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Este ponto de vista também não parece correcto, uma vez que viola duas fortes
intuições dos seres humanos. Em primeiro lugar, o comportamento das pessoas
parece constantemente mostrar que acreditam que são os objectivos que dão
sentido à sua vida e não os processos pelos quais os alcançam. Em segundo
lugar, se fossem os processos por intermédio dos quais atingimos os objectivos
das nossas vidas que lhes dão sentido, então ter uma vida com sentido consistiria
simplesmente em viver a vida e, portanto, a vida de praticamente toda e
qualquer pessoa teria, nesse caso, sentido. Assim, quer a ideia de que a vida tem
sentido apenas quando alcançamos os nossos objectivos quer a ideia de que
aquilo que dá sentido à vida é o que fazemos para atingir os nossos objectivos
parecem estar erradas. A primeira porque implica que apenas um número muito
limitado de pessoas tenha uma vida com sentido; e a segunda porque implica que
toda a gente tem uma vida com sentido (desde que, evidentemente, tenha
objectivos e faça alguma coisa para os atingir). Não deve ser preciso ser santo
para ter uma vida com sentido e não se pode ser serial killer e ter uma vida com
sentido. A verdade deve estar algures no meio.
Podemos, portanto, concluir que o objectivo poder ser alcançado não é uma
condição para que a vida tenha sentido. Assim, há apenas duas condições que são
necessárias e suficientes para que a vida tenha sentido, a saber, que a vida tenha
um ou mais propósitos, finalidades ou objectivos e que esse objectivo ou esses
objectivos tenham valor.
Actividades
1. Explica as razões do interesse pelo problema do sentido da existência.
2. Por que razão algumas escolas filosóficas afirmam que a vida não pode ter
sentido?
3. Para que a vida tenha sentido, é suficiente que tenha uma finalidade? Justifica.
4. Explica por que razão as ideias de que a vida tem sentido apenas quando
alcançamos os nossos objectivos e de que aquilo que dá sentido à vida é o que
fazemos para atingir os nossos objectivos estão erradas.
5. Indica as condições necessárias e suficientes para que a vida mereça a pena
ser vivida.
A resposta religiosa
Chegados a este ponto, parece que afinal o problema do sentido da vida é de fácil
resolução. Tudo o que precisamos fazer é determinar qual o objectivo ou os
objectivos que têm valor e dedicar a nossa vida à sua realização. Ora, o problema
está precisamente aqui. Embora os filósofos estejam em geral de acordo em que
uma vida para ter sentido tem de ter um ou vários objectivos com valor, estão
longe de concordar quanto a qual ou quais os objectivos que têm valor.
Isso resulta, pelo menos em parte, dos seus pontos de vista sobre os valores. Já
estudámos anteriormente a questão dos critérios de valor, pelo que não vamos
voltar aqui a esse tema. Convém, no entanto, que tenhamos em conta as
implicações dos diferentes pontos de vista sobre os valores para a questão do
sentido da vida.
Por um lado, há os filósofos que julgam que os valores são subjectivos e que
qualquer objectivo a que uma pessoa atribua valor tem valor para essa pessoa e,
portanto, dá sentido à sua vida. Deste ponto de vista, até João de Deus, com a
sua colecção de pêlos púbicos, ou um serial killer, com o seu cortejo de
cadáveres, têm uma vida com sentido, desde que, bem entendido, isso constitua
para eles um objectivo a que dêem valor.
Por outro lado, há os filósofos que pensam que existem valores objectivos. Estes
filósofos, no entanto, estão em desacordo quanto à origem da objectividade dos
valores. Uma tradição imensamente influente é a da teoria dos mandamentos
divinos. De acordo com essa tradição, o único ponto de vista objectivo é o de
Deus e, portanto, é Deus que determina o que tem ou não tem valor. Matar
alguém sem qualquer razão é errado ou combater a fome no mundo é correcto,
não porque alguém julga que isso é assim, nem sequer porque a maioria das
pessoas pensa desse modo, mas porque Deus o determinou. Como só Deus é
sumamente bom e omnisciente, só Deus sabe o que objectivamente tem valor.
Isto é válido tanto para as nossas acções como para os nossos objectivos: é o
ponto de vista absoluto de Deus que determina quais os objectivos com valor.
Assim, o objectivo da nossa existência, qualquer que ele seja, tem de derivar de
Deus, porque tem de ter valor e Deus é a origem de todo o valor.
Os defensores destas ideias em geral pensam também que Deus estabeleceu
efectivamente qual é a finalidade para a existência humana e a comunicou aos
homens por intermédio da Bíblia e de outras formas de revelação. Dado que a
mensagem cristã tem sido de enorme importância nos últimos dois milénios,
fornecendo conforto espiritual a muitos milhões de pessoas, temos de estudar
esta resposta com detalhe e procurar determinar se constitui uma resposta
efectiva ou uma resposta ilusória à questão do sentido da existência.
A ideia fundamental da resposta religiosa é a de que é Deus que dá sentido à
existência. A finalidade da vida humana é a felicidade, mas, devido ao facto de a
vida terrena ser limitada e incompleta, essa felicidade não pode ser plenamente
alcançada nesta vida. Ela só pode ser alcançada numa vida depois desta vida, em
que a alma imortal vive eternamente no reino de Deus. A felicidade é
precisamente esta comunhão eterna com Deus. Em princípio, este objectivo está
ao alcance de todos os homens, uma vez que Deus os fez à sua imagem e
semelhança, mas só aqueles que fizerem da imitação de Jesus Cristo um
objectivo da sua vida e a dedicarem à oração e à prática da virtude, poderão
aspirar à vida eterna. Os outros, claro, estão condenados à infelicidade eterna no
Inferno. A felicidade eterna, portanto, não é algo a que se possa aspirar sem
contrapartidas. Para poder alcançá-la, o homem tem de viver neste mundo uma
vida moral e religiosa plena, na qual a prática do bem e a adoração a Deus têm
um papel essencial. Assim, embora o objectivo último da vida só possa ser
encontrado numa vida para além desta, esse objectivo projecta-se nesta vida e
dá-lhe significado e valor, pelo que o Cristão, mesmo neste mundo, pode ter uma
existência com sentido.
Actividades
1. Uma perspectiva subjectivista a respeito dos valores, permite responder
satisfatoriamente ao problema do sentido da vida? Porquê?
2. Qual é a resposta religiosa para o problema do sentido da existência?
3. «(…) o objectivo da nossa existência, qualquer que ele seja, tem de derivar de
Deus, porque tem de ter valor e é Deus a origem de todo o valor.» Concordas?
Justifica.
1. Porque quem vive para os bens terrenos está prisioneiro dos seus
desejos, é dilacerado por muitos impulsos, e, por essa razão, não é
livre nem pode ter paz.
2. Porque quem procura a felicidade nos bens externos procura-a em
coisas de natureza precária, sobre as quais não tem qualquer domínio,
pelo que a sua felicidade pode a qualquer momento transformar-se em
infelicidade.
3. Porque os bens externos não têm valor em si mesmos, não são bens
últimos; são, na melhor das hipóteses, bens instrumentais, meios para
outros fins, cujo valor depende daquilo para que servem e que podem
ser bem ou mal usados.
4. Porque as concepções de felicidade que se baseiam neste tipo de
bens pressupõem um estatuto privilegiado para aquele que é feliz, uma
vez que dependem de capacidades e de circunstâncias excepcionais,
que a maior parte dos seres humanos, por múltiplas razões, não tem
nem pode aceder. Se o sentido da vida estivesse nestes tipos de
felicidade, então a maior parte dos seres humanos não teria qualquer
possibilidade de ser feliz.
Mas talvez a razão mais importante a favor da vida religiosa é a de que só Deus e
a imortalidade podem dar sentido à existência humana.
Esta ideia tem defensores tanto entre os apoiantes da resposta religiosa como
entre uma parte dos seus opositores, como se tornará mais claro na próxima
secção. Entre os apoiantes da resposta religiosa, William Lane Craig é talvez
quem na actualidade apresenta a melhor defesa desta tese.
Ele pensa que se Deus não existir e se a alma humana não for imortal, nada, nem
a nossa vida nem a totalidade do universo, têm qualquer sentido, valor ou
propósito.
Em primeiro lugar, porque se Deus não existir e a alma não for imortal, nada tem
sentido. Se a alma não é imortal, se as pessoas deixam de existir quando
morrem, tudo o que façamos tem apenas um sentido relativo, isto é, é apenas um
meio para outras coisas que, elas próprias, têm também somente um sentido
relativo e, portanto, nada do que façamos tem um sentido último. E se nada tem
sentido último, então nada do que façamos — todas aquelas pequenas coisas com
que preenchemos o nosso dia-a-dia e as grandes coisas que podemos
eventualmente fazer — tem qualquer sentido. Por conseguinte, se a alma não é
imortal, a vida humana não tem qualquer sentido. Mas não basta que a alma seja
imortal para que a vida humana tenha sentido. O mero facto de viver para
sempre não dá sentido à existência. Se Deus não existe, a nossa vida, mesmo
que seja uma vida imortal, é apenas uma vida infinita sem qualquer sentido.
Portanto, é preciso também que Deus exista.
Em segundo lugar, se Deus não existir e a alma não for imortal, nada tem valor.
Por um lado, porque se a alma não for imortal, o que quer que façamos não fará
qualquer diferença. Tanto faz que sejamos como Estaline ou a Madre Teresa de
Calcutá, o resultado é o mesmo. Se tudo acaba na sepultura, o que devemos
fazer é agir exclusivamente de acordo com os nossos interesses, sem olhar a
deveres ou a consequências, pois, no fim, é indiferente. Na verdade, muitas
pessoas que tiveram fé e que depois a perderam ou que têm apenas uma fé
superficial («Eu sou católico não praticante», etc.), agem exactamente deste
modo. Além disso, se Deus não existe, não há padrões objectivos de certo e
errado. Sem Deus, os valores morais ou são a expressão do gosto pessoal, e são
subjectivos, ou subprodutos da evolução socio-biológica e da cultura, e são
relativos. E se não existem valores, é impossível condenar mesmo os actos mais
hediondos. Num universo sem Deus, o bem e o mal não existem. Existe apenas o
facto da existência sem ninguém que diga o que está certo e errado.
Em terceiro lugar, se Deus não existe e a alma não é imortal, nada tem um
propósito. Porque, se a vida acaba com a morte, essa vida não tem qualquer
objectivo e é inútil e nem o universo nem o homem têm qualquer objectivo ou
propósito. Mas mesmo que a vida humana seja imortal, sem Deus essa vida não
tem qualquer propósito, porque nesse caso o universo é apenas o resultado do
acaso, de um acidente cósmico, sem nenhuma razão para que tenha ocorrido. E o
mesmo é verdade do homem, um mero produto da matéria, do acaso e do
tempo, uma aberração da natureza num universo sem propósito, que vive uma
vida ela própria sem propósito.
Em resumo, se Deus e a alma não for imortal, nada do que fizermos tem sentido,
valor ou propósito e tanto o universo como a vida humana são absurdos.
Mas qual o problema de a vida e o universo serem absurdos? O problema é que
se a vida e o universo são absurdos, o homem não pode ser feliz. Para que o
homem seja feliz, tanto a vida como o universo têm de ter sentido, valor e
propósito. Não um sentido, valor e propósito subjectivos ou relativos, porque
esses, no fim de contas, equivalem à ausência de sentido, valor e propósito, mas
um sentido, valor e propósito objectivos. Ora, só Deus pode garantir um sentido,
valor e propósito objectivos. Daí a superioridade da resposta religiosa. Como
William Craig diz:
Willaim Craig sabe que não provou que a resposta religiosa ao problema do
sentido da vida é verdadeira e que tudo o que fez foi apresentar as alternativas —
a resposta não religiosa e a religiosa — e mostrar por que razões a segunda é
preferível à primeira. O seu argumento é, no essencial, o seguinte:
É fácil perceber que este argumento não prova a conclusão, uma vez que não é
possível deduzi-la das premissas. Este argumento tem estranhas semelhanças
com o argumento moral de Kant. No argumento moral, Kant pergunta o que é
necessário que um homem acredite para que aja moralmente. A sua resposta é
os postulados da razão prática: livre-arbítrio, imortalidade da alma e Deus. Aqui
tudo se passa como se Craig perguntasse «O que é necessário para que o homem
seja feliz?» e respondesse que é necessário que a vida tenha sentido, isto é, que
a alma seja imortal e que Deus exista. Ora, da mesma maneira que o argumento
moral de Kant — como o próprio Kant sabia — não prova que o homem tenha
livre-arbítrio, nem que a alma seja imortal ou que Deus exista, também o
argumento de William Craig não prova que Deus exista e a alma seja imortal, e
Lane Craig sabe-o. Contudo, ele pensa que dadas as circunstâncias, isto é, dado
que essa é a única forma de o homem ser feliz, isso é razão suficiente para
postular que a alma é imortal e que Deus existe. Mas será que é?
Actividades
1. Esclarece as razões pelas quais uma vida dedicada à obtenção e fruição dos
bens exteriores não pode, de acordo com o cristianismo, ser uma vida feliz.
2. Que razões apresenta William Craig para sustentar que se Deus não existir e se
não houver imortalidade, a nossa vida não tem qualquer sentido?
3. Que razões apresenta William Craig para sustentar que se Deus não existir e se
não houver imortalidade, a nossa vida não tem qualquer valor?
4. Que razões apresenta William Craig para sustentar que se Deus não existir e se
não houver imortalidade, a nossa vida não tem qualquer propósito?
5. O argumento de William Craig prova a existência de Deus? Justifica.
Deus manda fazer uma acção porque ela é correcta ou uma acção é
correcta porque Deus a manda fazer?
Actividades
1. Expõe as objecções à crença de que é a vida religiosa que dá sentido à
existência.
2. Esclarece de que forma os argumentos a favor da resposta religiosa ao
problema do sentido da vida incorrem na falácia do falso dilema.
3. Explica o dilema de Êutifron e destaca as suas implicações para a teoria dos
mandamentos divinos.
4. A rejeição do subjectivismo dos valores implica necessariamente a adopção da
teoria dos mandamentos divinos? Justifica.
5. Poderá a existência ter sentido fora da religião? Justifica.
Na sua obra «Uma Confissão», Tolstoy narra como, quando tinha 50 anos de
idade e no auge da sua carreira, a convicção de que a vida não tinha sentido o
angustiou profundamente:
Há cinco anos, começou a acontecer-me algo muito estranho; ao princípio era
dominado por minutos de perplexidade e depois uma paragem da vida, como se
eu não soubesse como viver ou o que fazer, e ficava perdido e deprimido. Mas
isso passou e eu continuei a viver como antes. Então esses momentos de
perplexidade repetiram-se cada vez mais e sempre exactamente da mesma
forma. Estas paragens da vida expressavam-se sempre através da mesma
questão: «Porquê? Bem, e então?»
Ao princípio pensei que essas eram simplesmente questões despropositadas e
inapropriadas. Pareceu-me que essas questões eram todas bem conhecidas e que
se quisesse dar-me ao trabalho de procurar a sua solução, não me custaria muito
labor, — que agora não tenho tempo de tratar delas, mas que se quisesse
encontraria as respostas adequadas. Mas as questões começaram a repetir-se
cada vez mais e eram exigidas respostas cada vez com mais persistência, e como
pontos que caiem no mesmo sítio, estas questões, sem quaisquer respostas,
engrossaram até formar uma mancha negra....
Senti que aquilo em que estava apoiado tinha desaparecido, que não tinha base
em que me apoiar, que aquilo para que tinha vivido já não existia, e que não tinha
nada para que viver....
«Bem, eu sei?, disse a mim mesmo, tudo aquilo que a ciência procura tão
persistentemente saber, mas não há resposta para a questão acerca do sentido da
vida.»
Talvez quase todas as pessoas sensíveis e reflexivas tenham tido pelo menos
alguns momentos em que medos e questões similares tenham aparecido nas suas
vidas. Talvez as experiências não fossem tão extremas quanto as de Tolstoy, mas
foram mesmo assim penosas. E certamente quase toda a gente em algum
momento perguntou: Qual é o sentido da vida? Tem ela algum sentido? Qual o
propósito de tudo isto? Qual a razão de ser de tudo isto? Parece evidente, então,
que a questão do sentido da vida é uma das questões mais importantes. E é
importante para todas as pessoas e não apenas para os filósofos.
Pelo menos um autor sustentou que é a questão mais premente. Em O Mito de
Sísifo, Camus escreve:
Há apenas um problema filosófico verdadeiramente sério, o problema do suicídio.
Julgar se a vida merece ou não ser vivida equivale a responder à questão
fundamental da filosofia. Tudo o resto — se o mundo tem três dimensões, se a
mente tem nove ou doze categorias — vem depois. Estes são jogos; primeiro
temos de responder.... Se pergunto a mim próprio como determinar se esta
questão é mais premente do que aquela, respondo que determinamos a partir das
acções que ela implica. Nunca vi ninguém morrer pelo argumento ontológico [a
favor da existência de Deus]. Galileu, que possuía uma verdade científica de
grande importância, dela abjurou com a maior das facilidades assim que tal
verdade pôs a sua vida em perigo. E, em certo sentido, fez bem. Essa verdade
não valia a fogueira. Qual deles, Terra ou o Sol, gira em redor do outro é
completamente indiferente. Para dizer a verdade, é uma questão fútil. Em
contrapartida, vejo muitas pessoas morrerem por considerarem que a vida não
merece ser vivida. Outros vejo que, paradoxalmente, se fazem matar pelas ideias
ou ilusões que lhes dão uma razão de viver (aquilo a que se chama uma razão de
viver é também uma excelente razão para morrer). Concluo, pois, que o sentido
da vida é o mais premente das questões.»
Seja como for que classifiquemos a questão — como a mais premente de todas ou
como uma das mais prementes de todas — a maior parte de nós considera que
esta questão merece a mais séria das atenções. Parte da sua premência deriva do
facto que tem relação com muitas outras questões que enfrentamos nas nossas
vidas quotidianas. Muitas das decisões que fazemos em relação a carreiras, tempo
livre, dilemas morais, e outras matérias dependem de como respondemos à
questão do sentido da vida.
Contudo, a questão pode significar várias coisas. Distingamos algumas delas. A
questão «Qual é o sentido da vida?» pode significar qualquer das seguintes
questões: 1) Por que razão existe o universo? Por que razão existe algo em vez
do nada? Há algum plano para o universo como um todo? 2) Por que razão os
seres humanos (em geral) existem? Existem para algum propósito? Se sim, qual?
3) Por que razão eu existo? Existo para algum propósito? Se sim, como poderei
saber qual é? Se não, como pode a vida ter algum significado ou valor?
Não pretendo sugerir que estas questões são rigidamente distintas. Elas estão
obviamente interrelacionadas. Por essa razão, muitos de nós interpretamos a
questão «Qual é o sentido da vida?» em sentido lato de modo a que possa incluir
uma, duas ou mesmo as três questões. Ao proceder assim, estamos a seguir o
uso normal.
Klemke, E. D. “The Question of the Meaning of Life” in Klemke, E. D. The Meaning
of Life, pp.1-2
(...) Há, contudo, uma lição a aprender acerca dos significados de uma vida
distintamente Cristã se a tomarmos como uma aproximação à interpretação mais
exigente daquilo que está implicado no apelo aos Cristãos para que adeqúem a
narrativa das suas vidas ao retrato de Jesus que se encontra nas narrativas do
Novo Testamento. Parece não ser difícil supor que a vida de um imitador
Kierkegaardiano de Cristo, que deseja e se esforça por fazer o bem, terá
significado teleológico positivo, apesar do sofrimento que provavelmente contém.
Mas se essa vida acaba na morte do corpo, há problemas em supor que toda a
vida desse tipo tenha também um significado axiológico positivo, porque algumas
destas vidas, no conjunto, não parecem ser boas para as pessoas que as vivem.
Mas, como é óbvio, a vida terrena de Jesus, que terminou num sofrimento atroz e
numa morte ignominiosa, dá origem exactamente ao mesmo problema. Contudo,
faz parte da fé Cristã tradicional que a vida de Jesus não terminou com a morte
do corpo mas continuou após a sua ressurreição e continuará até ao seu regresso
em glória; pelo que, no conjunto, é uma vida boa para ele. Tal como a vida do
próprio Jesus, pelos menos as vidas de alguns imitadores Kierkegaardianos de
Cristo serão no conjunto boas para eles apenas se se prolongarem para além da
morte nalguma forma de vida futura. Por isso, a sobrevivência à morte do corpo
parece ser necessária para assegurar um significado axiológico positivo e assim
um significado positivo completo para as vidas de todos aqueles cujas narrativas
correspondam tanto quanto é humanamente possível, como Kierkegaard
compreende o que está implicado nessa correspondência, ao paradigma ou
protótipo apresentado nas narrativas dos Evangelhos da vida de Jesus.
O Cristianismo também faz uma narrativa acerca do destino da raça humana por
intermédio da meta-narrativa cósmica da história da salvação. Começa com a
criação dos seres humanos à imagem e semelhança de Deus. A Encarnação, na
qual o Filho de Deus se torna completamente humano e salva a humanidade
pecadora, é um episódio fundamental. Culminará com a vinda prometida do Reino
de Deus. Os Cristãos têm estado em desacordo a respeito de algumas questões
acerca dos detalhes da história da salvação. Irão todos os seres humanos no fim
de contas serem salvos? Se alguns não vão ser, predestinou-os Deus para não
serem? Mas as grandes linhas da história tornam claro o amor de Deus pela
humanidade e o cuidado providencial com que é expresso. A ênfase da história no
que Deus fez pelos seres humanos também torna claro que eles são importantes
do ponto de vista de Deus.
A narrativa da história da salvação revela alguns dos desígnios de Deus tanto
para os indivíduos humanos como a para o conjunto da humanidade. Espera-se
que os Cristãos estejam de acordo com estes desígnios e ajam para promovê-los
até onde as suas circunstâncias permitam. Estes desígnios podem estar assim
entre aqueles que dão sentido teleológico positivo e dessa forma contribuírem
para dar um sentido positivo completo à vida de um Cristão. Podemos assumir
com segurança que todo o Cristão e, na verdade, todo o ser humano tem um
papel com sentido a representar no grande drama da história da salvação se a
visão Cristã for ainda que aproximadamente correcta.
Mas o que dizemos acerca daqueles que se recusam a estar de acordo com os
desígnios de Deus? Marcos, 14:21, cita Jesus a dizer «Pois o Filho do Homem vai,
como está escrito a seu respeito, mas ai daquele por quem o Filho do Homem é
traído! Teria sido melhor para esse que não tivesse nascido.» Se teria sido melhor
para Judas que não tivesse nascido, então a sua vida, no conjunto, não é boa
para ele e carece de sentido axiológico positivo. Isto será verdade de Judas na
suposição tradicional de que ele morre determinado a rejeitar os desígnios de
Deus e sofre por isso eternamente no inferno. Contudo, na suposição
universalista até Judas irá eventualmente virar-se para Deus e estar de acordo
com os desígnios de Deus e ser salvo. Se isto ocorresse, até a vida de Judas teria
em última análise sentido axiológico e sentido teleológico positivos. Nesse caso,
não seria verdade que teria sido melhor para Judas que não tivesse nascido.
Quinn, Philip L. “The Meaning of Life According to Christianity” in Klemke, E. D.
The Meaning of Life, pp. 60-61
O homem moderno pensou que quando se tivesse visto livre de Deus, se teria
liberto a si mesmo de tudo o que o reprimia e asfixiava. Em vez disso, descobriu
que ao matar Deus, também se matou a si mesmo.
Pois se Deus não existe, então a vida do homem torna-se absurda.
Se Deus não existe, então tanto o homem como o universo estão inevitavelmente
condenados à morte. O homem, como todos os organismos biológicos, tem de
morrer. Sem qualquer esperança de imortalidade, a vida do homem conduz
apenas à sepultura. A sua vida é apenas uma fagulha na escuridão infinita, uma
fagulha que aparece, tremeluz e morre para sempre. Comparada com o tempo
infinito, o tempo de vida humana é apenas um momento infinitesimal; e mesmo
assim esta é toda a vida que alguma vez conheceremos. Portanto, teremos todos
de estar cara a cara com aquilo a que o teólogo Paul Tillich chamou «a ameaça da
não-existência.» Pois embora eu saiba agora que existo, que estou vivo, também
sei que algum dia já não existirei, que já não irei ser, que irei morrer. Este
pensamento é desconcertante e ameaçador: pensar que a pessoa a que chamo
«eu mesmo» deixará de existir, que não existirei mais!
Lembro-me bastante bem da primeira vez que o meu pai me disse que um dia eu
iria morrer. De alguma forma enquanto criança o pensamento nunca me tinha
ocorrido. Quando ele me disse, assolou-me uma tristeza insuportável. E embora
ele tentasse várias vezes assegurar-me de que ainda faltava muito tempo isso
não parecia interessar. O facto inegável era que mais cedo ou mais tarde eu
morreria e não existiria mais, e esse pensamento devastou-me. Com o tempo,
aprendi, como todos nós, a aceitar simplesmente o facto. Todos nós aprendemos
a viver com o inevitável. Mas a percepção de criança continua a ser verdadeira.
Como o existencialista francês, Jean-Paul Sartre disse, várias horas ou vários
anos não faz diferença nenhuma, uma vez que se tenha perdido a eternidade.
Quer isso ocorra mais cedo ou mais tarde, a perspectiva da morte e a ameaça da
não-existência é um choque terrível. Mas encontrei uma vez um estudante que
não sentia esta ameaça. Ele disse que tinha sido criado numa quinta e estava
habituado a ver os animais nascerem e morrerem. Para ele, a morte era
simplesmente uma coisa natural — uma parte da vida, por assim dizer.
Surpreendeu-me quão diferentes eram as nossas duas perspectivas da morte e
achei difícil compreender por que razão ele não sentia a ameaça da não-
existência. Penso que encontrei a resposta anos mais tarde ao ler Sartre. Sartre
observou que a morte não é ameaçadora conquanto a encaremos como a morte
de outros, do ponto de vista de uma terceira pessoa, por assim dizer. É apenas
quando a interiorizamos e a olhamos de uma perspectiva de primeira pessoa —
«a minha morte: Eu vou morrer» — que a ameaça da não existência se torna
real. Como Sartre chamou a atenção, muitas pessoas a meio da vida nunca
assumem esta perspectiva de primeira pessoa; podemos até olhar para a nossa
própria morte de um ponto de vista de terceira pessoa, como se fosse a morte de
outra pessoa ou mesmo de um animal, como fazia o meu amigo. Mas o
verdadeiro significado existencial de a minha morte pode apenas ser apreciado de
uma perspectiva de primeira pessoa, à medida que compreendo que vou morrer e
deixar de existir para sempre. A minha vida é apenas uma passagem
momentânea do esquecimento para o esquecimento.
O universo enfrenta igualmente a morte. Os cientistas dizem-nos que o universo
está em expansão e que todas as coisas nele se afastam cada vez mais umas das
outras. À medida que isso acontece, o universo torna-se cada vez mais e mais frio
e a sua energia esgota-se. Por fim, todas as estrelas se extinguirão e toda a
matéria colapsará em estrelas mortas e em buracos negros. Não existirá qualquer
luz; não existirá qualquer calor; não existirá qualquer vida; apenas os cadáveres
de estrelas e galáxias mortas, expandindo-se para sempre na escuridão infinita e
os recessos frios do espaço — um universo em ruínas. O universo inteiro dirige-se
irreversivelmente para o seu túmulo. Por conseguinte, não é apenas a vida de
cada pessoa individual que está perdida; é a totalidade da raça humana que está
perdida. O universo precipita-se para a sua extinção inevitável — a morte está
escrita em toda a sua estrutura. Não há fuga. Não há esperança.
Se Deus não existe, então o homem e o universo estão perdidos. Como
prisioneiros condenados à morte, esperamos a nossa execução inevitável. Não há
Deus e não há imortalidade. Qual é a consequência disto? Segue-se que a própria
vida é absurda. Segue-se que a vida que temos não tem propósito, valor ou
significado últimos.
Craig, William Lane. “The Absurdity of Life Without God” in Klemke, E. D. The
Meaning of Life, pp.40-42
Há ainda alguma coisa pela qual viver? Haverá algo a que valha a pena
dedicarmo-nos, além do dinheiro, do amor e da atenção à nossa família? Falar de
«algo pelo qual viver» tem um certo travo vagamente religioso, mas muitas
pessoas que não são absolutamente nada religiosas têm uma sensação incómoda
de poderem estar a deixar escapar qualquer coisa básica que conferiria às suas
vidas uma importância que, de momento, lhes falta. E estas pessoas também não
têm qualquer compromisso profundo com uma cor política. Ao longo do último
século, a luta política ocupou frequentemente o lugar que era consagrado à
religião noutros tempos e culturas. Ninguém que reflicta acerca da nossa história
recente pode agora acreditar que a política, por si só, bastará para resolver todos
os nossos problemas. Mas para que outra coisa poderemos viver? No presente
livro, dou uma resposta. É tão antiga como o alvor da filosofia, mas tão
necessária nas circunstâncias actuais como sempre foi. A resposta é que podemos
viver uma vida ética. Ao fazê-lo, passaremos a integrar uma vasta tradição que
atravessa culturas. Além disso, descobriremos que viver uma vida ética não
constitui um sacrifício pessoal, mas uma realização pessoal.
Se conseguirmos alhear-nos das nossas preocupações imediatas e encarar o
mundo como um todo e o nosso lugar nele, veremos que existe algo absurdo na
ideia de que as pessoas têm dificuldade em encontrar por que viver. Afinal, há
tanto que precisa de ser feito. Quando este livro estava prestes a concluir-se, as
tropas das Nações Unidas entraram na Somália numa tentativa de assegurar que
os alimentos chegavam às populações famintas. Apesar de esta tentativa ter
corrido muito mal, constituiu, pelo menos, um sinal positivo de que as nações
ricas estavam preparadas para fazer alguma coisa acerca da fome e do
sofrimento em áreas distantes. Podemos tirar as devidas lições deste episódio, de
modo a que as tentativas futuras sejam mais bem sucedidas. Talvez estejamos no
início de uma nova era na qual não nos limitaremos a ficar sentados à frente dos
nossos televisores a ver crianças morrer e depois continuar a viver as nossas
vidas abastadas sem sentir qualquer incongruência. Mas não são apenas as
grandes crises dramáticas e com honras de noticiário que requerem a nossa
atenção: há inúmeras situações, numa escala mais reduzida, que são tão
horríveis e evitáveis como as maiores. Ainda que esta tarefa se nos afigure
imensa, trata-se apenas de uma das muitas causas igualmente urgentes às quais
se podem dedicar as pessoas que buscam um objectivo digno.
Singer, Peter. Como Havemos de Viver?: A ética numa época de individualismo,
pp. 13-14
Dicionários
Almeida, Aires (org.). “Positivismo lógico” e “Sentido da vida” in Dicionário Escolar
de Filosofia, Lisboa: Plátano Editora, 2003.
Blackburn, Simon. “Humanismo”, “Naturalismo”, “Positivismo lógico” e “Sentido da
vida” in Dicionário de Filosofia, Lisboa: Gradiva, 1997.
Livros
Camus, Albert. O Estrangeiro, Lisboa: Livros do Brasil, 2001.
Capote, Truman. A Sangue-frio, Lisboa: Dom Quixote, 2006.
Ellis, Bret Easton. Menos que Zero, Lisboa: Editorial Teorema, 2000.
Hesse, Hermann. O Lobo das Estepes, Lisboa: Difel, 2002.
Kafka, Franz. A Metamorfose, Lisboa: Editorial Presença, 1999.
Queiroz, Eça de. A Cidade e as Serras, Lisboa: Livros do Brasil, 2001.
Platão. Górgias, Lisboa: Edições 70, 2005.
Sartre, Jean-Paul. A Náusea, Lisboa: Europa-América, 1976.
Savater, Fernando. Ética para um Jovem, Lisboa: Dom Quixote, 2005.
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Coppola, Francis Ford. Apocalyse Now, 1979.
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Dicionários e enciclopédias
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Stanford Encyclopedia of Philosophy
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Livros
Baggini, Julian. What's It All About?: Philosophy and the Meaning of Life, Londres:
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Singer, Peter. Como Havemos de Viver?: A ética numa época de individualismo,
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Tolstoy, Leo. A Confession, Nova Iorque: W. W. Norton & Company, Inc., 1996.
Programas de rádio
Taylor, Ken, e Perry, John. “Meaning of Life” in Philosophy Talk
[1] Este texto foi originalmente concebido para um manual de Filosofia do 10.º
ano. O seu estilo e a sua estrutura reflectem este facto. Alguns esclarecimentos
originalmente concebidos para surgiram na margem, aparecerão aqui como notas
de rodapé.
[2] Expressão ambígua pela qual se costuma misturar várias questões: porque
existe o universo? Porque existe o ser humano? Há um algum propósito para o
universo e o ser humano? Como podemos viver uma vida com um objectivo com
valor?
[3] Doutrinas filosóficas associadas aos filósofos do Círculo de Viena. Estes
filósofos defenderam que há apenas dois tipos de proposições, as analíticas e
aquelas cuja verdade ou falsidade pode ser verificada empiricamente. Todas as
outras proposições não têm sentido. Isso levou-os a rejeitar toda a metafísica
tradicional.
[4] Escola filosófica que dominou a filosofia anglo-saxónica em meados do século
XX e que dava especial atenção à análise e compreensão da linguagem comum.
[5] Humanismo: qualquer filosofia que dê relevância à capacidade dos seres
humanos para determinar os valores e o seu destino independentemente de
quaisquer concepções religiosas.
[6] Naturalismo: ponto de vista filosófico segundo o qual tudo o que existe é de
natureza corpórea e material e que rejeita, portanto, a crença na existência das
entidades sobrenaturais da metafísica e da religião tradicionais.