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Memorial: Em busca de uma teoria da cidadania

Professor: Juarez Rocha Guimarães

Universidade federal de Minas Gerais

Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas

Departamento de Ciência Política

À Laine e à Ana

cujos tempos em minha vida

são quase aqueles

do meu trabalho de professor

À Marlene, memória delicada


do que foi e será o DCP
“Mas ele desconhecia
Esse fato extraordinário:
Que o operário faz a coisa
E a coisa faz o operário.
De forma que, certo dia,
À mesa, ao cortar o pão
O operário foi tomado
De uma súbita emoção
Ao constatar assombrado
Que tudo naquela mesa
- Garrafa, prato, facão –
Era ele quem os fazia
Ele, um humilde operário,
Um operário em construção.
Olhou em torno: gamela
Banco,enxerga, caldeirão
Vidro, parede, janela
Casa, cidade, Nação!”

Vinicius de Moraes
1- Introdução-

Este memorial buscará abordar a minha trajetória acadêmica universitária


em seis períodos: aquele anterior ao processo de elaboração da dissertação
de mestrado e tese de doutorado; a elaboração da dissertação de mestrado e
da tese de doutorado; o período de formação em pensamento político e
social brasileiro e filosofia política e de relações com os grupos de pesquisa
Democracia Participativa e Republicanismo, que cobre do fim dos anos
noventa até meados desta última década; um novo período de interrupção,
desta vez parcial, da vida acadêmica; o período de formação do Centro de
Referência do Interesse Público (CRIP); enfim, o último período, que
chamo de síntese. Ao final, faz-se um balanço da trajetória acadêmica e de
suas perspectivas.

2- Proto-formação e crise da tradição socialista:


2.1 A minha formação na graduação (Economia, UFMG) e mestrado de
Ciência Política (UFMG,créditos concluídos mas dissertação não
defendida) pode ser definida como bastante pluralista, extensiva e com um
certo grau de consciência da problematicidade da cultura socialista e
marxista na qual eu me inseri como militante, desde os 18 anos. Isto é, as
primeiras leituras e aproximação com o campo do pensamento de Gramsci
coexistiam com a crítica à burocratização da experiência soviética, feita a
partir da matriz trotskista, atualizada pelo pensamento do socialismo
democrático de Ernest Mandel e Michael Lowy. Em um período no qual se
salientava a minha condição de militância intensa e de intelectual orgânico
– tornei-me editor durante cerca de doze anos de um jornal da imprensa
alternativa, Em Tempo – a minha experiência acadêmica tornou-se
inevitavelmente descontínua. Neste período, além de trabalhar por alguns
anos com crítica literária no jornal Leia Livros (a literatura sempre foi a
minha aventura mais íntima e mais formadora), traduzi livros
marxistas( Ernest Mandel, Michael Lowy, Perry Anderson) e organizei
uma pequena obra sobre a vida e a teoria de Rosa Luxemburgo.

2.2. Na medida em que meu caminho acadêmico buscou pesquisar a


insuficiência da problemática e da resposta fornecida por Trotsky aos
descaminhos da URSS em relação às suas primeiras promessas
emancipatórias, pode-se dizer que trilhei “um caminho lefortiano”, na
periferia e em uma temporalidade própria, mas diverso na medida em que
se para o pensador francês o encontro com o humanismo cívico se deu
através de Maquiavel, o meu encontro com a cultura política do
Renascimento se fez sempre mediado por Gramsci. Tornei-me professor do
Departamento de Ciência Política no segundo semestre de 1995, em um
concurso multi-temático que também serviu para me atualizar na literatura
básica em teoria democrática.

3-Tempos de pesquisa sobre a crise da cultura socialista e do


marxismo-

31. Há, de fato, uma unidade na problemática desenvolvida na dissertação


de mestrado (1990) e na tese de doutoramento (1996), defendidas ambas
nas Ciências Sociais da Unicamp, sob a orientação do professor Edmundo
Fernandes Dias. Esta unidade é fornecida pelas relações entre a crise da
cultura do socialismo e a cultura do marxismo.

3.2. Enquanto a dissertação de mestrado se encaminhou para um grande


estudo comparativo entre as culturas políticas do PT e de dois partidos da II
Internacional em sua época clássica (Partido Social-democrata Alemão e
Partido Socialista Italiano, de suas fundações até a crise de 1914), a tese de
doutoramento ganhou um sentido mais teórico, pesquisando as relações
entre o determinismo histórico e o conceito de liberdade presentes no
marxismo, de Marx até os dias atuais. No seu conjunto, eles me forneceram
uma perspectiva muito ampla sobre a história da esquerda européia, uma
visão sistemática sobre a história do marxismo e um primeiro diálogo alto
com a tradição liberal através da crítica de Benedetto Croce, Max Weber,
Karl Popper e Norberto Bobbio à incompatibilidade da relação entre
marxismo e democracia.

3.3. A dissertação de mestrado, com o nome “Claro enigma: o PT e a


tradição socialista”, vista aos olhos de hoje, vale mais pela ampliação da
problemática que ela ensejava do que propriamente pelo valor heurístico
parcial das conclusões a que chegava. Ela partia do reconhecimento de que
o PT não se assemelhava aos partidos da III Internacional leninista ou
estalinista (partidos de quadros, com centralismo democrático ou
burocrático, com clara adesão a uma tradição do marxismo e uma
referência internacional revolucionária nítida) mas tinha traços comuns aos
partidos da social-democracia européia em seu período clássico e inicial de
desenvolvimento histórico (partidos de massa, unindo sindicatos classistas
e partidos com uma referência plural no socialismo, abrindo-se à dinâmica
histórica de reformas e revolução). Valia-se de um estudo importante de
um grande historiador do movimento operário europeu, Marcel van der
Linden, hoje diretor do maior arquivo da história do movimento operário,
com sede em Amsterdan. Este estudo comparava a trajetória histórica de
um conjunto de partidos operários sob o ponto de vista de sua integração à
ordem a partir de uma série de indicadores e relações. Havia já uma vasta e
rica bibliografia sobre a Alemanha e a Itália e a formação de suas tradições
marxistas e socialistas. Para o PT, havia duas teses de doutorado sobre a
sua formação – Margareth Keck e Evelina Dagnino – além do acesso direto
a um vasto arquivo dos primeiros anos do partido. O recurso a um estudo
comparativo, com uma temporalidade histórica muito ampla, permitia-me
certo distanciamento do imediatamente vivido.

3.4. A dissertação, ainda não publicada, mas já com o prefácio escrito por
Michael Lowy, identificava três tipos de trajetórias: a da Inglaterra (onde se
formou um trabalhismo não marxista) e dos EUA (onde não se formou
estavelmente sequer um partido independente de bases operárias) em
função da força do liberalismo; a da Alemanha, onde houve principalmente
em razão da força do nacionalismo e da institucionalização, uma
“integração ativa” à ordem; na Itália, onde teria havido uma “integração
passiva” à ordem, isto é, o PSI manteve a sua neutralidade diante da
Primeira Guerra mas não se movimentou em direção a uma linha
revolucionária, dividindo-se entre uma opção claramente reformista e uma
opção revolucionária , de início fortemente sectária, que veio a dar origem
ao PCI. Ao final, identificava elementos que aproximariam o PT de uma
trajetória de “integração passiva” na ordem, isto é, haveria uma distância
entre o seu proclamado revolucionarismo e sua prática encaixada na
institucionalidade brasileira da crise do regime militar e da transição à
democracia.

3.5. Os ganhos da dissertação de mestrado foram três: dessectarização


( havia construído uma outra leitura em relação à canônica da III
Internacional ou mesmo do trotskismo sobre o tema das relações entre
reforma e revolução), entendimento histórico mais complexo da crise
socialista e, principalmente, alargamento da problemática com a noção de
que a crise do socialismo tinha profunda relação com suas bases teóricas
marxistas. Participei de uma primeira co-orientação de uma dissertação de
mestrado que, com base em um amplo survey, indicava tendências de
desradicalização da cultura petista. Uma segunda dissertação de mestrado
foi orientada sobre as transformações na cultura política da esquerda
brasileira nos anos setenta, que geraram um novo ciclo do socialismo
democrático no Brasil. Feita por uma mestranda da área de história, tal
dissertação conteve uma pesquisa primária importante no levantamento de
revistas e documentos clandestinos dos vários grupos de esquerda no
período do regime militar.

3.6. A tese de doutoramento “Democracia e marxismo: crítica à razão


liberal”, editada com prefácio de Emir Sader pela Editora Xamã em 1997,
investigava a relação de compatibilidade teórica entre determinismo e
democracia na obra de Marx e na cultura do marxismo. Chegou-se a este
núcleo analítico após um longo período de renovado aprofundamento da
leitura dos Cadernos do Cárcere, edição crítica organizada por Valentino
Gerratama, e um estudo das polêmicas no interior da imensa e rica
literatura formada no contexto do eurocomunismo italiano.

3.7. Procurava-se sistematizar os questionamentos críticos a Marx e ao


marxismo contidos nas obras de Benedetto Croce (o principal filósofo
italiano da primeira metade do século XX, que havia se tornado após um
certo período a principal referência crítica ao fascismo), Max Weber, Karl
Popper (autor de um clássico “A sociedade aberta e seus inimigos”) e
Norberto Bobbio (sem dúvida figura intelectual dominante na Itália na
segunda metade do século XX). Em particular, a leitura da obra de Weber,
identificado como o principal teórico do liberalismo no século XX, passou
a constituir uma agenda permanente de pesquisa. Tive depois a
oportunidade de orientar uma tese de doutoramento sobre a obra de
Norberto Bobbio, que atravessa todo o seu desenvolvimento desde o
período inicial do socialismo-liberal até os anos noventa, oportunidade
ímpar de ter acesso sistemático a praticamente toda a obra do grande
pensador italiano.

3.8. O trabalho muito amplo de leitura a partir do eixo analítico concepção


da história/ concepção de liberdade (foram, ao final, mais de 40 mil páginas
fichadas à época em cadernos de leitura) alterou a qualidade da minha
interpretação da cultura do marxismo em várias dimensões. Havia
adquirido uma leitura crítica sistemática das obras de Marx, Engels,
Plekhanov, Victor Adler, Otto Bauer, Bernstein, Kautsky, Rosa
Luxemburgo,Lênin, Trotsky, Bukharin, Stalin, Lukacs, Gramsci, Adorno,
Horkheimer, Athusser, Gerald Cohen, John Elster, Habermas.

3.9. Um estudo da obra de Marx e de seus principais intérpretes gerou uma


leitura crítica que revelava tensões entre concepções deterministas e uma
concepção praxiológica na obra de Marx, jamais resolvidas, cuja
conseqüência seria a não formação de um campo teórico estruturado e
coerente sobre a liberdade. Em particular, procurou se demonstrar ao longo
da tese a inconsistência das distintas concepções do que se convencionou
chamar de “materialismo histórico”. A leitura de uma obra erudita de um
estudioso da filosofia soviética no século XX havia me fornecido a
gramática desta inconsistência. O que resultou dessa constatação foi a
destruição de qualquer dogmatismo na leitura da obra marxiana e a
disposição de reconstruir criticamente o seu campo teórico.

3.10. A tese de doutorado propiciou-me também uma leitura própria da


obra de Gramsci, diversa daquela predominante no eurocomunismo
italiano, centrada na sua utilização como vetor de autonomia política do
PCI em relação ao PCURSS (o chamado “caminho italiano para o
socialismo”). Lia-se agora Gramsci a partir de sua refundação da filosofia
marxista, livrando-a de todo determinismo histórico, projetando a sua
reconstrução categorial coerente como uma filosofia da práxis.

3.11. A compreensão da política como um campo histórico de


indeterminação e de contingência da ação humana, a valorização da cultura
política e a relação entre hegemonia e consenso, conduziu-me ao campo
dos estudos do republicanismo na filosofia política contemporânea.
Iniciava-se aí um diálogo de enorme fertilidade na minha trajetória
intelectual, ainda hoje longe de ter sido concluído.

3.12. O diálogo crítico com Weber havia me indicado um caminho também


a ser amadurecido de crítica a seu campo teórico, da sua concepção de
Modernidade, de política, de história, de sociologia e economia. Este
caminho veio sendo amadurecido ao longo dos últimos dez anos.

3.13. Por volta do ano 2000, ofereci um curso na pós-graduação que


investigava a obra de Marx e a cultura do marxismo a partir dos conceitos
de sociedade civil e Estado. Estes conceitos me pareciam nucleares para
definir uma gramática da filosofia política e para estruturar os campos de
análise nas distintas tradições da ciência política. Foram quinze seminários
em que foram trabalhadas as obras de Marx, a polêmica no interior da II
Internacional, a polêmica no interior da III Internacional, a teoria marxista
do direito de Pashukanis, Gramsci, Althusser, Poulantzas, Habermas e
Claude Lefort. Estes dois últimos seminários foram apresentados pelos
professores Leonardo Avritzer e Newton Bignotto, em um diálogo que iria
florescer durante toda a década.

3.14. Esta nova investigação filosófica em Marx e na cultura do marxismo


fornecia agora diretamente uma pauta de investigações sobre as
gramáticas da ciência política. E me orientou para uma pesquisa –
iluminada também pelo livro de Miguel Abensour, “ A democracia
contra o Estado: Marx e o momento maquiaveliano” – sobre o
diálogo Marx- Hegel, que é fundador do campo teórico do
marxismo. Iniciei, então, um esforço de aprofundamento da teoria
política de Hegel, sua crítica ao liberalismo, bem como do conjunto
do idealismo alemão. Cheguei, então, a uma documentação do
momento de ruptura do jovem Marx com o republicanismo,
substituindo o conceito de demos total pelo conceito do proletariado,
como classe universal, além da formação de um certo entendimento
sobre as relações entre sociedade civil/Estado que , na cultura do
marxismo, se cristalizaria no par infra e super/estrutura. Estava
ficando claro para mim um segundo livro, de pesquisa das relações
do marxismo com o republicanismo.

3.15. Estas elaborações alimentaram na última década uma participação


em um seminário internacional de filosofia política promovida pela
Universidade de Buenos Aires /USP (depois editada como capítulo
de um livro), a participação também editada em libreto em uma mesa
redonda com Marco Aurélio Garcia e Valter Pomar sobre o
socialismo no século XXI, um livro de ensaios organizado junto com
Tarso Genro (“O mundo real. Socialismo na era pós-
neoliberal.Editora L&PM). Uma terceira dissertação de mestrado,
sobre a crítica de Lefort a Marx, foi orientada.
3.16. De 2003 a 2006, foram três anos de nova interrupção da vida
acadêmica, com licença sem vencimento, sendo um ano cedido à
Secretaria Geral da Presidência da República e outros dois anos à
Fundação Perseu Abramo. Nesta última, editei durante oito anos (de
março de 2000 ao fim de 2007) um boletim mensal de análise de
conjuntura, de nome “Periscópio” e comecei a contribuir
regularmente para o trabalho editorial da Fundação Perseu Abramo.
Foram, ao todo, cerca de 240 ensaios de médio alcance de análise de
conjuntura, que conformam, em seu conjunto, um vasto material de
pesquisa e reflexão sobre as mudanças recentes no Brasil. Neste
período, seriam editados dois livros de balanço da experiência do
governo Lula, “A esperança equilibrista” (com prefácio de Marilena
Chauí) e “A esperança crítica” (com prefácio de Patrus Ananias).
Um terceiro livro, organizado por mim, “Leituras da crise” (com
entrevistas longas com Marilena Chauí, Wanderley Guilherme dos
Santos, João Pedro Stédile e Leonardo Boff) foi também editado. Em
substituição ao professor Antonio Candido, passei a dirigir uma
coleção sobre os pensadores clássicos do Brasil, tendo organizado
junto com o Iuperj um grande seminário sobre a obra de Raymundo
Faoro (que se tornaria editado, após todo um trabalho de
enriquecimento de seu conteúdo, em 2009).

4-Tempos de formação em Pensamento político e social brasileiro, em


Filosofia política e de cooperação com os grupos Democracia
Participativa e Republicanismo-

4.1. Desde os fins dos anos noventa, tenho me dedicado de forma


sistemática ao estudo do pensamento político e social brasileiro no século
XX, além de adquirir uma leitura sistemática da história brasileira desde a
formação do Estado nacional. Este esforço provocou uma mudança de
longo alcance: formado em paradigmas teóricos europeus, meu
conhecimento do Brasil era, em grande medida, intuitivo e assistemático.
Com este esforço, tornei-me, enfim, um intelectual brasileiro, em diálogo
permanente com a inteligência brasileira, em busca de uma gramática de
interpretação unitária do país. Este esforço se desdobrou ao longo dos
últimos doze anos em quatro direções: cursos na graduação e
principalmente na pós-graduação sistematicamente oferecidos; orientações;
coleção clássicos do Brasil ; coleção Intelectuais do Brasil.

4.2. Algumas vezes compartilhado com a professora Vera Alice, com quem
aprendi muito nestes anos, o curso de pós graduação de Pensamento
Político e Social Brasileiro já foi oferecido cerca de dez vezes. Neles, são
estudadas as obras de Manoel Bonfim, Oliveira Vianna, Gilberto Freyre,
Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Celso Furtado, Raymundo
Faoro, Antonio Candido, Florestan Fernandes, além de autores
contemporâneos da área como Fernando Henrique Cardoso, Fábio
Wanderley Reis, Wanderley Guilherme dos Santos, Francisco Weffort,
Olavo Brasil, Leonardo Boff, Carlos Nelson Coutinho e Luiz Werneck
Vianna. Seminários de introdução e de síntese buscam progressivamente
construir uma narrativa unitária do dissenso esclarecedor destes autores
sobre a interpretação do Brasil.

4.3. O enraizamento na leitura crítica e pesquisa sobre estes autores levou-


me a orientar um conjunto de alunos. Duas dissertações (uma delas
publicada em livro) sobre a tradição sindical brasileira a partir do debate
em torno da tradição corporativa e uma tese de doutorado (também
publicada em livro) sobre as relações entre a tradição do contrato coletivo e
do chamado direito legislado na antiga e moderna tradição sindical
brasileira. Uma dissertação de mestrado comparativa das reflexões entre
Oliveira Vianna e Raymundo Faoro e uma tese de doutoramento sobre o
conceito de patrimonialismo no Brasil (talvez o estudo mais profundo e
sistemático sobre este conceito na obra de Weber e as várias épocas de sua
utilização no Brasil). Uma dissertação de mestrado sobre a obra de
Wanderley Guilherme dos Santos, que prossegue com a orientação de uma
tese também sobre o mesmo autor, desta vez com uma angulação
comparativa. Uma dissertação de mestrado comparativa das obras de
Fernando Henrique Cardoso, Fábio Wanderley Reis e Celso Furtado. Uma
tese de doutoramento sobre origem e evolução do PSDB com forte
interlocução analítica com o pensamento de Fernando Henrique Cardoso.
Uma outra sobre a poesia pública de Drummond, inserida no grande tema
das análises sobre o Modernismo brasileiro. Enfim, uma outra dissertação
sobre o tema das relações entre liberalismo e escravidão no Brasil do
século XIX. O espectro muito amplo de pensamentos estudados me
permitiu co-orientar na Faculdade Medicina uma dissertação de mestrado
sobre a formação da tradição sanitarista em Belo Horizonte , bem como
uma tese de doutoramento na Faculdade de Direito, sobre as tradições do
conceito de propriedade agrária no Brasil. Orientei também, abrindo um
promissor trabalho em conjunto com os colegas da Faculdade Jesuíta, uma
dissertação sobre a formação do pensamento cristão progressista e de
emancipação no Brasil. Este trabalho prosseguiu com estudos sobre a obra
de Henrique de Lima Vaz (que resultou em ensaios e entrevistas a uma
revista de teologia da Unisinos), de Alceu Amoroso Lima, dom Hélder
Câmara e no livro organizado sobre a obra de Leonardo Boff. Atualmente
há duas dissertações de mestrado em orientação (sobre as relações de
Florestan Fernandes e Caio Prado Júnior com o marxismo e sobre a
polêmica em torno do conceito de dependência) e cinco teses de
doutoramento na área sendo orientadas ou co-orientadas (marxismo e
democracia no Brasil, liberalismo brasileiro no século XIX, pensamento
brasileiro e feminismo, tradições sindicais e sistema público de saúde no
Brasil, além de um estudo comparativo sobre Wanderley Guilherme dos
Santos e os formadores da moderna ciência política brasileira).

4.3. Na coleção sobre os pensadores clássicos do Brasil, da editora da


Fundação Perseu Abramo, já foram publicados seis volumes: Sérgio
Buarque de Holanda, Celso Furtado, Mário Pedrosa, Josué de Castro,
Milton Santos, Raymundo Faoro. Está em processo de elaboração, junto
com o professor Fernando Correia Dias e a professora Vera Alice Cardoso,
um volume de ensaios sobre Florestan Fernandes e se projeta um outro
sobre Darcy Ribeiro. Na coleção Intelectuais do Brasil (Editora da
Fundação Perseu Abramo e Editora da UFMG), que trata de autores com
obras consolidadas mas ainda em atividade, já foram publicados volumes
sobre Silviano Santiago, Boris Fausto, Evaldo Cabral de Melo, Leonardo
Boff. Está em impressão um volume sobre Maria da Conceição Tavares e
dois outros serão lançados ainda este ano (Gabriel Cohn e Wanderley
Guilherme dos Santos).

4.4. Os últimos doze anos foram também de intensa formação na área de


filosofia política, seguindo cursos oferecidos sistematicamente na pós
graduação e na graduação. Mais centrados nos pensadores da chamada
Modernidade, embora com estudos nas tradições políticas grega, romana e
teológica-política, estes estudos estão em curso. Além de me fornecer uma
chave de universalização para o estudo do pensamento brasileiro, de me
fornecer uma grande narrativa de formação de sentido clássico, estes
estudos têm me permitido reinterpretar dilemas e impasses da ciência
política contemporânea. Em particular, há duas teses de doutoramento em
curso, uma sobre as raízes econômicas da democracia deliberativa e outra
sobre a relação entre a democracia e a liberdade de expressão, que se
comunicam com este esforço. Estou também participando da redação de
um pequeno livro sobre o debate em torno à liberdade de expressão que
deverá ser concluído ainda este ano. A tese de doutoramento e este pequeno
livro sobre a liberdade de expressão tem concentrado uma área
fundamental de diálogo e elaboração muito importantes no último período.

4.5. Desde alguns anos, venho mantendo uma participação no Prodep,


liderado pelo professor Leonardo Avritzer, que é hoje o maior centro de
pesquisa e elaboração sobre democracia participativa na universidade
brasileira, com grande projeção internacional. É impressionante a riqueza
de estudos que a relação com este campo de pesquisa tem me propiciado ao
longo dos anos da minha formação. Além da participação em cursos de
formação à distância, da contribuição em dois livros editados, em bancas da
área, participo do processo de criação de um doutorado comum com a
Universidade de Coimbra (estive lá em 2006 como pesquisador visitante e
neste semestre ofereço um curso sobre pensamento político e social
brasileiro) e de um Centro de Estudos Sociais da América Latina.

4.6. Tenho participado sistematicamente dos trabalhos do Grupo sobre


Republicanismo (liderados pela professora Heloísa Starling e pelo
professor Newton Bignotto), em projetos de pesquisa (sobre as tradições
das lutas camponesas e dos trabalhadores rurais no Brasil), em livros
( coordenação coletiva de um livro de ensaios e do capítulo de um outro
sobre reforma agrária no Brasil), em seminários nacionais e temáticos (um
deles com ensaio publicado sobre a obra de Francisco de Oliveira).

5- Interesse Público e feminismo

5.1. A partir de uma convergência dos estudos sobre democracia


participativa e sobre republicanismo, formou-se o Centro de Referência do
Interesse Público, inicialmente com a participação dos professores
Leonardo Avritzer, Newton Bignotto, Heloísa Starling e a minha
participação. A este núcleo inicial, agregaram-se os professores Fernando
Filgueiras, Cláudia Feres e Helton Adverse. É um núcleo de reflexão com
enorme qualidade intelectual, potencial de pesquisa interdisciplinar e
ambiência criativa. Com financiamento da Fundação Ford e da Fundação
Konrad Adenauer, foi realizado o maior projeto de pesquisa universitária já
realizado no Brasil sobre o fenômeno da corrupção. Deste projeto,
resultaram um livro para o qual contribuíram dezenas de intelectuais
brasileiros e internacionais, uma série de pesquisas de opinião pública de
caráter nacional, uma série de livros de pequeno formato e um CD room,
com vocação pedagógica. Dois seminários foram realizados, sendo que o
mais recente deles se transformará em um livro ainda este ano.

5.2. Já com financiamento aprovado pela Fundação Ford, iniciou-se agora


um grande projeto de pesquisa sobre o tema da Justiça no Brasil. De
formato interdisciplinar, agregando análises da ciência política, da filosofia
política, da história e do direito, principalmente, tal projeto deverá
centralizar os trabalhos de pesquisa nos próximos anos.

5.3. A partir da iniciativa do Crip, formou-se um projeto coletivo de grupos


de pesquisas da Fafich que resultaram no projeto do Centro de Referência
de Ciências Humanas, uma grande infra-estrutura para colocar em um novo
patamar de espaço e possibilidades técnicas a pesquisa universitária na
área.
5.4. A partir de um importante diálogo com a professora Marlyse Matos,
iniciei um novo ciclo de estudos e pesquisas na área do feminismo. De fato,
nos anos oitenta havia editado um jornal de imprensa alternativa do qual
participavam várias das lideranças feministas nacionais em formação.
Juntos, oferecemos um curso na graduação, na pós-graduação, estamos co-
orientando uma tese promissora na área e vim a participar de um seminário
nacional da rede que organiza as pesquisas na área. Como já foi salientado,
o feminismo está ligado a muitos avanços importantes na teoria
democrática contemporânea e sua reflexão é fundamental para reavaliar
toda a tradição da filosofia política. Há, enfim, todo um processo de
reforma curricular a ser feito, na graduação e na pós-graduação, não apenas
para integrar a dimensão de gênero mas para reorientar teoricamente os
fundamentos conceituais da filosofia e da ciência política.

5.5. Nos últimos quatro anos, fui vice-chefe do Departamento de Ciência


Política, além de membro do Colegiado da Pós Graduação. Também fui
neste período membro do Conselho Editorial da Editora da UFMG.

6- Tempo de sínteses-

6.1. A meio caminho da minha trajetória como professor da UFMG –


fazem quinze anos que me tornei professor, levarão quinze anos até que eu
me aposente compulsoriamente – penso que os caminhos que percorri
foram sempre em um sentido de emancipação, de ânsia de conhecimento,
de interdisciplinaridade, de construção de narrativas amplas, sempre
procurando a serenidade das paixões que só uma perspectiva histórica
muito ampla dos acontecimentos pode fornecer. Houve três caminhos
acadêmicos que trilhei: o da história do marxismo, o da história da filosofia
política e o da história do pensamento político e social brasileiro. Há um
quarto caminho, que venho percorrendo intimamente, mas com todas os
poetas do mundo, que é o da formação da poesia brasileira. E há um outro,
de feitio existencial e ao mesmo tempo de geração, que é a minha vida de
militante público do socialismo democrático brasileiro. Tenho a nítida
sensação nos últimos anos, cada vez mais forte, que chegou um tempo de
sínteses, de caminhos cruzados, de organização conceitual não como pura
manifestação de uma razão ordenadora mas aquela do próprio tempo que
vai arrumando as coisas em seu próprio lugar. Vontade de classicização, de
ir para o além das circunstâncias vividas e da profusão das coisas
acontecidas?

6.2. Em toda criação há um motivo central. Creio que o fundamento de


todo o meu esforço existencial e intelectual é o sentido da liberdade, em
sua dimensão intersubjetiva, pública e privada, de mútua configuração de
seres autônomos e - por que evitar a palavra ? – amorosamente
configurados em comunidades plurais de destinos. Enfim, liberdade e
cidadão, liberdade e cidadã.

6.3. O primeiro campo de síntese é um livro que já tem um nome, “A


formação do cidadão brasileiro”, e terá dois volumes “Da condição agônica
às promessas de emancipação” e “Civilização brasileira e socialismo
democrático”. Provavelmente me ocupará os próximos cinco anos de
trabalho. Tenho já os roteiros de cerca de metade dos capítulos previstos.
Nele, estarão os principais criadores e pensadores do Brasil desde a
fundação da República, compostos em um tempo dramático de formação.

6.4. O segundo campo de síntese, que pretendo elaborar no mesmo


compasso do tempo, refere-se à reconstrução do campo teórico do
marxismo através da filosofia política. Penso em uma segunda edição do
“Marxismo e democracia: crítica à razão liberal”, aprofundada, atualizada e
ampliada mas principalmente em um livro que terá o nome “Marxismo e
republicanismo: a formação do cidadão socialista”. O trabalho que ainda
não fiz foi reler a crítica da economia política de Marx através da filosofia
política mas que nos últimos meses tem sido retomado, através do estudo
da economia.

6.5. Há ainda um trabalho de síntese de mais largo espectro, que já se


iniciou mas cujos momentos decisivos se abrem para os meus anos
sexagenários, que é o exercício de construção de uma teoria da liberdade,
para o qual conflua republicanismo, marxismo e feminismo. Os meus
conhecimentos de filosofia política terão que passar por novo processo de
aprofundamento e de consciência para me julgar capaz de escrever um tal
trabalho.

6.6. Estes quatro trabalhos de maior fôlego – “Democracia e marxismo”


( revisto e ampliado), “Marxismo e republicanismo”, “A formação do
cidadão brasileiro” e “Teoria da Liberdade” – comporiam o fundamento de
meu legado intelectual. De fato, eles estão à minha frente, ao mesmo
tempo, como desafios e promessas de felicidade. Não pertence a mim a
definição de todas as condições de tempo e capacidade para escrevê-las.
Mas já pressinto-as quase como um lugar em que serenamente me abrigo.

7- Conclusão-

A meio caminho, uma conclusão vale como reflexão em perspectiva sobre


o modo como vim equilibrando ao longo da trajetória intelectual,
acadêmica e orgânica, dimensões às vezes não convergentes ou até mesmo
dissidentes.

Há, em primeiro lugar, a consciência de um caminho personalíssimo que


está sendo trilhado conjugado com um crescente sentido de construção
institucional compartilhada. Isto é, o fato de cultivar um marxismo crítico,
em uma época na qual a maioria dos que persistem nesta tradição o fazem
de modo sectário ou excessivamente cisionista, não me levou a um
caminho de isolamento e de auto-referência. Há uma consciência de que os
diálogos cada vez mais me constituem e formam o meu caminho.

Talvez a revelação deste personalismo compartilhado se manifeste no


modo como vem se combinando os meus trabalhos de docência e pesquisa,
formação e orientação. Compreendi faz algum tempo que o melhor modo
de aprender sobre um tema é dar aula sobre ele; agora, estou cada vez mais
convencido que o trabalho de orientação – este diálogo de inteligências e
criatividade travado na terra-de-ninguém do saber – nos faz ir além de nós.
Agradeço, neste momento, a cada um dos meus orientandos pelo que,
literalmente, me ensinaram, mais além das cadeias de afeto que se criaram.

O meu esforço de me tornar um disciplinado cientista político tem sido


desde o início contrariado por um forte anseio de interdiciplinariedade.
Vim da economia, fiz mestrado e doutorado em ciências sociais, nunca
soube pensar sem a história, convenci-me de que há verdadeiros tesouros
guardados na inteligência teológica, valho-me cada vez mais da filosofia
política como a grande linguagem da (re)ligação. E, cada vez mais,
literatizado, poetizado. O grande risco que me ronda, desde sempre e cada
vez mais, é o da dispersão, não o do ecletismo, porque sempre cultivei a
síntese de um núcleo conceitual. Inserir-me nos grupos de reflexão da
Anpocs e da ABCP, publicar regularmente nos periódicos especializados,
manter sempre um diálogo com as dinâmicas de especialização na área da
política é um desafio incontornável para o próximo período.

Um outro campo de equilíbrio é compatibilizar a minha condição de


professor e de intelectual público do socialismo democrático. Não aceitar a
divisão de trabalho das duas vocações weberianas não significa deixar de
lidar com suas razões ou mesmo de acatá-las parcialmente. O meu diálogo
sempre renovado com o liberalismo, o reconhecimento de sua inteligência,
de suas razões e valor histórico aliado a uma certa disposição pessoal
dialogal protegem-me dos riscos extremos de partidarização, intransigência
e anti-pluralismo na vida acadêmica. A vida intelectual brasileira, em um
país no qual a divisão de trabalho talvez felizmente não tenha se
cristalizado, tem permitido estas passagens da universidade à política mas
nem sempre de modo virtuoso. É preciso ter sempre a nítida consciência de
uma tensão a ser regulada.

Tornei-me, com muito trabalho e dedicação, um intelectual brasileiro, isto


é, não “desfiliado” das tradições de pensamento que por aqui se gestaram.
Ao mesmo tempo, prossegue a minha aventura intelectual de sentido mais
universalizante. Consola-me saber que na formação das tradições
brasileiras de pensamento sempre houve este trabalho de “repatriamento”
dos clássicos, de “canibalismo teórico”, de reinvenção de campos teóricos
para servir de bússola em terra nova. Tenho cada vez mais a consciência de
que a civilização brasileira, cujos origens remontam à colonização, é bem
mais antiga : somos ibéricos, africanos, pré-colombianos, é certo, mas
também gregos, romanos, humanistas cívicos, franceses, alemães, anglo-
saxões e, cada vez mais , latino-americanos. Também no campo do
pensamento há um processo de síncreses - e uma síntese ainda não
formulada – como se dá no processo de civilização de longa temporalidade
no qual estamos inseridos. Treze anos após a tese de doutorado, ainda não
fiz o pós-doutoramento como havia planejado antes para 2000, mas talvez
este percurso no exterior seja hoje uma necessidade orgânica para o meu
desenvolvimento intelectual.

Cada vez mais me aproximo da filosofia política sem que tenha tido uma
formação técnica na área, como domínio mais apurado de línguas, cursos
de hermenêutica, certa disciplina de leitor que só alguém com formação
sistemática na área pôde obter. Há certas vantagens de estar filosofando “de
fora” da área, com um trânsito interdisplinar e forçando-a, como que, a se
enraizar em saberes mais mundanos. Mas estas vantagens podem ser
anuladas sem o recurso aos saberes sistematizados da área. Uma nova
geração de filósofos, com a capacidade técnica dos grandes centros
mundiais, foi tardiamente formada no Brasil e a proximidade com um
destes centros de excelência – a UFMG e, talvez, a FAJE – é um
formidável privilégio.

O que há de imensamente, quase insuportavelmente dramático na minha


trajetória intelectual – o de fazer parte de uma tradição literalmente sem
abrigo, de passado tormentoso e futuro incerto – está sendo transcrito numa
temporalidade longa. Tenho já 36 anos de relação com a tradição do
socialismo democrático e 40 anos de reflexão na área quando terminar de
escrever “Marxismo e Republicanismo”, terei 20 anos de trabalho na área
quando terminar de escrever a obra autoral sobre o pensamento brasileiro,
30 anos de trabalho em filosofia quando fechar o livro de escritos sobre a
liberdade que pretendo escrever. Talvez o tempo me traia ou, quem sabe,
eu traia o tempo, no sentido de uma obra que não se classicize, isto é,
permaneça aberta ao tempo, em processo. A vida que se faz em cada obra,
a obra que enseja a vida que há em nós, o particularíssimo e amoroso
mistério que se tece entre criador e criatura. Mas, parodiando Mário de
Andrade, até mesmo o dramático faz parte da felicidade, tudo assim, é
felicidade.

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