por intermédio dos currículos escolares. hierárquicas de mando e submissão, de poder autoritário e
centralizador.
d) O tempo escolar Uma estrutura administrativa da escola, adequada à
O tempo é um dos elementos constitutivos da organi- realização de objetivos educacionais, de acordo com os
zação do trabalho pedagógico. O calendário escolar orde- interesses da população, deve prever mecanismos que es-
na o tempo: determina o início e o m do ano, prevendo timulem a participação de todos no processo de decisão.
os dias letivos, as férias, os períodos escolares em que o Isso requer uma revisão das atribuições especí cas e gerais,
ano se divide, os feriados cívicos e religiosos, as datas re- bem como da distribuição do poder e da descentralização
servadas à avaliação, os períodos para reuniões técnicas, do processo de decisão. Para que isso seja possível é ne-
cursos etc. cessário que se instalem mecanismos institucionais visan-
O horário escolar, que xa o número de horas por se- do à participação política de todos os envolvidos com o
mana e que varia em razão das disciplinas constantes na processo educativo da escola. Paro (1993, p. 34) sugere a
grade curricular, estipula também o número de aulas por instalação de processos eletivos de escolha de dirigentes,
professor. Tal como a rma Enguita: “Às matérias tornam-se
colegiados com representação de alunos, pais, associação
equivalentes porque ocupam o mesmo número de horas
de pais e professores, grêmio estudantil, processos coletivos
por semana, e são vistas como tendo menor prestígio se
de avaliação continuada dos serviços escolares etc.
ocupam menos tempo que as demais”.
A organização do tempo do conhecimento escolar é
f) As relações de trabalho
marcada pela segmentação do dia letivo, e o currículo é,
E importante reiterar que, quando se busca uma nova
consequentemente, organizado em períodos xos de tem-
organização do trabalho pedagógico, está se considerando
po para disciplinas supostamente separadas. O controle
que as relações de trabalho, no interior da escola, deverão
hierárquico utiliza o tempo que muitas vezes é desperdiça-
do e controlado pela administração e pelo professor. estar calcadas nas atitudes de solidariedade, de reciproci-
Em resumo, quanto mais compartimentado for o tem- dade e de participação coletiva, em contraposição à orga-
po, mais hierarquizadas e ritualizadas serão as relações so- nização regida pelos princípios da divisão do trabalho, da
ciais, reduzindo, também, as possibilidades de se institu- fragmentação e do controle hierárquico. É nesse movimen-
cionalizar o currículo-integração que conduz a um ensino to que se veri ca o confronto de interesses no interior da
em extensão. escola. Por isso, todo esforço de gestar uma nova organiza-
Enguita, ao discutir a questão de como a escola contri- ção deve levar em conta as condições concretas presentes
bui para a inculcação da precisão temporal nas atividades na escola. Há uma correlação de forças e é nesse embate
escolares, assim se expressa: que se originam os con itos, as tensões, as rupturas, propi-
A sucessão de períodos muito breves - sempre de me- ciando a construção de novas formas de relações de traba-
nos de uma hora -dedicados a matérias muito diferentes lho, com espaços abertos à re exão coletiva que favoreçam
entre si, sem necessidade de sequência lógica entre elas, o diálogo, a comunicação horizontal entre os diferentes
sem atender à melhor ou à pior adequação de seu conteú- segmentos envolvidos com o processo educativo, a des-
do a períodos mais longos ou mais curtos e sem prestar centralização do poder. A esse respeito, Machado assume
nenhuma atenção à cadência do interesse e do trabalho a seguinte posição: “O processo de luta é visto como uma
dos estudantes; em suma, a organização habitual do horá- forma de contrapor-se à dominação, o que pode contribuir
rio escolar ensina ao estudante que o importante não é a para a articulação de práticas emancipatórias”.
qualidade precisa de seu trabalho, a que o dedica, mas sua A partir disso, novas relações de poder poderão ser
duração. A escola é o primeiro cenário em que a criança e construídas na dinâmica interna da sala de aula e da escola.
o jovem presenciam, aceitam e sofrem a redução de seu
trabalho a trabalho abstrato. g) A avaliação
Para alterar a qualidade do trabalho pedagógico torna- Acompanhar e avaliar as atividades leva-nos à re exão,
se necessário que a escola reformule seu tempo, estabele- com base em dados concretos sobre como a escola se or-
cendo períodos de estudo e re exão de equipes de educa- ganiza para colocar em ação seu projeto políticopedagógi-
dores, fortalecendo a escola como instância de educação co. A avaliação do projeto políticopedagógico, numa visão
continuada. crítica, parte da necessidade de conhecer a realidade esco-

62
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

lar, busca explicar e compreender criticamente as causas da EDUCAÇÃO INCLUSIVA: FUNDAMENTOS LEGAIS,
existência de problemas, bem como suas relações, suas mu- CONCEITO E PRINCÍPIOS, ADAPTAÇÕES CURRICULA-
danças e se esforça para propor ações alternativas (criação RES, A ESCOLA INCLUSIVA
coletiva). Esse caráter criador é conferido pela autocrítica.
Avaliadores que conjugam as ideias de uma visão glo- Política Nacional de Educação Especial na Perspec-
bal analisam o projeto políticopedagógico não como algo tiva da Educação Inclusiva
estanque, desvinculado dos aspectos políticos e sociais;
não rejeitam as contradições e os con itos. A avaliação tem Documento elaborado pelo Grupo de Trabalho nomea-
um compromisso mais amplo do que a mera e ciência e do pela Portaria Ministerial nº 555, de 5 de junho de 2007,
e cácia das propostas conservadoras. Portanto, acompa- prorrogada pela Portaria nº 948, de 09 de outubro de 2007.
nhar e avaliar o projeto políticopedagógico é avaliar os re-
sultados da própria organização do trabalho pedagógico. Introdução
Considerando a avaliação dessa forma, é possível sa-
lientar dois pontos importantes. Primeiro, a avaliação é um O movimento mundial pela educação inclusiva é uma
ato dinâmico que quali ca e oferece subsídios ao projeto ação política, cultural, social e pedagógica, desencadea-
políticopedagógico. Segundo, ela imprime uma direção às da em defesa do direito de todos os alunos de estarem
ações dos educadores e dos educandos. juntos, aprendendo e participando, sem nenhum tipo de
O processo de avaliação envolve três momentos: a discriminação. A educação inclusiva constitui um paradig-
descrição e a problematização da realidade escolar, a com- ma educacional fundamentado na concepção de direitos
preensão crítica da realidade descrita e problematizada e humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores
a proposição de alternativas de ação, momento de criação indissociáveis, e que avança em relação à ideia de equida-
coletiva. de formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da
A avaliação, do ponto de vista crítico, não pode ser ins- produção da exclusão dentro e fora da escola.
trumento de exclusão dos alunos provenientes das classes Ao reconhecer que as di culdades enfrentadas nos sis-
trabalhadoras. Portanto, deve ser democrática, deve favo- temas de ensino evidenciam a necessidade de confrontar
recer o desenvolvimento da capacidade do aluno de apro- as práticas discriminatórias e criar alternativas para superá
priar-se de conhecimentos cientí cos, sociais e tecnológi- -las, a educação inclusiva assume espaço central no debate
cos produzidos historicamente e deve ser resultante de um acerca da sociedade contemporânea e do papel da escola
processo coletivo de avaliação diagnostica. na superação da lógica da exclusão. A partir dos referen-
ciais para a construção de sistemas educacionais inclusivos,
Gestão educacional decorrente da concepção do a organização de escolas e classes especiais passa a ser re-
projeto políticopedagógico pensada, implicando uma mudança estrutural e cultural da
escola para que todos os alunos tenham suas especi cida-
A escola, para se desvencilhar da divisão do trabalho, des atendidas.
de sua fragmentação e do controle hierárquico, precisa Nesta perspectiva, o Ministério da Educação/Secreta-
criar condições para gerar uma outra forma de organização ria de Educação Especial apresenta a Política Nacional de
do trabalho pedagógico. Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva,
A reorganização da escola deverá ser buscada de den- que acompanha os avanços do conhecimento e das lutas
tro para fora. O fulcro para a realização dessa tarefa será o sociais, visando constituir políticas públicas promotoras de
empenho coletivo na construção de um projeto político- uma educação de qualidade para todos os alunos.
pedagógico, e isso implica fazer rupturas com o existente
para avançar. Marcos históricos e normativos
É preciso entender o projeto políticopedagógico da
escola como uma re exão de seu cotidiano. Para tanto, ela A escola historicamente se caracterizou pela visão da
precisa de um tempo razoável de re exão e ação necessá- educação que delimita a escolarização como privilégio de
rio à consolidação de sua proposta. um grupo, uma exclusão que foi legitimada nas políticas
A construção do projeto políticopedagógico requer e práticas educacionais reprodutoras da ordem social. A
continuidade das ações, descentralização, democratização partir do processo de democratização da escola, eviden-
do processo de tomada de decisões e instalação de um cia-se o paradoxo inclusão/exclusão quando os sistemas
processo coletivo de avaliação de cunho emancipatório. de ensino universalizam o acesso, mas continuam excluin-
Finalmente, é importante destacar que o movimento do indivíduos e grupos considerados fora dos padrões ho-
de luta e resistência dos educadores é indispensável para mogeneizadores da escola. Assim, sob formas distintas, a
ampliar as possibilidades e apressar as mudanças que se exclusão tem apresentado características comuns nos pro-
fazem necessárias dentro e fora dos muros da escola. cessos de segregação e integração, que pressupõem a se-
leção, naturalizando o fracasso escolar.
Referência: A partir da visão dos direitos humanos e do conceito
VEIGA, Ilma Passos Alencastro. (Org.) Projeto político- de cidadania fundamentado no reconhecimento das dife-
pedagógico da escola: uma construção possível. Papirus, renças e na participação dos sujeitos, decorre uma identi -
2002. cação dos mecanismos e processos de hierarquização que

63
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

operam na regulação e produção das desigualdades. Essa outras formas de discriminação” (art.3º, inciso IV). De ne,
problematização explicita os processos normativos de dis- no artigo 205, a educação como um direito de todos, ga-
tinção dos alunos em razão de características intelectuais, rantindo o pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício
físicas, culturais, sociais e linguísticas, entre outras, estrutu- da cidadania e a quali cação para o trabalho. No seu arti-
rantes do modelo tradicional de educação escolar. go 206, inciso I, estabelece a “igualdade de condições de
A educação especial se organizou tradicionalmente acesso e permanência na escola” como um dos princípios
como atendimento educacional especializado substituti- para o ensino e garante, como dever do Estado, a oferta do
vo ao ensino comum, evidenciando diferentes compreen- atendimento educacional especializado, preferencialmente
sões, terminologias e modalidades que levaram à criação na rede regular de ensino (art. 208).
de instituições especializadas, escolas especiais e classes O Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, Lei nº
especiais. Essa organização, fundamentada no conceito de 8.069/90, no artigo 55, reforça os dispositivos legais supra-
normalidade/anormalidade, determina formas de atendi- citados ao determinar que “os pais ou responsáveis têm a
mento clínico-terapêuticos fortemente ancorados nos tes- obrigação de matricular seus lhos ou pupilos na rede re-
tes psicométricos que, por meio de diagnósticos, de nem gular de ensino”. Também nessa década, documentos como
as práticas escolares para os alunos com de ciência. a Declaração Mundial de Educação para Todos (1990) e a
No Brasil, o atendimento às pessoas com de ciência Declaração de Salamanca (1994) passam a in uenciar a for-
teve início na época do Império, com a criação de duas mulação das políticas públicas da educação inclusiva.
instituições: o Imperial Instituto dos Meninos Cegos, em Em 1994, é publicada a Política Nacional de Educação
1854, atual Instituto Benjamin Constant – IBC, e o Instituto Especial, orientando o processo de “integração instrucio-
dos Surdos Mudos, em 1857, hoje denominado Instituto nal” que condiciona o acesso às classes comuns do ensino
Nacional da Educação dos Surdos – INES, ambos no Rio regular àqueles que “(...) possuem condições de acompa-
de Janeiro. No início do século XX é fundado o Instituto nhar e desenvolver as atividades curriculares programadas
Pestalozzi (1926), instituição especializada no atendimento do ensino comum, no mesmo ritmo que os alunos ditos
às pessoas com de ciência mental; em 1954, é fundada a normais” (p.19). Ao rea rmar os pressupostos construídos
primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – a partir de padrões homogêneos de participação e apren-
APAE; e, em 1945, é criado o primeiro atendimento edu- dizagem, a Política não provoca uma reformulação das
cacional especializado às pessoas com superdotação na práticas educacionais de maneira que sejam valorizados os
Sociedade Pestalozzi, por Helena Antipoff. diferentes potenciais de aprendizagem no ensino comum,
Em 1961, o atendimento educacional às pessoas com mas mantendo a responsabilidade da educação desses alu-
de ciência passa a ser fundamentado pelas disposições da nos exclusivamente no âmbito da educação especial.
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, A atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
Lei nº 4.024/61, que aponta o direito dos “excepcionais” Lei nº 9.394/96, no artigo 59, preconiza que os sistemas
à educação, preferencialmente dentro do sistema geral de de ensino devem assegurar aos alunos currículo, métodos,
ensino. recursos e organização especí cos para atender às suas
A Lei nº 5.692/71, que altera a LDBEN de 1961, ao de- necessidades; assegura a terminalidade especí ca àque-
nir “tratamento especial” para os alunos com “de ciências les que não atingiram o nível exigido para a conclusão do
físicas, mentais, os que se encontram em atraso conside- ensino fundamental, em virtude de suas de ciências; e
rável quanto à idade regular de matrícula e os superdota- assegura a aceleração de estudos aos superdotados para
dos”, não promove a organização de um sistema de ensino conclusão do programa escolar. Também de ne, dentre as
capaz de atender às necessidades educacionais especiais e normas para a organização da educação básica, a “possibi-
acaba reforçando o encaminhamento dos alunos para as lidade de avanço nos cursos e nas séries mediante veri ca-
classes e escolas especiais. ção do aprendizado” (art. 24, inciso V) e “[...] oportunidades
Em 1973, o MEC cria o Centro Nacional de Educação educacionais apropriadas, consideradas as características
Especial – CENESP, responsável pela gerência da educação do alunado, seus interesses, condições de vida e de traba-
especial no Brasil, que, sob a égide integracionista, impul- lho, mediante cursos e exames” (art. 37).
sionou ações educacionais voltadas às pessoas com de - Em 1999, o Decreto nº 3.298, que regulamenta a Lei nº
ciência e às pessoas com superdotação, mas ainda con - 7.853/89, ao dispor sobre a Política Nacional para a Inte-
guradas por campanhas assistenciais e iniciativas isoladas gração da Pessoa Portadora de De ciência, de ne a edu-
do Estado. cação especial como uma modalidade transversal a todos
Nesse período, não se efetiva uma política pública de os níveis e modalidades de ensino, enfatizando a atuação
acesso universal à educação, permanecendo a concepção complementar da educação especial ao ensino regular.
de “políticas especiais” para tratar da educação de alunos Acompanhando o processo de mudança, as Diretrizes
com de ciência. No que se refere aos alunos com super- Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica, Re-
dotação, apesar do acesso ao ensino regular, não é organi- solução CNE/CEB nº 2/2001, no artigo 2º, determinam que:
zado um atendimento especializado que considere as suas “Os sistemas de ensino devem matricular todos os
singularidades de aprendizagem. alunos, cabendo às escolas organizarem-se para o aten-
A Constituição Federal de 1988 traz como um dos seus dimento aos educandos com necessidades educacionais
objetivos fundamentais “promover o bem de todos, sem especiais, assegurando as condições necessárias para uma
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer educação de qualidade para todos.”

64
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

As Diretrizes ampliam o caráter da educação especial Em 2004, o Ministério Público Federal publica o docu-
para realizar o atendimento educacional especializado mento O Acesso de Alunos com De ciência às Escolas e
complementar ou suplementar à escolarização, porém, ao Classes Comuns da Rede Regular, com o objetivo de dis-
admitir a possibilidade de substituir o ensino regular, não seminar os conceitos e diretrizes mundiais para a inclusão,
potencializam a adoção de uma política de educação inclu- rea rmando o direito e os benefícios da escolarização de
siva na rede pública de ensino, prevista no seu artigo 2º. alunos com e sem de ciência nas turmas comuns do en-
O Plano Nacional de Educação – PNE, Lei nº sino regular.
10.172/2001, destaca que “o grande avanço que a década Impulsionando a inclusão educacional e social, o De-
da educação deveria produzir seria a construção de uma creto nº 5.296/04 regulamentou as Leis nº 10.048/00 e nº
escola inclusiva que garanta o atendimento à diversidade 10.098/00, estabelecendo normas e critérios para a promo-
humana”. Ao estabelecer objetivos e metas para que os sis- ção da acessibilidade às pessoas com de ciência ou com
temas de ensino favoreçam o atendimento às necessidades mobilidade reduzida. Nesse contexto, o
educacionais especiais dos alunos, aponta um dé cit refe- Programa Brasil Acessível, do Ministério das Cidades, é
rente à oferta de matrículas para alunos com de ciência desenvolvido com o objetivo de promover a acessibilidade
nas classes comuns do ensino regular, à formação docente, urbana e apoiar ações que garantam o acesso universal aos
à acessibilidade física e ao atendimento educacional espe- espaços públicos.
cializado. O Decreto nº 5.626/05, que regulamenta a Lei nº
10.436/2002, visando ao acesso à escola dos alunos surdos,
A Convenção da Guatemala (1999), promulgada no dispõe sobre a inclusão da Libras como disciplina curricular,
Brasil pelo Decreto nº 3.956/2001, a rma que as pessoas a formação e a certi cação de professor, instrutor e tra-
com de ciência têm os mesmos direitos humanos e liber- dutor/intérprete de Libras, o ensino da Língua Portuguesa
dades fundamentais que as demais pessoas, de nindo como segunda língua para alunos surdos e a organização
como discriminação com base na de ciência toda diferen- da educação bilíngue no ensino regular.
ciação ou exclusão que possa impedir ou anular o exercício Em 2005, com a implantação dos Núcleos de Atividades
dos direitos humanos e de suas liberdades fundamentais. de Altas Habilidades/Superdotação – NAAH/S em todos os
Este Decreto tem importante repercussão na educação, estados e no Distrito Federal, são organizados centros de
exigindo uma reinterpretação da educação especial, com- referência na área das altas habilidades/superdotação para
preendida no contexto da diferenciação, adotado para pro- o atendimento educacional especializado, para a orienta-
mover a eliminação das barreiras que impedem o acesso à ção às famílias e a formação continuada dos professores,
escolarização. constituindo a organização da política de educação inclu-
Na perspectiva da educação inclusiva, a Resolução siva de forma a garantir esse atendimento aos alunos da
CNE/CP nº 1/2002, que estabelece as Diretrizes Curricula- rede pública de ensino.
res Nacionais para a Formação de Professores da Educação A Convenção sobre os Direitos das Pessoas com De -
Básica, de ne que as instituições de ensino superior devem ciência, aprovada pela ONU em 2006 e da qual o Brasil é
prever, em sua organização curricular, formação docente signatário, estabelece que os Estados-Partes devem asse-
voltada para a atenção à diversidade e que contemple co- gurar um sistema de educação inclusiva em todos os níveis
nhecimentos sobre as especi cidades dos alunos com ne- de ensino, em ambientes que maximizem o desenvolvi-
cessidades educacionais especiais. mento acadêmico e social compatível com a meta da plena
A Lei nº 10.436/02 reconhece a Língua Brasileira de Si- participação e inclusão, adotando medidas para garantir
nais – Libras como meio legal de comunicação e expressão, que:
determinando que sejam garantidas formas institucionali- a) As pessoas com de ciência não sejam excluídas
zadas de apoiar seu uso e difusão, bem como a inclusão da do sistema educacional geral sob alegação de de ciência
disciplina de Libras como parte integrante do currículo nos e que as crianças com de ciência não sejam excluídas do
cursos de formação de professores e de fonoaudiologia. ensino fundamental gratuito e compulsório, sob alegação
A Portaria nº 2.678/02 do MEC aprova diretrizes e nor- de de ciência;
mas para o uso, o ensino, a produção e a difusão do siste- b) As pessoas com de ciência possam ter acesso ao
ma Braille em todas as modalidades de ensino, compreen- ensino fundamental inclusivo, de qualidade e gratuito, em
dendo o projeto da Gra a Braille para a Língua Portuguesa igualdade de condições com as demais pessoas na comu-
e a recomendação para o seu uso em todo o território na- nidade em que vivem (Art.24).
cional. Neste mesmo ano, a Secretaria Especial dos Direitos
Em 2003, é implementado pelo MEC o Programa Edu- Humanos, os Ministérios da Educação e da Justiça, junta-
cação Inclusiva: direito à diversidade, com vistas a apoiar a mente com a Organização das Nações Unidas para a Edu-
transformação dos sistemas de ensino em sistemas educa- cação, a Ciência e a Cultura – UNESCO, lançam o Plano
cionais inclusivos, promovendo um amplo processo de for- Nacional de Educação em Direitos Humanos, que objetiva,
mação de gestores e educadores nos municípios brasileiros dentre as suas ações, contemplar, no currículo da educa-
para a garantia do direito de acesso de todos à escolariza- ção básica, temáticas relativas às pessoas com de ciência
ção, à oferta do atendimento educacional especializado e à e desenvolver ações a rmativas que possibilitem acesso e
garantia da acessibilidade. permanência na educação superior.

65
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Em 2007, é lançado o Plano de Desenvolvimento da o Censo Web, que quali ca o processo de manipulação e
Educação – PDE, rea rmado pela Agenda Social, tendo tratamento das informações, permite atualização dos da-
como eixos a formação de professores para a educação es- dos dentro do mesmo ano escolar, bem como possibilita o
pecial, a implantação de salas de recursos multifuncionais, cruzamento com outros bancos de dados, tais como os das
a acessibilidade arquitetônica dos prédios escolares, acesso áreas de saúde, assistência e previdência social. Também
e a permanência das pessoas com de ciência na educação são realizadas alterações que ampliam o universo da pes-
superior e o monitoramento do acesso à escola dos favore- quisa, agregando informações individualizadas dos alunos,
cidos pelo Benefício de Prestação Continuada – BPC. das turmas, dos professores e da escola.
No documento do MEC, Plano de Desenvolvimento da Com relação aos dados da educação especial, o Censo
Educação: razões, princípios e programas é rea rmada a Escolar registra uma evolução nas matrículas, de 337.326
visão que busca superar a oposição entre educação regular em 1998 para 700.624 em 2006, expressando um cresci-
e educação especial. mento de 107%. No que se refere ao ingresso em classes
Contrariando a concepção sistêmica da transversali- comuns do ensino regular, veri ca-se um crescimento de
dade da educação especial nos diferentes níveis, etapas e 640%, passando de 43.923 alunos em 1998 para 325.316
modalidades de ensino, a educação não se estruturou na em 2006.
perspectiva da inclusão e do atendimento às necessidades Quanto à distribuição dessas matrículas nas esferas
educacionais especiais, limitando, o cumprimento do prin- pública e privada, em 1998 registra-se 179.364 (53,2%) alu-
cípio constitucional que prevê a igualdade de condições nos na rede pública e 157.962 (46,8%) nas escolas privadas,
para o acesso e permanência na escola e a continuidade principalmente em instituições especializadas lantrópicas.
nos níveis mais elevados de ensino (2007, p. 09). Com o desenvolvimento das ações e políticas de educação
Para a implementação do PDE é publicado o Decreto nº inclusiva nesse período, evidencia-se um crescimento de
6.094/2007, que estabelece nas diretrizes do Compromisso 146% das matrículas nas escolas públicas, que alcançaram
Todos pela Educação, a garantia do acesso e permanência 441.155 (63%) alunos em 2006.
no ensino regular e o atendimento às necessidades educa- Com relação à distribuição das matrículas por etapa de
cionais especiais dos alunos, fortalecendo seu ingresso nas ensino em 2006: 112.988 (16%) estão na educação infan-
escolas públicas. til, 466.155 (66,5%) no ensino fundamental, 14.150 (2%) no
ensino médio, 58.420 (8,3%) na educação de jovens e adul-
Diagnóstico da Educação Especial tos, e 48.911 (6,3%) na educação pro ssional. No âmbito
da educação infantil, há uma concentração de matrículas
O Censo Escolar/MEC/INEP, realizado anualmente em nas escolas e classes especiais, com o registro de 89.083
todas as escolas de educação básica, possibilita o acom- alunos, enquanto apenas 24.005 estão matriculados em
panhamento dos indicadores da educação especial: acesso turmas comuns.
à educação básica, matrícula na rede pública, ingresso nas O Censo da Educação Especial na educação superior
classes comuns, oferta do atendimento educacional espe- registra que, entre 2003 e 2005, o número de alunos pas-
cializado, acessibilidade nos prédios escolares, municípios sou de 5.078 para 11.999 alunos, representando um cres-
com matrícula de alunos com necessidades educacionais cimento de 136%. A evolução das ações referentes à edu-
especiais, escolas com acesso ao ensino regular e formação cação especial nos últimos anos é expressa no crescimento
docente para o atendimento às necessidades educacionais de 81% do número de municípios com matrículas, que em
especiais dos alunos. 1998 registra 2.738 municípios (49,7%) e, em 2006 alcança
Para compor esses indicadores no âmbito da educação 4.953 municípios (89%).
especial, o Censo Escolar/MEC/INEP coleta dados referen-
tes ao número geral de matrículas; à oferta da matrícula Aponta também o aumento do número de escolas
nas escolas públicas, escolas privadas e privadas sem ns com matrícula, que em 1998 registra apenas 6.557 esco-
lucrativos; às matrículas em classes especiais, escola es- las e, em 2006 passa a registrar 54.412, representando um
pecial e classes comuns de ensino regular; ao número de crescimento de 730%. Das escolas com matrícula em 2006,
alunos do ensino regular com atendimento educacional 2.724 são escolas especiais, 4.325 são escolas comuns com
especializado; às matrículas, conforme tipos de de ciência, classe especial e 50.259 são escolas de ensino regular com
transtornos do desenvolvimento e altas habilidades/super- matrículas nas turmas comuns.
dotação; à infraestrutura das escolas quanto à acessibilida- O indicador de acessibilidade arquitetônica em prédios
de arquitetônica, à sala de recursos ou aos equipamentos escolares, em 1998, aponta que 14% dos 6.557 estabeleci-
especí cos; e à formação dos professores que atuam no mentos de ensino com matrícula de alunos com necessida-
atendimento educacional especializado. des educacionais especiais possuíam sanitários com aces-
A partir de 2004, são efetivadas mudanças no instru- sibilidade. Em 2006, das 54.412 escolas com matrículas de
mento de pesquisa do Censo, que passa a registrar a sé- alunos atendidos pela educação especial, 23,3% possuíam
rie ou ciclo escolar dos alunos identi cados no campo da sanitários com acessibilidade e 16,3% registraram ter de-
educação especial, possibilitando monitorar o percurso pendências e vias adequadas (dado não coletado em 1998).
escolar. Em 2007, o formulário impresso do Censo Escolar No âmbito geral das escolas de educação básica, o índice
foi transformado em um sistema de informações on-line, de acessibilidade dos prédios, em 2006, é de apenas 12%.

66
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Com relação à formação inicial dos professores que O conceito de necessidades educacionais especiais,
atuam na educação especial, o Censo de 1998, indica que passa a ser amplamente disseminado a partir dessa
que 3,2% possui ensino fundamental, 51% ensino médio Declaração, ressalta a interação das características indi-
e 45,7% ensino superior. Em 2006, dos 54.625 professores viduais dos alunos com o ambiente educacional e social.
nessa função, 0,62% registram ensino fundamental, 24% No entanto, mesmo com uma perspectiva conceitual que
ensino médio e 75,2% ensino superior. Nesse mesmo ano, aponte para a organização de sistemas educacionais inclu-
77,8% desses professores, declararam ter curso especí co sivos, que garanta o acesso de todos os alunos e os apoios
nessa área de conhecimento. necessários para sua participação e aprendizagem, as po-
líticas implementadas pelos sistemas de ensino não alcan-
Objetivo da Política Nacional de Educação Especial çaram esse objetivo.
na Perspectiva da Educação Inclusiva Na perspectiva da educação inclusiva, a educação es-
pecial passa a integrar a proposta pedagógica da escola
A Política Nacional de Educação Especial na Perspec- regular, promovendo o atendimento às necessidades edu-
tiva da Educação Inclusiva tem como objetivo o acesso, a cacionais especiais de alunos com de ciência, transtornos
participação e a aprendizagem dos alunos com de ciência, globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdo-
transtornos globais do desenvolvimento e altas habilida- tação. Nestes casos e outros, que implicam em transtornos
des/superdotação nas escolas regulares, orientando os sis- funcionais especí cos, a educação especial atua de forma
temas de ensino para promover respostas às necessidades articulada com o ensino comum, orientando para o aten-
educacionais especiais, garantindo: dimento às necessidades educacionais especiais desses
- Transversalidade da educação especial desde a edu- alunos.
cação infantil até a educação superior;
- Atendimento educacional especializado; A educação especial direciona suas ações para o aten-
- Continuidade da escolarização nos níveis mais eleva- dimento às especi cidades desses alunos no processo
dos do ensino; educacional e, no âmbito de uma atuação mais ampla na
- Formação de professores para o atendimento edu-
escola, orienta a organização de redes de apoio, a forma-
cacional especializado e demais pro ssionais da educação
ção continuada, a identi cação de recursos, serviços e o
para a inclusão escolar;
desenvolvimento de práticas colaborativas.
- Participação da família e da comunidade;
Os estudos mais recentes no campo da educação es-
- Acessibilidade urbanística, arquitetônica, nos mobi-
pecial enfatizam que as de nições e uso de classi cações
liários e equipamentos, nos transportes, na comunicação e
devem ser contextualizados, não se esgotando na mera
informação; e
especi cação ou categorização atribuída a um quadro de
- Articulação intersetorial na implementação das polí-
de ciência, transtorno, distúrbio, síndrome ou aptidão.
ticas públicas.
Considera-se que as pessoas se modi cam continuamente,
Alunos atendidos pela Educação Especial transformando o contexto no qual se inserem. Esse dina-
mismo exige uma atuação pedagógica voltada para alterar
Por muito tempo perdurou o entendimento de que a a situação de exclusão, reforçando a importância dos am-
educação especial, organizada de forma paralela à educa- bientes heterogêneos para a promoção da aprendizagem
ção comum, seria a forma mais apropriada para o atendi- de todos os alunos.
mento de alunos que apresentavam de ciência ou que não A partir dessa conceituação, considera-se pessoa com
se adequassem à estrutura rígida dos sistemas de ensino. de ciência aquela que tem impedimentos de longo prazo,
Essa concepção exerceu impacto duradouro na história de natureza física, mental ou sensorial que, em interação
da educação especial, resultando em práticas que enfati- com diversas barreiras, podem ter restringida sua partici-
zavam os aspectos relacionados à de ciência, em contra- pação plena e efetiva na escola e na sociedade. Os alunos
posição à sua dimensão pedagógica. O desenvolvimento com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles
de estudos no campo da educação e dos direitos humanos que apresentam alterações qualitativas das interações so-
vêm modi cando os conceitos, as legislações, as práticas ciais recíprocas e na comunicação, um repertório de inte-
educacionais e de gestão, indicando a necessidade de se resses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. In-
promover uma reestruturação das escolas de ensino regu- cluem-se nesse grupo alunos com autismo, síndromes do
lar e da educação especial. espectro do autismo e psicose infantil. Alunos com altas
Em 1994, a Declaração de Salamanca proclama que as habilidades/superdotação demonstram potencial elevado
escolas regulares com orientação inclusiva constituem os em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combi-
meios mais e cazes de combater atitudes discriminatórias nadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade
e que alunos com necessidades educacionais especiais e artes, além de apresentar grande criatividade, envolvi-
devem ter acesso à escola regular, tendo como princípio mento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas
orientador que “as escolas deveriam acomodar todas as de seu interesse.
crianças independentemente de suas condições físicas, in-
telectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras”.

67
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Diretrizes da Política Nacional de Educação Especial Na educação superior, a educação especial se efetiva
na Perspectiva da Educação Inclusiva por meio de ações que promovam o acesso, a permanência
e a participação dos alunos. Estas ações envolvem o plane-
A educação especial é uma modalidade de ensino que jamento e a organização de recursos e serviços para a pro-
perpassa todos os níveis, etapas e modalidades, realiza o moção da acessibilidade arquitetônica, nas comunicações,
atendimento educacional especializado, disponibiliza os nos sistemas de informação, nos materiais didáticos e pe-
recursos e serviços e orienta quanto a sua utilização no dagógicos, que devem ser disponibilizados nos processos
processo de ensino e aprendizagem nas turmas comuns seletivos e no desenvolvimento de todas as atividades que
do ensino regular. envolvam o ensino, a pesquisa e a extensão.
O atendimento educacional especializado tem como Para o ingresso dos alunos surdos nas escolas comuns,
função identi car, elaborar e organizar recursos pedagó- a educação bilíngue – Língua Portuguesa/Libras desenvol-
gicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras para a ve o ensino escolar na Língua Portuguesa e na língua de
plena participação dos alunos, considerando suas necessi- sinais, o ensino da Língua Portuguesa como segunda lín-
dades especí cas. As atividades desenvolvidas no atendi- gua na modalidade escrita para alunos surdos, os serviços
mento educacional especializado diferenciam-se daquelas de tradutor/intérprete de Libras e Língua Portuguesa e o
realizadas na sala de aula comum, não sendo substitutivas ensino da Libras para os demais alunos da escola. O atendi-
à escolarização. Esse atendimento complementa e/ou su- mento educacional especializado para esses alunos é ofer-
plementa a formação dos alunos com vistas à autonomia e tado tanto na modalidade oral e escrita quanto na língua
independência na escola e fora dela. de sinais. Devido à diferença linguística, orienta-se que o
Dentre as atividades de atendimento educacional es- aluno surdo esteja com outros surdos em turmas comuns
pecializado são disponibilizados programas de enriqueci- na escola regular.
mento curricular, o ensino de linguagens e códigos espe- O atendimento educacional especializado é realizado
cí cos de comunicação e sinalização e tecnologia assistiva. mediante a atuação de pro ssionais com conhecimentos
Ao longo de todo o processo de escolarização esse aten- especí cos no ensino da Língua Brasileira de Sinais, da
dimento deve estar articulado com a proposta pedagógica Língua Portuguesa na modalidade escrita como segunda
do ensino comum. O atendimento educacional especializa- língua, do sistema Braille, do Soroban, da orientação e mo-
do é acompanhado por meio de instrumentos que possi- bilidade, das atividades de vida autônoma, da comunica-
bilitem monitoramento e avaliação da oferta realizada nas ção alternativa, do desenvolvimento dos processos mentais
escolas da rede pública e nos centros de atendimento edu- superiores, dos programas de enriquecimento curricular, da
cacional especializados públicos ou conveniados. adequação e produção de materiais didáticos e pedagó-
O acesso à educação tem início na educação infantil, na gicos, da utilização de recursos ópticos e não ópticos, da
qual se desenvolvem as bases necessárias para a constru- tecnologia assistiva e outros.
ção do conhecimento e desenvolvimento global do aluno. A avaliação pedagógica como processo dinâmico
Nessa etapa, o lúdico, o acesso às formas diferenciadas de considera tanto o conhecimento prévio e o nível atual de
comunicação, a riqueza de estímulos nos aspectos físicos, desenvolvimento do aluno quanto às possibilidades de
emocionais, cognitivos, psicomotores e sociais e a convi- aprendizagem futura, con gurando uma ação pedagógica
vência com as diferenças favorecem as relações interpes- processual e formativa que analisa o desempenho do aluno
soais, o respeito e a valorização da criança. em relação ao seu progresso individual, prevalecendo na
Do nascimento aos três anos, o atendimento educa- avaliação os aspectos qualitativos que indiquem as inter-
cional especializado se expressa por meio de serviços de venções pedagógicas do professor. No processo de ava-
estimulação precoce, que objetivam otimizar o processo liação, o professor deve criar estratégias considerando que
de desenvolvimento e aprendizagem em interface com os alguns alunos podem demandar ampliação do tempo para
serviços de saúde e assistência social. Em todas as etapas a realização dos trabalhos e o uso da língua de sinais, de
e modalidades da educação básica, o atendimento educa- textos em Braille, de informática ou de tecnologia assistiva
cional especializado é organizado para apoiar o desenvol- como uma prática cotidiana.
vimento dos alunos, constituindo oferta obrigatória dos Cabe aos sistemas de ensino, ao organizar a educação
sistemas de ensino. Deve ser realizado no turno inverso ao especial na perspectiva da educação inclusiva, disponibi-
da classe comum, na própria escola ou centro especializa- lizar as funções de instrutor, tradutor/intérprete de Libras
do que realize esse serviço educacional. e guia intérprete, bem como de monitor ou cuidador dos
Desse modo, na modalidade de educação de jovens alunos com necessidade de apoio nas atividades de higie-
e adultos e educação pro ssional, as ações da educação ne, alimentação, locomoção, entre outras, que exijam auxí-
especial possibilitam a ampliação de oportunidades de es- lio constante no cotidiano escolar.
colarização, formação para ingresso no mundo do trabalho Para atuar na educação especial, o professor deve ter
e efetiva participação social. como base da sua formação, inicial e continuada, conhe-
A interface da educação especial na educação indíge- cimentos gerais para o exercício da docência e conheci-
na, do campo e quilombola deve assegurar que os recursos, mentos especí cos da área. Essa formação possibilita a sua
serviços e atendimento educacional especializado estejam atuação no atendimento educacional especializado, apro-
presentes nos projetos pedagógicos construídos com base funda o caráter interativo e interdisciplinar da atuação nas
nas diferenças socioculturais desses grupos. salas comuns do ensino regular, nas salas de recursos, nos

68
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

centros de atendimento educacional especializado, nos nú- Abordando mais especi camente as questões da
cleos de acessibilidade das instituições de educação supe- educação inclusiva temos um histórico amplo de várias
rior, nas classes hospitalares e nos ambientes domiciliares, signi cações no decorrer da história, que assinala regis-
para a oferta dos serviços e recursos de educação especial. tros de resistência à aceitação social dos portadores de
Para assegurar a intersetorialidade na implementação necessidades educativas especiais. Práticas executadas
das políticas públicas a formação deve contemplar conhe- como abandono, afogamentos, sacrifícios eram comuns
cimentos de gestão de sistema educacional inclusivo, ten- até meados do século XVIII, quando o atendimento pas-
do em vista o desenvolvimento de projetos em parceria sa das famílias e da igreja, para a ciência, passando das
com outras áreas, visando à acessibilidade arquitetônica,
instituições residenciais às classes especiais no século XX.
aos atendimentos de saúde, à promoção de ações de assis-
Conforme Cardoso (2003) os médicos passaram a de-
tência social, trabalho e justiça.
dicar-se ao estudo dos de cientes, nomenclatura adota-
Os sistemas de ensino devem organizar as condições
de acesso aos espaços, aos recursos pedagógicos e à co- da. Com esta institucionalização especializada dá se início
municação que favoreçam a promoção da aprendizagem e o período de segregação, onde a política era separar, iso-
a valorização das diferenças, de forma a atender as neces- lar e proteger a sociedade do convívio social, do contato
sidades educacionais de todos os alunos. A acessibilidade com estas pessoas anormais, inválidas, incapazes de exer-
deve ser assegurada mediante a eliminação de barreiras cer qualquer atividade.
arquitetônicas, urbanísticas, na edi cação – incluindo ins- Espera-se que a escola tenha um papel complemen-
talações, equipamentos e mobiliários – e nos transportes tar ao desempenhado pela família no processo de socia-
escolares, bem como as barreiras nas comunicações e in- lização das crianças com necessidades educacionais es-
formações. peciais. É uma tarefa difícil e delicada, que envolve boas
doses de atitudes pessoais e coletivas, caracterizadas
Referência: principalmente pelo diálogo, pela compreensão, pelo res-
http://peei.mec.gov.br/arquivos/politica_nacional_ peito às diferenças e necessidades individuais, pelo com-
educacao_especial.pdf promisso e pela ação.
As escolas inclusivas, portanto, propõem a constitui-
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DAS ESCOLAS IN- ção de um sistema educacional que considera as neces-
CLUSIVAS
sidades de todos os alunos e que é estruturado em razão
dessas necessidades. A inclusão gera uma mudança de
Nesse texto, atenção especial é dada à teoria de Vy-
perspectiva educacional, pois não se limita a ajudar so-
gotsky e suas implicações para o debate sobre inclusão nos
campos da educação na escola e na sociedade. O artigo fo- mente os alunos que apresentam di culdades na escola;
caliza também as relações que de nem a política inclusiva mas apoia a todos: professores, alunos e pessoal adminis-
e a complexidade que caracteriza este processo. trativo para que obtenham sucesso na escola convencio-
Segundo a educadora Mantoan (2005) a rma que na nal (MANTOAN, 1997).
escola inclusiva professores e alunos aprendem uma lição Na inclusão, as escolas devem reconhecer e respon-
que a vida di cilmente ensina: respeitar as diferenças. Res- der às diversas necessidades de seus alunos, consideran-
salta ainda, que a inclusão é a nossa capacidade de reco- do tanto os estilos como ritmos diferentes de aprendiza-
nhecer o outro e ter o privilégio de conviver com pessoas gem e assegurando uma educação de qualidade a todos,
diferentes. Diferentemente do que muitos possam pensar, por meio de currículo apropriado, de modi cações orga-
inclusão é mais do que rampas e banheiros adaptados. nizacionais, de estratégias de ensino, de uso de recursos e
Na perspectiva de Mantoan, um professor sem capa- de parcerias com a comunidade.
citação pode ensinar alunos com de ciência. O papel do Os dois modelos de escola regular e especial podem
professor é ser regente de classe e não especialista em de- ter características inclusivas e ser o melhor para determi-
ciência, essa responsabilidade é da equipe de atendimen- nado aluno, o processo de avaliação é que vai identi car a
to especializado, uma criança surda, por exemplo, aprende melhor intervenção, o mais importante salientar que mui-
com especialista em libras e leitura labial.
tos alunos têm passagens rápidas e e cientes pela escola
Questionam-se os valores e padrões pré-estabelecidos,
especial, o que acaba garantindo uma entrada tranquila
os critérios de avaliação e discriminação que prejudicam
e bem assessorada no ensino fundamental convencional,
o desenvolvimento e a aprendizagem das habilidades e a
independência destas crianças. evitando uma série de transtornos para o aluno, para os
Neste sentido, observamos que Vygotsky, psicólogo pais e para a escola.
russo e estudioso do tema desenvolvimento e aprendiza- Segundo Coll (1995) a igualdade educacional não
gem, ao falar sobre de ciências educacionalmente consi- pode ser obtida quando se oferece o mesmo cardápio a
deradas como uma das necessidades educacionais espe- todos os alunos; a integração escolar das crianças com
ciais mostra a interação existente entre as características de ciências torna-se possível quando se oferece a cada
biológicas e as relações sociais para o desenvolvimento da aluno aquilo de que ele necessita.
pessoa. Segundo Vygotsky o conceito de Zona de Desen-
volvimento proximal, conhecida como ZDP, que é a distân-
cia entre o desenvolvimento real e o potencial.

69
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

De ciência A construção da escola inclusiva exige mudanças


nessa cultura e nas suas consequentes práticas. Segundo
As crianças no século XV portadores de de ciência Perrenoud (2000) aponta alguns fatores que di cultam a
eram deformadas e atiradas nos esgotos de Roma na Ida- construção de um coletivo, no contexto educacional, na
de Média. Porém os portadores de de ciências eram abri- limitação histórica da autonomia política e alternativa do
gados nas igrejas e passaram a ganhar a função de bobo pro ssional da educação.
da corte. Segundo Martinho Lutero, as pessoas com de - O signi cado da inclusão escolar e que ela vem se de-
ciências eram seres diabólicos que mereciam castigos para senvolvendo em todos os setores sociais, não somente na
serem puri cados. escola, mas em todos âmbitos sociais:
- Educação como direito de todos;
A partir do século XVI e XIX as pessoas com de ciên- - Igualdade de oportunidades;
cias continuavam isoladas em asilos, conventos albergues, - Convívio social;
ou até mesmo em hospitais psiquiátricos como na Europa - Cidadania;
que não passava de uma prisão sem qualquer tipo de tra- - Valorização da Diversidade;
tamento especializado. No entanto a partir do século XX, - Transformação Social.
os portadores de de ciências começaram a ser conside-
rados cidadãos com direitos e deveres da participação da As mudanças da Inclusão a partir do século XXI
sociedade, mas com a Declaração Universal dos Direitos
Humanos começaram a surgir os movimentos organiza- No Brasil a parir do ano 2000 Segundo os dados do
dores por familiares com críticas à discriminação, para a Censo realizado pelo IBGE existem cerca de 25 milhões de
melhorias de vida para os mutilados na guerra em 1970 só pessoas portadoras de algum tipo de de ciência. Premida
então começa a mudar a visão da sociedade nos anos 80, pela urgência de garantir o exercício pleno da cidadania a
90 onde passam a defender a inclusão. essa imensa população, a sociedade brasileira vai ganhan-
Segundo Silva (1987): anomalias físicas ou mentais, do, pouco a pouco, a sensibilidade requerida para tratar do
deformações congênitas, amputações traumáticas, doen- tema, ainda que seja bastante longo o caminho a percorrer.
ças graves e de consequências incapacitantes, sejam elas A Constituição de 1988 dedicou vários artigos às pes-
de natureza transitória ou permanente, são tão antigas soas com de ciência, de que é exemplo o artigo 7º, XXXI;
quanto à própria humanidade. artigo 23, II; artigo 24, XIV; artigo 37, VIII; artigo 203, V;
Nas escolas de Anatomia da cidade de Alexandria, Se- artigo 227, p. 2º e o artigo 244. Eles tratam de pontos tão
gundo a a rmação de Silva (1987) existiu no período de variados como a proibição da discriminação no tocante a
300 a. C, nela cam registro da medicina egípcia utilizada salários e a admissão ao trabalho, saúde e assistência pú-
para o tratamento de males que afetavam os ossos e os blica, proteção e integração social, o acesso a cargos e
olhos das pessoas adulas. Pois havia passagem histórica empregos públicos, garantia de salário mínimo mensal à
sobre os cegos do Egito que faziam atividades artesanais. pessoa com de ciência carente de recursos nanceiros e a
Gugel (2008) expõe que na era primitiva, as pessoas adaptação de logradouros, edifícios e veículos para trans-
com de ciência não sobreviviam, devido ao ambiente des- porte coletivo.
favorável. A nal, para seu sustento, o homem primitivo O primeiro documento que merece menção é o decre-
tinha que caçar e colher frutos, além de produzir vestuá- to n. 3298, de 20 de dezembro de 1999. Ele regulamentou
rio com peles de animais. Com as mudanças climáticas, os a Lei n. 7853, de 24 de outubro de 1989, que consolidou as
homens começam a se agrupar e juntos irem à busca de regras de proteção à pessoa portadora de de ciência. Se-
sustento e vestimenta. No entanto, somente os mais for- gundo a Secretária de Direitos Humanos da Presidência da
tes resistiam e segundo pesquisadores, era comum nesta República - SDH/PR Secretaria Nacional de Promoção dos
época desfazerem de crianças com de ciência, pois repre- Direitos da Pessoa com De ciência - SNPD.
sentava um fardo para o grupo. Art. 17. O Poder Público promoverá a eliminação de bar-
Segundo Gugel (2008), no Egito Antigo, as múmias e reiras na comunicação e estabelecerá mecanismos e alter-
os túmulos nos mostram que a pessoa com de ciência in- nativas técnicas que tornem acessíveis os sistemas de comu-
teragia com toda sociedade. Já na Grécia, as de ciências nicação e sinalização às pessoas portadoras de de ciência
eram tratadas pelo termo “disformes.” Devido à necessida- sensorial e com di culdade de comunicação, para garantir-
de de manter um exército forte, os gregos eliminavam as lhes o direito de acesso à informação, à comunicação, ao
pessoas com de ciências. trabalho, à educação, ao transporte, à cultura, ao esporte e
As famosas múmias do Egito, que permitiam a conser- ao lazer.
vação dos corpos por muitos anos, possibilitaram o estudo Art. 18. O Poder Público programará a formação de
dos restos mortais de faraós e nobres do Egito que apre- pro ssionais intérpretes de escrita em braile, linguagem de
sentavam distro as e limitações físicas, como Sipthah (séc. sinais e de guias-intérpretes, para facilitar qualquer tipo de
XIII a.C.) e Amon (séc. XI a.C.). comunicação direta à pessoa portadora de de ciência senso-
rial e com di culdade de comunicação.

70
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Art. 19. Os serviços de radiodifusão sonora e de sons e Referência:


imagens adotarão plano de medidas técnicas com o objetivo NOQUELE, A.; SILVA, A. P. da. SILVA, R. Educação Inclu-
de permitir o uso da linguagem de sinais ou outra subtitula- siva e o Processo de Ensino-Aprendizagem.
ção, para garantir o direito de acesso à informação às pes-
soas portadoras de de ciência auditiva, na forma e no prazo DIRETRIZES NACIONAIS PARA A EDUCAÇÃO ESPE-
previsto em regulamento. CIAL NA EDUCAÇÃO BÁSICA
Para se ter a dimensão do entendimento que a so-
ciedade tem sobre o indivíduo de ciente precisamos nos A resolução nº 2, de 11 de setembro de 2001, institui as
reportar ao passado, e localizar nas diferenças épocas, o diretrizes nacionais para a educação especial na educação
retrato que se xou, culturalmente, sobre a ideia das dife- básica homologada pelo Ministro da Educação em 15 de
renças individuais e que se converteu no atual modelo de agosto de 2001.
atendimento a este sujeito nas várias instituições, principal- Institui as diretrizes nacionais para a educação de alu-
mente no ensino regular. (ROCHA, 2000). nos que apresentem necessidades educacionais especiais,
Gugel (2008) expõe que na era primitiva, as pessoas na educação básica que terá início na educação infantil, as-
com de ciência não sobreviviam, devido ao ambiente des- segurando-lhes os serviços de educação especial sempre
favorável. A nal, para seu sustento, o homem primitivo ti- que forem necessários, os sistemas devem matricular to-
nha que caçar e colher frutos, além de produzir vestuário dos os alunos inclusive os com necessidades educacionais
com peles de animais. Com as mudanças climáticas, os ho- especiais assegurando as condições necessárias para uma
mens começam a se agrupar e juntos irem à busca de sus- educação de qualidade para todos, garantindo a qualidade
tento e vestimenta. No entanto, somente os mais fortes re- do processo formativo desses alunos.
sistiam e segundo pesquisadores, era comum nesta época Educação especial num processo educacional de ni-
desfazerem de crianças com de ciência, pois representava do por uma proposta pedagógica que assegure recursos e
um fardo para o grupo. serviços especiais para apoiar, complementar, suplementar
Segundo Gugel (2008), no Egito Antigo, as múmias e e substituir os serviços educacionais comuns para garantir
os túmulos nos mostram que a pessoa com de ciência in- a educação escolar promovendo o desenvolvimento das
teragia com toda sociedade. Já na Grécia, as de ciências potencialidades dos educandos com algum tipo de neces-
eram tratadas pelo termo “disformes” e devido à necessi- sidades educacionais especiais.
dade de se manter um exército forte os gregos eliminavam Devem constituir um setor responsável pela educação
as pessoas com de ciências. especial, com todos os recursos necessários, materiais e -
nanceiros que deem sustentação ao processo de constru-
Considerações Finais ção da educação inclusiva.
A educação especial considerará os per s dos estudan-
O Brasil é hoje uma referência mundial na reparação tes, as características biopsicossociais, faixas etárias, e se
de vítimas da hanseníase que foram segregadas do conví- pautará princípios éticos, políticos e estéticos para assegu-
vio social no passado. E aprovou em 2008 a Convenção da rar: a dignidade e o direito do aluno realizar seus projetos
ONU sobre os Direitos das Pessoas com De ciência, pela de estudo, trabalho e inserção na vida social, a identidade,
primeira vez com força de preceito constitucional, fato que o reconhecimento e a valorização das diferenças e poten-
balizará toda a discussão em torno de um possível estatuto cialidades, e também suas necessidades educacionais es-
dos direitos da pessoa com de ciência. peciais no processo de ensino e aprendizagem, constituin-
O termo de ciência para denominar pessoas com de - do e ampliando os valores, atitudes, conhecimentos, habili-
ciência tem sido considerado por algumas ONGs e cientis- dades e competências, o desenvolvimento com o exercício
tas sociais inadequados, pois o termo leva consegue uma da cidadania, participação social, política e econômica, me-
carga negativa depreciativa da pessoa, fato que foi ao lon- diante o comprimento do dever usufruindo seus direitos.
go dos anos se tornando cada vez mais rejeitado pelos es- Consideram com necessidades educacionais especiais
pecialistas da área e em especial pelos próprios indivíduos os alunos que apresentem algum tipo de di culdades de
a quem se re ra. Muitos, entretanto, consideram que essa aprendizagem ou com limitações no processo de desen-
tendência politicamente correta tende a levar as pessoas volvimento e no acompanhamento das atividades curricu-
com de ciência a uma negação de sua própria situação e a lares, com algumas disfunções, limitações ou de ciências,
sociedade ao não respeito da diferença. di culdades de comunicações, com altas habilidades e su-
Atualmente, porém, esta palavra está voltando a ser perdotação.
utilizada, visto que a rejeição do termo, por si só, caracteri- A identi cação das necessidades educacionais espe-
za um preconceito de estigmatizarão contra a condição do ciais deve ser realizada pela escola com ajuda de pro s-
indivíduo revertida pelo uso de um eufemismo, o que pode sionais especializados e técnicos, avaliando o aluno no seu
ser observado em sites voltados aos “de cientes” é que o processo de aprendizagem, contando com os professores
termo de ciente é utilizado de maneira não pejorativa. e todo corpo docente da escola, e contando com a partici-
pação da família.

71
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

O atendimento aos alunos com necessidades educa- Devem organizar o atendimento educacional especia-
cionais especiais deve ser realizado em classes comuns lizado a alunos que não possam frequentar as aulas por
do ensino regular, onde as escolas devem organizar suas vários motivos ou precisem de atendimento em domicilio
classes, com professores das classes comuns junto com os por um longo tempo, devem dar continuidade ao processo
especializados, com a distribuição dos alunos de acordo de desenvolvimento de aprendizagem de educação básica
com suas necessidades por várias classe comuns para que para o retorno e reintegração ao grupo escolar, com um
se bene ciem das diferenças e ampliem as experiências currículo exibilizado com crianças, jovens e adultos facili-
dentro do princípio educar para a diversidade, exibiliza- tando seu acesso à escola regular.
ções e adaptações no currículo, usando uma metodologia Os sistemas públicos serão responsáveis pela identi -
de ensino diferenciando os processos dando avaliações cação, analise avaliação da qualidade de escolas, públicas
adequadas ao desenvolvimento, respeitando a frequên- ou privadas observados os princípios da educação inclu-
cia obrigatória, serviços de apoio pedagógico nas classes siva, organizando currículos de competência e responsa-
comuns, por professores, intérpretes e outro pro ssionais, bilidade as escolas constando no seu PPP, respeitadas as
apoio esse necessários a aprendizagem, locomoção e co- etapas e modalidades da Educação Básica.
municação. Para que o professor realize a complementação Não sendo obrigatórias as instituições de ensino via-
ou suplementação curricular. Elaboração e articulação de bilizar ao aluno com de ciência mental grave ou múltiplas,
experiências pedagógica, contando com instituições de en- que não apresente resultados na escolarização, certi cados
sino superior e de pesquisa, sustentabilidade do processo de conclusão de escolaridade.
inclusivo, temporalidade exível do ano letivo atendendo Em consonância com princípios da educação inclusiva
assim as necessidades dos alunos com de ciência mental as escolas regulares e de educação pro ssional, pública ou
ou com de ciências múltiplas, atividades que favoreçam o privada, devem atender todos os alunos com necessidades
aluno que apresente altas habilidades e superdotação in- educacionais especiais, a captação de recursos humanos, a
clusive para conclusão em menor tempo da série ou etapa exibilização e adaptação do currículo o encaminhamento
escolar. para o trabalho.
As escolas podem criar classes especiais com referên- As escolas de educação pro ssional podem realizar
cias e parâmetros curriculares de atendimento em caráter parcerias com escolas especiais para construir competên-
transitório aos alunos que apresentem di culdades de cias necessárias a inclusão, e podem avaliar competências
aprendizagem e demandem de ajudas e apoios intensos e das pessoas encaminhando-as para o mundo de trabalho.
contínuos, nessas classes os professores devem desenvol- Cabe aos Sistemas de ensino estabelecer normas para
ver o currículo, adaptando quando necessário dependendo o bom funcionamento das escolas para que tenham con-
do desenvolvimento apresentado pelo aluno. dições su cientes para elaborar o PPP, contando com os
Os alunos com necessidades educacionais especiais professores capacitados e especializados, para a formação
que requeiram de atenção individualizada podem ser aten- de docentes na educação infantil, anos iniciais, ensino fun-
didos em escolas especiais complementando o atendimen- damental, nível médio e em nível superior, licenciatura de
to das escolas de classes comuns. As escolas especiais de- graduação plena
vem cumprir as exigências legais quanto ao processo de Professores capacitados são considerados os que com-
credenciamento e autorização dos cursos, nessas escolas provem a formação de nível médio ou superior, incluídos
os currículos devem ser construídos de acordo as condi- conteúdos sobre educação especial, que percebam as ne-
ções do aluno como diz no cap. II LDBEN, a escola especial cessidades educacionais especiais dos alunos e valorizem a
e a famílias decidem quanto à transferência para escola re- educação inclusiva, exibilizem a ação pedagógica em di-
gular de ensino em condições de realizar o atendimento ferentes áreas de conhecimentos, avaliem continuamente a
educacional, com base em avaliação pedagógica. e cácia do processo educativo, atuem em equipe.
Recomenda-se as escolas a constituição de parcerias Professores capacitados em educação especial são
com instituições de ensino superior para a realização de aqueles que desenvolvem competências para identi car as
pesquisas com relação ao processo de ensino e aprendiza- necessidades educacionais especiais, liderem e apoiem a
gem dos alunos com necessidades especiais. Nos termos implementação de estratégias de exibilização, adaptação
da lei 10.098/2000 e da lei 10.172/2001 devem assegurar curricular. E deverão comprovar a formação em cursos de
a acessibilidade aos alunos que apresentem necessida- licenciatura em educação especial, complementação de es-
des educacionais especiais, eliminando barreiras nos pré- tudos ou pós-graduação nas áreas especi ca da educação
dios, incluindo instalações equipamentos e mobiliário, nos especial e que tenham uma formação continuada.
transportes escolares e comunicação, adaptando as escolas As diretrizes curriculares nacionais estendem-se para a
existentes e construindo novas escolas, acessibilizando os educação especial, assim como se estendem para a educa-
conteúdos curriculares, utilizando linguagens alternativas ção básica em todas as modalidades e etapas da educação
como Braille e a língua de sinais (libras), sem prejuízo no básica, caberá as instâncias educacionais da União, Estados,
aprendizado da língua portuguesa. municípios a implementação destas diretrizes pelos siste-
mas de ensinos.

72
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

RESOLUÇÃO CNE/CEB Nº 2, DE 11 DE SETEMBRO Art. 4º Como modalidade da Educação Básica, a edu-


DE 2001 cação especial considerará as situações singulares, os per s
dos estudantes, as características biopsicossociais dos alu-
Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial nos e suas faixas etárias e se pautará em princípios éticos,
na Educação Básica. políticos e estéticos de modo a assegurar:
I- a dignidade humana e a observância do direito de
O Presidente da Câmara de Educação Básica do Con- cada aluno de realizar seus projetos de estudo, de trabalho
selho Nacional de Educação, de conformidade com o dis- e de inserção na vida social;
II- a busca da identidade própria de cada educando,
posto no Art. 9o, § 1o, alínea “c”, da Lei 4.024, de 20 de
o reconhecimento e a valorização das suas diferenças e
dezembro de 1961, com a redação dada pela Lei 9.131, de
potencialidades, bem como de suas necessidades educa-
25 de novembro de 1995, nos Capítulos I, II e III do Título
cionais especiais no processo de ensino e aprendizagem,
V e nos Artigos 58 a 60 da Lei 9.394, de 20 de dezembro como base para a constituição e ampliação de valores, ati-
de 1996, e com fundamento no Parecer CNE/CEB 17/2001, tudes, conhecimentos, habilidades e competências;
homologado pelo Senhor Ministro de Estado da Educação III- o desenvolvimento para o exercício da cidadania,
em 15 de agosto de 2001, RESOLVE: da capacidade de participação social, política e econômica
e sua ampliação, mediante o cumprimento de seus deveres
Art. 1º A presente Resolução institui as Diretrizes Na- e o usufruto de seus direitos.
cionais para a educação de alunos que apresentem neces-
sidades educacionais especiais, na Educação Básica, em Art. 5º Consideram-se educandos com necessidades
todas as suas etapas e modalidades. educacionais especiais os que, durante o processo educa-
Parágrafo único. O atendimento escolar desses alunos cional, apresentarem:
terá início na educação infantil, nas creches e pré-escolas, I- di culdades acentuadas de aprendizagem ou limi-
assegurando-lhes os serviços de educação especial sem- tações no processo de desenvolvimento que di cultem o
pre que se evidencie, mediante avaliação e interação com acompanhamento das atividades curriculares, compreen-
a família e a comunidade, a necessidade de atendimento didas em dois grupos:
educacional especializado. a) aquelas não vinculadas a uma causa orgânica espe-
cí ca;
b) aquelas relacionadas a condições, disfunções, limita-
Art. 2º Os sistemas de ensino devem matricular todos
ções ou de ciências;
os alunos, cabendo às escolas organizar-se para o aten-
II– di culdades de comunicação e sinalização diferen-
dimento aos educandos com necessidades educacionais ciadas dos demais alunos, demandando a utilização de lin-
especiais, assegurando as condições necessárias para uma guagens e códigos aplicáveis;
educação de qualidade para todos. III- altas habilidades/superdotação, grande facilidade
Parágrafo único. Os sistemas de ensino devem co- de aprendizagem que os leve a dominar rapidamente con-
nhecer a demanda real de atendimento a alunos com ne- ceitos, procedimentos e atitudes.
cessidades educacionais especiais, mediante a criação de
sistemas de informação e o estabelecimento de interface Art. 6 Para a identi cação das necessidades educacio-
com os órgãos governamentais responsáveis pelo Censo nais especiais dos alunos e a tomada de decisões quanto
Escolar e pelo Censo Demográ co, para atender a todas ao atendimento necessário, a escola deve realizar, com as-
as variáveis implícitas à qualidade do processo formativo sessoramento técnico, avaliação do aluno no processo de
desses alunos. ensino e aprendizagem, contando, para tal, com:
I- a experiência de seu corpo docente, seus diretores,
Art. 3º Por educação especial, modalidade da educação coordenadores, orientadores e supervisores educacionais;
escolar, entende-se um processo educacional de nido por II- o setor responsável pela educação especial do res-
uma proposta pedagógica que assegure recursos e servi- pectivo sistema;
III– a colaboração da família e a cooperação dos servi-
ços educacionais especiais, organizados institucionalmente
ços de Saúde, Assistência Social, Trabalho, Justiça e Espor-
para apoiar, complementar, suplementar e, em alguns ca-
te, bem como do Ministério Público, quando necessário.
sos, substituir os serviços educacionais comuns, de modo a
garantir a educação escolar e promover o desenvolvimento Art. 7º O atendimento aos alunos com necessidades
das potencialidades dos educandos que apresentam ne- educacionais especiais deve ser realizado em classes co-
cessidades educacionais especiais, em todas as etapas e muns do ensino regular, em qualquer etapa ou modalidade
modalidades da educação básica. da Educação Básica.
Parágrafo único. Os sistemas de ensino devem consti-
tuir e fazer funcionar um setor responsável pela educação Art. 8° As escolas da rede regular de ensino devem pre-
especial, dotado de recursos humanos, materiais e nan- ver e prover na organização de suas classes comuns:
ceiros que viabilizem e deem sustentação ao processo de I- professores das classes comuns e da educação es-
construção da educação inclusiva. pecial capacitados e especializados, respectivamente, para
o atendimento às necessidades educacionais dos alunos;

73
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

II- distribuição dos alunos com necessidades educacio- Art. 9° As escolas podem criar, extraordinariamente,
nais especiais pelas várias classes do ano escolar em que classes especiais, cuja organização fundamente-se no Capí-
forem classi cados, de modo que essas classes comuns se tulo II da LDBEN, nas diretrizes curriculares nacionais para a
bene ciem das diferenças e ampliem positivamente as ex- Educação Básica, bem como nos referenciais e parâmetros
periências de todos os alunos, dentro do princípio de edu- curriculares nacionais, para atendimento, em caráter tran-
car para a diversidade; sitório, a alunos que apresentem di culdades acentuadas
III– exibilizações e adaptações curriculares que con- de aprendizagem ou condições de comunicação e sinaliza-
siderem o signi cado prático e instrumental dos conteú- ção diferenciadas dos demais alunos e demandem ajudas e
apoios intensos e contínuos.
dos básicos, metodologias de ensino e recursos didáticos
§1° Nas classes especiais, o professor deve desenvolver
diferenciados e processos de avaliação adequados ao de-
o currículo, mediante adaptações, e, quando necessário,
senvolvimento dos alunos que apresentam necessidades
atividades da vida autônoma e social no turno inverso.
educacionais especiais, em consonância com o projeto §2° A partir do desenvolvimento apresentado pelo alu-
pedagógico da escola, respeitada a frequência obrigatória; no e das condições para o atendimento inclusivo, a equipe
IV – serviços de apoio pedagógico especializado, reali- pedagógica da escola e a família devem decidir conjunta-
zado, nas classes comuns, mediante: mente, com base em avaliação pedagógica, quanto ao seu
a) atuação colaborativa de professor especializado em retorno à classe comum.
educação especial;
b) atuação de professores-intérpretes das linguagens e Art. 10. Os alunos que apresentem necessidades edu-
códigos aplicáveis; cacionais especiais e requeiram atenção individualizada
c) atuação de professores e outros pro ssionais itine- nas atividades da vida autônoma e social, recursos, ajudas
rantes intra e interinstitucionalmente; e apoios intensos e contínuos, bem como adaptações cur-
d) disponibilização de outros apoios necessários à riculares tão signi cativas que a escola comum não consiga
aprendizagem, à locomoção e à comunicação. prover, podem ser atendidos, em caráter extraordinário, em
V– serviços de apoio pedagógico especializado em escolas especiais, públicas ou privadas, atendimento esse
salas de recursos, nas quais o professor especializado em complementado, sempre que necessário e de maneira ar-
educação especial realize a complementação ou suplemen- ticulada, por serviços das áreas de Saúde, Trabalho e Assis-
tação curricular, utilizando procedimentos, equipamentos e tência Social.
§1º As escolas especiais, públicas e privadas, devem
materiais especí cos;
cumprir as exigências legais similares às de qualquer escola
VI– condições para re exão e elaboração teórica da
quanto ao seu processo de credenciamento e autorização
educação inclusiva, com protagonismo dos professores, de funcionamento de cursos e posterior reconhecimento.
articulando experiência e conhecimento com as necessida- §2º Nas escolas especiais, os currículos devem ajustar-
des/possibilidades surgidas na relação pedagógica, inclu- se às condições do educando e ao disposto no Capítulo II
sive por meio de colaboração com instituições de ensino da LDBEN.
superior e de pesquisa; §3° A partir do desenvolvimento apresentado pelo
VII– sustentabilidade do processo inclusivo, mediante aluno, a equipe pedagógica da escola especial e a família
aprendizagem cooperativa em sala de aula, trabalho de devem decidir conjuntamente quanto à transferência do
equipe na escola e constituição de redes de apoio, com a aluno para escola da rede regular de ensino, com base em
participação da família no processo educativo, bem como avaliação pedagógica e na indicação, por parte do setor
de outros agentes e recursos da comunidade; responsável pela educação especial do sistema de ensino,
VIII– temporalidade exível do ano letivo, para aten- de escolas regulares em condição de realizar seu atendi-
der às necessidades educacionais especiais de alunos com mento educacional.
de ciência mental ou com graves de ciências múltiplas,
de forma que possam concluir em tempo maior o currícu- Art. 11. Recomenda-se às escolas e aos sistemas de en-
lo previsto para a série/etapa escolar, principalmente nos sino a constituição de parcerias com instituições de ensino
anos nais do ensino fundamental, conforme estabelecido superior para a realização de pesquisas e estudos de caso
relativos ao processo de ensino e aprendizagem de alunos
por normas dos sistemas de ensino, procurando-se evitar
com necessidades educacionais especiais, visando ao aper-
grande defasagem idade/série;
feiçoamento desse processo educativo.
IX– atividades que favoreçam, ao aluno que apresente
altas habilidades/superdotação, o aprofundamento e en- Art. 12. Os sistemas de ensino, nos termos da Lei
riquecimento de aspectos curriculares, mediante desa os 10.098/2000 e da Lei 10.172/2001, devem assegurar a aces-
suplementares nas classes comuns, em sala de recursos ou sibilidade aos alunos que apresentem necessidades educa-
em outros espaços de nidos pelos sistemas de ensino, in- cionais especiais, mediante a eliminação de barreiras arqui-
clusive para conclusão, em menor tempo, da série ou etapa tetônicas urbanísticas, na edi cação – incluindo instalações,
escolar, nos termos do Artigo 24, V, “c”, da Lei 9.394/96. equipamentos e mobiliário – e nos transportes escolares,
bem como de barreiras nas comunicações, provendo as es-
colas dos recursos humanos e materiais necessários.

74
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

§1° Para atender aos padrões mínimos estabelecidos Art. 17. Em consonância com os princípios da educa-
com respeito à acessibilidade, deve ser realizada a adapta- ção inclusiva, as escolas das redes regulares de educação
ção das escolas existentes e condicionada a autorização de pro ssional, públicas e privadas, devem atender alunos que
construção e funcionamento de novas escolas ao preenchi- apresentem necessidades educacionais especiais, median-
mento dos requisitos de infraestrutura de nidos. te a promoção das condições de acessibilidade, a capacita-
§2° Deve ser assegurada, no processo educativo de ção de recursos humanos, a exibilização e adaptação do
alunos que apresentam di culdades de comunicação e si- currículo e o encaminhamento para o trabalho, contando,
nalização diferenciadas dos demais educandos, a acessibi- para tal, com a colaboração do setor responsável pela edu-
lidade aos conteúdos curriculares, mediante a utilização de cação especial do respectivo sistema de ensino.
linguagens e códigos aplicáveis, como o sistema Braille e §1° As escolas de educação pro ssional podem realizar
a língua de sinais, sem prejuízo do aprendizado da língua parcerias com escolas especiais, públicas ou privadas, tanto
portuguesa, facultando-lhes e às suas famílias a opção pela para construir competências necessárias à inclusão de alu-
abordagem pedagógica que julgarem adequada, ouvidos os
nos em seus cursos quanto para prestar assistência técnica
pro ssionais especializados em cada caso.
e convalidar cursos pro ssionalizantes realizados por essas
escolas especiais.
Art. 13. Os sistemas de ensino, mediante ação integrada
§ 2° As escolas das redes de educação pro ssional po-
com os sistemas de saúde, devem organizar o atendimento
educacional especializado a alunos impossibilitados de fre- dem avaliar e certi car competências laborais de pessoas
quentar as aulas em razão de tratamento de saúde que im- com necessidades especiais não matriculadas em seus cur-
plique internação hospitalar, atendimento ambulatorial ou sos, encaminhando-as, a partir desses procedimentos, para
permanência prolongada em domicílio. o mundo do trabalho.
§1° As classes hospitalares e o atendimento em ambien-
te domiciliar devem dar continuidade ao processo de de- Art. 18. Cabe aos sistemas de ensino estabelecer nor-
senvolvimento e ao processo de aprendizagem de alunos mas para o funcionamento de suas escolas, a m de que
matriculados em escolas da Educação Básica, contribuindo essas tenham as su cientes condições para elaborar seu
para seu retorno e reintegração ao grupo escolar, e desen- projeto pedagógico e possam contar com professores ca-
volver currículo exibilizado com crianças, jovens e adultos pacitados e especializados, conforme previsto no Artigo 59
não matriculados no sistema educacional local, facilitando da LDBEN e com base nas Diretrizes Curriculares Nacionais
seu posterior acesso à escola regular. para a Formação de Docentes da Educação Infantil e dos
§ 2° Nos casos de que trata este Artigo, a certi cação de Anos Iniciais do Ensino Fundamental, em nível médio, na
frequência deve ser realizada com base no relatório elabora- modalidade Normal, e nas Diretrizes Curriculares Nacionais
do pelo professor especializado que atende o aluno. para a Formação de Professores da Educação Básica, em
nível superior, curso de licenciatura de graduação plena.
Art. 14. Os sistemas públicos de ensino serão responsá- §1º São considerados professores capacitados para
veis pela identi cação, análise, avaliação da qualidade e da atuar em classes comuns com alunos que apresentam ne-
idoneidade, bem como pelo credenciamento de escolas ou cessidades educacionais especiais aqueles que comprovem
serviços, públicos ou privados, com os quais estabelecerão que, em sua formação, de nível médio ou superior, foram
convênios ou parcerias para garantir o atendimento às ne- incluídos conteúdos sobre educação especial adequados
cessidades educacionais especiais de seus alunos, observa- ao desenvolvimento de competências e valores para:
dos os princípios da educação inclusiva. I– perceber as necessidades educacionais especiais dos
alunos e valorizar a educação inclusiva;
Art. 15. A organização e a operacionalização dos currícu-
II- exibilizar a ação pedagógica nas diferentes áreas
los escolares são de competência e responsabilidade dos es-
de conhecimento de modo adequado às necessidades es-
tabelecimentos de ensino, devendo constar de seus projetos
peciais de aprendizagem;
pedagógicos as disposições necessárias para o atendimento
às necessidades educacionais especiais de alunos, respeita- III- avaliar continuamente a e cácia do processo edu-
das, além das diretrizes curriculares nacionais de todas as cativo para o atendimento de necessidades educacionais
etapas e modalidades da Educação Básica, as normas dos especiais;
respectivos sistemas de ensino. IV - atuar em equipe, inclusive com professores espe-
cializados em educação especial.
Art. 16. É facultado às instituições de ensino, esgotadas §2º São considerados professores especializados em
as possibilidades pontuadas nos Artigos 24 e 26 da LDBEN, educação especial aqueles que desenvolveram competên-
viabilizar ao aluno com grave de ciência mental ou múltipla, cias para identi car as necessidades educacionais especiais
que não apresentar resultados de escolarização previstos no para de nir, implementar, liderar e apoiar a implementação
Inciso I do Artigo 32 da mesma Lei, terminalidade especí ca de estratégias de exibilização, adaptação curricular, pro-
do ensino fundamental, por meio da certi cação de conclu- cedimentos didáticos pedagógicos e práticas alternativas,
são de escolaridade, com histórico escolar que apresente, de adequados ao atendimentos das mesmas, bem como tra-
forma descritiva, as competências desenvolvidas pelo edu- balhar em equipe, assistindo o professor de classe comum
cando, bem como o encaminhamento devido para a educa- nas práticas que são necessárias para promover a inclusão
ção de jovens e adultos e para a educação pro ssional. dos alunos com necessidades educacionais especiais.

75
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

§ 3º Os professores especializados em educação espe- a) Em relação aos professores: boa formação pro ssional,
cial deverão comprovar: autonomia pro ssional, capacidade de assumir responsabi-
I- formação em cursos de licenciatura em educação lidade pelo êxito ou fracasso de seus alunos, condições de
especial ou em uma de suas áreas, preferencialmente de estabilidade pro ssional, formação pro ssional em serviço,
modo concomitante e associado à licenciatura para educa- disposição para aceitar inovações com base nos seus conheci-
ção infantil ou para os anos iniciais do ensino fundamental; mentos e experiências; capacidade de análise crítico-re exiva.
II- complementação de estudos ou pós-graduação em b) Quanto à estrutura organizacional: sistema de organi-
áreas especí cas da educação especial, posterior à licencia- zação e gestão, plano de trabalho com metas bem de nidas
tura nas diferentes áreas de conhecimento, para atuação e expectativas elevadas; competência especí ca e liderança
nos anos nais do ensino fundamental e no ensino médio; efetiva e reconhecida da direção e coordenação pedagógica;
§4º Aos professores que já estão exercendo o magisté- integração dos professores e articulação do trabalho conjun-
rio devem ser oferecidas oportunidades de formação con- to e participativo; clima de trabalho propício ao ensino e à
tinuada, inclusive em nível de especialização, pelas instân- aprendizagem; práticas de gestão participativa; oportunida-
cias educacionais da União, dos Estados, do Distrito Federal des de re exão conjunta e trocas de experiências entre os
e dos Municípios. professores;
c) Autonomia da escola, criação de identidade própria,
Art. 19. As diretrizes curriculares nacionais de todas as com possibilidade de projeto próprio e tomada de decisões
etapas e modalidades da Educação Básica estendem-se sobre problemas especí cos; planejamento compatível com
para a educação especial, assim como estas Diretrizes Na- as realidades locais; decisão e controle sobre uso de recursos
cionais para a Educação Especial estendem-se para todas nanceiros; planejamento participativo e gestão participativa,
as etapas e modalidades da Educação Básica. bom relacionamento entre os professores, responsabilidades
assumidas em conjunto;
Art. 20. No processo de implantação destas Diretrizes d) Prédios adequados e disponibilidade de condições
pelos sistemas de ensino, caberá às instâncias educacionais materiais, recursos didáticos, biblioteca e outros, que propi-
ciem aos alunos oportunidades concretas para aprender;
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
e) Quanto à estrutura curricular: adequada seleção e
em regime de colaboração, o estabelecimento de referen-
organização dos conteúdos; valorização das aprendizagens
ciais, normas complementares e políticas educacionais.
acadêmicas e não apenas das dimensões sociais e relacionais;
modalidades de avaliação formativa; organização do tem-
Art. 21. A implementação das presentes Diretrizes Na-
po escolar de forma a garantir o máximo de tempo para as
cionais para a Educação Especial na Educação Básica será
aprendizagens e o clima para o estudo; acompanhamento de
obrigatória a partir de 2002, sendo facultativa no período
alunos com di culdades de aprendizagem.
de transição compreendido entre a publicação desta Reso- f) Participação dos pais nas atividades da escola; inves-
lução e o dia 31 de dezembro de 2001. timento em formar uma imagem pública positiva da escola
Art. 22. Esta Resolução entra em vigor na data de sua Essas características reforçam a ideia de que a qualidade
publicação e revoga as disposições em contrário. de ensino depende de mudanças no âmbito da organização
escolar, envolvendo a estrutura física e as condições de fun-
FRANCISCO APARECIDO CORDÃO cionamento, a estrutura organizacional, a cultura organizacio-
Presidente da Câmara de Educação Básica nal, as relações entre alunos, professores, funcionários, as prá-
ticas colaborativas e participativas. É a escola como um todo
que deve responsabilizar-se pela aprendizagem dos alunos,
14. PRINCÍPIOS E PRÁTICAS especialmente em face dos problemas sociais, culturais, eco-
DE GESTÃO ESCOLAR. nômicos, enfrentados atualmente.

Ampliando o conceito de organização e de gestão de es-


colas
GESTÃO ESCOLAR PARA O SUCESSO DO ENSINO E
DA APRENDIZAGEM Para a perspectiva que compreende a escola apenas
como organização administrativa, também conhecida como
Práticas de organização e gestão e escolas bem-sucedidas perspectiva técnico-racional, a organização e gestão da escola
diz respeito, comumente, à estrutura de funcionamento, às
Pesquisas acerca dos elementos da organização escolar formas de coordenação e gestão do trabalho, ao estabele-
que interferem no sucesso escolar dos alunos mostram que o cimento de normas administrativas, ao provimento e utiliza-
modo como funciona uma escola faz diferença em relação aos ção dos recursos materiais e nanceiros, aos procedimentos
resultados escolares dos alunos. Embora as escolas não sejam administrativos, etc., que formam o conjunto de condições e
iguais, essas pesquisas indicam características organizacionais meios de garantir o funcionamento da escola. A concepção
úteis para compreensão do funcionamento das escolas, consi- técnico-racional reduz as formas de organização apenas a es-
derados os contextos e as situações escolares especí cos. Os ses aspectos, prevalecendo uma visão burocrática de organi-
aspectos a seguir aparecem em várias dessas pesquisas: zação, decisões centralizadas, baixo grau de participação, se-

76
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

paração entre o administrativo e o pedagógico. Abdalla indica A teoria da atividade, assim, possibilita compreender
os inconvenientes dessa concepção funcionalista e produtiva: a in uência das práticas socioculturais e institucionais nas
“A organização se fecha, os professores se individualizam, as aprendizagens e o papel dos indivíduos em modi car essas
interações se enfraquecem, regras são impostas, potenciali- práticas. De que práticas se trata? Elas referem-se tanto ao
za-se o campo do poder com vistas a controlar as estruturas contexto mais amplo da sociedade (o sistema econômico,
administrativas e pedagógicas”. as contradições sociais, por exemplo), quanto ao contexto
Na perspectiva da escola como organização social, para mais próximo, por exemplo, a comunidade em que está in-
além da visão “administrativa”, as organizações escolares são serida a escola, as práticas de organização e gestão, o tipo
abordadas como unidades sociais formadas de pessoas que
de relacionamento entre as pessoas da escola, as atitudes
atuam em torno de objetivos comuns, portanto, como luga-
dos professores, as rotinas cotidianas, o clima organizacio-
res de relações interpessoais. A escola é uma organização em
nal, o material didático, o espaço físico, o edifício escolar,
sentido amplo, uma “unidade social que reúne pessoas que
interagem entre si, intencionalmente, e que opera através de etc. Desse modo, as práticas sociais e culturais que ocorrem
estruturas e processos próprios, a m de alcançar os objetivos nos vários espaços da escola são, também, mediações cul-
da instituição”. turais, que atuam na aprendizagem das pessoas (professo-
Destas duas perspectivas ampliou-se a compreensão res, especialistas, funcionários, alunos).
da escola como lugar de aprendizagem, de compartilhamen- Tais práticas institucionais afetam signi cativamente o
to de saberes e experiências, ou seja, um espaço educativo signi cado e o sentido, ou seja, atuam, positivamente ou
que gera efeitos nas aprendizagens de professores e alunos. negativamente, na motivação e na aprendizagem dos alu-
As formas de organização e de gestão adquirem dois novos nos, já que, de alguma forma, eles participam nessas prá-
sentidos: a) o ambiente escolar é considerado em sua dimen- ticas.
são educativa, ou seja, as formas de organização e gestão,
o estilo das relações interpessoais, as rotinas administrativas, O ensino é, portanto, uma atividade situada, ou seja,
a organização do espaço físico, os processos de tomada de é uma prática social que se realiza num contexto de cultu-
decisões, etc., são também práticas educativas; b) as escolas ra, de relações e de conhecimento, histórica e socialmente
são tidas como instituições aprendentes, portanto, espaço de construídos. Isso signi ca que não é apenas na sala de aula
formação e aprendizagem, em que as pessoas mudam com que os alunos aprendem, eles aprendem também com os
as organizações e as organizações mudam com as pessoas.
contextos socioculturais, com as interações sociais, com as
formas de organização e de gestão, de modo que a esco-
A organização escolar como lugar de práticas educativas e
la pode ser vista como uma organização aprendente, uma
de aprendizagem
comunidade de democrática de aprendizagem. As pessoas
A escola entendida como espaço de compartilhamento – alunos, professores, funcionários - respondem, com suas
de idéias, práticas socioculturais e institucionais, valores, ati- ações, a um contexto institucional e pedagógico preparado
tudes de modos de agir, tem recebido várias denominações, para produzir mudanças qualitativas na sua personalidade
com diferentes justi cativas: comunidade de aprendizagem, e na sua aprendizagem.
comunidade de práticas, comunidade aprendente, organiza-
ções aprendentes, aprendizagem colaborativa, entre outras. A noção de cultura organizacional é útil para com-
Adotaremos aqui a noção de ensino como “atividade situada preender melhor o papel educativo das práticas de orga-
em contextos”. nização e gestão. Ela é constituída do conjunto dos signi-
Conforme a teoria histórico-cultural da atividade a ativi- cados, modos de pensar e agir, valores, comportamentos,
dade humana mediatiza a relação entre o ser humano e o modos de funcionar que revelam a identidade, os traços
meio físico e social. Esta relação é histórico-social, isto é, de- característicos, de uma instituição – escola, empresa, hos-
pende das práticas sociais anteriores, de modo que a ativida- pital, prisão, etc. - e das pessoas que nela trabalham. A
de conjunta acumulada historicamente in uencia a atividade cultura organizacional sintetiza os sentidos que as pessoas
presente das pessoas. Ao mesmo tempo, o ser humano, ao dão às coisas e situações, gerando um modo caracterís-
pôr-se em contato com o mundo dos objetos e fenômenos,
tico de pensar, de perceber coisas e de agir. Isso explica,
atua sobre essa realidade modi cando-a e transformando-se
por exemplo, a aceitação ou resistência frente a inovações,
a si mesmo. Este entendimento decorre da lei genética do de-
certos modos de tratar os alunos, as formas de enfrenta-
senvolvimento cultural, segundo a qual “todas as funções no
desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, mento de problemas de disciplina, a aceitação ou não de
no nível social e, depois, no nível individual. Primeiro, entre mudanças na rotina de trabalho, etc. Segundo o sociólogo
pessoas (interpsicológica) e, depois, no interior da criança (in- francês Forquin: “A escola é, também, um mundo social,
trapsicológica)”. Esse princípio acentua as origens sociais do que tem suas características de vida próprias, seus ritmos e
desenvolvimento mental individual, especialmente o peso seus ritos, sua linguagem, seu imaginário, seus modos pró-
atribuído às mediações culturais. Sendo assim, os contextos prios de regulação e de transgressão, seu regime próprio
socioculturais e institucionais atuam na formação do pensa- de produção e de gestão de símbolos.
mento conceitual o que, em outras palavras, signi ca dizer
que as práticas sociais em que uma pessoa está envolvida in-
uenciam o modo de pensar dessa pessoa.

77
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Essa a rmação mostra que, nas escolas, para além da- Há boas razões para crer que a instituição escolar não
quelas diretrizes, normas, procedimentos operacionais, rotinas pode prescindir de ações básicas que garantem o seu fun-
administrativas, há aspectos de natureza sociocultural que as cionamento: formular planos, estabelecer objetivos, metas
diferenciam umas das outras, a maior parte deles pouco per- e ações; estabelecer normas e rotinas em relação a recursos
ceptíveis ou explícitos, traço que em estudos sobre currículo físicos, materiais e nanceiros; ter uma estrutura de funciona-
tem sido denominado de “currículo oculto”. Essas diferenças mento e de nição clara de responsabilidades dos integrantes
aparecem nas formas de interação entre as pessoas, nas cren- da equipe escolar; exercer liderança; organizar e controlar as
ças, valores, signi cados, modos de agir, con gurando práticas atividades de apoio técnico-administrativo; cuidar das ques-
que se projetam nas normas disciplinares, na relação dos pro- tões da legislação e das diretrizes pedagógicas e curriculares;
fessores com os alunos na aula, na cantina, nos corredores, na cobrar responsabilidades das pessoas; organizar horários, ro-
preparação de alimentos e distribuição da merenda, nas for- tinas, procedimentos; estabelecer formas de relacionamento
mas de tratamento com os pais, na metodologia de aula etc. entre a escola e a comunidade, especialmente com as famílias;
efetivar ações de avaliação do currículo e dos professores; cui-
As atividades compartilhadas entre direção, professores e dar das condições do edifício escolar e de todo o espaço físico
alunos. da escola; assegurar materiais didáticos e livros na biblioteca.
Tais ações representam, sem dúvida, o primeiro conjunto
A cultura organizacional aparece sob duas formas: como de competências de diretores e coordenadores pedagógicos.
cultura instituída e como cultura instituinte. A cultura instituí- Falamos da escola como espaço de compartilhamento, lugar
da refere-se a normas legais, estrutura organizacional de nida de aprendizagem, comunidade democrática de aprendizagem,
pelos órgãos o ciais, rotinas, grade curricular, horários, normas gestão participativa, etc., mas as escolas precisam ser organi-
disciplinares etc. A cultura instituinte é aquela que os mem- zadas e geridas como garantia de efetivação dos seus objeti-
bros da escola criam, recriam, nas suas relações e na vivência vos. Uma escola democrática tem por tarefa propiciar a todos
cotidiana, podendo modi car a cultura instituída. Neste sen- os alunos, sem distinção, educação e ensino de qualidade, o
tido, as escolas são espaços de aprendizagem, comunidades que põe a exigência de justiça. Isto supõe estrutura organiza-
democráticas de aprendizagem onde se compartilham signi- cional, regras explícitas e sua aplicação igual para todos sem
cados, criam-se outros modos de agir, mudam-se práticas, privilégios ou discriminações, garantia de ambiente de estudo
recria-se a cultura vigente, aprende-se com a participação real e aprendizagem, tratamento das pessoas conforme critérios
de seus membros (Cf. Perez Gomez, 1998). As ações realizadas públicos e justi cados. Por mais que tais exigências pareçam
na escola nesta perspectiva implicam a adoção de formas de como excesso de “racionalidade”, elas se justi cam pelo fato
participação real das pessoas nas decisões em relação ao pro- de as escolas serem unidades sociais em que pessoas traba-
jeto pedagógico-curricular, ao desenvolvimento do currículo, lham juntas em agrupamentos humanos intencionalmente
às formas de avaliação e acompanhamento da aprendizagem constituídos, visando objetivos de aprendizagem. As escolas
escolar, às normas de funcionamento e convivência, etc. recebem hoje alunos de diferentes origens sociais, culturais,
familiares, portadores vivos das contradições da sociedade. É
Para uma revisão das práticas de organização e gestão das preciso que o grupo de dirigentes e professores de nam for-
escolas mas de gestão e de convivência que regulem a organização
da vida escolar e as práticas pedagógicas, precisamente para
Conclui-se que não é possível à escola atingir seus obje- conter tendências de discriminação e desigualdade social e
tivos de melhoria da aprendizagem escolar dos alunos sem assegurar a todos o usufruto da escolarização de qualidade.
formas de organização e gestão, tanto como provimento de
condições e meios para o funcionamento da escola, quanto c) A organização e a gestão implicam a gestão participativa
como práticas socioculturais e institucionais com caráter for- e a gestão da participação
mativo. Uma revisão das práticas de organização e gestão pre- A organização da escola requer atender a duas necessida-
cisa considerar cinco aspectos, que apresentamos a seguir: des: a participação na gestão, enquanto requisito democráti-
a) As práticas de organização e gestão devem estar voltadas co, e a gestão da participação, como requisito técnico. Por um
à aprendizagem dos alunos. lado, as escolas precisam cultivar os processos democráticos e
As práticas de organização e gestão, a participação dos colaborativos de trabalho, em função da convivência e da to-
professores na gestão, o trabalho colaborativo, estão a servi- mada de decisões. Por outro, precisam funcionar bem tecnica-
ço da melhoria do ensino e da aprendizagem. Mencionamos mente, a m de poder atingir e cazmente seus objetivos, o que
no início deste artigo que o que faz a diferença entre as es- implica a gestão da participação. A gestão participativa signi ca
colas é o grau em que conseguem melhorar a qualidade da alcançar de forma colaborativa e democrática os objetivos da
aprendizagem escolar dos alunos. Desse modo, uma escola escola. A participação é o principal meio de tomar decisões, de
bem organizada e gerida é aquela que cria as condições or- mobilizar as pessoas para decidir sobre os objetivos, os conteú-
ganizacionais, operacionais e pedagógico-didáticas que per- dos, as formas de organização do trabalho e o clima de traba-
mitam o bom desempenho dos professores em sala de aula, lho desejado para si próprias e para os outros. A participação se
de modo que todos os seus alunos sejam bem-sucedidos em viabiliza por interação comunicativa, diálogo, discussão pública,
suas aprendizagens. busca de consensos e de superações de con itos. Nesse senti-
b) A qualidade do ensino depende do exercício e caz da do, a melhor forma de gestão é aquela que criar um sistema de
direção e da coordenação pedagógica práticas interativas e colaborativas para troca de idéias e expe-
riências para chegar a ideias e ações comuns.

78
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Já a gestão da participação implica repensar as práticas de e) A atividade conjunta dos professores na elaboração e
gestão, seja para assegurar relações interativas, democráticas avaliação das atividades de ensino
e solidárias, seja para buscar meios mais e cazes de funciona- A modalidade mais rica e e caz de formação docente
mento da escola. A gestão da participação refere-se à coorde- continuada ocorre pela atividade conjunta dos professores na
nação, acompanhamento e avaliação do trabalho das pessoas, discussão e elaboração das atividades orientadoras de ensino.
como garantia para assegurar o sistema de relações interativas É assim porque a formação continuada passa a ser entendida
e democráticas. Para isso, faz-se necessária uma bem de nida como um modo habitual de funcionamento do cotidiano da
estrutura organizacional, responsabilidades claras e formas e - escola, um modo de ser e de existir da escola. Para Moura, o
cazes de tomada de decisões grupais. As exigências de gestão projeto pedagógico se concretiza mediante a realização de ati-
e liderança por parte de diretores e coordenadores se justi - vidades pedagógicas. Para isso, os professores realizam ações
cam cada vez mais em face de problemas que incidem no co- compartilhadas que exigem troca de signi cados, possibili-
tidiano escolar: problemas sociais e econômicos das famílias, tando ampliar o conhecimento da realidade. Desse modo, “a
problemas de disciplina manifestos em agressão verbal, uso de coletividade de formação constitui-se ao desenvolver a ação
armas, uso de drogas, ameaças a professores, violência física e pedagógica. É essa constituição da coletividade que possibilita
verbal. Os problemas se acentuam com a inexperiência ou pre- o movimento de formação do professor”.
cária formação pro ssional de muitos professores que levam a
di culdades no manejo da sala de aula, no exercício da auto- Fonte:
ridade, no diálogo com os alunos. Constatar esses problemas LIBÂNEO, José Carlos
implica que não pensemos apenas em mudanças curriculares
ou metodológicas, mas em formas de organização do traba-
lhado escolar que articulem, e cazmente, práticas participati- 15 O PROCESSO DIDÁTICO PEDAGÓGICO
vas e colaborativas com uma sólida estrutura organizacional. DE ENSINAR E APRENDER: CONCEPÇÕES E
TEORIAS DA APRENDIZAGEM
d) Projeto pedagógico-curricular bem concebido e e caz-
mente executado
O projeto pedagógico-curricular é uma declaração de in-
A aprendizagem é um processo contínuo que ocorre du-
tenções do grupo de pro ssionais da escola, é expressão da
rante toda a vida do indivíduo, desde a mais tenra infância até a
coletividade escolar. Em sua elaboração, é sumamente rele-
mais avançada velhice. Normalmente uma criança deve apren-
vante levar-se em conta a cultura da escola ou a cultura orga-
der a andar e a falar; depois a ler e escrever, aprendizagens bási-
nizacional e, também, seu papel de instituidor de outra cultura
cas para atingir a cidadania e a participação ativa na sociedade.
organizacional. Para isso, uma recomendação inicial é de que a Já os adultos precisam aprender habilidades ligadas a algum
equipe de dirigentes e professores tenha conhecimento e sen- tipo de trabalho que lhes forneça a satisfação das suas neces-
sibilidade em relação às necessidades sociais e demandas da sidades básicas, algo que lhes garanta o sustento. As pessoas
comunidade local e do próprio funcionamento da escola, de idosas embora nossa sociedade seja reticente quanto às suas
modo a ter clareza sobre as mudanças a serem esperadas nos capacidades de aprendizagem podem continuar aprendendo
alunos em relação ao seu desenvolvimento e aprendizagem. coisas complexas como um novo idioma ou ainda cursar uma
Com base nos dados da realidade, é preciso que o projeto faculdade e virem a exercer uma nova pro ssão.
pedagógico-curricular dê respostas a esta pergunta: em que O desenvolvimento geral do indivíduo será resultado de
comportamentos cognitivos, afetivos, físicos, morais, estéticos, suas potencialidades genéticas e, sobretudo, das habilidades
etc., queremos intervir, de forma a produzir mudanças qualita- aprendidas durante as várias fases da vida. A aprendizagem está
tivas no desenvolvimento e aprendizagem dos alunos? diretamente relacionada com o desenvolvimento cognitivo.
Além disso, é necessário ter clareza sobre os objetivos As passagens pelos estágios da vida são marcadas por
da escola que, em minha opinião, é o de garantir a todos os constante aprendizagem. “Vivendo e aprendendo”, diz a sa-
alunos uma base cultural e cientí ca comum e uma base co- bedoria popular. Assim, os indivíduos tendem a melhorar suas
mum de formação moral e de práticas de cidadania, baseadas realizações nas tarefas que a vida lhes impõe. A aprendizagem
em critérios de solidariedade e justiça, na alteridade, na des- permite ao sujeito compreender melhor as coisas que estão à
coberta e respeito pelo outro, no aprender a viver junto. Isto sua volta, seus companheiros, a natureza e a si mesmo, capaci-
signi ca: uma escolarização igual, para sujeitos diferentes, por tando-o a ajustar-se ao seu ambiente físico e social.
meio de um currículo comum a todos, na formulação de Gi- A teoria da instrução de Jerome Bruner (1991), um autên-
meno Sacristán (1999). A partir de uma base comum de cultura tico representante da abordagem cognitiva, traz contribuições
geral para todos, o currículo para sujeitos diferentes signi ca signi cativas ao processo ensino-aprendizagem, principal-
acolher a diversidade e a experiência particular dos diferentes mente à aprendizagem desenvolvida nas escolas. Sendo uma
grupos de alunos, propiciando na escola e nas salas de aula, teoria cognitiva, apresenta a preocupação com os processos
um espaço de diálogo e comunicação. Um dos mais relevan- centrais do pensamento, como organização do conhecimento,
tes objetivos democráticos no ensino será fazer da escola um processamento de informação, raciocínio e tomada de deci-
lugar em que todos os alunos e alunas possam experimentar são. Considera a aprendizagem como um processo interno,
sua própria forma de realização e sucesso. Para tudo isso, são mediado cognitivamente, mais do que como um produto dire-
necessárias formas de execução, gestão e avaliação do projeto to do ambiente, de fatores externos ao aprendiz. Apresenta-se
pedagógico-curricular. como o principal defensor do método de aprendizagem por
descoberta (insight).

79
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

A teoria de Bruner apresenta muitos pontos semelhantes A psicologia cognitiva preocupa responder estas questões
às teorias de Gestalt e de Piaget. Bruner considera a existência estudando o dinamismo da consciência. A aprendizagem é,
de estágios durante o desenvolvimento cognitivo e propõe ex- portanto, a mudança que se preocupa com o eu interior ao
plicações similares às de Piaget, quanto ao processo de apren- passar de um estado inicial a um estado nal. Implica normal-
dizagem. Atribui importância ao modo como o material a ser mente uma interação do indivíduo com o meio, captando e
aprendido é disposto, assim como Gestalt, valorizando o con- processando os estímulos selecionados.
ceito de estrutura e arranjos de ideias. “Aproveitar o potencial O ato de ensinar envolve sempre uma compreensão bem
que o indivíduo traz e valorizar a curiosidade natural da criança mais abrangente do que o espaço restrito do professor na sala
são princípios que devem ser observados pelo educador”. de aula ou às atividades desenvolvidas pelos alunos. Tanto o
A escola não deve perder de vista que a aprendizagem professor quanto o aluno e a escola encontram-se em contex-
de um novo conceito envolve a interação com o já aprendido. tos mais globais que interferem no processo educativo e pre-
Portanto, as experiências e vivências que o aluno traz consigo cisam ser levados em consideração na elaboração e execução
favorecem novas aprendizagens. Bruner chama a atenção para do ensino.
o fato de que as matérias ou disciplinas tais como estão or- Ensinar algo a alguém requer, sempre, duas coisas: uma vi-
ganizadas nos currículos, constituem-se muitas vezes divisões são de mundo (incluídos aqui os conteúdos da aprendizagem)
arti ciais do saber. Por isso, várias disciplinas possuem princí- e planejamento das ações (entendido como um processo de
pios comuns sem que os alunos – e algumas vezes os próprios racionalização do ensino). A prática de planejamento do ensi-
professores – analisem tal fato, tornando o ensino uma repeti- no tem sido questionada quanto a sua validade como instru-
ção sem sentido, em que apenas respondem a comandos ar- mento de melhoria qualitativa no processo de ensino como o
bitrários, Bruner propõe o ensino pela descoberta. O método trabalho do professor:
da descoberta não só ensina a criança a resolver problemas da [...] a vivência do cotidiano escolar nos tem evidenciado
vida prática, como também garante a ela uma compreensão situações bastante questionáveis neste sentido. Percebe-se, de
da estrutura fundamental do conhecimento, possibilitando as- início, que os objetivos educacionais propostos nos currículos
sim economia no uso da memória, e a transferência da apren- dos cursos apresentam confusos e desvinculados da realida-
dizagem no sentido mais amplo e total. de social. Os conteúdos a serem trabalhados, por sua vez, são
Segundo Bock (2001), a preocupação de Bruner é que a de nidos de forma autoritária, pois os professores, via regra,
criança aprenda a aprender corretamente, ainda que “corre- não participam dessa tarefa. Nessas condições, tendem a mos-
tamente” assuma, na prática, sentidos diferentes para as dife- trar-se sem elos signi cativos com as experiências de vida dos
rentes faixas etárias. Para que se garanta uma aprendizagem alunos, seus interesses e necessidades.
correta, o ensino deverá assegurar a aquisição e permanência De modo geral, no meio escolar, quando se faz referência
do aprendido (memorização), de forma a facilitar a aprendi- a planejamento do ensino – aprendizagem, este se reduz ao
zagem subsequente (transferência). Este é um método não processo através do qual são de nidos os objetivos, o con-
estruturado, portanto o professor deve estar preparado para teúdo programático, os procedimentos de ensino, os recursos
lidar com perguntas e situações diversas. O professor deve didáticos, a sistemática de avaliação da aprendizagem, bem
conhecer a fundo os conteúdos a serem tratados. Deve es- como a bibliogra a básica a ser consultada no decorrer de um
tar apto a conhecer respostas corretas e reconhecer quando curso, série ou disciplina de estudo. Com efeito, este é o pa-
e porque as respostas alternativas estão erradas. Também ne- drão de planejamento adotado pela maioria dos professores e
cessita saber esperar que os alunos cheguem à descoberta, que passou a ser valorizado apenas em sua dimensão técnica.
sem apressa-los, mas garantindo a execução de um programa Em nosso entendimento a escola faz parte de um contex-
mínimo. Deve também ter cuidado para não promover um cli- to que engloba a sociedade, sua organização, sua estrutura,
ma competitivo que gere, ansiedade e impeça alguns alunos sua cultura e sua história. Desse modo, qualquer projeto de
de aprender. ensino – aprendizagem está ligado a este contexto e ao modo
O modelo de ensino e aprendizagem de David P. Ausu- de cultura que orienta um modelo de homem e de mulher
bel (1980) caracteriza-se como um modelo cognitivo que que pretendemos formar, para responder aos desa os desta
apresenta peculiaridades bastante interessantes para os pro- sociedade. Por esta razão, pensamos que é de fundamental
fessores, pois centraliza-se, primordialmente, no processo de importância que os professores saibam que tipo de ser huma-
aprendizagem tal como ocorre em sala de aula. Para Ausubel, no pretendem formar para esta sociedade, pois disto depende,
aprendizagem signi ca organização e integração do material em grande parte, as escolhas que fazemos pelos conteúdos
aprendido na estrutura cognitiva, estrutura esta na qual essa que ensinamos, pela metodologia que optamos e pelas ati-
organização e integração se processam. tudes que assumimos diante dos alunos. De certo modo esta
Psicólogos e educadores têm demonstrado uma cres- visão limitada ou potencializada o processo ensino-aprendi-
cente preocupação com o modo como o indivíduo aprende zagem não depende das políticas públicas em curso, mas do
e, desde Piaget, questões do tipo: “Como surge o conhecer projeto de formação cultural que possui o corpo docente e seu
no ser humano? Como o ser humano aprende? O conheci- compromisso com objeto de estudo.
mento na escola é diferente do conhecimento da vida diária? Como o ato pedagógico de ensino-aprendizagem consti-
O que é mais fácil esquecer?” atravessaram as investigações tui-se, ao longo prazo, num projeto de formação humana, pro-
cientí cas. Assim, deve interessar à escola saber como crian- pomos que esta formação seja orientada por um processo de
ça, adolescentes e adultos elaboram seu conhecer, haja vista autonomia que ocorra pela produção autônoma do conheci-
que a aquisição do conhecimento é a questão fundamental da mento, como forma de promover a democratização dos sabe-
educação formal. res e como modo de elaborar a crítica da realidade existente.

80
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Isto quer dizer que só há crítica se houver produção au- Referência:


tônoma do conhecimento elaborado através de uma prática MOTA, M. S. G.; PEREIRA, F. E. L. Desenvolvimento e Apren-
efetiva da pesquisa. Entendemos que é pela prática da pesquisa dizagem: Processo de construção do conhecimento e desen-
que exercitamos a re exão sobre a realidade como forma de volvimento mental do indivíduo. Disponível em: http://portal.
sistematizar metodologicamente nosso olhar sobre o mundo mec.gov.br/setec/arquivos/pdf3/tcc_desenvolvimento.pdf
para podermos agir sobre os problemas. Isto quer dizer que
não pesquisamos por pesquisar e nem re etimos por re etir.
Tanto a re exão quanto à pesquisa são meios pelos quais po- 16. AS FASES DO DESENVOLVIMENTO
demos agir como sujeitos transformadores da realidade social. COGNITIVO E A ORGANIZAÇÃO DOS
Isto indica que nosso trabalho, como professores, é o de ensinar PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM.
a aprender para que o conhecimento construído pela aprendi-
zagem seja um poderoso instrumento de combate às formas
de injustiças que se reproduzem no interior da sociedade.
Piaget (1969), foi quem mais contribuiu para compreen- O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
dermos melhor o processo em que se vivencia a construção
do conhecimento no indivíduo. Investigar como ocorre o desenvolvimento cognitivo das
Apresentamos as ideias básicas de Piaget sobre o desen- crianças é o objetivo de pesquisadores e estudiosos da psique
volvimento mental e sobre o processo de construção do co- e da educação, como Piaget, Wallon, Freinet e Vygotsky, Bock,
nhecimento, que são adaptação, assimilação e acomodação. dentre outros. Segundo Bock “O desenvolvimento humano re-
Piaget diz que o indivíduo está constantemente interagin- fere-se ao desenvolvimento mental e ao crescimento orgânico”.
do com o meio ambiente. Dessa interação resulta uma mu- Conforme se veri cou, é fato que há uma relação intrínse-
dança contínua, que chamamos de adaptação. Com sentido ca entre a inteligência e a afetividade, promovendo o desen-
análogo ao da Biologia, emprega a palavra adaptação para volvimento cognitivo da criança. Mas como ocorre este desen-
designar o processo que ocasiona uma mudança contínua no volvimento? Qual a sua importância para o desenvolvimento
da criança? Quais os fatores responsáveis por este processo?
indivíduo, decorrente de sua constante interação com o meio.
Existem três importantes teorias que explicam como ocorre
Esse ciclo adaptativo é constituído por dois subprocessos:
este desenvolvimento. São o inatismo, o empirismo e intera-
assimilação e acomodação. A assimilação está relacionada à
cionismo.
apropriação de conhecimentos e habilidade. O processo de
Rogers defende a teoria inatista. De acordo com esta teo-
assimilação é um dos conceitos fundamentais da teoria da
ria, a criança já nasce com o conhecimento pré-formado, assim
instrução e do ensino. Permite-nos entender que o ato de
as forças externas não teria nenhuma in uência sobre o seu
aprender é um ato de conhecimento pelo qual assimilamos
desenvolvimento. Ele explica:
mentalmente os fatos, fenômenos e relações do mundo, da A psicoterapia não se substitui às motivações para esse
natureza e da sociedade, através do estudo das matérias de desenvolvimento ou crescimento pessoal. Este parece ser ine-
ensino. Nesse sentido, podemos dizer que a aprendizagem é rente ao organismo, tal como encontramos uma tendência
uma relação cognitiva entre o sujeito e os objetos de conhe- semelhante no animal humano para se desenvolver e atingir a
cimento. maturidade sicamente, processo em que se exigem um míni-
A acomodação é que ajuda na reorganização e na modi- mo de condições favoráveis.
cação dos esquemas assimilatórios anteriores do indivíduo Já na teoria empirista, acredita-se que a criança adquire e
para ajustá-los a cada nova experiência, acomodando-as às constrói o cognitivo a partir de experiências sensoriais. Dessa
estruturas mentais já existentes. Portanto, a adaptação é o forma, a mente da criança é considerada vazia e ela se coloca na
equilíbrio entre assimilação e acomodação, e acarreta uma posição passiva, recebendo o conhecimento transmitido pelo
mudança no indivíduo. professor. Esta teoria é defendida por Watson: Nós podemos
A inteligência desempenha uma função adaptativa, pois observar o comportamento – o que o organismo diz ou faz.
é através dela que o indivíduo coleta as informações do meio E vamos deixar claro de uma vez que falar é fazer – isto
e as reorganiza, de forma a compreender melhor a realida- é, comportamento. Falar abertamente ou para nós mesmos
de em que vive, nela agi, transformando. Para Piaget (1969), a (pensar) é um tipo de comportamento tão objetivo como o
inteligência é adaptação na sua forma mais elevada, isto é, o baseball. [...]qualquer objeto no ambiente geral ou qualquer
desenvolvimento mental, em sua organização progressiva, é mudanças no organismo devido a condições siológicas [...]
uma forma de adaptação sempre mais precisa à realidade. É qualquer coisa que o indivíduo faz.
preciso ter sempre em mente que Piaget usa a palavra adap- Da teoria empirista deriva o Behaviorismo. Também de-
tação no sentido em que é usado pela Biologia, ou seja, uma fendido por Watson. Para Del Ré o Behaviorismo é baseado
modi cação que ocorre no indivíduo em decorrência de sua numa proposta empirista cujo conhecimento humano se de-
interação com o meio. riva da experiência, das “associações entre estímulos ou entre
Portanto, é no processo de construção do conhecimento estímulos e respostas”.
e na aquisição de saberes que devemos fazer com que o aluno Há também a teoria que a rma ser a relação entre o su-
seja motivado a desenvolver sua aprendizagem e ao mesmo jeito e o objeto a responsável por desenvolver a inteligência e
tempo superar as di culdades que sentem em assimilar o co- aprendizagem da criança. Esta teoria é a interacionista defen-
nhecimento adquirido. dida por Jean Piaget e por Levi Vygotsky.

81
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

O interacionismo é o fundamento da corrente teórica de- Compreender o desenvolvimento da criança, quais são as
nominada construtivista que explica como a inteligência hu- fases deste desenvolvimento e o que ocorre em cada uma de-
mana se desenvolve a partir do estudo de Piaget. Ele defende las, é importante para o educador e para os pais, no sentido de
a corrente construtivista. veri car se a criança está atingindo o desenvolvimento neces-
Para Célia: O construtivismo é um grande paradigma teó- sário para a sua faixa etária. Também é importante para dirigir
rico que concebe o desenvolvimento assentado em quatro o planejamento curricular e estimular a criança conforme a
grandes princípios: é interacionista, ou seja, nos remete para o etapa em que se encontra, para assim alcançar a etapa seguin-
fato de que o conhecimento é construído em interação – com te. Para Wallon, o estudo da criança contextualizada permite
o mundo dos objetos, dos fenômenos e com os outros seres que se perceba as peculiaridades das interações entre o sujeito
humanos – opondo-se assim às concepções behavioristas e e o objeto, e dessa forma, compreender que se desenvolvem a
inatistas; é genético, o que quer dizer que há uma gênese e partir do contexto cultural na qual estão inseridas.
um desenvolvimento em todos os processos da construção; é Segundo Wallon há que se observar também a qualidade
dialético, o que supõe um movimento e um dinamismo con- do estímulo e do ambiente em que esta criança irá se desen-
tínuo da criança com o mundo que a cerca e é estruturalista, volver. Pois cada uma está inserida em uma realidade e cultura
pois se apoia em estruturas e formas de organização da ati- diferente, cada uma recebe estímulos diferentes e isso faz com
vidade mental que vão se diferenciando e se integrando às que nem todas atinjam determinada tarefa própria do desen-
estruturas anteriores no decorrer do desenvolvimento. volvimento e da faixa etária em que se encontra.
Dentre as três teorias citadas acima, este trabalho se atem Piaget, assim como Wallon, defende estes fatores orgâni-
à teoria interacionista, por acreditar serem as relações entre cos e do meio social em que estão inseridas as crianças. São fa-
os indivíduos e os objetos as responsáveis por desenvolver os tores indissociados que in uenciam o desenvolvimento huma-
aspectos cognitivos, sociais, físicos e emocionais das crianças. no: Hereditariedade: a carga genética estabelece o potencial
Além da afetividade, nota-se que o meio em que a criança do indivíduo, que pode ou não desenvolver-se. A inteligência
está inserida também faz parte do processo de desenvolvi- pode desenvolver-se de acordo com as condições do meio em
mento, por serem estas estruturas externas (pessoas, ambien- que se encontra.
tes, objetos) os agentes que o propiciarão. O desenvolvimento, Pikunas explica que a hereditariedade é fator importan-
segundo Piaget, Wallon e Vygotsky, se dá por etapas, nas quais te, pois continuam a predispor e a estimular os indivíduos por
vão se aprimorando gradativamente. Para Wallon as crianças toda a vida. “A hereditariedade é um processo, do decurso de
se desenvolvem sob etapas claramente diferenciadas que obe- cujo desenvolvimento emergem os traços genéticos”.
decem uma ordem necessária com dinâmica de determina- Para Pikunas as características do meio em que a criança
ções recíprocas, a partir da cultura e do contexto no qual estão está inserida in uenciam o seu desenvolvimento. Sendo as-
inseridas, retirando deste contexto os recursos para o seu de- sim, a rma que a criança carece de um ambiente e estímulos
senvolvimento que vão se transformando juntamente com a favoráveis.
criança. Assim, “o desenvolvimento tem uma dinâmica e um Segundo Galvão além da inegável relação entre o meio
ritmo próprios, resultantes da atuação de princípios funcionais e o desenvolvimento da criança, ele nota que “o desenvolvi-
que agem como uma espécie de leis constantes”. mento tem uma dinâmica e um ritmo próprios, resultantes da
Estudos sobre o desenvolvimento da criança permitem atuação de princípios funcionais que agem como uma espécie
compreender as principais etapas e fases em que as crianças de leis constantes”, portanto o meio por si só, não imprime a
passam nos anos iniciais de sua vida, os de maior importância totalidade da personalidade da criança, mas é fator relevante
para o indivíduo, pois nestes anos é que se concretizam traços neste processo.
da personalidade, nestes primeiros anos é que cam marca- Segundo Piaget, para este desenvolvimento há que se ob-
das as experiências em todos os aspectos. Segundo Wallon servarem os seguintes aspectos:
“[...]sobretudo no que tange à exigência de a escola encarar • Aspecto físico- motor - refere-se ao crescimento orgâni-
a criança como ser total, concreto e ativo e de manter-se em co, à maturação neuro siológica;
contato com o meio social”. O desenvolvimento humano con- • Aspecto intelectual – é a capacidade de pensamento, ra-
siste no desenvolvimento mental e orgânico. É importante ciocínio;
que as etapas deste desenvolvimento sejam conhecidas pelos •Aspecto afetivo-emocional – é o modo particular de o
educadores e pelos pais, pois assim é possível conhecer as ca- indivíduo integrar as suas experiências. A sexualidade faz parte
racterísticas de cada faixa etária e compreender o processo de desse aspecto;
aprendizagem. • Aspecto social - é a maneira como o indivíduo reage
De acordo com Dante (1996) “Ao contrário do que muitos diante das situações que envolvem outras pessoas.
pensam a criança não é um adulto em miniatura. É um ser
em formação.” A escola, considerada continuidade da família, Piaget (1982) observou e descreveu as etapas do desen-
é uma instituição social que tem por objetivo propiciar o de- volvimento da criança e sua relação com o mundo que a cerca,
senvolvimento físico, social e cognitivo das crianças. Dessa for- dividindo-o em fases distintas a saber: período sensório motor,
ma, os integrantes desta instituição, assim como os pais destes que se estende do nascimento até os dois anos de idade, em
alunos, precisam estar cientes de como educar, precisam es- que, percebe-se a ausência de função semiótica, incorporando
tar ciente de quem são as crianças, como são, como pensam, as percepções e as ações voltadas para satisfazer seus desejos
como aprendem. imediatos siológicos e alimentares.

82
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Já no período simbólico, dos dois aos quatro anos, agora Sobre estas técnicas, Wallon (1975) estudou e determinou
voltados para a sua realidade de vida, em que tudo a sua volta um conceito denominado Zona de Desenvolvimento Proximal,
lhe pertence. A criança, nesta etapa, já constrói e imagina utili- no qual explica que a criança, por ser um ser afetivo e desen-
zando-se da linguagem e simbolismo para formatar o que lhe volver-se com o auxílio de um adulto, aprende e acordo com o
interessa e interagir com a sociedade. O período intuitivo, dos estímulo oferecido. Este estudo permite ao educador entender
quatro aos sete anos, caracteriza-se pela não aceitação dos fa- como o aluno aprende e também ajuda a avaliar o grau de
tos que lhe são apresentados (Papai Noel, Cegonha) e começa desenvolvimento.
o tempo da argumentação, dúvidas e questionamentos. É dos A partir da compreensão do processo de desenvolvimen-
sete aos onze anos, a fase de xação da personalidade. to infantil, é possível entender o fundamento da educação.
O período operatório concreto proporciona à criança o Compreender que a escola é o ambiente ideal para propiciar
direito de escolha de seu lugar no contexto social pois já tem este desenvolvimento é o fundamento para compreender que
noção de formalizar sua opinião pela avaliação das proporções a creche e a pré-escola têm sua função educativa e não são
podendo tomar decisões. Por m, dos onze anos em diante, apenas espaços para “deixar” as crianças. As creches e pré-es-
chamado período operatório abstrato, a ora a inteligência na colas são locais próprios para estimular a inteligência através
sua forma hipotético-dedutivo, na qual já totalmente incluído de experiências sociais, físicas, emocionais e cognitivas. Por-
em um grupo social se auto a rma pela possibilidade de pro- tanto, defender a permanecia das crianças na Educação Infan-
jetar, deduzir, alterar e constituir sua visão de futuro. til é defender o futuro de uma nação mais consciente, mais
Já para Wallon a sequência de estágios proposta é a se- cidadã e melhor desenvolvida social, cultural e cognitivamente.
guinte:
• Impulso emocional (0 a 1 ano) Fonte:
• Sensório Motor e Projetivo (1 a 3 anos) SANT’ANNA, G. M.
• Personalismo (3 a 6 anos)
• Categorial (6 a 11 anos)
• Puberdade e adolescência (11 anos em diante)
17. ORGANIZAÇÃO CURRICULAR:
Wallon descreve os períodos de desenvolvimento da
criança. O primeiro ano de vida, marcado pela predominân- ESCOLA ORGANIZADA POR CICLOS DE
cia do afeto e da emoção, é chamado de estágio impulsivo FORMAÇÃO HUMANA.
emocional. Já até os três anos, é denominado de estágio sen-
sório-motor, por enfatizar a exploração sensório-motora, além
de ser a fase do desenvolvimento da função simbólica e da O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO
linguagem, predominando a inteligência prática e simbólica.
Na faixa dos três aos seis anos, o estágio do personalismo, Investigar como ocorre o desenvolvimento cognitivo das
através da socialização se consolidam relações e interesse das crianças é o objetivo de pesquisadores e estudiosos da psique
crianças por pessoas. Progride nesta fase também, o intelecto e da educação, como Piaget, Wallon, Freinet e Vygotsky, Bock,
e o interesse por coisas, pelo conhecimento e conquista do dentre outros. Segundo Bock “O desenvolvimento humano re-
mundo exterior. fere-se ao desenvolvimento mental e ao crescimento orgânico”.
A partir destes conhecimentos é que os professores pla- Conforme se veri cou, é fato que há uma relação intrínse-
nejarão atividades adequadas ao desenvolvimento de cada ca entre a inteligência e a afetividade, promovendo o desen-
estágio. volvimento cognitivo da criança. Mas como ocorre este desen-
É importante perceber como ocorre o desenvolvimento volvimento? Qual a sua importância para o desenvolvimento
da criança, porém ainda mais importante é ter a consciência de da criança? Quais os fatores responsáveis por este processo?
que a aquisição da inteligência, as estruturas cognitivas, o de- Existem três importantes teorias que explicam como ocorre
senvolvimento físico, social e psíquico ocorrem na primeira in- este desenvolvimento. São o inatismo, o empirismo e intera-
fância. Por isso, a educação infantil é uma fase importante, Este cionismo.
é o momento crucial para aprender como fazer, para prender a Rogers defende a teoria inatista. De acordo com esta teo-
se socializar e aprender o gosto de aprender. ria, a criança já nasce com o conhecimento pré-formado, assim
Segundo Wallon “o desenvolvimento infantil é um proces- as forças externas não teria nenhuma in uência sobre o seu
so pontuado por con itos”. Con itos de origem exógena e en- desenvolvimento. Ele explica:
dógena. Os con itos de origem exógenos são aqueles que as A psicoterapia não se substitui às motivações para esse
crianças mantêm com os adultos e a cultura e contexto na qual desenvolvimento ou crescimento pessoal. Este parece ser ine-
estão inseridas. E os de natureza endógena estão relacionados rente ao organismo, tal como encontramos uma tendência
com efeitos da maturação nervosa. Estes con itos acabam por semelhante no animal humano para se desenvolver e atingir a
provocar desordem nas formas de conduta já estabelecidas na maturidade sicamente, processo em que se exigem um míni-
relação com o meio. mo de condições favoráveis.
A função da educação seria a de atenuar estes con itos e Já na teoria empirista, acredita-se que a criança adquire e
guiar a criança, auxiliá-la na descoberta dos conceitos e expe- constrói o cognitivo a partir de experiências sensoriais. Dessa
riências que permeiam o mundo que esta prestes a descobrir. forma, a mente da criança é considerada vazia e ela se coloca na
O educador é o agente educativo que proporcionará o desen- posição passiva, recebendo o conhecimento transmitido pelo
volvimento a partir de seus conhecimentos acerca do desen- professor. Esta teoria é defendida por Watson: Nós podemos
volvimento da criança e de técnicas educacionais pertinentes. observar o comportamento – o que o organismo diz ou faz.

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POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

E vamos deixar claro de uma vez que falar é fazer – isto siste no desenvolvimento mental e orgânico. É importante
é, comportamento. Falar abertamente ou para nós mesmos que as etapas deste desenvolvimento sejam conhecidas pelos
(pensar) é um tipo de comportamento tão objetivo como o educadores e pelos pais, pois assim é possível conhecer as ca-
baseball. [...]qualquer objeto no ambiente geral ou qualquer racterísticas de cada faixa etária e compreender o processo de
mudanças no organismo devido a condições siológicas [...] aprendizagem.
qualquer coisa que o indivíduo faz. De acordo com Dante (1996) “Ao contrário do que muitos
Da teoria empirista deriva o Behaviorismo. Também de- pensam a criança não é um adulto em miniatura. É um ser
fendido por Watson. Para Del Ré o Behaviorismo é baseado em formação.” A escola, considerada continuidade da família,
numa proposta empirista cujo conhecimento humano se de- é uma instituição social que tem por objetivo propiciar o de-
riva da experiência, das “associações entre estímulos ou entre senvolvimento físico, social e cognitivo das crianças. Dessa for-
estímulos e respostas”. ma, os integrantes desta instituição, assim como os pais destes
Há também a teoria que a rma ser a relação entre o su- alunos, precisam estar cientes de como educar, precisam es-
jeito e o objeto a responsável por desenvolver a inteligência e tar ciente de quem são as crianças, como são, como pensam,
aprendizagem da criança. Esta teoria é a interacionista defen- como aprendem.
dida por Jean Piaget e por Levi Vygotsky.
O interacionismo é o fundamento da corrente teórica de- Compreender o desenvolvimento da criança, quais são as
nominada construtivista que explica como a inteligência hu- fases deste desenvolvimento e o que ocorre em cada uma de-
mana se desenvolve a partir do estudo de Piaget. Ele defende las, é importante para o educador e para os pais, no sentido de
a corrente construtivista. veri car se a criança está atingindo o desenvolvimento neces-
sário para a sua faixa etária. Também é importante para dirigir
Para Célia: O construtivismo é um grande paradigma teó- o planejamento curricular e estimular a criança conforme a
rico que concebe o desenvolvimento assentado em quatro etapa em que se encontra, para assim alcançar a etapa seguin-
grandes princípios: é interacionista, ou seja, nos remete para o te. Para Wallon, o estudo da criança contextualizada permite
fato de que o conhecimento é construído em interação – com que se perceba as peculiaridades das interações entre o sujeito
o mundo dos objetos, dos fenômenos e com os outros seres e o objeto, e dessa forma, compreender que se desenvolvem a
humanos – opondo-se assim às concepções behavioristas e partir do contexto cultural na qual estão inseridas.
inatistas; é genético, o que quer dizer que há uma gênese e Segundo Wallon há que se observar também a qualidade
um desenvolvimento em todos os processos da construção; é do estímulo e do ambiente em que esta criança irá se desen-
dialético, o que supõe um movimento e um dinamismo con- volver. Pois cada uma está inserida em uma realidade e cultura
tínuo da criança com o mundo que a cerca e é estruturalista, diferente, cada uma recebe estímulos diferentes e isso faz com
pois se apoia em estruturas e formas de organização da ati- que nem todas atinjam determinada tarefa própria do desen-
vidade mental que vão se diferenciando e se integrando às volvimento e da faixa etária em que se encontra.
estruturas anteriores no decorrer do desenvolvimento. Piaget, assim como Wallon, defende estes fatores orgâni-
Dentre as três teorias citadas acima, este trabalho se atem cos e do meio social em que estão inseridas as crianças. São fa-
à teoria interacionista, por acreditar serem as relações entre tores indissociados que in uenciam o desenvolvimento huma-
os indivíduos e os objetos as responsáveis por desenvolver os no: Hereditariedade: a carga genética estabelece o potencial
aspectos cognitivos, sociais, físicos e emocionais das crianças. do indivíduo, que pode ou não desenvolver-se. A inteligência
Além da afetividade, nota-se que o meio em que a criança pode desenvolver-se de acordo com as condições do meio em
está inserida também faz parte do processo de desenvolvi- que se encontra.
mento, por serem estas estruturas externas (pessoas, ambien- Pikunas explica que a hereditariedade é fator importan-
tes, objetos) os agentes que o propiciarão. O desenvolvimento, te, pois continuam a predispor e a estimular os indivíduos por
segundo Piaget, Wallon e Vygotsky, se dá por etapas, nas quais toda a vida. “A hereditariedade é um processo, do decurso de
vão se aprimorando gradativamente. Para Wallon as crianças cujo desenvolvimento emergem os traços genéticos”.
se desenvolvem sob etapas claramente diferenciadas que obe- Para Pikunas as características do meio em que a criança
decem uma ordem necessária com dinâmica de determina- está inserida in uenciam o seu desenvolvimento. Sendo as-
ções recíprocas, a partir da cultura e do contexto no qual estão sim, a rma que a criança carece de um ambiente e estímulos
inseridas, retirando deste contexto os recursos para o seu de- favoráveis.
senvolvimento que vão se transformando juntamente com a Segundo Galvão além da inegável relação entre o meio
criança. Assim, “o desenvolvimento tem uma dinâmica e um e o desenvolvimento da criança, ele nota que “o desenvolvi-
ritmo próprios, resultantes da atuação de princípios funcionais mento tem uma dinâmica e um ritmo próprios, resultantes da
que agem como uma espécie de leis constantes”. atuação de princípios funcionais que agem como uma espécie
Estudos sobre o desenvolvimento da criança permitem de leis constantes”, portanto o meio por si só, não imprime a
compreender as principais etapas e fases em que as crianças totalidade da personalidade da criança, mas é fator relevante
passam nos anos iniciais de sua vida, os de maior importância neste processo.
para o indivíduo, pois nestes anos é que se concretizam traços Segundo Piaget, para este desenvolvimento há que se ob-
da personalidade, nestes primeiros anos é que cam marca- servarem os seguintes aspectos:
das as experiências em todos os aspectos. Segundo Wallon • Aspecto físico- motor - refere-se ao crescimento orgâni-
“[...]sobretudo no que tange à exigência de a escola encarar co, à maturação neuro siológica;
a criança como ser total, concreto e ativo e de manter-se em • Aspecto intelectual – é a capacidade de pensamento, ra-
contato com o meio social”. O desenvolvimento humano con- ciocínio;

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POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

•Aspecto afetivo-emocional – é o modo particular de o Segundo Wallon “o desenvolvimento infantil é um proces-


indivíduo integrar as suas experiências. A sexualidade faz parte so pontuado por con itos”. Con itos de origem exógena e en-
desse aspecto; dógena. Os con itos de origem exógenos são aqueles que as
• Aspecto social - é a maneira como o indivíduo reage crianças mantêm com os adultos e a cultura e contexto na qual
diante das situações que envolvem outras pessoas. estão inseridas. E os de natureza endógena estão relacionados
com efeitos da maturação nervosa. Estes con itos acabam por
Piaget (1982) observou e descreveu as etapas do desen- provocar desordem nas formas de conduta já estabelecidas na
volvimento da criança e sua relação com o mundo que a cerca, relação com o meio.
dividindo-o em fases distintas a saber: período sensório motor, A função da educação seria a de atenuar estes con itos e
que se estende do nascimento até os dois anos de idade, em guiar a criança, auxiliá-la na descoberta dos conceitos e expe-
que, percebe-se a ausência de função semiótica, incorporando riências que permeiam o mundo que esta prestes a descobrir.
as percepções e as ações voltadas para satisfazer seus desejos O educador é o agente educativo que proporcionará o desen-
imediatos siológicos e alimentares. volvimento a partir de seus conhecimentos acerca do desen-
Já no período simbólico, dos dois aos quatro anos, agora volvimento da criança e de técnicas educacionais pertinentes.
voltados para a sua realidade de vida, em que tudo a sua volta Sobre estas técnicas, Wallon (1975) estudou e determinou
lhe pertence. A criança, nesta etapa, já constrói e imagina utili- um conceito denominado Zona de Desenvolvimento Proximal,
zando-se da linguagem e simbolismo para formatar o que lhe no qual explica que a criança, por ser um ser afetivo e desen-
interessa e interagir com a sociedade. O período intuitivo, dos volver-se com o auxílio de um adulto, aprende e acordo com o
quatro aos sete anos, caracteriza-se pela não aceitação dos fa- estímulo oferecido. Este estudo permite ao educador entender
tos que lhe são apresentados (Papai Noel, Cegonha) e começa como o aluno aprende e também ajuda a avaliar o grau de
o tempo da argumentação, dúvidas e questionamentos. É dos desenvolvimento.
sete aos onze anos, a fase de xação da personalidade. A partir da compreensão do processo de desenvolvimen-
O período operatório concreto proporciona à criança o to infantil, é possível entender o fundamento da educação.
direito de escolha de seu lugar no contexto social pois já tem Compreender que a escola é o ambiente ideal para propiciar
noção de formalizar sua opinião pela avaliação das proporções este desenvolvimento é o fundamento para compreender que
podendo tomar decisões. Por m, dos onze anos em diante, a creche e a pré-escola têm sua função educativa e não são
chamado período operatório abstrato, a ora a inteligência na apenas espaços para “deixar” as crianças. As creches e pré-es-
sua forma hipotético-dedutivo, na qual já totalmente incluído colas são locais próprios para estimular a inteligência através
em um grupo social se auto a rma pela possibilidade de pro- de experiências sociais, físicas, emocionais e cognitivas. Por-
jetar, deduzir, alterar e constituir sua visão de futuro. tanto, defender a permanecia das crianças na Educação Infan-
Já para Wallon a sequência de estágios proposta é a se- til é defender o futuro de uma nação mais consciente, mais
guinte: cidadã e melhor desenvolvida social, cultural e cognitivamente.
• Impulso emocional (0 a 1 ano)
• Sensório Motor e Projetivo (1 a 3 anos) Fonte:
• Personalismo (3 a 6 anos) SANT’ANNA, G. M.
• Categorial (6 a 11 anos)
• Puberdade e adolescência (11 anos em diante)
Wallon descreve os períodos de desenvolvimento da 18. ORGANIZAÇÃO CURRICULAR POR ÁREAS
criança. O primeiro ano de vida, marcado pela predominân- DE CONHECIMENTO
cia do afeto e da emoção, é chamado de estágio impulsivo
emocional. Já até os três anos, é denominado de estágio sen-
sório-motor, por enfatizar a exploração sensório-motora, além Formas para a organização curricular
de ser a fase do desenvolvimento da função simbólica e da
linguagem, predominando a inteligência prática e simbólica. Retoma-se aqui o entendimento de que currículo é o con-
Na faixa dos três aos seis anos, o estágio do personalismo, junto de valores e práticas que proporcionam a produção e
através da socialização se consolidam relações e interesse das a socialização de signi cados no espaço social e que contri-
crianças por pessoas. Progride nesta fase também, o intelecto buem, intensamente, para a construção de identidades sociais
e o interesse por coisas, pelo conhecimento e conquista do e culturais dos estudantes. E reitera-se que deve difundir os
mundo exterior. valores fundamentais do interesse social, dos direitos e deve-
A partir destes conhecimentos é que os professores pla- res dos cidadãos, do respeito ao bem comum e à ordem de-
nejarão atividades adequadas ao desenvolvimento de cada mocrática, bem como considerar as condições de escolaridade
estágio. dos estudantes em cada estabelecimento, a orientação para
É importante perceber como ocorre o desenvolvimento o trabalho, a promoção de práticas educativas formais e não-
da criança, porém ainda mais importante é ter a consciência de formais.
que a aquisição da inteligência, as estruturas cognitivas, o de- Na Educação Básica, a organização do tempo curricular
senvolvimento físico, social e psíquico ocorrem na primeira in- deve ser construída em função das peculiaridades de seu meio
fância. Por isso, a educação infantil é uma fase importante, Este e das características próprias dos seus estudantes, não se res-
é o momento crucial para aprender como fazer, para prender a tringindo às aulas das várias disciplinas. O percurso formativo
se socializar e aprender o gosto de aprender. deve, nesse sentido, ser aberto e contextualizado, incluindo
não só os componentes curriculares centrais obrigatórios, pre-

85
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

vistos na legislação e nas normas educacionais, mas, também, A transdisciplinaridade refere-se ao conhecimento próprio
conforme cada projeto escolar estabelecer, outros componen- da disciplina, mas está para além dela. O conhecimento situa-
tes exíveis e variáveis que possibilitem percursos formativos se na disciplina, nas diferentes disciplinas e além delas, tanto
que atendam aos inúmeros interesses, necessidades e caracte- no espaço quanto no tempo. Busca a unidade do conhecimen-
rísticas dos educandos. to na relação entre a parte e o todo, entre o todo e a parte.
Quanto à concepção e à organização do espaço curricular Adota atitude de abertura sobre as culturas do presente e do
e físico, se imbricam e se alargam, por incluir no desenvolvi- passado, uma assimilação da cultura e da arte. O desenvol-
mento curricular ambientes físicos, didático-pedagógicos e vimento da capacidade de articular diferentes referências de
equipamentos que não se reduzem às salas de aula, incluin- dimensões da pessoa humana, de seus direitos, e do mundo
do outros espaços da escola e de outras instituições escolares, é fundamento básico da transdisciplinaridade. De acordo com
bem como os socioculturais e esportivo-recreativos do entor- Nicolescu (p. 15), para os adeptos da transdisciplinaridade, o
no, da cidade e mesmo da região. pensamento clássico é o seu campo de aplicação, por isso é
Essa ampliação e diversi cação dos tempos e espaços cur- complementar à pesquisa pluri e interdisciplinar. A interdis-
riculares pressupõe pro ssionais da educação dispostos a re- ciplinaridade pressupõe a transferência de métodos de uma
inventar e construir essa escola, numa responsabilidade com- disciplina para outra.
partilhada com as demais autoridades encarregadas da gestão Ultrapassa-as, mas sua nalidade inscreve-se no estudo
dos órgãos do poder público, na busca de parcerias possíveis disciplinar. Pela abordagem interdisciplinar ocorre a transver-
e necessárias, até porque educar é responsabilidade da família, salidade do conhecimento constitutivo de diferentes discipli-
do Estado e da sociedade. nas, por meio da ação didáticopedagógica mediada pela pe-
A escola precisa acolher diferentes saberes, diferentes dagogia dos projetos temáticos. Estes facilitam a organização
manifestações culturais e diferentes óticas, empenhar-se para coletiva e cooperativa do trabalho pedagógico, embora sejam
se constituir, ao mesmo tempo, em um espaço de heteroge- ainda recursos que vêm sendo utilizados de modo restrito e,
neidade e pluralidade, situada na diversidade em movimento, às vezes, equivocados. A interdisciplinaridade é, portanto, en-
no processo tornado possível por meio de relações intersub- tendida aqui como abordagem teóricometodológica em que
jetivas, fundamentada no princípio emancipador. Cabe, nes- a ênfase incide sobre o trabalho de integração das diferentes
se sentido, às escolas desempenhar o papel socioeducativo, áreas do conhecimento, um real trabalho de cooperação e tro-
artístico, cultural, ambiental, fundamentadas no pressuposto ca, aberto ao diálogo e ao planejamento (Nogueira, 2001, p.
do respeito e da valorização das diferenças, entre outras, de 27). Essa orientação deve ser enriquecida, por meio de pro-
condição física, sensorial e socioemocional, origem, etnia, gê- posta temática trabalhada transversalmente ou em redes de
nero, classe social, contexto sociocultural, que dão sentido às conhecimento e de aprendizagem, e se expressa por meio de
ações educativas, enriquecendo-as, visando à superação das uma atitude que pressupõe planejamento sistemático e inte-
desigualdades de natureza sociocultural e socioeconômica. grado e disposição para o diálogo.
Contemplar essas dimensões signi ca a revisão dos ritos A transversalidade é entendida como uma forma de or-
escolares e o alargamento do papel da instituição escolar e dos ganizar o trabalho didáticopedagógico em que temas, eixos
educadores, adotando medidas proativas e ações preventivas. temáticos são integrados às disciplinas, às áreas ditas conven-
Na organização e gestão do currículo, as abordagens cionais de forma a estarem presentes em todas elas. A trans-
disciplinares, pluridisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar versalidade difere-se da interdisciplinaridade e complemen-
requerem a atenção criteriosa da instituição escolar, porque tam-se; ambas rejeitam a concepção de conhecimento que
revelam a visão de mundo que orienta as práticas pedagó- toma a realidade como algo estável, pronto e acabado. A pri-
gicas dos educadores e organizam o trabalho do estudante. meira se refere à dimensão didáticopedagógica e a segunda,
Perpassam todos os aspectos da organização escolar, desde à abordagem epistemológica dos objetos de conhecimento. A
o planejamento do trabalho pedagógico, a gestão adminis- transversalidade orienta para a necessidade de se instituir, na
trativo-acadêmica, até a organização do tempo e do espaço prática educativa, uma analogia entre aprender conhecimen-
físico e a seleção, disposição e utilização dos equipamentos tos teoricamente sistematizados (aprender sobre a realidade) e
e mobiliário da instituição, ou seja, todo o conjunto das ativi- as questões da vida real (aprender na realidade e da realidade).
dades que se realizam no espaço escolar, em seus diferentes Dentro de uma compreensão interdisciplinar do conhecimen-
âmbitos. As abordagens multidisciplinar, pluridisciplinar e in- to, a transversalidade tem signi cado, sendo uma proposta
terdisciplinar fundamentam-se nas mesmas bases, que são as didática que possibilita o tratamento dos conhecimentos es-
disciplinas, ou seja, o recorte do conhecimento. colares de forma integrada. Assim, nessa abordagem, a gestão
Para Basarab Nicolescu (2000, p. 17), em seu artigo “Um do conhecimento parte do pressuposto de que os sujeitos são
novo tipo de conhecimento: transdisciplinaridade”, a discipli- agentes da arte de problematizar e interrogar, e buscam pro-
naridade, a pluridisciplinaridade, a transdisciplinaridade e a in- cedimentos interdisciplinares capazes de acender a chama do
terdisciplinaridade são as quatro echas de um único e mesmo diálogo entre diferentes sujeitos, ciências, saberes e temas.
arco: o do conhecimento. A prática interdisciplinar é, portanto, uma abordagem que
Enquanto a multidisciplinaridade expressa frações do facilita o exercício da transversalidade, constituindo-se em ca-
conhecimento e o hierarquiza, a pluridisciplinaridade estuda minhos facilitadores da integração do processo formativo dos
um objeto de uma disciplina pelo ângulo de várias outras ao estudantes, pois ainda permite a sua participação na escolha
mesmo tempo. Segundo Nicolescu, a pesquisa pluridisciplinar dos temas prioritários. Desse ponto de vista, a interdisciplina-
traz algo a mais a uma disciplina, mas restringe-se a ela, está ridade e o exercício da transversalidade ou do trabalho peda-
a serviço dela. gógico centrado em eixos temáticos, organizados em redes

86
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

de conhecimento, contribuem para que a escola dê conta de se admite equivalência de sentido, menos ainda como dese-
tornar os seus sujeitos conscientes de seus direitos e deveres e nho simbólico ou instrumental da matriz curricular com o mes-
da possibilidade de se tornarem aptos a aprender a criar novos mo formato e emprego atribuído historicamente à grade cur-
direitos, coletivamente. De qualquer forma, esse percurso é ricular. A matriz curricular deve, portanto, ser entendida como
promovido a partir da seleção de temas entre eles o tema dos algo que funciona assegurando movimento, dinamismo, vida
direitos humanos, recomendados para serem abordados ao curricular e educacional na sua multidimensionalidade, de tal
longo do desenvolvimento de componentes curriculares com modo que os diferentes campos do conhecimento possam se
os quais guardam intensa ou relativa relação temática, em fun- coadunar com o conjunto de atividades educativas e instigar,
ção de prescrição de nida pelos órgãos do sistema educativo estimular o despertar de necessidades e desejos nos sujeitos
ou pela comunidade educacional, respeitadas as característi- que dão vida à escola como um todo. A matriz curricular cons-
cas próprias da etapa da Educação Básica que a justi ca. titui-se no espaço em que se delimita o conhecimento e repre-
Conceber a gestão do conhecimento escolar enriqueci- senta, além de alternativa operacional que subsidia a gestão
da pela adoção de temas a serem tratados sob a perspectiva de determinado currículo escolar, subsídio para a gestão da
transversal exige da comunidade educativa clareza quanto aos escola (organização do tempo e espaço curricular; distribuição
princípios e às nalidades da educação, além de conhecimen- e controle da carga horária docente) e primeiro passo para a
to da realidade contextual, em que as escolas, representadas conquista de outra forma de gestão do conhecimento pelos
por todos os seus sujeitos e a sociedade, se acham inseridas. sujeitos que dão vida ao cotidiano escolar, traduzida como
Para isso, o planejamento das ações pedagógicas pactuadas gestão centrada na abordagem interdisciplinar. Neste sentido,
de modo sistemático e integrado é pré-requisito indispensá- a matriz curricular deve se organizar por “eixos temáticos”, de-
vel à organicidade, sequencialidade e articulação do conjunto nidos pela unidade escolar ou pelo sistema educativo.
das aprendizagens perspectivadas, o que requer a participação Para a de nição de eixos temáticos norteadores da or-
de todos. Parte-se, pois, do pressuposto de que, para ser tra- ganização e desenvolvimento curricular, parte-se do entendi-
tada transversalmente, a temática atravessa, estabelece elos, mento de que o programa de estudo aglutina investigações e
enriquece, complementa temas e/ou atividades tratadas por pesquisas sob diferentes enfoques. O eixo temático organiza
disciplinas, eixos ou áreas do conhecimento. a estrutura do trabalho pedagógico, limita a dispersão temá-
Nessa perspectiva, cada sistema pode conferir à comuni- tica e fornece o cenário no qual são construídos os objetos de
dade escolar autonomia para seleção dos temas e delimitação estudo. O trabalho com eixos temáticos permite a concretiza-
dos espaços curriculares a eles destinados, bem como a forma ção da proposta de trabalho pedagógico centrada na visão
de tratamento que será conferido à transversalidade. Para que interdisciplinar, pois facilita a organização dos assuntos, de
sejam implantadas com sucesso, é fundamental que as ações forma ampla e abrangente, a problematização e o encadea-
interdisciplinares sejam previstas no projeto político-pedagó- mento lógico dos conteúdos e a abordagem selecionada para
gico, mediante pacto estabelecido entre os pro ssionais da a análise e/ou descrição dos temas. O recurso dos eixos temá-
educação, responsabilizando-se pela concepção e implanta- ticos propicia o trabalho em equipe, além de contribuir para a
ção do projeto interdisciplinar na escola, planejando, avaliando superação do isolamento das pessoas e de conteúdos xos.
as etapas programadas e replanejando-as, ou seja, reorientan- Os professores com os estudantes têm liberdade de escolher
do o trabalho de todos, em estreito laço com as famílias, a temas, assuntos que desejam estudar, contextualizando-os em
comunidade, os órgãos responsáveis pela observância do dis- interface com outros.
posto em lei, principalmente, no ECA. Incide sobre a aprendizagem, subsidiada pela consciência
Com a implantação e implementação da LDB, a expressão de que o processo de comunicação entre estudantes e profes-
“matriz” foi adotada formalmente pelos diferentes sistemas sores é efetivado por meio de práticas e recursos tradicionais
educativos, mas ainda não conseguiu provocar ampla e apro- e por práticas de aprendizagem desenvolvidas em ambiente
fundada discussão pela comunidade educacional. O que se virtual. Pressupõe compreender que se trata de aprender em
pode constatar é que a matriz foi entendida e assumida carre- rede e não de ensinar na rede, exigindo que o ambiente de
gando as mesmas características da “grade” burocraticamente aprendizagem seja dinamizado e compartilhado por todos os
estabelecida. Em sua história, esta recebeu conceitos a partir sujeitos do processo educativo. Esses são procedimentos que
dos quais não se pode considerar que matriz e grade sejam não se confundem.
sinônimas. Mas o que é matriz? E como deve ser entendida a Por isso, as redes de aprendizagem constituem-se em
expressão “curricular”, se forem consideradas as orientações ferramenta didáticopedagógica relevante também nos pro-
para a educação nacional, pelos atos legais e normas vigentes? gramas de formação inicial e continuada de pro ssionais da
Se o termo matriz for concebido tendo como referência o educação.
discurso das ciências econômicas, pode ser apreendida como Esta opção requer planejamento sistemático integrado,
correlata de grade. Se for considerada a partir de sua origem estabelecido entre sistemas educativos docentes como in-
etimológica, será entendida como útero (lugar onde o feto de fraestrutura favorável, prática por projetos, respeito ao tempo
desenvolve), ou seja, lugar onde algo é concebido, gerado e/ escolar, avaliação planejada, per l do professor, per l e papel
ou criado (como a pepita vinda da matriz) ou, segundo Antô- da direção escolar, formação do corpo docente, valorização da
nio Houaiss (2001, p. 1870), aquilo que é fonte ou origem, ou leitura, atenção individual ao estudante, atividades comple-
ainda, segundo o mesmo autor, a casa paterna ou materna, mentares e parcerias.
espaço de referência dos lhos, mesmo após casados. Admi- Mas inclui outros aspectos como interação com as famílias
tindo a acepção de matriz como lugar onde algo é concebido, e a comunidade, valorização docente e outras medidas, entre
gerado ou criado ou como aquilo que é fonte ou origem, não as quais a instituição de plano de carreira, cargos e salários.

87
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

As experiências em andamento têm revelado êxitos e de- constituintes do Ensino Fundamental e do Médio, indepen-
sa os vividos pelas redes na busca da qualidade da educação. dentemente do ciclo da vida no qual os sujeitos tenham aces-
Os desa os centram-se, predominantemente, nos obstáculos so à escola. É organizada em temas gerais, em forma de áreas
para a gestão participativa, a quali cação dos funcionários, a do conhecimento, disciplinas, eixos temáticos, selecionados
integração entre instituições escolares de diferentes sistemas pelos sistemas educativos e pela unidade escolar, colegiada-
educativos (estadual e municipal, por exemplo) e a inclusão de mente, para serem desenvolvidos de forma transversal. A base
estudantes com de ciência. São ressaltados, como pontos po- nacional comum e a parte diversi cada não podem se consti-
sitivos, o intercâmbio de informações; a agilidade dos uxos; tuir em dois blocos distintos, com disciplinas especí cas para
os recursos que alimentam relações e aprendizagens coletivas, cada uma dessas partes.
orientadas por um propósito comum: a garantia do direito de A compreensão sobre base nacional comum, nas suas re-
aprender. lações com a parte diversi cada, foi objeto de vários pareceres
Entre as vantagens, podem ser destacadas aquelas que emitidos pelo CNE, cuja síntese se encontra no Parecer CNE/
se referem à multiplicação de aulas de transmissão em tempo CEB nº 14/2000, da lavra da conselheira Edla de Araújo Lira
real por meio de tele aulas, com elevado grau de qualidade e Soares. Após retomar o texto dos artigos 26 e 27 da LDB, a
amplas possibilidades de acesso, em telessalas ou em qual- conselheira assim se pronuncia:
quer outro lugar, previamente preparado, para acesso pelos (…) a base nacional comum interage com a parte diversi -
sujeitos da aprendizagem; aulas simultâneas para várias salas cada, no âmago do processo de constituição de conhecimen-
(e várias unidades escolares) com um professor principal e pro- tos e valores das crianças, jovens e adultos, evidenciando a im-
fessores assistentes locais, combinadas com atividades on-line portância da participação de todos os segmentos da escola no
em plataformas digitais; aulas gravadas e acessadas a qualquer processo de elaboração da proposta da instituição que deve
tempo e de qualquer lugar por meio da internet ou da TV di- nos termos da lei, utilizar a parte diversi cada para enriquecer
gital, tratando de conteúdo, compreensão e avaliação dessa e complementar a base nacional comum.
compreensão; e oferta de esclarecimentos de dúvidas em de- (…) tanto a base nacional comum quanto a parte diver-
terminados momentos do processo didáticopedagógico. si cada são fundamentais para que o currículo faça sentido
Formação básica comum e parte diversi cada como um todo.
Cabe aos órgãos normativos dos sistemas de ensino ex-
A LDB de niu princípios e objetivos curriculares gerais pedir orientações quanto aos estudos e às atividades corres-
para o Ensino Fundamental e Médio, sob os aspectos: pondentes à parte diversi cada do Ensino Fundamental e do
I – duração: anos, dias letivos e carga horária mínimos; Médio, de acordo com a legislação vigente. Segundo a LDB,
II – uma base nacional comum; os currículos do ensino médio incluirão, obrigatoriamente, o
III – uma parte diversi cada. estudo da língua inglesa e poderão ofertar outras línguas es-
Entende-se por base nacional comum, na Educação Bá- trangeiras, em caráter optativo, preferencialmente o espanhol,
sica, os conhecimentos, saberes e valores produzidos cultu- de acordo com a disponibilidade de oferta, locais e horários
ralmente, expressos nas políticas públicas e que são gerados de nidos pelos sistemas de ensino.
nas instituições produtoras do conhecimento cientí co e tec- Correspondendo à base nacional comum, ao longo do
nológico; no mundo do trabalho; no desenvolvimento das lin- processo básico de escolarização, a criança, o adolescente, o
guagens; nas atividades desportivas e corporais; na produção jovem e o adulto devem ter oportunidade de desenvolver, no
artística; nas formas diversas e exercício da cidadania; nos mo- mínimo, habilidades segundo as especi cidades de cada eta-
vimentos sociais, de nidos no texto dessa Lei, artigos 26 e 33 , pa do desenvolvimento humano, privilegiando- se os aspectos
que assim se traduzem: intelectuais, afetivos, sociais e políticos que se desenvolvem de
I – na Língua Portuguesa; forma entrelaçada, na unidade do processo didático.
II – na Matemática; Organicamente articuladas, a base comum nacional e a
III – no conhecimento do mundo físico, natural, da reali- parte diversi cada são organizadas e geridas de tal modo que
dade social e política, especialmente do Brasil, incluindo-se o também as tecnologias de informação e comunicação perpas-
estudo da História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, sem transversalmente a proposta curricular desde a Educação
IV – na Arte em suas diferentes formas de expressão, in- Infantil até o Ensino Médio, imprimindo direção aos projetos
cluindo-se a música; político-pedagógicos. Ambas possuem como referência geral
V – na Educação Física; o compromisso com saberes de dimensão planetária para que,
VI – no Ensino Religioso. ao cuidar e educar, seja possível à escola conseguir:
Tais componentes curriculares são organizados pelos sis- I – ampliar a compreensão sobre as relações entre o indi-
temas educativos, em forma de áreas de conhecimento, dis- víduo, o trabalho, a sociedade e a espécie humana, seus limi-
ciplinas, eixos temáticos, preservando-se a especi cidade dos tes e suas potencialidades, em outras palavras, sua identidade
diferentes campos do conhecimento, por meio dos quais se terrena;
desenvolvem as habilidades indispensáveis ao exercício da ci- II – adotar estratégias para que seja possível, ao longo da
dadania, em ritmo compatível com as etapas do desenvolvi- Educação Básica, desenvolver o letramento emocional, social e
mento integral do cidadão. ecológico; o conhecimento cientí co pertinente aos diferentes
A parte diversi cada enriquece e complementa a base na- tempos, espaços e sentidos; a compreensão do signi cado das
cional comum, prevendo o estudo das características regionais ciências, das letras, das artes, do esporte e do lazer;
e locais da sociedade, da cultura, da economia e da comuni- III – ensinar a compreender o que é ciência, qual a sua
dade escolar. Perpassa todos os tempos e espaços curriculares história e a quem ela se destina;

88
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

IV – viver situações práticas a partir das quais seja possível séries, seja em curso de tempo regular, seja em curso na mo-
perceber que não há uma única visão de mundo, portanto, um dalidade de Educação de Jovens e Adultos, tendo em vista o
fenômeno, um problema, uma experiência podem ser descri- direito à frequência a uma escola que lhes dê uma formação
tos e analisados segundo diferentes perspectivas e correntes adequada ao desenvolvimento de sua cidadania;
de pensamento, que variam no tempo, no espaço, na inten- VIII – da oferta de atendimento educacional especializa-
cionalidade; do, complementar ou suplementar à formação dos estudantes
V – compreender os efeitos da “infoera”, sabendo que público-alvo da Educação Especial, previsto no projeto político
estes atuam, cada vez mais, na vida das crianças, dos adoles- -pedagógico da escola.
centes e adultos, para que se reconheçam, de um lado, os es- A organização curricular assim concebida supõe outra
tudantes, de outro, os pro ssionais da educação e a família, forma de trabalho na escola, que consiste na seleção adequa-
mas reconhecendo que os recursos midiáticos devem permear da de conteúdos e atividades de aprendizagem, de métodos,
todas as atividades de aprendizagem. procedimentos, técnicas e recursos didático-pedagógicos. A
Na organização da matriz curricular, serão observados os perspectiva da articulação interdisciplinar é voltada para o de-
critérios: senvolvimento não apenas de conhecimentos, mas também
I – de organização e programação de todos os tempos de habilidades, valores e práticas.
(carga horária) e espaços curriculares (componentes), em for-
ma de eixos, módulos ou projetos, tanto no que se refere à Considera, ainda, que o avanço da qualidade na educa-
base nacional comum, quanto à parte diversi cada, sendo que ção brasileira depende, fundamentalmente, do compromisso
a de nição de tais eixos, módulos ou projetos deve resultar de político, dos gestores educacionais das diferentes instâncias
amplo e verticalizado debate entre os atores sociais atuantes da educação, do respeito às diversidades dos estudantes, da
nas diferentes instâncias educativas; competência dos professores e demais pro ssionais da edu-
cação, da garantia da autonomia responsável das instituições
II – de duração mínima anual de 200 (duzentos) dias leti- escolares na formulação de seu projeto político-pedagógico
vos, com o total de, no mínimo, 800 (oitocentas) horas, reco- que contemple uma proposta consistente da organização do
mendada a sua ampliação, na perspectiva do tempo integral, trabalho.
sabendo-se que as atividades escolares devem ser programa-
das articulada e integradamente, a partir da base nacional co- Fonte: BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais Da Educa-
mum enriquecida e complementada pela parte diversi cada, ção Básica, 2013.
ambas formando um todo;
III – da interdisciplinaridade e da contextualização, que
devem ser constantes em todo o currículo, propiciando a in-
terlocução entre os diferentes campos do conhecimento e a 19. METODOLOGIA DO TRABALHO
transversalidade do conhecimento de diferentes disciplinas, PEDAGÓGICO ATRAVÉS
bem como o estudo e o desenvolvimento de projetos referi- DE PROJETOS TEMÁTICOS.
dos a temas concretos da realidade dos estudantes;
IV – da destinação de, pelo menos, 20% do total da carga
horária anual ao conjunto de programas e projetos interdisci-
Segundo Fêo1, antigamente, quando o jovem ia à escola,
plinares eletivos criados pela escola, previstos no projeto pe-
via um quadro negro e um giz na mão de um professor que
dagógico, de modo que os sujeitos do Ensino Fundamental e
a tudo comandava. Hoje, ele vê um quadro branco, um pincel
Médio possam escolher aqueles com que se identi quem e
colorido e quase o mesmo professor, exceto pelo fato dele já
que lhes permitam melhor lidar com o conhecimento e a ex-
não saber tanta coisa. Muitas escolas e professores ainda insis-
periência. Tais programas e projetos devem ser desenvolvidos
tem em realizar a prática de ensino do mesmo jeito que antes,
de modo dinâmico, criativo e exível, em articulação com a
mudou-se a forma, mas a essência continua a mesma.
comunidade em que a escola esteja inserida;
O objetivo de antes era transmitir conteúdos e o objetivo
V – da abordagem interdisciplinar na organização e ges-
de hoje deveria ser propor tarefas aos alunos que os tornem
tão do currículo, viabilizada pelo trabalho desenvolvido cole-
capazes de identi car, avaliar, reconhecer e questionar para
tivamente, planejado previamente, de modo integrado e pac-
que eles possam ser cidadãos deste novo mundo, (Perrenoud,
tuado com a comunidade educativa;
2000). O MEC sinaliza para a necessidade de se promover for-
VI – de adoção, nos cursos noturnos do Ensino Funda-
mas de aprendizagem que desenvolvam no aluno sua criativi-
mental e do Médio, da metodologia didáticopedagógica per-
dade, análise crítica, atitudes e valores orientados para a cida-
tinente às características dos sujeitos das aprendizagens, na
dania, atentas às dimensões éticas e humanísticas e que su-
maioria trabalhadores, e, se necessário, sendo alterada a du-
pere o conteudismo do ensino reduzido à condição de meros
ração do curso, tendo como referência o mínimo correspon-
instrumentos de transmissão de conhecimento e informações.
dente à base nacional comum, de modo que tais cursos não
Então, faz-se necessário repensar os objetivos da educação
quem prejudicados;
de modo a permitir que o aluno compreenda o mundo, que
VII – do entendimento de que, na proposta curricular, as
características dos jovens e adultos trabalhadores das turmas
1 FÊO, E. A. A prática pedagógica por meio do desenvolvimento de
do período noturno devem ser consideradas como subsídios projetos. Disponível em: http://www.drb-assessoria.com.br/1.Apraticapedag
importantes para garantir o acesso ao Ensino Fundamental ogicapormeiododesenvolvimentodeprojetos.pdf
e ao Ensino Médio, a permanência e o sucesso nas últimas

89
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

dele se aproprie e que o possa transformar. Sugere Castilho tos esportivos, concurso, etc.); Um conjunto de tarefas
(2001) que o método de ensino é a variável que mais pesa nas quais todos os alunos possam participar e tenham
nos resultados do desempenho do aluno. Almeida (1999) uma função ativa, a qual poderá variar em função de
argumenta que a forma de conceber a educação envolven- seus recursos e interesses; Um aprendizado de saberes e
do o aluno, promovendo sua autonomia e garantindo uma conhecimentos no âmbito da gestão de projetos (decidir,
aprendizagem signi cativa deveria ser por meio do desen- planejar, coordenar, etc.); Um aprendizado identi cável e
volvimento de projetos. À medida que suas competências que conste do programa de uma ou mais disciplinas; Uma
são desenvolvidas, suas possibilidades de inclusão na so- atividade emblemática e regular, colocada a serviço do
ciedade da informação são ampliadas. programa.
No entanto, o processo de implantação dessa prática em
A Pedagogia de projetos estabelecimentos que há muito tempo se limita ao ensino tra-
dicional não é uma tarefa fácil. Para sua utilização, a Pedago-
Na visão de Perrenoud (1999) a escola deveria estar
gia do Projeto exige o desenvolvimento de competências do
se contagiando com a noção de competência utilizada no
professor e que ele deseje as mudanças, mas isto não basta.
mundo do trabalho e das empresas. É pensamento comum,
De acordo com Piconez (1998) de nada adiantam modi ca-
entre os autores pesquisados, que para isso ocorrer é ne- ções no planejamento do professor se a escola não possuir
cessária a superação da visão fragmentada do conheci- um projeto políticopedagógico que esboce o cidadão que se
mento fornecida pela escola através das disciplinas. Fazen- pretende ajudar constituir pela educação escolar.
da (2001) enfatiza que a escola, na medida que organiza Contudo, com este trabalho procurou-se esclarecer a
os currículos em disciplinas tradicionais, fornece ao aluno prática do projeto e sua contribuição para a construção da
apenas um acúmulo de informações que de pouco ou nada aprendizagem signi cativa, alertando para alguns princípios
valerão na sua vida pro ssional, principalmente por que o que não devem ser esquecidos como: a autonomia do aluno,
ritmo das mudanças tecnológicas não tem contrapartida a avaliação constante e o necessário treinamento do professor.
com a velocidade que a escola pode se adequar. Entretanto, destacou-se que o professor não está prepa-
Para Almeida, (1999), a utilização do projeto seria uma rado e está pouco à vontade com os jovens e as suas realida-
forma de envolver o aluno em interações com recursos tec- des por isso deverá re etir com seus pares como promover a
nológicos e sociais a m de desenvolver sua autonomia e melhoria de sua pro ssão. A prática de projetos pode envolver
de construir conhecimentos de distintas áreas do saber, por os alunos em um trabalho de equipe, no qual o aprendizado
meio da busca de informações signi cativas para a com- acontece no fazer, no pesquisar, no levantar e organizar infor-
preensão, apresentação e resolução de uma situação-pro- mações. Nesse modelo, o professor exerce o papel de tutor, de
organizador, aquele que reconhece e orienta adequadamente
blema.
as competências dos diferentes alunos.
Nogueira (2001) esclarece que a totalidade das pesqui-
sas a respeito do ensino-aprendizagem está sempre volta-
Referências:
da ao aluno como centro do problema de aprendizagem, Almeida, M. E. B. de. Projeto: uma nova cultura de apren-
todavia se podem localizar problemas também no sistema dizagem. PUC/SP, jul.1999.2f.(apostila mimeo). Antunes, C. Um
e no professor. Este autor a rma que em suas pesquisas método para o ensino fundamental: o projeto. 3.ed. Petrópolis:
constatou que as práticas nas quais se realizam experen- Vozes, 2001. 44p. Castilho, S. As competências essenciais. Jor-
ciação, pesquisa de campo, construção de maquetes, re- nal Público, Lisboa, p.3, 20 out. 2001.
presentações, dramatizações, etc. provaram ser e ciente Fazenda, I. C. A. (Coord.) Práticas interdisciplinares na es-
tanto em termos de resultados de aprendizado como em cola. 8. Ed. São Paulo: Cortez, 2001. 147 p. Hernandez, F. Trans-
motivação dos alunos. Assim, também se espera do tra- gressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Por-
balho com projetos. Segundo Antunes (2001) é possível to Alegre: ArtMed, 1998,
viabilizar com intensidade invulgar o uso das múltiplas 150 p. Nogueira, N. R. Pedagogia dos Projetos: uma jor-
inteligências e, por consequência, os alunos, conhecendo nada interdisciplinar rumo ao desenvolvimento das múltiplas
melhor suas aptidões, podem se expressar através delas. inteligências. São Paulo: Érica, 2001. 220 p.
Em resumo, a nalidade dos projetos é favorecer o ensino Perrenoud, P. Construir as competências desde a esco-
para a compreensão e compreender é ser capaz de ir além la. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1999. 90p.
da informação dada, é também de acordo com Perkins e ________ Pedagogia diferenciada: das intenções à ação.
Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2000. 183 p. _________ A
Blythe (1994) apud Hernandez (1998), “ ... a capacidade
pedagogia do projeto a serviço do desenvolvimento de
de investigar um tema mediante estratégias como expli-
competências. In: 3º SEMINÁRIO INTERNACIONAL DE
car, encontrar evidências e exemplos, generalizar, aplicar,
EDUCAÇÃO. São Paulo: 2003. 40 p.
estabelecer analogias, e representar um tema por meio Piconez, S.C.B. A pedagogia de projeto como alternativa
de uma nova forma”. Perrenoud (2003) de ne a Pedago- para o ensino-aprendizagem na educação de jovens e adul-
gia de Projeto como: - Uma empreitada coletiva gerada tos. Cadernos Pedagógicos-Re exões. São Paulo: USP/FE/NEA,
pelo grupo-classe, na qual o professor coordena, mas n.16, 1998, 12 p.
não decide tudo; Uma orientação para uma produção
concreta (textos, jornais, espetáculos, exposições, ma-
quetes, experiências cientí cas, festas, passeios, even-

90
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Projetos de Trabalho Em se tratando dos conteúdos, a pedagogia de projetos


é vista pelo seu caráter de potencializar a interdisciplinaridade.
Para Moura2, os Projetos de Trabalho traduzem, portanto, Isto de fato pode ocorrer, pois o trabalho com projetos permite
uma visão diferente do que seja conhecimento e currículo e romper com as fronteiras disciplinares, favorecendo o estabe-
representam uma outra maneira de organizar o trabalho na lecimento de elos entre as diferentes áreas de conhecimento
escola. Caracterizam-se pela forma de abordar um determina- numa situação contextualizada da aprendizagem.
do tema ou conhecimento, permitindo uma aproximação da A Pedagogia de Projetos é um meio de trabalho perti-
identidade e das experiências dos alunos, e um vínculo dos nente ao processo de ensino-aprendizagem que se insere na
conteúdos escolares entre si e com os conhecimentos e sabe- Educação promovendo-a de maneira signi cativa e comparti-
res produzidos no contexto social e cultural, assim como com lhada, auxiliando na formação integral dos indivíduos permea-
problemas que dele emergem. Dessa forma, eles ultrapassam do pelas diversas oportunidades de aprendizagem conceitual,
os limites das áreas e conteúdos curriculares tradicionalmente atitudinal, procedimental para os mesmos. Os projetos de tra-
trabalhados pela escola, uma vez que implicam o desenvolvi- balho não se inserem apenas numa proposta de renovação
mento de atividades práticas, de estratégias de pesquisa, de de atividades, tornando-as criativas, e sim numa mudança de
busca e uso de diferentes fontes de informação, de sua orde- postura que exige o repensar da prática pedagógica, quebran-
nação, análise, interpretação e representação. Implicam igual- do paradigmas já estabelecidos.
mente atividades individuais, de grupos/quipes e de turma(s), Possibilita que os alunos, ao decidirem, opinarem, deba-
da escola, tendo em vista os diferentes conteúdos trabalhados terem, construam sua autonomia e seu compromisso com o
(atitudinais, procedimentos, conceituais), as necessidades e in- social, formando-se como sujeitos culturais e cidadãos.
teresses dos alunos. Será necessário oportunizar situações em que os alunos
Ao estudá-los, as crianças e os jovens realizam contato participem cada vez mais intensamente na resolução das ati-
com o conhecimento não como algo pronto e acabado, mas vidades e no processo de elaboração pessoal, em vez de se
como algo controverso. Um dos aspectos mais importantes, limitar a copiar e reproduzir automaticamente as instruções ou
no trabalho como Projetos, é que ele permite que o aluno de- explicações dos professores. Por isso, hoje o aluno é convidado
senvolva uma atitude ativa e re exiva diante de suas apren- a buscar, descobrir, construir, criticar, comparar, dialogar, ana-
dizagens e do conhecimento, na medida em que percebe o lisar, vivenciar o próprio processo de construção do conheci-
sentido e o signi cado do conhecimento para a sua vida, para mento. (ZABALLA, 1998)
a sua compreensão do mundo. O fato de a pedagogia de projetos não ser um método
para ser aplicado no contexto da escola dá ao professor uma
Pedagogia de projetos: método ou postura pedagógica? liberdade de ação que habitualmente não acontece no seu
Não podemos entender a prática por projetos como uma cotidiano escolar. O compromisso educacional do professor é
atividade meramente funcional, regular, metódica. justamente saber O QUÊ, COMO, QUANDO e POR QUE desen-
A Pedagogia de Projetos não é um método, pois a ideia volver determinadas ações pedagógicas. E para isto é funda-
de método é de trabalhar com objetivos e conteúdos pré- xa- mental conhecer o processo de aprendizagem do aluno e ter
dos, pré-determinados, apresentando uma sequência regular, clareza da sua intencionalidade pedagógica.
prevista e segura, refere-se à aplicação de fórmulas ou de uma Mais do que uma técnica atraente para transmissão dos
série de regras. conteúdos, como muitos pensam, a proposta da Pedagogia
Trabalhar por meio de Projetos é exatamente o oposto, pois de Projetos é promover uma mudança na maneira de pensar
nele, o ensino-aprendizagem se realiza mediante um percurso e repensar a escola e o currículo na prática pedagógica. Com
que nunca é xo, ordenado. O ato de projetar requer abertura a reinterpretação atual da metodologia, esse movimento tem
para o desconhecido, para o não-determinado e exibilidade fornecido subsídios para uma pedagogia dinâmica, centrada
para reformular as metas e os percursos à medida que as ações na criatividade e na atividade discentes, numa perspectiva de
projetadas evidenciam novos problemas e dúvidas. construção do conhecimento pelos alunos, mais do que na
Fernando Hernández (1998) vem discutindo o tema e de- transmissão dos conhecimentos pelo professor.
ne os projetos de trabalho não como uma metodologia, mas
como uma concepção de ensino, uma maneira diferente de Analogia entre construtivismo e pedagogia de projetos
suscitar a compreensão dos alunos sobre os conhecimentos O Construtivismo e a Pedagogia de Projetos tem em co-
que circulam fora da escola e de ajudá-los a construir sua pró- mum a insatisfação com um sistema educacional que teima
pria identidade. em continuar essa forma particular de transmissão que consis-
te em fazer repetir, recitar, aprender, ensinar o que já está pron-
O trabalho por projetos requer mudanças na concepção to, em vez de fazer agir, operar, criar, construir a partir da rea-
de ensino e aprendizagem e, consequentemente, na postura lidade vivida por alunos e professores, isto é, pela sociedade.
do professor. Hernández (1988) enfatiza ainda que o trabalho Na Pedagogia de Projetos a relação ensino/aprendizagem
por projeto não deve ser visto como uma opção puramente é voltada para a construção do conhecimento de maneira di-
metodológica, mas como uma maneira de repensar a função nâmica, contextualizada, compartilhada, que envolva efetiva-
da escola. Leite (1996) apresenta os Projetos de Trabalho não mente a participação dos educandos e educadores num pro-
como uma nova técnica, mas como uma pedagogia que tra- cesso mútuo de troca de experiências. Nessa postura a apren-
duz uma concepção do conhecimento escolar. dizagem se torna prazerosa, pois ocorre a partir dos interesses
2 MOURA, D. P. de. Pedagogia de Projetos: Contribuições para dos envolvidos no processo, da realidade em que estes estão
Uma Educação Transformadora. 2010. inseridos, o que ocasiona motivação, satisfação em aprender.

91
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

O Construtivismo leva o educando a pensar, expandin- Mas como se dá essa participação? Inicialmente, para se
do seu intelecto através de uma aprendizagem signi cati- propor um projeto este deve ser subsidiado por um tema. A
va, ou seja, que tenha sentido, e contextualizada. O conhe- escolha deste tema e dos conteúdos a serem trabalhados é
cimento é construído a cada instante com a mediação do de responsabilidade de todos e deve ser pensada de forma a
educador, respeitando o nível de desenvolvimento mental contemplar a realidade do educando.
de cada educando. O trabalho por Projetos pode ser dividido em 4 etapas:
“O diálogo do aluno é com o pensamento, com a cultura problematização, desenvolvimento, aplicação e avaliação.
corpori cada nas obras e nas práticas sociais e transmitidas pela a) problematização: é o início do projeto. Nessa etapa,
linguagem e pelos gestos do professor, simples mediador.”. os alunos irão expressar suas ideias e conhecimentos sobre o
Então, tanto no Construtivismo como na Pedagogia de problema em questão. Essa expressão pode emergir esponta-
Projetos, o educando é o próprio agente de seu desenvolvi- neamente, pelo interesse despertado por um acontecimento
mento, o conhecimento é assimilado de maneira própria, mas signi cativo dentro ou fora da escola ou mesmo pela estimu-
sempre com o auxílio da mediação do educador. Aprender lação do professor. É fundamental detectar o que os alunos já
deixa de ser um simples ato de memorização e ensinar não sabem o que querem saber e como poderão saber. Cabe ao
signi ca mais repassar conteúdos prontos. O aluno deixa de educador incentivar a manifestação dos alunos e saber inter-
ser um sujeito passivo, sempre à mercê das ordens do pro- pretá-las para perceber em que ponto estão, para aprender
fessor, lidando com um conteúdo completamente alienado de suas concepções, seus valores, contradições, hipóteses de in-
sua realidade e em situações arti ciais de ensino-aprendiza- terpretação e explicação de fatos da realidade.
gem. Aprender passa então a ser um processo global e com- b) desenvolvimento: é o momento em que se criam as
plexo, onde conhecer e intervir na realidade não se dissocia. estratégias para buscar respostas às questões e hipóteses le-
O aluno é visto como sujeito ativo que usa sua experiência e vantadas na problematização. Os alunos e o professor de nem
conhecimento para resolver problemas. juntos essas estratégias. Para isso, é preciso que criem propos-
tas de trabalho que exijam a saída do espaço escolar, a orga-
Aprende-se participando, vivenciando sentimentos, to- nização em pequenos ou grandes grupos para as pesquisas, a
socialização do conhecimento através de trocas de informa-
mando atitudes diante dos fatos, escolhendo procedimen-
ções, vivências, debates, leituras, sessões de vídeos, entrevistas,
tos para atingir determinados objetivos. Ensina-se não só
visitas a espaços ora da escola e convites a especialistas no
pelas respostas dadas, mas principalmente pelas experiên-
tema em questão. Os alunos devem ser colocados em situa-
cias proporcionadas, pelos problemas criados, pela ação
ções que os levem a contrapor pontos de vista, a defrontação
desencadeada.
com con itos, inquietações que as levarão ao desequilíbrio de
Suas concepções e conhecimentos prévios são levantados
suas hipóteses iniciais, problematizando, re etindo e reelabo-
e analisados para que o educador possa problematizá-los e
rando explicações.
oferecer-lhes desa os que os façam avançar, atingindo o pro- c) aplicação: estimular a circulação das ideias e a atuação
cesso de equilibração/desequilibração que é a base do Cons- no ambiente da escola ou da comunidade ligada à escola dá
trutivismo e ao mesmo tempo da Pedagogia de Projetos. ao educando a oportunidade de se colocar como sujeito ativo
Então podemos dizer que a aprendizagem é o resultado e transformador do seu espaço de vivência e convivência, por
do esforço de atribuir e encontrar signi cados para o mun- meio da aplicação dos conhecimentos obtidos na execução do
do, o que implica a construção e revisão de hipóteses sobre o projeto na sua realidade.
objeto do conhecimento, ela é resultado da atividade do su- d) avaliação: numa concepção dinâmica e participativa, a
jeito, e o meio social tem fundamental importância para que avaliação tem, para o educador, uma dimensão diagnóstica,
ela ocorra, pois necessitamos de orientação para alcançá-la e investigativa e processual. Avaliamos para investigar o desen-
aí surge a teoria do pensador russo Vygotsky sobre a Zona volvimento dos alunos, para decidir como podemos ajudá-los
de Desenvolvimento Proximal que é a distância entre o nível a avançar na construção de conhecimentos, atitudes e valores
de desenvolvimento real (conhecimento prévio, o que o indi- e para veri car em que medida o processo está coerente com
víduo já sabe) e o nível de desenvolvimento potencial (onde as nalidades e os resultados obtidos. Para o aluno, a avaliação
ele pode chegar com a ajuda do outro), isto é, a possibilidade é instrumento indispensável ao desenvolvimento da capacida-
que o indivíduo (educando) tem de resolver problemas sob a de de aprender a aprender por meio do reconhecimento das
orientação de outrem (educador). suas possibilidades e limites.
O registro (a escrita, o desenho, os grá cos, mapas, rela-
A metodologia do trabalho por projetos tórios, a reunião de materiais etc.) é uma prática fundamental
A Pedagogia de Projetos surge da necessidade de desen- no trabalho com Projetos e deve ser desenvolvida ao longo de
volver uma metodologia de trabalho pedagógico que valorize todo o processo.
a participação do educando e do educador no processo ensi- Durante o processo de levantamento e análise dos dados,
no/aprendizagem, tornando-os responsáveis pela elaboração a mediação do professor é essencial no sentido de construir
e desenvolvimento de cada projeto de trabalho. entre os alunos uma atitude de curiosidade e de cooperação,
O trabalho por meio dos projetos vem contribuir para essa de trabalho com fontes diversi cadas, de estabelecimento de
valorização do educando e tem-se mostrado um dos cami- conexões entre as informações, de escuta e respeito às dife-
nhos mais promissores para a organização do conhecimento rentes opiniões e formas de aprender e elaborar o conheci-
escolar a partir de problemas que emergem das reais necessi- mento, de fazê-los perceber a importância do registro e as
dades dos alunos. diversas formas de realizá-lo.

92
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Se os projetos de trabalho possibilitam um repensar do tual e isolada, como acontece com as provas e exames, mas
signi cado de aprender e ensinar e do papel dos conteúdos sim, no contexto do ensino e como uma atividade complexa
curriculares, isto repercute também no sentido que se dá à baseada em elementos e momentos da aprendizagem que se
avaliação e nos instrumentos usados para acompanhar o pro- encontram relacionados. Por sua vez, a realização do portfólio
cesso de formação ocorrido durante todo o percurso. permite ao alunado sentir a aprendizagem institucional como
Tradicionalmente, a avaliação do processo ensino-apren- algo próprio, pois cada um decide que trabalhos e momentos
dizagem tem sido feita no sentido de medir a quantidade de são representativos de sua trajetória, estabelece relações entre
conhecimentos aprendidos pelos educandos. A avaliação na esses exemplos, numa tentativa de dotar de coerência as ati-
Pedagogia de Projetos é global, ou seja, considera o educan- vidades de ensino, com as nalidades de aprendizagem que
do e sua aprendizagem de forma integral, concilia o resultado cada um e o grupo se tenham proposto.
da veri cação do processo com a veri cação do desempenho. É interessante destacar que a criação do portfólio, por si
Esse tipo de avaliação considera, portanto, não só aspectos só, não garante um processo de avaliação signi cativo. É pre-
conceituais: de assimilação dos conteúdos utilizados para a ciso que se discutam seus usos e funções.
problematização do tema, mas também aspectos atitudinais:
comportamento, atitudes, capacidade de trabalhar em grupo, Referência:
espírito de liderança, iniciativa; atributos que se referem ao Texto disponível em:
modo de interação com os demais. PERRENOUD, Philippe. Pedagogia diferenciada: das inten-
Essa metodologia de avaliação potencializa as diferenças, ções à ação. Porto Alegre: ArtMed, 2000.
dá lugar a diversidade de opiniões, de singularidade de cada ZABALA, Antoni. A Prática educativa: como ensinar. Porto
sujeito, faz da heterogeneidade um elemento signi cativo Alegre: ArtMed, 1998.
para o processo de ampliação dos conhecimentos.
A diferença nos ajuda a compreender que somos sujeitos
com particularidades, com experiências próprias, constituídas
nos processos coletivos de que participamos dentro e fora da 20. PLANEJAMENTO DE ENSINO: CONCEPÇÃO
escola; posta em diálogo, enriquece a ação pedagógica. E PROCEDIMENTO RELATIVOS ÀS ETAPAS DO
Assim, a avaliação não trabalha a partir de uma resposta PLANEJAMENTO.
esperada, mas indaga as muitas respostas encontradas com
o sentido de ampliação permanente dos conhecimentos exis-
tentes. Nesse caso, o erro deixa de representar a ausência de
PLANEJAMENTO DE ENSINO
conhecimento, sendo apreendido como pista que indica como
E SEUS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS
os educandos estão articulando os conhecimentos que já pos-
suem com os novos conhecimentos que vão sendo elabora-
dos. Em se tratando da prática docente, faz- se necessário ain-
Deste modo, a avaliação nos projetos de trabalho passa da mais desenvolver um planejamento. Neste caso, o ensino,
a fazer parte de todo o processo, sendo entendida como a tem como principal função garantir a coerência entre as ativi-
possibilidade do aluno tomar consciência do seu processo de dades que o professor faz com seus alunos e, além disso, as
aprendizagem, descobrindo o que sabe, o que aprendeu, o aprendizagens que pretende proporcionar a eles. Então, pode-
que ainda não domina. Para isto, é preciso que ao longo de se dizer que a forma de planejar deve focar a relação entre o
todo o percurso do trabalho, haja um trabalho constante de ensinar e o aprender.
avaliação. Dentro do planejamento de ensino, deve-se desenvolver
Dentro da perspectiva dos projetos, o acompanhamento e um processo de decisão sobre a atuação concreta por parte
a avaliação do trabalho têm sido feitos, principalmente, a partir dos professores, na sua ação pedagógica, envolvendo ações
dos registros, sejam eles coletivos ou individuais. Estes regis- e situações do cotidiano que acontecem através de interações
tros fazem parte do cotidiano da sala de aula e servem para or- entre alunos e professores.
ganizar o trabalho, socializar as descobertas, localizar dúvidas O professor que deseja realizar uma boa atuação docente
e inquietações, en m, explicitar o processo vivido. sabe que deve participar, elaborar e organizar planos em di-
O Portifólio é o instrumento mais apropriado para a ava- ferentes níveis de complexidade para atender, em classe, seus
liação de um Projeto de Trabalho, na medida em que ele repre- alunos. Pelo envolvimento no processo ensino-aprendizagem,
senta a reconstrução do processo vivido e a re exão do aluno ele deve estimular a participação do aluno, a m de que este
sobre a sua aprendizagem. possa, realmente, efetuar uma aprendizagem tão signi cativa
Hernandéz (1998), ao falar da importância do portfólio quanto o permitam suas possibilidades e necessidades.
como instrumento de avaliação, a rma que: O planejamento, neste caso, envolve a previsão de re-
A avaliação do portfólio como recurso de avaliação é ba- sultados desejáveis, assim como também os meios necessá-
seada na ideia da natureza evolutiva do processo de apren- rios para os alcançar. A responsabilidade do mestre é imensa.
dizagem. O portfólio oferece aos alunos e professores uma Grande parte da e cácia de seu ensino depende da organici-
oportunidade de re etir sobre o progresso dos educandos em dade, coerência e exibilidade de seu planejamento.
sua compreensão da realidade, ao mesmo tempo em que pos- O planejamento de ensino é que vai nortear o trabalho
sibilita a introdução de mudanças durante o desenvolvimento do professor e é sobre ele que far-se-á uma re exão maior
do programa de ensino. Além disso, permite aos professores neste texto.
aproximar-se do trabalho dos alunos não de uma maneira pon-

93
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Fases do planejamento de ensino e sua importância no Fases do Planejamento


processo de ensino e aprendizagem
O planejamento faz parte de um processo constante atra- Diagnóstico da Realidade:
vés do qual a preparação, a realização e o acompanhamento Para que o professor possa planejar suas aulas, a m de
estão intimamente ligados. Quando se revisa uma ação rea- atender as necessidades dos seus alunos, a primeira atitude
lizada, prepara-se uma nova ação num processo contínuo e a fazer, é “sondar o ambiente”. O médico antes de dizer com
sem cortes. No caso do planejamento de ensino, uma previsão certeza o que seu paciente tem, examina-o, fazendo um “diag-
bem-feita do que será realizado em classe, melhora muito o nóstico” do seu problema. E, da mesma forma, deve acontecer
aprendizado dos alunos e aperfeiçoa a prática pedagógica do com a prática de ensino: o professor deve fazer uma sondagem
professor. Por isso é que o planejamento deve estar “rechea- sobre a realidade que se encontram os seus alunos, qual é o
do” de intenções e objetivos, para que não se torne um ato nível de aprendizagem em que estão e quais as di culdades
meramente burocrático, como acontece em muitas escolas. A existentes. Antes de começar o seu trabalho, o professor deve
maneira de se planejar não deve ser mecânica, repetitiva, pelo considerar, segundo Turra et alii, alguns aspectos, tais como:
contrário, na realização do planejamento devem ser conside- - as reais possibilidades do seu grupo de alunos, a m de
rados, combinados entre si, os seguintes aspectos: melhor orientar suas realizações e sua integração à comunidade;
1) Considerar os alunos não como uma turma homogê- - a realidade de cada aluno em particular, objetivando ofe-
nea, mas a forma singular de apreender de cada um, seu pro- recer condições para o desenvolvimento harmônico de cada
cesso, suas hipóteses, suas perguntas a partir do que já apren- um, satisfazendo exigências e necessidades biopsicossociais;
deram e a partir das suas histórias; - os pontos de referência comuns, envolvendo o ambiente
2) Considerar o que é importante e signi cativo para escolar e o ambiente comunitário;
aquela turma. Ter claro onde se quer chegar, que recorte deve - suas próprias condições, não só como pessoa, mas como
ser feito na História para escolher temáticas e que atividades pro ssional responsável pela orientação adequada do traba-
deverão ser implementadas, considerando os interesses do lho escolar.
grupo como um todo. A partir da análise da realidade, o professor tem condições
Para considerar os conhecimentos dos alunos é necessá- de elaborar seu plano de ensino, fundamentado em fatos reais
rio propor situações em que possam mostrar os seus conheci- e signi cativos dentro do contexto escolar.
mentos, suas hipóteses durante as atividades implementadas,
para que assim forneçam pistas para a continuidade do traba- De nição do tema e preparação:
lho e para o planejamento das ações futuras. Feito um diagnóstico da realidade, o professor pode ini-
É preciso pensar constantemente para quem serve o pla- ciar o seu trabalho a partir de um tema, que tanto pode ser
nejamento, o que se está planejando e para quê vão servir as escolhido pelo professor, através do julgamento da necessi-
suas ações. dade de aplicação do mesmo, ou decidido juntamente com
Algumas indagações auxiliam quando se está construindo os alunos, a partir do interesse deles. Planejar dentro de uma
um planejamento. Seguem alguns exemplos: temática, denota uma preocupação em não fragmentar os co-
- O que pretende-se fazer, por quê e para quem? nhecimentos, tornando-os mais signi cativos.
- Que objetivos pretendem-se alcançar? Na fase de preparação do planejamento são previstos to-
- Que meios/estratégias são utilizados para alcançar tais dos os passos que farão parte da execução do trabalho, a m
objetivos? de alcançar a concretização e o desenvolvimento dos objetivos
- Quanto tempo será necessário para alcançar os objetivos? propostos, a partir da análise do contexto da realidade. Em ou-
- Como avaliar se os resultados estão sendo alcançados? tras palavras, pode-se dizer que esta é a fase da decisão e da
É a partir destas perguntas e respectivas respostas que são concretização das ideias.
determinadas algumas fases dentro do planejamento:
A tomada de decisão é que respalda a construção do futu-
- Diagnóstico da realidade;
ro segundo uma visão daquilo que se espera obter [...] A toma-
- De nição do tema e Fase de preparação;
da de decisão corresponde, antes de tudo, ao estabelecimento
- Avaliação.
de um compromisso de ação sem a qual o que se espera não
Dentro desta perspectiva, Planejar é: elaborar – decidir
se converterá em realidade. Cabe ressaltar que esse compro-
que tipo de sociedade e de homem se quer e que tipo de ação
misso será tanto mais sólido, quanto mais seja fundamentado
educacional é necessária para isso; veri car a que distância se
em uma visão crítica da realidade na qual nos incluímos. A to-
está deste tipo de ação e até que ponto se está contribuindo
mada de decisão implica, portanto, nossa objetiva e determi-
para o resultado nal que se pretende; propor uma série or-
nada ação para tornar concretas as situações vislumbradas no
gânica de ações para diminuir essa distância e para contribuir
mais para o resultado nal estabelecido; executar – agir em plano das ideias.
conformidade com o que foi proposto; e avaliar – revisar sem- Nesta fase, ainda, serão determinados, primeiramente os
pre cada um desses momentos e cada uma das ações, bem objetivos gerais e, em seguida, os objetivos especí cos. Tam-
como cada um dos documentos deles derivados”(GANDIN, bém são selecionados e organizados os conteúdos, os pro-
2005, p.23). cedimentos de ensino, as estratégias a serem utilizadas, bem
como os recursos, sejam eles materiais e/ou humanos.

94
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Avaliação Numa perspectiva construtivista, há que se levar em conta


É por meio da avaliação que, segundo Lück, poder-se-á: os conhecimentos prévios dos alunos, a aprendizagem a partir
a) demonstrar que a ação produz alguma diferença quan- da necessidade, do con ito, da inquietação e do desequilíbrio
to ao desenvolvimento dos alunos; tão falado na teoria de Piaget. E é aí que o professor, como me-
b) promover o aprimoramento da ação como consequên- diador do processo de ensino-aprendizagem, precisa de nir
cia de sugestões resultantes da avaliação. Além disso, toda objetivos e os rumos da ação pedagógica, responsabilizando-
avaliação deve estar intimamente ligada ao processo de pre- se pela qualidade do ensino.
paração do planejamento, principalmente com seus objetivos. Essa forma de planejar considera a processualidade da
Não se espera que a avaliação seja simplesmente um resul- aprendizagem cujo avanço no processo se dá a partir de desa-
tado nal, mas acima de tudo, seja analisada durante todo o os e problematizações. Para tanto, é necessário, além de con-
processo; é por isso que se deve planejar todas as ações antes siderar os conhecimentos prévios, compreender o seu pensa-
de iniciá-las, de nindo cada objetivo em termos dos resulta- mento sobre as questões propostas em sala de aula.
dos que se esperam alcançar, e que de fato possa ser atingível O ato de aprender acontece quando o indivíduo atualiza
pelo aluno. As atividades devem ser coerentes com os obje- seus esquemas de conhecimento, quando os compara com
tivos propostos, para facilitar o processo avaliativo e devem o que é novo, quando estabelece relações entre o que está
ser elaborados instrumentos e estratégias apropriadas para a aprendendo com o que já sabe. E, isso exige que o professor
veri cação dos resultados. proponha atividades que instiguem a curiosidade, o questio-
A avaliação é algo mais complexo ainda, pois está ligada à namento e a re exão frente aos conteúdos. Além disso, ao
prática do professor, o que faz com que aumente a responsabili- propiciar essas condições, ele exerce um papel ativo de me-
dade em bem planejar. Dalmás fala sobre avaliação dizendo que: diador no processo de aprendizagem do aluno, intervindo pe-
Assumindo conscientemente a avaliação, vive-se um pro- dagogicamente na construção que o mesmo realiza.
cesso de ação-re exão-ação. Em outras palavras, parte-se do Para que de fato, isso aconteça, o professor deve usar o
planejamento para agir na realidade sobre a qual se planejou, planejamento como ferramenta básica e e caz, a m de fa-
analisam-se os resultados, corrige-se o planejado e retorna-se zer suas intervenções na aprendizagem do aluno. É através do
à ação para posteriormente ser esta novamente avaliada. planejamento que são de nidos e articulados os conteúdos,
Como se pode perceber, a avaliação só vem auxiliar o pla- objetivos e metodologias são propostas e maneiras e cazes
nejamento de ensino, pois é através dela que se percebem os de avaliar são de nidas. O planejamento de ensino, portanto,
progressos dos alunos, descobrem-se os aspectos positivos e é de suma importância para uma prática e caz e consequen-
negativos que surgem durante o processo e busca-se, através temente para a concretização dessa prática, que acontece com
dela, uma constante melhoria na elaboração do planejamen- a aprendizagem do aluno.
to, melhorando consequentemente a prática do professor e Se de fato o objetivo do professor é que o aluno aprenda,
a aprendizagem do aluno. Portanto, ela passa a ser um “nor- através de uma boa intervenção de ensino, planejar aulas é um
te” na prática docente, pois, “faz com que o grupo ou pessoa compromisso com a qualidade de suas ações e a garantia do
localize, confronte os resultados e determine a continuidade cumprimento de seus objetivos.
do processo, com ou sem modi cações no conteúdo ou na
programação”. Referência:
KLOSOUSKI, S. S.; REALI, K. M. Planejamento de Ensino
Importância do planejamento no processo de ensino e como Ferramenta Básica do Processo Ensino-Aprendizagem.
aprendizagem UNICENTRO - Revista Eletrônica Lato Sensu, 2008.
Nos últimos anos, a questão de como se ensina tem se
deslocado para a questão de como se aprende. Frequente- Multimídia educativa
mente ouvia-se por parte dos professores, a seguinte expres-
são: “ensinei bem de acordo com o planejado, o aluno é que A utilização de algum tipo de tecnologia multimídia há al-
não aprendeu”. Esta expressão era muito comum na época da gum tempo tem sido comum nas salas de aula. Em geral, os
corrente tecnicista, em que se privilegiava o ensino. Mas quan- docentes utilizam algum tipo de tecnologia multimídia como
do, ao passar do tempo, foi-se re etindo sobre a questão da meio auxiliar na exposição dos conteúdos. Há prós e contras,
construção do conhecimento, o questionamento foi maior, no tanto pelo lado dos docentes, como dos discentes. É inegável
sentido da preocupação com a aprendizagem. as mudanças pelas quais a educação e o setor de educação
No entanto, não se quer dizer aqui que só se deve pensar passam, quer para superar os desa os de conteúdos, quer
na questão do aprendizado. Se realmente há a preocupação para incorporar novas tecnologias. Em especial no Brasil, há
com a aprendizagem, deve-se questionar se a forma como se movimentos díspares na adoção e intensi cação das tecnolo-
planeja tem em mente também o ensino, ou seja, deve haver gias multimídias nas aulas, em substituição ao formato tradi-
uma correlação entre ensino-aprendizagem. cional. A adoção de tecnologias multimídias depende, antes
A aprendizagem na atualidade é entendida dentro de uma de tudo, de um planejamento que re ita uma estratégia, que
visão construtivista como um resultado do esforço de encontrar por sua vez evite o modismo do “uso da tecnologia” e também
signi cado ao que se está aprendendo. E esse esforço é obtido como chamariz, comum em algumas IES Privadas de ensino.
através da construção do conhecimento que acontece com a Multimídia é o conjunto dos mais variados meios de co-
assimilação, a acomodação dos conteúdos e que são relaciona- municação (meios digitais, tais como texto, grá co, imagem,
dos com antigos conhecimentos que constantemente vão sen- áudio, animação, vídeo) que visam transmitir de alguma for-
do reformulados e/ou “reesquematizados” na mente humana. ma as informações. Nas escolas, a utilização de fotos, rádio,

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POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

televisão, softwares educativos e sites da Internet estão sendo dos com o processo de ensino convencional. Para os autores,
utilizados como meios tecnológicos por alunos e professores estas ferramentas deveriam viabilizar um novo modelo de
para ns educativos. Para Prieto et al. (2005) as atividades digi- ensino e de aprendizagem, baseado na navegação e criação
tais multimídia, na sua maioria, possuem grande apelo visual, de teias de conhecimento por meio de um processo formal
acabam encantando pelo layout com cores vibrantes, som e de perguntas, buscando mobilizar as estratégias cognitivas de
movimento e fascinando alunos e professores que se impres- nível superior para um conhecimento superior.
sionam com a interface colorida, o áudio e os vídeos. Para Valente (1999) existe a necessidade de utilizar os re-
A importância dos sistemas de multimídia aumentou com cursos tecnológicos a partir de uma perspectiva didático-pe-
a socialização da internet. O objetivo principal na utilização do dagógica inovadora capaz de ressigni car o papel de alunos
recurso multimídia é para ilustrar um discurso, promover a as- e professores. Para o autor, há que desenvolver na relação
sociação de ideias na exposição de um assunto e tornar o tem- professor-aluno-tecnologia uma mediação pedagógica que
po menos cansativo para alunos e ouvintes em geral. Esses explicite em atitudes que inter ram na forma de pensar alu-
sistemas devem ser utilizados como um elemento acessório no, implementando seus projetos, compartilhando problemas
na preparação e apresentação das aulas, um recurso didático sem apontar soluções, ajudando o aprendiz a entender, anali-
para expor e ordenar os assuntos, dentre outras nalidades sar, testar e corrigir os erros.
especí cas da exposição de conteúdos.
A utilização de recursos multimídia tem sido vista, inclu- Nesse sentido Moreira (1991) acredita que para a aquisi-
sive pelo Ministério da Educação, como meio para facilitar a ção de conhecimentos de alto nível, o papel dos conhecimen-
exposição dos conteúdos e também no processo de ensino tos prévios é crucial, pois a resolução de problemas necessi-
e aprendizagem. Para o MEC (2008) os recursos tecnológicos ta do domínio de pré-requisitos. O importante não seria dar
considerando sua praticidade e as diversas opções de uso as- guias especí cas para resolver um problema especí co, mas
sumem certa importante por sua incorporação como meio desenvolver modos de raciocínio de alto nível que permitam
auxiliar na realização de aulas no ensino superior. Entretanto é ao aluno analisar seu próprio funcionamento como um am-
necessária uma análise dos dispositivos utilizados. Pois mesmo biente adaptado a tal objetivo, em função do encadeamento
levando em consideração o potencial destes recursos, tão ao exível das informações, e o princípio do encadeamento po-
gosto de professores e outros pro ssionais, o uso de qualquer deria ser considerado como um guia.
tecnologia apenas torna-se pedagogicamente interessante Dede, Fontana e White (1993) argumentam que a aquisi-
quando é levado em consideração que seu uso está sujeito à ção do conhecimento seria melhor sob as seguintes condições:
boa ou má utilização. É necessário o cuidado para que a mes-
ma esteja alicerçada em critérios claramente de nidos que (i) construção ativa do conhecimento em lugar de ingestão
atendam os objetivos educacionais de ensino. Não se pode passiva de informações;
esquecer que o valor pedagógico pela utilização de um recur- (ii) uso de ferramentas so sticadas de captura de informa-
so em geral, depende da forma como a tecnologia é usada. ções que permitam ao aluno testar hipóteses em lugar de pinçar
Nesse sentido, Creed (1997) argumenta que “[...] a tecnologia dados;
digital pode melhorar a aprendizagem dos alunos, mas ape- (iii) uso de diferentes representações do conhecimento, de
nas se a utilização dos recursos interagirem com os níveis de forma que os conteúdos possam ser adequados aos diferentes
aprendizagem requeridos por alunos e demais interessados”. estilos de aprendizagem;
(iv) interação cooperativa entre pares, em um enfoque par-
Ensino e Aprendizagem e Recursos multimídias ticipativo com os existentes nos modernos locais de trabalho;
Akkoyunlu e Yilmaz (2005) mencionam que a multimídia (v) sistema de avaliação que meça as complexas habili-
está dando uma nova roupagem para as aulas, onde os alunos dades de nível superior e não a mera recuperação de fatos. As
aprendem e se desenvolvem através de recursos tecnológicos vantagens e benefícios com o uso de recursos multimídia são
e avanços cientí cos, atraindo assim de forma eloquente todos destacados por alguns autores.
os seus sentidos, elevando suas motivações e possibilidades Para Baron e La Passadière (1991), um dos primeiros inte-
de sucesso. Nessa linha de pontos positivos, para Paquette resses do uso de multimídia na educação seria a rapidez e a
(1991) a multimídia pode ser utilizada também para atender facilidade que o aluno tem para acessar informações. Moreira
a diferentes objetivos de ensino-aprendizagem. Os objetivos (1991) julga que a inovação que constitui a vantagem de um
da aprendizagem podem estar relacionados à aquisição de tratamento multimídia da informação é sua abertura: o sistema
conhecimentos factuais, conceitos, regras, procedimentos, não impõe ao usuário um modelo de aprendizagem estabele-
modelos estruturais, métodos ou metaconhecimentos. Estes cido. No entanto, outros autores são mais cautelosos. Maga-
diferentes objetivos de aprendizagem vão condicionar a esco- lhães ressalta que o uso de meios tecnológicos de ensino por
lha de uma estratégia pedagógica e o uso que se pode fazer si só, não garante que os estudantes desenvolvam estratégias
da multimídia. para aprender a aprender, nem incentivam o desenvolvimento
A escolha destes objetivos de aprendizagem e estratégias das habilidades de percepção. A qualidade educativa destes
pedagógicas é fundamental e deve preceder à escolha de uma meios de ensino depende, mais do que de suas características
ferramenta computacional como multimídia e sua integração técnicas, mas a forma utilizada para a exploração didática que
em um ambiente de aprendizagem completo. Para Dede, Fon- o docente utilize, aliada ao contexto que se está inserido. Na
tana e White (1993) os sistemas multimídias como ambientes mesma linha, Asensio, et al. (2001) complementam a rmando
de aprendizagem não deveriam visar ao aumento da quanti- que em uma perspectiva de ensino-aprendizagem, o desa o
dade de informações fornecidas ao aluno, quando compara- para os acadêmicos é saber como utilizar as novas tecnolo-

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gias de informação e de comunicação, de maneira pedagogi- Gestão democrática implica compartilhar o poder, des-
camente apropriada, de acordo com as necessidades de seus centralizando-o. Como fazer isso? Incentivando a participação
alunos e no contexto educacional, para que os mesmos apre- e respeitando as pessoas e suas opiniões; desenvolvendo um
sentem um maior rendimento escolar. clima de con ança entre os vários segmentos das comuni-
dades escolar e local; ajudando a desenvolver competências
Referência: básicas necessárias à participação (por exemplo, saber ouvir,
KLEIN, L.; OLIVEIRA, A. J. de; ALMEIDA, L. B. de; SCHERER, L. saber comunicar suas ideias). A participação proporciona mu-
M. Recursos Multimídia no Processo de Ensino-Aprendizagem: danças signi cativas na vida das pessoas, na medida em que
Mocinho ou Vilão? EnEPO, 2013. elas passam a se interessar e se sentir responsáveis por tudo
que representa interesse comum.
Assumir responsabilidades, escolher e inventar novas
21. AS COMPETÊNCIAS DOS CONSELHOS DE formas de relações coletivas faz parte do processo de parti-
CLASSE E DELIBERATIVO DA ESCOLA cipação e trazem possibilidades de mudanças que atendam a
interesses mais coletivos.
A participação social começa no interior da escola, por
meio da criação de espaços nos quais professores, funcioná-
CONSELHOS DE CLASSE E DELIBERATIVO DA ESCOLA rios, alunos, pais de alunos etc. possam discutir criticamente o
cotidiano escolar. Nesse sentido, a função da escola é formar
E por falar em gestão, como proceder de forma mais de- indivíduos críticos, criativos e participativos, com condições de
mocrática nos sistemas de ensino e nas escolas públicas? participar criticamente do mundo do trabalho e de lutar pela
A participação é educativa tanto para a equipe gestora democratização da educação. A escola, no desempenho des-
quanto para os demais membros das comunidades escolar sa função, precisa ter clareza de que o processo de formação
e local. Ela permite e requer o confronto de ideias, de argu- para uma vida cidadã e, portanto, de gestão democrática pas-
mentos e de diferentes pontos de vista, além de expor novas sa pela construção de mecanismos de participação da comu-
sugestões e alternativas. Maior participação e envolvimento da
nidade escolar, como: Conselho Escolar, Associação de Pais e
comunidade nas escolas produzem os seguintes resultados:
Mestres, Grêmio Estudantil, Conselhos de Classes etc.
Para que a tomada de decisão seja partilhada e coletiva, é
- Respeito à diversidade cultural, à coexistência de ideias e
necessária a efetivação de vários mecanismos de participação,
de concepções pedagógicas, mediante um diálogo franco, escla-
tais como: o aprimoramento dos processos de escolha ao car-
recedor e respeitoso;
go de dirigente escolar; a criação e a consolidação de órgãos
- Formulações de alternativas, após um período de discus-
colegiados na escola (conselhos escolares e conselho de clas-
sões onde as divergências são expostas.
- Tomada de decisões mediante procedimentos aprovados se); o fortalecimento da participação estudantil por meio da
por toda a comunidade envolvida criação e da consolidação de grêmios estudantis; a construção
- Participação e convivência de diferentes sujeitos sociais coletiva do Projeto Político-Pedagógico da escola; a rede ni-
em um espaço comum de decisões educacionais. ção das tarefas e funções da associação de pais e mestres, na
A gestão democrática dos sistemas de ensino e das escolas perspectiva de construção de novas maneiras de se partilhar o
públicas requer a participação coletiva das comunidades escolar poder e a decisão nas instituições.
e local na administração dos recursos educacionais nanceiros, Não existe apenas uma forma ou mecanismo de partici-
de pessoal, de patrimônio, na construção e na implementação pação. Entre os mecanismos de participação que podem ser
dos projetos educacionais. criados na escola, destacam-se: o conselho escolar, o conselho
Mas para promover a participação e deste modo imple- de classe, a associação de pais e mestres e o grêmio escolar.
mentar a gestão democrática da escola, procedimentos prévios
podem ser observados: Conselho escolar
- Solicitar a todos os envolvidos que explicitem seu compro- O conselho escolar é um órgão de representação da co-
metimento com a alternativa de ação escolhida; munidade escolar. Trata-se de uma instância colegiada que
- Responsabilizar pessoas pela implementação das alterna- deve ser composta por representantes de todos os segmentos
tivas acordadas; da comunidade escolar e constitui-se num espaço de discus-
- Estabelecer normas prévias sobre como os debates e as são de caráter consultivo e/ou deliberativo. Ele não deve ser
decisões serão realizados; o único órgão de representação, mas aquele que congrega
- Estabelecer regras adequadas à igualdade de participação as diversas representações para se constituir em instrumento
de todos os segmentos envolvidos; que, por sua natureza, criará as condições para a instauração
- Articular interesses comuns, ideias e alternativas comple- de processos mais democráticos dentro da escola. Portanto,
mentares, de forma a contribuir para organizar propostas mais o conselho escolar deve ser fruto de um processo coerente
coletivas. e efetivo de construção coletiva. A con guração do conselho
- Esclarecer como a implementação das ações serão acom- escolar varia entre os estados, entre os municípios e até mes-
panhadas e supervisionadas; mo entre as escolas. Assim, a quantidade de representantes
- Criar formas de divulgação das ideias e alternativas em eleitos, na maioria das vezes, depende do tamanho da escola,
debate como também do processo de decisão. do número de classes e de estudantes que ela possui.

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POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Conselho de classe O processo de participação na escola produz, também,


O conselho de classe é mais um dos mecanismos de par- efeitos culturais importantes. Ele ajuda a comunidade a re-
ticipação da comunidade na gestão e no processo de ensino conhecer o patrimônio das instituições educativas – escolas,
-aprendizagem desenvolvido na unidade escolar. Constitui-se bibliotecas, equipamentos – como um bem público comum,
numa das instâncias de vital importância num processo de ges- que é a expressão de um valor reconhecido por todos, o qual
tão democrática, pois “guarda em si a possibilidade de articular oferece vantagens e benefícios coletivos. Sua utilização por al-
os diversos segmentos da escola e tem por objeto de estudo gumas pessoas não exclui o uso pelas demais. É um bem de
o processo de ensino, que é o eixo central em torno do qual todos; todos podem e devem zelar pelo seu uso e sua adequa-
desenvolve-se o processo de trabalho escolar” (DALBEN, 1995). da conservação. A manutenção e o desenvolvimento de um
Nesse sentido, entendemos que o conselho de classe não deve bem público comum requerem algumas condições:
ser uma instância que tem como função reunir-se ao nal de 1. Recursos nanceiros adequados, regulares e bem gerencia-
cada bimestre ou do ano letivo para de nir a aprovação ou re- dos, de modo a oferecer as mesmas condições de uso, acesso e
provação de alunos, mas deve atuar em espaço de avaliação permanência nas escolas a alunos em condições sociais desiguais;
permanente, que tenha como objetivo avaliar o trabalho pe- 2. Transparência administrativa e nanceira com o controle
dagógico e as atividades da escola. Nessa ótica, é fundamental público de ações e decisões. Desse modo, cabe ao gestor in-
que se reveja a atual estrutura dessa instância, rediscutindo sua formar com clareza e em tempo hábil a relação dos recursos
função, sua natureza e seu papel na unidade escolar. disponíveis, fazer prestações de contas, promover o registro
preciso e claro das decisões tomadas em reuniões;
Associação de pais e mestres 3. Processo participativo de tomada de decisões, imple-
A associação de pais e mestres, enquanto instância de par- mentação, acompanhamento e avaliação. Ressaltamos que o
ticipação, constitui-se em mais um dos mecanismos de partici- cotidiano de trabalho das escolas deve ter por referência um
pação da comunidade na escola, tornando-se uma valiosa for- projeto pedagógico construído coletivamente e o apreço às
ma de aproximação entre os pais e a instituição, contribuindo decisões tomadas pelos órgãos colegiados representativos.
para que a educação escolarizada ultrapasse os muros da esco- Em síntese, a gestão democrática do ensino pressupõe
la e a democratização da gestão seja uma conquista possível. uma maneira de atuar coletivamente, oferecendo aos mem-
bros das comunidades local e escolar oportunidades para:
Grêmio estudantil - Reconhecer que existe uma discrepância entre a situação
Numa escola que tem como objetivo formar indivíduos real (o que é) e o que gostaríamos que fosse (o que pode vir a ser).
participativos, críticos e criativos, a organização estudantil ad- - Identi car possíveis razões para essa discrepância.
quire importância fundamental. - Elaborar um plano de ação para minimizar ou solucionar
O grêmio estudantil constitui-se em mecanismo de parti- esses problemas.
cipação dos estudantes nas discussões do cotidiano escolar e
em seus processos decisórios, constituindo-se num laborató- Envolvendo a comunidade na gestão da escola
rio de aprendizagem da função política da educação e do jogo A gestão escolar constitui um modo de articular pessoas
democrático. Possibilita, ainda, que os estudantes aprendam e experiências educativas, atingir objetivos da instituição esco-
a se organizarem politicamente e a lutar pelos seus direitos. lar, administrar recursos materiais, coordenar pessoas, plane-
Articulado ao processo de constituição de mecanismos de jar atividades, distribuir funções e atribuições. Em síntese, se
participação colegiada dentro da escola destaca-se também a estabelecem, intencionalmente, contatos entre as pessoas, os
necessidade da participação e acompanhamento da aplicação recursos administrativos, nanceiros e jurídicos na construção
dos recursos nanceiros, tanto na escola como nos sistemas do projeto pedagógico da escola. A gestão democrática, por
de ensino. A responsabilidade de acompanhar e scalizar a sua vez, requer, dentre outros, a participação da comunidade
aplicação dos recursos para a educação é de toda a sociedade. nas ações desenvolvidas na escola. Envolver a comunidades
Todos os envolvidos direta e indiretamente são chamados a escolar e local é tarefa complexa, pois articula interesses, sen-
se responsabilizar pelo bom uso das verbas destinadas à edu- timentos e valores diversos. Nem sempre é fácil, mas compe-
cação. Nesse sentido, pais, alunos, professores, servidores ad- te às equipes gestoras pensar e desenvolver estratégias para
ministrativos, associação de bairros, ou seja, as comunidades motivar as pessoas a se envolver e participar na vida da escola.
escolar e local têm o direito de participar, por meio dos dife- As possibilidades de motivação são várias, desde a concepção
rentes conselhos criados para essa nalidade. e o uso dos espaços escolares até a organização do trabalho
A Lei no 9.424/96, que instituiu o Fundef e, posteriormen- pedagógico. A mobilização das pessoas pode começar quan-
te, a Lei n° 11.494/07, que instituiu o Fundeb, de niu que o do elas se defrontam com situações-problema. As di culda-
acompanhamento e o controle social sobre a repartição, a des nos incentivam a criar novas formas de organização, de
transferência e a aplicação dos recursos do Fundo seriam exer- participar das decisões para resolvê-las. Espaços de discussão
cidos, junto aos respectivos governos, no âmbito da União, dos possibilitam trabalhar ideias divergentes na construção do
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por Conselhos a projeto educativo. Como criar, ou então fortalecer, ambientes
serem instituídos em cada esfera administrativa. A perspectiva que favoreçam a participação? Na construção de ambientes
é de que a participação no controle social do fundo contribui de participação e mobilização de pessoas, algumas estratégias
para a garantia da e ciência do gerenciamento dos recursos tornam-se fundamentais. Vejamos algumas:
para a educação básica.

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POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

- Estar atento às solicitações da comunidade. Compreender a importância e responsabilidade de suas fun-


- Ouvir com atenção o que os membros da comunidade ções, bem como, as atividades desempenhadas por outros,
têm a dizer. Portanto, observar-se que trabalhar em equipe não é uma ta-
- Delegar responsabilidades ao máximo possível de pes- refa fácil, é lenta e progressiva que demanda esforço, paciên-
soas. cia, persistência e tolerância.
- Mostrar a responsabilidade e a importância do papel de A atividade em equipe precisa ser entendida como resul-
cada um para o bom andamento do processo. tado de um esforço conjunto e, portanto as vitórias e fracassos
- Garantir a palavra a todos. são responsabilidades de todos os membros envolvidos. Mui-
- Respeitar as decisões tomadas em grupo. tas pessoas, que atuam em diversas organizações, estão tra-
- Criar ambientes físicos confortáveis para assembleias e balhando em grupo e não em equipe, como se estivessem em
reuniões. uma linha de produção, onde o trabalho é individual e cada um
- Estimularcadapresentenasreuniõesounasassembléiasase- se preocupa em realizar apenas sua tarefa e pronto.
responsabilizar por trazer, pelo menos, mais uma pessoa para Dentro do ambiente escolar o trabalho em equipe requer
o próximo encontro. criatividade para busca de soluções de problemas encontrados
- Tornar a escola um espaço de sociabilidade. no espaço escolar e na aprendizagem do aluno, o que acon-
- Valorizar o trabalho participativo. tecerá quando houver mudanças radicais no ideário dos pro-
- Destacar a importância da integração entre as pessoas. ssionais da educação possibilitando sairemos do comodismo.
- Submeter o trabalho desenvolvido na escola às avaliações Diferenciar grupo de equipe é importante. O trabalho em
da comunidade e dos conselhos ou órgãos colegiados. grupo possui exigência de si próprio para atingir determinados
- Valorizar a presença de cada um e de todos. objetivos ao qual se pretende alcançar. Já se tratando de equi-
- Desenvolver projetos educativos voltados para a comuni- pe, não possui liderança, uma vez que cada um se compromete
dade em geral, não só para os alunos. com suas responsabilidades as quais estão sendo trabalhadas.
- Ressaltar a importância da comunidade na identidade da Cada um sabe a importância para o sucesso da tarefa.
unidade escolar. Para o bom funcionamento é necessário ter planejamento,
- Tornar o espaço escolar disponível para comunidade. organização, controle. Estar sempre discutindo a participação
analisando o que in uenciam uma equipe para atingir determi-
Fonte: nados objetivos em prol da qualidade da escola.
Texto disponível em http://crv.educacao.mg.gov.br/ Muitas pessoas estão trabalhando em grupo e não em
equipe, onde o trabalho é individual e cada um se preocupa
em realizar apenas sua tarefa e pronto. No trabalho em equipe
cada um sabe o que os outros estão fazendo e sabem também
22. O TRABALHO COLETIVO COMO FATOR DE a importância para o sucesso da tarefa.
APERFEIÇOAMENTO DA PRÁTICA DOCENTE E Todo o resultado do trabalho deve partir da parceria da
DA GESTÃO ESCOLAR. administração escolar e dos coordenadores, professores, fun-
cionários envolvidos, levando-os a indagar, criticar e re etir
com a nalidade de buscar soluções e encaminhar um trabalho
que dê resultados positivos para que se chegue aos objetivos
Falar em trabalho em equipe dentro da unidade de ensi- propostos.
no é nos colocar como seres inacabados em busca de conhe- Autores como JAKEL e WILCZECKE, dizem que existem pelo
cimentos, pois o mesmo con gura-se como um dos maiores menos quatro elementos contribuintes para o desenvolvimen-
desa os a ser vencidos pelos pro ssionais da educação. to do trabalho em equipe: são eles, o ambiente a ser trabalhado
O trabalho em equipe tem como re exo o bom anda- como apoio. As habilidades e exigências, metas, recompensas
mento e a boa conduta do que se deseja alcançar no campo coletivas.
da educação. Sabemos que o ser humano necessita se sociali- É preciso saber trabalhar em equipe, ter um bom relacio-
zar, buscar sempre si melhorar, criar laços com outras pessoas. namento com os colegas, saber ouvir, saber esperar, opinar,
O ser humano irá sempre precisar de outras pessoas para discutir ideias para que se possa atingir os objetivos propostos.
suprir suas necessidades, principalmente, quando se trata de Para trabalhar em equipe requer uma mudança de hábitos
uma tarefa em equipe. e estratégias no que se refere à aprendizagem, e há toda uma
Entende-se que qualquer equipe se forma quando dois coletividade onde se pretende chegar a um objetivo em co-
ou mais indivíduos interdependentes se juntam visando a ob- mum na perspectiva da educação.
tenção de um determinado objetivo. Uma equipe é formada Esse trabalho, essa união contribui para que se tenha êxito,
de indivíduos, cada qual com sua personalidade e visão do expressando assim qualquer motivo de instabilidade, precisa-
mundo, sendo então necessário o respeito as diferentes for- se lembrar que sozinho não se chega a lugar algum e que a
mas de pensamento e ação dos seus componentes em decor- única maneira de superar os desa os é unindo forças, trocando
rência das dimensões culturais que formam a sua personali- experiências, deixando o egoísmo e se aliando ao grupo onde
dade enquanto pessoas e pro ssionais. se trabalha com a equipe é de fundamental importância que
Acredita-se que o objetivo ao qual pretende-se chegar uma escola seja transformada em uma grande família que por
é de uma equipe capaz de ser re exiva, criativa, ter senso sua vez seja capaz de adquirir vínculos onde não haja espera e
crítico, habilidade, abrindo assim espaços que favoreçam a sim atitudes, e iniciativas para que se chegue a um ideal, que se
compreensão onde se tenha ação e re exão sobre o mundo. construa alicerces, baseados na dignidade, moral, bons princí-

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POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

pios e humanidade. Toda equipe é um grupo, porém, nem todo do ensino-aprendizagem, mas para o desenvolvimento global
grupo é uma equipe. Segundo a Revista Nova Escola, grupo é das experiências educativas em questão, e para a avaliação da
um conjunto de pessoas com objetivos comuns, em geral se reú- mesma e das pessoas que estão envolvidas de um mesmo
nem por a nidades. No entanto, esse grupo não é uma equipe. objetivo.
Pois, equipe é um conjunto de pessoas com objetivos comuns Assim, ninguém no mundo consegue se educar sozinho,
atuando no cumprimento de metas especí cas. Grupo são to- sempre precisa de alguém para buscar novos conhecimen-
das as pessoas que vão ao cinema para assistir ao mesmo lme. tos, obter crescimento. Trabalhar em equipe em um ambiente
Elas não se conhecem, não interagem entre si, mas o objetivo escolar ou em qualquer outro setor é superar seus anseios e
é o mesmo: assistir ao lme. Já equipe pode ser o elenco do preocupações. Todos devem saber qual o objetivo do trabalho
lme: Todos trabalham juntos para atingir uma meta especí ca, para que o esforço seja feito na mesma direção. A comunica-
que é fazer um bom trabalho, um bom lme. ção deve ser clara e fundamental para alcançar os objetivos
O trabalho em equipe exige uma participação geral de necessários. Principalmente em relação ao aluno se sentindo
todos. Para trabalhar em grupo ou equipe não basta somente amparado por uma equipe certamente construirá nele a au-
juntar várias pessoas, é preciso respeitar o próximo para que o toestima em um autoconceito formado em fatos concretos e
trabalho seja produtivo. Caso isso não ocorra di cilmente irão positivos.
poder atingir o objetivo proposto. Neste sentido, é preciso que os atores que dão vida a
Trabalho em equipe é uma forma de organização de um escola (equipe gestora, educadores, vigilantes, auxiliares de
grupo; uma forma de compartilhar objetivos. Trabalho em serviços diversos) compreendam a importância do trabalho
equipe é aquele tipo de trabalho no qual se tenta conseguir em equipe para contribuição da formação do ser ativo, que
que se realizem atividades dependentes entre si, que podem contribui para as mudanças que requer a sociedade para dei-
sobrepor a soma de trabalho de cada um dos seus membros. xar de ser seletiva, excludente que respeite e convive com as
No trabalho em equipe os objetivos são compartilhados; as ta- indiferenças de cresça, cor gênero para a superação da desi-
refas estão de nidas de forma clara, porém ao mesmo tempo gualdade social.
são adaptáveis de acordo com cada situação; onde as tarefas
de liderança também são compartilhadas. Uma das vantagens Fonte
do trabalho em equipe é o fato de que o ponto fraco de uma MORIS, A. S.; ROCHA, M. A.; SOUZA, S. O. TRABALHO EM
determinada área é suprido pelo ponto do outro, assim pratica- EQUIPE: Uma Prática que precisa tornar uma Práxis no Interior
mente não há pontos fracos numa equipe unida em torno dos da Escola. In Revista Cientí ca Eletrônica de Ciências Sociais
mesmos objetivos. Aplicadas da EDUVALE.

Equipes, assim como grupos, devem possuir algumas ca- IMPORTÂNCIA DO TRABALHO COLETIVO PARA O
racterísticas básicas para que possam atuar entre si de forma DESENVOLVIMENTO DOS ALUNOS
otimizada: almejar objetivos comuns, senso de identidade
compartilhado, participação e oportunidades de interação. Trabalhar coletivamente é um dos maiores desa os do am-
Um espaço onde cada um é individualista não gera laços, biente escolar, pois conforme Piaget (1994), as regras morais
não possui história, não se constrói humanidade. A equipe é aprendidas pelas crianças, são transmitidas pelos adultos, por-
a responsável pelos bons frutos pretendidos, precisa-se reco- tanto a moralidade não é um valor intrínseco ao ser humano.
nhecer a real necessidade de se ter pessoas que não sejam O autor sustenta que a moral seja possível de ser conquis-
comandadas, mas sim, direcionadas para que só assim seja tada pela educação, através de jogos e atividades coletivas,
construído o direito, a autonomia democrática. apoiadas em regras.
A troca de informações entre os coletivos da escola con- Segundo Piaget (1977), a criança passa por uma fase pré-
tribui para a e cácia do desenvolvimento humano, que por moral, caracterizada pela anomia (negação à regra, à lei), coin-
sua vez se torna suporte imprescindível em sua trajetória de cidindo com o “egocentrismo” infantil e que vai até, aproxima-
vida, trabalhando com a coletividade dos trabalhos torna-se damente, quatro ou cinco anos. Gradualmente, a criança vai
mais proveitoso e traz motivação onde cada um precisa ser entrando na fase da moral heterônoma (a lei, a regra vem do
valorizado. exterior, do outro) e caminha gradualmente para a fase autôno-
O saber é importante, por consequência, tem que ser ma (capacidade de governar a si mesma).
constantemente buscado pelo educador enquanto instru- De acordo com Piaget essas fases se sucedem sem consti-
mento de sua ação educativa, embora a posse do domínio do tuir estágios propriamente ditos. Vamos encontrar adultos em
saber formal, não permita ao educador negar descaracterizar, plena fase de anomia e muitos ainda na fase de heterônoma.
tampouco sobrepor-se a todo um saber já existente na pratica Nem todos conseguem pensar e agir pela sua própria cabeça,
de vida dos segmentos populares, ao contrário, trata-se de re- seguindo sua consciência interior.
cuperar um conhecimento já existente fora da escola. Na fase da anomia, natural da criança pequena, ainda no
Ou seja, o saber sempre será importante, pois, tanto o egocentrismo, não existem regras e normas. As necessidades bá-
professor necessita buscar conhecimentos quanto o aluno sicas determinam as normas de conduta. No indivíduo adulto, ca-
precisa adquirir parar a vida. racteriza-se por aquele que não respeita as leis, pessoas e normas.
PILETTI descreve que: É praticamente impossível realizar Na medida em que a criança cresce, vai percebendo que
isoladamente seu trabalho educativo, com base nesta a rma- o mundo tem suas regras. Descobre isso também nas brinca-
ção vemos a necessidade e a signi cância do trabalho do su- deiras com as crianças maiores, que são úteis para ajudá-la a
pervisor junto aos educadores não só para o bom andamento entrar na fase de heterônoma.

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POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Na moralidade heterônoma, os deveres são vistos como Toda e qualquer perturbação no modo de operar da
externos impostos coercitivamente e não como obrigações ela- estrutura representa um con ito- um desequilíbrio- para o
boradas pela consciência. O Bem é visto como o cumprimento sujeito. Para compensar tal perturbação e resolver o con i-
da ordem, o Certo é a observância da regra que não pode ser to, o sistema cognitivo aciona de imediato dois mecanismos
transgredida nem relativizada por interpretações exíveis. que agem simultaneamente: a assimilação e a acomodação.
Na moralidade autônoma, o indivíduo adquire a consciência No mecanismo de assimilação, o novo é incorporado
moral. Os deveres são cumpridos com consciência de sua ne- aos esquemas que a criança já construiu em sua interação
cessidade e signi cação. Possui princípios éticos e morais. Deste com o meio. Já na acomodação a criança é forçada a se
modo, na ausência da autoridade continua o mesmo. É responsá- modi car, a partir da construção de outros esquemas ou
vel, autodisciplinado e justo. A responsabilidade pelos atos é pro- estruturas, como de alteração e expansão daqueles que já
porcional à intenção e não apenas pelas consequências do ato. existem, vai além de seu estágio presente de compreensão,
Durante o processo educativo, a criança deve sair do ego- modi cando-se para conseguir lidar com novas solicitações.
centrismo inato da idade (Anomia) e gradualmente entrar na
heteronomia, visando atingir a autonomia moral e intelectual, O papel do professor no trabalho coletivo
ou seja, a capacidade de agir respeitando as regras não por Conforme Duckwortc (1964), ao referir-se às teorias de
opressão, mas por entender que isto é essencial para o convívio Piaget, diz que ele defendia a idéia de que o professor, lon-
em sociedade e assim construir coletivamente a aprendizagem. ge de ser aquele que meramente transmite informações, é o
É essencial para que a criança passe da heteronomia para a grande facilitador da aprendizagem, cabendo a ele envolver
autonomia moral. Mas isso só se alcança ao proporcionar a ela a criança em situações nas quais seja possível ela se arriscar
atividades de cooperação, num ambiente onde haja respeito e ver o que acontece manipular coisas e símbolos, colocar
mútuo, centrado na afetividade, pois num ambiente de medo, perguntas e buscar suas próprias respostas, comparar os
autoritarismo e respeito unilateral, manterá a heteronomia. achados do momento com os do passado, coordenar suas
A partir da idade escolar o indivíduo adquire condições ideias com as das demais ou explicar as razões das diver-
para aceitar e entender normas e regras coletivas. Oportunizar gências.
Para as autoras Davis e Espósito, pesquisadoras da Fun-
esta construção é papel fundamental das instituições escolares.
dação Carlos Chagas/SP, é função do professor, proporcio-
Cada relação entre indivíduos (mesmo entre dois) os mo-
nar ao aluno a experiência física, com um ambiente rico,
di ca efetivamente e já constituem então uma totalidade, de
com materiais instigantes e problematizar o meio circun-
tal sorte que a totalidade formada pelo conjunto de sociedade
dante de modo coletivo. Esse tipo de proposta pedagógica
é menos uma coisa, um ser ou uma causa, que um sistema de
leva a criança a buscar soluções, possibilita a interação en-
relações. (Piaget, 1956).
tre os pares, exigindo a coordenação de situações físicas e
De acordo com Piaget (1956), desde que nascemos sofre-
mentais e construindo conhecimentos. Isso não só a respei-
mos a in uência do meio físico, mas principalmente das rela-
to dos objetos, como também das relações que, a partir de-
ções sociais. A sociedade transforma o indivíduo, modi cando les, podem ser estabelecidas. Relações estas como a intera-
seu pensamento, propondo-lhe valores novos e impondo-lhe ção social, realizando atividades conjuntas, numa atmosfera
obrigações. Através da socialização, os indivíduos adquirem pa- de segurança afetiva que permita o debate franco e direto,
drões de comportamento aceitos pelo grupo e adequados ao torna-se consciência de outros pontos de vista, de outras
seu ambiente social. ideias e de outras formas de solucionar problemas, levam
Através da prática coletiva, estamos trabalhando a for- a um repensar das noções até então mantidas, reformulan-
mação moral da criança. Cito um fato que marcou meu está- do-as, enriquecendo-as ou substituindo-as por outras mais
gio neste aspecto, quando aplicava um jogo na turma, quem adequadas, como no caso em que havia proposto um tí-
acertasse a resposta de uma pergunta, ganharia uma bala. Ao tulo a cartilha produzida pela turma, porém os alunos não
término desta atividade perguntei quem não havia ganhado o concordaram com o mesmo e numa votação escolheram
prêmio, e muitos que já haviam sido recompensados levanta- outro título formulado por eles. A maturação, que, em sala
ram a mão. Percebi que mesmo num momento de descontra- de aula, signi ca respeitar o ritmo da turma, propiciando às
ção seria importante intervir e trabalhar o valor da honestidade, crianças o tempo necessário para re etir sobre ideias, per-
pois, para Piaget (1994): seguir outros pontos de vista, comparar diferentes noções,
... “educar moralmente não se trata de meramente implan- integrar o conhecimento construído. A equilibração, que
tar valores e conceitos na criança e sim ajudá-las a compreen- consiste em desequilibrar o modo atual de funcionamento
der os mesmos. Desta forma a criança irá compreender o senti- intelectual das crianças, aceitando soluções “erradas”, desde
do das regras e leis necessárias para a vida em sociedade, e terá que indicadoras de progressos na atividade cognitiva.
autonomia para decidir que rumo tomar.” As crianças, ao partirem de suas próprias concepções
Conforme este autor, além de se interessar por aquilo a respeito da realidade e ao seguirem seus próprios proce-
que as crianças sabem a respeito de si mesmas e do mundo dimentos, cometerão, necessariamente, uma série de erros
a sua volta, tentou entender de que forma elas constroem tais e julgamentos inadequados, considerados inerentes a toda
conhecimentos. Para ele o conhecimento não é absorvido de construção intelectual. Tais erros recebem, na terminologia
forma passiva, nem está incorporado desde o nascimento: é Piagetiana o nome de “erros construtivos”, isto é, aqueles
construído pela criança através de uma interação ativa de suas que revelam o fato de que outra estrutura de pensamento
estruturas mentais e seu ambiente. está se formando.

101
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Em determinada situação, planejei a confecção de uma car- Numa turma em processo interativo, todos deverão ter
tilha coletiva sobre a Água, onde formulei um título. Quando fui possibilidade de falar, levantar suas hipóteses e, nas negocia-
aplicar a atividade, meus alunos sugeriram que este fosse es- ções, chegar a conclusões que ajudem o aluno a se perceber
colhido pela turma, então os questionei como seria feito e eles parte de um processo dinâmico de construção.
responderam: “através de uma votação professora”. Imediata- O professor passa a ser o articulador dos conhecimentos
mente reformulei minha proposta e eles construíram o título. e todos pensam conjuntamente para a construção do conhe-
Segundo Piaget, o protagonista e o criador da aprendiza- cimento, não havendo uma única pessoa com respostas para
gem deve ser a própria criança, cabendo a ela modi car seu tudo. A sala de aula tem papéis que precisam estar bem de -
pensamento, construindo outros mais de acordo com a rea- nidos, mas estes papéis não estão rigidamente construídos, os
lidade. Neste sentido, o professor, para auxiliar seus alunos a alunos não aprendem somente com o professor, mas também
superarem os impasses na construção do conhecimento, deve com os colegas mais experientes ou que tiveram vivências dife-
propiciar-lhes, além de um ambiente estimulante, uma intera- renciadas. Ao professor cabe, ao longo do processo, reunir todas
ção profícua, capaz de provocar desequilíbrios cognitivos que as questões emergentes e sistematizá-las de forma a garantir o
possam ser percebidos e assimilados enquanto problemas. domínio de novos conhecimentos por todos os seus alunos.
Cabe a ele, criar em sua turma condições para que os alunos [...] o Homem se constitui enquanto tal no confronto com
tomem consciência dos erros cometidos e possa como conse- as diferenças; e um dos laboratórios privilegiados para isso é a
quência, engendrar novos procedimentos de ação que levem à escola, onde somos reunidos com diferentes realidades e, no
resposta adequada. conjunto de tantas vozes, acabamos por acordar signi cados
Os erros dos alunos servem como fonte de informação para determinadas coisas que na individualidade de cada um
para o professor. Apontam à maneira através dos quais seus podem ter diversos sentidos. (MARTINS, 2010)
alunos raciocinam, seus níveis evolutivos atuais, e apontam os A escola deve ser fonte de expansão conceitual, por ser um
aspectos que, no momento, concentram as principais di cul- ambiente privilegiado para fornecer interações com o conheci-
dades. Logo, uma das funções docentes é identi car a natureza mento socialmente elaborado. Na interação criança-criança e
dos erros cometidos pelos alunos para poder atuar sobre eles. professor-criança, a negociação de signi cados fornece a pas-
O que deve ser evitado é a solução fácil de fornecer às crianças
sagem do conhecimento espontâneo (que crianças constroem
a resposta correta, perdendo, assim, a possibilidade de propi-
sozinhas) para o conhecimento cienti co.
ciar a elaboração autêntica do pensamento, ou seja, aquele que
Portanto, cabe ao professor promover a articulação dos
decorre tanto da percepção de que há nele contradições como
conceitos espontâneos da criança com os cientí cos veiculados
da necessidade de superá-las.
na escola. Assim, os conceitos espontâneos passam a fazer par-
Na teoria piagetiana, não há um modelo simples e linear
te de uma visão mais ampla do real, própria do conceito cien-
de transmissão de experiência cultural do adulto para a crian-
tí co e este se torne mais concreto, apoiando-se nos conceitos
ça. O pensamento aparece como um diálogo consigo mesmo
e o raciocínio como uma argumentação metacognitiva. Deste espontâneos gerados pela vivência da criança. Deste modo, os
modo, não deve haver uma adoção passiva do conhecimento alunos ampliam sua compreensão da realidade.
previamente apresentado à criança pelo adulto. Para o sócio interacionismo, conforme Martins (2010), o
Sob a perspectiva sociointeracionistas Vygotsky contribui desenvolvimento se produz não apenas através das experiên-
ao acrescentar que o papel do professor deve ser desa ador. cias, mas nas vivências das diferenças. O aluno aprende imitan-
Para ele, é na interação entre as pessoas que em primeiro lugar do, concordando, fazendo oposição, estabelecendo analogias,
se constrói o conhecimento que depois será intrapessoal, ou internalizando símbolos e signi cados, através de um ambiente
seja, será partilhado pelo grupo junto ao qual tal conhecimento social e historicamente localizado.
foi conquistado ou construído. Para Martins, pesquisador dos As relações exercidas na escola passam pelos aspectos
processos escolares: emocionais, intelectuais e sociais. E as crianças encontram na
Quando nos referimos ao valor das interações em sala de escola um local provocador destas interações nas vivências
aula, é importante pensarmos que este referencial não com- interpessoais. A escola caracteriza-se como um dos primei-
pactua com a idéia de classes socialmente homogêneas, onde ros locais que deveriam garantir a re exão sobre a realidade
uma determinada classe social organiza o sistema educacional e a iniciação da sistematização do conhecimento socialmente
de forma a reproduzir seu domínio social e sua visão de mundo. construído.
Também não aceitamos a idéia da sala de aula arrumada, onde No processo interativo, o importante não é a gura do
todos devem ouvir uma só pessoa transmitindo informações que professor ou do aluno, mas o campo onde as inter-relações se
são acumuladas nos cadernos dos alunos de forma a reproduzir dão. Nas interações acontecem as transformações e as ações
um determinado saber eleito como importante e fundamental partilhadas, onde a construção do conhecimento se dará de
para a vida de todos. forma conjunta. Pois, conforme estudos, publicados na revista
Não podemos permitir que o professor detenha controle Nova Escola:
da conduta, das atitudes e do saber das crianças. Quando as Vygotsky atribuiu muita importância ao papel do professor
crianças sofrem coerção dos adultos, numa relação de respeito como impulsionador do desenvolvimento psíquico das crianças. A
unilateral, acabam acreditando que somente eles têm razão e idéia de um maior desenvolvimento conforme um maior apren-
suas a rmações são consideradas verdades. A autoridade adulta dizado não quer dizer, porém, que se deve apresentar uma quan-
sobre o pensamento da criança não apenas prescinde de veri - tidade enciclopédica de conteúdos aos alunos. O importante, para
cação racional, mas também retarda frequentemente o esforço o pensador, é apresentar às crianças formas de pensamento, não
pessoal e o controle mútuo dos pesquisadores. (PIAGET, 1998) sem antes detectar que condições elas têm de absorvê-las.

102
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Aspectos a considerar no trabalho em grupo Mesmo com o planejamento do professor o trabalho ca


aberto para novas questões trazidas pelos alunos. O professor
Conforme a Orientações Pedagógicas para Docentes do deve monitorizar as tarefas de grupo, partindo do princípio que
Ensino Superior, o trabalho em grupo é considerado um mé- os seus alunos sabem e podem fazer bastante.
todo e caz para motivar os alunos, encorajar a aprendizagem - Evitar partilhar os conhecimentos, deixe os alunos esfor-
ativa e desenvolver capacidades críticas, comunicativas e de çarem-se, dentro do razoável, para completarem a tarefa.
decisão, mas sem planejamento e acompanhamento pode Para concluir as tarefas de grupo deve-se fornecer uma
causar frustração para os alunos e professores, parecendo conclusão para as atividades de grupo (uma plenária: relatórios
perda de tempo e seguir alguns passos na realização desta orais ou escritos),
proposta é fundamental. Estabelecer objetivos especí cos, “A forma como se leva a cabo o relatório de grupo para
determinando o que se quer alcançar. Re etir sobre as ques- os alunos pode fazer a diferença entre um sentimento de es-
tões: Qual é o objetivo da atividade? Como é que esse objeti- tar simplesmente a rever os seus passos ou de estar envolvido
vo vai ser alcançado pedindo aos alunos para trabalharem em numa troca de ideias poderosa (Brook eld, 1999)”.
grupo? A atividade é su cientemente difícil e complexa para Demonstrar como os alunos devem participar desta ple-
requerer trabalho de grupo? O projeto requer mesmo colabo- nária relacionando as ideias apresentadas com os conteúdos e
ração? Existe alguma razão pela qual o trabalho não deva ser objetivos da disciplina. Evitando exposições inesperadas.
elaborado em colaboração? Transformar a tarefa em um de- Conclusão em aberto, a plenária conclui o trabalho de
sa o: propor no início do trabalho, tarefas relativamente fáceis grupo, mas podem deixar algumas questões para responder
para, assim, estimular o interesse dos alunos perante o traba- posteriormente, pedindo aos alunos para re etirem acerca do
lho de grupo e encorajar o seu progresso. Pois na maioria dos processo do trabalho de grupo (poderá ser oralmente ou por
casos, as tarefas realizadas em colaboração são estimulantes escrito).
e representam um novo desa o. En m, um trabalho de grupo bem-sucedido requer não
Ainda para a instituição, atribuir tarefas de grupo que en- somente uma preparação e acompanhamento, mas também
corajem o envolvimento, interdependência e a divisão justa uma posterior re exão e reavaliação.
do trabalho. Cada membro se sente pessoalmente respon-
Fonte: Machado, A. S. A importância do trabalho coletivo
sável pelo sucesso dos colegas e entende que seu sucesso
individual depende do sucesso do grupo. para o desenvolvimento da criança.
Distribuir diferentes funções a cada aluno do grupo para
que todos os membros estejam envolvidos no processo. Es-
colher a dimensão do grupo. A divisão deve ser de acordo 23. AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM:
com o número de alunos da turma, dimensão da sala, tarefa CONCEPÇÃO E FUNÇÕES.
atribuída.
Estabelecer divisão dos grupos: a divisão por proximida-
de ou escolha dos próprios alunos é mais rápida, porém os
alunos tendem a trabalhar somente com amigos ou com os O QUE É MESMO O ATO DE AVALIAR A APRENDIZA-
mesmos colegas. Devem-se propor outras formas de forma- GEM?
ção dos grupos: sorteio data de nascimento, altura, cor de ca-
belo, etc. Fornecer tempo su ciente para o trabalho de grupo: Cipriano Carlos Luckesi
Diminuir o tempo de exposição do material para dar tempo
A avaliação da aprendizagem escolar se faz presente na
su ciente aos grupos para trabalharem. Fazer uma estimativa
vida de todos nós que, de alguma forma, estamos compro-
do tempo que os grupos necessitarão para concluírem a ati-
metidos com atos e práticas educativas. Pais, educadores,
vidade.
educandos, gestores das atividades educativas públicas e
De acordo com as Orientações Pedagógicas, após o pla-
particulares, administradores da educação, todos, estamos
nejamento é importante ao introduzir a proposta: demonstrar
comprometidos com esse fenômeno que cada vez mais ocu-
preparação relativamente à sessão de grupo e partilhar os
pa espaço em nossas preocupações educativas.
princípios que levam à aplicação do trabalho de grupo. O que desejamos é uma melhor qualidade de vida. No
- Expor aos alunos a importância e vantagens do trabalho caso deste texto, compreendo e exponho a avaliação da
coletivo para a aprendizagem. Designando os grupos antes aprendizagem como um recurso pedagógico útil e necessário
de dar as instruções. Se as instruções forem dadas antes da para auxiliar cada educador e cada educando na busca e na
formação grupal, os alunos podem esquecer o que devem construção de si mesmo e do seu melhor modo de ser na vida.
fazer, ou se preocuparem com os possíveis colegas de grupo. A avaliação da aprendizagem não é e não pode continuar
- Promover a coesão do grupo. Fazer com que os alunos sendo a tirana da prática educativa, que ameaça e subme-
se apresentem ao seu grupo, para se conhecerem e criar uma te a todos. Chega de confundir avaliação da aprendizagem
sensação de con ança nos colegas. com exames. A avaliação da aprendizagem, por ser avaliação,
- Devemos explicar a tarefa claramente e preparar instru- é amorosa, inclusiva, dinâmica e construtiva, diversa dos exa-
ções escritas para os alunos. Estabelecendo regras para a inte- mes, que não são amorosos, são excludentes, não são cons-
ração do grupo. Trabalhando princípios como respeito, capa- trutivos, mas classi catórios. A avaliação inclui, traz para den-
cidade de ouvir e métodos de tomada de decisão no grupo. tro; os exames selecionam, excluem, marginalizam.
Deixando os alunos colocarem questões.

103
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

No que se segue, apresento aos leitores alguns enten- Por uma compreensão do ato de avaliar
dimentos básicos para compreender e praticar a avaliação
da aprendizagem como avaliação e não, equivocadamente, Assentado no ponto de partida acima estabelecido, o
como exames. ato de avaliar implica dois processos articulados e indisso-
Antes de mais nada, uma disposição psicológica neces- ciáveis: diagnosticar e decidir. Não é possível uma decisão
sária ao avaliador sem um diagnóstico, e um diagnóstico, sem uma decisão é
O ato de avaliar, devido a estar a serviço da obtenção um processo abortado.
do melhor resultado possível, antes de mais nada, implica a Em primeiro lugar, vem o processo de diagnosticar, que
disposição de acolher. Isso signi ca a possibilidade de tomar constitui-se de uma constatação e de uma quali cação do
uma situação da forma como se apresenta, seja ela satisfatória objeto da avaliação. Antes de mais nada, portanto, é pre-
ou insatisfatória agradável ou desagradável, bonita ou feia. Ela ciso constatar o estado de alguma coisa (um objeto, um
é assim, nada mais. Acolhê-la como está é o ponto de parti- espaço, um projeto, uma ação, a aprendizagem, uma pes-
da para se fazer qualquer coisa que possa ser feita com ela. soa...), tendo por base suas propriedades especí cas. Por
Avaliar um educando implica, antes de mais nada, acolhe-lo exemplo, constato a existência de uma cadeira e seu esta-
no seu ser e no seu modo de ser, como está, para, a partir daí, do, a partir de suas propriedades ‘físicas’ (suas caracterís-
decidir o que fazer. ticas): ela é de madeira, com quatro pernas, tem o assento
A disposição de acolher está no sujeito do avaliador, e estofado, de cor verde... A constatação sustenta a con gu-
não no objeto da avaliação. O avaliador é o adulto da relação ração do ‘objeto’, tendo por base suas propriedades, como
de avaliação, por isso ele deve possuir a disposição de acolher. estão no momento. O ato de avaliar, como todo e qualquer
Ele é o detentor dessa disposição. E, sem ela, não há avaliação. ato de conhecer, inicia-se pela constatação, que nos dá a
Não é possível avaliar um objeto, uma pessoa ou uma ação, garantia de que o objeto é como é. Não há possibilidade
caso ela seja recusada ou excluída, desde o início, ou mesmo de avaliação sem a constatação.
julgada previamente. Que mais se pode fazer com um objeto, A constatação oferece a ‘base material’ para a segun-
ação ou pessoa que foram recusados, desde o primeiro mo- da parte do ato de diagnosticar, que é quali car, ou seja,
mento? Nada, com certeza!
atribuir uma qualidade, positiva ou negativa, ao objeto que
Imaginemos um médico que não tenha a disposição para
está sendo avaliado. No exemplo acima, quali co a cadeira
acolher o seu cliente, no estado em que está; um empresário
como satisfatória ou insatisfatória, tendo por base as suas
que não tenha a disposição para acolher a sua empresa na
propriedades atuais. Só a partir da constatação, é que qua-
situação em que está; um pai ou uma mãe que não tenha
li camos o objeto de avaliação. A partir dos dados consta-
a disposição para acolher um lho ou uma lha em alguma
tados é que atribuímos-lhe uma qualidade.
situação embaraçosa em que se encontra. Ou imaginemos
Entretanto, essa quali cação não se dá no vazio. Ela é
cada um de nós, sem disposição para nos acolhermos a nós
estabelecida a partir de um determinado padrão, de um
mesmos no estado em que estamos. As doenças, muitas ve-
determinado critério de qualidade que temos, ou que es-
zes, não podem mais sofrer qualquer intervenção curativa
adequada devido ao fato de que a pessoa, por vergonha, por tabelecemos, para este objeto. No caso da cadeira, ela está
medo social ou por qualquer outra razão, não pode acolher sendo quali cada de satisfatória ou insatisfatória em fun-
o seu próprio estado pessoal, protelando o momento de pro- ção do quê? Ela, no caso, será satisfatória ou insatisfatória
curar ajuda, chegando ao extremo de ‘já não ter muito mais em função da nalidade à qual vai servir. Ou seja, o objeto
o que fazer!’. da avaliação está envolvido em uma tessitura cultural (teó-
A disposição para acolher é, pois, o ponto de partida para rica), compreensiva, que o envolve. Mantendo o exemplo
qualquer prática de avaliação. É um estado psicológico opos- acima, a depender das circunstâncias onde esteja a cadeira,
to ao estado de exclusão, que tem na sua base o julgamento com suas propriedades especí cas, ela será quali cada de
prévio. O julgamento prévio está sempre na defesa ou no ata- positiva ou de negativa. Assim sendo, uma mesma cadeira
que, nunca no acolhimento. A disposição para julgar previa- poderá ser quali cada como satisfatória para um determi-
mente não serve a uma prática de avaliação, porque exclui. nado ambiente, mas insatisfatória para um outro ambiente,
Para ter essa disposição para acolher, importa estar atento possuindo as mesmas propriedades especí cas. Desde que
a ela. Não nascemos naturalmente com ela, mas sim a cons- diagnosticado um objeto de avaliação, ou seja, con gura-
truímos, a desenvolvemos, estando atentos ao modo como do e quali cado, há algo, obrigatoriamente, a ser feito, uma
recebemos as coisas. Se antes de ouvirmos ou vermos alguma tomada de decisão sobre ele. O ato de quali car, por si,
coisa já estamos julgando, positiva ou negativamente, com implica uma tomada de posição – positiva ou negativa –,
certeza, não somos capazes de acolher. A avaliação só nos que, por sua vez, conduz a uma tomada de decisão. Caso
propiciará condições para a obtenção de uma melhor qua- um objeto seja quali cado como satisfatório, o que fazer
lidade de vida se estiver assentada sobre a disposição para com ele? Caso seja quali cado como insatisfatório, o que
acolher, pois é a partir daí que podemos construir qualquer fazer com ele? O ato de avaliar não é um ato neutro que se
coisa que seja. encerra na constatação. Ele é um ato dinâmico, que implica
na decisão de ‘o que fazer’ Sem este ato de decidir, o ato de
avaliar não se completa. Ele não se realiza. Chegar ao diag-
nóstico é uma parte do ato de avaliar. A situação de ‘diag-

104
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

nosticar sem tomar uma decisão’ assemelha-se à situação seja em nosso ser, está lá colocando esse educando de fora.
do náufrago que, após o naufrágio, nada com todas as suas E, por mais que pareça que não, estará interferindo em nossa
forças para salvar-se e, chegando às margens, morre, antes relação com ele. Ele sempre estará fora do nosso círculo de
de usufruir do seu esforço. Diagnóstico sem tomada de de- relações. Acolhê-lo signi ca estar aberto para recebê-lo como
cisão é um curso de ação avaliativa que não se completou. é. E só vendo a situação como é podemos compreendê-la
Como a quali cação, a tomada de decisão também não para, dialogicamente, ajudá-lo.
se faz num vazio teórico. Toma-se decisão em função de um Isso não quer dizer aceitar como certo tudo que vem do
objetivo que se tem a alcançar. Um médico toma decisões a educando. Acolher, neste caso, signi ca a possibilidade de
respeito da saúde de seu cliente em função de melhorar sua abrir espaço para a relação, que, por si mesma, terá confron-
qualidade de vida; um empresário toma decisões a respeito de tos, que poderão ser de aceitação, de negociação, de redi-
sua empresa em função de melhorar seu desempenho; um co- recionamento. Por isso, a recusa consequentemente impede
zinheiro toma decisões a respeito do alimento que prepara em as possibilidades de qualquer relação dialógica, ou seja, as
função de dar-lhe o melhor sabor possível, e assim por diante. possibilidades da prática educativa. O ato de acolher é um
Em síntese, avaliar é um ato pelo qual, através de uma ato amoroso, que traz ‘para dentro’, para depois (e só depois)
disposição acolhedora, quali camos alguma coisa (um obje- veri car as possibilidades do que fazer.
to, ação ou pessoa), tendo em vista, de alguma forma, tomar Assentados no acolhimento do nosso educando, pode-
uma decisão sobre ela. mos praticar todos os atos educativos, inclusive a avaliação.
Quando atuamos junto a pessoas, a quali cação e a deci- E, para avaliar, o primeiro ato básico é o de diagnosticar, que
são necessitam ser dialogadas. O ato de avaliar não é um ato implica, como seu primeiro passo, coletar dados relevantes,
impositivo, mas sim um ato dialógico, amoroso e construtivo. que con gurem o estado de aprendizagem do educando ou
Desse modo, a avaliação é uma auxiliar de uma vida melhor, dos educandos. Para tanto, necessitamos instrumentos. Aqui,
mais rica e mais plena, em qualquer de seus setores, desde temos três pontos básicos a levar em consideração: 1) dados
que constata, quali ca e orienta possibilidades novas e, cer- relevantes; 2) instrumentos; 3) utilização dos instrumentos.
tamente, mais adequadas, porque assentadas nos dados do Cada um desses pontos merece atenção.
presente. Os dados coletados para a prática da avaliação da apren-
dizagem não podem ser quaisquer. Deverão ser coletados os
Avaliação da aprendizagem escolar dados essenciais para avaliar aquilo que estamos pretendendo
avaliar. São os dados que caracterizam especi camente o ob-
Vamos transpor esse conceito da avaliação para a com- jeto em pauta de avaliação. Ou seja, a avaliação não pode as-
preensão da avaliação da aprendizagem escolar. Tomando as sentar-se sobre dados secundários do ensino-aprendizagem,
elucidações conceituais anteriores, vamos aplicar, passo a passo, mas, sim, sobre os que efetivamente con guram a conduta
cada um dos elementos à avaliação da aprendizagem escolar. ensinada e aprendida pelo educando. Caso esteja avaliando
Iniciemos pela disposição de acolher. Para se processar a aprendizagens especí cas de matemática, dados sobre essa
avaliação da aprendizagem, o educador necessita dispor-se a aprendizagem devem ser coletados e não outros; e, assim, de
acolher o que está acontecendo. Certamente o educador po- qualquer outra área do conhecimento. Dados essenciais são
derá ter alguma expectativa em relação a possíveis resultados aqueles que estão de nidos nos planejamentos de ensino, a
de sua atividade, mas necessita estar disponível para acolher partir de uma teoria pedagógica, e que foram traduzidos em
seja lá o que for que estiver acontecendo. Isso não quer dizer práticas educativas nas aulas.
que ‘o que está acontecendo’ seja o melhor estado da situa- Isso implica que o planejamento de ensino necessita ser
ção avaliada. Importa estar disponível para acolhê-la do jeito produzido de forma consciente e qualitativamente satisfató-
em que se encontra, pois só a partir daí é que se pode fazer ria, tanto do ponto de vista cientí co como do ponto de vista
alguma coisa. políticopedagógicos.
Mais: no caso da aprendizagem, como estamos traba- Por outro lado, os instrumentos de avaliação da aprendi-
lhando com uma pessoa – o educando –, importa acolhê-lo zagem, também, não podem ser quaisquer instrumentos, mas
como ser humano, na sua totalidade e não só na aprendi- sim os adequados para coletar os dados que estamos neces-
zagem especí ca que estejamos avaliando, tais como língua sitando para con gurar o estado de aprendizagem do nosso
portuguesa, matemática, geogra a.... educando. Isso implica que os instrumentos: a) sejam adequa-
Acolher o educando, eis o ponto básico para proceder dos ao tipo de conduta e de habilidade que estamos avalian-
atividades de avaliação, assim como para proceder toda e do (informação, compreensão, análise, síntese, aplicação...); b)
qualquer prática educativa. Sem acolhimento, temos a recusa. sejam adequados aos conteúdos essenciais planejados e, de
E a recusa signi ca a impossibilidade de estabelecer um vín- fato, realizados no processo de ensino (o instrumento neces-
culo de trabalho educativo com quem está sendo recusado. sita cobrir todos os conteúdos que são considerados essen-
A recusa pode se manifestar de muitos modos, desde ciais numa determinada unidade de ensino-aprendizagem; c)
os mais explícitos até os mais sutis. A recusa explícita se dá adequados na linguagem, na clareza e na precisão da comu-
quando deixamos claro que estamos recusando alguém. Po- nicação (importa que o educando compreenda exatamente o
rém, existem modos sutis de recusar, tal como no exemplo que se está pedindo dele); adequados ao processo de apren-
seguinte. Só para nós, em nosso interior, sem dizer nada para dizagem do educando (um instrumento não deve di cultar a
ninguém, julgamos que um aluno X ‘é do tipo que dá traba- aprendizagem do educando, mas, ao contrário, servir-lhe de
lho e que não vai mudar’. Esse juízo, por mais silencioso que reforço do que já aprendeu. Responder as questões signi -
cativas signi ca aprofundar as aprendizagens já realizadas.).

105
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Um instrumento de coleta de dados pode ser desastro- O padrão, ao qual vamos comparar o estado de aprendi-
so, do ponto de vista da avaliação da aprendizagem, como zagem do educando, é estabelecido no planejamento de en-
em qualquer avaliação, na medida em que não colete, com sino, que, por sua vez, está sustentado em uma teoria do en-
qualidade, os dados necessários ao processo de avaliação em sino. Assim, importa, para a prática da quali cação dos dados
curso. Um instrumento inadequado ou defeituoso pode dis- de aprendizagem dos educandos, tanto a teoria pedagógica
torcer completamente a realidade e, por isso, oferecer base que a sustenta, como o planejamento de ensino que zemos.
inadequada para a quali cação do objeto da avaliação e, con- A teoria pedagógica dá o norte da prática educativa e o
sequentemente, conduzir a uma decisão também distorcida. planejamento do ensino faz a mediação entre a teoria peda-
Será que nossos instrumentos de avaliação da aprendi- gógica e a prática de ensino na aula. Sem eles, a prática da
zagem, utilizados no cotidiano da escola, são su cientemen- avaliação escolar não tem sustentação.
te adequados para caracterizar nossos educandos? Será que Deste modo, caso utilizemos uma teoria pedagógica que
eles coletam os dados que devem ser coletados? Será que considera que a retenção da informação basta para o desen-
volvimento do educando, os dados serão quali cados diante
eles não distorcem a realidade da conduta de nossos educan-
desse entendimento. Porém, caso a teoria pedagógica utiliza-
dos, nos conduzindo a juízos distorcidos?
da tenha em conta que, para o desenvolvimento do educando,
Quaisquer que sejam os instrumentos – prova, teste, re-
importa a formação de suas habilidades de compreender, ana-
dação, monogra a, dramatização, exposição oral, arguição,
lisar, sintetizar, aplicar..., os dados coletados serão quali cados,
etc. – necessitam manifestar qualidade satisfatória como ins- positiva ou negativamente, diante dessa exigência teórica.
trumento para ser utilizado na avaliação da aprendizagem es- Assim, para quali car a aprendizagem de nossos edu-
colar, sob pena de estarmos quali cando inadequadamente candos, importa, de um lado, ter clara a teoria que utilizamos
nossos educandos e, consequentemente, praticando injus- como suporte de nossa prática pedagógica, e, de outro, o
tiças. Muitas vezes, nossos educandos são competentes em planejamento de ensino, que estabelecemos como guia para
suas habilidades, mas nossos instrumentos de coleta de da- nossa prática de ensinar no decorrer das unidades de ensino
dos são inadequados e, por isso, os julgamos, incorretamente, do ano letivo. Sem uma clara e consistente teoria pedagógi-
como incompetentes. Na verdade, o defeito está em nossos ca e sem um satisfatório planejamento de ensino, com sua
instrumentos, e não no seu desempenho. Bons instrumentos consequente execução, os atos avaliativos serão praticados
de avaliação da aprendizagem são condições de uma prática aleatoriamente, de forma mais arbitrária do que o são em sua
satisfatória de avaliação na escola. própria constituição. Serão praticados sem vínculos com a
realidade educativa dos educandos.
Ainda uma palavra sobre o uso dos instrumentos. Realizados os passos anteriores, chegamos ao diagnósti-
co. Ele é a expressão quali cada da situação, pessoa ou ação
Como nós nos utilizamos dos instrumentos de avaliação, que estamos avaliando.
no caso da avaliação da aprendizagem? Eles são utilizados, Temos, pois, uma situação quali cada, um diagnóstico. O
verdadeiramente, como recursos de coleta de dados sobre a que fazer com ela? O ato avaliativo, só se completará, como
aprendizagem de nossos educandos, ou são utilizados como dissemos nos preliminares deste estudo, com a tomada de
recursos de controle disciplinar, de ameaça e submissão de decisão do que fazer com a situação diagnosticada.
nossos educandos aos nossos desejos? Podemos utilizar um Caso a situação de aprendizagem diagnosticada seja sa-
instrumento de avaliação junto aos nossos educandos, sim- tisfatória, que vamos fazer com ela? Caso seja insatisfatória,
plesmente, como um recurso de coletar dados sobre suas que vamos fazer com ela? A situação diagnosticada, seja ela
condutas aprendidas ou podemos utilizar esse mesmo ins- positiva ou negativa, e o ato de avaliar, para se completar,
necessita da tomada de decisão A decisão do que fazer se
trumento como recurso de disciplinamento externo e aversi-
impõe no ato de avaliar, pois, em si mesmo, ele contém essa
vo, através da ameaça da reprovação, da geração do estado
possibilidade e essa necessidade. A avaliação não se encerra
de medo, da submissão, e outros. A nal, aplicamos os ins-
com a quali cação do estado em que está o educando ou os
trumentos com disposição de acolhimento ou de recusa dos
educandos ela obriga a decisão, não é neutra. A avaliação só
nossos educandos? Ao aplicarmos os instrumentos de avalia- se completa com a possibilidade de indicar caminhos mais
ção, criamos um clima leve entre nossos educandos ou pesa- adequados e mais satisfatórios para uma ação, que está em
roso e ameaçador? Aplicar instrumentos de avaliação exige curso. O ato de avaliar implica a busca do melhor e mais satis-
muitos cuidados para que não distorçam a realidade, desde fatório estado daquilo que está sendo avaliado.
que nossos educandos são seres humanos e, nessa condição, A avaliação da aprendizagem, deste modo, nos possibi-
estão submetidos às múltiplas variáveis intervenientes em lita levar à frente uma ação que foi planejada dentro de um
nossas experiências de vida. arcabouço teórico, assim como político. Não será qualquer re-
Coletados os dados através dos instrumentos, como nós sultado que satisfará, mas sim um resultado compatível com
os utilizamos? Os dados coletados devem retratar o estado de a teoria e com a prática pedagógica que estejamos utilizando.
aprendizagem em que o educando se encontra. Em síntese, avaliar a aprendizagem escolar implica estar
Isto feito, importa saber se este estado é satisfatório disponível para acolher nossos educandos no estado em que
ou não. Daí, então, a necessidade que temos de quali car a estejam, para, a partir daí, poder auxiliá-los em sua trajetória
aprendizagem, manifestada através dos dados coletados. Para de vida. Para tanto, necessitamos de cuidados com a teoria
isso, necessitamos utilizar-nos de um padrão de quali cação. que orienta nossas práticas educativas, assim como de cuida-
dos especí cos com os atos de avaliar que, por si, implicam

106
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

em diagnosticar e renegociar permanentemente o melhor A complexidade inerente aos processos avaliativos


caminho para o desenvolvimento, o melhor caminho para a torna evidente a exigência com os resultados do desem-
vida. Por conseguinte, a avaliação da aprendizagem escolar penho dos alunos e com o desempenho das escolas, evi-
não implica aprovação ou reprovação do educando, mas sim dencia que atualmente a avaliação educacional tem uma
orientação permanente para o seu desenvolvimento, tendo perspectiva muito mais ampliada, não se atendo apenas
em vista tornar-se o que o seu SER pede. aos resultados do rendimento escolar, mas a todos os ele-
mentos que permeiam o processo ensinoaprendizagem, ou
Concluindo seja, a toda a realidade educativa.
Figari (1996) a rma que, nessa acepção mais alargada
A qualidade de vida deve estar sempre posta à nossa fren- de avaliação educacional, há a noção de estrutura que de-
te. Ela é o objetivo. Não vale a pena o uso de tantos atalhos ne realidades diferentes: as macroestruturas, ou seja, os
e tantos recursos, caso a vida não seja alimentada tendo em sistemas educacionais, as mesoestruturas (as escolas) e as
vista o seu orescimento livre, espontâneo e criativo. A prática
microestruturas (as salas de aulas). No espaço da macro e
da avaliação da aprendizagem, para manifestar-se como tal,
da mesoestrutura, a avaliação geralmente é o processo de
deve apontar para a busca do melhor de todos os educandos,
observação e interpretação dos resultados da aprendiza-
por isso é diagnóstica, e não voltada para a seleção de uns
gem que objetiva orientar as decisões necessárias ao bom
poucos, como se comportam os exames. Por si, a avaliação,
como dissemos, é inclusiva e, por isso mesmo, democrática funcionamento da escola, dos sistemas educacionais e sub-
e amorosa. Por ela, por onde quer que se passe, não há ex- sidiar a formulação de políticas públicas.
clusão, mas sim diagnóstico e construção. Não há submissão, Na mesma linha de raciocínio, Almerindo Afonso
mas sim liberdade. Não há medo, mas sim espontaneidade e (2003) analisa a avaliação educacional numa perspecti-
busca. Não há chegada de nitiva, mas sim travessia perma- va sociológica, nos seguintes níveis: micro, meso, macro
nente, em busca do melhor. Sempre! e mega. A perspectiva de avaliação defendida pelo autor
entende que a “escola é confrontada com dimensões éti-
Fonte: Disponível Pátio On-line cas, simbólicas, políticas, sociais e pedagógicas que devem
Pátio. Porto alegre: ARTMED. Ano 3, n. 12 fev./abr. 2006. ser consideradas como um todo por quem tem especiais
responsabilidades na administração da educação quer em
nível do Estado, quer em nível municipal e local, quer em
nível da própria unidade escolar”.
24. A IMPORTÂNCIA DOS RESULTADOS DA O nível microssociológico da avaliação ocorre no âm-
AVALIAÇÃO INSTITUCIONAL E DA AVALIAÇÃO bito da sala de aula, é a avaliação da aprendizagem, de res-
ponsabilidade do docente. Ela deve ter caráter fortemente
DO DESEMPENHO ESCOLAR NO PROCESSO DE
formativo, ser contínua e baseada na re exão do processo
MELHORIA DA QUALIDADE DO ENSINO.
ensinoaprendizagem.
O nível mesossociológico da avaliação é aquele que
envolve a análise de uma instituição escolar na sua totali-
A palavra avaliação contém a palavra “valor” acrescida da dade, ou seja, engloba todos os componentes do processo
palavra “ação”, portanto, não se pode fugir dessa concepção educacional: gestão e organização da escola, processo en-
valorativa da ação educacional. Casali (2007) de ne avaliação, sinoaprendizagem, currículo, quali cação docente, infraes-
“de modo geral, como saber situar cotidianamente, numa certa trutura escolar, resultados educacionais, per l socioeconô-
ordem hierárquica, o valor de algo enquanto meio (mediação)
mico dos alunos, ação da escola com a sociedade, partici-
para a realização da vida do(s) sujeitos(s) em questão, no con-
pação dos pais, entre outros aspectos da escola.
texto dos valores culturais e, no limite, dos valores universais.”
O nível macrossociológico da avaliação é aquele de-
Para o autor avaliar é reconhecer ou atribuir um valor.
senvolvido em âmbito nacional, por organismos externos
Em se tratando de valor em educação defende que há que se
adotar uma postura radicalmente ética e epistemológica. Os à escola, e tem como objetivo veri car a qualidade do en-
valores são histórica e culturalmente construídos, consequen- sino e da educação no país. No Brasil temos o INEP – Ins-
temente a avaliação é histórica e cultural. Já que o valor só tituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais, que
existe como uma referência mediadora de uma ação concreta, coordena os processos de avaliação externa às escolas. São
a consequência é que a avaliação educativa não é um m de exemplos desse tipo de avaliação a Prova Brasil, o SAEB –
processo, mas o seu meio. Existem três âmbitos de alcance Sistema de Avaliação da Educação Básica, o ENEM – Exame
dos valores, logo, das avaliações: “Há valores para um sujeito, Nacional do Ensino Médio.
há valores para uma cultura, há valores para a humanidade. O nível megassociológico da avaliação é aquele de-
O singular, o parcial, o universal. A avaliação é uma medida e senvolvido por organismos internacionais que buscam xar
uma referência de valor para um, ou dois, ou os três âmbitos.” padrões de desempenho, de referência para a criação de
O autor explica que a avaliação refere-se à determinação metas e diretrizes para os sistemas educacionais de dife-
do mérito, ou valor, de um dado processo ou do que dele rentes países, em nível global. Temos como exemplo o PISA
resultou, seja no âmbito do sujeito, da cultura e para toda hu- – Programa Internacional de Avaliação de Alunos, coorde-
manidade. nado pela Organização de Cooperação e Desenvolvimento
Econômico - OCDE.

107
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

A criação desses níveis mais globais (mega e macro) de- tituinte. Castoriades (1975) explica que o instituído é o con-
ve-se ao fato de a avaliação ter adquirido grande centralida- junto de forças sedimentadas, consolidadas que buscam a
de nas políticas públicas, particularmente nas políticas edu- conservação e reprodução do quadro institucional vigente. O
cacionais pelos organismos governamentais com o propósito instituído é a forma. Já o conjunto de forças em constante es-
de os Estados ampliarem as ações de controle e scalização tado de tensão, de mudança, de transformação, de recriação
sobre as escolas e os sistemas educacionais, fenômeno apon- é o instituinte. O instituinte é o campo de forças.
tado pelos estudiosos em avaliação como a presença do “Es- A avaliação institucional é formalmente a avaliação des-
tado Avaliador” na educação. se instituído e instituinte. Ela tem que identi car aspectos
concretos, formais e informais, explícitos ou não, internos e
Avaliação Institucional da Escola externos, que viabilizam a realização dos objetivos e ns edu-
cacionais propostos num projeto institucional. Há, portanto,
A avaliação institucional da escola básica ainda não se que se considerar toda a dinâmica institucional para captar o
constitui uma prática consolidada no contexto da educação espírito da instituição avaliada. Nesta perspectiva, a avaliação
brasileira. A avaliação externa promovida pelos organismos institucional tem um caráter formativo, está voltada para a
o ciais como o SAEB, e com as recentes propostas da Prova compreensão e promoção da autoconsciência da instituição
Brasil e do IDEB, é uma avaliação do sistema educacional, em escolar.
larga escala, que analisa a pro ciência dos estudantes ao nal Nos debates contemporâneos sobre a educação que há
de um ciclo da escolaridade. No entanto, a avaliação interna uma exigência cada vez maior com o desempenho da escola,
é pouco realizada no interior das escolas, não está inserida porque ela é considerada uma instituição social imprescindí-
nas várias ações nela desenvolvidas, como uma análise siste- vel à sociedade atual, à formação humana, ainda que esta se
mática da instituição com vistas a identi car suas fragilidades exprima de modos variados e contraditórios.
e potencialidades, e a possibilitar a elaboração de planos de
intervenção e melhorias. Estudos e pesquisas revelam a ca- Após um período de oscilação das questões avaliativas
rência de formação dos pro ssionais da escola para desen- entre o nível macro do sistema educacional e o nível micro da
volvê-la, devido ao desconhecimento de fundamentos teóri- sala de aula, hoje é justamente para o contexto da instituição
co-metodológicos sobre a avaliação institucional; escolar – nível meso – que as propostas de inovações educa-
Com o propósito de contribuir para a formação dos cionais, segundo Nóvoa (1995), têm-se voltado, acreditando-
pro ssionais da escolas e também para a operacionaliza- se que é no espaço escolar que elas podem implantar-se e
ção do processo de autoavaliação, discute-se aqui alguns desenvolver-se.
aportes e subsídios teóricos sobre a avaliação institucional No entanto, uma das abordagens da avaliação institu-
da escola, trazendo à re exão os conceitos de avaliação, seus cional das escolas que se apresenta compreende aquela que
fundamentos epistemológicos, suas relações com diferentes tem como eixo direcionador a ação ordenada de normas e
contextos e as possibilidades de operacionalização de pro- prerrogativas da União, isto é, o Estado se transforma num
cesso de autoavaliação da escola, considerando desde a fase avaliador externo, conforme já apontado anteriormente de-
do planejamento até a fase de comunicação dos resultados nominado de Estado Avaliador, ele tem o papel de controlar,
obtidos. monitorar, credenciar e oferecer indicadores de desempenho
para as escolas e os sistemas de ensino dos países. É normal-
Avaliação da escola: conceitos, contextos e relações mente decidida por razões de ordem macroestrutural que se
prendem às necessidades de controle organizacional no nível
A avaliação das instituições escolares, quanto à de outros dos sistemas de ensino. É a modalidade chamada de avalia-
objetos educacionais avaliados podem (ou não) assentar-se ção institucional externa.
nos mesmos fundamentos teóricos. Assim, quando se fala A avaliação externa é, portanto, aquela em que o proces-
na concepção de avaliação adotada num processo avaliativo so avaliativo é realizado por agentes externos à escola (per-
ele pode ser atribuído tanto à avaliação da aprendizagem, tencentes a agências públicas ou privadas), ainda que com a
de currículo, de docentes, de políticas públicas, de progra- colaboração indispensável dos membros da escola avaliada,
mas, de projetos quanto à avaliação das instituições escolares da comunidade educativa.
especí cas, como as escolas básicas, os institutos de ensino Outra abordagem é aquela denominada de autoavalia-
superior, as universidades, entre outros. ção institucional ou avaliação interna da escola. Diferente-
Toda instituição, sobretudo a educacional, apresenta ca- mente da avaliação externa, ela é uma modalidade de ava-
racterísticas orgânicas que justi cam essa correspondência, liação que ainda carece de maior aprofundamento teórico e
consequentemente, o similar fundamento para os processos metodológico, particularmente no contexto brasileiro.
de avaliação. Uma instituição escolar é compreendida como A avaliação institucional da escola é produto da integra-
um conjunto de processos e relações que se produzem em ção e entrelaçamento dos processos de avaliação externa e
seu cotidiano pelos sujeitos nela inseridos: educadores e interna. Evidentemente que a avaliação das escolas é uma
educandos, essencialmente. tarefa complexa, tendencialmente con ituosa, pois as insti-
A avaliação institucional numa perspectiva crítica é aque- tuições escolares são organizações, e o poder é inerente a to-
la que consegue captar o movimento institucional presente das as organizações. Ao “mexer” nesse poder, num processo
nas relações da instituição. Toda instituição é constituída por de avaliação da escola, interferimos nos interesses, posturas,
dois princípios em permanente tensão: o instituído e o ins- motivações e objetivos da comunidade escolar. O processo

108
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

de avaliação externa deverá completar-se com o processo - A consideração progressiva da avaliação da escola como
de autoavaliação institucional, e vice-versa. É a coavaliação, estratégia de inovação para introdução dos próprios proces-
como propõe Santos Guerra (2003), isto é, a combinação do sos de mudanças nos espaços escolares.
processo de avaliação externa, mais voltado aos resultados - A evolução das concepções de avaliação da educação,
do processo educativo, e avaliação interna, centrada na me- que, de uma visão voltada quase que exclusivamente para os
lhoria dos processos internos do trabalho escolar. alunos e programas, passaram a valorizar os fatores relaciona-
As escolas são cada vez mais caracterizadas como centros dos não somente ao contexto de sala de aula, mas também
de aprendizagem de todos os seus membros e da sua própria os fatores que permitem uma ação mais ajustada aos demais
organização. Enquanto organizações nucleares das socieda- contextos e objetivos educacionais, na busca da melhoria da
des atuais, elas não podem car indiferentes às mudanças e qualidade dos processos educativos (práticas) e dos seus re-
transformações que nelas acontecem, sejam elas de natureza sultados (produtos). d) Razões de ordem legal:
econômica, política, cientí ca, pedagógica ou legal. Para tan- - As mudanças na legislação nacional a partir da Lei de
to, não devemos proceder à sua apreciação através de uma Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDBEN 9394/96,
análise individualizada de cada um dos seus elementos, mas que aponta para a autonomia das escolas e consequente
sim apreendê-la como um todo, como uma entidade global, abertura para a necessidade da sua avaliação faz referência
original. Segundo (ROCHA, 1999), a necessidade de avaliá-las à Organização da Educação Nacional, no artigo 9º., incisos V,
é devida a um conjunto de razões: VI e VIII, ressaltando o princípio da avaliação como uma das
a) Razões de ordem socioeconômica: partes centrais da estrutura administrativa da educação.
- A contenção de recursos nanceiros para os gastos pú- As razões apresentadas justi cam a necessidade da exis-
blicos, considerando-se as recentes e repetidas crises econô- tência da avaliação das escolas.
micas. É uma nova exigência que as escolas são confrontadas, e
- A democratização da sociedade e o desenvolvimen- precisam aprender a fazer.
to dos processos de participação social, particularmente no Autoavaliação da escola: alinhavando sentidos, produzin-
campo educacional. do signi cados
- A pressão da opinião pública geralmente apoiada numa
avaliação “selvagem” baseada em boatos, na comparação en- A autoavaliação da escola é aquela em que o processo é
tre escolas, ou seja, em ranqueamentos, ou ainda, na exposi- conduzido e realizado por membros da comunidade educati-
ção pública de resultados e fragilidades do sistema educacio- va. Pode ser de nida como uma análise sistemática da escola
nal pela mídia, muitas vezes não condizente com a realidade com vistas a identi car os seus pontos fortes e fracos, e a pos-
das escolas e com as concepções dos programas e projetos
sibilitar a elaboração de planos de intervenção e melhorias.
de avaliação adotados.
Frequentemente é realizada tendo como motivação principal
b) Razões de ordem político-administrativa:
o acompanhamento do projeto pedagógico da escola, no
- A sociedade tornou-se mais exigente quanto ao desem-
quadro de uma dinâmica de desenvolvimento organizacional
penho das escolas e a sua função de diminuir as desigualda-
e institucional. A avaliação inserida nas várias ações desenvol-
des sociais. Os poderes públicos passam a investir mais na
vidas na escola se coloca como mediadora do crescimento da
educação e, consequentemente, a solicitar às escolas que jus-
comunidade escolar.
ti quem tais gastos e suas aplicações.
- O aumento da autonomia das escolas a partir dos anos Para a realização de qualquer processo de avaliação de
90 (noventa) com a democratização da sociedade e a descen- escolas é fundamental a escolha e aceitação de uma concep-
tralização administrativa, em virtude da ine ciência do Estado ção de análise. Tradicionalmente duas abordagens epistemo-
em gerir com e cácia o sistema educacional. lógicas de avaliação se destacaram: a concepção racionalista
- A legitimidade de os governos democráticos controla- de origem positivista, também denominada de quantitativa,
rem, no âmbito das suas competências, o desempenho das e a concepção naturalista de origem construtivista, também
escolas, questionando-as sobre a e ciência, e cácia, efetivi- chamada de qualitativa. Tais perspectivas teóricas também
dade e relevância da sua ação educativa, particularmente a são válidas para a avaliação das escolas, pois irão de nir a
das escolas públicas. estrutura cientí ca, a visão de mundo, a loso a através da
- À medida que a sociedade se complexi ca, as mudanças qual se fará a leitura da realidade social que se quer avaliar.
sociais são mais rápidas e imprevisíveis e os sistemas educa- Ao optar-se pela abordagem quantitativa considera-se a
cionais são maiores, a escola-organização vai-se tornando o educação como um processo tecnológico, acredita-se na ob-
meio natural e mais importante de muitos projetos de mu- jetividade da avaliação e utiliza-se o método hipotético-dedu-
dança educacional. c) Razões de ordem cientí co-pedagógica: tivo. Os resultados são mais valorizados que os processos da
- Novas abordagens sobre os problemas das escolas e educação, a nalidade da avaliação é o controle, e, também,
da educação introduzidas pela comunidade cientí ca a partir se valoriza mais o caráter estável do que o dinâmico da reali-
de suas investigações: a valorização dos contextos escolares, dade educacional. A abordagem qualitativa ao contrário con-
a busca pelos fatores explicativos da diferença de qualidade sidera a educação sempre ligada a valores, problematiza a ob-
entre as escolas, a passagem de uma pedagogia centrada no jetividade da avaliação utilizando métodos mais qualitativos e
aluno para outra centrada na escola, e a problematização da compreensivos, valoriza os processos mais que os resultados
e cácia das reformas educacionais, tanto em nível local como da educação considerando como nalidade principal da ava-
global. liação a melhoria, e, também, valoriza mais o caráter dinâmico
e subjetivo da realidade educacional.

109
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

As duas perspectivas avaliativas têm suas fragilidades. Embora existam diferentes maneiras de se construir um
A racionalista ou quantitativa procura traduzir a realidade referencial de análise para a realização da autoavaliação da
escolar em números, medidas e corre o risco de deformá escola, apresenta-se neste texto o referencial proposto por
-la, parecendo que a exprime elmente. Isso ocorre porque Alaiz, Góis, Gonçalves (2003), o qual propõe seis áreas ou
por um lado desvaloriza a importância dos contextos, fon- dimensões:
tes ricas de signi cação, e por outro a simpli ca reduzindo a) Dimensão I - Contexto externo: as variáveis de contexto
a sua multidimensionalidade qualitativa a uma unidimen- externo não são maleáveis, ou seja, não são diretamente in-
sionalidade quantitativa. A abordagem naturalista, crítica uenciadas pela ação da escola, mas esta é uma das áreas de
ou qualitativa, ainda que atualmente seja considerada a avaliação de extrema importância na medida em que permite
melhor para o estudo dos fenômenos educacionais, pode enquadrar socialmente a escola. Ela pode ser composta pelas
intensi car algum subjetivismo intencional, e também ge- seguintes categorias de análise: caracterização sócio-econô-
rar interpretações distorcidas da realidade educativa. mico-cultural das famílias e alunos, expectativas das famílias e
Atualmente estudiosos apontam que as abordagens da comunidade quanto ao trabalho da escola; pressão para a
- ‘quantitativa e qualitativa’, devem ser entendidas como qualidade na perspectiva do contexto externo é exercida por
complementares e serem usadas em função das necessida- entidades ou grupos externos à escola: secretarias, núcleos
des do processo avaliativo. Eles argumentam que, embora regionais, associações de pais, ou outras instituições.
essa prática possa exigir mais tempo, formação e recursos, b) Dimensão II - Contexto interno: corresponde, numa
o esforço vale a pena para “realizar triangulações necessá- linguagem simples, “às condições com que a escola conta”:
rias ao suporte das conclusões, para se conseguir um forta- história da instituição escolar; recursos físicos, estrutura curri-
lecimento mútuo de métodos e para atender a pluralidade cular; corpo docente, administrativo e discente.
e diversidade das iniciativas, dos tipos, das nalidades, dos c) Dimensão III - Organização e gestão: as categorias de
enfoques e dos objetos de avaliação”. análise que compõem a área de organização e gestão dizem
respeito à proposta pedagógica da escola e à sua execução e
Operacionalização do processo de autoavaliação da es- avaliação.
cola d) Dimensão IV - Ensino e aprendizagem: as categorias de
análise de avaliação contempladas na área de ensino e apren-
Cada escola pode estabelecer as etapas para a cons- dizagem convergem no trabalho realizado na sala de aula.
trução do processo interno de avaliação. Para de ni-lo al- e) Dimensão V – Cultura da escola: as categorias associa-
das à cultura da escola podem ser: identidade institucional;
gumas escolhas de fundo são necessárias, tais como: - o
ênfase no ensino e na aprendizagem; participação nos pro-
que avaliar; quais dimensões? (Objetos de análise ou de
cessos de decisão, motivação dos professores, expectativas
avaliação da escola); - quem pode/deve avaliar a escola?
acerca dos alunos, trabalho em equipe, aprendizagem e de-
(Sujeitos, grupo de trabalho); - com que nalidades? (Obje-
senvolvimento pro ssional, reconhecimento dos pro ssionais
tivos); - com quais enfoques? (Concepções e tipos de ava-
da escola; disciplina e segurança na escola, aprazibilidade do
liação: interna /externa); - como, quando, onde, com quem,
espaço escolar, relação com a comunidade escolar
com quais recursos? (Metodologia, fontes; instrumentos;
f) Dimensão VI - Resultados Educacionais: Os resulta-
coleta, organização e análise dos dados; cronograma); - dos dos alunos são as medidas de desempenho da escola.
como divulgar os resultados e propor melhorias? (Planos Em última análise eles re etem a qualidade dos resultados
de intervenção). intermediários contemplados nas restantes áreas. Ela pode
Para que estas escolham venham a consubstanciar-se ser composta pelas seguintes categorias de análise: qualidade
num plano é essencial relacioná-las entre si e articulá-las do sucesso (classi cações internas, estatísticas de resultados,
com a nalidade e o foco da avaliação, isto é, estabelecer provas estandardizadas, outros resultados não acadêmicos) e
a operacionalização do processo avaliativo. A escola para cumprimento da escolaridade
se autoavaliar precisa construir um referencial de análise A escola pode ser avaliada considerando-se as seis di-
considerando a sua identidade institucional, seus sujeitos e mensões apresentadas ou pode escolher aquelas considera-
as nalidades da avaliação. O primeiro passo é a de nição das mais necessárias. No entanto, fundamental é que se parta
de dimensões, categorias de análise ou subdimensões, e de uma avaliação diagnóstica de todas as dimensões, e a par-
aspectos (indicadores) a serem avaliados. Existe uma hie- tir dos resultados alcançados novas etapas avaliativas sejam
rarquia entre essas palavras, partindo-se de dados mais desenvolvidas no interior da escola.
gerais para dados mais especí cos:
- Dimensões: são os pontos de abrangência que de- Instrumentos: elaboração e aplicação
verão ser avaliados, as grandes áreas da avaliação. Elas
podem abranger aspectos administrativos, pedagógicos, Após a de nição das dimensões, categorias de análise e
físicos e estruturais, relacionais. indicadores, vêm à etapa da escolha dos instrumentos e téc-
- Categorias de análise ou subdimensões: são os pon- nicas a serem utilizados no processo de autoavaliação para
tos básicos dentro da dimensão escolhida que se pretende coleta dos dados, os quais podem ser aplicados em grupos
avaliar. ou individualmente. Eles podem ser: questionários, entrevis-
- Aspectos ou indicadores: são pequenos pontos indi- tas, grupo focal, observação, portfólio, seminários, pesquisa
cadores para as perguntas em cada uma das categorias de em arquivos, análise de documentos, análise quantitativa, re-
análise. latórios, dentre outros.

110
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

Os instrumentos escolhidos devem estar adequados às por si só, por isso a necessidade de interpretá-los, ou seja,
dimensões, categorias e indicadores propostos no proje- estabelecer em que medida os resultados são positivos ou
to. É importante considerar que nenhum instrumento de negativos, signi cam sucessos ou fracassos, pontos fortes
avaliação é completo por si só, razão pela qual podemos ou pontos frágeis, mostrando assim as potencialidades e
escolher tipos que se complementam. fragilidades da escola, e as áreas em que a escola precisa
De nidos os procedimentos devem ser escolhidas as melhorar.
fontes de informação para coleta dos dados os quais po- A divulgação dos resultados à comunidade escolar é
dem ser: documentos, projetos, planos, regimento escolar, fundamental para legitimação do processo avaliativo. Eles
gestores, professores, alunos, pais, funcionários, membros devem ser apresentados, divulgados e debatidos de forma
colegiados, membros da comunidade externa, dentre ou- alargada, oportunizando a manifestação de pontos de vis-
tros. ta e a revisão de conclusões, quando as discussões acres-
Na etapa de aplicação dos instrumentos para coleta centem contribuições que auxiliem no aprofundamento
das informações nos deparamos com a sua fase mais difícil, da interpretação. Um relatório deve responder necessa-
que é passar pelo confronto com os sujeitos da avaliação, riamente a três questões: Quais são os resultados da ava-
ou seja, com o seu público-alvo. É a fase de implantação liação? Como se chegou a esses resultados? Face a esses
do projeto, de provação, confronto com a realidade, de resultados o que se pode fazer para melhorar? Portanto,
constatação de imperfeições, de ajustes que garantam a um relatório de autoavaliação da escola constitui-se num
sua validade. É o momento de perceber se há motivação documento em que a escola fala de si, mas também num
e disposição dos participantes para contribuir com as suas instrumento de trabalho para subsidiar a análise do que se
percepções sobre os aspectos solicitados na avaliação da pode fazer para melhorar.
escola. A coleta de dados precisa ser feita de uma forma Ainda que, a opção teóricometodológicas do processo
não incomodativa, com discrição, com pro ssionalismo, avaliativo deva ser escolhida pela escola, há que se iniciar o
pois a escola não para porque nela está em desenvolvi- trabalho com um planejamento de preparação do projeto
mento um processo de autoavaliação. coletivo, seguida de sua implementação e síntese dos re-
sultados obtidos. É um ciclo avaliativo que envolve diferen-
Tratamento, análise e interpretação dos dados tes momentos possibilitadores de se construir um retrato
da escola para analisá-la com base em evidências válidas
Dependendo da natureza da informação coletada e e áveis, retirando da autoavaliação aquilo que dá sentido
das questões de avaliação, optamos por um processo de à vida da escola, bem como a sua utilidade para a criação
análise especí co. Os dados de natureza quantitativa deve- de propostas de melhorias internas voltados ao desenvol-
rão ser objeto de análise estatística, e os de natureza qua- vimento institucional.
litativa poderão ser apresentados em descrições, mas tam- Autoavaliação da Escola e Desenvolvimento Institucional
bém poderão ser sujeitos a uma análise de conteúdo. Antes
de iniciarmos o tratamento das informações, procedemos A autoavaliação da escola é um processo necessário
a uma veri cação dos dados brutos para prepará-los para para compreender a dinâmica institucional, que pode e
a primeira análise, o que comumente se designa “limpeza” deve ser útil para a escola, desde que não se traduza ape-
dos dados. nas na identi cação de pontos fortes e de fragilidades,
Em seguida procedemos à análise propriamente dita, mas, também, na elaboração de recomendações que deve-
integrando e sintetizando os resultados. O trabalho de aná- rão ser consideradas na proposição de melhorias qualitati-
lise de dados consiste em reduzi-los ou condensá-los em vas para a instituição. Trata-se da utilização dos resultados
tabelas, grá cos, sumários estruturados em função de ca- para a elaboração dos planos de ação para o desenvolvi-
tegorias de análise, sinopses, registros de pequenos episó- mento da escola. É, portanto, na mobilização dos resulta-
dios, diagramas que mostram a relação entre eles. São apre- dos que reside a utilidade da autoavaliação. Um plano de
sentações das informações coletadas nos instrumentos de desenvolvimento da escola é um documento de contém as
modo sintetizado, que permitem uma primeira análise para intenções do coletivo escolar, re etindo a visão de futuro
a qual é importante ter presentes os objetivos e as ques- e desenvolvimento necessário à escola. Identi ca as prio-
tões de avaliação inicialmente propostas. Dela emergem as ridades de ação, estabelece as metas e os modos para sua
primeiras tendências, as primeiras imagens da escola, ain- concretização. Bolívar (2003) argumenta que a melhoria
da não articuladas numa imagem global, são os resultados da instituição escolar precisa incidir em toda a escola, com
preliminares. Eles geralmente suscitam mais perguntas, ora uma interseção em três grandes níveis: desenvolvimento
porque se encontram discrepâncias, ora porque existe uma da escola enquanto organização, desenvolvimento dos
combinação de informações não prevista ou pensada, que professores e desenvolvimento do currículo. O desenvolvi-
implica um novo olhar aos dados originais. mento do currículo e da organização escolar constitui um
Concluída esta etapa os resultados devem ser organi- campo indissociável.
zados de acordo com as dimensões, categorias e indicado- O desenvolvimento pro ssional é concebido como um
res propostos no projeto de autoavaliação. Assim, teremos processo contínuo de aprendizagem, que provoca mu-
as imagens da escola reveladas. Os signi cados desses re- danças na ação pro ssional do professor, através da forma
sultados expressam o pensamento do coletivo escolar que como atribuem sentido às suas experiências e como estas
participou do processo avaliativo. Eles, os dados, não falam in uenciam as suas práticas diárias, Mas, por sua vez, na

111
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

medida em que o desenvolvimento pessoal e pro ssional - consulta e decisão acerca das prioridades elaborando
está condicionado pelo contexto da escola enquanto local o plano de forma coletiva, democrática e negociada;
de trabalho e relação, a formação orienta-se para a conse- - redação e divulgação do plano esclarecendo a arti-
cução de uma estreita articulação entre as práticas forma- culação com os objetivos e ns da escola, justi cando a
tivas e os contextos de trabalho, otimizando a dimensão seleção das prioridades, a metodologia ou os recursos en-
educativa dos processos de trabalho, mediante uma apren- volvidos.
dizagem re exiva e colegial. Concluindo, o plano de desenvolvimento institucional
Na acepção do autor o desenvolvimento pro ssio- é um documento estratégico da escola, pois lhe permite
nal e o desenvolvimento institucional das escolas devem olhar criticamente sobre si mesma, ou seja, sobre a con-
caminhar lado a lado, pois um não existe sem o outro. A cretização dos seus objetivos principais e dos ns educa-
possibilidade de desenvolvimento institucional está liga- cionais relacionados com o ensino e a aprendizagem e, en-
da a capacidade interna de mudança que é diferente para quanto documento contextualizado deixa que a instituição
cada escola, considerando-se a sua história de vida, sua escolar interprete as dinâmicas internas e o integre na sua
identidade e singularidade, e está condicionada a política vida e cultura.
educacional e ao contexto social na qual ela se insere. O
desenvolvimento institucional é entendido “como as mu- Referência:
danças nas escolas enquanto instituições que desenvolvem BRANDALISE, M. A. T. Avaliação Institucional da Escola:
as suas capacidades e atuações com vista a uma melhoria Conceitos, Contextos e Práticas. ANPAE, 2011.
permanente”.
O plano de desenvolvimento da escola enquanto insti-
tuição deve ser compreendido como o conjunto de ações
25. O PAPEL DO PROFESSOR NA
necessárias para planejar e gerir o crescimento da escola, a
INTEGRAÇÃO ESCOLA-FAMÍLIA.
sua melhoria contínua, o que pressupõe o fortalecimento
da capacidade institucional nos processos internos de tra-
balho da escola e de decisão sobre as mudanças a serem
implementadas. A FAMÍLIA E SUA FUNÇÃO
A elaboração de um plano de desenvolvimento insti-
tucional pode orientar-se pelos seguintes questionamen- O ambiente familiar, bem como suas relações com o
tos: - quais mudanças necessitamos fazer na escola?; como aprendizado escolar revelam um campo pouco estudado,
essas mudanças podem ser geridas ao longo do tempo?; apesar de muito importante para o desenvolvimento e apren-
como podemos conhecer os efeitos ou impactos das me- dizagem das crianças.
didas adotadas? A legislação estabelece que a família deve desempenhar
De acordo com Alaíz, Góis e Gonçalvez (2003), a ela- papel educacional e não incumbir apenas à escola a função de
boração e o desenvolvimento do plano de desenvolvimen- educar. O artigo 205 da Constituição Federal a rma: A educa-
to institucional envolvem quatro etapas: autoavaliação ou ção direito de todos e dever do Estado e da família, será pro-
auditoria, planejamento, implementação e avaliação. A pri- movida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando
meira fase constitui-se da análise dos resultados da autoa- ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exer-
cício da cidadania e sua quali cação para o trabalho.
valiação, identi cando os pontos fortes e fracos da escola.
Sendo assim, pode-se a rmar que a família é fundamen-
Na segunda, é feita a seleção das prioridades de ação da
tal na formação cultural e social de qualquer indivíduo visto
escola, transformando-as em metas especí cas, de nin-
que, todos fazem parte da mais velha das instituições, que é a
do-se as estratégias e critérios para alcançá-las. A imple-
FAMÍLIA. Porém, ao tratarmos da família em sua relação com a
mentação do plano de desenvolvimento constitui a terceira escola faz-se necessário um estudo sobre o panorama familiar
etapa. Nela deve-se assegurar que o plano é seguido e que atual, não esquecendo que a família através dos tempos vem
as ações previstas estão sendo desenvolvidas. Na quarta passando por um profundo processo de transformação.
etapa avalia-se o sucesso das medidas implementadas e A família não é um simples fenômeno natural. Ela é uma
recomendações são propostas para alterações no plano ou instituição social variando através da história e apresenta for-
para a construção de um novo projeto. Ressalta-se que, a mas e nalidades diversas numa mesma época e lugar, con-
avaliação deve ocorrer ao longo do processo de desenvol- forme o grupo social que esteja.
vimento do plano, numa perspectiva proativa, formativa e Entretanto, ao analisar a história, pode-se perceber, que
re exiva, possibilitando a introdução dos ajustes necessá- ao contrário de uma família ideal, o que se encontra em nosso
rios durante o seu período de realização. passado são famílias que se constituíram através das circuns-
Em síntese, podemos apontar que na elaboração do tâncias econômicas, culturais e políticas sob as mais variadas
plano de desenvolvimento institucional da escola é neces- formas. A família é a base da sociedade, porém diante das
sário contemplar os seguintes procedimentos: mudanças pelas quais passou, vê-se a instituição familiar es-
- respeito pelo contexto social considerando as orien- truturada de forma totalmente diferente de anos atrás. O an-
tações da política educacional, o projeto pedagógico da tigo padrão familiar, antes constituído por pai, mãe, lhos e
escola, as características da comunidade escolar e os recur- outros membros, cujo comando centrava no patriarca e/ou
sos disponíveis e necessários. matriarca, deixou de existir. Em seu lugar surgem novas com-

112
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

posições familiares, ou seja, famílias constituídas de diversos Por falta de um contato mais próximo e afetuoso, surgem
modos, desde as mais simples, formadas apenas por pais e as condutas caóticas e desordenadas, que se re ete em casa
lhos, outras formadas por casais vindos de outros relaciona- e quase sempre, também na escola em termo de indisciplina
mentos, além de famílias compostas por homossexuais, por e de baixo rendimento escolar.
avós e netos etc.
O século XX foi cenário de grandes transformações na Percebe-se dessa maneira que a família possui papel
estrutura da família. Ainda hoje, porém, observamos algumas decisivo na educação formal e informal e, além de re etir
marcas deixadas pelas suas origens. Da família romana, por os problemas da sociedade, absorve valores éticos e huma-
exemplo, temos a autoridade do chefe da família, onde a sub- nitários aprofundando os laços de solidariedade. Portanto,
missão da esposa e dos lhos ao pai confere ao homem o é indispensável a participação da família na vida escolar dos
papel de chefe. Da família medieval perpetua-se o caráter sa- lhos, pois, crianças que percebem que seus responsáveis es-
cramental do casamento originado no século XVI. Da cultura tão acompanhando de perto o que está acontecendo, que
portuguesa, temos a solidariedade, o sentimento de sensível estão veri cando o rendimento escolar, perguntando como
ligação afetiva, abnegação e desprendimento. O aumento da foram as aulas, questionando as tarefas, etc. tendem a se sen-
expectativa de vida, a diminuição do índice de natalidade, o tir mais seguras e em consequência apresentam um melhor
aumento de mulheres abarcando o mundo do trabalho, além desempenho nas atividades escolares. “... a família também é
do aumento de divórcios e separações forma algumas das responsável pela aprendizagem da criança, já que os pais são
mudanças deixadas pelo século XX. Em consequência disso, os primeiros ensinantes e as atitudes destes frente às emer-
a família contemporânea, assim como a instituição do casa- gências de autoria, se repetidas constantemente, irão deter-
mento, parece estar vivenciando uma grande crise. minar a modalidade de aprendizagem dos lhos.”
Percebe-se em consequência dessa crise um aumento Portanto, é indispensável que a família esteja em harmo-
considerável de pequenas famílias che adas por jovens espo- nia com a instituição escolar, uma vez que uma relação har-
sas tentando se rmar nanceiramente. moniosa só pode enriquecer e facilitar o desempenho educa-
Ao comentar as mudanças ocorridas na estrutura familiar cional das crianças.
Romanelli, diz: Uma das transformações mais signi cativas na Esteve (1999), assegura que a família abdicou de suas res-
vida doméstica e que redunda em mudanças na dinâmica é a ponsabilidades no âmbito educativo, passando a exigir que a
crescente participação do sexo feminino na força de trabalho, escola ocupe o vazio que eles não podem preencher. Sendo as-
em consequência das di culdades enfrentadas pelas famílias. sim, o que se vê hoje são crianças chegando à escola e desen-
Cabe aqui ressaltar que a Constituição Federal de 1988, volvendo suas atividades escolares sem qualquer apoio familiar.
em seu artigo 5º, caput e inciso I, declara a igualdade entre Essa erosão do apoio familiar não se expressa só na fal-
o homem e a mulher; no artigo 226, parágrafos 3º e 4º reco- ta de tempo para ajudar as crianças nos trabalhos escolares
nhecem na família a relação proveniente da união estável e ou para acompanhar sua trajetória escolar. Num sentido mais
da monoparentalidade formada por qualquer dos pais e seus geral e mais profundo, produziu-se uma nova
descendentes e, ainda no artigo 227, parágrafo 5º, as relações dissolução entre família e escola, pela qual as crianças che-
ligadas pela a nidade e pela adoção. O código civil brasileiro, gam à escola com um núcleo básico de desenvolvimento da
em vigor desde 11 de janeiro de 2003, considera qualquer personalidade caracterizado seja pela debilidade dos quadros
união estável entre pessoas que se gostam e se respeitam, de referência, seja por quadros de referência que diferem dos
ampliando assim o conceito de família e ainda segundo Ge- que a escola supõe e para os quais se preparou.
nofre, 1997: [...] o traço dominante da evolução da família é sua Diante da colocação acima, entende-se que a família
tendência a se tornar um grupo cada vez menos organizado e deve, portanto, se esforçar para estar mais presente em todos
hierarquizado e que cada vez mais se funda na afeição mútua. os momentos da vida de seus lhos, inclusive, da vida escolar.
Como já foi dito, as mudanças sócio-políticas-econômi- No entanto, esta presença implica envolvimento, comprome-
cas das últimas décadas vêm in uenciando na dinâmica e na timento e colaboração. O papel dos responsáveis, portanto,
estrutura familiar, acarretando mudanças em seu padrão tra- é dar continuidade ao trabalho da escola, criando condições
dicional de organização. Diante disso, não se pode falar em para que seus lhos tenham sucesso na sala de aula, assim
família, mas sim de famílias, devido à diversidade de relações como na vida fora da escola.
existentes em nossa sociedade. Diante dos autores revisados, percebe-se que a família,
Apesar dos diferentes arranjos familiares que se sucede- apesar de ser um tema relevante, também é bastante comple-
ram e conviveram simultaneamente ao longo da história, as xa e requer ainda muito estudo e pesquisa para que se possa
famílias ainda se constituem com a mesma nalidade: pre- entender melhor sua natureza e especi cidade.
servar a união monogâmica baseada em princípios éticos,
pois o respeito ao outro é uma condição indispensável. Por A ESCOLA E SUA FUNÇÃO
outro lado, mudanças são consideradas sempre bem-vindas,
principalmente quando surgem para fortalecer ainda mais a As mudanças pelas quais a sociedade tem passado atual-
instituição familiar, independentemente da forma como está mente em decorrência de grande carga de informação, dos
constituída. A família se modi ca através da história, mas con- avanços tecnológicos e tantos outros fatores, têm repercutido
tinua sendo um sistema de vínculos afetivos onde se dá todo na estruturação da família e consequentemente na estrutura
o processo de humanização do indivíduo. Esse vínculo afetivo da escola. Portanto, faz-se necessário voltar atenção para a
parece contribuir de forma positiva para o bom desempenho escola que, apesar das mudanças, continua exercendo a fun-
escolar da criança. ção de transmitir conhecimentos cientí cos.

113
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

A escola tem encontrado di culdades em assimilar as educação de uma criança, se sobrepõe, onde quanto mais
mudanças sociais e familiares e incorporar as novas tare- diferentes são, mais necessitam uma da outra. Entretanto,
fas que a ela tem sido delegada, embora isso não seja um escola e família não podem e não devem modi car-se em
processo recente. Entretanto, a escola precisa ser pensada suas formas de se desenvolverem e se organizarem – a es-
como um caminho entre a família e a sociedade, pois, tanto cola em função da família e a família em função da escola,
a família quanto à sociedade voltam seus olhares exigen- porém, podem e devem estar abertas às trocas de expe-
tes sobre ela. A escola é para a sociedade uma extensão riências mediante uma parceria signi cativa.
da família, pois é através dela (a escola) que se consegue Diante dos autores revisados, percebe-se a clareza
desenvolver indivíduos críticos e conscientes de seus di- da importância de compartilhar responsabilidades e não
reitos e deveres. Na verdade, encontrar formas de modo transferi-las. A escola não funciona isoladamente, é preci-
a favorecer um ambiente conveniente e favorável a todos, so que cada um, dentro da sua função, trabalhe buscando
constitui-se num grande desa o para escola. Diante des- atingir uma construção coletiva, contribuindo assim para a
sas premissas, percebe-se que o papel da escola supera a melhoria do desempenho escolar das crianças.
simples condição de mera transmissora de conhecimento. Colaborando com a discussão sobre o tema de nosso
A escola tem um papel preponderante na contribuição trabalho, Dermeval Saviani tece algumas considerações.
do sujeito, tanto do ponto de vista de seu desenvolvimento
pessoal e emocional, quanto da constituição da identidade, “Claro que, de modo geral, pode-se entender que uma
além de sua inscrição futura na sociedade. boa relação entre a família e a escola tenderá a repercu-
Sendo assim, faz-se necessário que a escola repense sua tir favoravelmente no desempenho dos alunos. No entanto,
prática pedagógica para melhor atender a singularidade de considerada essa questão especí ca, é necessário veri car
seus alunos, o que a obriga a uma parceria com a família, que podemos nos defrontar com situações distintas que re-
de forma a atingir seus objetivos educativos. É importante querem, portanto, tratamentos distintos. Suponhamos, por
que a escola busque estreitar suas relações com a família exemplo, o padrão tradicional de funcionamento das escolas
em nome do bem-estar do aluno. Para maior uência de na forma de externatos em que os alunos cam na escola
seus objetivos, a escola necessita da participação da família uma parte do dia, frequentando as aulas, devendo estudar
e que essa participação seja de efetivas contribuições para em casa na outra parte do dia ou à noite. A escola, então,
o bom desempenho escolar dos alunos. As responsabili- ministraria ensinamentos e passaria “lições de casa” que se-
dades da escola hoje vão além de mera transmissora de riam corrigidas no retorno a sala de aula, dando sequên-
conhecimento cientí co. Sua função é muito mais ampla cia ao processo ensinoaprendizagem. Bem, numa situação
e profunda. Tem como tarefa árdua educar a criança para como essa se torna fundamental a cooperação da família.
que ela aprenda a conviver em sociedade, para que tenha Essa cooperação implica um ambiente minimamente favo-
uma vida plena e realizada, além de formar o pro ssional rável para que as crianças possam estudar em casa, prefe-
contribuindo assim, para a melhoria da sociedade. De acor- rencialmente com o estímulo e a eventual ajuda dos pais ou
do com Torres (2006), uma das funções sociais da escola é responsáveis. No entanto, nós podemos nos defrontar com
preparar o cidadão para o exercício da cidadania vivendo sérios obstáculos a esse modelo, pois há muitas famílias que
como pro ssional e cidadão. O que quer dizer que a esco- não dispõe sequer de um espaço no qual as crianças possam
la tem como função social democratizar conhecimentos e estudar, não havendo uma mesa com uma cadeira onde a
formar cidadãos participativos e atuantes. criança possa sentar e car em silêncio manuseando o livro
didático e escrevendo sem seu caderno; famílias em que os
A IMPORTÂNCIA DA RELAÇÃO FAMÍIA/ESCOLA/ pais passam o dia todo fora de casa, trabalhando; em que os
COMUNIDADE pais e mesmo os irmãos mais velhos não tiveram acesso à
escola e, portanto, não têm condições de acompanhar o de-
Vida familiar e vida escolar perpassam por caminhos senvolvimento escolar dos lhos ou irmãos mais novos. Para
concomitantes. É quase impossível separar aluno/ lho, por esses casos a solução poderia ser a escola de tempo integral.
isto, quanto maior o fortalecimento da relação família/es- Essa proposta está na pauta tendo sido, inclusive, con-
cola, tanto melhor será o desempenho escolar desses - templada na nova LDB ao prescrever, no § segundo do Art.
lhos/alunos. Nesse sentido, é importante que família e a 34, que “o ensino fundamental será ministrado progressi-
escola saibam aproveitar os benefícios desse estreitamento vamente em tempo integral, a critério dos sistemas de en-
de relações, pois, isto irá resultar em princípios facilitadores sino”. E essa proposta também aparece com frequência nas
da aprendizagem e formação social da criança. plataformas políticas dos diversos candidatos nas sucessivas
Tanto a família quanto a escola desejam a mesma coisa: eleições. No entanto, geralmente quando se fala em escola
preparar as crianças para o mundo; no entanto, a família de tempo integral se pensa num turno de aulas e em um
tem suas particularidades que a diferenciam da escola, e outro em que as crianças estariam na escola desenvolvendo
suas necessidades que a aproximam dessa instituição. A atividades culturais e desportivas. Ora, sendo assim, o pro-
escola tem sua metodologia loso a, no entanto ela ne- blema do desempenho dos alunos não seria devidamente
cessita da família para concretizar seu projeto educativo. equacionado. Ao contrário, tenderia a ser di cultado porque,
Em vista disso, é que destacamos a necessidade de após passar o dia inteiro na escola, as crianças teriam que
uma parceria entre a família e a escola visto que, cada estudar fazer as lições de casa e se preparar para as aulas
qual com seus valores e objetivos especí cos em relação à do dia seguinte em casa, à noite. Na verdade, uma escola de

114
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

tempo integral implicaria que, no contra turno, as crianças fessores e toda comunidade escolar. Faz-se necessário, que
estariam estudando com a orientação dos professores que a escola vá de encontro à família quando sentir que esta
poderiam ministrar atividades de reforço para aqueles que permanece distante. Portanto, a escola necessita dessa re-
apresentassem maiores di culdades de aprendizagem. Logo, lação de parceria com a família, para que juntas, possam
também os professores deveriam ser contratados em jorna- compartilhar os aspectos que envolvem a criança, no que
da de tempo integral numa única escola. Isso permitiria que diz respeito ao aproveitamento escolar, qualidade na reali-
eles se xassem em determinada escola, se identi cassem zação das tarefas, relacionamento com professores e cole-
com ela podendo, em consequência, participar mais direta- gas, atitudes, valores e respeito às regras. En m, a relação
mente na vida da comunidade em que a escola está inserida. familiar e escolar é fundamental para o processo educativo,
Assim, seria possível manter certo grau de diálogo com as pois os dois contextos possuem o papel de desenvolver a
famílias dos alunos o que contribuiria para estabelecer al- sociabilidade, a afetividade e o bem-estar físico e intelec-
gum tipo de colaboração entre a ação da escola e a ação da tual os indivíduos, ou seja, o ideal é que família e escola se
família tendo em vista o objetivo de assegurar às crianças envolvam numa relação recíproca, pois as in uências dos
um satisfatório desempenho escolar”. dois meios são importantes para a formação de sujeitos.
Contudo, percebe-se a importância da relação Família/
Escola no processo educativo da criança. Ambas são refe- Referência:
renciais que dão sustentação ao bom desenvolvimento da Material didático. Ester. Disponível em: http://www.
criança, portanto, quanto melhor for a parceria entre elas, diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/1764-6
mais positiva e signi cativa será o desempenho escolar dos
lhos/alunos. Porém, a participação da família na educação Questões
formal dos lhos precisa ser constante e consciente, pois
vida familiar e vida escolar se complementam. 01. (MOURA MELO/2015) Com relação à Educação
As famílias, em parceria com a escola e vice-versa, são para a Cidadania, podemos a rmar, exceto:
peças fundamentais ao desenvolvimento pleno da crian- a) Estimula o desenvolvimento de competência.
ça e consequentemente são pilares imprescindíveis para b) Não se atém à abordagem de temas transversais.
o bom desempenho escolar. Entretanto, para conhecer a c) Valoriza o desenvolvimento do espírito crítico.
família é necessário que a escola abra suas portas, intensi- d) Preocupa-se com o apreço pelos valores democráticos.
cando e garantindo sua permanência através de reuniões
mais interessantes e motivadoras. À medida que a escola 02. (MOURA MELO/2015) Para que o conhecimento
abrir espaços e criar mecanismos para atrair a família para seja pertinente, a educação deverá tornar certos fatores
o ambiente escolar, novas oportunidades com certeza irão evidentes. São eles, exceto:
surgir para que seja desenvolvida uma educação de qua- a) O global.
lidade, sustentada justamente por esta relação FAMÍLIA/
b) O complexo.
ESCOLA. Essa parceria deve ter como ponto de partida a
c) O contexto.
escola, visto que, os professores são vistos como “espe-
d) O unidimensional.
cialistas em educação”. Portanto, cabe a eles dar início a
construção desse relacionamento. Os pais não conhecem
o funcionamento da escola, tampouco tem conhecimento 03. (MOURA MELO/2015) O acesso ao ensino funda-
sobre as características do desenvolvimento cognitivo, afe- mental é direito:
tivo, moral e social ou conhecem o processo ensinoapren- a) Privado objetivo.
dizagem. Porém, não existe uma fórmula mágica para se b) Privado subjetivo.
efetivar a relação família/escola, pois, cada família, cada c) Público objetivo.
escola, vive uma realidade diferente. Nesse sentido, esta d) Público subjetivo.
interação se faz necessário para que ambas conheçam suas
realidades e construam coletivamente uma relação de diá- 04. (FGV/2014) As opções a seguir apresentam dire-
logo mútuo, procurando meios para que se concretize essa trizes sobre a avaliação no Ensino Fundamental à exceção
parceria, apesar das di culdades e diversidades que as en- de uma. Assinale-a.
volvem. O diálogo entre ambas, tende a colaborar para um a) Deve promover, facultativamente, períodos de recu-
equilíbrio no desempenho escolar dos alunos. peração, de preferência paralelos ao período letivo
Sendo assim, percebe-se a importância de a escola en- b) Deve utilizar instrumentos e procedimentos adequa-
contrar formas que sejam e cientes para se comunicar com dos à faixa etária e ao desenvolvimento do aluno.
as famílias, buscando auxiliá-las a encontrar maneiras apro- c) Deve possibilitar a aceleração de estudos para os
priadas para orientar seus lhos nas tarefas escolares que alunos com defasagem entre a idade e a série
levam para casa, levando em consideração o nível cultural, d) Deve assumir um caráter processual, formativo e
o tempo disponível, entre outros problemas enfrentados participativo.
pela família. Assim, é possível estabelecer uma condição e) Deve subsidiar decisões sobre a utilização de estra-
de parceria e con ança mútua - condições essenciais para tégias a abordagens pedagógicas.
o sucesso do processo educacional. Porém, esta parceria
deve ser fortalecida a cada dia, com reuniões de pais e pro-

115
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

05. (CETRO - 2014) As Diretrizes Curriculares Nacio- 08. (ESAF/2016) Considerando a Política Nacional de
nais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva,
o Ensino de História e Culturas Afro-Brasileira e Africana assinale a opção correta.
constituem-se de orientações, princípios e fundamentos (A) A transversalidade da educação especial é uma exi-
para o planejamento, execução e avaliação da Educação e gência da educação básica.
a) têm por meta promover a educação de cidadãos (B) Não requer atendimento educacional especializado,
atuantes e conscientes no seio da sociedade multicultural e pois o aluno deve inserir-se no contexto regular de ensino.
pluriétnica do Brasil, buscando relações étnico-sociais po- (C) Não tem condições de garantir a continuidade da
sitivas, rumo à construção de uma nação democrática.
escolarização nos níveis mais elevados do ensino.
b) devem ser observadas pelas instituições de ensino
(D) Requer a formação de professores para o atendi-
que atuam na educação básica, cando a critério das insti-
mento educacional especializado e demais pro ssionais da
tuições de Ensino Superior incluí-las, ou não, nos conteú-
dos das disciplinas dos cursos que ministram. educação para a inclusão escolar.
c) preveem o ensino sistemático de História e Culturas (E) Restringe a participação da família e da comunida-
Afro-Brasileira e Africana na educação básica, especi ca- de, pois não possuem formação apropriada para lidar com
mente como conteúdo do componente curricular de His- as demandas do aluno.
tória do Brasil.
d) de nem que os estabelecimentos de ensino estabe- 09. (IBFC/2015) A Educação Inclusiva não deve ser
leçam canais de comunicação com grupos do Movimento confundida como Educação Especial, porém, a segunda
Negro, para que estes forneçam as bases do projeto peda- esta inclusa na primeira. Em outras palavras, a Educação
gógico da escola. Inclusiva é a forma de:
e) alertam os órgãos colegiados dos estabelecimentos (A) Promover a aprendizagem e o desenvolvimento de
de ensino para evitar o exame dos casos de discrimina- todos.
ção, pois caracterizados como racismo, devem ser tratados (B) Inclusão de jovens e adultos no ensino médio.
como crimes, conforme prevê a Constituição Federal em (C) Promover a aprendizagem de crianças somente na
vigor. educação infantil.
(D) Inclusão de crianças no ensino fundamental.
06. (CONSULPLAN/2014) O currículo tem um papel
10. (AOCP/2016) De acordo com a Política Nacional
tanto de conservação quanto de transformação e cons-
de Educação Especial, na Perspectiva da Educação Inclusi-
trução dos conhecimentos historicamente acumulados. A
va, NÃO podemos a rmar que
perspectiva teórica que trata o currículo como um campo
de disputa e tensões, pois o vê implicado com questões (A) na perspectiva da educação inclusiva, a educação
ideológicos e de poder, denomina-se especial passa a integrar a proposta pedagógica da escola
(A) tecnicista. regular, promovendo o atendimento às necessidades edu-
(B) crítica. cacionais especiais de alunos com de ciência, transtornos
(C) tradicional. globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdo-
(D) pós-crítica. tação.
(B) constitui um paradigma educacional fundamentado
07. (SEDUC-AM/2014) A respeito da formação de na concepção de direitos humanos, que conjuga igualda-
professores para a Educação Especial, assinale a a rmativa de e diferença como valores indissociáveis, e que avança
incorreta. em relação à ideia de equidade formal ao contextualizar as
(A) A proposta inclusiva envolve uma escola cujos pro- circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e
fessores tenham um per l compatível com os princípios fora da escola.
educacionais humanistas. (C) o atendimento educacional especializado tem
(B) Os professores estão continuamente atualizando- como função identi car, elaborar e organizar recursos pe-
se, para conhecer cada vez mais de perto os seus alunos, dagógicos e de acessibilidade que eliminem as barreiras
promover a interação entre as disciplinas escolares, reunir
para a plena participação dos alunos, considerando suas
os pais, a comunidade, a escola em que exercem suas fun-
necessidades especí cas.
ções, em torno de um projeto educacional que estabelece-
(D) tem como objetivo o acesso, a participação e a
ram juntos.
(C) A formação continuada dos professores é, antes de aprendizagem dos alunos com de ciência, transtornos glo-
tudo, uma auto formação, pois acontece no interior das es- bais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação
colas e a partir do que eles estão buscando para aprimorar nas escolas regulares, orientando os sistemas de ensino
suas práticas. para promover respostas às necessidades educacionais es-
(D) As habilitações dos cursos de Pedagogia para for- peciais.
mação de professores de alunos com de ciência ainda (E) para atuar na educação especial, o professor deve
existem em diversos estados brasileiros. ter como base da sua formação, inicial e continuada, co-
(E) A inclusão diz respeito a uma escola cujos profes- nhecimentos gerais para o exercício da docência, bem
sores tenham uma formação que se esgota na graduação como conhecimentos gerais da área.
ou nos cursos de pós-graduação em que se diplomaram.

116
POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

11. (SEDUC-AM- FGV/2014) De acordo com o do- 14. (VUNESP/2016) O conceito de currículo está as-
cumento “Política Nacional de Educação Especial na pers- sociado às diferentes concepções, que derivam dos diver-
pectiva da Educação Inclusiva”, a respeito da formação do sos modos como a educação é concebida historicamente,
professor para atuar na Educação Especial, assinale a a r- e pode ser entendido como as experiências escolares que
mativa correta. se desdobram em torno do conhecimento, em meio a rela-
(A) O professor deve ter, como base da sua formação, ções sociais, e que contribuem para a construção das iden-
conhecimentos gerais para o exercício da docência, sem tidades dos alunos. Assim, um currículo precisa contemplar
necessidade de conhecimentos especí cos da área. (A) um rol de conteúdos a serem transmitidos para os
(B) A formação não deve possibilitar a sua atuação no alunos.
atendimento educacional especializado. (B) o plano de atividades de ensino dos professores.
(C) A formação deve aprofundar o caráter interativo (C) o uso de textos escolares, efeitos derivados das
e interdisciplinar da atuação nas salas comuns do ensino práticas de avaliação.
regular para a oferta dos serviços e recursos de educação (D) uma série de estudos do meio que contemplem as
especial. relações sociais.
(D) A formação não precisa contemplar conhecimentos (E) conhecimentos, valores, costumes, crenças e hábitos.
de gestão de sistema educacional inclusivo.
(E) A formação deve favorecer conhecimentos de ges- 15. (VUNESP/2016) O sentido social que se atribui
tão de sistema educacional inclusivo, mas sem precisar à pro ssão docente está diretamente relacionado à com-
considerar o desenvolvimento de projetos em parceria com preensão política da nalidade do trabalho pedagógico, ou
outras áreas. seja, da concepção que se tem sobre a relação entre so-
ciedade e escola. Assim, a escola é o cenário onde alunos
12. (SEDUC/AM-FGV/2014) A respeito da Política Na- e professores, juntos, vão construindo uma história que se
cional de Educação Especial na Perspectiva da Educação modi ca, amplia, transforma e interfere em diferentes âm-
Inclusiva, assinale V para a a rmativa verdadeira e F para bitos: o da pessoa, o da comunidade na qual está inserida
e o da sociedade, numa perspectiva mais ampla. É correto
a falsa.
a rmar que a escola
( ) Na perspectiva da educação inclusiva, a educação
(A) é suprassocial, não está ligada a nenhuma classe
especial passa a integrar a proposta pedagógica da escola
social especí ca e serve, indistintamente, a todas.
regular, promovendo o atendimento às necessidades edu-
(B) não é capaz de funcionar como instrumento para
cacionais especiais de alunos com de ciência, transtornos
mudanças, serve apenas para reproduzir as injustiças.
globais de desenvolvimento e altas habilidades/superdo-
(C) não tem, de forma alguma, autonomia, é determi-
tação.
nada, de maneira absoluta, pela classe dominante da socie-
( ) A educação especial direciona suas ações para o dade.
atendimento às especi cidades desses alunos no processo (D) é o lugar especialmente estruturado para poten-
educacional e, no âmbito de uma atuação mais ampla na cializar a aprendizagem dos alunos.
escola, orienta a organização de redes de apoio, a forma- (E) tem a tarefa primordial de servir ao poder e não a
ção continuada, a identi cação de recursos, serviços e o de atuar no âmbito global da sociedade.
desenvolvimento de práticas colaborativas.
( ) A atuação pedagógica deve ser direcionada a man- 16. (IFRO/ 2014) O Projeto Políticopedagógico é por
ter a situação de exclusão, reforçando a importância dos si a própria organização do espaço escolar. Ele organiza as
ambientes homogêneos para a promoção da aprendiza- atividades administrativas, pedagógicas, curriculares e os
gem de todos os alunos. propósitos democráticos. Dizer que o Projeto Políticopeda-
As a rmativas são, respectivamente, gógico abrange a organização do espaço escolar signi ca
(A) V, V e V. dizer que o ambiente escolar é normatizado por ideais co-
(B) V, V e F. muns a todos que constitui esse espaço, visto que o Pro-
(C) V, F e V. jeto Político Pedagógico deve ser resultado dos atributos
(D) F, F e V. participativos. Dessa forma, Libâneo (2001) elenca quatro
(E) F, V e F. áreas de ação em que a organização do espaço escolar
deve abranger.
13. (VUNESP/2016) Para Vygotsky, o tema do pensa- Qual das alternativas não se refere às áreas elencadas
mento e da linguagem situa-se entre as questões de psico- pelo autor?
logia, em que aparece em primeiro plano, a relação entre as a) A organização da vida escolar, relacionado à organi-
diversas funções psicológicas e as diferentes modalidades zação do trabalho escolar em função de sua especi cidade
de atividade da consciência. O ponto central de toda essa de seus objetivos.
questão é (A) a relação entre o pensamento e a palavra. b) Organização do processo de ensino e aprendizagem
(B) a relação entre o desenvolvimento e a linguagem. – refere-se basicamente aos aspectos de organização do
(C) a priorização das diversas funções psicológicas. trabalho do professor e dos alunos na sala de aula.
(D) os diversos modos de desenvolver a consciência. c) Organização das atividades de apoio técnico admi-
(E) o pensamento e o desenvolvimento ampliado das nistrativo – tem a função de fornecer o apoio necessário ao
relações morais. trabalho docente.

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POLÍTICAS PÚBLICAS DA EDUCAÇÃO

d) Orientação de atividades que vinculam escola e fa- d) NDR (Nível de Desenvolvimento Real) onde as fun-
mília – refere-se às relações entre a escola e o ambiente ções mentais da criança ainda não estão completadas e
interno: com os alunos, professores e famílias. NDP (Nível de Desenvolvimento Processual) onde a criança
e) Organização de atividades que vinculam escola e não consegue realizar tarefas com a ajuda de adultos ou
comunidade – refere-se às relações entre a escola e o am- colegas mais avançados.
biente externo: com os níveis superiores da gestão de siste- e) NDR (Nível de Desenvolvimento Real) onde as fun-
mas escolar, com as organizações políticas e comunitárias. ções mentais da criança ainda não estão completadas e
ZDP (Zona de Desenvolvimento Proximal) que de ne fun-
17. (IFRO/ 2014) O Projeto Políticopedagógico é por ções ainda não amadurecidas, mas em processo de matu-
si a própria organização do espaço escolar. Ele organiza as ração.
atividades administrativas, pedagógicas, curriculares e os
propósitos democráticos. Dizer que o Projeto Políticopeda- 19. (IFRO/ 2014) Dentro do processo de ensino e
gógico abrange a organização do espaço escolar signi ca aprendizagem, aponte qual o teórico que defende que a
dizer que o ambiente escolar é normatizado por ideais co- criança nasce inserida em um meio social, que é a família,
muns a todos que constitui esse espaço, visto que o Pro- e é nele que estabelece as primeiras relações com a lin-
jeto Político Pedagógico deve ser resultado dos atributos guagem na interação com os outros. (Nas interações coti-
participativos. Dessa forma, Libâneo (2001) elenca quatro dianas, a mediação (necessária intervenção de outro entre
áreas de ação em que a organização do espaço escolar duas coisas para que uma relação se estabeleça) com o
deve abranger. adulto acontecem espontaneamente no processo de utili-
Qual das alternativas não se refere às áreas elencadas zação da linguagem, no contexto das situações imediatas.)
pelo autor? a) Jean Piaget.
a) A organização da vida escolar, relacionado à organi- b) Henry Wallon.
zação do trabalho escolar em função de sua especi cidade c) Paulo Freire.
de seus objetivos. d) Louis Althusser.
e) Lev Vygotsky.
b) Organização do processo de ensino e aprendizagem
20. (IFRO/ 2014)Qual é a concepção pedagógica em
– refere-se basicamente aos aspectos de organização do
que o elemento principal é a organização racional dos
trabalho do professor e dos alunos na sala de aula.
meios, ocupando o professor e o aluno posições secun-
c) Organização das atividades de apoio técnico admi-
dária, relegado que são à condição de executores de um
nistrativo – tem a função de fornecer o apoio necessário ao
processo cuja concepção, planejamento, coordenação e
trabalho docente.
controle cam a cargo de especialistas supostamente habi-
d) Orientação de atividades que vinculam escola e fa-
litados, neutros, objetivos, imparciais? a) A concepção pe-
mília – refere-se às relações entre a escola e o ambiente dagógica analítica.
interno: com os alunos, professores e famílias. b) A concepção pedagógica critico-reprodutista.
e) Organização de atividades que vinculam escola e c) A concepção pedagógica tradicional.
comunidade – refere-se às relações entre a escola e o am- d) A concepção pedagógica reformada.
biente externo: com os níveis superiores da gestão de siste- e) A concepção pedagógica tecnicista.
mas escolar, com as organizações políticas e comunitárias.

Respostas
18. (IFRO/ 2014) Para Vygotsky (1998), não basta de-
limitar o nível de desenvolvimento alcançado por um indi- 01-B/ 02- D/ 03- D/ 04- A/ 05 – A/ 06- B/ 07. E/ 08.
víduo. Dessa forma, ele demarca dois níveis de desenvol- D/ 09. A/
vimento: 10. E/ 11. C/ 12. B/ 13- A/ 14- E/ 15- D/
a) NDR (Nível de Desenvolvimento Real) onde as fun- 16. D/ 17. E/ 18. C/ 19. E/ 20. E
ções mentais da criança já estão completadas e NDP (Nível
de Desenvolvimento Pessoal) onde a criança consegue rea-
lizar tarefas com a ajuda de adultos ou colegas mais pró-
ximos.
b) NDR (Nível de Desenvolvimento Real) onde as fun-
ções mentais da criança ainda já estão completadas e ZDP
(Zona de Desenvolvimento Processual) que de ne funções
ainda não amadurecidas, mas em processo de maturação.
c) NDR (Nível de Desenvolvimento Real) onde as fun-
ções mentais da criança já estão completadas e NDP (Nível
de Desenvolvimento Proximal) onde a criança consegue
realizar tarefas com a ajuda de adultos ou colegas mais
avançados.

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