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E-ISSN: 2176-9575
revistaargumentum@yahoo.com.br
Universidade Federal do Espírito Santo
Brasil
AMIN, Samir
A China é capitalista ou socialista?
Argumentum, vol. 6, núm. 1, enero-junio, 2014, pp. 283-297
Universidade Federal do Espírito Santo
Vitória, Brasil
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Samir AMIN
E
sta pergunta, na verdade, é mal co-
locada, demasiadamente geral e tribuída não foi privatizada; permaneceu
abstrata para qualquer resposta que como propriedade da nação representada
faça sentido em termos de alternativa abso- pelas aldeias e comunas e apenas o uso das
luta. De fato, a China tem realmente se- mesmas foi concedido às famílias rurais.
guido um caminho original desde 1950, e
talvez mesmo desde a Revolução de Tai- Na medida em que se repete constante-
ping, no século XIX. Tentarei aqui esclare- mente ao redor do mundo que os campo-
cer a natureza deste caminho original e neses anseiam ardentemente somente pela
cada uma das etapas de seu desenvolvi- propriedade da terra. Por que razão a im-
mento, de 1950 até hoje, 2013. plementação do princípio de que as terras
agrícolas não são mercadorias foi possível
A questão Agrária na China (e no Vietnã)? Se tal fosse o caso
na China, a decisão de nacionalizar a terra
Mao descreve a natureza da revolução rea- teria levado a uma guerra de camponeses
lizada na China, por seu Partido Comu- sem fim, como foi o caso quando Stalin co-
nista, como uma revolução anti-imperia- meçou a coletivização forçada na União So-
lista/antifeudal com o olhar em direção ao viética.
socialismo. Mao nunca assumiu que, de-
pois de ter lidado com o imperialismo e o A atitude dos camponeses da China e do
feudalismo, a população chinesa tenha Vietnã (e em nenhum outro lugar) não
“construído” uma sociedade socialista. Ele pode ser explicada por uma suposta “tradi-
sempre caracterizou esta construção como ção” na qual eles desconheciam a proprie-
a primeira fase do longo caminho ao socia- dade. Foi o produto de uma linha política
lismo. inteligente e excepcional implementada
pelos partidos comunistas desses dois paí-
Devo enfatizar bastante a natureza especi- ses.
fica da resposta dada à questão agrária pela
11
Economista egípcio, presidente do Fórum Mundial de Alternativas e diretor do Fórum do Terceiro Mundo,
em Dakar, Senegal. Publicado originalmente em Monthly Review vol. 64, num.10 (março 2013). Tradução e
adaptação para o Português por Adriana Ilha da Silva e Paulo Nakatami.
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A Segunda Internacional tinha como certo tação bem sucedida têm suas raízes históri-
a aspiração inevitável dos camponeses pela cas na Revolução de Taiping no século XIX.
propriedade, real o suficiente na Europa do Mao, portanto, teve êxito onde o Partido
século XIX. Os socialistas da Segunda In- bolchevique falhou: na consagração de
ternacional aceitaram este fato consumado uma sólida aliança com a maioria rural.
da "revolução burguesa", mesmo lamen-
tando-o. Eles também achavam que pe- Esta "especificidade chinesa" – cujas conse-
quena propriedade camponesa não tinha quências são da maior importância – nos
futuro, que este pertencia à grande em- impede de caracterizar a China contempo-
presa agrícola mecanizada. Eles achavam rânea (mesmo em 2013) como "capitalista",
que o desenvolvimento capitalista, por si porque a via capitalista se baseia na trans-
só levaria a tal concentração da proprie- formação da terra em mercadoria.
dade e para as formas mais eficazes de sua
exploração. A história provou que eles es- Presente e futuro da pequena
tavam errados. A agricultura camponesa produção
deu lugar à agricultura familiar capitalista
em um duplo sentido; aquele que produz No entanto, uma vez que esse princípio
para o mercado (consumo de fazenda que seja aceito, as formas de usar esse bem co-
se tornou insignificante) e que faz uso de mum (a terra das comunidades rurais)
modernos equipamentos, insumos indus- pode ser bastante diversificada. Para en-
triais e de crédito bancário. tender isso, devemos ser capazes de distin-
guir pequena produção de pequena propri-
Mao extraiu as lições dessa história e de- edade.
senvolveu uma linha de ação política com-
pletamente diferente. No princípio da dé- A pequena produção – camponesa e arte-
cada de 1930, na China meridional, durante sanal – dominou a produção em todas as
a longa guerra civil de libertação, Mao fun- sociedades no passado. Ela manteve um lu-
damentou-se na crescente presença do Par- gar importante no capitalismo moderno,
tido Comunista e numa sólida aliança com agora ligada à pequena propriedade, na
os pobres e os camponeses sem terra (a agricultura, serviços e até mesmo certos
maioria), manteve relações amigáveis com segmentos da indústria. Certamente está
os camponeses médios e isolou os campo- retrocedendo na tríade dominante do
neses ricos de todos os estágios da guerra, mundo contemporâneo (Estados Unidos,
sem necessariamente hostilizá-los. O su- Europa e Japão). Um exemplo disso é o de-
cesso desta linha preparou a grande maio- saparecimento de pequenas empresas e sua
ria dos habitantes das zonas rurais para substituição por grandes operações comer-
considerar e aceitar uma solução para os ciais. No entanto, isso não quer dizer que
seus problemas, que não exigisse a propri- essa mudança é "progresso", mesmo em
edade privada das terras distribuídas. Eu termos de eficiência, e tanto mais se as di-
acho que as ideias de Mao e sua implemen- mensões sociais, culturais e civilizacionais
são levadas em conta. Na verdade, este é
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por comunidades rurais em várias regiões ainda é dominante em outras partes do ter-
da China, parecem estar inspirados na ex- ceiro mundo capitalista. Estruturas perma-
periência das Comunas. nentes bem equipadas e confortáveis for-
mam um contraste marcante, não só com a
A decisão tomada por Deng Xiaoping de antiga China da fome e da pobreza ex-
dissolver as comunas em 1980 fortaleceu a trema, mas também com as formas extre-
pequena produção familiar, que permane- mas de pobreza que ainda dominam a pai-
ceu como a forma dominante durante as sagem da Índia ou da África.
três décadas seguintes à esta decisão. No
entanto, a variedade de direitos dos usuá- Os princípios e as políticas implementadas
rios (por Comunas das aldeias e unidades (terrenos mantidos em comum, o apoio à
familiares) ampliou-se consideravelmente. pequena produção sem pequena proprie-
Tornou-se possível aos titulares, caso fos- dade) são responsáveis por estes resulta-
sem residir fora, o "aluguel" (mas nunca a dos inigualáveis. Eles tornaram possível
"venda") de seus direitos do uso da terra, uma migração rural-urbana relativamente
seja para outros pequenos produtores ou às controlada. Compare isso com a via capita-
empresas que organizam uma fazenda lista no Brasil, por exemplo. A propriedade
muito maior e modernizada (nunca um la- privada da terra agrícola esvaziou o inte-
tifúndio, que não existe na China, mas, no rior do Brasil, hoje com apenas 11% da po-
entanto, consideravelmente maior do que a pulação do país. Mas, pelo menos 50% dos
agricultura familiar). residentes urbanos vivem em favelas e so-
brevivem apenas graças à "economia infor-
Em minha opinião, “aprovar” ou “rejeitar” mal" (inclusive o crime organizado). Não
essa diversidade de formas de exploração há nada semelhante na China, onde a po-
das terras, à priori, não faz sentido. O fato pulação urbana como um todo está ade-
é que essa inventiva diversidade de formas quadamente empregada e alojada, mesmo
de uso comumente realizada levou a resul- em comparação com muitos "países desen-
tados fenomenais. Em primeiro lugar, em volvidos", mesmo sem mencionar aqueles
termos de eficiência econômica, embora a em que o PIB per capita está no nível do
população urbana crescesse de 20 para 50 chinês.
% da população total, a China conseguiu
aumentar a produção agrícola para manter A transferência da população da densa-
o ritmo das necessidades gigantescas de mente povoada zona rural chinesa (so-
urbanização. Ela preservou e fortaleceu sua mente o Vietnã, Bangladesh e o Egito são
soberania alimentar: sua agricultura ali- semelhantes) foi essencial. Melhorou as
menta 22% da população do mundo razoa- condições para a pequena produção rural,
velmente bem posto que ela tenha apenas tornando mais terras disponíveis. Esta
6% das terras aráveis do mundo. Além transferência, embora relativamente con-
disso, em termos da forma (e nível) de vida trolada, é, talvez, uma ameaça caso torne-
das populações rurais, as aldeias chinesas se demasiadamente rápida. Isso está sendo
não têm mais nada em comum com o que discutido na China.
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pelo contrário, eles se tornariam cascas va- todos os efeitos negativos dessa coincidên-
zias, conspirando com o capital privado cia – em minha opinião, a escolha de um
(através de "corrupção" da administração). "socialismo de mercado", ou melhor, um
Ainda assim, o que o capitalismo de Estado "socialismo com o mercado", é em grande
chinês tem obtido entre 1950 e 2012 é sim- parte justificada como fundamental para
plesmente incrível. Ele construiu, de fato, esta segunda fase de desenvolvimento ace-
um sistema produtivo moderno, soberano lerado.
e integrado à escala de um país gigante,
que só pode ser comparada com a dos Es-
tados Unidos. Ele conseguiu deixar para Os resultados desta escolha são, mais uma
trás a estreita dependência tecnológica de vez, simplesmente incríveis. Em poucas
suas origens (importação dos soviéticos e, décadas, a China construiu uma urbaniza-
em seguida, dos modelos ocidentais) atra- ção produtiva e industrial que reúne 600
vés do desenvolvimento de sua própria ca- milhões de seres humanos (quase igual à
pacidade para produzir invenções tecnoló- população da Europa!), dois terços dos
gicas. No entanto, ele não tem (ainda?) ini- quais foram urbanizados ao longo das
ciado a reorganização do trabalho a partir duas últimas décadas. Isto é devido à Pla-
da perspectiva da socialização da gestão nificação e não ao mercado. A China tem
econômica. A Planificação – e não a "aber- agora um sistema produtivo verdadeira-
tura" – manteve-se como meio central para mente soberano. Nenhum outro país no Sul
implementar essa construção sistemática. (com exceção de Coréia e Taiwan) conse-
guiu fazer isso. Na Índia e no Brasil há ape-
No período maoista, o Plano permaneceu nas alguns elementos díspares de um pro-
imperativo em todos os detalhes: a natu- jeto soberano do mesmo tipo, nada mais.
reza e a localização dos novos estabeleci-
mentos, os objetivos de produção e os pre- A Planificação continua a ser imperativa
ços. Nesse estágio, nenhuma alternativa ra- para os grandes investimentos de infraes-
zoável era possível. Vou citar aqui o inte- trutura necessários para o projeto: para
ressante debate sobre a natureza da lei do abrigar 400 milhões de novos habitantes
valor que sustentou o planejamento neste urbanos em condições adequadas e para
período. O próprio sucesso, e não o fra- construir uma rede incomparável de auto-
casso, desta primeira fase exigiu uma alte- estradas, estradas, ferrovias, barragens e
ração dos vias para a continuidade desse usinas de energia elétrica, para abrir todo
projeto de desenvolvimento acelerado. A ou quase todo o interior da China, e de
"abertura" para a iniciativa privada, inici- transferir o centro de gravidade do desen-
ada em 1980, mas, acima de tudo, de 1990 – volvimento das regiões costeiras para o
era necessária a fim de evitar a estagnação oeste continental. O Plano também perma-
que foi fatal para a URSS. Apesar do fato nece imperativo, pelo menos em parte,
de que esta abertura coincidiu com o para os objetivos e os recursos financeiros
triunfo globalizado do neoliberalismo, com das empresas públicas (estatais, provinci-
ais, municipais). Quanto ao resto, ele
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"recuperar o atraso" com os países opulen- talismo de Estado. Todos aceitaram a sub-
tos é impossível, algo deve ser feito, ele é missão à globalização contemporânea em
chamado a seguir o caminho socialista. todas as suas dimensões, incluindo a finan-
ceira. Rússia e Índia são exceções parciais a
A China não tem seguido um caminho es- este último ponto, mas não o Brasil e a
pecífico apenas a partir de 1980, mas desde África do Sul, entre outros. Às vezes, há
1950, embora este caminho passasse por fa- partes de uma "política da indústria nacio-
ses que são diferentes em muitos aspectos. nal", mas nada comparável com o sistemá-
A China tem desenvolvido um projeto coe- tico projeto chinês de construção de um sis-
rente, soberano que é apropriado para suas tema industrial completo, integrado e so-
próprias necessidades. Isto certamente não berano (nomeadamente na área de especi-
é o capitalismo, cuja lógica exige que as ter- alização tecnológica).
ras agrícolas sejam tratadas como uma
mercadoria. Este projeto continua sobe- Por estas razões todos esses outros países,
rano na medida em que a China permanece rapidamente caracterizados como emer-
fora da globalização financeira contempo- gentes, continuam vulneráveis em graus
rânea. variados, mas sempre muito mais do que a
China. Por estas razões, os aspectos de
O fato de que o projeto chinês não é capita- emergência – taxas respeitáveis de cresci-
lista, não significa que ele "é" socialista, mento, capacidade de exportar produtos
apenas que torna possível avançar mais no manufaturados – estão sempre ligados com
longo caminho para o socialismo. No en- os processos de pauperização que afetam a
tanto, ainda está ameaçado por um desvio maioria das suas populações, o que não é o
que o mova fora dessa estrada e acabe com caso da China. Certamente, o crescimento
uma troca, pura e simples, ao capitalismo. da desigualdade é evidente em toda parte,
incluindo a China, mas esta observação
A emergência do sucesso da China é o re- permanece superficial e enganadora. Uma
sultado de seu projeto soberano. Nesse sen- coisa é a desigualdade na distribuição dos
tido, a China é o único país autêntico emer- benefícios do crescimento que não exclui
gente (junto com a Coreia e Taiwan). Ne- ninguém (e ainda é acompanhado de uma
nhum dos muitos outros países para os redução nos bolsões de pobreza – este é o
quais o Banco Mundial concedeu um certi- caso da China), outra coisa é a desigual-
ficado de emergência é realmente emer- dade relacionada com um crescimento que
gente, porque nenhum desses países perse- beneficia apenas uma minoria (de 5% a
gue persistentemente um projeto soberano 30% da população, segundo o caso), en-
coerente. quanto que o destino dos outros perma-
nece desesperador. Aqueles que criticam
Todos subscrevem os princípios funda- ou denigrem a China desconhecem – ou
mentais do capitalismo puro e simples, fingem desconhecer – esta diferença deci-
mesmo em setores potenciais do seu capi- siva. A desigualdade que resulta da exis-
tência de bairros com moradias de luxo,
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por um lado, e bairros com habitação con- ranos dos povos de escolherem a sua pró-
fortável para as classes média e de traba- pria política e sistema econômico. Cada um
lhadores, por outro lado, não é o mesmo destes fins entra em conflito direto com os
que a desigualdade perceptível a partir da objetivos estabelecidos pela tríade imperia-
justaposição de bairros ricos, habitação de lista.
classe média, e as favelas para a maioria.
Os coeficientes de Gini são valiosos para O objetivo da estratégia política dos EUA é
mensurar as mudanças de um ano para o o controle militar do planeta, a única ma-
outro em um sistema com uma estrutura neira que Washington pode reter as vanta-
fixa. No entanto, em comparações interna- gens que lhe dão hegemonia. Este objetivo
cionais entre sistemas com diferentes estru- está sendo perseguido através das guerras
turas, eles perdem seu significado, como preventivas no Oriente Médio, e, nesse sen-
todas as outras medidas de magnitudes tido, essas guerras são as preliminares para
macroeconômicas nas estimativas nacio- a guerra preventiva (nuclear) contra a
nais. Os países emergentes (exceto China) China, a sangue-frio previsto pelo esta-
são de fato "mercados emergentes", abertos blishment norte-americano como possivel-
à entrada dos monopólios da tríade impe- mente necessária "antes de seja tarde de-
rialista. Estes mercados permitem a estes mais”. E fomentar a hostilidade à China é
últimos extrair, em seu benefício, uma indissociável dessa estratégia global, que
parte considerável da mais-valia produ- se manifesta no apoio demonstrado aos
zida no país em questão. A China é dife- proprietários de escravos do Tibete e Sin-
rente: é uma nação emergente em que o sis- kiang, no reforço da presença naval dos
tema possibilita a retenção da maior parte EUA no Mar da China, e o incentivo irres-
da mais-valia produzida ali. trito ao Japão para construir as suas forças
militares.
Grandes sucessos, novos desafios
Ao mesmo tempo, Washington se dedica a
Para compreender a natureza dos desafios manipular a situação para apaziguar as
que a China de hoje enfrenta é essencial en- possíveis ambições da China e dos países
tender que o conflito entre o projeto sobe- ditos emergentes, através da criação do G-
rano da China e o do imperialismo norte- 20, que se destina a dar a estes países a ilu-
americano, e seus subalternos aliados euro- são de que sua adesão à globalização libe-
peus e japoneses, vai aumentar em intensi- ral iria servir os seus interesses. O G2 (Es-
dade à medida que avança o sucesso da tados Unidos/China) é, neste sentido, uma
China. Existem várias áreas de conflito: o armadilha que torna a China o cúmplice
comando das tecnologias modernas, o das aventuras imperialistas dos Estados
acesso a recursos do planeta, o reforço das Unidos, podendo causar a perda de toda a
capacidades militares da China, e a realiza- credibilidade da política externa pacífica
ção da intenção de reconstruir uma política de Pequim.
internacional em função dos direitos sobe-
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A única resposta eficaz possível a esta es- Então, a outra parte do desafio diz respeito
tratégia deve proceder em dois níveis: (I) à questão da democratização da gestão po-
fortalecer as forças militares da China e lítica e social do país. Neste sentido, Mao
equipá-las potencialmente para uma res- formulou e implementou um princípio ge-
posta intimidadora, e (II) prosseguir tenaz- ral para a gestão política da nova China
mente no objetivo de reconstruir um sis- que ele resumiu nos seguintes termos: 1)
tema político internacional policêntrico, unir a esquerda; 2) neutralizar (eu acres-
que respeite todas as soberanias nacionais, cento: e não eliminar) a direita; e, 3) gover-
e, para esse efeito, agir no sentido de reabi- nar a partir do centro para a esquerda.
litar as Nações Unidas marginalizadas pela Desta forma, Mao deu um conteúdo posi-
OTAN. Enfatizo a importância decisiva tivo para o conceito de democratização da
deste último objetivo, o que implica a prio- sociedade combinada com o progresso so-
ridade de reconstruir uma "frente do Sul" cial no longo caminho para o socialismo.
(Bandung 2?) capaz de sustentar as inicia- Ele formulou o método para efetivar o se-
tivas independentes dos povos e dos Esta- guinte: "a linha de massas" (descer para as
dos do Sul. Isso implica, por sua vez, que a massas, aprender suas lutas, voltar para as
China se torne consciente de que ela não cúpulas do poder).
tem os meios para a possibilidade absurda
de se alinhar com as práticas predatórias A questão da democratização conectada
do imperialismo (saqueando os recursos com o progresso social, em contraposição à
naturais do planeta), uma vez que carece "democracia" desconectada do progresso
de um poder militar semelhante ao dos Es- social (e mesmo frequentemente ligada à
tados Unidos, que em última instância é a regressão social) – não diz respeito só à
garantia de sucesso para projetos imperia- China, mas a todos os povos do mundo. Os
listas. A China, ao contrário, tem muito a métodos que devem ser executados para o
ganhar, desenvolvendo a sua oferta de sucesso não podem ser resumidos em uma
apoio à industrialização dos países do Sul, única fórmula, válida em todos os tempos
que o clube de "doadores" imperialistas e lugares. Em qualquer caso, a fórmula ofe-
está tentando tornar impossível. recida pela mídia ocidental – com vários
A linguagem utilizada pelas autoridades partidos e eleições – deve pura e simples-
chinesas sobre questões internacionais, mente ser rejeitada. Além disso, esse tipo
contida ao extremo (o que é compreensí- de "democracia" se transforma em farsa,
vel), faz com que seja difícil saber até que mesmo no Ocidente, ainda mais em outro
ponto os líderes do país estão conscientes lugar. A "linha de massas" foi o meio para
dos desafios analisados acima. Mais seria- a produção de um consenso sucessivo aos
mente, esta escolha de palavras reforça ilu- objetivos estratégicos e em constante pro-
sões ingênuas e despolitização na opinião gresso. Isto é o contrário do "consenso" ob-
pública. tido nos países ocidentais através da mani-
pulação da mídia e da farsa eleitoral, que
nada mais é do que se alinhar às exigências
do capital.
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