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A Ideia de Europa
Gradiva
Prefácio de José Manuel Durão Barroso
gradiva
Contracapa:
Começa assim...
ISBN 989-616-022-8
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9 789896 16022
GEORGE STEINER
A IDEIA DE EUROPA
Ensaio introdutório de Rob Riemen Prefácio de José Manuel Durão
Barroso
gradíva
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vastidão dos seus conhecimentos, na diversificação dos seus
interesses, no seu espírito crítico e nas suas
surpreendentes sínteses, George Steiner revela-se alguém
profundamente ligado à ideia de Europa.
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humanismo europeu em que ele, desde tenra idade, foi
educado pelo pai. Na qual ele próprio se tornou professor,
quando percebeu que tinha um dom: «Convidar os outros para
o significado.» Esta última expressão, «convidar os outros
para o significado», é a própria descrição de George
Steiner, e a mais profunda que conheço, para aquilo que
significa ser Professor de Humanidades.
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VI
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A Europa é feita de cafetarias, de cafés. Estes vão da
cafetaria preferida de Pessoa, em Lisboa, aos cafés de
Odessa frequentados pelos gangsters de Isaac Babel. Vão dos
cafés de Copenhaga, onde Kierkegaard passava nos seus
passeios concentrados, aos balcões de Palermo.Não há cafés
antigos ou definidores em Moscovo, que é já um subúrbio da
Ásia. Poucos em Inglaterra, após um breve período em que
estiveram na moda, no século xviii. Nenhuns na América do
Norte, para lá do posto avançado galicano de Nova Orleães.
Desenhe-se o mapa das cafetarias e obter-se-á um dos
marcadores essenciais da «ideia de Europa».
O café é um local de entrevistas e conspirações, de debates
intelectuais e mexericos, para o flâneur e o poeta ou
metafísico debruçado sobre o bloco de apontamentos. Aberto
a todos, é todavia um clube, uma franco-maçonaria de
reconhecimento político ou artístico-literário e presença
programática. Uma chávena de café, um copo de vinho, um chá
com rum assegura um local onde trabalhar, sonhar, jogar
xadrez ou simplesmente permanecer aquecido durante todo o
dia. É o clube dos espirituosos e a posterestante dos sem-
abrigo. Na Milão de Stendhal, na Veneza de Casanova, na
Paris de Baudelaire, o café albergava o que existia de
oposição política, de liberalismo clandestino. Três cafés
principais da Viena imperial e entre as guerras forneceram
a agora, o locus da eloquência e da rivalidade, a escolas
adversárias de estética e economia política, de psicanálise
e filosofia. Quem desejasse conhecer Freud ou Karl Kraus,
Musil ou Carnap, sabia precisamente em que café procurar.
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Num momento não menos trágico, não muito antes da sua morte
solitária, Edmund Husserl proferiu a famosa palestra sobre
«A filosofia e a crise do homem europeu». A Europa, afirma
Husserl, «designa a unidade de uma vida espiritual e uma
actividade criativa». Esta espiritualidade criativa tem o
seu local de nascimento. A «ciência-filosofia», como
Husserl desastradamente lhe chama, originou-se na Grécia
antiga. É o milagre ático, ter entendido que as ideias «de
uma forma maravilhosamente nova, segregam em si próprias
infinidades intencionais». Estes horizontes levam a uma
historicidade nova e determinante. Outras culturas e
comunidades fizeram descobertas científicas e intelectuais.
Mas só na Grécia antiga se desenvolve a dedicação à teoria,
ao pensamento especulativo desinteressado à luz de
possibilidades infinitas. Além disso, apenas na Grécia
clássica, e na sua herança europeia, o teórico se aplica ao
prático sob a forma de uma crítica universal de toda a vida
e seus objectivos. Há uma distinção marcada entre esta
fenomenologia e o tecido «prático-mítico» dos modelos do
Extremo Oriente e da índia. O acto fulcral de conjecturar,
thaumazein, e do desenvolvimento lógico-teórico é platónico
e aristotélico na sua essência. Daí, em última análise, o
avanço da ciência e da tecnologia europeia, e depois
americana, sobre todas as outras culturas. O processo
global é um processo de idealização no qual mesmo a noção
de Deus «é, por assim dizer, logicizada e torna-se mesmo o
veículo do logos absoluto». A Europa esquece-se de si
própria quando se esquece de que nasceu da ideia da razão e
do espí-
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