Arruda. O Psicólogo Escolar na Busca de uma Identidade. Jornal do Federal, Conselho de Psicologia, Ano VIII, Nº 34, Agosto 1993.
Em artigo publicado em de modificar a prática pedagógica aristotélico-tomista do universo,
1984 na revista Ciência e cotidiana. Lavoisier rompeu com a alquimia Profissão, intitulado: O Neste questionamento, foi místico-religiosa, praticando, PSICÓLOGO ESCOLAR (1), na levantada a perspectiva de realizar ambos, verdadeiros atentados tentativa de esclarecer o papel do aperfeiçoamento docente em contra a ordem estabelecida” (4). deste profissional pouco serviço, procurando desencadear O mesmo porém não valorizado dentro da Psicologia, no interior das próprias unidades aconteceu com as ciências polemizava com a visão clínica escolares, um processo de humanas que, nascendo tradicional, predominante em reflexão sobre esta mesma prática. profundamente comprometidas muitas atuações dentro desta área. As experiências realizadas com o sistema vigente, assumiram Sete anos passados desde a propiciaram à nossa equipe (3) um um caráter adaptacionista e publicação do referido artigo e contato próximo com a realidade legitimador do mesmo. depois de ter desenvolvido de algumas instituições, o que A Psicologia, mais trabalhos junto instituições levou a um aprofundamento da especificamente, nascida na públicas (escolas e creches) da compreensão a respeito das segunda metade do século XIX periferia de Florianópolis situações e problemas enfrentados (Laboratório de Wundt em 1879), impunha-se a necessidade de pelo psicólogo escolar em sua na Europa (Alemanha), numa repensar esta questão. atuação cotidiana. sociedade capitalista industrial, se Tais trabalhos originaram- Na busca de uma desenvolveu através do embate de se da reflexão levada a efeito na identidade para si, a Psicologia alguns paradigmas inconciliáveis. minha tese de doutorado (2), que Escolar se defronta com questões Possui, no entanto, uma unidade se constituiu num questionamento relativas à própria Psicologia que, longe de ser científica, é sobre a política de como ciência. Segundo Patto, “A ideológica. Constituiu-se, como aperfeiçoamento docente que vem história das ciências tem como instrumento das necessidades da sendo adotada por muitas marca unificadora o fato de seu sociedade que nasceu, com o Secretarias Municipais e desenvolvimento se dar através de objetivo de “selecionar, orientar, Estaduais de Educação. Tal revoluções científicas, cuja adaptar e racionalizar, visando, política consiste basicamente na característica essencial consiste na em última instância, a um oferta sistemática de cursos que, impugnação da concepção de aumento da produtividade” (5). elaborados pelos técnicos do mundo dominante no momento O sentido da discussão sistema educacional à revelia da histórico em que ocorrem...”. Esta levantada no artigo anterior realidade das escolas, têm se autora confirma sua colocação (1984) do psicólogo escolar como mostrado ineficientes, através de exemplos: “Galileu “agente de mudanças” vinha improdutivos e incapazes impugnou a concepção exatamente na direção de romper com esta perspectiva ideológica, grupos de que se compõe a a escola, historicamente, não de caráter individualista e instituição escolar. desenvolveu o hábito do adaptacionista. Inserida dentro do confronto, da discussão aberta dos Com estas considerações, contexto mais amplo da problemas e que nela tudo se não se está pretendendo desdizer o sociedade, a escola como processa através de uma rede de que foi afirmado naquela instituição, reflete e reproduz as relações subjacente quase nunca ocasião,a saber, que o psicólogo condições da mesma. Muito se explicitada, é que se procurou deveria colocar-se como “agente tem discutido a respeito do seu promover abertura de espaços de mudanças”. A intenção é caráter de aparelho ideológico do grupais que pudessem propiciar e avançar um pouco mais, no Estado. O desafio que se coloca e incentivar o diálogo. sentido de reconhecer que esta parece que nele o psicólogo Desta forma, o psicólogo colocação não define a poderia ter um papel significativo, escolar contribuiria para o especificidade do seu papel, já que diz respeito a como os processo de questionamento e dentro da escola, profissionais de mecanismos ideológicos são mudança, auxiliando com seus outras áreas também podem naturalizados, através de um recursos teórico-metodológicos, assumir a tarefa de catalisar processo de interiorização, que faz os protagonistas do processo mudanças. com que passem a fazer parte da educacional a se darem conta do O desafio é estabelecer subjetividade, traduzindo-se em seu papel de vítimas e, ao mesmo qual a contribuição que, dentro formas de relacionamento. tempo, de agentes (transmissores) dos recursos teórico- Vivemos numa sociedade da dominação e da opressão que metodológicos se dispõe, a desigual onde as relações de prevalece na sociedade capitalista Psicologia poderá oferecer à dominação-submissão como um todo. instituição escolar, para que ela predominam. Estas relações Desta perspectiva se chega possa se transformar e se colocar porém, não se dão em abstrato, a uma outra dimensão que, esta efetivamente a serviço da sua mas no cotidiano, engendrando-se sim, parece ser específica do clientela. e se perpetuando nos vínculos psicólogo – a da construção da Nos trabalhos estabelecidos entre as pessoas. subjetividade. Caberia a este desenvolvidos nestes últimos anos Dominadores e dominados se profissional a investigação dos junto às instituições mencionadas realimentam constantemente nos processos de reprodução da focalizou-se basicamente a centros moleculares de poder, dos ideologia dominante, no que diz questão do aperfeiçoamento quais a escola faz parte. respeito à sua re-significação em docente sem, no entanto, excluir o Desta forma, uma situação, nível da subjetividade, tanto com coletivo das mesmas. Tratava-se constituída no contexto da relação aos profissionais da da escolha de uma determinada sociedade mais ampla, vai ser re- educação, como com relação aos dimensão, que se constitui num significada nas relações que se próprios alunos provenientes das vínculo privilegiado no contexto processam no dia a dia. Na escola, classes subalternas. desta instituição – a relação vai se refletir nas várias instâncias No contato com estes professor-aluno. como a relação entre professor e alunos, a cada dia ficava mais A questão dos vínculos ou, aluno, entre professor e equipe evidente o desconhecimento que de forma ampliada, da técnica, entre estes e a direção e se tem a respeito de seus intersubjetividade se configurava os órgãos oficiais de ensino. processos psicológicos, tanto no como um setor importante para a Todos esses aspecto cognitivo como nos atuação do psicólogo. Embora relacionamentos acabam por se demais. Em muitas ocasiões nos este profissional não seja o único realizar através de uma complexa sentíamos perplexos e sem a poder atuar nesta dimensão, rede vincular. Neste sentido, nossa recursos para levar à escola uma supõe-se que, em termos de atuação dentro das instituições compreensão rigorosa e cientifica formação, deveria estar preparado trabalhadas, tem sido a de a respeito de como esta criança para lidar com questões relativas encaminhar uma explicitação e pensa, de como ela sente e vê o às relações interpessoais, sendo uma reflexão a respeito destas mundo. capaz de trabalhar com os vários relações vinculares. Sabendo que Esta questão vem sendo tradicional, de “avaliadora da Com o objetivo de buscar abordada há algum tempo por capacidade e ajustamento” das alternativas que visam contribuir vários autores. Em 1981, Patto já pessoas, de “juiz da sua saúde e da para a suspensão deste problema é denunciava a ignorância da sua doença”. Esta perspectiva que temos concentrado nossos Psicologia a respeito das individualista e normativa, esforços no sentido de características da criança privilegia a intra-subjetividade em desenvolver projetos, que se brasileira, afirmando: “Uma das vez da intersubjetividade e concretizem em atividades conclusões a que chegamos, desconsidera o contexto social e palpáveis que dão forma e diante do estado de coisas vigente histórico, acabando por localizar a visibilidade às propostas feitas. no campo da pesquisa da criança origem dos problemas dos oprimida é de que não educandos neles próprios ou em conhecemos a criança brasileira suas famílias. (1)- ANDALÓ, C.S.A.- O papel do Psicólogo Escolar. Psicologia: Ciência e Profissão, Ano 4, em suas características Atribuir aos alunos a Número 1/84, p. 43-40. psicossociais e psicológicas; aliás, responsabilidade pelo seu (2) ANDALÓ, C.S.A.- Fala, Professoral- Repensando o Aperfeiçoamento Docente. Tese de nem poderíamos, já que, insucesso, significa eximir as Doutoramento defendida em Julho de 1989, junto sobretudo, a estudamos mal. instituições de ensino de ao instituto de Psicologia da U.S.P. (3) Esta equipeera composta pela autora deste Colecionamos afirmações muitas questionar sua prática e de artigo, a professora Maria Juracy Toneli Siqueira e vezes preconceituosas, sobre o assumir a parte que lhe cabe na estagiários de 8º e 9º fases do curso de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. que ela não sabe fazer e não geração do fracasso escolar. conhece; ignoramos o que ela A importância de uma sabe e conhece, suas capacidades perspectiva clínica não Carmem Sílvia de Arruda Andaló e habilidades, que devem ser mistificadora (ideologizante), muitas, pois, afinal, a mantêm seria a de instrumentar o A autora é Professora Doutora em viva num contexto social que lhe é profissional de psicologia de Psicologia Escolar pela extremamente adverso.” (6) recursos que o habilitem a Universidade de São Paulo e Diante destas detectar e desvelar o conteúdo docente da Universidade Federal considerações retiro o que foi latente e implícito das relações de Santa Catarina. afirmado no artigo anterior (1984) vinculares. a respeito da complexidade deste Finalizando esta tipo de trabalho, que só poderá ser contribuição, seria importante levado a efeito por um salientar um outro aspecto, que profissional experiente e portador não diz respeito especificamente de uma sólida formação. ao papel do psicólogo escolar, Além da importância de ter mas que em nossa prática tem subsídios das áreas de Psicologia adquirido especial significado. do Desenvolvimento e da Trata-se da importância, no Aprendizagem, parece importante trabalho junto às escolas, de reafirmar a necessidade de um desenvolver projetos de ação conhecimento aprofundado em consistentes, isto é, eficazes, Psicologia Social, Institucional e impõe-se tal esclarecimento, Dinâmica de Grupo, de modo a se porque é comum as propostas instrumentar para ser capaz de daqueles que pretendem contribuir fazer uma leitura dos processos para a transformação das que ocorrem entre vários grupos condições de existência da escola, que compõem a instituição permanecerem apenas em nível do escolar. discurso. Isto, evidentemente, Por outro lado, faz-se decorre da predominância, em necessário resgatar neste nossa sociedade, de uma profunda momento a importância da cisão entre teoria e prática. Psicologia Clinica, não no sentido