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Slavoj Zizek

TRAÇOS DE PERVERSÃO NAS ESTRUTURAS POLÍTICAS

Tradução de Maria Elisa Arreguy Maia1

Será legítimo, do ponto de vista da teoria psicanalítica, falar da posição


subjetiva perversa no discurso político? A primeira associação que vem ao espí­
rito é, naturalmete, aquela do partido comunista stalinista como fetiche: sabe­
se que o fetichismo é a perversão por excelência, e por outro lado, é um lugar
comum acusar os comunistas (aqueles, os "puros e duros", dos anos 30 e 40, ra­
ça atualmente em vias de extinção e já objeto de uma fascinação nostálgica)
de u ma relação "fetichista" ao Partido. Haverá nesta aparição da mesma palavra
mais que uma homofonia sem qualquer pertinência teórica? Ou dito de outra
forma, pode-se falar de "fetiche do Partido", utilizando-se o termo fetiche de
um modo pertinente do ponto de vista da teoria psicanalítica?
O principal perigo a ser aqui evitado é de mergulhar o stalinismo na uni­
versalidade do totalitarismo, onde todos os gatos são pardos. Comecemos pois
pela diferença entre o "stalinismo" ("totalitarismo de esquerda") e o fascismo
("totalitarismo de direita"); mais precisamente por sua atitude divergente quan­
to à luta de classes, aqui concebida como a diferença "impossível", a ruptura
que impede o campo social de se totalizar, de se completar numa estrutura fechada.
No fascismo, é o "judeu" que funciona como fetiche - ele mascara a luta
de classes e ao mesmo tempo nela perticipa - isto é, o fascismo se bate contra
o capitalismo, o liberalismo, etc, que se supõe destroem, corrompem a harmo­
nia da sociedade como "todo orgânico", onde os estados particulares têm a fun­
ção de "membros", quer dizer, onde cada um tem seu lugar determinado, natu­
ral (a "cabeça" e as "mãos", etc); o fascismo tenta, então, restabelecer entre as
classes a relação harmônica no quadro de um todo orgânico, e o "judeu" encar­
na aí o elemento que introduz "de fora" a discórdia, o excedente que perturba
a cooperação harmoniosa da "cabeça" e das "mãos" do capital e trabalho. O "ju­
deu" convém a isso de múltiplas formas por sua "conotação" histórica: ele é co­
mo u ma "condensação" dos traços negativos dos dois pólos da escala social; de
um lado, ele encarna a ação exorbitante, não-harmônica da classe dominante
(o especulador financeiro que "esgota" os trabalhadores) e, de outro lado, a "su­
jeira" das camadas baixas; ele aparece, por acréscimo, como personificação do
capital mercantil, que é - segundo a representação ideológica espontânea - a
verdadeira sede da exploração, e com isso reforça a ficção ideológica dos capita­
listas e trabalhadores "honestos", das camadas "produtivas" exploradas pelo "co­
merciante judeu". Resumindo, o "judeu", no papel do elemento perturbador, in­
troduzindo de fora o excedente da luta de classes, é cabalmente o desconheci­
mento "positivizado" da luta de classes, do fato de que "não há relação de clas­
ses". Eis aqui a razão porque o fascismo, diferentemente ào stalinismo, não é um

FALO, Revista Brasileira do Campo freudiano, n.4/5, jan-dcz 1989 p. l 25-130


Slavoj Zizek

discurso sui generis, um laço social glogal, determinante de todo o edifício so­
cial. Poder-se-ia dizer que o fascismo, com sua ideologia corporativista, do re­
torno ao mestre pré-burguês, parasita de certo modo o discurso capitalista sem
mudar sua natureza fundamental - a prova está precisamente nesta figura do
"judeu" como inimigo.
Para entendê-lo deve-se partir do corte decisivo, nas relaçoes de dominação,
que se produz com a passagem da sociedade pré-burguesa à sociedade burgue­
sa. Na ordem pré-burguesa, a sociedade civil ainda não se libertou dos laços "or­
gânicos", quer dizer, trata"se de relaçoes imediatas de dominação e de servidão"
(Marx). A relação do senhor a seu servo(*) é uma ligação "interpessoal", de
um assujeitamento direto, cuidado paternal por parte do senhor e veneração
por parte do servo ... Com o surgimento da sociedade burguesa, esta rede, rica
de relações afetivas e orgânicas entre o amo e seus súditos, se encontra rompi­
da. O servo se liberta da tutela e se coloca como sujeito autônomo, racional;
ora, a lição fundamental de Marx é que o trabalhador permanece, entretanto,
assujeitado a um certo senhor, que o lugar do senhoe está somente deslocado.
O fetichismo do amo personificado cede lugar ao fetichismo da mercadoria. A
vontade da pessoa do amo é substituída pelo poder anônimo do mercado, aque­
la famosa "mão invisível" (Adam Smith) que decide o destino dos indivíduos
f!Or detrás de suas costas...
E neste quadro que deve se situar a aposta fundamental do fascismo: ao mes­
mo tempo que preserva a relação fundamental do capitalismo (aquela entre o
"capital" e o "trabalho"), ele quer abolir seu caráter anorgânico, anônimo, selva­
gem, quer dizer, convertê-la de novo numa relação orgânica de dominação pa­
triarcal entre a "cabeça" e as "mãos", entre o chefe e seus "seguidores" e substi­
tuir, novamente, a mão invisível anônima pela vontade do senhor. Ora, enquan­
to se permanece no quadro fundamental do capitalismo, esta operação não fun­
ciona. Há sempre um excedente da mão invisível que contraria o desígnio do
senhor; é a única maneira de dar conta deste excedente, é - para o fascismo, cu­
jo campo "epistêmico" é aquele do senhor - personalizar novamente a mão invisível.
Imagina-se, então, um outro senhor, um senhor oculto, que segura em verda­
de todos os fios entre suas mãos, cuja atividade clandestina é o verdadeiro se­
gredo detrás daquela mão invisível anônima do mercado: o "judeu".
Quanto ao stalinismo, deve-se concebê-lo mais como paradoxo da sociedade
de classes com uma só classe; esta é a questão: o "socialismo real" é uina socie­
dade de classes ou não? A chamada "burocracia dominante" não é simplesmen­
te a nova classe, ela está no lugar, ela faz as vezes da classe dominante. Isto de­
ve ser tomado literalmente e não numa perspectiva evolucionista - teleológica
(esta perspectiva diria que ela já tem alguns traços da classe dominante, e o fu­
turo mostrará se ela vai se consolidar em classe dominante propriamente dita),
quer dizer, que este "no lugar" não é de forma alguma concebido como marca
de um caráter inacabado, de um "a meio do caminho". No socialismo real, a bu­
rocracia dominante se encontra no lugar da classe dominante, a qual não exis­
te, ela ocupa seu lugar vazio; dito de outra forma, o socialismo real seria este
ponto paradoxal onde a diferença de classes torna-se verdadeiramente diferen­
cial: não se trata mais de uma diferença entre duas entidades positivas, mas de
uma diferença entre a classe ausente e a classe presente, entre a classe faltante
(dominante) e a classe existente (trabalhadora). Esta classe faltante pode, aliás, .
ser a classe trabalhadora mesma, enquanto oposta aos trabalhadores "empíri­
cos"; deste modo, a diferença de classes coincide com a diferença entre o uni­
versal (a classe trabalhadora) e o particular (a classe trabalhadora "empírica").

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Traços de perversão nas estruturas políticas

A burocracia dominante encarnaria, neste caso - frente à classe trabalhadora


"empírica" -, sua própria universalidade. É esta cisão entre a classe como univer­
sal e sua própria existência perticular - empírica que explicita uma contradição
aparente do texto stalinista: cf. esta história do Partido Comunista (1) que ter­
mina por uma longa citação de Stalin contra a "camada de burocratismo" e que
nos revela o "segredo da invencibilidade da direção bolchevique":
"Penso que os bolcheviques nos lembram o herói da mitologia grega Anteo. Assim
como Anteo, eles são fortes porque estão ligados à sua mãe, às massas que lhes
deram origem, os nutriram e os educaram. E enquanto eles permanecem ligados
à sua mãe, ao povo, eles têm todas as chances de permanecer invencfveis".
A mesma alusão a Anteo se encontra no início do 18 Brumário de Marx, mas
como a metáfora do inimigo de classe frente às revoluções proletárias "que jo­
gam seu adversário por terra somente para que ele af recolha novas forças e
surja ainda maior diante deles". Deve-se ler estas linhas relacionando-as com o
começo do famoso juramento do Partido bolchevique a seu chefe Lênin: "Nós
somos, nós comunistas, gente de uma outra envergadura. Nós somos talhados
num estofo à parte".
À primeira vista estas duas passagens perecem se contradizer: por um lado se
trata da fusão dos bolcheviques com as massas como fonte de sua força, por
outro eles sao pessoas talhadas à parte. Pode-se resolver este paradoxo (como
o laço privilegiado com as massas os separa das outras pessoas, justamente das
"massas"?) se levarmos em conta a diferença indicada entre a classe (as massas
trabalhadoras) como todo e a massa enquanto não-toda, coleção empírica. Os
bolcheviques (o Partido) são o único representante empírico, a única encarna­
ção da "verdadeira massa", da classe como todo.
A partir daí, não é mais difícil determinar o lugar do Partido na economia do
discurso stalinista. Esta "força de combate da classe trabalhadora", compostn
de gente de outra envergadura e, ao mesmo tempo, intimamente ligada à sua
mãe, às massas, ocupa propriamente o lugar do falo materno, do fetiche que
desmente o real da diferença de classe, da luta, da não-relação entre o todo da
classe e seu próprio não-todo. Enquanto no discurso fascista, o papel do fetiche
é desempenhado pelo "judeu", isto é, pelo inimigo, o fetiche stalinista é o pró­
prio Partido. Este aparece como a encarnação imediata da universalidade das
massas ou da classe trabalhadora. O Partido se coloca imediatamente como to­
do, "linha geral", e suas espécies, das quais ele é a interseção, tornam-se os des­
vios (seja de direita ou de esquerda) da linha geral:

desvio de I desvio de
esquerda I direita
\

Neste curto-circuito entre o universal (a massa, a classe) e o particular


(o Partido), a relação entre o Partido e a massa não é dialetizada. Assim, se
há um conflito entre o Partido e o resto da classe trabalhadora, isto não signifi­
ca que o Partido se alienou da classe trabalhadora, mas, ao contrário, que os
elementos da própria classe trabalhadora se tornaram "estranhos" à sua própria

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universalidade ("os verdadeiros interesses da classe trabalhadora") encarnada


no Partido. Por causa desse caráter-fetiche do Partido não há, para o stalinista,
nenhuma contradição entre a demanda de que o Partido esteja aberto às mas­
sas, fundido com as massas, e o Partido em posição de exceção, Partido autori­
tário, concentrando em si todo o poder. Tomemos, por exemplo, esta passagem
das Questões do leninismo (2):
"Falando das dificuldades de estocagem de grãos, os comunistas fazem re­
cair geralmente, a responsabilidade sobre os camponeses pretendendo que estes
sejam culpados de tudo. Mas isso é totalmente falso e absolutamente injusto. Os
camponeses não são por nada responsáveis. Se é questão de responsabilidade e
de culpabilidade, a responsabilidade cabe inteiramente aos comunistas; e os culpa­
dos nisso tudo somos nós, os comunistas, e somente nós.
"Não existe e jamais existiu no mundo um poder tão vigoroso e nem tão gran­
de autoridade quanto a nossa, o poder dos Sovietes. Não existe e não existiu ja­
mais no mundo um partido tão poderoso e nem uma tão grande autoridade quan­
to a nossa, o Partido comunista. Nada nos impede e nem pode nos impedir de
conduzir os Kolkhoz como o exigem seus interesses, os interesses do Estado. "
O caráter autoritário do Partido é aqui diretamente acentuado. Stalin in­
siste de modo explícito sobre o fato de que todo o poder está, sem divisão algu­
ma, entre as mãos do Partido, que as pessoas, o povo comum não têm nada com
isso, não têm nenhuma culpabilidade nem responsabilidade. Entretanto, este
poder exclusivo e autoritário do Partido está colocado imediatamente como
um poder verdadeiramente democrático, como um poder efetivo do povo. Daí,
segue-se uma certa ingenuidade das críticas dissidentes: o campo discursivo sta­
linista é organizado de tal modo que a crítica erra seu alvo. Reconhece-se de
antemão o que a crítica se dá o trabalho de demonstrar (o caráter autoritário
do poder, etc.), dando a este fato um alcance muito distinto ao tomá-lo precisa­
mente pela prova do poder efetivo do povo.
Está af em plena perversão, no sentido em que Lacan, no O Seminário,
livro XX (3), determina o misticismo masculino como u ma posição subjetiva per­
versa; ele a define a partir do curto-circuito entre o olhar do sujeito e aquele
do Outro; o olhar, por meio do qual o homem contempla Deus, coincide ime­
diatamente com o olhar por meio do qual Deus se contempla a si mesmo: "...con­
fundir seu olho cujo Deus o olha, isso deve bem, por força, fazer parte do go­
zo perverso".
E é também um curto-circuito semelhante o que define a posição subjeti­
va do comunismo-stalinista: o olhar do Partido sobre a história coincide_ imedia­
tamente com o olhar da história sobre si mesma. Noutros termos, recorrendo
ao velho jargão stalinista, íloje em dia quase esquecido, os comunistas agem
imediatamente em nome das "leis objetivas do progresso histórico"; através de
suas bocas, é a própria história, sua necessidade, que fala. Eis porque a fórmu­
la elementar da perversão sádica, proposta por Lacan em seu "Kant com Sade"
(4), seja tão adequada para designar a posição subjetiva do comunismo stalinista.
O sujeito sádico tenta evitar sua divisao constitutiva transportando-a so­
bre seu outro (a vítima) e identificando-se ele ao próprio objeto, isto é, ocupan­
do a posição do objeto-instrumento da vontade de gozar, que não é sua vonta­
de, mas sim a vontade do grande Outro, que é revestido com a forma do "Ser
supremo em Maldade".
Af está em que Lacan rompe com a noção usual do sadismo, segundo a
qual o perverso sádico ocupa a posição de um sujeito, reivindicando o direito
de dispor sem nenhuma restrição do corpo do outro, reduzindo-o assim a um

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objeto-instrumento para a satisfação de sua vontade de gozar; para Lacan, ao


contrário, é o próprio sádico quem ocupa a posição de objeto-instrumento, exe­
cutor de uma vontade radicalmente heterogênea, enquanto a divisão do sujeito
é imputada ao outro (a vftima). A posição subjetiva do perverso é forçosamen­
te marcada por uma tal instrumentalização radical de sua atividade: ele perse­
gue sua atividade, não para o próprio prazer, mas para o gozo do Outro. Seu
próprio gozo lhe é proporcionado, precisamente, por esta instrumentalização,
pela sua certeza de não ser senão uma ferramenta de gozo a serviço do Outro.
A diferença é aqui clara com o obsessivo e o psicótico.
O perverso age com a certeza simples e direta de que sua atividade serve
ao gozo do Outro, diferentemente do obsessivo - para quem o motor da ativida­
de frenética repousa sobre a ameaça de que por falta desta atividade uma catás­
trofe terrível possa acontecer, isto é, que a inconsistência do Outro possa vir à
tona. O perverso não age para evitar a catástrofe, o elemento de dúvida e de
oscilação que caracteriza o obsessivo é totalmente ausente nele.
O psicótico se toma diretamente pelo objeto do gozo do Outro, isto é, pe­
lo objeto do qual o Outro goza, pelo gozar do Outro encarnado, por seu parcei­
ro e seu complemento, bem diferente o perverso que se reduz ao instrumento,
a uma ferramenta neutra, vazia de gozo, que trabalha pelo gozo.
É por isso que o materna lacaniano da perversão se escreve com a inver­
são do materna do fantasma: a <> $ . Este materna designa perfeitamente a po­
sição subjetiva do comunista stalinista: o comunista tortura ao infinito sua vfti­
ma (as massas, o povo comum, os não-quadros), mas ele o faz enquanto instru­
mento do grande Outro da História (as "leis objetivas da história", da "necessida­
de do progresso histórico"), por trás do que não é diffcil reconhecer a figura
do Ser supremo em Maldade. O caso do stalinismo exemplifica claramente o
modo como, na perversão, o outro (a vítima) é dividido: o stalinista tortura o
povo mas ele o faz como servidor fiel do povo, em nome do povo, na condição
de executor de sua vontade (de seu interesse objetivo e verdadeiro).
Este curto-circuito perverso parece muito mais distinguir o totalitarismo
stalinista, enquanto o totalitarismo de direita é mais caracterizado por um outro
curto-circuito: aquele entre a significação ideológica, produzida pelo código sim­
bólico (o grande Outro), e os fantasmas por cuja mediação o grande Outro ide­
ológico encobre suas inconsistências, seus buracos. Em outros termos, para se
referir ao grafo do desejo de Lacan, se trata do curto-circuito entre s(A) e
S <> a (5).
Tomemos agora o neo-conservadorismo. No nível do significado, s(A),
a ideologia neo-conservadora nos oferece um campo de significações estru­
turado em torno da oposição entre o liberalismo igualitário e o permissivo
e os valores da law and arder, da família, da responsabilidade de cada um
pela sua sorte; nesta perspectiva, a liberdade não só é ameaçada pelo peri­
go comunista mas também, e mesmo sobretudo, pela degenerescência inter­
na das sociedades ocidentais, por sua lassidão moral, pelo crescimento do
Estado-providência, que mina nosso senso de responsabilidade. Tudo isso,
naturalmente, são os lugares comuns do discurso da direita moderna, "pós­
permissiva", que investe contra o "narcisismo do homem moderno", vftima
da sociedade do consumo. O ponto crucial aqui é que existe numa tal ideo­
logia reativa toda uma série de fantasmas que dão conta de sua eficácia -
isto é, no modo como ele fisga os sujeitos -, fantasma que, em ú ltima ins­
tância, coloca em cena, todos eles, a relação entre o gozo e o outro (o ou­
tro: o judeu, o negro, o árabe, a mulher); e este ou tro se supõe ter acesso

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a um gozo especial, excessivo, ou bem em vias de nos privar de nosso teso u ­


ro mais precioso, o cerne de nosso gozo, c o m o paradoxo b e m conhecido
de que este gozo é, de u ma só vez, inacessível ao outro e ameaçado por ele.
O neo-consevadorismo por inteiro vive, literalmente, desta separação
entre os dois níveis. Ele se apóia sobre os fantasmas, cuja condição d e eficá­
cia é que eles permaneçam não-ditos, não-integrados no campo da significa­
ção ideológica. E ultrapassamos o limiar que separa o neo-conservadoris­
mo do totalitarismo de direita logo que os fantasmas invadem, diretamen­
te, o campo de significação, e que se refira diretamente a eles, por exemplo,
no nazismo que articula em público - isto é, integrando no campo de sua
significação ideológica a textura inteira dos fantasmas nos quais se apóia
o antisemitismo. Os judeus são então descritos, abertamente, como pesso­
as de um gozar perverso, excessivo, pessoas que conhecem e dominam nos­
so desejo, ao invés de deixar a seu destinatário o cuidado de decifrá-lo a
partir do que o discurso diz "entre linhas".
Eis o grão de verdade da sabedoria comum, segundo a qual a diferen­
ça entre a direita moderna e a direita radical consiste simplesmente nisto,
que a segunda diz abertamente aquilo que a primeira pensa sem ousar dizê-lo.
A diferença entre o totalitarismo de direita e o de esquerda se liga
precisamente ao fato de que, no caso do primeiro, o fetiche se encontra
do lado do ou tro, do lado do "inimigo", enquanto no segundo caso, o feti­
che é nossa própria posição. Dito de outro m odo, a identificação do pró­
prio sujeito ao objeto-fetiche produz o curto-circuito entre seu olhar e o
olhar do Outro, enquanto a localização do fetiche em u m objeto "externo"
abre de certo modo o canal pelo qual o campo de significação e o domínio
do fantasma possam entrar diretamente em contato.

Contribuição d a Sociedade para a Psicanálise teórica na Yugoslávia, com Slavoj Zizek (rela·
tor), i n Traits de perversion dons les structures cliniques, Navarin É diteur, Paris, julho de 1990.

Revisão de Célio Garcia

(*) Neste pa rágrafo o autor mantém somente os termos "/e maitre et ses sujets", optamos por jo·
gar com as relações de oposição· senhor/servo e amo/súdito para por em relevo as várias for­
mas que o discurso do mestre ganha na his·tória.

NOTAS

L Histoire du Parti Commun iste bolchévik de l 'U.R.S.S., Paris, 1971; p. 402.


2. STALINE, I., Questions du léninisme, Pékin, 1977; pp. 659-660.
3. LACAN, J., Le Seminaire, l ivre XX: ENCORE, Paris, Seuil; p. 70.
4. LACAN, J., "Kant avec Sade" in Écrits, Paris, Seuil, 1966; p. 775-778.
5. LACAN, J., "Subversion du sujet et dia letique du désir" in Écrits, p. 815.

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