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SINHÁS PRETAS, DAMAS MERCADORAS

As pretas minas nas cidades do Rio de Janeiro e de


São João Del Rey
(1700-1850)

Sheila Siqueira de Castro Faria


Tese apresentada ao Departamento de História
da Universidade Federal Fluminense
Concurso para Professor Titular em História do Brasil

Niterói, 2004
2

Sumário
Agradecimentos

Introdução 1

Capítulo I – Tráfico e Escravidão


1.1 – Tráfico de almas: África e Brasil no comércio atlântico 4
1.2 – A origem, os números e o sexo dos escravos do tráfico 9
atlântico
1.3 – Escravidão negra no Brasil 17
1.4 – Origens étnicas da população do Brasil 25

Capítulo II – Origem étnica e identidade


2.1 – Identidade escrava e herança africana 35
2.2 – Guerra e paz entre escravos: debates historiográficos 49
2.3 - Cor e condição social no período escravista 61

Capítulo III – A alforria


3.1 – Escravidão e alforria no Direito 75
3.2 – A liberdade na historiografia – principais conclusões 87
3.3 – As formas de alforria 94

Capítulo IV – As condições da alforria


4.1 - Os privilegiados na alforria 107
4.2 – Pelos bons serviços prestados 112
4.3 – Alforrias onerosas 122
4.4 – Os minas no Rio de Janeiro 128

Capítulo V – Viver como livre


5.1 – Alforria e pobreza: histórias de malviver 139
5.2 – Mulheres forras e pecúlio 156
5.3 – Homens forros e enriquecimento 167

Capítulo VI – “Sinhás pretas”: as damas mercadoras


6.1 – Sistema de herança 176
6.2 – Procriação e matrimônio 180
6.3 – A boa criação 193
6.4 – Investimentos 205
6.5 – A transmissão do saber 212
6.6 – Heranças da África, experiências da escravidão 228

Conclusão 237

Anexo 1 242

Fontes manuscritas 244

Bibliografia 251
3

Agradecimentos

Em primeiro lugar, agradeço ao CNPq, por me ter concedido


bolsa de produtividade para realizar a pesquisa que resultou neste
trabalho. Concedeu-me, também, cotas de iniciação científica, de apoio
técnico e verba para material permanente.
Contei, por um ano, com bolsa de auxílio à pesquisa do Centro
de Estudos Afro-Asiáticos da Universidade Candido Mendes.
Agradeço enfaticamente aos funcionários do Arquivo Nacional
do Rio de Janeiro, da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro e do Museu
Histórico de São João Del Rei, que tornaram menos árdua a coleta de
dados.
O trabalho não seria possível sem o auxílio de bolsistas de
iniciação científica e de apoio técnico, financiados pelo CNPq e pela
FAPERJ. Com eles pesquisamos em vários arquivos do Rio de Janeiro e
de São João Del Rei, num trabalho maçante e interminável. Agradeço,
portanto, a atenção, o carinho e o profissionalismo de: Alex, Bruce,
Carlos Eduardo, Daniel, Alexandra e Carolina. Nos últimos meses, Mila
e Bárbara têm sido de valor inestimável. Obrigada a todos.
Três dos antigos bolsistas continuam até hoje comigo, já
formados e com diferentes inserções. Eduardo Cavalcante ainda é
minha base de apoio. Profundo conhecedor de arquivos, é quem monta,
com destreza surpreendente, bancos de dados e organiza todas as
fontes.
Liana Faganello da Silva e Guilherme Decarlo Ferreira, alunos
brilhantes, já concluindo seus mestrados, foram fundamentais em
todas as funções que comigo tiveram nos últimos anos, inclusive na
profunda amizade que passamos a desfrutar. Agradeço
reconhecidamente ao casal.
Sílvia Brügger, sempre acompanhada de Josemir, recebeu,
várias vezes, a mim e, principalmente, aos meus alunos em sua casa
em São João Del Rei. Não tenho como agradecer a excessiva paciência e
4

tolerância dos dois. Agradeço, também, ter me cedido, generosamente,


documentos e bancos de dados de sua pesquisa de doutorado.
Cláudia Rodrigues e Anderson de Oliveira foram também
especialmente gentis, ao permitirem copiar testamentos já transcritos
por eles, destinados às suas pesquisas de doutorado. Obrigada.
Mariza Soares, colega de Departamento, “barganhou” comigo
várias fontes. Dela, obtive e pude citar o documento “Mahi”, com dados
fundamentais para certas conclusões a que chego.
Presente em todos os meus agradecimentos está Nancy de
Castro Faria, que mais uma vez revisou meu texto com extrema
competência e carinho.
Não teria terminado a tempo este trabalho sem o auxílio de
alguns amigos. Lena Tereza partilhou momentos de descontração,
principalmente no código cinco dos últimos meses, fazendo com que eu
pudesse estar mais leve ao voltar ao trabalho.
Juratan Leite da Câmara, além do apoio moral e sentimental,
fez para mim tarefas cotidianas, maçantes, burocráticas. Minha
gratidão é eterna. Obrigada, meu amigo.
Joana e Pedro, meus filhos, já bem mais compreensivos do que
em trabalhos anteriores, me ajudaram “não me atrapalhando”.
Obrigada, queridos, por vocês existirem.
5

Introdução

Este trabalho teve sua origem em pesquisas que realizei sobre


chefia de domicílios em algumas áreas, utilizando mapeamentos
populacionais. Assim como outros autores, constatei a presença
expressiva de mulheres, chefiando-os, fato presente tanto no Brasil
quanto em outras áreas da América Latina1. Em algumas, a proporção
de mulheres chegava quase à metade dos domicílios2.
A leitura historiográfica sobre o tema, entretanto, ressaltava a
condição de pobreza e de solidão destas mulheres3. O interessante é
que os mesmos trabalhos indicavam que em seus domicílios havia a
expressiva presença de crianças (suas filhas ou não), de mulheres livres
(na figura de agregadas) e, particularmente, de escravos. Segundo
minha interpretação, havia alguma coisa errada. Não estavam sós. Ao
contrário, com elas residiam pessoas das mais diferentes condições.
Percebi, depois, que a idéia de solidão, para estes autores, estava ligada
à ausência de marido. Seriam sós porque não tinham maridos, mesmo
que com elas habitassem várias pessoas.
A presença de escravos, inclusive, era significativa, em certos
casos a mesma, proporcionalmente, do conjunto dos domicílios
chefiados por homens4. Não estavam, portanto, necessariamente sós
nem eram pobres.
Havia diferenças. Em zonas urbanas, em comparação com as
rurais, um número expressivamente maior de mulheres era chefe de
domicílios. As distinções eram significativas. Comecei a me questionar
sobre os motivos que permitiam mulheres chefiar unidades domésticas
nas cidades.

1
Cf. RODRÍGUES (1997); POTTHAST-JUTKEIT (1991).
2
Cf. DIAS (1995), SAMARA (1989), KUZNESOF (1986), MARCÍLIO (1973).
3
Cf., entre outras, DIAS (1995), SAMARA (1989).
4
Cf. DIAS (1995), SAMARA (1989), KUZNESOF (1986), MARCÍLIO (1973).
6

As questões que me informavam eram da seguinte ordem: o


trabalho na zona rural tornava necessária a ausência da trabalhadora
de sua casa, mesmo sendo relativamente perto o lugar de cultivo; com
filhos pequenos, seria bastante difícil que pudesse dedicar-se ao
preparo de alimentos e demais tarefas domésticas (como a fabricação de
utensílios: tigelas, panelas, esteiras, balaios, roupas, etc.); mulheres
grávidas ou recém-paridas tinham poucas chances de trabalhar na
lavoura, por motivos físicos.
Já nas atividades urbanas, com muito maior facilidade a mulher
poderia agregar as funções de provedora do lar e de responsável pelas
tarefas comuns de sobrevivência5.
Como referência fundamental, dispunha das relações entre
mulher, mãe e atividades domésticas.
Constatei que muitas das mulheres eram alforriadas ou filhas
de alforriados, pois, em alguns mapeamentos, apareciam sua cor ou
condição. Foi buscando entender como eram sua vida material e suas
formas de sobrevivência que resolvi centrar meu foco de análise nos
alforriados e em seus descendentes, utilizando outros tipos de fontes,
pois os mapeamentos eram parcos em detalhes. Devo dizer que os
resultados que obtive foram totalmente diferentes do que esperava.
O novo objeto de análise levou-me a verticalizar estudos sobre a
escravidão, que já me interessavam há anos, e a iniciar pesquisa nos
livros notariais dos cartórios do Rio de Janeiro e de São João Del Rei
para coleta, inicialmente, das cartas de alforria. Posteriormente, fui
incorporando outras fontes, como inventários post-mortem, testamentos,
registros notariais de contratos pré-nupciais, processos de banhos
matrimoniais e relatos de cronistas e viajantes.
O marco cronológico vai do século XVII à primeira metade do
XIX. Cumpre esclarecer que o século XVII, para o Rio de Janeiro, tem
perfil muito diferente do seguinte, pois envolve presença expressiva de
índios, objeto que não posso, agora, analisar. Tendo optado por
7

observar os alforriados nascidos na África e seus descendentes,


enfoquei essencialmente o século XVIII e a primeira metade do XIX.
Período de vigência do tráfico atlântico, portanto, pois foram os forros
nascidos na África, principalmente as mulheres, que apresentaram
perfil homogêneo o suficiente para que algumas conclusões sobre suas
opções materiais de vida e de composição de domicílios fossem
observados.
Foi com base em grande parte destes documentos que redigi
este trabalho. Muito ainda pode ser feito com a documentação que
tenho: coletada e quase totalmente processada.
O trabalho foi dividido em seis capítulos. No primeiro, analiso
historiograficamente alguns temas: o tráfico atlântico de escravos, a
demografia deste tráfico, as condições da escravidão negra no Brasil e
suas origens étnicas. No segundo, discuto, também
historiograficamente, questões que relacionam as origens culturais
africanas com suas implicações na formação das escravarias no Brasil.
O terceiro e o quarto capítulos abordam a alforria e as condições
de sua obtenção, tanto no Direito positivo quanto no costumeiro,
explicitando os privilegiados na libertação, a forma como foi obtida, se
onerosa, gratuita ou sob condição, além de proceder à análise
historiográfica destas questões.
O objeto central deste estudo – as condições de vida após a
alforria – está nos capítulos cinco e seis. Neles, concentro esforços na
análise de um grupo que sobressaiu no conjunto dos alforriados: as
pretas minas, as damas mercadoras, que dão título à tese.

5
Outros autores pensaram o mesmo: KUZNESOF (1986); SAMARA (1989), citando KUZNESOF
(1986), e, principalmente, o trabalho da KUZNESOF (1990).
8

Capítulo I – Tráfico e Escravidão

1.1 – Tráfico de almas: África e Brasil no comércio Atlântico

O tráfico atlântico de escravos negros foi contemporâneo da


expansão marítima portuguesa e recebeu beneplácito papal desde o
século XV, por meio das Bulas Dum Diversas (1452), Romanus Pontifex
(1455) e Inter Coetera (1456), as quais, entre outras disposições,
autorizavam o cativeiro de infiéis e pagãos como meio possível de
convertê-los ao cristianismo.
A costa da África ocidental, genericamente designada como
Guiné, nos séculos XV e XVI, passou a ser objeto de atenção dos
portugueses a partir da tomada da cidade de Ceuta, dos mouros, em
1415, quando se obtiveram informações mais precisas sobre as terras
do Alto Níger e do Senegal, onde se acreditava estar o ouro da Guiné –
na realidade, o ouro do Sudão. Tudo indica, entretanto, que, já a partir
de 1442, o comércio de escravos se tornou importante no financiamento
dos custos das expedições armadas pelo infante D. Henrique o
Navegador6.
Na década de 1470, os portugueses atingiram o ponto do litoral
africano designado Costa da Mina, onde ergueram a fortaleza de São
Jorge da Mina (ou Castelo de São Jorge), entreposto importante de
fornecimento de escravos para o arquipélago da Madeira e,
posteriormente, para a América. No final do século XV, a costa ocidental
africana – a Guiné – já era conhecida e mais bem delimitada. A Costa
da Mina e, principalmente, a região congo-angolana forneceram o maior
contingente de escravos para o Brasil.
Os portugueses, por intermédio de Diogo Cão, chegaram ao
Congo em 1483, mas somente na década seguinte se estabeleceram
contatos regulares com o reino do Manicongo, como então era
conhecido. Provavelmente formado no final do século XIV, era composto
por uma extensa área, dividida em províncias, algumas administradas
9

por uma nobreza local e outras, por chefes, escolhidos pelo rei, dentre a
nobreza da capital. Relações comerciais ligavam as províncias,
compostas por cidades – mbanza – e aldeias – lubata – todas
dependentes da capital, Mbanza Kongo, futura São Salvador. Nas
cidades, os nobres controlavam a produção, resultado do trabalho
escravo, que ali vigia sob duas formas: a doméstica ou de linhagem, na
qual o cativeiro era resultado da guerra ou de sanções sociais,
integrando-se o escravo à linhagem do senhor; a escravidão comercial,
ligada à produção agrícola ou à exploração de minas.
No ano de 1491, o rei foi batizado com o nome de D. João I7.
Durou pouco a conversão, pois, alguns anos depois, ele voltou às
antigas práticas pagãs, mas seu filho, Afonso I, após a vitória numa luta
sucessória, fez expandir o cristianismo junto ao seu povo, tornando-se o
principal elemento na cristianização do reino, governando de 1506 a
1543, período a partir do qual teve suas instituições políticas
transformadas nos moldes da monarquia portuguesa: os chefes de
província passaram a ser denominados condes, marqueses, duques,
etc., além de terem sido realizadas expansão territorial e maior
centralização do poder, traço que perdurou até o século XVIII8.
Mesmo sendo o comércio de escravos antigo na região, após o
contato com os portugueses foi intensificado, passando a monopólio
real, com redes comerciais que chegavam à ilha de São Tomé, centro de
todo o tráfico da África ocidental. Em certo momento, as formas
tradicionais de escravização – prisioneiros de guerra e pessoas
endividadas – estavam sendo violadas, e o próprio Afonso I escreveu ao
Rei de Portugal, reclamando que até os nobres se viam capturados por
mercadores, que desviavam as rotas sob controle dos chefes locais para
escapar dos tributos. Durante o período, os escravos provenientes da
capital do reino, rebatizada com o nome de São Salvador do Kongo pelos
portugueses, eram embarcados a partir dos portos de Mpinda, na foz do

6
Cf. THOMAS (1997).
7
Descrição do cronista Rui de Pina. Cf. RADULET (1992).
8
Descrição resumida em VAINFAS & SOUZA (1998).
10

rio Zaire, e de Ambriz, ao norte de Luanda. Ainda nas primeiras


décadas de contato, os portugueses, já buscando fugir do monopólio
congolês, dirigiram-se para a região do Ndongo (futura Angola)9.
As relações entre o Congo e Portugal vão entrar em declínio a
partir da segunda metade do século XVI, principalmente durante o
século XVII, deslocando-se os interesses portugueses para Angola. O
frontal embate entre portugueses e congoleses, ocorrido em 1665,
vencido pelos primeiros, colocou o reino africano num processo intenso
de guerra civil até o início do século XVIII. No período, houve
fragmentação política, com a nobreza transferindo-se para as
províncias, tornando-as mais autônomas em relação ao poder central.
No final do século XVII, o Congo possuía três reis, sendo o
principal deles D. Pedro IV, com possibilidades de reunificar o reino.
Aconteceu, então, o movimento denominado de antonianismo, de cunho
religioso e político, que teve como figura central Kimpa Vita, mulher que
dizia ter morrido e ressuscitado, como Santo Antônio. Pregou uma
modalidade remodelada e completamente africanizada do cristianismo,
nas palavras de Boxer10, na qual Cristo teria nascido em São Salvador,
capital do Congo, e recebido o batismo em Nsundi. Dizia que a Virgem
Maria era negra, filha de uma criada ou escrava do Marquês de Nzimba
Npanghi. Kimpa Vita foi julgada pelo Santo Ofício e condenada à
fogueira. Morreu em 1708.
A chegada dos portugueses em Angola ocorrera no início da
década de 1480, mas foi somente a partir da fundação da cidade de São
Paulo de Luanda, em 1575, que se estabeleceram contatos regulares e
intensos entre a região e o Brasil. Em 1617, foi fundada a cidade de
Benguela, também importante porto angolano exportador de escravos.
Nesta extensa região congo-angolana, composta basicamente de
populações de um mesmo tronco lingüístico – o banto – concentrar-se-
ia a atenção portuguesa, cada vez mais vinculada à região de Angola, e
menos ao Congo, sobretudo depois da expulsão dos holandeses de

9
Cf. PANTOJA & SARAIVA (1999).
11

Luanda, que lá haviam permanecido de 1641 a 1648, e da aliança com


a Rainha Nzinga, na segunda metade dos seiscentos11.
Procedia de Angola, em particular nos séculos XVII e XVIII, a
maior parte dos escravos entrados no Brasil. De Moçambique, na costa
oriental da África, também composta, em sua maioria, de população
banto, apesar de contar com presença portuguesa desde final do século
XV e com a criação da feitoria de Sofola, em 1505, vieram relativamente
poucos escravos durante o período colonial.
No século XV, a captura de escravos provinha de ataques
diretos dos portugueses a acampamentos ou aldeias do litoral saariano
e da região senegalesa. Depois de alguns anos em contato com as
populações negras da Senegâmbia e da Alta Guiné, montou-se o
esquema de comércio que iria perdurar durante toda a época do tráfico
para a América: alianças políticas, comerciais e militares entre
portugueses e as comunidades nativas.
Foi a partir da existência de sociedades mercantis já
organizadas na África que o tráfico português pôde prosperar; ou, dito
de outra forma, foi sobre os detentores do poder político africano que se
acentuaram as pressões portuguesas para aceitar o tráfico, sofrendo
sérias conseqüências os que recusaram a fazê-lo. Reis ou chefes tribais
africanos, com maior ou menor poder centralizador, administraram a
captura e a oferta de homens para o tráfico, ampliando sistemas já
costumeiros no continente. Ao lado da exploração deste comércio ou
das rotas já existentes na África negra (sul-saariana), as guerras
internas tiveram papel estrutural no fornecimento de escravos. Muitas
delas seriam mesmo motivadas, a partir do século XVI, pelos interesses
do tráfico. Sem guerras não havia escravos.
Por outro lado, o sistema de feitorias litorâneas é que se tornou
a base mais rentável e duradoura dos negócios negreiros portugueses.
Em 1448, criou-se a primeira feitoria, em Arguim (ao sul do Cabo
Branco), dez anos mais tarde transformada em castelo, onde os

10
Cf. BOXER (1981).
12

portugueses trocavam cavalos, tecidos, objetos de cobre e trigo por pó


de ouro, escravos e marfim. O armazenamento prévio de escravos e
demais produtos num ponto determinado (e fortificado) mostrou-se
vantajoso: os navios poderiam ser carregados rapidamente, evitando
estadias prolongadas e, muitas vezes, fatais à viagem de regresso. Na
Costa da Mina e no golfo de Benin – costa ocidental africana – os
traficantes mantiveram-se no litoral, em feitorias fortificadas
militarmente. Os escravos eram negociados, no interior, pelos próprios
negros.
Já em Angola, a presença portuguesa foi mais ostensiva,
embora as rotas internas do comércio de escravos continuassem nas
mãos dos reis e dos chefes locais. Como ponto de contato entre as
feitorias litorâneas e as rotas comerciais de escravos, surgiram as
fortalezas e os presídios pelo interior da África, estes últimos associados
às feiras, muitas com paliçadas de madeira e barro, com menos aparato
militar do que as fortalezas. Havia uma grande relação entre as cidades
portuárias costeiras, como Luanda e Benguela, e as fortalezas e
presídios, que funcionavam como agentes de penetração e de
comercialização.
Nos séculos XVII e XVIII, os principais presídios eram:
Massangano (1583/1585), Muxima (1599), Bambambe (finais do século
XVI e início do XVII), Ambaca (1611), Pungo Andongo (1671), Caconda
(1685), Nkoje (1759) e Novo Redondo (1769), este último no litoral, entre
Luanda e Benguela. As feiras, por sua vez, com menos aparato militar,
foram criadas (ou utilizadas as já existentes), sempre em pontos que
aproveitavam a integração das redes comerciais internas, lideradas
pelos nativos.
As mercadorias destinadas ao comércio com os chefes africanos
foram, inicialmente, armas de fogo e tecidos, embora também houvesse
miçangas e pérolas de várias cores e feitios, conchas e búzios, barras e
manilhas de cobre, espelhos e objetos de vidro, instrumentos e

11
Cf. GLASGOW (1982).
13

utensílios de ferro, destinados ao trabalho artesanal e agrícola e ao uso


doméstico, e pólvora. A geribita – aguardente de cana do Brasil – e,
como último produto entrado neste processo, o tabaco foram as
principais moedas de troca por escravos, a partir do século XVIII. Estas
mercadorias, segundo interpretações de historiadores, não
representavam só um bem material, mas eram portadoras de uma carga
simbólica, a reforçar as estruturas de poder dos que as administravam
e/ou as adquiriam12.
A maior parte dos escravos traficados pelo Atlântico, portanto,
provinha de áreas com expressiva centralização do poder monárquico,
incluindo as guerras dela decorrente, com profundas ligações com um
sistema escravista e com uma economia de mercado, todas essas
situações não muito diferentes das que se encontravam em terras da
América.

I.2 – A origem, os números e o sexo dos escravos do tráfico


atlântico

Praticado sob chancela da Igreja, levado a cabo por mercadores


enriquecidos, nobres influentes e com pleno apoio da monarquia
portuguesa, o tráfico acabou tornando-se fundamental para o
funcionamento da empresa agroexportadora da América portuguesa: em
torno de 40% do contingente importado para a América, em todo o
período de vigência do tráfico, dirigiu-se ao Brasil, seguido do Caribe,
que recebeu pouco menos de 20%.
Num estudo detalhado sobre o tráfico africano para a Bahia,
Pierre Verger assim dividiu os quatro grandes ciclos do comércio de
escravos, em relação às suas origens:
1) o da Guiné, durante a segunda metade do século XVI;
2) o de Angola e do Congo, no século XVII;
3) o da Costa da Mina, nos três primeiros quartéis do século
XVIII;
4) o ciclo da baía de Benin, entre 1770 e 1850.

12
Cf. MEDINA & HENRIQUES (1996).
14

Para as outras áreas do Brasil, teria havido somente os dois


primeiros, o da Guiné, também no século XVI, e o do eixo Congo-
Angola, que duraria do século XVII até o final do tráfico, em 185013.
Três grandes regiões da África forneceram escravos para o
Brasil. Para o Sudeste, desde o século XVII, foram traficados escravos
majoritariamente oriundos da África centro-ocidental – os grupos
bantos, portanto. Para a Bahia, lugar em que há estudos
pormenorizados, o maior contingente veio da África ocidental – Costa da
Mina e baía do Benin (pretos minas e nagôs) – incluindo-se entre eles
escravos muçulmanos – os malês. Outras regiões do Nordeste, como
Pernambuco, por exemplo, no século XIX, importavam mais escravos do
Congo e de Angola do que da África ocidental14. A terceira região é da
África oriental, de Moçambique, que se incorporou significativamente ao
tráfico somente no início do século XIX, com população também banto,
que enviou grandes levas de escravos para o sudeste do Brasil.
O volume exato de traficados é difícil de se calcular. A única
certeza é a de que o tráfico foi expressivo e constante durante todo o
período. Normalmente, os estudiosos fazem estimativas, tendo por base
alguns números esparsos de diferentes bases documentais, do que
decorre grandes variações.
Afonso d’Escragnolle Taunay15 considerou que entraram no
Brasil 3.600.000 africanos: 100.000 no século XVI, 600.000 no XVII,
1.000.000 no século XVIII e 1.600.000, de 1800 a 1852. Já Roberto
Simonsen16 os fixou em 3.300.000. Philip Curtin17 calculou um total de
3.646.800. Outros estudos apontam um total muito mais elevado. Caio
Prado Júnior18 afirmou que, mesmo antes da entrada maciça de
africanos, ocorrida na primeira metade do século XIX, o volume deve ter

13
Cf. VERGER (1987).
14
Cf. CARVALHO (1998).
15
Cf. TAUNAY (1941).
16
Cf. SIMONSEN (1978).
17
Cf. CURTIN (1969).
18
Cf. PRADO Jr (1977).
15

sido de cinco ou seis milhões de africanos. Renato Mendonça 19,


baseando-se em dados alfandegários, calculou-o em 6.830.000.
Robert Edgard Conrad20, numa análise detalhada, argumentou
que as primeiras estimativas foram muito modestas e que,
provavelmente, o volume deveria estar situado entre os extremos.
Calcula, então, que o volume total do tráfico para o Brasil foi assim
distribuído:
100.000, no século XVI,
2.000.000, no XVII,
2.000.000, no XVIII e, finalmente,
1.500.000, na primeira metade do século XIX.

Apesar disto, o autor admite que a cifra pode ter sido mais elevada, o
que significaria que a entrada de africanos deve ter sido superior a
5.000.000. O consenso, entretanto, é o de que o maior volume por ano
do tráfico se deu na primeira metade do século XIX, mesmo após a
ilegalidade do tráfico, ocorrida em 1831, ou provavelmente por causa da
proibição.
As estimativas sobre o tráfico incluem somente os que chegaram
ao Brasil, sem considerar os mortos em viagem. As perdas sempre
foram muito elevadas, mas calcula-se que, nos primeiros anos, foram
mais acentuadas, chegando entre 15% e 25% a mortalidade durante a
travessia. Para períodos posteriores, calculam-se em 10% as taxas de
mortalidade. Ressalvas devem ser feitas em relação aos portos de
embarque. Considera-se que as chances de morrer estavam bastante
relacionadas com a extensão e a duração das viagens, o que talvez
desse ao Brasil condições mais favoráveis do que as de outras áreas da
América, como Caribe e América do Norte.
Estima-se uma média de 34 dias de viagem entre a África
ocidental e o Brasil; já a viagem de Moçambique demorava quase o
triplo do tempo, com média de 90 dias, favorecendo a mortalidade.
Herbert Klein demonstrou que, entre os anos de 1795 e 1811, de cada

19
Cf. MENDONÇA (1973).
20
Cf. CONRAD (1985).
16

mil escravos vindos de Moçambique, 233 morriam no mar; dos que


embarcavam da África central, 91 em mil faleciam; já nas viagens mais
curtas, como as que vinham do Golfo da Guiné, entre mil africanos, 57
morriam na travessia. Estes números não incluem, entretanto, os
falecidos antes de embarcarem para o Brasil, ainda nas rotas terrestres
do tráfico, e imediatamente depois da chegada, o que aumentava
bastante a mortalidade relativa ao tráfico como um todo.
Joseph Miller21 propôs taxas de mortalidade relativas à
escravização de africanos bastante acentuadas. Estima o autor que em
torno de 40% dos negros capturados no interior da África morriam a
caminho do porto costeiro, mais 10% a 12%, na estada nos barracões
costeiros ou nas prisões escravistas, antes de entrarem nos navios, ou
seja, pelo menos a metade morria antes de embarcar para a América;
mais 9% morriam na travessia e mais da metade restante, no período
de quatro anos após o desembarque no Brasil. Assim, de 1.000
africanos que saíssem da África, pouco mais de 200 se tornariam
efetivamente escravos no Brasil.
Deve-se considerar que a transformação de um africano cativo
em escravo demorava vários anos. Para começar, calculam-se oito
meses, em média, entre a captura do africano e o embarque para a
América, considerando-se, neste cálculo, a viagem terrestre entre o
lugar do aprisionamento e o tempo de espera nos portos de embarque.
Até chegar ao novo papel de escravo, mais alguns meses poderiam ter
decorrido, e estima-se em quatro anos o tempo para “aclimatação” do
africano como escravo.
Havia determinações legais para a armação dos navios
negreiros. Limitava-se o número máximo de homens por tonelagem dos
navios, pelo quantitativo de comida e água, dependendo da lotação, mas
as reclamações de contemporâneos, documentadas desde o início do
século XVI, sugerem que as determinações não eram cumpridas. Muitos
questionam os motivos de serem tão ruins as condições da travessia, já

21
Cf. MILLER (1981).
17

que o lucro poderia ser tanto maior quanto mais fossem os


sobreviventes. Tudo leva a crer, no entanto, que os preços dos negros,
na África, eram por demais reduzidos, a ponto de os traficantes
preferirem superlotar os navios, ainda que se arriscando a perder
muitas peças no Atlântico.
O número de portos recebedores de africanos, no Brasil,
durante o período colonial, era restrito, listando-se Belém, São Luís do
Maranhão, Fortaleza, Recife, Bahia, Rio de Janeiro, Santos, Santa
Catarina e Rio Grande do Sul. Nos séculos XVI e XVII, o destino dos
cativos era, quase sempre, a região litorânea, particularmente a zona
canavieira. Já nos séculos XVIII e XIX, a produção aurífera e a
expansão cafeeira direcionaram grande parte dos escravos para o
interior. No período, o Rio de Janeiro foi o maior entreposto e fornecedor
de escravos, não só para o interior da capitania/província, como
também para Minas Gerais, Goiás e São Paulo.
As descrições mais abundantes sobre as formas de negociar os
escravos recém-chegados referiam-se ao Rio de Janeiro. Consta que
homens e mulheres negros, após passarem pela alfândega, para
arrecadação dos impostos, eram trazidos para as ruas da cidade, sendo
expostos – prática que perdurou por longo tempo – e vendidos os que
não haviam sido previamente encomendados. Outros destinavam-se a
áreas interioranas, continuando pelas rotas terrestres de comércio o
caminho para a escravidão propriamente dita.
Somente no governo do Marquês do Lavradio, Vice-Rei do Brasil
entre 1770 e 1779, é que se determinou uma área específica do Rio de
Janeiro como mercado de escravos, o Valongo. É verdade que, no
decorrer do século XVIII, um novo enfoque da percepção olfativa e
visual começava a tomar forma e a influenciar principalmente os
letrados. A propagação das críticas à higiene pública por parte da
medicina higienista européia foi responsável pela mudança de
interpretação para costumes que, antes, nem um pouco incomodavam
os contemporâneos. Foi dentro desta perspectiva higienista que o
18

Marquês do Lavradio se referiu ao comércio de escravos pelas ruas do


Rio de Janeiro:

Havia mais nessa cidade o terrível costume de que todos os negros


que chegavam da costa da África a este porto, logo que
desembarcavam, entravam para a cidade (...) não só cheios de
infinitas moléstias, mas nus (...) (e) ali mesmo faziam tudo o que a
natureza lhes lembrava, não só causando o maior fétido nas mesmas
ruas e suas vizinhanças, mas até sendo o espetáculo mais horroroso
que se podia apresentar aos olhos. As pessoas honestas não se
atreviam a chegar às janelas; as que eram inocentes ali aprendiam o
que ignoravam22.

Há que se registrar, também, a questão dos preços dos


escravos, que oscilaram bastante durante o período escravista, mas
dispõe-se de poucos estudos para análises definitivas. Estima-se que,
no início do século XVII, os preços de homens e mulheres não
apresentavam diferença significativa. No decorrer do tempo, entretanto,
os homens passaram a ser mais caros. Baseada em dados de leilões de
escravos de inícios do século XIX, para a Bahia, Kátia Mattoso 23
calculou uma defasagem significativa: os preços das mulheres
representavam, em média, 70% do preço do homem. A idade e o estado
físico também eram variáveis importantes. Os preços diminuíam para
pessoas novas ou mais velhas e para os que apresentavam defeitos
físicos ou indícios de doenças. Os escravos mais caros eram os homens
saudáveis, entre os 19 e 35 anos.
Foram estudos como esses que induziram à conclusão de que a
mulher, por ser mais barata, teria mais facidade de se alforriar do que o
homem, ou por ter mais condições de conseguir o seu valor, ou pelos
senhores terem despendido menos recursos.
Quanto aos padrões do tráfico africano, há alguns consensos
entre os estudiosos, embora as explicações possam ser diferentes. A
primeira evidência é a de que a escravidão, no Brasil, foi altamente
dependente do tráfico. Realmente, os dados têm demonstrado que, em
muitas regiões brasileiras, particularmente nas ligadas à

22
LAVRADIO (1779, p. 450-51).
19

agroexportação, o número de escravos nascidos na África era superior


ao dos nascidos no Brasil.
A presença de africanos foi diretamente proporcional à razão
homem/mulher entre escravos. O tráfico para o Brasil foi responsável
pela entrada de grande número de homens jovens, de menor quantidade
de mulheres e de número ainda mais reduzido de velhos e crianças.
A predominância de homens no tráfico africano de escravos
parece ter sido devida a dois fatores básicos, cujos pesos ainda não se
encontram devidamente registrados:
1) a tendência, na África, da venda de mulheres para os
próprios africanos, sobretudo para os xarifados muçulmanos
da África do Norte (a mulher era mais valorizada, nos
padrões africanos e orientais, pela sua possibilidade de
procriação), o que diminuía a oferta para outros mercados;
2) a preferência dos senhores, no Brasil, por homens
plenamente produtivos24.
Uma grande questão que há algum tempo se abriu às
investigações diz respeito ao papel da África no funcionamento e na
longevidade do tráfico, posto que, durante muito tempo, pensou-se no
continente africano como vítima inerme das ambições comerciais
européias.
Manolo Florentino25 argumenta que a interpretação de uma
África passiva, com seus habitantes sofrendo a violência da estrutura
mercantilista européia, foi resultado da crítica geral ao sistema
escravista, gerada na Europa, no decorrer do século XVIII. O silêncio
acerca da participação dos africanos no tráfico servia aos propósitos dos
abolicionistas de denunciar as atrocidades cometidas contra os negros.
No final do século, as justificativas para a escravização de africanos
estavam ligadas à argumentação de que eles próprios tinham escravos.
Como contra-argumento, os abolicionistas destacavam a diferença entre
as formas de escravidão: enquanto a européia, destinada à América, era
comercial, ou seja, a produção se baseava na exploração do trabalho de

23
MATTOSO; KLEIN; ENGERMAN (1988c).
24
Cf. MANNING (1988); KLEIN (1984).
25
Cf. FLORENTINO (1995).
20

negros, na África ela era doméstica, com cativos incorporados, muitas


vezes, à família do senhor. No século XX, a interpretação do africano
como elemento passivo e vítima dos brancos ganhou destaque entre os
que lutavam pela independência dos países africanos, fornecendo-lhes
argumento ideal para a defesa de sua causa.
Entre os historiadores, mesmo os que reconhecem a
participação dos africanos no tráfico, a explicação principal é a de que
esta participação foi criada por um motivo externo, pelo interesse de
mercadores brancos, que seduziam os africanos com mercadorias
americanas e européias. Seria uma perversão exterior, nas palavras de
Jacob Gorender26.
Estudos da década de 1990 procuraram, no entanto, entender
as dinâmicas internas das sociedades africanas no fornecimento de
escravos, como nos casos do Congo e de Angola, além de examinarem
as oscilações do financiamento e da demanda da América, considerando
que ambos os processos interagiram. Desta forma, vão-se desvendando
as estruturas escravistas comerciais de várias áreas africanas, inclusive
em fases anteriores à expansão portuguesa. Ficou demonstrado,
outrossim, que os recursos para o tráfico de escravos, pelo menos no
século XVIII, originavam-se do acúmulo de capital no mercado interno
do Brasil e não em Portugal27.
Os estudos recentes sobre o tráfico têm, portanto, indicado a
importância de se verticalizar o entendimento das dinâmicas internas
da África e da América portuguesa, ao invés de limitar o assunto às
determinações dos traficantes europeus e, particularmente, reinóis.
Já em finais do século XVIII, o tráfico atlântico de almas
começou a sofrer críticas de abolicionistas europeus, mas foi sobretudo
no início do XIX que a Inglaterra concentrou esforços para limitar o
tráfico português. Nos tratados de 1810, entre Inglaterra e Portugal,
foram impostas cláusulas restritivas ao comércio negreiro,
estabelecendo-se prazos para seu término. Após a independência do

26
Cf. GORENDER (1978).
21

Brasil, em 1822, os ingleses recrudesceram a pressão, obtendo do então


Império do Brasil a Lei de Abolição do Tráfico, de 1831, que bem poucos
resultados obteve na prática. Considera-se, inclusive, que aumentou o
volume de africanos entrados no Brasil após esta data e até 1850,
quando, então, medidas enérgicas do governo imperial puseram um fim
ao então denominado pejorativamente comércio de carne humana28.

1.3 – Escravidão negra no Brasil

O início da colonização do Brasil foi marcado pelo apresamento e


pela utilização de índios como mão-de-obra – os negros da terra ou
negros brasis – mas a magnitude da exploração do trabalho indígena só
há pouco tempo é reconhecida nestas proporções29.
A opção pela escravidão de negros africanos, que preponderou
desde o século XVII em várias áreas agroexportadoras, foi explicada por
diversos ângulos:
a) Estudos clássicos, como os de Capistrano de Abreu e Oliveira
Vianna30, entre outros, atribuíam à indolência indígena o motivo da
opção pelos africanos;
b) A inaptidão do índio para a vida sedentária da agricultura foi
registrada por Gilberto Freyre31;
c) O trabalho indígena seria pouco lucrativo, por ser baixa a resistência
física do nativo e grande sua aversão ao trabalho agrícola, na
interpretação de Caio Prado Jr.32;
d) Celso Furtado33 aludiu à inexistência de população branca em
Portugal que respondesse pela montagem de empresas coloniais
rentáveis, e de índios, numericamente insuficiente.
Na década de 1970, Fernando Novaes34, numa perspectiva
macroeconômica, afirmou que os interesses do tráfico africano foram
responsáveis pela escravidão negra, e não a demanda por mão-de-obra.
Seria, portanto, o interesse mercantil da metrópole portuguesa em

27
Cf. FLORENTINO (1995).
28
Cf. SOUZA (1994).
29
Cf. MONTEIRO (1994).
30
Cf. ABREU (1988); VIANNA (1987).
31
Cf. FREYRE (1987).
32
Cf. PRADO Jr. (1971).
33
Cf. FURTADO (1959).
34
Cf. NOVAES (1979).
22

acumular capital pelo comércio que justificaria a opção pelo africano, e


não a “inaptidão” do índio para o trabalho escravo e agrícola.
Diversas pesquisas demonstraram, posteriormente, que a
escravidão indígena foi largamente utilizada e que vários deveriam ser
os fatores que fizeram com que os africanos fossem privilegiados. Nestes
trabalhos, explica-se a substituição pela dificuldade cada vez maior de
se ter acesso a índios, tanto pela diminuição de seu número, provocada
por guerras, massacres e doenças, quanto pela sua migração para o
interior, o que dificultava o apresamento. Também se faz referência à
rentabilidade do trabalho, alegando-se que os índios produziam menos
que os africanos. Considera-se que, sendo o trabalho agrícola uma
atividade feminina entre indígenas, haveria pouca predisposição dos
homens a se tornarem trabalhadores de lavoura35.
Do outro lado do Atlântico, na África, um conjunto de fatores
fora articulado para fornecer mão-de-obra a preços vantajosos para a
empresa comercial escravista36. Muitas variáveis, portanto, teriam agido
conjuntamente para explicar, em certas épocas e lugares, o predomínio
da escravidão negra africana, incluindo a rentabilidade do tráfico.
Está claro que a escravidão negra preponderou em áreas mais
ligadas à agroexportação, como no caso do nordeste açucareiro desde o
século XVII, na mineração do século XVIII e nas lavouras de café do
Sudeste no século XIX, embora a escravidão indígena se tenha mantido
expressiva em outras áreas, como a do Sudeste, até o século XVIII e, no
Norte, até o XIX.
Sendo a escravidão negra, no Brasil, dependente do tráfico
africano e tendo o padrão demográfico deste tráfico variado muito
pouco, sendo comum a entrada de mais homens adultos do que de
mulheres, crianças e velhos, o resultado repercutiu na reprodução da
escravaria. Por ser transmitida pelo ventre materno (partus sequitur
ventrem), era a quantidade de mulheres que representava a
possibilidade de reprodução da mão-de-obra escrava.

35
Uma boa contextualização da questão está em SCHWARTZ (1988).
23

Em certas áreas e épocas, havia uma mulher para cada dois


homens. Nas regiões mais crioulizadas, ou seja, naquelas em que se
equilibravam as proporções de africanos e crioulos (escravos nascidos
no Brasil), as diferenças numéricas entre os sexos tornavam-se mais
tênues, mas, mesmo nelas, o número de homens sempre foi superior.
Nas áreas mais dinâmicas da economia colonial, a proporção de
africanos sempre foi expressiva, variando entre 60 e 70% da população
escrava, o que significava uma população majoritariamente masculina e
adulta. Em todos os estudos feitos até agora em unidades produtoras,
onde se comprovou a presença maciça de africanos, as razões
homem/mulher foram expressivas, com algumas chegando a ter até três
homens para cada mulher37. Em Sergipe de El-Rey, onde os crioulos
eram maioria, foi encontrado, em 1785, uma razão de 119 homens para
100 mulheres, proporção muito menor do que as calculadas para
qualquer período, no Recôncavo Baiano, onde os africanos nunca
representaram menos de 60% da população38.
A maior porcentagem de homens estava ligada diretamente à
direção das atividades produtivas. As grandes unidades ligadas à
agroexportação foram responsáveis pelos maiores desequilíbrios entre
os sexos. Na Capitania de São Paulo, em fins do século XVIII e início do
XIX, o aumento progressivo da razão homem/mulher (117,27, em 1798;
144,57, em 1818; 154,05, em 1828) foi conseqüência da instalação de
atividades exportadoras açucareiras e cafeeiras. Já a cidade de São
Paulo, dedicada à produção de alimentos, teve razões bem equilibradas,
de 100,2, em 1802, e 108,4, em 183639. Em Campos dos Goitacases,
Capitania do Rio de Janeiro, área agroexportadora açucareira, as razões
a favor dos homens variaram entre 116 e 175, ampliando-se para 119 e
211 em 1840, ainda na vigência do tráfico atlântico40.

36
Cf. FLORENTINO (1995).
37
Cf. FRAGOSO & FLORENTINO (1987).
38
Cf. SCHWARTZ (1988).
39
KUSNESOF (1986, p. 82).
40
FARIA (1998, p. 296).
24

Atribui-se à diferença do número de mulheres e homens e à


ausência de formação de família escrava o problema da reprodução
endógeno da escravaria. Levam-se em conta, também, as alforrias, que
privilegiavam mais as mulheres que os homens, diminuindo ainda mais
a quantidade de ventres a gerar escravos. Considerando-se que a
escravidão, como já mencionado, é determinada pela mãe, e que havia
menos mulheres do que homens escravos, conseqüentemente, a
reprodução dos escravos não se poderia dar pelos nascimentos. A
ampliação bastante acelerada das lavouras ou das atividades coloniais
(como extração do ouro, comércio, agricultura e pecuária) produziu
uma demanda de mão-de-obra num ritmo muito mais rápido do que
poderia ser satisfeito por um possível crescimento endógeno. para pesquisa doc.
O número de mulheres escravas era, certamente, no geral,
menor que o de homens, mas já é motivo de forte divergência
historiográfica a tese de que os escravos não constituíram família no
Brasil. Inúmeras pesquisas têm demonstrado o contrário, para os
séculos XVIII e XIX41, embora haja carência de estudos com base
quantitativa para o período anterior. Em síntese, o que se pode
considerar, com base nos estudos existentes, é que os seguintes fatores,
conjugados, impediram uma reprodução ampliada da população
escrava no Brasil:
1) o evidente número maior de negros do que de negras;
2) alforria de maior número de mulheres do que de homens;
3) grande mortalidade, principalmente a infantil;
4) intervalos longos entre os nascimentos (em algumas etnias,
havia longo período de aleitamento materno, no qual não se
permitiam relações sexuais42), resultando num pequeno
número de filhos por mulheres;
5) opção por não procriar, por parte de escravas, dependendo da
origem étnica43;
6) quantidade relativamente alta de alforrias de crianças, no
momento do batismo.
Em estudos clássicos sobre o Brasil colonial, particularmente os
realizados entre as décadas de 1920 e 1940, tomava-se como correta a

41
Cf. SLENES (1988); FARIA (1998); MOTTA (1999); FLORENTINO & GÓES (1997).
42
Cf. SCHWARTZ (1988).
25

idéia sobre a inferioridade étnica dos negros africanos. Considerava-se,


segundo influência dos estudos de Charles Darwin para a espécie
humana, que os africanos estariam em estágios bem menos avançados
do que os brancos, na evolução de suas sociedades. Tratava-se de
transferir para as organizações humanas a evolução das espécies,
concepção denominada de “darwinismo social”. Os negros, portanto,
depois de libertados, entrariam mal no mundo livre, por não terem uma
herança cultural apropriada para competir com elementos de uma
sociedade mais avançada.
Atribuía-se o problema do negro, no Brasil da época, à própria
raça negra. Autores como Nina Rodrigues, Oliveira Vianna e mesmo
Caio Prado Júnior44 estavam entre os que assim pensavam. A ruptura
com este tipo de enfoque deu-se com Gilberto Freyre45, que questionou
certas teorias racistas e deu destaque à influência africana, de forma
positiva, na formação da sociedade e da cultura brasileiras.
Nas décadas de 1950 e 1960, as teorias de Freyre foram
duramente criticadas. O patriarcalismo, conceito central de seu livro
mais conhecido, Casa Grande e Senzala, foi identificado como
“paternalismo”. Segundo versões da época, o patriarcalismo/
paternalismo de Freyre traria uma visão benevolente da escravidão. A
abolição do regime escravo, no Brasil, teria retirado dos negros a
proteção de seus senhores, jogando-os na “escravidão” velada do
assalariamento, sem lhes ter dado tempo para uma adaptação
adequada. Em diversas publicações posteriores a Casa Grande e
Senzala, o autor insistiu em defender a existência de uma democracia
racial na sociedade brasileira. Os motivos para esta democracia, após o
período escravista, seriam justamente a benevolência do paternalismo e
a religião católica. Para ele, o preconceito, aqui, era de classe, não de
raça.

43
Ver capítulo IV.
44
Cf. RODRIGUES (1977); VIANNA (1987); PRADO Jr. (1971).
45
Cf. FREYRE (1987).
26

Duramente criticado por historiadores e sociólogos da chamada


escola sociológica paulista, liderada por Florestan Fernandes46, colocou-
se em dúvida a existência de uma democracia racial no Brasil, ao
mesmo tempo em que se procedia à análise dos censos de 1950 e
196047, em que os negros apareciam desprovidos de instrução,
ocupando as piores posições profissionais e auferindo as mais baixas
remunerações. Negou-se, terminantemente, a existência de uma
democracia racial. Invertendo-se os argumentos de Freyre, consolidou-
se a idéia de que a escravidão no Brasil fora tão dura e violenta que
solapou totalmente as condições que teriam os negros de sobrevivência
digna num mercado de trabalho livre.
A violência da escravidão, e não mais a “raça” negra, os teria
massacrado como seres humanos, transformando-os num grupo
anômico, patologicamente comprometido na esfera social, que não foi
nem mesmo de forjar, enquanto homens livres, os vínculos básicos de
todos os seres humanos – os laços familiares. Daí a idéia predominante
entre estes estudiosos de que os negros, enquanto escravos, foram
“coisificados”48.
Como decorrência destas análises, diversos autores defenderam
a idéia de que a humanidade do negro só transparecia quando
resistindo claramente à instituição escravista: organizando-se em
quilombos, revoltando-se, matando senhores e feitores, suicidando-se
ou, de maneira mais ampla, resistindo cotidianamente ao trabalho,
através da quebra de instrumentos/utensílios, da automutilação, da
morosidade e dos demais atos lesivos aos interesses dos senhores.
A desproporção entre os sexos, resultado do tráfico negreiro,
teria sido a principal responsável pela impossibilidade de formação de
família regular e por longo tempo, no cativeiro. A inexistência de
famílias escravas foi, nos estudos das décadas de 1960 e 70, um dado
crucial. Ao considerar a família uma organização fundamental para dar

46
Cf. FERNANDES (1978).
47
Uma discussão interessante sobre o assunto está em COSTA (1979, capítuloVIII).
48
Um dos mais radicais na reificação do negro foi CARDOSO (1977).
27

respaldo ao negro, em sua entrada no mercado de trabalho livre do pós-


abolição, inexistindo esta formação, os negros estariam fadados ao
fracasso em suas bases, por desregrados nas organizações particulares.
Considerava-se, também, que a mulher fosse vítima dos apetites
voluptuosos de senhores, seus familiares e demais homens brancos.
Enfatizou-se a promiscuidade como o comportamento comum de
homens e, principalmente, das mulheres, no cativeiro, herança trágica
da escravidão. Negros e seus descendentes teriam, mesmo livres,
comportamentos sociais desregrados, “anômicos”.
Durante os anos de 1980 e 1990, pesquisas sobre o negro e a
escravidão se multiplicaram nos centros acadêmicos, então em franca
expansão. Novas fontes foram pesquisadas, assim como se analisaram,
com outros enfoques, as já utilizadas. Sob a influência de estudos
norte-americanos e europeus, tanto antropológicos quanto de história,
surgiram questionamentos sobre a atuação e a organização dos negros
enquanto escravos49.
Alguns questionaram a relação direta e mecânica entre números
e uma organização cultural ou social. Argumenta-se que a formação de
laços familiares, entre outros aspectos das culturas escravas, não pode
ser reduzida a uma questão quantitativa50. A desproporção entre os
sexos seria pouco para explicar a ausência de famílias escravas.
Constatando-se, entretanto, através de pesquisas empíricas, sua
existência em número considerável, pressupõe-se que, mesmo difícil
para muitos, principalmente para os homens, era uma instituição
presente no cativeiro, conforme afirma Slenes51.
Por outro lado, o negro escravizado não teria sido passivo, nem,
muito menos, massacrado pelo engenho perverso da escravidão. Mesmo
como escravos, criaram e recriaram laços culturais próprios, inúmeros
deles herdados de suas raízes africanas. Desta forma, a escravidão

49
Entre outros: LARA (1988); CHALHOUB (1990); MATTOSO (1982); SCHWARTZ (1988); SLENES
(1999).
50
Cf. FLORENTINO & GÓES (1997).
51
Cf. SLENES (1988).
28

aparece, para tais autores, como um sistema socialmente coercitivo,


mas em que eram possíveis adequações, resistências, acomodações e
barganhas, perspectiva geral com a qual compartilho.
Embora com divergências, muitos dos trabalhos mais recentes
partem de pressupostos comuns e radicalmente diferentes dos
considerados nas décadas de 1960 e 1970: a existência da família (em
certas épocas e regiões, baseada no casamento católico) e de relações de
parentesco amplas teria sido o substrato da vida no cativeiro;
comportamentos sociais e religiosos foram regrados por formas
culturais herdadas das diversas etnias africanas, combinadas com a
vida como escravo numa sociedade católica, dominadora e violenta;
havia espaços de negociação, conquistados pelos próprios escravos,
através de estratégias que iam desde a adulação aos senhores,
passando por lutas e reivindicações individuais e cotidianas, até
revoltas coletivas e organizadas, cujo ponto máximo era, sem dúvida, a
formação de quilombos52.
Estas abordagens não ficaram sem resposta. Nos meios
acadêmicos, o início da década de 1990 viu surgir, por parte de alguns,
uma grande resistência a estas análises, que teriam, embora sem
reconhecimento explícito por parte dos estudiosos, recuperado os
argumentos de Freyre sobre a benevolência da escravidão brasileira.
Como principal expoente da resistência, encontra-se Jacob Gorender53,
que se empenhou em criticar minuciosamente muitos destes trabalhos,
acusando-os de reabilitadores da escravidão.
Estudos sobre a escravidão continuam a despertar grande
interesse por parte dos pesquisadores, mas muitas das divergências
entre acadêmicos resultam do fato de que ainda são poucos,
principalmente sobre o período colonial brasileiro e sobre a história da
África, para se montar um quadro amplo e bem estruturado, que dê
conta da complexidade da vida dos escravos em conjunturas e épocas

52
Cf. SLENES (1988); CHALHOUB (1990); LARA (1988), REIS & GOMES (1996), entre outros.
53
Cf. GORENDER (1991).
29

distintas. Apesar das lacunas, já são possíveis algumas considerações


gerais.

1.4 – Origens étnicas da população do Brasil

Em termos populacionais, o Brasil teve, à semelhança de outras


áreas americanas, uma composição bastante heterogênea.
Quando os portugueses aqui chegarem, em 1500, encontraram
uma população autóctone espalhada pela vasta área litorânea, que, de
acordo com alguns autores, ali estava há relativamente pouco tempo.
Segundo consta nas crônicas de época, foi a ação de certos homens,
denominados caraíbas, entre os tupi, que teria encaminhado grupos
inteiros do interior para o litoral, em busca da Terra sem Mal. O
movimento geral, relatado como de grande efervescência religiosa por
Ronaldo Vainfas, foi intensificado com a decisão do governo português
de ocupar definitivamente a terra, a partir 1530. Nos registros
contemporâneos, feitos a partir desta data, tais movimentos foram
denominados de santidades, que, para os colonizadores portugueses,
era sinônimo de revolta e/ou heresia indígena54.
A composição básica dos índios envolvidos nas santidades, pelo
menos num primeiro momento, foi a de origem tupi-guarani,
denominação gerada mais por uma estrutura lingüística do que por um
padrão étnico, e foi este contingente que maior contato teve com os
colonizadores. Entre eles, os mais numerosos eram, sem dúvida, os
referidos como tupinambá, estimados em um milhão, na época do
descobrimento, e em 189 mil, no final do século XVI. As denominações
usuais para designar os grupos tupi-guarani eram: tupinambá, tamoio,
tupiniquim, carijó, caeté, temiminó, potiguar, etc.
Tapuia foi categoria criada no contexto colonial e identificada,
pelos colonizadores, em oposição ao mundo tupi, mais bem conhecido e
portador de uma homogeneidade cultural apreciável. Em contrapartida,
os tapuia, gente de língua travada, eram percebidos pela sua

54
VAINFAS (1995, p. 51).
30

diversidade, ligados ao sertão e bárbaros55. Parte pertencia ao grupo


lingüístico jê, destacando-se os grupos aimoré, charrua, goitacá,
tremembé, kariri, janduí, surucu, caindé, paiacu, entre outros, quase
todos ocupando o interior do Brasil; os demais faziam parte de grupos
lingüísticos menores.
Estes índios pouco contato tiveram com os portugueses, pelo
menos no primeiro século de colonização, com exceção dos aimorés,
que lutaram contra os colonos. Na literatura da época, os tapuias eram
descritos como os mais bárbaros entre os bárbaros. Antropófagos,
sanguinários e ferozes eram alguns dos qualificativos que lhes davam.
Acostumou-se, no vocabulário português, a denominar tapuia a todos
que resistiam à colonização. Ainda no século XIX, segundo Ronald
Raminelli, o romantismo brasileiro manteve a dicotomia, fazendo dos
tupi heróis e portadores dos valores civilizatórios, pois aparecem como
cristãos e falando português. Seus inimigos, porém eram os tapuia que,
como selvagens, viviam em cavernas, praticavam canibalismo e
mostravam seus corpos sem pudor 56.
A população do Brasil, antes da chegada dos portugueses,
compunha-se, portanto, genericamente, de tupi e tapuia, povos que, no
conjunto, receberam estimativas bastante díspares por parte dos
estudiosos. Já foi referida a diversidade de estimativas em relação ao
número de índios que havia aqui, quando os portugueses chegaram:
não passava de um milhão57 para alguns. Hoje, há cálculos que
registram 8,5 milhões, o que, para alguns autores, como Jennings, traz
como resultado o fato de que a América não teria sido descoberta: foi
invadida58.
Índios tupi-guarani e tapuia são, conseqüentemente,
simplificações, pois entre eles existiam variados grupos étnicos. A
história da cultura brasileira é, desta forma, bem mais complexa do que

55
POMPA (2001).
56
Cf. RAMINELLI (2000).
57
Cf. CUNHA (1992).
58
Cf. JENNINGS (1975).
31

tais designações podem parecer à primeira vista. A diversidade étnica


ampliava-se com os outros dois grandes contingentes, o branco e o
africano, que também não eram homogêneos.
Apesar de reino cristão, Portugal possuía elevado número de
judeus em seu território, transformados forçadamente em cristãos-
novos sob o reinado de D. Manuel, em 1497. Durante o período de
expansão ultramarina, foram figuras de destaque no financiamento e
em diversas funções das navegações. Somente com a criação do
Tribunal do Santo Ofício da Inquisição, em 1536, as práticas judaicas
foram objeto de perseguição. A Inquisição portuguesa, a exemplo da
espanhola, tinha como alvo principal as heréticas práticas judaicas,
exercidas pelos cristãos-novos e seus descendentes. Apesar do
empenho do Tribunal, as atividades criptojudaicas foram comuns,
inclusive no Brasil, para onde se dirigiu elevado número conversos.
Além de pretensos ou verdadeiros judeus e ciganos, com suas crenças
tradicionais, também muçulmanos, católicos e protestantes faziam
parte do mosaico religioso do Brasil desde o início do povoamento.
Indicar todos como brancos, portanto, esbarra na mesma simplificação
apresentada para os índios.
Tratar dos africanos, como um grupo, significa incorporar mais
um sem número de etnias ao complexo cultural do Brasil. Antes de
mais nada, é necessário frisar que o termo africano, para designar os
negros oriundos do tráfico atlântico de escravos, é anacrônico para o
período colonial e, mesmo, para a primeira metade do século XIX.
Vejamos por quê.
Inicialmente, os escravos eram denominados de negros da
guiné, diferenciando-os dos negros da terra ou negros brasis, como
eram chamados os índios. Não há consenso entre historiadores e nem
mesmo entre as fontes de época sobre o termo guiné. Sendo bastante
elástico, abarcava diferentes porções da África ocidental. No início do
século XV, os europeus pouco conheciam a África, restringindo-se à
32

costa mediterrânea, ao Egito, ao Saara e ao norte da costa ocidental


atlântica.
Desde a Idade Média, falava-se de uma Etiópia, separada do
norte da África pelo rio Nigris (ou Níger), tido algumas vezes como
afluente do rio Nilo. Por sua vez, a Etiópia dividia-se em oriental e
ocidental, esta última conhecida como Etiópia da Guiné, de onde
decorre o termo negro da guiné, usado amplamente nos séculos XV e
XVI como sinônimo da hoje chamada África negra ocidental59. Foi sobre
a Etiópia da Guiné, ou seja, o lado ocidental da África, que os
portugueses centraram esforços de reconhecimento no decorrer do
século XV.
As descrições mais antigas sobre os povos que habitavam a
Etiópia da Guiné estão recheadas de menções a povos bárbaros e
idólatras, tendo como meio ambiente uma floresta hostil, povoada por
monstros e às margens de um Mar Tenebroso (Atlântico). Com o tempo,
as descrições dos europeus vão-se restringindo a características mais
humanas, embora sempre marcadas por juízos depreciativos.
As denominações das áreas ocupadas ou atingidas pelos
portugueses derivam, em boa medida, das motivações econômicas e
religiosas da expansão marítima. Ainda no século XVII, a palavra guiné
era utilizada como alusiva aos habitantes da costa ocidental. Durante o
período de reconhecimento da costa africana e com o desenvolvimento
do tráfico de escravos, outras designações começaram a aparecer, para
diferenciar os muitos povos que passaram a ter contato com os
europeus.
As designações dos grupos escravizados são bastante complexas
e dependem da época, de onde e de quem fala. Os documentos que
trazem referências a estes povos muitas vezes dão mais informações
sobre os que dominavam o comércio escravista do que sobre os
escravizados. Deve-se levar em conta, inclusive, que, dependendo da

59
Cf. SOARES (2000).
33

época, um povo era o traficante e o outro, o escravizado; num outro


momento, poderia ser o contrário.
Foi o caso, entre outros, da região em torno do Benin, onde se
localizava o antigo reino de Ifé, também em decadência antes da
chegada dos portugueses. No século XVII, quando aumentou o tráfico
para esta área, o reino de Ardra, localizado no litoral (tendo como
principal escoadouro o porto de Ajudá), dominava o comércio negreiro.
Na segunda metade do XVII, a expansão do reino do Daomé, que se
intensifica no XVIII, fez com que os Ardra passassem de comerciantes a
escravizados. Assim como estes, outros casos puderam ser
identificados60.
A região da Costa da Mina, de onde proveio o segundo maior
contingente de escravos para o Brasil, era habitada por numerosos
grupos de língua e etnias variadas. Em torno do Castelo de São Jorge,
por exemplo, havia, no início do século XVII, oito grande reinos –
Iukassa, Ante (Ashante), Kommenda, Fetu, Asebu, Fante, Agona e Accra
– e mais outros, que estabeleciam relações com os maiores. O
crescimento do comércio e o aparecimento de um grande número de
intermediários dificultam um entendimento claro da procedência dos
escravos. Deve-se levar em conta, inclusive, a grande afluência de
outros reinos europeus para a Costa da Mina, região de muito interesse
por sua minas de ouro e pelos escravos. Em 1637, os holandeses
tomaram dos portugueses o Castelo de São Jorge. Posteriormente,
ingleses, franceses, dinamarqueses e brandeburgueses foram ali criar
castelos e fortificações.
É necessário destacar a presença constante de grupos
islamizados entre os habitantes da Costa da Mina e sua vizinhança. A
expansão muçulmana, presente desde antes dos descobrimentos
portugueses naquela parte da África, fez com que muitos dos escravos
trazidos ao Brasil fossem maometanos, entre eles os malinke,
chamados, na Bahia, de mandingo. Mas foi principalmente no início do

60
Cf. KI-ZERBO (1972); SOARES (2000).
34

século XIX, quando se iniciou uma jihãd, a guerra santa islâmica, em


particular na região da atual Nigéria, que se produziu entrada
significativa de escravos muçulmanos no Brasil, mais acentuadamente
na Bahia61.
As designações dos grupos étnicos indicavam ora a procedência
do porto de embarque ou da região genérica de onde eram provenientes,
ora um grupo identificado dentro do Brasil, com características, aos
olhos dos colonos, semelhantes, ora, ainda, a forma pela qual se
autonomeavam.
Foi o caso, por exemplo, dos pretos minas62, assim denominados
os que provinham da Costa da Mina e de seus arredores, mas que
agregavam uma enormidade de povos, entre eles os de língua ewe
(chamados jejes, na Bahia), iorubá (oriundos do Reino de Ifé) e fon 63.
Em um documento inquisitorial da Bahia, de fins do século XVI,
referiam-se a Bastião, negro da guiné, Antônio Ardra, Antônio Molec,
Pedro Angico, Rodrigo Angola, Joane Angico, Duarte Angola, Cristóvão
Angola, todos negros da guiné, diferenciando-os de Francisco da Terra e
Manuel da Terra, escravos índios64.
No final do século XVII, eram holandeses e ingleses os que
dominavam, na Costa da Mina, o tráfico de escravos para a América. Os
holandeses permitiram que portugueses fizessem o comércio de
escravos, sob certas condições, em quatro portos: Grande Popo, Uidá,
Jaquim e Apá, situados ao longo da costa do Doamé, todos vinculados
ao Castelo de São Jorge, sob domínio holandês. A exigência dos
holandeses era a de que somente tabaco poderia ser trocado por
escravos nestes portos, deixando para eles uma taxa de 10%, o que
permitia certa exclusividade aos comerciantes da Bahia, principal área
de tabaco do Brasil, e excluía do comércio negreiro os negociantes de
Portugal e os de outras áreas do Brasil65.

61
Cf. REIS (1985, 2003).
62
Cf. SOARES (1998).
63
Cf. REIS (2003).
64
Cf. FARIA (2000).
65
Cf. VERGER (1987).
35

Foi comum a designação nagô ao grande contingente escravo


existente na Bahia a partir do século XVIII, quando houve entrada
maciça de escravos de língua ewe, denominado jeje, e de língua ioruba,
genericamente indicado nagô, todos traficados pelo reino do Daomé,
que se consolidou, nas primeiras décadas do século XVIII, baseado no
comércio de escravos. Nagô é, portanto, um termo genérico, que
abrange várias etnias, talvez oriundo da designação que os daomeanos
(de língua ewe) davam aos povos de língua ioruba. Os indicados como
nagôs, em alguns documentos de época referiam-se a si próprios como
nagôs, mas acompanhado do nome da cidade de onde vieram. Assim,
utilizaram expressões como nagô-bá (da cidade de Egba), nagô-jebu (de
Ijebu), nagô-gexá (Ijexá). Já ioruba é expressão que só se generalizou no
século XIX66.
A partir de 1500, quando toda a costa africana já era conhecida,
as divisões da Guiné foram definidas em duas grandes unidades
territoriais: a costa ocidental – destacando-se a Costa da Mina, os
arquipélagos de Cabo Verde e o Reino do Benin – e o que conhecemos
hoje como costa centro-ocidental – incluindo Congo e Angola.
Assim como na Costa da Mina, as regiões do Congo e de Angola
também incluíam grupos étnicos variados, a maioria deles também
incorporados ao tráfico. Do Congo vieram os grupos congo, muxicongo,
loango, cabinda, monjolo; de Angola, os cassange, loanda, rebolo,
cabundá, quissamã, embaça, benguela, etc. Também entre eles
oscilaram os traficantes e os escravizados, predominando, neste caso, a
identificação do escravo pelo porto de embarque ou pela área de
procedência.
Durante o século XVII, foi do Congo o principal contingente de
escravos transferidos para o Brasil. No período posterior, predominaram
os de Angola. Escravos oriundos da costa oriental, principalmente de
Moçambique (também bantos), só tiveram certa representatividade no
tráfico a partir do início do século XIX. É muito difícil, portanto,

66
Cf. OLIVEIRA (1988).
36

precisar a procedência ou a etnia dos escravos enviados ao tráfico pela


alternância de poder político nas várias regiões da África.
É importante ressaltar que as indicações mais precisas sobre os
troncos lingüísticos dos povos da África só depois de terminado o tráfico
africano foram objeto de estudos. Segundo Robert Slenes67, foi a partir
de observações de viajantes estrangeiros sobre o Brasil, entre eles
Johann Moritz Rugendas (que publicou desenhos de tipos de negros por
volta de 1828/29, na Europa, e transmitiu seus apontamentos a alguns
cientistas), que os estudiosos puderam comprovar a existência de uma
unidade lingüística entre os povos da África Central e Austral, criando
uma nova família de línguas, batizada com o nome de banto, na década
de 1860.
Para Rugendas, a observação das várias tribos da África estaria
muito facilitada no Brasil, em particular no Rio de Janeiro, por estarem
todas lá, em sua grande variedade. A observação seria melhor do que na
África, onde somente com longas e perigosas viagens poderiam obter
informações sobre os variados povos. Assim, entendem-se os motivos
que fizeram com que o grupo mais importante trazido para o Brasil, os
congo-angolanos, apesar de fazerem parte de um mesmo tronco
lingüístico – o banto – fossem designados por seus portos de embarque
ou por grandes áreas de captação de escravos.
Foi constante a transferência para o Brasil de rivalidades
étnicas originárias da África. Negros de diferentes reinos mantiveram
suas guerras na condição de escravos e, segundo alguns estudos,
muitas vezes aproveitadas pelos senhores para evitar solidariedades que
resultassem em revoltas coletivas. Tradicionalmente, a historiografia
registrou que as tensões mais freqüentes se davam entre escravos
congo-angolanos e os minas ou entre crioulos (escravos nascidos no
Brasil) e os nascidos na África. Outros estudos ressaltam, ao contrário,
as muitas identidades criadas a partir da vida como escravo. O assunto
será retomado adiante, com mais destaque.

67
Cf. SLENES (1991-1992).
37

Há indicações de que, pelo menos entre os escravos da região


congo-angolana, a comunicação e a solidariedade começavam inclusive
antes da travessia para a América, ainda nos caminhos internos da
África, em direção ao porto de embarque, pois falavam línguas
inteligíveis entre si68. O termo malungo seria, para Slenes, um emblema
da criação destas identidades. Significando, em diversas línguas da
África centro-ocidental, meu barco ou camarada de embarcação,
adquiriu o sentido de companheiro de sofrimento, no Brasil, pela
travessia do Atlântico, ou seja, companheiro da travessia da vida para a
morte branca69. Um dicionário português de 1779 já registrava a palavra
sendo usada com o significado de: Malungo, meu malungo (...) chama o
preto a outro cativo que veio com ele [da África] na mesma embarcação 70.
Muitos termos foram recriados no cativeiro, dando condições
para que pessoas, mesmo de diferentes etnias, formassem identidades
sociais importantes para a sobrevivência e para a construção de
solidariedades no mundo da escravidão.
As designações dos grupos africanos escravizados variaram,
portanto, conforme a época e os autores dos discursos. Desta forma,
precisar com segurança as origens e as identidades étnicas dos
africanos, que chegaram em grandes levas ao Brasil, é extremamente
difícil. Só se pode, nestes casos, tecer algumas conjecturas e aventar
hipóteses, algumas embasadas em fontes que as tornam bastante
prováveis.
Em resumo, em termos bem genéricos e utilizando o vocabulário
presente da historiografia, os maiores contingentes de escravos que se
dirigiram ao Brasil foram originários:
a) da costa ocidental – denominados guiné (séculos XVI e XVII),
mina (XVIII), nagô (XVIII e XIX) e ioruba (XIX);
b) da África centro-ocidental – região congo-angolana (séculos
XVI ao XIX); c) da costa oriental – Moçambique (XIX), os dois
últimos bantos.

68
Cf. Idem.
69
Idem.
70
SILVA (1813).
38

Foi no decorrer do século XIX, no contexto dos esforços para se


abolirem o tráfico negreiro e a própria escravidão, que começou a
aparecer o termo africano, para indicar escravos procedentes da África.
Antes, em nenhum documento assim haviam sido qualificados. A
variedade étnica anterior e a cessação definitiva do tráfico, em 1850,
transformaram congo, angola, cabinda, mina, nagô, ioruba, accra,
monjolo, entre inúmeros outros, em africanos. Deve-se ter em mente,
portanto, que o africano é uma construção de observadores de fora, pois
os próprios africanos, mesmo na segunda metade do século XIX, ainda
se identificavam por sua origem. Mas eram numericamente cada vez
mais reduzidos. A crioulização dos escravos foi-se processando
paulatinamente. A abolição, em 1888, libertou primordialmente
crioulos. Obviamente, esta transformação foi acompanhada também da
criação de uma comunidade escrava, com certa identidade, que
diferenciava os nascidos no Brasil dos que vieram de fora.
Dentro do quadro exposto, fica bastante clara a dificuldade de
tratar genericamente das práticas cotidianas de grupos tão variados,
ancorados que estavam em origens culturais diversas.
39

Capítulo II – Origem étnica e identidade

2.1 - Identidade escrava e herança africana

Um debate historiográfico relativamente recente discutiu quanto


das culturas africanas estaria presente no cotidiano dos homens e das
mulheres da África, tornados escravos em outras regiões. Para uma
historiografia mais tradicional71, seu processo de ocidentalização e
cristianização teria sido um sucesso absoluto. Pouco das culturas
africanas estaria presente na vida dos escravos e menos ainda teria
contribuído para a constituição mais geral da cultura e da sociedade
brasileiras, a não ser resquícios, aqui e ali, nas expressões, na comida e
em aspectos culturais considerados supérfluos. No mais, teria imperado
a cultura do branco, algumas vezes corrompida pela influência negativa
do negro em si, por trazer de sua origem costumes incivilizados ou
bárbaros (inferiores que eram em relação aos brancos), ou do negro
enquanto escravo (ou seja, os homens vindos da África, ao serem
submetidos ao regime escravista, teriam perdido as qualidades que
porventura tivessem em suas culturas de origem).
Pode-se considerar que, hoje, há um certo consenso
historiográfico não só sobre a permanência de costumes e práticas
africanas entre os escravos, como também sobre o fato de que a
sociedade brasileira de hoje é inexoravelmente tributária desta herança.
A maior divergência encontra-se, sem dúvida, na questão de se a vida
cotidiana e as formas de adaptação ou resistência ao cativeiro criaram
comunidades com identidades e solidariedades próprias, apesar da
multiplicidade étnica existente, ou se as rivalidades foram tão
preponderantes que provocaram a dissensão, impedindo a formação de
alianças que lhes dessem maior força no embate com os senhores.
Para os autores Manolo Florentino e José Roberto Góes, a
entrada constante de novos africanos de diferentes origens étnicas, pelo
tráfico, teria provocado muito mais a dissensão do que a unidade entre

71
Cf. VARNHAGEN (1981); PRADO (1971).
40

eles. As rivalidades históricas entre os diversos povos africanos, ainda


em suas terras de origem, teriam impedido que, com facilidade,
pudessem criar solidariedades que resultassem na formação de uma
comunidade ou na organização mais efetiva contra os senhores, mesmo
vivendo todos sob as mesmas condições de cativeiro. Segundo os
autores,

(...) é provável até que o cativeiro muito contribuísse para exasperar


as diferenças que os constituíam, em mais de um sentido. Por que
não? A escravidão, afinal, não devia ser um meio muito propício ao
acalanto de sentimentos mais tolerantes.A verdade é que um plantel
não era, em princípio, a tradução de um nós. Reunião forçada e
penosa de singularidades e de dessemelhanças, é como melhor se
poderia caracterizá-lo 72.

Baseados nesta idéia, haveria, portanto, segundo eles, um


ganho político por parte dos senhores, ao misturarem os escravos de
maneira consciente e mantê-los em estado de guerra, posto que, então,
dificilmente se uniriam contra eles. Por outro lado, porém, a
permanência do estado de guerra impossibilitaria o trabalho regular e
sistemático. Daí que a formação de famílias e de parentelas, estimulada
pelos senhores ou por escolha dos próprios escravos, não importa, teria
agido no sentido de instituir a paz das senzalas, minimizando os
conflitos. Mas as famílias seriam constituídas majoritariamente por
pessoas das mesmas origens étnicas, o que se comprova pela grande
maioria de casamentos endogâmicos, registrados por inúmeros
trabalhos historiográficos, o que conferia, agora, não mais ao indivíduo,
mas às parentelas, rivalidades de grupo.
Com o tempo, num processo de crioulização, estas diferenças
poderiam desaparecer e a paz entre os escravos estaria assegurada,
pondo em risco a segurança dos senhores. Para que a paz não fosse
completa, entretanto, seria necessário que se mantivesse freqüente a
entrada de estrangeiros. Da busca do equilíbrio entre esta entrada no
seio das escravarias – a guerra – e a criação de laços de parentesco – a

72
FLORENTINO & GÓES (1997, p. 35).
41

paz – dependeria o bom andamento do sistema. Os ganhos eram


auferidos tanto pelos senhores, pois os escravos se manteriam
ocupados em suas divergências internas e não se mobilizariam contra a
casa-grande, quanto pelos escravos, que poderiam reconstruir, mesmo
que de maneira precária, laços afetivos e solidariedades necessárias à
sobrevivência.
Hebe Mattos introduz na discussão uma outra questão, pois
considera que a influência da cultura ocidental e branca dominante
teve entrada expressiva no universo cultural dos escravos,
principalmente entre africanos ladinos e crioulos, dando-lhes maiores
chances do que aos recém-chegados de se diferenciarem do resto da
escravaria. Para a autora, apesar da possibilidade de superação das
diferenças étnicas, as rivalidades nas disputas de recursos fariam com
que os escravos que conseguissem ganhos materiais pudessem viver
materialmente de maneira próxima dos livres pobres, ao mesmo tempo
em que lhes facilitaria a alforria, objetivo de todo escravo.
Desta forma, haveria mais dissensão e enfraquecimento dos
laços de solidariedade entre os escravos do que coesão, com muitos
deles distanciando-se de seus pares, através de estratégias emprestadas
pelos costumes brancos e com interesse na mobilidade social. Como
conseqüência, os escravos que ganhassem certos recursos não
reconheceriam os demais como parceiros. Não haveria, portanto, uma
comunidade escrava, já que um grande nível de conflito entre eles seria
a regra e hierarquias sociais se formariam dentro das senzalas, com
alguns ocupando posições mais proeminentes do que outros.
Quando se aboliu o tráfico atlântico, em 1850, reforçaram-se as
solidariedades horizontais dos escravos, principalmente porque se
agruparam nas grandes escravarias, tornando-as cada vez mais
crioulas e, portanto, mais capazes de criar laços entre si.
No decorrer da segunda metade do século XIX, pequenos e
médios proprietários tenderam a vender seus escravos para os mais
enriquecidos. Mas, mesmo assim, para Mattos não houve a criação de
42

uma comunidade escrava, porque o princípio que nutria a escravidão


brasileira continuava o mesmo – tráfico e escravidão.
Se, antes de 1850, o comércio era atlântico e escravizava
pessoas nascidas livres, depois passou a ser interno e comercializava
muitos que já nasceram escravos. O tráfico inter e intraprovincial
provocava o mesmo efeito do outro – produzia estrangeiros no seio das
escravarias. Os mais antigos continuavam a deter as melhores
condições para se distinguirem, como o acesso a uma roça própria, à
família e ao movimento. Em suas palavras,

(...) o que procuro demonstrar é que a gestação de relações


comunitárias entre os escravos, no Brasil, significou mais uma
aproximação com uma determinada visão de liberdade que lhes era
próxima e que podia, pelo menos em teoria, ser atingida através da
alforria, do que a formação de uma identidade étnica a partir da
experiência do cativeiro. A família e a comunidade escrava não se
afirmavam como matrizes de uma identidade negra alternativa ao
cativeiro, mas em paralelo com a liberdade73.

Analisando discursos de escravos em processos criminais, Hebe


Mattos traça uma interessante distinção entre a forma com que as
autoridades se referiam aos cativos, identificando-os como parceiros
(identidade construída, segundo a autora, de fora para dentro), e as
palavras dos próprios escravos, em que não havia, necessariamente,
esta identificação. Parceiros eram alguns, não todos. E, por sua vez,
alguns eram referidos como pretos pelos próprios escravos, numa clara
distinção seus efetivos parceiros, num sentido de desindividualização,
nunca sendo positivamente referido como uma possível identidade
étnica.
A possibilidade de existência de uma comunidade escrava
estava, por conseguinte, na visão senhorial. As diferenças internas
entre escravos impediam que somente a experiência do cativeiro lhes
conferisse unidade. Por outro lado, os senhores muitas vezes se
utilizaram destas diferenças para obter ganhos. A autora concorda,

73
MATTOS (1998, p. 127).
43

entretanto, que havia certas condições que propiciavam maior coesão


dentro das escravarias.
Uma delas diria respeito a momentos de tensão, em que
escravos se uniriam e se tornariam parceiros em torno de um ponto
comum:

Os momentos de tensão e rebeldia coletiva tendiam a ressignificar a


noção de parceiro (e os elementos de homogeneidade) na experiência
dos cativos. O cotidiano no cativeiro tendia, entretanto, a valorizar a
construção de identidades sociais outras, que não aquelas impostas
pela condição cativa74.

Outra, seria o tempo de vida de unidades com grandes


escravarias, que teria dado condições para o aparecimento de
identidades comunitárias, mas estas se fariam de maneira hierárquica,
pois diferenciações internas excluíam ou incluíam certos membros. A
entrada freqüente de novos estrangeiros, fossem da África ou do próprio
Brasil, mesmo em pequeno número, tornava-os estranhos à
comunidade já constituída, gerando certa tensão.
A regra, no entando, era a formação de novas unidades
produtoras, que tinham o perfil mais visível do cativeiro:
majoritariamente masculino, violento e celibatário. Desta forma, Mattos
concorda com Florentino e Góes, embora não use a expressão estado de
guerra.
Contrapondo-se a estes autores, Robert Slenes afirma que as
discussões sobre o grau de autonomia da cultura escrava e a relação
desta autonomia, ou não, com a família escrava ainda estão ensaiando
os primeiros passos no Brasil, embora sejam já antigas na historiografia
norte-americana. No caso do Brasil, discorda da existência de um
estado de guerra inerente aos escravos de origem africana, pelo menos
para o Sudeste, na primeira metade do século XIX. Sendo a grande
maioria da mesma origem lingüística e com elementos culturais e visões
cosmológicas semelhantes, puderam criar identidades e afinidades que

74
Idem, ibidem, p. 135.
44

lhes permitiram formar comunidades escravas, constituindo-se numa


ameaça ao sistema escravista75.
A formação de laços de parentesco, comum entre eles e com
freqüência (embora não majoritariamente) realizada entre pessoas de
origens étnicas diferentes, unia os envolvidos e os opunham aos
senhores. Para o autor, tanto formando famílias quanto sofrendo a
mesma disciplina nas fazendas, os africanos, enquanto escravos, teriam
forjado mais sociabilidade e solidariedade do que dissensão76.
Em relação à abordagem de Mattos, Slenes sugere que a autora,
assim como ele, em trabalhos anteriores, não levaram em consideração
o tempo necessário para se criarem os laços de parentesco e
dependência, ao mesmo tempo em que a predominância de africanos e
o fato de a maior parte dos crioulos serem filhos de africanos, no
Sudeste, na primeira metade do século XIX, fariam com que as
diferenças entre estrangeiros africanos, africanos ladinos e crioulos não
fossem muito claras ou evidentes. Em resumo, para Slenes,

(...) estou mais disposto a argumentar que os escravos no Sudeste


teriam construído uma variante daquela consciência dupla – a
capacidade de circular ladinamente entre tradições culturais e
estratégias identitárias diferentes (...)77.

Certamente que as rivalidades étnicas originadas na África


foram importantes para as escolhas dos modos de vida dos escravos e
para a constituição, aqui no Brasil, de solidariedades ou dissensões
entre si. Os casos citados por estes e por outros autores comprovam as
rivalidades. O mais famoso e significativo, pois envolve um grupo
expressivo de cativos é, sem dúvida, a carta enviada por escravos
fugidos do engenho Santana, em 1789, na Bahia78. O grupo de mais de
cinqüenta pessoas era liderado pelo escravo crioulo Gregório Luiz.
Aceitaram voltar ao trabalho sob algumas condições, entre elas:

75
Cf. SLENES (1999).
76
Cf. Idem.
77
Idem, ibidem, p. 53.
78
O documento foi encontrado por Stuart Schwartz.
45

Não nos há de obrigar a fazer camboas 79, nem a mariscar, e quando


quiser fazer camboas e mariscar mande os seus pretos minas. Para o
seu sustento tenha lancha de pescaria ou canoas de alto, e quando
quiser comer mariscos mande os seus pretos minas.80.

Esta citação é considerada por muitos prova cabal de que havia


uma rivalidade intrínseca entre crioulos e africanos. Mas há, realmente,
outros indícios. Escravos crioulos do engenho do Tanque, no Recôncavo
Baiano, em 1828, lutaram ao lado dos senhores contra uma revolta de
africanos81.
O levante dos malês, explorado por João José Reis 82, é também
um bom exemplo. Desde o final do século XVIII, a Bahia recebeu grande
contingente de escravos, vindos da região do golfo de Benin, sudoeste
da atual Nigéria, composto por variados povos, resultado das lutas
étnicas e políticas relacionadas com a expansão do islã na região. Para
Reis, foi a presença de africanos de origens étnicas comuns que
permitiu a formação de uma cultura escrava mais independente e que
gerou grande número de revoltas na primeira metade do século XIX, a
dos malês, já referida, a mais importante, ocorrida em 1835.
Para o autor, os senhores, na Bahia, tiveram sucesso ao cooptar
os crioulos para enfrentar os africanos, já que eles estariam entre dois
fogos: de um lado, tinham consciência de que a vitória dos africanos
não representaria o mesmo para eles; por outro, estavam por demais
familiarizados com a vida que tinham, sob o domínio dos senhores,
para arriscar se colocarem sob as ordens de africanos. Esta
argumentação tem sentido, quando o autor constata a quase ausência
de crioulos entre os participantes das revoltas baianas. Apesar de, na
literatura sobre revoltas escravas na América, ter-se demonstrado que

79
Camboa, segundo o dicionário de Moraes Silva, significa: Lago, ou estreito à beira-mar, com porta por
onde entra o peixe com a maré, e fica seco na vasante ( SILVA, 1813).
80
REIS & SILVA (1989, p. 123).
81
Citado por REIS (1989, p. 105).
82
Cf. Idem, ibidem (1985, 1989).
46

foram escravos crioulos os principais rebeldes e líderes de rebeliões em


outras áreas coloniais83, na Bahia eles estavam ausentes.
João Reis sugere que isto se devia ao fato da expressiva
presença numérica dos africanos na cidade de Salvador, da Bahia, onde
63% dos escravos eram nascidos na África e, na população livre e
escrava, como um todo, representavam 33%. E conclui que a presença
de muitos africanos inibia politicamente os crioulos e os persuadia a
comprometerem-se com as classes livres ou senhoriais 84. Teria sido a
rivalidade entre crioulos e africanos que comprometeu a rebelião
baiana.
É óbvio que somente o número maior ou menor de africanos ou
crioulos não pode ser responsável por certas atitudes ou escolhas dos
escravos. Outros componentes devem estar presentes. Ao se referirem à
afirmação de alguns estudiosos sobre as maiores condições das
mulheres escravas para escolherem seus parceiros, por serem em bem
menor número do que os homens, acertadamente Florentino e Góes
argumentaram que minoritárias entre a escravaria, há quem suponha
que as mulheres estivessem em condições privilegiadas na escolha do
parceiro, como se o acasalamento entre os cativos fosse um mero
problema matemático85. Acredito que também a opção de crioulos de se
alinharem ao lado dos senhores ou, pelo menos, de não apoiarem
rebeliões lideradas por africanos, não pode ser explicada por uma
questão matemática.
Tanto João Reis quanto Hebe Mattos partem do pressuposto de
que crioulos estavam mais predispostos a conseguir a alforria do que os
africanos. Para Mattos, crioulos e africanos ladinos teriam mais
chances de viver como livres e adquirir ganhos materiais e de
movimento que dificilmente poderiam colocar em risco.

83
Era o caso da resistência escrava na Virgínia, estudada por Gerald Mullin, da revolução escrava do
Haiti, da conspiração de Gabriel Prosser, em Richmond, em 1808, e da rebelião jamaicana de 1831, todas
com liderança e participação expressiva de crioulos. Cf. Idem (1989, p. 103).
84
Idem, ibidem, p. 103.
85
FLORENTINO & GÓES (1997, p. 154-5).
47

Quase toda a historiografia, a começar pelos trabalhos de


Gilberto Freyre, acredita que era entre crioulos que se escolhiam os
escravos domésticos, estando eles em contato diário com seus senhores,
situação que poderia resultar em certas relações até mesmo sexuais,
que, de uma forma ou de outra, os ligaria sentimentalmente ao mundo
livre. Obviamente que tudo são conjecturas, mas conjecturas passíveis
de transformar crioulos em pessoas mais cooptáveis do que africanos.
Tenho convicção de serem reais as diferenças de identidade
entre crioulos e africanos, principalmente porque, em termos pontuais,
se encontram transcrições, em vários trabalhos historiográficos, de
documentos em que se relatam disputas ou intolerância entre uns e
outros. Mas, por outro, encontram-se também evidências de que as
relações parentais e conjunturais interétnicas foram muito freqüentes,
inclusive entre nascidos na África e no Brasil.
Na verdade, estamos diante de dois questionamentos: qual o
grau de aculturação existente entre escravos origem africana e seus
descendentes? É possível considerar o escravo, enquanto grupo, uma
classe social?
Já são antigas as indagações sobre as interações culturais no
Brasil, menos entre índios e brancos, e muito mais nas relações entre
brancos (ocidentais e católicos) e africanos.
Uma das mais tradicionais interpretações é a de Nina Rodrigues
que, para explicar as interações, usou o conceito de sincretismo, que
significava a preservação de crenças africanas sob o formato católico,
ou seja, os negros teriam mantido suas divindades sob as imagens de
santos católicos86.
O sincretismo, sob esta interpretação um tanto mecanicista, já
se encontra bem criticado. Artur Ramos, em contrapartida, introduziu o
conceito de aculturação, que pressuporia três resultados: aceitação,
adaptação e reação, sendo que, no Brasil, os dois primeiros foram os

86
Cf. RODRIGUES (1977).
48

mais comuns87. Roger Bastide discordou do sentido de sincretismo


apresentado por Nina Rodrigues e definiu-o de maneira mais maleável,
próximo do sentido de adaptação de Ramos. Rejeitou o termo
aculturação, por ver nele ausência das relações de dominação,
presentes no contato cultural da colônia brasileira88. Bastide,
entretanto, viu diferenças no procedimento de nagôs e bantos.
Enquanto os primeiros preservaram suas matrizes culturais, os
segundos sucumbiram totalmente ao sincretismo frente à dominação do
catolicismo.
Resgatada há algum tempo a evidência de que os nagôs
mantiveram sua herança cultural, hoje se questiona se realmente os
banto perderam suas bases culturais, enquanto escravos. Acertada,
porém, é a consideração de Márcio Soares:

Mas daí a se pensar que o catolicismo foi uma espécie de rolo


compressor sobre as crenças africanas é, no limite, considerar
os negros como presas inertes de forças históricas externas e
determinantes e negar sua condição de agentes culturais
capazes de desempenhar, em larga medida, um papel ativo
fundamental de sua própria história e identidades culturais no
interior de um sistema normativo que lhes oprimia; dominação
política e cultural não são necessariamente sinônimo de
aniquilação do outro89.

É com base neste ponto de vista que muitas pesquisas


procuram desvendar o universo dos grupos bantos, presente no
cotidiano dos escravos do Sudeste do Brasil. Para tanto, foi necessário
que novas e mais pesquisas sobre a África fossem realizadas, de modo
que se procedesse a comparações.
Mary Karasch90 tentou analisar alguns aspectos da cultura da
população banto do Rio de Janeiro, tendo como referência os estudos
sobre a África. Segundo ela, Willy de Craemer, Jan Vansina e Renée Fox
consideram que, apesar das diferenças entre os diversos povos da

87
Cf. RAMOS (1979).
88
Cf. BASTIDE (1972).
89
Cf. SOARES (1999).
49

região centro-ocidental africana, havia um referencial tradicional a


todas elas, designado como complexo ventura-desventura91. Na
cosmologia centro-africana, o estado natural era de ventura, que seria a
saúde, a fecundidade, a segurança física, a harmonia, o poder, o status
e a riqueza. Mas também existiam forças malévolas, que faziam mal ao
indivíduo e à coletividade, e o mal poderia ser causado por estas forças
ou por indivíduos que, inconsciente ou intencionalmente, utilizavam
certos expedientes para as atrair e gerar a desventura.
Havia um Ser Supremo, o Criador, denominado Zambi, Kalunga,
Lessa, Mvidie – dependendo da língua – que deu vida a tudo e que reina
com benevolência sobre o universo e os homens. Segundo Kabengele
Munanga, é uma divindade longínqua, que se distanciou do mundo e o
deixou entregue a seus filhos divinizados – os ancestrais fundadores de
linhagens. Os espíritos ancestrais são os que fazem o elo entre os
homens e o Deus único, e os cultos coletivos lhes são reservados.
Depois dos espíritos dos ancestrais, estão os defuntos. Para Munanga,
trata-se de uma cosmologia antropocêntrica e hierarquizada, pois o
mundo seria um conjunto de forças, organizado por uma relação de
energia ou poder vital.

Essa energia ou força vital, cuja fonte é o próprio deus criador, é


distribuída em ordem decrescente aos ancestrais e defuntos que
fazem parte do mundo divino; em seguida ao mundo dos vivos, numa
relação hierárquica, começando pelos reis, chefes de aldeia, de
linhagem, pais e filhos; e finalmente o mundo animal, vegetal e
mineral. (...) A força vital explica a existência da vida, da doença e da
morte, do sofrimento, da depressão ou fadiga, de qualquer injustiça
ou fracasso, da felicidade, da riqueza, da pobreza, da miséria, etc.
Tudo que é positivo à vida e à felicidade humana é interpretado como
o crescimento da força vital; tudo que é considerado como privação,
sofrimento e até a perda da própria vida é interpretado como
diminuição desta força vital. Os outros seres da natureza criados por
deus e colocados ao serviço do homem possuem, também, sm um
grau menor, essa energia ou força vital. Entre os baluba, um dos
ramos importantes das civilizações banto, a palavra ‘morrer’, que é
uma privação ao extremo da força vital, é aplicada a tudo que existe
na natureza. Se quebrar um copo, um vidro, um carro, uma pedra, se

90
Cf. KARASH (1979).
91
Cf. DE CRAEMER & VANSINA & FOX (1976).
50

cair uma árvore, etc. eles dizem que ‘morreu’, mesma palavra
utilizada para os homens e os animais .92

O mundo das forças se mantém como uma teia de aranha, da


qual não se pode fazer vibrar um único fio sem sacudir todas as
malhas93. Todas as pessoas são colocadas dentro desta relação de
forças vitais, e há forças mais desenvolvidas, que podem influenciar sua
vida, no bom o no mau sentido. O culto dos ancestrais representaria a
busca da conservação e do crescimento constante da energia vital, fonte
da felicidade.
Entre os bakongo, um dos grupos étnicos banto, Nzambi
Ampungu era a divindade suprema. O mundo dos espíritos era
composto em primeiro lugar pelos bankita, ancestrais da época da
criação, seguido dos bakulu, membros falecidos do clã ao qual se
pertencia, que estavam em comunicação com os vivos, principalmente
por meio dos anciãos, mais próximos deles. Havia também os espíritos
da água, da terra, da floresta, conhecidos como ba-simbi. Os
procedimentos deveriam orientar-se para influenciar estas forças. O
nkisi era o meio pelo qual os vivos poderiam controlar os espíritos.
Segundo Márcio Soares, os missionários cristãos confundiram
estes objetos sagrados com divindades secundárias, todavia o nkisi
nada mais era do que um artefato que continha um espírito controlado
por um homem94. Era, portanto, uma forma individual de culto, mas
havia ídolos sujeitos ao culto coletivo, que necessitavam de sacerdotes e
estavam em santuários às vezes afastados das aldeias. Para Mary
Karasch, o culto coletivo não foi registrado entre os escravos no Rio de
Janeiro da primeira metade do século XIX95.
Vários estudos admitem que não era possível recriar, na
diáspora, os padrões religiosos da mesma forma como eram pensados
ou realizados em sua região de origem. O argumento que apresentam,

92
MUNANGA (1995/96, p. 62).
93
Idem, ibidem, p. 63.
94
Cf. SOARES (1999).
95
Cf. KARASCH (2000).
51

entretanto, é que o desenraizamento e a convivência com etnias


diferentes, que se viram forçados a aceitar, fizeram com que, a partir da
vida como escravos, pudessem perceber valores culturais semelhantes,
que agiam no sentido de reconstruir algumas identidades culturais,
forjadas na experiência do cativeiro, que os autores tentam, hoje,
desvendar.
Robert Slenes propõe que, por terem uma mesma origem
lingüística, as identidades entre os diversos grupos bantos trazidos para
o Brasil começavam até mesmo na própria África, no percurso que ia
desde a captura e a transformação do negro em prisioneiro, passando
pelos caminhos terrestres até o porto de embarque e terminando com a
chegada ao porto brasileiro e ao domicílio do proprietário. Desta forma,
um longo caminho já havia sido percorrido antes da transformação de
um negro em escravo, criando solidariedades e identidades próprias e,
como escravos, criavam outras.
O historiador sugere, por exemplo, que o termo malungo, tendo
o duplo significado de companheiro (ou companheiro de sofrimento) e de
barco/canoa, em várias línguas dos habitantes da África central, aqui
no Brasil adquiriu um sentido ainda mais amplo – significava os que
foram companheiros na travessia da kalunga (linha divisória,
representada pelas águas do rio ou do mar, que separava o mundo dos
vivos do mundo dos mortos)96.
A teoria anterior sobre os grupos bantos, de que teriam sido
totalmente aculturados, ou seja, aceitado amplamente a religião católica
dominante, é bastante criticada. Mary Karasch, baseada em estudos de
africanistas, sugere que, entre os bantos, era comum a formação de
novos grupos religiosos, além da aceitação de novos rituais, símbolos,
crenças e mitos97. Desta forma, não seria abandonar sua religiosidade a
aceitação de santos católicos. Como ocorria na África, adotavam um
ídolo novo.

96
Cf. SLENES (1991-92).
97
KARASCH (2000, p. 355).
52

Para John Thornton, é necessário que haja pontos comuns


entre as crenças, para que elas interajam, e foi o que ocorreu entre o
catolicismo e as religiões banto. Por ponto comum, o autor não está
querendo dizer que havia semelhanças estruturais entre as crenças,
mas que havia mediações passíveis de os africanos reinterpretarem
elementos cristãos de acordo com sua concepção cosmológica98. Para
ele, a base comum entre as duas crenças era a existência de um mundo
incorpóreo, cujos habitantes poderiam interferir no mundo dos vivos,
alterando-lhe o curso da vida coletiva ou pessoal de maneira favorável
ou nefasta.
A utilização de símbolos e rituais católicos por africanos deve
ser considerada em termos polissêmicos, pois pessoas podem utilizar os
mesmos símbolos ou ritos e imprimir-lhes significados totalmente
diferentes, ou pretender outros objetivos. Márcio Soares, partidário
desta concepção, afirma que

Ao insistir na atenção que deve ser devotada à herança cultural


trazida pelos escravos para a compreensão da religiosidade negra no
Novo Mundo não significa de modo algum qualquer espécie de
obstinação de minha parte em identificar “sobrevivências” africanas
no Brasil, mas, antes, a percepção do importante papel
desempenhado por aquelas matrizes culturais como um referencial
imprescindível para uma melhor compreensão das vivências do
sagrado entre a população negra99.

Autores como Mary Karasch, Robert Slenes, Márcio Soares,


entre outros, analisaram as interações culturais dos próprios escravos
bantos e entre os bantos e o catolicismo, no Sudeste, no século XIX, de
forma a demonstrar que os padrões africanos foram reelaborados.
Robert Slenes, mais do que todos, acredita que as culturas africanas
estavam profundamente arraigadas na população negra, tanto que
sugere a formação, no Sudeste, de uma protonação banto100.

98
Cf. THORNTON (1992).
99
Cf. SOARES (1999).
100
Cf. SLENES (1991-92).
53

2.2 – Guerra e Paz entre escravos: debates historiográficos

Não cabe, aqui, discutir teoricamente o conceito de classe, mas


sim considerar o pressuposto de que, no escravismo brasileiro, existiu
uma divisão em classes sociais. João José Reis, concordando com o
sentido estrutural dado por Marx à definição de classe (posição comum
no interior das relações sociais de produção 101), afirma que, sem dúvida,
os escravos constituíam uma classe social, neste sentido mais lato. Em
termos políticos, entretanto, Reis admite que os escravos baianos não
parecem haver constituído uma classe clássica, porque como indivíduos
eram escravos, como coletividade pareciam ser outra coisa102. Baseia-se
o autor nas afirmações de Marx, de que os indivíduos separadamente
formam uma classe apenas na medida em que levam a cabo uma
batalha comum contra uma outra classe; do contrário, eles estão em
termos hostis uns com os outros como competidores 103.
Para o autor, horizontalmente, os escravos estavam divididos, e,
verticalmente, tinham relações diferentes com os senhores, dependendo
de serem eles africanos ou crioulos/pardos. Até mesmo em termos de
estrutura de trabalho ocupavam posições diferentes, porque os crioulos
tinham mais vantagens. Reis chega a afirmar que poderiam ser
considerados a parte privilegiada de uma classe, uma espécie de
aristocracia escrava104.
Por outro lado, se o autor constata a ausência de crioulos no
movimento de 1835, na Bahia (Revolta dos malês), percebe a
participação dos africanos libertos no levante, sugerindo uma
identidade entre estes e os africanos escravos. Segundo sua
argumentação, os libertos ocupavam as mesmas funções que os
escravos nas atividades urbanas, como carregadores de cadeira,
estivadores, artesãos, vendedores ambulantes, marinheiros, etc. 105. Além
do mais, tinham as mesmas relações sociais, ideológicas e culturais

101
Cf. WRIGHT (1979), apud REIS (1989, p. 104).
102
REIS (1989, p. 104).
103
Cf. MARX & ENGELS (1968), apud, REIS (1989, p. 104).
104
REIS (1989, p. 105).
54

com os brancos, fossem libertos ou escravos. Na realidade, João Reis


está tentando perceber uma solidariedade maior entre africanos,
libertos ou escravos, do que entre africanos e crioulos. Chega a sugerir
uma comunidade africana, como Slenes em relação à proto-nação banto.
Havia, entretanto, um fator complicador: a etnia dos africanos.
Considerou que

(...) escravos e libertos pertencentes ao mesmo grupo étnico se uniam


mais entre si do que o faziam escravos de grupos étnicos diferentes.
(...) Os africanos na Bahia parecem ter combatido mais como grupos
étnicos do que como membros de uma classe estruturalmente
definida. (...) Quer isso dizer que não houve rebeliões escravas e sim
africanas ou islâmicas na Bahia? 106.

Na Bahia, havia os cantos, ou seja, grupos de trabalho urbanos


e as juntas de alforria, ambos organizados por etnia. Mas, para Reis,
isto não significa dizer que os elementos deles participantes não
tivessem pontos comuns, sendo o principal a experiência escrava.
Assim, todos os africanos eram ou tinham sido escravos, e

(...) a experiência escrava, porém, marcou em profundidade o africano,


modificou sua forma de ver o mundo e a si próprio. Se a identidade
étnica de escravos e libertos nagôs, haussás jejes, etc. foi mantida, e
em muitos sentidos até exacerbada, o convívio sob a escravidão
destas diversas etnias transformou-os muitas vezes em cúmplices,
sugerindo uma identidade pan-africana embrionária107.

Desta forma, as rebeliões que marcaram a sociedade baiana da


primeira metade do século XIX foram escravas, mesmo que entre seus
elementos figurassem alforriados. O motivo é que os alforriados
passaram pela escravidão, trabalhavam nas mesmas atividades que os
escravos, moravam nas mesmas casas, partilhavam o mesmo cotidiano
religioso de seus conterrâneos e eram igualmente perseguidos e
discriminados, por serem estrangeiros.

105
Idem, p. 106.
106
Idem, ibidem, p. 107.
107
Idem, ibidem, p. 109.
55

Reis chega à conclusão de que as rebeliões que analisa,


principalmente a de 1835, foram ao mesmo tempo lutas de classe,
étnicas e religiosas. O interessante, no entanto, é que, enquanto João
Reis afirma ser a vida mais independente dos escravos no meio urbano
e a ausência de segregação residencial entre os grupos sociais os
motivos potenciais da revolta – principalmente porque aguçou a
percepção de privação dos africanos, especialmente dos libertos, se não
em termos materiais, pelo menos em termos sociais e psicológicos 108 –
para Hebe Mattos esta experiência de liberdade tornava os que a ela
tinham acesso mais adequados ao sistema e menos propensos a se
considerarem partilhando a mesma vida que seus pares escravos.
Sentiam-se, para a autora, diferentes.
Na realidade, os autores estão trabalhando com universos
escravos variados. Enquanto Reis está enfocando uma área
predominantemente de africanos oriundos do golfo de Benin, Mattos
tem como objeto africanos da costa centro-ocidental – os bantos.
Acredito que as diferenças entre os diversos grupos, assim como seu
grau de adaptação possível, ainda não estão devidamente bem
colocados. Na realidade, sabemos muito pouco ainda sobre as diferentes
etnias que compunham os contingentes escravos do Brasil,
principalmente os oriundos da costa ocidental. Generalizações,
portanto, tornam-se bastante perigosas. Se, na Bahia, na primeira
metade do século XIX, assistiu-se a um número expressivo de revoltas
urbanas, atribuídas à presença de escravos e ex-escravos islamizados,
estas manifestações não foram detectadas para a cidade do Rio de
Janeiro. No entanto, revoltas, talvez não com tão forte conteúdo
religioso, foram encontradas para outras áreas do Sudeste. O caso da
rebelião de Carrancas, na Comarca do Rio das Mortes, em Minas
Gerais, é sugestivo e inusitado, pois envolveu escravos de zona rural.

108
Idem, ibidem, p. 117.
56

A freguesia tinha população composta por uma grande maioria


de escravos, que representavam 65,2% dos habitantes, em 1835 109.
Entre eles, 56,3% haviam nascido na África, os demais eram crioulos.
Estas proporções, entretanto, sofriam variações, dependendo do distrito
considerado. Em alguns, a população crioula era majoritária.
Em 1833, três escravos (Ventura, de nação mina, Domingos,
crioulo, e Julião, congo) mataram o filho de seu senhor – Gabriel
Francisco Junqueira, membro de uma das famílias mais proeminentes
da região e deputado pela Província de Minas Gerais no parlamento –
que supervisionava o serviço, na ausência do pai. Depois do ocorrido,
outros se juntaram aos assassinos e, em grupo de oito, dirigiram-se à
sede de uma outra fazenda e mataram todos os brancos que lá estavam.
Segundo Marcos Andrade,

O total de pessoas assassinadas pelos escravos corresponde a nove


integrantes da família Junqueira, a saber: Fazenda Campo Alegre -
Gabriel Francisco de Andrade Junqueira, Juiz de paz do Curato da
Serra das Letras.Fazenda Bela Cruz – José Francisco Junqueira e sua
mulher Antônia Maria de Jesus; Manoel José da Costa e sua mulher
Emiliana Francisca Junqueira e seus filhos José, de cinco anos de
idade, e Maria, de dois meses; Ana Cândida da Costa, viúva de
Francisco José Junqueira; Antônia, filha legítima de Manoel Villela, de
4 anos de idade. Fazenda Bom Jardim – Francisco da Costa foi
assassinado no caminho quando parte da escravaria seguia em
direção à mencionada fazenda110.

De acordo com relato de uma autoridade, também foram


assassinados dois pretos, sem maiores indicações sobre seus papéis no
ocorrido. O líder era Ventura, nação mina. Quando se dirigiram a uma
outra fazenda, segundo consta no processo criminal, para continuar a
matar os brancos, encontraram resistência e foram vencidos. Cinco dos
escravos insurretos foram mortos, entre eles o líder Ventura. Consta
que, nos caminhos para as fazendas, o grupo foi sendo ampliado e até
mulheres e crianças tomaram parte.

109
As informações sobre a Rebelião de Carrancas e os dados populacionais foram retirados de
ANDRADE (1999).
110
Idem, ibidem, p. 8.
57

Mesmo com a morte de alguns revoltosos, surgiu um clima de


terror em toda a vizinhança. Autoridades policiais e vários proprietários,
da área e de outras comarcas, inclusive do Vale do Paraíba (onde
também o contingente escravo era grande), ficaram de prontidão e
colocaram reforços em vários pontos, com receio de que outros levantes
acontecessem. A pressão demográfica de escravos no interior destas
áreas de grandes escravarias justificava a apreensão dos proprietários.
No processo então instaurado, para determinar quais eram os
líderes, os planos e se pessoas livres tinham tomado parte, nos
depoimentos das 51 testemunhas foi recorrente a alusão ao fato de que
o levante de 1833 foi resultado dos planos fracassados de uma tentativa
anterior, de 1831, quando as intenções dos insurgentes foram
descobertas a tempo111. Ventura, mina, foi indicado por várias
testemunhas como o grande líder, inclusive tendo elaborado o plano
desde o momento em que chegou à fazenda de seu senhor, vindo do Rio
de Janeiro. Segundo Marcos Andrade:

O que se pode depreender dos autos é que Ventura era um escravo de


“gênio fogoso e ardente, era empreendedor, ativo, laborioso, tinha
uma grande influência sobre os réus e estranhos de quem era amado,
respeitado e obedecido”112.

Em carta do Juiz de Paz de Baependi, Ventura foi referido como


o que se havia coroado Rei dos escravos113.
A composição dos que foram acusados como participantes do
levante faz com que se corrobore a idéia de que as diferenças étnicas
poderiam ser superadas, quando estava em questão um inimigo
comum. Realmente, era muito variada a origem dos envolvidos. Mina,
cassange, angola, benguela, congo, moçambique e crioulos formavam o
grupo. Dos 31 escravos indiciados no processo, 21 eram africanos, 9,
crioulos, e de um não consta indicação. No distrito de São Tomé das
Letras, da Freguesia de Carrancas, onde ocorreu o levante, havia mais

111
Sobre a tentativa frustrada de 1831, ver Idem, ibidem, p. 152-162.
112
Idem, ibidem, p. 12.
58

escravos nascidos no Brasil (57,2%) do que africanos, que somavam


42,8%. Estes dados contrastam com as revoltas urbanas da Bahia da
primeira metade do século XIX, onde em nenhuma, das mais de uma
vintena de revoltas já estudadas, os crioulos e/ou pardos tomaram
parte.
No caso de Carrancas, dois escravos tidos como líderes,
inclusive assim por eles próprios considerados, Roque e Jerônimo, eram
crioulos e exerciam a atividade de tropeiro, fazendo constantes viagens
ao Rio de Janeiro, de onde deveriam trazer armamentos. A revolta
contou com a participação de escravos de diversos proprietários e o
objetivo, segundo depoimento de testemunhas, era matar todos os
brancos e tomar suas propriedades. O número dos envolvidos no
levante é difícil de ser computado. Segundo Marcos Andrade, deve ter
oscilado entre 40 e 60. Consta, também, que um senhor de escravos,
Francisco Silvério Teixeira, fazendeiro e negociante, morador em
freguesia vizinha à de Carrancas, dono de 19 escravos, incentivou a
rebelião, dando informações falsas sobre os caramurus já terem, em
Ouro Preto, libertado os escravos, por serem contra a escravidão. Em
suma, também foram envolvidos acontecimentos políticos da Província
de Minas, de que se teriam aproveitado os escravos para iniciar a
revolta.
Os depoimentos dos tidos como líderes foram muito sintéticos.
Os motivos da revolta parecem obscuros. Dizem que foi mau
tratamento, ou seja, violência por parte dos senhores. Um outro
declarou que queria ser forro. Não houve outras explicações. Segundo
Marcos Andrade, o silêncio dos escravos foi intencional. Evitou-se que
os acusados falassem muito para não dar margem a apelações. O
interesse das autoridades teria sido no sentido de execuções
exemplares.
Realmente, uma revolta desta magnitude, com assassinatos de
brancos, inclusive mulheres e crianças, deve ter deixado todos os que

113
Idem, ibidem, p. 12.
59

dela tomaram conhecimento muito apreensivos. O resultado do levante


foi o seguinte:

Pelas informações no processo, 36 escravos teriam participado da


insurreição, sendo 31 indiciados e julgados e 5 mortos no confronto.
Dos escravos presos e indiciados, 17 foram condenados por crime de
insurreição no grau máximo, tendo como sentença a pena de morte
por enforcamento114. Outros 4 foram condenados à pena de açoites e
ferros e os 10 restantes foram absolvidos, porque não tiveram
participação direta na execução das mortes, ou porque fugiram ou se
esconderam no momento do levante 115.

A revolta de Carrancas não foi a única ocorrida em zona rural,


embora a violência dos escravos para com os senhores e a punição
severa dos acusados a tenha feito especialmente diferente das demais.
Por ter sido amplamente divulgada, tornou-se, provavelmente, um
antecedente perigoso e um grande alerta para a sociedade imperial.
Realmente, a partir de meados da década de 1830, proliferou a
quantidade de rumores sobre insurreições de cativos, muitos
destituídos de fundamentos, e aumentou bastante a fobia aos africanos,
considerados os líderes das rebeliões e das fugas.
Um, entre vários exemplos, foi o fato de, depois de desbaratado
o levante dos malês, na Bahia, em 1835, se iniciar uma política de
expulsão de africanos libertos da cidade. Considerados mais difíceis de
controlar do que os africanos escravos, por terem a liberdade de
movimento, a administração local, com receio de uma nova insurreição,
deportou inúmeros libertos, suspeitos de conspiração.
Mais de 400 passaportes foram expedidos pelo governo da Bahia
a pessoas e a famílias de forros, que os solicitavam116. Por outro lado,
foi comum a utilização de extrema violência por parte das forças
policiais, tanto no período colonial quanto no império, no sentido de
controlar revoltas, levantes, sublevações e quilombos escravos. Em
todas as rebeliões citadas, a extrema violência marcou a repressão aos

114
Com exceção de Antônio Resende, que serviu de carrasco aos outros escravos e teve sua vida
poupada. Idem, ibidem, p. 19.
115
Idem.
60

movimentos, com inúmeras mortes de escravos, fossem novos, velhos,


mulheres ou homens. Mais razão ainda teria a sociedade imperial da
primeira metade do século XIX em temer levantes, rebeliões e, mesmo,
massacres, pela entrada maciça de africanos naquele período. Nunca,
na história do tráfico atlântico, tantos escravos da África tinham
entraram no Brasil.
A composição dos 31 indiciados no processo de Carrancas,
segundo a origem, foi a seguinte: nove crioulos, cinco angola, quatro
benguela, quatro congo, dois minas, dois cassanges, dois moçambiques,
um mofumbe, um cabundá e um sem identificação. Com exceção dos
dois minas, todos os demais africanos eram bantos. O interessante na
composição dos revoltosos é a presença expressiva de crioulos,
considerados pela historiografia como pouco afeitos às revoltas, posto
que mais amparados por laços familiares, com estratégias diferenciadas
para conseguir ganhos materiais e, mesmo, sentimentais, e mais
acomodados.
Poucos anos depois, em Vassouras117, desta vez na Província do
Rio de Janeiro, em 1838, um grupo de cerca de 80 escravos do Capitão-
Mor Manuel Francisco Xavier abandonou a fazenda e dirigiu-se para
outra, do mesmo proprietário, roubando mantimentos e ferramentas,
além de arregimentar outros escravos (a escravaria do capitão-mor, em
duas fazendas, chegava a quase 500 cativos), e fugiu para a mata, onde
se encontrou com outro grupo de escravos, que também havia fugido da
fazenda de seu proprietário, Paulo Gomes Ribeiro de Avelar.
Flávio Gomes denomina o evento de levante quilombola, pois o
objetivo claro dos escravos era refugiar-se nas matas e formar um
quilombo118. Eram centenas de fugitivos, o que levou o pânico às
autoridades, aos proprietários até mesmo à Corte do Rio de Janeiro. Um
grande aparato policial foi rapidamente acionado para pôr fim à fuga, e
os discursos das autoridades e dos líderes da repressão manifestaram

116
Cf. VERGER (1987, 1992); FREYRE (1973).
117
A sublevação de Vassouras, de 1838, foi estudada por GOMES (1995).
118
Idem, ibidem, cap. II.
61

grande apreensão sobre os riscos que a ordem e o sossego público


corriam, caso o movimento fosse coroado de êxito.
A perseguição aos fugitivos foi rápida e relativamente eficaz, pois
mobilizava cerca de 200 homens bem armados. O encontro deu-se no
final de uma tarde, quando os escravos montavam seu acampamento
para a noite. No confronto de soldados bem municiados com fugitivos
que tinham poucas armas de fogo, mas facões, foices e outras armas
cortantes, o saldo foi de sete escravos mortos e oito gravemente feridos.
Das tropas policiais, morreram dois pedestres e mais dois foram feridos.
O comandante da expedição afirmou que (...) nem um só [escravo] fez
alto quando se mandava parar, sendo preciso espingardeá-los pelas
pernas119.
Consta que os líderes foram Manuel Congo (escravo do capitão-
mor), tido como o futuro rei do quilombo, e Epifânio Moçambique
(escravo de Paulo Gomes Ribeiro de Avelar). Há indicação de que havia
uma rainha, Mariana Crioula. Também nestes discursos, como nos de
Carrancas, houve referência a rei e rainha, o que pode ser interpretado,
talvez, como recriação de sistemas hierárquicos e rituais de origem
africana. Outro escravo, Miguel Viado, crioulo, também foi apontado
como um dos líderes. No processo-crime instaurado, foram indiciados
17 escravos. Somente um, Epifânio, era escravo de um senhor diferente.
Os demais eram do Capitão-Mor Manuel Francisco Xavier. Manuel
Congo recebeu a pena de morte, oito foram absolvidos e sete foram
condenados a 650 açoites, além de andarem três anos com gonzo de
ferro ao pescoço. Manuel Congo foi enforcado no início de setembro de
1839, pouco menos de um ano depois da sublevação.
O Capitão-Mor Manuel Francisco Xavier morreu em 1840 e teve
seu inventário aberto. Nele, consta que tinha uma escravaria de 440
pessoas, composta majoritariamente por escravos de origem africana
(89%) e um extremo desequilíbrio entre homens e mulheres: era de
somente 15% a proporção de mulheres. Quanto à origem, 87,2% deles

119
Idem, ibidem p. 196.
62

eram da costa centro-ocidental e 11% da África oriental, de variadas


etnias, imperando os benguela, congo, cabinda e moçambique, portanto
grande maioria de línguas banto. Flávio Gomes acredita que

Foi nesse caldeirão étnico africano que os escravos do referido


capitão-mor, juntamente com outros, pertencentes a diversos
fazendeiros da região de Vassouras, fermentaram e desenvolveram
um senso de comunidade e também uma cultura escrava que com
certeza possibilitou a organização do levante 120.

Gomes, portanto, vislumbra, como Robert Slenes, a existência


de uma comunidade escrava para além das diferenças étnicas, criada a
partir da experiência do cativeiro. Houve predomínio, no movimento, de
escravos do grupo lingüístico banto, mas crioulos também
participaram. Assim como em outros processos analisados, a exemplo
do de Carrancas, pouco fica explicitado sobre os motivos que levaram os
escravos à rebelião. Sintomático ter ocorrido tanto em Carrancas
quanto em Vassouras este silêncio dos acusados. Provavelmente, os
motivos que levaram à revolta poderiam ser tais que colocariam muitos
contra os senhores e a favor dos escravos.
Segundo Flávio Gomes, a impressão que se tem ao ler os autos
do processo é a de que

(...) se considerarmos a velocidade e a truculência com que essas


mesmas autoridades efetivaram a repressão aos fugitivos naquela
mata, é possível supor também que eles quase arrancaram os
depoimentos dos cativos. Tudo parecia estar preparado. Para tantos
escravos que se revoltaram e fugiram para formar um quilombo,
deveria haver um ou mais líderes. Em meio a numerosos revoltosos
era necessário punir alguns de forma implacável, exemplar e
imediata121.

Também Marcos Andrade teve esta impressão, ao analisar os


autos do processo de Carrancas – imediatismo e necessidade de castigo
exemplar.

120
Idem, ibidem, p. 214.
121
Idem, ibidem, p. 220.
63

Dos 16 escravos do capitão-mor, indiciados no processo, nove


eram homens e sete, mulheres. Somente Miguel Viado, apontado como
um dos líderes, era crioulo. Os demais eram da África – três benguela,
dois angola, um cabinda, um moçambique e um congo. Todos bantos.
Entre as mulheres, quatro eram crioulas (inclusive a rainha Mariana),
uma conga, uma mofumbe e uma angola. Não havia escravos da África
ocidental. Dos escravos citados – mas que não foram indiciados – a
composição foi de 14 homens e uma mulher conga. Todos os homens
eram da África: seis benguela, dois moçambique, dois angolas, um
rebolo, um quissamã, um cabinda e um sem referência. Bantos, de
novo.
É realmente impressionante a diferença nas associações entre
as etnias na Bahia e no sudeste do Brasil. Não se pode deixar de
considerar a origem destes escravos para explicar grande parte das
opções que fizeram, tanto para solidariedades quanto para revoltas. É
certo que, na Bahia, com africanos majoritariamente oriundos da parte
ocidental do continente, com um mosaico muito mais diversificado de
etnias e de troncos lingüísticos, a convivência e as associações devem
ter sido mais difíceis, não obstante a experiência comum do cativeiro.
No Sudeste, ao contrário, apesar das variações étnicas e de muitos
serem inimigos históricos, a experiência do cativeiro e a unidade
lingüística devem ter provocado maior interação do que dissensão, o
que vem explicar a composição múltiétnica das lideranças envolvidas
nas revoltas e nos levantes.
Mariza Soares122 chama a atenção para um aspecto
interessante. Ao analisar os casamentos entre escravos, chegou à
conclusão de que, no Rio de Janeiro do século XVIII, os matrimônios
entre os africanos tendiam à endogamia. Os minas, apesar de terem
existido em número mais expressivo no Rio de Janeiro do que até então
se pensava, eram esmagadora minoria na população escrava. Eram
eles, entretanto, os que mais casavam fora de sua etnia. Enquanto

122
Cf. SOARES (1997).
64

somente 23% das mulheres angolas casavam com homens não-angolas,


67% de mulheres minas casaram com homens de etnia diferente da
sua. Na Bahia, de final do século XVIII e primeira metade do XIX, onde
os minas eram maioria, a tendência era inversa: mina casava mais com
mina do que os angolas o faziam dentro de sua própria etnia123. Seria,
então, uma mera questão quantitativa, ou seja, quanto maior o número
de elementos de uma mesma etnia, maior o fechamento do grupo em
torno de si mesmo? Pouco provável. PARA PESQUISA

Acho que outras podem ser as explicações. A autora tem razão,


ao concluir que

(...) as opções matrimoniais são, como se vê, um excelente campo de


análise para pensar as diferentes alternativas de organização dos
grupos de procedência mostrando como as opções podem se alterar
de acordo com o lugar, a época e as condições a que os grupos estão
submetidos124.

Acredito que, com os dados apresentados, fica comprometida


qualquer tentativa de generalização sobre a existência ou não de uma
comunidade ou classe escrava. É necessário contextualizar época e
lugar para o aparecimento ou não de uma comunidade. Por outro lado,
se considerarmos que existem divergências, ódios, escolhas, facções,
etc. em toda comunidade, com certeza em qualquer lugar ou período da
História do Brasil escravista houve efetivamente a formação de
comunidades escravas. Mas, se tomarmos comunidade no sentido
estrito, de pessoas que se sentem parte de um grupo mais amplo,
mesmo com divergências, a região que tinha condições de criá-la foi o
Sudeste, na primeira metade do século XIX, inclusive porque escravos
crioulos a ela se integraram. A Bahia nagô, sudanesa e mina, de final
do século XVIII e primeira metade do XIX, não permitiu associações
deste tipo. Manteve-se fragmentada.
Penso que as afirmações de Manolo Florentino e José Roberto
Góes, de um estado de guerra constante nas escravarias, alimentadas

123
Cf. MATTOSO (1982).
65

pelo tráfico africano, no Sudeste, dariam mais certo no caso baiano do


que no fluminense. Quanto aos argumentos de Hebe Mattos, creio que
esteja certa ao dizer que, em casos de revoltas, certas solidariedades
são aguçadas, aproximando, no caso do Sudeste, africanos de variadas
etnias e crioulos de diversas ascendências. Em tempos de paz e na vida
cotidiana, as hierarquias prevaleciam, segregando um ou outro grupo,
dependendo das variáveis do momento e do tempo de vida dos africanos
nas propriedades.
Ressalte-se que, para pensar a comunidade escrava, foram
utilizadas fontes que tratam de revoltas. Tempos de conflitos, portanto.
Já no caso de Hebe Mattos a documentação se refere ao cotidiano e a
todos os preconceitos e escolhas pequenas, diárias, de tempos de paz.
São duas perspectivas diferentes, de igual modo proeminentes, mas é
fato que revoltas e levantes, numerosos e importantíssimos, por certo
fazem parte de uma história que mereceria muito mais espaço do que
posso consagrar neste trabalho.

2.3 - Cor e condição social no período escravista

Os termos negro, preto, pardo, mulato e cabra, entre outros


menos correntes, foram utilizados no período escravista brasileiro com
sentidos diferenciados, dependendo da época e da região analisadas.
Um bom exemplo é o termo mulato. Sérgio Buarque de Holanda assim
se refere a ele:

De passagem, convém notar que a palavra ‘mulato’ se aplicava em


São Paulo a mestiços de índios tanto como de negros, e àqueles
naturalmente mais do que a estes por ser então diminuta ali a
escravidão africana: mesmo durante a primeira metade do século
XVIII, os registros de batizados de carijós falam em “molatos” com tal
acepção, e só raramente aludem a ‘mamelucos’ 125.

Obviamente, eles também são bem diferentes do sentido com


que hoje os entendemos. Na atualidade, pode-se considerar que se

124
SOARES (1997, p. 105).
66

classificam as pessoas pela aparência ou cor da pele. Oracy Nogueira


afirma que os critérios de cor, no Brasil do século XX, são baseados na
cor da pele e nas marcas externas e não nos ascendentes, como ocorre
nos Estados Unidos, por exemplo126. Os mestiços, portanto, podem ser
transportados, dependendo de quem os avalie (inclusive eles próprios),
para a categoria branco. Segundo Kabengele Munanga,

(...) na construção do sistema racial brasileiro, o mestiço é visto como


ponto transcendente, onde a tríade branco-índio-negro se encontra e
se “dissolve” em uma categoria comum fundante da nacionalidade
(DA MATTA, 1987). Daí o mito da democracia racial: fomos
misturados na origem e, hoje, não somos nem pretos, nem brancos,
mas sim um povo miscigenado, um povo mestiço. Houve até autores
que falaram de uma nova raça brasileira resultante da mistura e que
não seria mais nem preta, nem índia, nem branca, mas simplesmente
a “raça brasileira” 127.

Segundo argumentos de alguns autores, as variadas nuances de


cores – mestiças – representariam a fuga da realidade étnica e da
identidade, pois as pessoas procuram aproximar-se do padrão branco,
que seria superior. Tanto que, quando lhes foi solicitado nomear sua
cor – no exemplo do recenseamento de 1980, cujos resultados foram
compilados por Clóvis Moura – apareceram 136.
Kabengele Munanga considera que interpretações como estas,
por parte de vários estudiosos, estão baseadas na Antropologia
especulativa, asfixiada pelo naturalismo, pelo darwinismo, pelo
eugenismo e pela ideologia dominante 128. Criticando estes autores,
acredita que o mestiço, como categoria social, no Brasil, tem reais
condições de ascender socialmente e ser considerado, a partir do acesso
a certas variáveis (culturais ou socioeconômicas), branco. E considera
inteligente e interessante tal sistema, pois seria capaz de manter uma

125
HOLANDA (1977, p. 264).
126
Cf. NOGUEIRA (1983).
127
MUNANGA (1996, p. 186) e DA MATTA (1987).
128
MUNANGA (1996), p. 188.
67

estrutura racista sem as hostilidades abertas encontradas em outros


países129.
Mais do que isto, além da mestiçagem física, encontrar-se-iam
as culturais. A imagem criada do brasileiro (e da cultura brasileira),
baseada no tripé índio, negro, branco, tendo como junção a
mestiçagem, acabou gerando a idéia de um povo misturado biológica e
culturalmente desde o início da colonização portuguesa, raiz da
construção de uma identidade nacional, que, progressivamente, levou à
noção de democracia racial. Em suma, para o autor, apesar de ser um
mito, pois nada existe de democrático na distribuição de riqueza ou de
renda – os brancos detêm as melhores condições materiais, políticas e
sociais – a concepção de democracia racial permite a imagem de que no
Brasil é possível a um mestiço ascender social e economicamente,
tornar-se branco, o que representaria ser mais bem tratado e
considerado aos olhos do outro.
Durante a vigência do regime escravista, outras precisavam ser
as denominações para organizar um mundo que tinha como referência
básica a distinção entre escravos e livres. Mais do que a cor da pele,
portanto, o que primeiro tinha de se distinguir num vocabulário
classificatório era a condição jurídica.
As denominações preto, pardo, mulato ou cabra poderiam
designar tanto escravos quanto libertos e seus descendentes. Somente
os brancos tinham sua condição jurídica evidente. Por outro lado,
parece ter sido comum, em todo Brasil, desde o início da colonização,
que a denominação negro se referia essencialmente ao escravo, de
qualquer cor, nunca ao livre. Assim, havia os negros da guiné e os
negros da terra, os primeiros, oriundos da África; os segundos, índios
do Brasil (também denominados negros brasis ou simplesmente
brasis130).

129
Idem, ibidem, p. 188.
130
Cf. VAINFAS (1995).
68

Crioulo também era sempre referido ao escravo. Era o nascido


no Brasil, mas também estava englobado como negro. Para todos os
lugares em que há pesquisas sobre a temática, o termo preto era
sinônimo de escravo nascido na África. Os africanos, no Brasil, eram ou
foram, salvo raríssimas exceções, escravos. Estas denominações eram
gerais para todo o Brasil. As demais, analisadas a seguir, referem-se ao
Sudeste. Não conheço estudos do mesmo teor para o Nordeste e o Sul,
mas imagino que as denominações devam variar.
Filhos de pretos, ou seja, de nascidos na África, quando ainda
escravos, eram crioulos. Já os filhos de crioulos eram pardos, não
importando a cor da pele. Estas categorias, portanto, designam as
diferenças de origem de nascimento mais do que as nuances da cor da
pele dos indivíduos. Resumindo: índios, pretos, crioulos, mulatos,
pardos e cabras, quando escravos, eram todos negros.
As referências mudam, quando se trata de libertos e livres. Era
impossível, então, haver um negro livre e, assim como o negro, também
era impossível haver crioulo livre, pois crioulo era termo só para escravos
nascidos no Brasil. Se fosse filho de africano, nascido no Brasil, já como
liberto, ou seja, filho de mãe liberta, sua indicação era de pardo. Deste
modo, as denominações para libertos eram: preto forro, pardo forro,
cabra forro. Não foi comum encontrar mulato forro, para o Sudeste dos
século XVIII e XIX. Quase sempre o mulato indicava um indivíduo já
livre e esta, talvez, tenha sido a denominação que mais se referia à
mestiçagem.
Já o termo cabra, mais comum, é bastante difícil de ser
identificado. Segundo o francês Jean-Baptiste Debret, cabra era uma
crioula, filha de mulato e negra, cor mais escura do que o mulato131. O
dicionário de Moraes e Silva, publicado em 1789, traz, como significado
de cabra, o filho, ou filha de pai mulato e mãe preta, ou às avessas.
Para mulato, Silva indica que era filho, ou filha de preto com
branca, ou às avessas. Pardo, para o dicionarista, também significava

131
DEBRET (1984, tomo 2, p. 103).
69

mestiçagem: de cor entre branco, e preto, como a do pardal. Homem


pardo; mulato132. O termo pardo, aparentemente, já se incorporava à
mestiçagem. Sendo possível considerar que mulato e cabra realmente
indicam uma mestiçagem, pardo poderia significá-la ou não.
Vários filhos de casais africanos escravos, em registros de
batismo de áreas do Sudeste, que pesquisei133, foram indicados como
pardos. Não poderiam, portanto, ser mestiços. O mesmo acontecia
quando libertos: filhos de africanos forros eram pardos forros. Imagino
que o termo pardo fosse uma espécie de curinga, pois qual outra
denominação deveria ser dada aos filhos, já nascidos livres, de
africanos libertos, por exemplo? Pretos não podiam ser, porque não
nasceram na África. Mulato e cabra também não, porque não eram
mestiços. Restava o pardo, amplamente utilizado para se referirem aos
que não eram africanos ou crioulos, na escravidão, e aos filhos de
alforriados, na liberdade. Hebe Mattos sugere que pardo seria sinônimo
de não-branco, independente da cor da pele, e branco teria significado
de livre, ou seja, pessoa comprovadamente livre134. Daí serem livres, ou
brancos, muitos de cor negra ou mestiça.
As caracterizações de um indivíduo como preto forro, pardo forro
e pardo livre dependiam da proximidade de um passado ou antepassado
escravo. Em processos de banhos e dispensas de impedimentos
matrimoniais, do Bispado do Rio de Janeiro, para o século XVIII, foi
comum a qualificação dos contraentes como forros (alforriados,
libertados) e, no registro de batismo, transcrito no processo, constata-se
que muitos nunca haviam sido escravos, filhos que eram de mães já
libertas135. O estigma social da escravidão estava presente para os
próprios alforriados e para a geração seguinte. Poucos, nestes casos,
tiveram acesso a um prestígio social que resultasse no sumiço da
identificação pela cor/condição.

132
SILVA (1813).
133
FARIA (1998).
134
MATTOS (1998, p. 97).
135
FARIA (1998).
70

Analisei registros paroquiais de batismo, casamento e óbito de


livres e libertos para o século XVIII, da vila de São Salvador dos Campos
dos Goitacases (da Capitania do Rio de Janeiro), e pude chegar a
algumas conclusões sobre as denominações dadas aos envolvidos.
Antes, porém, é necessário esclarecer quem prestava as informações
para os registros paroquiais.
Os padres que oficiavam os ritos não poderiam saber da vida de
todos os seus fregueses, mesmo em pequenas paróquias. A origem dos
que batizavam filhos, dos que se casavam ou morriam deveria ser
perguntada aos pais dos batizandos, aos noivos, aos padrinhos, às
testemunhas de casamento, a parentes, etc. A interpretação final,
entretanto, ficava a cargo do pároco. Era ele quem designava o preto
angola, mina, guiné, etc., ou o pardo escravo, forro, livre, etc.
Nitidamente, o vocabulário classificatório transcendia as informações
dadas pelos envolvidos (se é que consultados), e foram os padres a
indicar, ou não, as marcas sociais dos forros e de seus descendentes,
bastante impregnadas de um forte sentido hierárquico. Presumo,
portanto, terem sido os párocos os verdadeiros filtros das informações
dos registros.
PARA PESQUISA Além do mais, está claro que nem sempre transcreviam
imediatamente para o livro as cerimônias realizadas. Em nenhum livro
que pesquisei, principalmente os do século XVIII, os registros estavam
rigorosamente em ordem cronológica. Mesmo que tenham sido os pais
dos batizandos ou os noivos a darem as informações, teriam de contar
com a boa memória dos padres ou sua eficiência em rascunhar os
dados para que pudessem reproduzir o que ouviram da boca dos
próprios envolvidos. Acho que o comum, entretanto, foi, no registro,
constarem nomes e indicações do conhecimento não só do pároco como
também da comunidade.
Os registros de óbitos apontam tal fato de maneira cristalina.
Os pouco conhecidos ou recém-chegados, que morreram sem
testamento, receberam amplos comentários, como foi o caso de João
71

Fernandes, que morreu em 1684, na Freguesia de São Gonçalo, do


Recôncavo da Guanabara, que vivia na fazenda de Luiz Cabral de
Távora; dizem ser casado na vila da Conceição e que seu nome
verdadeiro era Diogo. Também Domingos Homem Fernandes, originário
das ilhas, mereceu o registro do murmúrio da população, transcrito
pelo pároco. Falecendo no mesmo ano que João Fernandes, disseram
que ele era pobre e assistia na fazenda de Maria de Abreu, sendo
aparentemente solteiro136.
Com isto, quero argumentar que a redação dos registros não se
reduzia às informações dadas pelos envolvidos e nem mesmo ao
conhecimento que tinham os próprios párocos. Representava, através
ÑARA PESQUISA
da escrituração dos padres, o que as pessoas indicavam sobre elas
próprias e o que sobre elas a comunidade local sabia ou murmurava.
Explica-se, assim, o motivo de eu considerar significativas as
referências contidas nos registros paroquiais como definidoras dos
lugares sociais ocupados pelos envolvidos na comunidade local,
certamente passando pelo crivo da dominação.
Tendo estes pressupostos como base, constatei que, em certos
casos, havia o desaparecimento da informação sobre cor/condição; em
outros, ela voltava a aparecer. Geralmente, as pessoas brancas e livres
não traziam esta indicação após seus nomes. Eram referidos,
simplesmente, por seus nomes e nada mais. Mas havia descendentes de
escravos que, em alguns casos, eram e, em outros, não, caracterizados
pela cor/condição.
Águida Silva de Jesus e Inácio Lemos, classificados, em três dos
dez batizados de seus filhos (entre 1750 e 1780), em Campos dos
Goitacases, como pardos forros e, em outros quatro, como pardos livres,
tiveram sete de seus filhos casados na freguesia de São Salvador.
Quatro deles não tiveram referida, nem no casamento nem no batizado

136
Idem, ibidem, p. 311-2.
72

de seus filhos, a cor/condição. Casaram-se com pessoas também


pardas livres ou sem estas referências137.
Os outros três filhos mantiveram a lembrança de ascendentes
escravos. O caso mais evidente foi o de sua primeira filha, Maria da
Conceição, casada com João Clemente Sá, ambos indicados em seu
casamento como pardos forros. João Clemente era filho da preta forra
Antônia Nunes. Um filho de João Clemente e Maria, neto de Águida e
Inácio, João José Clemente, casou com Catarina Maria Nunes, indicada
como parda forra. No batizado de seus filhos, ambos foram qualificados
de pardos forros, apesar de João José ser, por parte de mãe, a terceira
geração nascida livre e, por parte de pai, a segunda. Casos como estes
se repetiam com freqüência e são, pelas inúmeras combinações
possíveis e por referências muitas vezes conflitantes, inquantificáveis.
Tenho como premissa que a indicação da posição social
ocupada pelos homens e pelas mulheres livres com antepassados
escravos, mesmo que longínquos, tendia a igualar pela caracterização
menos favorável os que se uniam a pessoas mais próximas ainda de um
ancestral escravo. Por outro lado, o casamento com uma pessoa branca
poderia acelerar o processo de desaparecimento da referência à
cor/condição.
Vejamos, para demonstrar esta destacada realidade de um
mundo hierárquico de conveniências na definição da cor das pessoas, o
que não ficava neste simples limite, mas invadia acintosamente sua
condição jurídica, alguns exemplos comprovados.
Emerenciana Meneses, filha de pardos livres, casou-se com
Antônio Francisco Castro, natural de Braga. Nenhuma indicação de
cor/condição foi feita para ela, no batizado de cinco filhos, realizados na
paróquia de São Salvador dos Campos dos Goitacases.
Albina Martins, filha de Páscoa Maria e Manoel Fernandes
Costa, ambos pardos forros, casou-se com Januário Álvares Barcelos,
filho de conceituada família da região, neto do rico Capitão Salvador

137
Idem, ibidem, p. 136.
73

Alves de Magalhães. No casamento, não referem ser Albina parda livre;


só se registrou que sua mãe era parda forra. No batismo de seus nove
filhos, nada é referido sobre sua pessoa. Januário era viúvo, quando se
casou com Albina. Ela, por sua vez, teve uma filha natural, Tereza,
falecida aos 10 anos, quando já se encontrava casada com Januário,
identificada no óbito como filha legítima do casal138.
Quando comecei a observar que havia casos de pessoas que
perderam a referência à cor/condição nos registros paroquiais em que
estavam nomeados, imaginei que se tratava de casos de
“branqueamento”. A mobilidade social, através da ausência de
referência à cor ou à condição social, estava presente, e talvez signifique
a origem do nosso sistema classificatório atual.
Preto, sempre escravo e, mais comum, de escravo nascido na
África, trazia em si um significado claro. Quando alforriado, havia a
necessidade social de frisar que a pessoa assim qualificada estava
liberta. Filhos de pretos forros já poderiam não ser mais designados
como pretos; quase sempre eram pardos, mas sempre pardos forros,
apesar de muitas vezes nunca terem sido escravos. O interessante é
que, se casassem com pessoas nascidas na África, portanto pretas,
voltavam a ter a designação preto após seu nome, mesmo não tendo
nascido na África.
Dependendo da aliança matrimonial, pelo menos nos registros
paroquiais de batismo, casamento e óbito, filhos dos que nunca foram
escravos perderam o estigma da escravidão. Isto não significa dizer que
o tenham perdido em outros tipos de documentos, como processos
judiciais, por exemplo, em que a origem social representava maior ou
menor grau de fidedignidade, ou em situações de rivalidade pessoal e
cotidiana, sempre passíveis de trazerem à tona ofensas que indicavam o
passado ou o antepassado escravo.
Em julgamentos, a qualificação de acusados e testemunhas,
inserida na classificação hierárquica do mundo colonial, induzia a uma

138
Idem, ibidem, p. 1136-7.
74

definição mais precisa das origens étnicas dos envolvidos, relacionada,


obviamente, com a predeterminação do lugar social por eles ocupados.
É de se crer, portanto, que a cor e/ou a condição social, indicadores de
um passado como ou de ancestrais escravos, informava ao júri o
quanto suas palavras deveriam ser consideradas. Mas não era só
processo judicial. Em algumas declarações para processos eclesiásticos,
o mesmo acontecia, como, por exemplo, no de banhos matrimoniais de
Alexandre da Costa, crioulo forro, e Inácia, cabra escrava, as
testemunhas, todas cunhados do orador, receberam o seguinte
comentário do vigário da vila de Caravelas: As testemunhas que juraram
nesta inquirição, suposto sejam pretos, são dignas de crédito 139.
Um relato transcrito por Hebe Mattos é interessante para
ilustrar o de que estamos tratando. Antônio José Inácio Ramos, em
1850, no Município de Rio Claro, da Província do Rio de Janeiro, foi
processado pelo duplo assassinato de Feliciano Antônio Lisboa e Isabel
Leme de Tal. Consta, no processo, que o motivo do crime foi o fato de
Isabel ter ofendido Antônio, chamando-o de negro, durante um jantar
em sua casa. Nas palavras de uma testemunha,

(...) disse que ouviu do dito Ramos que tendo o finado Lisboa
convidado ao dito Ramos para almoçar ou jantar com ele em sua
mesa e depois de terem comido disse a finada Isabel Leme de Tal ao
finado que o dito Ramos não conhecia o seu lugar, pois sendo um
negro ia comer com os brancos na mesa e que isto contara ao dito
Ramos o dito escravo Ladislau do que ficou o dito Ramos muito
apaixonado 140.

As testemunhas ouvidas no processo concordaram que


realmente tinha havido uma ofensa, pois o casal havia convidado
Ramos para comer em sua mesa. Não havia explicação, portanto, para
que tivesse havido a ofensa. Negro era escravo e escravo não era
convidado a comer com pessoas livres. A autora avalia que, neste
processo, há uma referencia explícita ao sentido ofensivo e pejorativo

139
Processo de banhos matrimoniais de Alexandre da Costa e Inácia, 1800, 1 a caixa, letra A, Arquivo da
Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Cf. FARIA (1998).
140
MATTOS (1998, p. 93).
75

que o termo negro possuía no mundo dos livres, mas os demais


processos que analisou trazem este mesmo sentido, embora
indiretamente141.
Analisando mapeamentos populacionais por domicílios, da vila
de Areias, vale do Paraíba paulista, na primeira metade do século XIX,
pude observar que os indicados como pardos e negros eram os que
tinham menos escravos.
Nas listagens de mapeamentos para várias regiões, havia siglas
para definir a categoria das pessoas listadas: “p”, “n”, “b”, que presumo
significarem “pardo”, “negro” e “branco”. É estranha esta classificação,
pois não se adequava ao mundo dos livres. No entanto, o que imagino é
que o “n” se refira a africanos libertos, e os indicados como “p”, a
crioulos forros ou mestiços livres e libertos. Em 1817, de 102 domicílios
de pardos e “negros”, somente 7% tinham escravos. Nos designados
como “b”, em número de 335, expressivos 38% possuíam escravos. Os
números sugerem, realmente, que pardos e negros compunham a
categoria mais pobre dos domicílios da vila. Em 1832, apresenta-se
proporção similar: 48% dos brancos eram escravistas e somente 10% de
negros e pardos tinham escravos.
Peter Eisenberg foi talvez o primeiro estudioso a notar que os
termos mulato e pardo não diziam respeito necessariamente à cor dos
indivíduos, no século XIX. Devo dizer que, quando comecei a observar
as denominações de cor ou condição social, nos registros paroquiais
que analisei, não conhecia este artigo de Peter Eisenberg. Por outros
caminhos, portanto, acabei chegando ao mesmo ponto, para uma época
anterior. Eisenberg refere-se ao século XIX, em Campinas, Província de
São Paulo. Trabalhei com Campos dos Goitacases do século XVIII.
Afirmou o autor que

(...) achamos que os termos “pardo”, “mulato” e outras palavras


indicando uma cor mais clara ou um fisiotipo mais parecido com o dos
portugueses tendiam a significar também uma condição legal de livre.

141
Idem, ibidem p. 94.
76

Por estar livre, uma pessoa de cor ‘parecia’ mais clara, da mesma
forma que se diz no século XX que o dinheiro embranquece uma
pessoa de cor. Se essa hipótese for correta, então as transformações
nas proporções de pardos e mulatos entre a população de cor tem
menos a ver com mudanças nos fisiotipos do que com mudanças nas
maneiras pelas quais esses grupos foram percebidos 142.

Concordo inteiramente com esta impressão, mas vou além.


Pude confirmar empiricamente que o que pensamos que fosse cor
mudava conforme a condição das pessoas. Por isto, mais um dado deve,
agora, ser acrescentado. A propriedade de escravos, nitidamente,
também “embranquecia” uma pessoa. É muito suspeito que nem sequer
um indivíduo designado como negro tenha mais do que um escravo, em
todos os mapeamentos populacionais que pesquisei. Certamente, eram
nascidos na África alguns dos proprietários de mais de um escravo
arrolados como pardos. Tendo uma quantidade significativa de
escravos, não poderiam ser considerados negros, sinônimo claro de
escravos. Ao mesmo tempo, presumo que muitos dos que seriam para
nós, hoje, mestiços, foram indicados pela letra “b”, de branco.
Os mapeamentos populacionais, portanto, refletem certamente
uma diferenciação social em que a cor da pele, o passado como escravo
ou sua ascendência e a propriedade de escravos tiveram de se organizar
para fazer uma pessoa branca, negra ou parda. De novo nos deparamos
com uma hierarquia rígida, mas que nada tinha de estática, em se
tratando das pessoas individualmente, pois elas poderiam mudar de
lugar nesta hierarquia. A cor da pele era uma entre outras variáveis que
classificavam um indivíduo.
Numa sociedade escravista, a pior condição era, sem dúvida, a
do escravo. Um homem ou mulher livres ou libertos serem equiparados
a um negro, por mais negra que fosse sua pele, poderia ser ofensivo. O
termo negro manteve o significado de escravo até o final do século
XIX143.

142
EISENBERG (1989, p. 269-270).
143
MATTOS (1998, p. 243).
77

Apesar do tom irônico e mesmo pejorativo com que muitos


brancos letrados trataram a nova situação do Brasil, sem o regime
escravista, está claro que fazia parte do conhecimento geral que negro
se opunha a cidadão. Se o termo manteve o significado de escravo por
muitos séculos, os demais mudaram muito, no decorrer do tempo, em
particular depois da abolição do tráfico de escravos, em 1850.
Durante a segunda metade do século XIX, mudanças
significativas aconteceram na sociedade escravista brasileira. Na
primeira metade do século, o acesso ao escravo estava facilitado a todos
os homens livres e libertos, pela expressiva entrada de africanos no
Brasil e por seu baixo preço. A abolição do tráfico atlântico, em 1850, e
a conseqüente diminuição do número de pessoas que eram
potencialmente capazes de comprar escravos (devido ao aumento de seu
preço no mercado) ou que tiveram que se desfazer deles, provocaram
um processo de perda de legitimidade da escravidão.
Enquanto, antes, os contingentes de negros e mestiços livres e
libertos eram exceções controladas144 e se colocavam como possíveis
senhores de escravos –identificando-se como proprietários de escravos –
o aumento de seu quantitativo, através da ampliação progressiva no
número de alforrias e da impossibilidade de se tornarem donos de
escravos, fazia com que formassem um grupo de difícil classificação. O
reflexo da nova conjuntura fez com que desaparecesse
progressivamente a qualificação por cor/condição de envolvidos e
testemunhas em processos cíveis ou criminais, os mais necessários
para conter este tipo de informação numa sociedade escravista, pois
são processos de caráter repressivo.
Tudo leva a crer, portanto, que as designações de cor/condição
tinham, ainda no período de vigência do tráfico, muito mais relação com
a proximidade de um passado ou antepassado escravo do que com a
pigmentação da pele. Por outro lado, sua identidade, enquanto homens
livres, passava pela oposição à situação do escravo – possibilidade de

144
Idem, ibidem, p. 94.
78

movimento – e pela condição de se transformarem em senhores de


escravos.
Uma expressão de um testamento de 1780, da preta crioula
forra, como ela própria se autodenominava, Apolônia Maria Ferreira, me
fez perceber claramente como poderiam ser interpretadas essas
designações. Dizia ela que, sendo filha de Joana, escrava preta da
nação mina e hoje forra e de pai incógnito, declarava que tenho quatro
filhos a saber: Francisco, Maria, Joana, Germano, todos de qualidade
parda [grifo meu]145.
Os filhos pardos de Apolônia eram a primeira geração nascida
totalmente na liberdade. Ela foi capaz de captar muito bem a forma com
que as hierarquias eram percebidas no período colonial, em que
homens e mulheres tinham direitos e deveres de acordo com suas
diferentes qualidades, relacionadas, em primeira instância, em oposição
à escravidão. Ela, a primeira geração, já se distanciava dos
antepassados nascidos na África e, com seus filhos, de seu passado
como escrava. Pardo, como negro, preto, etc., eram pessoas que não
tinham cores diferentes, mas diferentes qualidades.
Durante a segunda metade do século XIX, a ausência da
referência à cor/condição demonstrou que as qualidades teriam de ser
reconfiguradas. Demorou muito tempo. Significativamente, na
República Velha, no censo de 1920, não houve separação populacional
por “cor”, por ainda estar relacionado com condição social. Depois, com
as definições mais bem delimitadas, tributárias do “drawinismo social”,
voltou-se a identificar pessoas como pardas, mulatas, brancas, etc.,
numa clara redefinição de todos esses termos, inclusive da negra, mais
politizada.

145
Livro de Registro de Testamentos n. 3. Arquivo do Museu Histórico de São João Del Rei, tetamento
de Apolônia Maria Ferreira, 1780.
79

Capítulo III – A alforria

3.1 – Escravidão e alforria no Direito

A palavra alforria vem do árabe Al-hurruâ, que significa


liberdade do cativeiro, concedida ao escravo. Assim como a escravidão,
a alforria foi uma prática incorporada à legislação portuguesa pelo
direito costumeiro. Tinha-se escravo e podia-se alforriá-lo. As
Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas não tratam das formas
em que seria possível a alforria, posto que as pressupunham já
existentes, mas sim das possibilidades de se retirá-la, com muitas de
suas determinações inspiradas no direito romano.
A legislação contida nas Ordenações Filipinas, que se referia à
retirada da alforria, toda ela era uma cópia integral das Manuelinas.
Portanto, mantiveram-se por séculos as determinações gerais que
tratavam da alforria, embora algumas leis tenham sido editadas no
decorrer do período, quase todas aplicadas a casos específicos. Deve-se
ressaltar que a legislação contida nas ordenações abarca a escravidão
de pessoas não necessariamente negras. Em Portugal, sempre houve
escravidão, principalmente a de muçulmanos, conseguidos nas guerras
de reconquista, em particular a partir do século XIII146. A legislação,
portanto, tratava de escravos em geral. Mas as determinações são sobre
a possibilidade de retirada da alforria, e não sobre suas condições,
como se pode ver pelo livro Quarto, Título LXIII, das Ordenações
Filipinas: F TANNEUBAUM

Das doações puras e alforria, que se podem revogar por causa


de ingratidão:
As doações puras e simplesmente feitas sem alguma condição,
ou causa passada, presente, ou futura, tanto que são feitas per
consentimento dos que as fazem e aceitação daqueles, a que
são feitas, ou do Tabelião, ou pessoa, que per Direito em seu
nome pôde aceitar, logo são firmes e perfeitas, de maneira que
em tempo algum não podem ser revogadas. Porém, se aqueles,
a que foram feitas, forem ingratos contra os que lhas fizeram,

146
VERLINDER (1949); HERRS (1983), apud CALAINHO (2000).
80

com razão podem per eles as ditas doações ser revogadas por
causa de ingratidão147.

Listam-se, a seguir, as causas que poderiam dar ensejo à


revogação da doação de liberdade, destacando-se o atentado contra a
vida do doador, injúria grave à sua pessoa, ato que viesse a prejudicar a
fazenda do doador, mesmo que o prejuízo não se tenha realizado,
porque o importante é a intenção, etc.148.
Nos estudos sobre escravidão, no Brasil, não consta ter sido
comum a prática de se retirar a liberdade conquistada pelo escravo,
mas, deve-se ressaltar, são poucas as pesquisas sobre o tema. Há
relatos de reescravização e de cativeiro injusto149. Existem pesquisas
para o século XIX que analisam casos de tentativa de comprovação da
liberdade por parte de escravos que se diziam livres.

O escravo estava impedido de se apresentar juridicamente em


seu próprio nome. Para driblar a interdição, o mecanismo jurídico era
ele entrar, através de procuradores, com um processo de ação de
liberdade150. Há pesquisas que utilizam vários deles para o século XIX,
mas, para os anteriores, há bem poucos registros.

A legislação sobre o escravo se introduz na de direito de


propriedade, inclusive no que se refere à alienação. A escravidão é um
dado, o escravo é uma propriedade como outra qualquer e é sujeito à
legislação sobre propriedade. Certas leis foram criadas sobre o direito à
alforria, em determinadas circunstâncias, após a publicação das
Ordenações Filipinas. O jurista Perdigão Malheiro, em 1870, nos deu
notícias delas, inclusive as consuetudinárias, algumas vigentes no
período colonial; outras, eu ignoro.

147
Consultei a seguinte edição das Ordenações Filipinas (editada pela primeira vez em 1603): Edição
“fac-simile” da edição feita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870, com nota de
apresentação de Mário Júlio de Almeida Costa. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1985, p. 6-7.
148
Ver legislação completa sobre o assunto no ANEXO 1.
149
Cf. LARA (1988); RUSSELL-WOOD (1995).
150
Uma das pesquisas mais interessantes sobre direito positivo e direito costumeiro no Brasil do século
XIX é a de GRINBERG (1994). Uma das pioneiras no tema foi CUNHA (1986).
81

Segundo Malheiro, estariam livres da escravidão as pessoas


enquadradas nas seguintes condições:

a) pela morte (a morte natural extingue a escravidão, como já vimos – se


ressuscitasse, seria como livre – questionou-se a respeito dos que fossem
salvos por alguém de morte certa em caso de naufrágio 151);
b) casando o senhor com sua escrava, ela se torna livre (Como já vimos, seria
repugnante à comunhão de vida, e aos direitos e deveres recíprocos entre os
cônjuges. O Padre Bremeu no seu tantas vezes citado – Universo Jurídico –
trat. 1º tit. 7º páragrafo 6º refere, fundado em Rebello, que tal era o costume
inveterado no Reino de Portugal; é pois Direito Consuetudinário próprio.
Concorda o Repert. Das ord. Nota b ao verbo Filho natural do peão e de
escrava sua, com Arouca e outros. V. Provis. De 8 de agosto de 1821 (Coll.
Nab.). Decisão do Inst. Dos Advg. Bras., em sessão de 12 de setembro e 15
de outubro de 1859.); além das seguintes:
(...)
4 – O escravo enjeitado ou exposto – fica livre e ingênuo na forma do
Alv. de 31 de janeiro de 1775, parágrafo 7 º, segundo a provis. de 22
de fevereiro de 1823. Houve por bem, conformando-me com a
sobredita consulta (da Mesa do Desembargo do Passo), por minha
Imperial Resolução de 19 de dezembro do ano próximo passado,
determinar (como por esta determino) que fiquem gozando da
liberdade em toda a sua extensão os referidos expostos de cor preta
ou parda, por serem tais os direitos e privilégios da ingenuidade de
que trata o referido parágrafo 7 º do Alv. de 31 de janeiro de 1775;
devemos portanto, entender-se em observância e complemento do
mesmo parágrafo 7º do dito Alvará. O Aviso de 11 de abril de 1846
implicitamente o confirma.
5 – Aquele que manifesta diamante de 20 quilates e para cima, era
liberto, indenizando-se ao senhor com 400$000 – Lei de dezembro de
1734.
6 – Aquele que denuncia a sonegação de diamantes pelo senhor,
igualmente, e recebia mais o prêmio de 200$000 – idem.
7 – Também obtinha a liberdade o escravo que denunciasse o extravio
ou contrabando de tapinhoã e pau-brasil. – Ord. De 9 de abril de
1809
8 – O irmão da Irmandade de S. Benedito, resgatado por esta nos
casos de sevícia e venda vingativa do senhor – Prov. De 27 de
novembro de 1779.
9 – O abandonado por inválido, se restabelece, não deve voltar ao
cativeiro – Assim dá a entender a Provis. De 1º de dezembro de 1823,
bem que não o decidisse terminantemente.
10 – Pela saída do escravo para fora do Império; pois, voltando, é
como livre, salvos unicamente os casos de fuga e de convenção em
contrário. – Os alvarás de 19 de setembro de 1761 e 16 de janeiro de
1773, explicados pelos Avisos de 7 de janeiro de 1767 e 22 de
fevereiro de 1776, e o Alvará de 10 de março de 1800 declararam

151
MALHEIRO (1976, p.98).
82

livres os pretos e pardos que chegassem a Portugal, exceto os fugidos


do ultramar ou empregados como marinheiros152.

Em 1751, promulgou-se o primeiro Alvará, em forma de lei, que


tentava impedir a ida de escravos do Brasil para Portugal153.
Dez anos depois, pelo Alvará de D. José I, de 19 de setembro de
1761, passavam a ser livres os escravos que chegassem à metrópole,
vindos do ultramar, sem necessitarem de outra alguma carta de
manumissão, ou alforria, nem de outro despacho, além das certidões dos
administradores e oficiais das Alfândegas dos lugares onde portarem 154.
Apesar da proibição, o próprio Alvará ratificava a continuidade do
regime escravista em Portugal: porém da Minha Real intenção, nem que
respeito dos Pretos e Pretas, que já se acham nestes Reinos (...) se inove
coisa alguma, com o motivo desta lei 155. Esta medida foi reiterada pelos
Avisos de 12 de agosto de 1763, 2 de janeiro de 1767, sendo estendida
às ilhas portuguesas adjacentes pela Carta-Ofício de 14 de junho de
1768. Era negada a liberdade, porém, aos escravos tripulantes dos
navios que fossem matriculados, como está no Aviso de 22 de fevereiro
de 1776 e no Alvará de 10 de março de 1800156.
Perdigão Malheiro vai à escravidão judaica, á cristã, à grega, à
romana, etc., além de ir ao direito romano, para justificar o direito à
liberdade acima de tudo. Realmente, na época em que escreveu, a
segunda metade do século XIX, havia descrédito cada vez maior em
relação à instituição escravista, principalmente porque cada vez menos
pessoas poderiam ter acesso à mão-de-obra escrava, restrita que estava
aos mais ricos, resultado da abolição do tráfico atlântico, em 1850.
Obviamente que a interferência inglesa teve um papel preponderante no

152
Idem, ibidem, p. 98).
153
Dizia o Alvará: sendo informado dos muitos, e grandes inconvenientes que resultam do excesso e
devassidão, contra as Leis, e costumes de outras Cortes polidas se transportam anualmente da África,
América e Ásia, para estes Reinos um tão extraordinário número de escravos pretos, que fazendo nos
Meus Domínios Ultramarinos uma sensível falta para a cultura da Terra e das Minas, só vêm a este
Continente ocupar os lugares dos moços de servir, que ficando sem cômodo, se entregam à ociosidade, e
se precipitam nos vícios, que deles são naturais conseqüências (...). Alvará de 19 de outubro de 1751,
reproduzido em SILVA (1842, p. 111-112).
154
TINHORÃO (1988, p. 371-372).
155
Alvará de 19 de outubro de 1751, reproduzido em SILVA (1842, p. 111-112).
83

combate ao tráfico negreiro e, como conseqüência, na crítica ao próprio


regime escravista. Cada vez mais o direito à liberdade se sobrepôs ao
direito de propriedade, e o jurista Perdigão Malheiro representou bem o
seu tempo.
Manuela Carneiro da Cunha, num instigante artigo sobre
alforria, de 1983, discutiu um ponto que teria sido consenso entre
diversos estudiosos, baseados que estavam nos recorrentes relatos de
época. Segundo a autora, durante anos a historiografia acreditou que
havia uma lei formal que obrigava um senhor a libertar o escravo que
desse o equivalente a seu preço. Este engano teria sua origem na
declaração do inglês Henry Koster157, lavrador de cana em Pernambuco,
no começo do século XIX, repetida por viajantes posteriores e,
sobretudo, por historiadores como Tannenbaum e Elkins 158.
Koster havia escrito que O escravo pode obrigar o seu senhor a
manumiti-lo, desde que lhe ofereça a quantia pela qual foi comprado, ou o
preço pelo qual poderia ser vendido, se este preço for superior ao que
valia o escravo na época em que foi comprado 159. Na realidade, esta
pretensa lei sugerida por Koster só passou a existir em 1871, embutida
na que se convencionou denominar de Lei do Ventre Livre 160.
Incontestavelmente, porém, Manuela Carneiro da Cunha afirma que,
apesar de não explícito de maneira formal, o ato de alforriar escravos
que dessem o seu valor inseria-se em lei costumeira e era amplamente
realizado.
A autora elabora um argumento interessante sobre esta lei que,
de tão comum, supunha-se estar escrita formalmente. A questão seria
política. O fato de não ter sido estipulada em lei, referendava o poder
pessoal do proprietário, representando a ausência da mediação do
Estado nas relações entre senhores e escravos. O máximo que o Estado

156
Dados fornecidos por LARA (1988, p. 249-250).
157
KOSTER (1978).
158
Cf. TANNENBAUM (1968); ELKINS (1959), apud CUNHA (1983).
159
Cf. KOSTER (1978)
160
Lei no 2.040, de 28 de setembro de 1871. Coleção das Leis do Império de Brasil de 1872. Tomo
XXXI, parte I, p. 147-52. Rio de Janeiro: Typografia Nacional, 1871.
84

fazia era homologar a decisão senhoril. Para os senhores, a aceitação


tática de alforriar escravos que dessem seu valor servia para formar
“dependentes”. Para ela, o senhor, mais do que medo da opinião
pública, temia que negar o pedido pudesse levar o escravo a cometer
atos extremos, como fugir ou se suicidar. Por outro lado, permitindo a
liberdade, criava-se um laço moral, com a expectativa de formar clientes
e agregados.
Concordo com o argumento da autora, sobre a questão política
e tática aí envolvida, mas nem sempre o senhor concedia ao escravo a
liberdade pedida e o Estado, sem estabelecer regra geral, muitas vezes
interferiu nas solicitações de alforria. Keila Grinberg161 sugere que,
embora nada tivesse estipulado na legislação sobre a necessidade de o
senhor permitir a alforria, o direito costumeiro orientava juízes e demais
magistrados que avaliavam as ações de liberdade, fazendo com que eles
tendessem a optar pela liberdade, pelo menos no século XIX. O Estado,
para ela, estava presente também nas relações entre senhores e
escravos.
Leila Algranti, por sua vez, supõe situação contrária, para o
mesmo século, em que as autoridades, quando solicitadas, tendiam a
dificultar a libertação. As fontes consultadas pela autora foram os
requerimentos de escravos encaminhados à polícia e/ou ao Rei, entre
1808 e 1822, na cidade do Rio de Janeiro. Um depoimento do
Intendente de Polícia da época, Paulo Fernandes, sobre uma solicitação
de uma escrava ao Rei, visando a liberdade dela e de seus filhos, foi
redigido nos seguintes termos:

Tenho que a propriedade de qualquer escravo e como a de


quaisquer outros bens, é que ninguém pode ser constrangido a
vender seus herdamentos como se explica na nossa ordenação
muito certa neste princípio, e conhecendo por experiência que no
país onde a escravidão se permite, um escravo bom é um achado e
uma propriedade preciosa, e por isso sustento mais essa doutrina, e
tenho em geral que deve ser particular política nesse país não se
meter nunca o soberano em tais negócios que irão anarquizar as

161
Cf. GRINBERG (1994).
85

famílias perdendo-lhes por eles o respeito aos senhores pois que


entretanto, que os escravos nesta condição servem às famílias e às
lavouras, mas na liberdade são ociosos, e nunca (...) se resolverão a
abraçar outro trabalho e suprir na qualidade de jornaleiros para os
serviços que aqueles prestam 162.

As preocupações do intendente estavam relacionadas à


possibilidade de revoltas por parte de forros. Aumentando o seu
número, ampliavam-se os riscos, pensamento comum no momento.
Nem por isto, entretanto, deu parecer contrário a todas as solicitações.
Em algumas, resolveu a favor do escravo, embora a contragosto.
A tendência em se optar pela liberdade era bem mais antiga,
pelo menos desde o início do século XVIII. Maria Beatriz Nizza da Silva,
em artigo recente, relatou casos, para o período colonial, de
interferência dos poderes metropolitanos na relação entre senhores e
escravos, quando os últimos queriam e os senhores negavam a
alforria163. Nos casos citados pela autora, alguns escravos recorreram à
autoridade mais próxima. Deve-se ressaltar que o recurso a este tipo de
autoridade somente permitia que os governadores tentassem convencer
o senhor à concessão pleiteada, enquanto os monarcas tinham o poder
de conceder a liberdade como uma graça, à revelia do senhor.
José, mulato, escravo de Pedro da Cunha, ofereceu 140$000
(cento e quarenta mil réis) ao seu senhor em troca de sua liberdade, em
1774. O senhor recusou. Apelou ao Governador do Maranhão, que
solicitou ao senhor que explicasse os motivos da recusa. Pedro
informou que o escravo era oficial de alfaiate, sendo-lhe útil também em
outras tarefas. Como tinha uma grande família, ficar sem o escravo lhe
acarretaria grande prejuízo. Além disto, alegou dispositivo da Lei, que
dizia que ninguém era obrigado a vender seu herdamento e coisas sem TANNERBAU
M
sua vontade. Referia-se à lei inscrita nas Ordenações Filipinas, Livro IV,
tít. 11.
Neste processo, segundo a autora, opunham-se duas
concepções: o estado natural e o direito das gentes. O ouvidor foi

162
ALGRANTI (1988, p. 107).
86

chamado para opinar e afirmou que Todos sabem que a escravidão é


diametralmente oposta e repugnante à liberdade dos homens
considerados segundo o seu estado natural e que eles têm um certo e
incontestável direito para a poderem reivindicar. Argumentou, então, que
as Leis da Natureza são pela liberdade e que a escravidão é uma

(...) invenção do Direito das Gentes, e que a primeira deve ser superior
à segunda. A grande questão era a de que o escravo tinha condições
de comprar sua liberdade, e que isto não traria prejuízo ao seu
senhor. Negar esta possibilidade seria ir contra o “estado natural 164.

Deve-se ter em mente que, na segunda metade do século XVIII,


a discussão sobre a legitimidade da escravidão estava em pauta,
inserida no contexto mais amplo do iluminismo. Diversos estados
europeus haviam abolido a escravidão e passavam a perseguir os que
não o fizeram. Portugal a havia abolido parcialmente em 1773165, mas
esta lei não foi, absolutamente, estendida ao Brasil. De qualquer forma,
o apelo para que a liberdade fosse condição superior à escravidão
passou a ser considerado como bom argumento para os escravos que
tinham condições econômicas para comprar sua liberdade e assim o
desejavam.
Silvia Lara e Russell-Wood apresentaram casos de escravos,
ainda no século XVIII, que foram mais além e apelaram diretamente ao
rei para conseguir a alforria negada por seus senhores ou herdeiros166.
O brasilianista Russell-Wood, ao analisar os apelos feitos por africanos
e seus descendentes aos soberanos portugueses, no início do século
XVIII (antes, portanto, da influência das idéias iluministas), concluiu
que (...) a Coroa mostrou ser extraordinariamente sensível aos apelos
pessoais à graça régia167.

163
Cf. SILVA (2000).
164
Idem, ibidem, p. 301-2.
165
Pela Lei de janeiro de 1773, declarou-se livre todo escravo nascido daquela data em diante, mas
continuavam escravos os cativos das duas últimas gerações (pais e avós). Podiam, também, ser libertados
os escravos que comprovassem ser a terceira geração no cativeiro. Tendo bisavó escrava, tornava-se livre.
Cf. SILVA (1858).
166
Cf. LARA (1988).
167
RUSSELL-WOOD (1995, p. 218).
87

Realmente, quase todos os casos conhecidos em que os escravos


resolveram apelar diretamente à coroa para que o senhor aceitasse sua
liberdade tiveram aprovação dos monarcas portugueses. Russell-Wood
afirma que a tendência à aprovação pelos monarcas significava manter
a imagem de soberanos movidos à compaixão e à piedade. Uma carta do
Vice-Rei Conde dos Arcos para o Rei D. José, em 1756, reflete bem este
ponto de vista:

De nenhuma maneira pode ter lugar( ...) que V. Majestade, monarca


tão pio e católico como sempre foram os reis de Portugal, proíba as
prestações de liberdade que cada um dos miseráveis cativos a quem
a fortuna ou a desgraça, justa ou injustamente, nasceu no jugo da
escravidão, se não possa remir ou livrar dela, comprando-a a seu
senhor quando ele lha queira vender, porque é, sobre contrário,
repugnante ao Direito Natural e às leis divinas e civis, do amor e
caridade do próximo (...)168.

O argumento usado pelos escravos para que os senhores


aceitassem libertá-los era quase sempre o de que não tinham um
cativeiro justo. Alegavam que eram maltratados e seviciados, não
recebiam alimentação e vestimentas adequadas ou estavam sujeitos a
solicitações sexuais com as quais não concordavam. Propunham, então,
pagar por sua liberdade um valor justo. O interessante deste tipo de
solicitação, feita diretamente aos monarcas, é que os senhores, nos
casos apresentados, não eram ouvidos. Ou seja, não havia uma forma
de eles darem suas versões. As decisões eram tomadas à sua revelia.
Por outro lado, desconhece-se a forma pela qual as petições dos
escravos chegavam aos monarcas, assim como também se ignora quem
as redigia e quem as levava a Portugal.
Mesmo considerando estes casos – muitos, por certo – nem
todos os escravos que tiveram negada sua solicitação apelaram para o
Estado. No geral, interpretava-se que o escravo era uma propriedade,
como qualquer outra mercadoria, e só poderia ser alienado caso o

168
De Arcos para o rei, 10 de agosto de 1756. APB, Ordens régias, vol. 54, fls. 97-99v; publicado em
Memórias históricas e políticas da Província da Bahia do coronel Ignácio Accioli de Cerqueira e Silva,
anotador Dr. Braz do Amaral, 6 vols. Bahia: Imprensa Oficial do Estado, 1925, vol. 2, p. 428-29, apud,
RUSSELL-WOOD (1995, p. 226).
88

proprietário assim o quisesse169. Tratava-se de assunto particular, que


incluía força, astúcia, afetividade e, como não poderia deixar de ser,
fatores econômico-financeiros, de ambas as partes.
Conseguir a liberdade dependia dos argumentos que o escravo
teria de usar para, onerosa ou gratuitamente, convencer o senhor a
concedê-la. E foram muitos que o conseguiram, como se verá.
Em termos de legislação, ao silêncio da lei de conceder ao
escravo o direito de conseguir a liberdade dando um preço justo,
opunha-se o direito positivo do senhor em retirar a liberdade
conquistada.
Em 1829, na cidade do Rio de Janeiro, Francisco Lopes e sua
mulher revogaram a liberdade de Luzia, parda. A mulher do outorgante
havia passado um escrito de liberdade à referida escrava, no dia 23 de
janeiro de 1828, no qual não havia a assinatura do marido, meeiro dos
bens do casal. Por este motivo, queriam revogar a tal escritura. Mas,
argumentou-se também que ela havia sido induzida ao erro por pessoas
mal-intencionadas. Além do mais, passou a portar-se mal. Nas suas
palavras, a referida escrava lhe tem sido depois ingrata, e tem deixado
de cumprir a condição, fugindo a muitos meses de sua casa, e deixando
de lhe prestar serviços circunstanciais170. Neste caso, foram usadas
várias situações previstas em lei para a revogação da promessa de
liberdade: indução por parte de terceiros, falta de prestação de serviço,
ingratidão e ausência de assinatura de um dos proprietários. A
revogação foi aceita e registrada pelo órgão competente.
Por uma escritura registrada no 1o Ofício de Notas do Rio de
Janeiro, de 12 de maio de 1830, o Sargento-Mor Manoel Francisco de
Miranda e sua mulher haviam concedido liberdade condicional ao seu
escravo José, da nação cassange. Não foram expostas as condições para
a alforria de José, mas provavelmente foram iguais às de tantas outras
que condicionavam a liberdade ao pagamento de uma certa quantia,
num tempo determinado – prática denominada de coartação – ou o

169
Cf. CUNHA (1985, 1986).
89

obrigavam a acompanhar o dono e obedecer-lhe, enquanto vivesse.


Segundo interpretação dos senhores, José não cumpriu o acordo, pois

(...) havendo o dito escravo fugido por duas vezes não lhes prestando
os seus serviços, como deveria e sendo agora preso por capoeira, tem-
se tornado por todos estes fatos indigno daquela graça, e em
conseqüência por este instrumento revogam a mencionada escritura,
para que não possa produzir efeito, e chamam ao cativeiro o referido
escravo, para dele poderem dispôr como lhes aprouver 171.

Em 1831, foi a vez de D. Ricarda Maria de Jesus revogar a


liberdade de Floriano, pardo, coartado em escritura de 31 de outubro de
1815. Dizia a proprietária que estava

(...) persuadida de que ele cumprisse com os deveres da condição,


servindo-a e acompanhando-a com aquele respeito a que era
obrigado, pelo contrário tem-se pessimamente conduzido, faltando-lhe
mais de uma vez com o respeito, entregando-se a deboches e
cometendo crimes, de que lhe tem resultado prisões, em conseqüência
do que tendo-se o dito escravo feito indigno daquela graça da
liberdade futura172.

Antônio José da Cunha, em 1829, revogou a liberdade


condicional de João e de José, ambos de nação congo, realizada em
escritos particulares e registrada no cartório em 12 de abril de 1825. O
argumento era o de os escravos lhe terem fugido sem justos motivos e

(...) por não terem dado justas contas dos seus jornais, e finalmente
por terem atentado contra a vida do outorgante, usando de armas
proibidas, que lhe tem sido encontradas não só por este, como por
outras pessoas 173.

Silvia Lara descreve uma tentativa de anulação de uma


liberdade já adquirida por parte do ex-escravo Francisco, cujo antigo
senhor, o Reverendo João de Andrade Mota, alegava o roubo feito por
Francisco de uma crioulinha que lhe havia comprado e por ofensas e
injúrias a ele. Por tudo isto, o Reverendo pedia que Francisco fosse

170
Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, 1o Ofício de Notas, livro 234, folha 215 verso.
171
Idem, ibidem, livro 237, folha 210 verso.
172
Idem ,ibidem, livro 236, folha 134 verso.
173
Idem, ibidem, livro 234, folha 152.
90

novamente reduzido ao cativeiro. A autora não refere se foi possível


saber o resultado da contenda, mas acredito que, como vários
processos por ela analisados, a decisão final não estava disponível na
documentação174.
Não existem estudos para o Brasil que analisem
sistematicamente a anulação da liberdade conquistada pelo escravo. Na
documentação por mim pesquisada, basicamente cartorária, há registro
de anulação de promessa de liberdade, documento que tem como título
escritura de revogação de liberdade a escravos coartados ou libertados
condicionalmente, para o Rio de Janeiro, em livros de notas cartoriais,
como os casos acima referidos. Não encontrei revogação de promessa de
liberdade em documentação similar de outra área que pesquisei, de São
João Del Rey. Também não encontrei a revogação da liberdade para
pessoas já libertas, ou seja, as que já haviam cumprido prazos, preços
ou outras condições e estavam de posse de sua carta de alforria ou de
outro instrumento legal que a formalizasse.
Aparentemente, a estratégia dos senhores era prometer a
liberdade para serem mais bem servidos, condicionando-a à sua morte
ou a um tempo determinado. Na revogação, realmente, argumentava-se
que os escravos não fizeram os serviços devidos, além de terem ofendido
moral ou fisicamente os senhores. Mas, estava previsto em lei que, em
casos de ingratidão, era possível retirar a liberdade. E os senhores
sabiam disto, usando a lei em seu favor. Ressalto, novamente, que os
casos encontrados referem-se a escravos que ainda não eram
formalmente livres, ou seja, em que havia somente a promessa da
liberdade, e não estavam, ainda, de posse de algum instrumento legal
que a comprovasse.
Justamente a única temática sobre a alforria inscrita em lei
formal parece não ter sido aplicada com freqüência no Brasil, que seria
a possibilidade de sua revogação por determinadas circunstâncias,
depois de concedida a liberdade.

174
LARA (1988, p. 265-6).
91

A esmagadora maioria das tentativas de alforria e de sua efetiva


realização, no Brasil, era resultado das agências dos próprios escravos
em relação aos seus senhores, em que a interferência de poderes
governamentais não se fazia sentir. Dependiam das leis costumeiras a
orientar colonos e escravos, do potencial de convencimento destes
últimos, das estratégias de lutas e de acordos pessoais.

3.2 – A liberdade na historiografia – principais conclusões

Durante muito tempo, a alforria foi tema irrelevante para a


historiografia brasileira, pressupondo-se que tinha alcançado
pouquíssimos escravos. Antes de 1970, somente há indicação de uma
pesquisa que utilizou cartas de alforria175. Richard Graham176, no início
da década de 1970, chamou a atenção para a necessidade de estudá-la
e pesquisas foram realizadas, a grande maioria para o século XIX,
algumas começando nas últimas décadas do século XVIII177. Poucas
trataram do período colonial.
Até pelo menos o final da década de 1970, argumentava-se que
a alforria destinava-se, primordialmente, a libertar senhores de gastos
inúteis, pois se imaginava que a maioria dos alforriados se compunha
de velhos ou imprestáveis para o serviço. Esta percepção baseava-se em
relatos de viajantes abolicionistas do século XIX que registravam os
malefícios do sistema escravista. Além dos viajantes, nada mais havia
para comprovar esta hipótese. Posteriormente, consideraram-se outras
variáveis para a libertação de escravos, mas permaneceu a idéia de que
a alforria ocorria em função dos interesses ou da conjuntura
econômico-financeira dos senhores, nunca dos escravos.

175
Cf. DAGLIONE (1968-69).
176
Cf. GRAHAM (1970, 1979).
177
Cf. BELLINI (1988); CUNHA (1986); EISENBERG (1989a, 1989b); GALLIZA (1979);
GORENDER (1985); GRINBERG (1994); HIGGINS (1999); KARASCH (2000, 1998)); KIERNAN
(1978, 1976); MATTOSO (1982, 1979); LEWKOWICZ (set.1988/fev.1989); LIMA & VENANCIO
(1988); MATTOSO & KLEIN & ENGERMAN (1988); MOTT (1973); NISHIDA (1993); OLIVEIRA
(1988); PAIVA (1995); PELÁEZ (1972); RUSSELL-WOOD (1982); SCHWARTZ (1974); SLENES
(1976); VERGER (1992); XAVIER (1996).
92

Um bom exemplo desta percepção encontra-se na primeira


edição do livro O Escravismo Colonial, de Jacob Gorender, que
afirmou:

Um desses motivos [para a concessão da alforria], antes abordado,


consistiu no interesse dos proprietários em se desvencilharem da
carga de escravos velhos e inválidos em geral (...). Conquanto faltem
estatísticas a respeito, não será demasiado supor que elevada
porcentagem de alforriados pertencesse à categoria dos inválidos 178.

Para o autor, também períodos de depressão econômica


profunda aumentavam o número de alforrias, pois os senhores ficariam
impossibilitados de sustentar seus escravos e não encontravam
mercado para os vender. Um outro motivo estaria relacionado a razões
afetivas e sentimentais que senhores poderiam ter em relação a seus
escravos, mais comum em áreas urbanas do que nas rurais e recaindo
sobre escravos domésticos e seus filhos.
Numa edição posterior e revisada de O Escravismo Colonial, de
1985, após a consideração de trabalhos realizados entre uma e outra
edição, Gorender definiu um conjunto de itens que consistiriam num
padrão para as alforrias, no Brasil:
a) maioria de alforrias onerosas e gratuitas condicionais,
tomadas em conjunto;
b) proporção relevante de alforrias gratuitas incondicionais;
c) maior incidência das alforrias na escravidão urbana do que
na rural;
d) alforrias mais freqüentes nas fases de depressão e menos
freqüentes nas de prosperidade;
e) maioria de mulheres entre os alforriados, embora fossem
minoria entre os escravos;
f) elevado percentual de domésticos entre os alforriados;
g) maior incidência proporcional de alforrias entre os pardos do
que entre os pretos;
h) elevado percentual de velhos e inválidos entre os
alforriados179.

178
GORENDER (1978, p. 346).
179
Idem , (1985, p. 354-355).
93

Em suma, escravos nada ou quase nada interferiam em sua alforria,


a não ser como agentes passivos das vontades ou das condições
econômicas e sentimentais de seus senhores.
Várias destas conclusões foram, posteriormente, descartadas por
outros estudos. Uma delas é sobre a idade dos alforriados. Mattoso,
Klein e Engerman, trabalhando com 45% das cartas de alforria
onerosas, calcularam em somente 5% o número de idosos, 12% o de
crianças e 83% o de adultos. Não foram computados, portanto, do
conjunto das cartas, 26% de escravos alforriados sem ônus nem os
libertados na pia batismal, cujo contingente era majoritariamente
constituído por crianças180.
Dados de registros de batismo e de testamentos, de Campos dos
Goitacases, comprovam situação muito semelhante. Nos testamentos
que analisei, foram concedidas alforrias (onerosas, sob condição ou
gratuitamente) a 66 pessoas, sendo que as crianças representaram 41%
do total, todas gratuitas; os adultos, 50% (muitas sob condição ou
onerosas) e os velhos, 9% (como as crianças, todas gratuitas), números
que não destoam dos encontrados em outros estudos sobre alforrias. O
interessante é que, por eu ter também o inventário, pude ver a idade
aproximada dos adultos. A média foi de 22 anos, sendo que a mulher
mais velha alforriada tinha 30 anos e a mais nova, 18. Todas estavam,
portanto, aptas à procriação. No batismo, foram libertadas na pia, entre
os anos de 1748 e 1798, na freguesia de São Salvador dos Campos dos
Goitacases, 160 crianças, numa média de 3 por ano181.
Na Freguesia de São Gonçalo, do Recôncavo da Guanabara,
entre os anos de 1671 e 1706, foram libertados 45 escravos em
testamentos transcritos em registros de óbitos. As taxas foram mais ou
menos as mesmas das encontradas para Campos dos Goitacases, no
século XVIII: 58% de crianças, 35% de adultos e 9% de velhos182.

180
MATTOSO; KLEIN; ENGERMAN, in REIS (1988).
181
FARIA (1998, cap. II).
182
Idem, ibidem, cap. II.
94

Ao que tudo indica, escravos alforriados em testamentos tinham


perfil etário semelhante entre os séculos XVII e XIX, em várias regiões.
Kátia Mattoso afirma que em nenhum momento a libertação de velhos
representou mais de 10% do total dos alforriados183.
Pode-se concluir, portanto, que a alforria de crianças parece ter
sido extremamente comum, caso ainda fossem consideradas as
concedidas na pia batismal e a testamentária. Uma primeira
constatação, portanto, é a de que a libertação de velhos não era elevada
nem muito menos a regra, como sugeriu Jacob Gorender.
Outro ponto sistematicamente tratado pela historiografia e
bastante controverso, pois resulta em conclusões opostas, seria o da
libertação de escravos em períodos de auge ou de decadência
econômica. Kátia Mattoso afirma que (...) a paulatina degradação da
economia baiana deve também ter contribuído para a elevação do número
de alforrias, principalmente após os anos de 1830184. Gorender também
apostou na decadência. Russell-Wood, ao contrário, afirma que a
prosperidade predispunha à libertação, posto que permitiria o acúmulo
de pecúlio por parte do escravo185. Francisco Vidal Luna e Iraci del Nero
da Costa também escolheram a conjuntura econômica favorável a
estimular senhores no investimento em prêmios para melhorar a
qualidade do trabalho, sendo um deles a perspectiva de alforria186.
Presumo que deve ser considerada, primordialmente, a oferta de
escravos oriundos do tráfico que, por sua vez, estaria relacionada com
as conjunturas econômicas e com a antigüidade de ocupação. Assim,
mesmo sem explicitar, alguns autores acabaram condicionando a maior
ou menor quantidade de alforria ao fator demográfico e, em última
análise, ao tráfico negreiro com a África. Mary Karasch apontou que a
abundância de escravos na década de 1840, no Rio de Janeiro,
predispunha o senhor a conceder alforria, pois eles facilmente podiam ir

183
MATTOSO (1982, p.186).
184
Idem, (1972, p. 36).
185
Cf. RUSSELL-WOOD (1982).
186
Cf. LUNA & COSTA (1980).
95

até o Valongo e comprar um escravo jovem (...) 187. Manuela Carneiro da


Cunha, por outro lado, concluiu o contrário: quanto maior o número de
escravos, menor o de alforrias. Em suas palavras: (...) a taxa de
manumissão parece ter sido inversamente proporcional ao número
absoluto de escravos em cada província: quanto mais escravos, menor a
proporção entre libertos e a população servil188.
Todos estes argumentos partem da perspectiva dos interesses
dos senhores. Conjunturas favoráveis os fariam estimular a alforria
como prêmio para melhorar o serviço ou por facilidade em repor a mão-
de-obra. Ao contrário, períodos de depressão teriam mais alforrias para
retirar do senhor gastos, no momento, excessivos ou para repor o valor
investido no escravo.
Todos, também, têm como pressuposto que a maioria das
alforrias era onerosa, independente da época, daí a relação com os
interesses dos senhores: em conjunturas desfavoráveis, aumentava o
número de alforrias, porque eles poderiam repor o valor investido na
compra do escravo libertado; na perspectiva oposta, haveria mais
manumissões em momentos de crescimento, para o senhor obter
recurso com que comprar escravos em melhor condição, mais jovens,
por exemplo.
Também foi comum, na historiografia, a referência a que as
alforrias eram mais freqüentes nas zonas urbanas do que nas rurais.
Inicialmente, tal afirmativa foi mais hipotética do que comprovada com
números. Era um exercício de lógica. Escravos urbanos tinham ofícios
mais especializados do que os rurais e muitos viviam ao ganho estando,
portanto, mais propensos a acumular pecúlio pela diferença entre o que
haviam conseguido com seu trabalho, no dia, e quanto deveriam
entregar ao seu senhor como jornal. O mesmo raciocínio se aplicava aos
escravos das minas, incluindo o roubo de ouro, que virou lenda entre
escravos mineradores. Havia, inclusive, a possibilidade de alforria em

187
KARASCH (1972, p. 515).
188
CUNHA (1985, p. 22).
96

caso de descobertas de diamantes e de delações de roubo ou


sonegação189.
Estudos empíricos parecem corroborar a hipótese que relaciona
tipo de atividade com maior ou menor possibilidade de alforria, embora
haja algumas questões importantes que não devem ser descartadas.
Peter Eisenberg sugere que a qualificação profissional realmente
poderia ajudar na alforria. Concordo com esta sugestão para explicar
grande parte delas. Mas completo, dizendo que não era exclusiva das
zonas urbanas. Escravos rurais também tinham diversificação de
ofícios, talvez não tantos quanto nas zonas urbanas. Por outro lado,
tinham acesso à terra e ao plantio de produtos que eram de sua
propriedade. Vendiam o resultado de seu trabalho e/ou de sua família,
sendo também possível acumular pecúlio – bens ou dinheiro. Não eram
só os escravos urbanos e das regiões mineradoras que tinham esta
possibilidade.
Ampliando ainda mais o enfoque, cartórios só existiam nas
zonas urbanas, e era lá que se registravam as alforrias de escravos de
vários lugares, não necessariamente só da cidade, da vila ou do
lugarejo. Descobrir em que tipo de ocupação estavam inseridos estes
escravos é tarefa praticamente impossível, pois o documento não traz
este tipo de informação.
Stuart Schwartz analisou 1.160 cartas de alforrias da cidade de
São Salvador, Bahia, entre 1684 e 1745, e não conseguiu identificar a
atividade econômica ou o local de residência da esmagadora maioria
dos senhores. Só houve referência ao local de residência em 277 casos,
ou 24%. Destes, 75% estavam localizados fora da cidade.
O autor conclui que a alta porcentagem de registros de pessoas
residentes fora de Salvador indicaria que os demais 883 casos referiam-
se a pessoas que moravam na própria cidade, já que não haveria
necessidade de maiores identificações. Apesar de entender a lógica de
seu raciocínio, não creio que a hipótese seja adequada, pois existiram,

189
Cf. MALHEIRO (1976).
97

em contrapartida, 25% dos que registraram seus endereços dentro dos


limites da cidade. Por quê? O que poderia diferenciar um do outro?
Acho que, indistintamente, não se fazia referência ao local de moradia
ou ocupação tanto dos que moravam dentro ou fora dos limites da
cidade de Salvador. Além do mais, pode-se inferir que muitos dos que
tinham casas na cidade também eram proprietários de bens rurais,
sendo impossível saber se os que conseguiram a alforria eram os que se
dedicavam aos ofícios rurais ou urbanos.
A verdade é que carecemos, ainda, de pesquisas sobre alforria
em áreas tipicamente rurais e ligadas ao mercado190. Os estudos se
restringem, como o meu, a áreas de grande atividade de serviços
urbanos, como já mencionado. Presumo, entretanto, que nas áreas
rurais, igualmente, houve variações, dependendo das conjunturas.
Ressalto que também há diferenças no teor e na motivação da
alforria em relação ao tipo de documento consultado. Havia três modos
legais de um ex-escravo comprovar seu estado de livre:
1- a carta ou papel de liberdade, assinada somente pelo senhor
ou por outro, a seu rogo, algumas vezes registrada em
cartório, em livros de notas, outras somente como um papel
particular;
2- o testamento ou codicilo;
3- a pia batismal.
Todas as formas, mesmo as particulares, valiam como
comprovação da liberdade. Ter acesso a todos estes documentos de uma
mesma região num dado período de tempo ainda não foi tarefa
conseguida por nenhum historiador. Alforrias testamentárias e na pia
batismal, por exemplo, não devem ter sido conseguidas da mesma
forma que as registradas em cartório. Neste aspecto, como em outros,
ressentimo-nos da falta de estudos que contemplem satisfatoriamente
tais documentos, para que comparações possam ser efetuadas.
Conseqüentemente, ainda não se pode dizer com segurança que
a maioria das alforrias privilegiava escravos urbanos.

190
Há pesquisas de doutorado em andamento de Márcio de Souza Soares (UFF), sobre alforria em
Campos dos Goitacases, no Rio de Janeiro, e de Roberto Guedes Ferreira (UFRJ), analisando a área de
Porto Feliz, Município de São Paulo, ambos entre os séculos XVIII e XIX.
98

Tudo nos leva a concluir, portanto, que não houve um padrão.


Muitas variáveis devem ser consideradas. Tentativas do tipo que fez
Jacob Gorender de encontrar um padrão típico de alforrias para o Brasil
foram questionadas por Peter Eisenberg:

Trabalhamos com a hipótese básica de que muitas características do


alforriado-‘padrão’ variavam conforme determinações históricas
específicas no tempo e no espaço. Seria mais informativo discutir
essas transformações históricas na alforria do que insistir num
padrão único para o Brasil em quase quatro séculos de história 191.

Segundo sua ótica, com a qual concordo plenamente, foi


justamente a diversidade que caracterizou o Brasil escravista, sendo
muito mais interessante estudar os modos como os negros, fossem
escravos ou forros, viviam e conseguiam certos ganhos, adquiridos por
sua própria indústria e trabalho, tanto no trato profissional quanto
afetivo.

3.3 – As formas de alforria

Os estudiosos, de maneira geral, têm como certa a vontade,


inerente aos negros, em deixarem de ser escravos. Os mecanismos
poderiam variar, desde uma maior carga de trabalho para juntar o
equivalente ao seu preço e pagar ao senhor, no caso das alforrias
onerosas, quanto na dedicação ao seu dono, para que fosse feita
gratuitamente.
O ato de alforriar era considerado uma concessão senhorial e,
mesmo sendo onerosa para o escravo, a justificativa recorrente para a
outorga era os bons serviços prestados pelo próprio escravo ou seu
parente. Em cartas de liberdade e em testamentos, afirmava-se que o
ato foi por livre e espontânea vontade do senhor, sem constrangimento
de pessoa alguma.
É difícil o cálculo do número de escravos que conseguiu a
alforria, pois são poucas as áreas que dispõem de mapas estatísticos de
99

população. Também dificultam o cálculo os vários documentos aceitos


como registro de liberdade, sendo raro uma região contar, hoje, com
todos eles. Estudos estimam que, proporcionalmente, poucos foram os
escravos privilegiados. Alguns estabelecem que entre 0,5 e 2% da
população escrava conseguiam a alforria, mas os dados são
fragmentados e pouco confiáveis, não sendo possível estabelecer uma
proporção fixa, principalmente porque o tipo, o número e a qualidade
das alforrias variaram muito no tempo e no espaço.
A maioria dos autores que analisou as alforrias o fez somente
pela quantificação das cartas de liberdade passadas em cartórios e
registradas em Livros de Notas. Mas havia, também, as testamentárias
e as na pia batismal.
James Kirernam192, analisando alforrias em Parati, entre 1789 e
1822, demonstrou ser o número de crianças alforriadas na pia batismal
quase o mesmo das que tiverem alforrias registradas em cartório. Ao
comparar os dois documentos, o autor constatou que não eram as
mesmas crianças. Comprovou, então, que o registro de batismo
funcionava como documento que atestava a condição de livre.
O mesmo ocorria com os testamentos, sendo este o comprovante
legal de sua liberdade, embora haja mais referências a alforrias
testamentárias sendo registradas em cartórios do que as ocorridas na
pia batismal. Nada havia, na legislação, que obrigasse o registro da
carta de alforria em cartório. Nem mesmo para a compra ou venda de
escravos era necessário o registro público. Somente em 1860 estipulou-
se esta exigência, mas só para valores superiores a 200$000 (duzentos
mil réis)193.
Como é difícil conseguir acesso aos três tipos de documentos
para uma mesmo região, a fim de se compararem os nomes dos
escravos e de se saber se eram os mesmos ou não, o que se pode

191
EISENBERG (1989, p. 257).
192
Cf. KIERNAN (1978).
193
Lei no 1.114, de 27 de setembro de 1860. In: Coleção das Leis do Império do Brasil de 1860. Tomo
XXI, parte I, p. 79-80. Rio de Janeiro: Typ. Nacional, 1860.
100

concluir, por ora, é que somente a análise de cartas de liberdade não dá


conta do conjunto dos alforriados. A proporção deles deve ter sido maior
do que se tem pensado até o momento, assim como também deve ser
diferente a sua composição, ou seja, sexo, idade, origem, etc.
Mesmo com as limitações apontadas, penso que os alforriados
formaram um grupo relativamente reduzido se comparado ao número
de escravos. Deve-se considerar, entretanto, que a freqüência na
concessão de alforrias, no Brasil, gerou uma grande massa de pardos,
representando uma enorme parcela da população livre em quase todos
os lugares do Brasil onde a escravidão foi significativa como mão-de-
obra. Portanto, se inicialmente os alforriados podem ser considerados
em pequeno número, seus descendentes foram extremamente
numerosos.
Em 1799, na população livre da cidade do Rio de Janeiro,
composta por 28.390 pessoas, 31% foram considerados pardos libertos
e pretos libertos, podendo dar idéia de que todos eram escravos
alforriados, o que talvez seja exagerado. A estimativa deve-se referir aos
realmente alforriados e a seus descendentes. Em 1834, também no Rio
de Janeiro, eles representavam 27% da população livre. Em Campos
dos Goitacases, na Capitania do Rio de Janeiro, em 1785, entre a
população livre eram 35%; em 1799, 37%. Schwartz diz que, no ano da
independência, (...) a Bahia possuía uma população de 500 mil
habitantes, dos quais cerca de um terço eram escravos e metade eram
pessoas de cor livre, libertas e seus descendentes 194.
Deve-se notar que os que faziam os recenseamentos ou redigiam
os títulos podiam estar agrupando como libertos tanto os alforriados
quanto os que nasceram livres. Em todos os cálculos, portanto, os ex-
escravos e seus descendentes eram numerosos e representavam uma
proporção expressiva da população, embora extremamente malvista
pelos contemporâneos, fossem senhores, viajantes ou historiadores que
os analisavam.

194
SCHWARTZ (1988, p. 276).
101

Avaliando a importância da criação dos terços auxiliares, o


Marquês do Lavradio, na segunda metade do século XVIII, referindo-se
aos Campos dos Goitacases, afirmou:

Foram muitos anos aqueles distritos o asilo de todos os malfeitores,


ladrões e assassinos, que ali se recolhiam vivendo com um
despotismo e liberdade, que quase não conheciam sujeição de
pessoas alguma, todos viviam em bastante ociosidade, contentando-
se só de cultivarem pouco mais do que lhes era preciso para
sua sustentação. (...) Estes povos em um país tão dilatado, tão
abundante, tão rico, compondo-se a maior parte dos mesmos povos de
gentes de pior educação, de um caráter o mais libertino, como
são negros, mulatos, cabras, mestiços, e outras gentes
semelhantes, não sendo sujeitos mais que ao Governador e aos
magistrados, sem serem primeiro separados e costumados a
conhecerem mais junto, assim outros superiores que gradualmente
vão dando exemplos uns aos outros da obediência e respeito, que são
depositários das leis e ordens do Soberano, fica sendo impossível o
poder governar sem sossego e sujeição a uns povos semelhante 195
[grifos meus].

Considerações como estas formaram a base de análises


historiográficas criadoras dos conceitos de “marginalidade”, de
“desclassificação” e, mesmo, de “mundo da desordem”196 para tratar dos
que se situavam entre senhores e escravos. Incorporaram, desta forma,
as premissas do pensamento dos grupos dominantes do período
escravista.
É consenso historiográfico que, se o escravo é responsabilidade
do senhor, os libertos o eram do Estado, e os depoimentos de várias
autoridades reconhecem esta competência. Libertos e seus
descendentes, no geral, deveriam tornar-se mão-de-obra e adequar-se
ou subjugar-se ao poder de mando dos homens bons; por outro lado,
quando livres e autônomos, ameaçavam a ordem que se queria impor.
O Marquês do Lavradio considerava que o governo distante
resultava numa liberdade de ação e movimento indesejável ao controle
social desses povos e ao sossego. A solução seria o aprendizado da
obediência e da sujeição. Ao buscarem novas e/ou melhores condições

195
LAVRADIO (1843 p. 422 e 424).
196
Cf. PRADO Jr. (1979); FREYRE (1987); SOUZA (1986); MATTOS (1987); FRANCO (1974).
102

de sobrevivência, libertos tinham que, constantemente, reafirmar sua


liberdade frente a terceiros (provando serem livres) e a eles próprios (ao
optar por atividades autônomas e distantes de antigos ou pretensos
novos senhores). Contemporaneamente, percebia-se que grande parte
dos homens que se tentava controlar era de origem ou antepassado
escravo. Dados dos registros paroquiais confirmam a maior
movimentação dos homens alforriados do que dos nascidos livres e
brancos.197
A forma de se ter acesso à alforria podia ser gratuita, onerosa,
sob condição ou uma combinação das três – como já mencionado. Mas
poderia ser onerosa para o escravo e ao mesmo tempo determinar que
só seria efetivada após a morte do senhor, por exemplo. Outra situação
PARA PESQUISA
poderia ser a gratuita, estipulando um número de anos para se realizar.
Há indícios de uma certa relação entre o tipo de instrumento
legal em que a alforria foi realizada e o seu custo dela para o escravo.
Quando inscrita em livros cartorários, intituladas (dependendo
do lugar e da época) carta de liberdade (a mais comum), carta de alforria
ou papel de liberdade, para diversas regiões e períodos para os quais há
estudos, grande parte delas foi onerosa para o escravo. Os
historiadores, de uma maneira geral, consideram que a prestação de
serviços por um tempo determinado equivalia a uma forma de
pagamento.
Mary Karasch analisou 1.319 cartas para o período de 1807 a
1831, do Cartório do 1o Ofício de Notas do Rio de Janeiro, e concluiu
que raramente a alforria foi gratuita198. Em 39,4% dos casos, elas foram
pagas em dinheiro; em 21,6%, havia alguma condição, como a
prestação de serviço por um certo tempo ou até a morte do senhor ou
de algum parente. Em somente 20,1% foram incondicionais e gratuitas.

197
Cf. FARIA (1998).
198
Cf. KARASCH (2000).
103

Em Campinas, São Paulo, entre 1798 e 1850, também a grande


maioria foi onerosa199, sendo 34,3% (de 235 documentos) gratuitas e
sem condição, e as demais, em dinheiro ou em tempo de serviço.
Em minhas pesquisas para o Rio de Janeiro e Minas Gerais, no
século XVIII e primeira metade do XIX, houve grande variação entre os
períodos. No XVIII, a maioria das alforrias foi onerosa (incluindo a
onerosa e sob condição) e, no XIX, a esmagadora maioria foi gratuita
(incluindo a gratuita sob condição), para as duas áreas (Quadros 1 e 2).
Para a cidade de Parati, no Rio de Janeiro, entre 1789 e 1820, e em
certas áreas da Paraíba, entre 1850 e 1888, havia equilíbrio entre as
gratuitas e as onerosas.
Stuart Schwartz calculou que, na década de 1740, na cidade de
São Salvador, Bahia, pouco mais da metade era paga, embora nos anos
entre 1680 e 1730 a maioria fosse gratuita200. No século XIX, a maioria
das alforrias analisadas por Mieko Nishida, para Salvador, foi
gratuita201.

QUADRO 1
Forma de aquisição da alforria no Rio de Janeiro
Séculos XVII, XVIII e primeira metade do XIX – Totais gerais

Séculos Gratuita Onerosa % de Total


onerosa
XVII 51 36 41 87
XVIII 1.060 1.244 54 2.304
XIX* 3.745 1.595 30 5.340
Total 4.856 2.875 37 7.731
Há sete formas de alforrias indeterminadas no XVII e uma no
XVIII
Fontes: Cartas de Liberdade. Arquivo Nacional do Rio de
Janeiro. Livros de Notas e Registro Geral. Cartórios do 1o.,
2o. e 3o. Ofícios de Notas.

199
EISENBERG (1989, p. 283-284).
200
Cf. SCHWARTZ (1974).
201
Cf. NISHIDA (1993).
104

QUADRO 2
Forma de aquisição da alforria em São João Del Rey - MG
Séculos XVIII (1774-1800) e XIX (1801-1830) – Totais gerais

Séculos Gratuita Onerosa % de Total


onerosa
XVIII 231 350 60 581
XIX* 384 243 39 627
Total 615 593 49 1.208
Há duas formas de alforrias indeterminadas no XVIII e uma
no XIX
Fontes: Cartas de Liberdade. Arquivo do Museu Histórico de
São João del Rei (MG). Livros de Notas.

A conclusão a que se chega, com os dados apresentados para


diversas regiões e períodos, é que generalizações não são possíveis, já
que não se encontrou um padrão típico, o que certamente não ajuda
muito. A variação nos resultados dos dados é bastante evidente em
liberdades registradas em cartórios, necessitando de uma análise mais
sistemática das conjunturas.
As alforrias testamentárias trazem um dado diferente das
inscritas em cartas de liberdade. Minha impressão é a de que elas
pensar isto
para pesquisa representam uma maior proximidade ou, mais especialmente,
afetividade e parentesco entre senhores e escravos, embora existam
poucos estudos que trabalhem de maneira sistemática com alforrias
testamentárias para que comparações possam ser realizadas. As
referências às alforrias testamentárias, em diversos estudos, aparecem
como exemplos ou ilustrando conclusões.
Nem todos que alforriavam escravas e seus filhos se referiam ao
grau de consangüinidade que porventura tivessem, em particular
quando estes filhos eram resultado do adultério de senhores com
escravas, suas ou de outros. A legislação, tanto civil quanto eclesiástica,
impedia que se reconhecessem filhos adulterinos, tanto mais quando
fossem de mães escravas. Mas a quantidade de mulheres alforriadas e o
percentual elevado de crianças libertas em testamentos, a grande
maioria gratuita, induzem à idéia de que muitos deles deveriam ser
parentes dos testadores.
105

Em Campos dos Goitacases, no Rio de Janeiro, entre 1714 e


para pesquisa
1799, em 63 testamentos que analisei, de proprietários de escravos, 20
alforriaram pelo menos um escravo. No total, foram alforriados 35
cativos, 69% deles mulheres e, destas, 63% gratuitamente. Dos
homens, ao contrário, 64% tiveram de pagar por sua alforria. Os demais
homens eram crianças, alguns libertados no momento da redação do
testamento, com reconhecimento da paternidade por parte do senhor.
As alforrias testamentárias não onerosas para os escravos não
saíam sem ônus para os herdeiros necessários. O valor relativo à
avaliação do escravo alforriado deveria sair da terça do testador,
conforme previa a legislação portuguesa. A terça representava a terça
parte do conjunto dos bens de um indivíduo. Os outros dois terços eram
dos herdeiros necessários (descendentes – filhos; ascendentes – pais).
Caso a pessoa casada tivesse cônjuge ainda vivo, portanto meeiro dos
bens, somente a terça parte de sua metade poderia ser distribuída,
conforme a vontade do testador. Entendia a legislação sobre herança
que aos filhos legítimos caberiam integralmente os dois terços
restantes202.
A alforria em testamento parece ter sido problemática para
alguns escravos que a recebiam, pois querelas sobre a legalidade da
manumissão, iniciada por parte de herdeiros, parecem ter sido comuns,
embora não a regra. Em testamentos coloniais, há indícios de que
escravos alforriados em testamentos não estavam livres da
reescravização. Alguns testadores foram especialmente previdentes,
neste sentido, em particular quando o escravo envolvido era seu filho ou
parente. Emblemático foi o caso de Baltazar Gonçalves, em 1714, que,
por ser o alforriado seu filho, chegou a afirmar:

Declaro que tenho um mulato por nome Pedro Dias que desde que
nasceu é forro por ser meu filho e ter sua carta de alforria e em

202
Cf. FARIA (1998).
106

nenhum tempo os meus herdeiros poderão entender com ele com


pena de minha maldição203 [grifo meu].

Já em relação à filha de um casal de escravos seus, este mesmo


senhor não sentiu necessidade de fazer uma ameaça sobrenatural, mas,
de qualquer forma, tentou preservar a liberdade da envolvida, temendo
provavelmente a prática comum de herdeiros de tentarem reverter ou
“esquecer” as alforrias:

Declaro que possuo uma crioula pequena por nome Tereza a qual
sendo de mama me deu seu pai e sua mãe setenta mil réis quando
fora avaliada por morte de sua senhora Bárbara Mendes da Costa
[segunda mulher do testador] a qual crioula é forra por ter recebido
sua valia, e daqui em diante nenhum de meus herdeiros poderão
entender com ela por ser forra e liberta204.

Silvia Lara considera que o momento da morte de um senhor


era crítico para a liberdade. A autora analisou diversos processos de
liberdade, de Campos dos Goitacases, que se iniciaram quando da
morte dos senhores, quase sempre com o escravo alegando acordo
verbal anterior, alguns até mesmo com pagamentos, que não foram
mantidos ou simplesmente ignorados por meeiros ou herdeiros.
Felizarda da Encarnação, parda, escrava de Manoel Lopes de
Jesus, em 1799 entrou na justiça contra a viúva deste, alegando que já
havia dado seis dobras por conta de sua liberdade 205, mas foi descrita e
avaliada no inventário como escrava. Segundo seu argumento, o trato
verbal havia sido ignorado e ela se arriscava a perder a quantia que
havia empenhado.
Teresa, preta escrava da falecida Quitéria Álvares, em 1795
alegou que o testamento de sua senhora havia sumido, mas tendo sido
lido por várias pessoas, e que nele era declarada livre da escravidão sem
nenhum ônus. Como o testamento até aquele momento não havia
reaparecido, ela foi arrolada entre os bens de sua falecida senhora, que

203
Inventário de Baltazar Gonçalves, 1714. Arquivo do Cartório do 1o Ofício de Notas de Campos dos
Goitacases, Rio de Janeiro. FARIA (1998).
204
Idem.
205
Casos citados por LARA (1988, p. 255-259).
107

deveriam ir à hasta pública. Teresa pretendia, então, que lhe fosse


passada a carta de liberdade, o que efetivamente ocorreu, tendo ela que
pagar as custas do processo206. Como estes, vários outros casos
indicam que a promessa da liberdade, os acordos verbais ignorados ou
o sumiço de documentos faziam com que muitos escravos tivessem
sérios problemas para conquistar ou manter sua liberdade.
As condições para obtê-la, mesmo gratuita, muitas vezes
vinculavam a alforria à morte de seu senhor ou senhora, algumas vezes
acompanhada da cláusula de esperar também a morte do cônjuge, o
que a tornava muito incerta. Realmente, numa época em que a família
era a responsável pela assistência a velhos ou incapacitados
fisicamente, garantir o cuidado em momentos especiais, de doença ou
velhice, foi prática comum entre testadores. Quando donos de escravos,
tentaram garantir um acompanhamento especial até a hora derradeira.
O interesse era de serem bem-servidos, o que nem sempre acontecia,
principalmente quando demorava muito.
Foi comum, tanto em cartas de liberdade quanto nas alforrias
testamentárias, a concessão de parte ou de todo o tempo de trabalho
para o próprio escravo obter ganhos para pagar sua liberdade. Os
escravos sob esta condição eram denominados de coartados ou
quartados, já que estariam entre a escravidão e a liberdade, pois, apesar
de formalmente passíveis de se tornarem livres, ainda não haviam
conseguido atender às exigências pecuniárias estipuladas.
Segundo Laura de Mello e Souza, em artigo recente, a coartação
é mal estudada entre nós. Teria sido pouco comum na América
portuguesa, mas Minas Gerais foi a região que dela mais fez uso.
Ressalta que alguns estudiosos a confundem com a alforria condicional,
sendo, na realidade, bastante específica, pois permitia ao escravo certa
liberdade de movimento ou a capacidade de obter ganhos para
conseguir a quantia necessária. O documento que a legalizava era
denominado de carta de corte. O pagamento poderia ser parcelado ou

206
Idem, ibidem p. 255-259.
108

integral, e quase sempre se prefixava o número de anos concedidos


para sua plena efetivação.
A autora considera que ganho e coartação eram mais freqüentes
em meio urbano, em particular em Minas Gerais, onde não só a vida
urbana era especialmente ativa, como também a atividade mineradora
dava aos escravos certa liberdade de movimento ou de trabalho
autônomo, que lhes permitiam a obtenção de ganhos pecuniários.
Apesar de em minha própria pesquisa eu corroborar que em Minas
Gerais a coartação tenha sido mais numerosa, também era comum em
outras áreas. Em testamentos do Rio de Janeiro, do século XVIII, foram
inúmeros os testadores que deixaram escravos quartados. Em Campos
dos Goitacases, no mesmo século, área rural da Capitania do Rio de
Janeiro e ligada à agroexportação açucareira, testadores estipularam o
valor do escravo e um tempo determinado para que ele desse seu valor,
embora a palavra coartado não tenha aparecido.
Não se pode considerar a concessão da alforria por parte do
senhor somente pelo interesse econômico, como aludem certos autores.
Para um grupo expressivo, como já se aludiu, as alforrias
representavam a liberação de encargos, no caso de alforrias de velhos
ou inválidos, ou de ressarcimento de investimentos e despesas, em
momentos econômicos pouco propícios207. Também não se pode
imaginar que as concessões eram movidas majoritariamente por
sentimentos de apreço, consideração ou amor. Foram vários os motivos,
alguns inclusive de ordem religiosa.
Remir escravos do cativeiro era tido como prática cristã e
para pesquisa testadores foram bastante ciosos em encaminhar bem o destino de suas
, o peso da moral
cristao na concecao almas e ficar em paz com a consciência. Como o estabelecimento de
da liberdade testamen-
taria
missas, esmolas a pobres, dinheiro para obras pias, alforriar escravos
era prática que, na concepção católica popular, representava o exercício
da caridade cristã e fazia com que o executor ganhasse benesses
especiais nos julgamentos de além- túmulo.

207
Entre outros, podem-se citar SOUZA (1983); MARTINS (1983); e SLENES (1975).
109
aqui a autora da um outro norte explicativo
sobre as concecao da alforrias
Também
distanciando das analise demogra era esperado que ele reconhecesse erros passados e
ficas.
que os tentasse corrigir. Filhos naturais208, portanto, deveriam ser
reconhecidos, e realmente foram muitos que assim o fizeram. Quando o
filho natural era escravo, então, seria inconcebível que o mantivesse no
cativeiro. Já o filho adulterino, que não poderia ter nomeada a
paternidade, o mínimo a fazer seria alforriá-lo e, ao que tudo indica,
muitos ficaram em paz com sua consciência libertando-o do cativeiro.
O desprendimento maior de testadores em alforriar cativos
talvez se explique com mais propriedade pela situação vivida por ele no
momento de redação do testamento do que por uma afetividade de fato.
Em testamentos, o autor redigia ou ditava suas últimas vontades
quando em perigo de vida. Seu estado de saúde aparece logo na
primeira parte do testamento e a grande maioria afirmava estar com
doença que Deus me deu, estando de cama, porém em meu perfeito juízo
e entendimento, etc.209. O fato de que as alforrias testamentárias
tendiam mais a libertar escravos gratuitamente do que as registradas
em cartórios pode ter sido resultado da interpretação da alforria como
obra de caridade. Mas tudo são, ainda, conjecturas.
alforria na pia A alforria na pia batismal era outra forma de registrar a
libertação. A proporção de crianças assim alforriadas, filhas de mães
solteiras, era expressiva para várias regiões e períodos. Em São João
Del Rey, entre os anos de 1736 e 1831210, houve 303 crianças
libertadas no batismo. Destas, 163 eram mulheres, 137, homens e uma
tinha nome que não permitia identificar o sexo. Somente 26 eram filhas
de pais casados. As demais 276 eram naturais. Das que trouxeram
origem da mãe – 165 delas, ou 54% – quase a metade era da África
(48%); as demais, crioulas. Entre os anos de 1831 e 1854, foram
alforriadas 48 crianças, 33 delas mulheres e 15 homens. A origem é

208
Filho natural era o gerado em relacionamento sexual entre pessoas solteiras ou viúvas. O filho era
adulterino quando pelo menos uma delas era casada.
209
Cf. FARIA (1998, principalmente capítulo IV).
210
Os dados de batismo de São João Del Rey foram coletados por Silvia Maria Jardim Brügger, Maria
Leônia Chaves de Resende e Maria Teresa Cardoso. Agradeço às pesquisadoras os dados a mim
gentilmente cedidos.
110

mais difícil de ser indicada neste período de tráfico ilegal de escravos,


pois a condição de nascida na África poderia trazer problemas para o
proprietário. Somente seis diziam ser a mãe da África.
alforria na pia
Em Campos dos Goitacases, houve somente 159 alforrias num
conjunto de 9.798 batizados de livres, entre os anos de 1748 e 1800. A
amostragem indicou predominância de filhos naturais. Das alforrias, 34
libertavam filhos legítimos e 124 (78%) eram filhos de mães solteiras211.
É certo que pouco podemos fazer somente com números, mas a
alforria na pia
freqüência de reconhecimento da paternidade em testamentos, por
parte de quem dizia ter alforriado na pia batismal filhos e filhas, que
teve com escravas, era mais provável quando a escrava fosse solteira.
Somente como dedução, presumo que parte considerável de crianças
alforriadas na pia batismal era parente dos senhores.
Neste tipo de alforria, na pia batismal, é impossível detectar a
presença ou não de pagamento e os motivos da concessão da liberdade,
pois não eram referências necessárias. Imagina-se, entretanto, que a
maioria tenha sido gratuita, pois a alta mortalidade infantil tanto
restringia o gasto de dinheiro com a liberdade de uma vida incerta, por
parentes da criança, quanto faria com que senhores fossem mais
dispostos a concedê-la. Alia-se a estes argumentos o fato de que as
alforrias na pia batismal também tivessem grande ligação com relações
de parentesco ou de afetividade entre senhores e escravos.
As pesquisas realizadas sobre alforria têm-se ampliado nos
últimos tempos, reconhecendo-se a importância deste segmento
populacional na sociedade escravista brasileira, seja da Colônia ou do
Império. Apesar disto, é ainda difícil um balanço que dê conta das
inúmeras variáveis. A única constatação certa, neste sentido, é que não
houve, realmente, um padrão, variando no tempo e no espaço.

211
Registros de batismo de livres. Cúria Metropolitana de Campos dos Goitacases. FARIA (1998).
111

Capítulo IV – As condições da alforria

4.1 - Os privilegiados na alforria

Um balanço historiográfico sobre alforria realizado por Peter


Eisenberg concluiu que os estudos até aquele momento formaram um
certo perfil do escravo mais privilegiado na conquista da liberdade:

Esses estudos concluem que o alforriado foi mormente ou


desproporcionalmente mulher, mulata, crioula, muito jovem ou muito
velha, de profissão mais qualificada e de preço menor que o preço
médio de uma escrava212.

Realmente, uma das poucas unanimidades entre os


historiadores é a de ter sido a mulher privilegiada no acesso à
manumissão, apesar de bem menos numerosa na população escrava.
Mary Karasch calcula que, para o Rio de Janeiro, entre 1807 e 1831,
dois terços das alforrias contemplavam as mulheres213. Para a cidade de
Salvador, na Bahia, entre 1779 e 1850, as proporções foram similares,
com o número de mulheres alforriadas perfazendo o dobro do de
homens214.
A proporção poderia variar um pouco, conforme a região e no
tempo, mas, é fato, com saldo sempre positivo para elas. Presumo que
seja incontestável a afirmação de que, em lugares em que predominou a
escravidão de negros da África, elas detiveram mais recursos que os
homens para se libertarem do cativeiro, mesmo sendo em número
muito menor na população escrava, na maior parte das regiões.
Quais recursos, entretanto, é a grande questão. Algumas
hipóteses foram aventadas pela historiografia.
A primeira refere-se à capacidade da mulher escrava em
acumular pecúlio, pois executava atividades como o do pequeno

212
EISENBERG (1989, p. 251).
213
KARASCH (1987, p. 336).
214
Schwartz faz um rápido balanço dos estudos sobre alforrias, na Bahia. SCHWARTZ (1988, p. 275).
Ele próprio realizou um importante trabalho sobre alforrias entre os anos de 1684 e 1745. Cf. Idem
(1974); ver, também, MATTOSO (1972).
112

comércio, prostituta, ama-de-leite, entre outras215. Tendo preço inferior


ao dos homens, era possível, com mais facilidade, obter o equivalente
ao seu custo216. Além do mais, os senhores estariam mais propensos a
libertar escravas do que escravos, já que os últimos seriam preferidos
em várias atividades, principalmente nas agrárias e nas de mineração.
A segunda hipótese enfatiza o grau de afetividade que elas
puderam estabelecer com seus senhores, fosse como ama-de-leite de
seus filhos, no serviço doméstico ou como amante217. Assim, a alforria
estaria ligada a laços sentimentais, recompensando os bons serviços
prestados. Peter Eisenberg apresenta uma outra hipótese – a de que a
família escrava, pressupondo-a solidária, teria a tendência de investir
conjuntamente na alforria de mulheres para preservar a prole da
escravidão, já que a escravidão seguia o ventre218.
É bastante provável que todos estes argumentos estejam
corretos para explicar a maior manumissão de mulheres, em conjunto,
mas é necessário fazer distinção entre as que tiveram mais ou menos
condições de deter o controle de um ou de outro recurso.
Analisei 7.739 alforrias em 5.878 registros (um registro muitas
vezes tinha mais de uma alforria), do Rio de Janeiro, entre 1612 e 1861.
Há variações grandes de quantidade entre os séculos. No XVII, foram 94
alforrias, no XVIII, 2.305 e, no XIX, 5.340219. Estou analisando as
alforrias registradas em cartórios. As proporções não destoam muito
das de outras pesquisas, com a esmagadora maioria delas
contemplando mulheres – entre 57% e 64% – entre o século XVII e a
década de 1850 (Quadro 3).

215
Cf. KARASCH (1987); DIAS (1995).
216
Cf. MATTOSO (1972, 1976).
217
Cf. KARASCH (1987).
218
Cf. EISENBERG (1989).
219
Devo esclarecer que não utilizei todas as cartas de alforrias registradas em livros de notas dos
Cartórios de 1º., 2º., 3º e 4º Ofícios de Notas e de Registro Geral do Rio de Janeiro, mas creio que coletei
número significativo delas que sustentam os argumentos que proponho a seguir.
113

Quadro 3
Alforrias no Rio de Janeiro em relação ao sexo
Séculos XVII, XVIII até a década de 1850 – totais gerais

Séculos Homen Mulher % de Total


s es Mulher
es
XVII 40 54 57 94
XVIII 823 1.482 64 2.305
XIX* 2.188 3.152 59 5.340
Total 3.051 4.688 60 7.739
Fonte: Cartas de Liberdade. Arquivo Nacional do
Rio de Janeiro. Livros de Notas e de Registro Geral.
Cartórios do 1o., 2o., 3o. e 4o. Ofícios de Notas.

Em São João Del Rey, as proporções foram menores, mas


também favoráveis às mulheres, variando entre 55% e 57%, entre os
anos de 1774 e 1848 (Quadro 4).

Quadro 4
Alforrias em São João Del Rey em relação ao sexo
1774 - 1848 – Totais gerais

Anos Homens Mulher % de Total


es Mulher
es
1774- 257 338 57 595
1800
1801- 378 464 55 842
1848
Total 635 802 56 1437
Fonte: Cartas de Liberdade. Cartório de Notas de São
João Del Rey. Livros 1 ao 14. Arquivo do Museu
Histórico de São João del Rei.

Havia uma impressão, nos primeiros estudos sobre alforria, de


que escravos nascidos no Brasil, especialmente as mulheres, estariam
mais propensos à alforria do que os nascidos na África. Realmente, a
maioria dos estudos trazia dados que comprovavam este resultado.
Mas, como os demais aspectos da alforria, também este variou no
tempo e no espaço.
114

Uso a expressão “nascidos no Brasil” porque entre eles estão os


crioulos, os pardos, os mulatos e os cabras. Não eram todos crioulos.
Os escravos alforriados no século XVII, no Rio de Janeiro, eram,
majoritariamente, indígenas ou seus descendentes, denominados de
gentio da terra e mulato, provavelmente, como já foi dito, mestiço de
branco com índio220. Os nascidos no Brasil, assim, eram 73% dos
alforriados (Quadro 5). No século seguinte, eram 62%, já incluindo na
sua grande maioria, os descendentes de africanos, diminuindo para
42% na primeira metade do século XIX. Houve uma clara tendência à
menor participação de crioulos, mulatos, cabras e pardos no acesso à
alforria. Visto por outro ângulo, cada vez mais os nascidos na África
alcançavam percentual mais alto no acesso à liberdade.

Quadro 5
Alforria por origem (Brasil ou África) – Rio de Janeiro – geral
Séculos XVII, XVIII até a década de 1850

Século/ XVII XVIII XIX


Origem
No % No % No %
Brasil 69 73 1.425 62 2.230 42
África 2 2 711 31 2.438 46
Outra - - 1 0 2 0
origem
Indetermina 23 25 167 7 669 12
do
Total 94 100 2.304 100 5.339 100
Fonte: Cartas de Liberdade. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
Livros de Notas e de Registro Geral. Cartórios do 1 o., 2o. e 3o.
Ofícios de Notas.

Na cidade de São João Del Rey, por outro lado, manteve-se a


mesma proporção, nos séculos XVIII e XIX, na relação entre nascidos
no Brasil e na África (Quadro 6), sempre com predomínio dos nascidos
no Brasil nas manumissões, com 62% deles em ambos os séculos.

220
Sérgio Buarque de Holanda assim se refere a ele: de passagem, convém notar que a palavra ‘mulato’
se aplicava em São Paulo a mestiços de índios tanto como de negros, e àqueles naturalmente mais do que
a estes por ser então diminuta ali a escravidão africana: mesmo durante a primeira metade do século
XVIII, os registros de batizados de carijós falam em “molatos” com tal acepção, e só raramente aludem
a “mamelucos”. HOLANDA (1994 p. 264).
115

Pode-se ter como hipótese que os senhores de escravos de São João Del
Rey tinham poucas chances de acesso ao mercado atlântico de
escravos, o que resultaria numa maior população nascida no Brasil
entre os escravos. Sendo maioria na população, portanto, alforriavam-
se mais. Mas, realmente, isto parecia não ocorrer. Eduardo França
Paiva calcula que 2/3 da população escrava eram compostos por
nascidos na África, na Comarca do Rio das Mortes, onde se localizava
São João Del Rey. Não era, portanto, por serem majoritários que
crioulos, mulatos, pardos e cabras se alforriavam mais.

Quadro 6
Alforrias segundo a origem – São João Del Rey (1774-1848)

Século/ Origem 1774-1800 1801-1848


No % No %
Brasil 361 62 520 62
África 197 34 228 27
Indeterminado 26 4 87 11
Total 584 100 835 100
Fonte: Cartório de Notas de São João Del Rey.
Arquivo do Museu Histórico de São João del Rei.

Vale a pena repetir: pouco do que se refere à alforria pode ser


explicado meramente por dados quantitativos. As mulheres eram
minoria nas escravarias, mas eram as que mais se libertavam. Não é
por serem mais numerosos os nascidos na África que os nascidos no
Brasil, no conjunto dos escravos, o que determinava serem os mais
alforriados. Eles também foram maioria, em períodos anteriores, no
conjunto da população escrava, mas os naturais se alforriavam mais.
Para tentar explicar a maior proporção de nascidos no Brasil
nas alforrias, é necessário indicar a forma como foi obtida, se onerosa
ou gratuitamente. Os nascidos no Brasil eram, muitas vezes, filhos ou
parentes de senhores, predispondo à alforria, principalmente gratuita,
como se verá.
Um dos motivos para o aumento da proporção de nascidos na
África entre os que se alforriavam no Rio de Janeiro pode ser a entrada
maciça de escravos nos portos do Rio pelo tráfico atlântico, na primeira
116

metade do XIX. Pode-se conjecturar que havia, por parte dos senhores,
mais predisposição à liberdade pela facilidade de acesso à mão-de-obra
trazida pelo tráfico, mas creio que também houve maior pressão, por
parte dos escravos, para conseguir a liberdade, justamente tomando a
ampla oferta da época.
Stuart Schwartz foi talvez quem, pela primeira vez, sugeriu
deslocar a discussão sobre alforrias das considerações dos diferentes
interesses dos senhores para a (...) inclusão das percepções e das
iniciativas dos escravos em relação aos regimes criados pelos fatores
demográficos, econômicos e culturais 221. Escravos, cada vez está mais
claro, usaram de vários mecanismos para conseguir a liberdade,
incluindo a perspicácia em perceber conjunturas propícias. Como
hipótese, sugiro que os escravos se utilizaram do conhecimento sobre o
amplo mercado de escravos que se configurava para conseguir a
liberdade com mais facilidade, embora muitas vezes não tenham sido
felizes em seus cálculos.
A análise, feita a seguir, sobre as condições da alforria, se
gratuita, onerosa ou sob condição, pode elucidar alguns aspectos sobre
as artimanhas dos escravos de variadas origens para conseguirem a
liberdade. Constatei variações importantes, dependendo da origem do
escravo.

4.2 – Pelos bons serviços prestados

Sendo uma doação, uma concessão senhorial, a alforria, nas


cartas de liberdade, traziam invariavelmente o argumento de que estava
sendo realizada pelos bons serviços prestados pelo escravo, fosse ela
gratuita, onerosa, sob condição ou uma combinação das três.
A alforria incondicional é a mais referida na historiografia como
representante do sucesso do empenho do escravo em bajular seus
senhores, de modo a garantir a liberdade. Seria ela o resultado da
submissão, por anos a fio. Realmente, as palavras contidas nas cartas

221
SCHWARTZ (1974, p. 631).
117

de alforrias incondicionais revelam relação próxima entre senhores e


escravos. O perfil do alforriado incondicionalmente seria feminino,
nascido no Brasil e ligado ao serviço doméstico. Sugere-se, também,
que poderia ser parente do senhor ou com ele ou seu familiar ter
relações sexuais ou amorosas.
Os dados das alforrias do Rio de Janeiro, de 1720 à década de
1850, corroboram estas proposições.
No século XVIII, na cidade do Rio de Janeiro, foram concedidas
658 alforrias incondicionais, num universo de 2.305. Das 658,
expressivos 416 eram mulheres, o que representa 63%. Nascidas na
África eram somente 90 (22%). As demais eram pardas (110), crioulas
(92), mulatas (73) e cabras (22), perfazendo um total de 297 ou 71% 222.
No século XIX, o número de mulheres continua impondo-se,
mas a proporção cai para 56% (1.513 mulheres em 2.692 alforrias).
Destas, 218 (14%) tinham origem indeterminada. Aumentou a
porcentagem das nascidas na África para 37% (560 mulheres). Quase a
metade era nascida no Brasil, somando 735 ou 49%, com maior
preferência, desta vez, ao invés das pardas, do período anterior, pelas
crioulas (363), seguidas das pardas (265), mulatas (64) e cabras (33).
Estas alforrias gratuitas incondicionais estavam, quero crer,
relacionadas com certos fatores de ordem pessoal, embora algumas
delas tivessem outras motivações.
Houve, apesar de incomum, referência explícita de proprietários
que desejavam livrar-se de gastos excessivos. Em 1752, Ana Correia
concedeu a liberdade a Maria, angola, por estar a escrava muito doente
e a outorgante ser muito pobre223. Outras referiam-se a o escravo estar
muito doente ou velho. Realmente, apesar de não ter sido usual, alguns
senhores se aproveitavam da alforria para se libertar de gastos, na sua
concepção, inadequados.
O mais comum, no entanto, além da referência aos bons
serviços prestados, era por tê-lo(a) criado, por ser parente do

222
Havia 29 de origem indeterminada.
118

proprietário (principalmente filho e neto) ou pelo(a) proprietário(a) ter


casado com o(a) alforriado(a). Neste último caso, consta nas Ordenações
Filipinas que o casamento entre senhor e escravo extinguia a condição
escrava224, fato já mencionado.
Uma primeira impressão é a de que parte significativa dos
escravos alforriados nascidos no Brasil era composta de crianças. Na
carta de alforria, a idade não é informação comum, mas 67 registros,
das 658 gratuitas incondicionais, do século XVIII, e 135 das 2.692, do
XIX, eram de crianças entre meses de vida e 13 anos de idade.
Várias crianças foram alforriadas por seus pais, que
reconheciam, na carta de alforria, a paternidade. O reconhecimento da
paternidade em qualquer documento só se poderia dar caso o filho não
para pesquisa
fosse adulterino, e parece que os habitantes levavam a sério tal
prescrição. Assim, podemos supor que muitas crianças eram filhas de
senhores ou de homens casados e com posses, que não podiam
reconhecer a paternidade. Libertavam filhos, mesmo sem explicitá-lo.
Foi muito comum a alforria de pardos e mulatos por padrinhos ou por
homens, sem qualquer outra referência, potencialmente seus pais
biológicos. Nunca, entretanto, poderemos ter certeza.
Foi usual, também, crianças, normalmente pardas, sendo
libertadas por terem sido criadas pelos outorgantes. Eram as chamadas
minhas crias, expressão comum em verbas testamentárias, nas quais
aparecia até o termo amor para se referir à sua relação com ela. Eram
escravos nascidos em suas casas, alguns, até mesmo, parentes dos
outorgantes, mas de que não se reconhecia a filiação paterna. Era o
caso de mulheres que sabiam ser a criança filha de um filho casado,
sua neta, portanto, e que a alforriava, beneficiando-a em testamento,
mas não mensionavam o parentesco. Declarações como as de Germana
da Silva Guimarães, em São João Del Rey, em 1788, foram
extremamente comuns, inclusive tentando garantir um futuro mais
seguro para suas crias:

223
Cartório do 2º Ofício de Notas, Livro de Notas 70, p. 37. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
119

Declaro que possuo outra escrava por nome Anna também mina a
qual tem uma filha por nome Arcângela cabra a quem deixo forra e
liberta pela ter criado e lhe querer bem. (...) Declaro que a outra parte
de meus bens a deixo por esmola a dita cabrinha Arcângela que
acima deixo forra e a dita esmola que lhe deixo meu testamenteiro lha
entregará quando ela fizer idade de quatorze anos 225.

Testadores de São Gonçalo, do Recôncavo da Guanabara, no


século XVII, demonstraram uma constante preocupação com filhos
ainda escravizados no momento de sua morte. Luiz Gomes da Silva,
falecido em 1687, declarou ter

(...) um mulatinho por nome Francisco, o qual por serviço de Deus e


por ser meu filho dei a Hierônimo Carneiro de Albuquerque 35$000
para o livrar de ser cativo e para assim, peço pelo amor de Deus a
meus filhos e a minha filha Isabel de Andrade lhe façam uma carta
de alforria, visto ser meu filho, e rogo muito a minha filha o conserve
em sua companhia, doutrinando-o e castigando-o como seu irmão e
tanto que for capaz de aprender algum ofício para se sustentar 226.

Gonçalo Maciel, falecido em 1698, convivia com vários de seus


filhos naturais, alguns ainda escravos. Em seu testamento, declarou
que

(...) fora casado em Vila de Conde com Maria da Costa, já defunta, e


não tivera filhos dele, nem em Portugal tinha herdeiro algum. Declarou
que tinha três filhos e uma filha em sua companhia, a saber:
Domingos, Marcelino, Ana que tivera de uma escrava por nome Isabel;
e Clemente filho de outra escrava sua por nome Maria, e outra filha
casada por nome Tereza de Jesus, e assim mais outra filha por nome
Úrsula, que não sabia dela. Declarou que a negra Isabel de quem
tinha três filhos a deixava forra e a seus filhos. Declarou que estes
que acima nomeava eram seus herdeiros e os instituía por tais
daquilo que se achasse depois de seus legados e dívidas pagas 227.

A alforria de filhos ou parentes dos senhores na pia batismal,


mesmo sem o reconhecimento explícito da paternidade no momento,
mas realizado anos depois, foi muito freqüente em todas as épocas e em

224
Ver capítulo II, item 2.1.
225
Arquivo do Museu Histórico de São João del Rei, Livro 7. Testamento de Germana da Silva
Guimarães, 1788.
226
Registro de Óbito, São Gonçalo, 1687. FARIA (1998).
227
Idem, 1698. Idem, ibidem.
120

todas as regiões. Há casos mais famosos, como o de Chica da Silva,


filha de uma negra e de um português, libertada em 1753, e mãe de um
filho de seu ex-senhor, o médico Manuel Pires Sardinha, que o alforriou
na pia batismal, mas só o reconheceu como filho e herdeiro em seu
testamento228. Outros, anônimos, procederam da mesma forma.
Havia os que se preocupavam em possibilitar a liberdade aos
filhos de outras pessoas livres, quando filhos de suas escravas, como
Bento Pinheiro de Lemos, em 1680, que afirmou:

Declarou que por bons serviços que havia recebido de Paula, mulata,
sua escrava, a deixava forra e a seu filho Feliciano, livres ambos de
toda escravidão, e assim seus testamenteiros lhe passarão suas
cartas de alforria, por sua morte. Declarou que de Isabel, filha desta
mulata, se dá por pai Rodrigo Dias, e querendo-a forrar, este por sua
verba, a dê por forra e livre de toda escravidão na mesma
conformidade que sua mãe e irmão 229.

As liberdades em testamentos também incluíam escravos com


outros tipos de parentesco. Em 1680, Paula de Oliveira, viúva, declarou
ter uma mulatinha por nome Bastiana, a qual deixava forra, por ser filha
do dito seu testamenteiro 230, que era seu filho. Libertava, portanto, mas
não dizia explicitamente, sua neta. Maria de Gouveia, falecida em 1697,
era dona de 22 escravos. Solteira e sem filhos, alforriou vários, entre
eles alguns que imaginava poderem ser seus parentes. Ao conhecer o
murmúrio sobre a paternidade de vários escravos seus, estaria
incorrendo em pecado grave, caso os mantivesse no cativeiro, ao mesmo
tempo em que, alforriando-os, ganhava pontos para a entrada no Céu.
No seu testamento,

Declarou que a mulata acima declarada chamada Águida a deixava


forra e liberta por me constar ser filha de meu sobrinho Miguel
Gomes. Declarou que deixava liberta e forra sem impedimento algum
a Teodósia mulata, filha de Luíza, pelos bons serviços que recebeu de
sua mãe e por constar ser filha de meu sobrinho Antônio.

228
Cf. FURTADO (1999).
229
Registro de Óbito, São Gonçalo, 1680. FARIA (1998).
230
Idem.
121

Declarou que deixou forro e livre a Silvestre mulato, por me constar


ser filho de meu sobrinho Pascoal Pedroso 231 [grifos meus].

Caso como o de Francisco Gonçalves Garcia, natural da Ilha da


Madeira, falecido em 1693, era mais raro. O reconhecimento da
paternidade de um filho adulterino talvez se tenha dado por ter sido ele
concebido ao tempo de sua primeira mulher, e não com a que estava
casado no momento em que testou, e por estar este filho convivendo
com ele por muitos anos. Declarou que

Fora casado na Ilha da Madeira com Maria Gonçalves, da qual não


tivera filho nem filha, e que de presente era casado com Bárbara da
Silva, nesta freguesia, da qual tem uma filha por nome Maria (...) e
sendo casado na Ilha da Madeira com sua primeira mulher, tivera um
filho de uma negra cativa nesta terra, por nome Antônio, o qual por
ser adulterino não pode nunca ser meu herdeiro, e só por lhe fazer
esmola o forrou em vida de seu antecessor Pedro de Abreu e por ele
deu 25 arrobas de açúcar e pelo criar lhe fazer esmola lhe deixava
20$000232.

Estas, entretanto, são alforrias testamentárias, muitas vezes


não registradas em cartórios.
Nas cartas de alforria, alguns proprietários detalhavam quais
foram os bons serviços prestados e foi comum a indicação de que a
escrava havia criado os filhos do(a) outorgante. Em 1824, Luiz Gomes
Araújo libertou gratuitamente Balbina, de Benguela, por ter criado sua
filha e lhe ter servido por mais de vinte anos233.
A referência de que uma escrava tenha sido ama-de-leite dos
filhos de um senhor só existe para o século XIX e, mesmo assim, para a
década de 1840. Na relação de escravos de inventários post-mortem
para várias regiões que analisei, como o Rio de Janeiro, São João Del
Rey e Campos dos Goitacases, inexiste, para o século XVIII, escrava
ama-de-leite. Esta atividade só começou a aparecer com freqüência,
como no caso das cartas de alforria, na década de 1840.

231
Idem, ibidem, 1693.
232
Idcm.
233
Cartório do 2º Ofício de Notas, Registro Geral, livro 37 , p. 101. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
122

Presumo que este costume não era comum no período colonial,


sendo resultado, provavelmente, da presença da Corte portuguesa no
Brasil, a partir de 1808, e do hábito de a nobreza e de os grupos mais
enriquecidos terem amas-de-leite para seus filhos, conforme refere Júlio
Dantas234. Na segunda metade do século XIX, aumenta o número de
anúncios solicitando amas-de-leite e aparecem, freqüentemente, em
inventários escravas com esta função. As referências a elas na
historiografia partem mais do ouvi dizer do que de documentos que
comprovem sua atuação e de relatos de médicos higienistas europeus
sobre as mazelas da amamentação mercenária235.
Houve também casos de alforria por estar o proprietário de
partida para algum lugar, como Antônio José Pinheiro, em 1772, que
libertou a parda Marcela por estar de partida para Lisboa236.
Impossível saber a ocupação dos escravos alforriados. No século
XIX, sequer numa carta de alforria gratuita houve menção ao ofício do
escravo. Quanto a estar ligado ao serviço doméstico, isto só pode ser
considerado entre os senhores mais enriquecidos. Entre os menos
aquinhoados, quero crer que os escravos eram utilizados em muitas
funções, inclusive nas domésticas, mas também no ganho, na venda a
retalho, nas atividades do senhor, etc. Definir, portanto, o que seria um
escravo doméstico, tanto na zona rural quanto urbana, é bastante
difícil.
A título de exemplo, separei 60 senhoras que foram indicadas
como dona, no século XVIII, signo de diferenciação e prestígio social na
época. Destas, pelo menos 10 eram suas crias, filhas de mulheres ainda
escravas. Uma delas, dona Joana Maria Juliana de Albuquerque, em
1781, alforriou a parda Francisca, filha da preta Teresa (que se manteve
como sua escrava) por ter tomado o estado de casada237. Nestes
testamentos, para o período colonial, no Rio de Janeiro, com freqüência

234
Cf. DANTAS (1914).
235
Ver, a esse respeito, FREYRE (1987, p. 360-363).
236
Cartório do 1º. Ofício de Notas, livro 141, p. 90. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro
237
Cartório do 2º. Ofício de Notas, livro 109, p. 182v. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro
123

há referência a se alforriar uma cria com a condição de se manter


donzela até o casamento.
Se é que estas mulheres alforriavam escravos domésticos,
próximos de seu convívio, eram eles nascidos no Brasil. Somente 10 dos
alforriados eram da África e houve cinco sem referência. Os demais 50
eram nascidos no Brasil, com predomínio dos pardos. Partindo deste
questao para pesquisatipo de documentação, pode-se supor que escravos pardos eram mais
propensos a ser utilizados no serviço doméstico. Seriam, provavelmente,
os mais predispostos a se aproximar, em termos culturais, dos valores
católicos e brancos dominantes. Mas, não se manteve assim.
No século XIX, mais escravos nascidos na África foram
beneficiados pelas senhoras e, provavelmente, participavam de sua vida
doméstica. Foram 294 escravos alforriados gratuitamente por senhoras
referidas como dona. Destes, 123 eram nascidos no Brasil (42%), 28,
indeterminados (9%) e os demais 143 (49%), da África. Havia
predomínio das mulheres nas alforrias: 172 (59%) contemplavam
mulheres. Quatro senhoras disseram que as alforriavam por terem sido
por elas amamentadas. Outras, que os escravos haviam servido muito
bem por vários anos. Expressivos 40 destes alforriados eram suas crias
e tinham mães escravas ainda de propriedade das outorgantes, mas 12,
filhos de mulheres já forras.
Em suma, posso concluir, através dos dados apresentados, que
os motivos da alforria incondicional eram vários, mas indicam,
realmente, que havia com bastante freqüência relação afetiva,
consangüínea ou ritual entre as partes envolvidas. No caso das casas
mais ricas, realmente a atuação no serviço doméstico, gerando a
proximidade com seus senhores, deve ter influído na concessão da
alforria gratuita incondicional.
As condicionais apresentaram maior variedade de motivos.
Foram 402 (17%), entre as 2.305 alforrias do século XVIII, e 1053
(20%), de 5.340, para o XIX. Da totalidade das gratuitas (1.060), no
124

XVIII, representavam 38%. No XIX, entre 3.745 alforrias gratuitas, 40%


foram condicionais.
O grande argumento da historiografia é o de que as alforrias
condicionais representariam o interesse dos senhores em serem bem
servidos. Numa política de estímulo, acenariam com a liberdade futura
para receber ganhos extras.
Realmente, a exigência, em qualquer dos séculos, era
basicamente a mesma: acompanhar o outorgante enquanto fosse vivo,
quando não seu cônjuge, filho, neto, sobrinho ou outra pessoa
estipulada. Era, efetivamente, um sistema extremamente perverso.
Havia, entretanto, condições singulares, como a que fez
Domingos Coelho Brandão, em 1750, que exigia, para a alforria, que
Domingas, angola, fizesse boa vida com seu marido, Pedro, também
angola238. Outra inusitada foi a de Rita, moçambique, de 22 anos, que
seria libertada por José Vicente Guerra, em 1826, desde que nunca
mais voltasse à sua casa239. Alguns foram mais benignos, estipulando
um número de anos, como o fez Felipe Dionísio Gonçalves Leite, em
1850, determinando que sua escrava crioula, Alexandrina, filha de sua
escrava Maria, mina, deveria servi-lo até completar 25 anos240.
Uns poucos se preocuparam com a vida após a alforria dos seus
escravos, impondo como condição o aprendizado de algum ofício ou
poder se reger. A preta forra Francisca do Espírito Santo, em 1820,
determinou à sua escrava preta Feliciana, de 2 anos de idade,
comprada junto com sua mãe, de nação rebolo, no mercado do Valongo,
que ficasse sob os cuidados de Liciana [sic] Maria da Conceição até
poder se reger241.
As onerosas condicionais foram poucas: 90 para o século XVIII e
80, no XIX. O teor era muito diferente das gratuitas, inclusive das
gratuitas condicionais. Uma pequena parte relacionava a alforria ao

238
Idem, ibidem, livro 65, p. 29.
239
Idem, ibidem, Registro Geral, livro 42, p. 194.
240
Idem, ibidem, livro 82, p. 44.
241
Idem, ibidem, livro 30, p. 107.
125

tempo de vida do senhor ou a uma pessoa determinada. Outra, mais


comum, foi a da alforria ser paga por alguém que exigia serviço até sua
morte. A maioria, entretanto, estipulava acordos para a forma do
pagamento, normalmente porque uma parte já havia sido dada. Creio
que a carta de alforria condicional paga, nestes casos, garantia o acordo
para que o escravo preservasse os recursos que já havia despendido.
As alforrias na cidade de São João Del Rey, entre os anos de
1774 e 1848, tiveram perfil extremamente semelhante às do Rio de
Janeiro, inclusive nas condições para as alforrias gratuitas e pagas e
nas proporções entre elas. Também no século XIX aumentou muito a
proporção das gratuitas em relação ao século anterior. Só que, diferente
do Rio, se manteve o predomínio de nascidos no Brasil, fossem nas
gratuitas ou nas onerosas. Entre 1774 e 1800, 64% das mulheres e
58% dos homens tiveram de pagar pela liberdade; entre 1801 e 1848,
29% das mulheres e 40% dos homens o fizeram (Quadro 7).

Quadro 7
Alforrias segundo o sexo e a forma – São João Del Rey (1774-1848)

1774-1800 1801-1848
Origem Mulheres Homens Mulheres Homens
G ON %ON G ON %ON G ON %ON G ON %O
África 22 71 80 30 74 71 65 39 38 67 57 46
Brasil 87 135 61 69 70 50 229 86 27 129 76 37
Indet. 9 4 33 9 4 31 32 11 26 29 15 34
Total 118 210 64 108 148 58 326 136 29 225 148 40
Fonte: Cartório de Notas de São João Del Rey. Arquivo do Museu Histórico de São
João del Rei.

As alforrias gratuitas, mesmo sob condição, podem-se referir ao


grau de afetividade ou de sexualidade estabelecido entre senhores e
escravas, incluindo a gestação de filhos. Mas, está evidente, há
distinções entre as mulheres nascidas na África e as nascidas no Brasil.
Crioulas, mulatas e pardas estabeleceram com mais freqüência laços
deste tipo.
Toda esta argumentação serve para que eu constate que podem
estar corretas várias afirmações existentes na historiografia sobre a
aceitação ou a procura, por parte de mulheres escravas, em estabelecer
126

relacionamentos afetivos ou sexuais com senhores ou seus parentes


para se verem livres, e a seus filhos, do cativeiro, mas nunca saberemos
a proporção exata das que viram realizados seus intentos. Não é o caso
de discutir, aqui, se o relacionamento sexual foi imposto ou escolhido
pelas escravas. Provavelmente os dois casos ocorreram. Também não é
possível deduzir ou elucubrar o aspecto moral da situação, pois
estaríamos mais informados sobre as interdições ou preceitos morais do
catolicismo da época do que dos mesmos aspectos nas culturas
africanas das quais essas mulheres faziam parte. Mas, sem dúvida,
muitas viram seu infortúnio ou estratégia recompensados pela
conquista da liberdade.
A maioria das alforrias inscritas em cartas de liberdade e
registradas em cartórios foi resultado da conquista, por parte dos
escravos, de acúmulo de pecúlio. E, neste caso, também as mulheres
saíam privilegiadas em relação aos homens.
É necessário frisar que ambas as formas de conseguir a alforria,
fosse paga ou gratuita, dependia do empenho dos envolvidos em
convencer seus senhores a lhes conceder a liberdade. E, neste ponto, ao
que tudo indica, não era somente possuir o equivalente ao seu preço
que importava, mas as estratégias de persuasão que as mulheres
detinham mais do que os homens. Era uma variedade grande e
diversificada de recursos, muitas vezes combinados, de que essas
mulheres dispunham, não sendo possível determinar com clareza qual
o predominante.

4.3 – Alforrias onerosas

No século XVIII, no Rio de Janeiro, 54% dos escravos tiveram


que pagar por sua liberdade. No XIX, o quadro se inverteu: até a década
de 1850, somente um quarto dos homens e um terço das mulheres o
fizeram (Quadro 8). Manolo Florentino sugere que o aumento do valor
do preço do cativo impediu que escravos pudessem acumular recursos
127

suficientes para o pagamento de sua liberdade, cada vez mais


elevado242. Restava-lhes, então, negociar a liberdade gratuita.
Para o autor, foi o auge da politização na busca da liberdade, já
que sua aquisição deslocou-se da acumulação de recursos, do mercado,
portanto, para a órbita intrínseca da negociação 243. Penso que
Florentino pode ter certa razão, mas deve ficar sempre claro que,
mesmo pagando por ela, o escravo tinha de convencer seu senhor a
permitir a alforria. Conseguir o papel de liberdade nunca deixou de
depender de uma negociação, ou de uma politização, segundo sua
expressão. Nunca foi uma questão meramente de mercado.

Quadro 8
Forma de aquisição da alforria no Rio de Janeiro em relação ao
sexo
Do século XVII à década de 1850 – Totais gerais

Séculos Gratuita Onerosa Porcentagem de Total


onerosa
Homem Mulher Home Mulher Homem Mulher
m
XVII 18 33 19 17 51 (37) 34 (50) 87
XVIII 396 664 426 818 52 (822) 55 2.304
(1.482)
XIX* 1.616 2.129 573 1.022 26 32 5.340
(2.189) (3.151)
Total 2.030 2.826 1.018 1.857 33 40 7.731
(3.048) (4.683)
Há sete formas de alforrias indeterminadas no XVII e uma no XVIII
Fonte: Cartas de Liberdade. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Livros de Notas e de
Registro Geral. Cartórios do 1o., 2o. e 3o. Ofícios de Notas.

O que mais interessa frisar, no momento, é que nem todos os


grupos puderam (ou quiseram) obter a alforria gratuitamente. Alguns
mantiveram a necessidade ou o costume de pagar por ela. Desta forma,
o argumento de Manolo Florentino perde sua eficácia, quando se
focalizam, separadamente, os grupos de alforriados.
A análise a seguir separa a forma de obtenção da alforria
somente entre gratuitas e onerosas, incluindo, em cada uma delas, a

242
Cf. FLORENTINO (2002).
128

condicional. Penso que a gratuita condicional, pelo seu teor, significava


realmente tempo de serviço, mas não representava desembolso
monetário. Interessa-me destacar, agora, os que conseguiram, por
mecanismos vários, acumular pecúlio para pagar por sua liberdade.
Os crioulos sempre receberam majoritariamente alforria
gratuita, embora em grande parte condicional. No século XVIII, mais da
metade a recebeu sem ônus monetário. No século XIX, a proporção
aumentou significativamente para 72%. O mesmo aconteceu com os
nascidos na costa centro-ocidental africana: no século XVIII, 41% dos
escravos nascidos na região congo-angolana a receberam
gratuitamente; no XIX, a proporção subiu expressivamente para 74%.
Já para os nascidos na África ocidental, 30% a receberam
gratuitamente, no XVIII, e, no século seguinte, a tendência da
gratuidade também ocorreu, como nos outros grupos, mas aumentou
para somente 43% deles. Mais da metade continuou tendo de pagar por
ela, principalmente as mulheres. Destes, 52% dos homens e expressivos
62% das mulheres tiveram de pagar pela liberdade (Ver Quadro 9). Esta
diferença de procedimento faz dos nascidos na África ocidental,
realmente, um grupo de comportamento diferenciado do resto dos
escravos.

Quadro 9
Aquisição da alforria mediante pagamento segundo a origem e o
sexo, por século.
Rio de Janeiro – século XVIII até a década de 1850

Século XVIII XIX


Origem H On* %O M On %O H On %O M On %O
África cen- 128 72 56 277 175 63 691 171 25 990 286 29
tro
ocidental
África 83 54 65 222 166 75 188 97 52 205 127 62
ocidental
Brasil 547 264 48 878 432 49 808 200 25 1422 442 31
* Alforria onerosa.
Fonte: Cartas de Liberdade. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Livros de Notas e de
Registro Geral. Cartórios do 1o., 2o. e 3o. Ofícios de Notas.

243
Idem, ibidem, p. 20-21.
129

os minas Os nascidos na África ocidental conseguiram ou quiseram,


majoritariamente, pagar por suas alforrias, mesmo considerando que
seu valor de mercado tenha aumentado, na primeira metade do século
XIX. O que teriam os pretos minas de especial? Manolo Florentino 244
propõe que os minas eram mais ocupados no serviço de rua, de ganho,
do que os das demais origens, daí sua maior capacidade em acumular
pecúlio. Supõe, também, maior eficiência na organização de suas
instituições, como irmandades, associações de auxílio mútuo, cantos e
família, que permitiriam maior capacidade de arrecadar recursos.
Traziam, então, bagagem cultural mais adequada para superar a
condição de escravos, a que foram obrigados a se submeter. Para
completar ressalto apenas que coube às mulheres minas, mais do que
aos homens, estas qualidades.
As mulheres foram maioria entre os alforriados em todos os
grupos, com exceção dos nascidos na África oriental (Moçambique), em
que os homens eram 61% (Quadro 10). Entretanto, tiveram que pagar
mais por suas alforrias, em relação aos homens de seus mesmos
“grupos”. Entre as minas, 75%, no século XVIII, e 62%, no XIX,
conseguiram, de alguma forma, acumular pecúlio para pagar por sua
liberdade.
Algumas vezes, na própria carta de alforria, há referência à
forma como os escravos conseguiram o seu valor. Não é possível
quantificar estas informações, pois são eventuais e desnecessárias ao
registro.

244
Cf. Idem.
130

Quadro 10
Proporção de Homens e Mulheres, conforme área da África, na
alforria
Rio de Janeiro (geral) – Do século XVIII à década de 1850

Século XVIII XIX


Origem H M Tot. %H %M %T H M To. %H %M %T
África 128 277 405 32 68 57 691 990 1681 41 59 69
centro- (405) (405) (711) (1.681) (1.681) (2.438)
ocidental
África 83 222 305 27 73 43 188 205 393 48 52 16
ocidental (305) (305) (711) (393) (393) (2.438)
África 1 1 - - - 134 87 221 61 39 9
oriental (221) (221) (2.438)
África - - - - - 52 91 143 37 63 6
indetermina (143) (143) (2.438)
do
Total 212 499 711 30 70 100 1.065 1.373 2.438 44 66 100
(711) (711) (711) (2.438) (2.438) (2.438)
Fonte: Cartas de Liberdade. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Livros de Notas e de
Registro Geral. Cartórios do 1o., 2o. e 3o. Ofícios de Notas.

Quando era paga por terceiro, algumas vezes havia referência


sobre as relações entre eles. A alforria da mina Violante, em 1738, foi
paga pelo seu padrinho, João Batista Pinto. Em 1742, Maria, mina, já
de idade, foi libertada mediante pagamento feito pelo Alferes Caetano
Gomes da Silva, em função de ela o haver criado. Joana, mina, em
1750, teve a liberdade paga por seu marido, Manoel Machado de Jesus
– pardo, liberto e sapateiro. A alforria da mina Catarina, em 1754, foi
paga por seu irmão Antônio de Bastos Maia, preto forro. Guiomar,
mina, em 1755, teve a alforria paga por sua filha, Joana de Deus
Pinheiro, preta forra. A liberdade de Maria mina, em 1784, foi paga por
sua comadre, Inês Luiza.
O preto forro mina Ignácio Gonçalves, em 1786, de São João Del
Rey, determinou, em seu testamento, que a meu afilhado Joaquim filho
de Manoel e Maria escravos de Miguel Simões dará meu testamenteiro
por legado se o eu não tiver forrado ao tempo de meu falecimento cinco
oitavas e se o houver forrado nada245.
Relações, portanto, de parentesco consangüíneo e ritual muitas
compadrio e alforria
vezes foram fundamentais para a liberdade. Mas, a maioria das

245
Registro de Notas de São João Del Rei. Arquivo do Museu Histórico de São João del Rei, Livro 3.
Testamento de Ignácio Gonçalves, 1786.
131

alforrias onerosas foi custeada, ao que tudo indica, através do resultado


do trabalho da própria beneficiada – através de suas agências.
As cartas de liberdade do Rio de Janeiro traziam mais
informações. Para obtê-la, a escrava Luzia, preta mina, em 1749, tomou
o valor emprestado com Pedro Francisco. Ignácia, em 1746, pagou a
sua alforria mediante empréstimo que fez junto à sua comadre.
Informação como a de que Rita, mina, em 1753, pagou sua alforria com
o que obteve dos jornais do seu ofício de quitandeira é rara, mas deveria
ser situação bastante comum. Houve formas mais gerais, como a de
que a escrava obteve autorização para vender suas quitandas ou
utilizar suas agências para conseguir o dinheiro necessário para a sua
liberdade.
Outras não estipulavam o valor, mas deram escravos em troca
de sua alforria. Estas referências foram mais numerosas. Maria mina,
em 1745, pagou a sua alforria dando em seu lugar a escrava Guiomar,
moleca ganguela. No mesmo ano, Ana, mina, deu dois escravos. A
escrava Águida, em 1750, pagou a sua alforria mediante a entrega de
sua escrava Tereza, de nação angola. Francisca, em 1830, o fez dando
em seu lugar dois moleques, um nagô e um cabinda246.
Havia ainda as que declararam, em suas cartas de liberdade, ter
pedido esmolas. A escrava Joana, assim como inúmeras outras, obteve
autorização do seu proprietário, em 1749, para pedir esmolas com o
objetivo de pagar a sua alforria.
Apesar destas declarações, nas cartas de liberdade, o mais
comum foi só a referência a que pagou X mil réis, X doblas247 ou X
oitavas248 de ouro. Em relação às 293 mulheres nascidas na África
ocidental que pagaram por sua alforria, em 63% dos casos, nada foi
referido sobre como conseguiram o dinheiro.

246
Livros de Notas e de Registro Geral dos Cartórios do 1º, 2º., 3º e 4º Ofícios de Notas do Rio de Janeiro
(1612 – 1860).
247
Uma dobla equivalia a 12$800 (doze mil e oitocentos réis).
248
Uma oitava de ouro valia 1$200 (um mil e duzentos réis).
132

Houve até as que se utilizaram, fraudulentamente, da


participação em alguma irmandade para conseguir bens para si ou para
o pagamento da alforria de outrem. O caso descrito no testamento de
Isabel da Silva, do Rio de Janeiro, preta forra da Costa da Mina do
gentio da guiné é bastante esclarecedor. Tendo sido casada por três
vezes, afirmou que o último marido, Antônio Vieira, crioulo forro, havia
ido para sua companhia sem possuir coisa alguma. Afirmou, categórica:
Eu paguei por sua liberdade. Isabel conseguiu juntar pecúlio por um
meio que, no momento de redação do testamento, considerou ilícito.
Declarou que pediu dinheiro para a Irmandade de São Felippe e
Santiago e que, embora não se tivesse vestido e sustentado com estas
esmolas, dela tirou alguns dinheiros dos quais procede tudo que possuo,
e também o dinheiro que dei para a liberdade do dito meu marido. Por
isso, determinava que:

(...) nestes tempos tudo o que se achar por minha morte pertence à
Irmandade a quem rogo pelo amor de Deus me perdoe o que faltar e o
que eu consumi, e peço ao dito meu marido convenha em tudo e se
entregue por restituição à minha Irmandade, pois ele muito bem sabe
a verdade do que digo (...)249.

Sendo por relações solidárias entre parentes, amigos, irmãos ou


por suas próprias agências, estas mulheres minas conseguiram
efetivamente pagar por sua liberdade, mesmo com preço inflacionado e
num momento em que a maioria dos escravos conseguia libertar-se
gratuitamente.

4.4 – Os minas no Rio de Janeiro

Gostais da África? Ide, pela manhã, ao mercado


próximo do porto. Lá está ela, sentada, acocorada,
ondulosa e tagarela, com o seu turbante de casimira, ou
vestida de trapos, arrastando as rendas ou os andrajos.
É uma curiosa e estranha galeria, onde a graça e o
grotesco se misturam. Povo de Cam, debaixo da sua
tenda.

249
Livro de Óbito da Freguesia do Santíssimo Sacramento da antiga Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da
Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Testamento de Isabel da Silva, de 21/11/1779.
133

Há também as negras vendedoras, matronas do


lugar, patrícias da manga e da banana, com o seu
rosário de chaves. Essas damas mercadoras têm seus
escravos que lhes arrumam as quitandas, vigiam,
vendem ou vão colocar seus grandes cestos nas
esquinas das ruas freqüentadas, tentando a
curiosidade do passante. Não acrediteis que essa
aristocracia do comércio negro, que tem prerrogativas e
patentes, se deixe arrastar pelas suaves e santas
piedades a ponto de socorrer os pés descalços da África,
seus irmãos ou irmãs. Ela é avara e implacável. Só ama
e compreende o dinheiro, e os próprios portugueses a
respeitam em negócios. (Charles Ribeyrolles (1812-
1861). Brasil Pitoresco. Belo Horizonte: Itatiaia; São
Paulo: EDUSP, 1980, vol. 1, p. 203)

O viajante francês Charles Ribeyrolles esteve no Brasil em 1858,


aqui morrendo, vítima de febre amarela, em 1860. Sendo um
abolicionista, com ironia criticava procedimentos que considerava
censuráveis: a forma como as negras vendedoras tratavam seus
próprios escravos, seus irmãos ou irmãs, e, no limite, o fato de elas
possuírem escravos. O autor nos dá a entender que o correto seria
haver maior solidariedade entre escravos e ex-escravos, não só por
serem ou terem sido cativos, mas por uma origem territorial comum – a
África – os pés descalços da África, seus irmãos ou irmãs. Ao autor
escapava o fato de que a concepção de uma África genérica e abstrata
como ponto de referência era inexistente. Não considerava, também,
embora devesse ser de seu conhecimento, que os costumes de origem
dos escravos nascidos na África também pressupunham a escravidão.
Homens e mulheres nascidos na África assumiam designações
variadas ou por elas eram identificados, no Brasil. Algumas vezes era o
porto de embarque; outras, mais genéricas e criadas no Brasil; ainda
outras, raramente, de seus próprios grupos étnicos, mas certamente
nunca era a de africano(a).
Impressiona, nas considerações de Ribeyrolles, o
estabelecimento de uma hierarquia para as negras da cidade do Rio de
Janeiro de meados do século XIX. Afirmou que as damas mercadoras
formavam a primeira classe das quitandeiras, seguidas pelas que não
134

têm mais que um tamborete e um tabuleiro sobre estacas e debaixo de


um toldo, nas horas de muito sol 250. Quanto às primeiras, não explicitou
a origem, mas, das segundas, afirmou serem filhas das Minas e da
Bahia. Crioulas, portanto. O proletariado seria composto pelas negras
do Congo, de Moçambique, de Anguiz e de Benguela, marchando atrás
de suas senhoras.
Apesar de não estar explícito, a primeira classe das quitandeiras
deveria ser composta pelas pretas minas, por exclusão, posto que
indicou as crioulas e as nascidas na África centro-ocidental na segunda
e na terceira categoria, respectivamente. Também os pretos minas
seriam diferentes dos demais: arrogantes e altivos, avessos às
atividades domésticas:

Mais além, encontramos a rua de S. Bento. Grande entreposto


de café. Dela, sobretudo, partem os negros minas, atléticos,
mármores vivos, que fazem o transporte dos armazéns ao cais.
Rebeldes a toda sorte de escravatura doméstica, formam entre
si uma corporação, sustentam uma caixa de resgates que, a
cada ano, alforria e remete alguns às plagas africanas 251.

As palavras com as quais Ribeyrolles se refere aos pretos minas


são quase as mesmas das de outro francês, Charles Expilly, que
também afirma a não acomodação de tais escravos às exigências do
serviço doméstico: em outro ponto, observei o espírito rebelde e o caráter
independente dos pretos minas. Afirmei que a sua natureza não se
amoldaria bastante às exigências do serviço doméstico252. Quero crer
que Expilly plagiava Ribeyrolles, pois seu primeiro livro, Le Brésil tel
qu’il est, em que explora os diferentes tipos culturais do Rio de Janeiro,
foi publicado em Paris pela primeira vez em 1862, enquanto a primeira
edição do livro de Ribeyrolles, Brasil Pitoresco, foi editado bem antes, em
1859253.

250
RIBEYROLLES (1980, vol. 1. p. 203).
251
Idem, ibidem, p. 209).
252
EXPILLY (1977, p. 81).
253
Foi publicada em 1959 somente a primeira parte do Brasil Pitoresco, mas nela que se encontram as
impressões sobre os pretos minas.
135

Plágio ou não, parece ter sido impressão corrente, pelo menos


para viajantes que estiveram no Rio de Janeiro em meados do século
XIX, que os pretos minas tinham comportamento diferente dos nascidos
na África centro-ocidental254.
A convicção de que estas diferenças realmente existiram varou
décadas e foi reproduzida, mais além, com base nestes e em outros
viajantes, por diversos autores, até mesmo Gilberto Freyre. Nina
Rodrigues, Edison Carneiro, Arthur Ramos e outros estavam certos de
que os escravos originários da costa ocidental africana – os minas –
eram superiores, em termos culturais, aos demais povos escravizados
da África.
Edison Carneiro estabeleceu, inclusive, uma hierarquia cultural.
Dividiu os povos africanos traficados para o Brasil em duas categorias:
os negros sudaneses e os bantos. Os três principais grupos sudaneses
seriam, em ordem de importância, os nagôs (iorubas), seguidos dos jejes
(ewes), ambos da Costa dos Escravos, estando em terceiro os negros
minas (tshis e gás), da Costa do Ouro. Afirmava, como Nina Rodrigues,
que portadores de cultura mais adiantada, e aqui entrados em maior
número, os nagôs dominaram completamente a massa da população
negra255.
Estas considerações sobre os diferentes grupos sudaneses, no
Brasil, referem-se especificamente à Bahia da segunda metade do
século XVIII à década de 1850, época de entrada do maior contingente
de escravos da África ocidental. O quadro é bastante diferente do Rio de
Janeiro, onde escravos da África centro-ocidental, bantos, formavam a
esmagadora maioria. No Rio, em bem menor número, escravos da África
ocidental eram denominados, genericamente, de pretos minas.

254
Banto é termo genérico, que designa um tronco lingüístico comum a vários povos da África Central e
Austral. A identificação foi feita, segundo Robert Slenes, com a contribuição significativa do pintor
bávaro Johann Moritz Rugendas que, em 1825, de volta à Europa, passou as informações sobre
vocabulários africanos encontrados no Rio de Janeiro a um cientista francês, que as publicou. Anos mais
tarde, com o trabalho de outros lingüistas, foi criado o termo banto (ou bantu) para designar a nova
família de línguas. Segundo Slenes, Pode-se dizer, portanto, sem grande exagero, que através de
Rugendas a Europa descobriu no Brasil uma parte importante da África. SLENES (1991-1992, p. 49).
255
CARNEIRO (1991, p. 30).
136

Não temos como avaliar, portanto, a que povos, ou nações, como


se dizia na época, Ribeyrolles e Expilly se referiam, nem mesmo se
conheciam suas diferenças, mas podemos ter certeza de que não eram
escravos bantos, estes, sim, mais bem distinguidos por etnias.
Ribeyrolles sabia, por exemplo, que havia diferença entre as escravas do
Congo, de Moçambique, de Anguiz e de Benguela, que compunham o
proletariado, mas aos outros tratava genericamente de mina.
A forma genérica – mina – com que esses viajantes
denominavam os escravos da África ocidental era comum aos
habitantes do Rio de Janeiro, entre os séculos XVIII e XIX. Raríssimas
vezes, em documentos, há a especificação sobre sua etnia específica.
Até mesmo em testamentos, em que testadores eram nascidos nesta
região, havia só a informação: mina ou, eventualmente, da Costa da
Mina do gentio da guiné. Em muito poucos documentos, como nas
cartas de alforria, há informação dupla, como mina courana, mina
calabar, mina haussá e mina nagô.
Claro que há diferenças em relação ao período. Para o Rio de
Janeiro, desde o século XVII predominavam escravos oriundos das
regiões do Congo e de Angola. Mas, no início do século XVIII, ampliou-
se a entrada de escravos denominados minas, embora os da África
centro-ocidental continuassem a ser maioria. Provavelmente manteve-
se, pelas décadas seguintes, a denominação mina para diferenciar dos
bantos, estes, sim, com indicações variadas. Eram angola, cassange,
marimbondo, monjolo, cabinda, etc.
Em trabalho bastante sugestivo, Mariza Soares indica que o
termo mina foi usado no Rio de Janeiro desde o século XVIII. Na década
de 1730, eles representavam cerca de 30% da população escrava
nascida na África256. Mas, apesar da designação comum, os
componentes dos minas mudaram no decorrer dos anos.

256
SOARES (2000).
137

Segundo Soares, naquele século, os minas eram


majoritariamente falantes de língua gbe, vindos da baía do Benin, dos
portos de Uidá e Lagos. Eram fon, ewe, mahi, allada e outros257.
A irmandade de Santo Elesbão e Santa Efigênia foi fundada no
Rio de Janeiro em 1740. Um documento de cerca de 1786258,
provavelmente escrito por um dos envolvidos, relata uma longa
conversa tida em março de 1784 por dois de seus membros, os pretos
minas Francisco Alves de Souza e o alferes Gonçalo Cordeiro, que
informam sua origem. O início da congregação teria ocorrido com a
adesão de um grupo nacional da Costa da Mina, mas de várias nações:
Dagomê, Maquii, Ianno, Agolin, Sarabû (todos de Língua geral) com muita
união259.
Foi eleito um rei, Pedro da Costa Mimoso. Depois de sua morte,
elegeram Clemente de Proença, também com o título de rei. Com o
tempo, começou a haver rixas entre as nações, posto que os dagomês
dominavam a irmandades e, segundo o documento, lançavam ditos
picantes aos de outras nações. Os Makii, Agolin, Iano e Sabarû
resolveram, então, eleger um outro Rei, na figura do Capitão Ignácio
Gonçalves do Monte no ano de 1762 por ser verdadeiro Makino e este foi
o primeiro que fez termo e endireitou e aumentou esta congregação.
É importante frisar que, nesse documento, os envolvidos se
auto-denominam pretos minas, mesmo conscientes de suas variadas
nações. Por outro lado, distinguiam-se ou pretendiam ser distinguidos
dos angolas. Uma passgem é absolutamente esclarecedora:

Souza: Não é fugir dos meus nacionais, mas sim livrar-me de abusos
e superstições que entre eles poderão haver, e suposto que os

257
Para uma melhor contextualização do que Mariza Soares chama de grupos de procedência, ver
SOARES (2000 e 2004). Ver, também, BARTH (2000); LOVEJOY (2000).
258
Regra ou Estatutos por modo de um diálogo, onde se dá notícias das Caridades e Sufragações das
Almas que usam os pretos mina, com seus Nacionais no Estado do Brasil, especialmente no Rio de
Janeiro por onde se hão de regerem e governarem fora de todo o abuso gentílico e supersticioso;
composto por Francisco Alves de Souza preto e natural do Reino de Makim, um dos mais excelentes e
potentados daquela oriunda Costa da Mina. Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro, seção de manuscritos,
9, 3, 11. Agradeço a Mariza C. Soares por me ter cedido a transcrição do documento e autorização para o
citar.
259
Idem.
138

pretos Mina nesta Capital são tão briosos e tementes a Deus que
não use disso, com tudo como os de Angola tem por costume
tomarem da tumba da Santa Casa da Misericórdia os cadáveres
de seus parentes para os porem nas portas das Igrejas, com
cantigas gentílicas, e superstições, tirando esmola dos fiéis para
os enterrarem, o que é constante nesta cidade, e por esta razão, os
senhores brancos, entenderam que todos os pretos usaram do
mesmo, quer que seja Mina ou de Angola e essa é a razão porque
me exzibo [sic] de reger e proteger, os meus parentes 260.

No Rio de Janeiro, Ignácio foi escravo de Domingos Gonçalves


do Monte e alforriado em 1757 261, provavelmente com o auxílio da
irmandade a que pertencia, de Santo Elesbão, recebendo o sobrenome
de seu antigo senhor Gonçalves do Monte. De ascendência nobre em
sua terra de origem, tornou-se rei da dita Irmandade, já como forro, por
21 anos, entre 1762 e 1783. Ignácio Gonçalves do Monte morreu em 7
de dezembro de 1783262.
Segundo seu testamento, não tinha filhos e era casado com
Victória Correa da Conceição, preta forra, de quem era parente por
sanguinidade [sic] em terceiro grau, por ela ser filha de meu avô Efui
Agoa, bem conhecido rei que foi entre os gentios daquela costa no reino
de May, ou Maqui. Ignácio aparentava ter grande consideração por ela,
posto que a nomeou primeira testamenteira dos seus bens e herdeira,
por não ter filhos nem outros parentes no Brasil.
Victória, a viúva de Ignácio, acabou tentando uma estratégia
para se apoderar da liderança da irmandade, criando, segundo
declaração dos envolvidos, um outro cisma, tomando o lugar do marido,
após sua morte.
O teor do documento mahi versa sobre a tentativa do alferes
Gonçalo Cordeiro em convencer Francisco Alves de Souza a assumir a
regência da irmandade, num contragolpe à viúva de Ignácio. O relato do
episódio, apesar de um tanto longo, é instigante:

260
Idem.
261
Cartório do 2º. Ofício de Notas, livro 76, p. 17. Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.
262
Agradeço a Anderson de Oliveira me ter cedido gentilmente a cópia do óbito e testamento de Ignácio
Gonçalves do Monte. Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Livro de Óbitos e Testamentos da freguesia
da Sé, no 18 (1776 a 1784), p. 442 verso.
139

Souza: (...) mais agora me disseram que a viúva do dito Monte depois
que enterramos o marido que faleceu em 25 de Dezembro de
1783, passados 14 dias a tempo que estive doente de uma
erisipela, mandou convocar os nossos nacionais como é costume
quando o marido estava vivo e os ordenou que ia a Igreja dos
gloriosos Santos Elesbão e Efigênia e no seu Consistório, a tirar
esmolas pela alma do dito falecido seu marido (e prevenindo-se
ocultamente) com alguns de seus parciais, se é lícito assim o
dizer, e apanhando a todos incautamente; no dito Consistório, fez
pôr uma Coroa na cabeça dizendo que era a Rainha e com tal
sutileza que todos lhe estranharam este modo de proceder e
fugiram dela no mesmo dia, porque não eram só os de nação de
Maki que lá se achavam senão tudo o que diz ser da Costa da
Mina e de outras nações que se admiram de tal tragédia, tudo
obra de um crioulo baiano que se acha em sua casa depois da
morte de seu marido, e veja Vossa Mercê se é ou não abuso e
superstição e essa é uma das cousas porque tenho teimado que
não quero, porque conheço que a viúva não faz gosto que eu o seja
sem o seu consentimento.

Cordeiro: Tudo isso São traças do demônio para perverter esta tão
boa caridade, assim foi mais quem Consentiu e aprovou essa
eleição.

Souza: Eu não sei, pois Vossa Mercê bem sabe que estava doente
naquela ocasião, mal podia saber dessa tragédia, se me não
contassem pessoas fidedignas zelosos do bem comum.

Cordeiro: A viúva o que deve fazer, é cuidar no governo de sua casa é


cuidar em fazer bem a alma de seu marido, cumprindo com o que
manda o testamento do dito seu esposo, e não se meter no que lhe
não importa e se ela fez essa cousa não foi por vontade de todos,
pois Vossa Mercê bem sabe que esse nosso adjunto consta de
mais de 200 pessoas entre homens e mulheres, não me consta
que se fizesse a ela regenta porque havia de ser por eleição e
vontade de todos os de adjuntos, e nem mulher pode ocupar
semelhante cargo majoritariamente em governar e reger a
homens;

Souza: Por que razão diz Vossa Mercê que as mulheres não podem
reger e governar aos homens

Cordeiro: Porque vimos que nas Irmandades, mais aprovadas que há


nesta Cidade, mulheres nunca podem e nem tiveram voto em
mesa e nem tampouco admitidas a ela, por razão do sexo e
juntamente fazem-se delas Juizas por razão de encher o número,
e contribuir com suas esmolas e nada mais servem pelo contrário
os homens ocupam todos os cargos das Irmandades já definindo,
já sendo procurador, já sendo escrivão, e juiz com testificação os
seus compromissos por acharem neles capacidade varonil e de
mais e se nosso adjunto é uma devoção que cada um toma por
140

sua livre vontade com zelo da salvação dos nosso parentes que
falecem fazendo caridade aos que estão vivos e não há obrigação
de fazermos regenta uma mulher porque há homens e nós não
queremos senão a Vossa Mercê 263.

Victória, provavelmente, sentia-se capacitada a tornar-se líder


da irmandade por alguns motivos específicos: Ignácio a havia indicado
como herdeira de seus bens e era filha do rei Efui Agoa, avô de Ignácio.
Podia ser, então, rainha, como seu marido havia sido rei. A tentativa de
Cordeiro e Souza em reverter a situação passou por dois argumentos
básicos: o fato de ela ser mulher e estar supostamente influenciada por
um crioulo. Crioulos eram vetados de entrar na Irmandade. Houve,
também, a decisão de mudar a designação da liderança da irmandade
de rei para regente, provavelmente com o intuito de fragilizar as
pretensões de Victória, reconhecidamente filha de um rei. No momento
da aclamação de Francisco Alves de Souza como líder da irmandade, foi
descrito o seguinte diálogo:

Souza: (...) a primeira cousa que requeiro é de não haver nesta nossa
Corporação o nome de Rei.
Todos: Pois Vossa Mercê nos governa e nos administra, e lhe temos
cortesia como a nosso Pai: O como o havemos de tratar, se isto já
vem dos primeiros fundadores.
Souza: Viesse de onde viesse, porque não tenho culpa dos erros dos
primeiros fundadores e nem sou culpado nisso; digo que esse
distintivo não serve mais porque não é dissonante nos ouvidos de
quem as houve, este nome de Rei, por que faz perturbar a boa
harmonia e devoção que temos com os nossos próximos devendo
de dar Outro título que Condiga com a nossa profissão;
Todos: Que título pode nos dar.
Souza: A de Regente nome próprio, para o feito que fazemos.

Victória aparentemente foi derrotada em sua pretensão, mas é


importante o registro de sua tentativa, posto que, tanto na África como
no Brasil, as lideranças poderiam mudar e não havia restrição absoluta
a ela ser feminina, dependia das conjunturas e do poder dos grupos
envolvidos.

263
Regra ou estatuto....
141

No século XIX, cada vez mais os minas se compunham de povos


de língua ioruba, genericamente designados de nagôs, na Bahia, e do
mesmo mina, no Rio de Janeiro. Todos, fossem de língua gbe ou ioruba,
foram traficados pelo reino do Daomé. Sugere-se que o termo nagô era
oriundo da designação que os daomeanos (de língua ewe) davam aos
povos de língua ioruba264.
Minha proposta, com toda esta digressão, é apontar para certas
especificidades que o grupo mina adquiriu no Rio de Janeiro entre o
IMPORTANTE
século XVIII e primeira metade do XIX, mesmo compondo-se de diversos
grupos lingüísticos e étnicos, no tempo, e sendo sempre a minoria entre
os escravos nascidos na África. Quero crer que se criou uma
organização, baseada na tradição, dos que eram identificados (e se
auto-identificavam) como mina, no Rio de Janeiro, muito poderosa e
que varou décadas. Mantiveram-se, chego a dizer, como “elite”, capazes
de articulações específicas para se libertar do cativeiro, enriquecer e se
tornar visíveis aos olhos da sociedade escravista do Brasil.
Ribeyrolles e Expilly não foram os únicos a ressaltar a
importância das negras mercadoras minas no comércio de alimentos
das ruas da cidade do Rio de Janeiro. Saint-Hilaire, Debret265 e muitos
outros se referem à sua riqueza, demonstrada nos trajes e nas atitudes.
Por outro lado, dedicam-lhes palavras que surpreendem, pois lhes
atribuem uma arrogância não condizente com sua condição de negras,
mesmo que libertas.
As observações dos contemporâneos provavelmente estavam
corretas sobre o comportamento diferenciado deste grupo, como
pretendo demonstrar.
Tenho como argumento que os homens “brancos” e as mulheres
forras, com soberania das minas, foram proporcionalmente os que
tiveram as condições mais favoráveis de juntarem expressivo conjunto
de bens do período escravista. Os primeiros formaram as maiores
fortunas originárias no comércio de grande porte. A forra mina compôs

264
Cf. OLIVEIRA (1988).
142

a elite econômica do comércio a retalho. Evidentemente, nem todos os


brancos e nem todas as forras tiveram o mesmo destino, mas era entre
eles que poderiam ser encontradas as condições ideais de se situarem
entre os mais enriquecidos.

265
SAINT-HILAIRE (1974); DEBRET (1989).
143

Capítulo V – Viver como livre

5.1 – Alforria e pobreza: histórias de malviver

Os estudos que existem sobre alforria, mais numerosos nos


últimos anos, não ultrapassam a análise dos mecanismos sobre sua
obtenção266. Poucos foram os pesquisadores que trataram dos forros
depois de sua libertação do cativeiro267. Apesar disto, foi comum a
avaliação de suas vidas, consubstanciando uma interpretação
historiográfica, independente do período histórico analisado, que afirma
terem os forros engrossado o contingente da população pobre,
qualificada pela precariedade das condições materiais de existência 268.
Esta conclusão parte muito mais de deduções lógicas, baseadas em
certos casos, que realmente apontam para a extrema pobreza dos ex-
escravos, do que de uma análise sistemática da documentação.
Eu mesma, em trabalho anterior 269, argumentei que a pobreza
era o que esperava homens e mulheres alforriados. Partia do
pressuposto, segundo argumentos de vários trabalhos270, de que as
alforrias eram basicamente onerosas. Ao passar anos juntando o
necessário para sua libertação, o resultado mais evidente seria uma
vida em liberdade sem pecúlio algum, além de uma carga social
estigmatizante. A pobreza, portanto, seria dupla. Dificilmente, concluí, o
alforriado teria chances de enriquecimento ou de adquirir algum tipo de
status social. Realmente, status foi mais difícil detectar, embora
houvesse casos emblemáticos, como se verá, mas o enriquecimento foi
muito comum.
O significado da pobreza é bastante relativo e depende de
conjunturas históricas e de vários fatores, inclusive culturais. Em
primeiro lugar, e no aspecto material, sugiro que quem tem escravo,

266
Cf. KARASCH (1987); MOTT (1976) (1973); MATTOSO (1982, 1976, 1972); SCHWARTZ (1974);
KIERNAN (1978) (1976); RUSSELL-WOOD (1982).
267
Destacam-se, entre eles: PAIVA (1995); OLIVEIRA (1988); MATTOSO (1979); LEWKOWICZ
(set.1988/fev.1989).
268
Cf. DIAS (1995); SOUZA (1983); FIGUEIREDO (1993); FIGUEIREDO & MAGALDI (1984).
269
Cf. FARIA (1998).
144

nem que seja um só, não pode ser considerado pobre nesta sociedade,
em qualquer época. Considero um contra-senso afirmações como as que
fez Maria Odila da Silva Dias, que qualificou como pobres mulheres
negras ou mestiças proprietárias de até dez escravos, em São Paulo, no
século XVIII271.
Além da propriedade escrava, os que tiveram inventário post-
mortem aberto ou redigiram um testamento também não podem ser
considerados pobres. Os que os tiveram, eram proprietários de bens. Os
destituídos de posses não faziam testamento nem tinham inventário,
sendo, no geral, a grande parte ou a maioria da população adulta272,
fosse livre ou liberta.
Outro fator que caracterizava a pobreza era a posição do
indivíduo na hierarquia social. Negros e seus descendentes, libertos ou
livres, eram pobres mais pela condição estigmatizada que possuíam do
que pelos bens materiais que efetivamente puderam acumular.
Está evidente que a liberdade não trouxe aos ex-escravos
grandes benefícios, não só pela interpretação da historiografia como
pela ótica dos contemporâneos letrados ou da elite, que insistiam em
vê-los pelo seu passado como escravos. São incontáveis os relatos que
discriminavam os que traziam na cor da pele a presença da escravidão
atual ou pretérita. Havia suspeita, acima de tudo, de maus
procedimentos para conseguir este fim.
Antonil, em finais do século XVII, recriminava a forma como
muitas escravas conseguiram sua liberdade: a venda do corpo,
presumida por ele, posto que associada à indumentária e aos adereços
que portavam. Em suas palavras:

270
MATTOSO (1982); SCHWARTZ (1988); KARASCH (1987).
271
DIAS (1995).
272
É possível, pelos registros paroquiais de óbitos, ter uma idéia de sua quantidade. Os que não fizeram
testamento, ato comum e esperado para os proprietários de bens, têm referido: não fez testamento por não
ter de quê. Outros têm indicado que foram enterrados pelo amor de Deus, ou seja, gratuitamente. Há
ainda os que são referidos como vivendo de esmolas, vadio ou, mesmo, pobre. As indicações são muitas
para designar a quem falta o necessário para a vida, na definição do dicionarista Antônio de Moraes e
Silva, publicado pela primeira vez em 1789. SILVA (1813).
145

E o pior é que a maior parte do ouro, que se tira das minas, passa em
pó e em moedas para os reinos estranhos: e a menor é a que fica em
Portugal e nas cidades do Brasil, salvo o que se gasta em cordões,
arcadas, e outros brincos, dos quais se vêem hoje carregadas as
mulatas de mal viver e as negras, muito mais que as senhoras 273.

Seda e ouro em corpos, cuja cor indicasse a escravidão, eram


emblemas de perversão de costumes. Mas parece também indicar que a
prostituição era contemporaneamente considerada rendosa.
Rosa Egipcíaca em documento datado de 1752, no qual
descreve sua vida passada e as visões celestiais que passou a ter, dizia
que se desonestava vivendo como meretriz, tratando com qualquer
homem secular que a procurava, em cuja vida andou até o tempo que
teve o Espírito Maligno 274. O motivo para andar desonestada era o fato
de sua senhora não lhe fornecer as roupas e os enfeites que solicitava,
por isto ela os conseguia em prêmio de sua sensualidade 275. O montante
do prêmio, obviamente, variava de mulher para mulher. Certamente,
umas foram mais bem aquinhoadas com atributos físicos, o que lhes
valeu angariar quantias relativamente expressivas no comércio venéreo,
nas palavras de Mott. Laura de Mello e Souza cita o caso de um
proprietário de Minas, em 1754, que somente com a atividade de uma
delas, trabalhando como prostituta, recebia semanalmente uma oitava
e meia de ouro276.
Enquanto recebia prêmio de sua sensualidade, Rosa Egipcíaca
pôde adquirir (não importa por que meios) as jóias que cobiçava.
Quando recebeu um conselho celestial, distribuiu entre os pobres o
ouro e os vestidos que havia conseguido com sua vida como meretriz e
deste tempo para cá, não cometeu mais culpa alguma desta
qualidade277. Depois da mudança de vida, precisou de auxílio para
conseguir sua alforria. O interessante é que ela relata que seus
expedientes foram coroados de êxito, deixando de ser escrava.

273
ANTONIL (1923, p. 261).
274
MOTT (1993, p. 34).
275
Idem, ibidem, p. 39.
276
SOUZA (1986, p. 181).
277
MOTT (1993, p. 42).
146

O meretrício não era a única atividade destas mulheres, mas o


acúmulo de pecúlio por parte de escravas ou forras estava intimamente
vinculado, no imaginário da época, à prostituição. E parece que a
relação entre riqueza e prostituição permaneceu no decorrer do século
XIX.
Ao que tudo indica, mesmo consorciando atividades como
prostituição, prestação de serviços domésticos, costura, preparação de
alimentos, etc., provavelmente foi no comércio que os alforriados,
principalmente as mulheres, conseguiram as melhores chances de
enriquecimento.
Estudos278 têm apontado que o comércio urbano ambulante, a
varejo, de alimentos e pequenos objetos era de domínio feminino até
mesmo em Portugal. Sugerem, inclusive, que, a se crer nas
determinações da legislação, mulheres portuguesas não só exerciam
estas atividades como também eram protegidas por leis especiais.
Impedia-se que homens comercializassem doces, bolos, alfeloa, frutos,
melaço, hortaliças, queijos, leite, marisco, alho, pomada, polvilhos,
hóstias, obréias, mexas, agulhas, alfinetes, fatos velhos e usados 279.
Proibia-se, a exemplo do que ocorreu durante o reinado de D.
José I, que estrangeiros, vagabundos ou desconhecidos recebessem
licença para venderem pela ruas principalmente ‘toda a sorte de
comestíveis pelo miúdo como também vinhos e aguardentes, e muitas
outras bebidas’, assim como ‘alfeloas, obréias, jarfelim, melaço e
azeitonas’280. Argumentava-se, nesta Lei, que a entrada de homens
poderia tirar o meio de vida de mulheres pobres e decentes: como
exclusivamente destinadas para o exercício honesto e precisa
sustentação de muitas mulheres pobres, naturais destes reinos, que se

278
Cf. FIGUEIREDO (1993); FIGUEIREDO & MAGALDI (1984); DIAS (1995); MOTT (1976).
279
Edital de 8 de novembro de 1785, em Repertório geral ou índice alfabético das leis extravagantes no
reino de Portugal ordenado pelo desembargador Manoel F. Thomaz, 1843, e Código Filipino ou
Ordenações e leis do reino de Portugal recompiladas por mandado del rei dom Filipe I, índice
alfabético,.apud FIGUEIREDO (1993, p. 37).
280
Lei de 19 de novembro de 1757, em Coleção das leis, decretos e alvarás que compreende o Feliz
Reinado (...) desde o ano de 1756 até o de 1758 (...), Lisboa, M. Rodrigues, 1761-62, t. 1, p. 257, apud
FIGUEIREDO (1993, p. 37).
147

ajudavam a viver, e com efeito viviam desses pequenos tráficos, sem que
homens alguns se atrevessem a perturbá-las281.
Se é que isto realmente acontecia em Portugal, o que talvez seja
exato, aqui no Brasil parece que o comércio a retalho foi tomado por
outro tipo de mulher: as negras, fossem escravas ou libertas. Russel-
Wood afirma que

O papel da mulher branca na economia colonial contrastava


marcadamente com o da mulher negra, tanto escrava quanto livre.
Colheitas de subsistência, seu comércio e venda nas ruas estavam
largamente controlados por tais mulheres. (...) Livres e escravas
mulheres de cor, em seu próprio benefício ou trabalhando para seu
proprietário ou proprietária, com êxito dominaram o mercado negro de
gêneros comestíveis, frutas e aves. Como proprietárias de lojas,
tavernas e prostíbulos, desempenhavam papel vital na vida da
comunidade. Ainda que poucas, se algumas exerciam trabalhos
artesanais, alguns ofícios médicos como parteiras e mães de
enjeitados, sendo estas prerrogativas virtuais das mulheres negras. A
este respeito poucas diferenças de ocupação havia entre mulheres
escravas e livres de cor282.

Portanto, a se dar crédito às afirmações, parece que de


vendeiras, em Portugal, mulheres brancas, quando na colônia,
deixaram ou foram obrigadas a deixar totalmente o comércio ambulante
em favor das mulheres de cor. A hipótese mais consistente talvez seja a
de que a atividade executada por negras fez com que as brancas
deixassem de lado a mercância, identificada, no Brasil, como trabalho
de negra. A tradição deste trabalho aparentemente varou séculos,
mantendo-se estigmatizado até o fim do período escravista.
Em meados do século XIX, Chales Expilly elaborou um enredo
de um romance envolvendo uma negra de tabuleiro, da Costa da Mina,
nação courana, com um francês. Vendedora de frutas, na rua, após sua
alforria e a vida em comum com o francês (...) Manuela não carregou
mais o tabuleiro à cabeça. Renunciou às toilettes provocantes que
deixavam a descoberto as generosas proporções do seu corpo. Seus

281
Lei de 19 de novembro de 1757, em Coleção das leis, decretos e alvarás que compreende o Feliz
Reinado (...) desde o ano de 1756 até o de 1758 (...), Lisboa, M. Rodrigues, 1761-62, t. 1, p. 257, apud
FIGUEIREDO (1993), p. 37.
148

olhos, sempre orgulhosos, perderam a arrogância. O amor revelara-lhe o


pudor.283 Alforria, amor, casamento e distância dos tabuleiros à cabeça
seriam indícios de liberdade e de ascensão social.
O preconceito em relação ao trabalho de venda talvez tenha uma
origem ainda mais antiga e remontem a Portugal. O comércio exercido
por mulheres negras era conhecido ali desde o século XV. Segundo A.
C. Saunders, as escravas negras, em Lisboa, da segunda metade do
século XV à primeira do XVI, dedicavam-se majoritariamente às
atividades de limpeza e ao comércio. As negras vendiam pelas ruas
arroz-doce, cuscuz, grão-de-bico, ameixas cozidas, feijão cozido, aletria,
mariscos, peixes, legumes e frutas284.
João Brandão, cronista a escrever em 1552 sobre a cidade de
Lisboa, afirmou que as negras tinham certa aptidão para a venda,
conseguindo que os consumidores provassem de suas mercadorias. Em
suas palavras: terça-feira [as negras] estão vendendo na feira, que lhes
não escapa coisa que não vendam285. As negras vendedeiras, portanto,
já eram comuns, mas outros tipos de trabalho imprimiram-lhes, com o
passar do tempo, uma carga estigmatizante. Carregar água era
executado pelas negras de pote, assim como levar dejetos em canastras
aos ombros para os jogar ao mar, motivo que levou o cronista João
Brandão a dizer que elas, as negras de canastra ou calhandreiras, eram
de mais baixo espírito que as que andam à água286.
A mobilidade social a partir das atividades mercantis, em
diferentes níveis de comércio, enriquecia a muitos que o praticavam.
Este enriquecimento, entretanto, não foi acompanhado de prestígio
social, mesmo se tratando do grande comércio, ou comércio de grosso
trato, em função dos conceitos que pesavam sobre as atividades
mercantis. No caso português, as restrições eram referendadas pelos

282
RUSSELL-WOOD (1977), p. 27
283
EXPPILLY (1977, p. 94).
284
SAUNDERS (1982, apud CALAINHO (2000, p. 52).
285
BRANDÃO (1917), apud CALAINHO (2000, p. 53).
286
Idem, ibidem, p. 53.
149

estatutos de limpeza de sangue, que, como lembra Charles Boxer287,


inabilitavam os portadores de defeito mecânico288 para ocuparem cargos
no Estado e de terem acesso a títulos honoríficos, sobretudo os das
ordens militares do Reino. Além disto, a forte presença de cristãos
novos entre os comerciantes contribuía para reforçar o estigma sobre a
atividade mercantil, uma vez que os descendentes de judeus foram
considerados os maiores suspeitos de heresia pela Inquisição
Portuguesa.
O estigma do trabalho braçal e da venda a varejo, já marcados
pelo peso do defeito mecânico, só se fez agravar com a entrada de
escravos em número significativo, em Portugal, no decorrer da Idade
Moderna. Conseqüentemente, o desprezo por estas atividades, feitas
que eram por escravas, e escravas negras, talvez tenha afastado delas
cada vez mais as mulheres brancas.
Obviamente que a quantidade de negros em Portugal não era
expressiva a ponto de se lhes identificar um tipo de atividade
exclusivamente. Mas, no Brasil, a situação era muito diferente.
Afirma Luiz Mott que o comércio ambulante das negras de
tabuleiro foi referido desde pelo menos 1591, no livro das Denunciações
na visitação do Santo Ofício à Bahia289. E está claramente expresso no
início da ocupação das Minas Gerais, pelo menos na documentação
analisada por Luciano Figueiredo290. Partindo destas informações,
pode-se concluir que, no Brasil, o comércio ambulante foi desde cedo
exercido por escravas, portanto as que estavam hierarquicamente na
pior condição social. Distanciar-se dele significaria afastar-se de
trabalho aviltante.
A mesma historiografia que pressupôs a inevitável pobreza dos
alforriados, paradoxalmente enfatizou o caso de muitos senhores e suas
famílias viveram do trabalho de poucos escravos. Muitas vezes, há

287
Cf. BOXER (1981).
288
Dizia-se portador de defeito mecânico os que trabalhavam com as mãos, podendo ser o trabalho braçal
propriamente dito ou atividades como pesar e medir mercadorias.
289
MOTT (1976, p. 87).
290
Cf. FIGUEIREDO (1993).
150

referência a uma única escrava arcando com as despesas de várias


pessoas com seu trabalho diário. Baseiam-se, normalmente, em relatos
como este, que abundam entre viajantes estrangeiros, de Robert Walsh,
do final da década de 1820, viajando do Rio de Janeiro para Minas
Gerais:

Muitas pessoas nas redondezas do Rio, tanto brancas quanto negras,


vivem dessa maneira. Possuem m único escravo, que pela manhã sai
em busca de trabalho e à noite retorna com uma pataca. Os próprios
donos não fazem nada, passando os dias na indolência e vivendo
dessa renda291.

Como já considerado em capítulo anterior, é recorrente, na


historiografia, a afirmação de que escravos urbanos estariam mais
propensos a acumular pecúlio para sua alforria do que os rurais, pois
poderiam embolsar parte do que ganhavam em um dia de trabalho.
Sugere-se que os escravos teriam uma quantia fixa – o seu jornal – a
entregar ao senhor, o resto ficando para si próprios. Dados como estes,
entretanto, foram fornecidos e utilizados pelos historiadores através de
referências de viajantes estrangeiros que estiveram no Brasil,
principalmente os da primeira metade do século XIX, a exemplo de
Expilly, que afirmou:

A quinta do sr. Madrinhão possuía um pomar, onde bananas,


laranjas, cajás, pitangas, abacaxis, figos, etc. cresciam em
abundância. Confiavam um tabuleiro a Manuela [escrava], e todas as
manhãs ela ia à cidade carregada das frutas da quinta. O feitor
fixava um preço para a perfumada mercadoria. Desde que a soma
estipulada fosse regularmente entregue todas as noites, Manuela
ficava livre todo o tempo restante, e ainda poderia guardar para si o
excedente da receita. (...) Foi a partir dessa época que o seu pescoço,
as suas orelhas, os seus dedos se cobriam de colares, brincos e
anéis. Seria para quem mais se esforçasse de a agradar, a bela
escrava292.

Ainda em 1610, Pyrard de Laval afirmava que, em Salvador, não


havia português, por mais pobre que seja, homem ou mulher, que não

291
WALSH (1985, p. 28).
292
EXPILLY (1977, p. 81-2)
151

possua seus dois ou três escravos que sustentam a vida do seu senhor,
para quem devem trabalhar certo tempo todo dia, além de manter-se com
seu ganho293. O trabalho a jornal parece ter sido, a partir de
informações como estas, longevo na sociedade brasileira. Não sabemos,
entretanto, se realmente poderia render o suficiente para, com o
excedente, possibilitar a compra de alforria.
Raros são os documentos que informam com precisão de onde
vinham os recursos utilizados por escravos para o pagamento da
alforria. O máximo que podemos fazer são concjeturas. Tenho como
hipótese que não eram determinantes as atividades impostas pelos
senhores que permitiam aos escravos juntar pecúlio. Acredito que as
formas encontradas eram opções dos próprios escravos e conseguidas
por eles, tendo como parâmetro de seleção costumes de suas terras de
origem, posto que a maioria dos escravos que pagou por sua liberdade
era nascida na África.
Um exemplo, embora um tanto tardio, do século XIX, é o da
casa de quilombo e da venda de angu, posteriormente transformadas
em casa de angu ou casa de zungu, segundo interpretação de Carlos
Eugênio Líbano Soares, de propriedade, administradas ou servidas por
mulheres, esmagadoramente oriundas da Costa da Mina, e
freqüentadas por escravos e libertos, de variadas origens étnicas.
Segundo documentação policial, eram uma espécie de casa de cômodos,
onde se hospedavam, se alimentavam ou se reuniam para fins variados,
inclusive para dar fortuna e prostituição. Serviam, também, como
esconderijo de objetos roubados e de rota de fuga de escravos,
provavelmente origem de sua primeira denominação casa de quilombo.
Organização deste tipo, liderada por mulheres e tendo muitas
como as principais articuladoras, foi referida em período muito anterior
pelo flamengo Eustache de La Fosse que, aprisionado pelos
portugueses, acabou passando algum tempo na Mina, em 1479. Em seu
relato, disse que tinha de vender suas mercadorias e prestar contas

293
PYRARD DE LAVAL (1679 [1ª. Ed. 1611]), apud: ARAÚJO (1993, p. 105).
152

todos os dias ao comandante português, Diogo Can. Certo dia, resolveu


vender duas bacias e foi-se pelas ruas,

(...) e eis senão quando de uma das casas me chamaram, e de


imediato cuidei que ali venderia o que nas mãos trazia. Mas quando
entrei na casa de que me tinham chamado, o que avistei foram
diversas mulheres de pé e falando em conjunto. Seriam cinco ou seis,
em conciliábulo – e eu continuava com as bacias em cada uma das
minhas mãos. Ora [ainda] não sei como essas mulheres me
encantaram que logo deixei os meus objetos e me saí pela casa fora.
E quando me encontrava a duas ou três casas de distância, lembrei-
me de súbito que alguma coisa tinha acontecido com as minhas peças
de metal, pelo que voltei imediatamente à casa em que entrara. Entrei
– e não encontrei ninguém... Apareceu foi uma jovem rapariga que me
veio perguntar se eu desejava chocque chocque – e sem mais
começou a despir os calções [ou bargas], pensando que eu desejava
alçá-la. Mas eu não tinha ponta de vontade por tão aborrecido me
encontrar pela perda das minhas duas peças, e me fui dali – e o que
dali levara até agora não me apareceu 294.

Obviamente que entre as épocas existe grande fosso. No entanto,


não posso deixar de constatar que há elementos semelhantes o
suficiente que me permitem sugerir continuidade de certas atividades
das mulheres nascidas na Costa da Mina. Estão presentes pelo menos
quatro destes elementos: a composição feminina, a feitiçaria, o roubo de
mercadoria e a prostituição. Não acho necessariamente que fossem
reais, embora possíveis, quer numa ou noutra época, mas o controle
deste tipo de estabelecimento por parte de mulheres parece ter sido
resultado da origem africana.
Johann Emanuel Pohl, visitando a cidade de São João Del Rey,
no início do século XIX, contou um caso que é emblemático sobre como
as mulheres negras eram vistas. Estando em seu quarto, numa
hospedaria, viu entrar duas negras jovens para lhe vender frutas em
conservas. As atitudes e os olhares das negras, entretanto, revelaram-
lhe claramente qual era sua verdadeira ocupação. Mandou que as
negras saíssem. Enquanto ele se distraiu, uma delas pegou algo de um
baú e dele retirou um pacotinho de sementes, deixando-o cair quando
ele se virou. Nenhuma delas mostrou embaraço com a tentativa do
153

furto. Ao contrário, deram muitas risadas. Disse, ainda, que foi seu
criado que, com rudeza, conseguiu livrá-lo das duas mulheres.
Concluiu que o episódio evidenciou o quanto é descurada aqui,
moralmente, a classe baixa295.
Para Luciano Figueiredo, assim como para Laura de Mello e
Souza e o precursor Eduardo Frieiro296, o período de ouro de Minas
Gerais nada teria do fausto com que até então havia sido tratado. Ao
contrário, a sociedade resultante se caracterizaria pela pobreza. Como
pobres, os autores consideram também as pessoas que se dedicavam ao
comércio a retalhos. Luciano Figueiredo chega a dizer que não se pode
entender o pequeno comércio sem levar em conta uma estrutura social
com elevado índice de pobreza297. Baseia-se o autor em documentos nos
quais as autoridades tentaram conter os abusos praticados por estas
mulheres, que eram acusadas de desviar jornais dos escravos, ouro e
diamantes.
Tentaram as autoridades retirá-las de perto das áreas de
mineração, estipulando lugares para suas atividades. O autor admite
que foi em vão. Elas continuaram, portanto, a se dar crédito às
acusações das autoridades, a desviar jornais, ouro e diamantes. De
onde viria, então, a sua pretensa pobreza? Se estavam de posse de um
questionando Figue
i-redo
mecanismo que retirava do real erário uma soma tão significativa que
incomodava as autoridades, como poderiam ser pobres?
Há ainda outra questão. O comércio a retalho dominado por
mulheres negras parece que foi muito comum em cidades como
Salvador e Rio de Janeiro. Não era, portanto, uma especificidade de
Minas Gerais. A pobreza, segundo a lógica que proponho, também teria
sido a característica das cidades, como um todo. Era, por esta
interpretação, uma situação geral para as áreas urbanas do Brasil.
Aliás, seria uma característica do comércio em si. O comércio a retalho

294
FOSSE (1992, p. 64).
295
POHL (1976, p. 87-88).
296
Cf. SOUZA (1986); FRIEIRO (1959).
297
FIGUEIREDO (1993, p. 43).
154

estaria determinado pela pobreza. Parece-me uma hipótese muito pouco


provável, tomando-se como parâmetro os impostos que incidiam sobre
ele, segundo dados de Figueiredo, e o fato de que se presumia ser ele o
meio a permitir o acúmulo de pecúlio por parte de muitas escravas que
conseguiram pagar por sua alforria.
Creio que a explicação pode ser dada de outra forma. Luciano
Figueiredo parece sugerir que a opção das mulheres pelo comércio
ambulante e/ou de vendas fixas não era uma escolha, mas uma
imposição da pobreza. Já que não poderiam ser outra coisa, haja vista a
existência de um mercado de trabalho livre restrito, restava-lhes o
comércio. Argumenta, também, que não existia impedimento formal
para a participação de mulheres na extração mineral, mas não se
dedicaram a ela, o que lhe causou espanto. A afirmação, no meu
entender, tinha de ser ao contrário: elas preferiam o comércio a retalho
porque algum ganho obtinham em relação ao trabalho de extração, caso
realmente não tenham a ele se dedicado. Provavelmente, tal tipo de
opção deveria ter também uma relação importante com suas culturas
de origem, assim como deve ter havido uma explicação também cultural
para as mulheres brancas deixarem de lado este tipo de comércio, se
porventura realmente dele se valessem em Portugal.
Claro que causa estranheza o fato de o comércio a retalho ter
sido controlado por mulheres. Permite uma idéia de que era um ramo
pouco atraente, porque, se fosse muito lucrativo, se poderia esperar que
pelo fato do comercio homens dele se valessem. Realmente, muitos homens tinham vendas,
de retalho ser gerido
por mulheres, a histo- quase sempre fixas, mas as mulheres predominavam. Como eram
riagrafia o associa
pobreza, a falta de op- mulheres, a interpretação historiográfica é a de que era resultado da
cao e a protituiçao de
mulheres
pobreza, da falta de opção, etc., assim como seria pobreza e falta de
opção a prostituição destas mulheres, idéia também sugerida por
Luciano Figueiredo.
O que mais surpreende, entretanto, é que o pequeno comércio
foi tido pela historiografia como atividade explorada por senhores e
senhoras através de suas escravas, que lhes passavam os rendimentos.
155

Para complementar os ganhos, argumenta Luciano Figueiredo que as


escravas eram obrigadas ou se predispunham à prostituição. Inúmeros
depoimentos em devassas eclesiásticas e várias denúncias de
autoridades alertavam sobre a venda do corpo de escrava sob a
aquiescência ou estímulo de seus proprietários. Vendas e casas de
alcouce estariam intimamente relacionadas, principalmente porque o
fluxo maior de clientes poderia aumentar as rendas obtidas na venda
das mercadorias.
Mulheres negras, portanto, quando ainda escravas, exerciam
uma (ou mais de uma) atividade, contemporaneamente admitida como
rentável por seus senhores. Viviam, eles e suas respectivas famílias, dos
jornais destas escravas. Mas há também o discurso que afirma serem
estes proprietários pobres. Dono de escravo e pobre, numa sociedade
escravista, parece-me uma combinação pouco adequada. O mais
provável é inferir que senhores que viviam às custas de trabalho deste
tipo, por parte de suas escravas, não eram bem conceituados, daí a
qualidade – pobre.
Quando se trata de analisar este trabalho executado por
mulheres forras, fossem elas próprias as vendeiras e prostitutas ou no
papel de proprietárias de escravas vendeiras e prostitutas, o discurso
amplia ainda mais a miserabilidade. Afirma Luciano Fiqueiredo que os
limitados rendimentos desse pequeno comércio faziam com que a pobreza
fosse um traço comum entre as mulheres que dele se ocupavam,
independentemente de sua condição social298, se escrava ou forra.
Pergunto-me sobre os cálculos que teriam sido realizados para
comprovar o baixo rendimento deste tipo de negócio. Não há, pelo que
eu saiba, documentos que permitam tais proporções ou, mesmo, chegar
a esta conclusão. Ao contrário, os dados que existem indicam
justamente o contrário. Sabe-se que as vendas foram taxadas e,
segundo Figueiredo, foram importante fonte de recursos para o Estado

298
FIGUEIREDO (1993, p. 58).
156

metropolitano299. Da mesmo forma, fico curiosa em entender os motivos


que faziam escravas obterem rendimentos significativos, possibilitando-
lhes a alforria, e as forras, nas mesmas condições e, muitas vezes,
proprietárias de cativos, serem sempre consideradas pobres.
O jesuíta Antonil, ainda no final do século XVII, alertou para a
riqueza proveniente do setor de venda a retalho, que comparou a uma
chuva miúda aos campos, a qual continuando a regá-los sem estrondo,
os faz muito férteis 300. Trabalho de formiga, em suma, de onde o Estado
soube tirar rendimentos. Por que, então, insistir na pobreza deste setor
do comércio? Homens forros e, principalmente, mulheres libertas são
vistos como pobres, não só no sentido de mal colocados na sociedade,
mas também “pobres” no sentido econômico do termo. O primeiro foi
um fato. Sobre o segundo, há vários indícios de que não passou da
interpretação dos historiadores – e só dos historiadores, porque os
contemporâneos, fossem senhores exploradores ou membros da
administração, souberam identificar e se aproveitar do potencial de
recursos que estas mulheres poderiam manipular, muitas vezes através
da violência.
Presumo que as escravas dedicadas ao comércio e, concordando
com Luciano Figueiredo, à prostituição foram as que mais condições
tiveram de pagar por sua liberdade. Estavam, portanto, triplamente
estigmatizadas pela sociedade que as cercava: a cor da pele, relacionada
à escravidão; o defeito mecânico, condição vil; e prostituição, repúdio
religioso. Alie-se a estes aspectos o roubo. A documentação trabalhada
por Luciano Figueiredo é prolífera em referências deste teor.
As mulheres analisadas pela ótica do viajante, provavelmente
compartilhada pelos habitantes brancos (ou talvez por eles ensinada),
tinham todas as características que as faziam reles: negras, vendeiras,
prostitutas e ladras. É claro que seriam tratadas pelos contemporâneos
pela condição de pobreza, mas não necessariamente pobreza material.
A pobreza referida amplamente estaria ligada à sua paupérrima

299
FIGUEIREDO (1993, p. 44).
157

condição social. Reeditavam-se, modificadas com as marcas da


escravidão, as hierarquias do Antigo Regime europeu.
As explicações para o fato de negros e, principalmente, negras
conseguirem, enquanto escravos, pecúlio para a liberdade e, depois de
livres, engrossarem a fileira dos despossuídos estão sempre ligadas ao
regime escravista e à ociosidade que lhe seria inerente. É assim que
Emanuel Araújo analisa a vida do ex-escravo:

Alguns escravos, decerto com enorme esforço e persistência,


alcançaram o objetivo maior de comprar sua própria pessoa e
incorporar-se à população dos livres por nascimento. Atingido esse
patamar, o ex-escravo obviamente investiria (se conseguisse) no ofício
ou trabalho que aprendera quando cativo, e logo trataria, ele também,
de obter... escravos! Reproduzia, assim, o padrão vigente, e decerto
com maior razão e afinco, pois teria de se afirmar socialmente em
meio hostil. Mostrar-se ocioso em virtude da posse de escravo seria
um primeiro passo para obter reconhecimento (não necessariamente
aceitação) no mundo arrogante dos brancos. De qualquer modo, já
não recebia ordens, mas dava ordens, e isso era bem-visto no
microcosmo colonia301.

Baseia-se em observações de viajantes. Neste trecho, em que


avalia a preguiça e a indolência com que senhores, mesmo forros,
viviam, por serem proprietários de escravos, apresenta como
documentos relatos como este, de Maria Graham, que assim se referiu
aos libertos, quando passou por Recife, em 1821:

Um negro livre, quando sua loja ou seu quintal corresponde ao seu


esforço, vestindo-se e a sua mulher com um belo fato preto, um colar e
pulseiras para a senhora, e fivelas nos joelhos e sapatos para
adornar as meias de seda, raramente se esforça muito mais, e
contenta-se com sua alimentação diária. (...) Quando conseguem
comprar um negro, descansam, dispensando-se de demais cuidados.
Fazem com que o negro trabalhe para eles, ou esmole por eles, e
assim, desde que possam comer o seu pão tranqüilamente, pouco se
importam em saber como foi obtido302.

Araújo também cita uma passagem da biografia de Mahoommah


G. Baquaqua, um ex-escravo que a escreveu, no século XIX, relatando

300
Cf. ANTONIL (1923).
301
ARAÚJO (1993, p. 90-91).
158

sua vida na África, sua vinda para o Brasil, suas experiências como
escravo em Pernambuco, a venda para o capitão de um navio, a viagem
até os Estados Unidos e a fuga para conseguir a liberdade. A biografia
de Baquaqua, que se converteu ao cristianismo, foi publicada em
Detroit, em 1854, pelo abolicionista Samuel Moore303. No Brasil, foi o
esforço de Peter Eisenberg que recuperou o documento e parte dele, que
se refere à vida do ex-escravo neste país, foi publicada na Revista
Brasileira de História, com apresentação de Silvia H. Lara304.
Realmente, o relato é impressionante, principalmente porque é
muito raro haver documentos escritos pelos próprios escravos ou ex-
escravos. Este, então, traz ampla riqueza de detalhes. Mas deve ser
ressaltado que Baquaqua estava influenciado pelo movimento
abolicionista norte-americano e por um forte sentimento religioso,
quando redigiu suas memórias, e muitas expressões eram símbolos da
campanha abolicionista e do cristianismo. Ao descrever os maus-tratos
infligidos a ele pelo seu senhor, o capitão do navio que se destinava a
Nova Iorque, concluiu:

A escravidão é má, a escravidão é um erro. Esse capitão fez uma


enorme quantidade de coisas cruéis que seria horrível relatar. Ele
tratava as escravas com imensa crueldade e barbaridade. Ele
impunha toda a sua vontade, não havia ninguém para tomar o
partido delas. Ele era, naquele tempo, o ‘monarca de tudo o que
estivesse sob suas vistas’, o ‘rei da casa flutuante’, ninguém ousava
contestar o seu poder ou controlar sua vontade. Mas está se
aproximando o dia em que seu poder será investido em outro e de sua
intendência terá de prestar contas. E, ai, que explicação poderia ele
dar para os crimes impediosos cometidos sobre os corpos contorcidos
dos pobres miseráveis que estavam sob seu jugo, quando seu reinado
cessar e a grande prestação de contar chegar, o que ele dirá? Qual
será seu destino? Isso só será revelado quando o grandioso livro for
aberto. Que Deus o perdoe (em sua infinita misericórdia) pelas
torturas infligidas em seus semelhantes, embora de aparência
diferente305.

302
Cf. GRAHAM (1990).
303
Cf. BAQUAQUA (1854).
304
Cf. LARA (Baquaqua) (1988).
305
Idem, ibidem, p. 281.
159

Foi com este sentimento de repúdio à escravidão que criticou


seus companheiros de cor, ao relatar que quase fora comprado, no
Brasil, por um homem de cor. Disse que, havia, no Rio de Janeiro,

(...) um homem de cor que queria me comprar mas, por uma ou outra
razão, não fechou o negócio. Menciono esse fato apenas para ilustrar
que a posse de escravos se origina no poder, e qualquer um que
dispõe dos meios para comprar seu semelhante com o vil metal pode
se tornar um senhor de escravos, não importa qual seja sua cor, seu
credo ou sua nacionalidade; e que o homem negro escravizaria seu
semelhante tão prontamente quanto o homem branco, tivesse ele o
poder306.

Emanuel Araújo cita esta última passagem para afirmar que a


ociosidade era o resultado esperado numa sociedade escravista, onde o
trabalho era repudiado, porque feito por escravos. Segundo ele: O
padrão ideal de status, portanto, era esse: possuir cativos que
dispensassem o dono de certos trabalhos ou, melhor ainda, de todo
trabalho307. O autor é um dos que confia plenamente na interpretação
dos relatos, reproduzindo seus conceitos e preconceitos, avaliando a
vida urbana com todos os atributos negativos, simbolizados no próprio
título de seu trabalho: O Teatro dos vícios [grifo meu]. A observação
negativa da vida no período escravista acaba resultando numa não
compreensão de sua dinâmica interna, por mais que ela seja inaceitável
para nossos padrões atuais.
Por outro lado, a interpretação de viajantes e cronistas em
relação aos alforriados é de ausência de memória, tanto da memória da
escravidão quanto de sua memória da África. Teria havido uma quase
total aculturação, espelhadas que seriam suas vidas, quando também
de posse de escravos, na dos ricos senhores.
Pretendo demonstrar pelo menos duas questões, centradas na
análise das mulheres escravas e forras: a primeira é que, constatando
terem sido as nascidas na África as que mais agregaram condições de
pagar por sua liberdade, a maior possibilidade de acumulação de

306
Idem, ibidem, p. 276.
307
ARAÚJO (1993, p. 90).
160

recursos estava em atividades nas quais tinham referências em suas


culturas de origem, não deixando de exercê-las quando tornadas livres;
a segunda é a de que o relacionamento entre alforriadas e seus escravos
possuía teor muito diferente do existente entre eles e os grupos brancos
enriquecidos. Em suma, elas não se desmemoriaram.
Constatar a presença de mulheres no controle do comércio
ambulante e, muito mais interessante, apontar o papel central
desempenhado por elas na vida da comunidade, como fez em particular
Russel-Wood, foram inferências importantes. Reconhecendo o grande
mérito desta conclusão, num momento em que a historiografia pouco
valor dava às mulheres e, ainda mais, às chamadas mulheres de cor,
creio que é necessário ir adiante. Portas abertas, podemo-nos aventurar
a novas conclusões ou descobertas, aliadas a visões diferentes.

5.2 – Mulheres forras e pecúlio

É surpreendente a predominância de mulheres alforriadas com


propriedade escrava em terras do Brasil, para vários lugares e períodos,
em relação aos homens forros.
Segundo Francisco Vidal Luna e Iraci Del Nero da Costa, a
significativa participação dos forros como proprietários de escravos em
Minas Gerais, no século XVIII, relacionava-se com a atividade
mineradora, já que concediam maior liberdade de movimento, prêmios
por produção, recompensas, inclusive a alforria, para os que
descobrissem pedras acima de determinado quilate, furtos, etc. Quando
livre, para os autores, seria relativamente fácil dedicar-se a faiscar ouro,
cujo resultado poderia ser a possibilidade de tornar-se dono de escravo.
Os dados são sugestivos: em Serro do Frio, em 1738, de 1.744
proprietários de escravos 387, ou 22,2%, eram forros. Em Congonhas
do Sabará, em 1771, a mesma porcentagem foi encontrada, com 51 dos
235 proprietários sendo forros. O que se torna, entretanto, um
problema para os analistas, é quando se observa a distribuição dos
escravos conforme o sexo do proprietário. Em Serro do Frio, dos 387
161

proprietários, 63% (244) eram mulheres; em Congonhas do Sabará, 27


(53%) dos 51 proprietários forros também o eram.
Mesmo no início do século XIX, quando, na documentação
trabalhada pelos autores, a quantidade de forros que aparece como
proprietário de escravos diminuiu muito, as mulheres continuam
predominando amplamente. Em Vila Rica, em 1804, somente 22 forros
eram senhores de escravos, entre 757 proprietários, mas destes, 17, ou
77,3%, eram mulheres. Luna e Costa atribuem a posse de escravos ao
envolvimento sexual entre senhores e escravas. Sem dizer claramente,
os autores parecem sugerir que eram os favores das escravas que
faziam com que os senhores as alforriassem e, depois, lhes dessem
escravos. Também dão como motivos uma provável inadequação das
mulheres ao trabalho das minas, o que permitiria ao senhor maior
disponibilidade em alforriá-las em relação aos homens. Sugerem, ainda,
que as atividades comerciais e de prostituição lhes renderiam ganhos
para obter a alforria308.
Interpretações como estas, em que a alforria e o pecúlio
conquistados pelas mulheres são primeiramente explicados como
concessões senhoriais, são extremamente comuns na historiografia.
Quero crer que as condições são mais complexas e que devemos buscar
em outras fontes, além de dados estatísticos e relatos de viajantes,
informações que complementem a capacidade das mulheres em se
alforriar e continuar acumulando pecúlio.
Pelos inventários e testamentos de forros que analisei para as
cidades do Rio de Janeiro e de São João Del Rey, percebe-se que a
propriedade de escravos era comum, sendo um bem presente com
muita freqüência entre os que acumularam pecúlio. No Rio de Janeiro,
entre 1707 e 1812, dos homens forros que fizeram testamento, 79%
tinham escravos. Entre mulheres forras, 81% eram escravistas. Homens
livres e mulheres livres eram proprietários de escravos em 69% e 62%
dos testamenteiros, respectivamente. Apesar de, individualmente, os

308
Cf. LUNA & COSTA (1983).
162

forros terem tido mais acesso à propriedade escrava do que os livres,


pelo menos no Rio de Janeiro, não eram mais ricos do que eles. O
conjunto de escravos que os forros possuíam era sempre menor do que
o dos livres.
Em São João Del Rey, das testadoras forras que analisei, 65%
declararam a propriedade de escravos. Entre os forros, somente 29%
tinham cativos. Entre 95 inventários e testamentos de mulheres forras,
analisados por Eduardo Paiva, para duas amplas regiões de Minas
Gerais (Comarcas do Rio das Mortes e do Rio das Velhas), 90%
declararam a presença de escravos. Mas não eram elas as que mais
individualmente detinham a propriedade escrava, como ocorria no Rio
de Janeiro. Dos 447 homens livres que fizeram testamentos, 95% eram
escravistas, seguidos das mulheres livres, que somavam 92% e dos
homens forros, no total de 91%. De qualquer forma, 90% de mulheres
forras com escravos é uma proporção extremamente significativa.
Os motivos para investimento em escravos, por parte de forros,
fossem homens ou mulheres, talvez signifique um projeto de ascensão
social. Libertar-se e tornar-se senhor ou senhora de escravos talvez
fosse necessário como afirmação da condição de livre e demonstração
de poder, mas era mais do que isto. Acredito que representasse uma
conjugação de interesses, inclusive econômicos.
As atividades desenvolvidas por forros, quase sempre manuais,
pressupunham, para serem ampliadas, a utilização de mão-de-obra
auxiliar, que poderia vir da família ou de escravos. No caso dos forros, o
número pequeno de filhos, como se verá adiante, impedia que o
complemento de trabalho viesse da família. Restava-lhes o escravo.
Apesar de o padrão de posse de escravos ter sido menor em relação aos
livres309, argumento que sua posse, entre libertos, visava acumular
pecúlio com trabalho conjugado. Não parece ter sido o caso de eles

309
O número de escravos de propriedade de forros era pequeno, se comparado ao dos livres. Também
dependia da região. No caso do Rio de Janeiro, enquanto o número máximo de escravos de um forro foi
de cinco indivíduos, entre os livres foi de 100. Eduardo Paiva, para Minas Gerais, encontrou forros com
maior número de escravos, alguns chegando a ter mais de 20. Cf. PAIVA (1999).
163

aspirarem a viver sem trabalhar, conforme aludem vários depoimentos


de época. Ao que tudo indica, mesmo quando alforriados e
enriquecidos, continuavam a exercer as atividades que executavam
enquanto escravos.
Florência Oliveira, preta, da nação mina, e Manoel Cardoso, de
nação angola, ambos forros, registraram, no cartório da vila de São
João Del Rey, Comarca do Rio das Mortes, Minas Gerais, em 11 de
novembro de 1774, uma escritura de contrato de arras para poderem
contrair matrimônio. Estipulava o contrato que Manoel não poderia ter
posse ou domínio algum sobre os bens declarados por Florência, nem
eles poderiam ficar sujeitos às dívidas feitas e contraídas pelo futuro
marido antes do matrimônio ou depois dele. Caso houvesse filhos, os
bens lhes pertenceriam totalmente. Somente os adquiridos durante o
casamento ficariam comuns a ambos, sendo a partilha de acordo com
as leis do Reino.
Os bens de Florência consistiam em:

(...) uma morada de casas sita nesta vila, na rua chamada Cachaça,
que parte por bem de um lado com casas de Joaquim Lopes do Vale e
do outro com casas de Francisco José de Araújo, e dois negros por
nome Pedro e Antônio ambos de nação angola, e duas negras de
nomes Tereza de nação mina e Rosa de nação Moçambique 310.

Catarina da Silva, de Benguela, sem herdeiros, em 1824, na vila


de São João Del Rey, fez seu testamento, em que indicou também ter
feito um contrato pré-nupcial com Joaquim José de Campos. Dizia ela
que quando casei foi com a condição de que tudo quanto aumentasse o
casal nos pertenceria a ambos, mas saindo cada um com o que tivesse
entrado e com efeito tem me desamparado e me não tem tratado, antes
tem esbanjado311. Estabeleceu várias disposições, alforriando escravas e
deixando o resto dos bens – duas moradas de casas, um cavalo, um

310
Escritura de contrato de Arras que fizeram Florência Oliveira preta da nação mina e Manoel Cardoso
de nação angola ambos forros. Livro de Notas no. 1, caixa 1 (1774-1776). Arquivo do Museu Histórico de
São João del Rei.
311
Arquivo do Museu Histórico de São João del Rei, caixa 124. Testamento de Catarina da Silva, preta
forra.
164

burro, algumas criações de porcos, adereços de ouro lavrado, um


escravo e demais pequenos objetos – a uma escrava que alforriou e
havia criado como sua filha.
Contratos estipulando acordos pré-nupciais não eram raros no
Brasil colonial, embora não fossem a regra. O que surpreende é a
freqüência com que os alforriados aparecem neste tipo de documento.
Também surpreende o acordo estar preservando os bens de pretas
forras frente a um possível mau uso deles pelo futuro marido. Em
nenhum dos acordos pré-nupciais envolvendo pessoas forras era o
homem a detalhar os bens. Eram as mulheres que detinham pecúlio
significativo, quase sempre originário de seu próprio trabalho ou
indústria, conforme declarado em inúmeros testamentos de forras
existentes para vários lugares do Brasil escravista.
Realmente, afirmações como as que fizeram, em 1794, Quitéria
da Silva e, em 1771, Maria do Rosário, ambas proprietárias de escravos,
eram muito comuns:

Declaro que sou natural do gentilismo da Costa da Mina e fui escrava


do tenente Caetano da Silva já falecido do qual alcancei liberdade
por dinheiro que lhe dei, sou solteira não tenho herdeiros
ascendentes ou descendentes e os bens que possuo são
adquiridos por minha indústria e trabalho312(grifos meus).

Declaro que sou natural da Costa da Mina de donde vim pequena


para esta terra não tenho herdeiro algum ascendentes ou
descendentes nesta ou naquela – porque todos ficaram na minha
pátria na gentilidade e sou forra e liberta de toda escravidão e nunca
fui casada com pessoa alguma; declaro que os bens que possuo há
de constar pelo meu falecimento e inventário que se farão os quais
foram por mim adquiridos sem favor de pessoa alguma313(grifo
meu).

Mesmo que às vezes a recorrência de afirmações como estas dê a


impressão de ser uma fórmula notarial e visar a um determinado
objetivo, a ausência de declaração do mesmo tipo em outros
testamentos de forras permite a impressão de que, efetivamente, estas

312
Inventário de Quitéria da Silva, Arquivo do Museu Histórico de São João Del Rei, caixa 529.
313
Arquivo do Museu Histórico de São João Del Rei, livro no. 2. Testamento de Maria do Rosário, 1771.
165

mulheres garantiam que o pecúlio acumulado não era resultado do


trabalho de outra pessoa, nem deveriam se destinar a qualquer um.
A forma ciosa com que tentaram preservar estes bens, inclusive
de uma possível ação danosa por parte dos futuros maridos, nos
contratos de arras, parece demonstrar que havia um cuidado com o que
haviam adquirido às custas de seu trabalho e que deveria ser passado
somente para seus descendentes ou para quem escolhessem.
Mariana da Costa Ribeira, em 1753, foi especialmente
cuidadosa, principalmente em relação ao seu ex-senhor:

Declaro que sou de nação mina e não fui casada e vivi sempre solteira
e não tenho herdeiro algum forçado nem necessário algum [sic].
Declaro que fui escrava do licenciado Luiz Gomes de Carvalho, e de
sua mulher Antônia de Jesus, e que sou hoje liberta como consta de
minha carta de alforria, que se achará lançada nas notas, e seu
treslado em meu poder, da qual ainda, que não consta que pagasse a
meu senhor a minha valia, contudo é certo que dei por mim cem mil
réis em dinheiro de contado, o que não declaram os ditos meus
senhores na carta de liberdade que me passaram; e como talvez o
faziam por ignorância, ou por malícia de quererem por meu
falecimento herdarem meus bens, com o título de me
libertarem por bons serviços como na carta dizem que lhes fiz,
ordeno aos meus testamenteiros, que sendo necessário, justifiquem
esta minha verdade com várias testemunhas que a sabem, e a
defendam a custa de meus bens314 [grifo meu].

Várias questões inscritas em histórias como as de Florência,


Catarina, Quitéria, Maria do Rosário e Mariana podem esclarecer as
possíveis condições de existência deste grupo relativamente pouco
tratado pela historiografia brasileira – as mulheres alforriadas. Entre
elas, destacam-se as nascidas na África. Aliado a inúmeros outros
indícios, os contratos pré-nupciais indicam que as mulheres forras, em
particular as de origem africana, tinham condições sociais e econômicas
especiais que as tornavam detentoras de um poder econômico só muito
recentemente detectado.

314
Livro de Óbito da Freguesia do Santíssimo Sacramento da antiga Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da
Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Testamento de Mariana da Costa Ribeira, 1773.
166

Reafirmo que a posse de escravos é um indicativo importante


para inferir o grau de fortuna dos envolvidos. É, também, motivo de
prestígio social e sua manutenção, mesmo que às custas de muitos
esforços, deve ter sido cara a inúmeras pessoas. Mas há limites. Eram
os escravos, também, os bens mais facilmente negociados em
momentos difíceis. Por outro lado, a aquisição de um escravo não era
fácil. Juntar o necessário para se comprar pelo menos um demandava,
para a esmagadora maioria da população, investimentos significativos,
pensar no inventimen- quer sejam de ordem econômica quer de ordem pessoal. Não se pode,
do capital relacional.
portanto, considerar de maneira absoluta como pobre o proprietário de
um único escravo, principalmente porque a grande maioria da
população economicamente ativa da sociedade escravista não tinha
condições de ter nem mesmo um.
Mary Karasch inicia um artigo sobre mulheres livres de cor, no
Brasil central, com as seguintes palavras: O grupo mais invisível da
história do Brasil colônia deve ser o da mulher livre de cor. Ela raramente
aparece na correspondência oficial exceto para denunciar seu papel em
batuques ou para acusá-la de prostituição315. Karasch tem toda razão.
As mulheres de cor são, para nossa historiografia, as mais invisíveis
enquanto grupo social.
A autora apresentou relatos interessantes sobre os viajantes que
passaram por Goiás. Johann Emanuel Pohl, no início do século XIX,
notou que as pessoas brancas, de maneira geral, se sentiam superiores
em relação às outras raças, mas o viajante as classificou de preguiçosas
e inativas. Segundo ele, havia uma missa criada especialmente para os
brancos, no domingo, às 5 horas da manhã, com o nome de missa da
madrugada, pois as brancas eram tão pobres que evitavam a missa
normal de domingo e os olhares desdenhosos das negras que entram
altivamente ataviadas de correntes de ouro e de rendas316, enquanto as
brancas envolviam-se em mantos de qualidade inferior. A conclusão de
Mary Karasch sobre o autor é a de que ele capturou um mundo virado de

315
Cf. KARASCH (1998).
167

cabeça para baixo para as mulheres brancas pobres: mulheres negras


tinham mais riqueza que elas317.
A autora citou outro depoimento, de muitos anos depois. Em
1880, James W. Wells teria demonstrado o trabalho pesado por trás das
correntes de ouro e renda318. Wells observou que não viu homens
trabalhando continuamente; quem realmente trabalhava eram as
mulheres morenas-claras e negras. Fiavam e teciam panos,
trabalhavam no campo, faziam farinha e rapadura e outras atividades.
Concluiu que o trabalho da mulher de cor era fundamental na produção
de alimentos e de tecidos de uma fazenda de gado319. Mesmo com estes
depoimentos, Karasch duvidou da possibilidade de estas mulheres
acumularem pecúlio expressivo. Em algumas passagens do texto, senti
que a autora ficou tentada a considerar as mulheres livres de cor como
mais ricas do que muitas brancas, mas acabou sucumbindo à negação
da interpretação de Pohl.
Voltando no tempo, utilizou o censo de 1783 e argumentou que
homens brancos controlavam a riqueza da Capitania de Goiás através
da propriedade de escravos, minas, ranchos, plantações de cana-de-
açúcar e negócios. As mulheres negras livres possuiriam o menor
número de escravos que qualquer grupo social em toda capitania.
Karasch, entretanto, não fornece o número exato nem os lugares, se
rurais ou urbanos, em que estariam as que possuíam escravos. Acaba
concluindo que as mulheres vistas por Pohl e Wells não eram típicas. O
mundo observado por Pohl estava realmente de cabeça para baixo.
Conclusões como estas, em que algumas evidências parecem
apresentar um mundo virado ao contrário e que o historiador conserta
com outros dados para o tornar mais parecido com o que vem dizendo a
historiografia, é muito comum. O meu argumento é o de que Pohl e
Wells viram aspectos do árduo trabalho feminino e de acúmulo de

316
POHL (1976, p. 141-2).
317
KARASCH (1998, p. 14).
318
Idem.
319
WELLS (1886), p. 187, apud, KARASCH (1998, p. 14-15).
168

riqueza que não condiziam com a imagem que os historiadores têm


sobre mulheres negras e suas descendentes. Elas teriam de,
necessariamente, ser pobres, ou, pelo menos, mais pobres do que as
mulheres brancas.
Vejamos outras evidências. Eduardo França Paiva, num
trabalho muito interessante sobre escravos e libertos na Comarca do

Eduardo França
Rio das Velhas, em Minas Gerais, no século XVIII, afirmou que, entre os
mais de 600 testadores que analisou, o grupo de maiores posses era o
dos homens livres, destacando-se os portugueses, seguido das
mulheres forras e, depois, das mulheres livres. O grupo de menores
posses era o dos homens forros. Surpreendente e interessante dado. O
autor afirma que esta escala hierárquica está de acordo com o exame
das listas de contribuintes do Real Donativo de Vila Rica, entre 1727 e
1733, onde consta que as mulheres forras foram a segunda categoria
que mais pagou tributo sobre as vendas e os escravos que possuíam320.
Este dado comprova a idéia já veiculada sobre a importância do
trabalho feminino no abastecimento das zonas urbanas de Minas
Gerais.
Também Luciano Figueiredo apresenta dados quantitativos
sobre a representatividade das mulheres forras no comércio a retalho.
No decorrer do século XVIII, paulatinamente, em Vila Rica e Vila do
Carmo, as mulheres foram tomando o lugar dos homens nas vendas
fixas, transformando-se, no último quartel do século, na esmagadora
maioria. Entre as mulheres (dependendo do ano), de 70% a 90%
(dependendo do ano) eram forras na condição de proprietárias. Presumo
que esta importância se estenda para outras áreas urbanas do Brasil,
embora não haja trabalhos com fontes empíricas que o comprovem.
Apesar da constatação quantitativa e eloqüente de que
mulheres forras eram privilegiadas no acesso a alguma forma de
acumular pecúlio, Eduardo Paiva, assim como Mary Karasch, não

320
PAIVA (1995, p. 31-32).
169

deixaram de pensar no que era esperado: as testadoras em questão não


poderiam ser

(...) consideradas uma síntese perfeita do numeroso grupo de ex-


escravas e suas descendentes. A maior parte delas não desfrutou do
mesmo nível de vida experimentado por essas testadoras, tanto no
que diz respeito aos aspectos materiais quanto ao conseqüente
posicionamento social adquirido321.

Ida Lewkowics, ao analisar 51 inventários e 27 testamentos de


pretos forros, para Mariana, Minas Gerais, no período de 1730 e 1800,
constatou que 63% deles eram de mulheres. Deve-se ressaltar que o
próprio ato de abrir um inventário já demonstra que a pessoa tina bens.
Os absolutamente despossuídos não precisavam de inventários nem
faziam testamento322. Os titulares destes documentos, portanto, já se
diferenciavam do resto da população. A autora encontrou uma riqueza
surpreendente. Ressalte-se que a maioria dos alforriados era de pessoas
nascidas na África, mas não nos é fornecida a proporção exata. Do
conjunto, 79,3% possuíam escravos, mas os homens eram os que
menos detinham esta propriedade, proporcionalmente, pois 30% deles
não eram escravistas. Das 34 mulheres, expressivos 94% tinham
cativos.
questinando França. A posição das mulheres forras como segundo grupo a testar não
foi uma especificidade mineira. Ocupavam também a segunda posição,
sempre perdendo somente para os homens brancos ou tidos como tal,
para o Rio de Janeiro, no século XVIII. Entre as pessoas livres, 62,4%
dos que testavam eram homens; entre os forros, eram as mulheres em
67% dos casos que faziam testamento. Também para o Rio de Janeiro,

321
PAIVA (1995, p. 156).
322
Foi muito comum, em registros de óbitos dos séculos XVII ao XIX, a referência de que o falecido não
havia feito testamento por não ter de quê. O testamento pressupunha que a pessoa teria bens com os quais
pagar suas determinações, inclusive em relação ao seu próprio enterramento. A análise feita por Cláudia
Rodrigues dos registro de óbitos e de testamentos do Rio de Janeiro, no século XVIII e primeira metade
do XIX, nos fornece dados interessantes: em todo o período analisado, somente 20,7% das pessoas
falecidas fizeram testamentos. Cf. RODRIGUES (2000).
170

no universo documental analisado, os nascidos na África eram a


maioria entre os alforriados323.
Os dados de Luna e Costa, para várias regiões de Minas Gerais,
no século XVIII e início do XIX, citados anteriormente, também
demonstram a predominância de mulheres libertas como proprietárias
de escravos em relação aos homens forros. Em Serro do Frio, em 1738,
das 286 mulheres listadas como proprietárias de escravos 244 eram
forras; as demais, livres. Em Congonhas do Sabará, em 1771, das 53
mulheres proprietárias de escravos, 27 eram forras324. Os dados são
impressionantes e embasam a idéia que defendo.
Mulheres forras de origem africana A mulher forra, especialmente de origem africana, portanto, em
era um grupo afortunado
vários locais e períodos, era um grupo relativamente favorecido em
termos de fortuna. A historiografia, entretanto, desconfiou de sua
representatividade.
O grande argumento dos historiadores foi o fato de acharem que
as mulheres forras a fazer testamento ou ter os seus inventários
abertos, porque tinham bens para tanto, dizia respeito a uma pequena
parcela deste grupo. Interessante é que este pressuposto não foi
pensado para os homens brancos. Parece, para esta historiografia, que
homens brancos e ricos eram a maioria no seu conjunto. A minha
questão, então, é a seguinte: os homens brancos e ricos representavam
a maioria dos homens brancos existentes no Brasil escravista? É claro
que não. Os mais pobres, os chefes de domicílio brancos que não
tinham escravo algum, os que morreram e nem fizeram testamento ou
nem tiveram inventários abertos porque não tinham de que – eram a
maioria. Só que tinham algo a se diferenciar do conjunto da população:
a cor branca, ou aparentemente branca.

323
Idem, ibidem, p. 192.
324
LUNA & COSTA (1983, p. 44 e 46).
171

5.3 – Homens forros e enriquecimento

Está evidente que a posse de escravos foi comum entre os


habitantes do Brasil, fossem de qualquer origem, e que muitos ex-
escravos a eles tiveram acesso. Minha argumentação sobre a maior
presença da mulher no acesso à alforria, e alforria onerosa, em relação
aos homens, e à propriedade de escravos, não quer dizer que muitos
homens alforriados estivessem impossibilitados de enriquecimento. Ao
contrário. Acho, inclusive, que muitos obtiveram ainda mais sucesso
individual do que elas, talvez menos ricas, mas mais numerosas,
embora com conquistas proporcionalmente menores. Cito, a título de
exemplo, casos de extremo sucesso de homens forros que, de escravos,
se transformaram em poderosos traficantes, alguns retornando à África.
Antônio Xavier de Jesus, de alcunha Antônio Galinheiro 325,
nascido na costa d’África, foi escravo, na cidade de São Salvador Bahia
de Todos os Santos, de Luís Xavier de Jesus, também nascido na África
e alforriado, em 1810, através do pagamento de duzentos mil réis
(200$000)ao seu senhor, Francisco Xavier de Jesus. Não se conhece a
data da alforria de Antônio, mas pelo testamento de seu ex-senhor, de
1835, já consta como liberto.
Luís Xavier de Jesus, provavelmente comerciante de escravos,
redigiu seu testamento pouco antes de partir para a África, deixando
Antônio como seu segundo testamenteiro e, conforme suas palavras,
porque não tenho herdeiros que me façam pela sua ceder em meus bens,
instituo por meu universal herdeiro o meu liberto Antônio Xavier de
Jesus326. Luís morreu na África, em 1855. Em seu testamento
constavam, entre seus bens, oito propriedades na cidade de São
Salvador e 16 escravos. Em relatório policial do mesmo ano, Antônio foi
preso como suspeito de ter falsificado o referido testamento. Antônio
Galinheiro faleceu cerca de dezoito anos depois e, em 1873, teve seu
inventário aberto, deixando sete filhos legítimos. Da relação de seus

325
Os dados sobre Antônio Galinheiro foram retirados de VERGER (1992).
326
Documento transcrito por VERGER (1992, p. 55-65).
172

bens constavam muitas das casas deixadas por Luís Xavier, o que
parece tê-lo absolvido da acusação de falsário.
A história de Antônio é semelhante à de alguns outros ex-
escravos que conseguiram amealhar fortuna suficiente para serem
reconhecidos socialmente como pessoas de prestígio. A Capitania,
depois Província, da Bahia, em particular a cidade de São Salvador, é
considerada, na historiografia, um lugar onde a ascensão social de
pretos e pardos era facilitada pelo extremamente grande contingente de
escravos que recebeu desde o início da importação de africanos para o
Brasil, ocorrida ainda na segunda metade do século XVI. Consta que a
quantidade de brancos nunca ultrapassou 1/3 da população, sendo
que, na primeira metade do século XIX, quando houve um grande
incremento do tráfico atlântico, esta proporção foi ainda mais reduzida.
A exemplo de outros alforriados, Antônio adotou o sobrenome de
seu ex-senhor, assim como este também o fizera, mantendo com ele
uma grande proximidade. Em 1835, após o levante dos malês, a
situação dos africanos, em Salvador, ficou instável, principalmente para
os que, como Luís Xavier, além de nascidos na África, exerciam o tráfico
de escravos africanos, atividade proibida por lei desde 1831. Problemas
com a polícia (não explicitados na documentação) fizeram com que Luís
Xavier fosse para a África. Antônio, ao que consta, ou já era ou se
tornou o administrador de seus bens em Salvador, mantendo com ele
ativa correspondência e recebendo fardos (como denominavam os
escravos vindos da África) mandados por Luís para vender em Salvador.
Em cartas do ano de 1841, para Luís, na África, Antônio
menciona a péssima situação do país, dizendo que a miséria é total,
todos estão chorando e muitos têm falido. Referia-se, provavelmente, às
dificuldades enfrentadas pelos traficantes de escravos. Por este motivo,
pretendia fechar a loja e dedicar-se a outra atividade, sugerida por
Pierre Verger como tendo sido a do comércio de galinhas, daí a alcunha
galinheiro. Pode-se estabelecer outra hipótese para a alcunha. No
dicionário de Moraes e Silva, de 1789, o termo, grafado como galineiro,
173

tem o significado de Mordomo – avençal que cobrava os foros de


gallinhas [sic] 327. Ao invés do comércio de galinhas, portanto, Antônio
ter-se-ia dedicado à cobrança de impostos no comércio de alimentos,
particularmente o de galinhas, o que teria possibilitado seu
enriquecimento. Alguns documentos informam que também possuía
uma padaria de boa categoria na Baixa do Sapateiro.
Sua atividade e sucesso financeiro permaneceram na memória
popular, a ponto de haver duas versões de uma modinha referindo-se à
sua pessoa. Uma delas foi ouvida por Pierre Verger na Nigéria, cantada
por duas velhas senhoras que moravam no Brazilian Quarter, em Lagos,
que ali haviam chegado, do Brasil, no final do século XIX, ainda
meninas: Quem quer ganhar dinheiro / Vá na Baixa dos Sapateiros /
Para rebaixar o colarinho / de Antônio Galinheiro. Para Verger, a
referência a rebaixar o colarinho significaria a tendência dos libertos em
afirmar seu novo status com o refinamento da indumentária, como o
uso de sapatos e colarinhos. A segunda versão foi cantada por um
conhecedor dos costumes da Bahia antiga, e dizia: Se quiser ganhar
dinheiro / Vá na Baixa dos Sapateiros / Para trabalhar na Padaria / de
Antônio Galinheiro.
O que surpreende no sucesso social de Antônio é o fato de ele
não ter sido um mestiço, como outros que também ascenderam, mas
um homem nascido na África. Num livro sobre a sociedade baiana,
publicado em 1935, ele é descrito como o africano Antônio Xavier de
Jesus, chefe de grande família de pretos distintos tendo sido político de
grande prestígio e ocupado os cargos de Subdelegado e Juiz de Paz 328.
Antônio Galinheiro ficou na memória da sociedade baiana não somente
como um preto liberto e rico. Tornou-se um preto ilustre, apesar de sua
vida, para chegar a ser ilustre, ter sido trabalhosa e conturbada.
Outro caso de sucesso, citado por Pierre Verger329, foi o de
Joaquim d’Almeida, nascido na cidade de Hoko, do país Mahi, tendo por

327
Cf. SILVA (1813).
328
Cf. VARELLA (1935), apud VERGER (1992).
329
Cf. VERGER (1992).
174

nome de origem Gbego Sokpa. Seu senhor, Manuel Joaquim d’Almeida,


de quem Joaquim adotou o sobrenome, era descendente de
portugueses, nascido em Pernambuco, em 1791, e falecido em 1854, na
Bahia. Comandou vários navios negreiros que trafegavam entre as
costas da África e do Brasil, entre 1814 e 1826. Posteriormente,
continuou a viajar como comerciante e traficante de escravos, mesmo
após a proibição do tráfico atlântico, em 1831, permanecendo
alternadamente num e noutro ponto. Em 1839, era representante, na
costa d’África, dos interesses de vários comerciantes da Bahia.
O comércio de escravos foi atividade também seguida por seu
ex-escravo, Joaquim. Não se sabe a data de sua alforria, mas, em 1835,
Joaquim já estava liberto e foi para a África, provavelmente no bojo das
convulsões ocorridas após a revolta dos malês, na Bahia, que tornou
todo africano liberto suspeito de conspiração. Foi o início de várias
viagens entre a Bahia e Aguê, na costa ocidental da África, lugar onde
se fixou.
De escravo, Joaquim tornou-se um dos mais importantes
traficantes, mantendo costumes abrasileirados na África. Em 1853, o
cônsul inglês, na Bahia, dizia que

(...) entre os três principais negreiros estabelecidos na Costa da


África, figura Joaquim d’Almeida, um africano liberto, antigo escravo
desta cidade (Bahia) e residente em Aguê e que seria de bom talhe o
tratamento já dispensado nos depósitos de escravos de Pedro Blonco
para evitar que ele prosseguisse nas suas abomináveis
especulações330.

Membro, na Bahia, da Irmandade do Senhor Bom Jesus das


Necessidades e Redenção, levou, em uma de suas viagens, uma cópia
da imagem do santo para Aguê, trinta anos antes da chegada dos
primeiros missionários católicos à região. Construiu uma capela,
terminada em 1845, dedicada ao Senhor Bom Jesus das Necessidades e
Redenção, similar à que existia na Bahia. Iniciou festividades trazidas
do Brasil, como o bumba-meu-boi ou burrinha. Joaquim faleceu em 11
175

de maio de 1857, amortalhado no hábito dos religiosos de São


Francisco e sepultado em sua casa em Aguê.
A maioria dos que tinham dinheiro pedia a mortalha de São
Francisco, mas era enterrada dentro ou ao redor das capelas e igrejas,
nunca dentro de casa. Em seu testamento, datado de 17 de dezembro
de 1844, feito numa de suas viagens à Bahia, estando de partida para a
África, pediu inúmeras missas para o repouso de minha alma e para a
alma de outras pessoas, esmolas para os pobres, ofício de corpo
presente, caso falecesse na Bahia, enterro no convento de São
Francisco, etc., totalmente de acordo com os testamentos de brancos,
livres e forros do período.
Declarou que era proprietário de 4.721$850 (quatro mil,
setecentos e vinte e um e oitocentos e cinqüenta réis) em interesse de
um oitavo da carga da polaca sarda, Joanito, cujo capitão é Nicolo Besso,
mais um quarto do carregamento da escuna que está presentemente na
cidade e pronta para partir para a Costa da África (...) e levo também
naquele vaso, investido em diversas mercadorias e sem participação de
ninguém, por minha conta e risco, o valor de sete contos de réis; 36
escravos em Havana, 20 escravos em Pernambuco e mais nove em seu
poder. Possuía mais uma casa térrea, em Salvador, Bahia. Os bens da
cidade de Aguê não estavam relacionados, provavelmente por ser o
sistema de herança, na Costa da África, feito de maneira diferente da do
Brasil.
No seu testamento, de 1844, Joaquim afirma ser solteiro e não
ter herdeiros ascendentes ou descendentes. No livro de batismo da
capela católica de Aguê foram encontrados registros de batizado de
quinze filhos e seis filhas de Joaquim, nascidos de várias mulheres
entre 1846 e 1855. Pierre Verger331, pesquisando em livros de registros
das igrejas de Porto-Novo, Uidá e Lagos e em inscrições em túmulos,
encontrou nome de mais 55 filhos, somando 82 o número de seus

330
Idem, ibidem, p. 42-54.
331
Os dados das histórias de Joaquim e Antônio d’Almeida e da volta de ex-escravos à África foram
retirados de VERGER (1992, 1987).
176

descendentes. Pode-se dizer que Joaquim foi tronco de uma extensa


linhagem de brasileiros, ainda hoje existente na costa ocidental
africana.
Um outro ex-escravo de Manuel Joaquim d’Almeida, Antônio
d’Almeida, teve destino similar ao de Joaquim, embora com nem tanta
riqueza nem tanta descendência. Antônio, nascido em Iseyin (atual
Nigéria), era ioruba. Voltou para a África depois de Joaquim,
instalando-se primeiro em Aguê, em 1840, e, depois, em Uidá, alguns
anos mais tarde, junto com seu filho, Bernardino. Seu testamento data
de 25 de maio de 1864. Nele, afirma ser Cristão Católico Apostólico
Romano, nunca ter sido casado, mas que tinha treze filhos, todos
devidamente reconhecidos, nascidos de nove escravas que ia libertando
conforme lhe davam descendentes. Mais “africanizado” do que Joaquim,
não pediu missas por sua alma nem deixou esmolas aos pobres.
Antônio constituiu como seu universal herdeiro a seu filho, Bernardino,
o mais velho, que residia com ele na África, com a obrigação de

(...) carregar, zelar, cuidar e proteger a todos os seus irmãos menores


como tutor deles até que se achem em estado de maior e bem assim
continuará a fazer os presentes de costume ao Rei do Daomé como eu
costumava fazer assim como os mais costumes do país que me
pertencia fazer.

Determinou, também, que a madrasta, a liberta Esperança,


permanecesse como mãe grande, ocupando o lugar distinto da casa que
já lhe havia concedido.
A poligamia era comum entre os iorubas. Conforme o sistema de
herança de grande parte de povos desta parte da África, deixou como
herdeiro um único filho e escravos para cada um dos outros que
estejam em uso da razão. Mulheres não podiam herdar bens do pai ou
do marido, somente da mãe. Quanto às filhas, Antônio somente
referendou o estado de livres, posto que nasceram suas escravas, com a
condição de residirem em sua casa, em companhia do filho sucessor,
prestando o necessário para a estabilidade de seu domínio.
177

Antônio era agricultor, dono de terras, casas e roças de legumes


e grãos, cujo produto dela é que carrego toda a casa e acudo minhas
contribuições. Provavelmente, como Joaquim, conseguiu fortuna através
do tráfico de escravos para o Brasil, no período de ilegalidade. Em 1864,
quando fez seu testamento, o comércio de escravos já estava
definitivamente abolido e Antônio transformou-se num agricultor
escravista, deixando dezoito escravos homens e seis mulheres para o
serviço da roça.
A constituição das primeiras comunidades de brasileiros, em
várias cidades da costa ocidental da África, foi impulsionada pelo
movimento conhecido na historiografia como “revolta dos malês”, em
que tomaram parte, como líderes, escravos e libertos islamizados, em
janeiro de 1835, na cidade de São Salvador, Bahia332. Consta que a
administração local, com receio de uma nova insurreição, deportou
inúmeros libertos suspeitos de conspiração. Outros, entretanto, por
iniciativa própria, resolveram voltar para a África, engrossando as
comunidades brasileiras. Depois de 1835, mais de 400 passaportes
foram expedidos pelo governo da Bahia a pessoas e famílias que os
solicitavam.
O interessante é que os ex-escravos retornados não se inseriram
totalmente nos costumes locais, mas recriaram cultos, práticas e
costumes, inclusive na língua, oriundos especificamente do Brasil.
Segundo Pierre Verger333, ainda hoje, tanto na Bahia quanto em
Pernambuco, mas também em Porto-Novo, Uidá e Lagos, na África,
celebra-se a festa da confraria do Senhor do Bonfim, no terceiro
domingo seguinte ao Dia de Reis. Membros da confraria assistem à
missa e, depois, reúnem-se para a refeição que consta de pratos criados
no Brasil a partir da junção de vários regimes alimentares, como feijão-
de-leite, moqueca de peixe, pirão, feijoada, etc. Dançam sambas ao som
de pandeiros e palmas e entoam cantigas em português. No dia
anterior, a burrinha fazia sua aparição ao lado de outros animais, como

332
Cf. REIS (1989).
178

o boi e a ema. Pierre Verger relata que, em 1950, quando esteve em


Porto-Novo, um neto de Joaquim d’Almeida era presidente da
associação de brasileiros daquela cidade e um dos organizadores da
festa.
Homens como Joaquim e Antônio d’Almeida, depois da
experiência como escravos, no Brasil, levaram para a África modos de
vida, costumes, hábitos e gostos abrasileirados, abaianados,
aportuguesados, nas palavras de Gilberto Freyre334. Em síntese, modos
de vida totalmente mestiços.
Há casos, menos espetaculares, é certo, mas nem por isto
desprovidos de importância, de homens que conquistaram fortuna ou
ascensão em relação a seus companheiros através de organizações
religiosas laicas, que tiveram grande poder de coesão étnica em terras
brasileiras. A participação em irmandades poderia ser extremamente
vantajosa para alguns deles, incluindo disputas por sua liderança.
Ignácio Gonçalves do Monte, rei da Irmandade de Santo Elesbão
e Santa Efigênia, no Rio de Janeiro, já citado anteriormente, faleceu em
1783. Em seu testamento, revelou que

(...) alguns meus patrícios, e amigos me dão a guardar seus


dinheiros, por mais seguros em minha mão, e os vem buscar quando
querem, ou tudo, ou por parcelas cujos assentos e declarações faço
em um livrinho que tenho na minha gaveta aonde trago as mais
coisas de valor de que minha mulher de tudo tem perfeito
conhecimento e o dito livrinho tem setenta e cinco folhas rubricadas
com meu nome ou apelido, Monte335.(grifo meu)

Ter acesso aos dinheiros de patrícios e amigos era talvez


interessante para o cotidiano dos reis, que poderiam, eventualmente,
usá-los para suas atividades particulares. O próprio Ignácio reconheceu
que usou estes recursos, ao registrar que

333
Cf. VERGER (1992).
334
Cf. FREYRE (1973).
335
Ignácio Gonçalves do Monte. Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Livro de Óbitos e Testamentos
da Freguesia da Sé, n o 18 (1776 a 1784), p. 442 verso.
179

(...) os ditos dinheiros que me dão a guardar, se me tiver servido de


algum para algum particular meu, e não tiver ainda reposto, ou
inteirado até minha morte ordeno a meus testamenteiros, que do
primeiro dinheiro que fizerem da minha fazenda seja primeiro que
tudo para inteirar a tal quantia, ou quantias de que me servi para os
meus particulares a seus donos.

A prática da usura estava também presente neste cargo.


Declarou ele que

(...) no mesmo sobre dito livrinho, faço também assentos e declarações


de algum dinheiro, que empresto a várias pessoas e pago que seja
ponho pg. e riscado a tal assento, e todos que assim não estiverem,
he a mesma verdade que me está devendo a tal pessoa.

A ascensão econômica e, por vezes, social de homens


alforriados, principalmente oriundos da África, embora não fosse fácil,
era mais comum do que os estudos pareciam indicar. Obviamente,
agregar certos quesitos, como o fizeram Antônio Galinheiro, Joaquim e
Antônio d’Almeida e Ignácio Gonçalves do Monte, para conseguir este
fim, era difícil. Estes homens enriqueceram, inserindo-se em atividades
comerciais ou financeiras, referendando o fato de que era o comércio o
lugar por excelência de enriquecimento, fosse ele de grande ou de
pequeno porte.
180

Capítulo VI – “Sinhás pretas”: as damas mercadoras

6.1 – Sistema de herança

Inventários post-mortem são os documentos que melhor podem


indicar o tipo, a quantidade e o valor dos bens de um indivíduo,
retratando em que, durante sua vida, os recursos acumulados foram
investidos. O que me surpreendeu, e até me frustrou, na pesquisa sobre
homens e mulheres forros, é que encontrei proporcionalmente muito
poucos inventários para eles em relação aos de livres.
Frank Taunnerbaum Argumentei, anteriormente, que o número de alforrias foi bem
maior do que os estudos até hoje têm indicado. Seu elevado número e o
proporcionalmente pequeno quantitativo de inventários permitiriam a
conclusão de que os forros foram tão pobres e despossuídos que não
tiveram bens suficientes para a abertura de inventários. A leitura atenta
de outro tipo de documento – o testamento – levou-me a outra
conclusão.
Constatei que os forros, principalmente as mulheres,
acumularam bens expressivos, desempenhando satisfatória e
lucrativamente atividades variadas na economia do Brasil336. A grande
quantidade de testamentos deste grupo social e o conjunto valioso de
bens apresentados corroboraram minhas afirmações.
O testamento, geralmente, só era realizado por quem tinha bens
a deixar337, embora em alguns casos tenha havido a declaração
expressa de que não tenho bens de qualidade alguma. Eram casos
raros, que, no mais das vezes, envolviam recursos que não estavam com
a pessoa no momento, por querelas judiciais, ou viriam de possível
herança. Em suma, seriam despossuídos naquela circunstância, mas
poderiam não o ser num futuro próximo.

336
Cf. FARIA (2000).
337
Foi muito comum, em registros de óbitos dos séculos XVII ao XIX, a referência de que o falecido não
havia feito testamento por não ter de quê. Ditar ou escrever um testamento pressupunha que a pessoa teria
bens com que pagar suas determinações, inclusive em relação ao seu próprio enterramento.
181

A quantidade de testamentos mostrou-se em número


infinitamente maior do que o de inventários de forros. Foram as
declarações neles contidas que me fizeram desvendar pelo menos um
motivo de muitos ricos alforriados não terem inventários: a ausência de
herdeiros necessários.
PARA PESQUISA No sistema de herança do reino português e ainda vigente no
Brasil imperial338, para todos os proprietários de bens que faleciam e
tinham herdeiros “necessários” ou “forçados”, era preciso abrir
inventário para proceder à avaliação e à partilha dos bens. Os herdeiros
necessários eram, em ordem de prioridade, os filhos (descendentes), os
pais (ascendentes) e os irmãos e parentes até o quarto grau de
consangüinidade (colaterais). Caso não houvesse nenhum deles, o
Estado seria o herdeiro. Cônjuges eram meeiros e não herdeiros um do
outro, na condição de ter havido um casamento por carta a metade,
conforme palavras da época. Qualquer casamento em que não houvesse
acordo pré-nupcial era considerado como de comunhão de bens, ou de
carta a metade, significando que os bens arrolados, denominados de
casal339 – conjunto de bens – eram divididos em partes iguais entre os
cônjuges.
Havia, mesmo que poucos, acordos pré-nupciais, algumas vezes
nomeados de arras340 e outras de contrato/acordo ante-nupcial (grafado
anti-nupcial). Fora estes acordos, os bens dos cônjuges eram divididos

338
A legislação sobre herança encontra-se nas Ordenações Filipinas, mantida após a independência do
Brasil. Consultei a seguinte edição das Ordenações Filipinas (editada pela primeira vez em 1603): Edição
fac-símile da edição feita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870, com nota de
apresentação de Mário Júlio de Almeida Costa. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1985.
339
Segundo o dicionário de Moraes e Silva, de 1789, casal, além de significar a fêmea e macho e marido
e mulher, significava casa de campo e granjearia; lugarejo de poucas casas. Cf. SILVA (1813). Em
inventários e testamentos pude perceber que o termo casal era indicado como sinônimo do conjunto de
bens que fazia parte do patrimônio comum dos cônjuges, fossem eles rurais ou não. Também não parece
ter sido o caso de indicar uma propriedade pobre, pois os chefes de domicílio, fossem ricos ou pobres,
eram indicados como cabeça de casal.
340
Arras significava, segundo Moraes e Silva, certa quantia, que o marido promete à mulher para seu
sustento, e tratamento, se ela lhe sobreviver. Na documentação de alguns cartórios, entretanto, arras
aparece como título de um acordo pré-nupcial como outro qualquer, pois tanto homens quanto mulheres
determinavam o que cada um iria levar para o matrimônio e estipulavam o que seria de cada um após a
morte de um deles. Provavelmente, os escrivães utilizaram de maneira equivocada o termo, pois nos
cartórios do Rio de Janeiro o documento tinha como título contrato ante-nupcial, nunca aparecendo
arras. Cf. SILVA (1813).
182

igualmente. Um terço da parte de um deles poderia ser disposto


segundo a vontade do meeiro, através de determinações testamentárias.
Chamavam-no de minha terça. Os outros dois terços eram para os
herdeiros necessários. Entre os casados sem filhos, para que o outro
cônjuge recebesse os bens, era preciso a indicação dele como herdeiro,
em testamento. Caso contrário, os bens iriam para os demais herdeiros
– ascendentes e colaterais, se existissem.
Quando uma pessoa era proprietária de bens, não tinha
herdeiros necessários e morria sem testamento, abria-se o inventário e
o valor do patrimônio era direcionado para o Juizado dos Defuntos e
Ausentes. Na falta deste juizado, o juiz ordinário tomava o seu lugar. A
legislação portuguesa exigia a realização de inventários somente dos
que tivessem herdeiros necessários, mesmo havendo testamento.
Inventários não eram realizados para os despossuídos, mas
também não eram necessários para os que haviam feito testamento.
Caso morresse com testamento, tornava-se desnecessário o inventário,
valendo, para tanto, a prestação de contas das determinações
testamentária, feitas pelo testamenteiro. São inúmeros os processos de
contas de testamentos existentes nos arquivos dos cartórios locais.
No caso dos alforriados, como demonstrarei, a maioria absoluta
dos que acumularam pecúlio não tinha filhos, pais ou irmãos.
Homens e mulheres nascidos na África, como era de se esperar,
não tinham, geralmente, ascendentes ou colaterais residentes no Brasil.
Entre os testamentos de forros, uma esmagadora maioria não tinha
filhos. Mesmo sendo casados, mas na ausência de filhos, era necessário
fazer testamento para que o outro se transformasse em herdeiro.
Provavelmente foi a ausência de herdeiros necessários que fez com que
muitos forros se preocupassem em redigir um testamento para que os
bens amealhados não fossem parar nas mãos de qualquer um,
principalmente do Estado. A forma detalhada com que dispuseram de
suas propriedades demonstra que havia uma clara intenção de
beneficiar certas pessoas, especificamente.
183

Constatei que este fato acontecia com freqüência entre os forros,


ou seja, a existência de testamento, mas não de inventário. Os próprios
testadores recorriam à legislação para evitar que os bens fossem
inventariados, de modo que menos tarifas fossem cobradas. Muitos
testadores, tanto do Rio de Janeiro quanto de São João Del Rey,
pediram explicitamente que não se fizesse inventário de seus bens e que
não os vendessem em praça pública. Afirmavam que bastaria, como
comprovação, o recibo da venda realizada amigavelmente pelo
testamenteiro.
Tereza de Jesus Maria, testando em 1751, declarou que o resto
que ficar de meus bens o deixo por esmola ao dito Padre Frei Matheus
meu primeiro testamenteiro para o que não quero faça inventário, e com
apresentar as certidões de que tem cumprido o que nesta ordeno, o dou
por desobrigado das contas deste341.
Maria Josefa, em 1752, elegeu seu marido como herdeiro de sua
meação e seu testamenteiro, para o que não quero faça inventário, e com
apresentar meu testamenteiro quitação, e certidões de que tem cumprido
o que neste ordeno dou por desobrigado das contas deste 342.
Isabel Maria da Costa, em 1780, declarou que o meu
testamenteiro não será obrigado a fazer inventário nem dar contas deste
meu testamento em juízo se não no espaço de dois anos 343.
Os exemplos se multiplicam, repetindo fórmulas notariais,
dependendo da época, haja vista a semelhança da redação.
Os testamentos não trazem, como os inventários, transcrição
detalhada dos bens nem, muito menos, seus valores, mas permitem, de
certa forma, a observação do seu conjunto e, principalmente, por ser
um dos bens mais valiosos, a presença de escravos. Por outro lado, eles
têm o grande mérito de descrever fatos que jamais saberíamos, caso
somente houvesse inventários, como rixas pessoais e jurídicas,

341
Livro de Óbito da Freguesia da Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de
Janeiro, testamento de Tereza de Jesus Maria, 1751.
342
Idem, ibidem, testamento de Maria Joséfa, 1752.
343
Idem, ibidem, testamento de Isabel Maria da Costa, 1780.
184

perfilhações, filhos já falecidos, etc. É uma das fontes mais ricas e


esclarecedoras sobre a vida presente e, algumas vezes, a memória dos
que passaram pelo cativeiro.

6.2 – Procriação e matrimônio

O ato de redigir um testamento indica que a pessoa era


proprietária de bens. Estou lidando, assim, com proprietários. Isto deve
ficar bastante claro, posto que não é minha pretensão estender as
conclusões a que chego aos demais alforriados das áreas que analiso.
Cláudia Rodrigues calculou que somente 21% das pessoas falecidas na
PARA
PESQUISA freguesia do Santíssimo Sacramento, no Rio de Janeiro, no século XVIII
e primeira metade do XIX, fizeram testamento344. Os titulares destes
documentos, portanto, já se diferenciavam do resto da população.
Certamente as pessoas aqui analisadas estão entre as mais bem
aquinhoadas pela riqueza, mesmo que ela possa parecer pequena, a
nossos olhos.
Analisei um universo de 175 345 testamentos de homens e
mulheres livres e 83 de forros do Rio de Janeiro, redigidos entre 1707 e
1842346, e 135 testamentos e 18 inventários de homens e mulheres
forros, de São João Del Rey347, Comarca do Rio das Mortes, Minas
Gerais, escritos entre 1730 e 1850.
As fontes abarcam um período longo de tempo, em que
transformações, obviamente, ocorreram. São João Del Rey foi centro de
rica região mineradora e, no final do século XVIII, manteve seu caráter
mercantil só que, agora, como pólo de uma região cada vez mais

344
Cf. RODRIGUES (2000). Nos registros de óbitos de adultos, há a indicação precisa sobre a existência
ou não de testamento. Era de interesse dos párocos esta indicação porque grande parte das determinações
dizia respeito a missas, legados pios, etc.
345
Agradeço a Cláudia Rodrigues e a Anderson de Oliveira a permissão para utilizar vários dos
testamentos que analiso, para o Rio de Janeiro, e que foram por eles coletados nos arquivos da Cúria
Metropolitana do Rio de Janeiro, como fonte para suas teses de doutoramento.
346
Os testamentos do Rio de Janeiro estavam transcritos nos livros paroquiais de registros de óbitos da
Freguesia do Santíssimo Sacramento da antiga Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da Cúria Metropolitana do
Rio de Janeiro.
347
Os testamentos dos forros encontram-se no Arquivo do Museu Regional de São João del Rei, Minas
Gerais.
185

especializada na agricultura de alimentos. O Rio de Janeiro


transformou-se na capital da Colônia, em 1763, e na maior praça
mercantil do Brasil a partir da segunda metade do século XVIII,
inclusive de tráfico negreiro. Em comum, tinham a atividade urbana,
que só tendeu a ampliar-se com o passar dos anos em questão. Apesar
do longo período de tempo abarcado e das transformações por que
passaram as duas cidades, a constituição das unidades domésticas e os
tipos de investimentos das mulheres forras mostraram-se bastante
uniformes, o que reforça meus argumentos de que as raízes das opções
destas mulheres localizavam-se além do Brasil.
Uma primeira análise da amostra indica que foram as mulheres
as que mais redigiram testamentos: dos 135 de São João Del Rey por
mim analisados, 66% eram de mulheres, proporção igual à do Rio de
Janeiro, onde 65% deles eram, igualmente, de mulheres.
Uma segunda e evidente constatação foi a de que os forros,
fossem homens ou mulheres, a fazer testamento, eram
majoritariamente nascidos na África.
No Rio de Janeiro, 63% das mulheres eram da África; dos
homens, 59%. Em São João Del Rey, 72% das mulheres e 65% dos
homens nasceram na África. Eduardo Paiva, que analisou um universo
bem maior de testamentos para as comarcas do Rio das Velhas e do Rio
das Mortes (onde São João Del Rey se localiza), encontrou proporções
absolutamente semelhantes: entre os homens forros, 67% eram da
África e, entre as mulheres, 70% 348.

Entre todos os testamentos analisados, no Rio de Janeiro,


incluindo livres e forros, foram as mulheres forras e os homens livres os
que menos casaram, proporcionalmente. Das testadoras forras, 41%
eram solteiras; entre os homens livres, 42% nunca casaram. Tenho a
convicção de que os que não se referiram ao estado matrimonial eram
também solteiros, pois dispuseram de seus bens como se assim o
fossem. O número, então, sobe para 45% de forras e homens livres que

348
Cf. PAIVA (1999).
186

não casavam. Homens forros eram solteiros em somente 21% dos casos
e mulheres livres, em 31% (somadas as sem referência).
As que menos tinham filhos eram as mulheres forras. Somente
33% das casadas, 29% das viúvas e 12% das solteiras os tinham ou
tiveram. Entre as livres, 70% das casadas, 67% das viúvas e 7% das
solteiras tinham ou tiveram filhos. No total, considerando todos os
estados matrimoniais, somente 24% das forras procriaram, enquanto
51% das mulheres livres, 41% dos homens livres e 34% dos homens
forros o fizeram.
Dos 74 testamentos de forros de São João Del Rey, as
proporções foram muito semelhantes às do Rio de Janeiro: somente
29% dos homens forros eram solteiros e, entre as mulheres, 45%. Em
termos de procriação, a proporção também é incrivelmente parecida
com o Rio: somente 26% das mulheres e 28% dos homens libertos
geraram filhos.
Visto por outro ângulo, 76% das forras testadoras do Rio de
Janeiro e 74% delas em São João Del Rey não tiveram filhos. São
números expressivos e seu significado é muito difícil de ser avaliado.
A grande maioria delas teve, portanto, de fazer testamento para
indicar seus herdeiros.
O fato poderia ser explicado pelo tipo de fonte: as forras não
teriam indicado os filhos por eles serem ainda escravos, impedidos,
legalmente, de ser herdeiros, ou por já terem morrido na época em que
fizeram seus testamentos. É fato, entretanto, que, em testamentos, era
extremamente comum pais e mães nomearem os filhos, inclusive ainda
escravos ou já falecidos.
Florência de Lima, parda forra, redigiu seu testamento em 1786,
no Rio de Janeiro. Afirmava ser viúva de José de Lima, de quem não
teve filhos, mas que no estado de solteira teve cinco: Felix, Jerônimo,
Domingas, Mônica e Leonor, todos já falecidos naquele momento.
187

Deixou como herdeira de seus bens sua neta e testamenteira Eva Maria
da Piedade e a bisneta Rosária, ambas pardas forras349.
A afirmação sobre a inexistência de filhos vivos ou falecidos era
contundente. Diziam, a exemplo de Isabel Maria Gonçalves, em 1780,
natural da costa de Angola, viúva, no Rio de Janeiro, que não tive nem
tenho filho ou herdeiro algum350. Em São João Del Rey, Joaquina
Ferreira de Paiva, em 1837, declarou:

(...) que sou natural da Costa da África e fui batizada na Corte do


Rio de Janeiro, e presentemente moradora nesta vila de São João de
El Rey, aonde vivo no estado de solteira, e neste estado tendo dois
filhos naturais, são eles há muito tempo falecidos e por essa causa
sem herdeiros ascendentes nem descendentes351.

Também em São João, Josefa Pinta, em 1786, foi ainda mais incisiva:

Declaro que sou preta de nação mina e que fui casada em face da
Igreja com Pascoal Comia [sic] também preto forro de cujo matrimônio
não tivemos filhos alguns nem também os tive nunca no estado de
solteira nem adulterinos e por isso não tenho herdeiros descendentes
nem ascendentes352.

Poder-se-ia ter como hipótese que estas mulheres tivessem


filhos ainda escravos, incapacitados, portanto, de serem herdeiros.
Apesar desta possibilidade, presumo que elas realmente não tiveram
filhos, fossem casadas, solteiras, viúvas ou divorciadas, pois seria
pouco provável que, como donas de escravos e patrocinadoras de
muitas alforrias gratuitas, não tivessem o cuidado de libertar seus
próprios filhos do cativeiro. Há inúmeras referências, também, a
alforrias anteriores ao testamento. Teriam, portanto, condições de
alforriar os filhos que ainda fossem escravos. Se não o faziam era
porque eles não deveriam realmente existir.

349
Livro de Óbito da Freguesia do Santíssimo Sacramento da antiga Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da
Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, testamento de Florência de Lima, 1786.
350
Idem, ibidem, testamento de Isabel Maria Gonçalves, 1780.
351
Livro de Registro de Testamento, n. 56. Arquivo do Museu Histórico de São João del Rei.
352
Idem, ibidem, no 10.
188

Corrobora esta afirmação o fato de que alguns testadores


declararam a existência de filhos ainda escravos. Pela legislação, apesar
de filhos escravos não terem o direito de herdar, poderiam receber
legados, as tais esmolas, distribuídas amplamente pelos testamenteiros.
Catarina Tinoco da Silva testou em 1792. Preta mina,
proprietária de uma morada de casas, dizia que o meu filho Onofre
estando este já liberto será meu herdeiro no resto que ficar depois de
satisfeitos e cumpridas as disposições do meu funeral (...) e não sendo o
dito meu filho liberto ficará minha Alma por herdeira353. Pode ser que o
valor da morada de casas não fosse suficiente para libertar o filho, mas
também imagino que uma mãe mina estaria predisposta a despender
bens para libertar uma filha mais do que a um filho354.
Eduardo Paiva transcreveu a declaração de um testamento de
uma forra que ainda possuía filhos escravos. Em 1774, Quitéria de
Souza, preta mina, casada, dizia:

(...) que antes de contrair com o dito Valério Alves o matrimônio, tive
duas filhas, ambas fêmeas e de diferentes pais, as quais são cativas,
uma do Padre Agostinho Alves, por nome Simôa e a outra de Maria
Gonçalves, por nome Maria, assistentes na freguesia de Vila Nova da
Rainha, as quais minhas filhas não deixo coisa alguma porque os
bens que se acham ao presente no meu casal mal abrangerá ao meu
funeral e dívidas que se acham( ...)355.

A preocupação em libertar filhos cativos perpassava todos os


extratos da população, fossem livres ou forros. Deixar filhos em
cativeiro, quando havia condições de os libertar, era atitude reprovável.
Pode-se perceber o interesse em ficar em paz com a consciência em
alguns testamentos, em particular de homens, que não tinham certeza
da paternidade.

353
Livro de Registro de Testamento n. 1. Arquivo do Museu Histórico de São João Del Rei, testamento
de Catarina Tinoco da Silva, 1792.
354
Creio que o sistema de herança de vários povos da África ocidental impedia que mulheres herdassem
de maridos, pais e filhos, assim como elas seriam herdeiras de mães e de filhas. Ver capítulo VI.
355
PAIVA (1999, p. 260).
189

Antonio Luis Soares redigiu seu testamento em 1755, no Rio de


Janeiro, declarando ser nascido em terras de brutos e de gentilidade
como foi a da Costa da Mina, de nação cobu, e que tinha um filho cativo
de nome Estevão Soares da Mota, tido no estado de solteiro, que foi
escravo do defunto Caetano da Mota e, no momento, não sabia em
poder de quem se achava, nem se era vivo ou morto, pois Estevão
morava em Salvador, Bahia. Ordenava, então, ao testamenteiro, que
procurasse saber se era vivo, para ser libertado pelo seu valor. Para
tanto, determinou a venda de uma de suas casas. Não o nomeava
herdeiro pela dúvida que tinha sobre a paternidade, mas o libertava
“pelo amor de Deus”.
Declarou também que existia uma crioula de nome Constância,
então escrava de uma filha de Catarina Rodrigues, que diziam ser sua
filha adulterina, tida na época de seu primeiro casamento. Da mesma
forma que para o filho Estevão, manda vender outra casa para pagar
por sua liberdade. Caso fossem mortos no tempo de seu falecimento, o
valor que lhes atribuía deveria ser empregado em missas por suas
almas356.
Penso em algumas hipóteses para explicar a freqüente ausência
de filhos entre os forros que fizeram testamento. A primeira é a de que a
criação de filhos de alguma forma impedia que estas pessoas
acumulassem pecúlio, seja pelas despesas com crianças não
produtivas, seja pela impossibilidade de exercer certos ofícios. Assim, os
ex-escravos que puderam acumular bens e, conseqüentemente, redigir
testamento foram os que não tiveram prole. Esta é uma situação
possível, mas não creio que tenha sido a regra.
Ao relacionar presença de escravos e de crianças, somente duas
entre as testadoras com filhos não tinham escravos, assim como, entre
os homens, também apenas dois. É verdade que eles poderiam ter tido
os filhos depois de conseguirem os escravos, mas, de qualquer forma, é

356
Livro de Óbito da Freguesia da Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de
Janeiro, testamento de Antônio Luis Soares, 1755.
190

uma possibilidade difícil de ser comprovada. Acho que a existência de


filhos não impossibilitava, necessariamente, o enriquecimento.
Uma segunda hipótese, mais provável, no meu entender, é que
estas pessoas, principalmente as mulheres, não queriam ter filhos e
tinham alguma prática anticonceptiva ou evitavam relacionamentos
sexuais. A infertilidade é totalmente descartada. Um dado realmente
surpreendente é o de que, no Rio de Janeiro, somente uma, entre as
mulheres casadas que eram mães tinha um filho do marido, sendo o
outro natural357. Todas, absolutamente todas as outras afirmavam
serem os filhos de outros pais. Das viúvas com filhos, uma tinha cinco,
naturais, e nenhum do falecido marido. As restantes tinham filhos
legítimos.
Nitidamente o casamento não representava, para elas, condição
fundamental para ter filhos, pois tinham muito mais filhos naturais do
que legítimos. Muito menos a virgindade era importante para os
homens que deseposavam. O casamento objetivava algum fim diferente
do exercício do sexo e da procriação. O fato de a grande maioria delas
não ter filhos do próprio marido pode ser reflexo de casamento numa
idade em que já não eram mais férteis. Realmente, é uma possibilidade,
mas acho improvável. Mesmo que seja verdadeira, a questão persiste:
qual a finalidade do casamento, se não era a procriação? Ajuda mútua,
principalmente na doença e na velhice? Busca de respeitabilidade?
Presumo que as intenções poderiam ser várias, mas é certo que,
apesar do significativo número de mulheres solteiras, o casamento não
era execrado, sendo inclusive realizado com certa freqüência, haja vista
a proporção razoável de casadas e viúvas. Ter filhos, entretanto, era
diferente. Criaram, na ausência de filhos, uma outra família – uma
família de mulheres escravas, ex-escravas e suas crias. E era esta,
assim constituída, que deveria receber atenção, aprendizado e os bens
angariados durante sua vida.

357
Por filhos natural entendia-se a criança nascida de relacionamento em que ambos os pais eram
desimpedidos, ou seja, nenhum era casado ou religioso (com voto de castidade).
191

Estou convicta de que a maioria delas não teve filhos por


escolha própria, provavelmente por não encontrar, no Brasil, condições
culturais adequadas. Era uma opção de vida não ter filhos, em
particular quando ainda escravas.
Entre as mulheres nascidas na África a fazer testamento, 50%
delas no Rio de Janeiro e 58% em São João Del Rey, eram da Costa da
Mina ou, segundo suas declarações, da Costa da Mina do gentio da
guiné. Devo relembrar que a população mina, tanto no Rio quanto em
São João, era proporcionalmente pequena em relação aos escravos
oriundos da África centro-ocidental. A proporção de 50% e 58% delas a
fazer testamento, portanto, é um dado significativo, pois evidencia que
tiveram mais condições do que as outras de enriquecer.
No Rio, das pretas minas testamenteiras 78% não tinham filhos.
Em São João, uma proporção ainda maior 83% não procriou.
Uma determinação do Compromisso da Irmandade de Santo
Elesbão de 1740, trabalhado por Mariza Soares, pode induzir a supor
que pelo menos uma parte das minas do Rio de Janeiro optava pela não
procriação por fidelidade à sua etnia. A irmandade era dominada pelos
mahis, nação inimiga do reino do Daomé e traficada por este reino a
partir da década de 1730.
Segundo o Compromisso, seriam aceitos como irmãos os
naturais e oriundos da Costa da Mina, Cabo Verde, Ilha de São Tomé ou
de Moçambique, sendo que somente os destas nações poderiam eleger-
se juiz, escrivão, procurador, etc. Os demais, como mulheres e pardos e
pardas querendo por sua devoção serão admitidos por irmãos desta
Santa Irmandade. Surpreendentemente, havia impedimento para o
ingresso de pessoas de outras origens: E de nenhuma sorte se admitirão
pretas de Angola, nem crioulas, nem cabras ou mestiças 358. Pardos e
pardas seriam aceitos, porém não poderiam fazer parte da

358
Informações retiradas de SOARES (2002, p. 64-65).
192

administração, mas nunca as mulheres nascidas em Angola, as


crioulas, as cabras e as mestiças359.
Inicialmente, coloca-se a questão: o que significaria, para eles,
pardo? Quero crer que o termo significasse filho de africano nascido já
na liberdade, ou seja, de mãe forra, nunca tendo sido escravo. Já alertei
para o fato de que o termo adquiriu diferentes significados, no tempo.
No caso, foi diferenciado de mestiço e, mesmo, de crioulo, este último
nitidamente filho de mulher da África, nascido no cativeiro. Era
escravo.
As determinações contidas no Compromisso foram por demais
explícitas para serem menosprezadas. Está claro que ter filhos
escravos, principalmente do sexo feminino, não era, certamente,
experiência aceita ou querida. Segundo Mariza Soares, e concordo com
ela, o Compromisso nos deixa a impressão de que os mahis daquele
período não se crioulizaram360. Mantiveram-se apegados a suas origens
e a certas tradições, aparentando-se com outros nacionais, e não com
sua descendência. O tráfico servia para recriar novos laços de
fraternidade e parentesco.
Isto não significa dizer que todos os homens e mulheres minas
seguiam estas interdições, mas faziam parte de um grupo bastante
específico que tinha estes parâmetros. O que instiga, no entanto, é que
os pardos e as pardas poderiam ser aceitos, ou seja, caso se considere
como válida a impressão de que pardo(a) era filho(a) de africana
alforriada. As mulheres, então, não tinham filhos nem enquanto
escravas nem quando alforriadas. A idade avançada poderia ser a
explicação para a ausência de filhos, quando já alforriadas. Constatei,
como já detalhado, que a maioria dos forros não era velha. Realmente,
não ter filhos era uma opção.
O casamento, entretanto, era procurado.

359
Mariza Soares alerta que, apesar da proibição, alguns dirigentes aceitaram o ingresso destas pessoas.
No próprio capítulo de ingresso na irmandade, previa-se severa punição aos juízes e aos irmãos da Mesa
que aceitassem as filiações indesejáveis. Idem, ibidem, p. 79, nota 25.
360
Idem.
193

A quantidade de mulheres forras casadas ou viúvas era


expressiva, mas a vida marital, no mais das vezes, poderia ser
desastrosa. Muitas procuraram resguardar seus bens da ação danosa
dos maridos, estabelecendo acordos pré-nupciais ou recorrendo ao
divórcio e a estratégias para diminuir os bens que seriam, por direito,
de maridos tidos por elas como inadequados. Imagino que se casaram
já de posse de bens significativos, conseguidos às custas de suas
agências ou de seu trabalho e indústria.
Nos testamentos, foi comum a menção à insatisfação das
mulheres com maridos em relação aos bens. Em nenhum testamento
de homem houve crítica explícita à mulher.
Francisca de Souza Melo, testando em 1755, no Rio de Janeiro,
era natural de Pernambuco, tendo nascido já liberta, conforme sua
informação. Era casada com Francisco Nunes, de quem vivia separada
há mais ou menos 18 anos, sem saber se estava vivo ou morto. Três
meses antes de redigir o testamento, entretanto, ele reaparecera,
segundo ela,

(...) mandando-me penhoras e pondo-me um libelo de divórcio


injustamente para nele me infamar e desacreditar, pedindo-me que
do mesmo conta quando ele nunca teve nada de seu e de seu casal
teve alguma coisa foi sempre o que eu lucrei antes de ser casada 361.

Declarava que tinha um negro de nação monjolo ou moxicongo,


Antônio, e uma preta doente de nome Joana. Declarou que tinha uma
rapariga de nome Domingas, e a tinha forrado desde a idade de 7 anos,
porque recebeu a quantia de 100$000 (cem mil réis) de seu padrinho
Manoel Mendes da Cruz, embora não lhe tivesse passado carta de
liberdade, pelo motivo de ser público o fato de sempre ter declarado que
ela era forra. Há pouco mais de quatro anos, resolveu legalizar a
alforria, passando-lhe carta de liberdade, pelo motivo de andar enferma
e para que não pairassem dúvidas sobre ser ela liberta. A rapariga

361
Livro de Óbito da Freguesia da Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de
Janeiro, testamento de Francisca de Souza Melo, 1755.
194

nunca saiu de seu poder e amor, por sua própria opção. Afirma, então,
que todos os bens móveis que se achavam em seu poder eram de
Domingas, que os adquiriu e comprou com seu dinheiro e assim que
meus testamenteiros não procurem mais bens do que estes que
declaro362.
Francisca de Souza tentou impedir qualquer intenção de posse
que o marido tivesse sobre os bens, afirmando que os pertences que ele
mandou penhorar não eram seus. Atribuiu-os a outras pessoas. Em
suas palavras:

A dita penhora que foi dos bens móveis, que não são meus como já
declarei, também o fez em um molequinho por nome Francisco de
nação angola que também não é meu e sim de minha afilhada Joana
Maria da Conceição e assim mais fez penhora o dito meu marido em
um pouco de ouro lavrado que consta da mesma penhora cujo ouro
também é da mesma rapariga Domingas e por ser tudo isto a mesma
verdade o declaro neste testamento 363.

Reafirma que tem como herdeiro um filho natural, nascido antes


do casamento, quando ainda morava em Pernambuco, indicado como
terceiro testamenteiro. Desta forma, Francisca tentou, de todos os
modos, evitar que o marido ficasse de posse de qualquer bem, fosse seu
ou, como afirmou, de outras mulheres. Declarou que tinha somente os
dois escravos, sendo que um deles, Antônio, andava fugido e que a
Joana, doente, deixava coartada para, no prazo de dois anos, dar o
valor da avaliação estipulada no inventário.
Tereza de Jesus Maria, natural do Rio de Janeiro, dizia em seu
testamento, de 1751, que fora casada, por carta de a metade com
Antônio de Mello Reis, homem pardo, de quem nunca teve filhos por
nunca ter feito vida marital com ele. Ao contrário, o marido destruiu os
bens do casal, e por fim me quis tirar a vida, de modo que entrou com
processo de divórcio no qual recebeu sentença favorável, estando ele já
de posse dos bens que lhe cabiam. Declarava:

362
Idem.
363
Idem.
195

(...) meu marido Antônio Mello Reis nem tem cousa alguma de sua
meação em meu poder, pois o que lhe podia tocar já (ilegível) em si,
pois quatrocentos mil réis que herdou de seus pais os gastou em
cousas profanas e todas ilícitas, e assim algumas alfayas e casas, e
alguns trastes de ouro, e assim mais declaro rogo e peço aos meus
testamenteiros quando o sobredito meu marido queira entrar nestes
poucos bens que me pertencem o defendam por demanda em tudo o
que for necessário da minha fazenda, e para mais clareza se acha o
pleito de divórcio no Juízo Eclesiástivo desta cidade 364.

Informou Tereza de Jesus que era possuidora de uma escrava,


angola, e de um crioulo, seu filho, além de peças de ouro com
diamantes, roupas brancas e de cores e créditos com duas pessoas a
quem emprestou dinheiro.
Estas mulheres consideravam-se proprietárias dos bens que
possuíam, talvez por os terem adquirido por seus próprios esforços, e
não viam com bons olhos a apropriação deles por parte de homens que,
na sua avaliação, nada haviam feito para os ampliar.
Nem todas, entretanto, viviam em guerra com seus cônjuges.
Muitas indicaram que viviam bem, resultando no fato de os deixar como
herdeiros e testamenteiros.
Josefa Fortunata, natural da Costa da Mina, do gentio da guiné,
e moradora no Rio de Janeiro, ditou seu testamento em 1798,
declarando que

(...) sou casada com João Antônio Gomes Jordão preto forro de cujo
matrimônio não tenho filhos por cuja razão instituo meu universal
herdeiro o dito meu marido pela boa (ilegível) que sempre fez comigo
tratando-me com amor tanto em saúde como na ocasião da moléstia
por cuja razão o instituo herdeiro de tudo o que por direito me haver
dos meus bens365.

Não tinha escravos e seus bens eram em pequena quantidade, motivo,


talvez, de ser tão desprendida em nomear seu marido como herdeiro e
testamenteiro.

364
Idem, ibidem, testamento de Tereza de Jesus Maria, 1751.
365
Livro de Óbito da Freguesia do Santíssimo Sacramento da antiga Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da
Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, testamento de Josefa Fortunato, 1798.
196

Mariana da Costa de Oliveira, nascida na Costa da Mina,


testando em 1777, no Rio de Janeiro, era casada e sem filhos do
matrimônio. Declarou, entretanto, que, antes de casar, teve um filho
pardo por nome José da Costa, que

(...) sempre procedeu muito mal dando-me desgostos vivendo fora de


minha companhia e por esta mesma razão nunca fez caso de mim
porém em razão das leis novíssimas da Sua Majestade o instituo meu
herdeiro naquela parte que por direito lhe tocar os meus bens depois
de cumpridos meus legados e gastos funerais (...)366.

Tentou, de todas as formas, preservar os bens que dizia ser do marido


contra o ingrato filho, afirmando que

(...) dos bens que possuiu meu casal todos foram adquiridos e
granjeados a custa do suor e trabalho do dito meu marido e eu
quando casei não levei cousa alguma para o meu casal, porém pela
parte que tenho nos ditos bens pelo meu casamento naquele que por
direito me tocar nessa é que instituo por meu herdeiro ao dito meu
filho sem que ofenda a parte ou meação do dito meu marido pela
razão de serem comprados e adquiridos com seu dinheiro e suor367.

No testamento, afirma várias vezes que os bens foram


adquiridos com o suor e o trabalho do marido, e que entre eles havia
uma escrava de nação courana, que deixava forra de sua parte e que,
da parte do marido, também ele assinaria a alforria para a livrar da
escravidão. Econômica na declaração dos bens, dizia que os demais
seriam listados pelo marido por ocasião do inventário, pois ele bem
sabia quais eram, mas que, do resto de sua terça, que tinha direito a
dispor como bem lhe aprouvesse, por lei, deixava ao dito seu marido.
Tentava, desta forma, diminuir ao máximo os bens que caberiam ao
filho. Deu, entretanto, um voto de confiança a ele, declarando que

(...) se o dito meu filho se unir e ganhar a vontade de meu marido e


estiver pela sua vontade dele neste caso entrará o dito meu filho na
minha herança naquela parte que lhe tocar caso o dito meu filho não
estiver por esta razão que digo e se quiser opor contra o meu marido
neste caso ficará o dito meu filho excluído da minha herança pela
366
Idem, ibidem, testamento de Mariana da Costa de Oliveira, 1777.
367
Idem.
197

razão de ser mal procedido e me ser desobediente sendo assim e


neste caso instituo herdeiro de tudo que me tocar ao dito meu marido
bem entendido seja tudo feito compra e quitação pois bem se sabe que
tudo quanto em meação do casal for comprado com o dinheiro de meu
marido, como tenho dito368.

As declarações de Mariana, como as de Francisca de Souza


Melo, que imputava a propriedade dos bens à sua ex-escrava Domingas,
são suspeitas, pois tentavam impedir outras pessoas, no caso, um filho
e um marido, de os receber como herança. Acho que eram proprietárias
dos bens que descreviam e usaram de estratagemas para conseguir
seus intentos.
Maridos, companheiros e auxiliares na composição dos bens
materiais parece ter sido a aspiração das mulheres quando casavam,
além de prever amparo nos momentos difíceis. A quantidade expressiva
de mulheres que não casaram, entretanto, faz-me sugerir que o celibato
e a não procriação foram mais freqüentes e opções calculadas.
Escolhiam uma vida com uma família selecionada por elas, entre
escravas e suas crias que alforriavam, no intuito de repetirem a forma
de vida que lhes ensinavam e que consideravam adequada.
A redação do testamento, portanto, era fundamental para que
estas mulheres, quase sempre sem herdeiros necessários,
direcionassem o destino dos bens adquiridos segundo sua própria
escolha.

6.3 – A “boa criação”

Francisca Maria Tereza, natural da Costa da Mina, foi batizada


na freguesia de Nossa Senhora das Mercês da cidade de Lisboa, onde se
casara com o falecido José Pereira de Araújo, de cujo matrimônio não
lhe ficaram filhos. Fez seu testamento em 1776, no Rio de Janeiro.
Era proprietária de três escravas: Isabel, nação angola, sua filha
Dorothéia e Thereza, crioulinha. Deixou coartada a escrava Isabel, no

368
Idem.
198

valor de 3 doblas369, pelo prazo de dois anos, e forrou gratuitamente a


Dorothéia, sua filha. Afirmou que tinha uma demanda contra os
representantes do defunto José Antônio Pacheco, a quem havia
emprestado algumas doblas. Caso vencesse o pleito, deixaria forra
gratuitamente também Thereza, crioulinha. Caso perdesse, o
testamenteiro deveria dispor da crioulinha para o pagamento das
determinações testamentárias.
Havia empenhado as seguintes jóias: três cordões de ouro da
Vera Cruz, quatro pares de brincos de ouro com suas pedras e
diamantes, um botão de ouro grande de gota, duas imagens da
Conceição de ouro, ambas com seu cordão de pescoço, dois anéis de
ouro com suas pedras vermelhas e olhos de diamante, pelo valor de 2
doblas e 4$000 (quatro mil réis). O testamenteiro deveria remir todas as
jóias na quantia estipulada. Era dona de uma morada de casas térreas,
na rua do Alecrim, em terras foreiras, que deveriam ser conservadas
para a moradia das suas crias, a saber: Maria Theresa e suas filhas
Claudiana e Anna (ex-escravas), a escrava Isabel, coartada, Maria da
Glória (ex-escrava), Dorothéia, filha da escrava Isabel, e mais a crioula
Tereza. O intuito de deixar a casa para suas ex-escravas, escrava e
crias, todas mulheres, foi expresso de maneira clara:

E toda esta minha família viverão [sic] unidas sem que possam
dispor tudo ou parte das ditas casas por limitada que seja e serão
obrigadas a pagar o foro de 4$000 em cada um ano a quem de direito
for; e logo as justiças de sua majestade e ao mesmo direito senhorio
impeçam qualquer repartição que das ditas casas queiram as doadas
nela fazer, impedindo-lhes a dita venda. E caso que se cobre a
sobredita demanda deixo às minhas escravas e família acima
declarada o remanescente de meus bens satisfeitos que sejam meus
legados (...)370 [grifos meus].

As palavras de Francisca dão a impressão de que todas já


viviam juntas – senhora, escravas e ex-escravas – e este não era um
arranjo incomum, pois várias outras pretas forras que conseguiram

369
Ver nota 236.
199

enriquecer após a alforria apresentaram uma estrutura domiciliar


muito semelhante, composta majoritariamente por mulheres, além de
realizarem os mesmos investimentos: escravas, jóias e casas e deixar
como herdeiras de seus bens a estas mulheres.
A determinação de querer manter unida o que considerava como
sua família, escravas e ex-escravas, demonstra a estratégia de muitas
mulheres alforriadas que conheciam a forma eficaz de sobreviver e
enriquecer dentro das condições econômicas vigentes no Brasil: a vida
em espaço urbano e o exercício de atividades comerciais de venda a
varejo e de prostituição, atividades executadas majoritariamente por
mulheres negras. No caso de Francisca, soma-se, muito provavelmente,
a usura.
Francisca não investiu numa escravaria feminina somente
porque, no mercado, as mulheres eram mais baratas que os homens.
Sua opção foi calculada e estava de acordo com as atividades
realizadas, no Brasil, por negras em zona urbana. A esmagadora
maioria das testadoras forras que analisei tinha escravaria composta
majoritariamente por mulheres. Quando havia homens, quase sempre
eram crioulos, filhos de suas escravas.
Maria Soares, natural do Congo, testando em 1777, também no
Rio de Janeiro, como Francisca, declarou que era proprietária de dois
escravos, Maria, de nação ganguela, e Miguel, crioulo, filho de Maria.
Miguel poderia ser alforriado, caso pagasse 3 doblas e Maria deveria ser
vendida para as determinações testamentárias. Dizia que

(...) não tive conhecimento de quem foram meus pais e sempre fui
solteira e nunca tive filhos nem tenho herdeiros de que por direito
possam herdar meus bens e como os que possuo foram adquiridos por
minha indústria e trabalho e houve a minha liberdade por dinheiro
que dei ao meu senhor (...) instituo como minhas herdeiras Maria,
Rosa, Vitória e Joaquina, filhas de Joana Soares e Ana Soares que
foram minhas escravas que as forrei pelo amor de criação que lhes
tenho e presentemente me tem carregado na minha doença cuja
herança é de que ficar de meus bens depois de cumpridos os meus

370
Livro de Óbito da Freguesia do Santíssimo Sacramento da antiga Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da
Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Testamento de Francisca Maria Tereza, 1776.
200

legados gastos funerais e se repartirá igualmente por todas,


entregando-se as suas mães o que lhes tocar para estas
administrarem como lhes parecer371 [grifos meus].

É surpreendente o fato de tanto Francisca quanto Maria terem


mantido contato profundo com ex-escravas e se preocupado em
conceder benefícios às filhas, nunca aos filhos, destas ex-escravas,
umas alforriadas ainda em plena saúde e outras no momento da
redação do testamento, quando a idade ou a doença indicavam que era
preciso organizar a morte e distribuir os bens. Francisca e Maria
também são representantes de um grupo majoritário entre as
testadoras forras: africanas e sem herdeiros necessários.
Rita Francisca de Passos, testando em 1792, no Rio de Janeiro,
era:

(...) natural da costa da Mina de onde vim menor e batizada na


freguesia de Nossa Senhora da Candelária desta cidade fui casada
com Teodoro Rodrigues homem pardo de cujo matrimônio não tenho
nem tive filho algum nem tenho herdeiros alguns ascendentes ou
descendentes que por direito hajam de [me] suceder (...) e por isso
instituo por herdeiros deles a Theodosia Francisca de Passos de
nação Mina que foi minha escrava e hoje se acha liberta tudo em
remuneração dos bons serviços que sempre me fez e ainda faz com
todo o necessário372.

A composição da escravaria das mulheres forras é, por si só,


explicativa, tanto no Rio de Janeiro quanto em São João Del Rey:
feminina e nascida na África.
As senhoras forras escravistas, no Rio de Janeiro, tinham 69%
de escravos adultos e 31% de crianças. Dos adultos, 84% deles eram
mulheres. Entre as crianças, 74% eram filhas de suas próprias
escravas, a grande maioria filha de escravas crioulas e, principalmente,
da África centro-ocidental. As escravas minas eram as mais resistentes
à maternidade.
A escravaria adulta destas mulheres era essencialmente
africana. Das escravas, havia 73% originárias da África, com etnias

371
Idem, ibidem, testamento de Maria Soares, 1777.
201

assim distribuídas: courana, guiné, mina, angola, benguela e rebola. As


demais eram crioulas ou não traziam referência. Nenhuma relacionou
escravo de sexo masculino de nação mina, embora tivessem alguns
poucos de outras nações, como congo e angola, o que não deixa de ser
instigante. Não vou me aprofundar, mas pode haver uma explicação:
elas próprias não compravam homens escravos de sua mesma nação
porque eles se recusariam ao trabalho feminino.
De qualquer forma, mesmo sem homens minas, ficou claro que
estas mulheres tinham acesso ao mercado de africanos e nitidamente o
perfil homogeneamente feminino da escravaria permite inferir que sua
aquisição não se dava através de oferta de amantes generosos nem de
senhores compassivos. Estas mulheres compravam escravas, e escravas
nascidas na África, porque tinham objetivos bem definidos.
A composição das escravarias das mulheres forras era
majoritariamente oriunda da costa centro-ocidental. Formavam com
elas unidades domésticas que incluíam dominação, solidariedade e, por
que não, influência. A diferença étnica entre senhoras e suas escravas
não impediu que as libertassem do cativeiro e às suas crias.
É um tanto intrigante o fato de que testadores forros,
especialmente mulheres, tenham sido os que mais, proporcionalmente,
alforriassem seus escravos, muitas vezes inclusive antes da elaboração
do testamento, sendo eles o maior e mais freqüente bem de suas
fortunas.
Dos testamentos que analisei de mulheres forras do Rio de
Janeiro, das proprietárias de escravos, 82% delas alforriavam pelo
menos um deles (a grande maioria alforriava todos), nas mais variadas
condições: gratuitamente, com condição de servir até a morte, com
pagamento de parte da avaliação, com pagamento com valor estipulado,
sob coartação373, etc. Em relação às mulheres livres, 65% alforriavam

372
Idem, ibidem, testamento de Rita Francisca de Passos, 1792.
373
Laura de Mello e Souza afirmou, em trabalho recente, que a coartação não era comum no Rio de
Janeiro. Acho que esta impressão se deu mais pela ausência de trabalhos com testamentos, para o Rio de
Janeiro, do que pela inexistência desta modalidade. Cf. SOUZA (2000). Realmente, é impressionante o
202

pelo menos um. Entre homens livres, somente 45% dos proprietários
libertaram algum escravos. Dos homens forros, 61% concederam a
alforria a pelo menos um. Eram, portanto, as mulheres forras as mais
desprendidas em libertar seus escravos, mas com uma especificidade:
quase 100% dos alforriados por elas eram também mulheres.
Claramente a alforria de mulheres escravas por parte das forras
não significava o seu afastamento de sua ex-senhora. Ao contrário,
indícios em testamentos apontam para uma convivência muito próxima
entre elas. Pela documentação com que trabalho, palavras como amor,
carinho e atenção foram muito comuns e utilizadas por senhoras para
se referir aos desvelos com que as ex-escravas as tratavam.
Uma explicação possível para a permanência de ex-escravas
perto de suas senhoras seria a certeza de que elas ou suas filhas
poderiam acabar recebendo esmolas ou outros bens significativos, além
de, provavelmente, uma habitação e o acesso aos meios de trabalho. É
uma explicação economicista, mas possível. Transformar-se-iam, como
suas senhoras, caso obtivessem sucesso, em senhoras de novas
escravas. Ser escrava de mulher forra era a certeza ter suas filhas
libertadas gratuitamente e de ser ela própria libertada, mesmo que com
pagamento.
Quase todas as crianças filhas das escravas foram alforriadas,

AS CRIAS 98% delas gratuitamente. A argumentação das testadoras era sempre a


mesma: indicavam-nas como “crias” e as libertavam gratuitamente por
as terem criado e pelo muito amor que lhes tinham. As mães escravas,
entretanto, poucas vezes foram alforriadas gratuitamente. Quando o
eram, deveriam esperar a morte da testadora, do testamenteiro ou do
marido da testadora.
Foi o caso de Rosária Maria, em 1803, solteira, que alforriou a
preta escrava Rita, do gentio da guiné, com a condição de servir ao seu
testamenteiro (cuja relação com a testadora não é clara) até a morte

número de pessoas que coartaram seus escravos no Rio de Janeiro. Das 36 mulheres forras que alforriam
algum escravo, 15 delas o fizeram pela coartação.
203

deste, sendo que ele não poderia aliená-la, hipotecá-la, penhorá-la ou


outra qualquer medida que pudesse embargar a dita liberdade374.
Das que poderiam ser libertadas por pagamento, em quase 80%
dos casos a forma era a coartação, ou seja, estipulavam um
determinado tempo para viverem por suas próprias agências para
poderem dar o seu valor.
Em 1751, Clara Soares coartou sua escrava Paula, do gentio da
guiné, para que, no espaço de três anos, granjeasse sua valia, que seria
a metade do valor por que fosse avaliada. Caso não conseguisse, no
espaço de tempo previsto, o testamenteiro deveria dispor dela como lhe
parecesse melhor375. Maria do Carmo, em 1757, proprietária de uma
escrava courana, Esperança, coartou-a para que, no tempo de dois
anos, por suas agências, desse o valor de 3 doblas. Tinha como
condição, entretanto, que seria obrigada a estar em minha companhia
enquanto Deus não me levar para si 376.
Em suma, a maioria das mulheres escravas adultas só poderia
ser alforriada com pagamento e/ou sob condição, enquanto seus filhos
o eram de graça. Mas havia uma certa preferência pela alforria de
crianças do sexo feminino.
Um exemplo é elucidativo. Vitória da Silva Soares, mina, em
1779, era solteira e sem herdeiros. Tinha cinco escravos, uma mulher,
Gracia Angola, seus três filhos, Felícia, Joaquim e José, além de Ana
Angola. Alforriou Gracia e dois filhos, Felícia e Joaquim, deixando como
herança para Gracia a escrava Ana Angola. Já o filho de Gracia, José,
deveria ser vendido para cumprir os legados testamentários, além das
despesas com o enterro e a satisfação dos anuais da irmandade de que
participava377.

374
Livro de Óbito da freguesia do Santíssimo Sacramento da antiga Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da
Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, testamento de Rosária Maria, 1804.
375
Idem, ibidem, Livro de Óbito da freguesia da Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da Cúria Metropolitana do
Rio de Janeiro, testamento de Clara Soares, 1751.
376
Idem, ibidem, testamento de Maria do Carmo, 1757.
377
Livro de Óbito da freguesia da Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de
Janeiro, testamento de Vitória da Silva Soares, 1779.
204

Devo ressaltar que as alforrias testamentárias não foram as


únicas realizadas por estas mulheres. Embora impossível de ser
quantificada, há inúmeras referências nos testamentos a mulheres que
foram alforriadas antes da redação do testamento. Muitas destas ex-
escravas receberam esmolas das testadoras, algumas bastante
significativas. Eduardo Paiva encontrou o mesmo procedimento para
muitas testadoras de Minas Gerais – mulheres sendo beneficiadas por
esmolas ou transformadas em herdeiras de forras sem herdeiros
necessários378.
De modo bastante claro, ser escrava de uma mulher forra era
quase certeza de ter seus filhos libertados gratuitamente e poder
libertar-se a si própria através de pagamento, tanto no decorrer da vida
de sua senhora como, e, presumo, especialmente, no momento de sua
morte. Também era garantia, para suas filhas, de receberem esmolas ou
herança. Ao mesmo tempo, era quase certo ter acesso a uma residência,
mesmo depois da alforria, formando com elas unidades domésticas
femininas e negras. Quero crer que este arranjo não era estranho a
todas as mulheres, fossem da África ocidental ou centro-ocidental.
Foram incontáveis os agradecimentos em forma de legados a ex-
escravas que haviam prestado serviços às senhoras, como por ter me
acompanhado em minha doença, por me ter amparado e expressões
similares, dado que também demonstra a proximidade cotidiana entre
ex-escravas e antigas proprietárias.
Houve referência também a filhas executando este amparo. O
caso de Maria do Bonsucesso é esclarecedor. Natural da Costa da Mina,
ditou seu testamento em 1811. Moradora no Rio de Janeiro, era casada
e sem filhos do matrimônio, mas tinha uma filha antes de ser casada.
No caso específico de Maria, ela teve vários bens, mas, naquele
momento, dizia que

(...) não tenho bens algum senão a roupa de meu uso e os que havia
no meu casal escravos e mais móveis tudo se tomou em execução

378
Cf. PAIVA (1999).
205

pelas dívidas de meu marido e destruído tudo desapartou-se [sic] de


minha companhia e não sei dele até o presente e estou vivendo por
esmola na companhia de minha filha e a dita minha filha se
compadece de minha alma a fazer por mim o que se tivesse
poderia fazer por ela (...)379 [grifo meu].

O interessante, em muitos casos, foi a informação dada por


testadoras sobre os ensinamentos ou, como diziam, boa criação,
transmitidos pelas ex-senhoras. Mariana da Costa Ribeira, no Rio de
Janeiro, em 1753, solteira e sem herdeiros, natural da Costa da Mina,
deixou

(...) os dois cordões de ouro que possuo acima declarados quero que
meus testamenteiros façam logo entrega de um deles a Senhora
Antonia de Jesus minha senhora que foi o qual lhe deixo
gratuitamente em reconhecimento da boa criação, e estimação
que me deu enquanto fui sua escrava380 [grifo meu].

A boa criação provavelmente incluía o aprendizado de algum


ofício e o controle sobre certas atividades. As famílias, assim como
certas irmandades, baseadas na origem étnica ou geográfica, foram,
certamente, o alicerce para muitas escravas se tornarem livres,
enriquecerem e, por sua vez, adotarem os mesmos procedimentos.
Poder-se-ia pensar que o benefício feito por estas testadoras a
suas crias e ex-escravas fosse resultado somente da solidariedade
criada a partir da convivência entre elas, incluindo suas filhas, ou seja,
O beneficios feitos resultado da experiência numa sociedade escravista. Quero crer que
por estas testatoras
forras minas fazia parte+
do universo cultural desuas opções, assim como as de inúmeras outras, foram ditadas por
suas terras de origem,
embora tivesse como li-
vivências mais profundas e que as escolhas faziam parte do universo
mite a sociedade escravis-
ta brasileira, no qual
elas ajudaram a cons-
truir.
cultural de suas terras de origem, embora tivessem como limite a
realidade da sociedade escravista do Brasil que, com certeza, elas
também ajudaram a construir.
Nitidamente eram as mulheres forras as que mais,
individualmente, tinham e alforriavam escravos, independente do

379
Livro de Óbito da freguesia da Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de
Janeiro, testamento de Maria do Bonsucesso, 1811.
206

número deles. Libertavam suas “famílias” e garantiam seu futuro, na


ausência de filhos. Era, também, um investimento.
As mulheres forras, cujos testamentos venho analisando, eram
majoritariamente nascidas na África. O fato mais surpreendente,
entretanto, é que, entre as residentes no Rio de Janeiro, 87% delas
eram nascidas na África ocidental. Eram minas, portanto.
O grupo mina detinha, certamente, especificidades que o
distinguia dos demais, fosse na forma da sua própria alforria, nos
arranjos matrimoniais, na procriação, na composição das escravarias,
na participação em irmandades e na concessão de alforria em vida ou
nas disposições testamentárias.
Foram elas as que tiveram de majoritariamente pagar por sua
alforria, quando a tendência foi de ampliação da alforria gratuita, no Rio
de Janeiro, na primeira metade do século XIX: 62% das mulheres minas
pagaram por ela, enquanto somente 29% das da África centro-ocidental
e 31% das crioulas o fizeram (Quadro 9, capítulo IV).
A participação em irmandade também foi maciça: 92%
declararam pertencer a pelo menos uma. As mais indicadas foram:
Nossa Senhora do Rosário dos Irmãos Pretos, Santa Efigênia e São
Domingos. Algumas referiram ter ocupado cargos na Mesa ou ter sido
“rainha”. Demonstra-se, dessa forma, que organização desse tipo
representava inserção importante na comunidade residente e que
poderia ter ajudado na obtenção da alforria ou, pelo menos, na
manutenção dos bens após a libertação.
Quase todas alforriam pelo menos uma escrava em seu
testamento, quando não, todas, havendo inúmeras indicações de já ter
libertado outras, em registros cartorários.
Os investimentos destas mulheres, além dos escravos, incluíam
jóias, prédios e roupas. Várias declararam a posse de dinheiro em
moeda, fato raro para qualquer grupo social. Somente duas tinham
lavouras, bem de acordo com uma economia urbana, rentista, usurária

380
Livro de Óbito da freguesia do Santíssimo Sacramento da antiga Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da
207

e comercial381. Em termos de dívidas, eram, algumas vezes, devedoras a


variadas pessoas, a maioria com penhor de jóias. Mas era por meio dos
escravos, ou melhor, das escravas, que estas mulheres garantiam sua
sobrevivência e seu enriquecimento. Trabalho este certamente ligado ao
comércio a retalho – na venda de tabuleiro e, eventualmente, na venda
fixa – embora os testamentos não sejam a melhor fonte para constatar
tal prática. Seriam os inventários o melhor documento para observar
com maior nitidez suas atividades.
Seja como resumo, seja como ênfase, vale repetir: o conjunto
dos escravos dessas mulheres forras era feminino e africano, com
presença freqüente de famílias representadas pelas mães escravas e
seus filhos. Formaram grupos femininos e com crianças, mesmo que
não fossem filhos das testadoras. Ao morrer, as senhoras libertavam
generosamente suas crias, mas obrigavam as mães a pagarem o preço
que haviam investido na sua aquisição. Mas também para elas havia
ajuda. Deixavam, quase sempre, esmolas para suas escravas e ex-
escravas, constituídas por roupas, móveis e jóias. Privilegiavam, na
distribuição das “esmolas”, filhas de escravas já forras há algum tempo,
as próprias ex-escravas e afilhadas.
Pouquíssimos foram os homens, em qualquer condição (ex-
escravo, afilhado, filho de ex-escrava, etc.), que mereceram as benesses
destas mulheres. Ao contrário, mesmo sendo filho ou marido, tiveram
delas reprovação aos seus atos e tentaram, em alguns casos, retaliação,
representada na diminuição da herança ou da meação a que teriam
direito. Outras, mais previdentes, garantiram a propriedade integral de
seus bens frente ao marido antes mesmo do casamento, com contratos
pré-nupciais.
Morrer sem testamento deveria ter sido um duro golpe para
elas, pois não puderam dispor dos bens que haviam adquirido com sua

Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, testamento de Mariana da Costa Ribeira, 1753.


381
Em testamentos, não era comum a listagem das roupas, em detalhes. Muitas distribuíam as mais
valiosas pra pessoas determinadas. Outras simplesmente destinavam a roupa de seu uso a alguém. De
qualquer forma, a existência de roupas a serem distribuídas significa que elas tinham valor, mesmo que
simbólico.
208

indústria e trabalho conforme sua vontade. Previdentes, muitas delas


fizeram testamento quando ainda em boa saúde. A distribuição dos
bens mostrou-se interessante.
Das testadoras, 76% não tinham herdeiros necessários. Muitas
deixaram o marido como herdeiro, mas a esmagadora maioria deixou
seus bens para suas “crias”, filhas de suas escravas e ex-escravas, as
próprias ex-escravas e sua alma – a grande beneficiada. Por alma, as
testadoras estão querendo dizer que o restante de seus bens, depois de
pagas as dívidas e os legados testamentários, deveriam ser gastos por
mais missas e sufrágios após sua morte. Em suma, o dinheiro ficaria
para os padres382.
Quase sempre estas testadoras estipulavam um valor que
deveria ser dado ao testamenteiro após a prestação de contas do
testamento, muitas vezes de uma dobla, o equivalente a 12$800 (doze
mil e oitocentos réis). Tentavam garantir, com este pagamento, o bom
andamento de suas determinações. Algumas, então, foram ainda mais
previdentes, deixando o próprio testamenteiro como beneficiário de sua
herança, desde que prestando contas das determinações. Não se pode
saber, pela documentação de que disponho, se as vontades foram
cumpridas. Para isto, seria necessário pesquisar em documentos
denominados de contas de testamentos, muitas vezes inexistentes
porque destruídos.
Acredito que a composição dos domicílios destas mulheres e os
benefícios estipulados em testamento têm relação com a divisão sexual
do trabalho, a constituição das unidades domésticas, a poligamia e o
sistema de herança praticados por vários povos da África ocidental.

382
O dinheiro de missas e sufrágios pelas almas, de casamentos, de batizados, etc. era, muitas vezes, dos
padres, e não para benefício das paróquias, conforme pode ser constatado pelos testamentos e inventários
de muitos padres que relacionaram ao lado de mercadorias, instrumentos de trabalho, mercadorias de
vendas, escravos e móveis o valor das missas e das assistências que haviam feito a certas pessoas. Cf.
FARIA (1998).
209

6.4 – Investimentos

No arquivo do Museu Histórico de São João del Rei, há 104


inventários de forros para os anos entre 1731 a 1850. Destes, 58% ou
60% são de mulheres, 75% delas de origem africana; dos homens, 77%
eram da África.
Os investimentos das mulheres inventariadas variavam, mas os
maiores valores estavam em escravos, prédios urbanos e ouro. Algumas
tinham quantidade significativa de ouro em pó. De modo bem claro, a
principal atividade destas mulheres era o comércio. A existência
freqüente, em inventários de regiões mineradoras, de balanças de pesar
ouro é explicada pela forma com que as mercadorias eram pagas na
Capitania de Minas Gerais.
Apesar de a coroa portuguesa ter implementado um sistema
rigoroso para a retirada do quinto real através das casas de fundição,
havia a possibilidade de circulação do ouro em pó, restrito à capitania,
dada a impossibilidade de alguns mineradores em juntar quantidade de
ouro suficiente para formar uma barra. Desta forma, o ouro em pó
funcionou como moeda de troca e as balanças eram necessárias para os
que viviam de negócios mercantis, inclusive a usura.
Somente três das mulheres inventariadas tinham animais de
grande porte (duas, somente cavalos) e nenhuma possuía lavoura.
Evidencia-se que acumular pecúlio significativo não estava vinculado à
atividade agrária. A agricultura gerava riqueza, mas era na circulação,
no comércio, que esta era apropriada. O mercado era o lugar por
excelência, no período moderno, de acúmulo de capital, e a ele as
mulheres forras, assim como os mais ricos homens brancos, tinham de
se dedicar para acumular bens. Deixá-lo, entretanto, era o segundo
passo para adquirir prestígio social.
OLHAR ISTO PARA Muitas mulheres possuíam, entre seus bens, tabuleiros, frascos
BAEPENDI

de medidas, pesos, balanças, balança de pesar ouro e demais


instrumentos destinados ao comércio. Com freqüência, assim como
210

havia constatado Eduardo Paiva383, emprestavam dinheiro ou ouro em


pó com o empenho de objetos de metais e pedras preciosas. Foram
recorrentes as descrições em testamentos e nas avaliações de
inventários do nome dos proprietários destes objetos. Mas elas também
tomavam empréstimos garantidos por jóias. As peças, para elas, mais
do que símbolo de prestígio social, representavam investimentos de
capital.
Em relação a outras áreas coloniais, a posse de escravos das
mulheres inventariadas de São João Del Rey foi até pequena, pois as
proprietárias representavam 67% do total das inventariadas. Nos
testamentos, as proporções são maiores. Ida Lewkowics calculou 94%
das testadoras com escravos, para Mariana. Realmente, devemos
considerar que a posse de escravos é um sinal evidente de diferenciação
econômica e social. Mas há outros investimentos que demonstram
diferentes tipos de acumulação de riqueza ou de pecúlio. Mary Karasch
alertou para um deles.
Um dado surpreendente num mapeamento populacional de
Goiás, de 1783, foi a indicação de uma categoria social denominada de
pessoa de obrigação, não referida nos demais censos. O fato de maior
destaque, entretanto, foi o de que mulheres livres de cor controlavam o
trabalho de agregados dominados e de pessoas dependentes. Esta é
uma modalidade de trabalho pouco conhecida na historiografia
brasileira e que, no caso, fazia destas mulheres as principais detentoras
de seu controle. A autora ressaltou que

Embora seja incerto como uma pessoa obrigada se torna controlada


por mulheres livres de cor em Goiás, suspeitamos que alguns possam
ter trocado seus serviços por um empréstimo de ouro, enquanto outros
possam ter sido capturados nas guerras indígenas 384.

E cita o caso de uma mulher livre, em Sabará, no século XVIII,


que trocou um ano de servidão por ouro. Muito sugestiva e

383
Cf. PAIVA (2001).
384
KARASC (1998, p. 15).
211

cuidadosamente, Mary Karasch diz que este sistema de trabalho, caso


realmente tenha existido, era similar ao de penhores do oeste da África,
em que as pessoas eram mantidas presas como garantia por dívidas 385.
Este dado é muito interessante, pois é fato que, em inventários
de forras (mas também de homens forros), a quantidade de ouro era
bastante significativa. Pode-se presumir, então, que o investimento em
ouro poderia resultar, além de capital usurário, na aquisição de
trabalho forçado.
Donald Ramos, ao analisar uma área de Ouro Preto, em 1804,
ficou visivelmente sem respostas ao constatar que, entre as mulheres,
as pretas e as africanas eram mais propensas a ter do que a alugar suas
casas que as mulatas e as brancas 386. Argumentou ele que

(...) a explicação para este fenômeno não é clara. Ocasionalmente, ex-


donos de escravos que ainda estavam envolvidos
sexualmente/romanticamente com suas ex-escravas deixavam
propriedades para elas, mas isto não parece ser a explicação mais
certa. Uma explicação mais completa necessita maior pesquisa 387.

Realmente, como constata com cuidado o autor, a explicação


para uma evidência deste porte não se pode restringir somente a
ligações sexuais ou afetivas, embora elas, com certeza, pudessem
eventualmente existir.
Nos inventários de São João Del Rey, a propriedade de prédios
urbanos por parte das mulheres corrobora o que foi identificado por
Donald Ramos para Ouro Preto. Eram 10 mulheres proprietárias de 16
prédios urbanos, alguns deles alugados, o que nos permite concluir que
a renda advinda de aluguéis de prédios era uma das modalidades
escolhidas por elas para investimento, também expressivo em relação a
roupas e adereços.
Das inventariadas forras de São João Del Rey, 58%
descreveram a propriedade de jóias e roupas. Em alguns inventários, há

385
KARASC (1998, nota 22).
386
RAMOS (1990, p. 161).
387
Idem, ibidem, p. 161.
212

presença de calçados, mas oito delas não referiam a vestimentas nem


jóias, o que é muito suspeito. Presumo que foram distribuídos ainda em
vida das inventariadas ou foram ocultados pelos herdeiros, não
entrando no monte-mor. As taxas cobradas para elaboração dos
inventários eram diretamente proporcionais aos valores dos bens e
muitos herdeiros os omitiam para diminuir o imposto.
Tereza Antônia de Jesus, preta mina, em testamento datado de
1787, determinava a seu testamenteiro que vendesse as roupas de seda
e de cetim que possuo388. Também era proprietária de venda e tinha
vários créditos com o empenho de jóias de terceiros, que se
encontravam em suas mãos.
Das mulheres que tiveram roupas e jóias arroladas, em termos
gerais, em relação ao valor total dos bens, seus investimentos nestes
itens eram significativos, variando de 4,6% a 100%. Os capotes e as
capas mereciam as maiores avaliações, mas as vestias de seda também
tinham valor expressivo. Poder-se-ia pensar que as roupas e os
adereços fossem somente para demonstração de prestígio ou de riqueza,
mas acho que o caso é mais complexo.
Consta que as mulheres da África, da Costa da Mina, eram
especialmente tentadas por adereços e vestidos vistosos, como já foi
mencionado. O francês Charles Expilly, que morou no Brasil em
meados do século XIX, enaltecia a beleza das negras, mas explicitava
bem que

(...) cada vez que eu falar da negra, é sempre a negra mina. Por pouco
que se possua do sentimento de verdade, o homem que habita a zona
equatorial não pode recusar a sua admiração por essas soberbas
criaturas, cujo porte está cheio dessa majestade radiosa que o elogio
atribui às rainhas, e a poesia às deusas 389.

Também fazia referência ao gosto das pretas minas aos


adereços: Manuela, legítima preta mina que era, apreciava as jóias e os

388
Arquivo do Museu Histórico de São João del Rei, Livro de Registro de Testamentos no 7.. Testamento
de Tereza Antônia de Jesus, 1787.
389
EXPILLY (1977, p. 96).
213

enfeites390. Rosa Egipcíaca, também mina, de nação courana, declarou


que se prostituiu para as conseguir. Luiz Mott, como já citado, afirma
que os couranos distinguiam-se pela qualidade e beleza dos tecidos que
faziam, sendo vendidos por altos preços na Costa do Ouro 391.
Sendo correto que alguns grupos dentre os pretos minas
produziam tecidos para o comércio na África ocidental, pode-se ter
como hipótese que a indumentária fosse assunto especialmente
importante para homens e mulheres originários destas regiões. Talvez
esteja nesta base cultural o motivo pelo qual as mulheres realmente se
vestissem de forma a escandalizar os olhos dos brancos ocidentais
contemporâneos, que viam nelas bizarrice ou atrevimento e
irreverência.
Talvez esta estranheza dos observadores se tenha originado por
ver signos e materiais ocidentais (sedas, cruzes, sapatos, chapéus, etc.)
misturados a outros signos e materiais africanos (cabelos
ornamentados, búzios, contas e colares numerosos, peitos à mostra,
etc.). É hipótese bastante provável que os tipos dos trajes e adereços de
escravas e forras nascidas na África eram em grande parte ditados pelos
costumes de suas culturas de origem e visavam um reconhecimento ou
estabelecer um lugar social entre os seus pares. Para os que não
conheciam seus costumes, a interpretação parece ter sido a de que eles
tentavam distinguir-se do mundo dos escravos e aproximar-se do
comportamento da população livre e branca. Não o conseguiam, posto
que o resultado era sempre risível ou grotesco.
Posso agregar mais um dado para explicar os motivos de
escravas e forras terem apreço por adereços e vestidos, na sociedade
escravista brasileira: estes bens também eram investimento, pois
voltavam ao mercado. Os sapatos de Josefa da Costa, mina, falecida em
1788, em São João Del Rey, foram vendidos em leilões públicos, mesmo
os dois pares de veludo carmesim e outro azul muito velhos, vendidos por

390
Idem, ibidem, p. 94.
391
MOTT (1993, p. 14).
214

$300 (trezentos réis). Havia uma grande demanda de objetos usados 392.
Não se pode, portanto, entender o conjunto de bens de uma pessoa
somente como objetos rituais ou de uso pessoal, de ostentação de
poder, riqueza ou prestígio. Em determinados momentos, os
proprietários poderiam, com certa facilidade, hipotecá-los, vendê-los ou
trocá-los pelo que lhes interessava.
Conclui-se que o escravo, apesar de um bem representativo e
importante no conjunto das fortunas e como forma privilegiada de
investimento, não era a única maneira de se obter renda e trabalho. As
mulheres forras da Costa da Mina souberam administrar, como poucas,
os recursos que adquiriram, sempre com referências possíveis às suas
culturas de origem.
Quitéria da Silva, Florência Oliveira e Catarina da Silva são
algumas entre as muitas mulheres oriundas da África que acumularam
pecúlio significativo. Apresenta-se, portanto, uma especificidade, que
privilegia a forra nascida na África no acúmulo de bens.
Não era somente o comércio a retalho ser vantajoso que faria
com que pessoas dos mais variados grupos sociais a ele se dedicassem.
Deveria haver componentes culturais profundos que determinasem as
escolhas.
Diversos estudos sobre a África indicam que certos setores do
comércio eram de monopólio feminino, quer se trate da Costa da Mina
(Nigéria, Daomé, Senegal) ou da região banto – Congo e Angola393, mas
o peso deste está mais evidente para a África ocidental. E, realmente, a
grande maioria das mulheres nascidas na África que teve seu inventário
aberto ou fez testamento era mina. As atividades escolhidas por elas,
então, estavam sendo ditadas por costumes ligados às culturas da
África. Não haveria desdouro, portanto, em a elas se dedicarem, mesmo
libertas.
Por outro lado, já indiquei os impedimentos que fariam com que
as mulheres brancas assumissem este tipo de atividade. Mesmo muito

392
Ver, sobre o comércio de artigos usados, FARIA (1998), especialmente capítulo III.
215

pobres, culturalmente não se podiam dedicar ao comércio de negras,


por mais rentável que fosse. Os estigmas ligados a ele eram tão
profundos que se impunham como uma barreira intransponível. O
mesmo pode ser considerado em relação aos homens. Certos tipos de
comércio lhes eram culturalmente interditados. Não consta, por
exemplo, que homens exercessem a venda em tabuleiros. Não parece
ser o caso de eles optarem por outra atividade mais rentável, mas sim
por ser incompatível com sua condição de homem, até mesmo originária
de sua experiência ou memória da África.
A participação proporcionalmente pequena de mulheres
nascidas no Brasil, entre as que fizeram testamento ou tiveram
inventários abertos, é difícil de ser explicada, pois poderia pressupor
um distanciamento das culturas africanas certamente pouco real num
mundo escravista, que vivia a receber estrangeiros em seu meio. A
memória, portanto, seria revitalizada continuamente.
Mas, a se dar crédito a diversos estudos que tratam dos
embates entre crioulos e africanos394, os nascidos no Brasil sentiam-se
“superiores” aos nascidos na África. Proponho duas explicações: o
comércio a retalho, fosse ambulante ou em vendas fixas, realizado por
mulheres de origem africana, era desprezado pelas crioulas que
optaram por dele se distanciar. Por outro lado, poderia ser que as
mulheres de origem africana tivessem mais cabedal e competência para
dele tirar rendimentos significativos do que as crioulas. São
conjecturas, somente, que poucos documentos podem comprovar. O
certo, entretanto, é que crioulas, pardas, mulatas, cabras e mestiças
não estavam majoritariamente entre as testadoras e as inventariadas de
nenhum lugar onde foram realizadas pesquisas, nem há indícios de que
se ocupassem do comércio a retalho nas cidades analisadas.

393
Cf. BUSH (1990); VERGER (1987); HOUSE-MIDAMBA & EKICH (1995).
394
Coloco, no caso, africanos em itálico por ser esta denominação pouco usual para designar os negros
oriundos da África, pelo menos até a segunda metade do século XIX. Durante todo o período escravista
que durou o tráfico atlântico, os nascidos na África eram designados claramente por sua nação ou porto
de embarque na costa africana. Assim, eles não eram africanos, mas congos, minas, angolas, cassanges,
moçambiques, etc.
216

Amas-de-leite, domésticas, amantes, vendeiras, usurárias,


prostitutas, ladras, parteiras, feiticeiras e mais uma variada gama de
atividades foram provavelmente desempenhadas pelas mulheres que
conseguiram acumular pecúlio ou usaram artimanhas para alcançar
sua liberdade. Muitas, não a maioria, tiveram seus nomes inscritos
entre os que mais deixaram bens. Enriqueceram, foram donas de
escravos, apresentaram-se ataviadas e cheias de jóias nas pequenas e
nas grandes cidades do Brasil escravista. Em momento algum, tanto
antes como agora, pela historiografia, puderam usufruir de algum
prestígio.
Os homens brancos dedicados ao comércio, atividade vil,
puderam recuperar-se socialmente, ainda quando vivos ou na figura de
seus descendentes, quando largaram o comércio e se tornaram
respeitáveis proprietários de terras e escravos, estes os verdadeiros
valores sociais, embora economicamente pouco rentáveis. A sociedade
colonial, extremamente hierárquica e escravista, tirou qualquer
dignidade que pudessem ter as mulheres negras e suas descendentes,
por mais que apresentassem bens, que trouxessem nas suas atividades
e na cor da pele os elementos estigmatizantes de classificação social.

6.5 - A transmissão do saber

Constatei que as pretas minas do Rio de Janeiro e de São João


Del Rey eram proprietárias de escravaria feminina e africana. Esta
composição reproduzia, com as devidas adaptações, a divisão sexual do
trabalho em suas terras de origem. Determinadas especialidades só
poderiam ser feitas por mulheres. Investiam, então, em escravas.
Nesta situação, explicava-se a escolha por escravaria feminina,
pois uma das suas principais ocupações era a “quitanda”, comércio a
varejo de alimentos ou pequenos objetos. Não era necessário explicitar a
atividade em testamentos, mas algumas a ela se referiram, mesmo que
tangencialmente.
217

Tanto observadores contemporâneos quanto a historiografia têm


destacado que o comércio a varejo pelas ruas do Rio de Janeiro, desde
pelo menos o século XVIII, ficava a cargo de mulheres, e mulheres
negras. Nos relatos e na iconografia aparecem as negras minas como as
mais ricas ou extravagantes deste comércio. Charles Expilly, em seu
livro Mulheres e costumes do Brasil, informa que uma das principais
ocupações das escravas desta etnia era a venda a varejo, o mesmo
observando Charles Ribeyrolles395. Nas pinturas de inúmeros artistas
da primeira metade do século XIX, como Jean-Baptiste Debret, Thomas
Ender, Rugendas396, etc., as figuras de mulheres negras aparecem
nestas atividades e, algumas vezes, usando ricas indumentárias,
embora os autores, em geral, não as diferenciem pela etnia ou
identidade que aqui no Brasil adquiriram.
Debret descreve a “negra baiana”, provavelmente mina, que
teria ido em quantidade para o Rio de Janeiro a partir das perturbações
políticas de 1822397, com indumentária similar à descrita por outros
cronistas e viajantes e de acordo com o que elas declaram possuir em
seus testamentos:

Desde então apareceram entre as quitandeiras da cidade as negras


baianas, notáveis pela sua indumentária e inteligência, umas
mascateando musselinas e xales, outras, menos comerciantes,
oferecendo como novidade algumas guloseimas importadas da Bahia
e cujo êxito foi grande. Entre estas figura a ataçaça 398, creme de arroz
doce vendido frio dentro de um canudo de folha de bananeira, e bolos
de canjica, pasta açucarada feita com farinha de milho e leite e
vendida em folhas de mamoeiro. Elas introduziram também o uso de
polvilho de forma, amido preparado em pequenos quadrados de uma
polegada de espessura e próprios para engomar roupas. A negra
baiana se reconhece facilmente pelo seu turbante, bem como pela
altura exagerada da faixa da saia; o resto de sua vestimenta se
compõe de uma camisa de musselina bordada sobre a qual ela coloca
uma baeta, cujo riscado caracteriza a fabricação baiana. A riqueza

395
Cf. EXPILLY (1977); RIBEYROLLES (1980).
396
Cf. DEBRET (1989); RUGENDAS (s/d), ENDER (2001).
397
Debret ignorava, assim como, de resto, o faziam analistas posteriores, a presença dos minas no Rio de
Janeiro desde a primeira metade do século XVIII. Cf. SOARES (2000).
398
Em nota do tradutor, há a referência: (...) só se pode tratar do ‘acaçá’, angu de farinha de arroz e
milho, ou ‘refrigerante de fubá mimoso, de arroz ou milho fermentado, com água e açúcar’. DEBRET
(1989, vol. 2, p. 137).
218

da camisa e a quantidade de jóias de ouro são os objetos sobre


os quais se expande sua faceirice399 [grifo meu].

Eram elas, estou cada vez mais convicta, que monopolizavam os


seus ramos mais rentáveis. Um deles é a venda de comida, amplamente
citada pelos viajantes. Em cidades como o Rio de Janeiro, portuária e
com um forte setor de serviços, a venda de alimentos para tripulação de
navios, escravos e demais transeuntes era fundamental.
Creio que havia tipos de alimentos específicos para os grupos
étnicos. Há relatos de viajantes que experimentaram tais guloseimas e
até as aprovaram. A alimentação, de uma maneira geral, para os
nascidos na África, não era somente uma forma de sustentar o corpo,
como afirma Robert Slenes400, mas para fortalecer os espíritos.
Dependendo do grupo de origem, havia alimentos adequados ou não ao
consumo, inclusive em relação ao sexo.
No Brasil, homens e mulheres nascidos na África tiveram de
aceitar diferentes hábitos alimentares, não só por sua condição escrava,
como também pela inexistência de produtos conhecidos em suas terras
de origem. Por outro lado, muitos dos novos alimentos foram adaptados
segundo suas heranças culturais e introduzidos no grande mosaico
alimentar que foi o da sociedade brasileira401.
São poucos os pesquisadores dedicados aos aspectos culinários
do Brasil escravista, como fizeram, antes, Gilberto Freyre e,
especialmente, Luís da Câmara Cascudo402. Os estudos sobre
alimentação, no Brasil, tenderam a se concentrar mais nas condições
de produção e comercialização do que no tocante à cultura culinária
propriamente dita. Em outros países, a alimentação tem sido objeto de
estudo de diversos campos do saber, em particular o da medicina, que,
por muito tempo, se preocupou em desvendar o metabolismo humano
no processo de digestão. Mas foi no campo cultural que os esforços

399
Idem.
400
Cf. SLENES (1999).
401
Cf. Idem.
402
Cf. FREYRE (1987); CASCUDO (1983).
219

inovadores deram resultados mais abrangentes, sobretudo nos estudos


sobre o uso dos alimentos, suas representações religiosas, ritos e tabus
alimentares, aspectos fundamentais para se compreender a diversidade
cultural dos povos.
Conhecer os consumidores e suas preferências alimentares,
presumo, foi fundamental para o sucesso das atividades de algumas
destas mulheres. Provavelmente de forma maldosa, Debret relata
alguns artifícios usados para atrair clientes:

Os mais generosos (...) chamam uma vendedora negra, cujas


maneiras e trajes rebuscados revelam o desejo e os meios de
agradar, que muitas empregam habilmente a fim de aumentar o
benefício da venda explorando a boa vontade dos compradores 403.

Todo tipo de comércio tem regras e estratégias. No caso, a


observação de Debret, do século XIX, sobre as negras dominarem as
técnicas de vendas, agradando aos clientes, já havia sido ressaltada
séculos antes. João Brandão, cronista que escreveu em 1552 sobre a
cidade de Lisboa, afirmou que as negras tinham aptidão para a venda,
conseguindo que os consumidores provassem de suas mercadorias. Em
suas palavras: (...) terça-feira [as negras] estão vendendo na feira, que
lhes não escapa coisa que não vendam404.
Doces e salgados feitos com a mandioca e o milho do Brasil,
regados a azeite-de-dendê e acompanhados de pimenta malagueta,
ambos de origem africana, acrescidos de alho e sal português,
complementados com o coco asiático, transformado em leite-de-coco e
usado nos quitutes adoçados com o açúcar de cana, tão apreciado pelos
europeus, muitos embrulhados em folhas de bananeira, eram
fabricados e vendidos pelas negras de tabuleiro.
Mulheres escravas ou forras em cidades como as de Minas
Gerais, no século XVIII, e do Rio de Janeiro e de Salvador, desde o
século XVII, vendiam pelas ruas comidas que poderiam agradar ao

403
DEBRET (1989, vol. 2, p. 66-67).
404
BRANDÃO (1917), apud CALAINHO (2000, p. 53).
220

paladar e aos espíritos. Presença reconhecidamente fundamental para o


abastecimento urbano e, ao mesmo tempo, incômoda para as
autoridades, as negras foram sistematicamente acusadas de promover
encontros tidos pelas autoridades como badernas. Eram as
responsáveis pela organização de folguedos, como os lúdicos e sensuais
lundus e batuques, em que estariam presentes comidas afrodisíacas
regadas pelo líquido espirituoso mais popular do Brasil – a aguardente
de cana. As tentativas de controlar seu movimento, estipulando lugares
fixos para sua atuação, foram sempre em vão e elas acabaram
tornando-se responsáveis pelo contato pela confraternização entre
povos muito diferentes.
Talvez a negra de tabuleiro, também designada como negra
doceira ou preta quituteira, seja a categoria social que melhor
represente simbolicamente a síntese do que foi o encontro de variados
povos: através das comidas e das festas, das associações de santos
católicos com santos africanos do candomblé baiano, da presença de
pretos-velhos e de caboclos na macumba do Rio de Janeiro, criaram-se
condições para o surgimento de novas identidades no Brasil escravista.
Há, juntamente com o alimento do corpo e dos espíritos, um
outro setor do comércio ambulante que deveria ser extremamente
rentável, não só em termos materiais, mas também simbólico. Era o
comércio de amuletos.
Chamou muito a atenção dos estrangeiros a quantidade de
objetos esquisitos portados principalmente pelas negras. Charles Expilly
informa que negros e negras, instalados ao lado da Igreja dos Militares,
na rua Direita, vendiam

(...) com permissão das autoridades, as esquisitas mercadorias que se


compõem unicamente de figuras de cera, crescentes de cornalina e
figas de madeira, grossamente esculpidas. Alguns ajuntam a este
comércio medalhas bentas e imagens representando a cena do
Desagravo. Esta palavra, consagrada pela tradição, lembra uma
lenda colhida na própria Igreja dos Militares. Segundo essa lenda, um
artista português retocava as pinturas de um enorme Cristo suspenso
na parede de uma capela. Num estúpido acesso de raiva, o artista
distraiu-se a ponto de esbofetear o Homem-Deus. A sua impiedade foi
221

punida ali mesmo, pois o Cristo, despregando-se da parede, caiu


sobre ele, esmagando-o. Todos esses objetos, tão diversos, no
entanto, são destinados a exconjurar o ‘mau-olhado’ ou encanto. Este
sítio poderia chamar-se justamente ‘mercado de amuletos’405.

Os compradores eram, para o observador, de todos os grupos


sociais, mas, segundo ele, predominavam negros escravos e libertos:

É curioso ver-se, desde pela manhã, a afluência dos fregueses em


volta da loja. As amas-de-leite aí são as mais numerosas; e adquirem
um arsenal miraculoso que penduram ao pescoço e ao da criança que
amamentam. As moças supersticiosas e as orgulhosas senhoras não
trepidam em vir fazer provisão de armas sobrenaturais contra os
feiticeiros que vão encontrar no caminho406.

Estes adereços – medalhas e imagens católicas (crucifixos ou


Agnus Dei, santos e escapulários) e os amuletos africanos (figas,
miçangas, contas, etc.) – eram objetos mágicos que tinham cunho
propiciatório ou buscavam proteção, e tiveram, ao que indicam várias
fontes, uso corriqueiro. O fato mais interessante, entretanto, é a
mistura de elementos católicos e africanos. O primeiro dinheiro que um
escravo ganha, anotou Ewbank, é gasto na compra de uma figa407. A
figa, segundo análise de Márcio Soares e baseado em observação de
Camara Cascudo, era um talismã, cuja origem remonta à antigüidade.
Segundo o autor,

O costume de usá-las como forma de proteção contra as forças


maléficas dos feitiços, doenças e mau-olhado, remonta à Antigüidade
Clássica onde eram empregadas nos rituais de fertilidade celebrados
nas ilhas mediterrâneas e difundidas pelo Ocidente à medida que o
Império Romano se expandia, tornando-se um talismã bastante
popular entre os povos latinos. Segundo este folclorista [Camara
Cascudo], a hipótese da origem africana das figas levantada por
alguns estudiosos do folclore negro não se sustenta 408.

As figas eram feitas de vários materiais, como ouro, prata,


marfim, chumbo, coralina, chifres, ossos e madeira. A utilização de

405
EXPILLY (1977, p. 84-85).
406
Idem, ibidem, p. 85.
407
Cf. EWBANK (1976, p. 188).
408
CASCUDO (1954, p. 262-263), apud: SOARES (1999).
222

chifres foi particularmente notada por vários viajantes. Debret observou


que um cirurgião negro

(...) vende ainda talismãs curativos sob a forma de amuletos. Citarei


aqui apenas o pequeno cone misterioso feito de chifre de boi, preciosa
jóia de seis linhas de altura, que se pendura ao pescoço para
preservar das hemorróidas ou das afecções espasmódicas (...) 409.

Tratando de um grupo de carregadores de café, o artista, com


sua crítica comum e preconceituosa sobre os costumes africanos,
observou que,

Quanto ao transporte [de café], penoso muitas vezes em virtude da


extensão do trajeto, faz-se mister, para efetuá-lo sem inconvenientes,
não somente um número de carregadores igual ao de sacos, mas
ainda um capataz entusiasta, capaz de animar os homens com suas
canções improvisadas.Em geral o primeiro carregador é o porta-
bandeira e se distingue por um lenço amarrado a uma vara. Toda
coluna é guiada pelo capataz, que costuma munir-se de um chifre de
boi ou de carneiro; é este troféu, para ele um talismã contra todas as
infelicidades que poderiam ameaçar a marcha do grupo, um amuleto
que alimenta sua verborragia, com a qual ele se impõe à superstição
de seus soldados ocasionais.Entretanto, depois de a coluna chegar a
seu destino e ser paga, a igualdade volta a imperar e a fraternização
se faz na venda mais perto 410.

Thomas Ewbank avaliou que,

Além dos numerosos preventivos mostrados em figuras e descritos em


capítulos precedentes, há ainda outros, entre os quais os chifres, ou
cornos, não são raros. Tomei conhecimento pela primeira vez na Rua
dos Barbonos, numa casa em que eram expostos à venda frutas,
verduras e outros comestíveis. Um par de chifres de carneiro,
pintados com listras alternadamente azuis, vermelhas, brancas e
amarelas, estava dependurado no lado do portal.Perguntando com
que finalidade os chifres estavam expostos, a negra proprietária
exclamou rindo: ‘Para afastar o mau-olhado’. H... perguntou se ela os
venderia, ao que ela respondeu negativamente 411.

Mary Karasch acredita que os amuletos e demais objetos das


religiões africanas não eram apresentados aos brancos, pelo receio que

409
DEBRET (1989, vol. 2, p. 178).
410
Idem, ibidem, p. 150-151.
411
EWBANK (1976 p. 189).
223

tinham os negros de que fossem presos, pois alguns eram considerados


objetos de magia, e seus portadores, acusados de bruxaria ou
feitiçaria412. Desta forma, somente amuletos e imagens menos
comprometedoras estavam às vistas de viajantes e do público em geral.
Era um comércio negro e, muito provavelmente, dominado pelas
mulheres.
Trajes e adereços portados por negras escravas ou libertas
representam mais do que uma forma de ostentação. Tinham também
significados simbólicos e rituais, assim como de proteção. Alguns
contemporâneos e mesmo historiadores consideraram muitas vezes que
houve um processo de adoção de hábitos da elite por parte dos
alforriados que enriqueceram.
Em trabalho extremamente sugestivo, Silvia Lara413 analisou a
vasta legislação portuguesa que estabelecia determinações sobre os
tipos de trajes, tecidos, ornamentos, armas, arreios de animais, número
de criados e séquitos particulares, que poderiam ser permitidos ou
vetados às mais diversas categorias sociais, desde pelo menos a
segunda metade do século XVI até meados do XVIII. O Brasil colonial
estava sujeito à mesma legislação, mas algumas normas foram feitas
especificamente para negros e mulatos, bem mais numerosos em terras
coloniais. Houve, inclusive, uma série de medidas legais, diretamente
ligadas aos trajes das escravas, genericamente, mas que também
incluíam as negras, de maneira mais ampla. Segundo Silvia Lara, a
crítica ao luxo das roupas das escravas aparece na correspondência
entre autoridades metropolitanas e coloniais, em 1695-96, 1703-04 e
em 1709, que acabaram resultando em algumas ordens régias.
Através de cartas régias, dirigidas ao Governador Geral e a
alguns governadores de capitanias do Estado do Brasil e em pareceres
do Conselho Ultramarino, em final do século XVII e início do XVIII,
proibia-se ou reprovava-se o uso, por elas, de sedas e jóias. Segundo
uma carta régia de 20 de fevereiro de 1696, ao Governador e Capitão

412
Cf. KARASCH (2000).
224

Geral do Estado do Brasil, haveria demasia do luxo de que usam no


vestir as escravas deste Estado [do Brasil]414.
Existiram diversas outras determinações, tentando conter os
abusos, mas foi somente em meados do século XVIII que, através da
Pragmática de 24 de maio de 1749 (última lei referente ao assunto), se
regulou a proibição do luxo e excesso dos trajes, carruagens, móveis e
lutos, o uso das espadas a pessoas de baixa condição, e outros diversos
abusos (...)415.
A Pragmática constava de 31 capítulos, e um deles, o nono, era
dedicado aos negros e mulatos da conquista, fossem forros ou escravos.
Proíbe-lhes o uso de certos tecidos e ornamentos, sob pena de
pagamento pecuniário, açoites e, na reincidência, degredo para São
Tomé. Este capítulo, entretanto, foi anulado menos de quatro meses
depois de promulgado, em atendimento a representações feitas por
residentes no Brasil. Segundo Silvia Lara, na interpretação sobre a
anulação deste capítulo deve ser considerada a experiência do viver em
colônia, que significava um conhecimento de uma sociedade escravista,
por parte das elites coloniais, para as quais a visibilidade das
hierarquias divergia da observada pelo distante governo metropolitano.
Apesar de sujeitos às mesmas regras, os habitantes da Colônia criaram
outras marcas, que definiam os espaços sociais.
Os limites hierárquicos da Colônia eram bem diferentes dos do
reino, pois a grande maioria da população, inclusive a que ocupava
cargos administrativos, não era branca. Outros códigos, como a cor da
pele e outras marcas físicas, por exemplo – diferente de Portugal, onde a
plebe se compunha majoritariamente de homens brancos – estavam
incorporados à visualização das hierarquias no Brasil colonial.
O que impressiona é a importância dada aos trajes de escravas,
percebida através da freqüência com que eram referidas em cartas
régias, na legislação e em tratados ou relatos de contemporâneos. Entre

413
Cf. LARA (1997).
414
Idem, ibidem, p. 205.
415
Idem, ibidem, p. 206.
225

as denominadas genericamente escravas, estavam também as mulheres


libertas. De qualquer forma, o que interessa, para meu estudo, mais do
que o significado simbólico, é a constatação de que as muitas mulheres,
fossem escravas ou forras, andavam com trajes ricos e, para os
observadores, inadequados à sua condição social.
Ainda segundo Silvia Lara, a legislação portuguesa, ao proibir os
trajes e os adereços ricos e ostensivos de mulheres que se enfeitavam de
rendas, sedas e ouro, entre as das camadas mais pobres (em particular
das escravas), tentava restringir estes aparatos somente às mulheres
mais ricas, que, por sua vez, ficavam quase nuas em suas casas,
enquanto as escravas mostravam seus corpos desnudos pelas ruas. O
costume era incompreensível aos cronistas da época, que viam, tanto
numa quanto noutra situação, permissividade, luxúria ou ostentação,
todos hábitos desaconselháveis aos bons costumes. Os códigos e os
símbolos, rituais ou profanos, da sociedade escravista do Brasil
escapavam-lhes à percepção.
Atribuem-se aos senhores os custos das roupas de seus cativos,
principalmente se fossem ricos. Senhores ostentariam sua riqueza
através dos enfeites de seus escravos. Mary Karasch foi bastante
enfática neste ponto: O modo de vestir-se dos cativos refletia a riqueza e
posição de seu senhor416.
Em 1764, o Arcebispo Dom Manuel de Santa Inês dirigiu uma
carta pastoral às freiras do convento de Santa Clara do Desterro, em
Salvador, nos seguintes termos:

As pretas que servem as religiosas de porta afora são trombetas que


publicam estas mesmas faltas, pois introduzindo-as suas senhoras
dentro da portaria do convento, sem temor de Deus as vestem e
ornam de modo que são escândalo deste povo, o qual também se
escandaliza vendo que para entrar uma serva nesta clausura,
procura a religiosa, sua senhora, que primeiro passeie em cadeira
pelas ruas da cidade alguns dias, bem vestida e composta, para que
os moradores dela saibam que aquela escrava vai servir à madre
fulana, e assim mesmo vendo que a mesma senhora manda alcatifar
a portaria e convida as religiosas para se receber para dentro a tal

416
KARASCH (2000, p. 301).
226

serva com toda a gravidade, sob pena que, assim a senhora como a
serva que o sobredito cerimonial não observam, serão reputadas por
gente de inferior esfera417.

Também Vilhena, professor de gramática grega, que viveu em


Salvador, em final do século XVIII, censurava o luxo das escravas que,
segundo ele, eram assim trajadas por suas senhoras.

As peças com que se ornam são de excessivo valor e quando a função


o permite aparecem com as suas mulatas e pretas vestidas com ricas
saias de cetim, becas de limiste finíssimo, e camisas de cambraia ou
cassa, bordadas de forma tal que vale o lavor três ou quatro vezes
mais que a peça; e tanto é o ouro que cada uma leva em fivelas,
pulseiras, colares ou braceletes e bentinhos que, sem hipérbole, basta
para comprar duas ou três negras ou mulatas como a que o leva; e tal
conheço eu que nenhuma dúvida se lhe oferece em sair com 15 ou
vinte assim ornadas. Para verem as procissões é que de ordinário
saem acompanhadas de tal comitiva418.

Lindley assim se refere aos adornos das mulheres:

(...) as mulheres de todas as categorias, até as negras, enfeitam-se ao


pescoço com cadeias de ouro, que ficam pendentes. Tem elas
geralmente de uma a três jardas de comprimentos e são de três ou
quatro voltas, contendo, dependurados, um crucifixo (ou Agnus Dei),
um santo ou dois escapulários quadrados e de ouro, com querubins,
etc., entalhados ou em relevo, e que se abrem como se fossem
medalhões419.

Não creio, entretanto, que tenha sido às custas de seus


senhores que elas se ataviavam. Entre as forras, os custos de ter
roupas e adereços corriam certamente por suas próprias agências. Cabe
pensar em quem escolhia os tecidos e os modelos. Caso realmente os
ricos senhores quisessem estampar em seus escravos os símbolos de
sua importância, podemos imaginar que a indumentária deveria ser o
mais próxima possível do que os padrões europeus designavam como
signos de riqueza. Eles, entretanto, os ricos, eram minoria. Além do
mais, os relatos indicam que era somente em público que se

417
SANTA INÊS, spud: ARAÚJO (1993, p. 101).
418
VILHENA (1969), apud: ARAÚJO (1993, p. 101).
419
LINDLEY (1969, p. 63-64).
227

apresentavam ricamente ataviados. No cotidiano, suas roupas eram


mais simples.
Os demais escravos, de inúmeros pequenos proprietários,
deveriam vestir-se com o que pudessem. Mary Karasch deduz que o
resultado deveria ser uma mistura de trajes africanos e europeus.
Acertadamente, afirma que o tipo de roupa que usavam dependia de
algumas variáveis: a quem pertenciam, sua origem e a riqueza pessoal.
Chega à conclusão de que a única generalização possível é que os trajes
dos cativos variavam muito, não só de período, como também de nação
para nação 420.
Já foi referido anteriormente o fato de que viajantes e cronistas
registraram o esforço dos alforriados em se incorporar aos padrões
culturais dos brancos ou, melhor dizendo, aos padrões culturais
ocidentais, como o fez Maria Graham421. Mas houve outros.
Lindley, em 1805, dizia que

(...) os negros sentem que sua importância aumenta por causa do


grande número dos que são alforriados (...) os quais, naturalmente,
passam por senhores, assumindo, freqüentemente, os modos de
seus antigos donos, agindo, em toda a plenitude, com igual
desenvoltura422.

Depreende-se destas observações que os negros, fossem


africanos ou crioulos, adquiriam os costumes dos grupos dominantes,
quando libertos, transformando-se em senhores indolentes e
arrogantes. A indolência e a arrogância, entre brancos, embora
criticadas por viajantes, que vinham de um mundo não escravista,
poderiam ser toleradas. Em negros, eram ridicularizadas, pois
resultavam, de maneira caricaturada, nas piores conseqüências, para
eles, da utilização do trabalho escravo. Acreditar que escravos
alforriados se transformaram em seres totalmente aculturados é um
problema.

420
KARASCH (2000, p. 301).
421
Cf. GRAHAM (1990).
422
LINDLEY (1969, p. 176-177).
228

Os numerosos adereços, antes de fazerem parte de um exagero


na indumentária ocidentalizada, eram importantes em vários sentidos.
Entre as mulheres, talvez fosse para atrair os olhares masculinos, para
solicitar favores, para simbolizar um lugar social ou para atrair os
espíritos. Certamente que nós, hoje, não teríamos condições de avaliar
o que poderiam representar os vários adornos das escravas e forras
que, de resto, pertenciam a etnias diversas. Segundo Silvia Lara, os
signos poderiam ter sentidos distintos e as diferenças de aparência e de
costumes entre os homens receberam explicações diversas que
mesclavam aspectos religiosos e mágicos, físicos e naturais 423. De
qualquer forma, cabe registrar que o vestuário e os adornos não tinham
como objetivo somente a ostentação de riqueza nos moldes ocidentais e
os seus significados poderiam variar de acordo com o portador ou o
observador.
Uma questão importante é sobre quem elaborava os modelos e
confeccionava as roupas usadas por mulheres escravas e forras. Eram
as próprias ou adquiridas no mercado? A costura era comum entre as
mulheres negras, mas creio que havia algumas que se tornaram
especialistas na modelagem e na confecção. As camisas de musselina
rendada das negras baianas, descritas por Debret, não deveriam ser
feitas por qualquer uma. Quero crer que era uma atividade
provavelmente especializada e que rendia bem para as que a
executassem. Almofadas eram comuns em inventários de forras,
provavelmente para fazer renda. Como nos testamentos não há relação
detalhada dos bens, não são muitas as que a estes instrumentos de
trabalho se referem. Mas, nos poucos inventários que consegui
consultar, há referência constante à almofada, certamente para obter
algum rendimento.

423
LARA (1997, p. 215).
229

No testamento de Ana da Costa, de São João Del Rey, do ano de


1836, houve indicação de roda de fiar e descaroçador, mas porque ela
os mandava vender para dizer missas pela minha alma 424.
Há referência, inclusive, a um comércio de panos com a África,
denominado de pano da costa, que aparece em alguns testamentos.
Desta forma, sugiro que algumas delas não só se tornavam
importadoras de tecidos como modistas e costureiras de um mercado
restrito, por certo, mas proporcionalmente bastante rentável.
Nos testamentos há menção freqüente a roupas das mulheres
forras quando as deixavam de esmola ou herança para alguém, mas
foram os objetos e os adereços de metais preciosos os que mais
apareceram.
Das testadoras minas do Rio de Janeiro, 70% eram
proprietárias de objetos de ouro e prata, muitos deles imagens e
medalhas sacras. Predominava, por exemplo, a imagem de Nossa
Senhora da Conceição, de ouro.
Maria do Carmo, testando em 1757, possuía uma imagenzinha
de Nossa Senhora da Conceição em ouro e olhos de Santa Luzia425. Uma
variante da imagem era ela estar em um cordão de ouro, como era o da
proprietária Maria Narciza Preta, em 1804426.
A propriedade de jóias por parte destas mulheres, estou certa,
tinha significados variados. Mas havia um que, presumo, era
importantíssimo: sua facilidade em funcionar como garantia de
empréstimo. Inúmeras mulheres tinham jóias empenhadas nas mãos de
terceiros. O que surpreende, entretanto, é que os credores eram, muitas
vezes, também mulheres. Maria Ribeira da Conceição, em 1753, do
gentio da guiné, era devedora de

424
Arquivo do Museu Histórico de São João del Rei, Livro de Registro de Testamento n o 56. Testamento
de Ana da Costa, 1836.
425
Livro de Óbito da Freguesia do Santíssimo Sacramento da antiga Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da
Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro. Testamento de Maria do Carmo, 1757.
426
Idem, ibidem, testamento de Maria Narciza Preta, 1804.
230

(...) nove patacas a minha comadre Rosa Maria e em sua mão foram
uns penhores que é um par de brincos e uma volta de contas de ouro
e peço a meu testamenteiro logo satisfaça sem demora. Declaro que
devo mais seis patacas a uma preta por nome Isabel da casa de João
(ileg.)427.

A comadre Rosa Maria não teve referência de origem, pois a


indicação do compadrio era superior a qualquer outra, em terras do
Brasil428, mas poderia tratar-se de mulher forra. Já a preta Isabel era
provavelmente uma escrava que emprestava dinheiro a juros.
Bernarda da Conceição, em 1756, era proprietária de

(...) uma Senhora da Conceição de ouro grande com uma volta de


cordão do mesmo, uns brincos de ouro com seus diamantes que tudo
se acha empenhado na mão de Joana de Carvalho mulher preta pela
quantia de treze mil e quarenta réis 429.

Maria do Carmo, preta mina, em 1757, era credora de um preto


forro chamado José Antônio de Amorim de dezesseis mil réis de dinheiro
de empréstimo430. Alugava, ao mesmo preto forro, as lojas de sua casa.
Também sua madrinha e seu marido lhe deviam dinheiro de
empréstimo.
Luiza Rodrigues, mina, em 1793, declarou que

(...) a dita crioula Rosaria (me) está devedora da quantia de dobla e


meia e assim também me é devedora a preta Rosa moradora de trás
do hospício por baixo do Cônego Pedro Barbosa a quantia de quinze
patacas e sua companheira também chamada Rosa moradora na
mesma casa e ambas mina me deve dois cruzados cujas quantias se
cobrarão meus testamenteiros (...)431.

Em 1803, Catarina dos Santos, nação cabunda, devia a uma


preta mina Teodósia na Prainha a quantia de seis mil e quatrocentos réis;

427
Idem, ibidem, testamento de Maria Ribeiro da Conceição.
428
Cf. FARIA (1998).
429
Livro de Óbito da Freguesia da Sé do Rio de Janeiro, n. 16. Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de
Janeiro testamento de Bernarda da Conceição, 1756.
430
Idem, ibidem, testamento de Maria do Carmo, 1757.
431
Livro de Óbito da freguesia do Santíssimo Sacramento da antiga Sé do Rio de Janeiro. Arquivo da
Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro testamento de Luiza Rodrigues, 1793.
231

à mulher de seu testamenteiro, Esperança, dois mil quinhentos e


sessenta réis432 (inv. 154).
Havia, portanto, uma rede financeira em que praticamente só se
envolviam mulheres na condição de credoras ou de devedoras, algumas
vezes com penhor de objetos mais valiosos e outras somente através da
palavra, posto que não há referência a registro escrito.
Mariana da Costa Ribeira, em 1753, como já citado, deixou bens
para sua ex-senhora pela boa criação dela recebida. Talvez isto tenha
resultado no sucesso de Mariana, pois se tornou, depois de liberta,
proprietária de bens significativos: uma escrava, Maria, de nação
benguela, duas moradinhas de casas, sendo que residia numa delas,
dois cordões de ouro de vara e meia cada um, cinco botões de ouro de
colete, um fio de contas de ouro, um par de brincos de ouro de aljofres e
mais bens móveis433.
Era membro das irmandades de São Domingos dos Pretos,
Nossa Senhora do Rosário e de Santo Antonio da Mouraria. Enriqueceu,
não casou, não teve filhos e acabou por ser proprietária da moleca
Maria, benguela, a qual deixava forra e liberta, mas com a condição de
servir ao primeiro testamenteiro até sua morte. Pedia a ele, entretanto,
que a tratasse com toda caridade em recompensa de seus serviços 434.
Mariana estava doente quando redigiu seu testamento, pois morreu no
mesmo ano, não tendo tempo, talvez, de transmitir à sua moleca seus
ensinamentos. Mas não a deixou desamparada, pois determinou que
lhe dessem , de esmola, suas roupas, um colar e brincos de ouro.
Mariana sabia quais bens seriam importantes para Maria.
Assim como ela, outras forras fizeram o mesmo: jóias, ouro,
roupas e casas para as mulheres. Uma delas foi especialmente didática.
Viúva sem filhos, Isabel Ferreira Branca teve o seu nascimento à
Pátria entre o Gentio da Costa da África. Em 1779, em São João Del Rey,

432
Idem, ibidem, testamento de Catarina dos Santos, 1803.
433
Livro de Óbito da freguesia do Santíssimo Sacramento da antiga Sé do Rio de Janeiro, n. 16. Arquivo
da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro, testamento de Mariana da Costa Ribeiro, 1753.
434
Idem, ibidem, testamento de Mariana da Costa Ribeiro, 1753.
232

ditou seu testamento, já em avançada idade, como dizia. Tinha pelo


menos nove escravos, sendo todos, no testamento, coartados ou
alforriados, entre eles Maria Benguela e seus quatro filhos, Luciano,
Francisco, Ana e Joana, alforriados gratuitamente em razão dos bons
serviços que me tem feito e pelo amor de Deus. Estabeleceu como
herdeira uma afilhada, que tinha sugestivamente o seu nome, Mariana.
Deixava bens adequados a cada um deles:

Deixo a Luciano filho de Maria Benguela todos os móveis da minha


casa exceto ouro e prata e também lhe deixo um ferro de minerar no
rio. Deixo a Joana irmã do mesmo Luciano um brinco de ouro antigo e
um laço de ouro. Deixo à Ana também irmã um brinco de diamantes,
uma vara de cordão de ouro alguns botões de ouro que se acharem. A
roupa do meu uso se repartirá entre as duas Ana e Joana igualmente
e uma caixa de pau liso ficando outra para Luciano e outra para
Maria Benguela. Deixo à Maria Benguela dois tachos de cobre um
grande e outro pequeno. Deixo aos meus escravos que ficam
coartados um ferro de minerar no rio para com ele minerarem, digo,
eles trabalharem. E cumprido tudo assim como tenho determinado
sendo primeiro pagas as minhas dívidas de resto é que instituo
herdeira a minha afilhada Mariana na forma sobredita 435.

Mariana, como Isabel, eram mulheres experientes. Sabiam que


ouro e prata eram importantes para mulheres forras. Não creio que
podemos considerá-las como usurárias, por exemplo, mas está claro
que umas socorriam as outras ou delas se aproveitavam, dependendo
da conjuntura.

6.6 – Heranças da África, experiência da escravidão

Tenho argumentado que as mulheres forras nascidas na África,


em particular as da África ocidental, conseguiram, através de
expedientes variados, sua liberdade e, mais do que isto, inseriram-se
entre os grupos de maiores posses daquela sociedade. Incorporando,
aparentemente, costumes ocidentais, entre eles e principalmente a
confecção de testamentos com todos os ingredientes católicos, cabe,

435
Arquivo do Museu Histórico de São João Del Rei. Livro de Registro de Testamentos n. 3, testamento
de Isabel Ferreira Branca, 1779.
233

agora, verticalizar a análise e abordar estas mulheres nas possíveis


heranças culturais de suas terras de origem que interferiram em suas
opções de vida.
Trabalho difícil, sem dúvida, em particular porque os livros que
tratam da África o fazem, via de regra, para o tempo atual 436. Poucos
são os indícios deixados para épocas mais antigas, que foram objetos de
estudos sistemáticos. Acredito, entretanto, que é possível perscrutar e
chegar a alguns resultados reveladores dos costumes africanos que
acabaram por formar nossa sociedade atual.
É bastante difícil identificar de que etnias eram os minas e os
guiné que analiso. Um dado, entretanto, é certo: eles eram minoria na
população escrava do Sudeste. Surpreendentemente, entretanto, apesar
de minoritários na composição da população escrava do Rio de Janeiro,
foram os que, prooprcionalmente, mais tiveram testamentos, o que
reputo como indicação de que tiveram mais possibilidades de
enriquecer.
Um dado que merece ser destacado é que esta situação não foi
exclusiva do Rio de Janeiro. Também em Minas Gerais, onde o conjunto
dos escravos era masculino e africano, foram as mulheres minas que
mais redigiram testamentos e tiveram inventários abertos em relação a
outras mulheres forras. Os dados analisados por Eduardo Paiva, para
as Comarcas de Rio das Velhas e Rio das Mortes437, mostram que entre
95 testamentos de forras de variadas origens, as minas e as guinés
representavam 57% das testadoras, com as da África centro-ocidental
participando com somente 13%. As nascidas no Brasil chegavam a
30%. Entre os homens, também os minas eram majoritários,
representando 55% de todos os forros. Somente um era de Angola, dois
eram estrangeiros sem referência à origem e os demais, nascidos no
Brasil.
Quero crer que estas mulheres detinham bagagens culturais
que lhes favoreciam, levando-as ao enriquecimento e a uma certa

436
Cf. CLARK (1994); HIGGINS (1999); HOUSE-MIDAMBA & EKICH (1995).
234

autonomia. É, portanto, com base no fato de que era mina a metade das
mulheres forras, cujos testamentos pesquiso, que centro a análise na
influencia das práticas culturais dos grupos da África ocidental no que
se refere à escolha de determinadas atividades, em especial o comércio,
e na maior possibilidade de acumulação de pecúlio.
Já é bastante divulgado o fato de que mulheres de vários grupos
étnicos tinham participação ativa no comércio de muitas regiões da
África ocidental. Toyin Falola afirma que, nas comunidades pré-
coloniais dos ioruba, os homens se dedicavam majoritariamente à
agricultura e ao artesanato, com as mulheres engajando-se na
preparação da comida e no comércio438.
Num trabalho bastante instigante, Onaiwu Ogbomo analisa o
domínio do comércio por parte das mulheres do grupo esan na
economia pré-colonial439. O povo esan, hoje, está localizado no estado
de Edo, na Nigéria, tendo sido originado do êxodo de parte da população
do antigo reino do Benin, no século XV. Entre eles, inicialmente,
predominava a atividade agrícola, que ocupava homens e mulheres.
Mas havia divisão do trabalho. O cultivo do inhame era considerado
predominantemente masculino, por ser o rei dos cultivos. Outros eram
tipicamente femininos, como as lavouras de pimenta, algodão, melão,
milho, tomate, banana, etc. Mulheres, com a ajuda de crianças,
poderiam cultivar, sem atrapalhar a cultura do inhame, produtos
subsidiários ou o que denominavam de lavouras femininas. O controle
sobre esta produção era das mulheres.
A política de alocação de terras não reconhecia o direito da
mulher sobre elas. Para lhes ter acesso, as mulheres dependiam de
pais, maridos, irmãos e filhos, que lhes concediam pedaços para sua
plantação. Mesmo sendo proprietárias do produto da venda de suas
lavouras, o resultado não era muito compensador. A maior fonte de

437
Cf. PAIVA (1999).
438
Cf. FALOLA (1995).
439
Cf. OGBOMO (1995).
235

recursos adquiridos por elas vinha do comércio, assim como ocorria


entre as mulheres ioruba.
Outra atividade que tinha uma forte divisão sexual do trabalho
era a manufatura. Os homens estavam ligados às atividades de entalhe
de madeira, de forja de metais e de cestaria. As mulheres incumbiam-se
da tecelagem e do tingimento de tecidos, da confecção de roupas,
cerâmica, sabão, óleo de palma e comida.
Mas foi no controle do comércio local que elas se destacaram,
vendendo suas próprias produções ou sendo intermediárias na venda
de vários produtos que, dependendo da época, circulavam pela região.
O comércio da pimenta vermelha, sendo uma lavoura feminina,
incrementou-se a partir do contato com os europeus, estabelecendo
rotas da pimenta por várias regiões da costa ocidental africana. Outros
produtos se destacavam no pequeno comércio, como sabão, coco,
tomates e espécies de castanhas que, inicialmente, vendiam em frente
às suas casas. Com o tempo e o desenvolvimento de mercados
regionais, avolumou-se a venda de produtos típicos do trabalho
feminino, como roupas, potes e comidas, possibilitando às mulheres
independência econômica.
O sistema de herança do grupo esan impedia que a mulher
herdasse bens de pais, maridos e filhos. Apesar de o sistema da
descendência ser patrilinear, entre eles havia domicílios matrilocais, o
mesmo ocorrendo entre os igbos, conforme descreve Victor Uchendu. O
domicílio consistia na mãe, seus filhos e demais dependentes440. Este
tipo de residência era resultado da poligamia, em que cada esposa tinha
sua própria residência e era ela a referência para seus filhos.
Há consenso entre os analistas de que havia uma natural
competição entre as residências das mulheres de um mesmo marido,
em que cada esposa-mãe tentava procurar para si e seus filhos recursos
que possibilitassem sua independência e melhorias nas condições de
vida. Era de seu interesse que seus filhos conseguissem recursos e
236

terras após a morte do pai e ela trabalhava para que se consolidasse a


posição do filho na família poligâmica.
Em relação à prole feminina, a mãe tinha de garantir às filhas,
que nada podiam herdar do pai, recursos para sua sobrevivência. Era
uma prática cultural a demonstração de reciprocidade nas suas
relações. A mãe provia a filha do necessário, enquanto a idade lhe
permitia. Por outro lado, quando mais velha, era a vez de a filha prover
a mãe. Prática similar foi encontrada entre os accra, da região de Gana.
São estes os fatores que faziam com que as mulheres buscassem
independência de recursos e de rendimentos, de modo que garantissem
para as filhas e, no final das contas, para si próprias, um futuro seguro.
Com o desenvolvimento do comércio e o maior incremento das
produções femininas, houve casos de mulheres que se tornaram
detentoras de significativas fortunas. Entre as esans, houve o
investimento dos lucros de suas atividades em roupas valiosas, tanto de
produção local quanto importadas, contas (enfeites de contas ou aljôfar)
e ouro. Este mercado, de início procurado para acumular bens para a
herança de suas filhas, acabou por criar um conjunto de mulheres
bastante independente dos homens. Um grupo que emergiu, a partir da
independência econômica criada pelo comércio feminino pré-colonial, foi
o que casava com outra mulher. Esta prática de casamento de mulheres
foi resultado do fato de que algumas, casadas, não tinham filhos e não
tinham a quem transmitir sua herança. Assim,

(...) na ausência de filhos, as muito ricas mulheres não queriam sua


propriedade passando para seu marido e desejando preparar seu
funeral, “casava” com uma menina pagando todo o preço da noiva e
levando-a para morar consigo. Ela (a menina) tinha permissão para
ficar com um homem do serviço de guarda (do marido da mulher) que
escolhesse. Toda a prole desta associação ficaria sobre o poder e
domínio da rica mulher441.

440
UCHENDU, Victor C. The igbo of southeast Nigéria. Nova Iorque: Holt, Rinehart and Winston, 1965,
apud: OGBOMO (1995, p. 8).
441
OKOJIE, C. G. Ishan native laws and customs. Yaba: John Okwesa & Co., 1960, p. 89, apud
OGBOMO (1995, p.17).
237

Algumas práticas narradas para os povos da África ocidental


também foram encontradas para os da África centro-ocidental. Luiz
Figueira, que viveu entre os bantos de Angola durante 25 anos, entre
final do século XIX e início do XX, relata alguns costumes que afirma
serem tradicionais e que avalia como bárbaros e antigos442. Os que me
interessam, de fato, são: a poligamia, a separação das mulheres de um
mesmo homem por cubatas (residências) diferenciadas, inclusive com
alusão a rivalidades entre elas, as lavouras serem de propriedade dos
homens, nunca das mulheres, que, entretanto, eram as que arroteavam
o terreno, semeavam e limpavam. O trabalho artesanal era bastante
difundido, incluindo o do ferro, da madeira, da cerâmica, da cestaria,
etc. Também beneficiavam óleo de palma, farinhas, banhas, bebidas
fermentadas e outros. Comercializavam todos estes artigos, acrescidos
de mezinhas, amuletos, plantas medicinais, etc., por meio de permuta,
inexistindo a moeda. Infelizmente Figueira não nos informa sobre a
existência ou não de atividades separadas para homens e mulheres.
Um outro observador dos grupos bantos, mas na África do Sul,
foi o missionário Henrique Junod, que lá viveu, como Figueira, entre o
fim do século XIX e início do XX 443. Apesar de não entrar em muitos
detalhes, informa que entre os tongas havia divisão sexual do trabalho,
com as mulheres realizando grande parte das tarefas agrícolas,
tratamento dos grãos, confecção da comida e demais trabalhos
domésticos. Com os homens, apesar de auxiliarem as mulheres em
certas tarefas agrícolas, ficavam as construções, o tratamento do gado,
a caça e a pesca e a confecção de utensílios e de instrumentos de
trabalho, exceto os de barro, como panelas e louças (que, ele não
informa, devia ser atividade feminina).
Junod relata o fato de ser de responsabilidade masculina a
costura das vestimentas, tanto deles quanto das mulheres e das
crianças, no que o missionário demonstrava visível estranheza: vê-se
muitas vezes os rapagões abandonar a enxada para manejar a agulha, e

442
Cf. FIGUEIRA (1938).
238

são os pais de família que cosem os próprios fatos e o vestuário das


mulheres e dos filhos!444.
De resto, o missionário constata que as mulheres trabalhavam
muito mais que os homens, que, pela especificidade de seu trabalho,
lhes deixava muito tempo livre, gastando-o em fazer visitas e em
viagens, segundo sua apreciação, inúteis.
Nenhum dos autores citados refere que a mulher banto tivesse
como uma de suas atividades o comércio, embora Figueira analise
amplamente as práticas comerciais dos povos de Angola, lugar em que
havia grandes mercados. Em momento algum nos informa sobre os
negociantes, sua origem e sexo. Tanto ele quanto Junod, no entanto,
afirmam que a agricultura era preferencialmente uma atividade
feminina, embora o seu produto fosse propriedade do homem.
Realmente, é muito sugestivo o fato de que poucas foram as
mulheres bantos a realizarem testamentos ou terem inventários
abertos, tanto no Rio de Janeiro quanto em São João Del Rey, o que
pode ter sido o resultado de um não envolvimento efetivo em atividades
comerciais, que reputo como mais lucrativas do que as agrícolas.
Obviamente que, no Brasil, a reprodução dos costumes de origem
poderia não se efetivar ou ser impossibilitada pelas novas ou diferentes
condições que se lhes apresentavam, mas acredito que havia uma
tendência à reprodução de algumas práticas dentro de certos limites.
A sociedade escravista do Brasil era mercantil, com a existência
de centros urbanos significativos, principalmente os que agregavam
portos marítimos e os criados nas regiões mineradoras de Minas Gerais.
As cidades de São João Del Rey e do Rio de Janeiro são exemplos destes
centros. Ao se tornarem livres, mulheres da África ocidental,
provavelmente já nestes núcleos residentes ou para lá se dirigindo,
agregaram às suas tradições culturais as inúmeras possibilidades de
comércio, obtendo sucesso.

443
Cf. JUNOD (s/d).
444
JUNOD (s/d, p. 349).
239

Deve-se contar, inclusive, que as escravas destas mulheres,


tanto as de outras etnias quanto suas crias, possivelmente foram
inseridas nas atividades comerciais desenvolvidas por suas senhoras,
motivo pelo qual, quem sabe, puderam também acumular pecúlio e
engrossar o número de crioulas que ditaram testamentos ou tiveram
inventários abertos, muitas repetindo o padrão de investimento das
mulheres minas: escravos, jóias e casas.
Acredito que foi a divisão sexual do trabalho que impediu, em
terras coloniais, que os homens concorressem com as mulheres na
venda de comida, bebida (as mais comuns), amuletos, jóias e contas.
Não posso deixar de relacionar os costumes relatados para muitas
mulheres da costa ocidental africana aos existentes entre as mulheres
forras do Brasil que conseguiram acumular pecúlio. Também é
impossível não perceber a semelhança entre a composição dos
domicílios na África e no Brasil. Mulheres forras normalmente não
tinham filhos, mas formavam domicílios majoritariamente femininos, o
que pode muito bem representar, como entre as esans, formas
específicas de organização de trabalho, de apoio na velhice e de
transmissão de bens.
O casamento de mulheres, que não sugeria nenhum tipo de
homossexualismo, estava relacionado à transmissão de bens.
Originárias de uma cultura em que os homens nada lhes condeciam em
herança, tendo de buscar sua sobrevivência ou independência e às de
suas filhas por suas próprias agências, entende-se a freqüência com
que as mulheres forras transmitiam seus bens às filhas, e nunca aos
filhos, frise-se bem, de suas ex-escravas, virtualmente suas esposas,
segundo costumes de suas terras.
A poligamia, provavelmente, inexistiu no Brasil, mesmo entre os
alforriados. Perdeu-se, com certeza, no contexto escravista, conforme
vários historiadores já afirmaram. Mas muitas outras práticas devem
ter-se mantido. Sinhás negras de escravas africanas resistiram a deixar
suas fortunas às suas crias masculinas. Reproduziram, no contexto
240

escravista, a preferência por suas filhas adotivas, a quem criaram com


amor. Formaram, com elas, as famílias femininas de suas terras de
origem e tentaram legar bens que lhes garantissem o futuro. E toda esta
minha família viverão unidas – foi a vontade e previsão, talvez
realizadas, da preta mina Francisca Maria Tereza.
241

Conclusão

Grande parte dos escravos vindos para o Brasil pelo tráfico


atlântico provinha de áreas com organização política monárquica e
centralizada, tendo a escravidão como sistema, economia agrária e de
mercado. Eram pontos, portanto, de similitude, pelo menos aparentes,
com o que encontravam no Brasil, fosse no período colonial ou imperial.
Quero crer que muitos, talvez não a maioria, transitaram com
desenvoltura por esta sociedade, embora nela estivessem na pior
condição hierárquica possível: a de escravo.
As rivalidades ou as intolerâncias, algumas seculares, trazidas
pelos traficados, foram, em certas circunstâncias, recriadas, com novos
significados, no seu cotidiano de escravo. Outras surgiram no decorrer
de sua vida de servidão. No mais das vezes, entretanto, tiveram de se
reorganizar de modo a superar as diferenças, tanto em momentos de
tensão ou quando o tempo como escravo já lhes permitia tecer relações
parentais e rituais através, principalmente, dos novos códigos de
comunicação. A superação da multiplicidade lingüística foi realizada
com a criação de vocabulário próprio e autodefinidor de uma lugar
social, de uma qualidade.
Creio, inclusive, que, mesmo no cotidiano, aproximações e
alianças foram possíveis, dependendo da conjuntura, representadas,
entre outras, por irmandades, grupos de ofício e casamentos
multiétnicos, que se poderiam mostrar como instrumentos importantes
para a adaptação e, ao mesmo tempo, manutenção, sob outros moldes,
de alguns aspectos de suas culturas de origem.
A escravidão no Brasil não era, por certo, igual a qualquer uma
da África. Em determinadas partes do continente africano, embora
houvesse escravos, não havia um sistema escravista ou a escravidão
não se havia tornado uma instituição. Em outras, houve a instituição
escravista, por o escravo ter-se tornado elemento fundamental na
242

produção445. Um aspecto diferenciador da escravidão, no Brasil, em


relação à da África, entretanto, era a cor da pele. Escravos eram negros;
dirua que o elemento
diferenciador foi a senhores, brancos. Mantinham-se, assim, certas diferenças essenciais
mestiçagem
que funcionavam como mecanismos de controle e de coerção para o
trabalho.
Mesmo indignando a muitos, escravos, quando se alforriavam e
os recursos permitiam, transformavam-se em senhores, alguns até
atuando no tráfico atlântico. O mais comum, entretanto, foi a
propriedade de um pequeno número deles, a grande maioria nascida na
África e de etnia diferente da de seus senhores forros.
Pode-se considerar que o Brasil foi uma das áreas que conheceu
as formas mais radicais ou desenvolvidas de escravidão, que teria como
característica, segundo Moses Finley, serem os cativos deslocados para
uma distância considerável do seu local de nascimento, enfatizando
dessa forma as suas origens estrangeiras446. Escravos eram
etnicamente diferentes de seus senhores – no caso dos índios – ou
tinham a dupla inserção de serem estrangeiros e virem de muito longe –
caso dos negros da África.
Os forros de origem africana, por sua vez, compravam escravos
porque vieram de regiões onde havia a instituição escravista, mas
também porque passaram a viver em uma outra sociedade, também
escravista. Desta forma, sua atuação não se espelhava na cultura
ocidental. Pautava-se em herança cultural mais profunda. A sociedade,
na qual foram obrigados a se inserir, é que lhes permitia atuar com os
elementos que portavam. Como livres, na África, caso pudessem,
também seriam senhores escravistas.
As relações entre forros nascidos na África e seus escravos,
entretanto, tinham necessariamente de ser baseadas em princípios e
normas diferentes das estabelecidas entre brancos e seus escravos.
Provavelmente esta diferença explica o fato de terem alforriado
proporcionalmente mais do que os outros senhores livres. Forros

445
Cf. LOVEJOY (2002).
243

proprietários de escravos eram majoritariamente estrangeiros e haviam


passado pela experiência do cativeiro, mas não acho que tais alforrias
se tenham dado por uma espécie de solidariedade no infortúnio. Ao
contrário. Eles realmente usaram seus escravos como mão-de-obra. A
exploração também existia. É muito difícil estabelecer quais eram os
princípios que regiam esta atitude para todos os envolvidos, mas
acredito que consegui percebê-los para um grupo bastante específico:
as forras minas.
Mais do que irmandades ou grupos de ofício, entretanto,
proponho que foi, pelo menos no Rio de Janeiro e em São João Del Rey,
a composição familiar, com todas as suas esperanças e recordações,
parodiando Robert Slenes447, que permitiu a muitas escravas a
mobilidade social. Mas não era, necessariamente, uma família como
Slenes compreendeu, composta por pai, mãe, filhos, netos e afins. Era
família também, mas diferente: não consangüínea, absolutamente
ritual.
Acho que escravas, particularmente do grupo que mais chamou
minha atenção, mina, optaram por não procriar, inclusive depois de
alforriadas. Ao mesmo tempo, utilizando recursos culturais próprios,
conseguiram, com uma destreza impressionante, a ascensão econômica
desejada por muitos e, por que não dizer, possível em terras do Brasil.
Terras de conquista, como diziam, até mesmo durante o século XIX.
As demais testadoras, autodenominadas angola, congo,
cassange, crioula, parda, etc. tiveram alguns aspectos de suas opções
de vida parecidos com os da esmagadora maioria delas, testamenteiras
minas. Indícios na documentação que trabalho me fizeram presumir
que muitas eram ex-escravas que receberam a boa criação das suas
sinhás-pretas, as damas mercadoras que foram, por testemunhas
oculares, reconhecidamente poderosas, mesmo que pejorativamente
analisadas.

446
LOVEJOY (2002, p. 31).
447
Refiro-me ao subtítulo do livro de Robert Slenes. Cf. SLENES (1999).
244

É quase unânime, na historiografia, a idéia de que era na


possibilidade de constituição da família escrava que haveria
oportunidade de interação cultural, do desenvolvimento de comunidade
e de socialização das crianças. Em suma, na família estaria o locus de
transmissão das culturas africanas. O grande problema, entretanto, é
determinar como eram as famílias das várias etnias africanas. Por certo
não eram todas do tipo ocidental de hoje, baseada na consangüinidade
e na aliança do matrimônio. Mesmo em várias partes do mundo
ocidental do período moderno, a noção de família extrapolava a aliança
matrimonial e a consangüinidade. A coabitação, em muitos casos,
determinava o que era uma família, mesmo não havendo entre todos
laços de sangue448.
É muito difícil saber como eram as famílias nas Áfricas, ainda
mais porque é notório que estas estruturas mudaram com o tempo. Mas
podemos supor que alguns traços poderiam estar presentes como
matriz de sua organização, na América, adaptados segundo as
circunstâncias, assim como poderia ocorrer na própria África.
Pode-se pensar, inclusive, como fez Bárbara Bush para o
Caribe449, que era pela mulher que passavam os ensinamentos das
culturas africanas.
Sugeri que havia um tipo de família composta por mulheres
forras, sem filhos, que consideravam suas escravas, ex-escravas e seus
filhos como sua família. É realmente impressionante o fato de várias
forras de origem africana, proprietárias de bens, não terem filhos,
mesmo sendo viúvas ou casadas. É também impressionante o fato de
muitas delas deixarem suas crias e as mães, suas ex-escravas, como
herdeiras de seus bens450. Provavelmente, por sua origem cultural,
mesmo sendo escravas e crias de origens étnicas diferentes da sua,
consideravam-nas sua família. E foram muitas que assim fizeram

448
Cf. FARIA (1998).
449
Cf. BUSH (1990).
450
Cf. FARIA (2001).
245

As explicações para atitudes como esta podem estar na memória


cultural e representar, no Brasil, o que teria sido a escravidão de
linhagem451, em que escravos ou seus descendentes acabavam por se
incorporar à família do senhor. Pode ser, mas acredito que tem mais
sentido imaginar que, distante de suas terras de origem, tanto as
senhoras quanto suas escravas produziram mecanismos que
possibilitaram forjar um parentesco ritual englobando relações vicinais
e, até mesmo, escravistas. Criaram, acredito, como argumenta Robert
Slenes, comunidades escravas452, com novas identidades.
A impressão que tenho, depois da leitura de dezenas de
testamentos, é de que o mundo criado por estas mulheres era composto
de vários comportamentos similares. Tenho convicção de que elas
ensinavam a suas escravas, futuras damas mercadoras, na feliz
expressão de Charles Ribyrolles453, a forma de agir e de sobreviver na
sociedade brasileira. O tipo de comida a ser oferecido nos tabuleiros das
quituteiras, a forma, a cor e o tecido da indumentária, os amuletos a
serem comercializados, os adereços adequados de metais preciosos a
serem adquiridos, os escravos a serem comprados, as irmandades nas
quais se deveriam inserir, em suma, todo ensinamento que faria parte
da boa criação.
Não repudiavam a escravidão, mas davam a suas escravas
instrumenos possíveis de suportar e superar a sua condição. A boa
criação não necessariamente passava pela possibilidade de alforria
gratuita. Quase todas as sinhás-pretas minas exigiam pagamento para
alforriar suas escravas, mas era a elas que deixavam como herdeiras ou
lhes destinavam bens em seus testamentos. Antes, porém, lhes
transmitiam seus conhecimentos. Formavam, com elas, suas famílias.

451
Cf. LOVEJOY (2002).
452
SLENES (1999).
453
Cf. RIBEYROLLES (1980).
246

Anexo 1

Livro Quarto, Título LXIII, das Ordenações Filipinas:

Das doações puras e alforria, que se podem revogar por causa


de ingratidão

As doações puras e simplesmente feitas sem alguma condição,


ou causa passada, presente, ou futura, tanto que são feitas per
consentimento dos que as fazem e aceitação daqueles, a que
são feitas, ou do Tabelião, ou pessoa, que per Direito em seu
nome pôde aceitar, logo são firmes e perfeitas, de maneira que
em tempo algum não podem ser revogadas. Porém, se aqueles,
a que foram feitas, forem ingratos contra os que lhas fizeram,
com razão podem per eles as ditas doações ser revogadas por
causa de ingratidão. Essas causas são as seguintes:
M.-liv. 4 t.55 pr.454
1- A primeira causa é, se o donatário disse ao doador, que em sua
presença, quer em sua ausência, alguma grave injúria, assim como se
lha dissesse em Juízo, ou em público, perante alguns homens bons,
de que o doador recebesse vergonha. E se for dúvida, se a injúria
assim feita é grave, ou não, fique em arbítrio do Julgador.
M.-liv. 4 t.55 pr. #1.
2- A segunda causa é se o feriu com pau, pedra, ou ferro, ou pôs as
mãos nele irosamente com tenção de o injuriar e desonrar.
M.-liv. 4 t.55 pr. #2.
3- A terceira causa é, se o donatário tratou negócio, ou ordenou coisa,
por que viesse grande perda e dano ao doador em sua fazenda, ainda
que seu propósito não tivesse real efeito; porque neste caso sua má
tenção deve ser havida por consumada, se para isso fez tudo o que
pôde, e não ficou por ele vir a efeito.
M.-liv. 4 t.55 pr.
4- A quarta causa é, quando o donatário per alguma maneira insidiou
acerca de algum perigo e dana da pessoa do doador; assim como, se
ele per si, ou per outrem lhe procurasse a morte, ou perigo de seu
corpo, ou estado, posto que seu propósito não tivesse efeito como fica
dito no parágrafo precedente.
M.-liv. 4 t.55 pr.
5- A quinta causa é, quando o donatário prometeu ao doador, por lhe
fazer a doação, dar-lhe, ou cumprir-lhe alguma coisa, e o não fez, nem
cumpriu, como prometeu.
M.-liv. 4 t.55 pr.
6- Se alguma mulher depois da morte de seu marido fizer doação a
algum seu filho, que dele tenha, e depois da doação se casar com
outro marido, se depois esse filho for ingrato contra ela, poderá ela

454
Refere-se às Ordenações Manuelinas.
247

revogar essa doação por cada uma destas três causas de ingratidão
somente.
A primeira, se esse filho insidiou a vida de sua mãe.
A segunda, se pôs as mãos irosamente nela.
A terceira, se ordenou alguma coisa em perda de toda sua
fazenda.
E não poderá revogar essa mãe outro caso alguma a doação,
feita a seu filho, por outra causa de ingratidão; por quanto é
presunção de Direito, que, pois ela se casou com outro marido
depois da doação feita, facilmente a seu requerimento se
moveria e revoga-la: e por tanto lhe foram coaretadas as causas
de ingratidão, porque pudesse revogar a dita doação.
7- Se alguém forrar o seu escravo, livrando-o de toda a servidão, e
depois que for forro, cometer contra quem o forrou, alguma ingratidão
pessoal em sua presença, ou em ausência, quer seja verbal, quer de
feito e real, poderá esse patrono revogar a liberdade, que deu a esse
liberto, e reduzi-lo à servidão, em que antes estava. E bem assim por
cada uma das outras causas de ingratidão, porque o doador pode
revogar a doação feita ao donatário, como dissemos acima.
8- E bem assim, sendo o patrono posto em cativeiro, e o liberto o não
remir, sendo possante para isso, ou estando em necessidade de fome,
o liberto lhe não socorrer a ela, tendo fazenda, por que o possa fazer,
poderá o patrono revogar a liberdade ao liberto, como ingrato, e
reduzi-lo à servidão, que antes estava.
9- E se o doador, de que acima falamos, e o patrono, que por sua
vontade livrou o escravo da servidão, em que era posto, não revogou
em sua vida a doação feita ao donatário, ou a liberdade, que deu ao
liberto, por razão da ingratidão contra ele cometida, ou não moveu em
sua vida demanda em Juízo para revogar a doação ou liberdade, não
poderão depois de sua morte seus herdeiros fazer tal revogação.
E bem assim não poderá o doador revogar a doação ao herdeiro
do donatário por causa da ingratidão pelo donatário cometida,
pois a não revogou em vida do donatário, que a cometeu. Porque
esta faculdade de poder revogar os benefícios por causa da
ingratidão, somente é outorgada àqueles , que os benefícios
deram, contra os que deles os receberam, sem passar aos
herdeiros, nem contra os herdeiros de uma parte, nem da outra.
10- E posto que na doação feita de qualquer benefício seja posta
alguma cláusula, porque o doador prometa não revogar a doação por
causa da ingratidão, tal cláusula não valha cousa alguma, e sem
embargo dela a doação poderá ser revogada por causa de ingratidão,
segundo temos declarado. Porque, se tal cláusula valesse, provocaria os
homens para facilmente caírem em crime de ingratidão 455.

455
Consultei a seguinte edição das Ordenações Filipinas (editada pela primeira vez em 1603): Edição
“fac-simile” da edição feita por Candido Mendes de Almeida, Rio de Janeiro, 1870, com nota de
apresentação de Mário Júlio de Almeida Costa. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1985, pp. 6-7.
248

Fontes Manuscritas

Arquivo Nacional

A – Cartas de Alforria
1. 1º Ofício de Notas do Rio de Janeiro – Série de Notas. Livros: 32, 36, 41,
44, 45, 47, 48, 49, 50, 51, 54, 58, 117, 118, 119, 120, 121, 123, 125, 127,
140, 141, 142, 144, 234, 235, 236, 237 e 284.
2. 1º Ofício de Notas do Rio de Janeiro – Série Registro Geral. Livros: 10-
RG e 16-RG.
3. 2º Ofício de Notas do Rio de Janeiro – Série de Notas. Livros: 29, 38, 45,
48, 51, 52, 53, 54, 55, 57, 59, 61, 62, 65, 67, 68, 70, 76, 88, 90, 99, 103, 104,
105, 106, 109, 110, 111, 113, 114, 115, 116, 117, 118, 133, 134, 137, 138,
139, 140, 160, 177 e 194.
4. 2º Ofício de Notas do Rio de Janeiro – Série Registro Geral. Livros: 30-
RG, 31-RG, 32-RG, 33-RG, 34-RG, 35-RG, 37-RG, 38-RG, 40-RG, 42-RG, 43-
RG, 44-RG, 45-RG, 46-RG, 48-RG, 49-RG, 50-RG, 51-RG, 53-RG, 54-RG, 55-
RG, 57-RG, 58-RG, 59-RG, 60-RG, 75-RG, 76-RG, 77-RG, 78-RG, 79-RG, 81-
RG e 82-RG.
5. 3º Ofício de Notas do Rio de Janeiro – Série de Notas. Livros: 159, 160,
161, 162, 163, 164, 165, 166, 167, 168, 169, 170 e 171.
6. 4º Ofício de Notas do Rio de Janeiro – Série de Notas. Livros: 1, 6, 7, 8,
11, 17, 19, 21, 22, 23, 28, 29 e 30.

B – Inventários

1. Inventários do Rio de Janeiro: 1ª, 2ª e 3ª Varas Cíveis e Juízo dos


Órfãos

DATA DO INVENTÁRIO INVENTARIADO


02/04/1800. Matias Alves da Silva.
05/10/1802. Antônio Soares Maquiné.
27/04/1806. Josefa Tereza de Queirós.
09/04/1807. Leandro José Quintanilha.
07/08/1809. José Antônio Rademarker.
24/03/1810. João Evangelista Bolde.
05/07/1811. Francisca Rosa e Emerenciana Rosa.
06/04/1812. Eliziara Rosa.
11/10/1815. João Marcos da Silva Lima.
07/03/1816. Ana Rosa.
26/01/1817. Luiz Antônio da Silva.
249

1817. Francisco Coelho da Silva.


1817. Antônio de Pinna.
01/02/1820. Francisco Lopes de Sá
14/10/1820. Antônia Maria da Conceição.
04/11/1825. Leonarda Maria da Silva Velho.
06/12/1830. José Pacheco de Carvalho.
02/07/1831. Antônio Pinheiro da Silveira e Joaquina
Rosa do Nascimento.
1831. Jacinto Ferreira da Silva.
31/01/1832. Francisca Lopes da Silva.
02/08/1834. Cipriano José Tinoco da Silva.
09/02/1836. Isidoro Correia da Silva.
06/03/1836. Adelaide Caetano da Silva.
22/11/1836. Ana Maria Rabelo.
24/07/1837. Jacinto Luiz da Silva.
24/07/1838. Joaquina Rosa de Santo Antônio.
04/12/1838. Domingos José da Silva.
24/01/1839. Fortuanta Rosa da Silva.
01/08/1839. Domingos Ramos da Cruz.
26/11/1840. Antônio Teixeira de Sabóia e Flora Maria
do Espírito Santo.
10/06/1842. Francisco Gomes Salgado.
1843. José Correia da Silva.
18/01/1844. Catarina Margarida Salinas.
24/01/1844. Antônio Manoel da Silveira e Maria
Carlota de Sampaio.
1844. Antônia Helena do Sacramento.
01/07/1845. José Francisco Rosa.
18/03/1846. Angélica Rosa.
04/11/1846. Ignácio José de Sampaio.
01/12/1846. Antônio José de Santa Rosa.
14/01/1847. José Rodrigues Salgado.
09/10/1848. José Rodrigues.
01/12/1849. Ana Francisca Rosa.
250

1849. José de Souza Siqueira.


24/07/1850. Antônio Manoel Teixeira.
20/06/1851. José S. Spencer e Engrácia Joaquina
Spencer.
05/12/1851. Ângelo de Proença Unhão.
04/05/1852. Francisco José Alves Teixeira.
27/05/1853. Francisco Vitorino de Souza.
22/04/1854. Ana Bernardina de Gusmão Vasconcelos.
24/10/1854. Rita Joaquina da Silva Torres.
25/03/1855. Francisco Luiz de Souza.
20/09/1855. Joaquim Elias Antônio Lopes de Souza.
08/02/1856. Manoel Antônio Teixeira.
16/12/1856. Manoel José Ribeiro Vale.
28/08/1857. João Ventura Rodrigues.
19/04/1858. Felisbela Cândida Vidal Stockmeyer.
04/02/1859. João Luiz Tavares.
13/10/1859. Rosa Lizarda de Penna Freire.

Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro


1. Freguesia da Sé – Livro 10 de Testamentos e Óbitos (1720-1722).
2. Freguesia da Sé – Livro 16 de Testamentos e Óbitos (1746-1758).
3. Freguesia da Sé – Livro 18 de Testamentos e Óbitos (1776-1784).
4. Freguesia do Santíssimo Sacramento da Antiga Sé – Livro 2 de
Testamentos e Óbitos (1790-1797).
5. Freguesia do Santíssimo Sacramento da Antiga Sé – Livro 3 de
Testamentos e Óbitos (1797-1812).
6. Freguesia de Nossa Senhora da Candelária – Livro de Testamentos e
Óbitos (1797-1838).

Arquivo do Museu Histórico de São João Del Rei.

A – Livros de Testamento

1. Livro 1 de Testamentos (1765-1789).


2. Livro 2 de Testamentos (1776-1779).
3. Livro 3 de Testamentos (1779-1780).
4. Livro 5 de Testamentos (1782-1783).
5. Livro 6 de Testamentos (1785-1787).
6. Livro 7 de Testamentos (1787-1789).
7. Livro 8 de Testamentos (1789-1791).
251

8. Livro 9 de Testamentos (1791-1793).


9. Livro 10 de Testamentos (1792-1794).
10. Livro 11 de Testamentos (1794-1795).
11. Livro 12 de Testamentos (1794-1796).
12. Livro 13 de Testamentos (1796-1798).
13. Livro 14 de Testamentos (1801-1805).
14. Livro 15 de Testamentos (1805-1807).
15. Livro 16 de Testamentos (1807-1808).
16. Livro 17 de Testamentos (1808-1810).
17. Livro 18 de Testamentos (1811-1813).
18. Livro 19 de Testamentos (1813-1815).
19. Livro 20 de Testamentos (1813-1815).
20. Livro 21 de Testamentos (1815-1816).
21. Livro 22 de Testamentos (1815-1817).
22. Livro 23 de Testamentos (1816-1821).
23. Livro 24 de Testamentos (1815).
24. Livro 25 de Testamentos (1816-1817).
25. Livro 26 de Testamentos (1817-1818).
26. Livro 27 de Testamentos (1819).
27. Livro 28 de Testamentos (1819-1821).
28. Livro 30 de Testamentos (1822-1823).
29. Livro 31 de Testamentos (1824).
30. Livro 32 de Testamentos (1824-1826).
31. Livro 35 de Testamentos (1829-1830).
32. Livro 36 de Testamentos (1820-1822).
33. Livro 37 de Testamentos (1822-1823).
34. Livro 39 de Testamentos (1823-1824).
35. Livro 40 de Testamentos (1826-1828).
36. Livro 42 de Testamentos (1829).
37. Livro 43 de Testamentos (1810-1811).
38. Livro 44 de Testamentos (1820-1821).
39. Livro 46 de Testamentos (1823-1825).
40. Livro 47 de Testamentos (1824).
41. Livro 48 de Testamentos (1828-1829).
42. Livro 50 de Testamentos (1830-1831).
43. Livro 51 de Testamentos (1831-1832).
44. Livro 52 de Testamentos (1831-1834).
45. Livro 54 de Testamentos (1833-1834).
46. Livro 55 de Testamentos (1834-1837).
47. Livro 56 de Testamentos (1837-1839).
48. Livro 59 de Testamentos (1843-1845).
49. Livro 61 de Testamentos (1848-1851).

B – Inventários:

DATA DO INVENTÁRIO INVENTARIADO


1731 Maria Viegas
1736 Bernardo Correia
1753 Rita Pereira do Amaral
1780 Ana de Oliveira
252

1780 Ignácio Gonçalves


1782 Maria da Conceição
1784 Francisco Rodrigues Gondim
1786 Maria Pereira de Souza
1786 Caetano Teixeira Carneiro
1786 Josefa Pinto
1788 Josefa da Costa
1789 Manoel Pereira
1791 José da Silva Lima
1791 Jerônima de Moura da Silva
1792 Josefa Pinto
1793 Ana de Moura
1794 Ana Maria de Jesus
1794 Antônia da Silva
1794 Quitéria da Silva
1795 Ana Paiva
1796 Luiza Gomes
1796 Vitória da Silva Miranda
1796 José de Souza
1798 Quitéria de Souza
1802 Margarida Maria de Jesus
1811 Rita Gomes
1812 Antônio Gonçalves de Sá
1812 Francisco de São José

C – Testamentos (em caixas)

Testador Condição Ano Caixa


MARIANA DA COSTA Preta forra 1749 148
RITA PEREIRA DO AMARAL Preta forra 1753 i 557
JOANA DE MORAIS Preta forra 1763 89
MARIA DE ALMEIDA Preta forra 1764 149
JOANA BORGES DE SOUZA, Preta forra 1765 137
FRANCISCA ANTONIA Preta forra 1768 53
GRACIA DIAS DE OLIVEIRA Preta forra 1769 95
TEREZA DE JESUS Preta forra 1789 69
ANA CORREA DA SILVA Preta forra 1801 123
TEREZA DE CASTILHO Preta forra 1813 23
ROSA DE FREITAS Preta forra 1814 54
253

CATARINA DA SILVA Preta forra 1824 124


MARIA FERNANDES MEDELAS Preta forra 1825 83
JULIANA DA SILVA Preta forra 1826 127
JOANA DE FREITAS Preta forra 1832 54
RITA LUIZA DA SILVA Preta forra 1838 11
MARIA ANTONIA Preta forra 1841 79
MARIA RIBEIRA Preta forra 1843 111

D – Testamentos avulsos

1730 TEST MARIA VIEGAS


1781 TEST JERONIMA DE MOURA DA SILVA
1786 TEST JOSEFA PINTO
1792 TEST ANA DE MOURA
1781 TEST ANTONIA DA SILVA
1793 TEST QUITERIA DA SILVA
1795 TEST JOSE DE SOUZA BARBOSA
1797 TEST QUITERIA DE SOUZA
1802 TEST MARGARIDA DE JESUS
1810/1812 TEST RITA GOMES
ANTONIO GONÇALVES DE SA
1810 TEST (CAPITAO)
1812 TEST FRANCISCO DE SÃO JOSE
1747/1753 TEST RITA PEREIRA DO AMARAL
1755/1765 TEST JOANA BORGES SOUZA
1759/1769 TEST JOAO GONÇALVES
1760/1763 TEST JOANA DE MORAES
1761 TEST MANOEL PINTO
1760/1765 TEST MARIA DE ALMEIDA
1769/1772 TEST GRACIA DIAS DE OLIVEIRA
1781/1789 TEST TEREZA DE JESUS
1789/1791 TEST JOAO DA SILVA ABREU
1792/1800 TEST FRANCISCO NUNES TEIXEIRA
1799/1813 TEST TERESA DE CASTILHO
1799/1801 TEST ANA CORREA DA SILVA
1803/1811 TEST MANOEL DOS SANTOS
1803/1818 TEST ANTONIO BENGUELA
1804/1818 TEST ANTONIO JOSE
1807/1814 TEST ROZA DE FREITAS BARAPA
1810/1814 TEST FRANCISCO JOSE DE SOUSA
1810/1813 TEST NARCISA MARIA CAETANA
1815/1826 TEST JULIANA DA SILVA
1815/1825 TEST MANOEL JOSE DE OLIVEIRA
1816 TEST JOSE DA SILVA
1818/1822 TEST ANTONIO RIBEIRO DA SILVA
1821/1824 TEST CATARINA DA SILVA
1824/1834 TEST DOMINGOS GOMES
FRANCISCO RODRIGUES
1825/1831 TEST GUIMARAES
1825 TEST MARIA FERNANDES MEDELAS
254

1826/1829 TEST MATHEUS MACHADO DA COSTA


1835/1841 TEST MARIA ANTONIA
1838 TEST RITA LUISA DA SILVA
1839/1843 TEST MARIA RIBEIRA
1767/1777 TEST RITA MORIERA DA COSTA
MARIA PEREIRA DO ESPIRITO
1776 TEST SANTO
1767/1768 TEST FRANCISCA ANTONIA
1776 TEST JOSEFA COELHO
1776 TEST ANA FERREIRA DE SA
1771 TEST MARIA DO ROSARIO

E – Cartas de Alforria

1. Livros de Notas do Cartório do Primeiro Ofício de São João Del Rei, de


números 1 ao 33
2. Livros de Notas do Cartório do Segundo Ofício de São João Del Rei, de
números 8 ao 11.
255

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