Beruflich Dokumente
Kultur Dokumente
Slavoj Zizek
discurso sui generis, um laço social glogal, determinante de todo o edifício so
cial. Poder-se-ia dizer que o fascismo, com sua ideologia corporativista, do re
torno ao mestre pré-burguês, parasita de certo modo o discurso capitalista sem
mudar sua natureza fundamental - a prova está precisamente nesta figura do
"judeu" como inimigo.
Para entendê-lo deve-se partir do corte decisivo, nas relaçoes de dominação,
que se produz com a passagem da sociedade pré-burguesa à sociedade burgue
sa. Na ordem pré-burguesa, a sociedade civil ainda não se libertou dos laços "or
gânicos", quer dizer, trata"se de relaçoes imediatas de dominação e de servidão"
(Marx). A relação do senhor a seu servo(*) é uma ligação "interpessoal", de
um assujeitamento direto, cuidado paternal por parte do senhor e veneração
por parte do servo ... Com o surgimento da sociedade burguesa, esta rede, rica
de relações afetivas e orgânicas entre o amo e seus súditos, se encontra rompi
da. O servo se liberta da tutela e se coloca como sujeito autônomo, racional;
ora, a lição fundamental de Marx é que o trabalhador permanece, entretanto,
assujeitado a um certo senhor, que o lugar do senhoe está somente deslocado.
O fetichismo do amo personificado cede lugar ao fetichismo da mercadoria. A
vontade da pessoa do amo é substituída pelo poder anônimo do mercado, aque
la famosa "mão invisível" (Adam Smith) que decide o destino dos indivíduos
f!Or detrás de suas costas...
E neste quadro que deve se situar a aposta fundamental do fascismo: ao mes
mo tempo que preserva a relação fundamental do capitalismo (aquela entre o
"capital" e o "trabalho"), ele quer abolir seu caráter anorgânico, anônimo, selva
gem, quer dizer, convertê-la de novo numa relação orgânica de dominação pa
triarcal entre a "cabeça" e as "mãos", entre o chefe e seus "seguidores" e substi
tuir, novamente, a mão invisível anônima pela vontade do senhor. Ora, enquan
to se permanece no quadro fundamental do capitalismo, esta operação não fun
ciona. Há sempre um excedente da mão invisível que contraria o desígnio do
senhor; é a única maneira de dar conta deste excedente, é - para o fascismo, cu
jo campo "epistêmico" é aquele do senhor - personalizar novamente a mão invisível.
Imagina-se, então, um outro senhor, um senhor oculto, que segura em verda
de todos os fios entre suas mãos, cuja atividade clandestina é o verdadeiro se
gredo detrás daquela mão invisível anônima do mercado: o "judeu".
Quanto ao stalinismo, deve-se concebê-lo mais como paradoxo da sociedade
de classes com uma só classe; esta é a questão: o "socialismo real" é uina socie
dade de classes ou não? A chamada "burocracia dominante" não é simplesmen
te a nova classe, ela está no lugar, ela faz as vezes da classe dominante. Isto de
ve ser tomado literalmente e não numa perspectiva evolucionista - teleológica
(esta perspectiva diria que ela já tem alguns traços da classe dominante, e o fu
turo mostrará se ela vai se consolidar em classe dominante propriamente dita),
quer dizer, que este "no lugar" não é de forma alguma concebido como marca
de um caráter inacabado, de um "a meio do caminho". No socialismo real, a bu
rocracia dominante se encontra no lugar da classe dominante, a qual não exis
te, ela ocupa seu lugar vazio; dito de outra forma, o socialismo real seria este
ponto paradoxal onde a diferença de classes torna-se verdadeiramente diferen
cial: não se trata mais de uma diferença entre duas entidades positivas, mas de
uma diferença entre a classe ausente e a classe presente, entre a classe faltante
(dominante) e a classe existente (trabalhadora). Esta classe faltante pode, aliás, .
ser a classe trabalhadora mesma, enquanto oposta aos trabalhadores "empíri
cos"; deste modo, a diferença de classes coincide com a diferença entre o uni
versal (a classe trabalhadora) e o particular (a classe trabalhadora "empírica").
126
Traços de perversão nas estruturas políticas
desvio de I desvio de
esquerda I direita
\
127
Slavoj Zizek
128
Traços de perversão nas estruturas políticas
1 29
Slavoj Zizek
Contribuição d a Sociedade para a Psicanálise teórica na Yugoslávia, com Slavoj Zizek (rela·
tor), i n Traits de perversion dons les structures cliniques, Navarin É diteur, Paris, julho de 1990.
(*) Neste pa rágrafo o autor mantém somente os termos "/e maitre et ses sujets", optamos por jo·
gar com as relações de oposição· senhor/servo e amo/súdito para por em relevo as várias for
mas que o discurso do mestre ganha na his·tória.
NOTAS
130