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Tempo

ISSN: 1413-7704
secretaria.tempo@historia.uff.br
Universidade Federal Fluminense
Brasil

Bittencourt, Marcelo; Ferreira, Roquinaldo


A trajetória de um intelectual africano. Entrevista com Toyin Falola
Tempo, vol. 10, núm. 20, enero, 2006, pp. 164-173
Universidade Federal Fluminense
Niterói, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=167013396010

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20 • Tempo

A trajetória de um intelectual
africano
Entrevista com Toyin Falola *
Entrevistadores: Marcelo Bittencourt e Roquinaldo Ferreira

1- O senhor nasceu na Nigéria e obte- possuíam experiência e conhecimento,


ve o título de doutor em 1981, na Uni- mas sua sabedoria era reverenciada. A
versidade de Ifé. Pode contar-nos dignidade era parte de seu trabalho. Seu
como é ser um historiador na Nigéria? papel, segundo a expectativa de muitos
TF- Na Nigéria e em quase toda a Áfri- na sociedade, era de orientar o governo,
ca, as universidades iniciam suas trajetó- “conversar sinceramente com o poder”,
rias muito bem e adquirem reputação ra- mostrando como gerar desenvolvimento
pidamente, às vezes durante os seus pri- econômico e estabilidade política, disse-
meiros vinte anos de funcionamento. Para minar conhecimento e formar profissio-
entender minha trajetória no contexto afri- nais. Professores universitários tinham
cano, é preciso considerar a mudança do poder, derivado do conhecimento adqui-
papel dos professores universitários na rido. A primeira geração de professores
sociedade. Na “época de ouro” da acade- universitários não questionou as expec-
mia, em meados do século XX, professo- tativas da sociedade sobre eles. Estes pro-
res universitários eram geralmente mui- fessores não apenas aproveitavam seu
to respeitados. Eram poucos, a nata da status, mas também vendiam a idéia de
elite educada à maneira ocidental. Seus que precisavam ser vistos com admiração,
títulos significavam muito: não apenas dignidade e respeito.

*
Professor catedrático na University of Texas, Austin, Estados Unidos.
*
Determinação do governo federal americano, que dispõe sobre os centros de pesquisa que
dependem de recursos do governo. Este subsídio governamental viabilizou a emergência de
estudos africanos, latinos americanos e também de gênero.

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A trajetória de um intelectual africano

Eu não era professor universitário du- talizada que vinha desde meados do sécu-
rante esta “época de ouro”. Iniciei minha lo XIX, entrou em rápido declínio na dé-
carreira quando a academia africana come- cada de 1970. Os militares dominaram o
çou a entrar em declínio. Testemunhei a poder e perdeu-se muito do respeito pe-
decadência dos professores universitários los professores universitários. A profissão
nos tempos em que era estudante de gra- começou a perder seu brilho. Professores
duação quando, no outono de 1973, o re- universitários na Nigéria, e na maior parte
gime militar do General Yakubu Gowon da África, responderam da mesma manei-
afirmou, em um pronunciamento na rádio, ra: “se você não pode vencê-los, junte-se
que todos os professores universitários que a eles”. Para participar do poder e do enri-
desobedecessem às instruções do gover- quecimento muitos entraram para a polí-
no seriam obrigados a deixar suas residên- tica ou para o ramo dos negócios. Os pro-
cias oficiais. Parte das vantagens do traba- fessores universitários, a partir de então,
lho era acomodação gratuita, uma herança precisavam prover a si mesmos, criando
dos tempos coloniais. A torre de marfim oportunidades para dispor de dinheiro e
foi destruída por um simples pronuncia- poder economizar para sua aposentadoria.
mento de rádio. Muitos se mudaram, ou- A pesquisa se tornou gradualmente uma
tros aceitaram as condições para manter o ocupação secundária e o compromisso
emprego. O governo interferiu mais e com o ensino declinou.
mais, exercendo seu poder para nomear os Eu mantive o compromisso com a pro-
membros do conselho, os pró-reitores e os dução de conhecimento e o ensino. Ape-
vice-reitores. Centralizava contratações, sar dos obstáculos, consegui publicar
determinava a cota de cada universidade muitos ensaios e livros e contribuí para o
e a proporção de estudantes a serem admi- treinamento de centenas de estudantes
tidos em cada curso. As profissões liberais de graduação e pós-graduação. Encontrei
padeceram, porque o governo acreditava maneiras de conduzir pesquisas que re-
que o país precisava de pessoas graduadas queriam poucos recursos; elaborei inúme-
em profissões nas quais poderiam criar ros projetos com trabalho de campo; fiz
seus próprios empregos. A educação na uso extensivo dos recursos do National
África se tornou um negócio e os profes- Archives da Nigéria, em Ibadan, distante
sores universitários foram convidados a menos de duas horas de onde eu vivia;
plantar inhame e quiabo para vender! gastei a maior parte do meu salário em
Outra grande crise se seguiu: subita- pesquisa. As lições que aprendi ainda me
mente, nos anos 1970, a Nigéria ficou rica são úteis: posso superar desafios e fazer o
com o dinheiro do petróleo. Durante e meu trabalho, como indiquei no meu li-
depois dos anos de boom do petróleo, os vro The Power of African Cultures que des-
que possuíam ligações com os governos taca a cultura como resultado de uma ação
estaduais e federal se tornaram prósperos deliberada.
e poderosos da noite para o dia. A socieda-
de passou a definir o status não em termos 2- Como o senhor descreveria a con-
de conhecimento e educação nos moldes tribuição da Ibadan School of History
ocidentais, mas em termos de riqueza e para o desenvolvimento da historio-
materialismo. A influência da elite ociden- grafia nigeriana?

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Toyin Falola Entrevista

TF- A Ibadan School (Escola de Ibadan) já que, como foi dito, parte da justificati-
se baseia na escrita da história africana de va para a dominação colonial era o fato
uma perspectiva afrocêntrica, cujos deta- dos africanos não terem uma história pró-
lhes são apresentados no meu livro pria. As mudanças começaram nos anos
Nationalism and African Intellectuals. A 1950, através de uma reformulação
melhor maneira de apreciar a contribui- curricular que fez com que a história afri-
ção da Escola de Ibadan para o desenvol- cana passasse a ser ensinada nas escolas e
vimento da moderna historiografia africa- viabilizou a produção de livros que per-
na é considerando, de início, a natureza mitiram este ensino e resultaram em no-
da reflexão sobre a África e o tipo de his- vas formas de pesquisa. Na Nigéria, os
tória africana ensinada antes do surgi- cursos ministrados antes da época de
mento da nova disciplina acadêmica, nos Dike contavam a história do Império Bri-
anos 1940. A história africana era ensina- tânico e das atividades dos europeus na
da e tratada como a história dos comerci- África. Por isto ele enfrentou problemas
antes, dos missionários e dos explorado- para desenvolver um novo currículo que
res europeus na África. Devido à ausên- atendesse à nova história: a escassez de
cia de documentos escritos os europeus textos e monografias. Para solucionar este
viam a África e seus povos como destitu- problema Dike organizou inúmeros con-
ídos de história. As sociedades sem uma gressos, reunindo historiadores, arqueólo-
tradição de escrita eram vistas como so- gos, antropólogos e lingüistas. O estudo
ciedades de povos sem história. O degra- das populações africanas ganhou uma di-
dante e desumano tráfico transatlântico mensão multidisciplinar. Ele facilitou a
de escravos e as noções não científicas fundação do National Archives, em 1953;
sobre raça e civilização, popularizadas nas e criou a Historical Society of Nigeria, em
palavras de David Hume, F. Georg Hegel 1955, fazendo com que a historiografia
e Charles G. Seligman foram rapidamen- africana emergisse com toda força. Estu-
te incorporadas e orquestradas por nume- dantes de pós-graduação foram encoraja-
rosos pesquisadores europeus e pelos dos a se especializar em diferentes aspec-
construtores e administradores do impé- tos da história da África pré-colonial e
rio colonial. Noções não científicas de colonial. O uso das tradições orais se tor-
história e mudança deram a justificativa nou aceito como método legítimo de re-
intelectual para a colonização e o domí- construção histórica. A coleção Ibadan
nio da África pela Europa. History Series editada pela Longman, foi
A história do surgimento da Escola de formada a partir de versões revistas da
Ibadan está estreitamente relacionada a primeira leva de teses de doutorado, cons-
Kenneth Onwuka Dike que planejou sua tituindo uma nova história acadêmica da
fundação. Significativamente, a nova his- África. O Journal of the Historical Society
tória africana, da qual Dike foi pioneiro, of Nigeria e o Tarikh, uma publicação
foi importante devido à necessidade de dedicada a diferentes temas, forneceram
demonstrar aos colonialistas que a África os instrumentos para a consolidação da
tinha uma história antes do domínio eu- nova disciplina. O Groundwork of Nigeria
ropeu. A Escola de Ibadan forneceu a History, editado por Obaro Ikime, foi um
arma intelectual para a luta nacionalista, projeto encomendado pela Historical

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A trajetória de um intelectual africano

Society of Nigeria, visando a elaboração de Nigéria durante o “colonialismo tardio”,


um compêndio de fácil manuseio e lin- juntamente com suas políticas modernas;
guagem simples, com a história dos diver- uma série de livros que investiga a
sos povos da área geográfica da Nigéria, Nigéria, como uma nacionalidade desde
desde antes do estabelecimento do colo- os primórdios à atualidade; a análise sobre
nialismo até os dias atuais. A dispersão da tradições e modernidade; a ligação entre
disciplina aconteceu e ganhou uma nova passado e presente, em busca da compre-
coloração. Igualmente dinâmica era a ensão do nacionalismo e da construção da
Ahmadu Bello School of History, basica- nação. Apontam ainda para o sucesso dos
mente uma escola marxista, liderada por meus estudos empíricos sobre a cidade-
Abdullah Smith. Enquanto o número de estado de Ibadan, em dois livros, que co-
universidades crescia nos anos 1960, de- brem o período de 1830 a 1939, com aten-
partamentos de história eram criados e a ção especial para a economia política e
propagação da disciplina se acelerava. com a aplicação de vários conceitos e teo-
Ibadan forneceu mão-de-obra intelectu- rias na análise da economia e da política.
al para novas universidades que surgiram Os três livros afirmam que eu toquei
exatamente nos anos 1960. Os principais em todos os grandes temas, sugeri mui-
ensaios produzidos pela Escola de Ibadan tos tópicos que outros desenvolveram e
são agora parte da série que edito, Classic treinei estudantes de pós-graduação.
Authors and Texts on Africa. Concordo com eles em todas as questões
fundamentais. Através de pesquisas e
3- Como o senhor descreveria sua publicações, expandi a fronteira do co-
contribuição pessoal para a historio- nhecimento sobre a Nigéria dos séculos
grafia nigeriana? XIX e XX. Em muitos trabalhos pionei-
TF- Em reconhecimento à minha contri- ros, produzi um grande corpo de novas
buição para a disciplina, meus alunos, pesquisas empíricas que têm sido usadas
amigos e colegas apresentaram três cole- para cobrir grandes lacunas da literatura,
tâneas de ensaios em minha homenagem, como a compreensão das relações de po-
denominadas The Transformation of Nigeria: der, status, gênero, classe e ideologia en-
Essays in Honor of Toyin Falola (2002), or- tre os iorubás; o desenvolvimento de eco-
ganizada por Adebayo Oyebade; The nomias indígenas no contexto de expan-
Foundations of Nigeria: Essays in Honor of são global; a criação de novas culturas à
Toyin Falola (2003), organizada por luz da penetração do Cristianismo, do
Adebayo Oyebade; e Precolonial Nigeria: Islamismo e das influências ocidentais; e
Essays in Honor of Toyin Falola (2005), or- a possibilidade de aproveitar as idéias
ganizada por Akim Ogundiran. Os capítu- africanas para formular modelos impor-
los introdutórios destes três livros enfocam tantes não apenas para se entender a Áfri-
minhas contribuições para a historiografia ca, mas também a própria disciplina his-
nigeriana. Dentre elas, encontram-se mi- tórica. Analisei a história da Nigéria mo-
nhas reflexões sobre a história dos iorubás derna durante o século XX, cobrindo todo
no século XIX; as melhores análises sobre o espectro da sociedade. De um lado,
as reformas econômicas e políticas na importantes questões da história nacional

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Toyin Falola Entrevista

foram discutidas em várias publicações embora associada a uma nova políti-


sobre política e economia. De outro, as ca, que combina questões étnicas e
interações entre as camadas mais baixas regionais. Como o senhor encara a
da população e a história nacional têm persistência desta perspectiva?
sido igualmente examinadas. Editando
TF- A base sobre a qual se erigiu esta cul-
jornais e organizando três coletâneas para
tura pós-colonial é frágil, e isto afetou a
diferentes editoras, identifiquei jovens
interpretação do passado colonial. Um trau-
talentos e novas idéias. Esta é uma posi-
ma acompanhou o encontro colonial, e
ção de liderança que encoraja e habilita
uma profunda crise se seguiu ao seu colap-
outros acadêmicos a revisarem e publica-
so. Os africanos tiveram que sair de uma
rem seus trabalhos. Além disto, colaboro
posição de inferioridade cultural e se es-
para uma dúzia de periódicos, o que me
forçaram para alcançar uma paridade cul-
possibilita influenciar positivamente a
tural frente à propagação da cultura ociden-
agenda da academia. De tempos em
tal, autodenominada cultura universal,
tempos, organizo workshops, simpósios e
apresentada em oposição às culturas. Foi
congressos para reunir historiadores em
difícil delinear cada fase deste embate
debates sobre assuntos diversos. Também
cultural; e a psicologia da opressão dificul-
contribuí para associações profissionais,
ta ainda mais a superação dos obstáculos.
inclusive como Secretário Geral da
Acadêmicos e lideranças africanas não
Historical Society of Nigeria. Facilitei a cir-
compartilhavam a mesma opinião a respei-
culação de novos conhecimentos nas sa-
to da solução para a crise pós-colonial na
las de aula, através da publicação de li-
cultura e o papel dos africanos como agen-
vros, da formulação de novos cursos e da
tes de transformação do seu continente. A
participação na revisão de currículos. Em
cultura pré-colonial devia ser romantiza-
vários trabalhos publicados, colaborei
da e usada na época contemporânea? É
com a expansão do conhecimento sobre
possível transcender a cultura colonial?
a África, criando com sucesso elos de li-
Existem elementos do período colonial
gação entre o grande público e a “torre
que podem ser recuperados? Todas as su-
de marfim”. Treinei um grande número
gestões revelam o profundo impacto do
de estudantes de graduação e pós-gradu-
colonialismo na África e o legado daquela
ação, muitos dos quais se distinguiram
época, que afeta a historicização dos em-
em suas variadas trajetórias. Uma refle-
preendimentos em termos de resistência
xão sobre os primeiros anos da minha
e colaboração. A África tem tentado ultra-
vida profissional está em minhas memó-
passar muitos dos problemas relacionados
rias, A Mouth Sweeter Than Salt.
à raça e à cultura, nem sempre com suces-
4- Até os anos 1970, a historiografia so. O fim do domínio colonial reafirmou o
sobre o período colonial focalizou o poder dos negros, mas não necessariamen-
tema da resistência, em oposição ao te construções hegemônicas baseadas na
colaboracionismo. Embora esta pers- idéia da África e dos africanos como agen-
pectiva deixe de fora inúmeras estra- tes no contexto colonial. A luta pela inde-
tégias dos africanos frente ao coloni- pendência derrubou a crença na “inferio-
alismo, esta dicotomia é ainda usada, ridade negra”. Culturas africanas foram

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A trajetória de um intelectual africano

fortalecidas no pós-independência: o sis- o comércio de noz-de-cola, apresentada


tema educacional assegurou que a África à Universidade de Wisconsin-Madison,
se tornaria o centro da produção de conhe- em 1973. O mesmo se aplica a Kristen
cimento; escritores, artistas, cantores, po- Mann, cujo estudo sobre casamento e
etas e outros apresentaram o gênio criati- mulheres em Lagos, no século XIX, teve
vo de seus povos e instituições. Contudo, significativo impacto na emergência de
tem sido difícil manter os ganhos da inde- estudos de gênero. Estes acadêmicos vi-
pendência e algumas crises pós-coloniais veram na Nigéria e voltaram para casa,
têm-se prolongado mais que as crises co- após muitos anos de trabalho de campo
loniais. Neste contexto, dá-se a retomada na África, para criar novos cursos e áreas
de velhas idéias, que, mesmo quando de- de especialização. Eles contribuíram
sacreditadas, reaparecem como “novas”. muito, abrindo caminho para outros
africanistas ocidentais que se interessa-
5- O senhor organizou uma coleção ram pela África a partir de seus exemplos.
de livros na Universidade de Ao lado de sua pesquisa sobre os iorubás,
Rochester, intitulada Africa and Robin Law publicou estudos sobre a es-
African Diaspora, e lançou recente- cravidão. Paul Lovejoy, depois de dois
mente uma coletânea de textos sobre anos de pós-doutoramento, atuando como
a diáspora iorubá, juntamente com professor na Ahmadu Bello University, em
Matt Childs. Como o senhor encara Zaria, tornou-se a mais celebrada autorida-
o papel de africanistas não africanos de em estudos sobre tráfico de escravos e
– como Paul Lovejoy, Robin Law, escravidão na África. Ele juntou esforços
Kristen Mann e outros – que têm pro- com outros acadêmicos, como J.D. Fage,
curado estabelecer uma ponte entre Philip D. Curtin e J.E. Inikori para desen-
a história da África e os estudos da volver e divulgar a história da diáspora afri-
diáspora africana? cana. Com suas pesquisas estes acadêmi-
TF- O lugar dos africanistas não africanos cos forneceram uma consistente energia
no preenchimento das lacunas que sepa- intelectual que trouxe a história da África
ram a história da África dos estudos sobre e do hemisfério ocidental para mais pró-
a diáspora africana não pode ser superes- ximo da realidade contemporânea.
timado. Entretanto, alguns deles - como
os citados Robin Law, Paul Lovejoy e 6- Um crescente número de africa-
Kristen Mann - desempenharam impor- nos está se doutorando e ocupando
tante papel no desenvolvimento da his- posições importantes fora da África.
toriografia africana. Robin Law, foi assis- O senhor considera que eles estão
tente de pesquisa do falecido Professor mudando o entendimento do Ociden-
Saburi Oladeni Biobaku, um dos pais-fun- te (aqui entendido como Estados Uni-
dadores da Ibadan School of History, pu- dos, Canadá e Europa ocidental) acer-
blicou sua tese de doutorado sobre o an- ca da África em geral e da história
tigo império de Oió em 1977; Paul africana em particular?
Lovejoy começou sua carreira como his- TF- Existem duas categorias diferentes
toriador econômico, com uma tese sobre de acadêmicos africanos no Ocidente. A

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Toyin Falola Entrevista

primeira é produto da fuga de talentos, história africana. Como podemos ver,


resultante da recessão econômica, da pro- quanto maior o número de africanistas
cura por melhores condições de trabalho num departamento de História, maiores
nesses países. A segunda compreende serão as chances de se criar um formidá-
acadêmicos que saíram da África para fa- vel programa de pós-graduação em histó-
zer seus cursos de pós-graduação e por ria e maior é o número de pessoas que
várias razões se recusam a voltar. Há ain- provavelmente se tornarão especialistas
da um pequeno número de exilados de em África e Diáspora Africana. Acadêmi-
seus países de origem por razões políti- cos africanos, juntamente com seus cole-
cas. A presença de acadêmicos africanos gas ocidentais, têm transformado o Oci-
nas universidades do Ocidente tem con- dente no melhor lugar para se estudar a
tribuído para mudar a percepção que os história da África. Este é um êxito
não-africanos possuem acerca da África e inacreditável, embora em detrimento do
de seus diferentes povos e culturas. De continente africano. O fato de os maiores
fato, se os africanos não fossem tidos centros de produção acadêmica sobre a
como importante símbolo intelectual e África se localizarem no Ocidente de-
cultural, não seriam contratados como monstra o sucesso da presença e, mais
professores. Eles apresentam temas rela- importante, da produtividade acadêmica
tivos à África de uma perspectiva de den- tanto de africanos quanto de seus colegas
tro. Ensinam a história e as culturas nas ocidentais.
quais eles cresceram, com um entendi-
mento mais completo, que parte de den- 7- Na sua opinião, quais são os prin-
tro delas. A maneira pela qual discutem e cipais debates que têm mobilizado os
entendem as culturas e as instituições afri- pesquisadores africanos?
canas é incomparável. O número crescen- TF- A definição do que vale a pena
te de acadêmicos africanos ajuda a preen- ser estudado varia de acordo com as pre-
cher a lacuna entre o conhecimento so- ferências intelectuais e os sentimentos de
bre as populações africanas e o processo cada pesquisador, e suas convicções pes-
de transformação destes conhecimentos soais influenciam claramente suas agen-
em produtos acadêmicos prontos para o das. Esta é a principal razão pela qual a
consumo. Eles gozam da reputação de pesquisa histórica no continente tem va-
especialistas porque seu conhecimento riado muito de uma geração para outra.
acadêmico e suas bases culturais se com- Vale lembrar, neste sentido, o provérbio
pletam, produzindo uma aura de excelên- iorubá, “a comida de um homem é o ve-
cia intelectual. Além disto, desempe- neno do outro”. Além dos interesses e das
nham papéis importantes na condução orientações individuais, outro fator pre-
dos centros e programas de estudos afri- ponderante é a disponibilidade das fon-
canos. O presente êxito em termos de tes e a acessibilidade às mesmas. O pon-
números e qualidade das pesquisas leva- to a enfatizar é: o número de especialis-
das a cabo por acadêmicos africanos e seu tas trabalhando com o período colonial é
papel na mudança da imagem do conti- maior do que o número de especialistas
nente é explicada pela globalização da trabalhando com o período pré-colonial.

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A trajetória de um intelectual africano

Isso ocorre porque os países africanos de 1980, a historiografia nacionalista se


possuem arquivos onde se pode encon- tornou saturada e anacrônica. Novas for-
trar grande quantidade de documentos do mas de pensar acarretam novas discipli-
período colonial. Por outro lado, por mo- nas e novas disciplinas acarretam novas
tivos de segurança, expressos em leis, demandas; novas demandas precisam vir
documentos sobre o período pós-inde- acompanhadas de novas ofertas. A deman-
pendência - que podem ser usados para da é determinada predominantemente
escrever a história recente - geralmente por diferentes universidades ou agências
não estão disponíveis para os pesquisado- de fomento, que desenvolvem seus cur-
res. Com isto, em parte devido à ausên- rículos a seu modo. Esta dinâmica se apli-
cia de documentos acessíveis, a pesqui- ca à emergência de áreas de especializa-
sa sobre a África pós-independência não ção, como os estudos de gêneros ou a his-
tem recebido a atenção adequada. Isto tória das mulheres na África. Quando os
gerou algumas mudanças, envolvendo estudos de gênero emergiram na África,
novas metodologias e fontes e a prima- muitos logo começaram a explorar a his-
zia de fontes arquivísticas tem-se torna- tória das mulheres na África pré-colonial
do impopular entre alguns pesquisadores. e colonial. Estudos de gênero e história
Além disto, existe um outro grupo inte- das mulheres ganharam espaço, e muitas
lectual que reprova o interesse pela his- pesquisadoras africanas como Nina Mba,
tória contemporânea por causa da sua flui- Oniagwu Ogbomo, Gloria Chukwu, Ifi
dez. A dicotomia entre “velha e “nova” Amadiume e Oyeronke Oyewumi emer-
história ainda gera grandes debates. giram com excelentes trabalhos neste
Outro importante fator que influencia campo. Como a fronteira do conhecimen-
o tipo de história produzida pelos histori- to é variável, historiadores oferecem a
adores é o que pode ser considerado história requerida, a cada momento. Em
como corrente intelectual predominante, parte, isto explica o fenômeno da nova e
que é determinado pelas ofertas e de- da velha história que formam o fluxo con-
mandas do meio acadêmico. O ponto a tínuo da produção acadêmica. Novas te-
destacar aqui é que houve época em que orias e reflexões sempre abrem novos
a história nacionalista foi predominante. caminhos para a expansão das fronteiras
As pessoas estavam interessadas em es- do conhecimento.
crever a história de grandes impérios e Independente do contexto e das mu-
monarquias existentes antes que a Euro- danças teóricas, questões como subdesen-
pa estendesse seus tentáculos e sua volvimento econômico e político ainda
hegemonia sobre a África. Como menci- consumirão muito do nosso tempo en-
onado anteriormente, este tipo de histó- quanto historiadores. “Um homem famin-
ria ganhou espaço porque forneceu uma to é um homem furioso”, diz um ditado
arma intelectual para a descolonização, a do meu povo. Face à pobreza, os intelec-
política do pós-independência e a cons- tuais devem se juntar e encontrar solu-
trução de identidades sociais. Africanos ções para que milhões de homens furio-
e não-africanos responderam adequada- sos pela fome não usem da violência para
mente a esta onda e, no início da década destruir os intelectuais e suas bibliotecas.

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Toyin Falola Entrevista

8- O senhor viveu na Inglaterra, no atacar o racismo e para dar início a refor-


Canadá e, atualmente, vive nos Esta- mas políticas e econômicas. Reparações
dos Unidos. Considerando sua expe- precisam incluir cancelamento de dívi-
riência pessoal, o que o senhor diria das. Para um continente em crise, usar
sobre multiculturalismo e conflitos uma grande porcentagem das receitas
culturais? anuais para o pagamento da dívida exter-
na é perpetuar uma outra forma de escra-
TF- A globalização possui seus críticos
vidão. Os bancos estrangeiros precisam
e inimigos. Existem os que lamentam o parar de receber dinheiro roubado dos
excesso de “estrangeirização” da Euro- tesouros do continente africano para de-
pa; existem sentimentos e movimentos senvolver economias ocidentais. Os que
contra os imigrantes nos Estados Unidos. vociferam críticas a dirigentes africanos
Algumas personalidades importantes da corruptos devem vociferar mais alto con-
direita americana pretendem preservar os denando seus bancos e suas empresas que
Estados Unidos como um “país cristão”, recebem dinheiro roubado. Os que em-
baseado no uso da língua inglesa e em uma prestam dinheiro aos líderes, sabendo
“divisão étnica do trabalho”, com imi- que eles são corruptos, que desviam e
grantes fazendo o que os cidadãos ameri- roubam uma parte dos empréstimos e
canos rejeitam. Esta é a contradição da depositam o dinheiro em contas bancárias
direita, que quer uma América branca de países estrangeiros, não deveriam pre-
(sem o trabalho barato dos imigrantes), judicar milhões de pessoas pobres e ino-
mas que precisa desta mão-de-obra bara- centes que não participam destas transa-
ta; conseqüentemente, a tendência é im- ções duvidosas. Os que, nos países oci-
portar mão-de-obra estrangeira sem os dentais, criticam a imigração, em parte por
direitos dos cidadãos ou dos imigrantes causa do racismo, e querem parar os fluxos
tradicionais. Ao invés de abordar proble- migratórios e limitar as oportunidades para
mas individuais, permitam-me enfocar a os imigrantes que já estão entre eles, de-
relação entre nações em um mundo plu- veriam parar de desperdiçar seu tempo
ral em contexto de paz. Para a comunida- criticando os imigrantes. Ao invés disto,
de global, abandonar a África é ignorar os deveriam pressionar seus governantes para
danos causados pelo tráfico de escravos, combaterem a pobreza na África. As pes-
pelo colonialismo, pela guerra fria e por soas pobres migram, mesmo correndo gran-
um sistema de trocas internacionais injus- de risco de vida. Todos os “afro-pessimis-
to. Pedir reparação para os problemas cau- tas” devem lembrar uma coisa: se a África
sados pelo tráfico de escravos e pelo co- sobreviveu ao tráfico de escravos e ao sis-
lonialismo é em parte uma estratégia para tema colonial, ela também sobreviverá à
gerar um fluxo de riqueza em direção à atual fase de declínio e desordem.
África na forma de mão-de-obra qualifi- O multiculturalismo tem vários con-
cada, tecnologia, dinheiro, máquinas e textos e dimensões, incluindo o mundo
idéias. A perícia e o talento dos africanos, empresarial, a composição do trabalho, a
independente de onde eles vivem, pre- produção e o consumo cultural, assim
cisa ser usada para libertar o continente, como a chegada de uma geração de inte-
para derrubar a opressão e a injustiça, para lectuais negros que conquistou a educa-

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A trajetória de um intelectual africano

ção superior depois das lutas pelos direi- professores universitários (denominada
tos civis. Todavia, não devemos confun- tenure) está sendo atacada.
dir o multiculturalismo liberal, que traz Ademais, a realidade presente e as
consigo um ideal de inclusão, com justi- perspectivas futuras da academia devem
ça racial, que exigiria a consideração de ser entendidas no contexto da expansão
fatores variados, incluindo oportunidades do neo-imperialismo. A ligação entre as
iguais de acesso à educação, fundos para populações negras dos Estados Unidos,
desenvolvimento de infra-estrutura, fim despossuídas de seus direitos políticos, e
da violência racial levada a cabo pelo as vítimas das aventuras americanas no
Estado e participação política substanti- exterior podem não ser facilmente
va. A recente catástrofe em Nova Orleans, identificáveis em instituições de elite
resultante do furacão Katrina, expôs a dura como universidades, mas esta ligação é
realidade de raça, classe social e sua inter- inegável e determinará o acesso, o supor-
relação nos Estados Unidos, porquanto os te, a promoção, assim como as agendas de
discursos em torno do furacão demonstra- ensino e pesquisa. A tentativa do gover-
ram a profunda responsabilidade da hos- no americano de intervir na autonomia das
tilidade racial e da agenda venal de alguns áreas de estudos referidas no Title VI* re-
segmentos da elite política. presenta uma agressão direta às lutas e às
Na educação superior, testemunha- conquistas dos movimentos em prol da
mos as “guerras culturais” das décadas de diversidade cultural. De fato, a comple-
1980 e 1990, que incluíram uma reação xa relação entre educação superior, mer-
contra o aumento no número de profes- cado de trabalho e lideranças políticas e
sores e estudantes negros, assim como a sociais sugere que a luta pela justiça ra-
crescente autoridade moral de grupos cial e pela equidade cultural está longe
que articulavam análises e estratégias de do fim; nós não podemos ter uma posição
desenvolvimento educacional em busca otimista e acreditar que as coisas estão
da justiça social. Vale ressaltar que as lu- melhorando.
tas culturais incluíam ataques contra ações
afirmativas e programas de estudos étni-
cos. De um lado, podemos ver que o ide-
al liberal de diversidade é mais aceito na
academia, com crescentes esforços nos
níveis administrativos, de serviços dirigi-
dos aos estudantes e entre professores
para tornar a diversidade um valor vital nas
práticas institucionais e de formulação de
políticas. De outro lado, a educação su-
perior é a chave para um ajuste estrutu-
ral, o que significa que as regras de finan-
ciamento estão sendo redefinidas, o aces-
so às instituições de elite está sendo res-
trito e a instituição da estabilidade para

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