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399999999999909099000909999909999999909990999 Cadernos da Escola de Direito e Relagées Internacionais da UniBrasil Jan/Jul 2008 OFENOMENO: DADEMOCRATIZACAO. ‘DO ESTADO: ADEMOCRACIA PARTICIPATIVA, A (RE)DEFINICAO DA CIDADANIA E.O DISCURSO, DIALETICO COMO INSTRUMENTO DELEGITIMACAO POPULAR’ Cristiane Schwanka? Resumo: O presente texto pretende apresentar uma reflexdo acerca do fenémeno da democratizagio do Estado ¢, em especial, demonstrar que a democracia se mantém em permanente evolucao. Neste momento histérico, 0 modelo de democracia participativa desponta como sendo o mais adequado para o estabelecimento de uma relagio dialégica entre Estado © a sociedade, notadamente, para atingir a horizontalidade da relaglo de Poder, até entio verticalizada. Nesta nova perspectiva, € necesséria a redefiniedo do conceito da cidadania que, hodiernamente, se traduz, em direitos e obrigagdes do cidadao para com a sociedade. Em sede do Estado Social Democrético de Direito, afigura-se como pressuposto para a atuacdo efetiva do cidadio no Estado, 0 conhecimento da manifestagdo discursiva do Dircito, para o que © discurso dialético se qualifica enquanto técnica de solugio de conflitos ¢ mediagio entre Estado e sociedade, com vistas & obtengHo da legitimidade popular do agir estatal. ‘Abstract: The present text intends to present a new reflection about the phenomenon of the democratization of the State and, in special, to demonstrate that the democracy is in permanent evolution, Particularly in this historic moment, the model of participative democracy appears as the most adjusted to the relation between the State and the society, allowing a horizontal relation of Power, instead of the vertical relation until now. Tn this new perspective, it is necessary & redefinition of the concept of citizenship that, nowadays, concerns about the rights and obligations of the citizens towards State. Tn the Social Democracy State of Rights, for being an effective citizenship it is required the knowledge of the discursive manifestation of the rights, once it is known that the dialectic speech is qualified as a technique used to solve and mediate conflicts between State and society and that it can be used to legitimize the State’s actions among the citizens. In other words, dialectic speech can be ‘used with the purpose of obtaining lawful state popular acting. Palavras-Chave: Democracia Participativa; Participago Popular; Legitimidade; Estado; Sociedade Civil; Cidadania; Discurso Dialético. Key-words: Democracy participative; Popular acting; Lawful; State; Civil Society: Citizenship; Dialectic Speech. Sumério: Introdug2o. 1-0 fendmeno da democratizagao do Estado e do conceito de democracia. 1.1 A democracia ¢ as concepgdes de cidadao de Estado segundo a concepcao liberal republicana de politica. II ~ O exereicio do poder democritico: os modelos contemporiineos de democracia. 2.1 Algumas notas acerca da superagio do modelo de democracia representativa: ‘a convergéncia para o modelo de democracia participativa com énfase na legitimidade popular. III ~ A cidadania, 0 Estado social e a crise de legitimacio do Direito. 3.1 Redefinindo a * Artigo apresentado como requisito parcial para conclusdo da disciplina Teorias do Direito ¢ Argumentago, do Curso de Mestrado em Direito das Faculdades Integradas do Brasil - UNIBRASIL. 7 Advogada ¢ Engenheira Civil em Curitiba, com especializagtio em Gerenciamento de Obras pelo CEFET/ PR. Mestranda em Dircitos Fundamentais ¢ Democracia pelas Faculdades Integradas do Brasil ~ UNIBRASIL. E-mail: crisegtl@netpar.com.br OFENOMENO DA DEMOCRATIZACAO DO ESTADO: ADEMOCRACIA PARTICIPATIVA, A (RE)DEFINICAO DACIDADANIA EO DISCURSO: DIALETICO COMO INSTRUMENTO DE LEGITIMACAO POPULAR, Cidadenia: direitos e deveres do cidadio para com sua comunidade. 3.2 A crise da legitimagao do, Direito no Estado social: os limites éticos da soberania democratica. IV — O cidado como destinatério do Direito: a necessidade de compreensiio da manifestago discursiva do Direito como fator de legitimagio das normas juridicas. 4.1 Compreendendo a necessidade de modificagao da forma de relacionamento do Estado com o cidadao: pressuposto para o efetivo exercicio da delibcragio democratica. 4.2 A manifestagdo discursiva do Direito: 0 discurso jurfdico-dialético como instrumento para a legitimidade popular. Consideragdes finais. Referencias bibliogréficas. INTRODUGAO A participagao popular ocupa um lugar decisivo no conceito de Democracia, na qual se infere que o povo deve ser 0 sujeito ativo e passivo de todo o sistema, para muito além do sistema politico, na qual desponta apenas 0 cidadio eleitor. Na verdadeira democracia 6 no poder popular que se instala a sede da legitimidade. Nesta perspectiva, a relagio Estado-sociedade tende a modificar-se e, ao pretender uma horizontalidade deve ser ajustada para promover o amplo didlogo e debate que emerge de uma sociedade com varios centros de poder; denominada por alguns de sociedade policéntrica, Neste contexto hist6rico, a democracia, a cidadania e a participagdo popular so conceitos imbricados e se mantém em permanente evolugdo. Todavia, os instramentos para 0 exercicio efetivo da cidadania devem ser colocados & disposigdo do cidadao, pelo Estado, sob pena da democracia servir apenas & hipocrisia da classe dominante. Bis af que os conhecidos modelos de democracia se complementam para a conformag&o do modelo da democracia participativa, que possui uma diferenga capital: seu centro de poder é a vontade popular, Porém, é preciso estabelecer uma comunicagio acessivel e compreensivel da atuaco estatal, no ambito dos trés poderes, com vistas a atingir a legitimidade popular, para 0 que desponta a dialética como instrumento para 0 estabelecimento do canal de diglogo e debates entre o Estado ea sociedade. O presente texto apresenta uma reflexdo acerca do fendmeno da democratizagao do Estado e, em especial, pretende demonstrar que a democracia se mantém em permanente evolugo e que demanda, neste momento, a reconstrugdo do conceito da cidadania que, hodiernamente, se traduz em direitos € obrigagées do cidadio para com a sociedade. IO FENOMENO DA DEMOCRATIZACAO DO ESTADO EO CONCEITO DE DEMOCRACIA Até o'século XVII a palavra democracia sugeria imagens das cidades-estado gregas. Essa caracteristica marcante levou Bruce ACKERMAN a afizmar que, “ademocracia era possivel em uma sociedade face-a-face na qual todos os cidadios poderiam participar 408 OO ° SOOGOCOOGOOCCOCOOCGCOGCOOCOOCOG L Be oO oO © o 5 cy 99990000000000000009800900090000858099 06 CRISTIANE SCHWANKA diretamente nos assuntos de ordem piblica. Somente por meio dela, 0 povo poderia governar (demos-kratos) de forma significativa”.? Tal entendimento deriva da compreensiio de ARISTOTELES, segundo o qual a incompatibilidade da vastidao territorial e o govemno popular jé o fazia sustentar a idéia de que essa forma de governo somente seria vidvel em uma polis cujo tamanho nfo obstasse nem o comparecimento freqilente dos cidadaos aos locais comuns de deliberagdo, tampouco © conhecimento dos assuntos a serem deliberados, por todos. O filoséfo jé havia notado que um governo piiblico s6 poderia ocorrer em piiblico." MONTESQUIEU seguiu a mesma linha de entendimento de ARISTOTELES ao concluir pela incompatibilidade do regime democrdtico em Estados com grandes dimensdes, sugerindo ser da natureza da republica que seu territ6rio seja pequeno. Convém destacar que, para Montesquieu 0 conceito de democracia esté inserido na nogéo de governo republicano no qual o povo integralmente, ou somente uma parcela dele, possui o poder soberano.$ De forma anéloga, no “Contrato Social” de ROSSEAU, a democracia foi por ele apresentada como uma forma de governo adequada para os Estados pequenos, em cujos diminutos territérios nada escaparia A observagio dos cidadios. “As idéias de Montesquieu e Rosseau influenciaram profundamente o pensamento politico ocidental no tumultuado periodo de construgdo das democracias modernas. Nessa época, niio faltaram sugestOes para neutralizar os efeitos das grandes dimensées dos estados nacionais.”* No mundo contemporaneo, 0 juizo de valor que se faz acerca da democracia € exatamente 0 inverso’. O povo soberano nado pode ¢ nao deve governar, sobretudo nas sociedades mais cormplexas®, Alexis TOCQUEVILLE chegou a consignar que “o povo ndio seria capaz de se governar, dizem, mas sempre quer sinceramente o bem do Estado...”” No decorrer dos tiltimos dois séculos, a existéncia e complexidade da politica ‘moderna, por um Lado, inviabilizou o envolvimento das massas diretamente na vida publica eahist6ria, por outro desencadeou esforcos para concretizar formas de governo por meio ito constitucional. Belo Horizonte: Del 3 ACKERMAN, Bruce. Nés 0 pove soberano: fundamentos do Rey, 2006, p. 409. + Cf. EDEL, Abraham. Aristotle. New York, 1967, p. 152 ¢ KITTO, H.D.E Os gregos. Coimbra, 1970, p. 109. Apud SEELAENDER, Airton Cerqueira-Leite. Democratizagio pelos “mass media”? ~ O direito de ser informado ¢ os limites féticos & sua plena eficécia. In: LIMA, Martonio Mont’ Alverne Barreto; ALBUQUERQUE, Paulo Antonio de Menezes. (orgs.) Democracia, direito ¢ polttica: estudos internacionais em homenagem a Friedrich Mueller. Floriandpolis: Conceito Editorial, 2006, p.59. 5 Cf SEELAENDRR, Airton Cerqueira-Leite. Op. cit, p. 60, © SEELAENDER, Aitton Cerqueira-Leite. Op. cit, p. 61. ? Cf, COMPARATO, Fabio Konder. Repensar a democracia, In: LIMA, Martonio Mont’ Alvemne Barreto; ALBUQUERQUE, Paulo Antonio de Menezes. (orgs.) Democracia, direito e politica: estudos internacionais em homenagem a Friedrich Mueller. Florianépolis: Conceito Editorial, 2006, p. 190. ® Cf, COMPARATO, Fabio Konder. Op. cit. p. 208. ® TOCQUEVILLE, Alexis de. A democracia na América. v. 1. $80 Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 230. 409 OFENOMENO DA DEMOCRATIZAGAO DO ESTADO: A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA, A (RE)DEFINICAO DA CIDADANIA E 0 DISCURSO DIALETICO COMO INSTRUMENTO DELEGITIMACAO POPULAR das quais alguns politicos, diversificado de homens e mulheres no escopo da cidadania, poderiam representar com propriedade um grande mimero de pessoas. Conforme Friedrich MULLER: “A idéia fundamental da democracia & a seguinte: determinagio normativa do tipo de convivio de um povo pelo mesmo povo. J4 que nilo se pode ter 0 autogoverno, na pritica quase inexegilfvel, pretende-se ter a0 menos a autocodificagao das ptescrigSes vigentes com base na livre competigao entre opiniges e interesses, com alternativas manusedveis e possibilidades eficazes de sancionamento politico. ‘Todas as forma da decisilo representativa arredam [nehmen aus dem Spiel] a imediatidade [Unmittelbarkeit]. Nao ha nenhuma razao democrética para despedir-se simultaneamente de um possivel conceito mais abrangente de povo: do da totalidade dos atingidos pelas normas: one man one yore. Tudo 0 que se afasta disso necessita de especial fundamentagao em um Estado que se justifica como “demo”cracia.”"! Foi assim que o proceso de democratizagao do Estado, resultante dos movimentos politicos do final do século XIX e inicio do século XX, propiciou a passagem do Estado de Direito formal para o Estado Democratico, 0 qual pressupde além da submissio a lei a submissio A vontade popular e aos fins propostos pelo cidadao. Surge assim a democracia como algo dindmico, em permanente construgio ¢ desenvolvimento." No modelo do modemo Estado Democratico de Direito importa verificar a que normas 0 cidadiio e 0 proprio Estado esto submetidos e que devem ser levados a termo para perseguir certos fins. Nesse sentido a democracia passa a ser um meio ¢ instrumento Ge realizacdo de valores essenciais da convivéncia humana que se traduzem nos direitos fundamentais do Homem. HE certo, porém, que o Estado Democratic de Direito somente se aperfeigoa na Proporg&o em que o povo nele ativamente possa se inscrir, na medida em que os representantes reflitam em seus atos os verdadeiros anseios populares. Nesse sentido enfatiza Eduardo Kroeff CARRION: “A democracia no se identifica unicamente com um sistema de valores, mas se waduz igualmente em mecanismos e instituigdes. Quais mecanismos e instituig6es asseguram finalmente a legitimidade democritica do poder? Nao somente quanto & sua origem, mas também quanto 20 sen exercicio, jé que a democracia é no apenas uma forma de chegar ao poder, mas ainda tuma forma de exereé-lo”"> A historicidade revelou que em determinados momentos os cidadaos so capazes de redefinirem-se como povo, através da reinterpretagao do seu proprio passado'’, tal "© Cf, ACKERMAN, Bruce. Op. cit, p. 410. " MUELLER, Friedrich, Quem é 0 povo: a questo fundamental da democracia. 2. ed. So Paulo: Max Limonad, 2000, p. 57-58. " CE. BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 21. ed. atual. $0 Paulo: Saraiva, 2000, p. 157. ' CARRION, Eduardo Kroeff. Apontamentes de direito constitucional. Porto Alegre: 1997, p. 82. “Cf. CITTADINO, Gisele. In: ACKERMAN, Bruce. Nés 0 povo soberano:fundamentos do direito ‘constitucional, Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. xxii. ivratia do Advogado, 410 ooc CoeocooccogooG oO 5 COOGOOCOOCCDNDNCGOCCGOOCOC 9999900000000000000000000909090900088989880E CRISTIANE SCHWANKA situagdio revela o imbricamento da democracia para com o regime politico vigente. © conceit estruturante da demoeracia se fundamenta na existéncia do vinculo entre 0 povo e poder. LLADEMOCRACIAEAS CONCEPCOES DE CIDADAO DE ESTADO SEGUNDO ACONCEPCAO LIBERAL E REPUBLICANA DE POLITICA A capacidade de aprofundar e revitalizar 0 significado demoerético, pelo intermédio de combinagio de idéias e praticas fizeram com que a modernidade apresentasse duas respostas & questo da legitimidade do direito, que podem ser tipificadas de forma ideal em dois modelos normativos de democracia, representados hoje pelas compreensées liberal e republicana de politica, que tipificaram a primazia do principio liberal dos direitos humanos, por um lado, e a primazia do principio da soberania popular, por outro. ‘Na concepcio liberal de politica o cidadao é 0 portador de direitos subjetivos, concebidos estes como direitos negativos que garantem um espago de ago alternative ‘em cujos limites as pessoas do direito se véem livres de coagGes externas, Assim, determina- se o status dos cidadaos conforme a medida dos direitos individuais de que eles dispem em face do Estado e dos demais cidadaos. No liberalismo, os direitos politicos tm a mesma estrutura dos direitos subjetivos: oferecem ao cidadao a possibilidade de conferir validagdo a seus interesses particulares, de maneira que esses possam ser agregados a outros interesses privados por meio de -votacées, formagio de corporagées parlamentares e composigées de governo. Depreende- se assim que 0 processo de formagiio da vontade politica 6 compreendido como uma justaposigdo de interesses particulares. A politica corresponde a um espaco de justaposigao de interesses privados. Os participantes do processo politico adotam, assim como no mercado, uma performance orientada pelo sucesso pr6prio, um agir estratégico. Desse modo, 0 processo de formagao da opinifio e da vontade politica, tanto em meio & opinido publica como no parlamento, é determinado pela concorréncia entre agentes coletivos agindo estrategicamente e pela manutengiio ou conquista de posiges de poder. O que resulta € uma negociagao de interesses opostos que nada diz sobre a racionalidade dos resultados. ‘Conforme leciona José Afonso da SILVA, a concepgdo da democracia proposta pela corrente liberal deforma o conceito de povo, tendo em vista que considera os individuos como abstratos e idealizados, fruto do racionalismo e do mecanicismo, representando uma construcao ideal alheia & realidade sociolégica, “nela o pove real, concreto, com seus defeitos e qualidades, permanece alheio ao exercicio do poder, ena realidade néo é mais do que um poder sobre 0 povo...”"* '5 SILVA, José Afonso. Poder constituinte e poder popular: estudos sobre a Constituiga0. Sao Paulo: Malheiros, 2000, p. 44. 4i1 OFENOMENO DADEMOCRATIZACAO DO ESTADO: ADEMOCRACIA. PARTICIPATIVA, A (RE)DEFINICAO DA CIDADANIA E O DISCURSO, DIALETICO COMO INSTRUMENTO DE LEGITIMACAO POPULAR Assim, 0 Estado, segundo a concepcio liberal de politica, é justificado pela protegao que da aos interesses pré-politicos, sendo que o propésito do aparato estatal é a protegdo que fomece aos individuos quanto A garantia de suas liberdades individuais, Giovanni SARTORI chega a afirmar que 0 liberalismo gira em torno do individuo e a democracia gira em tomo da sociedade“®, ¢ acrescenta: “ claro que o liberalismo acredita no valor de todos os seres humanos e que os concebe, como vimos, como pessoas; mas o liberalismo se mantém mesmo quando a chamada concepgio abstrata do individuo € posta de lado e independeatemente do individuo ser ‘possessive’ ow ‘social’, um eriador da sociedade ou uma criatura da sociedade (...) O importante & niio perder a parte que desafia 2 corrosao do tempo, que representa a contribuiggo permanente insubstitufvel do Hiberalismo. © liberalismo tem refreado o poder absoluto e arbiteirio; derrotou a circularidade do desespero expresso pela questo ‘quem controla os controladores?’; libertou © homem do temor do Principe; na verdade, Hbertou © homem do saque do terror (terror relacionado a forga, claro). O Lberalismo € nico em suas tealizagdes mum outro aspecto: € ‘inica engenharia da histéria que liga fins e meios.'™ Diferentemente, para a concepgio republicana 0 processo politico é 0 espago do agir orientado pelo entendimento miituo, nao obedecendo As estruturas de processos de mercado. O paradigma aqui ndo é o mercado, mas a interlocugao. A justificagio do Estado, portanto, nio reside na defesa dos direitos subjetivos, mas na garantia de um processo inclusivo de formagdo da opiniado ¢ da vontade, que constitui uma préxis comum de autodeterminacdo. Nela, os cidadiios livres ¢ iguais chegam a.um acordo mtituo (ao contrério de interesses negociados) sobre os objetivos e interesses comuns da comunidade politica. Segundo a concepedo republicana o status dos cidadéios nfo é determinado pelo modelo das liberdades negativas, oponiveis contra o Estado e contra terceiros. Os direitos politicos, de participagdo na formagio da vontade politica, so entendidos como direitos positivos e néo como garantias de preservagao da liberdade (do agir conforme regras) face a coagées externas. O cidadao republicano aquele que resgata sua autonomia através da participagao em uma prixis comum de formagio da opinido ¢ da vontade politica, O aparato estatal, portanto, legitima-se por defender e garantir essa praxis através da institucionalizagaio da liberdade ptiblica. O processo politico, nesse caso, no desempenha uma fungdo mediadora entre sociedade e Estado nem representa a agregagao de interesses particulares. Ao contrario, ele representa, na visio republicana, o espago préprio onde é exercida a autonomia no sentido de autogoverno pelo uso piiblico da razo e no qual se busca 0 acordo miituo em torno de objetivos ¢ normas que correspondam ao interesse comum. Contudo, ha de se destacar que na visio republicana hd uma forte tendéncia de 6 Cf, SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada. v. 2. S80 Paulo: editora Atica, 1994, p. 168. *T SARTORI, Giovanni. Op. cit,, pp. 163-166, 412 oO o oO oO © ° 5 oO o 999900090000000000990000009900099988806 CRISTIANE SCHWANKA reduzir 0 conceito de povo aqueles individuos detentores do poder politico, ou seja, ao conjunto de eleitores, 0 que no traduz o conceito de democracia, uma vez. que 0 corpo eleitoral representa apenas uma técnica de designagdo de agentes governamentais."* 0 proceso eleitoral é apenas uma das formas de se verificar o contetido popular, tendo em vista que a atual configurago do proceso eleitoral parece ser mais adequada para a verificagao da opiniio piiblica.”” Muito embora as concepgées liberal e republicana possuam critérios diferenciadores para 0 conccito de cidadao do Estado, para 0 conceito do préprio Direito e, principalmente, para o conceito de formagio da vontade para o processo politico, que precisam ser elucidados para permitir a compressio de cada modelo de democracia, em todas elas, o ponto fulcral é sempre a participagiio popular. ‘A democracia é um processo dialético, de luta, de conquistas, que objetiva o rompimento das antiteses, para sucessivamente ir em cada etapa de evolugio, incorporar novos sentidos, novos contetidos para que o aperfeigoamento humano possa vir a ser atingidos.” Conforme enfatiza José Afonso da SILVA: “...a democracia ndéo é mero conceito politico abstrato e estdtico, mas é um processo de afirmagao do povo e da garantia dos direitos fundamentais que o povo vai conquistando no correr da Histéria”" Para 0 autor o conceito moderno de democracia repousa, assim, sobre dois princfpios fundamentais: o principio da soberania e o principio da participagéo popular, que conjugados tendem a realizagao dos valores da igualdade ¢ da liberdade. Conforme leciona José Afonso da SILVA: “Os valores da democracia sio a igualdade € a liberdade; ou, em palavras mais abrangentes: a democracia 6 0 regime de garantia geral da realizagio dos direitos fundamentais do Home, que se fundamenta em dois prinefpios fundamentais ou primarios: a) o da soberania popular, segundo 0 qual o povo é a dnica fonte do poder (poder emana do povo); b) a participaglio do povo no poder, para que este scja efetiva expresso da vontade popular. Nos casos em que a participagao 6 indireta, surge um principio derivado ou secundério: 0 da represemtago.” A concepgao substancial de democracia, independente do regime politico vigente, niio pode se afastar do principio da soberania popular e de todas as suas implicagdes prfiticas ¢ teéricas. A vontade popular deve apresentar-se como ponto norteador da dindmica de todo e qualquer processo politico como realidade sobre a qual se desenvolve o verdadeiro sentido do ideal democratico. ™ SILVA, José Afonso. Op. cit,. p. 44. 8 CE ALMEIDA FILHO, Agassiz. In: VERDU, Pablo Lucas. O sentimento constiuclonal: aproximaga0 ao estudo do sentir constitucional como modo de integragao politica. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. XVI. % Cf, SILVA, José Afonso. Op. cit. p. 45. % SILVA, José Afonso. Op. cit., p. 43. % SILVA, José Afonso. Op. cit., p. 47. 413 OFENOMENO DA DEMOCRATIZACAO DO ESTADO: ADEMOCRACIA PARTICIPATIVA, A (RE)DEFINICAO DA CIDADANIA EO DISCURSO DIALETICO COMO INSTRUMENTO DELEGITIMACAO POPULAR TOEXERCICIODO PODERDEMOCRATICO: OS MODELOS CONTEMPORANEOS DE DEMOCRACTA Aesséncia da democracia no se modifica, pois reside no fato de o poder pertencer a0 povo. Porém, seu exerofcio pressupde determinado nivel de maturidade democrética, do contrério, a substdncia da vontade popular nao teria como se manifestar por intermédio da representagao politica ou através da participagao direta dos cidadaos na dialética politica, Paulo BONAVIDES aduz que “Disse Lincoln que democracia é 0 governo do ovo, para 0 povo, pelo povo, Dessa maxima lapidar infere-se que 0 povo é sujeito ativo € passivo de todo esse processo, mediante o qual se governam as sociedades livres.” Hodiernamente, a forma pela qual o povo participa do poder dé origem a trés tipos de democracia: direta, indireta ou representativa ¢ semidireta, No modelo de democracia direta pressupde que o povo exerce, por si, os poderes governamentais, elaborando leis, administrando e julgando. Trata-se, no entendimento de José Afonso da SILVA de uma reminiscéncia hist6rica.* Na denominada democracia indireta, também chamada de democracia representativa, 0 povo outorga as fungdes de governo aos scus representantes, que elege periodicamente. Pressupde um conjunto de instituigées que disciplinam a participagio popular no processo politico’ Democracia semidireta, segundo José Afonso da SILVA é a democracia representativa acrescida de alguns institutos de participagao direta do povo nas fungSes de governo. “E, de fato, no regime de democracia representativa que se desenvolvem a cidadania e as questoes da representatividade, que tendem a fortalecer-se no regime de democracia participativa,”** Nesse modelo normative de democracia a participagao popular é seu principal pressuposto, uma vez que desponta como fator legitimador da atuacio estatal, tornando os objetivos a serem alcangados cada vez mais transparentes, procurando estabelecer, através da discussio e do consenso, as convengdes que passariam, anortear o comportamento humano. ® BONAVIDES, Paulo. Zeoria constitucional da democracia participativa: por um Direito Constitucional de lula ¢ resisténcia por uma nova fermenéutica por uma repolitizagdo da legitimidade. Sao Paulo: Malheiros, 2001, p. 50. % SILVA, José Afonso da. Op. cit. p. 47. % Idem, ibidem. % SILVA, José Afonso da. Op. cit. p. 47. 414 occ 3 GOCoc G ecoces o © Oo 20000 eoo0cect Cooeocsgo 9999 90000000000000990009009899008998890E CRISTIANE SCHWANKA. 2.1 ALGUMAS NOTAS ACERCA DA SUPERACAO DO MODELO DE. DEMOCRACTA REPRESENTATIVA: A CONVERGENCIA PARA O MODELO DE, DEMOCRACIA PARTICIPATIVA COM ENFASE NA LEGITIMIDADE POPULAR Na histéria, quando os sistemas sociopoliticos se desestabilizam, sempre se buscou diferentes solugSes de equilfbrio, que consistem em diferentes misturas € proporgées, objetivando um sistema que se mantenha coeso.”" Aconstrugio de modelos democraticos alternativos, muito embora na atualidade no se afastem das formulas semis, podem fazer frente ndo apenas a perda de sentido da democracia representativa, mas de alguma forma podem permitir dar conta desse processo de reconstrugaio do modelo de Estado da modernidade, calcado na configuragao territ6rio- povo-poder e de reconsirugiio de outros lugares de tomada de decisiio, compatfvel com a nova forma de cidadania que se constitui fonte de autoridade e legitimidade.”* Norberto BOBBIO destaca que os significados histéricos da democracia representativa e da democracia direta so tantos que impedem a escolha forgada entre duas alternativas excludentes, © problema da passagem de uma para outra somente pode ser posto através de um continuum no qual nao é possfvel dizer onde comeca uma ¢ termina a outra. Nao so dois sistemas alternativos, mas dois sistemas que podem se integrar reciprocamente®. “Com uma formula sintética, pode-se dizer que num sistema de democracia integral as duas formas de democracia séo ambas necessdrias mas nao séo, consideradas em si mesmas, suficientes. ”*° BOBBIO registra que ndo hé duvida de que estamos assistindo 4 ampliagao do processo de democratizagio, com a respectiva exigéncia e o exercicio efetive de uma sempre nova participagiio. O que acontece agora € que o processo de expansdo do poder ascendente esta se estendendo da esfera das relacées politicas para a esfera das relagdes sociais, onde 0 individuo considerado na variedade de seus status e de seus papéis especificos. “...s¢ hoje se pode falar de processo de democratizagéo, ele consiste nao tanto, como erroneamente muitas vezes se diz, na passagem da democracia representativa para a democracia direta quanto na passagem da democracia politica em sentido estrito pata a democracia social {...) consiste na extenséo do poder ascendente (...) para 0 campo da sociedade civil.”*! Diante desse quadro, BOBBIO afirma que a verdadeira ® Cf, SARTORI, Giovanni. Op. cit. p. 171. % Cf. MORAIS, José Luis Bolzan, Crise do Estado ¢ democracia. Onde estd 0 povo? In: LIMA, Martonio Mont’ Alverne Barreto; ALBUQUERQUE, Paulo Antonio de Menezes. (orgs.) Democracia, direito politica: estudos internacionais em homenagem a Friedrich Mueller. Florianépolis: Conceito Editorial, 2006, p. 119. ® BOBBIO, Noberto. O fituro da democracia: uma defesa das regras do jogo. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986, pp. 41-64. ® BOBBIO, Noberto. Op. cit, p. 52. % BOBBIO, Noberto. Op. cit, pp. 54-55. 4s OFENOMENO DADEMOCRATIZACAO DO ESTADO: ADEMOCRACIA PARTICIPATIVA,A (RE)DEFINICAO DA CIDADANIA EO DISCURSO DIALETICO COMO INSTRUMENTO DE LEGITIMACAO POPULAR reviravolta no desenvolvimento das instituigées democriticas pode ser sinteticamente resumida na reviravolta da democratizagao do estado para a democratizagao da sociedade. Da democracia politica para a democracia social.” Giovanni-SARTORI bem observa que os stiditos somente se tornam cidaddos — com direito ¢ voz-, no interior de estruturas que dispersam o poder ¢ admitem uma grande variedade de poderes intermedidtios e compensat6rios”, numa clara sinalizagao de que uma sociedade pluriclasse ao exercer forte pressio, sinaliza a necessidade de mudanga para o tradicional poder dominante centralizador, fruto da democracia representativa classica, Com efeito, Paulo BONAVIDES registra que a participagao popular ocupa um lugar decisivo no conceito de democracia e que sio as forgas sociais que conferem vida & democracia e determinam o grau de eficécia e legitimidade no quadro social das relagdes de poder numa sociedade repartida em classes ou com distintas esferas e categorias de interesses.4 Najo € sem raziio que assevera Pablo Lucas VERDU que o “exereicio democratico da democracia” depende da conjugagao de condigdes materiais — saiide, educacao, moradia, dignidade humana — de tal forma a permitir um nivel minimo de inclusio do indivfduo na comunidade, do conirério somente se estar diante de uma democracia formal. IIA CIDADANIA, O ESTADO SOCIALEA CRISE DE LEGITIMACAO DO DIREITO Algada a fandamento constitucional do Estado brasileiro, a cidadania representa muito mais do que a mera participagio no processo eleitoral. O voto é apenas uma das tapas da democracia que somente atinge seu pice ao viabilizar a participagio do cidadio no processo de construgio e desenvolvimento do Estado. Neste sentido, oportuna a transcrigiio do posicionamento de Ana Maria D’Avila LOPES: “A crise da participagdo politica decorre da visio unilateratista do cidadio de sua vida em sociedade. E uma crise que no € mais do que o reflexo do atual universo ontolégico dominado pelo homus economicus, no qual as celages intersubjetivas so concebidas como uma luta % BOBBIO, Noberto. Op. cit, p. 56. ® Cf. SARTORI, Giovanni. A teoria da democracia revisitada, Vol. 2. Si0 Paulo: editora Atica, 1994. p. 161. 34 BONAVIDES, Paulo. Teoria constituctonal da democracia participativa: por wm Direito Constitucional de luta e resisténeia por uma nova hermenéutica por uma repolitizagao da legitimidade, Sao Paulo: Malheiros, 2001. p. 51. * Cf. ALMEIDA FILHO, Agassiz. In: VERDU, Pablo Lucas. Op. cit,, p. XVI. 416 aGEe eCcoG Gecece cece Oa eC Co cCaooG 3 rO€ ~ CoOoGoG DODOONDOONINDOOOOCONOOOOOO00OO00099909990906€6 CRISTIANE SCHWANKA egoista entre individuos pré-sociais ¢ no pertencentes a uma comunidade ¢ responsdveis por ela, Nesse contexto, urge uma redefinigio do conceito de cidadania, no qual todo individuo seja considerado como o protagonista politico da sua propria histéria e da sua sociedade.”* Diante desse cenério, é indubitavel que o espago estatal deve ser organizado de tal forma a permitir a manifestagdo da sociedade, pois, através da pressAo legitima os atores sociais so capazes de alterar as condigdes econdmicas e sociais da sociedade.” A concordancia dos cidadios as decisdes estatais ser4 uma conseqiiéncia da maior legitimidade dessas decises, uma vez que seus pedidos ¢ anseios foram a0 menos apreciados pela esfera piblica.* 3.1 REDEFININDO A CIDADANIA: DIREITOS E DEVERES DO CIDADAO PARA COMSUA COMUNIDADE Annogio de cidadania, como stanis que exigia do individuo apenas a sua participagio na politica do sufragio, permaneceu enraizada na sociedade ocidental até a segunda metade do século XX. Todavia, na atualidade, vivem-se momentos de importncia para impulsionar as virtudes da iniciativa de uma cidadania responsvel.” A defesa da autonomia individual na Modemidade gerou uma tensiio até entio no estabilizada qual seja, a que ocorre entre autonomia publica e privada®, ou seja, entre © papel de criador do direito e de destinatério. Desse modo, as diferentes conceituagbes do papel do cidadao e do direito passam a ser expressdes na verdade de um dissenso de rafzes mais profundas sobre a natureza do processo politico. H, a cidadania deve ser concebida com a nogio de dever inserida em scu contetido, j4 que nao séo existem direitos sem os seus correlatos deveres.* LOPES, Ana Maria D’Avila. A cidadania na Constituigao Federal brasileira de 1988: redefinindo a participagio politica. In: BONAVIDES, Paulo; LIMA, Francisco Gérson Marques de; BEDE, Fayga Silveira. Constituigdo ¢ democracia: estudos em homenagem ao Professor J.J. Gomes Cenotilho. Sfio Paulo: Malheiros, 2006, p. 33. 5 Cf, VACCARO, Stefania Becattini, A reinvenglo da democracia ¢ o direito de ter direitos, In: CLEVE, Clemerson Merlin; SARLET, Ingo Wolfgang: PAGLIARINI, Alexandre Coutinho. (orgs.) Direitas humanos € democracia, Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 488. * CI, OLIVEIRA, Gustavo Justino. Administragto pablica democrética ¢ efetivagZo de direitos fundamentais, In: CLEVE, Clemerson Merlin; SARLET, Ingo Wolfgang; PAGLIARINI, Alexandre Coutinho. (orgs.) Direitos humanos democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 327. °° Cf. LOPES, Ana Maria D’ Avila. A participagdo politica das minorias no Estado demoerético de diteito brasileiro, In; LIMA, Mattonio Mont’ Alverne Barreto; ALBUQUERQUE, Paulo Antonio de Menezes. (org.) Democracia, direito e polftica: estudos internacionais em homenagem a Friedrich Mueller. Florianépolis: Conceito Editorial, 2006, p. 87. © HABERMAS, Jiirgen, Direito ¢ democracia: entre facticidade ¢ validade. V. IL. Rio de janeiro, Tempo Brasileiro, 1997, p. 170. ‘" Cf, LOPES, Ana Maria D' Avila. Op. cit, p. 87. AIT OFENOMENO. DADEMOCRATIZACAO DOESTADO: A DEMOCRACIA PARTICIPATIVA,A (RE)DEFINICAO DA CIDADANIAE O DISCURSO DIALETICO COMO INSTRUMENTO DE LEGITIMAGAO POPULAR Gustavo Justino de OLIVEIRA aduz que se passou a uma “...perspectiva bidimensional Estado-cidadao (direitos ¢ deveres originados do vinculo da cidadania destinam-se tanto a0 Estado quanto aos individuos)’.” A concepgao de cidadania como um direito que demanda a participagao do seu titular, na vida da sociedade, est& presente na Constimigdo Federal brasileira de 1988. De acordo com a Magna Carta, cidadio brasileiro, deixa de ser sindnimo de eleitor, e passa a ser detentor de deveres, de individuo participante e controlador da atividade estatal. Assim leciona José Afonso da SILVA: “A cidadania esté aqui num sentido mais amplo do que o de titular de direitos politicos. Qualifica os participantes da vida do Estado, 0 reconhecimento dos individuos como pessoa integrada na sociedade estatal (art. 5°, LXXXVII). Significa af, também, que o funcionamento do Estado estard submetido a vontade popular..." Modernamente, a cidadania € o grande fator de legitimago do povo, permitindo que haja em defesa das instituigdes democréticas. Mas no $6 disso. A legitimagdo popular decorre légica e diretamente da forma republicana de governo, do Estado Democritico de Direito, eleitos pelo constituinte, além é claro da titularidade do poder que Ihe foi conferida. 3.2A CRISE DE. LEGITIMACAO DO DIREITO NO ESTADO SOCIAL: OS LIMITES ETICOS DA SOBERANIA DEMOCRATICA A questo democratica permanece constantemente envolvida com o problema de sua legitimidade popular ¢ das estratégias para dar conta do formato da representac&o popular.“ Em todas as épocas a democracia aponta para uma progressdo participativa e emancipat6ria, todavia, tanto na doutrina como na praxis se constroem bloqueios com vista a dificultar ou paralisar a marcha democratica.* © crescimento e a mudanga qualitativa das tarefas do Estado, decorrente da passagem para o Estado social, modifica a necessidade de legitimagio do Direito: “...guanto mais 0 direito é tomado como meio de regulagdo politica e de estruturagéo social, tanto maior é 0 peso de legitimagao a ser carregado pela génese democrdtica do direito,”® No estado social o Direito passa a ser concomitantemente considerado capaz de mediar todos os conflitos sociais. Assim, para a persecugao de fins coletivos 0 Estado teve que se subordinar 4 propria fungo do direito, causando conforme entendimento de Jiirgen HABERMAS, uma tensio entre a facticidade e validade do Direito no Estado.” OLIVEIRA, Gustavo Justino. Op. cit, p. 312. “8 SILVA, José Afonso. Op. cit, p. 96. * Cf. LOPES, Ana Maria D* Avila. Op. cf, p. 113. “* Cf, BONAVIDES, Paulo. Teoria constinucional da democracia participativa: por um Direito Constitucional de luta e resisténcia por uma nova hermenéutica por uma repolitizagao da legitimidade, So Paulo: Malheiros, 2001, p. 58. “ HABERMAS, Jigen. Direito e democracia: entre facticidade validade. V. 11. Rio de janeiro, Tempo Brasileiro, 1997, p. 171. “Cl. HABERMAS, Jlngen. Op. cit, p. 171. 418 ecoooac oc oceceecec ooece 30 rOCCCOOC CO Cooc IDOOOVDOONOO 0000000009909 09009080989000E CRISTIANE SCHWANKA 0 Estado social ao assumir as novas tarefas de estruturagdo e regulagdo politica causa a tensa de legitimidade, “...a partir do momento em que se criam politicas que nio obedecem mais as condigbes da génese democratica do direito, perdem-se os critérios que permitiriam avalié-las normativamente.”'*Isso significa que as medidas, ao se tornarem contingentes, promovem o desenraizamento do direito regulativo, 0 qual se afasta da normatizagao legitima: cria-se a autonomizagdo do poder ilegitimo ¢ o solapamento do Estado de Direito. Em outras palavras, surge uma comunidade jurfdica que se organiza a si mesma® ¢ “..os problemas da seguranga juridica e da submissao & lei, existentes no Estado social, se agudizam dramaticamente (...) a dinamizagao da protecao constitucional nijo oferece uma protegdo jurfdica suficiente.”™ Cléudio Ari MELLO chega a afirmar que: “_.é a concretizacio legislativa dos direitos sociais que parece conduzir as clivagens teéricas € priticas mais agudas entre © dominio da democracia deliberativa e a jurisdigo constitucional dos direitos fundamentais, sobretudo em face do argumento da usurpagdo de competéncias no dom{nio de provimento de politicas pablicas.”:" Nesse sentido, a abertura do sistema politico & participagiio e A consideragao dos valores € interesses de todos os membros da comunidade, desde que resultantes de deliberagdes argumentativas conduzidas por pautas de ética discursiva, possibilitam que 08 resultados democraticos sejam aceitos por todos aqueles que participaram ou tiveram a oportunidade de participar da deliberacdo pitblica.* Diante do exposto se deduz que a estrutura de legitimac&io democritica exige varias coisas, dentre elas a principal € que o povo nao deve aparecer como metéfora, mas deve ser um povo que possa, no plano das instituigdes democréticas, efetivamente entrar em cena como destinatério ¢ agente de controle ¢ responsabilidade do poder estatal.*> vo CIDADAO COMO DESTINATARIO DO DIREITO: A NECESSIDADE DE COMPREENSAO DA MANIFESTACAO DISCURSIVA DO DIREITO COMO FATOR DE LEGITIMACAO DAS NORMAS JURIDICAS O modelo de Estado Democratico de Direito almejado com a Constituigéio Federal de 1988, jéem seu art. 1°, inciso II, enuncia a cidadania como um de seus fundamentos. E “’ HABERMAS, Jigen. Op. cit, p. 171. ® CE HABERMAS, Jérgen. Op. cit, p. 171. © HABERMAS, Jiirgen. Op. cit, p. 176. 5! MELLO, Claudio Ari, Democracia constitucional e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livratia do Advogado, 2004, p. 179. * Cf. MELLO, Claudio Ari. Op. Cit, p. 176. © MALUSKE, Giinther. Democracia governo responsével na teoria de Fredrich Mueller. In: LIMA, Martonio Mont’ Alverne Barreto: ALBUQUERQUE, Paulo Antonio de Menezes. (orgs.) Demacracia, direito ¢ poltica: estudos internacionais em homenagem a Friedrich Mueller. Florianépolis: Conceito Editorial, 2006, p. 353. 419 OFENOMENO DA. DEMOCRATIZACAO DO ESTADO: ADEMOCRACIA PARTICIPATIVA, A (RE)DEFINICAO DA CIDADANIA E. 0 DISCURSO. DIALETICO COMO INSTRUMENTO DE LEGITIMACAO POPULAR a cidadania representa hoje um grande desafio, pois demanda a reformulagio do conceito de democracia com vistas a possibilitar a adogiio de novas técnicas de participagio democratica, de tal forma a aferir se 0 propésito constitucional idealizado pelo constituinte dispde do arcabougo juridico garantidor de seu exercicio eficaz. Conforme leciona Vanice Regina Litio do VALLE, “...1do hd como se reconhecer a democracia sem a possibilidade real de intervengéio dos cidaddos no processo de definigéio de seu destino.” Daf a razo a necessidade do estabelecimento do diglogo do Estado com a sociedade, que é, hodiernamente, complexa, plural e democratica, através de um discurso de convencimento, suficiente sdlido e consistente, Por isso, os mecanismos ordenadores da participagio democratica devem, entre nés, ser levado a sério.5$ 4.1 COMPREENDENDO A NECESSIDADE DE MODIFICACAO DA FORMA DE RELACIONAMENTO DO ESTADO COMO. CIDADAO: PRESSUPOSTO PARAO EFETIVO EXERCICIO DA DELIBERACAO DEMOCRATICA. A vontade popular relaciona-se com os valores sociais, com as referéncias axiolégicas, com as regras de convivéncia que identificam e organizam as bases da vida em commnidade. Em que pese a democracia formal, ainda persistem dificuldades para 0 cidadiio se expressar enquanto membro da comunidade juridico-politica:*“Isso ocorre em virtude de uma nitida caréncia de formagdo politica e de falta de exercicio da cidadania, decorréncias inevitdveis dos varios estrangulamentos sociais que caracterizam a sociedade brasileira.” Todavia, conforme assevera Cléudio Rui MELLO: “Em uma democracia constitucional guiada pelo modelo republicano substancialista, o exercicio da deliberagio democratica ndo esté sujeito a um regime exclusivamente politico. Ao contrério, 0 constitucionalismo republicano pressupde um regime constitucionalista de expressio da vontade popular.” © atual momento histérico revela a necessidade de modificago da forma de relacionamento do Estado com o eidadio, com vistas a retirar a arrogincia ¢ onipoténcia * VALLE, Vanice Regina Lirio do. Controle Social:promovendo a aproximago entre a administragtio piblica ¢ 4 cidadania, In: Brasil. Tribunal de Contas da Unido. Premio Serzedello Corréa 2001: monografias vencedoras: perspectivas para 0 controle social e a transparéncia da Administragao Piiblica. Brasilia: TCU, 2002, p. 90. 5* CLEVE, Cltmerson Merlin. Direito constitucional, novos paradigmas, constituigio global e processos de integragao, In: BONAVIDES, Paulo; LIMA, Francisco Gérson Marques de; BEDE, Fayga Silveira. Constituigdo e democracia: estudos em homenagem ao Professor J.J. Gomes Canotitho. $50 Paulo: Malheitos, 2006, p. 39. 5 Cf, ALMEIDA FILHO, Agassiz. In: VERDU, Pablo Lucas. Op. cit. p. XVI. * ALMEIDA FILHO, Agassiz. In: VERDU, Pablo Lucas. Op. cit, p. XVI. 5 MELLO, Claudio Ati. Op. cit, p. 184. 420 eo OCoccace Co eCcocececGocooaoac SOOOVOCONOOOOCOCOOOOD080 0900009809909 89000€ CRISTIANE SCHWANKA predominante da figura estatal para permitir uma evolugao necesséria e justa, temperada pelo atendimento dos direitos e garantias individuais. Com efeito, Claudio Ari MELLO assevera que o elemento caracterizador dos direitos de participagdo est4 no poder juridico de se tornar parte ativa na formagdo da vontade politica e das escolhas ptiblicas de sua comunidade. Aduz o autor que uma reptiblica democratica tende a promover uma substancial aceitacdo e participaclio dos cidadaos na vida politica da comunidade e destaca®: “As normas de agao, inclusive as normas juridicas, produzidas por érgaos compostos democraticamente, cujos procedimentos permitem a participagao livre e igualitiria das pessoas em deliberagGes publicas, abertas ¢ isentas de constrangimentos, possuem um gran de legitimidade moral ¢ politica sem paralelo em qualquer outro regime de governo, justamente por corresponder, na mais alta medida, & idéia fundamental da pessoa humana, como ser racional e livre, que deve ser tratado com igual consideraciio e respeito."© Nesse diapasao, os cidadaos, destinatarios das normas juridicas demandam que as normas que regulamentam a vida social sejam suficientemente fundamentadas, e, no embate de arguimentos, prevalece a melhor argumentagiio, esta entendida como a que recebe a aprovacio dos membros dos grupos sobre os quais incidirdo as normas. Assegurada a situaco dialégica ideal, isto é, livres de coacioe em igualdade de condigées, se pretende conferir validade as normas que obtiverem aceitacdo e o consentimento dos cidadaos, 4..A MANIFESTACAO DISCURSIVA DO DIREITO: O DISCURSO JURIDICO- DIALETICO COMO INSTRUMENTO PARA ALEGITIMIDADE POPULAR A relaciio interna entre Estado de Direito e democracia € conseqiiéncia do conceito moderno de Direito e da circunstancia de que 0 Direito positive nao pode mais obter a legitimidade recorrendo a um Direito Natural, superior, O Diteito, representado pelas normas juridicas, se enderega aos seus destinatdrios e deles espera obediéncia, Revelagées e verdades obscurecidas por graves erros ao longo da historia faz com que seja possivel afirmar que “certamente as leis sd o direito”."' Ainda que prevaleca o entendimento de homens instrufdos® que possuem a idéia de que as leis formam uma espécie de sistema e de que existem regras a regular a conduta humana em sociedade, a questo da conceituacdo do Direito ainda tem obtido respostas variadas ¢ extraordinatias, em razio da existéncia de casos problemiticos sobre a ‘qualidade juridica’ capaz de colocar em diivida o uso convencional da palavra Direito. O processo de criago da norma juridica, Cf, MELLO, Clindio Ari. Op. cit, pp. 164-177. © MELLO, Claudio Ari, Op. city p. 177. HART, Hebert L. A. O conceito de Direito, Lisboa: Fundagio Caloustre Gulbenkian, s/d,, cap. 1, p. 6. © HART faz essa referéncia baseada no conceito de homem instruito na Inglaterra. 421 OFENOMENO DADEMOCRATIZACAO DO ESTADO: ADEMOCRACIA. PARTICIPATIVA, A (RE)DEFINICAO DA CIDADANIA EO DISCURSO DIALETICO COMO INSTRUMENTO DE LEGITIMACAO POPULAR que é insito as conformagées da vida social de cada tempo e lugar, obriga a discutir sobre acomposigao do caso-padrao e a torné-la explicita para a sociedade.® Assim, o fendmeno juridico, bem como todas as agGes estatais, sob sua andlise discursiva, deve corresponder ‘aos momentos de concretizagiio de seus comandos.* Miguel REALE afirma que a norma juridica deve ser concebida como uma ponte eldstica de tal forma a permitir sua adaptagdo entre 0 complexo fitico-axiolégico que condicionow a sua formagao ¢ os complexos faticos-axiolégicos a que visa regular Assim, para REALE, cada modelo juridico corresponde a um momento de integragiio de certos fatos segundo valores determinados, representando uma soluco tempordria de uma tensao dialética entre fatos e valores objetivada pela interferéncia deciséria do Poder em dado momento histérico da sociedade. A par desse entendimento, toda norma juridica é resultante de uma escolha da sociedade que, ds vezes pode ser identificada no espaco e no tempo e, em outros casos pode permanecer oculta nos usos e costumes. “A regra de direito representa um momento de equilibrio, atingido como composigdo das tensdes que, em dada situagéo histérica e social, se verifica entre um complexo de fatos e um complexo de valores.’ Para tanto, a efetiva participago popular no processo de criago ¢ conformagao da norma juridica é fundamental. Nesse sentido, mister se faz. com que o cidadao possa compreender a manifestaglo discursiva do Direito. Na esteira de Luiz Vergilio DALLA-ROSA tem-se que, “o discurso nada mais é do que a identificagéio dos modos pelo qual o homem, pela utilizagdo da palavra, consegue atingir a esfera de outrem, ou modificar a sua prépria esfera...”7 Para Olavo de CARVALHO sio possiveis quatro atitudes humanas ante 0 discurso, que representam quatro motives humanos para falar e ouvir quais sejam: (1) 0 homem discursa para abrir a imaginagdo 2 imensidade do possivel; (2) para tomar alguma resolugo prética; (3) para examinar criticamente a base das crengas que fundamentam sua resolugao; ou ainda, (4) para explorar as conseqiiéncias ¢ prolongamentos de jufzos j4 admitidos como absolutamente verdadeiros.* ‘Todo discurso 6 movimento, sendo que suas varias partes — termo inicial, termo final, premissas e conclusao — sao ligadas por uma unidade formal, cujo propésito é promover uma modificacéio no ouvinte. O que faz. com que o discurso se detenha em um determinado ponto qualquer de sua evolugao, fixando ou admitindo como pressupostas © HART exemplifica essa questio utilizando-se da definigao usual do careea, do cabeludo e daquele que possui tufos de cabelo sobre a careca, enfatizando a necessidade da concretizagio da definigao. DALLA-ROSA, Luiz Vergilio. Uma teoria do diseurso constitucional. Sao Paulo: Landy Eaitora, 2002, p. 131. © REALE, Miguel. Op. cit., p. 564. “DALLA-ROSA, Luiz. Vergflio. Op. cit, p, 562. * Idem, p. 25. “© Cf. CARVALHO, Olavo de. Aristéieles em nova perspectiva. Rio de Janeixo: Topbooks, 1996, p. 42. © Idem, p. 86, 422 CaG eece eececcecec 2G ocecc oc PC CO eoceoc o oo CO9OODOOVOOOOOS90DO009D90 08800890 080980090€ CRISTIANE SCHWANKA as premissas que nfio ser‘io discutidas, ou ainda, renunciando &s conseqiiéncia para que ndo se evolua para além de determinado ponto, é uma decisio humana.” E, portanto, a vontade ou a conveniéncia humana que move a produgdo discursiva, fazendo com que 0 eixo da credibilidade seja ou nfo interrompido antes do atingimento da certeza absoluta.”! Olavo de Carvalho, ao discorter sobre a teoria dos quatro discursos de Aristételes, assevera: “Bnire o discurso que se fundamenta no absolutamente verdadeiro © o que se fundamenta no meramente possivel surgem dois intermedidrios que nao sio pontos de uma escala linear, mas movimentos, tensdes (...} 0 primeiro é 6 que parte de uma credibilidade suficiente, ou seja, parte do provavel; o segundo € 0 que ndo podendo chegar ao verdadeiro © nem mesmo 20 provavel, também nao se contenta com o meramente possfvel, mas deseja o verosstmil € parte do verossfmil.”” Assim estfo dispostos os quatro nfveis de veracidade, segundo Aristételes: 0 certo, 0 provavel, o verossimil e o possivel, que representam os quatro tipos de premissas que 0 discurso pode admitir como ponto de partida, bem como o grau de credibilidade que podem demandar sua conclusio.” Desses niveis de credibilidade surgem os tipos de discursos: “Um discurso é légico ou dialético, poético ou retérico, nao em si mesmo e por sua mera estrutura interna, mas pelo objetivo a que tende em seu conjunto...”"* De fato, sobre o discurso jurfdico, Luiz Vergilio DALLA-ROSA afirma que esse deverd responder a cada etapa de seu fendmeno, indicando a natureza do discurso, seu destinatério e os modos de sua atuagio, segundo definig&o prépria. Com fundamento na teoria discursiva de ARISTOTELES, 0 autor descreve que a primeira etapa do discurso deve ser o estabelecimento da premissa, que est diretamente ligada ao tipo de discurso: “de acordo com o tipo de discurso utilizado seré a credibilidade da premissa proposta.”"> ‘Uma vez estabelecida a premissa, sua prépria natureza indica o limite de credibilidade da conclusio obtida “...e seu contexto de justificagao serd validado pela exigéncia do destinatdrio do discurso (ora pela exigéncia apodictica, ou pela probabilidade, verossimilhanga e até mesmo a simples possibilidade.)”"® Dentre as quatro tipologias discursivas enumeradas por ARISTOTELES, 0 Dircito ird se relacionar diretamente com o discurso dialético, em suas préprias fungdes, notadamente, enquanto técnica de solugio de conflitos e mediador entre o fato eo comando, bem como legitimador das esferas de poder. Isso porque a dialética possui nivel credibilidade que mais se aproxima da certeza apoditica e ainda busca manter-se em permanente interago entre movimento ¢ totatilidade.” Segundo DALLA-ROSA: % Idem, p. 93. % Idem, p. 94, ® CARVALHO, Olavo de. Op. cit, p. 95. ® Cf, CARVALHO, Olavo de. Op. cit, p. 95. ™ CARVALHO, Olavo de. Op.cit. p. 42. %8 DALLA-ROSA, Luiz Vergilio. Op. Cit. p. 86. 7 Tdem, ibidem. ” Cf, DALLA-ROSA, Luiz Vergilio. Op. Cit, p. 128. 423 OFENOMENO DA DEMOCRATIZACAO DO ESTADO: ADEMOCRACIA PARTICIPATIVA, A (RE)DEFINICAO DA CIDADANIAE 0 DISCURSO DIALETICO COMO INSTRUMENTO DE LEGITIMACAO POPULAR “Neste sentido & que interessa 0 discurso diakttico ao fendmeno juridico, enquanto sua fungo prética na aplicagio de comandos normativos, mediando e gacantindo a oposigao entre fatos (determindveis) ¢ os comandes normatives (determinados), bem como na relagio ordenante que oferece & base principiolégica de toda cigneia, apresentando a relagao Eundante contre os fatores de estruturagdo do modelo juridico."”* Na dialética se formecem as premissas que serio demonstradas logicamente, sendo que sua certeza nfo é inquestiondvel, absoluta, mas sim provavel pela logicidade de seus argumentos e pela comprovagio racional de suas afirmagées.” Tal condicdo é ideal para a realizaggo do discurso juridico, uma vez que por se tratar do discurso da probabilidade, através do embate de premissas permite uma efetiva possibilidade de seguranga das decisées pronunciadas, nao pela vontade ou interesse de scu destinatério, mas tio somente de ser convencimento racional de seus argumentos.*"Na verdade, 0 aparecimento de novas realidades determina a mudanga social, para o qual devem se abrir espagos para que a sociedade possa discutir os assuntos de sua comunidade, Por isso que, em questdes envolvendo a definigdo de normas juridicas enderegadas & comunidade 0 regime democratico € 0 ideal, porque 6 a democracia deliberativa que possibilita procedimentos que enriquece e aprofunda o debate sobre os valores ¢ interesses plurais na modema sociedade policéntrica.®! Nesse modelo democratico, em que a cidadania foi erigida A Direito Fundamental, 0 discurso jurfdico-dialético confere ao cidadéo destinatario do Direito a possibilidade do embate permanente de argumentos como forma de aferir a legitimagéo fética da norma juridica, de tal forma a possibilitar que o fenémeno juridico nao se torne apenas o retrato de um formalismo ultrapassado e petigoso. Mas que isso, garante o respeito e preservaco pelos processos democriticos que dio vida a soberania popular. CONSIDERAGOES FINAIS. O fenémeno de democratizagio do Estado e a permanente evolucdo dos modelos de democracia ao longo da histéria convergiram para a consagragao do Estado Demoerético de Direito, que possuem, dupla finalidade: “a imposigdo de limites ao exercicio do poder estatal e a criagdo de uma autentica garantia constitucional aos cidadaos.”* No sistema constitucional brasileiro, a cidadania foi erigida a Direito Fundamental e a configuracaio do sistema constitucional brasileiro destaca o direito nas participagdes estatais, comprovando a existéncia da perspectiva bidimensional Estado-cidadiio.® % DALLA-ROSA, Luiz Vergilio. Op. Ci. p. 128. ® Ch DALLA-ROSA, Luiz Vergilio, Op. Cit. p. 131. © Idem, ibidem, | Cf, MELLO, Claudio Ari. Op. cit, p. 177. ® OLIVEIRA, Gustavo Justino. Op. cit, p. 312. © Cf, OLIVEIRA, Gustavo Justin. Op. cit, p. 312. 424 3c 5 3G Goce Cc eceecce Ccecece 3 ¢ Oo O OG ooce COoGcG IOQVIDOCOCONO OOOO 0DOCOODO9O0000090900888006E CRISTIANE SCHWANKA, Nessa perspectiva, a questo da cidadania nao pode ser posta apenas em termos de representatividade, o que vem exigindo a reformulagao do conceito de democracia, de tal forma a abrir-se espaco para a atuagio direta e indireta do cidadao no agir estatal.* A cooperagao mtitua entre Estado e sociedade é pressuposto para o atingimento dos fins do Estado, bem como para a sua legitimagiio democratica. Deseja-se uma nova interago entre 0 cidadao e o Estado, pelo aperfeigoamento do canal de didlogo, notadamente daqueles voltados & conformagao da norma jutfdica e da tomada de decisiio estatal, na medida em que se espera tornar informagdes mais acessiveis e transparentes, de tal forma a propiciar maior estabilidade nas relagdes entre Estado e Sociedade. Como confirma Diogo de Figueiredo MOREIRA NETO, representa a “ submissdo do poder estatal @ percepedo das necessidades ¢ dos interesses do grupo nacional que the dé existéncia,"**E 0 aparecimento de novas realidades que determina a mudanga social, para © qual devem se abrir espagos para que a sociedade possa promover o debate. Nesse sentido, a compreensio da manifestagao discursiva do fenémeno juridico, através do discurso dialético pelo qual se fornecem as premissas que serdio demonstradas logicamente aos seus destinatérios, cuja certeza nao 6 inquestiondvel, absoluta, mas sim provavel pela logicidade de seus argumentos ¢ pela comprovagdo racional de suas afirmagées, possibilita o debate e a participagaio dos cidadiios no Estado. O discurso dialético é aquele cujo nivel de credibilidade mais se aproxima da verdade apoditica. Nesse sentido, HABERMAS expde 0 que faltou ao modelo liberal a fim de que fosse possfvel estabelecer uma ligagiio adequada entre o que denomina de vetores do agir estratégico — negociagao- e da orientagao pelo entendimento -acordo miituo, foi o fato de que “Negociagées desse tipo certamente pressupdem uma disposicdo a coaperagdo, ou seja, a vontade de obter resultados mediante a observancia de regras do jogo que sejam aceitéveis para todos os participantes, mesmo que por razées diversas”® Assim, a democracia deliberativa demanda a criago de instrumentos ¢ procedimentos que, para além de garantir, fomentem a participagdo do cidadio no Estado. Mais do que uma tendéncia do Estado contemporaneo, a participagtio administrativa se afigura como uma realidade inafastével. * Cf. CLAVE, Cl&merson Merlin. O cidadiio, a Administragao Publica ¢ a nova Constituicio. In Revista de Informacao Legislativa, Brasilia, a. 27, n° 106, p. 81-98, abr/jun. 1990. * MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. 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