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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


DEPARTAMENTO DE ANTROPOLOGIA E ARQUEOLOGIA

CONSTRUINDO A EDUCAÇÃO INDÍGENA DIFERENCIADA: REFLEXÕES


SOBRE A ESCOLA BANIWA/CORIPACO PAMÁALI - AM

NICOLE FARIA BATISTA


BELO HORIZONTE
2017
0
NICOLE FARIA BATISTA

Construindo a Educação Indígena Diferenciada: Reflexões Sobre a Escola


Baniwa/Coripaco Pamáali - AM

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao curso de graduação
em Ciências Sociais da Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Federal de Minas Gerais
como requisito parcial à obtenção do
Título de Bacharel em Ciências Sociais.
Orientadora: Profª. Drª. Karenina
Andrade (DAA – UFMG)

BELO HORIZONTE
2017

1
2
AGRADECIMENTOS

Acredito que a parte mais importante de tudo que se faz com carinho é
agradecer. É dessa maneira que pretendo terminar a intensa caminhada que
foi a graduação em Ciências Sociais na UFMG, tenho muito a agradecer a
todos que me apoiaram, não apenas na construção dessa monografia de
conclusão de curso, mas em todos os passos para chegar até aqui. E para mim
chegar a conclusão da graduação é resultado de muita luta e com a certeza a
realização de um sonho. Mesmo sabendo que não conseguirei ser justa e citar
todos aqueles que merecem a lembrança, alguns fazem jus a um
agradecimento especial.

Agradeço à força que nos regue e que me fez levantar e lutar todo dia para
enfrentar todas as dificuldades que apareceram pela frente durante esses cinco
anos de graduação. À minha mãe Yemanjá, pai Xangô e todos os guias me
acompanham, protegem e aconselham.

Agradeço a minha amada mãe Sandra, por tantas coisas que abriu mão para
que eu pudesse ter condições de morar em outra cidade, por ter entendido
todas as mudanças que a vida adulta e a convivência na universidade
trouxeram para nós. À toda minha família, pelo apoio carinho e incentivo,
principalmente minha Tia Cida, por me ensinar a persistir sempre com jeito
prestativo e atencioso e pela acolhida em sua casa no momento que mais
precisei.

Aos amigos que a graduação me trouxe que levarei para minha vida inteira,
que se tornaram de fato minha nova família, Ana Paula, por todas as aventuras
que compartilhamos mundo afora e pelo companheirismo, Zabelê por todos
seus sorrisos e conselhos, Andrezza pelas broncas quando eu precisava, Ana
Luisa, Isadora Clarissa, Fabio, Ana Jay, Lipe e Dedé, que ainda por cima me
arrumou uma comadre e uma afilhada as quais sou grata por todo carinho que
me dão, Cecília e Elis.

Às minhas companheiras de estrada Clara, Ju, Maísa e Bárbara agradeço pela


cumplicidade e pela representatividade que sempre encontrei em vocês.

3
Aos colegas de Moradia Universitária agradeço por cada sorriso e cada palavra
amiga que me confortavam em momento de saudade e insegurança, obrigada
Paty, Dian, Josi, Doris e Gabi e todos que passaram pela nossa casa deixando
muito carinho e lembranças boas.

À todos aquelas com os quais eu tiver a oportunidade de trabalhar, e que


enriqueceram minha formação, em especial, professoras Ana Lúcia Modesto e
todos os colegas do PET, à professora Eliene Faria e os colegas do grupo de
pesquisa em Antropologia e Educação, à meus queridos colegas do
GESTRADO, e à minha orientadora Karenina Andrade agradeço pela atenção
e cuidado com o qual tratou esse trabalho.

Finalmente, agradeço àqueles que nos últimos tempos se tornaram minha


família e são os responsáveis por eu ter chegado firme até o final dessa
jornada, minha família da Casa de Caridade Pai Jacob do Oriente, em especial
ao Pai Ricardo, Mãe Scheila, minha madrinha Marli e padrinho Leo, Vô Josiais
e todos os guias que regem a casa, obrigada pelos abraços, bençãos,
conselhos e firmezas que me dão tanta força todos os dias.

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RESUMO

O trabalho faz um apanhado do histórico da construção Educação


Escolar Indígena diferenciada no Brasil, buscando refletir sobre os processos
pelos quais passaram os povos indígenas do Brasil em relação à educação
formal, desde o período colonial até a promulgação da lei constitucional que
garante esse direito. A partir desse cenário, é analisado o caso específico da
Escola Indígena Baniwa Coripaco Pamáali, localizada no Alto do Rio
Negro/AM, que foi construída visando formar jovens Baniwa e Coripaco com
um projeto que valoriza os conhecimentos tradicionais ao mesmo tempo em
que ensina a dominar o conhecimento ocidental de modo a utilizá-lo na busca
de direitos para a comunidade. O trabalho foi realizado através de etnografias
escritas sobre a construção e o cotidiano da escola, refletindo a partir de
teorias antropológicas sobre o conhecimento, transmissão e processos de
educação nesse espaço.
PALAVRAS-CHAVE: educação diferenciada; escolas indígenas;

conhecimentos tradicionais.

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SUMÁRIO

Introdução .......................................................................................................... 7
Capitulo 1 – A construção de uma Educação Escolar Indígena no Brasil ........ 13
Capítulo 2 – A Escola Baniwa/Coripaco Pamáali: da construção ao cotidiano 28
Povo Baniwa e Coripaco: breve contextualização ........................................ 28
Primeiros passos da escolarização em terras Baniwa/Coripaco ................... 28
Um novo projeto de escola: A criação da EIBC Pamáali .............................. 30
Analisando dados sobre cultura, “cultura” e aprendizagem na escola Pamáali
...................................................................................................................... 34
Considerações Finais ....................................................................................... 48
Referências ...................................................................................................... 52

6
Introdução

Essa monografia tem como objetivo entender os processos de

construção e produção de conhecimento na Escola Indígena Pamáali,

localizada na Terra Indígena Baniwa no Alto do Rio Negro, fronteira do Brasil

com Colômbia e Venezuela. A problemática principal é identificar, através de

uma revisão bibliográfica o movimento duplo realizado pelos agentes que

constroem o cotidiano da escola (professores, gestores e estudantes) ao

transporem os conceitos, saberes e práticas de seus povos para a forma

escolarizada e ao trazerem os conhecimentos não-indígenas para sua escola

diferenciada. Essa discussão será traçada a partir da leitura de etnografias e

trabalhos acadêmicos escritos sobre a escola, seu processo de construção e

seu cotidiano com objetivo de articular essas descrições com teorias que

tratem dos conhecimentos tradicionais e das relações de transmissão desse

conhecimento.

Dessa forma, busca-se esboçar as discussões da antropologia em torno

da educação indígena e da educação escolar indígena, discussões essas que

apontam a necessidade de ainda serem realizados muitos esforços na sua

consolidação, visto que a garantia da Educação Escolar Indígena enquanto

direito constitucional ainda é muito recente. Além disso, como a educação

tradicional praticada pelos povos indígenas não possui um caráter

institucionalizado, e sim cotidiano e prático, muitas das reflexões feitas nos

últimos anos nessa área procuram entender e auxiliar a valorização desse

7
processo, garantindo sua proteção e reprodução também no cotidiano das

aldeias.

Durante minha formação como cientista social tive contato com o tema

da educação escolar indígena em diversos momentos, o que me despertou

bastante interesse, visto que sendo egressa de uma escola pública estadual,

entendo que o campo da educação tem que ser debatido e aperfeiçoado, e

com o contato com a antropologia pude perceber que esse também é um

direito dos povos indígenas, pois historicamente passaram por um processo de

escolarização opressor, que visava minar suas diferenças, ao invés de valorizá-

las.

Participei durante esse período de pesquisas de iniciação cientifica em

que a ênfase foi a interface entre Antropologia e Educação, com a professora

doutora em Educação Eliene Lopes Faria. Foram dois momentos de

investigação, onde pude estudar processos de aprendizagem sob uma

perspectiva antropológica em contextos não-escolares, ancorados por uma

pesquisa teórica baseada em autores que tratassem desse tema, tendo como

principais referencias Jean Lave e Tim Ingold.

A partir de minhas experiências anteriores com o assunto e também da

revisão de literatura, percebi que a consolidação da Educação Escolar Indígena

como um direito constitucional gerou nos últimos anos diversos debates

partindo de pesquisadores de diversas áreas e contextos. A literatura sobre o

tema é ampla, parte tanto de antropólogos, linguistas, historiadores e

educadores (indígenas e não-indígenas). Visto isso, pode-se perceber que a

maior parte dessa produção ainda ressalta uma necessidade de não se esgotar

as pesquisas sobre o tema, pois a Escola Indígena encontra-se em processo

8
de construção e aperfeiçoamento. Sendo assim, dediquei minha monografia de

conclusão de curso à discussão desse tema.

Como supracitado, a educação escolar para os indígenas passou por um

longo processo de mudanças desde sua implantação no período colonial.

Nesse longo período, a educação visava à cristianização dos indígenas e o

ensino da língua portuguesa, o que geraria uma gradativa destruição dos

modos de conhecer e transmitir os saberes desses povos. Nessa perspectiva,

a educação era um instrumento opressor que promovia a desvalorização das

tradições dos povos nativos através da imposição do modelo ocidental de

conhecimento.

O antropólogo Luiz Grupioni (2008) aponta que sua consolidação

enquanto política pública foi fruto da organização, a partir dos anos 1970, das

lideranças e do Movimento Indígena. Ela representa os anseios desses povos

para que lhes fossem garantidos uma educação escolar através de processos

de aprendizagem autônomos. Por meio da constituição de 1988 e

posteriormente na Lei de Diretrizes e Bases da Educação1, os Movimentos

Indígenas conseguiram fazer com que a escola diferenciada fosse um direito

perante o Estado Nacional. Partindo dessa conquista, o desafio seria a

construção de uma escola que abarcasse tanto os conhecimentos tradicionais

indígenas, quanto os conhecimentos não-indígenas. Sendo assim, além de

assegurar as escolas, a legislação garantiria a formação de professores e

1Artigo número 210 da Constituição Federal de 1988: “é assegurado às comunidades indígenas


a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem” e “Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996, que estabeleceu, ainda, a articulação dos
sistemas de ensino para a oferta da educação escolar bilíngue e intercultural aos povos
indígenas, de modo que lhes propiciasse a recuperação de suas memórias históricas, a
reafirmação de suas identidades étnicas, a valorização de suas línguas e ciências e o acesso
às informações e aos conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais
sociedades indígenas e não-índias (artigos 78 e 79)”. (MEC, 2002, p.15)

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funcionários qualificados, oriundos dos próprios povos, para que assim se

fizesse valer a diferença da escola e a autonomia dos indígenas sobre ela.

Todas essas ideias foram aplicadas na Escola Indígena Baniwa e

Coripaco Pamáali, que é o foco de investigação dessa monografia. Ela foi

construída através de demandas do movimento indígena do Alto do Rio Negro,

em região central em relação às terras dos povos Baniwa e Coripaco, na foz do

Igarapé Pamaali, um local sagrado para esses povos, localizada entre as

comunidades de Tucumã Rupitá e Jandú Cachoeira, Distrito de Tunuí, em uma

região de transição entre o médio e o alto rio Içana.

A escola tem o objetivo de se tornar espaço para aperfeiçoar a

habilidade da pessoa e descobrir novas formas de trabalho, fazendo com que o

jovem possa dominar tanto o conhecimento ocidental, como o tradicional,

podendo atuar na sua comunidade e fora dela, em prol da defesa dos direitos

de seu povo.

Entendo que pensar Educação Escolar Indígena através do viés dos

estudos antropológicos é de grande relevância, como aponta o antropólogo

Kaiowá Tonico Benites (2012) ao destacar que pesquisas desse cunho são de

extrema importância para o aperfeiçoamento das escolas, além de ser uma

forma de ampliar os direitos indígenas para além do âmbito da educação

diferenciada. O antropólogo Luiz Grupioni (2013) também acrescenta, que a

discussão suscitada nos cursos de formação de professores indígenas no

Brasil acerca da enunciação da cultura como modos de pertencimento e da

“cultura” como modos de afirmação da identidade, necessita das reflexões

antropológicas. Esse autor ressalta que os antropólogos apesar de terem

participado bastante dos momentos de construção do projeto de lei da

10
educação escolar indígena, após sua implementação tem ficado de fora do seu

processo de aperfeiçoamento. Pensar a discussão de procedimentos de

identificação de categorias e classificações nativas é colocado como relevante

para a produção acadêmica também pela antropóloga Dominique Gallois

(2005), como forma de auxiliar os povos indígenas em suas demandas por

direito e mais especificamente para a construção e aperfeiçoamento das

escolas.

É no âmbito das justificativas supracitadas que concebo essa

monografia como uma ferramenta para pensar uma demanda do movimento

indígena, além de contribuir para as discussões na área da antropologia

fazendo um intercâmbio com uma área afim que é pouco explorada dentro da

disciplina, a Educação.

Sendo assim, pretendo tratar no primeiro capítulo desse trabalho do

histórico da construção de uma educação diferenciada no nosso país,

buscando refletir sobre os processos pelos quais passaram os povos indígenas

do Brasil em relação à educação formal, desde o período colonial. Passando

pelas missões jesuítas, evangélicas, a missão civilizatória de expansão do

Estado Nacional realizada através do SPI2, até culminar na promulgação da lei

constitucional da educação diferenciada. Esse primeiro momento foi marcado

pela desvalorização dos conhecimentos tradicionais indígenas e a imposição

do saber do colonizador, o que levaria o movimento indígena a se organizar

paulatinamente em prol da busca por direitos de construção de uma escola

diferenciada em que pudessem aprender tanto os conhecimentos ocidentais

quanto valorizar os seus conhecimentos tradicionais.

2
Serviço de Proteção aos Índios, criado em 1910.

11
No segundo capítulo busco analisar o caso específico da Escola

Indígena Baniwa Coripaco Pamaali (EIBC), localizada no Alto do Rio Negro e

gerida por esse povo. A escola foi um projeto piloto de construção da educação

diferenciada, construída nas margens do Içana, formando jovens Baniwa e

Coripaco com um projeto que valoriza os conhecimentos desses povos e

ensina a dominar o conhecimento ocidental de modo a utilizá-lo na busca de

direitos para a comunidade. Pretendo, dessa forma, analisar esse caso através

de etnografias escritas sobre a construção e o cotidiano da escola, refletindo a

partir de teorias antropológicas sobre o conhecimento, transmissão e

processos de educação.

12
Capitulo 1 – A construção de uma Educação Escolar Indígena no Brasil

Para pensar a educação escolar indígena é necessário analisar as

diversas fases pelas quais ela passou até ser consolidada como é hoje, uma

escola bilíngue, diferenciada e gerida, principalmente, pelos próprios povos

indígenas. O longo processo ao qual foram submetidas essas populações

começa no período colonial e passa pela promulgação da constituição de 1988,

quando o Movimento Indígena juntamente com organizações não-

governamentais, civis e religiosas conseguem através de intensa mobilização

garantir a inserção de importantes artigos na nova Carta Constitucional que

fornecem as bases legais para que sejam reconhecidos diversos direitos aos

povos indígenas, dentre eles o direito à educação diferenciada, possibilitando

então o surgimento de um novo modelo de escola que seria construído em

oposição ao modelo vigente que minava os saberes tradicionais e ainda era

imbricado em orientações colonialistas. Ainda assim, após quase 30 anos da

promulgação da nova Constituição, muitos esforços, reflexões, novas políticas

públicas são necessários para que a maioria das escolas indígenas se tornem

o que as comunidades necessitam e almejam.

A educação escolar representa para os indígenas a agregação de

conhecimentos que poderiam lhes auxiliar nas suas lutas e relações com o

Estado e sociedade Nacional, como a demanda por demarcação de terras,

construções de alternativas econômicas, além de que com a formação de

profissionais indígenas essas comunidades poderiam ter seus próprios

representantes nas escolas e até mesmo em instâncias governamentais. Para

o indígena antropólogo Baniwa Gersem Luciano (2011), a escola seria um meio

de acesso ao conhecimento do mundo não-índio, e através dele poderiam

13
dominar o principal poder ideológico ocidental que é a palavra. Para ele é de

grande importância para o seu povo dominar esse conhecimento, pois ao

contrário dos indígenas que dão valor à palavra falada, os ocidentais dão valor

à palavra escrita. Através da educação escolar diferenciada, adquirindo esses

conhecimentos, Luciano (2011) acredita que uma relação menos assimétrica

poderia ser estabelecida entre eles e o mundo não-indígena.

Como supracitado, as reivindicações e os anseios das lideranças,

acadêmicos e comunidades eram pautados em oposição a um modelo escolar

que se perpetuava, ainda que com algumas mudanças, desde o período da

colonização (1500 - 1815). Tal modelo educacional começa nesse período

visando à catequização dos indígenas e o ensino da língua portuguesa, o que

geraria uma gradativa destruição dos modos de conhecer e transmitir os

saberes desses povos. Nessa perspectiva, a educação era um instrumento

opressor que promovia a desvalorização das tradições dos povos nativos

através da imposição do modelo ocidental de conhecimento.

A linguista Teresinha Maher (2006), pesquisadora da área de educação

escolar indígena, aponta que essa primeira fase se enquadraria em um

paradigma assimilacionista, em que a educação através de internatos e

catequese serviria como aparato da Coroa Portuguesa para fazer com que o

“índio deixasse de ser índio” e se integrasse num modelo civilizatório cristão

construído pelo projeto colonizador. A construção de uma sociedade nesses

moldes no novo mundo estaria pautada principalmente pelo processo escolar,

que através do letramento dos chamados “gentios” confirmaria a organização

dessa nova sociedade. (Paiva, 2000)

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Esse período foi marcado pela atuação das companhias jesuíticas 3 que

a mando dos portugueses tinham a missão de catequizar e educar os nativos

das terras a que hoje chamamos Brasil. O projeto de educação dos jesuítas,

ainda que demandado e aliado à Coroa Portuguesa, tinha sua devida

autonomia nos processos educativos, e dessa forma além de cunhar a ideia

civilizatória, também trazia uma forte influência da Igreja Católica. Segundo

Hansen (2000) a educação nesse período também seria uma “política católica”,

o que contribuiria ainda mais com a desvalorização dos conhecimentos,

práticas e ritos espirituais dos povos que habitavam o Brasil daquela época.

Para Baêta Neves (1978), as missões tinham por objetivo a construção

de uma universalidade, buscando a cristianização do mundo, elaborando uma

ideologia de homogeneidade, minando as formas de ser e viver de diversos

povos, fortalecendo a ideologia colonial, que passa a ser um ato político-

religioso. Os cristãos, por meio das missões estariam exercendo seu dever de

levar a salvação para aqueles não conheciam nem compartilhavam da crença

de seu deus. Os povos indígenas do Brasil estariam num estado de natureza,

muito afastado da “civilização”, a natureza é algo ‘bruto’ à espera de ser

‘purificada’, lapidada pela ação dos súditos de Cristo. (BAÊTA NEVES,

1978:41)

Na busca por essa purificação, diversas estratégias de ensino foram

usadas por esse grupo, como a criação de internatos e aldeias de catequização

próximas a vilas portuguesas, onde os indígenas eram realocados de suas

localizações tradicionais e sendo forçados a substituir sua língua pelo

3No Brasil em especial pela Companhia de Jesus, criado em 1540 por Inácio de Loyola. (Neto
e Maciel, 2008)

15
português, onde também aprendiam o latim e literatura, e ensino de ofícios. As

escolas das missões eram orientadas por três objetivos:

a) objetivo doutrinário – que visava ensinar a religião e a


prática cristã aos índios; b) objetivo econômico – visava a
instituir o hábito do trabalho como princípio fundamental
na formação da sociedade brasileira; c) objetivo político –
visava a utilizar os índios convertidos contra os ataques
dos índios selvagens e, também, dos inimigos externos.
(NETO e MACIEL, 2008: 176)

A escola então se tornaria um mecanismo ideológico da colonização,

além de formar mão de obra para o trabalho forçado que se desenvolveu

naquela época, o que para os jesuítas era entendido como uma troca, e não

visto como uma forma de exploração. Baêta Neves explica que, como já

mencionada, para os europeus os indígenas estariam num estado de Natureza,

este estado apesar de diferente do dos “civilizados” era passível de um

relacionamento, a troca.

A cristandade dá a civilização e os gentios a natureza.


Uma é o instrumento abençoado do Senhor que pode
modificar a outra; esta só pode se dar àquela. A Natureza
não pode em princípio, modificar a ordem das coisas –
muito menos – tentar alterar a ordem da civilização. Ela –
a natureza – é passiva face ao Sujeito Criador. [...] um
centro exterior doa a cultura, salva núcleos periféricos
que contribuem com seus produtos frutos diretos da
natureza, [e com seu trabalho]. (1978: 42)

Em meio a essa ideologia é que vê-se surgir um modelo de educação

escolar indígena que mesmo com diversas mudanças de regime político, ainda

vai se estender por muito tempo para depois ser “aperfeiçoado” no início do

século XX pela ideologia nacionalista que visava a integração dos índios à

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“comunhão nacional”, entendendo esse como o único caminho para o seu

desenvolvimento.

Apontando para a expansão de fronteiras ainda não exploradas

posteriormente, o Estado decide tomar para si a tutela da escola indígena,

buscando efetivar a suposta integração e transformação dos povos indígenas

em trabalhadores cidadão nacionais, tirando institucionalmente esse poder das

missões cristãs. Implantado por meio do Serviço de Proteção ao Índio

(doravante SPI),criado em 1910, dentre outras instituições, esse modelo

civilizador usava a educação como uma forma de “inclusão” das comunidades

indígenas ao Estado Nacional, interferindo nos processos de aprendizagem

próprios dos indígenas, orientado por uma perspectiva etnocêntrica.O SPI

visava prestar assistência a todos os povos indígenas em território nacional,

buscando dar assistência laica às comunidades, afastando a catequese

indígena.O nome inicialmente dado ao órgão, Serviço de Proteção aos Índios e

Localização de Trabalhadores Nacionais – SPILTN, deixava patente a ideologia

que informava a atuação do Estado no que concernia aos povos indígenas:

resgatá-los da sua condição “primitiva” e, através do processo civilizatório,

“transformá-los” em trabalhadores nacionais.

Antônio Carlos de Souza Lima (1995) afirma que o órgão viria como um

poder estatal e estatizante, que pregava paz e integração dos povos indígenas,

tanto aos que já haviam tido contato com a sociedade nacional quanto aos que

não, tornando assim mais fácil a exploração de suas terras e a consolidação de

uma nação brasileira. Sendo assim, troca-se a ideia de uma nação unificada

pela religião cristã para uma união cívica. Nas escolas das aldeias, a cruz

colocada na parte principal das salas de aula passa a ser substituída por um

17
mapa, mostrando a nova totalidade a ser construída, e evidenciando a intenção

da erradicação dos costumes nativos. (SOUZA LIMA, 1995)

Podem ainda ser apontados alguns elementos básicos que constituíram,

segundo o autor, o SPI:

[...] a) a necessidade de um código que situasse os


indígenas em um sistema de estratificação de direitos
civis e políticos pré-definidos, [...] b) a luta em torno da
permanência de militares enquanto gestores do processo
de sua aplicação, explicitando-se as solidariedades entre
a proteção aos índios e controle/construção do território,
além de forma sublimada (pela degeneração da violência)
de conquista de espaços e populações. (SOUZA LIMA,
1985: 119)

Seguindo essas diretrizes, esse autor afirma que o Serviço, com seu

sistema de atribuição de indianidade, seria capaz de cumprir um projeto de

extinção dos povos nativos enquanto povos dotados de uma historicidade

diferencial e de uma autodeterminação política, usando, além da escola,

também a força militar.

Dessa maneira,o SPI haveria de construir um modelo de educação laico,

porém esse momento ainda é associado à evangelização, visto que esse

projeto estatal não conseguiu imediatamente extinguir a ação cristã nas

comunidades indígenas. Por exemplo, na tese de doutorado do antropólogo

Avá-Kaiowá Tonico Benitez (2012), afirma-se que órgãos estatais davam aval a

missões religiosas (principalmente evangélicas) para que se alfabetizasse nas

terras Kaiowá. Os alunos eram obrigados a participar de ritos religiosos do

“professor-missionário”, sendo punido quem não se comportassem de acordo

com esses preceitos.

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Benitez mostra que o SPI começa a atuar com os Kaiowá em 1915,

visando homogeneizar a variedade de ser e viver (Benitez, 2012: 77) dos

mesmos. Nesse período, após a delimitação de reservas (Postos Indígenas) na

região em que habitavam, foram introduzidas escolas que visavam uma

alfabetização e introdução aos conhecimentos do ponto de vista ocidental. Nas

palavras do autor:

nas escolas eram utilizados procedimentos didáticos


comuns à sociedade nacional, que não levavam em conta
a diferença cultural e a tradição de conhecimento das
famílias Kaiowá; tampouco interessava aos seus agentes
missionários compreenderem essas especificidades. O
modelo educacional foi implementado no sentido de
sempre tentar impor o modo de viver e de educar do povo
ocidental; isto é, introduzindo noções de higiene,
vestimenta, hábitos comportamentais, regras de
organização da vida escolar crenças religiosas,
desrespeitando as tradições de conhecimento e os
métodos educativos próprios dos indígenas. (Benitez,
2012:78)
O acadêmico Kaiowá ainda vai ressaltar que nesse modelo escolar

pouco importava qual a origem do estudante indígena, visto que dentro do

próprio grupo havia divisões sociais e espaciais entre famílias, e dessa forma

todos os estudantes eram colocados em salas de aulas aleatoriamente, sem

respeitar sua conformação parental, espacial e social. Ele ressalta que as

práticas desse modelo escolar geraram frustração nos Kaiowá, já que estes

não concordavam nem se adaptavam ao comportamento e às atitudes dos

missionários, o que fez com que muitos deles desistissem da escola.

Em artigo sobre esse modelo de educação integracionista, Borges e

Borges (2009) afirmam que o que diferencia esse processo educacional do

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anterior era o fato de que o objetivo seria agora a agregação e pacificação

efetiva dos povos indígenas, através de um argumento humanitário de que a

República positivista deveria proteger esses povos, que mesmo atrasados

possuiriam humanidade. Através da efetivação dessa “pacificação” os

indígenas seriam remanejados de suas terras e confinados em reservas muito

menores do que as que já habitavam com o intuito de ‘garantir suas terras

tradicionais’ (o que liberava extensa áreas para a exploração capitalista) e a

integração se daria por meio da sua doutrinação pelo trabalho e pela escola.

(Borges e Borges, 2009: 81)

Partindo dessa perspectiva, o novo projeto não retirava as crianças das

aldeias e as alfabetizavam na língua nativa, porém progressivamente essa

língua iria sendo deixada de lado, dando lugar ao português (Maher, 2006).

Esse modelo contava com professores não-índios, e a educação escolar se

baseava na maioria das vezes em turnos de 1ª a 4ª série. Segundo Borges e

Borges (2009: 82), a educação formal deveria privilegiar, em termos de

conteúdo, relatos sobre a história do Brasil Republicano enfatizando os

símbolos máximos de nossa constituição enquanto nação: o Hino Nacional e a

Bandeira.

Em sua tese sobre a consolidação da educação escolar indígena

enquanto política pública no Brasil, o antropólogo Luís Grupioni (2008) aponta

que surge entre os anos de 1980 e 1990, apoiadas por movimentos da

sociedade civil e pelo Movimento Indígena, as primeiras experiências

alternativas de construção de um modelo escolar especifico para os indígenas,

que contestavam os modelos descritos acima, que tanto eram nocivos a estas

20
comunidades. Esse movimento se esforçaria na proposição e na construção de

uma educação que se opusesse àquela vigente até então, buscando uma

nova escola indígena, caracterizada como uma escola


comunitária (na qual a comunidade indígena deveria ter
papel preponderante), diferenciada (das demais escolas
brasileiras), específica (própria a cada grupo indígena
onde fosse instalada), intercultural (no estabelecimento
de um diálogo entre conhecimentos ditos universais e
indígenas) e bilíngue (com a consequente valorização
das línguas maternas e não só de acesso à língua
nacional). (GRUPIONI, 2008: 2)

As premissas para a criação desse novo modelo escolar indígena seriam

que elas fossem efetivamente um direito das comunidades e dever do Estado

Nacional, e não tratadas apenas como uma política de assistência, além de ter

caráter laico (já que previamente havia sido conduzida por missionários) e

ainda que coubesse aos próprios membros das comunidades indígenas

conduzir os processos escolares. Partindo dessas premissas, a escola se

tornaria um objeto político para os povos indígenas, onde conseguiriam à sua

maneira sistematizar os conhecimentos não-índios, apreendo-os para usar

principalmente na luta por seus direitos, mas sem deixar de lado a sua forma

de vivenciar e apreender o mundo em que vivem.

Muitas organizações do Movimento Indígena se reuniram para construir

uma proposta que agregasse todas essas necessidades, para que enfim a

escola indígena diferenciada fosse efetivada como direito constitucional já

garantido. Dentre as demandas desse movimento estariam vários fatores,

dentre eles o de que a escola não seria apenas espaço de aprendizagem,

ainda que diferenciado, dos conhecimentos não-índios, mas também de

21
valorização e sistematização dos conhecimentos tradicionais. Dessa maneira, a

escola diferenciada teria que exercer esse duplo papel, já que mesmo que

muitos dos conhecimentos indígenas estejam imbricados em relações que não

podem se limitar ao espaço escolar, eles teriam que entrar nos currículos das

escolas dividindo espaço com o conhecimento ocidental.

Grupioni (2008) aponta que após todos esses esforços e anseios do

Movimento Indígena a transformação dessa proposta em política pública se

consolidou em um Encontro Nacional de Educação Indígena realizado em 1987

na cidade do Rio de Janeiro, da qual participaram tanto lideranças indígenas,

como antropólogos, linguistas e representantes de universidades e órgãos

públicos. O documento fruto desse encontro se tornou a proposta formalizada e

posteriormente foi enviado para o Ministério da Educação (MEC) e para o

Ministério da cultura (MinC) para que se criassem setores específicos no

interior dessas instituições que contribuíssem para a execução de uma política

nacional de educação escolar indígena.

Essas e outras ações culminaram na formulação do Artigo número 210§

2º da Constituição Federal de 1988,

O ensino fundamental regular será ministrado em língua


portuguesa, assegurada às comunidades indígenas
também a utilização de suas línguas maternas e
processos próprios de aprendizagem.4(Grifo meu)

Após todos esses processos em 1991 através de um decreto

presidencial5, fica atribuído ao MEC e às Secretarias Estaduais e Municipais de

4 Disponível em: http://www.jusbrasil.com.br/topicos/10649501/artigo-210-da-constituicao-


federal-de-1988

5Decreto Presidencial no. 26/91:“Art. 1º Fica atribuída ao Ministério da Educação a


competência para coordenar as ações referentes à Educação Indígena, em todos os níveis e

22
Educação a coordenação e desenvolvimento de ações referentes à educação

indígena. Foi criado também através desse decreto o Comitê Nacional de

Educação Indígena no MEC (que devido às complexidades da nova

organização só viria a ser instituído de fato e ter ser seus membros nomeados

apenas em 1993),que ficaria responsável por dar subsídio para a efetivação da

lei, coordenando e avaliando as ações de educação indígena no país.

Essa Comissão contava com a participação de especialistas de órgãos

governamentais, ONGs e universidades e orientava a criação de Núcleos de

Educação Indígena nas Secretarias Estaduais de Educação, para apoiar e

assessorar as escolas indígenas. O que se torna um grande diferencial, pois

anteriormente os órgãos que controlavam a educação indígena no país eram

compostos por agentes indigenistas que não necessariamente tinham uma

especialização em educação e/ou sobre as determinadas etnias.

Uma das principais tarefas do Comitê nesse período foi a criação do

documento das Diretrizes para a Política Nacional de Educação Escolar

Indígena (1993),ele seria a consolidação final da educação indígena enquanto

política pública, pois foi através dele que o MEC ficou apto a orientar as

Secretarias de Educação de todo país no acompanhamento, criação e manejo

das escolas indígenas. Para fazer com o que o documento circulasse, o

Ministério realizou uma série de seminários nos estados, com professores

indígenas, membros de ONGs e universidades, agentes das Secretarias de

Educação para debater o documento e analisar formas de implementara nova

política. (Grupioni, 2008)

modalidades de ensino, ouvida a FUNAI. Art. 2º As ações previstas no Art. 1º serão


desenvolvidas pelas Secretarias de Educação dos Estados e Municípios em consonância com
as Secretarias Nacionais de Educação do Ministério da Educação.”
Fonte:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0026.htm

23
O autor também destaca outro documento de suma importância no

processo, por ressaltar a viabilidade da escola enquanto política pública, que

foi lançado posteriormente, o Referencial Curricular Nacional para as Escolas

Indígenas (RCNEI, 1998), formulado pelos mesmos autores das diretrizes, mas

com destaque para a participação maciça dos professores indígenas já

atuantes nas escolas.

Com a consolidação dessa política através das ações e documentos

supracitados, a demanda por protagonismo por parte dos indígenas cresce

bastante e, em 2001, é extinto o Comitê Nacional de Educação Indígena para

dar lugar à Comissão Nacional de Professores Indígenas. Composta por

representantes dos professores indígenas, essa Comissão assumiria a função

de assessoria e de cunho propositivo em relação à política de educação

escolar indígena, se destacando por ser a única instância totalmente indígena a

executar o controle social de uma política implementada pelo Estado brasileiro.

(Grupioni, 2008:57)

Assim, após muitos anos de educação opressora por parte do Estado e

de organizações religiosas, estaria instituída a escola diferenciada indígena

enquanto política pública no país. Porém, muito ainda se discutiu e é discutido

no intuito de viabilizar melhorias e aperfeiçoamentos para essa instituição.

Nesse sentido, é importante ressaltar o papel das organizações de professores

indígenas, que ainda nos anos 1990 se organizavam para pautar as questões

que cercavam o trabalho nessas escolas.

24
Dentre essas organizações, a Comissão de Professores Indígenas do

Amazonas Roraima e Acre (COPIAR)6 é ressaltada como uma das mais

atuantes nesse cenário. Nos encontros da COPIAR eram pautadas

necessidades ainda vigentes para que a legislação se fizesse cumprir dentro

da escola diferenciada. Percebe-se que após a consolidação dessa legislação

ainda é necessário debate, pesquisa, investimento na criação de novas

escolas, de material didático, formação e continuação de estudos para os

novos e os já atuantes professores indígenas, dentre outras demandas que

garantiriam uma real escola diferenciada.

Segundo Grupioni (2008), a COPIAR e outras organizações

reivindicavam que os conhecimentos indígenas fossem valorizados dentro das

escolas, o que ressalta o quadro supracitado de que a garantia da escola

diferenciada como política pública por si só não garante a valorização desse

conhecimento, que é preciso debate e uma constante discussão que articule

estudantes e profissionais indígenas com setores do Estado e também das

Universidades, sobre o tema. Esse autor vai ressaltar a fala de lideranças

durante esses encontros, que expressam os anseios que cercavam aquele

momento ainda recente da implantação da política pública de educação

diferenciada, como é o caso da fala do professor Sebastião Duarte Tukano,

que à época era representante da região norte no Comitê Nacional de

Educação de Educação Indígena, em um encontro da COPIAR de 1996

[...] A escola brasileira está dentro da economia, da


política, da cultura brasileira. A escola indígena que
queremos tem que ser da mesma forma, tem que estar
dentro da nossa cultura. A escola que temos hoje não dá

6Essa comissão reunia, desde 1988, delegações de professores de várias regiões destes
Estados para discutir e refletir a respeito do modelo educacional que vinha sendo praticado nas
escolas instaladas em suas aldeias. (Grupioni, 2008)

25
para o nosso futuro, porque ela não tem projeto de futuro.
A escola tem que estar voltada para nossa cultura, para
nossa comunidade. Queremos formar pessoas que
continuem sendo índios. [...](Sebastião Duarte Tukano)
(GRUPIONI, 2008:31)
Pautada sobretudo por tais críticas, essas organizações buscavam um

novo sentido para a escola, exigindo que ela fosse de fato diferenciada. Na fala

do professor Sebastião Tukano, fica claro o desejo de uma escola que valorize

os saberes indígenas. Através dessas organizações, surgiram documentos

públicos que expressam uma série de ideias e propostas que reverberavam

para outras regiões além do Norte do país. Dentre outras coisas, esses

documentos ressaltavam que os calendários, regimentos e currículos das

escolas indígenas deviam ser elaborados pelas próprias comunidades

indígenas, além de demandarem que os mesmos fossem reconhecidos pelas

secretarias de educação.

Outra demanda desse movimento era o investimento em formação

desses estudantes também nas séries finais da educação básica (e não

apenas da 1ª à 4ª série como vinha ocorrendo), isto com o intuito principal de

que gradativamente esses estudantes formados pudessem lecionar para os

futuros alunos indígenas e trabalhar em cargos administrativos nas escolas e

Secretarias, substituindo os professores e agentes não-índios, contribuindo na

construção de uma verdadeira escola autogestionada, valorizando esses

profissionais, tornando a escola um instrumento para que os jovens

permanecessem nas aldeias, dentre outras demandas. (Grupioni, 2008)

Diante do quadro apresentado, que mostra a construção da escola

indígena no país, podemos refletir sobre os desafios, demandas e vitórias que

o movimento pela escola diferenciada vivenciou. Buscando aprofundar ainda

26
mais na discussão, no capítulo seguinte, procuro apresentar o caso especifico

de uma escola indígena criada como escola referência. A partir de dados sobre

sua construção e de dados etnográficos sobre as práticas cotidianas

desenvolvidas na escola, busco analisá-las através de teorias antropológicas

sobre o conhecimento, educação e transmissão de saberes.

27
Capítulo 2 – A Escola Baniwa/Coripaco Pamáali: da construção ao
cotidiano

Povo Baniwa e Coripaco: breve contextualização

O povo Baniwa/Coripaco reside no Alto do Rio Negro, na fronteira

brasileira com Colômbia e a Venezuela. Habitam comunidades localizadas às

margens do Rio Içana e seus afluentes Cuiari, Aiari e Cubate, além de alguns

deles também viverem em centros urbanos da região. São 22 etnias indígenas

que apesar de diferentes vivem em constante articulação, rede de trocas, e

podem ser identificadas pela sua similaridade na organização social, cultura

material e cosmologia. São falantes da língua Aruak, tendo fortes relações com

seus vizinhos Tukano. Segundo dados do Instituto Sócio-Ambiental (ISA)7,

possuem uma população total de aproximadamente 16 mil pessoas, sendo que

no lado brasileiro vivem 93 comunidades, totalizando mais de 7 mil pessoas.

Primeiros passos da escolarização em terras Baniwa/Coripaco

O contato do povo Baniwa e Coripaco com os colonizadores começa

cedo, desde o século XVIII, quando clérigos, militares, oficiais do governo e

acadêmicos fizeram os primeiros relatos sobre esse povo e essa região.

Marcada pela violência, essa relação gerou êxodo e dispersão, e facilitou a

adesão dos indígenas às missões catequizadoras, que segundo Estorniolo

(2012) se tornaram uma alternativa à dispersão causada por doenças, e mortes

ocorridas devido ao sistema extrativista implantado na região.

Dada a situação supracitada e também considerando a forte abertura ao

outro, que seria uma marca das epistemologias ameríndias segundo Lévi-

7
https://pib.socioambiental.org/pt/povo/baniwa

28
Strauss,eles aderiram à catequese realizada por missionários, na região,

principalmente salesianos e missionários evangélicos. Segundo Weigel (2003)

os primeiros internatos católicos surgiram na região por volta de 1915, dentro

dos chamados “núcleos de civilização”. Eram construídos em locais

estratégicos, onde se pudesse alcançar a maioria da comunidade do Alto Rio

Negro, construídos na forma

de imponentes conjuntos de grandes prédios, reuniam


escola, internato, oficina, maternidade, ambulatório,
hospital, dispensário, igreja, além da residência dos
religiosos e até, em alguns casos, estações
meteorológicas. (WEIGEL, 2003: 7)

Esse modelo se espalhou por toda região, conseguindo reunir grande

número de jovens indígenas em suas escolas, e em 1953 foi instalada a

primeira escola salesiana dentro das terras Baniwa. Ainda segundo a autora,

nesses espaços os jovens indígenas eram incentivados a desenvolver

atividades relacionadas à carpintaria, marcenaria, olearia e alfaiataria para os

meninos, enquanto que para as meninas era reservado bordado, artesanato e

corte e costura. Todos os alunos ainda deveriam trabalhar nas roças da

Missão, na produção agrícola, sendo que as meninas também ficariam

responsáveis pelas atividades de cozinha, limpeza e lavagem de roupa dos

alunos.(WEIGEL, 2003)

Nos anos 1970, por meio de parceria com o Summer Institute of

Linguistics, pastores americanos ainda buscavam o local e através da

alfabetização buscavam evangelizar os indígenas. Nessa época foram criadas

as primeiras cartilhas e livros em grafia Baniwa e a primeira escola formal da

região. Entre o povo Baniwa a principal figura evangelizadora foi a missionária

29
estadunidense Sophia Muller, que dedicou sua vida à catequização na região,

chegando a produzir uma versão da Bíblia Sagrada em língua arauak .Weigel

(2003) aponta que Muller e seu grupo de missionários teriam construído

“escolinhas” improvisadas ao longo do território Baniwa, muitas vezes

ensinando em espaços informais, como debaixo de árvores, etc.

Como já foi dito no capitulo anterior, o movimento indígena buscou

mudar esse quadro, que só fazia desvalorizar seus conhecimentos tradicionais,

dispersar seu povo e dificultar suas mais diversas práticas tradicionais, e

através de muita luta conquistou o direito constitucional do ensino diferenciado.

Esse ensino buscava, ao mesmo tempo,que os jovens indígenas que

frequentassem a escola fossem aptos a dominar conhecimentos das

sociedades não indígenas e valorizar os seus conhecimentos tradicionais.

Sendo assim, entre os povos Baniwa e Coripaco, começa a ser pensado um

projeto de escola que atendesse as demandas desse povo, e não seguisse os

preceitos cristãos dos missionários.

Um novo projeto de escola: A criação da EIBC Pamáali

Através da organização de lideranças com ONG’s e de reivindicações do

movimento indígena organizado na Federação das Organizações Indígenas do

Rio Negro (FOIRN), foi criado um projeto que viabilizaria a construção da nova

escola. Quatro grandes encontros da Organização Indígena da Bacia do Içana

(OIBI), realizados entre 1996 e 1998, geraram as discussões que levariam à

criação da Escola Indígena Baniwa/Coripaco Pamáali. Durantes esses

encontros, comunidade, jovens, lideranças, representantes de ONG’s e os mais

30
velhos discutiram o Regimento Interno da EIBC e também construíram juntos

seu Projeto Pedagógico.

Na dissertação de Laise Diniz (2011), foi analisada a criação da escola

através de documentos da OIBI, originados dos encontros supracitados. Nela

Diniz (2011) explica que um dos principais motivos da necessidade de se

construir uma escola nessa região seria implementar cursos das séries finais

do ensino fundamental (apenas em 2009 a escola passaria a ofertar o Ensino

Médio), o que além de ajudar a conter o êxodo de jovens que iam para centros

urbanos terminar seus estudos, impulsionaria a formação de professores

Baniwa e a possibilidade de se montar um quadro apenas com esses

professores para a região, já que até então as escolas frequentadas por esses

jovens eram formadas em sua maioria por professores não-índios.

Entre os anos 1998 e 2000 foram realizadas oficinas com os futuros

professores da Pamaali, ministradas por assessores do Instituto Socio-

Ambiental (ISA), principal organização não-indígena apoiadora da escola. Em

1999, iniciou-se a construção do espaço, contendo salas de aula, cozinha,

moradia para os professores e alunos, casa da farinha, casa de combustível,

secretaria, biblioteca, administração, refeitório8. E assim, em agosto de 2000 a

escola foi inaugurada, contendo séries de todo o ensino fundamental, com o

objetivo de:

Desenvolver a formação dos cidadãos Baniwa e Coripaco


com metodologia de ensino-pesquisa participativo com
base nos princípios e valores interculturais, para serem
protagonistas no desenvolvimento sustentável de suas

8 Viera e Ruiz (2011) apontam que na época da escrita de seu trabalho todas as casas
estariam precisando de reformas, e segundo depoimento dos professores, não haviam
recursos financeiros para realizar reformas.

31
comunidades e na construção da Política de Educação
Escolar Indígena no Rio Negro. (ACEP, p.2, 2008 in
DINIZ, 2011:70)

A EIBC foi construída em região central em relação às terras dos povos

Baniwa e Coripaco, na foz do Igarapé Pamaali, um local sagrado para esses

povos, localizada entre as comunidades de Tucumã Rupitá e Jandú Cachoeira,

Distrito de Tunuí, em uma região de transição entre o médio e o alto rio Içana.

A escola está localizada fora da comunidade, segundo Diniz (2011), para evitar

qualquer conflito de corresidência entre afins, além do que a construção da

escola demandaria que a comunidade que a abrigasse fornecesse grande

quantidade de alimentos para a escola.

Ainda assim, muitos conflitos aparecem em relação à localização, visto

que a população está distribuída em área dispersa, privilegiando o acesso de

algumas comunidades e dificultando o de outras, que acabam por procurar

escolarização em centros urbanos mais próximos a eles que a Escola Pamáali.

Segundo Diniz (2011), a escola Pamáali, além de seguir seu Projeto

Pedagógico, é um sistema vivo que se desenvolve no dia-a-dia. Isso porque

todas as ações e temas que serão estudados no seu ano letivo são discutidos

entre comunidade, pais, professores indígenas e jovens estudantes, que

também estão presentes nas tomadas de decisões cotidianas.

As práticas de organização das comunidades são trazidas para dentro

da escola, e assim, a aprendizagem é feita em ciclos. Na Pamáali, busca-se

construir o ensino em forma de pesquisa, onde os jovens são incentivados a

investigar tanto sobre os conhecimentos tradicionais de seu povo, como o

conhecimento ocidental.

32
Diniz (2011) observa que dentro da escola, busca-se partir do

pressuposto de que as crianças não são meros receptores das normas sociais,

o que seriam os preceitos que orientam a ideia de infância nas sociedades

ocidentais, diferentemente da cosmologia das populações indígenas, em que

tradicionalmente as crianças não precisam de uma instituição como a escola

para que possam se tornar seres sociais e ativos nas suas comunidades, estes

conhecimentos são aprendidos e reproduzidos no dia-a-dia e na convivência

entre pais, parentes, etc.

Sendo assim, a escola seria o espaço para aperfeiçoar a habilidade da

pessoa e descobrir novas formas de trabalho, fazendo com que o jovem possa

dominar tanto o conhecimento ocidental, como o tradicional, podendo atuar na

sua comunidade e fora dela, em prol da defesa dos direitos de seu povo.

A partir dessas diretrizes a escola passa a funcionar através de um

período letivo que equivale a dois meses de aula em que cada série

corresponde a 4 períodos letivos, ou seja , 8 meses de aula. Ao longo dos

períodos os estudantes indígenas moram na EIBC e se revezam na

organização e limpeza do local.

A Pamáali oferece conclusão do ensino básico e, desde 2009, passa a

receber também alunos de Ensino Médio, e a possuir formação

profissionalizante, contando com cursos em áreas de Manejo Agroflorestal,

Artes e Administração.

Em seu programa de ensino também estão incluídos conteúdos

agrupados por temas que, como já dito, são previamente discutidos e

elaborados por alunos, que não contam apenas com os conteúdos de ensino

33
regular. Estes temas são orientados a partir das seguintes áreas: Política,

direitos e movimentos indígenas, Ética Baniwa, Política e Educação para a

Saúde e Desenvolvimento sustentável. Segundo Viera e Ruiz (2011) é

principalmente nesse período que se prioriza a articulação entre ensino e

pesquisa, por meio de aulas teóricas e práticas, em que os alunos

desenvolvem projetos contextualizando-os às necessidades de suas

comunidades; tais projetos, posteriormente, se tornarão suas monografias de

conclusão de estudos na Pamáali.

É importante também ressaltar que existe uma Associação do Conselho

da Escola Pamáali (ACEP), que é composta por pais, alunos, lideranças das

comunidades, professores e funcionários da escola. Essa associação sempre é

consultada para se tomar qualquer decisão sobre a escola, respeitando a ideia

de construção coletiva da educação dos jovens Baniwa.

Analisando dados sobre cultura, “cultura” e aprendizagem na escola


Pamáali

A compreensão do histórico da educação escolar indígena no Brasil e da

consolidação de um ensino diferenciado para esses povos, sobretudo para o

povo Baniwa, no caso dessa monografia, nos faz perceber que diversas

questões cercam o debate em torno da manutenção e continuidade das

escolas indígenas. Sendo assim, a análise da experiência dessas escolas

suscita discussões a respeito de temas caros às áreas tanto da Antropologia,

quanto da Educação.

Percebe-se, ao se defrontar com esse tema, que a aprendizagem entre

os povos indígenas não segue um modelo institucional ocidental, que para o

antropólogo James Leach (2012) se orienta por uma concepção de


34
conhecimento como uma posse individual aplicada a uma natureza externa.

Porém, o que autor defende e o que a bibliografia sobre o conhecimento dos

povos indígenas mostra é que essa concepção não é uma regra universal, e,

sim, particular aos ocidentais.

Diniz (2011) explica que o aprendizado da criança Baniwa, se dá

gradativamente, aos poucos ela vai se adaptando ao contexto, aprendendo

com parentes, no dia a dia. O período da infância chama-se em Baniwa

panhee-padzeekata, que para Diniz (2011) traduz-se por saber-fazer.

Assumo estes verbos como uma palavra hifenizada, pois


o sentido dado é que o aprendizado somente é
comprovado se a pessoa executa o que aprendeu, se
utiliza para seu benefício e/ou dos seus parentes. Caso a
pessoa não demonstre na prática o que aprendeu, é
equivalente a comprovar que não sabe. (DINIZ, 2011:96)

O que é muito diferente das metodologias de ensino na instituição

escolar, onde o saber é transmitido através de aulas teóricas, e não é

necessariamente vivenciado pelos estudantes no cotidiano, seja ao longo da

vida, seja dentro da escola.

No texto Beyond Art and Technology: The Antropology of Skill, o

antropólogo Tim Ingold trata do tema da habilidade também refutando a ideia

de que os seres humanos aprendem através de formulas pré-estabelecidas e

mostra como a aprendizagem se dá num processo mais amplo, de interação

entre corpo e ambiente, o que nos remete às práticas dos Baniwa. Segundo o

autor, a habilidade na prática consiste no uso do corpo e de ferramentas, e

propõe que não pensemos esse uso de maneira separada. Ingold acredita que

o corpo e a ferramenta são condições primárias para a constituição da

35
habilidade, mas que é o envolvimento dessas condições primárias com o

ambiente que fará com que a habilidade se desenvolva.

Isso porque o autor não considera a habilidade apenas como uma

técnica corporal, as relações do corpo com o ambiente que o cerca também

influenciam no processo da aprendizagem. Para ele, esse processo é mais do

que apenas aplicar uma força mecânica a objetos exteriores ao corpo, é

necessário observar e sentir enquanto se trabalha a prática. (INGOLD,2001)

Observar as condições que mudam de um momento para o outro, em

que a cada movimento repetido ele é renovado, nunca um movimento novo

será igual ao anterior, Ingold explica isso dizendo que o corpo não é como uma

máquina que realiza movimentos mecanicamente, a cada repetição é

incorporada uma nova percepção, seja do ambiente, do instrumento ou do

próprio corpo. Dessa forma, entende-se que é impossível uma fórmula para o

conhecimento, já que ele é constantemente transformado.

Ingold se preocupa então em mostrar como se dá a transmissão entre as

gerações: se não é através da imitação da prática do veterano, como esse

processo se daria? O autor entende que há todo um processo de criação que

envolve o ambiente e o corpo, que apenas imitar seria entender que o novato já

tem um resultado pronto na cabeça daquele movimento que ele irá realizar,

porém, como já dissemos isso não se dá devido ao fato de a prática se

transformar a todo tempo enquanto ela é realizada e incorporada. Ele explica

que a transmissão se dá quando os veteranos introduzem os novatos em seus

espaços, quando eles estão inseridos no contexto da prática, isso possibilita a

eles uma maior observação e percepção da prática.

36
O autor ainda irá nos trazer um exemplo que ilustra essas explicações,

ele irá descrever o processo de aprendizagem de meninas de uma tribo da

Nova Guiné, que aprendem com suas mães a fazer bolsas de corda (bilum).

Essas meninas começam na prática desde cedo, devido ao fato de esse

acessório ser muito importante para sua cultura e ser confeccionado apenas

por mulheres. Na perspectiva de Ingold, para confeccionar as bolsas, as

mulheres se utilizam de seu corpo, principalmente os dedos, um instrumento

que serve como um suporte para a malha feito com uma tira de folhas (ding) e

uma agulha feita de ossos. Essa prática é um bom exemplo, pois o povo dessa

tribo não entende o movimento, que é de constante repetição, como um

movimento mecânico, tanto que eles costumam comparar o movimento feito

para construir a bolsa ao movimento das águas de um rio, que flutua e é

extremamente leve.

Ingold traz o exemplo de uma menina que tentava aprender a dar

acabamento na bolsa cortando as cordas. Ele conta que a menina observou

sua mãe fazer esse movimento e, depois, quando a mãe não estava olhando,

pegou a bolsa e tentou fazer o mesmo, não obtendo o resultado desejado. Isso

porque, como já foi dito, a questão aqui não é apenas observar e fazer, o

movimento não é internalizado dessa forma, era impossível a menina aprender

na primeira tentativa, já que é uma prática que leva tempo para que seja

incorporada. Ingold conta que a mãe da menina a aconselhou a ter paciência e

disse que jogaria a primeira bolsa que a menina construísse em um rio, para

que assim suas mãos fluíssem leves como as águas correntes do rio. Não é

apenas ter em mente o movimento, ele tem que ser praticado e aperfeiçoado, é

preciso sentir o movimento.

37
What does it mean to get the “feel” of the looping? It could
mean that the observation on wich learning depends is as
much tactile as visual, or that skill is embodied as a
rhythmic pattern of movement rather than a static
schema, or that the key to fluent performance lies in the
ability to coordinate perpeception and action. (INGOLD,
2001: 24)
Nessa passagem, Ingold ressalta a noção de que o aperfeiçoamento da

habilidade vai muito além do que uma simples repetição, ele entende que para

que o aprendiz se torne fluente, é necessário uma coordenação entre a

percepção e a ação. Dessa forma, à medida que a menina imita sua mãe ao

realizar a confecção da bolsa, ela vai ampliando sua percepção sobre o

ambiente, sobre seu corpo e também sobre a prática, e cada vez que repete o

movimento vai ganhando a leveza necessária para realizar o movimento que é

tão leve que, como já dito, é comparado às águas fluentes de um rio.

Lave e Wenger (2003) também mostram que é o engajamento das

pessoas nas práticas sociais que proporcionam os processos de

aprendizagem, o que nos remete ao conceito do saber-fazer citado por Diniz

(2011) para descrever o processo de aprendizagem da criança Baniwa.

Segundo esses autores, em muitos lugares as relações entre veteranos e

iniciantes se conformam de maneira em que a aprendizagem é vista através de

sutilezas, de forma quase invisível.

Essa teoria se assemelha aos escritos sobre os Baniwa, como afirma

Estorniolo (2012) que entre eles, a fonte preferencial de conhecimento são os

mais velhos, e que para esse povo no simples fato de conviver com essas

pessoas se constrói a aprendizagem. São considerados privilegiados os jovens

que tiveram avós presentes na infância, denominados jovens “bem formados”,

ao mesmo tempo em que os que não puderam conviver com seus avós, e
38
dependeram mais dos pais para ter acesso ao conhecimento, são apontados

como tendo falhas na formação.

Dessa forma, assume-se que a ideia do engajamento pela prática e

convivência com os mais velhos (ou veteranos, nas palavras dos antropólogos

citados) é o que tradicionalmente constrói as relações de transmissão dos

saberes entre os Baniwa. Para Lave e Wenger não há uma hierarquia nessa

relação, pois ela seria balanceada pelo que eles chamam de “participação

periférica legítima”, em que os iniciantes vão se engajando na prática ocupando

lugares periféricos, que se desenvolvem nas relações até que eles se tornem

participantes plenos.

O que pode ser observado no trabalho de Viera e Ruiz (2011) que

mostra a dinâmica a qual estão ligados o alunos da Pamáali, que além de

aprenderem através de pesquisa prática na escola, se engajam nas atividades

da comunidade, podendo ilustrar a teoria de Lave e Wenger.

A cada dois meses de estudo na Escola Pamáali, os


alunos têm um recesso de um mês em suas
comunidades. Lá, estudam os problemas e as
potencialidades que podem ser objetos de pesquisa.
Fazem registros e coletam informações,materiais do solo
e da água, plantas, espécies de alimentos, peixes,insetos
etc. Buscam também o conhecimento com os velhos e
com os pajés sobre os mitos Baniwa e Coripaco que
explicam a origem dos objetos que pretendem investigar.
Procuram saber, por exemplo, como surgiu a pimenta
Baniwa, segundo seus ancestrais. Ao retornarem para a
escola, eles aprendem a lidar com as tecnologias que
podem utilizar como alternativas na produção de
alimentos, na pesca, no cultivo de plantas medicinais e
na criação de animais que possam suprir a escassez da
caça.(VIEIRA E RUIZ, 2011:10)

39
Desenvolvendo suas ideias com base na noção de aprendizagem

situada, Lave e Wenger explicam que não há atividade que não seja situada:

agente, atividade e mundo se constituem mutuamente. Como pode ser visto na

passagem acima, os estudantes não estão envolvidos apenas na escola, se

engajam nas práticas das suas comunidades, aprendem com os mais velhos e

usam esse conhecimento para solucionar os possíveis problemas que podem

surgir no meio em que vivem.

Esses autores negam as teorias que enxergam a pessoa como um corpo

receptor de conhecimento sobre o mundo, mais do que isso, é a interação

desse sujeito com os diversos aspectos que estão em seu contexto que vão

levá-la a se constituir como pessoa através da aprendizagem, o que é

explicitado na proposta e experiência da Pamáali. Em suas palavras, seria un

énfasis en el entendimiento comprensivo que involucró a la persona como

totalidad, en actividad en y con el mundo; y en ver que agente, actividad y

mundo se constituyen mutuamente. (LAVE e WENGER, 2003:7).9

9
Esta discussão passa por um tema muito debatido na teoria antropológica e particularmente
muito explorado na etnografia ameríndia: a noção de pessoa. Na ideologia de matriz ocidental,
a partilha corpo/alma ou externalidade/subjetividade constitui-se a base para a formulação da
concepção de pessoa. No mundo ameríndio, a própria noção de corpo remete a uma dimensão
que está para além do corpo físico/biológico como “dado” – o corpo aqui está associado tanto
a certas capacidades e afecções quanto ao fato de que ele se constitui na sede de uma
perspectiva (Viveiros de Castro, 2002). Sobre a articulação entre este debate e a transmissão
de conhecimento no mundo ameríndio, Andrade&Yuduwana (2016) destacam que “Desse
modo, se por um lado a aquisição de conhecimento produz transformações ‘internas’, por
outro, afeta também a dimensão de externalidade corporal. Em outras palavras, a aquisição de
conhecimento se processa não apenas em termos da subjetividade e do intelecto, mas produz
transformações no corpo também no sentido físico do termo”.

40
Essa constituição da identidade da pessoa em torno daquela prática fará

com que ela se torne um membro da comunidade, e assim possa desenvolver

a atividade como um todo. Um exemplo disso é citado no livro desses autores,

eles apontam para uma etnografia realizada com parteiras, em que mostram

como a aprendizagem dessa prática é cotidiana e realizada de maneira não

explicita desde a infância:

El aprendizaje sucede como una forma de, y en el curso


de, la vida diaria. Puede no ser reconocido como un
esfuerzo de enseñanza. Una niña maya quién
eventualmente se vuelve una partera, muy
probablemente tiene una mamá o abuela que espartera,
toda vez que el ser partera se mantiene en las líneas
familiares... Las niñas de tales familias, sin estar
identificadas como aprendices de parteras, absorben la
esencia de las prácticas del parto, así como el
conocimiento específico acerca de muchos
procedimientos, simplemente en el proceso de
crecimiento. (...) Con niñitas, ellas pueden estar sentadas
tranquilamente en una esquina cuando sus madres o
abuelas administren un masaje prenatal; podrían
escuchar historias de casos difíciles, de resultados
milagrosos y así por el estilo. (JORDAN, 1989 apud LAVE
e WENGER, 2003:42)

Através dessas teorias e da leitura de trabalhos sobre a EIBC podemos

perceber a importância de uma escola diferenciada para os povos indígenas.

Dentro da Pamáali, a construção de um projeto pedagógico que prioriza o

ensino através da pesquisa, da participação e engajamento dos estudantes

com as práticas e temas aprendidos dentro da escola transforma esse espaço

levando-o mais próximo possível da realidade da aprendizagem nas aldeias.

41
Isso pode ser explicitado pelo fato de os pais dos alunos e os mais velhos das

aldeias estarem em um contato constante com a realidade da escola.

Esse contato é a garantia da intervenção deles no processo de gestão

das relações entre as pessoas no dia a dia da escola, o que, de alguma

maneira, contribui para minimizar um dos fatores que seria diferente do

contexto tradicional, no caso as relações familiares. Diniz (2011) explica que

Isso representa também um dos modos de tentar apoiar


os jovens professores e alunos na lide com os problemas
cotidianos, tal como ocorre nas comunidades. Assim, os
pais e os mais velhos tentam reproduzir, mesmo durante
um curto período de tempo, as formas de relacionamento
existentes nas comunidades e na organização dessa
sociedade. (p.65)

Na tese de Estorniolo (2012), a autora aborda a criação de uma estação

de piscicultura dentro da escola Pamáali, a ser gerida principalmente pelos

alunos da escola, que a partir daquela experiência poderia levar soluções para

melhorar a atividade da pesca em suas comunidades.

As colocações da autora sobre a estação nos suscitam reflexões

centrais para o entendimento do funcionamento da escola, e como é complexo

o processo de aprendizagem num espaço diferenciado. Ela explica que esse

projeto criou situações em que alunos e professores tiveram embates acerca

de suas próprias noções e classificações envolvendo peixes, já que a todo

momento elas eram contrapostas às noções trazidas pelos técnicos não-

indígenas que estavam na Pamáali orientando a criação da estação, estas

situações levavam os jovens Baniwa a selecionar elementos distintivos para

compor seu próprio conhecimento e diferenciá-lo do conhecimento dos

técnicos.

42
A construção dessas relações mostra que dentro da escola diferenciada

podem ser revelados os enunciados do que é a cultura e o conhecimento de

um povo. Carneiro da Cunha (2009) entende que o conhecimento tradicional de

um povo não é uma coisa acabada, dada pelo antepassado e ao que não pode

se acrescentar nada. Para a autora, o conhecimento é o tempo todo

transformado e modificado, o tradicional não está no conhecimento em si, mas

em suas formas de gestão, enunciação, circulação, transmissão, etc. Essa

ideia se apresenta na ambiguidade trazida pela escola diferenciada, que ao

mesmo tempo em que institucionaliza a forma de aprender, mudando em certa

medida a forma de transmissão tradicional do conhecimento desses povos, ela

busca a diferença, busca colocar dentro desse outro modelo suas

características e metodologias de aprendizagem.

No caso do exemplo da estação de piscicultura, que foi orientada por

técnicos não-índios, os alunos eram incentivados a entender e construir aquele

projeto sendo solicitados a recorrer e pesquisar os saberes de seus parentes

mais velhos sobre os peixes da região, além de terem construído uma mitoteca

Baniwa sobre o tema da piscicultura:

A iniciativa foi pensada tendo em vista a recuperação dos


conteúdos dos mitos, que os jovens não mais conheciam.
Mais interessante, no entanto, teria sido a proposta de
permitir que alunos e professores refletissem no âmbito
das escolas sobre o que poderia constituir seu
conhecimento tradicional – desta vez pensado e
explicitado como algo ativamente construído, e não como
alguma relíquia que caberia aos jovens indígenas
passivamente guardar. (ESTORNILO, 2012:264)

Essa ideia do resgate de sua cultura e conhecimento que acontece

dentro da metodologia de ensino da EIBC nos remete a outra colocação de

43
Carneiro da Cunha (2009), que mostra que em contatos interétnicos se constrói

um enunciado sobre o modo de vida de um povo, o que ela chama de “cultura”,

com aspas, em contraposição àquilo que seria de fato a cultura, que difere do

seu enunciado, ao não remeter a um todo homogêneo.

Para explicitar seu argumento, ela ressalta que existe uma imaginação

limitada dos dispositivos nacionais sobre o conhecimento indígena.Tratam o

conhecimento tradicional sumariamente no singular, como uma categoria

definida meramente por oposição ao conhecimento científico, sem contemplar

a miríade de espécies incluída sob o mesmo rótulo. (CARNEIRO DA CUNHA,

2009: 364)

Para ela, esse conhecimento é visto simplesmente como o avesso do

conhecimento científico, não abarcando suas complexidades e especificidades.

Sendo assim, ela entende que a cultura como esquemas interiorizados que

organizam a percepção e a ação das pessoas não pode ser refletida totalmente

no metadiscurso de si mesma quando colocada em embates interétnicos, a

“cultura”. A “cultura”, com aspas, é expressa, na visão de Carneiro da Cunha,

principalmente quando os povos indígenas estão em lutas por direitos perante

a sociedade nacional, o que entende-se ser o caso da criação da escola

indígena, e também do seu cotidiano, por meio da qual se busca ao mesmo

tempo valorizar os saberes tradicionais e aprender sobre os conhecimentos

ocidentais para auxiliar na luta por seus direitos.Como no caso da relação entre

a estação de piscicultura e os mitos, que se tornaram uma articulação

necessária para ajudar no consumo da região em épocas de baixa temporada

das pescas. A compreensão da “cultura” Baniwa em forma de sua mitologia, ao

mesmo tempo em que ajudaria na valorização dos saberes do povo, pôde

44
ajudar os técnicos a aprender sobre a dinâmica vida aquática no local, como

conhecimentos sobre locais de desova, alimentação das espécies, piracema,

época das cheias e enchentes.

Estorniolo (2012) mostra que, em outras ocasiões, a escola busca

reforçar da “cultura” (como concebida no contato interétnico) nas suas práticas,

para que ela seja valorizada entre os jovens, já que eles defendem que o

contato com as missões promoveram uma perda da cultura. Ela comenta que a

escola:

tem buscado promover a valorização dos ditos


conhecimentos tradicionais por meio da retomada de
danças e do incentivo à coleta de mitos e narrativas de
parentes idosos pelos alunos, que os apresentam como
monografias de fim de curso. (ESTORNIOLO, 2012:263)

A autora também retrata as comemorações de início dos trabalhos na

estação de piscicultura, em que a escola e a OIBI organizaram uma festa de

antiga tradição proibida pelos missionários evangélicos, realizada junto à

comunidade que levaram à escola grande variedade de peixes, em que para os

Baniwa serviria para lembrar a vida dos antepassados que viviam em fartura de

peixes e, ao mesmo, tempo ser uma manifestação de esperança, do que

poderia voltar a ser igual à época ancestral a partir do manejo e da

recuperação da tradição. (ESTORNIOLO, 2012)

Ainda assim, como já foi dito, essa valorização dos enunciados da cultura

é feita de maneira dinâmica, em que os jovens são convidados a pensar as

práticas de seus antepassados sem criar uma noção de que esses

conhecimentos são estáticos, mostrando como estão envolvidos em processos

muito mais complexos que isso.

45
Como foi também observado na análise das monografias de conclusão de

curso da EIBC feita por Viera e Ruiz (2011), elas apontam que, das

monografias analisadas referentes à primeira turma que concluiu o ensino

fundamental na EIBC, a maioria reflete os chamados conhecimentos

tradicionais dos Baniwa e Coripaco. As autoras chamam atenção para o fato de

que, mesmo no espaço escolar, os alunos tenham se interessado mais pelos

aspectos socioculturais do povo, envolvendo fortemente a cultura Baniwa, do

que o aprendizado sobre o mundo ocidental.10 Elas apontam que:

Três monografias mesclaram os saberes tradicionais com


os conhecimentos da cultura ocidental, reforçando a
necessidade desses povos de construir alternativas
sustentáveis e econômicas para suas comunidades.[...]
Assim, as três temáticas refletiram os trabalhos técnicos
realizado sem campo sobre o manejo sustentável,
considerando também as implicações políticas e
históricas dos movimentos indígenas do Rio Içana.
Constata-se, portanto, que há uma mesclagem de
interesses, que reúne conhecimentos tradicionais,
sustentáveis, históricos e políticos. (VIEIRA E RUIZ,
2011:288)

Entendo que esse esforço feito pelos estudantes para mesclar os

conhecimentos aprendidos pode ser visto como uma forma de revitalização

da sua cultura. Ativam a ideia de tradição, de passado e veem na comunhão

com as técnicas dos não-índios uma possibilidade de resgatar suas práticas

10Diniz(2011) aponta que durante as assembleias para a formulação do Projeto Pedagógico da


escola, muitos dos velhos e lideranças da comunidade foram contra o fato de na escola
indígena se aprender os conhecimentos tradicionais, segundo eles a escola seriam um local
para aprender conhecimento de “branco”. Com muita discussão a escola acaba sendo
concebida como esse espaço intercultural, porém Gersem Luciano (2015) também ressalta que
a escola Baniwa esteja dando prioridade ao conhecimento tradicional em sua política
pedagógica, o que pode acabar com o propósito de conhecer e dominar também o
conhecimento ocidental na busca de direito para a comunidade.

46
ancestrais e reconstruir-se sem esquecê-las, além de terem a oportunidade

de aprendê-las em um ambiente que busca metodologias de ensino que

priorizam a participação, o engajamento e a pesquisa.

47
Considerações Finais

[...] o jovem Baniwa mudou, não é a mesma coisa de


antigamente,hoje é um Baniwa diferente, é o que vejo
desses jovens. E ninguém mais quer de fato voltar a ser
propriamente um Baniwa de antigamente, mas também
não quer deixar de ser Baniwa. Essa é a questão. Eu
acredito que os alunos formados poderiam não ser
empregados, poderiam não ser professor, mas todos eles
teriam condição suficiente para continuar suas vidas em
suas comunidades, isso é mais forte porque a escola é
do nosso jeito. [...] A escola Pamáali foi pensada pra ser
escola Baniwa e o sentido de escola é exatamente
continuar formando a pessoa Baniwa culturalmente.
(André Baniwa)” (DINIZ, 2011: 91)

Refletindo sobre a fala citada acima de André Baniwa, liderança

indígena da comunidade, podemos entender a importância da educação para

esse povo, e para as comunidades indígenas no geral. Os povos indígenas já

não são, e não se deve esperar que eles sejam, mais os mesmos de

antigamente. A mudança, ainda que para eles tenha significado muitas vezes

violências físicas e simbólicas, restrição a suas terras, a suas práticas e todas

as mazelas do contato colonial, é parte constituinte das relações sociais. Como

supracitado, Tim Ingold, ao descrever os processos de transmissão de

conhecimento na Nova Guiné nos diz que “o conhecimento está em constante

transformação” e se o conhecimento para estes povos é a prática, elas também

vão estar nessa constante mudança.

Nem os povos indígenas nem o mundo são mais os mesmos e esse

mundo em constante transformação demanda a adaptação de quem vive nele,

48
por isso André Baniwa diz que os jovens já não são mais os mesmos e nem

querem ou precisam ser, e isso não significa deixar de ser Baniwa. Dessa

maneira, a escola torna-se para o povo Baniwa o espaço dessa diferença,

assim como o próprio nome já diz, a escola diferenciada dos povos indígenas.

Ela é sim uma reparação do Estado, é em certa medida uma instituição

ocidental11, mas é reinventada a todo momento por esses povos, que precisam

dela para (sobre)viver nesse novo mundo.

Portanto, ainda que de fato não rompa completamente com o modelo da

escola ocidental, a bibliografia consultada nos mostra que o esforço dos

Baniwa/Coripaco e de todos que constroem a escola se dá no sentido de não

se estagnar nos paradigmas da educação convencional. Como aponta Diniz

(2011), ainda que as metodologias de ensino, conteúdo programático, e os

objetivos não sejam os mesmos da escola convencional, a Pamáali não pode

renegar as condições e as finalidades que justificam sua existência. Entretanto,

a autora aponta que esse povo faz um uso diferente da escola, prioriza outros

valores, dando ênfase à escola como um espaço de reunião dos saberes de

dois mundos, construindo um ensino intercultural, convergindo conhecimentos

que interessam tanto à comunidade indígena, como ao restante da comunidade

11
Embora Goody (2008) destaque que, ao contrário do que a historiografia ocidental faz crer, é
no oriente que se consolida a instituição escolar (notadamente as universidades) tal como a
conhecemos hoje, tratando-se, pois, segundo este autor, de mais uma apropriação, por parte
do velho mundo, de uma instituição ‘alheia’ (bem como de determinados valores): “Foi no
oriente que a tradição clássica persistiu, tanto em termos de obras e autores gregos e
romanos, quanto em relação à organização de estabelecimentos educacionais. Embora isso
não tenha sido contínuo, em nada se compara com a interrupção na aquisição e disseminação
do conhecimento que marcou o Ocidente (....) Os modelos orientais foram providenciais para a
origem da academia como a conhecemos” (:256-257).

49
nacional, priorizando-os de acordo com suas potencialidades para resolver

questões atuais.

Dessa forma, a escola torna-se um importante espaço para o estudo das

cosmologias, das relações entre sociedade nacional e povos indígenas, dos

enunciados da cultura, da transmissão do conhecimento,dentre tantos outros

assuntos caros à antropologia, ao mesmo tempo em que, fazendo jus à seu

objetivo intercultural, interétnico e dual, também traz muitas contribuições para

a área da Educação, servindo de referência para se pensar novas

metodologias e projetos de escola, instituição que em sua forma mais dura já

pode ser considerada como obsoleta e não atende as demandas dos jovens

não-índios, que também estão em constante processo de reinvenção de suas

práticas.

Como pude perceber na pesquisa que realizei para escrever esse

trabalho, a demanda dos povos indígenas no que tange à educação escolar é

para que, nas palavras de Gersem Baniwa, eles possam manejar esse novo

mundo, ao mesmo tempo em que no decorrer de suas práticas a transformem,

mas sem deixar de lado o que são e o que sempre foram.

O objetivo da escola é formar jovens Baniwa capazes de viver em suas

comunidades, com os recursos necessários e isso só é possível com uma

escola verdadeiramente indígena, o que ainda há muito caminho para se

construir, mesmo que a bibliografia apresentada mostre muitos ganhos com o

que já se tem.

Como mostrado nos capítulos acima, a história de opressão e violência

epistêmica da colonização se confundem com a história da implantação da

50
escola para os povos indígenas, isso evidencia o tamanho da estrada que

ainda se tem para percorrer.

51
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