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UMA ANÁLISE CRÍTICA DOS TRADICIONAIS ESTUDOS DO

CONCEITO PODER: NOVAS PERSPECTIVAS PARA A


COMPREENSÃO DAS DIFERENTES FORMAS DE RESISTÊNCIA
E LUTAS POLÍTICAS

Lira Furtado Moreno1

RESUMO: Este artigo discute as diferentes abordagens de poder em Hannah Arendt,


Weber, Habermas, Foucault e Bourdieu. Propõe a desconstruir a tradição clássica,
concebendo novas perspectivas para a teoria política, que permitem novas
abordagens do conceito de poder, e consequentemente novas perspectivas para a
compreensão de fenômenos políticos, como as diferentes de resistência e lutas
políticas.

PALAVRAS-CHAVE: Poder; Comunicação; Violência.

INTRODUÇÃO

A Ciência Política tem como objeto de estudo os fenômenos políticos,


particularmente as questões relativas ao poder, procurando examinar criteriosamente
os fatos, atendo-se não só à descrição como também à explicação destes fenômenos.
Entretanto, atualmente, as pesquisas relacionadas a área de Ciência Política resultam,
cada vez mais, em estudo das formas de participação política, do processo decisório
do voto e do crescente uso de tecnologias da informação na difusão e formação do
pensamento político. Faltam, portanto, estudos que buscam entender o poder a partir
de outros pontos de partida, que vão além da relação entre Estado e sociedade.
Os trabalhos contemporâneos sobre política e comunicação pressupõem
conceitos de poder sem esclarecê-los, o que leva a imprecisões científicas. Muitos
estudos nessa área têm uma tácita definição weberiana e outros, menos comuns, são
habermasianos. Todavia, ao não tornarem explícito o debate sobre o conceito,

1
Lira Furtado Moreno é graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Goiás.
e-mail: lirafurt@gmail.com

1
acabam por crer se referirem a ideias sinônimas, sem notarem que falam de coisas
diferentes e, assim, comprometem o rigor dos estudos.
Este artigo, portanto, visa apresentar "três contribuições ao conceito de poder
na filosofia política contemporânea", elucidando suas diferenças, para tornar mais
claro o debate concreto e heurístico sobre o conceito de poder, comunicação e
política. As contribuições apresentadas são definições emblemáticas, porque
percorrem o amplo espectro de unidades de análise, relações com a violência e papel
do Estado notado no pensamento ocidental dos nossos dias.
Por fim, este artigo promove uma discussão entre teorias já legítimadas no
meio da Ciência Política, como é o caso da definição weberiana e habermasiana, e
teorias ainda “não tão legítimas”, partindo das contribuições de Foucault e Bourdieu. A
proposta é de que estes autores franceses, partindo das mesmas variáveis, como
comunicação e violência, consideram aspectos que essa “tradição” e essa “contra-
tradição”, habermasiana, desconsideram. Aspectos estes, de cunho social e histórico,
que são fundamentais para entendermos o fenômeno do poder e seus anexos, como a
própria questão da liberdade. E, ainda, consequentemente, para entendermos as
formas de resistência, que permeiam os atuais movimentos sociais e lutas políticas.

A TRADIÇÃO

Segundo Karlfriedrich Herb (2013, P.268), no mundo dos conceitos o poder tem
sempre uma concorrente: a violência. No contexto Alemão, a palavra poder tem sua
origem nas formas verbais Können e Vermögen (poder e ser capaz). Violência
(Gewalt) é derivada do verbo walten (reinar) e significa algo como ter força, dispor
sobre alguma coisa ou reger. Desde então, de acordo com Herb (2013, p. 268), poder
e violência encontram-se numa luta acerca da supremacia conceitual – com algumas
vantagens do lado do poder. Entretanto, algumas vezes eles são usados
indistintamente, e ocupam o mesmo campo semântico. Encontra-se nesse dilema
conceitual uma indecisão, e como sempre, atrás de tal indecisão há um grave
problema filosófico (Herb, 2013).
Quando deliberamos sobre poder, falamos sem inibição de violência (Herb,
2013). Numa tacada, definimos concentração de poder e monopólio legítimo da
violência. A monopolização da força é a condição necessária para que exista o Estado
no sentido moderno da palavra, mesmo que não seja condição suficiente. O Estado é,
portanto, o detentor exclusivo do poder coativo (Weber, 2009).
Além da herança deixada por Hobbes, Max Weber (2000; 2009) elaborou uma
definição de poder que se tornou claramente hegemônica. Sociologicamente, segundo
2
Max Weber (2009, s.p.) o Estado não se deixa definir por seus fins, e sim pelos seus
meios. Todo Estado se funda na força, assim como todo agrupamento político. A
violência física é tida como um instrumento normal do poder.
Concebe, portanto, o Estado contemporâneo como uma comunidade humana
que, dentro dos limites de determinado território reivindica o monopólio do uso legítimo
da violência física. E consequentemente, entende por política o conjunto de esforços
feitos com vistas a participar do poder ou a influenciar a divisão do poder, seja entre
Estados, seja no interior de um único Estado. O Estado consiste, então, em uma
relação de dominação do homem sobre o homem, fundada na violência legítima. Ele
só pode existir, entretanto, sob condição de que os homens dominados se submetam
à autoridade continuamente reivindicada pelos dominadores (Weber, 2009).
Para explicar a relação de dominação, Max Weber define três tipos puros de
dominação legítima2:

1. Tradicional – que o patriarca ou senhor de terras, outrora, exercia. É a


autoridade do “passado eterno”, isto é, dos costumes santificados, pela validez
imemoral, e pelo hábito, enraizado nos homens de respeitá-lo.
2. Carismático – a autoridade que se funda em dons pessoais e
extraordinários de um indivíduo (carisma). Devoção e confiança estritamente
pessoais depositadas em alguém que se singulariza por qualidades
prodigiosas, por heroísmo ou por outras qualidades exemplares que fazem
dele fazem o chefe.
3. Legal – a autoridade que se impõe em razão da “legalidade”, em razão
da crença ou da validez de um estatuto legal e de uma “competência” positiva,
fundada em regras racionalmente estabelecidas ou, em outros termos, a
autoridade fundada na obediência, que reconhece obrigações conforme o
estatuto estabelecido.

Max Weber (2000, s.p.) define, então, o poder como a possibilidade de impor a
própria vontade ao comportamento alheio. Parte de um modelo teleológico da ação:
um sujeito individual (ou um grupo, que pode ser considerado como um indivíduo) se
propõe um objetivo e escolhe os meios apropriados para realizá-lo. O sucesso da ação
consiste em provocar no mundo um estado de coisas que corresponda ao objetivo
proposto. Assim, o sucesso depende do comportamento do outro sujeito, e, portanto,
deve o sujeito deter meios que induzam no outro o comportamento desejado. É essa

2
O que não esgota as possibilidades de dominação

3
capacidade de disposição sobre os meios que permitem influenciar a vontade de
outrem que Max Weber denomina como poder (Habermas, 1993).
Todavia, de acordo com Weber (2000, p.33), o conceito de “poder” é
sociologicamente amorfo. Todas as qualidades imagináveis de uma pessoa e todas as
espécies de constelações possíveis podem pôr alguém em condições de impor sua
vontade, numa dada situação dada. Por isso, o conceito sociológico de dominação
deve ser mais preciso e só pode significar a probabilidade de encontrar obediência a
uma ordem.

A CONTRA-TRADIÇÃO

Contrapondo totalmente com a noção weberiana de poder, Hanna Arendt entra


em cena com uma “nova velha” forma de se pensar a relação de poder. Na tentativa
de romper com a imprecisa relação entre poder e violência, Hannah Arendt coloca em
jogo uma nova variável, a ação comunicativa, que se opõe diretamente a ação
estratégica – modelo teleológico da ação - idealizada por Weber.
A noção de poder defendida por Hannah Arendt está ancorada, inicialmente,
na distinção entre o mundo político e o mundo social, entre a esfera pública e a esfera
privada. Arendt retoma uma outra tradição do pensamento político, qual seja, a greco-
romana. Segundo o pensamento grego, a capacidade humana de organização política
não apenas difere, mas é diretamente oposta a essa associação natural cujo centro é
constituído pela casa (oikia) e pela família. O surgimento da cidade-estado significava
que o homem recebera – além de sua vida privada, uma espécie de segunda vida, o
seu bios politikos. Agora cada cidadão pertence a duas ordens de existência; e há
uma grande diferença entre o que lhe é próprio (idion) e o que lhe é comum (koinon)
(Arendt, 2007).
Assim, a noção de esfera pública pode ser vista apenas como o lugar em que
se reflete o que há de comum entre todos os homens e não os seus lugares
específicos no mundo (Arendt, 2007), o espaço em que permeia a igualdade e não a
desigualdade, o espaço da divergência, mas não do conflito, do diálogo, mas não do
domínio. Arendt (2001, s.p.) qualifica o mundo social de pré-político e o mundo político
como um espaço habitado apenas por indivíduos socialmente indeterminados.
Para Hannah Arendt, o poder resulta da capacidade humana, não somente de
agir ou de fazer algo, como unir-se a outros e atuar em concordância com eles. O
fenômeno fundamental do poder não consiste na instrumentalização da vontade alheia
para os próprios fins, mas na formação de uma vontade comum, numa comunicação
orientada para o entendimento recíproco (Habermas, 1993). Portanto, o poder origina-
4
se do fato de que os participantes orientam-se para o entendimento recíproco e não
para o seu próprio sucesso.
Ainda, é preciso ter em mente que o poder é uma ação em concerto que funda
uma dada comunidade. Arendt (2002, s.p) busca a manifestação mais originária do
fenômeno político. E é neste ato fundacional, do qual todos participam em condições
de igualdade, que reside a legitimidade do poder. O poder, sendo uma ação política, é
um fim em si mesmo, cujo sentido último é sempre a interação entre os homens, o
poder não pode ser avaliado pelo seu trabalho final, apenas valorizado por si (Arendt,
2002)
Arendt, portanto, critica a teoria política tradicional devido à assimilação dos
termos poder e violência. Para ela, poder e violência são opostos, onde um domina o
outro está ausente. Todavia, essa distinção seria insuficiente, pois não daria conta de
outras dimensões da realidade. Segundo a autora, a ausência dessas categorias, que
permite analisar a realidade, é um “triste reflexo do atual estado da ciência política”
(Arendt, 1989).
Tentando resolver o que Herb (2003, s.p.) chamou de grande impasse
filosófico, Hannah Arendt, distingue violência e poder de força, vigor e autoridade. O
conceito de vigor descreve uma realidade essencialmente individual - não política -
inerente a uma coisa ou a uma pessoa. O vigor pode ser sempre uma ameaça ao
poder. Já força, refere-se aos impactos coletivos que os movimentos sociais podem
gerar sobre a sociedade e sobre o fenômeno do poder. E, violência, mais próxima do
conceito de vigor, não caracteriza nenhum ato coativo, mas apenas aqueles que
operam sobre o corpo físico do oponente, matando-o, violando-o.
Por fim, o conceito de autoridade, segundo Hannah Arendt, descreve o
conceito mais enganoso dos fenômenos políticos, pois descreve uma realidade
aparentemente paradoxal. De um lado, descreve uma relação hierárquica, de mando e
obediência. Entretanto, não descreve uma relação de violência. Por outro lado, não
opera por meio da persuasão, pois não é uma relação igualitária, mas sim
hierarquizada, quem obedece, o faz por “respeito”. Nesse sentindo, portanto, o poder
funda, ou legitima a autoridade.
Contudo, apesar de trazer para o campo da teoria política uma nova alternativa
de se pensar a realidade política, as relações de poder, Hannah Arendt, não foi capaz
de solucionar esse grande impasse. Sua teoria também é passível de criticas.
O pensamento de Hannah Arendt trafega entre dois pontos, poder e violência.
Eis, portanto, um pensamento dicotômico, que exclui de sua análise uns sem-números
de relações sociais que permeiam o mundo político, que não são caracterizadas pelo

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consentimento ou pela violência, e sim pela luta em torno de interesses conflitantes. E
nesse sentido é valida a crítica de Habermas de que:
(...) mesmo que a liderança nas modernas democracias tenha que
periodicamente procurar legitimidade, a história está repleta de
evidências que mostram que a direção política deve ter funcionado, e
funciona, de forma diferente da sugerida por Arendt. Certamente, é um
ponto a favor de sua tese o fato de que a direção política só pode durar
na condição de ser reconhecida como legítima. É um ponto contra sua
tese o fato de que as instituições e estruturas básicas que são
estabilizadas por meio da direção política poderiam apenas em casos
raros ser a expressão de uma ‘opinião sobre a qual muitos estavam
publicamente de acordo’ – ao menos se se tem, como Hannah Arendt,
um conceito forte de espaço público. (1986, p.88).

É necessário, portanto, pensar em novos conceitos que expliquem essa


realidade, indo além da teoria cunhada pela tradição do pensamento político e por
Hannah Arendt. É necessário conceituar as relações de poder de maneira mais
realista, isto é, mais aplicável à sociedade.

UM FALSO CONSENSO

O que até então era tido como visões opostas, a tradicional teoria política e a
teoria de Arendt, é apresentado por Habermas como a relação de poder e suas
espécies. Ele afirma a relação complementar entre o poder gerado no mundo da vida
e aquele referente ao mundo sistêmico, relação mediada através do direito. Segundo
Habermas, o poder político não pode ser considerado apenas em seus aspectos
comunicativos, assim como também não pode ser pensado apenas como resultante
de uma ação estratégica.
De acordo com Habermas, no caso do político, sua posse é condicionada por
um processo de competição, portanto, sua aquisição é orientada através da ação
estratégica. A ação estratégica se manifesta, nesse sentido, nas lutas pelo poder, na
concorrência por posições vinculadas ao poder legítimo (Habermas, 2012).
Todavia, ainda de acordo com Habermas (2012, s.p), ao priorizar o modelo
teleológico da ação na conceituação do poder, ignora-se a sua natureza. Apesar de o
poder ser um bem disputado por grupos políticos, este poder preexiste, e não é
produzido por tais grupos e lideranças (Habermas, 2012). O poder é concebido
através dos aspectos comunicativos de sua natureza. Assim, para ele, os modelos de
ação não se anulam, pois sem a geração do poder, não há como coloca-lo em prática.
A ação estratégica se encontra em situação parasitária em relação à ação
comunicativa, pois retira desta sua justificação. Ao mesmo tempo em que o poder é
gerado por uma força proveniente da união entre indivíduos que buscam o

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entendimento, a sua manutenção e exercício dependem de uma noção teleológica
capaz de colocar objetivos que solucionem os problemas levantados no momento da
comunicação (Habermas, 2012).
Todavia, antes de conceituar a relação de poder, Habermas propôs uma
mudança de paradigma, a partir do abandono de uma visão egocêntrica do mundo,
abandono do paradigma da consciência, fundamentando-se no conceito de
descentralização de Piaget. Segundo Habermas, e diferentemente de Hannah Arendt,
os atores comunicativos movem-se por meio de uma linguagem natural, valendo-se de
interpretações culturalmente transmitidas e referem-se a algo simultaneamente em um
mundo objetivo, em um mundo social comum e em seu próprio mundo subjetivo
(Habermas, 2012). A racionalidade, assim, não depende diretamente do sujeito, mas
da intersubjetividade, do atrelamento do pensamento a uma lógica de
descentralização em relação ao ego.
O paradigma habermasiano, portanto, é o paradigma da linguagem. Assim,
diferentemente de uma tradição teórica liberal, é a partir de procedimentos
comunicativos que uma ética e interesses nascem e se reinventam permanentemente.
São as trocas comunicacionais estabelecidas com o emprego da linguagem que
permitem a constituição do sujeito e de suas idiossincrasias. (Tavares, 2013).
Desse modo, para Habermas, indivíduo e sociedade não estariam em grau de
conflitos, mas de produtiva complementariedade, sustentada pela livre comunicação.
Essa compreensão está fundamentada em seu conceito de mundo da vida, onde a
sociedade não pode ser compreendida apenas a partir de uma observação externa e
objetiva de sua reprodução e funcionamento. Ela deve ser compreendida
diferentemente dos subsistemas da Economia e do Estado, não se pautando pela
ação estratégica, orientadas por códigos do poder ou do dinheiro. Desse modo, a
autoidentidade social, o repertório de práticas válidas e os vínculos intersubjetivos são
constituídos em meios às redes comunicativas do mundo da vida (Tavares, 2013).
Habermas acredita que, na estrutura da linguagem cotidiana, está embutida
uma exigência da racionalidade, distinta da racionalidade presente nas ações
estratégicas, pois com a primeira frase proferida, o homem já manifestava uma
pretensão de ser compreendido (Aragão, 1992). Sua teoria está embutida de uma
herança iluminista ora acredita no potencial libertador da razão. Compreende o
fenômeno da comunicação como inerente à condição humana. O aspecto central da
teoria de Habermas está nessa confiança na capacidade das pessoas, argumentando
construírem consensos verdadeiros em condições de liberdade. Sugere, mesmo que
não explicitamente uma forma de atuação política expandindo a ação comunicativa, de
forma a restringir a importância das ações estratégicas que se desenvolvem no âmbito
7
do sistema (Estado e Economia). Assim, para a teoria habermasiana do Agir
Comunicativo, o conceito de mundo da vida é imprescindível para a formulação de
uma nova teoria da racionalização social (Tavares, 2013).
Todavia, ocorre que o processo de complexificação social concorrente à
racionalização do mundo da vida pode levar a incapacidade do agir comunicativo em
coordenar toda a ação social (Tavares, 2013). É nesse momento, portanto, que
Habermas passa a se reportar a dimensão sistêmica da sociedade moderna:
A racionalização do mundo da vida pode ser interpretada como
liberação sucessiva do potencial de racionalidade contido no agir
comunicativo. Nesse contexto, à proporção que o agir orientado pelo
entendimento adquire uma autonomia maior em relação aos contextos
normativos, o mecanismo do entendimento linguístico, cada vez mais
solicitado e, finalmente, sobrecarregado, é substituído por meios de
comunicação que não necessitam mais da linguagem (HABERMAS,
2012b, p. 280).

O mundo sistêmico entra em cena, a partir dos “mecanismos de troca” e


“mecanismos de poder”, conforme uma trajetória que se concretiza na modernidade,
quando a administração pública e a economia passam a se autonomizar como
subsistemas alheios às trocas linguísticas e guiados, respectivamente, pelos meios de
poder e dinheiro (Tavares, 2013). E, logo, esse mundo sistêmico, de acordo com
Habermas (2012, p.336), ao se tornar autônomo, ricocheteia de modo destrutivo o
próprio mundo da vida. De acordo com Habermas:
O fato de a integração social e a sistêmica estarem desligadas
uma da outra impede o estabelecimento de dependências lineares
numa direção ou noutra. Aqui podemos imaginar dois casos distintos:
ou as instituições que ancoram os mecanismos de controle do mundo
da vida, tais como o dinheiro e o poder, canalizam a influência do
mundo da vida para as esferas da ação organizadas formalmente, ou,
ao contrário, levam a influência do sistema para os contextos da ação
estruturados comunicativamente. No primeiro caso, elas funcionam
como moldura institucional que submete a manutenção do sistema às
restrições normativas do mundo da vida; no segundo, funcionam como
uma base que submete o mundo da vida às coações sistêmicas da
reprodução material, desencadeando o processo da “mediatização”
desse mundo (HABERMAS, 2012b, p. 334).

Portanto, como afirma Tavares (2013, p.257), Habermas entende que o


capitalismo tardio assistiria a uma institucionalização dos conflitos de classe,
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caracterizada por uma burocracia reguladora dos mercados, de forma que os
potenciais de protesto e correspondente de conflitos sociais recairiam sobre questões
envolvendo a gramática das formas de vida, não por problemas de distribuição. Assim
o erro de Habermas consiste a priori em,
“(...)decompor as questões distributivas e as simbólicas nas
lutas sociais, de modo a perder potencial heurístico em suas
formulações. Essa decomposição, como visto, é, por sua vez, fruto de
um duplo erro (coagulado na negativa de atuar com referência no ponto
de vista da totalidade) concernente à cisão entre trabalho e interação e,
em seguida, à proposição da dualidade entre mundo da vida e
sistema.” (Tavares, 2013 ,p.258)

Fica evidente, então, que a obra de Habermas, apesar de estabelecer um novo


paradigma para se compreender a relação entre dicotômica entre comunicação e ação
estratégica, ela claramente se depara com certas limitações como as que já foram
mencionadas acima. Mas, ainda, a crítica que se pretende compor neste artigo, é de
que a obra de Habermas se limita ainda por uma recusa de um caráter histórico e
social da razão, e consequentemente do caráter social e histórico da noção da
verdade, como bem trabalha Foucault, neste aspecto. E ainda, que
consequentemente, Habermas não rompe com uma abordagem tradicional de se
conceber as relações de poder ainda fortemente centradas no âmbito das instituições
estatais.
Essa critica, é centrada não somente, portanto, na falha dualidade proposta por
Habermas entre mundo da vida e mundo sistêmico, e, por conseguinte, na sua falha
concepção de mundo da vida, mas também na sua própria concepção de agir
comunicativo, ou sua própria teoria da comunicação. Habermas, ao diferenciar ação
estratégica de ação comunicativa, exclui da ação comunicativa a variável “conflito”.
Para Habermas (2012a, p.63), a argumentação é vista como um processo, no qual no
qual surgem estruturas de “uma situação ideal de fala e especialmente imunizada
contra repressão e desigualdade”. Assim, na esfera pública, onde a ação comunicativa
impera, os indivíduos estão dispostos em condição de igualdade, e, portanto, livres de
uma coerção.
Mesmo que para Habermas (2012, s.p.), a linguagem pode ser um instrumento
do agir-teleológico, ela se diferencia substancialmente sob o uso do agir-comunicativo,
pois são definidas por racionalidades distintas. No agir-comunicativo a argumentação
se associa a racionalidade, por quanto não apenas compreende a exposição a
compreensão a critica, mais ainda, promove a capacidade de aprender a partir de

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fracassos, a partir de refutação de hipóteses e do insucesso de algumas intervenções.
Pressupõe, portanto, como uma forte herança de Piaget, uma racionalidade vinculada
a aprendizagem (Tavares, 2013). E, é a partir desta racionalidade, que desenvolvemos
conhecimentos teóricos e discernimentos morais, renovamos e ampliamos a
linguagem avaliativa e suplantamos autoenganos e dificuldades de entendimento
(Habermas, 2012). Assim, a “pessoal racional é aquela que se revela susceptível a
argumentos e, assim, aprende” (Tavares, 2013).
Todavia, como podem os indivíduos, na esfera pública, estarem dispostos em
condição de igualdade, e, por conseguinte, livres de coerção? Como é possível
desprezar no mundo da vida os conflitos e desigualdades econômicas, de gênero,
étnicas, entre outras mais? Será essa distinção entre agir-teleológico e agir-
comunicativo, suficiente para explicar uma dada realidade social, permeada por
desigualdades e conflitos? O poder político e a produção econômica podem, então,
operar por princípios diferentes daqueles correspondentes a cultura, a personalidade e
a sociedade?
Por este ângulo, a teoria de Habermas, desconsidera diversas variáveis, que
poderiam tornar questionáveis suas afirmativas. E, o centro dessa falha na teoria
habermasiana emerge, portanto, da não consideração das desigualdades sociais e
relações de conflito que podem ser percebidas no que Habermas denomina “Mundo
da Vida”. Desconsidera, portanto, as relações de poder que podem e emergem nesse
espaço, pois as variáveis “cultura, personalidade e sociedade”, também compõem as
relações de poder, podendo ser percebidas de maneiras distintas das impostas por
Habermas.

NOVAS PERSPECTIVAS PARA O CAMPO DA TEORIA POLÍTICA

Rompendo com a verdadeira tradição do pensamento político, a tradição de se


perceber o poder pelas vias das instituições estatais, Michel Foucault e Pierre
Bourdieu, contribuem com concepções de relações de poder que extrapolam as
relações vinculadas à economia e ao Estado, e, portanto, extrapolam a relações de
poder discutidas anteriormente. Michel Foucault e Pierre Bourdieu extrapolam a
concepção de poder presente em Weber, Hannah Arendt e Habermas, evidenciando
que o mesmo não se restringe somente ao nível macro, mais visíveis, mas também ao
seu nível micro (moleculares), invisíveis e simbólicos.
Entretanto, diferentemente de Bourdieu, Foucault nunca teve a pretensão de
elaborar uma teoria acerca do poder, o poder nunca foi seu objeto de estudo. Ainda
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assim, a temática poder se estende por toda sua obra, sob as mais variadas formas,
surgindo como um problema metodológico, interessando-lhe a forma pela qual o poder
se exerce.
Segundo Foucault, “não existe algo unitário e global chamado poder, mas
unicamente formas díspares, heterogêneas, em constante transformação” (Cf.
Machado, 2006, p. 11). Portanto, o poder não existe, o que existe são as práticas ou
relações de poder. O poder não é um objeto, uma coisa, mas uma relação (Idem, p.
14).
Numa tentativa de elucidar essas relações de poder, Foucault parte de uma
abordagem histórica, rompendo com a noção de poder soberano, claramente vigente
na tradicional teoria política, e caracteriza duas outras formas distintas, mas
complementares de poder. Elucida, portanto, o conceito de Poder Disciplinar, a partir
de sua obra Vigiar e Punir, e o conceito de Biopoder a partir de obras posteriores.
Segundo Foucault, dentre os séculos XVII e XVIII, as relações de poder
passam por inúmeras transformações. Instituições como fábricas, escolas e prisões,
emergiram dentre a sociedade, permitindo que o Poder Soberano ceda lugar ao poder
disciplinar. As monarquias soberanas perderam seu espaço para as sociedades
disciplinares. Enquanto o poder soberano se manifesta a partir da apropriação e
controle dos bens e riquezas dos súditos, o Poder Disciplinar se manifesta a partir do
adestramento, controlando e se apropriando ainda mais, tornando o poder menos
custoso e mais dócil (Foucault, 2011).
Contudo, a partir da segunda metade do século XVIII, como aponta Foucault
(2001, s.p.), surge outra espécie de poder, o Biopoder, não excluindo o Poder
Disciplinar, mas o complementando. Ambos coexistem no mesmo tempo e espaço.
Enquanto o poder disciplinar opera sobre indivíduos isolados, e se faz sentir nos
corpos dos indivíduos, o Biopoder opera sobre a população, a partir de processos
coletivos, como a mortalidade, natalidade e longevidade. O Biopoder acarreta o
surgimento de novos mecanismos e instituições, como a seguridade social e a
poupança. A cidade e a população passam a constituir problemas políticos, da esfera
do poder. (Pogrebinschi, 2004).
O Biopoder cria alguns mecanismos reguladores que permitem, por exemplo, o
controle da natalidade e mortalidade e o aumento da longevidade, e por isso mesmo,
ele está vinculado com a noção de saber. A Estatística e a Biologia passam a ser
extremamente importantes nesse momento em que se necessita de soluções de
endemias, demografias e políticas de natalidade. Ainda, a principal preocupação da
Medicina passa a ser a higiene pública. (Foucault, 2001). A biopolítica é, portanto,

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segundo Foucault, a prática de biopoderes locais. No biopoder, a população é tanto
alvo como instrumento em uma relação de poder.
Foucault, busca, portanto, diante dessas novas percepções sobre o conceito de
poder, compreender a sobrevivência e os limites do Estado. Para tanto, busca
explicar esse processo pelo termo por ele denominado como Governamentalidade,
que possui um sentido eminentemente político. (Foucault, 2004, p. 374). Foucault quer
mostrar que no Ocidente não foi a sociedade que paulatinamente passou a ser
estatizada, pelo contrário, o Estado é que cada vez mais tornou-se
governamentalizado.
Por governamentalidade, Foucault entende como o:

(..)conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e refl


exões, os cálculos e as táticas que permitem exercer essa forma bem
específi ca, ainda que complexa, de poder que tem por alvo principal a
população, por forma maior de saber a economia política, por
instrumento técnico essencial os dispositivos de segurança. Segundo,
por ‘governamentalidade’ entendo a tendência, a linha de força que, em
todo o Ocidente, não cessou de conduzir, e desde muito tempo, à
preeminência desse tipo de poder que podemos chamar de ‘governo’
sobre todos os outros: soberania, disciplina, e que, por uma parte,
levou ao desenvolvimento de toda uma série de aparelhos específi cos
de governo [e, de outra parte], ao desenvolvimento de toda uma série
de saberes (Foucault, 2004, p. 111-112).

O termo governamentalidade possui, portanto, um sentido eminentemente político.


(Foucault, 2004, p. 374). Foucault quer mostrar que no Ocidente não foi a sociedade
que paulatinamente passou a ser estatizada; pelo contrário, o Estado é que cada vez
mais tornou-se governamentalizado. Se, na analítica microfísica do poder, Foucault
era acusado de prescindir do Estado, agora ele o problematiza como uma das
possibilidades das múltiplas técnicas de governo. A partir desta concepção, Foucault,
percebeportanto, que as relações de poder consistem num campo de ações de
múltiplas possibilidades, porém de uma mesma natureza: desde agir sobre uma
população, agir sobre as ações de outrem (governo dos outros) até agir sobre a
própria conduta (governo de si mesmo). A macropolítica torna-se indissociável da
micropolítica (Benedetto, 1998).
De fato, em geral, as formas de poder destacadas por Foucault possuem focos,
meios e pontos de aplicação diferentes. Entretanto, partilham o mesmo núcleo, ao
afastar a noção de poder do eixo tradicional, o conceito de poder se afasta da ideia de
repressão e de lei tornando-se emancipatório, relacionando-se a condição de
liberdade. Foucault percebe o poder enquanto produtividade, enquanto produto do
conhecimento. Afasta-se, portanto das compreensões ideológicas do poder,

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aproximando-se da concepção de saber. O que está na base do poder são os
instrumentos de formação e acúmulo de saber (1995, s.p.).
Ainda, Foucault diferencia-se e se coloca para além da Teoria da Comunicação
proposta por Habermas, ao afirmar que o poder institucionaliza a verdade. Segundo
Foucault (1995, s.p), somos submetidos pelo poder a produção da verdade e só
podemos exercer o poder mediante a produção da verdade. E nesse sentido são os
discursos verdadeiros que julgam, condenam, classificam, obrigam e coagem. A
prática discursiva introduz qualquer coisa no jogo do verdadeiro e do falso
constituindo-se como objeto para o pensamento. E é nesse sentido que, para
Foucault, a verdade e a subjetividade foram indexadas para a produção da obediência
e da verdade. Para Foucault, a verdade, o conhecimento e a ciência nunca estão
separados do poder: “Vivemos em uma sociedade que em grande parte marcha ‘ao
compasso da verdade’ – ou seja, que produz e faz circular discursos que funcionam
como verdade, que passam por tal e que detêm por esse motivo poderes específicos”
(Foucault, 2001)
Foucault (2006, s.p.), evidencia, portanto, que o exercício do poder não se
limita somente às instituições, pois há uma série de poderes periféricos e moleculares
(integrados ou não ao Estado) que são exercidos em diversos níveis e pontos distintos
da esfera social, constituindo uma complexa teia invisível a que nenhum indivíduo
escapa. Os micro-poderes constituem formas específicas, não-jurídicas, atuando no
interior dos homens (o corpo), manipulando seus elementos, produzindo seu
comportamento, domesticando-o, manufaturando o tipo de homem necessário à
sociedade industrial capitalista.
Foucault propõe, portanto, que as relações de poder não podem ser
explicadas somente ao nível do direito (leis) ou da violência, pois nenhuma forma de
dominação conseguiria manter-se por muito tempo exclusivamente baseado na
repressão. Assim, são os micro-poderes que exercem um papel fundamental à medida
que atuam na diminuição das resistências e/ou insurreições contra as ordens do
poder, neutralizando-os. Atuam, portanto, como poderes disciplinares, funcionando
como uma ordem normativa que não pretende, como a lei, apenas reprimir, mas ver as
suas normas aceitas pelos indivíduos, convencendo-os e apresentando-se como uma
alternativa escolhida pelos indivíduos e não impostas a eles. Assim, os poderes
disciplinares atuam no campo da cultura3 e das representações, no sentido de
legitimar o status quo vigente (Batistella, 2011).

3
Batistella apropria-se aqui do conceito de cultura proposto por Geertz. Segundo o
antropólogo, a cultura deve ser compreendida não como complexos padrões concretos de
comportamento (costumes, usos, tradições, hábitos, etc.), como é habitual, mas como um

13
Dessa forma, concordando com Batistella (2011, s.p.), parece adequado
estabelecer uma analogia entre os micro-poderes de Foucault e o “poder simbólico”,
definido por Pierre Bourdieu (2010, s.p.) como “o poder invisível o qual só pode ser
exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos
ou mesmo que o exercem”. Ainda segundo o autor,
“O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação,
de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do
mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo; poder
quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido
pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de
mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado
como arbitrário.” (Bourdieu, 2010).

Portanto, como bem destaca Batistella (2011, s.p.), tanto o micro-poder quanto
o poder simbólico, seguindo uma tradição teórica francófona que emerge com
Durkheim e Marcel Mauss (Pesavento, 2006), são poderes que atuam na construção
da realidade, fabricando verdades, cultivando o conformismo e legitimando as
dominações vigentes. Dessa maneira, são poderes que atuam no campo das
representações sociais, particularmente nos sistemas simbólicos4.
Entretanto, para Bourdieu, e nesse ponto este artigo diverge das proposições
de Batistella (2011), as relações de poder vão para além de performances e discursos.
Segundo Bourdieu (1997, s.p.) o discurso não só não provoca a ação como não a
explica, e nem sequer explica a si próprio. É no campo das divergências de interesses
ou hábitos mentais entre indivíduos que o mesmo busca o princípio explicativo daquilo
que acontece no "campo das possibilidades" estratégicas. Bourdieu recusa-se a ver
estratégia como um produto de um inconsciente, sem fazer dela o produto de um
cálculo consciente e racional.
Bourdieu acaba, portanto, defendendo uma abordagem que transcende a
dicotomia entre o interno e o externo, entre o saber e o poder. Abarca o agente tanto
quanto a estrutura, o discurso e a ação, respeitando não só suas lógicas diferentes
como também antagonistas.

conjunto de mecanismos de controle (regras, planos, instruções...) para governar o


comportamento , uma vez que o homem é precisamente o animal mais desesperadamente
dependente de tais mecanismos de controle para ordenar o seu comportamento. In: GEERTZ,
op. ct., p. 56.
4
Conforme Pierre Bourdieu (2010, s.p.) os símbolos são os instrumentos de conhecimento e
de comunicação, tornando possível o consensus acerca do sentido do mundo social que
contribui fundamentalmente para a reprodução da ordem social: a integração “lógica” é a
condição da integração “moral”.

14
O seu conceito de poder tem por base a construção do conceito de campo e
habitus, que se constituem respectivamente de uma estrutura social e de esquemas
de percepção, pensamento e ação (Bourdieu, 2004). Logo, de acordo com Bourdieu, o
poder acaba operando no campo por intermédio de uma violência simbólica,
culminando num processo de reprodução social entre dominantes e dominados, que
vai além do processo de dominação pelas vias das instituições estatais.
A teoria sociológica de Pierre Bourdieu contribuiu, ainda, para a superação de
um dilema clássico do pensamento sociológico, a oposição entre subjetivismo e
objetivismo. Bourdieu (2004, s.p.) critica a vertente subjetivista por contribuir para uma
concepção ilusória do mundo social que atribuiria aos sujeitos excessiva autonomia e
consciência na condução de suas ações e interações. Em contraposição ao
subjetivismo, o mesmo (Bourdieu, 2004) afirma o caráter socialmente condicionado
das atitudes e comportamentos individuais, em sua concepção, os indivíduos são
atores socialmente configurados em seus mínimos detalhes. Ao mesmo tempo,
portanto, em que afasta-se do subjetivismo, ele critica as abordagens estruturalistas,
definidas por ele como objetivistas, por descreverem a experiência subjetiva,
subordinadas às experiências objetivas (naturezas linguísticas e socioeconômicas).
Faltaria, então, nessas abordagens, uma teoria da ação capaz de explicar os
processos de mediação envolvidos na passagem da estrutura social para a ação
individual.
Partindo de uma concepção lógica dialética, Bourdieu (2004, s.p.) entende a
estrutura social como uma “estrutura estruturante”. Afirma que, a partir de sua
formação inicial em um ambiente social e familiar que corresponde a uma posição
específica na estrutura social, os indivíduos internalizam um conjunto de disposições
para a ação típica dessa posição (habitus) e que passaria a conduzi-los ao longo do
tempo e nos diversos ambientes de ação. O habitus, de acordo com Bourdieu,
“é o princípio gerador de respostas mais ou menos adaptadas ás
exigências de um campo, é produto de toda história individual,
assim como das experiências formadoras da primeira infância,
de toda história coletiva da família e da classe.” (2004, p.131)

Assim, ainda de acordo com Bourdieu,


“os habitus individuais são produto da interseção de séries
causais parcialmente independentes. Percebe-se que o sujeito
não é o ego instantâneo de uma espécie de cogito singular, mas
o traço individual de toda a história coletiva.” (2004, p.131-132)

15
Bourdieu rompe, portanto, com a dicotomia “Discurso – Violência” ao
conceituar “Violência Simbólica”. Rompe também com a noção de racionalidade
compreendida por Habermas, forte herança da tradição do pensamento político.
Todavia, não parte para a relação dicotômica entre racionalidade e irracionalidade –
muitas vezes presente nas produções do campo da Ciência Política, e sim para o
conceito de reprodução social, considerando os indivíduos como agentes que situam e
se movimentam em um campo a partir de suas disposições de capitais (Bourdieu,
2004). Sendo que, a noção de capital de Bourdieu é distinta da de Marx, não se
limitando ao aspecto econômico, mas sim compreendendo diversas formas de capitais
como: capital cultural; capital social; capital econômico; capital escolar; capital
simbólico, dentre os mais variados, entre os mais variados campos (Bourdieu, 2010).
A partir da noção de campo é que é possível distinguir a noção de Bourdieu de
capital. Campo um espaço de luta pela posse sobre um determinado capital e sobre o
poder de impor os princípios de divisão. Cada agente participa de vários campos:
campo escolar, jurídico, econômico, político, artístico e possui certa quantidade de
capital relativo a cada um deles: capital cultural (compreendendo o de informação, o
escolar), capital simbólico jurídico, capital econômico, capital político (compreendendo
o capital de popularidade, heróico e delegado), o capital artístico: de acordo com a
qual ocupa uma posição dentro da hierarquia de cada campo, o conjunto destas
posições determina a posição a ser ocupada no espaço social. (Bourdieu, 2010)
Ainda, partindo de uma teoria mais geral do conceito de Poder simbólico
definido por Pierre Bourdieu, é possível se compreender o conceito de Estado de uma
perspectiva mais abrangente. É o Estado que cria e impõe os meios de di-visão, pelos
quais se observa e se entende todas as coisas e o próprio Estado (1997, s.p.). Desse
modo, ele pensa até por quem procura pensá-Io, a grande maioria dos estudos sobre
ele, participaram e influenciaram na sua construção e consolidação, isto é, estão
intimamente conectado à sua existência, e são na verdade diretrizes políticas dos
dominantes que pretendem impor sua concepção de Estado.
Bourdieu afirma que o “Estado é um x (a ser determinado) que reivindica com
sucesso o monopólio do uso legítimo da violência física e simbólica em um território
determinado esobre o conjunto da população correspondente" (1997, s.p.). A violência
simbólica é exercida pelo Estado, portanto, porque este está institucionalizado objetiva
(nas estruturas sociais) e subjetivamente (nas estruturas mentais), deste modo seu
processo histórico de institucionalização é esquecido e ele assume aparência natural.
Reconstruir a sua gênese, então é o melhor meio de romper com a ordem
estabelecida (Bourdieu, 1997).

16
O Estado resulta, assim. da concentração de diversos tipos de capital:
econômico, cultural (de informação), simbólico, de instrumentos de coerção (de força
física). Assim, o Estado transforma-se em "detentor de uma espécie de metacapital,
com poder sobre os outros tipos de capital e sobre seus detentores". O metacapital ou
capital estatal, fruto do processo de concentração, confere ao Estado poder sobre os
campos, os capitais e as taxas de câmbio entre eles. Logo, com o Estado constrói-se o
Campo do Poder: "espaço de jogo no interior do qual os detentores de capital (de
diferentes tipos) lutam particularmente pelo poder sobre o Estado".
Junto com a concentração do capital econômico, promove-se a concentração
do capital de informação: recenseamento, contabilidade do fisco, cartografia, arquivos,
unificação dos códigos jurídicos linguísticos, métrico, além da uniformização das
estruturas burocráticas, escolares, do direito e dos rituais sociais. O Estado concentra
a informação, a analisa e a redistribui, e como a cultura é unificadora, ele cria e impõe
os princípios de di-visão comuns a todo o território, isso levará ao surgimento da
identidade da nação. Tal unificação cultural e lingüística somada à concentração das
forças armadas e dos impostos (necessária para a concentração do capital simbólico
de reconhecimento - legitimidade), levam à obrigatoriedade da cultura dominante
(legítima) e ao desprezo pelas demais culturas e línguas, além de originarem o
nacionalismo, solidificarem a unificação do território e desenvolverem uma instância de
soberania estatal (Bourdieu, 1997).
Em suma, segundo Bourdieu, a sociedade é um espaço, no qual estão
distribuídos os agentes de acordo com as suas posições nos vários campos, quer
dizer, de acordo com o volume do seu capital global e da composição deste capital.
Neste espaço podemos identificar regiões que são classes teóricas (prováveis), a cada
uma destas regiões corresponde um habitus (idiossincrasias) criado por ela e seu
identificador. Estes agentes, portadores de diferentes quantidades e qualidades de
capital, lutam para imporem seus princípios de di-visão, ou seja, lutam (dentro do
campo do poder) para possuírem o capital estatal que é o metacapital, e deste modo
possuírem poder sobre os demais capitais e sobre as taxas de troca entre eles
(Benedetto, 1996).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de que Hannah Arendt e Habermas tenham introduzido um novo modo


de se pensar as relações de poder, e consequentemente as relações políticas, suas
teorias não abarcam certas variáveis, que tanto Foucault quanto Bourdieu resgatam.
Tanto Hannah Arendt quanto Habermas desconsideram vários aspectos da realidade
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social que acabam por definir as relações de poder, enquanto, também, relações
sociais. Desconsideram tanto o fator da construção histórica da verdade, levantado por
Foucault, que leva a inúmeros outros modos de se pensar a relação de poder, como
destacado acima; quanto o aspecto da reprodução social e da violência simbólica
destacada por Bourdieu, que também destaca uma nova perspectiva de se entender
as relações de poder, e consequentemente, a uma nova forma de se compreender o
conceito de Estado. Acima de tudo desconsideram que as relações de poder
permeiam um espaço mais denso que a própria relação Estado-Sociedade.
Ao contribuírem, portanto, com uma nova perspectiva do conceito de poder,
pode-se aferir, portanto, que Pierre Bourdieu e Michel Foucault, contribuem
consequentemente, e complementarmente, para o entendimento de fenômenos
políticos subjacentes, como as diferentes de resistência e lutas políticas.
Compreendendo a ação humana e seus frutos para além do agir-teleológico e agir-
comunicativo, pode-se compreender como os conflitos são pertencentes há um nível
mais abrangente da realidade social. Ainda, percebendo essa realidade social, e
consequentemente as relações sociais, que outrora podem ser compreendidos como
relações de poder, para além da perspectiva iluminista de racionalidade, permite
compreender esse conflito inerente a sociedade por um nova perspectiva. Portanto, a
noção de simbólico e micro-poderes permite compreender esses conflitos para além
do tradicional viés da violência física, compreendendo-os por uma perspectiva mais
complexa. Cabe, portanto, novos estudos e abordagens com a pretensão de
compreender diferentes de resistência e lutas políticas – e consequentemente a
repressão do Estado diante destes, através de novos parâmetros, podendo perceber
aspectos desses fenômenos que a tradicional teoria política não permite.

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