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2030

Victor Biancardine

Uma reflexão sobre o isolamento e o tédio que ocorre quando se vive apenas num mundo
virtual, sem ter um contato saudável com o mundo real, marca o primeiro trabalho de Ficção
Científica de Victor Biancardine
Eram nove da manhã, e portanto Horácio levantou. Seu apartamento estava escuro, como
ele tinha o costume de desligar as luzes toda noite. Caminhou lentamente até a cozinha, e
abriu a geladeira. Resmungou quando viu apenas pílulas de nutrientes.
Com um prazer agridoce, ele descobriu uma caixa de leite no fundo do refrigerador. Olhou a
data de validade. Estragado. “Dane-se”, ele pensou consigo mesmo enquanto engolia goles do
que sobrou da caixa. Sentiu náuseas com o gosto, mas ignorou-as.
Sentado à mesa da cozinha, ele contemplava o teto. Esfregava as têmporas, frustrado.
Queria brigar com algo, mas não sabia o quê. Tentou chorar. Não conseguiu. Tentou rir, e
também falhou. Desistiu, e ficou a fitar o rodar de seu ventilador enferrujado.

Clint sorriu. Eram nove da noite, e portanto Clint estava no clube. As luzes eram baixas, a
música era alta, e todos eram bonitos. Bebidas recheavam os convidados, luxúria era o nome
do jogo. A vida era boa, para ele.
Ele ria, ele conversava. As mulheres o notavam, e ele notava elas. O mundo era sua ostra, e
ele estava muito bem, obrigado. Tomava um Martini, e ouvia sem atenção as palavras do seu
amigo. Sua atenção estava fixa em uma mulher, e uma mulher apenas.
Tal mulher sorriu, e ele foi adiante. Caminhava pelo clube com estilo, sem esbarrar nem
encostar em ninguém, mantendo sempre seus olhos no seu alvo, sentada sozinha perto do
bar. Abriu um sorriso ao chegar perto, e pronunciou, com sua voz que faria qualquer pessoa se
derreter, “Olá”.
“Olá.” A mulher respondeu, suas bochechas avermelhando-se. Clint sentou-se ao seu lado,
sorrindo com ainda mais força. Seu vestido curto realçava suas pernas perfeitas, e seu busto,
que fazia a cabeça de Clint pensar maliciosamente. Seus olhos azuis exprimiam desejo, assim
como seus cabelos ruivos ondulados seduziam com um simples movimento.
Minutos depois, ambos estavam no banheiro, tomados pelo momento – E pelo ato – da
paixão. Clint acariciava-a, e sussurrou “Eu preciso de você” em seu ouvido. A mulher riu, e
sussurrou de volta “É bom mesmo”.

Horácio abriu os olhos, assustado. Olhou ao redor, e, sem ver nada, esfregou os olhos,
resmungando. Levantou-se, e foi até a cozinha. A geladeira estava, mais uma vez, recheada de
pílulas, mas nem mesmo um grama de comida. Ele pegou uma das pílulas, e a engoliu a seco,
raivoso. Voltou para seu quarto, aonde não pôde deixar de notar seu reflexo no espelho.
Ele estava velho. “Tenho trinta anos!” Ele pensou consigo mesmo, apesar de sua imagem
dizer diferente. Seus olhos castanhos pareciam cansados, e sua barba agora estava grisalha,
em conjunto com seus cabelos.
Um raio deixou-se escapar para dentro de seu apartamento, vindo de fora. “Não.” Ele
pensou “Não faça isso. Você sabe muito bem como é, não precisa ver novamente.” No entanto,
ele abriu as cortinas, ignorando seus pensamentos.
No lado de fora de sua janela, estava o mundo. As estradas, que outrora eram uma
passarela de carros e motos, agora encontrava-se em ruínas. Os prédios manchavam o
horizonte, decadentes. O silêncio dominava, sem nem ao menos pássaros tomando presença
naquele deserto. Horácio fechou as cortinas, tomando uma decisão.
Saiu de seu apartamento pela primeira vez em anos, e desceu as escadas. Os elevadores
provavelmente não estavam funcionando. Sete andares passaram-se, deixando-o ofegante, e
de pernas doendo. Mas, por fim, estava no térreo. Virou-se para a portaria, e viu uma caixa
entre ele e a saída.
A caixa em si não era de muito destaque, apesar de seu tamanho ser um tanto descomunal.
Duvidoso, Horácio leu o papel colado à caixa. “Andróide P740, Modelo E553. Tipo Alívio Sexual.
É uma andróide prostituta, que maravilha.” Ele suspirou. Tentou deixá-la ali, mas algo dentro
de si o impediu. Sua mão tremia, sua respiração vinha em sopros. Ele fechou os olhos com
força, e desistiu. Pegou a caixa da melhor maneira que pôde, e torceu que o elevador ainda
estivesse funcionando. Suspirou aliviado ao ver os números descendo de 10 até 1, e depois
para T.
O homem barbado assustou-a, enquanto ele bebia um copo d’água da torneira. A água, ela
notou, era vermelha escura, como se tivesse ferrugem. Como o homem não fez nenhum
movimento alarmante, ela se acalmou.
“Qual…” Ela parou, pensativa “Qual é o seu nome?”
“Horácio” o homem respondeu, desconfiado. Ele tomou mais um gole, surpreso sobre como
sua voz estava rouca por desuso.
“Olá, Horácio” Ela abriu um sorriso, branco como a Lua “Eu sou... Qual é o meu nome?”
“Não sei, mas o cartão que estava na sua caixa diz que você é um modelo de Alívio Sexual.”
Ele fitou-a, seus olhos penetrando cada camada de sua pele artificial
“E-Eu sou… O quê?”
“Uma andróide. Uma andróide obsoleta, por sinal.”
“Então… Você é meu… D-Dono?” Ela estava assustada, e mostrava depressão em sua voz.
Horácio manteve-se inalterado.
“Não.” Ele tomou outro gole “Seu dono te esqueceu na caixa, ou então morreu. Você estava
na portaria deste prédio há quase dez anos quando te encontrei.”
“Existem… Outros? Como eu?” Ela levantou-se, confusa “Eu sou obsoleta? Como que eu...”
O homem ainda estava desconfiado, em especial de sua surpresa ao descobrir que era uma
fabricação.
“Provavelmente existem mais andróides, mas todos estão obsoletos há, no mínimo, vinte
anos. Ninguém mais compra andróides. Ou qualquer coisa.” Ele apontou para a janela. A
andróide observou, chocada, o estado apocalíptico do mundo afora.
“Meu Deus! O que aconteceu?!”
“O quê aconteceu? Nada. Apenas evoluímos. Não precisamos mais de ruas, ou de coisas. Ou
de andróides.”
“Então… O que eu devo… Fazer? Viver de? Qual meu objetivo?”
“Não sei, e não me importo. O que eu sei é que você está no meu apartamento, e pode ficar
aqui por um tempo. Sinta-se com sorte que tem uma casa por enquanto, e se você quiser um
objetivo, escolha um nome para si mesma. Eu tenho outros negócios que precisam de minha
atenção, então, se você me der licença” Ele deitou o copo na pia da cozinha, e foi para seu
quarto. Seu primeiro instinto foi trancar a porta, mas ele o resistiu. “De que adianta ter uma
nova companhia se você a tranca do lado de fora?”

Clint acordou ao lado da mulher do clube, cujo nome, depois de algum tempo, ele lembrou
como sendo Karen. “Esta Karen é diferente” Ele mentiu para si mesmo. “Tem algo nela... Que
eu não consigo definir o que é” Mas ele sabia muito bem o que era.
Ela abriu um olho, e sorriu. “Bom dia” Disse, aconchegando-se em seus peitorais definidos
“Pensei que você tinha ido embora por hoje.” Abraçou-o, que fez o mesmo. Ele beijou-a na
testa, e suspirou.
“Não vejo motivo para ir embora mais. Já estamos juntos há... Dois meses.”
“Três meses.”
“Ah, certo, certo. Três meses. De qualquer forma, não vejo motivo para ir embora. Eu
estava ausente, apenas.”
“Entendo” Ela disse, semi-acordada.
“Hey, Karen…” Ele mordeu a língua, indeciso “Você nunca teve vontade... De... Me
conhecer?”
“Te conhecer? Mas eu já te conheço. Do que você está falando, Clint?”
“Você sabe, me conhecer na… Vida real.”
“O quê?” Ela riu “Por que faria essa estupidez?”
“Para… Me conhecer.” Clint disse, sério.
“Amor…” Ela abraçou-o pelo pescoço, confortando-o “Eu já te conheço. Você é um dos
homens mais gentis, inteligentes e bonitos que eu já conheci, e eu te amo por isso.”
“Exato!” Ele levantou da cama, irritando-se “Você me ama por isso! E já que você me ama...
Você não poderia me amar também na vida real?”
“Se eu te der meu endereço na vida real” Ela bufou “Você promete que pára com essa
baboseira?”
“Prometo.” Clint aceitou a vitória agridoce.
Ele memorizou rapidamente o endereço, enquanto passava o dia com Karen,
despreocupado. Andaram pelo parque, e depois foram ao cinema. Ao final da tarde, ambos
estavam no apartamento de Clint.

Horácio acordou, frustrado. Tirou de si a parafernália, e levantou-se. Para sua surpresa, a


andróide o observava, curiosa. Ele fitou-a, desconfiado. Ela ficou vermelha, e, desculpando-se,
levantou da cadeira que havia posto ao lado de sua cama.
“Desculpa. Não queria te assustar, é só que...” Ela suspirou “Você parecia tão sereno. Eu
não pude deixar de observar.”
“Não, não tem problema.” Ele sacudiu a cabeça e esfregou os olhos.
“O que…” Ela procurou as palavras, tentando cuidadosamente não irritá-lo “Você estava
fazendo?”
“Estava na internet.” Disse simplesmente.
“A internet? Eu lembro disso!” Seus olhos acenderam-se.
“Bem, a internet que você se lembra deve ser muito diferente da de hoje em dia. Hoje em
dia, qualquer humano pode entrar na internet com um Avatar com a aparência de sua escolha,
a voz de sua escolha... E todos estão conectados. Sempre. A vida virou aquela que se vive na
internet.” Ele explicou com desgosto.
“Entendo. Mas não me parece tão ruim assim.”
“Tão ruim assim?” Riu nervosamente “Vou te dar um exemplo então. Eu tinha um amigo, há
quase cinco anos atrás. Um dia, ele simplesmente sumiu. Nunca mais entrou. Eu não sei se ele
está vivo ou morto, se está bem... Não sei nada.”
“Sinto muito. Mas… Não há como você contatá-lo na vida real? Neste mundo?”
“Mesmo se tivesse, de quê adiantaria? A pessoa que ele conhece não sou eu, é a que ele vê
na internet. Assim como a pessoa quem eu conheço é a que ficava online. São máscaras, e não
amizades. Mesmo se eu fosse até ele neste mundo, ele não me reconheceria. E nem gostaria
de. Honestamente, eu tenho minhas dúvidas de vez em quando se essas pessoas realmente
existem ou são apenas programas autômatos da internet.”
“Eu… Entendo.” Ela não entendeu, mas disse aquilo de qualquer forma. Parecia-lhe a coisa
certa a dizer. E então, para sua surpresa, o homem começou a chorar. Seguindo o que achou
que fosse instinto, ela sentou-se ao seu lado, e o abraçou.

Horácio não sabia o que aconteceu, mas sabia que estava errado. Mesmo sendo uma
andróide, ela ainda tinha sentimentos. O que ele fez foi hediondo, em sua mente. Ele estava se
odiando, mas não conseguiu se controlar. Deitada na cama estava sua amante forçada, com
lágrimas escorrendo de seus olhos.
“Karen” Ele disse, finalmente, sua voz fria como gelo “Seu nome será Karen.”

Clint procurou desesperadamente por seu apartamento por Karen. “Você mereceu” Sua
mente riu, mas ele a ignorou. Procurou no apartamento dela, e nada. Ela havia sumido. Karen
não estava em lugar algum. Ele achou, em sua gaveta, o endereço dela, na vida real. E então
ele saiu, provavelmente para sempre.
Desta vez, Karen não estava observando-o. Ele levantou-se da cama, dolorido, e foi até a
cozinha. E lá estava ela, seus olhos agora fitando o vazio. Ele se odiou pelo que fez, mas ainda
manteve sua postura.
“Karen.” Ele a chamou. Ela pareceu um pouco surpresa, mas olhou para ele “Eu vou
embora.” Não houve resposta. Ele foi em direção à porta.
“Espere!” Ela gritou, com medo “E... Quanto a mim?”
“Você é livre para fazer o que quiser. Eu tenho que procurar uma pessoa. E temo que, caso
meus medos sejam verdadeiros, eu não vá sobreviver depois.”
“Mas… Você é a única pessoa que eu conheço. Como que eu vou... Sobreviver?”
“Lembra” Ele suspirou “De quando você veio para cá? Há uns meses atrás? Eu te disse que
provavelmente haveriam outros andróides como você por aí. Isso foi uma meia-verdade. Existe
uma sociedade de andróides ao norte. Não sei o local exato, mas sei que eles com certeza lhe
aceitariam.”
“Mas… E quanto a você?”
“Eu vou em busca de uma pessoa. Tenho que tentar, pelo menos uma vez. Não espero que
tenha sucesso, mas tenho que tentar. E... Karen. Me desculpe. Pelo que eu te fiz. E-Eu...”
“Não.” Ela abraçou-o “Eu não te culpo.” E beijou-o. “Adeus, Horácio. Espero que você tenha
sucesso.”
Horácio agora estava sozinho mais uma vez. Ele sentia algo queimando em seu peito, mas já
sabia o que era. Riu pela primeira vez em anos. “Então é assim.” Ele pensou consigo mesmo
“Os robôs são os humanos, e nós as máquinas.” Ele deu mais uma risada, e lembrou-se do
endereço. Suspirou uma última vez, deu adeus para tudo que representou sua vida pelos
últimos anos, e saiu porta afora. Para o destino, para a vida, para o que quer que fosse.

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