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Centro e Periferia nas Estruturas

Administrativas do Antigo Regime

António Manuel Hesoanha

Desde que, há já uns quarenta anos, a «escola dos Annales)) lançou a


sua campanha contra a história anedótica, a história política, institucional
e jurídica não cessou de ser apontada como o domínio irrecuperável do facto
isolado, do documento, do formalismo e do idealismo '.
Verdade é que a historiografia dominante neste sector justificava, em
geral, tal opinião. O político era a «alta política)) e esta, por natureza, o
campo de acção das grandes figuras. O direito era o mundo das normas juri-
dicas formais (i.e., expressamente editadas pelos poderes estabelecidos the -
law in the books), mundo que o ((direitoda vida)) (the Law in action, pro-
duto da «força» ou da «ignorância» e, logo, ignorado pelos jus-historiadores)
deixaria intocado. No que respeita actividade político-administrativa,pouco
interesse despertava. A prt-compreensão contemporânea do Estado atribui
h administração um papel de mera execução de decisões tomadas alhures.
A lógica interna do seu funcionamento é desconhecida, sendo-o tambkm o
seu papel como instância autónoma de distribuição do poder.
Os tempos mudam, porém. A história política, jurídica e institucional
vai sendo hoje objecto de um tratamento semelhante ao dos outros territó-
rios historiográficos *.
Deixando de parte o que diz respeito aos núcleos mais característicos da
história jurídica, tentarei exemplificar, neste artigo, o que poderá correspon-
der, no campo da história administrativa ', a uma orientação estrutural ou
- empregando um termo que tem aqui um pleno cabimento - amateria-
lista».
--

iANTÓNIO MANUEL HESPANHA - FACULDADE DE c ~ C U SOCUIS


S E HUMA-
NAS DA U.N.L.
' V., para maior desenvolvimento, o meu artigo Une nouvelle histoire du droit?. em publi-
caça0 nos ((Quaderni fiorentini per Ia storia de1 pensiero giuridicon (Firenze, 1986).
Indicações das tendências mais inovadoras: J.-M. Scholz (ed.) Vorstudien zur Rechts-
historik, Sonderheft 6.(1977) da revista ((111scommune» (Max-Planck-Institutfür europaische
Rechtsgeschichte, Frankfurthíain); M. Sbriccoli, Storia de1 diritto e storia della societd: quertioni
di metodo e problemi di ricerco. em publicação no mesmo volume dos ((Quadernifiorentini...».
' Panorama as iiltimas tendencias da hist6ria administrativa, A. Musi (ed.),Stato e pub-
blica amministrazione nell'ancien regime, Napoli 1979; A. M. Hcspanha, Novos rumos da his-
tória do direito administrativo. Um colóquio recente, em publicaç80 na «Rcv. Fac. Dir. Lisboa».
Ao falar de uma história materialista, quero salientar uma linha estratb
gica da investigação que privilegia o «modo de produção)) dos efeitos sociais
estudados. Se estamos a tratar do «poder», dos efeitos ((institucionais))
(((direito)), ((Administração)), «poder político))), uma história materialista
deve investigar, evidentemente, o modo de produção destes efeitos 4.
Materialista, porque se preocupa com a descrição das condições mate-
riais de produção dos efeitos político-administrativos. Na verdade, a activi-
dade administrativa não se esgota numa série de regulamentos ou numa cons-
telação de cargos, decorrentes da vontade arbitrária do poder. O exercício
quotidiano do poder politico - a que chamamos administração C, antes, -
uma prática corporizada em coisas - o espaço, os equipamentos e proces-
sos administrativos, as estruturas humanas da administração, o saber admi-
nistrativo, a mentalidade administrativa (que nada tem a ver com a teoria
política ou com a ((ciência da administração). Coisas que resistem aos fac-
tores externos - que o digam os fracassos das ((reformas administrativas))
- e que segregam uma dinâmica própria. A este nível de análise,
surpreendem-se as continuidades insuspeitadas; insuspeitadas pelos próprios
agentes. Nas coisas e nas auto-representações. É o impensado da história do
poder que vem ao de cima.
No texto que se segue, enveredamos por uma análise deste tipo, embora
a restrinjamos apenas a alguns elementos estruturais - as circunscrições
político-administrativas, os meios de comunicação administrativa (nomea-
damente, o binómio oralidade-escrita) e, sobretudo, os aspectos quantitati-
vos do pessoal administrativo e da sua distribuição regional e por áreas da
administração.
A partir daqui, tentaremos estabelecer uma tipologia dos sistemas politico-
-administrativos coexistentes na sociedade portuguesa do séc. xVII. Como
veremos, a incidência regional e sectorial dos diversos sistemas não C a
mesma, pelo que a análise desemboca, quer na problemática das «áseas cul-
turais regionais)), quer na do chamado ((Estado moderno» 5 .

E náo - como equivocadamente alguns «materialistas» fazem - o modo de produç8o


econ6mico. Marx pode ainda hoje ser um modelo. No entanto, a utilizaçáo do legado mar-
xista, no dominio da história politico-institucional náo pode consistir em procurar as «rdzes»
dos efeitos politico-institucionais nos mecanismos da produção económica (capitalista), bem
descritos por Marx. Mas antes em reproduzir, neste domínio do politico, todo o modelo meto-
dológico proposto por Marx, descrevendo as forças produtivas, as condições de produçiío, as
relações sociais de produção, etc., em jogo no processo de produçao dos efeitos politico-
-institucionais. V., descrevendo com mais detalhe os passos desta metodologia quando aplicada
i história do direito, o meu artigo O materialismo histdrico na histdria do direito, em A. M.
Hespanha. A Histdria do direito na histdria social, Lisboa 1978 (aqui, alCm da de Marx,6 clara
a influência de L 'archéologie du savoir, de M. Foucault; mas, posteriormente, pude enrique-
cer o modelo com outros contributos teóricos, nomeadmaente de M. Weber e de P. Bourdieu).
' Duas prevenções de natureza terminológica. Chamo a atençáo para o facto de que nunca
utilizo, para descrever o sistema político anterior As revoluções liberais, palavras como «Estado»
e «publico» (por oposição a «privado»), carregadas de um tal peso pela teoria política oitocen-
tista e de tal modo investidas pela «filosofia politica espontilnean dos nossos dias que podem
contrabandear para a descriçáo hist6rica as maiores anacronias, mesmo a palavra ((administra-
ção» me parece tudo menos inocente, por insinuar a oposiçáo «governo/administraçBo» lan-
Apreciação global das estruturas do oficialato em Portugal nos meados
do séc. xvrr

O quadro I reúne dados relativos aos oficios politico-administrativos em


Portugal nos meados do séc. XVII 6.
Seria errado supor que aqui se compendia tudo quanto importa para uma
tal descrição «material» da vida politico-administrativa. Na verdade, faltam
muitos elementos desta descrição: dados sobre as tecnologias administrati-
vas (v.g., o modo de colher, transmitir e conservar a informação relevante);
sobre meios não humanos da administração (v.g., meios financeiros ou equi-
pamentos materiais); sobre o «habitus» (P. Bourdieu; i.e., a auto-
-representaçao espontânea que os agentes têm da sua actividade e do mundo
em que ela se realiza) dos oficiais (v.g., sistemas de formaçao e socialização
dos funcionários) e os modos intuitivos de actuar (((sentido prático))) que
dai decorrem (formas de classificar, de fazer, de dizer, de discorrer); sobre
as atitudes dos administrados perante a administração (procura que dela
faziam, estratégias de defesa perante ela, etc.).
Mas um adequado trabalho sobre os dados aqui recolhidos permite já,
a meu ver, avançar enormemente neste terreno virgem de uma história estru-
tural da vida político-administrativa.

çada pela teoria politica liberal. Por outro lado, não faço economia nas expressões mais técni-
cas da história juridica e institucional; correspondem a aquisições cientificase não vejo porque
t que os historiadores Mo-de ser desobrigados de as conhecer.
OS dados foram colhidos, no tlmbito de uma investigaflo mais alargada, em curso de
publicação, sobre o sistema do poder politico em Portugal pela mesma tpoca. As fontes e os
processos da sua elaboração d o ai pormenorizadamente descritos. Em resumo: os dados rela-
tivos aos oficios são colhidos do ((Livrodas avalliaçoens de todos os officios do Reyno de Por-
tugal. 1640))(L.A.O.). preciosa lista de cerca dos 12 000 oficios reais, locais ou senhoriais, repar-
tidos pelos cerca de 900 concelhos do pais (existente no Arquivo da Ajuda. 49-12-11/12, cujo
conteúdo será editado na referida publicaçáo) ou, para as ouvidorias de Valença, Braga. Bar-
celos, Bragança e Vila Viçosa, de Antonio Carvalho da Costa, Corografia portugueza.. ., Lis-
boa 1706-1712; os dados demográficos s8o colhidos desta última obra, sendo utilizado. para
a conversão vizinho/habitante, o coeficiente 3.3; os dados corogr8ficos baseiam-se, fundamen-
talmente, no L.A.O., em Carvalho da Costa e em Vicente Ribeiro de Meireles. Promptudrio
das terras de Portugal (1689). A.N.T.T., Livraria 2298; a reconstituição da &ea dos concelhos
foi feita com base nestas duas últimas fontes e numa carta das actuais freguesias (Comkdo
Nacional do Ambiente. Carta administrativa de Poriugal. 11250 000, Lisboa 1980). Os valo-
res das sisas, aqui utilizadas como indicador económico, foram colhidos dos contratos de enca-
beçamento quinhentista existentes no A.N.T.T. (indice 260 C) ou calculados indirectamente a
partir dos emolumentos dos respectivos escrivães, contidos no L.A.O. Todos estes dados foram
objecto de tratamento informático que os sujeitava a testes de fiabilidade e facilitava a sua ges-
t8o. A própria representação cartográfica t feita automaticamente por computador, uma vez
construido e memorizado um mapa padr8o (por concelhos e por comarcas. sendo O Ultimo O
b i c o utilizado neste artigo).
4, QUADRO I
00 OFÍCIOSEM 1640 (POR COMARCAS)
TOTAL OFICIOS RAMOS DE ADMINISTRAÇÃO POP/OFIC OFI/AREA OFIC/CIRCUNSC.

(Para os códigos das comarcas v. o Mapa I)


MAPA I
COMARCAS E OUVIDORIAS (1640)

LEGENDAS:

O GuimarBes
1 Braga
2 Viana
3 Valença
4 Barcelos
5 Porto
6 Moncorvo
7 Miranda
8 Bragança
a Lisboa
b Coimbra
d Esgueira
e Torres
f Viseu
g Larnego
h Pinhel
i Guarda
j C. Branco
k Évora
1 Beja
m Ourique
n V. Viçosa
o Elvas
p Portalegrc
q Crato
r Aviz
t Tavira
u Leiria
v Tomar
x SantarCm
y Saribal
w Lagos
MAPA I1
OF~CIOSPOR COMARCA (1640)
O mapa 11 projecta sobre uma carta das comarcas (ou ouvidorias; para
a mancha geografica de cada uma delas, v. mapa I) o volume global dos ofi-
ciais de cada uma delas (col. 2 do quadro I) '.
A imagem que se colhe é a de uma distribuição regional dos ofícios razoa-
velmente equilibrada. Pelo menos, o macrocefalismo que caracteriza a admi-
nistração pública actual não se verificava ainda. Se não considerarmos os
ofícios do «governo», Lisboa representa apenas 5 %, do total; mas, mesmo
que os considerarmos, o «quadrado» de Lisboa seria apenas como o que,
para comparação, figura no mapa 11, sobre o mar. Na «província», em con-
trapartida, estão os 95 %, restantes (14 To em Entre-Douro e Minho, 6 %
em Trás-os-Montes, 36 % na Beira - em que se inclui as comarcas de Coim-
bra e Esgueira e a ouvidoria do Crato -, 16 % na Estremadura e 23 To no
Alentejo e Algarve); ou mesmo mais, se atendermos a que os dados de Viseu
e de Setúbal estão incompletos.
O Minho, a Beira e a Estremadura constituem, assim, a zona mais equi-
pada do ponto de vista político administrativo.
Estas considerações têm a sua importância para o estudo dos mecanis-
mos do poder. Na verdade, cada agente político tem uma capacidade limi-
tada de controlo. Do ponto de vista espacial, a sua acção está limitada pela
acessibilidade geográfica, nomeadamente pela distância. As fontes jurídicas
medievais estabeleciam, por isso, padrões para os espaços jurisdicionais, cujo
âmbito deveria permitir o seu percurso num dia (dieta, cinco léguas) '. Do
ponto de vista demográfico, a capacidade de controlo é também limitada,
variando na razão inversa da densidade populacional. Se, como diziam os
juristas medievais, o «território» é o «espaço politicamente equipado)) (ter-
ritorium est spatium armatum iurisdictionis), o núcleo territorial do reino
era constituído pelo espaço entre o Minho e o Tejo; sendo a sua «periferia»
constituída pelas abas transmontana e alentejana.
Os dados político-administrativos com que estamos a lidar são, no
entanto, muito agregados para permitir tais conclusões. Nos números dos
ofícios incluem-se cargos pertencentes a universos político-administrativos
distintos, utilizando tecnologias administrativas diversas, interessando gru-

' Estão incompletos os dados referentes a Viseu e Setúbal, pois o L.A.O. nào contem a
listagem dos ofícios «honorários» dos concelhos (juizes, vereadores, almotacks e procuradores
do concelho). Pode supor-se, por extrapolação, que Viseu ter&mais cerca de 500 funcionlrios
e Setubal mais perto de 120. Os dados de Lisboa não incluem os ofícios dos Órgãos da «admi-
nistraçáo central» (Casa da Suplicação, Desembargo do Paço, Conselho da Fazenda, Santo Ofi-
cio, Mesa da Consciência - ao todo, cerca de 500 oficiais), nem os d o Porto os da Casa do
Cível (cerca de 50). Algumas particularidades que podem explicar «anomalias»: os dados de
Coimbra e Évora incluem os ofícios da Universidade, excepto os professores (cerca de 30 e 6,
respectivamente); os de SantarCm, os ofícios das lezírias (cerca de 60); os de Ourique, os d o
«campo» e alguns benefícios eclesiásticos (cerca de 20 e 90, respectivamente); e os de Lagos,
os das almadravas (cerca de 30).
Cf., entre n6s, Ord. Fil., I, 18; I , 91.13; 111, 56,6; sobre as relações entre espaço e poder
na teoria política do Antigo Regime, v. o meu artigo, L'espacepolilique duns I'ancien rdgime,
((Estudos em homenagem dos Professores Manuel Paulo Merêa e Guilherme Braga da Cruz»,
I, Coimbra 1983.
pos sociais diferentes, recortando diversamente o espaço e integrando-se em
estratégias políticas não homogéneas ou, mesmo, conflituais.
Na verdade, representa uma deformação idealista o supor-se que a adrni-
nistraçáo - mesmo hoje - corresponde a um sistema unificado e coerente.
Nos equipamentos políticos de todas as épocas coexistem modelos que a his-
tória progressivamente sedimentou, cada qual dotado de uma lógica interna,
combinando a seu modo o espaço, as tecnologias, os equipamentos e os des-
tinatários da acção político-administrativa numa estratégia diferenciada de
exercicio do poder. Na evolução dos sistemas de poder, nenhum sistema
superveniente risca completamente o anterior; nem tão pouco o integra tão
harmonicamente que ambos passem a fazer corpo numa só peça. A suces-
são 6 sempre conflitual e compromissória. O resultado é sempre um equilí-
brio de elementos dispares, por vezes ligados por reconversões funcionais,
mas por vezes em aberta conflitualidade.
A análise deve, portanto, diversificar este agregado, distinguindo os sis-
temas político-administrativos que ele integra. Cada qual marcando um domi-
nio territorial de vigência, utilizando certos equipamentos institucionais,
dirigindo-se a um determinado universo social 9. Todos eles, finalmente, man-
tendo mútuas relaçdes que reconduzem à pluralidade à unidade; náo à uni-
dade «pensada» de um projecto inicial, mas a unidade «verificada» de uma
coexistência imposta pela história.
É esta desagregação que orientará a análise subsequente, em que se enca-
rará o aparelho político administrativo do Antigo Regime português como
a sobreposição conflitual de três sistemas de organização política, correspon-
dentes a universos heterogéneos de poder.

1. As estruturas politico-administrativas do sistema «concelhio».

A coluna 2 do quadro I permite verificar que a esmagadora maioria dos


ofícios são ofícios «locais».
Nesta designação comprendemos os cargos honorários dos concelhos
(vereadores, juízes ordinários, almotaces, procuradores do concelho), bem
como os restantes ofícios de eleição ou nomeação concelhia (ofícios dos
órfãos, das sisas, escrivães, contadores, porteiros, tesoureiros, caminheiros,
etc.).
A correspondente tecnologia político-administrativa baseava-se ainda
essencialmente na comunicação oral e, logo, no exercício ((presencial~do
poder 'O. O seu âmbito territorial de eficácia era, portanto, reduzido. Em
princípio, os limites territoriais de uma jurisdição correspondiam, como se

Esta pluralidade dos sistemas de poder importa, assim, uma pluralidade dos territórios
e uma pluralidade dos universos dos súbditos. Qualquer destas pluralidades é típica das forma-
ções políticas do Antigo Regime; o que toma, a meu ver, impossível caracterizá-las como siste-
mas «estaduais» («um território, um povo, um poder))).
'O V. o meu artigo ((L'Espace Politique dans 1'Ancien Regime)), EStudos em homenagem
dos Professores Manuel Paulo Merêa e Guilherme Braga de Cruz. 1, Coimbra, 1983.
disse, ao espaço geográfico que, a partir do centro, podia ser visitado (ida
e volta) num dia, ou seja aos 25 km de raio, para uma acessibilidade ideal;
em condições mais deficientes de acesso, esta distância fosse ultrapassada
ou quando, de qualquer modo (v.g., pelo aumento drástico da dimensão
demográfica das comunidades urbanas), as condiçdes de eficácia do sistema
deixassem de se verificar, o tipo de organização político-administrativa
tornava-se ineficaz e, na prática, era substituído por outros mecanismos de
poder.
No Portugal do Antigo Regime, estas condições verificavam-se, de forma
ideal, no norte litoral, na Beira interior e litoral, e, até certo ponto, na Estre-
madura. Em Entre-Douro e Minho e no interior duriense (comarca de
Lamego), a área média das terras com jurisdição própria é, respectivamente,
de 38 e 95 km2, a que correspondem raios de 3,5 a 5,5 km2. Na Beira, encon-
tramos áreas médias (e raios) semelhantes - oscilando entre 62 km2 (raio,
4,4 km) (Coimbra e Pinhel) e 42 km (raio, 3,7 km) (Esgueira). Na Estrema-
dura, a área média dos concelhos é de 86 km2 (raio, 5,6 km). No resto do
país, a situação era já diferente. Em Trás-os-Montes - excluída a zona lame-
cense -, a área média dos alfozes concelhios atingia cerca de 160 km2, a
que correspondem raios de mais de 7 km. Tal como na extensa comarca de
Castelo Branco. Mesmo na da Guarda, existem concelhos enormes, como
o da Covilhã, com mais de 1200 km2. É, porém, no Alentejo e no Algarve
que o «gigantismo» concelhio irrompe: áreas médias rondando os 300 km2,
com raios de cerca de 10 km. Não estamos, ainda, nos limites extremos dos
25 km de raio, mas, de qualquer modo, os ambientes de imediação das rela-
çdes administrativas em que se baseava o sistema político concelhio estâo
quebrados. Os concelhos do sul do país não constituem a expressão político-
-territoria1 das comunidades naturais, sendo antes unidades políticas artifi-
ciais, criadas «a partir de cima». Não correspondem à 16gica da auto-
-organização das populações, mas a uma lógica de hetero-organização (pela
coroa), em obediência a desígnios de poder que vêm, também, de fora. Sendo
assim, a administração concelhia, não podendo monopolizar o universo das
relações de poder, remete necessariamente para outros sistemas político-
-administrativos, a montante ou a juzante l i .
Os mapas 111 e IV - que cartografam a densidade dos ofícios locais (o
primeiro em relação à população, o segundo em relação à área) - confir-
mam o que antes se disse quanto às áreas nucleares de incidência do sistema
administrativo «local». O único traço paradoxal é a grandeza da ratio habi-
tante/ofício nas comarcas inter-amnenses (e, também, na de Esgueira). Isto
explica-se, porventura, por dois factos. Primeiro, pela abundância de cou-
tos e honras, em que as estruturas do oficialato estavam involuidas em rela-
ção ao estádio concelhio, pertencendo ainda a modelos anteriores, patriarcais-

" A montante (i.e., no sentido de formas mais arcaicas de organizaçáo), remetia para for-
mas comunitárias de organizaçáo, que o «reconhecimento» das jurisdições aldeãs («aldeias Limi-
tadas~,em alguns termos extensos, como o de Castelo Branco, Guarda, Santartm. Évora) per-
mitia coonestar com o sistema «concelhio» oficial; a juzante (i.e., no sentido de formas mais
modernas), devolvia as suas tarefas para as magistraturas reais.
43
MAPA I11
DENSIDADE DOS OFÍCIOS LOCAIS
EM RELAÇAOA AREA
(POR COMARCAS, 1640)

-
-
Falta de dados
- menos de .10 of./km2
- .16 - .21 of./km2
. ..
.-
.-
-g
--. .
mais de .21 of./km2
MAPA IV
RELAÇÃO POPULAÇAO/OF~CIOS LOCAIS
(PORCOMARCAS,1640)

Falta de dados
mais de 200 hab./of.
161 - 200 hab./of.
121 - 160 hab./of.
menos de 121 hab./of.
-comunitários (a que adiante nos referiremos), de organização política (v.g.,
justiça administrada pessoalmente pelo senhor, inexistência de escrivães pr6-
prios). Depois, pelo dinamismo demográfico destas zonas durante os sécu-
los xvr e XVII (saltos de 80 % ou mais, entre 1527 e c. 1700, para o litoral
ao norte do Vouga, exceptuando Barcelos): dada a rigidez das estruturas do
oficialato, devida à natureza patrimonial dos ofícios, estas não tinham expe-
rimentado um crescimento correspondente ao da população, tendo-se con-
sequentemente, adelgaçado o equipamento político-administrativo da zona.

As estruturas político-administrativas locais não constituem, no entanto,


um sistema homogéneo e unívoco. Pois tambtm nelas se sobrepõem cargos
e processos surgidos em épocas distintas, ligados a universos político-sociais
diferentes, baseados em tecnologias administrativas diversas.
Na verdade, o sistema político «concelhio», tal como estava institucio-
nalizado no séc. XVII,remontava aos finais da idade média e constituía a
forma «racionalizada» de um sistema político-administrativo mais arcaico,
que aqui designamos por ((patriarcal-comunitário)). Os funcionários hono-
rários dos concelhos são, pela sua forma de designação e pelas suas funções,
os ((honoratiores))(os ((homens bons)), ((vizinhos honrados)), old men, great
men) das comunidades camponesas tradicionais 12.
A diferença está em que, agora, estas estruturas honorárias aparecem inte-
gradas num contexto administrativo «racionalizado». Ou seja, as suas com-
petências e o processo da sua actuação aparecem formalizados por normas
escritas, provenientes do movimento de redacção dos costumes dos fins da
idade média, e reduzidos a padrões vigentes para todo o reino (Regimento
dos oficiais das cidades, vilas e lugares destes reinos, 1502; Ordenações do
reino, a partir de 1446). A coroa fomenta, por outro lado, o registo escrito
das suas decisões (redacção das posturas), bem como, em geral, a redução
a escrito de toda a vida administrativa e do processo de resolução de confli-
tos (processo escrito). Tudo isto visando funções de recurso e de controle
que o sistema político patriarcal-comunitário - baseado num reconhecimento
«natural» e «ilimitado» dois líderes da comunidade - evidentemente não
conhecia. Ao mesmo tempo, o crescimento dos agregados humanos e a diver-
sificação da vida social tornavam impossível um tratamento directo de todas
as questões pelos magistrados honorários e faziam surgir a necessidade de
funcionários profissionais e especializados.
É esta «racionalização» da vida político-administrativa l 3 que faz surgir,
ao lado das magistraturas honorárias das ((comunidadespatriarcais)), um ofi-

Relacionando a t a matriz administrativa como o tipo «patriarcal» de poder da tipologia


weberiana. v. o meu citado artigo, L'espoce politique ...
" Utilizo a expressão «racionalizaç80» entre aspas, para me demarcar dos pontos de vista,
hoje correntes na literatura histórica :obretudo alem8 e norte-americana, da «modernization
theory» que v2 na evoluç8o das formas politicas e jurídicas um progresso no sentido de formas
mais racionais de organizaç80. A pr6pria subsunç8o dos conflitos sociais a uma resoluç80 de
tipo juridico (Verrechtlichung) significaria um progresso neste sentido. Penso que o tom nor-
mativo («eurocêntrico») desta teoria impede que se tenha consciencia do pluralismo das for-
mas históricas (ou actuais) de organização social e que o seu finalismo transforma o tipo «legal-
cialato local profissionalizado, de que destacamos, pela sua importância estru-
tural 14, OS escrivães (tabeliães ou notários).
Este sistema de poder em que a comunicação escrita passa a desempe-
nhar um papel central origina transformações políticas e culturais importan-
tíssimas. Não me refiro aqui às úitimas, embora pense que a historiografia
tem, geralmente, passado por cima do problema 15. Mas sublinho brevemente
as primeiras 16. Desde logo, a escrita permite o alargamento do ambito espa-
cial do poder; a carta permite produzir efeitos político-administrativos em
lugares distantes. Depois, a escrita vence o tempo, criando uma memória
administrativa mais certa e comprovável. No domínio dos processos jurídi-
cos e administrativos, ela estabelece novos meios de prova, um novo recorte
do caso sub judice, um novo ritmo temporal de desenvolvimento processual,
um novo estilo de participação no processo e uma nova estratégia de resolu-
ção dos conflitos. No plano dos mecanismos de controle político, a redução
a escrito dos actos políticos possibilita o recurso fácil para instâncias politi-
cas superiores e a reapreciação por estas da decisão inferior.
Mas, sobretudo, a escrita introduz um factor de descriminação social,
que virá a ser decisivo durante toda a época moderna - a distinção entre
alfabetizados e analfabetos. Perante a mensagem escrita, uma parte impor-
tantíssima da sociedade moderna fica marginalizada e dependente da media-
ção dos possuidores de um certo capital cultural - saber ler e escrever 16.
Tal como a concentração dos meios de produção económica, a escrita ori-
gina uma forma de «proletarização» cultural, expropriando os analfabetos
da capacidade de intervenção no processo político-administrativo e tornando-
-os dependentes de quem saiba ler ou escrever. É a esta luz que tSm que ser
interpretados muitos factos da história cultural e política, por exemplo, toda
a história escolar; mas também, no domínio que agora nos ocupa, a hostili-
dade social em relação aos escrivães (ou, em geral, aos letrados) e, entre nós,
a frequente equiparação entre «letrado» e ((cristão novo)).
Avaliar do impacto do sistema da administração «escrita» ganha, então,
uma importância fundamental, pois é por este meio que poderemos contra-
-distinguir, no Mundo da administração local, aquilo a que aqui chamamos
o sistema político-administrtivo «concelhio» do sistema ((patriarcal-comu-
nitário)).

-racional» de organização política @ara utilizar a expressão de Weber) no modelo do fim dos
tempos. Sobre a ((teoria da moderniza&o». H.-U.Wehler, Modernisierungstheorie und Ges-
chichte, mttingen 1975; quanto A ideia de «juridicizaçáo», ela tem recebido um novo impulso
com o impacto da sociologia social e jurídica de Niklas Luhmann.
'' Os escrivães tinham um lugar de destaque nas hierarquias sociais e económicas das comu-
nidades locais. Mas não C a isso que me refiro aqui. O que quero destacar C a sua natureza
de sintoma típico no diagnóstico diferencial entre dois sistemas de organizaçáo político-admi-
nistrativa.
lJSobre as consequências culturais da passagem ao mundo da comuni@o escrita, v., por
iiltimo. J. Goody, The domestication of savage mind, Cambridge 1977, e W. Ong, Orality and
literacy. The technologizing of the world, Methuen 1982.
l6 Sobre o problema, com maior desenvolvimento, o meu artigo Savants et rustiques. L a
violence douce de Ia raison juridique, «Ius commune)), 10 (1983) I ss.

47
A existência de escrivães, s6 por si, independentemente do impacto social
da sua actividade, não chega, como traço distintivo. Mas já será importante
calcular a procura social da administração escrita; ou seja, a frequência com
que os seus serviços eram requisitados. Uma avaliação directa desta procura
exigiria um trabalho sistemático de pesquisa dos arquivos notariais e judi-
ciais hoje impossível. É possível, porém, um cômputo indirecto, através dos
montantes dos emolumentos notariais que, no Antigo Regime, eram conta-
dos à linha ou à página ''.
Como, no L.A.O., dispomos dos emolumentos
dos escrivães, este cômputo pode ser feito, fornecendo um indicador de pri-
meira importância par o objectivo aqui em vista. Isolamos os emolumentos
dos ~escrivãesdo público e judicial)) - que eram os escrivães mais indife-
renciados e, logo, aqueles em que mais directamente se reflectia a procura
social - e relacionámo-los, terra a terra, com os valores demográficos.
O mapa V representa o produto dessa operação. Por aí se vê que, aparte
casos particulares a explicar ou por deficiências das fontes ou por circuns-
tâncias locais que s6 uma pesquisa monográfica pode despistar, o compor-
tamento das populações perante o sistema «escritural» de administração obe-
dece a padrões regionais muito nítidos. O Norte e a Beira recorrem pouco
aos escrivães. Os casos especiais de Porto e Coimbra explicam-se como vere-
mos, pelo peso, nos cálculos destas comarcas, dos valores dos grandes aglo-
merados urbanos das respectivas capitais. Ao sul do eixo Estrela / Candiei-
ros - já conhecido da cartografação de outras áreas culturais l 8 - os
escrivães têm uma procura bastante mais intensa. No Alentejo, o verdadeiro
núcleo desta área «escritural» da actividade político-administrativa, as capi-
tações dos emolumentos notariais rondam o dobro das verificadas na área
beirã. Excepção é, apenas, Ourique, uma comarca que, do ponto de vista
administrativo, apresenta características sui generis.
Quando se diz que, no sul do País, as populações recorriam mais aos ser-
viços dos escrivães, isto pode querer significar uma de duas coisas: ou (I)
que toda a gente ia mais vezes ao notário ou (11) que o subgrupo das pes-
soas que costumavam ir ao notário era maior, sendo ou não constante a fre-
quência com que cada um aí ia 19. Inclino-me para supor que a segunda hipó-
tese é a mais real. O que julgo variar regionalmente é a dimensão do grupo
de pessoas tocadas pelo processo da administração «escritural». A dimen-
são deste grupo estaria em relação, nomeadamente, com a dimensão do grupo

" Cf. Ord. Fil., I , 84.


V., por último, as referências de J. Mattoso, Identificação de um país. Ensaio sobre
as origens de Portugal, 1096-1325. 1, Lisboa 1985, 25 ss.
l9 Podemos exprimir a alternativa através de fórmulas:
(I) N = (V x P) / P
(2) N = (V x L) / P
L = f (P),
em que N representa a procura media individual do notário; V , a frequencia média com que
cada pessoa vai ao notário; P, a populaçáo; L, o grupo «letrado» desta população. Em (I),
a variaçáo regional de N apenas depende da variaçáo de V. Em (2), tal variaç8o pode depender
de V, mas também do valor da função f(P), ou seja, da relação entre o grupo «letrado» e a
população total.
MAPA V
RELAÇÃO ENTRE OS EMOLUMENTOS
NOTARIAIS E A POPULAÇÃO
(POR COMARCAS, 1640)

Falta de dados
menos de 17 rs./hab.
17 - 22 rs./hab.
23 - 28 rs./hab.
mais de 28 rs./hab.
alfabetizado da população; mas factores como o grau de urbanização e o
contacto com os meios letrados deveriam promover também o recurso à
forma escrita. Em contrapartida, o analfabetismo e o isolamento em peque-
nas comunidades tradicionais deviam contribuir para manter eficazes os pro-
cessos tradicionais-orais da actividade político-administrativa.
Podemos tentar um cálculo. Sabemos que a soma dos emolumentos dos
tabeliães (E) era, para todo o pais, cerca de 34 000 000 rs.. Sabemos, por
outro lado, que cerca de 2/5 desta soma correspondiam a emolumentos
((notariais)) (N). Segundo as tabelas emolumentares da época, a cada lauda
(25 linhas) (L) correspondiam 10 rs. de emolumentos fixos, mais uma
pequena quantia por acto, variável. Digamos, no conjunto, 15 rs. por lauda.
Uma sondagem feita em livros notariais 'O permitiu-nos estabelecer valores
médios das relações lauda/acto (8 laudas por acto) e outorgante/acto (2,3
outorgantes/acto). Assim, o cálculo do número de outorgantes obtém-se pelo
seguinte grupo de expressões:

fazendo as substituições:
O = ((((E x 2) / 5) / 15) / 8) x 2,3;
em que A é o número de actos e O o número de outorgantes.
O resultado é de cerca de 260 000 pessoas; o que, numa população glo-
bal de 1 milhão e 800 mil habitantes, representa cerca de 14 por cento. Na
parte judicial, a relação emolumentos/intervenientes devia ser muito infe-
rior, pois o número de laudas por processo era muito superior, enquanto
que o número de partes em cada processo devia ser pouco mais ou menos
o mesmo. Supondo que, em média, cada processo tinha, digamos, 35 lau-
das, obteremos cerca de 90 000 pessoas, de certo recrutadas no mesmo grupo
''.
dos referidos 14 a 15 %. Acontece que alguns cálculos disponíveis sobre
níveis de alfabetização (sobretudo para as zonas urbanas e suburbanas) apon-
tam para valores correspondentes ".

" Utilizando o Index das notas de vários tabeliães de Lisboa entre os anos de 1580 e 1747,
Lisboa 1931-1949, 4 vols.
2 1 Repetindo os cálculos por comarca: em Guimaráes, 23 %; em Viana, 12 %; no Porto,
17 %; em Moncorvo, 9 %; em Coimbra, 20 %; em Esgueira, 12 %; em Viseu, 14 %; em
Lamego, 9 %; em Pinhel, 11 Qo; na Guarda, 11 %; em Castelo Branco, 14 %; em Leiria, 9 %;
em Tomar, 21 %; em Torres Vedras, 24 %; em Santarem, 39 W;no Crato, 10 %; em Évora,
23 Qo; em Beja, 19 %; em Ourique, 19 %; em Elvas, 24 %; em Portalegre, 36 Vo; em Avif
21 %; em Setúbal, 39 %; em Tavira, 26 %; e em Lagos, 19 Vo.
22 Cf., F. Ribeiro da Silva, Níveis de alfabetização de oficiais administrativos e judiciais
dos concelhos de Refojos de Riba d'Ave e da Maia, na I . ' metade do séc. XVII, <<Actasdo
colóquio de história local e regional», Santo Tirso 1979; O concelho de Guia na 1." metade
do sbc. XVII: instituições e níveis de alfabetizaçüo dos funcionários, «Gaya» 2(1984).
Uma idêntica ddmarche em relação a outras «escrivaninhas» daria, decerto
resultados algo semelhantes, embora devesse ser tido em conta o significado
particular de cada uma delas 23.
O estudo da procura da administração «escritural» permitiu-nos obter
uma imagem mais precisa dos contornos dos dois sistemas politico-
-administrativos locais a que aqui temos chamado ((patriarcal-comunitário))
e «concelhio», respectivamente.
Vimos que o primeiro, a que correspondem zonas de retracção perante
a administração «escritural» e de predominância dos processos e tecnologias
da administração «honorária», tem os seus núcleos no Alto Minho, em Trás-
-os-Montes, na Beira Alta e na zona norte da Estremadura (comarca de
Esgueira e de Leiria). Em geral, corresponde, como já se tem dito, ao terri-
tório ao norte do eixo Estrela-Candieiros; embora aí existam bolsas de
implantação da administração concelhia «racionalizada» e aescritural)), como
Guimarães, Porto e Coimbra 24. O Sul deste eixo, corresponde B zona de
implantação do sistema «concelhio».
O falar de «zonas» não nos deve fazer cair no ((fetichismo geográfico)),
que equivaleria a explicar estas diferenças por factores residentes no próprio
espaço. Como já vimos, não se trata disso; nem tão pouco de supor, para
cada zona, um comportamento homogéneo de todas as camadas sociais
perante o poder ou do poder perante todas as camadas sociais. Pelo contrá-
rio. Em todas as zonas há grupos que mantêm uma relação muito estreita
(praticamente exclusiva) com os processos administrativos tradicionais - são,
porventura, os analfabetos, os membros das comunidades isoladas, talvez
a maior parte das mulheres; estes grupos constituem, ate, a maioria, mesmo
no sul. Mas, em todas as zonas, há também grupos que vivem já no mundo
da administração escrita: são os alfabetizados, os urbanizados, talvez os
comerciantes, etc. Constituem uma minoria; mas, nas zonas do sul, espe-

'' O estudo das assimetrias regionais dos emolumentos dos eSmvik dos 6rftios, por exemplo,
pode reflectir, por ventura, a dissoluçáo da família extensa. Na verdade, da cartografaçáo das
capitaçóes emolumentaresresultam duas grandes zonas: uma em que pouco se recorre ti «assis-
tsncia publica» aos orfáos (sinal de vigor das estruturas familiares extensas); outra em que os
oficiais dos órfáos sáo muito requisitados. A primeira abrange todas as comarcas minhotas e
transmontanas; as da Beira Alta (embora Vixu e Pinhel tenham valores mais altos); e as da
Estremadura, excepto Torres e Santarem. Ou seja, uma vez mais, o país ao norte do eixo
Candieiras-Estrela. A segunda zona abrange o sul da Estremadura, a comarca de Castelo Branco,
o Alentejo (mas Aviz tem valores mais baixos) e Tavira, no Algarve.
Se prosseguíssemos a averiguaçáo no interior de cada uma destas comarcas talvez encon-
trAssemos explicações. Assim, em Guimarties, os valores globais sáo «feitos» pelas capitações
emolumentares altas do centrohorte da comarca, nomeadamente dotadas de uma administra-
&o «letrada» (juiz de fora), como Guimarties e Cabeceiras. No Porto, trata-se do peso do Porto;
curiosamente, os julgados vizinhos (Foz, Maia, Rio Tinto) apresentam baixas capitações, decerto
porque os seus vizinhos aproveitavam as idas ti cidade pata tratar dos seus assuntos jurídico-
-administrativos. A ventilação regional dos dados de Coimbra, mostra que o litoral (Canta-
nhede, Louriçal, Buarcos, Tentugal) tem valores baixos, tal como a zona contígua e semelhante
da comarca de Esgueira, explicando-se os valores altos pelo peso de Coimbra e de certas terras
com administração «letrada» (como Tentugal); mais difíceis de explicar são as altas capitações
de Miranda do Corvo. V. mapas VI.
MAPA VI. 1
RELAÇÃO EMOLUMENTOS
DOS TABELIÃES/POPULAÇÃO
(ENTRE DOURO E MINHO)
MAPA VI.2
RELAÇÃOEMOLUMENTOS DOS TABELIÃES/POPULAÇÃO
(COMARCA DE COIMBRA)

- --- --
- -- -
- Csntsnhede-

-
-
I

-
e - -

- -
- - LI
- - --
- -
-I I

---
,----
--TentÚgal rn-Ança-
- i
-
-- -

-
---
-Buarcos-
-- -
Hontemor
-
Coimbra
-Arganil-L
--
--
-
-- - - -
'7

- I
---
=
-
-
--
Lous. -
-

-
-
I
I
--

--
I
-- I
I
-

--
v
-
7

--
I

-coimbre
I
Falta de dad

- Louriçal

--- i
I

I
-H
E me
121 - hab./of.
s de 121 hab./of.
RELAÇÃOENTRE OS EMOLUMENTOS DOS ESCRIVÃES
AS SISAS E OS DOS T A B E L I ~ E S
(TODAS AS TERRAS DE QUE SE CONHECEM AMBOS OS VALORES

1 EMOL.
Coimhra
TRBEL.

Porto
Ouimrrhrs @

@ BeJa

@ Euora @ Portalrsre

virna O @ *rWte+ Sotbbrl 0


@ Moura
I

@T-Nouu @ T w i r a

I
1

Bestriros LEOENDR :
+ MINHO E DOURO
O TRAS-OS-IIONTES
oCrl. B r l r a *
O
EXTREMRDURA
BEIRA
RLENT. E ALO.
Trrncoso
o Oouueia
TuicOS ,,
F o r do D o u r o
EMOL. + F S ~ . + r+as

I Fbrmula dr r c g r r s s l o I Coef. dr c o r r r l w ã o I

Oeral 128429,569 + <6,568 x X > I 8,671 I


Minho e Douro 123898,678 + (5,578 x X> I 8,729 I
Tras-os-Montes 131375,574 + (4,858 x X > I 0,297 I
Brira 114434,884 + <5,169 x X> I 8,789 I
Eatremadura 1 3242,904 + <18,196 x X > I 8,682 I
Rlcnt. r Rlg. 146411,888 + <6,659 x X > I 8,725 I

2. P e r c r n t a g r m dos pontos a c i m a da r r c t a d e rcgrrss&, por c o m u u r .

<a> -cmarca:
<b> -nbmrro total d e pontos;
< c > - p r r c r n t a g r m d r p o n t o s a c i m a da r r c t a de r r g r e s s b i

Ouim. Lunrgo Crato


virna Pinhrl Avir
Porto Ouarda T w i r a
Monc .
Mirrnd.
C.Brinc.
Euora
Leiria
Tomar
Coinhra BeJa Lagos
Esgr~ci .
T. V e d r .
O u r ique
E l u u
SantarCm
SrtSbi1
'I is e u Portal.
cialmente no litoral, aproximam-se do equilíbrio com os outros. A questão
«das zonas» é, assim, antes uma questão de equilíbrios de grupos sociais por-
tadores de atitudes diferentes perante a administração e com quem esta lida
de maneira também diversa; embora estes equilíbrios apresentem assimetrias
explicáveis a partir dos dados sócio-culturais de cada zona 25.

2. As estruturas político-administrativas da coroa

Aos sistemas político-administrativos locais sobrepunha-se o sistema


político-administrativo da coroa, que se vinha a desenvolver desde a idade
mtdia.
Tratava-se de um mecanismo destinado a impor a todo o reino o poder
do rei e dos órgãos político palatinos. Implicava a constituição de um terri-
tório unificado e integrado do ponto de vista político-administrativo, bem
como a existência e operacionalidade de meios de comunicação entre o
centro e a periferia. Destes, são de destacar, para além da generalização da
comunicação escrita (único meio de vencer as distâncias correlativas a um
território integrado), a existência de uma rede de oficiais periféricos da admi-
nistração real, ligados ao centro por relações hierárquicas e exercendo sobre
a administração local um poder efectivo de controle.

'' Uma hipótese que conviria testar t a da verificação de uma relaçiKo entre a implantação
de uma economia aberta, de mercado, e a difusão de formas racionalizadas e escritas de admi-
nistração. Trata-se de uma assunção da ((teoria da modernizaZio» que logrou algumas confir-
mações empíricas (v., v.g. para a Espanha contemporânea, J. J. Toharia, Cambio social y vida
juridica en Espatia, Madrid 1974). Verificámos a hipótese relacionando um indicador da fre-
quencia das transacções (emolumentos dos escrivães das sisas) com um indicador da procura
dos serviços dos tabeliães, atravts do método da regressão linear. Os resultados estão expres-
sos no gráfico I. Em geral pode dizer-se que a relação entre as duas variáveis t significativa
(coeficientes de correlação superiores a 0,671). A análise do scattergram permite-nos verificar
que acima da recta de regressão (logo, com maior propensão «escritural» d o que seria de espe-
rar dado o grau de abertura da sua economia) se encontram: (I) as terras dotadas de uma admi-
nistração letrada (nomeadamente, as cabeças de comarca); (11) um grande número de terras
estremenhas e alentejanas. Em contrapartida, abaixo da recta de regressão a grande maioria
das terras de comarcas como Viana. Moncorvo, Coimbra, Lamego, Pinhel, Guarda, Leiria (mas
tambtm Évora e Lagos). Se, como fizemos noutro lugar, reproduzissemos o processo retendo
apenas as terras mais pequenas e menos ricas, o número de terras acima da recta diminuiria
nitidamente. Conclusões: a abertura C, certamente, um factor explicativo do recurso à admi-
nistração escrita. Mas, as assimetrias regionais verificadas não passam só por ai. Na verdade,
as zonas que identificámos como de cultura político-administrativa oral apresentam valores emo-
lumentares bastante inferiores aos que era de esperar em face do estádio de abertura da sua
economia. Ou seja, mesmo para condições económicas constantes, apresentam-se como zonas
involuidas do ponto de vista politico. O que comprova a eficácia, neste domínio, de factores
outros que a abertura mercantil da economia. Dois deles são, prova-o o mesmo gráfico, o fac-
tor propulsor da instalação de uma administração letrada; e, em sentido contrário, a exigui-
dad; das circunscrições - terras pequenas são, em mtdia, mais avessas a o uso da escrita como
meio de comunicação administrativa. Sobre o metodo de análise estatistica aqui utilizado, v.
a apresentação que dele fiz em L 'identificotion d'aires jurldico-culturelles d I'aide de I'analyse
statistique de Ia corrdation. Un rapport de recherche, «Rechtshistorische Journal)), 2(1983)
172-170.
MAPA VI1
OF~CIOSDA ADMINISTRAÇÃOREAL PERIFÉRICA
(POR COMARCAS, 1640)

esquerda - Alfândega
direita - Justiça
Neste artigo não iremos desenvolver todos estes pontos. Não poderemos,
por exemplo, mostrar detidamente que a relação entre o poder central e as
suas extensões periféricas não era de tipo hierárquico, porque os oficiais reais
da periferia tinham, em geral, um estatuto que os protegia - tanto na prá-
tica como na teoria - de injunções vindas de cima 26. Como não podere-
mos mostrar a independência, teórica e prática, dos concelhos em relação
à supervisão dos oficiais da administração real periférica.
Mas, para destruir certos equívocos translatícios da nossa historiografia,
creio que bastam os resultados dum exame quantitativo das estruturas do
oficialato régio e da sua distribuição tipológica e regional.
A coluna 4 do Quadro I mostra já a exiguidade dos equipamentos huma-
nos do poder real. O conjunto dos ofícios da administração periférica da
coroa não atinge, sequer, 10 % do número total dos cargos político-
-administrativos. O mapa VII, em que os efectivos destes ofícios por comarca
são representados por quadrados de área correspondente mostra, mais, que
o reino é, do ponto de vista deste sistema administrativo, um espaço «de
esqueleto externo)), pois os maiores volumes do oficialato régio se encon-
tram na periferia do território, cujo centro, em contrapartida se encontra
relativamente vazio.
Se atendermos a composição do oficialato régio aqui considerado, logo
encontramos a razão desta sua distribuição centrífuga. Como se vê da coluna
6 do quadro I,uma parte importante destes ofícios é constituída pelos car-
gos das alfândegas ou portos secos (que, no mapa VII, se encontram repre-
sentados pela mancha negra do lado esquerdo de cada quadrado).
O controle interior do reino articulava-se sobre os oficiais da justiça régia
(nomeadamente, corregedores), no domínio da justiça e em geral, da «admi-
nistração civil)): sobre os oficiais da fazenda (nomeadamente, provedores,
contadores e almoxarifes), no dominio fiscal e financeiro; e, no dominio mili-
tar, sobre os capitães-mor dos castelos e sobre as tropas pagas.
A pobreza quantitativa de qualquer destes grupos é espantosa, só por si
desmentindo de todo em todo os mitos «estadualistas» da nossa historiografia.
No domínio da justiça régia, apenas 8 % das terras do reino tinham juiz
de fora. Em comarcas como Braga (14 terras), Valença (5 terras), Porto (56
terras), Esgueira (52 terras), Viseu (60 terras), Pinhel (50 terras), Lamego
(93 terras) e Crato (14 terras), só havia um, o da cabeça da comarca. Quanto
aos corregedores, existia um só por comarca (nesta época, é mesmo duvi-
doso que os houvesse efectivos em Esgueira e Pinhel). A eficácia do con-
trole que podiam exercer sobre a vida local pode imaginar-se, se atender-
mos em que, na maior parte das comarcas do norte, o corregedor tinha que
visitar, por ano, mais de 50 terras. O que, contando com as demoras dos
transportes, lhe devia deixar 4 a 5 dias por terra, para se desincumbirem de
todas as tarefas que a lei lhes comete 27.

l6 V., sobre o tema, a minha Hktdria das instituiç6es. Épocas medieval e moderna, Coimbra
1982,... ss.
l7 V., em geral, Ord. Fil., I, 58; sobre a frequência das correições, v. ibid. n . O S 4, 5, 34,
35, 51.
57
No domínio da fazenda, tudo cabia ao provedor - que, na maior parte
das comarcas, acumulava o oficio de contador - e a almoxarifes, que ape-
nas existiam, nesta época, em 14 das 31 comarcas.
No domínio da milícia, a situação da coroa era ainda pior. A estrutura
militar baseava-se nas milícias concelhias reorganizadas por controversos regi-
mentos de D. Sebastião. O seu comando competia a capitães locais eleitos,
teoricamente sujeitos a capitães-mor. O que é certo é que esta organização
não funcionava senão em 11 das 3 1 comarcas (v. coluna 8 do quadro I), aqui
também de acordo com um modelo «centrífugo» que equipava a periferia
e deixava deserto o centro. Quanto aos militares pagos, que constituíram a
espinha dorsal dos exércitos modernos, o seu numero é de 60, para todo o
reino (soldados e bombardeiros sedeados em Peniche, em Sines e em alguns
pontos da costa algarvia).
Isto dá a medida da eficácia da administração real, ao mesmo tempo que
nos informa dos ((contornos reais» do território que lhe corresponde. Como
dá a medida do peso que o domínio político-administrativo efectivo do reino
tinha para a política da coroa. Até aos finais do século XVIII, quando o pro-
blema da reforma administativa se começa a pôr em termos modernos (ou
mesmo, se quisermos esperar por mudanças efectivas, até às reformas de
Mouzinho da Silveira), a coroa contentou-se, por um lado, com um poder
simbólico (esse, bem defendido) sobre o reino; e, por outro, com um con-
trole das fronteiras, não tanto como limites de um espaço jurisdicional ou
como linhas de defesa militar, mas sobretudo como locais de cobrança dos
tributos mais decisivos na estrutura financeira do reino, neste período - as
alfândegas. Reside justamente aqui, segundo creio, o traço decisivo para
explicar a singularidade deste sistema administrativo. Ao contrário do que
aconteceu em França ou na Prússia, o interior do reino não foi, durante os
séculos XVI e XVII,decisivo do ponto de vista das finanças da coroa. De
acordo com estudos que efectuei sobre ((folhas de receita do reino» de 1527
a 1680, o peso das receitas «internas» do reino (que eram, sobretudo, as dos
almoxarifados, em que se cobravam as sisas) foi decaindo durante estes dois
séculos (55 % em 1527; 61 % em 1557; 46 % em 1588 e em 1593; 24 % em
1607; 26 % em 1619; 28 % em 1625; 37 % em 1637; 15 % em 1632 e em
1660; e 11 % em 1680). A explicação para esta quebra está em que a gene-
ralidade dos ramos das sisas estava «encabeçada» (e, logo, fixa) desde a pri-
meira metade do séc. XVI.

3. As relações entre os três niveis administrativos

Os três níveis da administração - administração da coroa, administra-


ção «concelhia» e administração ((patriarcal-comunitária))- exercem-se sobre
espaços humanos e geográficcs comuns. É, portanto, inevitável que entre
eles se estabeleçam relações e que a autonomia originária de cada um se c o m
patibilize com a dos outros, no seio da um sistema global.
Se encararmos as coisas unicamente do ponto de vista da teoria jurídico-
-política da época, o sistema deixa-se descrever sem dificuldades. O nível
58
jurídico-político determinante é o da administração real, já que todas as juris-
dições inferiores decorrem da jurisdição do rei. A necessidade de confirma-
ção régia das «justiças» locais e o carácter delegado dos poderes de todos
.
os ofícios são duas das manifestações do princípio anterior
As coisas são, porém, bastante mais complicadas, pois estas fórmulas dou-
trinárias constituem expedientes dogmáticos destinados a coonestar com o
princípio «monárquico» a prática política pluralista.
Pelo contrário. A autonomia do mundo político local era efectiva e ori-
ginaria. E a lógica interna do sistema político-administrativo nem sequer era
a de se substituir ao sistema local; mas antes a de, deixando-o quanto possí-
vel intacto, estabelecer instâncias «externas» de controle, segundo um modelo
que a teoria administrativa recente denomina de «auto-governo)) (Selbstre-
gierung, seu-mie). Do ponto de vista sistémico, o funcionamento interno da
administração local era, para a administração real, um processo em «black
box)). As pretensões político-administrativas eram comunicadas às comuni-
dades por ({intermediáriospolíticos)) (Mittelsmanner), que as traduziam em
termos dos processos políticos internos. O output processava-se de forma
inversa: os aintermedidrios políticos)) recolhiam a resposta comunitária e
faziam-na chegar aos órgãos da administração central 29. No caso português,
a função de Mittelsmann era desempenhada pela câmara, ou, em certos ramos
sectoriais da administração, por órgãos especializados, como os escrivães das
sisas, os escrivães dos órfãos, os tabeliães ou os capitães (ou sargentos) das
milícias da ordenança. A presença, neste lote, dos escrivães C significativa
do tipo de comunicação político-administrativa intercorrente entre a admi-
nistração central e a local: a tradução que possibilitava a comunicação entre
um mundo e outro era, frequentemente, a transposição da mensagem local
para a linguagem escrita, racionalizada e padronizada, que anulava as par-
ticularidades regionais e reduzia tudo a formulações genéricas e omni-
-compreensivas.
Excepcionalmente, a administração central prescindia deste enxerto nas
estruturas locais, desenvolvendo-se, de forma completa e autónoma, desde
o centro até à periferia. É o que acontece, por exemplo, com a administra-
ção alfandegária, completamente isenta de servidões locais. Mas, de resto,
a administraão real arranca sempre, a montante, das estruturas políticas dos
concelhos.
Qualquer que fosse a sua eficácia prática, a administração da coroa ins-
tituía um modelo administrativo, promovendo o prestígio da tecnologia
«escritural». Optar pela escrita era colocar-se no interior de um sistema de
comunicação de que o rei era um dos pdlos. E, assim, por muito lento que

V . , sobre estes pontos (que desenvolvo mais em estudo a publicar), a minha Histdria
...,
das instituiçdes cit., 263 ss. e 398 ss.
29 V., sobre este modelo administrativo na história da administração (antigo regime, admi-
nistração colonial), G . Spittler, Abstraktes Wissen als Herrschaftsbasis zur Entstehungsges-
chichte burokratischer Herrschaft im Bauernstaat Preussen. «Kolner Zeits. f. Soziologie u.
Sozialpsychologie», 1980. 3, 574 ss.
o processo seja, a presença e prestígio da administração da coroa promove
continuamente a escrita como forma político-administrativa.
Esta promoção da escrita jogava dentro das próprias comunidades locais,
provocando uma contínua usura - mais pela violência simbólica do que pela
violência institucional - das formas tradicionais da administração não escrita
do sistema ((patriarcal-comunitário». O lustre das letras ofuscava a rudeza
dos iletrados; o mundo político tradicional era continuamente denunciado
como um «mundo dos rústicos)), com o qual se podia contemporizar no plano
institucional 'O, mas ao qual se dava uma guerra sem tréguas no plano sim-
bólico 3'. Não fora o isolamento e dificuldades como as de generalizar a alfa-
betização e de constituir um aparelho administrativo letrado, e o mundo polí-
tico tradicional das comunidades camponesas teria sucumbido.
Isto não aconteceu, porém; e, até aos finais do Antigo Regime, as zonas
de administração «comunitária» mantêm-se praticamente intocadas. A meu
ver, os grandes sobressaltos políticos dos meados do século passado corres-
pondem às primeiras agressões sérias e sistemáticas ao sistema político-
-administrativo tradicional nas comunidades camponesas do norte e do cen-
tro; que, no entanto, encontraram forças para sobreviver, em certas bolsas,
até ao sCc. xx como o demonstraram os estudos de antropologia de Jorge
Dias.

"Sinal disso C o reconhecimento, por exemplo, das magistraturas a i d a (juizes pedâneos),


embora a troco da sua subsunçâo As magistraturas do concelho.
" Descrevi detaihadamente este processo no artigo Savants et fustigues .... cit.

6o

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