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Niterói, 2004
2
Sumário
Agradecimentos
Introdução 1
Conclusão 237
Anexo 1 242
Bibliografia 251
3
Agradecimentos
Introdução
1
Cf. RODRÍGUES (1997); POTTHAST-JUTKEIT (1991).
2
Cf. DIAS (1995), SAMARA (1989), KUZNESOF (1986), MARCÍLIO (1973).
3
Cf., entre outras, DIAS (1995), SAMARA (1989).
4
Cf. DIAS (1995), SAMARA (1989), KUZNESOF (1986), MARCÍLIO (1973).
6
5
Outros autores pensaram o mesmo: KUZNESOF (1986); SAMARA (1989), citando KUZNESOF
(1986), e, principalmente, o trabalho da KUZNESOF (1990).
8
por uma nobreza local e outras, por chefes, escolhidos pelo rei, dentre a
nobreza da capital. Relações comerciais ligavam as províncias,
compostas por cidades – mbanza – e aldeias – lubata – todas
dependentes da capital, Mbanza Kongo, futura São Salvador. Nas
cidades, os nobres controlavam a produção, resultado do trabalho
escravo, que ali vigia sob duas formas: a doméstica ou de linhagem, na
qual o cativeiro era resultado da guerra ou de sanções sociais,
integrando-se o escravo à linhagem do senhor; a escravidão comercial,
ligada à produção agrícola ou à exploração de minas.
No ano de 1491, o rei foi batizado com o nome de D. João I7.
Durou pouco a conversão, pois, alguns anos depois, ele voltou às
antigas práticas pagãs, mas seu filho, Afonso I, após a vitória numa luta
sucessória, fez expandir o cristianismo junto ao seu povo, tornando-se o
principal elemento na cristianização do reino, governando de 1506 a
1543, período a partir do qual teve suas instituições políticas
transformadas nos moldes da monarquia portuguesa: os chefes de
província passaram a ser denominados condes, marqueses, duques,
etc., além de terem sido realizadas expansão territorial e maior
centralização do poder, traço que perdurou até o século XVIII8.
Mesmo sendo o comércio de escravos antigo na região, após o
contato com os portugueses foi intensificado, passando a monopólio
real, com redes comerciais que chegavam à ilha de São Tomé, centro de
todo o tráfico da África ocidental. Em certo momento, as formas
tradicionais de escravização – prisioneiros de guerra e pessoas
endividadas – estavam sendo violadas, e o próprio Afonso I escreveu ao
Rei de Portugal, reclamando que até os nobres se viam capturados por
mercadores, que desviavam as rotas sob controle dos chefes locais para
escapar dos tributos. Durante o período, os escravos provenientes da
capital do reino, rebatizada com o nome de São Salvador do Kongo pelos
portugueses, eram embarcados a partir dos portos de Mpinda, na foz do
6
Cf. THOMAS (1997).
7
Descrição do cronista Rui de Pina. Cf. RADULET (1992).
8
Descrição resumida em VAINFAS & SOUZA (1998).
10
9
Cf. PANTOJA & SARAIVA (1999).
11
10
Cf. BOXER (1981).
12
11
Cf. GLASGOW (1982).
13
12
Cf. MEDINA & HENRIQUES (1996).
14
13
Cf. VERGER (1987).
14
Cf. CARVALHO (1998).
15
Cf. TAUNAY (1941).
16
Cf. SIMONSEN (1978).
17
Cf. CURTIN (1969).
18
Cf. PRADO Jr (1977).
15
Apesar disto, o autor admite que a cifra pode ter sido mais elevada, o
que significaria que a entrada de africanos deve ter sido superior a
5.000.000. O consenso, entretanto, é o de que o maior volume por ano
do tráfico se deu na primeira metade do século XIX, mesmo após a
ilegalidade do tráfico, ocorrida em 1831, ou provavelmente por causa da
proibição.
As estimativas sobre o tráfico incluem somente os que chegaram
ao Brasil, sem considerar os mortos em viagem. As perdas sempre
foram muito elevadas, mas calcula-se que, nos primeiros anos, foram
mais acentuadas, chegando entre 15% e 25% a mortalidade durante a
travessia. Para períodos posteriores, calculam-se em 10% as taxas de
mortalidade. Ressalvas devem ser feitas em relação aos portos de
embarque. Considera-se que as chances de morrer estavam bastante
relacionadas com a extensão e a duração das viagens, o que talvez
desse ao Brasil condições mais favoráveis do que as de outras áreas da
América, como Caribe e América do Norte.
Estima-se uma média de 34 dias de viagem entre a África
ocidental e o Brasil; já a viagem de Moçambique demorava quase o
triplo do tempo, com média de 90 dias, favorecendo a mortalidade.
Herbert Klein demonstrou que, entre os anos de 1795 e 1811, de cada
19
Cf. MENDONÇA (1973).
20
Cf. CONRAD (1985).
16
21
Cf. MILLER (1981).
17
22
LAVRADIO (1779, p. 450-51).
19
23
MATTOSO; KLEIN; ENGERMAN (1988c).
24
Cf. MANNING (1988); KLEIN (1984).
25
Cf. FLORENTINO (1995).
20
26
Cf. GORENDER (1978).
21
27
Cf. FLORENTINO (1995).
28
Cf. SOUZA (1994).
29
Cf. MONTEIRO (1994).
30
Cf. ABREU (1988); VIANNA (1987).
31
Cf. FREYRE (1987).
32
Cf. PRADO Jr. (1971).
33
Cf. FURTADO (1959).
34
Cf. NOVAES (1979).
22
35
Uma boa contextualização da questão está em SCHWARTZ (1988).
23
36
Cf. FLORENTINO (1995).
37
Cf. FRAGOSO & FLORENTINO (1987).
38
Cf. SCHWARTZ (1988).
39
KUSNESOF (1986, p. 82).
40
FARIA (1998, p. 296).
24
41
Cf. SLENES (1988); FARIA (1998); MOTTA (1999); FLORENTINO & GÓES (1997).
42
Cf. SCHWARTZ (1988).
25
43
Ver capítulo IV.
44
Cf. RODRIGUES (1977); VIANNA (1987); PRADO Jr. (1971).
45
Cf. FREYRE (1987).
26
46
Cf. FERNANDES (1978).
47
Uma discussão interessante sobre o assunto está em COSTA (1979, capítuloVIII).
48
Um dos mais radicais na reificação do negro foi CARDOSO (1977).
27
49
Entre outros: LARA (1988); CHALHOUB (1990); MATTOSO (1982); SCHWARTZ (1988); SLENES
(1999).
50
Cf. FLORENTINO & GÓES (1997).
51
Cf. SLENES (1988).
28
52
Cf. SLENES (1988); CHALHOUB (1990); LARA (1988), REIS & GOMES (1996), entre outros.
53
Cf. GORENDER (1991).
29
54
VAINFAS (1995, p. 51).
30
55
POMPA (2001).
56
Cf. RAMINELLI (2000).
57
Cf. CUNHA (1992).
58
Cf. JENNINGS (1975).
31
59
Cf. SOARES (2000).
33
60
Cf. KI-ZERBO (1972); SOARES (2000).
34
61
Cf. REIS (1985, 2003).
62
Cf. SOARES (1998).
63
Cf. REIS (2003).
64
Cf. FARIA (2000).
65
Cf. VERGER (1987).
35
66
Cf. OLIVEIRA (1988).
36
67
Cf. SLENES (1991-1992).
37
68
Cf. Idem.
69
Idem.
70
SILVA (1813).
38
71
Cf. VARNHAGEN (1981); PRADO (1971).
40
72
FLORENTINO & GÓES (1997, p. 35).
41
73
MATTOS (1998, p. 127).
43
74
Idem, ibidem, p. 135.
44
75
Cf. SLENES (1999).
76
Cf. Idem.
77
Idem, ibidem, p. 53.
78
O documento foi encontrado por Stuart Schwartz.
45
79
Camboa, segundo o dicionário de Moraes Silva, significa: Lago, ou estreito à beira-mar, com porta por
onde entra o peixe com a maré, e fica seco na vasante ( SILVA, 1813).
80
REIS & SILVA (1989, p. 123).
81
Citado por REIS (1989, p. 105).
82
Cf. Idem, ibidem (1985, 1989).
46
83
Era o caso da resistência escrava na Virgínia, estudada por Gerald Mullin, da revolução escrava do
Haiti, da conspiração de Gabriel Prosser, em Richmond, em 1808, e da rebelião jamaicana de 1831, todas
com liderança e participação expressiva de crioulos. Cf. Idem (1989, p. 103).
84
Idem, ibidem, p. 103.
85
FLORENTINO & GÓES (1997, p. 154-5).
47
86
Cf. RODRIGUES (1977).
48
87
Cf. RAMOS (1979).
88
Cf. BASTIDE (1972).
89
Cf. SOARES (1999).
49
90
Cf. KARASH (1979).
91
Cf. DE CRAEMER & VANSINA & FOX (1976).
50
cair uma árvore, etc. eles dizem que ‘morreu’, mesma palavra
utilizada para os homens e os animais .92
92
MUNANGA (1995/96, p. 62).
93
Idem, ibidem, p. 63.
94
Cf. SOARES (1999).
95
Cf. KARASCH (2000).
51
96
Cf. SLENES (1991-92).
97
KARASCH (2000, p. 355).
52
98
Cf. THORNTON (1992).
99
Cf. SOARES (1999).
100
Cf. SLENES (1991-92).
53
101
Cf. WRIGHT (1979), apud REIS (1989, p. 104).
102
REIS (1989, p. 104).
103
Cf. MARX & ENGELS (1968), apud, REIS (1989, p. 104).
104
REIS (1989, p. 105).
54
105
Idem, p. 106.
106
Idem, ibidem, p. 107.
107
Idem, ibidem, p. 109.
55
108
Idem, ibidem, p. 117.
56
109
As informações sobre a Rebelião de Carrancas e os dados populacionais foram retirados de
ANDRADE (1999).
110
Idem, ibidem, p. 8.
57
111
Sobre a tentativa frustrada de 1831, ver Idem, ibidem, p. 152-162.
112
Idem, ibidem, p. 12.
58
113
Idem, ibidem, p. 12.
59
114
Com exceção de Antônio Resende, que serviu de carrasco aos outros escravos e teve sua vida
poupada. Idem, ibidem, p. 19.
115
Idem.
60
116
Cf. VERGER (1987, 1992); FREYRE (1973).
117
A sublevação de Vassouras, de 1838, foi estudada por GOMES (1995).
118
Idem, ibidem, cap. II.
61
119
Idem, ibidem p. 196.
62
120
Idem, ibidem, p. 214.
121
Idem, ibidem, p. 220.
63
122
Cf. SOARES (1997).
64
123
Cf. MATTOSO (1982).
65
124
SOARES (1997, p. 105).
66
125
HOLANDA (1977, p. 264).
126
Cf. NOGUEIRA (1983).
127
MUNANGA (1996, p. 186) e DA MATTA (1987).
128
MUNANGA (1996), p. 188.
67
129
Idem, ibidem, p. 188.
130
Cf. VAINFAS (1995).
68
131
DEBRET (1984, tomo 2, p. 103).
69
132
SILVA (1813).
133
FARIA (1998).
134
MATTOS (1998, p. 97).
135
FARIA (1998).
70
136
Idem, ibidem, p. 311-2.
72
137
Idem, ibidem, p. 136.
73
138
Idem, ibidem, p. 1136-7.
74
(...) disse que ouviu do dito Ramos que tendo o finado Lisboa
convidado ao dito Ramos para almoçar ou jantar com ele em sua
mesa e depois de terem comido disse a finada Isabel Leme de Tal ao
finado que o dito Ramos não conhecia o seu lugar, pois sendo um
negro ia comer com os brancos na mesa e que isto contara ao dito
Ramos o dito escravo Ladislau do que ficou o dito Ramos muito
apaixonado 140.
139
Processo de banhos matrimoniais de Alexandre da Costa e Inácia, 1800, 1 a caixa, letra A, Arquivo da
Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Cf. FARIA (1998).
140
MATTOS (1998, p. 93).
75
141
Idem, ibidem p. 94.
76
Por estar livre, uma pessoa de cor ‘parecia’ mais clara, da mesma
forma que se diz no século XX que o dinheiro embranquece uma
pessoa de cor. Se essa hipótese for correta, então as transformações
nas proporções de pardos e mulatos entre a população de cor tem
menos a ver com mudanças nos fisiotipos do que com mudanças nas
maneiras pelas quais esses grupos foram percebidos 142.
142
EISENBERG (1989, p. 269-270).
143
MATTOS (1998, p. 243).
77
144
Idem, ibidem, p. 94.
78
145
Livro de Registro de Testamentos n. 3. Arquivo do Museu Histórico de São João Del Rei, tetamento
de Apolônia Maria Ferreira, 1780.
79
146
VERLINDER (1949); HERRS (1983), apud CALAINHO (2000).
80
com razão podem per eles as ditas doações ser revogadas por
causa de ingratidão147.
147
Consultei a seguinte edição das Ordenações Filipinas (editada pela primeira vez em 1603): Edição
“fac-simile” da edição feita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870, com nota de
apresentação de Mário Júlio de Almeida Costa. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985, p. 6-7.
148
Ver legislação completa sobre o assunto no ANEXO 1.
149
Cf. LARA (1988); RUSSELL-WOOD (1995).
150
Uma das pesquisas mais interessantes sobre direito positivo e direito costumeiro no Brasil do século
XIX é a de GRINBERG (1994). Uma das pioneiras no tema foi CUNHA (1986).
81
151
MALHEIRO (1976, p.98).
82
152
Idem, ibidem, p. 98).
153
Dizia o Alvará: sendo informado dos muitos, e grandes inconvenientes que resultam do excesso e
devassidão, contra as Leis, e costumes de outras Cortes polidas se transportam anualmente da África,
América e Ásia, para estes Reinos um tão extraordinário número de escravos pretos, que fazendo nos
Meus Domínios Ultramarinos uma sensível falta para a cultura da Terra e das Minas, só vêm a este
Continente ocupar os lugares dos moços de servir, que ficando sem cômodo, se entregam à ociosidade, e
se precipitam nos vícios, que deles são naturais conseqüências (...). Alvará de 19 de outubro de 1751,
reproduzido em SILVA (1842, p. 111-112).
154
TINHORÃO (1988, p. 371-372).
155
Alvará de 19 de outubro de 1751, reproduzido em SILVA (1842, p. 111-112).
83
156
Dados fornecidos por LARA (1988, p. 249-250).
157
KOSTER (1978).
158
Cf. TANNENBAUM (1968); ELKINS (1959), apud CUNHA (1983).
159
Cf. KOSTER (1978)
160
Lei no 2.040, de 28 de setembro de 1871. Coleção das Leis do Império de Brasil de 1872. Tomo
XXXI, parte I, p. 147-52. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1871.
84
161
Cf. GRINBERG (1994).
85
162
ALGRANTI (1988, p. 107).
86
(...) invenção do Direito das Gentes, e que a primeira deve ser superior
à segunda. A grande questão era a de que o escravo tinha condições
de comprar sua liberdade, e que isto não traria prejuízo ao seu
senhor. Negar esta possibilidade seria ir contra o “estado natural 164.
163
Cf. SILVA (2000).
164
Idem, ibidem, p. 301-2.
165
Pela Lei de janeiro de 1773, declarou-se livre todo escravo nascido daquela data em diante, mas
continuavam escravos os cativos das duas últimas gerações (pais e avós). Podiam, também, ser libertados
os escravos que comprovassem ser a terceira geração no cativeiro. Tendo bisavó escrava, tornava-se livre.
Cf. SILVA (1858).
166
Cf. LARA (1988).
167
RUSSELL-WOOD (1995, p. 218).
87
168
De Arcos para o rei, 10 de agosto de 1756. APB, Ordens régias, vol. 54, fls. 97-99v; publicado em
Memórias históricas e políticas da Província da Bahia do coronel Ignácio Accioli de Cerqueira e Silva,
anotador Dr. Braz do Amaral, 6 vols. Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1925, vol. 2, p. 428-29, apud,
RUSSELL-WOOD (1995, p. 226).
88
169
Cf. CUNHA (1985, 1986).
89
(...) havendo o dito escravo fugido por duas vezes não lhes prestando
os seus serviços, como deveria e sendo agora preso por capoeira, tem-
se tornado por todos estes fatos indigno daquela graça, e em
conseqüência por este instrumento revogam a mencionada escritura,
para que não possa produzir efeito, e chamam ao cativeiro o referido
escravo, para dele poderem dispôr como lhes aprouver 171.
(...) por não terem dado justas contas dos seus jornais, e finalmente
por terem atentado contra a vida do outorgante, usando de armas
proibidas, que lhe tem sido encontradas não só por este, como por
outras pessoas 173.
170
Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, 1o Ofício de Notas, livro 234, folha 215 verso.
171
Idem, ibidem, livro 237, folha 210 verso.
172
Idem ,ibidem, livro 236, folha 134 verso.
173
Idem, ibidem, livro 234, folha 152.
90
174
LARA (1988, p. 265-6).
91
175
Cf. DAGLIONE (1968-69).
176
Cf. GRAHAM (1970, 1979).
177
Cf. BELLINI (1988); CUNHA (1986); EISENBERG (1989a, 1989b); GALLIZA (1979);
GORENDER (1985); GRINBERG (1994); HIGGINS (1999); KARASCH (2000, 1998)); KIERNAN
(1978, 1976); MATTOSO (1982, 1979); LEWKOWICZ (set.1988/fev.1989); LIMA & VENANCIO
(1988); MATTOSO & KLEIN & ENGERMAN (1988); MOTT (1973); NISHIDA (1993); OLIVEIRA
(1988); PAIVA (1995); PELÁEZ (1972); RUSSELL-WOOD (1982); SCHWARTZ (1974); SLENES
(1976); VERGER (1992); XAVIER (1996).
92
178
GORENDER (1978, p. 346).
179
Idem , (1985, p. 354-355).
93
180
MATTOSO; KLEIN; ENGERMAN, in REIS (1988).
181
FARIA (1998, cap. II).
182
Idem, ibidem, cap. II.
94
183
MATTOSO (1982, p.186).
184
Idem, (1972, p. 36).
185
Cf. RUSSELL-WOOD (1982).
186
Cf. LUNA & COSTA (1980).
95
187
KARASCH (1972, p. 515).
188
CUNHA (1985, p. 22).
96
189
Cf. MALHEIRO (1976).
97
190
Há pesquisas de doutorado em andamento de Márcio de Souza Soares (UFF), sobre alforria em
Campos dos Goitacases, no Rio de Janeiro, e de Roberto Guedes Ferreira (UFRJ), analisando a área de
Porto Feliz, Município de São Paulo, ambos entre os séculos XVIII e XIX.
98
191
EISENBERG (1989, p. 257).
192
Cf. KIERNAN (1978).
193
Lei no 1.114, de 27 de setembro de 1860. In: Coleção das Leis do Império do Brasil de 1860. Tomo
XXI, parte I, p. 79-80. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1860.
100
194
SCHWARTZ (1988, p. 276).
101
195
LAVRADIO (1843 p. 422 e 424).
196
Cf. PRADO Jr. (1979); FREYRE (1987); SOUZA (1986); MATTOS (1987); FRANCO (1974).
102
197
Cf. FARIA (1998).
198
Cf. KARASCH (2000).
103
QUADRO 1
Forma de aquisição da alforria no Rio de Janeiro
Séculos XVII, XVIII e primeira metade do XIX – Totais gerais
199
EISENBERG (1989, p. 283-284).
200
Cf. SCHWARTZ (1974).
201
Cf. NISHIDA (1993).
104
QUADRO 2
Forma de aquisição da alforria em São João Del Rey - MG
Séculos XVIII (1774-1800) e XIX (1801-1830) – Totais gerais
Declaro que tenho um mulato por nome Pedro Dias que desde que
nasceu é forro por ser meu filho e ter sua carta de alforria e em
202
Cf. FARIA (1998).
106
Declaro que possuo uma crioula pequena por nome Tereza a qual
sendo de mama me deu seu pai e sua mãe setenta mil réis quando
fora avaliada por morte de sua senhora Bárbara Mendes da Costa
[segunda mulher do testador] a qual crioula é forra por ter recebido
sua valia, e daqui em diante nenhum de meus herdeiros poderão
entender com ela por ser forra e liberta204.
203
Inventário de Baltazar Gonçalves, 1714. Arquivo do Cartório do 1o Ofício de Notas de Campos dos
Goitacases, Rio de Janeiro. FARIA (1998).
204
Idem.
205
Casos citados por LARA (1988, p. 255-259).
107
206
Idem, ibidem p. 255-259.
108
207
Entre outros, podem-se citar SOUZA (1983); MARTINS (1983); e SLENES (1975).
109
aqui a autora da um outro norte explicativo
sobre as concecao da alforrias
Também
distanciando das analise demogra era esperado que ele reconhecesse erros passados e
ficas.
que os tentasse corrigir. Filhos naturais208, portanto, deveriam ser
reconhecidos, e realmente foram muitos que assim o fizeram. Quando o
filho natural era escravo, então, seria inconcebível que o mantivesse no
cativeiro. Já o filho adulterino, que não poderia ter nomeada a
paternidade, o mínimo a fazer seria alforriá-lo e, ao que tudo indica,
muitos ficaram em paz com sua consciência libertando-o do cativeiro.
O desprendimento maior de testadores em alforriar cativos
talvez se explique com mais propriedade pela situação vivida por ele no
momento de redação do testamento do que por uma afetividade de fato.
Em testamentos, o autor redigia ou ditava suas últimas vontades
quando em perigo de vida. Seu estado de saúde aparece logo na
primeira parte do testamento e a grande maioria afirmava estar com
doença que Deus me deu, estando de cama, porém em meu perfeito juízo
e entendimento, etc.209. O fato de que as alforrias testamentárias
tendiam mais a libertar escravos gratuitamente do que as registradas
em cartórios pode ter sido resultado da interpretação da alforria como
obra de caridade. Mas tudo são, ainda, conjecturas.
alforria na pia A alforria na pia batismal era outra forma de registrar a
libertação. A proporção de crianças assim alforriadas, filhas de mães
solteiras, era expressiva para várias regiões e períodos. Em São João
Del Rey, entre os anos de 1736 e 1831210, houve 303 crianças
libertadas no batismo. Destas, 163 eram mulheres, 137, homens e uma
tinha nome que não permitia identificar o sexo. Somente 26 eram filhas
de pais casados. As demais 276 eram naturais. Das que trouxeram
origem da mãe – 165 delas, ou 54% – quase a metade era da África
(48%); as demais, crioulas. Entre os anos de 1831 e 1854, foram
alforriadas 48 crianças, 33 delas mulheres e 15 homens. A origem é
208
Filho natural era o gerado em relacionamento sexual entre pessoas solteiras ou viúvas. O filho era
adulterino quando pelo menos uma delas era casada.
209
Cf. FARIA (1998, principalmente capítulo IV).
210
Os dados de batismo de São João Del Rey foram coletados por Silvia Maria Jardim Brügger, Maria
Leônia Chaves de Resende e Maria Teresa Cardoso. Agradeço às pesquisadoras os dados a mim
gentilmente cedidos.
110
211
Registros de batismo de livres. Cúria Metropolitana de Campos dos Goitacases. FARIA (1998).
111
212
EISENBERG (1989, p. 251).
213
KARASCH (1987, p. 336).
214
Schwartz faz um rápido balanço dos estudos sobre alforrias, na Bahia. SCHWARTZ (1988, p. 275).
Ele próprio realizou um importante trabalho sobre alforrias entre os anos de 1684 e 1745. Cf. Idem
(1974); ver, também, MATTOSO (1972).
112
215
Cf. KARASCH (1987); DIAS (1995).
216
Cf. MATTOSO (1972, 1976).
217
Cf. KARASCH (1987).
218
Cf. EISENBERG (1989).
219
Devo esclarecer que não utilizei todas as cartas de alforrias registradas em livros de notas dos
Cartórios de 1º., 2º., 3º e 4º Ofícios de Notas e de Registro Geral do Rio de Janeiro, mas creio que coletei
número significativo delas que sustentam os argumentos que proponho a seguir.
113
Quadro 3
Alforrias no Rio de Janeiro em relação ao sexo
Séculos XVII, XVIII até a década de 1850 – totais gerais
Quadro 4
Alforrias em São João Del Rey em relação ao sexo
1774 - 1848 – Totais gerais
Quadro 5
Alforria por origem (Brasil ou África) – Rio de Janeiro – geral
Séculos XVII, XVIII até a década de 1850
220
Sérgio Buarque de Holanda assim se refere a ele: de passagem, convém notar que a palavra ‘mulato’
se aplicava em São Paulo a mestiços de índios tanto como de negros, e àqueles naturalmente mais do que
a estes por ser então diminuta ali a escravidão africana: mesmo durante a primeira metade do século
XVIII, os registros de batizados de carijós falam em “molatos” com tal acepção, e só raramente aludem
a “mamelucos”. HOLANDA (1994 p. 264).
115
Pode-se ter como hipótese que os senhores de escravos de São João Del
Rey tinham poucas chances de acesso ao mercado atlântico de
escravos, o que resultaria numa maior população nascida no Brasil
entre os escravos. Sendo maioria na população, portanto, alforriavam-
se mais. Mas, realmente, isto parecia não ocorrer. Eduardo França
Paiva calcula que 2/3 da população escrava eram compostos por
nascidos na África, na Comarca do Rio das Mortes, onde se localizava
São João Del Rey. Não era, portanto, por serem majoritários que
crioulos, mulatos, pardos e cabras se alforriavam mais.
Quadro 6
Alforrias segundo a origem – São João Del Rey (1774-1848)
metade do XIX. Pode-se conjecturar que havia, por parte dos senhores,
mais predisposição à liberdade pela facilidade de acesso à mão-de-obra
trazida pelo tráfico, mas creio que também houve maior pressão, por
parte dos escravos, para conseguir a liberdade, justamente tomando a
ampla oferta da época.
Stuart Schwartz foi talvez quem, pela primeira vez, sugeriu
deslocar a discussão sobre alforrias das considerações dos diferentes
interesses dos senhores para a (...) inclusão das percepções e das
iniciativas dos escravos em relação aos regimes criados pelos fatores
demográficos, econômicos e culturais 221. Escravos, cada vez está mais
claro, usaram de vários mecanismos para conseguir a liberdade,
incluindo a perspicácia em perceber conjunturas propícias. Como
hipótese, sugiro que os escravos se utilizaram do conhecimento sobre o
amplo mercado de escravos que se configurava para conseguir a
liberdade com mais facilidade, embora muitas vezes não tenham sido
felizes em seus cálculos.
A análise, feita a seguir, sobre as condições da alforria, se
gratuita, onerosa ou sob condição, pode elucidar alguns aspectos sobre
as artimanhas dos escravos de variadas origens para conseguirem a
liberdade. Constatei variações importantes, dependendo da origem do
escravo.
221
SCHWARTZ (1974, p. 631).
117
222
Havia 29 de origem indeterminada.
118
223
Cartório do 2º Ofício de Notas, Livro de Notas 70, p. 37. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
119
Declaro que possuo outra escrava por nome Anna também mina a
qual tem uma filha por nome Arcângela cabra a quem deixo forra e
liberta pela ter criado e lhe querer bem. (...) Declaro que a outra parte
de meus bens a deixo por esmola a dita cabrinha Arcângela que
acima deixo forra e a dita esmola que lhe deixo meu testamenteiro lha
entregará quando ela fizer idade de quatorze anos 225.
224
Ver capítulo II, item 2.1.
225
Arquivo do Museu Histórico de São João del Rei, Livro 7. Testamento de Germana da Silva
Guimarães, 1788.
226
Registro de Óbito, São Gonçalo, 1687. FARIA (1998).
227
Idem, 1698. Idem, ibidem.
120
Declarou que por bons serviços que havia recebido de Paula, mulata,
sua escrava, a deixava forra e a seu filho Feliciano, livres ambos de
toda escravidão, e assim seus testamenteiros lhe passarão suas
cartas de alforria, por sua morte. Declarou que de Isabel, filha desta
mulata, se dá por pai Rodrigo Dias, e querendo-a forrar, este por sua
verba, a dê por forra e livre de toda escravidão na mesma
conformidade que sua mãe e irmão 229.
228
Cf. FURTADO (1999).
229
Registro de Óbito, São Gonçalo, 1680. FARIA (1998).
230
Idem.
121
231
Idem, ibidem, 1693.
232
Idcm.
233
Cartório do 2º Ofício de Notas, Registro Geral, livro 37 , p. 101. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
122
234
Cf. DANTAS (1914).
235
Ver, a esse respeito, FREYRE (1987, p. 360-363).
236
Cartório do 1º. Ofício de Notas, livro 141, p. 90. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro
237
Cartório do 2º. Ofício de Notas, livro 109, p. 182v. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro
123
238
Idem, ibidem, livro 65, p. 29.
239
Idem, ibidem, Registro Geral, livro 42, p. 194.
240
Idem, ibidem, livro 82, p. 44.
241
Idem, ibidem, livro 30, p. 107.
125
Quadro 7
Alforrias segundo o sexo e a forma – São João Del Rey (1774-1848)
1774-1800 1801-1848
Origem Mulheres Homens Mulheres Homens
G ON %ON G ON %ON G ON %ON G ON %O
África 22 71 80 30 74 71 65 39 38 67 57 46
Brasil 87 135 61 69 70 50 229 86 27 129 76 37
Indet. 9 4 33 9 4 31 32 11 26 29 15 34
Total 118 210 64 108 148 58 326 136 29 225 148 40
Fonte: Cartório de Notas de São João Del Rey. Arquivo do Museu Histórico de São
João del Rei.
Quadro 8
Forma de aquisição da alforria no Rio de Janeiro em relação ao
sexo
Do século XVII à década de 1850 – Totais gerais
242
Cf. FLORENTINO (2002).
128
Quadro 9
Aquisição da alforria mediante pagamento segundo a origem e o
sexo, por século.
Rio de Janeiro – século XVIII até a década de 1850
243
Idem, ibidem, p. 20-21.
129
244
Cf. Idem.
130
Quadro 10
Proporção de Homens e Mulheres, conforme área da África, na
alforria
Rio de Janeiro (geral) – Do século XVIII à década de 1850
245
Registro de Notas de São João Del Rei. Arquivo do Museu Histórico de São João del Rei, Livro 3.
Testamento de Ignácio Gonçalves, 1786.
131
246
Livros de Notas e de Registro Geral dos Cartórios do 1º, 2º., 3º e 4º Ofícios de Notas do Rio de Janeiro
(1612 – 1860).
247
Uma dobla equivalia a 12$800 (doze mil e oitocentos réis).
248
Uma oitava de ouro valia 1$200 (um mil e duzentos réis).
132
(...) nestes tempos tudo o que se achar por minha morte pertence à
Irmandade a quem rogo pelo amor de Deus me perdoe o que faltar e o
que eu consumi, e peço ao dito meu marido convenha em tudo e se
entregue por restituição à minha Irmandade, pois ele muito bem sabe
a verdade do que digo (...)249.
249
Livro de Óbito da Freguesia do Santíssimo Sacramento da antiga Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da
Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Testamento de Isabel da Silva, de 21/11/1779.
133
250
RIBEYROLLES (1980, vol. 1. p. 203).
251
Idem, ibidem, p. 209).
252
EXPILLY (1977, p. 81).
253
Foi publicada em 1959 somente a primeira parte do Brasil Pitoresco, mas nela que se encontram as
impressões sobre os pretos minas.
135
254
Banto é termo genérico, que designa um tronco lingüístico comum a vários povos da África Central e
Austral. A identificação foi feita, segundo Robert Slenes, com a contribuição significativa do pintor
bávaro Johann Moritz Rugendas que, em 1825, de volta à Europa, passou as informações sobre
vocabulários africanos encontrados no Rio de Janeiro a um cientista francês, que as publicou. Anos mais
tarde, com o trabalho de outros lingüistas, foi criado o termo banto (ou bantu) para designar a nova
família de línguas. Segundo Slenes, Pode-se dizer, portanto, sem grande exagero, que através de
Rugendas a Europa descobriu no Brasil uma parte importante da África. SLENES (1991-1992, p. 49).
255
CARNEIRO (1991, p. 30).
136
256
SOARES (2000).
137
Souza: Não é fugir dos meus nacionais, mas sim livrar-me de abusos
e superstições que entre eles poderão haver, e suposto que os
257
Para uma melhor contextualização do que Mariza Soares chama de grupos de procedência, ver
SOARES (2000 e 2004). Ver, também, BARTH (2000); LOVEJOY (2000).
258
Regra ou Estatutos por modo de um diálogo, onde se dá notícias das Caridades e Sufragações das
Almas que usam os pretos mina, com seus Nacionais no Estado do Brasil, especialmente no Rio de
Janeiro por onde se hão de regerem e governarem fora de todo o abuso gentílico e supersticioso;
composto por Francisco Alves de Souza preto e natural do Reino de Makim, um dos mais excelentes e
potentados daquela oriunda Costa da Mina. Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, seção de manuscritos,
9, 3, 11. Agradeço a Mariza C. Soares por me ter cedido a transcrição do documento e autorização para o
citar.
259
Idem.
138
pretos Mina nesta Capital são tão briosos e tementes a Deus que
não use disso, com tudo como os de Angola tem por costume
tomarem da tumba da Santa Casa da Misericórdia os cadáveres
de seus parentes para os porem nas portas das Igrejas, com
cantigas gentílicas, e superstições, tirando esmola dos fiéis para
os enterrarem, o que é constante nesta cidade, e por esta razão, os
senhores brancos, entenderam que todos os pretos usaram do
mesmo, quer que seja Mina ou de Angola e essa é a razão porque
me exzibo [sic] de reger e proteger, os meus parentes 260.
260
Idem.
261
Cartório do 2º. Ofício de Notas, livro 76, p. 17. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
262
Agradeço a Anderson de Oliveira me ter cedido gentilmente a cópia do óbito e testamento de Ignácio
Gonçalves do Monte. Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Livro de Óbitos e Testamentos da freguesia
da Sé, no 18 (1776 a 1784), p. 442 verso.
139
Souza: (...) mais agora me disseram que a viúva do dito Monte depois
que enterramos o marido que faleceu em 25 de Dezembro de
1783, passados 14 dias a tempo que estive doente de uma
erisipela, mandou convocar os nossos nacionais como é costume
quando o marido estava vivo e os ordenou que ia a Igreja dos
gloriosos Santos Elesbão e Efigênia e no seu Consistório, a tirar
esmolas pela alma do dito falecido seu marido (e prevenindo-se
ocultamente) com alguns de seus parciais, se é lícito assim o
dizer, e apanhando a todos incautamente; no dito Consistório, fez
pôr uma Coroa na cabeça dizendo que era a Rainha e com tal
sutileza que todos lhe estranharam este modo de proceder e
fugiram dela no mesmo dia, porque não eram só os de nação de
Maki que lá se achavam senão tudo o que diz ser da Costa da
Mina e de outras nações que se admiram de tal tragédia, tudo
obra de um crioulo baiano que se acha em sua casa depois da
morte de seu marido, e veja Vossa Mercê se é ou não abuso e
superstição e essa é uma das cousas porque tenho teimado que
não quero, porque conheço que a viúva não faz gosto que eu o seja
sem o seu consentimento.
Cordeiro: Tudo isso São traças do demônio para perverter esta tão
boa caridade, assim foi mais quem Consentiu e aprovou essa
eleição.
Souza: Eu não sei, pois Vossa Mercê bem sabe que estava doente
naquela ocasião, mal podia saber dessa tragédia, se me não
contassem pessoas fidedignas zelosos do bem comum.
Souza: Por que razão diz Vossa Mercê que as mulheres não podem
reger e governar aos homens
sua livre vontade com zelo da salvação dos nosso parentes que
falecem fazendo caridade aos que estão vivos e não há obrigação
de fazermos regenta uma mulher porque há homens e nós não
queremos senão a Vossa Mercê 263.
Souza: (...) a primeira cousa que requeiro é de não haver nesta nossa
Corporação o nome de Rei.
Todos: Pois Vossa Mercê nos governa e nos administra, e lhe temos
cortesia como a nosso Pai: O como o havemos de tratar, se isto já
vem dos primeiros fundadores.
Souza: Viesse de onde viesse, porque não tenho culpa dos erros dos
primeiros fundadores e nem sou culpado nisso; digo que esse
distintivo não serve mais porque não é dissonante nos ouvidos de
quem as houve, este nome de Rei, por que faz perturbar a boa
harmonia e devoção que temos com os nossos próximos devendo
de dar Outro título que Condiga com a nossa profissão;
Todos: Que título pode nos dar.
Souza: A de Regente nome próprio, para o feito que fazemos.
263
Regra ou estatuto....
141
264
Cf. OLIVEIRA (1988).
142
265
SAINT-HILAIRE (1974); DEBRET (1989).
143
266
Cf. KARASCH (1987); MOTT (1976) (1973); MATTOSO (1982, 1976, 1972); SCHWARTZ (1974);
KIERNAN (1978) (1976); RUSSELL-WOOD (1982).
267
Destacam-se, entre eles: PAIVA (1995); OLIVEIRA (1988); MATTOSO (1979); LEWKOWICZ
(set.1988/fev.1989).
268
Cf. DIAS (1995); SOUZA (1983); FIGUEIREDO (1993); FIGUEIREDO & MAGALDI (1984).
269
Cf. FARIA (1998).
144
nem que seja um só, não pode ser considerado pobre nesta sociedade,
em qualquer época. Considero um contra-senso afirmações como as que
fez Maria Odila da Silva Dias, que qualificou como pobres mulheres
negras ou mestiças proprietárias de até dez escravos, em São Paulo, no
século XVIII271.
Além da propriedade escrava, os que tiveram inventário post-
mortem aberto ou redigiram um testamento também não podem ser
considerados pobres. Os que os tiveram, eram proprietários de bens. Os
destituídos de posses não faziam testamento nem tinham inventário,
sendo, no geral, a grande parte ou a maioria da população adulta272,
fosse livre ou liberta.
Outro fator que caracterizava a pobreza era a posição do
indivíduo na hierarquia social. Negros e seus descendentes, libertos ou
livres, eram pobres mais pela condição estigmatizada que possuíam do
que pelos bens materiais que efetivamente puderam acumular.
Está evidente que a liberdade não trouxe aos ex-escravos
grandes benefícios, não só pela interpretação da historiografia como
pela ótica dos contemporâneos letrados ou da elite, que insistiam em
vê-los pelo seu passado como escravos. São incontáveis os relatos que
discriminavam os que traziam na cor da pele a presença da escravidão
atual ou pretérita. Havia suspeita, acima de tudo, de maus
procedimentos para conseguir este fim.
Antonil, em finais do século XVII, recriminava a forma como
muitas escravas conseguiram sua liberdade: a venda do corpo,
presumida por ele, posto que associada à indumentária e aos adereços
que portavam. Em suas palavras:
270
MATTOSO (1982); SCHWARTZ (1988); KARASCH (1987).
271
DIAS (1995).
272
É possível, pelos registros paroquiais de óbitos, ter uma idéia de sua quantidade. Os que não fizeram
testamento, ato comum e esperado para os proprietários de bens, têm referido: não fez testamento por não
ter de quê. Outros têm indicado que foram enterrados pelo amor de Deus, ou seja, gratuitamente. Há
ainda os que são referidos como vivendo de esmolas, vadio ou, mesmo, pobre. As indicações são muitas
para designar a quem falta o necessário para a vida, na definição do dicionarista Antônio de Moraes e
Silva, publicado pela primeira vez em 1789. SILVA (1813).
145
E o pior é que a maior parte do ouro, que se tira das minas, passa em
pó e em moedas para os reinos estranhos: e a menor é a que fica em
Portugal e nas cidades do Brasil, salvo o que se gasta em cordões,
arcadas, e outros brincos, dos quais se vêem hoje carregadas as
mulatas de mal viver e as negras, muito mais que as senhoras 273.
273
ANTONIL (1923, p. 261).
274
MOTT (1993, p. 34).
275
Idem, ibidem, p. 39.
276
SOUZA (1986, p. 181).
277
MOTT (1993, p. 42).
146
278
Cf. FIGUEIREDO (1993); FIGUEIREDO & MAGALDI (1984); DIAS (1995); MOTT (1976).
279
Edital de 8 de novembro de 1785, em Repertório geral ou índice alfabético das leis extravagantes no
reino de Portugal ordenado pelo desembargador Manoel F. Thomaz, 1843, e Código Filipino ou
Ordenações e leis do reino de Portugal recompiladas por mandado del rei dom Filipe I, índice
alfabético,.apud FIGUEIREDO (1993, p. 37).
280
Lei de 19 de novembro de 1757, em Coleção das leis, decretos e alvarás que compreende o Feliz
Reinado (...) desde o ano de 1756 até o de 1758 (...), Lisboa, M. Rodrigues, 1761-62, t. 1, p. 257, apud
FIGUEIREDO (1993, p. 37).
147
ajudavam a viver, e com efeito viviam desses pequenos tráficos, sem que
homens alguns se atrevessem a perturbá-las281.
Se é que isto realmente acontecia em Portugal, o que talvez seja
exato, aqui no Brasil parece que o comércio a retalho foi tomado por
outro tipo de mulher: as negras, fossem escravas ou libertas. Russel-
Wood afirma que
281
Lei de 19 de novembro de 1757, em Coleção das leis, decretos e alvarás que compreende o Feliz
Reinado (...) desde o ano de 1756 até o de 1758 (...), Lisboa, M. Rodrigues, 1761-62, t. 1, p. 257, apud
FIGUEIREDO (1993), p. 37.
148
282
RUSSELL-WOOD (1977), p. 27
283
EXPPILLY (1977, p. 94).
284
SAUNDERS (1982, apud CALAINHO (2000, p. 52).
285
BRANDÃO (1917), apud CALAINHO (2000, p. 53).
286
Idem, ibidem, p. 53.
149
287
Cf. BOXER (1981).
288
Dizia-se portador de defeito mecânico os que trabalhavam com as mãos, podendo ser o trabalho braçal
propriamente dito ou atividades como pesar e medir mercadorias.
289
MOTT (1976, p. 87).
290
Cf. FIGUEIREDO (1993).
150
291
WALSH (1985, p. 28).
292
EXPILLY (1977, p. 81-2)
151
possua seus dois ou três escravos que sustentam a vida do seu senhor,
para quem devem trabalhar certo tempo todo dia, além de manter-se com
seu ganho293. O trabalho a jornal parece ter sido, a partir de
informações como estas, longevo na sociedade brasileira. Não sabemos,
entretanto, se realmente poderia render o suficiente para, com o
excedente, possibilitar a compra de alforria.
Raros são os documentos que informam com precisão de onde
vinham os recursos utilizados por escravos para o pagamento da
alforria. O máximo que podemos fazer são concjeturas. Tenho como
hipótese que não eram determinantes as atividades impostas pelos
senhores que permitiam aos escravos juntar pecúlio. Acredito que as
formas encontradas eram opções dos próprios escravos e conseguidas
por eles, tendo como parâmetro de seleção costumes de suas terras de
origem, posto que a maioria dos escravos que pagou por sua liberdade
era nascida na África.
Um exemplo, embora um tanto tardio, do século XIX, é o da
casa de quilombo e da venda de angu, posteriormente transformadas
em casa de angu ou casa de zungu, segundo interpretação de Carlos
Eugênio Líbano Soares, de propriedade, administradas ou servidas por
mulheres, esmagadoramente oriundas da Costa da Mina, e
freqüentadas por escravos e libertos, de variadas origens étnicas.
Segundo documentação policial, eram uma espécie de casa de cômodos,
onde se hospedavam, se alimentavam ou se reuniam para fins variados,
inclusive para dar fortuna e prostituição. Serviam, também, como
esconderijo de objetos roubados e de rota de fuga de escravos,
provavelmente origem de sua primeira denominação casa de quilombo.
Organização deste tipo, liderada por mulheres e tendo muitas
como as principais articuladoras, foi referida em período muito anterior
pelo flamengo Eustache de La Fosse que, aprisionado pelos
portugueses, acabou passando algum tempo na Mina, em 1479. Em seu
relato, disse que tinha de vender suas mercadorias e prestar contas
293
PYRARD DE LAVAL (1679 [1ª. Ed. 1611]), apud: ARAÚJO (1993, p. 105).
152
furto. Ao contrário, deram muitas risadas. Disse, ainda, que foi seu
criado que, com rudeza, conseguiu livrá-lo das duas mulheres.
Concluiu que o episódio evidenciou o quanto é descurada aqui,
moralmente, a classe baixa295.
Para Luciano Figueiredo, assim como para Laura de Mello e
Souza e o precursor Eduardo Frieiro296, o período de ouro de Minas
Gerais nada teria do fausto com que até então havia sido tratado. Ao
contrário, a sociedade resultante se caracterizaria pela pobreza. Como
pobres, os autores consideram também as pessoas que se dedicavam ao
comércio a retalhos. Luciano Figueiredo chega a dizer que não se pode
entender o pequeno comércio sem levar em conta uma estrutura social
com elevado índice de pobreza297. Baseia-se o autor em documentos nos
quais as autoridades tentaram conter os abusos praticados por estas
mulheres, que eram acusadas de desviar jornais dos escravos, ouro e
diamantes.
Tentaram as autoridades retirá-las de perto das áreas de
mineração, estipulando lugares para suas atividades. O autor admite
que foi em vão. Elas continuaram, portanto, a se dar crédito às
acusações das autoridades, a desviar jornais, ouro e diamantes. De
onde viria, então, a sua pretensa pobreza? Se estavam de posse de um
questionando Figue
i-redo
mecanismo que retirava do real erário uma soma tão significativa que
incomodava as autoridades, como poderiam ser pobres?
Há ainda outra questão. O comércio a retalho dominado por
mulheres negras parece que foi muito comum em cidades como
Salvador e Rio de Janeiro. Não era, portanto, uma especificidade de
Minas Gerais. A pobreza, segundo a lógica que proponho, também teria
sido a característica das cidades, como um todo. Era, por esta
interpretação, uma situação geral para as áreas urbanas do Brasil.
Aliás, seria uma característica do comércio em si. O comércio a retalho
294
FOSSE (1992, p. 64).
295
POHL (1976, p. 87-88).
296
Cf. SOUZA (1986); FRIEIRO (1959).
297
FIGUEIREDO (1993, p. 43).
154
298
FIGUEIREDO (1993, p. 58).
156
299
FIGUEIREDO (1993, p. 44).
157
300
Cf. ANTONIL (1923).
301
ARAÚJO (1993, p. 90-91).
158
sua vida na África, sua vinda para o Brasil, suas experiências como
escravo em Pernambuco, a venda para o capitão de um navio, a viagem
até os Estados Unidos e a fuga para conseguir a liberdade. A biografia
de Baquaqua, que se converteu ao cristianismo, foi publicada em
Detroit, em 1854, pelo abolicionista Samuel Moore303. No Brasil, foi o
esforço de Peter Eisenberg que recuperou o documento e parte dele, que
se refere à vida do ex-escravo neste país, foi publicada na Revista
Brasileira de História, com apresentação de Silvia H. Lara304.
Realmente, o relato é impressionante, principalmente porque é
muito raro haver documentos escritos pelos próprios escravos ou ex-
escravos. Este, então, traz ampla riqueza de detalhes. Mas deve ser
ressaltado que Baquaqua estava influenciado pelo movimento
abolicionista norte-americano e por um forte sentimento religioso,
quando redigiu suas memórias, e muitas expressões eram símbolos da
campanha abolicionista e do cristianismo. Ao descrever os maus-tratos
infligidos a ele pelo seu senhor, o capitão do navio que se destinava a
Nova Iorque, concluiu:
302
Cf. GRAHAM (1990).
303
Cf. BAQUAQUA (1854).
304
Cf. LARA (Baquaqua) (1988).
305
Idem, ibidem, p. 281.
159
(...) um homem de cor que queria me comprar mas, por uma ou outra
razão, não fechou o negócio. Menciono esse fato apenas para ilustrar
que a posse de escravos se origina no poder, e qualquer um que
dispõe dos meios para comprar seu semelhante com o vil metal pode
se tornar um senhor de escravos, não importa qual seja sua cor, seu
credo ou sua nacionalidade; e que o homem negro escravizaria seu
semelhante tão prontamente quanto o homem branco, tivesse ele o
poder306.
306
Idem, ibidem, p. 276.
307
ARAÚJO (1993, p. 90).
160
308
Cf. LUNA & COSTA (1983).
162
309
O número de escravos de propriedade de forros era pequeno, se comparado ao dos livres. Também
dependia da região. No caso do Rio de Janeiro, enquanto o número máximo de escravos de um forro foi
de cinco indivíduos, entre os livres foi de 100. Eduardo Paiva, para Minas Gerais, encontrou forros com
maior número de escravos, alguns chegando a ter mais de 20. Cf. PAIVA (1999).
163
(...) uma morada de casas sita nesta vila, na rua chamada Cachaça,
que parte por bem de um lado com casas de Joaquim Lopes do Vale e
do outro com casas de Francisco José de Araújo, e dois negros por
nome Pedro e Antônio ambos de nação angola, e duas negras de
nomes Tereza de nação mina e Rosa de nação Moçambique 310.
310
Escritura de contrato de Arras que fizeram Florência Oliveira preta da nação mina e Manoel Cardoso
de nação angola ambos forros. Livro de Notas no. 1, caixa 1 (1774-1776). Arquivo do Museu Histórico de
São João del Rei.
311
Arquivo do Museu Histórico de São João del Rei, caixa 124. Testamento de Catarina da Silva, preta
forra.
164
312
Inventário de Quitéria da Silva, Arquivo do Museu Histórico de São João Del Rei, caixa 529.
313
Arquivo do Museu Histórico de São João Del Rei, livro no. 2. Testamento de Maria do Rosário, 1771.
165
Declaro que sou de nação mina e não fui casada e vivi sempre solteira
e não tenho herdeiro algum forçado nem necessário algum [sic].
Declaro que fui escrava do licenciado Luiz Gomes de Carvalho, e de
sua mulher Antônia de Jesus, e que sou hoje liberta como consta de
minha carta de alforria, que se achará lançada nas notas, e seu
treslado em meu poder, da qual ainda, que não consta que pagasse a
meu senhor a minha valia, contudo é certo que dei por mim cem mil
réis em dinheiro de contado, o que não declaram os ditos meus
senhores na carta de liberdade que me passaram; e como talvez o
faziam por ignorância, ou por malícia de quererem por meu
falecimento herdarem meus bens, com o título de me
libertarem por bons serviços como na carta dizem que lhes fiz,
ordeno aos meus testamenteiros, que sendo necessário, justifiquem
esta minha verdade com várias testemunhas que a sabem, e a
defendam a custa de meus bens314 [grifo meu].
314
Livro de Óbito da Freguesia do Santíssimo Sacramento da antiga Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da
Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Testamento de Mariana da Costa Ribeira, 1773.
166
315
Cf. KARASCH (1998).
167
316
POHL (1976, p. 141-2).
317
KARASCH (1998, p. 14).
318
Idem.
319
WELLS (1886), p. 187, apud, KARASCH (1998, p. 14-15).
168
Eduardo França
Rio das Velhas, em Minas Gerais, no século XVIII, afirmou que, entre os
mais de 600 testadores que analisou, o grupo de maiores posses era o
dos homens livres, destacando-se os portugueses, seguido das
mulheres forras e, depois, das mulheres livres. O grupo de menores
posses era o dos homens forros. Surpreendente e interessante dado. O
autor afirma que esta escala hierárquica está de acordo com o exame
das listas de contribuintes do Real Donativo de Vila Rica, entre 1727 e
1733, onde consta que as mulheres forras foram a segunda categoria
que mais pagou tributo sobre as vendas e os escravos que possuíam320.
Este dado comprova a idéia já veiculada sobre a importância do
trabalho feminino no abastecimento das zonas urbanas de Minas
Gerais.
Também Luciano Figueiredo apresenta dados quantitativos
sobre a representatividade das mulheres forras no comércio a retalho.
No decorrer do século XVIII, paulatinamente, em Vila Rica e Vila do
Carmo, as mulheres foram tomando o lugar dos homens nas vendas
fixas, transformando-se, no último quartel do século, na esmagadora
maioria. Entre as mulheres (dependendo do ano), de 70% a 90%
(dependendo do ano) eram forras na condição de proprietárias. Presumo
que esta importância se estenda para outras áreas urbanas do Brasil,
embora não haja trabalhos com fontes empíricas que o comprovem.
Apesar da constatação quantitativa e eloqüente de que
mulheres forras eram privilegiadas no acesso a alguma forma de
acumular pecúlio, Eduardo Paiva, assim como Mary Karasch, não
320
PAIVA (1995, p. 31-32).
169
321
PAIVA (1995, p. 156).
322
Foi muito comum, em registros de óbitos dos séculos XVII ao XIX, a referência de que o falecido não
havia feito testamento por não ter de quê. O testamento pressupunha que a pessoa teria bens com os quais
pagar suas determinações, inclusive em relação ao seu próprio enterramento. A análise feita por Cláudia
Rodrigues dos registro de óbitos e de testamentos do Rio de Janeiro, no século XVIII e primeira metade
do XIX, nos fornece dados interessantes: em todo o período analisado, somente 20,7% das pessoas
falecidas fizeram testamentos. Cf. RODRIGUES (2000).
170
323
Idem, ibidem, p. 192.
324
LUNA & COSTA (1983, p. 44 e 46).
171
325
Os dados sobre Antônio Galinheiro foram retirados de VERGER (1992).
326
Documento transcrito por VERGER (1992, p. 55-65).
172
bens constavam muitas das casas deixadas por Luís Xavier, o que
parece tê-lo absolvido da acusação de falsário.
A história de Antônio é semelhante à de alguns outros ex-
escravos que conseguiram amealhar fortuna suficiente para serem
reconhecidos socialmente como pessoas de prestígio. A Capitania,
depois Província, da Bahia, em particular a cidade de São Salvador, é
considerada, na historiografia, um lugar onde a ascensão social de
pretos e pardos era facilitada pelo extremamente grande contingente de
escravos que recebeu desde o início da importação de africanos para o
Brasil, ocorrida ainda na segunda metade do século XVI. Consta que a
quantidade de brancos nunca ultrapassou 1/3 da população, sendo
que, na primeira metade do século XIX, quando houve um grande
incremento do tráfico atlântico, esta proporção foi ainda mais reduzida.
A exemplo de outros alforriados, Antônio adotou o sobrenome de
seu ex-senhor, assim como este também o fizera, mantendo com ele
uma grande proximidade. Em 1835, após o levante dos malês, a
situação dos africanos, em Salvador, ficou instável, principalmente para
os que, como Luís Xavier, além de nascidos na África, exerciam o tráfico
de escravos africanos, atividade proibida por lei desde 1831. Problemas
com a polícia (não explicitados na documentação) fizeram com que Luís
Xavier fosse para a África. Antônio, ao que consta, ou já era ou se
tornou o administrador de seus bens em Salvador, mantendo com ele
ativa correspondência e recebendo fardos (como denominavam os
escravos vindos da África) mandados por Luís para vender em Salvador.
Em cartas do ano de 1841, para Luís, na África, Antônio
menciona a péssima situação do país, dizendo que a miséria é total,
todos estão chorando e muitos têm falido. Referia-se, provavelmente, às
dificuldades enfrentadas pelos traficantes de escravos. Por este motivo,
pretendia fechar a loja e dedicar-se a outra atividade, sugerida por
Pierre Verger como tendo sido a do comércio de galinhas, daí a alcunha
galinheiro. Pode-se estabelecer outra hipótese para a alcunha. No
dicionário de Moraes e Silva, de 1789, o termo, grafado como galineiro,
173
327
Cf. SILVA (1813).
328
Cf. VARELLA (1935), apud VERGER (1992).
329
Cf. VERGER (1992).
174
330
Idem, ibidem, p. 42-54.
331
Os dados das histórias de Joaquim e Antônio d’Almeida e da volta de ex-escravos à África foram
retirados de VERGER (1992, 1987).
176
332
Cf. REIS (1989).
178
333
Cf. VERGER (1992).
334
Cf. FREYRE (1973).
335
Ignácio Gonçalves do Monte. Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Livro de Óbitos e Testamentos
da Freguesia da Sé, n o 18 (1776 a 1784), p. 442 verso.
179
336
Cf. FARIA (2000).
337
Foi muito comum, em registros de óbitos dos séculos XVII ao XIX, a referência de que o falecido não
havia feito testamento por não ter de quê. Ditar ou escrever um testamento pressupunha que a pessoa teria
bens com que pagar suas determinações, inclusive em relação ao seu próprio enterramento.
181
338
A legislação sobre herança encontra-se nas Ordenações Filipinas, mantida após a independência do
Brasil. Consultei a seguinte edição das Ordenações Filipinas (editada pela primeira vez em 1603): Edição
fac-símile da edição feita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870, com nota de
apresentação de Mário Júlio de Almeida Costa. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1985.
339
Segundo o dicionário de Moraes e Silva, de 1789, casal, além de significar a fêmea e macho e marido
e mulher, significava casa de campo e granjearia; lugarejo de poucas casas. Cf. SILVA (1813). Em
inventários e testamentos pude perceber que o termo casal era indicado como sinônimo do conjunto de
bens que fazia parte do patrimônio comum dos cônjuges, fossem eles rurais ou não. Também não parece
ter sido o caso de indicar uma propriedade pobre, pois os chefes de domicílio, fossem ricos ou pobres,
eram indicados como cabeça de casal.
340
Arras significava, segundo Moraes e Silva, certa quantia, que o marido promete à mulher para seu
sustento, e tratamento, se ela lhe sobreviver. Na documentação de alguns cartórios, entretanto, arras
aparece como título de um acordo pré-nupcial como outro qualquer, pois tanto homens quanto mulheres
determinavam o que cada um iria levar para o matrimônio e estipulavam o que seria de cada um após a
morte de um deles. Provavelmente, os escrivães utilizaram de maneira equivocada o termo, pois nos
cartórios do Rio de Janeiro o documento tinha como título contrato ante-nupcial, nunca aparecendo
arras. Cf. SILVA (1813).
182
341
Livro de Óbito da Freguesia da Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de
Janeiro, testamento de Tereza de Jesus Maria, 1751.
342
Idem, ibidem, testamento de Maria Joséfa, 1752.
343
Idem, ibidem, testamento de Isabel Maria da Costa, 1780.
184
344
Cf. RODRIGUES (2000). Nos registros de óbitos de adultos, há a indicação precisa sobre a existência
ou não de testamento. Era de interesse dos párocos esta indicação porque grande parte das determinações
dizia respeito a missas, legados pios, etc.
345
Agradeço a Cláudia Rodrigues e a Anderson de Oliveira a permissão para utilizar vários dos
testamentos que analiso, para o Rio de Janeiro, e que foram por eles coletados nos arquivos da Cúria
Metropolitana do Rio de Janeiro, como fonte para suas teses de doutoramento.
346
Os testamentos do Rio de Janeiro estavam transcritos nos livros paroquiais de registros de óbitos da
Freguesia do Santíssimo Sacramento da antiga Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da Cúria Metropolitana do
Rio de Janeiro.
347
Os testamentos dos forros encontram-se no Arquivo do Museu Regional de São João del Rei, Minas
Gerais.
185
348
Cf. PAIVA (1999).
186
não casavam. Homens forros eram solteiros em somente 21% dos casos
e mulheres livres, em 31% (somadas as sem referência).
As que menos tinham filhos eram as mulheres forras. Somente
33% das casadas, 29% das viúvas e 12% das solteiras os tinham ou
tiveram. Entre as livres, 70% das casadas, 67% das viúvas e 7% das
solteiras tinham ou tiveram filhos. No total, considerando todos os
estados matrimoniais, somente 24% das forras procriaram, enquanto
51% das mulheres livres, 41% dos homens livres e 34% dos homens
forros o fizeram.
Dos 74 testamentos de forros de São João Del Rey, as
proporções foram muito semelhantes às do Rio de Janeiro: somente
29% dos homens forros eram solteiros e, entre as mulheres, 45%. Em
termos de procriação, a proporção também é incrivelmente parecida
com o Rio: somente 26% das mulheres e 28% dos homens libertos
geraram filhos.
Visto por outro ângulo, 76% das forras testadoras do Rio de
Janeiro e 74% delas em São João Del Rey não tiveram filhos. São
números expressivos e seu significado é muito difícil de ser avaliado.
A grande maioria delas teve, portanto, de fazer testamento para
indicar seus herdeiros.
O fato poderia ser explicado pelo tipo de fonte: as forras não
teriam indicado os filhos por eles serem ainda escravos, impedidos,
legalmente, de ser herdeiros, ou por já terem morrido na época em que
fizeram seus testamentos. É fato, entretanto, que, em testamentos, era
extremamente comum pais e mães nomearem os filhos, inclusive ainda
escravos ou já falecidos.
Florência de Lima, parda forra, redigiu seu testamento em 1786,
no Rio de Janeiro. Afirmava ser viúva de José de Lima, de quem não
teve filhos, mas que no estado de solteira teve cinco: Felix, Jerônimo,
Domingas, Mônica e Leonor, todos já falecidos naquele momento.
187
Deixou como herdeira de seus bens sua neta e testamenteira Eva Maria
da Piedade e a bisneta Rosária, ambas pardas forras349.
A afirmação sobre a inexistência de filhos vivos ou falecidos era
contundente. Diziam, a exemplo de Isabel Maria Gonçalves, em 1780,
natural da costa de Angola, viúva, no Rio de Janeiro, que não tive nem
tenho filho ou herdeiro algum350. Em São João Del Rey, Joaquina
Ferreira de Paiva, em 1837, declarou:
Também em São João, Josefa Pinta, em 1786, foi ainda mais incisiva:
Declaro que sou preta de nação mina e que fui casada em face da
Igreja com Pascoal Comia [sic] também preto forro de cujo matrimônio
não tivemos filhos alguns nem também os tive nunca no estado de
solteira nem adulterinos e por isso não tenho herdeiros descendentes
nem ascendentes352.
349
Livro de Óbito da Freguesia do Santíssimo Sacramento da antiga Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da
Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, testamento de Florência de Lima, 1786.
350
Idem, ibidem, testamento de Isabel Maria Gonçalves, 1780.
351
Livro de Registro de Testamento, n. 56. Arquivo do Museu Histórico de São João del Rei.
352
Idem, ibidem, no 10.
188
(...) que antes de contrair com o dito Valério Alves o matrimônio, tive
duas filhas, ambas fêmeas e de diferentes pais, as quais são cativas,
uma do Padre Agostinho Alves, por nome Simôa e a outra de Maria
Gonçalves, por nome Maria, assistentes na freguesia de Vila Nova da
Rainha, as quais minhas filhas não deixo coisa alguma porque os
bens que se acham ao presente no meu casal mal abrangerá ao meu
funeral e dívidas que se acham( ...)355.
353
Livro de Registro de Testamento n. 1. Arquivo do Museu Histórico de São João Del Rei, testamento
de Catarina Tinoco da Silva, 1792.
354
Creio que o sistema de herança de vários povos da África ocidental impedia que mulheres herdassem
de maridos, pais e filhos, assim como elas seriam herdeiras de mães e de filhas. Ver capítulo VI.
355
PAIVA (1999, p. 260).
189
356
Livro de Óbito da Freguesia da Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de
Janeiro, testamento de Antônio Luis Soares, 1755.
190
357
Por filhos natural entendia-se a criança nascida de relacionamento em que ambos os pais eram
desimpedidos, ou seja, nenhum era casado ou religioso (com voto de castidade).
191
358
Informações retiradas de SOARES (2002, p. 64-65).
192
359
Mariza Soares alerta que, apesar da proibição, alguns dirigentes aceitaram o ingresso destas pessoas.
No próprio capítulo de ingresso na irmandade, previa-se severa punição aos juízes e aos irmãos da Mesa
que aceitassem as filiações indesejáveis. Idem, ibidem, p. 79, nota 25.
360
Idem.
193
361
Livro de Óbito da Freguesia da Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de
Janeiro, testamento de Francisca de Souza Melo, 1755.
194
nunca saiu de seu poder e amor, por sua própria opção. Afirma, então,
que todos os bens móveis que se achavam em seu poder eram de
Domingas, que os adquiriu e comprou com seu dinheiro e assim que
meus testamenteiros não procurem mais bens do que estes que
declaro362.
Francisca de Souza tentou impedir qualquer intenção de posse
que o marido tivesse sobre os bens, afirmando que os pertences que ele
mandou penhorar não eram seus. Atribuiu-os a outras pessoas. Em
suas palavras:
A dita penhora que foi dos bens móveis, que não são meus como já
declarei, também o fez em um molequinho por nome Francisco de
nação angola que também não é meu e sim de minha afilhada Joana
Maria da Conceição e assim mais fez penhora o dito meu marido em
um pouco de ouro lavrado que consta da mesma penhora cujo ouro
também é da mesma rapariga Domingas e por ser tudo isto a mesma
verdade o declaro neste testamento 363.
362
Idem.
363
Idem.
195
(...) meu marido Antônio Mello Reis nem tem cousa alguma de sua
meação em meu poder, pois o que lhe podia tocar já (ilegível) em si,
pois quatrocentos mil réis que herdou de seus pais os gastou em
cousas profanas e todas ilícitas, e assim algumas alfayas e casas, e
alguns trastes de ouro, e assim mais declaro rogo e peço aos meus
testamenteiros quando o sobredito meu marido queira entrar nestes
poucos bens que me pertencem o defendam por demanda em tudo o
que for necessário da minha fazenda, e para mais clareza se acha o
pleito de divórcio no Juízo Eclesiástivo desta cidade 364.
(...) sou casada com João Antônio Gomes Jordão preto forro de cujo
matrimônio não tenho filhos por cuja razão instituo meu universal
herdeiro o dito meu marido pela boa (ilegível) que sempre fez comigo
tratando-me com amor tanto em saúde como na ocasião da moléstia
por cuja razão o instituo herdeiro de tudo o que por direito me haver
dos meus bens365.
364
Idem, ibidem, testamento de Tereza de Jesus Maria, 1751.
365
Livro de Óbito da Freguesia do Santíssimo Sacramento da antiga Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da
Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, testamento de Josefa Fortunato, 1798.
196
(...) dos bens que possuiu meu casal todos foram adquiridos e
granjeados a custa do suor e trabalho do dito meu marido e eu
quando casei não levei cousa alguma para o meu casal, porém pela
parte que tenho nos ditos bens pelo meu casamento naquele que por
direito me tocar nessa é que instituo por meu herdeiro ao dito meu
filho sem que ofenda a parte ou meação do dito meu marido pela
razão de serem comprados e adquiridos com seu dinheiro e suor367.
368
Idem.
198
E toda esta minha família viverão [sic] unidas sem que possam
dispor tudo ou parte das ditas casas por limitada que seja e serão
obrigadas a pagar o foro de 4$000 em cada um ano a quem de direito
for; e logo as justiças de sua majestade e ao mesmo direito senhorio
impeçam qualquer repartição que das ditas casas queiram as doadas
nela fazer, impedindo-lhes a dita venda. E caso que se cobre a
sobredita demanda deixo às minhas escravas e família acima
declarada o remanescente de meus bens satisfeitos que sejam meus
legados (...)370 [grifos meus].
369
Ver nota 236.
199
(...) não tive conhecimento de quem foram meus pais e sempre fui
solteira e nunca tive filhos nem tenho herdeiros de que por direito
possam herdar meus bens e como os que possuo foram adquiridos por
minha indústria e trabalho e houve a minha liberdade por dinheiro
que dei ao meu senhor (...) instituo como minhas herdeiras Maria,
Rosa, Vitória e Joaquina, filhas de Joana Soares e Ana Soares que
foram minhas escravas que as forrei pelo amor de criação que lhes
tenho e presentemente me tem carregado na minha doença cuja
herança é de que ficar de meus bens depois de cumpridos os meus
370
Livro de Óbito da Freguesia do Santíssimo Sacramento da antiga Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da
Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Testamento de Francisca Maria Tereza, 1776.
200
371
Idem, ibidem, testamento de Maria Soares, 1777.
201
372
Idem, ibidem, testamento de Rita Francisca de Passos, 1792.
373
Laura de Mello e Souza afirmou, em trabalho recente, que a coartação não era comum no Rio de
Janeiro. Acho que esta impressão se deu mais pela ausência de trabalhos com testamentos, para o Rio de
Janeiro, do que pela inexistência desta modalidade. Cf. SOUZA (2000). Realmente, é impressionante o
202
pelo menos um. Entre homens livres, somente 45% dos proprietários
libertaram algum escravos. Dos homens forros, 61% concederam a
alforria a pelo menos um. Eram, portanto, as mulheres forras as mais
desprendidas em libertar seus escravos, mas com uma especificidade:
quase 100% dos alforriados por elas eram também mulheres.
Claramente a alforria de mulheres escravas por parte das forras
não significava o seu afastamento de sua ex-senhora. Ao contrário,
indícios em testamentos apontam para uma convivência muito próxima
entre elas. Pela documentação com que trabalho, palavras como amor,
carinho e atenção foram muito comuns e utilizadas por senhoras para
se referir aos desvelos com que as ex-escravas as tratavam.
Uma explicação possível para a permanência de ex-escravas
perto de suas senhoras seria a certeza de que elas ou suas filhas
poderiam acabar recebendo esmolas ou outros bens significativos, além
de, provavelmente, uma habitação e o acesso aos meios de trabalho. É
uma explicação economicista, mas possível. Transformar-se-iam, como
suas senhoras, caso obtivessem sucesso, em senhoras de novas
escravas. Ser escrava de mulher forra era a certeza ter suas filhas
libertadas gratuitamente e de ser ela própria libertada, mesmo que com
pagamento.
Quase todas as crianças filhas das escravas foram alforriadas,
número de pessoas que coartaram seus escravos no Rio de Janeiro. Das 36 mulheres forras que alforriam
algum escravo, 15 delas o fizeram pela coartação.
203
374
Livro de Óbito da freguesia do Santíssimo Sacramento da antiga Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da
Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, testamento de Rosária Maria, 1804.
375
Idem, ibidem, Livro de Óbito da freguesia da Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da Cúria Metropolitana do
Rio de Janeiro, testamento de Clara Soares, 1751.
376
Idem, ibidem, testamento de Maria do Carmo, 1757.
377
Livro de Óbito da freguesia da Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de
Janeiro, testamento de Vitória da Silva Soares, 1779.
204
(...) não tenho bens algum senão a roupa de meu uso e os que havia
no meu casal escravos e mais móveis tudo se tomou em execução
378
Cf. PAIVA (1999).
205
(...) os dois cordões de ouro que possuo acima declarados quero que
meus testamenteiros façam logo entrega de um deles a Senhora
Antonia de Jesus minha senhora que foi o qual lhe deixo
gratuitamente em reconhecimento da boa criação, e estimação
que me deu enquanto fui sua escrava380 [grifo meu].
379
Livro de Óbito da freguesia da Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de
Janeiro, testamento de Maria do Bonsucesso, 1811.
206
380
Livro de Óbito da freguesia do Santíssimo Sacramento da antiga Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da
207
382
O dinheiro de missas e sufrágios pelas almas, de casamentos, de batizados, etc. era, muitas vezes, dos
padres, e não para benefício das paróquias, conforme pode ser constatado pelos testamentos e inventários
de muitos padres que relacionaram ao lado de mercadorias, instrumentos de trabalho, mercadorias de
vendas, escravos e móveis o valor das missas e das assistências que haviam feito a certas pessoas. Cf.
FARIA (1998).
209
6.4 – Investimentos
383
Cf. PAIVA (2001).
384
KARASC (1998, p. 15).
211
385
KARASC (1998, nota 22).
386
RAMOS (1990, p. 161).
387
Idem, ibidem, p. 161.
212
(...) cada vez que eu falar da negra, é sempre a negra mina. Por pouco
que se possua do sentimento de verdade, o homem que habita a zona
equatorial não pode recusar a sua admiração por essas soberbas
criaturas, cujo porte está cheio dessa majestade radiosa que o elogio
atribui às rainhas, e a poesia às deusas 389.
388
Arquivo do Museu Histórico de São João del Rei, Livro de Registro de Testamentos no 7.. Testamento
de Tereza Antônia de Jesus, 1787.
389
EXPILLY (1977, p. 96).
213
390
Idem, ibidem, p. 94.
391
MOTT (1993, p. 14).
214
$300 (trezentos réis). Havia uma grande demanda de objetos usados 392.
Não se pode, portanto, entender o conjunto de bens de uma pessoa
somente como objetos rituais ou de uso pessoal, de ostentação de
poder, riqueza ou prestígio. Em determinados momentos, os
proprietários poderiam, com certa facilidade, hipotecá-los, vendê-los ou
trocá-los pelo que lhes interessava.
Conclui-se que o escravo, apesar de um bem representativo e
importante no conjunto das fortunas e como forma privilegiada de
investimento, não era a única maneira de se obter renda e trabalho. As
mulheres forras da Costa da Mina souberam administrar, como poucas,
os recursos que adquiriram, sempre com referências possíveis às suas
culturas de origem.
Quitéria da Silva, Florência Oliveira e Catarina da Silva são
algumas entre as muitas mulheres oriundas da África que acumularam
pecúlio significativo. Apresenta-se, portanto, uma especificidade, que
privilegia a forra nascida na África no acúmulo de bens.
Não era somente o comércio a retalho ser vantajoso que faria
com que pessoas dos mais variados grupos sociais a ele se dedicassem.
Deveria haver componentes culturais profundos que determinasem as
escolhas.
Diversos estudos sobre a África indicam que certos setores do
comércio eram de monopólio feminino, quer se trate da Costa da Mina
(Nigéria, Daomé, Senegal) ou da região banto – Congo e Angola393, mas
o peso deste está mais evidente para a África ocidental. E, realmente, a
grande maioria das mulheres nascidas na África que teve seu inventário
aberto ou fez testamento era mina. As atividades escolhidas por elas,
então, estavam sendo ditadas por costumes ligados às culturas da
África. Não haveria desdouro, portanto, em a elas se dedicarem, mesmo
libertas.
Por outro lado, já indiquei os impedimentos que fariam com que
as mulheres brancas assumissem este tipo de atividade. Mesmo muito
392
Ver, sobre o comércio de artigos usados, FARIA (1998), especialmente capítulo III.
215
393
Cf. BUSH (1990); VERGER (1987); HOUSE-MIDAMBA & EKICH (1995).
394
Coloco, no caso, africanos em itálico por ser esta denominação pouco usual para designar os negros
oriundos da África, pelo menos até a segunda metade do século XIX. Durante todo o período escravista
que durou o tráfico atlântico, os nascidos na África eram designados claramente por sua nação ou porto
de embarque na costa africana. Assim, eles não eram africanos, mas congos, minas, angolas, cassanges,
moçambiques, etc.
216
395
Cf. EXPILLY (1977); RIBEYROLLES (1980).
396
Cf. DEBRET (1989); RUGENDAS (s/d), ENDER (2001).
397
Debret ignorava, assim como, de resto, o faziam analistas posteriores, a presença dos minas no Rio de
Janeiro desde a primeira metade do século XVIII. Cf. SOARES (2000).
398
Em nota do tradutor, há a referência: (...) só se pode tratar do ‘acaçá’, angu de farinha de arroz e
milho, ou ‘refrigerante de fubá mimoso, de arroz ou milho fermentado, com água e açúcar’. DEBRET
(1989, vol. 2, p. 137).
218
399
Idem.
400
Cf. SLENES (1999).
401
Cf. Idem.
402
Cf. FREYRE (1987); CASCUDO (1983).
219
403
DEBRET (1989, vol. 2, p. 66-67).
404
BRANDÃO (1917), apud CALAINHO (2000, p. 53).
220
405
EXPILLY (1977, p. 84-85).
406
Idem, ibidem, p. 85.
407
Cf. EWBANK (1976, p. 188).
408
CASCUDO (1954, p. 262-263), apud: SOARES (1999).
222
409
DEBRET (1989, vol. 2, p. 178).
410
Idem, ibidem, p. 150-151.
411
EWBANK (1976 p. 189).
223
412
Cf. KARASCH (2000).
224
413
Cf. LARA (1997).
414
Idem, ibidem, p. 205.
415
Idem, ibidem, p. 206.
225
416
KARASCH (2000, p. 301).
226
serva com toda a gravidade, sob pena que, assim a senhora como a
serva que o sobredito cerimonial não observam, serão reputadas por
gente de inferior esfera417.
417
SANTA INÊS, spud: ARAÚJO (1993, p. 101).
418
VILHENA (1969), apud: ARAÚJO (1993, p. 101).
419
LINDLEY (1969, p. 63-64).
227
420
KARASCH (2000, p. 301).
421
Cf. GRAHAM (1990).
422
LINDLEY (1969, p. 176-177).
228
423
LARA (1997, p. 215).
229
424
Arquivo do Museu Histórico de São João del Rei, Livro de Registro de Testamento n o 56. Testamento
de Ana da Costa, 1836.
425
Livro de Óbito da Freguesia do Santíssimo Sacramento da antiga Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da
Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Testamento de Maria do Carmo, 1757.
426
Idem, ibidem, testamento de Maria Narciza Preta, 1804.
230
(...) nove patacas a minha comadre Rosa Maria e em sua mão foram
uns penhores que é um par de brincos e uma volta de contas de ouro
e peço a meu testamenteiro logo satisfaça sem demora. Declaro que
devo mais seis patacas a uma preta por nome Isabel da casa de João
(ileg.)427.
427
Idem, ibidem, testamento de Maria Ribeiro da Conceição.
428
Cf. FARIA (1998).
429
Livro de Óbito da Freguesia da Sé do Rio de Janeiro, n. 16. Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de
Janeiro testamento de Bernarda da Conceição, 1756.
430
Idem, ibidem, testamento de Maria do Carmo, 1757.
431
Livro de Óbito da freguesia do Santíssimo Sacramento da antiga Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da
Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro testamento de Luiza Rodrigues, 1793.
231
432
Idem, ibidem, testamento de Catarina dos Santos, 1803.
433
Livro de Óbito da freguesia do Santíssimo Sacramento da antiga Sé do Rio de Janeiro, n. 16. Arquivo
da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, testamento de Mariana da Costa Ribeiro, 1753.
434
Idem, ibidem, testamento de Mariana da Costa Ribeiro, 1753.
232
435
Arquivo do Museu Histórico de São João Del Rei. Livro de Registro de Testamentos n. 3, testamento
de Isabel Ferreira Branca, 1779.
233
436
Cf. CLARK (1994); HIGGINS (1999); HOUSE-MIDAMBA & EKICH (1995).
234
autonomia. É, portanto, com base no fato de que era mina a metade das
mulheres forras, cujos testamentos pesquiso, que centro a análise na
influencia das práticas culturais dos grupos da África ocidental no que
se refere à escolha de determinadas atividades, em especial o comércio,
e na maior possibilidade de acumulação de pecúlio.
Já é bastante divulgado o fato de que mulheres de vários grupos
étnicos tinham participação ativa no comércio de muitas regiões da
África ocidental. Toyin Falola afirma que, nas comunidades pré-
coloniais dos ioruba, os homens se dedicavam majoritariamente à
agricultura e ao artesanato, com as mulheres engajando-se na
preparação da comida e no comércio438.
Num trabalho bastante instigante, Onaiwu Ogbomo analisa o
domínio do comércio por parte das mulheres do grupo esan na
economia pré-colonial439. O povo esan, hoje, está localizado no estado
de Edo, na Nigéria, tendo sido originado do êxodo de parte da população
do antigo reino do Benin, no século XV. Entre eles, inicialmente,
predominava a atividade agrícola, que ocupava homens e mulheres.
Mas havia divisão do trabalho. O cultivo do inhame era considerado
predominantemente masculino, por ser o rei dos cultivos. Outros eram
tipicamente femininos, como as lavouras de pimenta, algodão, melão,
milho, tomate, banana, etc. Mulheres, com a ajuda de crianças,
poderiam cultivar, sem atrapalhar a cultura do inhame, produtos
subsidiários ou o que denominavam de lavouras femininas. O controle
sobre esta produção era das mulheres.
A política de alocação de terras não reconhecia o direito da
mulher sobre elas. Para lhes ter acesso, as mulheres dependiam de
pais, maridos, irmãos e filhos, que lhes concediam pedaços para sua
plantação. Mesmo sendo proprietárias do produto da venda de suas
lavouras, o resultado não era muito compensador. A maior fonte de
437
Cf. PAIVA (1999).
438
Cf. FALOLA (1995).
439
Cf. OGBOMO (1995).
235
440
UCHENDU, Victor C. The igbo of southeast Nigéria. Nova Iorque: Holt, Rinehart and Winston, 1965,
apud: OGBOMO (1995, p. 8).
441
OKOJIE, C. G. Ishan native laws and customs. Yaba: John Okwesa & Co., 1960, p. 89, apud
OGBOMO (1995, p.17).
237
442
Cf. FIGUEIRA (1938).
238
443
Cf. JUNOD (s/d).
444
JUNOD (s/d, p. 349).
239
Conclusão
445
Cf. LOVEJOY (2002).
243
446
LOVEJOY (2002, p. 31).
447
Refiro-me ao subtítulo do livro de Robert Slenes. Cf. SLENES (1999).
244
448
Cf. FARIA (1998).
449
Cf. BUSH (1990).
450
Cf. FARIA (2001).
245
451
Cf. LOVEJOY (2002).
452
SLENES (1999).
453
Cf. RIBEYROLLES (1980).
246
Anexo 1
454
Refere-se às Ordenações Manuelinas.
247
revogar essa doação por cada uma destas três causas de ingratidão
somente.
A primeira, se esse filho insidiou a vida de sua mãe.
A segunda, se pôs as mãos irosamente nela.
A terceira, se ordenou alguma coisa em perda de toda sua
fazenda.
E não poderá revogar essa mãe outro caso alguma a doação,
feita a seu filho, por outra causa de ingratidão; por quanto é
presunção de Direito, que, pois ela se casou com outro marido
depois da doação feita, facilmente a seu requerimento se
moveria e revoga-la: e por tanto lhe foram coaretadas as causas
de ingratidão, porque pudesse revogar a dita doação.
7- Se alguém forrar o seu escravo, livrando-o de toda a servidão, e
depois que for forro, cometer contra quem o forrou, alguma ingratidão
pessoal em sua presença, ou em ausência, quer seja verbal, quer de
feito e real, poderá esse patrono revogar a liberdade, que deu a esse
liberto, e reduzi-lo à servidão, em que antes estava. E bem assim por
cada uma das outras causas de ingratidão, porque o doador pode
revogar a doação feita ao donatário, como dissemos acima.
8- E bem assim, sendo o patrono posto em cativeiro, e o liberto o não
remir, sendo possante para isso, ou estando em necessidade de fome,
o liberto lhe não socorrer a ela, tendo fazenda, por que o possa fazer,
poderá o patrono revogar a liberdade ao liberto, como ingrato, e
reduzi-lo à servidão, que antes estava.
9- E se o doador, de que acima falamos, e o patrono, que por sua
vontade livrou o escravo da servidão, em que era posto, não revogou
em sua vida a doação feita ao donatário, ou a liberdade, que deu ao
liberto, por razão da ingratidão contra ele cometida, ou não moveu em
sua vida demanda em Juízo para revogar a doação ou liberdade, não
poderão depois de sua morte seus herdeiros fazer tal revogação.
E bem assim não poderá o doador revogar a doação ao herdeiro
do donatário por causa da ingratidão pelo donatário cometida,
pois a não revogou em vida do donatário, que a cometeu. Porque
esta faculdade de poder revogar os benefícios por causa da
ingratidão, somente é outorgada àqueles , que os benefícios
deram, contra os que deles os receberam, sem passar aos
herdeiros, nem contra os herdeiros de uma parte, nem da outra.
10- E posto que na doação feita de qualquer benefício seja posta
alguma cláusula, porque o doador prometa não revogar a doação por
causa da ingratidão, tal cláusula não valha cousa alguma, e sem
embargo dela a doação poderá ser revogada por causa de ingratidão,
segundo temos declarado. Porque, se tal cláusula valesse, provocaria os
homens para facilmente caírem em crime de ingratidão 455.
455
Consultei a seguinte edição das Ordenações Filipinas (editada pela primeira vez em 1603): Edição
“fac-simile” da edição feita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870, com nota de
apresentação de Mário Júlio de Almeida Costa. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1985, pp. 6-7.
248
Fontes Manuscritas
Arquivo Nacional
A – Cartas de Alforria
1. 1º Ofício de Notas do Rio de Janeiro – Série de Notas. Livros: 32, 36, 41,
44, 45, 47, 48, 49, 50, 51, 54, 58, 117, 118, 119, 120, 121, 123, 125, 127,
140, 141, 142, 144, 234, 235, 236, 237 e 284.
2. 1º Ofício de Notas do Rio de Janeiro – Série Registro Geral. Livros: 10-
RG e 16-RG.
3. 2º Ofício de Notas do Rio de Janeiro – Série de Notas. Livros: 29, 38, 45,
48, 51, 52, 53, 54, 55, 57, 59, 61, 62, 65, 67, 68, 70, 76, 88, 90, 99, 103, 104,
105, 106, 109, 110, 111, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 133, 134, 137, 138,
139, 140, 160, 177 e 194.
4. 2º Ofício de Notas do Rio de Janeiro – Série Registro Geral. Livros: 30-
RG, 31-RG, 32-RG, 33-RG, 34-RG, 35-RG, 37-RG, 38-RG, 40-RG, 42-RG, 43-
RG, 44-RG, 45-RG, 46-RG, 48-RG, 49-RG, 50-RG, 51-RG, 53-RG, 54-RG, 55-
RG, 57-RG, 58-RG, 59-RG, 60-RG, 75-RG, 76-RG, 77-RG, 78-RG, 79-RG, 81-
RG e 82-RG.
5. 3º Ofício de Notas do Rio de Janeiro – Série de Notas. Livros: 159, 160,
161, 162, 163, 164, 165, 166, 167, 168, 169, 170 e 171.
6. 4º Ofício de Notas do Rio de Janeiro – Série de Notas. Livros: 1, 6, 7, 8,
11, 17, 19, 21, 22, 23, 28, 29 e 30.
B – Inventários
A – Livros de Testamento
B – Inventários:
D – Testamentos avulsos
E – Cartas de Alforria
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