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PERSONAGENS:
Maria Timofevna – Velha senhora, mãe de Vânia e sogra de Serebriakov. Vive na casa.
Astrov – Médico.
SOBE O PANO
(Tempo sombrio. Uma mesa. Sônia apontando seu revolver para Serebriakov).
SEREBRIAKOV. Não Sonia, não… Começa a peça. Você vê um quarto com paredes sujas,
desbotadas, vemos esses grandes talentos, esses novos sacerdotes da arte, representando a gente
comendo, falando… Sempre os mesmos, repetem os atores, não usam figurino, sempre os mesmos
cenários... E acreditam que estão fazendo um serviço à humanidade.
SÔNIA (Sônia aponta novamente para seu pai. Pausa. Baixa o revólver. Faz um sinal para a testa).
Vou te meter uma bala bem aqui entre os olhos.
SEREBRIAKOV. Mas você realmente quer estourar minha cabeça com um tiro só porque não
penso como você? Você sabe que eu não suporto esse teatro. Na minha opinião, no teatro
contemporâneo tudo é rotina travestido de novidade. Em que mundo maravilhoso e
incompreensível vivem os jovens, não sei... Eu, quando vejo todos vocês esforçando-se para
mostrar essa moral frouxa, sem sentido, fácil de compreender e útil unicamente para seus próprios
usos domésticos...
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SEREBRIAKOV. Claro que tem que existir querida.
SEREBRIAKOV. Mas, exatamente, essas novas formas que você defende, já são velhas... Quando
me apresentam, em mil formas, sempre o mesmo, o mesmo, o mesmo... Não se deve representar a
vida como ela é… nem como vai ser… mas sim como a vemos em nossos sonhos. A verdade está
nos sonhos. E acabou esse papo. Me dá esse revolver. (Pausa) Querida, eu dediquei toda a minha
vida ao estudo deste mundo e ainda não sei nada. Você é muito jovem e está deslumbrada.
SEREBRIAKOV. Então, se não se encontra, aí sim é preferível a morte. Que sentido tem então ir ao
teatro, comprar a entrada, sentar-se e esperar que tudo comece...? Você não se dá conta que muitas
vezes é o egoísmo do ator que fala? Pode haver situação mais desesperada?... Por isso, quando
tenho que receber a visita de toda esta classe de novas celebridades... Atores, diretores, jornalistas,
pesquisadores... me fazem ver, discretamente, que eu sou o único que não vale nada...
SÔNIA. Você fala de egoísmo pra mim? Aqui, nesta casa, neste cenário em que se transformou a
nossa casa desde que você chegou com a sua Helena... Eu já não sei que fazer com as mãos. Nem
ficar parada eu posso papai. O que há de novo que tenho que aprender? A meu ver não é o egoísmo
que me move. Não é isso.
SÔNIA. E dizem que o principal é saber sofrer. Leva a sua cruz e tenha fé... Eu a levo, mas meu
sofrimento não diminui...
SÔNIA: Aonde você vai? Voce não me entende. Eu o levo cravado em meu cérebro. Ele é o cravo
que me suga o sangue como uma serpente...
SEREBRIAKOV. Eu também não posso mais viver sem ela... Anota aí: No teatro nunca deveria
faltar o amor. Só o amor é profundo, é maravilhoso, é eterno.
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SEREBRIAKOV. Você está tão pálida. Me dá esse revólver, melhor o guardamos para o final (ela o
abraça).
SEREBRIAKOV. Que paisagens maravilhosas vemos por aqui, Sônia. É tudo tão lindo.
SEREBRIAKOF. E a casa....
MARIA. A casa....
TELEGUIN. Sim, tudo é realmente maravilhoso. Eu sou amiga de todos aqui, excelência. Venho de
uma família com uma pequena fortuna, depois, bem, por causas alheias a mim, tive que entregar a
uma pessoa que agora não queria mencionar…
SONIA. (ao seu pai) Também podemos ir ao bosque, papai. O que você acha? Quando o sol baixar
um pouco.
TELEGUIN. Não, senhorita, agora não. Agora vamos tomar o chá, por favor. Olhem que horas já
são.
SEREBRIAKOV. Isso. Depois, agora vamos tomar o chá. Meus amigos, sejam bonzinhos e levem o
chá até o escritório para este pobre velho, pode ser? Só quero descansar um pouquinho.
TELEGUIN. Mas o que eu sempre fiz excelência, foi inclinar-me com veneração diante dos
elevados estudos da arte dramática...
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VÂNIA. (Pela janela) Teleguin. Espera um pouco e cala a boca. De maneira alguma. O chá, nesta
casa, serve-se à mesa.
SEREBRIAKOV. Bom, então, como não estou com vontade de discutir e tenho muito que fazer...
Vou abrir mão do chá.
SEREBRIAKOV. Vou ver. Agora não sei. Algo me incomoda por aqui (Toca seus joelhos).
TELEGUIN. Perdoe-me a liberdade. Adoraria lhe fazer uma visita para que me conte sobre as
últimas técnicas.
SEREBRIAKOV. Será um prazer, Teleguin. Mas na verdade tudo é muito simples, podíamos
resumir a isto: quem não sabe atuar deve aplaudir. Mesmo porque, neste lugar, quem sabe atuar
corretamente? Com licença.
TELEGUIN. (A Vânia) O que houve? Por que lhe disse isto? Você dormiu mal?
VÂNIA. Não, durmo até demais. Antigamente Sônia e eu trabalhávamos o dia todo, não tinhamos
um minuto livre. Agora enquanto ela trabalha, eu durmo.
TELEGUIN. Não, isto não está nada bem. Bom, também com o professor e sua mulher levantando-
se ao meio-dia... E, à noite, de repente, se ouve um barulho... Que posso oferecer ao senhor? O chá?
VÂNIA. (a Teleguin) Cále-se . (A Astrov) Quanto tempo faz que nos conheçemos?
VÂNIA. Você chegou a esta região quando a mãe de Sonia ainda era viva. Faz uns onze anos...
Como você mudou desde aquela época.
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ASTROV. Não, não é por isso. Sempre acho que vão me chamar para ver um doente. Não tenho um
dia livre. Assim quem não envelhece?
ASTROV. Alguém, daqui há cem anos, guardará uma boa lembrança de um médico como eu?
ASTROV. Sabe Alexander, tive um paciente com um quadro muito parecido ao seu. Morreu na
mesa de operação. Quão insensível me tornei.
ASTROV. Não desejo nada. Não preciso de ninguém e não amo ninguém.
TELEGUIN. Como...como...
TELEGUIN. Meu Deus que desordem nesta casa... (A Maria) O professor tem razão. Como é bem
administrada a sua fazenda. E o jardim. Em todo lugar se vê o poder de sua mão mágica...
(Aceitando uma xícara de chá.) À sua saúde...
MARIA. Tudo muito bonito Teleguin, mas ontem em vez de pôr os perus no galpão, deixou-os
passar a noite no curral, sob o orvalho. Isso não pode acontecer. O peru é uma ave muito delicada.
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VÂNIA. (A Astrov) Venha.
TELEGUIN. Que mal. Não voltará a acontecer. Me esqueci. Mas hoje os pássaros cantam e a paz
reina entre nós. O que mais se pode pedir, não é?
MARIA. A emancipação feminina. Além disso, esta manhã Petruschka fugiu com seus filhotes, e
ainda não voltou.
VÂNIA. (Aparecendo em uma porta entreaberta) Que mulher mais bonita, não? Em toda minha
vida não vi uma mulher mais linda. Que olhos.
VANIA. Maravilhosa.
ASTROV – Conte-me algo senão sua mãe não vai parar de falar!!!
VÂNIA. Que quer que te conte. Não escutou minha mãe falar sobre a emancipação feminina,?
VÂNIA. Enquanto que com um olho observa o túmulo, com o outro, busca a aurora de uma nova
vida, mas, por favor...
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ASTROV. Fale-me do professor...
VÂNIA. Como você gosta de me ouvir falar dele? O que se pode esperar de um velho, enfermo de
gota, de reumatismo, com o fígado inflamado pelo rancor? Ciumento, se sente um Otelo. Vive na
fazenda de sua primeira mulher porque não pode viver na cidade, é muito mesquinho…
MARIA. Que falta de respeito, Jean. Como você pode falar assim? Justamente você.
VÂNIA. É assim mesmo mamãe. Lamenta-se de seus infortúnios, quando deveria sentir-se feliz
pela sorte que teve.
VÂNIA. Que me importa. (A Teleguin) Você pode fumar isso lá fora. E seu sucesso com as
mulheres?
MARIA. Qualquer um diria que está um pouco enciumado. É porque você está só como um
ermitão.
VÂNIA. Quanto a isso claro que tenho inveja, mamãe. Sua primeira mulher, minha irmã, criatura
maravilhosa, limpa como este céu azul, nobre e generosa, tinha mais admiradores que ele alunos ...
O amava como só os anjos puros são capazes de amar.
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VÂNIA. Minha mãe, sua sogra, aquela que lhe tem até hoje um sagrado terror, continua lhe
adorando. Ou será que vai negar?
MARIA. E por que não? Deixa de prestar atenção aos outros e olha no que você se transformou.
VÂNIA. Sua segunda mulher, belíssima e inteligente, que se casou com ele quando já era velho, lhe
entrega sua juventude, sua liberdade... Expliquem-me por quê? Para quê?
VÂNIA. Infelizmente, sim. Mas esta fidelidade é falsa desde o princípio até o fim. Carece de
lógica. Porque enganar a um velho marido a quem não se pode suportar seria imoral. Agora,
esforçar-se para sufocar dentro de si a juventude e o sentimento vivo, isto não é imoral?
TELEGUIN. Aquele que engana a seu marido ou a sua mulher é um ser infiel. É também capaz de
trair a pátria.
TELEGUIN. Permitam-me, meu marido, sem dúvida por culpa de meu exterior pouco atraente,
bom dia, fugiu no dia seguinte do nosso casamento, com a mulher a quem ele realmente amava…
ASTROV. (A Helena Andreevna) Você me chamou dizendo que seu marido tinha reumatismo.
Venho e não quer me receber…
HELENA ANDREEVNA. Sim, me desculpe fazê-lo vir até aqui. Ontem ele se queixava de dor nas
pernas. Mas hoje parece que não sente mais nada.
SÔNIA. Como recompensa, poderia ficar até amanhã. É tão raro que fique para dormir. Com
certeza ainda não jantou, jantou?
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ASTROV. Não.
TELEGUIN. Posso continuar? Depois disso, eu segui cumprindo com meu dever. Por exemplo,
entreguei-lhe todos os meus bens, para que eduque as crianças que teve com a mulher que quis.
Resultado: não fui feliz, mas mantive o orgulho. Para ele o que ficou? Com nada (junto com Maria).
Sua juventude passou. A mulher a quem amava morreu. Não lhe sobrou nada.
SÔNIA. Você é uma mulher muito boa, mas quando fala se estende demais.
(Helena bebe)
TELEGUIN. Desculpe, mas não sou Ivan Ivanich. Sou Teleguin, com certeza me confunde com
algum personagem masculino; será por causa do charuto ou das calças. Mas sou uma mulher e sou
madrinha de Sônia. Seu esposo me conhece muito. Agora vivo aqui e ajudo no que posso. Não sei si
se deu conta mas... Eu como todos os dias com vocês... Outro dia na rua um homem me disse…
SÔNIA. Mas porque que você está com essa cara, vovó?
SÔNIA. (Com ternura) Vem aqui madrinha que te dou mais chá.
MARIA VASILIEVNA. Esqueci de dizer ao Alexander – ai essa minha memória - hoje recebi carta
de um editorial. Pedia-lhe com urgência um artigo seu para não sei onde.
VANIA. E não lhe avisou. Toma o chá, mãe, assim se cala um pouco... Ou vai dormir.
MARIA VASILIEVNA. Mas, e se eu quero continuar falando. Quase nem abri a boca desde que
vocês começaram a falar.
VÂNIA. Há cinqüenta anos que fala, fala, fala e lê esses malditos artigos. Já é hora de terminar.
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MARIA VASILIEVNA. Desculpe-me, Jean, mas neste último ano você mudou tanto, que nem te
reconheço. Antes você era um homem de convicções definidas. Tinha uma personalidade
clara...Agora já não sei quem você é.....
VÂNIA. Eu, uma personalidade clara? É impossível ser mais venenoso comigo. Tenho quarenta e
sete anos e como você, até o ano passado passei lendo estes benditos artigos, sem poder viver minha
vida. E eu pensava que estava certo.
MARIA VASILIEVNA. Você joga a culpa do seu fracasso nas suas antigas convicções. Deveria ter
feito algo. A culpa é sua. (para Astrov) Agora, vejo claramente e entendo até que ponto alguém
pode chegar a embrutecer-se.
VÂNIA. Nem todo mundo é capaz de converter-se em um «perpetuum mobile» da escrita, como o
seu querido professor.
MARIA VASILIEVNA. O que voce quer me dizer com isso de perpetuum móbile/
HELENA ANDREEVNA. A verdade é que o tempo hoje está bonito. Não faz calor...
ASTROV. Sônia... Proponho uma aposta. Depois de comer vamos lá fora correr ao redor da casa.
Aposto meu salário que sou mais rápido.
SÔNIA. Um urso dançando sobre uma chapa quente. Estou tão feliz!
TELEGUIN. Isso é maravilhoso, senhores. Maravilhoso. Uma vez quando a guerra terminou me
encontrei com dois soldados turcos bêbados. De repente, não sei o que aconteceu, mas me vejo
abraçada com um deles que me disse...
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HELENA ANDREEVNA. (Olhando para o céu) Que pássaro é este que passa voando?
MARIA. Um abutre.
VÂNIA. Isso é o que chamo de rir a toa. Para ela basta mostrar o dedo e já começa a rir. Sônia...
(Lhe mostra o dedo) Vem?
TELEGUIN. (A Sônia) Não entendo. Sendo assim tão doce, por que ainda está solteira a pequena?...
VÂNIA. Com quem iria se casar? Outro dia, por casualidade, encontro seu diário sobre a mesa.
Assim de súbito. Abro e leio: “Não, nunca amarei ninguém. O amor, esta atração egoísta do outro
sexo. Apenas o teatro me pode proporcionar o volume de energia que...” Meu Deus, que palavras.
“Expressão transcendental”, "Ponto de conflito em minha vida”.
SÔNIA. Em qualquer outro estariam bem estas ironias; mas em você não, tio Vânia. Uma palavra
mais e...
ASTROV. Não creio que possa.. (A Teleguin) Agora sim me sirva uma taça de vodka, por favor.
(Sai Teleguin)
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ASTROV. Coisas mais importantes. Em uma de suas obras, Ostrovsky apresenta um personagem de
cabelo comprido e pouco inteligente, que ao término de sua vida tenta compreender o essencial...
Este sou eu, Sônia. Já não sei o que é importante, mas caminho… (Teleguin lhe entrega uma taça.
Bebe).
VÂNIA. Disse que… ”somente pelo caminho da verdade”… bom, já não me lembro.
ASTROV. Disse: "O mais valioso que um homem possui é a arte filodramática. Deve aproveitá-la
de maneira que os anos vividos não lhe pesem, que a vergonha de um passado miserável e
mesquinho não lhe queime e que morrendo, ainda que tenha falhado, possa dizer”…que Vânia?
(Convida Vânia para terminar a frase.).
ASTROV. “Consagrei toda a minha vida e todas as minhas forças ao mais maravilhoso do
mundo .À luta pela liberação da beleza...”.
VÂNIA. (A Helena) Isto é teatro. (A Maria)Sai mamãe. (A Astrov) Sim. Estava preparando a
infusão da senhora.
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VÂNIA. Sim senhora. Todas as jóias da senhora?
ASTROV. Incline-se e se olhe em meus sapatos. (Estende o pé e Vânia o examina) Sinto nojo ao
ver meu pé envolto entre os véus de sua saliva, que nojo…
VÂNIA. Sinto muito. Esta noite a senhora usará o vestido de veludo escarlate.
VÂNIA. Porque não posso esquecer o peito da senhora....... debaixo das pregas do veludo,
ASTROV. (A Helena)Apesar de tudo isto, me daria uma grande alegria se um dia viesse me visitar
com Sônia. Tenho uma fazenda. Se lhe interessar ver um bosque modelo e uma linda estufa...
HELENA ANDREEVNA. Ah, me haviam dito que você ama a natureza. Mas que tempo reserva
para sua verdadeira vocação?
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VÂNIA. Quem pode saber qual é a verdadeira vocação de um homem. Está tão cansado da
medicina, pobrezinho...
SÔNIA. Claro que é interessante. O doutor todos os anos planta novos bosques. Foi premiado com
uma medalha de bronze e um diploma.
SONIA. Não ria tio Vânia. Preocupa-se também que os velhos bosques não se acabem. Se o
ouvisse falar do tema acabariam por compreendê-lo.
VÂNIA. (Com ironia.) Bosques, bosques e mais bosques. Cubramos a terra com bosques.
HELENA ANDREEVNA. (A Astrov) Você deve ter trinta e seis ou trinta e sete anos.
HELENA ANDREEVNA. (A Vânia) Está bem. (A Astrov)Eu também, assim como Vânia, penso
que deve parecer um pouco monótono na sua idade.
SÔNIA. Não. Ele disse que como os bosques adoçam o clima, o homem emprega menos forças na
luta contra a natureza. Então se torna mais bondoso, mais suave e mais terno, mais sensível.
SÔNIA. Tio Vânia... Cale-se! E então sua linguagem é mais delicada porque sua filosofia não é
sombria, e sua relação com a mulher… está impregnada de uma feroz nobreza.
ASTROV. Chega! Basta! É impossível falar sobre isto com você, Vânia..
VÂNIA. Como quiser, mas permita que continue acendendo minhas estufas com lenha e
construindo meus galpões de madeira.
ASTROV. Poderia acender suas estufas com carvão. E construir seus galpões de pedra.
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ASTROV. Não, mas se aí está o grande problema. Eu admito que se cortem árvores por
necessidade, mas por que as destruir de forma tão selvagem? Se destroem refúgios de animais, de
pássaros. Os rios secam. Paisagens maravilhosas desaparecem, e tudo por quê? O homem é
preguiçoso, é incapaz de se agachar e extrair da terra o combustível. Não estou certo? Queimar na
estufa esta beleza? O homem está dotado de juízo e de força criadora, entretanto, o que mais faz é
destruir. E destruir algo que é incapaz de criar. Você me olha com ironia, mas quando passo diante
dos bosques que salvei da derrubada, ou quando escuto o rumor de um bosque jovem plantado por
mim, minha alma se enche de orgulho e reconheço que o clima está de alguma maneira em minhas
mãos e que se dentro de mil anos o homem for mais feliz, será um pouco por minha causa.
VÂNIA. Também podemos pensar que tudo isto que você diz é uma grande estupidez, feroz
nobreza…
ASTROV. Claro que pode ser uma estupidez. Já vou. (Se encaminha até a saída.).
SÔNIA. Não vai deixar passar outro mês sem vir, por favor. (Sai ASTROV)
VÂNIA. (A Helena) “Oh, beleza misteriosa, me permita que te chame de literatura, quem quer que
seja. Divina. Musa”.
VÂNIA. Na escola eu dizia fragmentos de poemas. Eu não entendia nada, mas as professoras me
diziam que era extraordinário. Lembra-se mamãe?
HELENA. Como sou tímida, quase nem lhe falo. Ou falo com os outros quando quero falar com
ele.
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VÂNIA. Não posso acreditar... Que pouca beleza de pensamento existe nesta casa! Para que precisa
falar com ele, diga?
VÂNIA. Um rosto interessante. Diga isso a ele que lhe vai encantar. Sobra-lhe amor próprio. Este é
seu grande problema. Tente dizer em sua presença que um cão é bom, e no ato se ofende, porque
não foi a ele que elogiaram.
VÂNIA. Que disse mamãe? Eu escutei. (A Helena). Venha, venha comigo. Comigo pode se abrir.
Somos amigos.
HELENA ANDREEVNA. Ontem você discutiu outra vez com Alexander durante o almoço.
HELENA ANDREEVNA. Pare, por favor. Ele não é pior que você.
MARIA. Eu não
HELENA. Todos me olham com compaixão. “Que infeliz”... "Tem um marido tão velho". Não sabe
como compreendo esse interesse por mim. Todos vocês, como o doutor acaba de dizer, deixam os
bosques morrerem.
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HELENA. Bom, assim preparam a derrota do homem. Dentro em pouco, graças a vocês, não restará
nem fidelidade, nem pureza, nem capacidade de sacrifício. Alexander...
HELENA ANDREEVNA. Ah não? Por que, então, não pode olhar com indiferença uma mulher que
não é sua? Porque eu não sou sua, Ivan Petrovich. (Maria diz: é isso) O doutor tem razão, cada um
de vocês leva por dentro a semente da destruição.
HELENA ANDREEVNA. Ah, o senhor não gosta. Sabe por que você e eu somos amigos? Porque
nós dois vivemos aborrecidos e tristes, (Maria diz: exatamente) e porque, no fundo, nos achamos
superiores aos demais (Maria diz: presta atenção). E você afirma que é ao doutor que sobra amor
próprio? ... Não me olhe dessa maneira que eu não gosto. Alexander... (Maria Vasilievna anota algo
na borda do livro)
MARIA. Nada, nada, querido... Coisas minhas, íntimas que não te interessam. (Sai Vânia)
SEREBRIAKOV. Não, as janelas não que me sinto sufocado. (A Maria) Você me faria um
chazinho, por favor... Sônia sabe o que sonhei recentemente? Sonhei que minha perna direita não
era minha, e acordei com uma dor tremenda.
SÔNIA. Meia noite e vinte. Bom, amanhã eu tenho que me levantar cedo para a colheita.
SEREBRIAKOV. Ah, Sônia querida, me traga aquele frasquinho com gotas. Por que tenho esses
cansaço ao respirar?
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HELENA ANDREEVNA. Está cansado... Já é a segunda noite que não dormimos.
SEREBRIAKOV. Não grite quando sinto falta de ar. Sônia... As gotas... Sobre a estante. (Sônia as
busca)
SÔNIA. Quem te receitou estas gotas papai? Chama o doutor, e quando ele chega se nega a recebê-
lo (lhe traz as gotas). E ainda por cima se automedica.
SEREBRIAKOV. E para que eu preciso dele? Entende tanto de medicina quanto eu de astronomia.
HELENA ANDREEVNA. É, só o que faltava era chamar toda Faculdade de Medicina para tratar
de sua gota.
SEREBRIAKOV. Não sou caprichoso. Uma vez o gato ficou doente. Ela era pequenininha.
Chamamos um sujeito que me haviam recomendado. (A Sônia) “Se ninguem sabe cuidar dos seus
próprios animais”, me disse o tal médico, “é melhor que não os tenha". E ele ainda nem sabia o que
tinha acontecido.
SEREBRIAKOV. Por favor, não me fale com ares de menininha nervosa. Você não vê? Isto não tem
sentido. Será que tenho que morrer para que me considerem?
SÔNIA. Bom, também não me agrada que gritem comigo. Boa noite.
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estará seu pai. Daí em diante o seu sofrimento foi inenarrável. Morreu só, incapacitado,
hemiplégico… (A Helena) De que merda está rindo? Maldita e asquerosa velhice. Sinto asco de
mim mesmo. Certamente a todos vocês também dá asco me olhar. Mas não se preocupem que logo
liberarei a todos. Ostrovsky está me escutando? Logo nos veremos cara a cara. Ostrovsky?
SEREBRIAKOV. Que bonito! Agora, por minha culpa, ninguém suporta mais nada nesta casa de
merda... Neste drama rural todos se aborrecem, perdem a juventude, e só eu desfruto da vida. Mas
me digam: alguém me vê pular de alegria como um macaco enlouquecido…?
SEREBRIAKOV Você escutou isso? Quando Iván Petrovich ou esta velha idiota da Maria
Vasilievna falam vocês escutam com atenção. Agora é só eu abrir a boca e todos se sentem
deprimidos. O que há? Será que é a minha voz que inspira asco?
SÔNIA. Papai..
SEREBRIAKOV. Helena, passei a vida trabalhando para as artes cênicas... Eu estava habituado a
um estudo digno, a um auditório, aos companheiros da universidade...
HELENA. Que?
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SÔNIA. Está ventando muito. Vai começar a chover... Temos que fechar a janela.
SEREBRIAKOV. Você sabe como gosto do sucesso, da celebridade, das estréias, o ruído. De
repente, sem muito protocolo, me encontro no exílio, num rancho imundo, recluso, recordando
constantemente o passado.
SEREBRIAKOV. Mas é claro que quero viver. Como qualquer outro. Não posso Estou muito triste.
Muito triste. Faltam-me as forças. E além de tudo não me perdoam por ser velho.
HELENA ANDREEVNA. Espera um pouco... Tenha paciência. Dentro de três ou quatro anos, eu
também serei velha.
VÂNIA. (Entrando com Sônia) Parece que vamos ter uma tempestade. (A Helena e Sônia) Vocês
duas podem ir dormir que eu fico com ele.
SEREBRIAKOV. (Assustado.) Não, não!... Não me deixem com ele... Não... Vai me atordoar com
esta verborragia assassina.
VÂNIA. Esta é a segunda noite que não se dorme nesta casa por sua culpa.
SEREBRIAKOV. Bom, elas podem ir dormir, mas você também vai. Obrigado, muito obrigado a
todos. Te suplico, Vânia, em nome de nossa antiga amizade. (A sua mulher) Querida, não me deixe
com ele. Vai me atordoar.
TELEGUIN. (Com ternura, aproximando-se de Serebriakov.) O que há paizinho? Sente dor?... Esta
doença é tão ruim para você.
TELEGUIN. Como poderia dormir? Lembro da falecida Vera Petrovna. Passava as noites em claro
por você. Como te amava aquela mulher.
SEREBRIAKOV. Sabe que eu nem me lembro? Mas olha, parece que ninguém dorme agora
também, que todos estão esgotados, e o único que estaria passando bem sou eu.
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MARIA. Toma o chá Alexander. (A Helena) Não tem nenhum tranqüilizante?
HELENA ANDREEVNA. Sim tem um que é bem suave. Vou lhe dar...
TELEGUIN. Fique tranqüilo, vamos para a cama. Vamos lhe dar um chazinho com uma
pastilhazinha, te aquecer as pernas e rezar por voce.
SEREBRIAKOV. (Comovido) Você é uma mulher tão agradável. Meu Deus, que imensa alegria,
quanta misericórdia em meio à essa noite da minha existência.
(Entra ASTROV.)
ASTROV. Que está acontecendo, Alexander? Não lhe dá vergonha ficar doente?
SEREBRIAKOV. (A Astrov) Ah, Ainda não tinha ido? Já estão cuidando de mim...
ASTROV. Isso não fica nada bem. Você é uma pessoa inteligente...
SEREBRIAKOV. Por que os médicos sempre me falam com este tonzinho de condescendência?
SEREBRIAKOV. Não há necessidade. Posso caminhar sozinho. (Se levanta.) Já disse que não
precisava se incomodar. (O levam). Por que vocês me agarram? Se posso ir sozinho (Saem).
VÂNIA. Pensar que nesta casa nos privávamos de comer para poder mandar-lhe dinheiro da
fazenda. Tudo porque sentíamos adoração e orgulho por ele, pelo que dizia e escrevia... Agora...
Meu Deus... As coisas não andam bem nesta casa.
MARIA VASILIEVNA. Não, claro que não. O professor está irritado e tem medo de você. Sônia
está chateada com você. Quase não se falam. Você detesta o professor e me deprecia abertamente.
VÂNIA. Que posso fazer com minha mãe? Onde a colocaria? Se soubesse o que sofro ao ver que,
ao meu lado, nesta mesma casa, se arruína outra vida. Porque minha vida também está perdida. Meu
passado se consumiu em estupidez, e meu presente é terrível. Mesmo assim gostei quando disse que
nós dois estávamos aborrecidos e tristes. E aqui estamos os dois, aborrecidos e tristes. Vou lhe dizer:
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sua retórica, sua moral sem sentido, suas idéias absurdas sobre a destruição do mundo... Tudo isso
me aborrece profundamente. Está esperando o quê para agir de uma vez? Que força a detêm?
HELENA ANDREEVNA. (Olhando-o fixamente.) Iván Petrovich. Você está bêbado. Por que andou
bebendo?
HELENA ANDREEVNA. Antigamente você não bebia nunca, nem falava tanto. Por que não vai
dar uma volta para se recuperar um pouco?
TELEGUIN. (Entrando) Não sei o que aconteceu mas perdi meus cigarros.
TELEGUIN. ¡Ah! Falando de calmantes. Me recordo quando conheci os dois soldados turcos...
TELEGUIN. Mas é interesante. Eram quatro horas da manhã, de repente apareceu um atrás e outro
na frente.....
(Teleguin sai com Sonia. Helena tenta ir-se. Vânia bloqueia o caminho)
VANIA Não, faz dez anos. Foi em casa de minha defunta irmã. Se lembra? Por que não me
apaixonei naquela época e pedi sua mão? Teria sido tão fácil. Você agora seria minha mulher. Sim,
agora a tormenta haveria despertado nós dois. Você se assustaria com os trovões e eu a abraçaria, e
lhe murmuraria: não tenha medo meu amor. Estou aqui. Com você… Eu lhe diria isso.
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HELENA ANDREEVNA. Por que está fazendo esta cena?
VÂNIA. Como assim, cena? Eu a amo, a amo profundamente. (Tenta beijar-lhe. Ela acerta o seu
rosto).
TELEGUIN. E um dos soldados turcos me penteava, além de estar bêbado, me disse rindo: você
tem calvície. Meu Deus era só o que me faltava. Dois dias depois estive no médico. Examinou e me
disse: senhora, isto não é calvície, isto são perdas mecânicas.
TELEGUIN. Perdas mecânicas? Meu Deus. Sim, perdas mecânicas. Mas o que é isso?
ASTROV. Por que você está com o olhar tão triste? Sente pena do professor? Ou está apaixonado
pela professora?
(Atuam)
ASTROV.(ATUAM).Solange!!! Deve estar alegre e cantar. Alegre e cantar, senão a tragédia nos
levará voando pela janela. Feche a janela! O assasinato é uma coisa… Inenarrável, Solange…
Vamos levar-te a um bosque e debaixo de uma conífera, sob a luz da lua, vamos te esquartejar. Te
enterraremos ali, sob as flores do jardim para depois regar-las todas as noites com um regadorzinho.
VANIA. É ela que retorna. Temos que matá-la. Quanto é necessário pôr?
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ASTROV. . Dez. Nove não bastam… (A Sônia) Seu tio me tirou o frasco de morfina pede pra ele
me delvolver...
VÂNIA. (ATUAM) Basta. Estou farta. Farta de ser a aranha, a cobertura do guarda-chuva. Estou
farta de ter uma vela em vez de um altar. Sou a orgulhosa, a podre. Vamos continuar assim?
Angustiadas? Vendo como ela brilha por aí?
VÂNIA. (Se quebra) Meu Deus. Vai nos corromper com sua doçura.
SÔNIA. Basta tio. Por que se embriaga, posso saber? Eu tenho que trabalhar sozinha. Estou
esgotada. Nao se pode viver de ilusões.
VÂNIA. Quando não se tem uma vida de verdade é preciso viver de ilusões…
VÂNIA. Não estou chorando (A empurra) Saia. Está me olhando como me olhava a sua falecida
mãe. Minha querida irmã. Onde estará agora? Não me sinto bem... Se ela soubesse... (Chora)
SÔNIA. (A Astrov) Você disse que os homens não fazem outra coisa a não ser destruir o que têm ao
seu alcance, não? Bom, os homens que se destruam se é o que querem, mas eu suplico que não
deixe meu tio beber. Olhe para ele. Está lhe fazendo mal. Você também não teria que fazê-lo. Te
suplico.
ASTROV. Não.
ASTROV. Não.tem razão. Mas, por favor, não me chamem outra vez para visitar o seu pai. Devolva
o que me roubou Solange! Sei o que digo, sou Clara. Estou preparada, nem tente dominar-me.
SÔNIA. Claro. Irritou-se conosco porque o fizemos vir. Se não o tivéssemos chamado, agora estaria
dormindo.
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ASTROV. Quem sabe estaria sonhando com você. Mas garanto, é mais gratificante vê-la
pessoalmente.
ASTROV. Com que prazer, Sônia, a levaria daqui. Nesta casa eu não poderia viver nem um mês.
ASTROV. Me sufocaria. Olha o seu tio Vânia, sua vó Maria, seu pai, com gota,… Sua madrasta
ocultando uma alma tão negra. Come, dorme, nos encanta com a sua beleza. Não tem obrigações,
enquanto os demais trabalham para ela… A alma humana é muito difícil de compreender.
ASTROV. Talvez seja porque, como o seu tio Vânia, a vida não me satisfaz.
ASTROV. Não espero nada da vida. Faz muito tempo que não amo a ninguém.
ASTROV. Ninguém. Somente Teleguin, em nome de velhas memórias, me desperta grande ternura.
(Faz menção de ir beber outro copo)
SÔNIA. (Impedindo-o) Não… Eu te peço. Te suplico, não beba mais. Me dê a sua palavra que não
vai voltar a beber. Por favor.
ASTROV... (Sonia derruba a vodka do copo.) Mas que cagada Sônia! Venha. Dê-me aquele
pedaçinho de queijo que me prometeu..pra ver se melhora seu humor!
SÔNIA. (Ao seu tio) Me fez beijar um pedaço de queijo e depois o comeu.
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SÔNIA. Você é tão doce .
ASTROV. Eu, doce? Não Sonia. Tenho os sentimentos atrofiados. Não quero desejar a ninguem.
Mas é estranho. Por que então, exerce tanto poder sobre mim a beleza? Helena, por exemplo, se
acaso quisesse, poderia me enlouquecer. (Bebe)
ASTROV: Não, claro que não é amor, nem afeto, nem nada. (Bebe da garrafa)
SÔNIA. Não. Não beba mais, por favor. Não posso permitir. (Retira a mesa)
ASTROV. Às vezes, quando tenho que atravessar o bosque numa noite fechada, penso que se pelo
menos surgisse uma luzinha ao longe, minha alma se encheria de esperança.
SÔNIA. É isso o que mais quer do Mundo? Encontrar a sua luzinha?(Imita o som de uma coruja e
indica a si mesma) O bosque.
ASTROV. O amor não é tudo na vida, mas, não sei, talvez fosse uma boa recompensa para alguém
como eu. (pega o copo de Vânia)
SONIA. Ostrowisky.
SONIA. Ostrowisky.
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VANIA. Não é assim.
SONIA. E o esforço de toda essa vida dedicada ao teatro para alcançar o mais sublime do mundo: a
liberação da beleza…
SONIA. Não beba. Você já me prometeu. Sempre me pergunto: por que meu coração está tão triste?
Já há algum tempo venho pensando que o teatro pode me permitir indagar sobre a vida e encontrar
essa beleza.
ASTROV. Profundo....
ASTROV. O quê?
SONIA. Pratico. Por exemplo, não sou atriz, mas se fosse e tivesse que me apropriar do discurso de
uma jovem apaixonada… Então, busco na minha cabeça as palavras adequadas para esta situação.
O que dizer à pessoa amada, por exemplo? E, o mais importante, que reposta me daria essa pessoa?
Você não faz isso?
SÔNIA. Se isto fosse uma cena de teatro e você soubesse que um personagem feminino te ama, o
que lhe diria? Qual seria a sua atitude?
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(Helena entra)
ASTROV. Porque a minha cabeça não pode pensar nessas coisas… (Pausa). E como está tudo?
HELENA ANDREEVNA. Não, está sentado no salão, lendo. (Vendo os pratos.) O que é isso?
ASTROV. Sim, estávamos comendo queijo. Bom, se não vou embora já, vamos acabar falando até
de manhã. (Atua) Ah! Se pudesse ver sua cara Solange!!! O Sol da selva ainda ilumina o seu rosto.
As cobertas são tépidas. A noite escura…
HELENA ANDREEVNA. Vânia, Alexander pediu para que nos reuníssemos todos aqui, no salão,
em quinze minutos. Parece que tem algo a nos falar.
TELEGUIN. Será algum assunto importante? (Contendo a Sônia que está chorando)
HELENA ANDREEVNA. Mas, que acontece? Está chorando por minha causa?. Sônia… Até
quando vai ficar magoada comigo?
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TELEGUIN. Por que têm que viver como inimigas, não é?
HELENA ANDREEVNA. Bem… Eu sei o que se passa. Você pensa que casei com seu pai por
conveniência, não é? Mas juro que casei por amor. Um amor que para mim parecia verdadeiro. Não
sou culpada. Sua sabedoria e sua celebridade me seduziram.
ELENA. Tens que acreditar em mim. O amor que sinto por seu pai é verdadeiro, diferente.
HELENA ANDREEVNA. (A Vania) Sim, vai, vai... (A Sonia) Vamos beber as três deste copo, as
três juntas e depois voltaremos as ser amigas. Está bem?
SÔNIA. Está bem. Sejamos amigas, mas me diga com toda franqueza. Você é feliz agora?
HELENA ANDREEVNA. Claro que gostaria. Mas o que você quer me perguntar?
SÔNIA. Gosta do doutor?
TELEGUIN. Fica como uma boba, e isso não pode ser assim.
SÔNIA. Porque faz seis anos que eu o amo. Amo mais que ao meu próprio pai. Sim. Ele se foi e
continuo ouvindo a sua voz, e fico como que a espera, como se ele fosse entrar a qualquer
momento… É que é tão inteligente. Sabe de tudo. Madrinha... Já não tenho mais orgulho, não tenho
mais forças para me controlar. Às vezes me aproximo dele, começo a falar, olho em seus olhos e…
e… O que há? Pareço uma tonta, não?
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SÔNIA. (A Helena) Me perdoe. Precisava falar disso. Sinto tanta vergonha.
HELENA ANDREEVNA. Não, não se envergonhe. O doutor tem valor, tem a cabeça no lugar,
horizontes amplos. Não é fácil encontrar gente assim, e devemos amá-las. Tem talento. Sabe como é
difícil encontrar isso hoje em dia?
distancias para atender um doente, para salvar uma vida. Para ele que
sóbrio.
SÔNIA. E então...
HELENA ANDREEVNA. Então… pressinto que você terá toda a felicidade que merece. O doutor é
impulsivo, você é sensata e inteligente. Complementam-se perfeitamente. Não se martirize sem
motivo. Olha para mim. Eu sim sou uma desgraçada. Sou um personagem secundário nesta casa.
Não sei o que fazer da minha vida. Me aborreço.
TELEGUIN. Mas você poderia encontrar coisas para fazer. Poderia ocupar-se dos perus,
HELENA ANDREEVNA. Não, não. Isso não é interessante para mim. Como eu vou…? (Sônia
começa a chorar outra vez) O que foi agora?
SÔNIA. Nada. Escutei o tio Vânia que falava ao doutor sobre mim: “É muito boa, mas é uma
lástima que seja tão feia”, disse. Porque eu sei que sou feia. Eu sei.
SÔNIA. Está vendo. Quando uma mulher é feia se diz essas coisas: “Tem os cabelos lindos”… Não
vai nem me notar. Antes de você entrar lhe perguntei o que diria se alguém dissesse que estava
apaixonado por ele?
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HELENA ANDREEVNA. E o que ele disse?
SÔNIA. Não gostou nada da pergunta. Ficou nervoso. Fingiu não entender e me respondeu com
generalidades.
SÔNIA. Não, madrinha. Se me notasse, teria se dado conta do que eu queria lhe dizer... HELENA
ANDREEVNA. Mas até quando vamos viver na ignorância? Vamos fazer uma coisa. Eu vou falar-
lhe com muito cuidado.
HELENA ANDREEVNA. Não se preocupe, vou ter muita precaução, nem vai se dar conta. Deixa-
me fazê-lo? (Sônia assente) Bom, se a resposta for não, não tem que voltar mais aqui. Não é?
(Sônia concorda outra vez com a cabeça.) Não vê-lo mais será o melhor. E não vamos deixar o
assunto para mais tarde. Vamos perguntar agora mesmo…
SÔNIA. Agora?
HELENA ANDREEVNA. Sim. Me diga se já foi embora. Creio que quer me mostrar uns mapas.
Diga que agora estou livre. Se apresse antes que ele se vá.
HELENA ANDREEVNA. Claro que sim. A verdade, seja qual for sempre é melhor que a
incerteza… Confia em mim.
SÔNIA. Sim, sim… Vou lhe dizer que venha… (Dirige-se até a porta, mas antes de sair, detêm-se
por um momento. Para Teleguin) A verdade, seja qual for, sempre será melhor que a incerteza…
não acha madrinha?
TELEGUIN. Mas se ele não a quer... Sabemos por quem vem aqui todos os dias. Não é por ela.
HELENA ANDREEVNA. Não, mas poderia muito bem casar-se com ela. É feia, mas para um
médico rural e com a sua idade, pode ser uma mulher maravilhosa…
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HELENA ANDREEVNA. Sim, claro que tem direito a sonhar, como todos. Como a
compreendemos. A aparição de um homem como ele, diferente dos outros… Deixar-se levar pelo
encanto de um homem assim… Não é, Teleguin? Como se surgisse uma luz na escuridão… Vânia
disse que a minha vida está perdida e que estou esperando para agir… Deveria voar longe. Distante
desta mediocridade… (Pausa) Que estou pensando? Sou covarde. Me atormentaria a consciência.
Deveria pedir perdão à Sônia de joelhos…
SÔNIA (Entrando com mapas) Madrinha… Não será melhor a incerteza?... Ao menos sempre me
restaria uma esperança…
, SÔNIA (Entrando com mapas) Madrinha… Não será melhor a incerteza?... Ao menos sempre me
restaria uma esperança…
ELENA. Não.
ELENA. Sím.
ASTROV. Perfeito, eu também. É um luxo que não posso me dar com muita freqüência mas
agora estou bem tranqüilo. Sente-se por favor.
ELENA. Nada.
ASTROV. (A Teleguin) Fica Teleguim, senta. Vou explicar porque penso o que penso. Nossa
região. Há cinqüenta anos, quase todo território era bosque. Havia alces, cabras, cisnes,
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ganços, patos e, enfim, tudo isso, fauna e flora. Uma série de pequenas granjas, moinhos
hidráulicos. Muito gado...ou não Teleguin?
ASTROV. Bem, hoje em dia, os alces, cisnes e galos desapareceram. De granjas e moinhos,
nada. Houve uma lenta mas real degradação. Faltam seguramente uns dez ou quinze anos
para que seja completa.
ASTROV. Sim, já sei o que vai me dizer: que isso é influência da cultura, que a vida antiga dá
lugar para a nova. Eu compreenderia se no lugar desses bosques exterminados, houvesse...?
ASTROV. Não sabe. Estradas, trens, fabricas, escolas, se as pessoas estivessem mais saudaveis,
se fossem mais ricas e mais inteligentes… Mas aqui nada disso acontesse. Nada. Entende?
Aquí as pessoas passam fome, frio, adoecem. E para salvar o resto de suas vidas, para salvar
seus filhos, para acalmar a fome, fazem o quê???Instintivamente destroem tudo sem pensar
no amanhã... Trata-se de um caso de degradação por inércia, por ignorância, por inconciência.
Vou muito rápido? Entendem o que digo?
ASTROV. Ah, então talvez por isso que o assunto não lhe interesse tanto.
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HELENA ANDREEVNA. Porque diz isso…? …Não conheço muito o campo, mas…
ASTROV. Não há nada para entender. O fato, é que simplesmente, não lhe interessa.
HELENA ANDREEVNA. Para dizer a verdade, tenho o pensamento ocupado com outra coisa.
ASTROV. Claro.Obrigado pela sua sinceridade. Realmente, a sinceridade é tudo.... (Faz menção de
sair)
TELEGUIN. Inocente.
HELENA ANDREEVNA. Sinto-me tão confusa que não sei como começar… Vamos falar como
amigos, sem rodeios. E depois vamos esquecer o que falamos. ( Astrov concorda) Trata-se da minha
enteada Sônia. Gosta dela?
ASTROV. Que pergunta! Sim, claro, é uma moça honesta, muito trabalhadora e tem os
cabelos lindos...
HELENA ANDREEVNA. Não se faça de desentendido. Como mulher… Gosta? ( Teleguin beija
Astrov no “rosto” e sai)
ASTROV. Não.
ELENA. Ela sofre… Compreenda esta situação e deixe de vir aqui. (Olham-se nos olhos)
ASTROV. Bem, se tivesse me dito isso há alguns meses, talvez tivesse pensado, mas agora…
HELENA ANDREEVNA. Se o senhor não a ama. Vejo em seus olhos… O senhor é inteligente e
vai compreender…
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HELENA ANDREEVNA. Ah, que conversa mais desagradável… Graças a Deus já terminamos.
Não sei por que sentia isso como uma carga. Agora melhor esquecermos tudo, como se não
tivéssemos falado. Vá!
ASTROV. Se Sonia sofre vou embora e não volto mais... Só não entendo porque foi a senhora
que me interrogou .
ASTROV. (Olhano em seus olhos) A senhora sabe muito bem por quem venho aqui todos os
dias, já o sabia de antemão, sem necessidade de interrogatório. Que foi, ficou corada?
ELENA. Não, de forma alguma.
ASTROV. A senhora é muito astuta. Faz um mês que não trabalho, venho todos os dias aqui,
a senhora sabe perfeitamente porque.
ASTROV. Não, não é um insulto. A senhora é uma serpente encantadora que necessita
vítimas. Bem, eu sou uma de suas vítimas Elena. Tome, me coma. Que acontece, não se da
conta? Estou a seus pés.
HELENA ANDREEVNA. Ficou louco? (Tenta ir embora. Ele fecha o caminho.).
ASTROV. Vamos fazer uma coisa. Se Sonia sofre vou embora desta casa, mas agora vamos
deixar Sonia de lado e peça-me a senhora. Peça-me a senhora.
HELENA. O que?
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HELENA ANDREEVNA Saia! (Lhe dá um “tapa” no rosto) Mas o que o senhor pensa de mim…
(Pausa. Se beijam).
ELENA. Alexander.
ASTROV. Não, não o chame. Não sinta culpa. Não tem que sentir culpa. Não tem sentido.
Escute-me, porque não nos vemos amanhã as doze no bosque da fazenda….( se beijam. Entra
Vânia e os vê)
ASTROV. Pela manhã o céu estava cinza, como se fosse chover, mas agora saiu o sol. O outono é
uma estação maravilhosa. (Sai.)
HELENA. Maravilhosa…
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. (Entram Serebriakov, Sônia e Teleguin).
SEREBRIAKOV. Sonia, onde vai? Isso parece um colégio. Me escapam os alunos. (Para Teleguin)
Que importa tudo o que está me contando? Onde estão os demais? …Por favor, que venham Maria
Vasilievna E Helena, onde está?
SÔNIA. Helena?
SEREBRIAKOV. Eh, ah, sim, um pouco melhor, Obrigado. Com a minha enfermidade poderia
chegar a me reconciliar, mas o que não posso suportar é a vida no campo.
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VANIA. O que quer?
SEREBRIAKOV. Está magoado comigo? Ah… Temos aqui também a mamãe, que não tem onde se
sentar, que pena. Então vou falar logo. Pode-se dizer que sou... Vocês sabem... Um grande
conhecedor do teatro, mas sempre fui também, essa é a minha parte fraca, só um observador, quer
dizer, me mantive um tanto afastado da prática.
SEREBRIAKOV. Sim mamãe, por isso, lhe peço Iván Petrovich, e peço a todos… (Faz sinal para
que se sentem) Já estou velho e doente. Por isso creio que é um bom momento para falarmos dos
bens. E isto diz respeito a todos. Não penso em mim... Não. Minha vida... podemos dizer, já quase
terminou, mas tenho uma mulher jovem e uma filha. Agora, a nossa realidade qual é? Seguir
vivendo no campo é impossível.
SEREBRIAKOV. Indiferente ou não, não nascemos para viver no campo. Mas viver na cidade, com
os lucros que produz esta fazenda é impossível. Que fazemos?
SEREBRIAKOV. Muito bem, mamãe. Mas esta seria uma medida extraordinária que não se pode
tomar todos os anos. O que teria que se encontrar é um meio que nos garantisse uma renda fixa
anual, mais ou menos segura. Pensando nisso, então me ocorreu o seguinte... Que tenho a honra de
submeter a todos vocês.
MARIA VASILIEVNA. Agora poderia explicar primeiro a sua idéia em termos gerais. Depois
podemos entrar em detalhes.
SEREBRIAKOV. É isso que vou tentar mamãe, obrigado. Nossa fazenda não rende mais de dois
por cento de lucro. Correto?
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SEREBRIAKOV. Proponho vender-la e investir o dinheiro em títulos do governo. Se investíssemos
em títulos do governo, poderíamos obter, escutem bem, uma renda de quatro a cinco por cento.
Creio inclusive que se poderia conseguir algum “plus” que nos permitisse comprar uma granja, por
exemplo, não sei… na Finlândia.
VANIA. Por favor, por favor. Não Parece que não estou escutando bem. Pode repetir o que disse,
por favor.
SEREBRIAKOV. Disse que proponho que se coloque o dinheiro em títulos do governo, e com o
“plus” restante se compre uma granja na Finlândia. (Pausa) Não gosta da Finlândia? Pode ser outro
lugar. Há lugares muito bonitos...
VANIA. Isso... Detenha-se aí… Vender a fazenda… É uma idéia realmente maravilhosa… E onde
pensa que vamos nos meter minha mãe, Sônia e eu?
TELEGUIN. E eu?
SEREBRIAKOV. Isso se pensaria a seu tempo. Não se pode fazer tudo de uma vez.
VANIA. Pelo que escutei, estou equivocado porque até agora tinha cometido a insensatez de pensar
que esta fazenda pertencia a Sônia.
VANIA. Porque meu falecido pai a comprou para dá-la como dote a minha irmã.
SEREBRIAKOV. Claro.
VANIA. Fui tão ingênuo até agora, que pensei que esta fazenda, com a morte da minha irmã, seria
herdada por Sônia?
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SEREBRIAKOV. Mas quem discute isso? …Sem o consentimento dela não me decidiria nunca a
vendê-la. Além disso, se proponho fazê-lo é para o seu próprio bem.
MARIA VASILIEVNA. “Jean”… Não se oponha ao professor. Ele sabe muito bem o que é bom e o
que é mal.
VANIA. Não posso escutar mais nada… Dêem-me um copo de água (Bebe.).
TELEGUIN. Eu, excelência, tenho pelas artes dramáticas não só veneração , mas até um
sentimento como… de afinidade. O irmão da mulher do meu irmão, por graças de Deus, conheceu
Stanislavsky…
VANIA. Espera Teleguin, por favor… Estamos tratando um assunto familiar i. Não meta Deus nem
Stanislavsky nisto. (A Serebriakov) Esta fazenda não teria sido comprada se eu não tivesse
renunciado a minha parte da herança em favor da minha irmã, a quem eu amava com toda minha
alma. Aliás, naquele tempo se comprou com noventa e cinco mil rubros, dos quais meu pai pagou
somente setenta mil, (A Serebriakov) Estou falando com você, está me escutando…
SEREBRIAKOV. Claro...
VANIA. Quer dizer, restando, uma dívida de vinte e cinco mil. Bom, eu durante vinte anos trabalhei
como um burro até conseguir pagar toda essa dívida.
SEREBRIAKOV. Desculpe, não compreendo o que você diz. Que disse eu para....
VANIA. (Interrompendo-o) O que quero dizer é que se agora a fazenda está limpa de dívidas e vai
bem, é graças ao meu esforço pessoal, mas claro, agora como sou um velho, querem me abandonar.
VANIA. O que eu lamento é ter dirigido esta fazenda durante tantos anos, lhe mandar dinheiro
como o melhor administrador, e nem uma só vez, durante este tempo, ter recebido nem obrigado.
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SEREBRIAKOV. Vânia, por favor....
VANIA. Tanto agora como na minha juventude, o salário que recebi foi miserável. Uma mísera
quantia que você nunca pensou em aumentar.
SEREBRIAKOV. Mas como poderia saber disso, Vânia? Já lhe disse. Não entendo nada de campo.
Você mesmo poderia ter aumentado o salário, quando quisesse.
VANIA. É verdade, mas não o fiz. Porque não roubei. Porque não me depreciam um pouco mais
por não ter roubado?
SEREBRIAKOV. Aí o temos: Eu doei. Eu não roubei. Eu trabalhei. Eu me esforcei. Eu. Eu, eu…
Pode haver situação mais estúpida e desesperada que a de querer ser, a todo custo, o protagonista da
história?
VANIA.Mas se sempre fui seu criado. Goste você ou não durante vinte anos vivemos com a minha
mãe fechados entre estas miseráveis paredes como prisioneiros… Todos os nossos pensamentos e
sentimentos foram para você. E nos sentíamos orgulhosos de você, te venerávamos, perdemos
noites inteiras com a leitura dos teus livros que hoje profundamente desprezo, como o desprezo
também.
TELEGUIN. Não, Vânia. Não tem que dizer essas coisas… Não…
VANIA. É que agora abri os olhos. Vejo tudo com mais clareza. Você escreve sobre arte e não
entende uma merda de arte.
VANIA. Todos essas palavras que tanto amei, não valem nada. São lixo. Como você é outro lixo.
SEREBRIAKOV. Senhores, por favor, levem-no daqui de uma vez. Ou saio eu. Não podemos
permanecer os dois…
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VANIA. E ainda por cima se faz de compreensivo, de humilde. Se faz de cego.
SEREBRIAKOV. Eu, que aspiro ter uma visão do mundo de vários pontos de vista…? Eu sou
polifônico, Vânia. (Tenta sair) E já chega, vou sair senhores…
VANIA. (Fechando o caminho para Serebriakov) Espera… Ainda não terminei. Foi você que
atrasou a minha vida. Eu não vivi para mim. Por culpa sua perdi meus melhores anos. Porque eu
tinha talento, inteligência, valor… Se tivesse vivido normalmente, teria saído de mim um
Dostoievski, um Tolstoi… E agora meu pensamento teria sutileza. E o que sou agora? O que sou?
VANIA. Raskólnikov contava o que passava pela cabeça de um condenado antes da execução. Bom,
eu também, se fosse obrigado a viver num lugar elevado, em cima de uma rocha, sobre uma
superfície diminuta só com espaço para colocar os pés, eu preferiria em lugar de seguir vendo a sua
cara de bacalhau sábio.
SEREBRIAKOV. Te agradeço esta brutalidade que me mostra. Tudo isto me serve. Me ajuda a
conhecer a complexidade do espírito humano. Você não é mais que o resultado de um estado
emocional primitivo. Um animal silvestre…
SEREBRIAKOV. E isso explica o porquê destas cenas febris e dramáticas que te encantam. No
fundo explica o que você é. Olhe para você, você é resultado do que faz. Fora isso não é nada. Ah, e
se a fazenda é sua, fica com ela. Eu não preciso dela para viver.
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SEREBRIAKOV. Sabe o que tem que fazer? Pare de brincar conosco. Se não sente nada, aceita de
uma vez que você não é nada, mas, por favor, não nos culpe por isso. Infeliz.
VANIA. (Cospe na sua cara) A forma que você fala… É o diabo. Há muitos anos que nos fala e
nesta casa parece que não transcorre o tempo. Isso até hoje nos permitia fantasiar que fugíamos do
infortúnio, que não necessitávamos nada mais que trabalhar. Mas agora acabou. Agora você vai
recordar deste animal silvestre, sua erva daninha, lhe juro. (À Helena) A senhora não me toque!
(Sai.)
SEREBRIAKOV. Mas o que é isto? …Me ameaça. Insulta a minha mulher. Mas que nulidade de
homem. E o resto do mundo tem a culpa.
HELENA ANDREEVNA. (A Alexander) Não vou suportar outra cena semelhante. Vamos embora
agora mesmo desta casa. E se você não for, vou sozinha.
SEREBRIAKOV. Eh? … Você também? Agora também vai brigar comigo, que culpa eu tenho?
SÔNIA. Tem que compreender, papai. Lembre-se de quando era jovem e o tio Vânia e a avó
passavam todas as noites traduzindo livros para você…E durante o dia trabalhávamos sem
descanso, tirando de nós mesmos para poder te enviar mais. Não comemos o nosso pão de graça.
HELENA ANDREEVNA. Todos vocês parecem ter se colocado de acordo para me fazer viver um
inferno.
SEREBRIAKOV. Eu sei o que se passa contigo. Pensa que está me fazendo um favor vivendo
comigo. Porque é jovem e eu sou um velho.
HELENA ANDREEVNA. Continua com isso, continua. Basta, fique calmo. Tenha uma conversa
com ele. Tratem de esclarecer as coisas como são, mas sem se culparem e sem brigar..
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HELENA. Mas trate-o com douçura e acalmem-se os dois.
SEREBRIAKOV. Está bem, vou faze-lo somente porque te amo. ( A Maria) Não sei o que fazer
mamãe, estou desesperado
VANIA. Bem entre os olhos (Engatilha e o tiro não sai) Merda ! Merda!
SÔNIA. Tio Vânia, por favor… (Pede a arma e sai detrás do seu pai).
MARIA. Oxalá meus olhos nunca tivessem visto esta cena. (A Vânia) Você é uma vergonha.
VANIA. Como chegamos até este ponto Teleguin? Que vai acontecer agora?...
TELEGUIN. Não sei Não posso deixá-lo sozinho. Pode fazer outra loucura.
MARIA. E a pistola?
VANIA. Já entreguei à Sônia. Mamãe saia. Uma vez na vida lhe peço, por favor, que me deixe em
paz.
ASTROV. Esta bem mas primeiro tem que devolver o que me tirou.
ASTROV. Sim, já vou... Já devia ter ido há muito tempo, mas não saio até que devolva o que me
tirou.
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VANIA. Não lhe tirei nada.
VANIA. Que idiota. Tê-lo na mira e não poder disparar. Não me perdoarei jamais. Que vergonha…
ASTROV. Se tinha tanta vontade de disparar, porque não disparou na sua cabeça.
VANIA. Se soubesse a vergonha que eu sinto. Este sentimento não se pode comparar a nenhuma
dor. Se pudesse começar a minha vida outra vez. Mas como começar?
ASTROV. Começar… O que está dizendo Vânia. A vida já envenenou o nosso sangue. Nos
tornamos tão cínicos como os demais.
ASTROV. Sim, eu a beijava enquanto você olhava. Mas não mude de assunto. Primeiro devolva o
que me roubou.
ASTROV. Escuta. Se quer se suicidar, caminha até o bosque e dá um tiro. Mas o frasco de morfina
vai ter que me devolver porque senão ainda vão pensar que fui eu que te dei. Eu já vou ter bastante
problema com a autopsia… (Entra Sônia)
ASTROV. Seu tio pegou um frasco de morfina e não quer me devolver. Diga-lhe que não é uma
maneira inteligente de proceder.
SÔNIA. Devolva, tio Vânia. Eu não sou menos infeliz que você, mas não me desespero. Resisto.
Você também tem que resistir. (Pausa.) Tio querido, você é muito bom, vai pensar em nós e vai lhe
devolver.
VÂNIA. (Pegando um frasco e entregando-o a Teleguin.) Tenho que fazer algo senão não vou
conseguir, não vou conseguir…
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HELENA ANDREEVNA. Vânia, Alexander queria falar com você.
SÔNIA. Vamos, Tio Vânia, vamos, mas antes têm que fazer as pazes. …Depois de nos despedirmos
de todos, começamos a trabalhar.
SONIA. Um, dois, três, levanta.... Meu tio é um cavalheiro.... vai fazer as pazes. Vai dar o exemplo
como o fez toda a sua vida. Estou orgulhosa do meu tio.(Saem)
HELENA ANDREEVNA. O senhor me prometeu que iria embora hoje desta casa.
HELENA ANDREEVNA. Não vamos voltar a ver-nos nunca mais.Então, para quê guardar
segredo? …Me senti um pouco atraída pelo senhor…
ASTROV. E se nos encontrássemos no bosque pela manhã…? Vamos. Assuma que cedo ou tarde
vai ceder ao sentimento. E então, não seria melhor aqui, embaixo das árvores. Seria mais poético…
HELENA ANDREEVNA. Embora esteja magoada com o senhor, vou recordá-lo com carinho.
Tenho que ir.
ASTROV. A senhora e seu marido, levam a destruição por onde quer que passem.
ASTROV. Estou brincando. Mas se tivesse continuado aqui a destruição seria enorme. E a senhora
também não sairia ilesa. (A beija)
HELENA ANDREEVNA. Não guarde más recordações minhas. (De um súbito impulso o abraça,
separando-se ambos no ato, rapidamente.).
(Entram Serebriakov, Vânia, Maria Vasilievna com um livro entre as mãos, Teleguin e Sônia.).
MARIA. Que bom que vocês dois puderam conversar. Não sabe o quanto me alegro.
SEREBRIAKOV. (A todos) Bem queridos amigos. Comunico a todos, que não recordaremos mais
esse fatídico evento. Porque não existiu. Verdade que não existiu , Vania? . Agradeço as suas
desculpas e da minha parte creio talvez que deveria lhe pedir perdão. Não sei. Ah, e com respeito
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ao que estávamos falando…tudo isso me serviu muito, tanto que poderia escrever um tratado sobre
a arte da convivência. Agradeço as suas desculpas, Vânia, e da minha parte também creio que
deveria lhe pedir perdão. Ah, e com respeito ao que estávamos falando…
VÂNIA. Sim.
SEREBRIAKOV. Tudo como antes, filha. Pode parecer uma ironia mas tudo isso me serviu muito,
tanto que poderia escrever um tratado sobre a arte da convivência.
MARIA VASILIEVNA. (Beijando-o) Tire uma foto para me enviar. Já sabe quão amado será
sempre para mim.
SEREBRIAKOV. (Depois de beijar a sua filha.) Adeus… Adeus a todos. (Segurando a mão de
Astrov.) Aprecio a sua maneira de pensar, sobretudo o seu ímpeto, mas permita-me citar umas
palavras de Ostrovsky: Há que trabalhar, senhores, há que trabalhar. (Com uma saudação geral sai,
seguido de Maria Vasilievna e de Sônia.).
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VÂNIA. (Beijando fortemente a mão de Helena Andreevna.) Não nos veremos mais?
VÂNIA. Que partam… Tudo isso é muito penoso para mim. Que partam.
SÔNIA. (Entrando e enxugando as lágrimas.) Já se foram… (A seu tio.) Bom… Agora você e eu,
tio Vânia, vamos fazer alguma coisa. Faz muito tempo que não nos sentamos juntos nesta mesa.
Vamos trabalhar…
SÔNIA. Vamos fazer as faturas, tio Vânia. Estamos terrivelmente atrasados. (Folheando o livro de
faturas.) Escreva… Começamos mal, essa não é a do doze.
SONIA. Trigo.
ASTROV. Embora não tenha vontade de ir-me, meus amigos, não me resta outra coisa senão
despedir-me.
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ASTROV. Não posso, Teleguin, não posso.
ASTROV. Não sei, no verão, não creio.... no inverno… também não. Bem, não sei. Se precisarem
de mim me avisem.
ASTROV. Um pouquinho.
VÂNIA. Certamente.
(Entra Teleguin)
ASTROV. Não discuta. Tenho o direito de dispor destes últimos minutos. Solange. Repita comigo…
VÂNIA. Não posso permanecer aqui nem mais um minuto. A casa está envenenada.
ASTROV. Você é muito covarde Solange. Estamos do mesmo lado, vamos até o final. Vai precisar
de muita força. Repita comigo…
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VÂNIA.Não... bem, mas em voz baixa.
ASTROV. Sim, em voz baixa. A senhora terá que tomar o seu chá. (Pausa) Repita raposa velha,
repita.
TELEGUIN. Bom... Bom proveito. À sua saúde! Tem certeza que não quer um pouco de queijo?
ASTROV. Não. Está bem assim… (À Vânia) Não me espie. (Bebe a vodka)
VÂNIA. Cortina.
TELEGUIN. Te acompanho.
ASTROV. Não é preciso. Sei o caminho. Vou sozinho.(Sai Astrov seguido de Sônia.).
TELEGUIN. (Começa a tocar por baixo a gaita) Ai, como sou pecadora… Quanto tempo tem que
não como talharim.
MARIA. Faz muito tempo, sim, que nesta casa não se come talharim. Sinto-me igualmente soberba.
(Entra Sônia)
TELEGUIN. Já foi? Tão rápido. Vai trabalhar com o tio? Eu vou dormir.
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SÔNIA. Até amanhã, vovó.
SÔNIA. Pobre tio… Que vamos fazer? Temos que ter fé e acreditar. É preciso deixar de ter medo da
vida. Tem que acreditar em você… Eu acredito em você. Acredito nas pessoas que estão soltas pelo
mundo, que sofrem e se lamentam como nós. Acredito na verdade das coisas. Por quê? Porque eu
acredito nos sonhos, como você. Nos sonhos não se pode mentir. Aí está a verdade. Aí está
encerrado o verdadeiro mistério da vida. Deixe que as pessoas riam de você tio, não tem que se
importar. Nós acreditávamos no trabalho, não é? Então, vamos trabalhar. Para os outros. Sem
descanso. Mas sem abandonar os sonhos.
VÂNIA. Não Sônia. A verdade está aqui. E não nos sonhos. Deus...
SÔNIA. (Pausa) Podre tio Vânia… Sua vida não conheceu a alegria… Mas espera, tio Vânia,
espera… Já descansaremos. Já descansaremos.
FIM
CAI O PANO
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