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INTRODUÇÃO
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Lira Furtado Moreno é graduanda em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Goiás.
e-mail: lirafurt@gmail.com
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acabam por crer se referirem a ideias sinônimas, sem notarem que falam de coisas
diferentes e, assim, comprometem o rigor dos estudos.
Este artigo, portanto, visa apresentar "três contribuições ao conceito de poder
na filosofia política contemporânea", elucidando suas diferenças, para tornar mais
claro o debate concreto e heurístico sobre o conceito de poder, comunicação e
política. As contribuições apresentadas são definições emblemáticas, porque
percorrem o amplo espectro de unidades de análise, relações com a violência e papel
do Estado notado no pensamento ocidental dos nossos dias.
Por fim, este artigo promove uma discussão entre teorias já legítimadas no
meio da Ciência Política, como é o caso da definição weberiana e habermasiana, e
teorias ainda “não tão legítimas”, partindo das contribuições de Foucault e Bourdieu. A
proposta é de que estes autores franceses, partindo das mesmas variáveis, como
comunicação e violência, consideram aspectos que essa “tradição” e essa “contra-
tradição”, habermasiana, desconsideram. Aspectos estes, de cunho social e histórico,
que são fundamentais para entendermos o fenômeno do poder e seus anexos, como a
própria questão da liberdade. E, ainda, consequentemente, para entendermos as
formas de resistência, que permeiam os atuais movimentos sociais e lutas políticas.
A TRADIÇÃO
Segundo Karlfriedrich Herb (2013, P.268), no mundo dos conceitos o poder tem
sempre uma concorrente: a violência. No contexto Alemão, a palavra poder tem sua
origem nas formas verbais Können e Vermögen (poder e ser capaz). Violência
(Gewalt) é derivada do verbo walten (reinar) e significa algo como ter força, dispor
sobre alguma coisa ou reger. Desde então, de acordo com Herb (2013, p. 268), poder
e violência encontram-se numa luta acerca da supremacia conceitual – com algumas
vantagens do lado do poder. Entretanto, algumas vezes eles são usados
indistintamente, e ocupam o mesmo campo semântico. Encontra-se nesse dilema
conceitual uma indecisão, e como sempre, atrás de tal indecisão há um grave
problema filosófico (Herb, 2013).
Quando deliberamos sobre poder, falamos sem inibição de violência (Herb,
2013). Numa tacada, definimos concentração de poder e monopólio legítimo da
violência. A monopolização da força é a condição necessária para que exista o Estado
no sentido moderno da palavra, mesmo que não seja condição suficiente. O Estado é,
portanto, o detentor exclusivo do poder coativo (Weber, 2009).
Além da herança deixada por Hobbes, Max Weber (2000; 2009) elaborou uma
definição de poder que se tornou claramente hegemônica. Sociologicamente, segundo
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Max Weber (2009, s.p.) o Estado não se deixa definir por seus fins, e sim pelos seus
meios. Todo Estado se funda na força, assim como todo agrupamento político. A
violência física é tida como um instrumento normal do poder.
Concebe, portanto, o Estado contemporâneo como uma comunidade humana
que, dentro dos limites de determinado território reivindica o monopólio do uso legítimo
da violência física. E consequentemente, entende por política o conjunto de esforços
feitos com vistas a participar do poder ou a influenciar a divisão do poder, seja entre
Estados, seja no interior de um único Estado. O Estado consiste, então, em uma
relação de dominação do homem sobre o homem, fundada na violência legítima. Ele
só pode existir, entretanto, sob condição de que os homens dominados se submetam
à autoridade continuamente reivindicada pelos dominadores (Weber, 2009).
Para explicar a relação de dominação, Max Weber define três tipos puros de
dominação legítima2:
Max Weber (2000, s.p.) define, então, o poder como a possibilidade de impor a
própria vontade ao comportamento alheio. Parte de um modelo teleológico da ação:
um sujeito individual (ou um grupo, que pode ser considerado como um indivíduo) se
propõe um objetivo e escolhe os meios apropriados para realizá-lo. O sucesso da ação
consiste em provocar no mundo um estado de coisas que corresponda ao objetivo
proposto. Assim, o sucesso depende do comportamento do outro sujeito, e, portanto,
deve o sujeito deter meios que induzam no outro o comportamento desejado. É essa
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O que não esgota as possibilidades de dominação
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capacidade de disposição sobre os meios que permitem influenciar a vontade de
outrem que Max Weber denomina como poder (Habermas, 1993).
Todavia, de acordo com Weber (2000, p.33), o conceito de “poder” é
sociologicamente amorfo. Todas as qualidades imagináveis de uma pessoa e todas as
espécies de constelações possíveis podem pôr alguém em condições de impor sua
vontade, numa dada situação dada. Por isso, o conceito sociológico de dominação
deve ser mais preciso e só pode significar a probabilidade de encontrar obediência a
uma ordem.
A CONTRA-TRADIÇÃO
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consentimento ou pela violência, e sim pela luta em torno de interesses conflitantes. E
nesse sentido é valida a crítica de Habermas de que:
(...) mesmo que a liderança nas modernas democracias tenha que
periodicamente procurar legitimidade, a história está repleta de
evidências que mostram que a direção política deve ter funcionado, e
funciona, de forma diferente da sugerida por Arendt. Certamente, é um
ponto a favor de sua tese o fato de que a direção política só pode durar
na condição de ser reconhecida como legítima. É um ponto contra sua
tese o fato de que as instituições e estruturas básicas que são
estabilizadas por meio da direção política poderiam apenas em casos
raros ser a expressão de uma ‘opinião sobre a qual muitos estavam
publicamente de acordo’ – ao menos se se tem, como Hannah Arendt,
um conceito forte de espaço público. (1986, p.88).
UM FALSO CONSENSO
O que até então era tido como visões opostas, a tradicional teoria política e a
teoria de Arendt, é apresentado por Habermas como a relação de poder e suas
espécies. Ele afirma a relação complementar entre o poder gerado no mundo da vida
e aquele referente ao mundo sistêmico, relação mediada através do direito. Segundo
Habermas, o poder político não pode ser considerado apenas em seus aspectos
comunicativos, assim como também não pode ser pensado apenas como resultante
de uma ação estratégica.
De acordo com Habermas, no caso do político, sua posse é condicionada por
um processo de competição, portanto, sua aquisição é orientada através da ação
estratégica. A ação estratégica se manifesta, nesse sentido, nas lutas pelo poder, na
concorrência por posições vinculadas ao poder legítimo (Habermas, 2012).
Todavia, ainda de acordo com Habermas (2012, s.p), ao priorizar o modelo
teleológico da ação na conceituação do poder, ignora-se a sua natureza. Apesar de o
poder ser um bem disputado por grupos políticos, este poder preexiste, e não é
produzido por tais grupos e lideranças (Habermas, 2012). O poder é concebido
através dos aspectos comunicativos de sua natureza. Assim, para ele, os modelos de
ação não se anulam, pois sem a geração do poder, não há como coloca-lo em prática.
A ação estratégica se encontra em situação parasitária em relação à ação
comunicativa, pois retira desta sua justificação. Ao mesmo tempo em que o poder é
gerado por uma força proveniente da união entre indivíduos que buscam o
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entendimento, a sua manutenção e exercício dependem de uma noção teleológica
capaz de colocar objetivos que solucionem os problemas levantados no momento da
comunicação (Habermas, 2012).
Todavia, antes de conceituar a relação de poder, Habermas propôs uma
mudança de paradigma, a partir do abandono de uma visão egocêntrica do mundo,
abandono do paradigma da consciência, fundamentando-se no conceito de
descentralização de Piaget. Segundo Habermas, e diferentemente de Hannah Arendt,
os atores comunicativos movem-se por meio de uma linguagem natural, valendo-se de
interpretações culturalmente transmitidas e referem-se a algo simultaneamente em um
mundo objetivo, em um mundo social comum e em seu próprio mundo subjetivo
(Habermas, 2012). A racionalidade, assim, não depende diretamente do sujeito, mas
da intersubjetividade, do atrelamento do pensamento a uma lógica de
descentralização em relação ao ego.
O paradigma habermasiano, portanto, é o paradigma da linguagem. Assim,
diferentemente de uma tradição teórica liberal, é a partir de procedimentos
comunicativos que uma ética e interesses nascem e se reinventam permanentemente.
São as trocas comunicacionais estabelecidas com o emprego da linguagem que
permitem a constituição do sujeito e de suas idiossincrasias. (Tavares, 2013).
Desse modo, para Habermas, indivíduo e sociedade não estariam em grau de
conflitos, mas de produtiva complementariedade, sustentada pela livre comunicação.
Essa compreensão está fundamentada em seu conceito de mundo da vida, onde a
sociedade não pode ser compreendida apenas a partir de uma observação externa e
objetiva de sua reprodução e funcionamento. Ela deve ser compreendida
diferentemente dos subsistemas da Economia e do Estado, não se pautando pela
ação estratégica, orientadas por códigos do poder ou do dinheiro. Desse modo, a
autoidentidade social, o repertório de práticas válidas e os vínculos intersubjetivos são
constituídos em meios às redes comunicativas do mundo da vida (Tavares, 2013).
Habermas acredita que, na estrutura da linguagem cotidiana, está embutida
uma exigência da racionalidade, distinta da racionalidade presente nas ações
estratégicas, pois com a primeira frase proferida, o homem já manifestava uma
pretensão de ser compreendido (Aragão, 1992). Sua teoria está embutida de uma
herança iluminista ora acredita no potencial libertador da razão. Compreende o
fenômeno da comunicação como inerente à condição humana. O aspecto central da
teoria de Habermas está nessa confiança na capacidade das pessoas, argumentando
construírem consensos verdadeiros em condições de liberdade. Sugere, mesmo que
não explicitamente uma forma de atuação política expandindo a ação comunicativa, de
forma a restringir a importância das ações estratégicas que se desenvolvem no âmbito
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do sistema (Estado e Economia). Assim, para a teoria habermasiana do Agir
Comunicativo, o conceito de mundo da vida é imprescindível para a formulação de
uma nova teoria da racionalização social (Tavares, 2013).
Todavia, ocorre que o processo de complexificação social concorrente à
racionalização do mundo da vida pode levar a incapacidade do agir comunicativo em
coordenar toda a ação social (Tavares, 2013). É nesse momento, portanto, que
Habermas passa a se reportar a dimensão sistêmica da sociedade moderna:
A racionalização do mundo da vida pode ser interpretada como
liberação sucessiva do potencial de racionalidade contido no agir
comunicativo. Nesse contexto, à proporção que o agir orientado pelo
entendimento adquire uma autonomia maior em relação aos contextos
normativos, o mecanismo do entendimento linguístico, cada vez mais
solicitado e, finalmente, sobrecarregado, é substituído por meios de
comunicação que não necessitam mais da linguagem (HABERMAS,
2012b, p. 280).
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fracassos, a partir de refutação de hipóteses e do insucesso de algumas intervenções.
Pressupõe, portanto, como uma forte herança de Piaget, uma racionalidade vinculada
a aprendizagem (Tavares, 2013). E, é a partir desta racionalidade, que desenvolvemos
conhecimentos teóricos e discernimentos morais, renovamos e ampliamos a
linguagem avaliativa e suplantamos autoenganos e dificuldades de entendimento
(Habermas, 2012). Assim, a “pessoal racional é aquela que se revela susceptível a
argumentos e, assim, aprende” (Tavares, 2013).
Todavia, como podem os indivíduos, na esfera pública, estarem dispostos em
condição de igualdade, e, por conseguinte, livres de coerção? Como é possível
desprezar no mundo da vida os conflitos e desigualdades econômicas, de gênero,
étnicas, entre outras mais? Será essa distinção entre agir-teleológico e agir-
comunicativo, suficiente para explicar uma dada realidade social, permeada por
desigualdades e conflitos? O poder político e a produção econômica podem, então,
operar por princípios diferentes daqueles correspondentes a cultura, a personalidade e
a sociedade?
Por este ângulo, a teoria de Habermas, desconsidera diversas variáveis, que
poderiam tornar questionáveis suas afirmativas. E, o centro dessa falha na teoria
habermasiana emerge, portanto, da não consideração das desigualdades sociais e
relações de conflito que podem ser percebidas no que Habermas denomina “Mundo
da Vida”. Desconsidera, portanto, as relações de poder que podem e emergem nesse
espaço, pois as variáveis “cultura, personalidade e sociedade”, também compõem as
relações de poder, podendo ser percebidas de maneiras distintas das impostas por
Habermas.
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segundo Foucault, a prática de biopoderes locais. No biopoder, a população é tanto
alvo como instrumento em uma relação de poder.
Foucault, busca, portanto, diante dessas novas percepções sobre o conceito de
poder, compreender a sobrevivência e os limites do Estado. Para tanto, busca
explicar esse processo pelo termo por ele denominado como Governamentalidade,
que possui um sentido eminentemente político. (Foucault, 2004, p. 374). Foucault quer
mostrar que no Ocidente não foi a sociedade que paulatinamente passou a ser
estatizada, pelo contrário, o Estado é que cada vez mais tornou-se
governamentalizado.
Por governamentalidade, Foucault entende como o:
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aproximando-se da concepção de saber. O que está na base do poder são os
instrumentos de formação e acúmulo de saber (1995, s.p.).
Ainda, Foucault diferencia-se e se coloca para além da Teoria da Comunicação
proposta por Habermas, ao afirmar que o poder institucionaliza a verdade. Segundo
Foucault (1995, s.p), somos submetidos pelo poder a produção da verdade e só
podemos exercer o poder mediante a produção da verdade. E nesse sentido são os
discursos verdadeiros que julgam, condenam, classificam, obrigam e coagem. A
prática discursiva introduz qualquer coisa no jogo do verdadeiro e do falso
constituindo-se como objeto para o pensamento. E é nesse sentido que, para
Foucault, a verdade e a subjetividade foram indexadas para a produção da obediência
e da verdade. Para Foucault, a verdade, o conhecimento e a ciência nunca estão
separados do poder: “Vivemos em uma sociedade que em grande parte marcha ‘ao
compasso da verdade’ – ou seja, que produz e faz circular discursos que funcionam
como verdade, que passam por tal e que detêm por esse motivo poderes específicos”
(Foucault, 2001)
Foucault (2006, s.p.), evidencia, portanto, que o exercício do poder não se
limita somente às instituições, pois há uma série de poderes periféricos e moleculares
(integrados ou não ao Estado) que são exercidos em diversos níveis e pontos distintos
da esfera social, constituindo uma complexa teia invisível a que nenhum indivíduo
escapa. Os micro-poderes constituem formas específicas, não-jurídicas, atuando no
interior dos homens (o corpo), manipulando seus elementos, produzindo seu
comportamento, domesticando-o, manufaturando o tipo de homem necessário à
sociedade industrial capitalista.
Foucault propõe, portanto, que as relações de poder não podem ser
explicadas somente ao nível do direito (leis) ou da violência, pois nenhuma forma de
dominação conseguiria manter-se por muito tempo exclusivamente baseado na
repressão. Assim, são os micro-poderes que exercem um papel fundamental à medida
que atuam na diminuição das resistências e/ou insurreições contra as ordens do
poder, neutralizando-os. Atuam, portanto, como poderes disciplinares, funcionando
como uma ordem normativa que não pretende, como a lei, apenas reprimir, mas ver as
suas normas aceitas pelos indivíduos, convencendo-os e apresentando-se como uma
alternativa escolhida pelos indivíduos e não impostas a eles. Assim, os poderes
disciplinares atuam no campo da cultura3 e das representações, no sentido de
legitimar o status quo vigente (Batistella, 2011).
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Batistella apropria-se aqui do conceito de cultura proposto por Geertz. Segundo o
antropólogo, a cultura deve ser compreendida não como complexos padrões concretos de
comportamento (costumes, usos, tradições, hábitos, etc.), como é habitual, mas como um
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Dessa forma, concordando com Batistella (2011, s.p.), parece adequado
estabelecer uma analogia entre os micro-poderes de Foucault e o “poder simbólico”,
definido por Pierre Bourdieu (2010, s.p.) como “o poder invisível o qual só pode ser
exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos
ou mesmo que o exercem”. Ainda segundo o autor,
“O poder simbólico como poder de constituir o dado pela enunciação,
de fazer ver e fazer crer, de confirmar ou de transformar a visão do
mundo e, deste modo, a ação sobre o mundo, portanto o mundo; poder
quase mágico que permite obter o equivalente daquilo que é obtido
pela força (física ou econômica), graças ao efeito específico de
mobilização, só se exerce se for reconhecido, quer dizer, ignorado
como arbitrário.” (Bourdieu, 2010).
Portanto, como bem destaca Batistella (2011, s.p.), tanto o micro-poder quanto
o poder simbólico, seguindo uma tradição teórica francófona que emerge com
Durkheim e Marcel Mauss (Pesavento, 2006), são poderes que atuam na construção
da realidade, fabricando verdades, cultivando o conformismo e legitimando as
dominações vigentes. Dessa maneira, são poderes que atuam no campo das
representações sociais, particularmente nos sistemas simbólicos4.
Entretanto, para Bourdieu, e nesse ponto este artigo diverge das proposições
de Batistella (2011), as relações de poder vão para além de performances e discursos.
Segundo Bourdieu (1997, s.p.) o discurso não só não provoca a ação como não a
explica, e nem sequer explica a si próprio. É no campo das divergências de interesses
ou hábitos mentais entre indivíduos que o mesmo busca o princípio explicativo daquilo
que acontece no "campo das possibilidades" estratégicas. Bourdieu recusa-se a ver
estratégia como um produto de um inconsciente, sem fazer dela o produto de um
cálculo consciente e racional.
Bourdieu acaba, portanto, defendendo uma abordagem que transcende a
dicotomia entre o interno e o externo, entre o saber e o poder. Abarca o agente tanto
quanto a estrutura, o discurso e a ação, respeitando não só suas lógicas diferentes
como também antagonistas.
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O seu conceito de poder tem por base a construção do conceito de campo e
habitus, que se constituem respectivamente de uma estrutura social e de esquemas
de percepção, pensamento e ação (Bourdieu, 2004). Logo, de acordo com Bourdieu, o
poder acaba operando no campo por intermédio de uma violência simbólica,
culminando num processo de reprodução social entre dominantes e dominados, que
vai além do processo de dominação pelas vias das instituições estatais.
A teoria sociológica de Pierre Bourdieu contribuiu, ainda, para a superação de
um dilema clássico do pensamento sociológico, a oposição entre subjetivismo e
objetivismo. Bourdieu (2004, s.p.) critica a vertente subjetivista por contribuir para uma
concepção ilusória do mundo social que atribuiria aos sujeitos excessiva autonomia e
consciência na condução de suas ações e interações. Em contraposição ao
subjetivismo, o mesmo (Bourdieu, 2004) afirma o caráter socialmente condicionado
das atitudes e comportamentos individuais, em sua concepção, os indivíduos são
atores socialmente configurados em seus mínimos detalhes. Ao mesmo tempo,
portanto, em que afasta-se do subjetivismo, ele critica as abordagens estruturalistas,
definidas por ele como objetivistas, por descreverem a experiência subjetiva,
subordinadas às experiências objetivas (naturezas linguísticas e socioeconômicas).
Faltaria, então, nessas abordagens, uma teoria da ação capaz de explicar os
processos de mediação envolvidos na passagem da estrutura social para a ação
individual.
Partindo de uma concepção lógica dialética, Bourdieu (2004, s.p.) entende a
estrutura social como uma “estrutura estruturante”. Afirma que, a partir de sua
formação inicial em um ambiente social e familiar que corresponde a uma posição
específica na estrutura social, os indivíduos internalizam um conjunto de disposições
para a ação típica dessa posição (habitus) e que passaria a conduzi-los ao longo do
tempo e nos diversos ambientes de ação. O habitus, de acordo com Bourdieu,
“é o princípio gerador de respostas mais ou menos adaptadas ás
exigências de um campo, é produto de toda história individual,
assim como das experiências formadoras da primeira infância,
de toda história coletiva da família e da classe.” (2004, p.131)
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Bourdieu rompe, portanto, com a dicotomia “Discurso – Violência” ao
conceituar “Violência Simbólica”. Rompe também com a noção de racionalidade
compreendida por Habermas, forte herança da tradição do pensamento político.
Todavia, não parte para a relação dicotômica entre racionalidade e irracionalidade –
muitas vezes presente nas produções do campo da Ciência Política, e sim para o
conceito de reprodução social, considerando os indivíduos como agentes que situam e
se movimentam em um campo a partir de suas disposições de capitais (Bourdieu,
2004). Sendo que, a noção de capital de Bourdieu é distinta da de Marx, não se
limitando ao aspecto econômico, mas sim compreendendo diversas formas de capitais
como: capital cultural; capital social; capital econômico; capital escolar; capital
simbólico, dentre os mais variados, entre os mais variados campos (Bourdieu, 2010).
A partir da noção de campo é que é possível distinguir a noção de Bourdieu de
capital. Campo um espaço de luta pela posse sobre um determinado capital e sobre o
poder de impor os princípios de divisão. Cada agente participa de vários campos:
campo escolar, jurídico, econômico, político, artístico e possui certa quantidade de
capital relativo a cada um deles: capital cultural (compreendendo o de informação, o
escolar), capital simbólico jurídico, capital econômico, capital político (compreendendo
o capital de popularidade, heróico e delegado), o capital artístico: de acordo com a
qual ocupa uma posição dentro da hierarquia de cada campo, o conjunto destas
posições determina a posição a ser ocupada no espaço social. (Bourdieu, 2010)
Ainda, partindo de uma teoria mais geral do conceito de Poder simbólico
definido por Pierre Bourdieu, é possível se compreender o conceito de Estado de uma
perspectiva mais abrangente. É o Estado que cria e impõe os meios de di-visão, pelos
quais se observa e se entende todas as coisas e o próprio Estado (1997, s.p.). Desse
modo, ele pensa até por quem procura pensá-Io, a grande maioria dos estudos sobre
ele, participaram e influenciaram na sua construção e consolidação, isto é, estão
intimamente conectado à sua existência, e são na verdade diretrizes políticas dos
dominantes que pretendem impor sua concepção de Estado.
Bourdieu afirma que o “Estado é um x (a ser determinado) que reivindica com
sucesso o monopólio do uso legítimo da violência física e simbólica em um território
determinado esobre o conjunto da população correspondente" (1997, s.p.). A violência
simbólica é exercida pelo Estado, portanto, porque este está institucionalizado objetiva
(nas estruturas sociais) e subjetivamente (nas estruturas mentais), deste modo seu
processo histórico de institucionalização é esquecido e ele assume aparência natural.
Reconstruir a sua gênese, então é o melhor meio de romper com a ordem
estabelecida (Bourdieu, 1997).
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O Estado resulta, assim. da concentração de diversos tipos de capital:
econômico, cultural (de informação), simbólico, de instrumentos de coerção (de força
física). Assim, o Estado transforma-se em "detentor de uma espécie de metacapital,
com poder sobre os outros tipos de capital e sobre seus detentores". O metacapital ou
capital estatal, fruto do processo de concentração, confere ao Estado poder sobre os
campos, os capitais e as taxas de câmbio entre eles. Logo, com o Estado constrói-se o
Campo do Poder: "espaço de jogo no interior do qual os detentores de capital (de
diferentes tipos) lutam particularmente pelo poder sobre o Estado".
Junto com a concentração do capital econômico, promove-se a concentração
do capital de informação: recenseamento, contabilidade do fisco, cartografia, arquivos,
unificação dos códigos jurídicos linguísticos, métrico, além da uniformização das
estruturas burocráticas, escolares, do direito e dos rituais sociais. O Estado concentra
a informação, a analisa e a redistribui, e como a cultura é unificadora, ele cria e impõe
os princípios de di-visão comuns a todo o território, isso levará ao surgimento da
identidade da nação. Tal unificação cultural e lingüística somada à concentração das
forças armadas e dos impostos (necessária para a concentração do capital simbólico
de reconhecimento - legitimidade), levam à obrigatoriedade da cultura dominante
(legítima) e ao desprezo pelas demais culturas e línguas, além de originarem o
nacionalismo, solidificarem a unificação do território e desenvolverem uma instância de
soberania estatal (Bourdieu, 1997).
Em suma, segundo Bourdieu, a sociedade é um espaço, no qual estão
distribuídos os agentes de acordo com as suas posições nos vários campos, quer
dizer, de acordo com o volume do seu capital global e da composição deste capital.
Neste espaço podemos identificar regiões que são classes teóricas (prováveis), a cada
uma destas regiões corresponde um habitus (idiossincrasias) criado por ela e seu
identificador. Estes agentes, portadores de diferentes quantidades e qualidades de
capital, lutam para imporem seus princípios de di-visão, ou seja, lutam (dentro do
campo do poder) para possuírem o capital estatal que é o metacapital, e deste modo
possuírem poder sobre os demais capitais e sobre as taxas de troca entre eles
(Benedetto, 1996).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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