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O Cdc e a Sua Aplicação Nos

Fundação Biblioteca Nacional


ISBN 978-85-7638-731-2

Negócios Imobiliários

O Cdc e a Sua Aplicação Nos Negócios Imobiliários


O Cdc e a Sua Aplicação Nos
Negócios Imobiliários
Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-3441-3

Marcos Catalan
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A.,
mais informações www.iesde.com.br
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Marcos Catalan

O CDC e sua Aplicação nos


Negócios Imobiliários

Edição revisada

IESDE Brasil S.A.


Curitiba
2012
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© 2008 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos
direitos autorais.

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
________________________________________________________________________________
C355p

Catalan, Marcos Jorge, 1973-


O CDC e sua aplicação nos negócios imobiliários / Marcos Catalan. - 1.ed., rev. - Curi-
tiba, PR : IESDE Brasil, 2012.
164 p. : 28 cm

Inclui bibliografia
ISBN 978-85-387-3441-3

1. Direito imobiliário - Brasil. 2. Defesa do consumidor - Legislação - Brasil. I. Título.

12-8205.
CDU: 347.23:34:366(81)

07.11.12 13.11.12 040580


________________________________________________________________________________

Capa: IESDE Brasil S.A.


Imagem da capa: Shutterstock

Todos os direitos reservados.

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Sumário
A importância do Código de Defesa do Consumidor | 7
Histórico | 7
A importância do Código de Defesa do Consumidor | 9
Os diálogos com a Constituição Federal e o Código Civil de 2002: a tese do diálogo das fontes | 9
A superação do conceito de microssistema isolado | 11

Delimitando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor | 17


A caracterização da relação de consumo | 17
A autonomia privada: um instrumento de satisfação de necessidades da pessoa humana | 20

Vulnerabilidade, hipossuficiência e boa-fé objetiva | 27


O que são princípios? | 27
Todo consumidor é vulnerável? | 29
A tríplice função da boa-fé objetiva | 30

Transparência, confiança e equidade | 37


O princípio da transparência | 37
O princípio da confiança | 38
A importância do princípio da equidade no contexto do CDC | 39

Os direitos básicos do consumidor | 47


O conflito entre a teoria finalista e a maximalista e a orientação do Superior Tribunal de Justiça | 47
Os direitos básicos do consumidor | 49

Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço | 59


Considerações acerca do dever de segurança imposto aos fornecedores | 59
Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço | 60
Considerações sobre o prazo para exercício da pretensão à indenização | 63

Responsabilidade pelo vício do produto ou serviço | 69


A insuficiência da figura dos vícios redibitórios na tutela dos consumidores | 69
A teoria do vício do produto ou serviço | 70
Dos prazos para o exercício dos direitos assegurados pelo legislador | 74

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Da proteção à revisão contratual | 81
Da proteção contratual | 81
Da revisão contratual | 83

Cumprimento da oferta e regramento da publicidade | 91


A oferta no Código de Defesa do Consumidor e seu regramento | 91
Proteção do consumidor destinatário da publicidade | 94

Contratos por adesão | 101

Cláusulas abusivas e proteção do consumidor | 111


Justificando a necessidade de proteção do consumidor | 111
Um passar de olhos pelas práticas abusivas | 111
Das cláusulas abusivas: compreendendo o tema e a sua importância | 113

O CDC e os contratos imobiliários: compra e venda compromisso de compra e venda| 121


Compra e venda imobiliária | 121
Compromisso de compra e venda | 124

O CDC e os contratos imobiliários: locação e empreitada | 131


Locação de imóveis | 131
Empreitada | 135

O CDC e os contratos imobiliários: corretagem e incorporação imobiliária | 141


Corretagem | 141
Incorporação imobiliária | 144

Os Enunciados do Conselho da Justiça Federal | 153


O que são os Enunciados do Conselho da Justiça Federal? | 153
Os Enunciados da I Jornada de Direito Civil do CJF | 154
Os Enunciados da III Jornada de Direito Civil do CJF | 157
Os Enunciados da IV Jornada de Direito Civil do CJF | 158

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Apresentação
A análise do direito do consumidor é um tema fascinante. Estudar o Código
de Defesa do Consumidor (CDC) é algo que atrai a atenção do leitor, seja por
conta das inúmeras soluções que visam resolver incontáveis problemas, seja
porque aquelas, efetivamente, têm contribuído para uma sensível melhora na
qualidade de vida de todos os brasileiros.

De fato, como será apreendido ao longo de cada uma das aulas, eis um ramo do
direito que tem repercussões positivas na práxis administrativa e jurisdicional,
especialmente porque os estudos sobre a matéria passam a ser intensos apenas
após o advento do CDC em 1990.

Salienta-se de início que, neste estudo, o direito consumerista é lido a partir das
regras e princípios positivados no texto constitucional, bem como amparado
nos possíveis diálogos do direito do consumidor com o Código Civil (CC) e outras
leis esparsas, de modo a demonstrar a superação do conceito de microssistema
isolado.

Conhecer os princípios aplicáveis à matéria também é de suma importância, daí


que temas como a vulnerabilidade e hipossuficiência, reparação integral dos
danos, função social dos contratos, boa-fé objetiva, transparência, equilíbrio
material e confiança são, quando possível, analisados de modo detalhado e,
durante todo o trabalho, referenciados quando necessário.

Como não podia deixar de ser, são descritos de modo minucioso os elementos
necessários à caracterização da relação de consumo, bem como demonstradas
as principais teorias que versam sobre a aplicação dos direitos previstos no CDC
às pessoas jurídicas.

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Diante do espaço que nos foi dado, promove-se ampla análise dos tópicos
mais importantes que versam sobre os direitos do consumidor, focando se este
estudo no direito material privado e, dessa forma, são analisados temas como
a responsabilidade do fornecedor pelo vício do produto, fato do produto, vício
do serviço e fato do serviço; os prazos dados aos consumidores que tenham seus
direitos violados; aspectos gerais e pontuais da proteção contratual, incluída aqui
a possibilidade de revisão contratual, as cláusulas abusivas e o regramento dos
contratos por adesão.

Também serão estudados alguns contratos de consumo ou que ao menos possam


se apresentar sob essa veste, entre eles merecendo destaque a compra e venda, o
compromisso de compra e venda enquanto contrato típico, a locação de imóveis, a
empreitada, a corretagem e a incorporação imobiliária.

Por fim, diante da importância desse assunto na atualidade, é feita a análise de


alguns dos mais importantes Enunciados aprovados nas Jornadas de Direito Civil
organizadas pelo Conselho da Justiça Federal (CJF), eventos esses promovidos pelo
Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Os conhecimentos teóricos transmitidos em sala de aula serão sempre ilustrados


com exemplos cotidianos, permitindo-se assim que mesmo os alunos que não
tenham formação jurídica possam facilmente compreender o assunto de modo
claro, e cada vez mais se interessar pelo mesmo, especialmente, em razão da
importância que esse ramo do direito assume nas relações cotidianas.

Enfim, desejo a todos que tenham contato com este trabalho, ótimo estudo e
maravilhoso aprendizado. Mãos à obra!

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A importância do Código de
Defesa do Consumidor
Marcos Catalan*

Histórico
A experiência comum relata uma infinidade de casos em que o poder dos mais fortes se sobre-
põe à fragilidade dos menos favorecidos, especialmente quando analisados os contratos que entre eles
são pactuados, o que acaba por fazer que estes suportem prejuízos dos mais diversos em incontáveis
situações cotidianas.
Entre inúmeras hipóteses, pode-se lembrar que, antes do advento do Código de Defesa do
Consumidor (CDC), quem fosse vítima de intoxicação alimentar, para ser indenizada, teria o dever de
provar não só que comprou o alimento em determinado estabelecimento comercial, mas também,
que o produto adquirido estava contaminado, pela bactéria salmonela, por exemplo, assumindo,
consequentemente, mesmo diante do quadro patológico apresentado (efeitos causados pela ingestão
de comida estragada), o ônus de pagar todas as despesas para produzir esta prova por meio da perícia
a ser realizada durante o curso do processo judicial, além de muitas vezes, ter que provar a culpa do
causador do dano, fato este que desestimulava a vítima de lutar por seus direitos.
Em linhas gerais, pode ser lembrado ainda, o exemplo da compra de um eletrodoméstico com
defeito, cujo prejuízo seria suportado em regra pelo comprador sob o argumento de que ele deveria ter
olhado melhor o produto e mesmo solicitado que este fosse testado antes da entrega, e, a hipótese da
aquisição de um terreno em longas parcelas mensais sucessivas, que poderiam ser perdidas totalmente,
caso o adquirente não pudesse pagar o preço total do imóvel, por ter perdido o emprego ou porque
alguém da família adoeceu, e não havia dinheiro para pagar os remédios e a prestação do terreno ao
mesmo tempo.
* Doutorando em Direito Civil na Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Professor convidado dos cursos de especialização da Escola Paulista de Direito (EPD), do Diex, da UEL e da Universidade Paranaense (Unipar).

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8 | A importância do Código de Defesa do Consumidor

Como se observa facilmente, os inconvenientes oriundos do excesso de liberalidade no exercício


do poder de contratar, bem como os abusos praticados de maneira cada vez mais constante em detri-
mento dos consumidores, precisavam ser combatidos, o que de fato ocorreu, inicialmente por meio do
processo denominado intervencionismo estatal, preocupação que é vista, por exemplo, na edição da Lei
de Usura, em 1933, que limita o valor dos juros convencionados e da multa contratual devida em razão
de atraso no pagamento dos empréstimos em dinheiro; do Estatuto da Terra, em 1964, que fixa prazos
mínimos de vigência dos contratos de arrendamento e parceria rural e determina o preço máximo a ser
pago ao proprietário pelo arrendatário; e da Lei do Inquilinato, em 1991, que proíbe, por exemplo, que
o proprietário do imóvel locado sem prazo determinado, reivindique o bem sem justo motivo, dentro
dos primeiros 30 meses de vigência do contrato.
Apesar da ativa participação do Estado, buscando reequilibrar o papel e os poderes de cada
indivíduo no contrato, não se pode negar que tais avanços legislativos não foram suficientes para
solucionar uma infinidade de problemas no âmbito dos negócios que, hoje, são conhecidos por relações
de consumo, pois – em especial – após o fim da Segunda Guerra Mundial, o grau de organização e
especialização das empresas cresceu muito mais rápido que o número de leis editadas visando à sua
regulamentação, como se afere, por exemplo, em razão da oferta crescente de novos produtos, entre
eles, os eletroeletrônicos; de serviços dos mais diversos oferecidos à coletividade, como ocorre com
os contratos pactuados com um personal training ou com um provedor de internet, ou ainda, com o
aparecimento de técnicas publicitárias agressivas, que passam a utilizar diversos mecanismos de mídia,
entre eles, a televisão, e mais recentemente, o universo virtual.
Visando solucionar uma grande parte dos conflitos de interesses que explodiam prolongadamente
no seio social (FACHIN, 2005, p. 28) e respeitando a obrigação criada pouco antes no artigo 5.º, XXXII,
da Constituição Federal (CF)1, o CDC foi aprovado em 1990, visando ser um instrumento de proteção
da parte mais fraca nas relações de consumo: o consumidor explorado desde antes de seu nascimento,
durante toda sua vida, e até mesmo, após a sua morte!
De fato, por mais complexa que essa reflexão inicialmente possa parecer, merece destaque o fato
de que muitas vezes, antes mesmo de sair do ventre materno, o ser que ali se encontra alimenta-se de
produtos recheados de pesticidas, é vítima de diagnósticos equivocados durante exames de ultrassom;
uma vez nascendo com vida, comprará alimentos, roupas, uma casa para morar, um veículo para ir ao
trabalho e combustível, irá ao médico, à escola etc.; e mesmo após sua morte, pode ter sua imagem
lesada pelo uso indevido de alguma fotografia que se perdeu durante a revelação, ou mesmo contratar a
cremação de seu corpo e descobrir posteriormente que o que fora queimado foram apenas algumas toras,
e que seus restos mortais, foram vendidos para um laboratório de anatomia de uma escola qualquer.
Enfim, não há dúvida de que o CDC é de importância vital, haja vista que no Brasil, antes dele,
não havia mecanismo específico para tutelar os consumidores, sendo que os problemas deveriam ser
solucionados pelo Código Civil (CC) de 1916, defensor da propriedade, do indivíduo egoísta, do poder
absoluto da vontade e da força obrigatória dos contratos.

1 “Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país
a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes [...] XXXII - o Estado promoverá,
na forma da lei, a defesa do consumidor”. Vale lembrar que a ordem econômica também se encontra fundada na defesa do consumidor, como
se extrai do texto constitucional: “Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios [...] V - defesa do consumidor”.

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A importância do Código de Defesa do Consumidor | 9

A importância do Código de Defesa do Consumidor


Resta, evidentemente, que o CDC surge para solucionar problemas como os destacados anterior-
mente, entre tantos outros que precisam de respostas eficientes do sistema, pois somente um direito
que tenha seu foco na pessoa humana, exigindo uma postura leal e ética de todos os sujeitos de direito,
e que afaste pretensões egoístas em favor da proteção de interesses sociais será capaz de resolvê-los.
Como se afere, e continuará a ser observado ao longo de todo este trabalho, o CDC abandonou
a tradição individualista do direito clássico, que acreditava que todos eram verdadeiramente iguais e
por isso, especialmente nas relações entre pessoas e empresas, naturalmente diferentes, não resolvia
incontáveis problemas que hoje encontram solução naquele diploma legislativo.
Salienta-se que o CDC surgiu em 1990, por meio da Lei 8.078, buscando a proteção do ser humano,
e porque não, de toda a sociedade, tutelando o ser, o existir, em detrimento do ter, do possuir. Afastou-se
assim do paradigma imposto pelo Estado Liberal que privilegiava a propriedade e o indivíduo egoísta,
outrora analisado isoladamente, aproximando-se, por consequência, das premissas que informam o
Estado Social, e isso se dá porque criou mecanismos que resolve os problemas ligados aos interesses
das massas, dos grupos populacionais, já que o mercado, por si só, não possui nem nunca possuiu um
mecanismo eficaz para a solução dos conflitos surgidos no cotidiano das relações entre fornecedores e
consumidores.
Cumpre destacar mais especificamente que as vantagens trazidas pelo CDC são notadas, por
exemplo, no reconhecimento de que todo consumidor é vulnerável e, por isso, merecedor de especial
proteção do Estado que, por consequência, entre outros, é titular ou detentor dos seguintes direitos:
à revisão dos contratos assinados entre ele e o fornecedor, caso a economia sofra alguma alteração
considerável; à informação clara e adequada sobre o funcionamento do produto que pretende comprar,
bem como do preço à vista, e se a prazo, dos juros que incidirão sobre aquele; ao acesso a orçamento
prévio e gratuito para o conserto de seu computador ou outro bem qualquer que necessite de reparos; à
garantia de troca do produto ou a devolução do dinheiro pago no caso de vício no produto; à devolução
de produtos comprados fora do estabelecimento comercial, caso o bem não lhe agrade etc.
Observa-se que a importância do CDC na atualidade é inegável, em especial, por conta da ampli-
tude das questões do dia a dia que são por ele regradas e solucionadas.

Os diálogos com a Constituição Federal


e o Código Civil de 2002: a tese do diálogo das fontes
O fenômeno da constitucionalização do direito, conhecido também pela leitura constitucional do
direito privado, deve ser compreendido como a interpretação das condutas previstas no CDC, e outras
leis aplicáveis aos contratos privados, como é o caso do CC, a partir das premissas contidas no texto
constitucional, especialmente quando estão em jogo questões ligadas à dignidade da pessoa humana ou à
exploração dos menos favorecidos, pois parece evidente que se faz necessária à garantia de um patrimônio
mínimo a todos os sujeitos, já que “entre a garantia creditícia e a dignidade pessoal, opta-se por esta, que
deve propiciar a manutenção dos meios indispensáveis à sobrevivência” (FACHIN, 2001, p. 184).

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10 | A importância do Código de Defesa do Consumidor

A leitura das relações de consumo a partir da CF assume especial relevância principalmente


porque impõe limites ao poder de escolher o conteúdo das cláusulas contratuais, em razão do surgimento
de ditames impositivos de conduta que não podem ser invocados apenas para suprir eventuais lacunas
que surjam quando da criação da norma jurídica (NALIN, 2005, p. 102).
O recurso ao texto constitucional, sempre necessário, mostra-se claro também quando se pensa
na tutela do polo mais fraco da relação jurídica, pois em um país formado por milhões de analfabetos
em que em torno de 60 milhões de habitantes estão à margem da linha da miséria, não há como se
sustentar que existe igualdade material (CATALAN, 2003, p. 376), sendo imperioso invocar o princípio
constitucional da isonomia, que determina que todos são iguais perante a lei, reconhecendo assim, que
as pessoas são diferentes entre si, e desse modo, ao tratar os desiguais de modo desigual, as diferenças
existentes são respeitadas, garantindo a manutenção do equilíbrio das relações jurídicas e permitindo,
para além do desenvolvimento individual, que se atinja o escopo de redução das desigualdades sociais.
É importantíssimo, nesse contexto, destacar o papel exercido pelas diretrizes elevadas à condição
de fundamentos da República, entre elas as que determinam a redução das desigualdades e a busca
pela erradicação da pobreza e de modo ainda mais explícito o artigo 170 da CF, que limita o poder de
contratar, pois nenhuma atividade poderá ser exercida quando se colocar em conflito com os ditames
da justiça social (DONNINI, 2000, p. 76), ou violar os direitos dos consumidores, já que não há como se
sustentar a presença de liberdade contratual sem que exista igualdade substancial.
Como se observa, a CF sempre deverá ser invocada quando da criação da norma jurídica, ainda
que a vontade externada pelas partes não permita que qualquer dúvida paire sobre ela, já que o
contrato, especialmente os contratos regrados pelo CDC, deve atuar de modo a permitir que o homem
busque sua felicidade plena, objetivo precípuo derivado do princípio da dignidade da pessoa humana.
Nesse contexto, a desigualdade material acaba por justificar a ampliação da proteção dos direitos
fundamentais na esfera privada, o que ocorre a partir da premissa de que a assimetria de poder prejudica
as partes mais fracas durante o ato de contratar e seus efeitos, haja vista que quando o ordenamento deixa
livres forte e fraco, a liberdade só existe para o primeiro, ainda que, do ponto de vista formal, o comporta-
mento possa parecer decorrente do exercício da sua autonomia privada (SARMENTO, 2006, p. 273).
Salienta-se, ainda, que o principal papel da análise do direito do consumidor à luz da CF está no
reconhecimento de que nas relações privadas potencialmente lesivas a direitos fundamentais, formar-
-se-á uma rede complexa de direitos e deveres, que se limita e se condiciona mutuamente, autorizando-
-se ao juiz, por meio da técnica conhecida por ponderação, destacar qual direito deverá prevalecer no
caso concreto (PEREIRA, 2006, p. 143), como se afere de situações de conflito entre o direito à recusa de
transfusão sanguínea por conta da crença religiosa e o dever que tem o médico de salvar a vida de seus
pacientes; ou do direito à dignidade da mãe que carrega em seu ventre um feto que sofre de anencefalia,
e que, portanto, está fadado a vir ao mundo sem vida, e o direito a nascer daquele que cresce dentro
do útero materno. Dessa forma, quanto à aplicação das regras previstas nos textos infraconstitucionais,
sempre deverá promover sua leitura a partir dos direitos consagrados na CF, mormente àqueles que
garantem direitos básicos como a saúde, a moradia, a educação, a liberdade, a privacidade e a intimidade,

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a segurança, o acesso ao poder judiciário, entre outros, pois o texto constitucional contém as premissas
necessárias que permitem a construção de uma sociedade justa e solidária.
Entretanto, existe outro problema que merece ser analisado. Ocorre que o CDC, não contém todos os
conceitos necessários para a adequada solução de inúmeros problemas que o legislador determinou que
ele resolva, desse modo será necessário, por meio da técnica conhecida por diálogo das fontes, que sejam
buscadas no CC e, se preciso, em outras leis que se destinam a regulamentar as relações entre os particulares,
as premissas essenciais para a construção de decisões justas no processo de concreção do direito.
Essa corrente de pensamento, desenvolvida na Europa por Erik Jayme, versa acerca da necessidade
do diálogo das fontes existentes em busca de melhores respostas para os problemas surgidos no
cotidiano, comunicação esta necessária em razão do pluralismo de mananciais a regrar um mesmo
fato, de sujeitos hábeis a tutelar os mesmos direitos, e ainda de múltiplas respostas para um mesmo
problema (MARQUES, 2005, p. 13).
Por meio da aludida teoria, o CC e o CDC deverão interagir autorizando, por exemplo, que os
elementos do contrato de compra e venda ou do contrato de prestação de serviços, em ambos os casos
detalhados no CC, sejam utilizados para a solução de problemas surgidos no âmbito das relações de
consumo, ou ainda que a interpretação do contrato de seguro também regrado pelo CC seja feita à luz
das regras elencadas no CDC (TARTUCE, 2006, p. 496), desse modo permitindo-se a proteção de um
consumidor naturalmente vulnerável, por isso mesmo protegido das práticas abusivas do mercado.

A superação do conceito de microssistema isolado


Em razão de tudo o que se viu até este momento cumpre destacar, por fim, que é equivocado
tratar o CDC como um microssistema, ou no mínimo que ao assim denominá-lo deve-se atentar aos
diálogos possíveis e necessários com as regras previstas em outros dispositivos legais, pois a ideia de
microssistema isolado implica em restrições na atividade hermenêutica ou interpretativa, pois impede
que conceitos e regras sejam buscados em outros textos legais que não aquele que é o principal – mas
não o único – para regrar o problema ocorrido no mundo dos fatos.
Em que pese para fins didáticos, a análise do direito do consumidor deve-se amparar princi-
palmente no conteúdo previsto no CDC, em verdade, o direito não pode ser visto como um armário
composto por incontáveis gavetas que contém em cada uma delas uma vertente ou um ramo daquele,
que só podem ser abertas uma de cada vez. Ao contrário, o direito enquanto ciência é um só e suas
regras e princípios devem ser utilizados como um todo.
Desse modo, respeitadas as peculiaridades de cada caso surgido no mundo concreto e
submetido ao controle do Poder Judiciário, os mais distintos ramos do direito deverão atuar de modo
a buscarem a solução mais justa na solução daquele, possibilitando assim que as partes alcancem a
tão almejada e necessária justiça e, por consequência, que ocorra a pacificação social.

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Atividades
1. Qual a importância do CDC para a sociedade brasileira?

2. Quais as vantagens da leitura constitucional do direito do consumidor?

3. Quais os principais direitos criados pelo CDC?

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4. Por que o CDC não deve ser comparado a um microssistema?

Para refletir
Se as pessoas tivessem mais acesso ao conteúdo do CDC haveria tantos problemas como os que
ainda incomodam os consumidores?

Dicas de estudo
A primeira das obras a seguir destacadas mostra a crise que paira sobre o direito privado e as
soluções trazidas para infinitos problemas cotidianos; enquanto a última traz inúmeras possibilidades
de diálogos.
LORENZETTI, Ricardo. Fundamentos do Direito Privado. Tradução de: Vera Maria Jacob de Fradera. São
Paulo: RT, 1998.
TARTUCE, Flávio. Diálogos entre o direito civil e o direito do trabalho. In: TARTUCE, Flávio; CASTILHO,
Ricardo (Coord.). Direito Civil: direito patrimonial, direito existencial. São Paulo: Método, 2006.

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14 | A importância do Código de Defesa do Consumidor

Referências
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas: Booksel-
ler, 2002.
CATALAN, Marcos Jorge. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista
Scientia Iuris, Londrina, 2004.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no projeto
de Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 139, jul./set., 1998.
DONNINI, Rogério Ferraz. A Constituição Federal e a concepção social do contrato. In: VIANA, Rui Geraldo
Camargo; NERY, Rosa Maria de Andrade (Org.). Temas Atuais de Direito Civil na Constituição Federal.
São Paulo: RT, 2000.
FACHIN, Luiz Edson. As relações jurídicas entre o novo Código Civil e o Código de Defesa do Consumi-
dor: elementos para uma teoria crítica do direito do consumidor. In: FACHIN, Luiz Edson. Repensando o
Direito do Consumidor. Curitiba: OAB, 2005.
_____. Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
LORENZETTI, Ricardo Luis. Fundamentos do Direito Privado. Tradução de: Vera Maria Jacob de Fradera.
São Paulo: RT, 1998.
MARQUES, Cláudia Lima. Três tipos de diálogos entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código
Civil de 2002: superação das antinomias pelo “diálogo das fontes”. In: PFEIFFER, Roberto Augusto Cas-
tellanos; PASQUALOTTO, Adalberto (Coord.). Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de
2002: convergências e assimetrias. São Paulo: RT, 2005.
NALIN, Paulo. Introdução à problemática dos princípios gerais do direito e os contratos. In: CANEZIN,
Claudete Carvalho (Coord.). Arte Jurídica: biblioteca científica de Direito Civil e Processo Civil da Uni-
versidade Estadual de Londrina. Curitiba: Juruá, 2005. v. 2.
PEREIRA, Jane Reis Gonçalves. Apontamentos sobre a aplicação das normas de direito fundamental nas
relações entre particulares. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A Nova Interpretação Constitucional:
ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
SARMENTO, Daniel. A vinculação dos particulares aos direitos fundamentais no direito comparado e no
Brasil. In: BARROSO, Luís Roberto (Org.). A Nova Interpretação Constitucional: ponderação, direitos
fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. São Paulo: Método,
2006.
_____. Direito Civil: lei de introdução e parte geral. São Paulo: Método, 2006, v. 1.
_____. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. São Paulo: Método, 2006. v. 3.

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Gabarito
1. A experiência comum relata uma infinidade de casos em que o poder dos mais fortes se sobrepõe
à fragilidade dos menos favorecidos, especialmente quando analisados os contratos que entre
eles são pactuados, o que acaba por fazer que estes suportem prejuízos dos mais diversos, em
incontáveis situações cotidianas.

Visando solucionar uma grande parte dos conflitos de interesses que explodiam prolongadamente
no seio social (FACHIN, 2005, p. 28) e respeitando a obrigação criada pouco antes no artigo 5.º,
XXXII, da CF, o CDC foi aprovado em 1990, visando ser um instrumento de proteção da parte mais
fraca nas relações de consumo: o consumidor.

2. A leitura das relações de consumo a partir da CF assume especial relevância principalmente


porque impõe limites ao poder de escolher o conteúdo das cláusulas contratuais, em razão do
surgimento de ditames impositivos de conduta que não podem ser invocados apenas para suprir
eventuais lacunas que surjam quando da criação da norma jurídica (NALIN, 2005, p. 102).

O recurso ao texto constitucional, sempre necessário, se mostra claro também quando se


pensa na tutela do polo mais fraco da relação jurídica, pois em um país formado por milhões
de analfabetos em que aproximadamente 60 milhões de habitantes estão à margem da linha
da miséria, não há como se sustentar que existe igualdade material (CATALAN, 2003, p. 376),
sendo imperioso invocar o princípio constitucional da isonomia, que determina que todos são
iguais perante a lei, reconhecendo assim, que as pessoas são diferentes entre si e, desse modo,
ao tratar os desiguais de modo desigual, as diferenças existentes são respeitadas, garantindo a
manutenção do equilíbrio das relações jurídicas e permitindo, para além do desenvolvimento
individual, que se atinja o escopo de redução das desigualdades sociais.

É importantíssimo, nesse contexto, destacar o papel exercido pelas diretrizes elevadas à condição
de fundamentos da República, entre elas as que determinam a redução das desigualdades e a busca
pela erradicação da pobreza e de modo ainda mais explícito o artigo 170 da CF, que limita o poder
de contratar, pois nenhuma atividade poderá ser exercida quando se colocar em conflito com os
ditames da justiça social (DONNINI, 2000, p. 76), ou violar os direitos dos consumidores, já que não
há como se sustentar a presença de liberdade contratual sem que exista igualdade substancial.

Como se observa, a CF sempre deverá ser invocada quando da criação da norma jurídica, ainda
que a vontade externada pelas partes não permita que qualquer dúvida paire sobre ela, já que o
contrato, especialmente os contratos regrados pelo CDC, devem atuar de modo a permitir que
o homem busque sua felicidade plena, objetivo precípuo derivado do princípio da dignidade da
pessoa humana.

Nesse contexto, a desigualdade material acaba por justificar a ampliação da proteção dos direitos
fundamentais na esfera privada, o que ocorre a partir da premissa de que a assimetria de poder
prejudica as partes mais fracas durante o ato de contratar e seus efeitos, haja vista que quando

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16 | A importância do Código de Defesa do Consumidor

o ordenamento deixa livres o forte e o fraco, a liberdade só existe para o primeiro, ainda que, do
ponto de vista formal, o comportamento possa parecer decorrente do exercício da sua autonomia
privada (SARMENTO, 2006, p. 273).

Salienta-se ainda que o principal papel da análise do direito do consumidor à luz da CF está no
reconhecimento de que nas relações privadas potencialmente lesivas a direitos fundamentais,
formar-se-á uma rede complexa de direitos e deveres, que se limita e se condiciona mutuamente,
autorizando-se ao juiz, por meio da técnica conhecida por ponderação, destacar qual direito
deverá prevalecer no caso concreto (PEREIRA, 2006, p. 143), como se afere de situações de conflito
entre o direito à recusa de transfusão sanguínea por conta da crença religiosa e o dever que tem o
médico de salvar a vida de seus pacientes; ou do direito à dignidade da mãe que carrega em seu
ventre um feto que sofre de anencefalia, e que, portanto, está fadado a vir ao mundo sem vida, e
o direito a nascer daquele que cresce dentro do útero materno.

3. O fenômeno da constitucionalização do direito, conhecido também pela leitura constitucional


do direito privado, deve ser compreendido como a interpretação das condutas previstas no
CDC, e outras leis aplicáveis aos contratos privados, como é o caso do CC, a partir das premissas
contidas no texto constitucional, especialmente quando estejam em jogo questões ligadas à
dignidade da pessoa humana ou à exploração dos menos favorecidos, pois parece evidente que
se faz necessária à garantia de um patrimônio mínimo a todos os sujeitos, já que “entre a garantia
creditícia e a dignidade pessoal, opta-se por esta, que deve propiciar a manutenção dos meios
indispensáveis à sobrevivência” (FACHIN, 2001, 184).

A leitura das relações de consumo a partir da CF assume especial relevância principalmente


porque impõe limites ao poder de escolher o conteúdo das cláusulas contratuais, em razão do
surgimento de ditames impositivos de conduta que não podem ser invocados apenas para suprir
eventuais lacunas que surjam quando da criação da norma jurídica (NALIN, 2005, p. 102).

4. É equivocado tratar o CDC como um microssistema, ou no mínimo que, ao assim denominá-lo,


deve-se atentar aos diálogos possíveis e necessários com as regras previstas em outros dispositivos
legais, pois a ideia de microssistema isolado implica em restrições na atividade hermenêutica ou
interpretativa, pois impede que conceitos e regras sejam buscados em outros textos legais que não
aquele que é o principal – mas não o único – para regrar o problema ocorrido no mundo dos fatos.

Em que pese para fins didáticos, a análise do direito do consumidor deva se amparar principal-
mente no conteúdo previsto no CDC, em verdade, o direito não pode ser visto como um armário
composto por incontáveis gavetas que contém em cada uma delas uma vertente ou um ramo
daquele, que só podem ser abertas uma de cada vez. Ao contrário, o Direito enquanto ciência é
um só, e suas regras e princípios devem ser utilizados como um todo.

Desse modo, respeitadas as peculiaridades de cada caso surgido no mundo concreto e submetido
ao controle do Poder Judiciário, os mais distintos ramos do Direito deverão atuar de modo a
buscar a solução mais justa na solução daquele, possibilitando assim que as partes alcancem a
tão almejada e necessária justiça e, por consequência, que ocorra a pacificação social.

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Delimitando a aplicação
do Código de Defesa
do Consumidor
A caracterização da relação de consumo
É importantíssimo delimitar o campo de atuação do Código de Defesa do Consumidor (CDC).
De fato, considerando-se que este nem sempre será o texto legislativo aplicável para solucionar os
problemas surgidos no cotidiano das relações jurídicas pactuadas entre particulares.
Assim, poderá ocorrer que a lei aplicável à relação entre particulares seja o Código Civil (CC),
em regra, determinando a solução dos problemas surgidos em contratos ajustados entre iguais, como
ocorre quando alguém vende sua casa ou seu carro para outrem, e ainda, para resolver questões ligadas
à paternidade, aos alimentos, ao casamento, à posse, à herança etc., ou, ainda, que a norma aplicável
seja a Lei de Locação, aplicável nos casos em que exista contrato de locação de imóveis residenciais
e comerciais entre particulares; aplicando-se o CDC apenas nos casos em que estiver caracterizada a
relação de consumo, pois essa lei trata apenas dos problemas aí surgidos.
É dessa relação que se passa a cuidar, a partir desse momento, salientando que a mesma é carac-
terizada a partir da leitura das partes que a compõe: de um lado o consumidor e de outro o fornecedor,
além do elemento teleológico.
Neste momento, é interessante destacar que o conceito de consumidor se divide em quatro
modalidades distintas, reflexo este da preocupação do legislador com o fenômeno denominado
despersonalização do direito privado.

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18 | Delimitando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor

O consumidor como destinatário final


O primeiro conceito de consumidor é o mais fácil de se apreender, e o que em regra, mais aparece
nos problemas cotidianos.
Consoante se extrai do artigo 2.º da Lei 8.078/90, “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que
adquire ou utiliza produtos ou serviço como destinatário final”, desse modo afere-se que o legislador
optou por considerar o consumidor a partir da ideia de personagem que adquire produtos ou contrata
serviços disponíveis no mercado, visando ao atendimento de uma necessidade pessoal (GRINOVER,
1998, p. 25).
Como exemplo de consumidor em sentido estrito, pode-se pensar nos casos de aquisição de
material escolar pelo estudante em livrarias, de compra no comércio de eletrodomésticos pela dona
de casa ou de combustível nos postos de gasolina pelo condutor do automóvel, da contratação de uma
consulta médica ou odontológica particular, dos serviços de uma escola particular, da aquisição de um
apartamento na planta ou de uma casa nova pronta para entrega.
Salienta-se, inicialmente, que não há restrição quanto à possibilidade da pessoa jurídica ser
tratada como consumidora, mas esse enquadramento só pode ser realizado quando esta seja também
destinatária final do produto ou serviço adquirido, ou seja, que estes não sejam utilizados como objetos
que atuem no processo produtivo. Imagine-se, como exemplo, a empresa que contrata a prestação de
serviços de limpeza ou que compra do fornecedor os uniformes para vestir seus funcionários.

A coletividade de pessoas
A segunda vertente do tema é caracterizada pela coletividade de pessoas, ainda que não possam
ser individualizadas, desde que tenham participado de qualquer forma de uma relação de consumo,
ou seja, das pessoas que de um modo geral são potenciais consumidoras de produtos ou serviços
colocados no mercado, analisadas enquanto grupo ou entre coletivo.
O ponto de partida dessa ampliação da noção de consumidor encontra-se na observação de que
muitas pessoas, mesmo sem ser parte em um contrato regido pelo CDC, podem ser atingidas ou preju-
dicadas pelas atividades desenvolvidas pelo mercado (MARQUES, 1998, p. 154).
A proteção da coletividade se mostra importante quando se imagina a potencialidade dos danos
causados pela ingestão de um medicamento ou alimento nocivo à saúde, ou ainda pela aquisição de um
veículo com graves problemas em seu sistema de freios (GRINOVER, 1998, p. 32), situações que impõe
uma atuação preventiva por parte do Estado, e porque não de outros legitimados como o Ministério
Público (MP), as Associações de Defesa do Consumidor (ADCON) e os Programas de Orientação e
Proteção do Consumidor (Procons), de modo a evitar ou pelo menos minimizar as consequências que
poderão advir de tais situações.

O consumidor by stander
A figura do consumidor by stander foi trazida para o direito brasileiro pelo CDC, cuja noção
encontra-se prevista no artigo 17 da referida lei, ao ditar que “para os efeitos desta seção, equiparam-se
aos consumidores todas as vítimas do evento”.

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Delimitando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor | 19

A expressão é oriunda dos países da common law1, sendo utilizada para referir-se àqueles que,
não sendo partes no contrato, mesmo sem ter qualquer relação com o “adquirente, com o usuário ou
com o próprio produto” (PASQUALOTTO, 1997, p. 79), foram lesados por este (ROCHA, 2000, p. 70).
Desse modo, basta que alguém que não faz parte no negócio seja lesado pelo produto ou serviço
que é objeto de relação de consumo, para que tenha direito a ser tutelado na posição de consumidor
(MARQUES, 1998, p. 156), sendo que não se pode negar que é louvável o surgimento dessa categoria
de consumidores por equiparação, justificada por conta da elevação da quantidade e gravidade dos
acidentes de consumo (NOVAIS, 2001, p. 138).
Como exemplo de consumidor by stander pode-se imaginar a hipótese de choque elétrico sofrido
por quem não comprou o eletrodoméstico que entrou em curto-circuito ou o atropelamento de um
pedestre que caminhava à margem de rodovia pedagiada que tenha sido entregue à administração da
iniciativa privada, em acidente causado pela má conservação da pista de rolamento.
Exemplos concretos de consumidor by stander são colhidos no Superior Tribunal de Justiça (STJ),
que reconheceu como tal a vítima de um acidente ocorrido em uma empresa de fogos de artifício da
qual não era cliente (REsp 181.580/SP) e ainda o proprietário de uma casa que fora destruída por avião
que prestava serviços remunerados (REsp 540.235/TO), cuja ementa merece ser transcrita, ao menos em
parte: “resta caracterizada relação de consumo se a aeronave que caiu sobre a casa das vítimas realizava
serviço de transporte de malotes para um destinatário final”.

O consumidor exposto a práticas comerciais


Por fim, cumpre destacar que a quarta modalidade de consumidor prevista na lei é a que assim
considera aqueles que são expostos às práticas comerciais, norma de bastante utilidade, eis que no
mundo atual a regra é a de contratação por via de adesão às minutas previamente elaboradas pelos
fornecedores.
Entre os exemplos que podem ser imaginados, têm-se as cláusulas abusivas em contratos
unilateralmente redigidos, por exemplo, determinando a perda total das parcelas pagas em caso de falta
de pagamento das últimas prestações ou declarando a ausência de responsabilidade do fornecedor
por vícios que o produto contenha. Pode-se imaginar ainda a venda casada enquanto prática abusiva
vedada pela lei, como no caso em que o fornecedor só vende o apartamento caso o consumidor compre
também toda a mobília para o mesmo junto àquele ou outro fornecedor indicado pelo vendedor.
Fato é que essa regra, prevista no artigo 29 do CDC, ultrapassa os limites jurídicos da conceituação
do consumidor, de modo a imprimir uma noção nascida na política legislativa em razão da necessidade
de repreensão do abuso do poder econômico (MARQUES, 1998, p. 157), tão frequente nas sociedades
capitalistas.

A outra face da moeda: caracterização do fornecedor


Para a adequada delimitação da relação de consumo, falta ainda compreender quem é o
fornecedor. De acordo com o artigo 3.º do CDC, “fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou

1 O sistema da common law é aquele que rege o direito norte-americano e o direito inglês, e se caracteriza, em essência, pela
inexistência de leis escritas e pela elevada força que tem os precedentes judiciais.

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20 | Delimitando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor

privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades
de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou
comercialização de produtos ou prestação de serviços”; delimitando ainda as noções de produto, como
“qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial” e de serviço, como “qualquer atividade fornecida
no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de
crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista”.
Observa-se, finalmente, que é irrelevante a forma como é desenvolvida a atividade de forneci-
mento, não importando, nem mesmo, se o negócio chegou ou não a ser concluído, bastando, apenas,
que sejam oferecidos produtos ou serviços ou simplesmente elaborado um cadastro visando à atividade
futura, sendo desnecessário mesmo que o fornecedor seja pessoa jurídica, pois até mesmo os entes
despersonalizados deverão obedecer ao conteúdo normativo previsto pelo CDC (GAMA, 1999, p. 22).

A autonomia privada: um instrumento


de satisfação de necessidades da pessoa humana
A ideia de autonomia da vontade reinou durante séculos enquanto vontade livre, dirigida
pelo próprio indivíduo na condução de seu destino, sem a ingerência de qualquer influência externa
imperativa. Aliás, em verdade, frisa-se que mesmo no ápice do liberalismo, esse poder não era absoluto,
encontrando limites na ordem pública e nos bons costumes (GOMES, 1995, p. 24).
Mais recentemente, o surgimento de novas práticas comerciais e especialmente o aparecimento
dos contratos em massa limitaram a possibilidade de escolha, quer de quem se pretende eleger como
parceiro negocial, quer ainda, do conteúdo do contrato a ser ajustado, fato este que, uma vez detectado
pelo legislador, motivou uma maior participação do Estado, visando à proteção daquele que se encontra
em situação de desigualdade.
A partir da aferição dos problemas suscitados, a autonomia da vontade recebe novos contornos,
e agora, denominada autonomia privada, sintetiza-se no poder dado à pessoa de autorregulamentar
seus próprios interesses (SARMENTO, 2005, p. 188), a ser exercido de modo a não ferir as premissas
resguardadas pela boa-fé objetiva, pelo equilíbrio material e pela função social do contrato, respeitando,
desse modo, os ideais de justiça comutativa abarcados no texto constitucional (DONNINI, 2000, p. 73).
Ratifica-se: a autonomia privada consiste no feixe de comportamentos que o indivíduo está
autorizado a adotar sem que haja ingerência estatal (BOBBIO, 2003, p. 91), no poder atribuído a cada
pessoa de regular seus interesses, delimitando as normas de seu próprio comportamento (AMARAL,
2002, p. 77-78), poder esse a ser exercido não apenas por motivos egoístas, mas especialmente em
razão dos interesses sociais; e não se deve pensar, diante dessa premissa, em supressão ou restrição
da autonomia privada, mas sim na sua proteção, pois a intervenção estatal tem por objetivo precípuo
permitir o desenvolvimento da pessoa humana.
Como se observa, a autonomia privada nada mais é que um instrumento que permite aos indi-
víduos alcançarem a concreção no mundo real dos principais direitos que estão garantidos na Cons-
tituição Federal (CF), servindo como mecanismo que possibilita a satisfação de interesses individuais,
econômicos ou não, e por conta disso, deve ser lida como expressão da concretização do princípio da

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Delimitando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor | 21

dignidade da pessoa humana (LEONARDO, 2003, p. 73), ou seja, como um instrumento hábil a promover
o livre desenvolvimento da personalidade de cada membro do corpo social.
Partindo-se da premissa de que a intervenção apenas será justificada quando os negócios
jurídicos ocuparem “territórios socialmente sensíveis” (LORENZETTI, 1998, p. 540), é que o CDC assume
relevância, haja vista que as desigualdades entre consumidores e fornecedores são patentes. Desse
modo, diante da manifesta assimetria de poder entre os destinatários da lei: de um lado, o fornecedor
com elevado grau de especialização e informação, de outro, o consumidor isolado e vulnerável, é que
resta justificada a proteção desses.
Salienta-se ainda que, em linhas gerais, os consumidores e fornecedores detêm amplo poder de
contratar, por conta do valor e da amplitude garantida pelo sistema à livre manifestação de vontade,
bastando observar, de um modo geral, sob pena de invalidade do negócio ajustado (NALIN, 2001,
p. 236) ou da cláusula abusiva contida naquele, os limites impostos pelo ordenamento jurídico: ordem
pública, bons costumes, função social, boa-fé objetiva, equilíbrio material etc.
Em verdade, por conta dos abusos cometidos no passado, foi necessário criar um sistema
de defesas e garantias de modo a impedir que os fracos sejam explorados pelos fortes, bem como,
para assegurar o predomínio dos interesses sociais sobre os individuais e desse modo, os princípios
tradicionais, severos e individualistas sofreram frequentes derrogações em proveito da justiça contratual
e da interdependência das relações entre os homens (ANDRADE, 1949, p. 111).
Atualmente, a autonomia privada pode ser partida em três esferas de poder (MARQUES, 1998, p. 45):
a) a liberdade de contratar ou abster-se de contratar;
b) a liberdade de escolher o parceiro contratual;
c) o poder de fixar o conteúdo e os limites das obrigações; de exprimir a vontade da forma
que desejar.
Ocorre que nem sempre esse poder poderá ser exercido de modo livre e consciente, e é daí
que surge a necessidade de leis como o CDC, que cria limites para impedir que um dos contratantes
imponha sua vontade sobre a do parceiro negocial, equilibrando assim, o papel das vontades de cada
uma das partes.
No primeiro caso, visualize se é possível eleger com quem contratar o fornecimento de serviços
essenciais como água e energia elétrica, principalmente, quando essa atividade é exercida por apenas
uma empresa, fato bastante comum em território brasileiro. Nesses casos, pode-se até mesmo sustentar
que existe verdadeiro dever de contratar, pois é quase inconcebível que alguém possa ter mínimas
condições de viver com dignidade sem esses serviços essenciais.
Na segunda hipótese, nem sempre é possível escolher o parceiro no contrato ou mesmo que
isso seja possível, todos os produtos ou serviços colocados no mercado são tão semelhantes, que será
indiferente escolher um ou outro. Como exemplo, pode ser lembrado o serviço de telefonia celular,
cujas informações são tão complexas e tão semelhantes como facilmente se observa da análise da
publicidade efetuada pelas diferentes empresas que atuam no ramo, a ponto de se sustentar que
inexiste diferença entre a opção por uma ou outra operadora, ou seja, não há liberdade de escolha
quando o que há para se escolher é igual, ou no mínimo, muito semelhante.
Enfim, quanto ao poder de estabelecer o conteúdo do negócio jurídico, não se nega que a prolife-
ração das condições gerais dos contratos, inseridas em contratos a serem pactuados por adesão, ou seja,

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22 | Delimitando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor

a multiplicação de negócios que são ajustados mediante a imposição da vontade do fornecedor sobre a
do consumidor, por trazer as cláusulas de maneira preestabelecida em uma minuta padrão, como acon-
tece nos contratos de compra e venda de eletrodomésticos, de seguro e de transporte de passageiros,
entre tantos outros, acaba limitando o poder de escolha do polo mais fraco da relação jurídica.
Desse modo, considerando que o contrato é “um elo que, de um lado, põe o valor do indivíduo
como aquele que o cria, mas de outro lado estabelece a sociedade como o lugar onde o contrato vai ser
executado e onde vai receber uma razão de equilíbrio e medida” (REALE, 1986, p. 10), não se pode negar
a importância de limitar o poder da parte mais forte, de modo a permitir que a vontade manifestada por
pessoas que são naturalmente desiguais, seja sopesada como se elas tivessem o mesmo poder.

Atividades
1. O que é autonomia privada e qual sua importância na sociedade?

2. O que se faz necessário para a caracterização da relação de consumo?

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3. Quantos são e onde estão localizados os conceitos de consumidor previstos na Lei 8.078/90?

4. Certa empresa publicou, em um jornal de grande circulação, um anúncio contendo a oferta de


fornos de micro-ondas por preço proporcional e convidativo, sem, contudo, indicar o número
de unidades disponíveis. Inúmeros consumidores correram até a loja, mas o estabelecimento
comercial, alegando que a publicidade foi veiculada com erro no preço e que não dispunha
de aparelhos para atender à demanda, recusou-se à venda pelo preço anunciado. Isso posto, é
correto afirmar que:
a) Não se aplica a esse caso o CDC, pois, não houve a conclusão de nenhum contrato.
b) Os consumidores nesse caso devem ser vistos como consumidores stricto sensu e somente
poderão ajuizar ações individuais.
c) Há relação de consumo, porque as vítimas da publicidade enganosa são consumidores na
categoria by stander.
d) O caso se resolve pelo disposto no artigo 29 do CDC, porque no caso, tratam-se de pessoas
expostas à publicidade e a práticas comerciais abusivas.

Para refletir
Será que o CDC ao proteger o consumidor viola o princípio constitucional da isonomia, que
determina que todos devam ser tratados como iguais perante a lei?

Dica de estudo
A obra retrata de modo claro os conceitos de consumidor e de fornecedor, exemplificando
inúmeras hipóteses de caracterização da relação de consumo.
MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao CDC: introdução. São Paulo: RT, 2004.

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24 | Delimitando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor

Referências
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BOBBIO, Norberto. Teoria da Norma Jurídica. Tradução de: Fernando Pavan Baptista e Ariani Bueno
Sudatti. São Paulo: Edipro, 2003.
_____. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos. Brasília:
UNB, 1999.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas:
Bookseller, 2002.
CATALAN, Marcos Jorge. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista
Scientia Iuris, Londrina, 2004.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no projeto
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DONNINI, Rogério Ferraz. A Constituição Federal e a concepção social do contrato. In: VIANA, Rui Geraldo
Camargo; NERY, Rosa Maria de Andrade (Org.). Temas Atuais de Direito Civil na Constituição Federal.
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FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
GAMA, Hélio Zaguetto. Curso de Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1995.
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores
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LEONARDO, Rodrigo Xavier. Redes Contratuais no Mercado Habitacional. São Paulo: RT, 2003.
LORENZETTI, Ricardo Luis. Redes contractuales: conceptualización jurídica, relaciones internas de cola-
boración, efectos frente a terceros. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 28, p. 36-37, out./
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NALIN, Paulo. Do Contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-
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NOVAIS, Aline Arquette Leite. A Teoria Contratual e o Código de Defesa do Consumidor. São Paulo:
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PASQUALOTTO, Adalberto. Os Efeitos Obrigacionais da Publicidade no Código de Defesa do Consu-
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PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.

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Delimitando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor | 25

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1977.


ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Responsabilidade Civil do Fornecedor pelo Fato do Produto no
Direito Brasileiro. São Paulo: RT, 2000.
SARMENTO, Daniel. Direitos Fundamentais e Relações Privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

Gabarito
1. A autonomia privada sintetiza-se no poder dado à pessoa de autorregulamentar seus próprios
interesses (SARMENTO, 2005, p. 188), a ser exercido de modo a não ferir as premissas resguardadas
pela boa-fé objetiva, pelo equilíbrio material e pela função social do contrato, respeitando, desse
modo, os ideais de justiça comutativa abarcados no texto constitucional (DONNINI, 2000, p. 73).

A autonomia privada consiste no feixe de comportamentos que o indivíduo está autorizado a


adotar sem que haja ingerência estatal (BOBBIO, 2003, p. 91), no poder atribuído a cada pessoa de
regular seus interesses, delimitando as normas de seu próprio comportamento (AMARAL, 2002,
p. 77-78), poder esse a ser exercido não apenas por motivos egoístas, mas, especialmente, em
razão dos interesses sociais; e não se deve pensar, diante dessa premissa, em supressão ou
restrição da autonomia privada, mas sim na sua proteção, pois a intervenção estatal tem por
objetivo precípuo permitir o desenvolvimento da pessoa humana.

Como se observa, a autonomia privada nada mais é que um instrumento que permite aos
indivíduos alcançar a concreção no mundo real dos principais direitos que estão garantidos na CF,
servindo como mecanismo que possibilita a satisfação de interesses individuais, econômicos ou
não, e, por conta disso, deve ser lida como expressão da concretização do princípio da dignidade
da pessoa humana (LEONARDO, 2003, p. 73), ou seja, como um instrumento hábil a promover o
livre desenvolvimento da personalidade de cada membro do corpo social.

2. Que de um lado haja um consumidor e de outro um fornecedor.

3. São quatro as formas em que o consumidor aparece perante a Lei e são encontradas no CDC,
artigo 2.º, parágrafo único e artigos 17 e 29.

4. D

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26 | Delimitando a aplicação do Código de Defesa do Consumidor

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Vulnerabilidade,
hipossuficiência
e boa-fé objetiva 1

O que são princípios?


Não se pode negar que a técnica adotada pelo legislador responsável pelo CDC difere da seguida
até então pelo direito privado brasileiro, posto que propõe a adoção de sistemas abertos, alcançados
mediante a inserção de normas que não se limitam a ditar a exata conduta a ser seguida pelas partes,
mas sim que dirigem por meio de critérios amplos, o comportamento das partes e a atividade do juiz,
criando parâmetros para a valoração de comportamentos (TEPEDINO, 2000, p. 19).
É imperioso destacar mais uma vez que a leitura das relações de consumo deve partir do contido
na Constituição Federal (CF), haja vista que a Lei Maior acabou assumindo o papel antes reservado ao
Código Civil (CC) na proteção dos indivíduos enquanto seres humanos (NALIN, 2001, p. 101), pois, como
aquela é o centro de todo o sistema jurídico, há de vincular a atividade do intérprete (SICCA, 1999, p. 20)
impondo a este o dever de sempre buscar a solução mais justa para solucionar os problemas surgidos
na esfera dos negócios efetuados sob a proteção do CDC.
Mesmo sem esquecer que o contrato é o mecanismo mais eficaz que se conhece até hoje para
promover a circulação de riquezas, e que por conta disso, estimula toda a cadeia produtiva (ZINN, 2004,
p. 141), há de se ter em conta que a vontade externada pelas partes ao ajustar seu conteúdo, não pode
fugir aos ditames contidos no artigo 170 do texto constitucional (LÔBO, 1999, p. 107), que valoriza a
defesa do consumidor.
1 Parte desta aula é fruto de duas pesquisas outrora realizadas pelo autor, pendentes de publicação, a primeira, junto à editora RT, na
Revista de Direito do Consumidor, cujo título é: “A hermêneutica contratual no CDC”, e a segunda, também aguardando publicação no
segundo volume da obra Repensando o Direito do Consumidor, organizada pela comissão de defesa do consumidor da OAB/PR, denominada:
“Reflexões sobre a leitura dos contratos no CDC à luz de seus princípios”.
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28 | Vulnerabilidade, hipossuficiência e boa-fé objetiva

Resta claro que o CDC se inspirou na Constituição Federal (CF), de modo dúplice, pois absorveu
valores contidos na Lei Maior, entre eles, a preocupação com a dignidade da pessoa humana e com a
proteção do vulnerável, respeitando, desse modo, os direitos fundamentais assegurados aos indivíduos
e, ao mesmo tempo, utiliza-se da mesma técnica legislativa, ao apresentar-se como um sistema aberto,
recheado por diretrizes de natureza principiológica, previstas na lei sob a forma de cláusulas gerais.
Cumpre destacar que tais cláusulas impedem a proliferação de espaços em branco, sem expressa
solução, que poderiam surgir com o passar do tempo e com a mudança de comportamento dos
membros da sociedade.
É importante neste ponto chamar a atenção para a quebra do paradigma interpretativo. Esse
novo modelo determina que caberá ao juiz (CAVALIERI FILHO, 2000, p. 97-108), por conta do espaço
deixado para o exercício de sua criatividade, ditar não apenas a consequência do ato praticado em
desrespeito ao ordenamento, mas criar todo o comando normativo a ser observado pelos contratantes,
por conta da necessidade de preencher a moldura prevista pela lei, mas que encontra-se desprovida
de expressa sanção, ou seja, que está balizada de modo aberto, sem que exista pena prevista de modo
expresso e anterior para a hipótese de sua violação.
A opção legislativa permite a aplicação dos princípios, permitindo ao julgador situar-se a uma menor
distância dos cidadãos, em verdade, transformando-o em efetivo agente político quando lhe outorga
poderes para promover justiça distributiva com fulcro em diretrizes preestabelecidas, o que parece
bastante positivo em um Estado Democrático de Direito que apregoa o acesso à ordem jurídica justa.
Afere-se que o legislador mostrou-se sensível à realidade hoje vivida, optando por conceitos fle-
xíveis como os “usos do lugar”, “circunstâncias do caso”, “equidade”, “desproporção manifesta”, que entre
outras expressões abertas, permitem ao intérprete descer ao plano do concreto (COSTA, 2003, p. 8),
para decidir não mais com base na letra fria da lei, mas, sim, iluminado pelos valores que permeiam as
relações sociais.
É inegável que o Direito do Consumidor, para além de ter sido construído enquanto sistema
aberto se ampara em princípios que auxiliam no processo de interpretação e de concreção da norma
jurídica, sendo relevante destacar, ainda que sucintamente, o que são princípios e qual sua importância
no atual estágio de desenvolvimento da ciência do direito.
Miguel Reale (1977, p. 299) assevera que “princípios são verdades fundantes de um sistema de
conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas”, ideia ratificada
por Rui Portanova (1997, p. 14), ao afirmar que “princípios não são meros acessórios interpretativos [mas
sim] enunciados que consagram conquistas éticas da civilização e, por isso, estejam ou não previstos na
lei aplicam-se cogentemente a todos os casos concretos”.
São assim, normas nascidas nas crenças e convicções da sociedade acerca de seus problemas
fundamentais de organização e convivência (DÍEZ-PICAZO; GULLÓN, 1994, p. 145), concebidas como
padrões vinculantes, que por conta de seu elevado grau de vagueza e indeterminação, necessitam de
ações concretizadoras (CANOTILHO, 1999, p. 1086-1087) para que possam dar a melhor solução para
cada caso concreto que seja levado à interpretação do magistrado, por conta do conflito surgido.
Parece claro, a partir dessa noção, que os princípios devam ser vistos como fontes do direito,
aplicáveis em qualquer procedimento interpretativo e, nesse contexto, qualquer reflexão que ignore
ou mitigue a importância dos princípios para a ciência jurídica há de ser afastada, pois, muitas vezes, as
regras (norma fechada dotada de conduta e sanção) têm nos princípios o ente que lhes dão essência e
que lhes transmite a base necessária para sua justa aplicação diante do caso concreto.
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Vulnerabilidade, hipossuficiência e boa-fé objetiva | 29

Enfim, por meio dos princípios, mormente os consagrados na Constituição, deverá o intérprete,
aferir se o negócio pactuado respeita a “valores existenciais” (LOEWENSTEIN, 1970, p. 390), para somente
em momento posterior, e na necessária presença desse aspecto humanístico, julgar sua eficácia patri-
monial (NALIN, 2001, p. 36).

Todo consumidor é vulnerável?


Durante muito tempo, o Estado Liberal amparou-se no pilar da igualdade formal, não se permi-
tindo ao juiz alterar o negócio pactuado em razão de eventual desequilíbrio na correlação de direitos e
deveres assumidos pelas partes no contrato por elas ajustado, já que esse fazia lei entre as partes.
Rompendo com o paradigma da igualdade, o CDC prevê em seu artigo 4.º, I, que todo consu-
midor é vulnerável, criando-se, a partir dessa premissa, uma série de limites que balizam o exercício
da autonomia privada, atuando ainda na busca do reequilíbrio das obrigações assumidas pelas partes
quando necessário, em homenagem à igualdade material, posto que consumidor e fornecedor, como
visto até aqui, são naturalmente desiguais.
Reafirma-se: todo consumidor é vulnerável, pelo menos, perante o microssistema vigente, e
vulnerável porque faz parte de um grupo heterogêneo e pouco coeso, e que por conta disso, acaba
por se sujeitar às práticas negociais impostas por fornecedores que atuam corporativamente, mesmo
quando agem de modo autônomo, pois, nesses casos, em regra são bastante organizados. Em razão de
tais fatos, a Lei 8.078/90 cria presunção legal (iure et iure) de vulnerabilidade, que segundo Cláudia Lima
Marques (1998, p. 147) divide-se em três espécies: técnica, jurídica e fática.
A vulnerabilidade técnica se explica em razão de o consumidor não possuir conhecimentos
específicos do produto que está adquirindo; a jurídica, por não ter conhecimento jurídico, contábil ou
econômico, que a situação exija; e a fática, nasce do confronto do poder econômico do fornecedor
frente ao consumidor, impondo-lhe preços e condições manifestamente desfavoráveis (MARQUES,
1999, p. 147).
A autora – citada no parágrafo anterior – parece ter razão na tripartição do princípio analisado,
pois é bem provável que os usuários de telefonia celular ou de televisão a cabo não tenham a mínima
ideia de como os dados são transmitidos, e mesmo dos demais detalhes de funcionamento de qualquer
uma das empresas que atuem nos aludidos ramos, ou ainda, como um profissional liberal irá prestar o
serviço contratado (vulnerabilidade técnica); sujeitam-se às cláusulas abusivas contidas em contrato
celebrado por adesão e ainda no caso de litígio normalmente veem como representante do fornecedor
um profissional altamente especializado (vulnerabilidade jurídica); e, por fim, não tem como lutar
isoladamente contra os abusos praticados pelo mercado em razão da formação de monopólios ou
cartéis (vulnerabilidade fática), dificuldade esta que pode manifestar-se em situações mais simples,
como o caso de imposição implícita do foro competente para a apreciação do feito pelo fornecedor,
situação que, aliás, poderá ser conhecida de ofício pelo juiz em razão da proteção dada pelo sistema
ao polo mais fraco da relação negocial, seja porque as normas que compõe o CDC são consideradas de
ordem pública, portanto não podem ser afastadas pela vontade das partes, seja por expressa disposição
da atual redação do artigo 112 do Código de Processo Civil (CPC), que em seu parágrafo único dita que
“a nulidade da cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão, pode ser declarada de ofício pelo juiz,
que declinará de competência para o juízo de domicílio do réu”.
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30 | Vulnerabilidade, hipossuficiência e boa-fé objetiva

Um belo exemplo de reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor é dado pela justiça


mineira, ao decidir que não tem:
[...] qualquer validade ou eficácia a cláusula contratual estipulada em contrato de abertura de crédito em conta corrente,
por adesão, a beneficiar a entidade financeira em prejuízo do cliente, desde que impossibilite ou dificulte o acesso
desse à justiça [e havendo] desequilíbrio entre as partes, gerado pela cláusula de eleição de foro, tem-se a mesma como
inexistente e, nessa hipótese, no lugar de tal cláusula, tem aplicação à regra especial de competência estabelecida pelo
Código de Consumidor, prevalecendo a do domicílio do aderente [...]. (TAMG, Ai 218.224-9)

Fato é que pode até mesmo afirmar-se que a vulnerabilidade do consumidor é sua característica
mais marcante, o que segundo um dos autores do anteprojeto do CDC justifica a existência dessa lei
(BENJAMIN, 1992, p. 8), destacando-se, por fim, que vulnerabilidade não pode ser confundida com o
conceito de hipossuficiência, também importante para as pretensões almejadas pelo microssistema,
salientando-se que esse último conceito se sintetiza pela ampliação da noção do princípio estudado,
por conta de características especiais do destinatário da lei.
A hipossuficiência é assim, a manifestação ampliada da vulnerabilidade, ou uma situação de
exceção que confere ainda mais proteção ao consumidor que se enquadra em tal conceito. Como
exemplo de consumidor hipossuficiente, têm-se as crianças e idosos, esses últimos, muitas vezes, não
resistindo a alguns apelos publicitários, como promoções na venda de medicamentos.
É por ser o consumidor vulnerável que se impõe ao fornecedor uma série de limites no que pertine
ao conteúdo dos contratos de consumo, que se justifica a adoção da responsabilidade objetiva para as
hipóteses de acidentes de consumo, como quer Flávio Tartuce (TARTUCE, 2006, p. 263), ou ainda, que se
explica a possibilidade de ajuizamento de ações coletivas para tutelar seus interesses.

A tríplice função da boa-fé objetiva


A boa-fé objetiva é um dos princípios mais importantes no cotidiano das relações negociais,
devendo rechear todos os negócios jurídicos nascidos da livre vontade manifestada pelas partes. No
Brasil, embora de uso consagrado pela doutrina e jurisprudência, a matéria não encontrou lugar na
codificação civil há pouco enterrada e sua aplicação explícita se deu inicialmente por força do artigo 4.º,
III, e artigo 51, VI, do CDC, ideia hoje ratificada e ampliada pelos artigos 113, 187 e 422 do CC.
Agir de boa-fé significa saber honrar compromissos assumidos, ou mais que isso, implica em um
dever de fidelidade e coerência no cumprimento da expectativa alheia, independentemente da palavra
dada ou do acordo firmado; sintetizando-se na atitude leal, proba e que é legitimamente esperada nas
relações entre homens de bem (MARQUES, 1998, p. 106).
À ideia de boa-fé objetiva deve ser atribuída tríplice função: ela atua como critério hermenêutico
integrativo no processo de interpretação dos negócios jurídicos; como limite ao exercício de direitos; e
como fonte de deveres laterais de conduta (COSTA, 2000, p. 428; AGUIAR JUNIOR, 1995, p. 25), funções
essas que merecem melhor análise.

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Vulnerabilidade, hipossuficiência e boa-fé objetiva | 31

Inicialmente, a boa-fé objetiva impõe ao juiz, quando se defronta com contradições ou obscuri-
dades nas cláusulas negociais especialmente se estas estiverem inseridas em contratos por adesão, o
dever de utilizá-la como parâmetro hermenêutico, imaginando como agiriam outros sujeitos em igual
posição, aferindo-se qual seria o modelo de comportamento ideal.
O princípio em foco atua também como fator que impõe limites ao exercício de direitos subjetivos
e potestativos, posto que visa preservar a integridade das partes, impedindo assim, abusos que possam
desnaturar o equilíbrio entre as prestações, isso significa a aceitação da intervenção de elementos
externos atuando na intimidade da relação jurídica entabulada, limitando os efeitos da vontade
manifestada por cada uma das partes e o exercício dos direitos subjetivos daí derivados (AGUIAR JUNIOR,
1995, p. 24), sendo que aparentemente é aqui que ingressa o comando previsto no artigo 4.º, III, do CDC
na medida em que impõe limites ao exercício da autonomia privada, bem como o artigo 51 da mesma
lei, quando em seu inciso IV afirma ser nula a cláusula que estabeleça obrigação iníqua, abusiva ou que
seja incompatível com a boa-fé.
Desse modo, enquanto atua como norteadora das relações jurídicas, a boa-fé “limita, em certos
casos, o exercício de direitos” (COSTA, 2002, p. 634), destacando-se que tal função é deveras importante,
pois diante dos fenômenos da funcionalização e da massificação do contrato, instrumentalizados
mediante a estandardização das cláusulas contratuais, fizeram-se necessárias novas formas de controle
das cláusulas negociais que, em princípio, à luz da teoria clássica, não poderiam ser objeto de discussão
pelo aderente (AMARAL JUNIOR, 1993, p. 29-30). Saliente-se que a boa-fé, nesse caso, atua ainda como
fonte da teoria dos atos próprios, por exemplo, proibindo comportamentos contraditórios que ao
frustrar a confiança do consumidor, traga prejuízo a este.
Quanto à tripartição do tema em estudo, mencione-se por fim que a boa-fé atua como fonte
de deveres de conduta que se impõe às partes, posto que o princípio em questão é fonte dos deveres
laterais de informação (ALTERINI, 1996, p. 13), de advertência, de conservação, de proteção e de custódia
(TOMASETTI JUNIOR, 1995, p. 16), e ainda dos deveres de cuidado, de aviso e esclarecimento quanto
ao adequado uso da coisa, de prestar contas, de colaboração e cooperação e omissão; que também
poderão ser extraídos dos comandos previstos no CDC.
Como exemplos de deveres laterais pode ser pensado o dever do advogado em não divulgar
dados sigilosos acerca de entrevista anteriormente promovida com cliente traído pelo cônjuge (sigilo),
o imposto ao fornecedor quanto à adequada informação sobre o uso dos produtos comercializados
(informação), o imposto ao credor no que pertine a não dificultar o adimplemento da obrigação (coo-
peração), o que sujeita o lojista a informar sobre problemas físicos no interior de seu estabelecimento
comercial (aviso) e a providenciar o que for necessário para que seus clientes não se tornem vítimas de
eventual acidente de consumo em suas dependências (segurança).
Os tribunais brasileiros têm valorizado dia a dia o papel da boa-fé enquanto fonte de deveres
laterais, como pode ser visto neste julgado bastante didático: o cliente do estabelecimento comercial,
que estaciona o seu veículo em lugar para isso destinado pela empresa, não celebra um contrato de
depósito, mas a empresa que se beneficia do estacionamento tem o dever de proteção, derivado do
princípio da boa-fé objetiva, respondendo por eventual dano (STJ REsp 107.211).
Como se vê, o dever violado nesse caso foi o dever lateral de cuidado ou proteção, na hipótese,
impondo-se à empresa o dever de reparar os danos suportados pelo consumidor.

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32 | Vulnerabilidade, hipossuficiência e boa-fé objetiva

Atividades
1. Qual a importância dos princípios para a solução de problemas na sociedade?

2. Vulnerabilidade e hipossuficiência são a mesma coisa?

3. As partes estão obrigadas apenas àquilo que expressamente se comprometeram no contrato?

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Vulnerabilidade, hipossuficiência e boa-fé objetiva | 33

4. Como um corretor de imóveis poderia utilizar o dever de informar de modo a evitar riscos nos
contratos com seus clientes?

Para refletir
Será que, atualmente, as partes estão obrigadas a observarem apenas o que foi expressamente
ajustado no contrato pactuado de forma escrita ou verbal?
Será que, atualmente, serão válidas todas as cláusulas estipuladas expressamente entre os
contratantes?

Dicas de estudo
As obras a seguir explicam como resolver o problema surgido quando existir a colisão de princí-
pios, analisando ainda de modo detalhado, os preceitos estudados nessa aula.
BARROSO, Luís Roberto (Org.). A Nova Interpretação Constitucional: ponderação, direitos fundamen-
tais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
CATALAN, Marcos Jorge. Descumprimento Contratual: modalidades, consequências e hipóteses de
exclusão do dever de indenizar. Curitiba: Juruá, 2005.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. São Paulo: Método,
2006. V.3.

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34 | Vulnerabilidade, hipossuficiência e boa-fé objetiva

Referências
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São Paulo, n. 14, abr./jun. , 1995.
ALTERINI, Atilio Anibal. Bases para armar la teoría general del contrato en el derecho moderno. Revista
de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 19, jul./set., 1996.
AMARAL JUNIOR, Alberto do. A boa-fé e o controle das cláusulas contratuais abusivas nas relações de
consumo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 6, abr./jun. , 1993.
BENJAMIN, Antonio Herman et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Rio de Janeiro:
Forense,1992.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1999.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas: Booksel-
ler, 2002.
CATALAN, Marcos Jorge. Descumprimento Contratual: modalidades, consequências e hipóteses de
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_____. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista Scientia Iuris, Lon-
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CAVALIERI FILHO, Sérgio. O direito do consumidor no limiar do século XXI. Revista de Direito do
Consumidor, São Paulo, n. 35, jul./set., 2000.
_____. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2000.
COSTA, Dilvanir José da. O sistema da responsabilidade civil e o novo Código. Revista de Informação
Legislativa, Brasília, v. 39, n. 156, out./dez., 2002.
COSTA, Judith Martins. A Boa-fé no Direito Privado. São Paulo: RT, 2000.
_____. Comentários ao Novo Código Civil: do inadimplemento das obrigações. Rio de Janeiro: Forense,
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_____. Mercado e solidariedade social entre cosmos e táxis: a boa-fé nas relações de consumo. In: (Org.).
A Reconstrução do Direito Privado: Reflexos dos Princípios, Diretrizes e Direitos Fundamentais Cons-
titucionais no Direito Privado. São Paulo: RT, 2002.
_____. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no projeto de Código
Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 139, jul./set., 1998.
DÍEZ-PICAZO, Luis; GULLÓN, Antonio. Sistema de Derecho Civil: introducción, derecho de la persona,
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FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
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Vulnerabilidade, hipossuficiência e boa-fé objetiva | 35

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do direito civil. Revista de Informação Legislativa,
Brasília, v. 36, n. 141, jan. /mar., 1999.
LOEWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Barcelona: Ariel, 1970.
MENEZES CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha e. Da Boa-fé no Direito Civil. Coimbra: Almedina, 1984.
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NALIN, Paulo. Do Contrato: conceito pós-moderno em busca de sua formulação na perspectiva civil-
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PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
PORTANOVA, Rui. Princípios do Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1977.
SICCA, Gerson dos Santos. A interpretação conforme à Constituição – verfassungskonforme auslegung –
no direito brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 36, n. 143, jul.-set., 1999.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. São Paulo: Método,
2006.
_____. Direito Civil: lei de introdução e parte geral. São Paulo: Método, 2006, v. 1.
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TEPEDINO, Gustavo. Problemas de Direito Civil Constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2000.
TOMASETTI JUNIOR, Alcides. As relações de consumo em sentido amplo na dogmática das obrigações e
dos contratos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. º 13, jan. /mar., 1995.
ZINN, Rafael Wainstein. O contrato em perspectiva principiológica: novos paradigmas da teoria con-
tratual. In: ARONNE, Ricardo (Org.). Estudos de Direito Civil Constitucional. Porto Alegre: Livraria do
Advogado, 2004.

Gabarito
1. Não se pode negar que a técnica adotada pelo legislador responsável pelo CDC difere da seguida
até então pelo direito privado brasileiro, posto que propõe a adoção de sistemas abertos,
alcançados mediante a inserção de normas que não se limitam a ditar a exata conduta a ser
seguida pelas partes, mas sim que dirigem por meio de critérios amplos, o comportamento das
partes e a atividade do juiz, criando parâmetros para a valoração de comportamentos (TEPEDINO,
2000, p. 19).

Cumpre destacar que tais cláusulas impedem a proliferação de espaços em branco, sem expressa
solução, que poderiam surgir com o passar do tempo e com a mudança de comportamento dos
membros da sociedade.

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36 | Vulnerabilidade, hipossuficiência e boa-fé objetiva

É importante chamar a atenção para a quebra do paradigma interpretativo. Esse novo modelo,
determina que caberá ao juiz (CAVALIERI FILHO, 2000, p. 97-108), por conta do espaço deixado para
o exercício de sua criatividade, ditar não apenas a consequência do ato praticado em desrespeito
ao ordenamento, mas criar todo o comando normativo a ser observado pelos contratantes, por
conta da necessidade de preencher a moldura prevista pela lei, mas que se encontra desprovida
de expressa sanção, ou seja, que está balizada de modo aberto, sem que exista pena prevista de
modo expresso e anterior para a hipótese de sua violação.

A opção legislativa permite a aplicação dos princípios, permitindo ao julgador situar-se a uma
menor distância dos cidadãos, em verdade, transformando-o em efetivo agente político quando
lhe outorga poderes para promover justiça distributiva com fulcro em diretrizes preestabelecidas,
o que parece bastante positivo em um Estado Democrático de Direito que apregoa o acesso à
ordem jurídica justa.

2. O CDC prevê em seu artigo 4.º, I, que todo consumidor é vulnerável, criando-se, a partir dessa
premissa, uma série de limites que balizam o exercício da autonomia privada, atuando ainda na
busca do reequilíbrio das obrigações assumidas pelas partes quando necessário, em homenagem
à igualdade material, posto que consumidor e fornecedor são naturalmente desiguais.

A hipossuficiência é a manifestação ampliada da vulnerabilidade, ou uma situação de exceção


que confere ainda mais proteção ao consumidor que se enquadra em tal conceito. Como exemplo
de consumidor hipossuficiente, têm-se as crianças e idosos, esses últimos, muitas vezes, não
resistindo a alguns apelos publicitários, como promoções na venda de medicamentos.

3. A boa-fé atua como fonte de deveres de conduta que se impõe às partes, posto que o princípio
em questão é fonte dos deveres laterais de informação (ALTERINI, 1996, p. 13), de advertência, de
conservação, de proteção e de custódia (TOMASETTI JUNIOR, 1995, p. 16), e ainda dos deveres
de cuidado, de aviso e esclarecimento quanto ao adequado uso da coisa, de prestar contas, de
colaboração e cooperação e omissão; que também poderão ser extraídos dos comandos previstos
no CDC.

Como exemplos de deveres laterais pode ser pensado o dever do advogado em não divulgar dados
sigilosos acerca de entrevista anteriormente promovida com cliente traído pelo cônjuge (sigilo), o
imposto ao fornecedor quanto à adequada informação sobre o uso dos produtos comercializados
(informação), o imposto ao credor no que diz respeito a não dificultar o adimplemento da
obrigação (cooperação), o que sujeita o lojista a informar sobre problemas físicos no interior de
seu estabelecimento comercial (aviso) e a providenciar o que for necessário para que seus clientes
não se tornem vítimas de eventual acidente de consumo em suas dependências (segurança).

4. Pessoal – resposta no texto, quando versa sobre o princípio da boa-fé objetiva.

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Transparência,
confiança e equidade 1

O princípio da transparência
O princípio da transparência encontra-se previsto de modo explícito no Código de Defesa do
Consumidor (CDC), consoante teor do artigo 31, representando uma grande conquista social, que dita que:
A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em
língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e
origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

A diretriz em foco concretiza-se no dever imposto ao fornecedor de informar o consumidor


acerca de dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação e conteúdo à oferta e às mensagens
publicitárias, ou no dever de veracidade (CUNHA, 1999, p. 72), enquanto corolário da boa-fé objetiva.
Segundo ensina Alcides Tomasetti Junior (1992, p. 53), o princípio da transparência faz alusão a
uma situação informativa favorável à apreensão racional dos impulsos que interferem nas expectativas
e no comportamento do consumidor.
Nesse contexto, será inconcebível, no campo das relações de consumo, que um ato negocial não
seja compreendido desde seu nascimento, por falta de clareza, mormente por conta da capacidade de
persuasão do fornecedor (ROSA, 1995, p. 39).
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), já reconhece a presença desse princípio no ordenamento
jurídico, como se denota desta passagem (REsp. 101.061/PB):
1. Nos contratos regidos pelo Sistema Financeiro da Habitação (SFH) há de se reconhecer a sua vinculação, de modo
especial, além dos gerais, aos seguintes princípios específicos:

1 Parte desta aula é fruto de duas pesquisas outrora realizadas pelo autor, pendentes de publicação, a primeira, junto à editora RT, na Revista
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38 | Transparência, confiança e equidade

a) o da transparência, segundo o qual a informação clara e correta e a lealdade sobre as cláusulas contratuais ajustadas,
deve imperar na formação do negócio jurídico;
b) o de que as regras impostas pelo SFH para a formação dos contratos, além de serem obrigatórias, devem ser
interpretadas com o objetivo expresso de atendimento às necessidades do mutuário, garantindo-lhe o seu direito de
habitação, sem afetar a sua segurança jurídica, saúde e dignidade;
c) o de que há de ser considerada a vulnerabilidade do mutuário, não só decorrente da sua fragibilidade financeira,
mas, também, pela ânsia e necessidade de adquirir a casa própria e se submeter ao império da parte financiadora,
econômica e financeiramente muitas vezes mais forte. [...]

A transparência nasce, em última análise, no direito que o consumidor tem de ser respeitado,
podendo ser invocada como fundamento que autorize a resolução contratual, bem como, para obrigar
o fornecedor a indenizar o consumidor (REIS, 2005, p. 128), especialmente quando implicar no cumpri-
mento inexato da obrigação, hipótese que se manifesta quando o contrato é cumprido, mas o objeto
ou o serviço prestado encontra-se viciado (CATALAN, 2005), como se pode verificar no caso da venda
de um terreno em que foi enterrado há muito tempo lixo tóxico, ou mesmo, em cuja vizinhança será
instalado um aterro sanitário, sem que o comprador saiba de tal fato.
Muitas vezes, o juiz poderá ter ainda que reconstruir a cláusula declarada nula (MARQUES, 1998,
p. 412), aliás, se possível, deverá por força do princípio do favor negotii, no vernáculo, princípio da
conservação do negócio jurídico, como pode ocorrer no caso de um contrato de locação pactuado com
aluguel indexado ao salário mínimo, o que é proibido pelo artigo 17 da Lei 8.245/91, ou na compra e
venda de um imóvel com pagamento ajustado em moeda estrangeira, o que é vedado pelo artigo 318
do Código Civil (CC), invocado aqui em sede de diálogo de complementaridade, se o negócio jurídico a
ser purgado da cláusula viciada, se apresentar enquanto relação de consumo.
Destaca-se, ainda, sobre o assunto, que o aludido princípio se manifesta diante da impossibilidade
de se obrigar o consumidor a obedecer ao conteúdo de cláusulas contratuais que não teve prévia
oportunidade de ler e entender, como ocorre no caso de ausência de informação quanto aos critérios
de reajuste do prêmio mensal a ser pago pelo consumidor que contrata plano de saúde, ou que, se
limitativas de seu direito, não tenham sido grafadas em destaque.

O princípio da confiança
A ideia de confiança está ligada à necessidade de tutela das legítimas expectativas que nascem
entre os contratantes. Para explicar a influência desse princípio, não se pode negar que os motivos da
contratação, quando razoáveis e circunscritos à boa-fé objetiva, integram a relação contratual, prote-
gendo as legítimas expectativas do consumidor, e desse modo, a fidúcia, de um modo geral, tão neces-
sária nas relações comerciais, aqui também é condição essencial ao regular adimplemento das condi-
ções e cláusulas pactuadas entre as partes, cuja leitura deve ser promovida à luz do que o consumidor
razoavelmente poderia esperar do fornecedor, seja em razão do que foi expressamente ajustado entre
partes ou por conta do comportamento assumido pelas partes durante o cumprimento do contrato.
A título de exemplo, pode-se imaginar que uma vez ajustado o pagamento das prestações
devidas por ocasião da compra e venda de imóvel junto à empresa loteadora na sede do fornecedor,
caso este renuncie a esse direito e passe mensalmente a dirigir-se ao domicílio do consumidor para

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Transparência, confiança e equidade | 39

receber as prestações diante da confiança depositada, nas novas circunstâncias negociais, o credor não
mais poderá exigir que a obrigação seja cumprida em sua sede.
É ainda, em razão da confiança depositada pelo consumidor na manutenção dos contratos cativos
de longa duração, que se justifica a impossibilidade da empresa de plano de saúde de impor um prazo
final ao mesmo quando não haja justificada razão para esse ato. Explicando essa última ideia, o Tribunal
de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) decidiu que (Ac. 70004859146):
[...] é vedado à seguradora a negativa de renovação do contrato de assistência médica pela simples justificativa de
ausência de interesse na sua renovação [sendo] necessário seja demonstrada a modificação da natureza dos riscos
assumidos ou da composição do grupo segurado, ônus do qual não se desincumbiu a seguradora [...].

Além disso, frisa-se que o CDC preocupou-se com o cumprimento do referido princípio a ponto
de determinar que o risco é de quem oferta e não daquele que adquire o produto ou o serviço, sendo
também, nesse princípio, que se encontra o fundamento da obrigatoriedade do cumprimento da oferta,
que deve ser obedecida pelo fornecedor em sua exatidão, como se verifica na leitura do artigo 30 do
citado diploma legal:
Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com
relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e
integrar o contrato que vier a ser celebrado.

A inobservância desse princípio pode disparar a sanção para o caso de existência de vício do
produto ou serviço, autorizando o consumidor a devolver o produto e receber o preço pago devidamente
corrigido, a requerer o abatimento proporcional do preço ou ainda a exigir a substituição do produto
ou a reexecução do serviço, consoante previsto no CDC, sem prejuízo da reparação de eventuais
danos materiais ou extrapatrimoniais, nessa última hipótese, desde que haja violação a direito da
personalidade; destacando-se que todo o conteúdo da mensagem publicitária integra o conteúdo do
contrato, especialmente se seus destinatários forem induzidos a acreditar nela.
Sobre o assunto é imperioso destacar que recentíssima decisão proferida pelo TJRS, fora ampliada
a garantia legal para além dos prazos fixados no CDC, fazendo isso em lei em razão da necessidade
de proteção da confiança depositada no cumprimento do contrato de modo adequado, que no caso
específico, não se encerra com a entrega do bem, mas, sim, na certeza de que este será usufruído por
prazo razoável, pois cada produto carrega consigo uma expectativa de durabilidade, a ser aferida em
caso concreto (TJRS. Ap. Cível 70014964498).

A importância do princípio da equidade


no contexto do CDC
Equidade significa, em essência, regra de equilíbrio, de paridade entre as partes, considerando-se
que, naturalmente, consumidor e fornecedor são desiguais, o princípio em comento tem papel especial
no reequilíbrio da relação negocial.
Desse modo, esse importante princípio, em apertada síntese, deve buscar reequilibrar os polos da
relação jurídica, pois o consumidor sempre estará em situação desfavorável, desde a fase pré-contratual

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40 | Transparência, confiança e equidade

em razão da oferta e das mensagens sub-reptícias nela contidas, passando por todo o processo que vai
da conclusão à execução do negócio jurídico, expandindo-se até a fase pós-contratual, impondo-se
nesse caso, por exemplo, o dever do fornecedor manter no mercado por prazo razoável peças de repo-
sição para os bens que produz (obsolescência planejada).
Nessa esteira de reflexão, o referido princípio justifica ainda, a inserção de dispositivos no CDC,
como o que impõe a revisão dos contratos por simples onerosidade, autorizando a modificação das
cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos
supervenientes que as tornem excessivamente onerosas. Destacando-se que sobre o tema em apreço,
Antônio Carlos Efing (2005, p. 63) leciona que na medida em que o contrato apresenta-se como instru-
mento hábil a promover a circulação de riquezas é evidente que o princípio da força obrigatória dos
contratos na sociedade moderna resta mitigado, haja vista a preponderância do interesse social em
detrimento do individual, sendo hialino que a sociedade não possa aceitar posições que violem o equi-
líbrio que há de imperar nas relações negociais.
Não se nega que também viola o equilíbrio material a cláusula que autoriza a possibilidade de
supressão de cláusulas abusivas (EFING, 2005, p. 63) eventualmente contidas no contrato pactuado, nesse
caso, ampliando a força da boa-fé enquanto limite ao exercício inadmissível de posições jurídicas.
De fato, não se pode negar que é com base no princípio da equidade, também denominado
princípio do equilíbrio ou da equivalência material, que fora construída boa parte do rol das cláusulas
abusivas constantes no artigo 51 do CDC, podendo ser lembradas, como exemplo, as que declaram
como nulas as disposições que impliquem em renúncia a direitos inerentes ao negócio entabulado,
limitem o quantum indenizatório, ou ainda afastem os direitos garantidos pela lei especial.
Por fim, merece análise uma decisão recente proferida pelo STJ, que, tendo promovido um diálogo
de exclusão, decidiu que não se aplicam aos contratos subordinados o CDC as regras inerentes à compra
e venda ad corpus (REsp. 436853/DF):
Contrato de compra e venda de imóvel regido pelo CDC. Referência à área do imóvel. Diferença entre a área referida e a
área real do bem inferior a um vigésimo (5%) da extensão total enunciada. Caracterização como venda por corpo certo.
Isenção da responsabilidade do vendedor. Impossibilidade. Interpretação favorável ao consumidor. Venda por medida.
Má-fé. Abuso do poder econômico. Equilíbrio contratual. Boa-fé objetiva.
– A referência à área do imóvel nos contratos de compra e venda de imóvel adquirido na planta regido pelo CDC
não pode ser considerada simplesmente enunciativa, ainda que a diferença encontrada entre a área mencionada no
contrato e a área real não exceda um vigésimo (5%) da extensão total anunciada, devendo a venda, nessa hipótese, ser
caracterizada sempre como por medida, de modo a possibilitar ao consumidor o complemento da área, o abatimento
proporcional do preço ou a rescisão do contrato.
– A disparidade entre a descrição do imóvel objeto de contrato de compra e venda e o que fisicamente existe sob titu-
laridade do vendedor provoca instabilidade na relação contratual.
– O Estado deve, na coordenação da ordem econômica, exercer a repressão do abuso do poder econômico, com o
objetivo de compatibilizar os objetivos das empresas com a necessidade coletiva.
– Basta, assim, a ameaça do desequilíbrio para ensejar a correção das cláusulas do contrato, devendo sempre vigorar a
interpretação mais favorável ao consumidor, que não participou da elaboração do contrato, [devendo ser] consideradas
a imperatividade e a indisponibilidade das normas do CDC.
– O juiz da equidade deve buscar a Justiça comutativa, analisando a qualidade do consentimento.
– Quando evidenciada a desvantagem do consumidor, ocasionada pelo desequilíbrio contratual gerado pelo abuso
do poder econômico, restando, assim, ferido o princípio da equidade contratual, deve ele receber uma proteção
compensatória.

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Transparência, confiança e equidade | 41

– Uma disposição legal não pode ser utilizada para eximir de responsabilidade o contratante que age com notória
má-fé em detrimento da coletividade, pois a ninguém é permitido valer-se da lei ou de exceção prevista em lei para
obtenção de benefício próprio quando este vier em prejuízo de outrem. [...]

Como se afere, lembrando que salvo melhor juízo, o diálogo de exclusão afastaria a aplicação de
regras que contrariem o sistema, não podem ser aplicadas às relações de consumo, as disposições que
regem a compra e venda ad corpus, pois nos contratos de aquisição de imóveis na planta, notadamente
regrados pelo CDC, a referência à área do imóvel não pode ser considerada como meramente enunciativa,
sob pena de provocar instabilidade na relação contratual, especialmente por conta do elevado valor
praticado pelo mercado na comercialização do metro quadrado de construção.

Atividades
1. Qual a importância do princípio da transparência e quais as consequências de sua violação por
parte do fornecedor?

2. O consumidor tem direito a tudo aquilo que razoavelmente espera do produto adquirido e não
apenas ao que foi expressamente ajustado. Discorra sobre essa afirmação a partir de um contrato
de compra e venda e de um contrato de locação.

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42 | Transparência, confiança e equidade

3. O princípio da equidade autoriza a revisão dos contratos para corrigir eventual desequilíbrio ou
impera a regra de que o contrato faz lei entre as partes?

4. Se a lei proíbe que um contrato de locação tenha como uma de suas cláusulas o pagamento de
aluguel em moeda estrangeira, como solucionar esse problema mantendo o contrato, já que o
locatário precisa de um teto para morar?

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Para refletir
O contrato faz mesmo lei entre as partes?
O consumidor tem direito de exigir o cumprimento da oferta formulada?

Dicas de estudo
As obras a seguir levam o leitor a refletir sobre a necessidade de proteção do polo mais fraco da
relação jurídica, mediante uma análise do direito privado à luz da Constituição.
BRAMBILA, Silvio. O sistema do código civil e do CDC e as limitações impostas à liberdade de contratar.
In: CANEZIN, Claudete Carvalho (Coord.). Arte Jurídica: biblioteca científica de direito civil e processo
civil da Universidade Estadual de Londrina. Curitiba: Juruá, 2005. v. 2.
SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: contratos. São Paulo: Atlas, 2005.
TARTUCE, Flávio. A Função Social dos Contratos: do CDC ao novo código civil. São Paulo: Método,
2005.

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44 | Transparência, confiança e equidade

Referências
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas: Bookseller,
2002.
CATALAN, Marcos Jorge. Descumprimento Contratual: modalidades, consequências e hipóteses de
exclusão do dever de indenizar. Curitiba: Juruá, 2005.
_____. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista Scientia Iuris, Lon-
drina, 2004.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no pro-
jeto de Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 139, jul./set., 1998.
CUNHA, Belinda Pereira da. Antecipação da Tutela no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo:
Saraiva, 1999.
EFING, Antônio Carlos. Revisão contratual no código de defesa do consumidor e no novo Código Civil.
In: CAPAVERDE, Aldaci do Carmo; CONRADO, Marcelo (Org.). Repensando o Direito do Consumidor.
Curitiba: OAB, 2005.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
REIS, Clayton. O dano moral nas relações consumeristas. In: CAPAVERDE, Aldaci do Carmo; CONRADO,
Marcelo (Org.). Repensando o Direito do Consumidor. Curitiba: OAB, 2005.
ROSA, Josimar Santos. Relações de Consumo: a defesa dos interesses de consumidores e fornecedores.
São Paulo: Atlas, 1995.
SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: contratos. São Paulo: Atlas, 2005.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. São Paulo: Método,
2006.
_____. Direito Civil: lei de introdução e parte geral. São Paulo: Método, 2006, v. 1.
_____. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. São Paulo: Método, 2006. v. 3.
TOMASETTI JUNIOR, Alcides. O objetivo da transparência e o regime jurídico dos deveres e riscos de
informação nas declarações negociais para consumo. Revista de Direito do Consumidor, n. 4. São
Paulo: RT, 1992.

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Transparência, confiança e equidade | 45

Gabarito
1. O princípio da transparência encontra-se previsto de modo explícito no CDC, consoante teor do
artigo 31, representando uma grande conquista social.

A diretriz em foco concretiza-se no dever imposto ao fornecedor de informar o consumidor acerca


de dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação e conteúdo à oferta e às mensagens
publicitárias, ou no dever de veracidade (CUNHA, 1999, p. 72), enquanto corolário da boa-fé
objetiva.

A transparência nasce, em última análise, no direito que o consumidor tem de ser respeitado,
podendo ser invocada como fundamento que autorize a resolução contratual, bem como para
obrigar o fornecedor a indenizar o consumidor (REIS, 2005, p. 128), especialmente quando implicar
no cumprimento inexato da obrigação, hipótese que se manifesta quando o contrato é cumprido,
mas o objeto ou o serviço prestado encontra-se viciado (CATALAN, 2005), como se pode verificar
no caso da venda de um terreno em que foi enterrado há muito tempo lixo tóxico, ou mesmo, em
cuja vizinhança será instalado um aterro sanitário, sem que o comprador sabia de tal fato.

Muitas vezes, o juiz poderá ter ainda que reconstruir a cláusula declarada nula (MARQUES, 1998,
p. 412), aliás, se possível, deverá, por força do princípio do favor negotii, no vernáculo, princípio da
conservação do negócio jurídico, como pode ocorrer no caso de um contrato de locação pactuado
com aluguel indexado ao salário mínimo, o que é proibido pelo artigo 17 da Lei 8.245/91, ou na
compra e venda de um imóvel com pagamento ajustado em moeda estrangeira, o que é vedado
pelo artigo 318 do CC, invocado aqui em sede de diálogo de complementaridade, se o negócio
jurídico a ser purgado da cláusula viciada, se apresentar enquanto relação de consumo.

Destaca-se ainda, sobre o assunto, que o aludido princípio manifesta-se diante da impossibilidade
de se obrigar o consumidor a obedecer ao conteúdo de cláusulas contratuais que não teve prévia
oportunidade de ler e entender, como ocorre no caso de ausência de informação quanto aos
critérios de reajuste do prêmio mensal a ser pago pelo consumidor que contrata plano de saúde,
ou que, se limitativa de seu direito, não tenham sido grafadas em destaque.

Como se observa, a autonomia privada nada mais é que um instrumento que permite aos
indivíduos alcançar a concreção no mundo real dos principais direitos que estão garantidos na CF,
servindo como mecanismo que possibilita a satisfação de interesses individuais, econômicos ou
não, e por conta disso, deve ser lida como expressão da concretização do princípio da dignidade
da pessoa humana (LEONARDO, 2003, p. 73), ou seja, como um instrumento hábil a promover o
livre desenvolvimento da personalidade de cada membro do corpo social.

2. Pessoal – resposta no tópico que trata do princípio da confiança.

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46 | Transparência, confiança e equidade

3. Equidade significa, em essência, regra de equilíbrio, de paridade entre as partes, considerando-se


que, naturalmente, consumidor e fornecedor são desiguais, o princípio em comento tem papel
especial no reequilíbrio da relação negocial.

Nessa esteira de reflexão, o referido princípio justifica, ainda, a inserção de dispositivos no CDC,
como o que impõe a revisão dos contratos por simples onerosidade, autorizando a modificação
das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão
de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas, destacando-se que sobre o
tema em apreço, Antônio Carlos Efing (2005, p. 63) leciona que na medida em que o contrato
apresenta-se como instrumento hábil a promover a circulação de riquezas é evidente que o
princípio da força obrigatória dos contratos na sociedade moderna resta mitigado, haja vista a
preponderância do interesse social em detrimento do individual, sendo hialino que a sociedade
não pode aceitar posições que violem o equilíbrio que há de imperar nas relações negociais.

Não se nega que também viola o equilíbrio material a cláusula que autoriza a possibilidade
de supressão de cláusulas abusivas (EFING, 2005, p. 63), eventualmente contidas no contrato
pactuado, nesse caso, ampliando a força da boa-fé enquanto limite ao exercício inadmissível de
posições jurídicas.

4. No caso específico, afasta-se a cláusula nula e em homenagem ao princípio da conservação do


negócio jurídico, o juiz deverá construir uma cláusula que fixe preço justo, podendo ter como
parâmetro a cotação da moeda no dia do ajuste ou do vencimento.

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Os direitos básicos
do consumidor
O conflito entre a teoria finalista
e a maximalista e a orientação do Superior Tribunal de Justiça
Como dar uma resposta satisfatória para a hipótese em que um aluno e um professor adquirem,
ao mesmo tempo, e no mesmo estabelecimento, canetas idênticas, este para corrigir suas provas,
portanto, em princípio utilizando o objeto para desenvolver sua atividade profissional, e aquele para
estudar, sendo destinatário final fático na cadeia de consumo; canetas estas que, por conta de defeito
de fabricação, vazam tinta que mancham as vestes dos dois destacados personagens, causando-lhes os
mesmos prejuízos de ordem material (NUNES, 2000, p. 77-89).
Esse problema de destinação diversa de um mesmo objeto pode ser visto ainda na aquisição
de combustível, que tanto pode ser utilizado para abastecer um automóvel para uma viagem de lazer,
como para encher o tanque de outro carro que é utilizado na atividade econômica de uma empresa de
transporte de passageiros, ou mesmo, na utilização de energia elétrica, que é exatamente a mesma em
uma residência familiar e em uma empresa que atua no ramo imobiliário e que precisa desse bem para
atender adequadamente seus clientes e movimentar parte de sua estrutura.
Como se observa, a caracterização da relação de consumo precisa ser elucidada neste momento,
mormente, quando da análise da pessoa jurídica ou dos empresários enquanto consumidores, pois
existe ainda hoje, quase duas décadas após a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor
(CDC), divergência quanto ao sentido da expressão destinatário final; noção essencial para efeito de
aplicação da citada Lei. A discussão é travada entre três principais correntes.
Os defensores da tese maximalista atribuem interpretação extensiva à ideia, sustentando que a
expressão destinatário final se divide em destinatário fático e destinatário econômico (BESSA, 2007, p. 54).

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48 | Os direitos básicos do consumidor

Escoram suas ideias na premissa que dita que a aquisição de um bem ou serviço caracteriza a relação,
sendo irrelevante se o objeto ou a atividade tenham sido contratados pelo particular ou para ser
utilizados em uma atividade econômica ou profissional (ANDRIGHI, 2004, p. 6). Afirma-se desde já que a
adesão a essa linha de pensamento é minoritária, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência.
Por sua vez, os finalistas defendem sua tese a partir do destino dado ao objeto da prestação
desempenhada, distinguindo-o de um lado em bem de consumo e do outro como insumo, esse último,
caracterizado por aqueles bens que serão transformados ou que serão necessários à transformação
de outros no processo produtivo, como ocorre no caso de aquisição de tecido por certa empresa, para
confeccionar camisas ou calças, e ainda, da energia elétrica necessária para o funcionamento das suas
máquinas. Tal corrente sustenta que se aplica o CDC quando o bem adquirido não seja transformado ou
incorporado a outro, mas sim seja utilizado instrumentalmente, como é o caso de computadores e de
todo o material de escritório utilizado em uma imobiliária (PASQUALOTTO, 2005, p. 134).
A terceira corrente é ainda mais restritiva, sendo sua precursora a professora Cláudia Lima Marques,
e é conhecida por teoria do finalismo aprofundado, por meio da qual a vulnerabilidade do consumidor
deverá ser analisada em concreto quando este for uma pessoa jurídica (2002, p. 347-353). Nesse condão,
considerando-se que o CDC é uma lei para desiguais, há de se ter cautela para aplicá-lo em uma relação
jurídica negocial existente entre duas empresas, especialmente por conta dos princípios sobre os
quais foram construídas as fundações do Código Civil (CC), que garante tratamento justo e equitativo
a todos os participantes da relação jurídica (MARQUES, 2005, p. 74), mas que não se esquece que é
uma lei para solucionar problemas surgidos no âmbito dos contratos entre iguais. Saliente-se que essa
pesquisa constatou que as últimas decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) seguem essa vertente
doutrinária, como se observa do seguinte julgado:
A jurisprudência do STJ tem evoluído no sentido de somente admitir a aplicação do CDC à pessoa jurídica empresária
excepcionalmente, quando evidenciada a sua vulnerabilidade no caso concreto; ou por equiparação, nas situações
previstas pelos artigos 17 e 29 do CDC. [...]. (AgRg no REsp 687.239 / RJ)

As principais dúvidas ecoam no conflito entre as duas últimas teorias apontadas, não se podendo
afirmar que uma prevalece sobre a outra, mas que a nosso ver ambas se complementam.
Nesse condão, aparentemente alguns autores, a partir da análise teleológica da questão,
sustentam que o Poder Judiciário deverá reconhecer a vulnerabilidade da pequena empresa e dos
profissionais liberais quando esses adquirem produtos ou serviços que fogem da sua esfera de
especialidade, aplicando por consequência o CDC (LIMA, 2003, p. 61), tese essa que em princípio
responde as questões suscitadas no início deste capítulo e que versam sobre a aquisição de um
mesmo produto ou serviço por pessoa natural e jurídica, dando aos mesmos idênticos tratamentos.
Nesse sentido, há um julgado interessante proferido no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que
equipara o pequeno agricultor, considerado como empresário pelo CC, a consumidor, na hipótese desse
ter adquirido adubo para preparar o plantio da safra futura, considerando ainda que aquele consumiu
o bem comprado (REsp 208.793).
Uma outra resposta interessante à apontada crise é dada pela professora Heloísa Carpena (2004,
p. 29-48) ao defender que quando o bem adquirido ou o serviço contratado for considerado essencial,
como é o caso de fornecimento de água e de energia elétrica, especialmente se exercidos por meio
de monopólio, o consumidor, seja ele pessoa física ou jurídica, será sempre vulnerável, em razão da
imprescindibilidade do serviço.

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Os direitos básicos do consumidor | 49

Como se afere do debate trazido à análise, a resposta para a questão, que busca aferir qual a
melhor ideia de destinatário final e o campo de aplicação do CDC, ainda está por ser encontrada.

Os direitos básicos do consumidor


Superadas as dúvidas iniciais acerca do âmbito de atuação do CDC, bem como, promovida uma
profunda análise de sua principiologia, e, da melhor forma de interpretar a lei estudada, cumpre, a partir
de agora, promover um longo passeio pelas estradas que singram o direito do consumidor, viagem essa
que começa na análise de seus direitos básicos, previstos expressamente no artigo 6.º da Lei 8.078/90.
Desse modo, frisa-se, inicialmente, se o consumidor tem direito “a proteção da vida, saúde e
segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados
perigosos ou nocivos”, consoante dita o inciso I, do citado artigo, resta claro o papel do fornecedor no
que pertine ao dever de evitar que os produtos e serviços que põe à disposição do mercado causem danos
aos consumidores, e se houver qualquer risco, cumpre àquele, informar de modo ostensivo sua existência,
como se observa na publicidade de cigarros, bebidas alcoólicas, remédios e pesticidas em geral.
A esse respeito, pode-se pensar ainda que no caso de alienação de determinado bem imóvel,
deverá o agente imobiliário, informar previamente ao consumidor se a construção erigida sobre o
terreno possui defeitos, e ainda, por exemplo, se a água do córrego que corre tranquilo em uma das
linhas divisórias dessa propriedade é ou não potável.
O consumidor também tem direito, por força do inciso II do mesmo artigo, “à educação e divulgação
sobre o consumo adequado dos produtos e serviços [sendo-lhe] assegurada a liberdade de escolha e a
igualdade nas contratações”, e dessa forma, parece que violaria essa regra a cobrança de preços distintos
na oferta de imóvel para locação, formulada por empresa do ramo imobiliário, quando um dos potenciais
locatários seja um estudante, e o outro, um profissional com algumas décadas de vida.
Os manuais de instrução que hodiernamente acompanham qualquer eletrodoméstico, bem
como os selos que dizem que o produto consome certa quantidade de energia elétrica são outros dois
belos exemplos dos efeitos práticos que são observados no dia a dia e nascem desse dispositivo legal.
Ato contínuo, ao dispor o inciso III do citado artigo que o consumidor tem direito “à informação
adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade,
características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentam”, parece que,
por exemplo, a incorporadora ou o empreiteiro que vende um imóvel na planta, obriga-se a informar
o prazo máximo de conclusão da obra, bem como, se for o caso, qual é a taxa de juros cobrada em razão
do financiamento para a aquisição do imóvel na planta.
Aproveita-se o exemplo para questionar se a cobrança de juros nessa hipótese é lícita, já que
não há empréstimo que justifique a incidência de juros compensatórios nessas situações, como tem
decidido o STJ, respeitando assim o contido no item 14 da portaria 3 da Secretaria de Direito Econômico,
editada em 2001, que dispõe que cláusula que estabeleça a cobrança de juros antes da entrega das
chaves no contrato de compra e venda é nula.

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50 | Os direitos básicos do consumidor

Ademais, esse dever de informar vai além, impondo ao fornecedor o dever de comunicar
àquele que se propõe a comprar o bem ofertado, se a área em que o apartamento ou a casa estão
localizados é afetada por enchentes ou excessiva criminalidade, obrigando-se ainda, se da publicidade
constar promessa de instalação de rede elétrica, de água, de esgoto etc., mesmo que tais obrigações
não constem expressamente da minuta assinada pelas partes, também conhecida por compromisso
particular de compra e venda, a observar o dever jurídico assumido, que uma vez não cumprido,
autoriza o consumidor a resolver o contrato e a postular, além da devolução de eventual quantia paga,
indenização por eventuais perdas e danos.
Aliás, esse último exemplo poderia ilustrar ainda a hipótese prevista no inciso IV da norma
comentada, pois ao determinar que ao consumidor também é garantida “a proteção contra a publicidade
enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas
abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços”, impõe ao fornecedor o dever de honrar
tudo aquilo que prometeu, mesmo que sua intenção seja apenas a captação de clientes.
A respeito dessa regra, salienta-se também que cláusula que determine a perda total da quantia
paga pelo consumidor que não pode quitar o financiamento do imóvel será considerada como não
escrita, posto que se trata de cláusula abusiva.
Por sua vez, o inciso V do artigo analisado dita que o consumidor tem direito “à modificação
das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de
fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”, garantindo àquele o direito de rever os
contratos pactuados sempre que estes lhe obriguem ao pagamento de prestações desproporcionais,
situação bastante comum nos contratos firmados junto ao Sistema Financeiro da Habitação (SFH).
De fato, no mercado imobiliário para consumo, não há como se negar a integral aplicação do
CDC, pois é impossível não qualificar como fornecedoras as empresas que trabalham no ramo de incor-
poração imobiliária, de construção, e ainda dos agentes financeiros (LEONARDO, 2003, p. 178). E desse
modo, na medida em que a função social do contrato está intimamente ligada à noção de equilíbrio
entre as prestações assumidas pelas partes, um contrato que onera uma das partes, deve ser revisto
pelo Judiciário (TARTUCE, 2005, p. 96).
Fato é que no Brasil, o CDC rompeu com o dogma da força obrigatória enquanto máxima inquestio-
nável, dispondo que qualquer alteração da base negocial poderá ser utilizada como argumento para a alte-
ração de cláusulas desfavoráveis ao consumidor, sendo necessária apenas a demonstração de que a parte
mais fraca na relação de consumo se viu obrigada a uma prestação desproporcional à vantagem auferida
por conta de fatos ulteriores (TARTUCE, 2003, p. 139) que alteraram a base negocial em seu desfavor.
Por sua vez, os incisos VI e VII são também de elevada importância, pois, o primeiro determina
que o consumidor merece “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais,
coletivos e difusos”, e o segundo garante a efetividade desses direitos ao dispor que àquele está garan-
tido “o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos
patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e
técnica aos necessitados”.
Como se observa, o legislador se preocupou com a promoção de uma tutela preventiva, não
havendo necessidade de que ocorra a violação do direito do consumidor para que esse busque o Poder
Judiciário, bastando a mera possibilidade disso ocorrer. Essas regras, conjugadas, são de grande valia,
por exemplo, autorizando as associações de defesa de consumidores a ajuizar ações visando impedir

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Os direitos básicos do consumidor | 51

propagandas com oferta de venda de lotes em áreas de preservação ambiental, e ainda, buscando a
declaração de nulidade de tais loteamentos, em razão da ofensa ao texto constitucional.
Com amparo no inciso VI, o consumidor teria direito a buscar a exclusão de seu nome dos bancos de
dados restritivos de crédito, que deverão ser tratados pelas empresas a partir do reconhecimento de sua
relevância, visando reabilitar seu crédito e ter divulgados dados condizentes com a mais absoluta verdade
(EFING, 1999, p. 195). Já por meio do citado inciso VII, mais uma vez resta consagrada a tutela conhecida
por inibitória, ou de remoção do ilícito, que visa a atuar sobre a vontade do réu, convencendo-o a praticar
ou a não praticar um ato, para que o ilícito não se verifique, não se repita ou não prossiga (MARINONI,
1998, p. 117), o que aliás, é um dever do juiz e não uma simples faculdade, pois no atual estágio das
garantias constitucionais, as tutelas de urgência possuem relevante papel na promoção da efetividade
da tutela jurisdicional contra toda e qualquer lesão ou ameaça a direito subjetivo (THEODORO JÚNIOR,
2002, p. 46).
A ideia também que impera aqui é a de que ao consumidor é garantida a reparação integral dos
prejuízos que venha a suportar por conta dos produtos e serviços colocados no mercado de consumo
pelo fornecedor, tenha ele suportado prejuízos materiais ou de ordem extrapatrimonial, como pode
ocorrer no caso de acidente de consumo que o impeça de trabalhar e ainda que lhe cause lesão a inte-
gridade psicofísica.
Outra regra deveras importante está prevista no inciso VIII, do artigo ora estudado, diretriz que
assegura ao consumidor o direito a obter em seu favor, a inversão do ônus da prova quando a tese por ele
sustentada tenha elevada aparência de probabilidade fática ou se ele for considerado hipossuficiente;
não se podendo negar que obrigar o consumidor a produzir algumas provas para ter assegurado seu
direito seria o mesmo que negar-lhe esse direito, como ocorre no caso de intoxicação alimentar, cujos
efeitos são patentes, mas as causas de complexa aferição, daí a importância da regra que autoriza o juiz
a determinar a inversão do ônus probatório, impondo ao fornecedor o dever de provar que o alegado
pelo consumidor não ocorreu, ou não ocorreu da forma relatada.

Texto Complementar
Pessoa jurídica pode ser consumidora segundo
orientação do Superior Tribunal de Justiça
1. No que tange à definição de consumidor, a Segunda Seção desta Corte, ao julgar, aos
10.11.2004, o REsp 541.867/BA, perfilhou-se à orientação doutrinária finalista ou subjetiva, de sorte
que, de regra, o consumidor intermediário, por adquirir produto ou usufruir de serviço com o fim
de, direta ou indiretamente, dinamizar ou instrumentalizar seu próprio negócio lucrativo, não se
enquadra na definição constante no art. 2.º do CDC. Denota-se, todavia, certo abrandamento na
interpretação finalista, na medida em que se admite, excepcionalmente, a aplicação das normas do
CDC a determinados consumidores profissionais, desde que demonstrada, in concreto, a vulnerabi-
lidade técnica, jurídica ou econômica.

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52 | Os direitos básicos do consumidor

2. A recorrida, pessoa jurídica com fins lucrativos, caracteriza-se como consumidora intermediária,
porquanto se utiliza dos serviços de telefonia prestados pela recorrente com intuito único de
viabilizar sua própria atividade produtiva, consistente no fornecimento de acesso à rede mundial
de computadores (internet) e de consultorias e assessoramento na construção de home pages, em
virtude do que se afasta a existência de relação de consumo. Ademais, a eventual hipossuficiência da
empresa em momento algum foi considerada pelas instâncias ordinárias, não sendo lídimo cogitar-se
a respeito nesta seara recursal, sob pena de indevida supressão de instância.
3. Todavia, in casu, mesmo não configurada a relação de consumo, e tampouco a fragilidade
econômica, técnica ou jurídica da recorrida, tem-se que o reconhecimento da responsabilidade civil
da concessionária de telefonia permanecerá prescindindo totalmente da comprovação de culpa,
vez que incidentes as normas reguladoras da responsabilidade dos entes prestadores de serviços
públicos, a qual, assim como a do fornecedor, possui índole objetiva (art. 37, §6.º, da CF/88), sendo
dotada, portanto, dos mesmos elementos constitutivos. Nesse contexto, importa ressaltar que tais
requisitos, quais sejam, ação ou omissão, dano e nexo causal, restaram indubitavelmente reconhe-
cidos pelas instâncias ordinárias, absolutamente soberanas no exame do acervo fático-probatório.
4. Por fim, com base na análise do conjunto fático-probatório, principalmente das perícias
realizadas, cujo reexame é vedado nesta seara recursal (Súmula 7 da Corte), entenderam as
instâncias ordinárias que o incêndio que acometeu as instalações telefônicas da concessionária
não consubstancia caso fortuito, não havendo que se falar em excludente da responsabilidade civil
objetiva da recorrente.
5. Diante do exposto, a manutenção da condenação da empresa concessionária de telefonia
é medida de rigor, mesmo que por outros fundamentos, alterando-se tão somente a qualificação
jurídica dos fatos delineados pelas instâncias ordinárias, da responsabilidade consumerista para a
dos entes prestadores de serviço público, ante a identidade e comprovação dos elementos configu-
radores da responsabilização civil, ambas de ordem objetiva, a par de restar comprovada a ausência
de qualquer causa excludente da responsabilidade civil.
6. Com efeito, não se mostraria razoável, à luz dos princípios da celeridade na prestação
jurisdicional, da economia processual, da proporcionalidade e da segurança jurídica, anular-se
todo o processo, equivalente a 05 (cinco) anos de prestação de serviço judiciário, no qual restou
exaustivamente discutida e demonstrada a responsabilidade civil da empresa concessionária de
telefonia, sob pena de se privilegiar indevidamente o formalismo exacerbado em total detrimento
do escopo de pacificação social do processo, mantendo-se situação de instabilidade e ignorando-se
por completo a orientação preconizada pelos modernos processualistas.
7. Recurso Especial não conhecido.
(STJ. REsp. 660.026/RJ, 4.ª Turma, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, julgado em 3.5.2005, DJU
27.06.2005, p. 409)
[...] Ressalto, inicialmente, que se colhe dos autos que a empresa recorrida, pessoa jurídica
com fins lucrativos, caracteriza-se como consumidora intermediária, porquanto se utiliza do serviço
de fornecimento de energia elétrica prestado pela recorrente, com intuito único de viabilizar sua
própria atividade produtiva. Todavia, cumpre consignar a existência de certo abrandamento na
interpretação finalista, na medida em que se admite, excepcionalmente, desde que demonstrada,

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Os direitos básicos do consumidor | 53

in concreto, a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica, a aplicação das normas do CDC. Quer
dizer, não se deixa de perquirir acerca do uso, profissional ou não, do bem ou serviço; apenas, como
exceção e à vista da hipossuficiência concreta de determinado adquirente ou utente, não obstante
seja um profissional, passa-se a considerá-lo consumidor. Ora, in casu, a questão da hipossuficiência
da empresa recorrida em momento algum foi considerada pelas instâncias ordinárias, não sendo
lídimo cogitar-se a respeito nesta seara recursal, sob pena de indevida supressão de instância [...]

(STJ. REsp. 661.145/ES, 4.ª Turma, Rel. Ministro JORGE SCARTEZZINI, julgado em 22.2.2005, DJU 28.03.2005, p. 286)

Atividades
1. Diferencie a teoria finalista da teoria finalista aprofundada a partir dos efeitos práticos de cada
uma dessas linhas de pensamento.

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54 | Os direitos básicos do consumidor

2. Quais são os direitos básicos do consumidor e qual a importância de conhecê-los para o adequado
desempenho das atividades no mercado imobiliário?

3. A inversão dos ônus da prova é uma regra no sistema protetivo criado pelo CDC?

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Os direitos básicos do consumidor | 55

4. O que pode ocorrer caso o fornecedor não esclareça, de modo completo e adequado, o consumidor
com quem contrata, mormente, a partir dos direitos previstos no artigo 6.º do CDC?

Para refletir
Como compatibilizar as correntes maximalista e finalista em busca da adequada proteção do
consumidor?

Dica de estudo
Uma leitura fácil e agradável desse assunto pode ser vista na obra a seguir.
FILOMENO, José Geraldo de Brito. Manual de Direitos do Consumidor. São Paulo: Atlas, 2005.

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56 | Os direitos básicos do consumidor

Referências
ANDRIGHI, Fátima Nancy. O conceito de consumidor direto e a jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça. Revista de Direito Renovar, Rio de Janeiro, n. 29, maio/ago., 2004.
BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor: análise crítica da relação
de consumo. Brasília: Brasília Jurídica, 2007.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas:
Bookseller, 2002.
CARPENA, Heloísa. Afinal, quem é consumidor? Campo de aplicação do CDC à luz do princípio da vulne-
rabilidade. Revista Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, v. 9, jul./set., 2004.
CATALAN, Marcos Jorge. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista
Scientia Iuris, Londrina, 2004.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no pro-
jeto de Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 139, jul./set., 1998.
EFING, Antônio Carlos. Contratos e Procedimentos Bancários à Luz do Código de Defesa do Consu-
midor, Biblioteca de Direito do Consumidor. São Paulo: RT, 1999.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
LEONARDO, Rodrigo Xavier. Redes Contratuais no Mercado Habitacional. São Paulo: RT, 2003.
LIMA, Rogério Medeiros Garcia de. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT,
2003.
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória: individual e coletiva. São Paulo: RT, 1998.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2002.
_____. Três tipos de diálogos entre o código de defesa do consumidor e o Código Civil de 2002: supera-
ção das antinomias pelo “diálogo das fontes”. In: PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos.
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. Saraiva: São Paulo,
2000.
PASQUALOTTO, Adalberto (Coord.). Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002:
convergências e assimetrias. São Paulo: RT, 2005.
_____. O Código de Defesa do Consumidor em Face do Código Civil de 2002. In: PFEIFFER, Roberto Au-
gusto Castellanos; (Coord.). Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002: convergên-
cias e assimetrias. São Paulo: RT, 2005.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
TARTUCE, Flávio. A revisão do contrato pelo novo Código Civil: crítica e proposta de alteração do art. 317
da lei 10.406/02. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo. (Coord.). Questões Controvertidas
no Novo Código Civil. São Paulo: Método, 2003.

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Os direitos básicos do consumidor | 57

_____. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. São Paulo: Método, 2006.
_____. Direito Civil: lei de introdução e parte geral. São Paulo: Método, 2006, v. 1.
_____. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. São Paulo: Método, 2006. v. 3.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. As liminares e a tutela de urgência. Revista Jurídica Consulex, Brasília,
ano VI, n. 139, out. 2002.

Gabarito
1. Os finalistas defendem sua tese a partir do destino dado ao objeto da prestação desempenhada,
distinguindo-o de um lado em bem de consumo e do outro como insumo, esse último, caracterizado
por aqueles bens que serão transformados ou que serão necessários à transformação de outros
no processo produtivo, como ocorre no caso de aquisição de tecido por certa empresa, para
confeccionar camisas ou calças, e ainda, da energia elétrica necessária para o funcionamento
das suas máquinas. Tal corrente sustenta que se aplica o CDC quando o bem adquirido não seja
transformado ou incorporado a outro, mas sim seja utilizado instrumentalmente, como é o caso
de computadores e de todo o material de escritório (PASQUALOTTO, 2005, p. 134) utilizado em
uma imobiliária.

A teoria do finalismo aprofundado defende que a vulnerabilidade do consumidor deverá ser


analisada em concreto quando este for uma pessoa jurídica (MARQUES, 2002, p. 347-353).
Nesse condão, considerando-se que o CDC é uma lei para desiguais, há de se ter cautela para
aplicá-lo em uma relação jurídica negocial existente entre duas empresas, especialmente
por conta dos princípios sobre os quais foram construídas as fundações do CC, que garante
tratamento justo e equitativo a todos os participantes da relação jurídica (MARQUES, 2005,
p. 74), mas que não se esquece que é uma lei para solucionar problemas surgidos no âmbito
dos contratos entre iguais.

2. A resposta encontra-se nos incisos do artigo 6.º do CDC.

3. É exceção. O inciso VIII do artigo 6.º do CDC, assegura ao consumidor o direito a obter em seu
favor a inversão do ônus da prova quando a tese por ele sustentada tenha elevada aparência de
probabilidade fática ou se ele for considerado hipossuficiente; não se podendo negar que obrigar
o consumidor a produzir algumas provas para ter assegurado seu direito seria o mesmo que
negar-lhe esse direito, como ocorre no caso de intoxicação alimentar, cujos efeitos são patentes,
mas as causas de complexa aferição, daí a importância da regra que autoriza o juiz a determinar
a inversão do ônus probatório, impondo ao fornecedor o dever de provar que o alegado pelo
consumidor não ocorreu, ou não ocorreu da forma relatada.

4. Ao dispor o inciso III do artigo 6.º, do CDC, que o consumidor tem direito “à informação adequada
e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade,

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58 | Os direitos básicos do consumidor

características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem”, parece
que, por exemplo, a incorporadora ou o empreiteiro que vende um imóvel na planta, obriga-se
a informar o prazo máximo de conclusão da obra, bem como, se for o caso, qual é a taxa de juros
cobrada em razão do financiamento para a aquisição do imóvel na planta.

O dever de informar impõe ainda ao fornecedor o dever de comunicar àquele que se propõe a
comprar o bem ofertado, se a área em que o apartamento ou a casa estão localizados é afetada por
enchentes ou excessiva criminalidade, obrigando-se ainda, se da publicidade constar promessa
de instalação de rede elétrica, de água, de esgoto etc., mesmo que tais obrigações não constem
expressamente da minuta assinada pelas partes, também conhecida por compromisso particular
de compra e venda, a observar o dever jurídico assumido, que uma vez não cumprido, autoriza
o consumidor a resolver o contrato e a postular, além da devolução de eventual quantia paga,
indenização por eventuais perdas e danos.

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Responsabilidade pelo
fato do produto ou serviço
Considerações acerca do dever
de segurança imposto aos fornecedores
De acordo com teor dos artigos 8.º e 9.º do Código de Defesa do Consumidor (CDC), os produtos
e serviços em oferta não poderão acarretar riscos à saúde ou segurança dos consumidores, salvo se
tais riscos possam ser considerados normais e previsíveis em decorrência da natureza e do modo de
utilização daqueles bens econômicos, lembrando que o fornecedor se encontra obrigado a informar, de
modo claro e ostensivo, principalmente nesses casos, acerca do adequado uso do produto ou serviço, e
ainda, sobre os potenciais riscos que os mesmos possam oferecer à coletividade.
O fiel cumprimento desses preceitos legais pode ser observado, no plano concreto, na aferição da
publicidade feita pelas empresas de cigarro, atualmente, bastante limitada por conta dos efeitos nocivos
desses produtos; nas embalagens de produtos perigosos como álcool líquido, pesticidas e agrotóxicos,
que advertem o consumidor sobre as necessárias cautelas que deve-se adotar; nas bulas que orientam
acerca do uso adequado dos medicamentos, seus efeitos colaterais potenciais e sobre as pessoas a
quem não se aconselha consumi-los; nas embalagens de alimentos, que devem conter o prazo máximo
em que o consumo é recomendado.
Não se pode negar que existe um dever geral de segurança, cumprindo informar ainda, que é
em caráter excepcional que se admite a inserção de produtos perigosos no mercado, pois em regra, o
fornecedor não pode comercializá-los.
Por sua vez, se o fornecedor descobrir posteriormente que o produto inserido no mercado de
consumo oferece riscos à saúde ou à segurança dos potenciais usuários, deverá promover sua retirada
da exposição pública ao comércio, comunicando à coletividade ostensivamente, de modo a minimizar
as prováveis vítimas. Nesses casos, na hipótese de danos causados a algum consumidor em razão do

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60 | Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço

defeito do produto, mesmo que desconhecido pelo fornecedor, este está obrigado a reparar os prejuízos
suportados pela vítima, mesmo que tenha realizado todos os testes possíveis de periculosidade. Eis que
assume as consequências de sua atividade, não podendo invocar a teoria do risco do desenvolvimento
para eximir-se do dever de indenizar. Ao contrário do que ocorre na Europa, onde tal tese prevalece em
favor da empresa.
Caso típico de conhecimento posterior do problema é notado no ramo de comércio de automóveis
novos, cuja solução é dada normalmente mediante a prática de recall, procedimento que consiste em
anúncios públicos e ostensivos visando à convocação dos consumidores para que compareçam à
empresa a fim de sanar os defeitos aferidos nos produtos ou serviços que colocara no mercado. Salienta-
-se que nesses casos, todas as despesas devem correr por conta do fornecedor.
Imagine ainda, como exemplo dessa assertiva, a comercialização de apartamentos construídos
sob solo infectado por produtos químicos enterrados há muitos anos ou erguidos sob solo em que há
risco de desmoronamento, quando tais fatos venham a ser conhecido pelo vendedor ou pelo comprador
após a entrega das chaves. Parece claro que, nesse caso, o fornecedor se obriga a informar de imediato
os compradores das unidades imobiliárias para que desocupem o imóvel, responsabilizando-se, no
mínimo, pelas despesas com a mudança e com o pagamento dos aluguéis até que o defeito, se possível,
seja reparado. A ideia que aqui impera é que para além de ser obrigado a reparar os prejuízos suportados
pelo consumidor, o fornecedor deve ainda evitá-los, agindo de modo a evitar o ilícito.

Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço


A teoria da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço implica a análise dos acidentes de
consumo, ou seja, o estudo das situações em que o consumidor sofre danos ao seu patrimônio, e espe-
cialmente, a sua integridade psicofísica, bem como das consequências oriundas de tal lesão, principal-
mente, o dever de repará-los. Teoria essa que surge em razão da preocupação do legislador com o grau
de segurança oferecido pelos bens colocados no mercado de consumo (BESSA, 2006, p. 87).
Para ilustrar essa situação, pode-se lembrar o caso da garrafa que explode nas mãos do consumidor
e causa lesões no rosto ou nos olhos da vítima, ou ainda, o caso do avião que cai e fere os passageiros.
Como hipótese de aplicação dessa teoria aos consumidores by stander, ou seja, aos terceiros que são
vítimas de um acidente de consumo, é esclarecedora a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no
Recurso Especial 540.235/TO, que impôs à empresa proprietária de aeronave que realiza o transporte
de malotes o dever de reparar os prejuízos suportados pelas vítimas que perderam suas casas em razão
de acidente aéreo.
Quando efetivamente o fornecedor será responsabilizado pelos acidentes de consumo? A
resposta está localizada no artigo 12 da Lei 8.078/90, ditando que o fornecedor deverá reparar os danos
surgidos em razão de defeitos decorrentes do projeto, da fabricação, da construção, da montagem, das
fórmulas e de sua manipulação, da apresentação ou do acondicionamento de seus produtos, e ainda,
em razão de informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
Em síntese, pode-se afirmar que haverá responsabilidade quando houver um defeito de concepção,
de produção ou de informação (GRASSI NETO, 2007, p. 56-58), levando em conta que um produto será

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Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço | 61

considerado defeituoso quando não oferecer a segurança dele legitimamente esperada, respeitando
circunstâncias como sua apresentação, uso e riscos, que razoavelmente dele se esperam, e ainda, a época
em que foi colocado em circulação.
Há o dever de indenizar quando a casa comprada junto à empresa do ramo imobiliário vem a
desabar e ferir a família do consumidor, quando tal fato ocorreu porque o projeto estrutural foi elaborado
sem considerar aspectos específicos do solo naquela região, ou foi desenvolvido pelo engenheiro
responsável sem observar, de modo escorreito, a construção. Também há o dever de indenizar quando
o consumidor não for informado adequadamente sobre o uso do bem, por exemplo, quando o elevador
não possui uma placa indicativa do peso máximo que pode transportar e despenca da cobertura porque
o comprador do imóvel não teve acesso a essa informação e excedeu a lotação do mesmo.
É evidente que nessas hipóteses o consumidor que compra uma casa ou um apartamento não
espera que o mesmo venha abaixo – como descrito no exemplo anterior – e dessa forma, a noção de
defeito “está essencialmente ligada à expectativa do consumidor [e assim] um produto é defeituoso
quando ele é mais perigoso para o consumidor ou usuário do que legitimamente ou razoavelmente se
podia esperar” (ROCHA, 2000, p. 95).
É importante discorrer também sobre quem será o responsável pela indenização dos prejuízos,
destacando-se que a Lei 8.078/90 prevê em seu artigo 12 que o fabricante, o produtor, o construtor e
o importador “responderão pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decor-
rentes do produto”, obrigando, nos casos previstos, mesmo quem não seja parte no contrato, a reparar
a vítima, o que se dá em razão das vantagens indiretamente auferidas. Como se denota, no caso de
acidente de consumo, terá dever de indenizar não apenas quem entregou o produto ao consumidor
por ocasião da compra e venda, mas, sim em regra, qualquer responsável pela circulação do produto no
mercado. Observa-se que o comerciante foi propositalmente excluído do rol dos responsáveis citados,
pois deverá indenizar apenas em situações peculiares, que serão abordadas logo à frente.
Salienta-se ainda que, visando à proteção dos vulneráveis, houve a criação de um sistema de
responsabilidade objetiva, ou seja, que dispensa a presença de culpa na conduta do fornecedor, tese
essa que surge, entre outros fatores, da necessidade de “substituição da ideia de responsabilidade
pela reparação, mediante a socialização dos riscos” (COSTA, 2002, p. 218), bem como, de um maior
estudo da teoria econômica, que impõe a quem lucra com certa atividade o dever de assumir os
riscos inerentes à mesma (CAVALIERI FILHO, 2000). Dessa forma, basta ao consumidor demonstrar
que sofreu o dano e que esse dano teve origem em razão de defeito do produto adquirido ou serviço
contratado junto ao fornecedor.
Em verdade, a responsabilidade subjetiva, ou seja, aquela lastreada na culpa, há algum tempo não
consegue resolver inúmeros problemas surgidos nas relações cotidianas, tendo sido gradativamente
substituída pela responsabilidade objetiva, ou seja, por aquela que impõe o dever de indenizar sem
a necessidade da presença de culpa, evitando assim que vítimas de danos injustos pereçam sem
indenização por conta da dificuldade de demonstração de que certa conduta é permeada pelo elemento
subjetivo (HIRONAKA, 2005).
Apenas a título de informação, cumpre destacar que existem diversos fatores de atribuição de
responsabilidade que poderão ser utilizados para substituir a culpa, entre eles: o risco criado, a garantia,
o abuso de direito, a equidade etc. (LORENZETTI, 2004, p. 612). Aliás, não só podem como devem, pois,
como anteriormente explicado, a responsabilidade civil lastreada “na imputação culposa se assemelha
a um edifício dotado de portas difíceis de serem abertas” (LORENZETTI, 1998, p. 96), pensamento que

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62 | Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço

se justifica na dificuldade da demonstração do desvio da conduta de quem provocara o dano, ou seja,


na complexidade da produção de prova de negligência, imprudência ou imperícia de quem causou o
prejuízo à vítima.
Deveras importante destacar ainda que a observância do dever de informar pelo fornecedor
detém relevante papel na solução dos problemas surgidos no âmbito da teoria da responsabilidade,
do produto ou serviço. De fato, a apresentação dos bens colocados no mercado de consumo assume
especial relevância, por exemplo, se for realizada a publicidade de determinado brinquedo, sem a
advertência de que este não é recomendado para crianças que ainda não têm certa idade, o fornecedor
poderá ser responsabilizado se o infante for lesado por ter engolido um pedaço do brinquedo. Por outro
lado, desde que exista prévia informação, há de se ter em conta quando da análise da responsabilidade
do fornecedor, se o produto foi utilizado para o fim a que se destina, posto que se o consumidor der
ao produto comprado destinação diversa da esperada ou recomendada, em regra, deverá suportar os
prejuízos que venha a sofrer.
Dessa forma, se o consumidor utilizar uma lâmina de barbear para cortar as unhas, não poderá
depois, por ter cortado o dedo, imputar tal responsabilidade ao fabricante daquela; também estando
impedido de alegar que em razão do surgimento de nova tecnologia no sistema de freios ou por conta
dos air bags instalados em veículos mais novos, que o carro antigo que possui, fabricado na década de
1980, é defeituoso, porque oferece maior risco a sua segurança que os produzidos atualmente.
Analisados os pressupostos anteriores, se houver um acidente de consumo, de acordo com o
CDC o fabricante e os demais responsáveis só não serão responsabilizados se demonstrarem que não
colocaram o produto no mercado, que o defeito inexiste ou que o acidente ocorreu por fato exclusivo
do consumidor ou de terceiro, e ainda, promovendo-se uma vez mais o diálogo das fontes, se houver
caso fortuito ou força maior.
Acerca do tema, José Reinaldo de Lima Lopes (2005, p. 110) afirma que a responsabilidade do
fornecedor é macrossocial, sendo a ele imputado o risco de sua atividade de modo a internalizá-lo, só
se exonerando do dever de reparar os danos suportados pelo consumidor em razão de acidente de
consumo se demonstrar a inexistência de vínculo com o produto, a inexistência de defeito, ou, fato
exclusivo da vítima, hipótese essa que acaba sendo redundante, pois se o acidente ocorreu em razão
do uso inadequado, desde que cumprido o dever de informar, o bem não poderá ser considerado
defeituoso.
Assim, na hipótese de um medicamento, que ainda está em teste, ser colocado à disposição do
consumidor em farmácias por ter sido furtado nas instalações do fornecedor, este último, em princípio,
não terá o dever de indenizar.
Também no caso do uso indevido do produto, não há dever de indenizar, como no caso do
automóvel de passeio que tem um pneu estourado e que por isso encontra uma árvore a sua frente,
porque o condutor o dirigia a mais de 200km/h, quando o pneu não foi projetado para essa velocidade
(fato exclusivo da vítima), ou, na mesma hipótese, porque o pneu estourou por conta de um buraco na
rodovia (fato de terceiro). Nesse último caso, se a estrada tiver sido concedida à iniciativa privada, esta
responde pelo dano, caso contrário, a responsabilidade será do Estado.
Como antes adiantado, é importante destacar que os danos causados em razão de acidente de
consumo, em princípio, não serão de responsabilidade do comerciante, entretanto, este atrairá o dever
de repará-los, quando o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puder ser identificado
e ainda, quando não conservar adequadamente os produtos perecíveis.

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Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço | 63

Como exemplo da primeira hipótese, tem-se a situação de comercialização de produtos importados


sem que o rótulo ou as informações sobre quem seja o fabricante ou o importador sejam traduzidas
para o português, e da segunda, os casos em que os produtos espalhados nos balcões frigoríficos
dos supermercados se deterioram porque o fornecedor, no período noturno, desliga aqueles visando
economizar energia elétrica.
Por sua vez, merece destacar que os prestadores de serviços respondem da mesma forma antes
delineada, consoante dispõe o artigo 14 do CDC, desde que o defeito esteja contido no serviço prestado
ou haja informação insuficiente ou inadequada sobre a adequada fruição daquele, e desse modo, caso a
imobiliária não informe que a casa que está comercializando é antiga e precisa de reformas, na hipótese
do comprador suportar alguma lesão porque a escada caiu ou o piso cedeu com o morador sobre ele,
poderá ser responsabilizada.
Por fim, de acordo com o parágrafo 4.º do artigo 14 do CDC, “a responsabilidade pessoal dos
profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”, regra essa que há de ser lida com
bastante cautela, principalmente, quando o profissional assumir dever qualificado pela doutrina como
de resultado, como é o caso do engenheiro na empreitada e do médico nas cirurgias plásticas de
resultado. Salienta-se, enfim, que o papel da culpa no incumprimento das obrigações merece ser relido
(CATALAN, 2005).

Considerações sobre o prazo


para exercício da pretensão à indenização
Em princípio, o prazo para exercício da pretensão visando à reparação dos danos oriundos de aci-
dentes de consumo será de cinco anos, como expressamente prevê o artigo 27 do CDC, prazo esse que
se inicia a partir do conhecimento do dano e de sua autoria, momento que em regra, coincide quando
a lesão ocorre.
Entretanto, excepcionalmente, na hipótese dos danos ofenderem a algum direito da persona-
lidade, principalmente se a lesão violar a integridade psicofísica da vítima, como ocorre quando há a
perda de membros ou órgãos vitais, como um olho, um dedo ou um braço, é possível admitir que aquele
prazo não se aplica, podendo ser ajuizada a ação visando à reparação de tais danos a qualquer tempo
(TARTUCE, 2006, p. 146-147), desde que a vítima o faça em vida, pois quanto mais a vítima demora para
recorrer ao Judiciário, em regra, menor será o valor da indenização a que terá direito, ante a incidência
da figura da supressio1.
Nesses casos, a ausência de prazo se dá por conta da violação de direito da personalidade, que
entre outras características, é tido como absoluto, perpétuo, intransmissível e irrenunciável, e que uma
vez desrespeitado, é fonte dos chamados danos extrapatrimoniais ou morais e tem como principal
sustentáculo o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (MORAES, 2006).
Muito embora essa tese ainda esteja em fase de desenvolvimento, a partir da leitura constitucional
do direito privado, parece que o caminho é irreversível, como se denota do seguinte julgado:
1A supressio pode ser identificada como a situação de um direito que, não tendo sido exercido por seu titular ao longo do tempo, não possa
mais sê-lo, em razão da confiança depositada por aquele “contra” quem se pretende exercê-lo na não utilização daquele mesmo direito.

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64 | Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço

9. À luz das cláusulas pétreas constitucionais, é juridicamente sustentável assentar que a proteção da dignidade da
pessoa humana perdura enquanto subsiste a República Federativa, posto seu fundamento. Consectariamente, não
há falar em prescrição da ação que visa implementar um dos pilares da República, máxime porque a Constituição não
estipulou lapso prescricional ao direito de agir, correspondente ao direito inalienável à dignidade. [...] 13. A dignidade
humana violentada, in casu, decorreu do sepultamento do irmão da parte, realizado sem qualquer comunicação à
família ou assentamento do óbito, gerando aflição ao autor e demais familiares, os quais desconheciam o paradeiro
e destino do irmão e filho, gerando suspeitas de que, por motivos políticos, poderia estar sendo torturado revelando
flagrante atentado ao mais elementar dos direitos humanos, os quais, segundo os tratadistas, são inatos, universais,
absolutos, inalienáveis e imprescritíveis. Inequívoco que a morte do irmão do autor não foi oficialmente informada à
família, nem houve qualquer tipo de registro ou identificação da sepultura. [...]. (REsp 612.108/PR)

Atividades
1. Qual a função da teoria da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço?

2. Qual a amplitude do dever de segurança imposto aos fornecedores de produtos e serviços?

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Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço | 65

3. Em que hipóteses o fornecedor se exime do dever de reparar os danos suportados pelo consumidor
no caso de acidente de consumo?

4. Qual o prazo concedido pelo ordenamento jurídico para que o consumidor que é vítima de
acidente de consumo possa ajuizar ação indenizatória?

Para refletir
Quais as vantagens e desvantagens de não se aceitar o risco do desenvolvimento como hipótese
de exclusão do dever de indenizar os prejuízos das vítimas de acidentes de consumo?

Dica de estudo
A obra recomendada neste momento é uma dissertação de mestrado, bastante completa e com
leitura muito agradável.
ROCHA, Silvio Luíz Ferreira da. Responsabilidade Civil do Fornecedor pelo Fato do Produto no
Direito Brasileiro. São Paulo: RT, 2000.

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66 | Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço

Referências
BESSA, Leonardo Roscoe. O Consumidor e seus Direitos: ao alcance de todos. Brasília: Brasília Jurídica,
2006.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas: Bookseller,
2002.
CATALAN, Marcos Jorge. Descumprimento Contratual: modalidades, consequências e hipóteses de
exclusão do dever de indenizar. Curitiba: Juruá, 2005.
_____. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista Scientia Iuris, Lon-
drina, 2004.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. O direito do consumidor no limiar do século XXI. Revista de Direito do
Consumidor, São Paulo, n. 35, jul./set., 2000.
_____. Programa de Responsabilidade Civil. São Paulo: Malheiros, 2000.
COSTA, Dilvanir José da. O sistema da responsabilidade civil e o novo Código. Revista de Informação
Legislativa, Brasília, v. 39, n. 156, out./dez., 2002.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no pro-
jeto de Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 139, jul./set., 1998.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
GRASSI NETO, Roberto. Aulas de Direito do Consumidor. Santo André: Esetec, 2007.
HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade Pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey,
2005.
LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito Civil e Direito do Consumidor: princípios. In: PFEIFFER, Roberto
Augusto Castellanos; PASQUALOTTO, Adalberto (Coord.). Código de Defesa do Consumidor e o Código
Civil de 2002: convergências e assimetrias. São Paulo: RT, 2005.
LORENZETTI, Ricardo Luis. Redes contractuales: conceptualización jurídica, relaciones internas de cola-
boración, efectos frente a terceros. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 28, p. 36-37, out./
dez., 1998.
_____. Tratado de los Contratos: parte general. Santa Fe: Rubinzal Culzoni, 2004.
MORAES, Maria Celina Bodin de. O princípio da dignidade humana. In: _____. (Org.). Princípios do
Direito Civil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
ROCHA, Silvio Luís Ferreira da. Responsabilidade Civil do Fornecedor pelo Fato do Produto no
Direito Brasileiro. São Paulo: RT, 2000.

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Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço | 67

TARTUCE, Flávio. A revisão do contrato pelo novo Código Civil: crítica e proposta de alteração do art. 317
da lei 10.406/02. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo. (Coord.). Questões Controvertidas
no Novo Código Civil. São Paulo: Método, 2003.
_____. Direito Civil: direito das obrigações e responsabilidade civil. São Paulo: Método, 2006.
_____. Direito Civil: lei de introdução e parte geral. São Paulo: Método, 2006, v. 1.
_____. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. São Paulo: Método, 2006. v. 3.

Gabarito
1. A teoria da responsabilidade pelo fato do produto ou serviço, implica a análise dos acidentes de
consumo, ou seja, o estudo das situações em que o consumidor sofre danos ao seu patrimônio, e,
especialmente, à sua integridade psicofísica, bem como das consequências oriundas de tal lesão,
principalmente, o dever de repará-los.

Em síntese, pode-se afirmar que haverá responsabilidade quando houver um defeito de


concepção, de produção ou de informação (GRASSI NETO, 2007, p. 56-58), levando em conta que
um produto será considerado defeituoso quando não oferecer a segurança dele legitimamente
esperada, respeitando circunstâncias como sua apresentação, uso e riscos, que razoavelmente
dele se esperam, e ainda, a época em que foi colocado em circulação.

Salienta-se ainda que, visando à proteção dos vulneráveis, houve a criação de um sistema de
responsabilidade objetiva, ou seja, que dispensa a presença de culpa na conduta do fornecedor, tese
essa que surge, entre outros fatores, da necessidade de “substituição da ideia de responsabilidade
pela de reparação, mediante a socialização dos riscos” (COSTA, 2002, p. 218), bem como, de um
maior estudo da teoria econômica, que impõe a quem lucra com certa atividade o dever de
assumir os riscos inerentes à mesma (CAVALIERI FILHO, 2000). Dessa forma, basta ao consumidor
demonstrar que sofreu o dano e que esse dano teve origem em razão de defeito do produto
adquirido ou serviço contratado junto ao fornecedor.

2. De acordo com teor dos artigos 8.º e 9.º do CDC, os produtos e serviços em oferta não poderão
acarretar riscos à saúde ou segurança dos consumidores, salvo se tais riscos possam ser
considerados normais e previsíveis em decorrência da natureza e do modo de utilização daqueles
bens econômicos, lembrando que o fornecedor se encontra obrigado a informar, de modo claro e
ostensivo, principalmente nesses casos, acerca do adequado uso do produto ou serviço, e ainda,
sobre os potenciais riscos que os mesmos possam oferecer à coletividade.

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68 | Responsabilidade pelo fato do produto ou serviço

O fiel cumprimento desses preceitos legais pode ser observado, no plano concreto, na aferição da
publicidade feita pelas empresas de cigarro, atualmente bastante limitada por conta dos efeitos
nocivos desses produtos; nas embalagens de produtos perigosos, como álcool líquido, pesticidas
e agrotóxicos, que advertem o consumidor sobre as necessárias cautelas que deve adotar; nas
bulas que orientam acerca do uso adequado dos medicamentos, seus efeitos colaterais potenciais
e sobre as pessoas a quem não se aconselha consumi-los; nas embalagens de alimentos, que
devem conter o prazo máximo em que o consumo é recomendado.

Não se pode negar que existe um dever geral de segurança, cumprindo informar ainda, que é em
caráter excepcional que se admite a inserção de produtos perigosos no mercado, pois, em regra,
o fornecedor não pode comercializá-los.

3. Desde que exista prévia informação, há de se ter em conta quando da análise da responsabilidade
do fornecedor, se o produto foi utilizado para o fim a que se destina, posto que se o consumidor
der ao produto comprado destinação diversa da esperada ou recomendada, em regra, deverá
suportar os prejuízos que venha a sofrer.

Também estará impedido de alegar que em razão do surgimento de nova tecnologia no sistema
de freios, ou por conta dos air bags instalados em veículos mais novos, o carro antigo que possui,
fabricado na década de oitenta, é defeituoso porque oferece maior risco à sua segurança que os
produzidos atualmente.

Com síntese, se houver um acidente de consumo, de acordo com o CDC, o fabricante e os demais
responsáveis só não serão responsabilizados se demonstrarem que não colocaram o produto no
mercado, que o defeito inexiste ou que o acidente ocorreu por fato exclusivo do consumidor ou
de terceiro, e, ainda, se houver caso fortuito ou força maior.

4. Em princípio, o prazo para exercício da pretensão visando à reparação dos danos oriundos de
acidentes de consumo será de cinco anos, como expressamente prevê o artigo 27 do CDC, prazo
este que se inicia a partir do conhecimento do dano e de sua autoria, momento que em regra,
coincide quando a lesão ocorrida.

Entretanto, excepcionalmente, na hipótese dos danos ofenderem a algum direito da persona-


lidade, principalmente se a lesão violar a integridade psicofísica da vítima, como ocorre quando
há a perda de membros ou órgãos vitais, como um olho, um dedo ou um braço, é possível admitir
que aquele prazo não se aplica, podendo ser ajuizada a ação visando à reparação de tais danos
a qualquer tempo (TARTUCE, 2006, p. 146-147), desde que a vítima o faça em vida, pois quanto
mais a vítima demora para recorrer ao Judiciário, em regra, menor será o valor da indenização a
que terá direito, ante a incidência da figura da supressio.

Nesses casos, a ausência de prazo se dá por conta da violação de direito da personalidade, que
entre outras características, é tido como absoluto, perpétuo, intransmissível e irrenunciável, e que
uma vez desrespeitado, é fonte dos chamados danos extrapatrimoniais ou morais e tem como
principal sustentáculo o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (MORAES,
2006).
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Responsabilidade pelo
vício do produto ou serviço
A insuficiência da figura dos vícios
redibitórios na tutela dos consumidores
O Código Civil (CC) brasileiro, amparado na tradição romana, positivou a figura vícios redibitórios,
expressão oriunda da palavra redibir, querendo significar a possibilidade dada ao adquirente de reaver,
restaurar, retomar, recuperar o preço pago pela coisa (AZEVEDO, 2002, p. 94), solução que está prevista
naquele diploma legislativo ao lado da possibilidade de redução do valor pago pela coisa, quando
estiver seu valor ou sua utilização diminuídos por conta do defeito oculto que a acompanha.
De acordo com aquele diploma legislativo, vício redibitório é defeito oculto que afeta a coisa e
que a torna imprópria ao uso a que se destina ou lhe prejudica sensivelmente o valor (PEREIRA, 2004,
p. 123), ideia essa também defendida por José Fernando Simão (2003, p. 62), para quem, consiste no
defeito cuja existência não se revela aos olhos senão mediante exames ou testes, desvalorizando a coisa
ou tornando-a imprestável ao uso pretendido.
Pelo regime instituído pelo CC, os vícios redibitórios se desenvolvem no campo dos contratos
comutativos, ou seja, naqueles contratos que impõem prestações recíprocas e com valores equitativos
a ambas as partes, não se limitando aos negócios translativos de propriedade, como ocorre na compra
e venda, pois é perfeitamente possível admitir que sejam observados também em negócios em que há
a transmissão de posse, como é caso dos contratos de arrendamento rural ou de locação.
Outro requisito necessário à caracterização dessa figura é a necessidade do vício ser oculto, pois
se ostensivo, no regime imposto pelo CC, presume-se aceito pelo credor que recebe a coisa, e dessa
forma não se reputa oculto o defeito não observado ou detectado em razão de negligência do credor,
mas apenas aquele que não poderia ser averiguado no momento do desempenho da prestação, como
poderá ocorrer no caso de compra ou locação pactuada em período de estiagem, de um imóvel que
alaga na época das chuvas.
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70 | Responsabilidade pelo vício do produto ou serviço

O defeito deve ainda preexistir ao momento da transferência de posse ou propriedade, e perdurar


quando da reclamação, e desse modo os defeitos supervenientes e os que, existindo, desaparecerem,
não poderão ser reclamados (DINIZ, 2002, p. 120).
Por fim, não é qualquer defeito que autoriza a redibição do contrato ou a redução do preço ajus-
tado, mas exclusivamente aqueles que prejudiquem a utilidade da coisa, tornando-a inapta às suas
finalidades ou diminuindo seu valor, podendo ser lembrado, como exemplo, o touro comprado para
reprodução e que se mostra estéril.
É importante destacar que no regime instituído pelo CC, parece lícito o ajuste de cláusula contra-
tual limitando a responsabilidade do alienante pela indenização, ou mesmo, com o escopo de afastá-la
completamente, desde que esse desconheça o vício, haja vista que as regras inerentes à matéria são
de natureza supletiva, portanto, não cogentes, podendo ser alteradas pela vontade das partes (SIMÃO,
2003, p. 125).
O lesado deve observar os prazos estipulados pelo legislador, de natureza manifestamente
decadencial, eis que visam à extinção ou modificação da relação originária (SIMÃO, 2005, p. 359). Prazo
esse que é de 30 dias se a coisa for móvel e de um ano se for imóvel, iniciando-se com a entrega do bem
e reduzindo-se pela metade se o bem já estava em poder daquele que adquire a posse (como ocorre
na locação ou no leasing) ou a propriedade (como se dá na compra e venda) do objeto, regra aplicável
quando o defeito é aferido logo após a entrega da coisa; sendo que se o defeito demorar a surgir, o
prazo se inicia com o aparecimento do mesmo, desde que se manifeste no prazo máximo de 180 dias,
em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis, consoante se extrai do parágrafo 1.º
do artigo 445 do CC; e surgindo nesse lapso temporal, o lesado terá os prazos citados no início desse
parágrafo para propor a ação cabível.

A teoria do vício do produto ou serviço


A figura dos vícios redibitórios não foi suficiente para tutelar os consumidores que, diante da
velocidade em que as relações jurídicas se manifestam nessa seara, seriam certamente injustiçados se
tivessem que recorrer à mesma, como restará claro ao longo das linhas desta aula.
Desse modo, visando corrigir distorções nos efeitos das contratações ocorridas no âmbito das
relações de consumo e surgindo a partir da constatação de inúmeros problemas ocorridos em razão do
fenômeno da contratação em massa, a teoria do vício do produto e do serviço dita que os fornecedores
respondem pelos defeitos de qualidade que tornem o objeto adquirido ou serviço contratado impró-
prio ou inadequado ao consumo a que se destina, pelos vícios de quantidade, e ainda, pelas informa-
ções que estejam em disparidade com a destinação e utilidade esperada pelo consumidor.
Como pode-se observar, o fornecedor está obrigado a garantir que o objeto do contrato satisfaça
integralmente às necessidades do consumidor, e em princípio, a não ser que este seja o único responsável
pelo problema, se este realmente existir, como se afere de recente decisão do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal (TJDFT), que dita que “incomprovado o mau uso do veículo pelo consumidor, impõe-
-se à concessionária o dever de indenizar pelos defeitos decorrentes de má fabricação do automóvel”
(Ac 3448695), o fornecedor deverá solucionar o problema nos moldes delineados pelo Código de Defesa
do Consumidor (CDC).

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Responsabilidade pelo vício do produto ou serviço | 71

Ao contrário do que ocorre no CC, cumpre destacar com Paulo Lôbo (1995, p. 37) que mesmo que
o vício seja aparente no momento da entrega do produto ou da execução do serviço, o fornecedor será
responsável pela solução daquele, dever este que se impõe em razão do “caráter impessoal, desigual e
massificado” das relações negociais que se aperfeiçoam sob a égide da lei especial.
Resta claro que os vícios que afetam os bens de consumo, ao contrário daqueles previstos no CC,
não precisam ser ocultos, bastando que existam, e em princípio, o fornecedor tem o direito de substituir o
produto viciado em até 30 dias após a reclamação, sob pena de abrir-se ao consumidor o direito de:
a) pedir a troca do produto por outro da mesma qualidade;
b) a restituição da quantia paga, devidamente corrigida; ou a seu critério;
c) o abatimento proporcional do preço.
Por consequência, não se impõe ao consumidor o ônus de agir de modo diligente no momento
da aquisição do produto, até porque, a velocidade em que as relações comerciais são praticadas impe-
diria a consecução adequada de atos dessa natureza, e ainda porque quando se adquire um produto no
mercado é razoável esperar que este funcione adequadamente e que eventual problema seja exceção.
O prazo de 30 dias previsto em lei para a solução do problema que é dado ao fornecedor pode
ser reduzido pelas partes, não podendo ser inferior a sete, nem superior a 180 dias; salientando-se que
no contrato pactuado por adesão, ou seja, aquele em que o consumidor se limita a aceitar as cláusulas
antecipadamente predispostas pelo fornecedor, que pode ser ajustado verbalmente, pois a lei não exige
forma escrita, a cláusula de ampliação de prazo deverá ser convencionada em separado, por meio de
manifestação expressa do consumidor, sob pena de nulidade.
Em relação à existência do dever do consumidor de notificar o fornecedor, para que, na esfera
privada, solucione o problema, antes de ser compelido a trocar o produto, devolver o dinheiro ou
reduzir o preço do bem viciado, há dúvida se tal procedimento é obrigatório, ou seja, se consiste em um
direito do fornecedor (CINTRA, 1993, p. 124), ou se é facultativo, ou seja, consiste em mais uma via dada
pelo sistema ao consumidor que busca a solução do problema (LÔBO, 1996, p. 75). Aparentemente, o
Superior Tribunal de Justiça (STJ) comunga do primeiro entendimento, como se observa neste julgado:
“não sanado o vício de qualidade, cabe ao consumidor a escolha de uma das alternativas previstas no
art. 18, §1.º, do CDC [condenando-se] a fabricante a substituir o automóvel” (REsp 185.836/SP); linha
esta seguida também por José Fernando Simão (2003, p. 189), ao destacar que no que pertine ao vício
de qualidade do produto o consumidor tem o dever de permitir que o fornecedor solucione o problema
sob pena de não poder exercitar seu direito à garantia.
Ademais, é importante destacar que o consumidor está autorizado a fazer uso imediato do
direito de postular a substituição do produto ou a devolução do dinheiro pago, sempre que, em razão
da extensão do vício, a substituição da parte viciada puder comprometer a qualidade ou característica
do objeto, como na hipótese de automóvel entregue pela concessionária com problema de concepção,
ou da casa cuja construção foi contratada junto a um empreiteiro e que apresenta graves defeitos
estruturais que não serão facilmente sanados.
A mesma solução se impõe quando se tratar de produto essencial, como é o caso de aquisição
de produtos alimentícios comprados com prazo de validade vencido ou que estejam deteriorados, até
porque, tais produtos, nos termos do parágrafo 6.º do artigo 18 do CDC são considerados impróprios ao
consumo, ao lado de produtos que estejam alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos,
fraudados, que sejam nocivos à saúde ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares
de fabricação, distribuição ou apresentação.

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72 | Responsabilidade pelo vício do produto ou serviço

Mas, efetivamente, o que é vício? Vício, para o CDC, é qualquer alteração das características de
qualidade ou quantidade que:
a) tornem o produto ou serviço impróprio ou inadequado ao fim a que se destina;
b) que lhe diminua o valor; ou que,
c) nasça da disparidade de informação entre a finalidade esperada e a utilidade concreta.
A noção de vício, como se denota, é plurissignificativa, mas que em princípio está atada a uma
característica intrínseca ao produto, que causa um mau funcionamento ou funcionamento inadequado
para o fim a que se destina o objeto.
A partir dessas premissas, e considerando que a noção de vício de quantidade se explica por si só,
eis que pode ser aferido no plano da proporcionalidade aritmética, em linhas gerais, pode sustentar-se
que os vícios de qualidade e de informação podem ser divididos em três grandes grupos, a saber:
a) vícios de durabilidade;
b) vícios de desempenho;
c) vícios por inadequação.
Na primeira hipótese pode ser enquadrada a aquisição de um computador junto à empresa espe-
cializada e que dura por pouco mais de um ano ou dois, pois se espera que esses produtos funcionem
adequadamente um período certamente maior; na segunda, a contratação de uma viagem de lua de mel
nas ilhas caribenhas, mas que não é usufruída como esperado porque a empresa de turismo se “esqueceu”
de informar que aquele período escolhido pelas partes é o da temporada de furacões; e na terceira, reto-
mando um exemplo na área da informática, a compra de um programa complexo e que somente pode ser
operado por um especialista na área, muito embora, comercializado sem essas ressalvas.
Dessa feita, no vício de durabilidade, o objeto perece ou se deteriora antes do esperado, no de
desempenho, não tem a eficácia esperada, e no vício por inadequação, haverá uma alteração na quanti-
dade, na qualidade, ou que nasce da falta de informação sobre o uso do produto ou serviço, e que acaba
por implicar na frustração do consumidor por não poder usufruir o objeto contratado do modo por ele
esperado (GRASSI NETO, 2007, p. 37).
O fornecimento de informação adequada, como se denota, é deveras importante na análise
da teoria estudada, e desse modo, também serão considerados vícios, os decorrentes da disparidade
existente entre as indicações constantes do recipiente, embalagem, rotulagem, oferta ou mensagem
publicitária, sendo que autores como Cláudia Lima Marques (1998, p. 599-600) sustentam até mesmo a
existência da teoria dos vícios da informação.
Como antecipado, mais simples é a intelecção do artigo 19 da Lei 8.078/90 que versa sobre os
vícios de quantidade, já que, uma vez detectado o fato de ter havido entrega de quantia inferior a
contratada, autoriza-se o consumidor a postular o abatimento proporcional do preço; a complemen-
tação do peso ou medida; a substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo,
sem os aludidos vícios ou a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem
prejuízo de eventuais perdas e danos.
Afere-se de modo explícito a atuação nessa seara dos princípios da transparência e da confiança.
O primeiro é lido a partir da imposição, ao fornecedor, de observar o dever lateral de informação, dever
esse qualificado pela ideia de clareza, que se divide em três esferas: a) a que impõe o uso de termos
acessíveis a todos; b) a que determina a utilização dos canais adequados de informação; e enfim,

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Responsabilidade pelo vício do produto ou serviço | 73

c) a obrigação de redigir no vernáculo (GRASSI NETO, 2007, p. 39); e o segundo, na preocupação do


sistema em tutelar a expectativa depositada pelo consumidor na adequação dos objetos adquiridos
no mercado de consumo, de modo que esses devem ser úteis ao fim a que se destinam. Retomando as
manifestações do princípio da transparência, alguns exemplos, citados a seguir, ilustram as assertivas
formuladas.
Na primeira hipótese, o princípio será desrespeitado quando da utilização de expressões
complexas e linguagem excessivamente técnica, ou mesmo, de linguagem ininteligível, como é o caso
das famosas prescrições médicas redigidas à mão; no segundo, quando da ausência de informações
sobre a quantidade e qualidade do objeto na própria embalagem; e no último, na utilização de rótulos
em idioma estrangeiro.
Convém distinguir que existem produtos e serviços defeituosos, sem que sejam inseguros. Por
exemplo, uma roupa pode apresentar alguma deformidade de design, sem trazer risco à saúde. Na mesma
linha, existe produto ou serviço com deficiência e que pode causar sérios prejuízos, exemplificando:
um medicamento com a validade expirada, e que continua exposto à venda; um portão que é fixado
irregularmente, e que pode cair ferindo um transeunte ou um veículo cujo sistema de freios não funciona
adequadamente.
É importante destacar ainda que o CDC dispensa a gravidade do vício por impropriedade ou
por inadequação, bastando que tal produto se apresente viciado para ser suscetível de cobertura da
garantia (QUEIROZ, 1998, p. 114).
Desse modo, a gravidade do defeito é irrelevante (QUEIROZ, 1993, p. 162), pois a Lei 8.078/90, a
partir do princípio da confiança, considerando que produtos e serviços impróprios ou inadequados não
atendem à expectativa do consumidor, autoriza que esse opte pelas já destacadas alternativas, e dessa
forma, basta que o produto se apresente viciado para ser suscetível de ser coberto pela garantia legal
(QUEIROZ, 1998, p. 114).
É importante destacar ainda que ao contrário do que ocorre no CC, não prevalecerá cláusula que
preveja isenção ou redução de responsabilidade do adquirente, pois de acordo com o artigo 1.º da
Lei 8.078/90, as normas que compõe o CDC são de ordem pública, e, portanto inderrogáveis pela
vontade das partes.
Enfim, ao ditar o CDC que os fornecedores respondem solidariamente pelos aludidos vícios, quis
dizer que o consumidor poderá dirigir seu pedido em face de qualquer um daqueles, sendo que essa
responsabilidade se estende até mesmo aos prepostos e representantes autônomos.
Assim, cada responsável pela cadeia de consumo está obrigado a responder pelo problema como
um todo, e uma vez provocado pelo consumidor, deverá atender à pretensão desse, e tendo solucio-
nado o problema do consumidor, terá ação de regresso em face do verdadeiro responsável pelo vício
(LÔBO, 1995, p. 39-40).
Nesse contexto, cabe lembrar um problema frequente suportado pelos consumidores de
telefones celulares, que quando verificam um vício em seus aparelhos e procuram a revendedora,
sempre se deparam com a alegação de que o problema é de fábrica. À luz do que foi analisado até aqui,
afere-se que esse argumento não procede.
Enfim, salienta-se que as soluções até aqui analisadas aplicam-se também aos fornecedores de
serviços, logicamente, cabendo ao consumidor, no caso do serviço não ser desempenhado adequada-
mente, exigir alternativamente e à sua escolha:

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74 | Responsabilidade pelo vício do produto ou serviço

a) a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;


b) a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais
perdas e danos; ou,
c) o abatimento proporcional do preço, destacando-se que, nesse caso, a reexecução dos serviços
poderá ser confiada a terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor.
A respeito desse tema, é importante salientar ainda que no fornecimento de serviços que visem
à reparação de qualquer produto, considera-se implícita a obrigação do fornecedor de empregar
componentes de reposição originais e novos.

Dos prazos para o exercício


dos direitos assegurados pelo legislador
O CDC também prevê prazos para que o consumidor exercite seus direitos em juízo, concedendo
30 dias no caso de bens não duráveis e 90 dias no caso de produtos duráveis, prazos esses que podem ser
dilatados pela convenção das partes por meio da concessão de garantia convencional, que deverá
ser somada a legal para efeito de cômputo de prazo. Assim, se a incorporadora vender um imóvel para
um consumidor e conceder o prazo de garantia de um ano para a solução de vícios aparentes, o mesmo
deverá ser somado o de 90 dias previsto na lei.
Cumpre informar que bem não durável é aquele que desaparece no primeiro ou logo após pouco
uso, como é o caso de alimentos e produtos de higiene como sabonete e pasta de dente; enquanto,
bem durável é o que tem maior utilidade, como imóveis e veículos automotores.
Os prazos antes destacados podem ser suspensos, ou seja, podem ser paralisados, ou como
quer o CDC, obstados. Isso se dá com a reclamação feita junto ao fornecedor, que deverá ser provada
pelo consumidor, muito embora não se exija forma escrita, ou quando dirigida a órgão de proteção ao
consumidor, como é o caso do Programa de Orientação e Proteção ao Consumidor (Procon).
Após a paralisação, voltará a fluir a partir da resposta negativa que deve ser transmitida de forma
inequívoca ao consumidor, e desse modo excluem-se os dias que transcorreram antes da reclamação
e conta-se apenas o prazo restante, tese esta defendida por José Fernando Simão (2003, p. 121), mas
refutada por Odete Novais Carneiro Queiroz (1998, p. 165), que entende que há interrupção do prazo,
ou seja, que o prazo é devolvido por completo. Diante da dúvida na doutrina, por cautela, sugere-se que
na prática, observe-se o primeiro entendimento.
Por sua vez, tudo o que se disse até aqui refere-se ao vício aparente, porque se oculto, os prazos
de 30 ou de 90 dias serão contados a partir do seu surgimento, não havendo na lei momento temporal
limitativo da responsabilidade do fornecedor nesses casos, havendo de se ter em conta a vida útil do
produto (CINTRA, 1993, p. 142).
Salienta-se que o princípio da boa-fé objetiva terá suma importância quando houver um vício
oculto, pois enquanto critério hermenêutico integrativo, ou seja, como regra de interpretação que
determina que o juiz deva analisar o caso concreto a partir do comportamento esperado de cada uma das
partes, permitirá ao magistrado buscar a solução mais justa em cada situação que lhe seja apresentada.

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Responsabilidade pelo vício do produto ou serviço | 75

Como exemplo dessa afirmação, um recente julgado proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul (TJRS) ampliou a garantia legal para além dos prazos fixados no CDC, fazendo isso em
razão da necessidade de proteção da confiança depositada no cumprimento do contrato de modo ade-
quado, que no caso específico, não se encerra com a entrega do bem, mas sim na certeza de que esse
será usufruído por prazo razoável, pois cada produto carrega consigo uma expectativa de durabilidade,
a ser aferida em caso concreto (Ap. Cível 70014964498).

Atividades
1. Por que a figura dos vícios redibitórios não é apta a resolver os problemas ligados à aquisição de
produtos e serviços defeituosos?

2. O fornecedor está obrigado a garantir a qualidade dos produtos que vende. Caso desconheça o
problema, ainda sim assume essa obrigação?

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76 | Responsabilidade pelo vício do produto ou serviço

3. Os prazos concedidos ao consumidor para solucionar os vícios surgidos no âmbito de produtos


adquiridos em uma relação de consumo se iniciam em que momento?

4. Quais as formas em que um vício de um produto pode se manifestar?

Para refletir
Qual a importância da teoria da durabilidade dentro do sistema de proteção do consumidor?

Dica de estudo
Uma das obras mais completas já publicadas no Brasil discorrendo sobre o assunto:
SIMÃO, José Fernando. Vícios do Produto no Novo Código Civil e no Código de Defesa do
Consumidor. São Paulo: Atlas, 2003.

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Responsabilidade pelo vício do produto ou serviço | 77

Referências
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos. São Paulo: Atlas, 2002.
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio Jurídico: existência, validade e eficácia. São Paulo: Saraiva,
2002.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas:
Bookseller, 2002.
CATALAN, Marcos Jorge. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista
Scientia Iuris, Londrina, 2004.
CINTRA, Luís Daniel Pereira. Anotações sobre os vícios, a prescrição e a decadência no código de defesa
do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, p.118-145, n. 8, out./dez., 1993.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no pro-
jeto de Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 139, jul./set., 1998.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. São
Paulo: Saraiva, 2002. v. 3.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
GRASSI NETO, Roberto. Aulas de Direito do Consumidor. Santo André: Esetec, 2007.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Responsabilidade por Vício do Produto ou do Serviço. Brasília: Brasília Jurí-
dica, 1996.
_____. Responsabilidade por vícios nas relações de consumo. Revista de Direito do Consumidor. São
Paulo, n. 14, p.33-40, abr./jun., 1995.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: contratos, declaração unilateral de vontade,
responsabilidade civil. Atualizado por: Regis Fichtner. Rio de Janeiro: Forense, 2004. v. 3.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
QUEIROZ, Odete Novais Carneiro. Da Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço. São Paulo:
RT, 1998.
_____. Da responsabilidade por vício do produto e do serviço. Revista de Direito do Consumidor, São
Paulo, n. 7, p. 37-58, jul./set., 1993.
SIMÃO, José Fernando. Vícios do Produto no Novo Código Civil e no Código de Defesa do
Consumidor. São Paulo: Atlas, 2003.

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78 | Responsabilidade pelo vício do produto ou serviço

Gabarito
1. A figura dos vícios redibitórios não foi suficiente para tutelar os consumidores, que diante da
velocidade em que as relações jurídicas se manifestam nessa seara, seriam certamente injustiçados
se tivessem que recorrer à mesma.

Desse modo, visando corrigir distorções nos efeitos das contratações ocorridas no âmbito das
relações de consumo e surgindo a partir da constatação de inúmeros problemas ocorridos em
razão do fenômeno da contratação em massa, a teoria do vício do produto e do serviço dita que os
fornecedores respondem pelos defeitos de qualidade que tornem o objeto adquirido ou serviço
contratado impróprio ou inadequado ao consumo a que se destina, pelos vícios de quantidade, e
ainda, pelas informações que estejam em disparidade com a destinação e utilidade esperada pelo
consumidor.

O fornecedor está obrigado a garantir que o objeto do contrato satisfaça integralmente às


necessidades do consumidor, e em princípio, a não ser que este seja o único responsável pelo
problema, se este realmente existir, como se afere de recente decisão do Tribunal de Justiça do
Distrito Federal, que dita que “incomprovado o mau uso do veículo pelo consumidor, impõe-se à
concessionária o dever de indenizar pelos defeitos decorrentes de má fabricação do automóvel”
(Ac 3448695), o fornecedor deverá solucionar o problema nos moldes delineados pelo CDC.

2. Resta claro que os vícios que afetam os bens de consumo, ao contrário daqueles previstos no CC,
não precisam ser ocultos, bastando que existam.

Por consequência, não se impõe ao consumidor o ônus de agir de modo diligente no momento
da aquisição do produto, até porque, a velocidade em que as relações comerciais são praticadas
impediria a consecução adequada de atos dessa natureza, e ainda porque quando se adquire
um produto no mercado é razoável esperar que este funcione adequadamente e que eventual
problema é exceção.

Enfim, o fornecedor responde pelos riscos de sua atividade, sendo que a ciência ou não acerca do
problema é irrelevante para a solução do problema.

3. Os prazos de trinta ou de noventa dias serão contados a partir da entrega da coisa como vício
aparente, entretanto, começam a fluir do surgimento quando o vício for oculto, não havendo na
lei momento temporal limitativo da responsabilidade do fornecedor nesses casos, havendo de se
ter em conta a vida útil do produto (CINTRA, 1993, p. 142).

4. Vício, para o CDC, é qualquer alteração das características de qualidade ou quantidade que: a)
tornem o produto ou serviço impróprio ou inadequado ao fim a que se destina; b) que lhe diminua
o valor; ou que, c) nasça da disparidade de informação entre a finalidade esperada e a utilidade
concreta.

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Responsabilidade pelo vício do produto ou serviço | 79

A noção de vício, como se denota, é plurissignificativa, mas que em princípio está atada a uma
característica intrínseca ao produto, que causa um mau funcionamento ou funcionamento
inadequado para o fim a que se destina o objeto.

A partir dessas premissas, e considerando que a noção de vício de quantidade se explica por si
só, eis que pode ser aferido no plano da proporcionalidade aritmética, em linhas gerais, pode
sustentar-se que os vícios de qualidade e de informação podem ser divididos em três grandes
grupos, a saber: a) vícios de durabilidade; b) vícios de desempenho; e enfim, c) vícios por
inadequação.
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80 | Responsabilidade pelo vício do produto ou serviço

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Da proteção
à revisão contratual
Da proteção contratual
O consumidor é tutelado em razão de sua vulnerabilidade e é a partir do reconhecimento dessa
situação pelo legislador que se transforma em destinatário da proteção do ordenamento jurídico, mormente
porque a cada dia novos produtos e novas técnicas publicitárias destinam-se a fazer com que aquele acredite
que precisa de uma infinidade de bens, em verdade, em sua maioria, absolutamente supérfluos.
Em igual destaque, a proteção do consumidor não se justifica por si mesma, mas sim em razão
da necessidade de se manter o equilíbrio do contrato nessa esfera pactuado, já que o fornecedor, em
princípio, é mais forte economicamente e está em condições de impor sua vontade sobre a do parceiro
negocial, posto que atua em um ambiente propício à conquista de maior vantagem econômica (KHOURI,
2002, p. 41), além de amplas condições de ser especializado em sua área de atuação.
Em verdade, a proteção do vulnerável não se encontra prevista apenas no Código de Defesa
do Consumidor (CDC), mas também em outras leis, como se denota da análise da proibição da usura,
contida no Decreto 22.626/33, norma que tem por escopo inibir diversos abusos cometidos nos contratos
de mútuo, limitando, por exemplo, as taxas dos juros convencionados e vedando a capitalização de
juros sobre juros (GOMES, 1995, p. 321). De fato, pode até mesmo afirmar-se que há um núcleo comum
que inspira uma série de leis que visam proteger o polo mais fraco da relação jurídica, o que se observa
hodiernamente da análise do Estatuto do Torcedor e do Estatuto do Idoso, exemplos da preocupação
do legislador com a tutela dos vulneráveis.
Fato é que com a constatação de que a arte de vender pressupõe a adoção de técnicas de
ação psicológica, aferiu ser indispensável que o consumidor seja ensinado também a como consumir
adequadamente, de modo a que lhe seja garantida a maior satisfação possível; e é em busca do
equilíbrio dessa relação, que o CDC e tantos outros textos legislativos impõem a observância de uma
série de condutas (MARQUES, 1993, p. 121), criando deveres para o fornecedor e determinando ainda a
assunção de comportamento ativo a ser assumido por parte do Estado.
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82 | Da proteção à revisão contratual

Importante destacar agora quais são as condutas impostas ao Estado. Um breve passar de olhos
no artigo 4.º do CDC, que versa sobre a política nacional das relações de consumo, permite ao leitor
aferir que o Poder Público tem um papel relevante na tutela dos destinatários dessa lei especial, pois
é ululante que as necessidades dos consumidores devem ser atendidas, respeitando sua dignidade,
saúde e segurança, e ainda, protegendo seus interesses econômicos, fatores esses que ligados hão de
propiciar uma sensível melhoria da sua qualidade de vida.
Entre as medidas específicas que devem ser adotadas pelo Estado, encontram-se as que visam à
educação e à proteção do consumidor por meio da criação dos Procons, órgãos da administração que
assumem o citado dúplice papel, bem como de Promotorias especializadas; incumbindo-lhe ainda, incen-
tivar a criação de associações representativas; intervir, quando necessário, no mercado de consumo, por
exemplo, combatendo a formação de cartéis, tão conhecidos do povo brasileiro ao lembrar-se dos postos
de combustíveis em algumas cidades tupiniquins. O estado deve atuar ainda quando a lei lhe impõe o
dever de controlar a qualidade dos produtos e serviços colocados à disposição dos consumidores.
Visando instrumentalizar essas diretrizes, o artigo 5.º do CDC sugere a criação e manutenção de:
a) assistência jurídica gratuita para o consumidor comprovadamente carente;
b) “de Delegacias de Polícia Especializadas no atendimento de consumidores vítimas de infrações
penais de consumo”;
c) “de Juizados Especiais e Varas Especializadas para a solução de litígios de consumo”, ações que
certamente, uma vez implementadas, permitirão que a lei alcance seus objetivos.
Deve-se ter em conta uma vez mais a importância da aplicação do texto constitucional quando
da análise do direito do consumidor, norma a atuar como diretriz que orienta não só a criação como
também a aplicação da lei especial, já que a pessoa humana merece proteção absoluta do sistema.
Dignidade não é discurso ideológico nem enfeite argumentativo, mas sim um princípio vivo, concreto,
real, palpável e pleno, que deve ser considerado em quaisquer situações (RIZZATTO NUNES, 2002, p. 51);
e desse modo, a aludida premissa acaba por ressaltar a importância de uma postura ativa a ser assumida
pelo Poder Público em suas três esferas de atuação.
É importante destacar que a preocupação com a tutela da pessoa humana foi notada também em
diversas passagens do Código Civil (CC), mormente porque construído sob o pilar da eticidade, como
se detecta na positivação de figuras como a lesão, que tendo sido ignorada pelo CC revogado em 2002,
renasce (POTHIER, 2002, p. 54) e o estado de perigo.
A lesão visa assegurar a comutatividade das obrigações assumidas pelas partes quando da
formação do contrato, pautando-se pela equivalência das prestações (PEREIRA, 2001, p. 159); e o estado
de perigo preocupa-se em limitar os efeitos da vontade externada por alguém que, no clímax de uma
catástrofe, oferece o mundo na tentativa de preservar a si ou aos seus (SOUZA, 2004, p. 48).
Salienta-se que a proteção dos contratantes se dá também quando da análise do momento de
execução do negócio, ou seja, por ocasião do desempenho das prestações assumidas, o que nem sempre
se dá no mesmo lapso temporal da formação do contrato, como facilmente se observa nos contratos
que não exigem pagamento à vista. Essa tutela busca resguardar o interesse do contratante que possa
ser lesado pela alteração da base negocial, ou seja, por um fato não imaginado que desequilibra o
contrato em razão da distorção do valor das prestações reciprocamente assumidas; autorizando-se,
nesse caso, a revisão do negócio ou a resolução do contrato existente entre as partes.

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Da proteção à revisão contratual | 83

Retomando o contido no CDC, visando à proteção do polo mais fraco da relação jurídica, inúmeras
são as formas de proteção do vulnerável, como, se detecta na figura da inversão do ônus da prova.
Essa situação ganha importância na análise da veracidade das informações publicitárias, que deve
ser patrocinada pelo fornecedor, devendo, portanto, manter organizados os dados técnicos, fáticos e
científicos sobre os quais embasa a publicidade dos bens que comercializa, devendo apresentá-los em
juízo se provocado a tanto (COELHO, 1993, p. 78).
De modo ainda mais específico, a inversão do ônus probatório se apresenta importante também
quando se fizer necessária a prova de certos fatos, como o do consumidor ter ou não consumido
determinado produto. Nessa situação, se o consumidor for considerado hipossuficiente ou se suas
alegações se mostrarem razoáveis a ponto de levar o magistrado a acreditar que realmente são
verdadeiras, podendo determinar que quem deve fazer a prova de que o fato não ocorreu, ou que tendo
ocorrido não se deu do modo narrado pelo consumidor, será o fornecedor.
A inversão do ônus probatório, como ensina Calamandrei (1999, p. 331), é instituída em algumas
situações visando eliminar, no curso do processo, os perigos derivados de desigualdades sociais, alme-
jando assim:
[...] colocar a parte mais fraca em condições de paridade inicial frente à parte mais forte, e em impedir que, por causa da
inferioridade de cultura e de meios econômicos, a igualdade de direito possa se transformar, diante dos juízes, numa
desigualdade de fato.

Salienta-se que em inúmeras outras passagens se detecta a proteção do consumidor, como


quando, por exemplo, resta evidenciado o desequilíbrio entre as partes em razão de cláusula de eleição
de foro, tendo-se a mesma como inexistente aplicando a regra de competência estabelecida pelo CDC,
prevalecendo a do domicílio do aderente (TAMG, Ai 218.224-9).
Merece ser lembrado ainda que o fornecedor é obrigado a cumprir a oferta em seus exatos termos,
podendo ser obrigado a contratar nos termos em que a formulou caso o consumidor se proponha a
pagar o valor do bem ofertado, e que as cláusulas abusivas, ou seja, aquelas que de um modo geral criam
desvantagens exageradas para o polo mais fraco da relação jurídica, são tidas como nulas, portanto,
sem que possam alcançar a maturidade necessária à produção de quaisquer efeitos.
Ademais, o legislador mostra-se preocupado com o consumidor, também, entre outras passagens,
quando impõe a título de cláusula penal moratória o percentual máximo de dois por cento ou quando
permite a desconsideração da personalidade jurídica, portanto, obrigando o patrimônio pessoal do
sócio, na hipótese do patrimônio da empresa que causou danos ao consumidor não possuir bens
suficientes para indenizá-lo.

Da revisão contratual
O princípio da equivalência material dos contratos (BRITO, 2007) é conhecido desde a época de
Aristóteles, portanto, há mais de 2 500 anos (ARISTÓTELES, 2001, p. 96). Entretanto, esteve afastado
dos diplomas legislativos por longa data, especialmente durante o império do liberalismo que via na
vontade livremente manifestada evidente sinônimo de justiça.

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84 | Da proteção à revisão contratual

Como bem ensina Rodrigo Toscano de Brito (2007, p. 29):


O princípio da equivalência material ou do equilíbrio contratual é aquele pelo qual se deve buscar e manter a justiça
contratual, objetivamente considerada, em todas as fases da contratação, independentemente da natureza do contrato,
e sempre com base na eticidade, lealdade, socialidade, confiança, proporcionalidade e razoabilidade nas prestações.

Em tempos atuais, a equivalência concreta entre as prestações há de estar sempre presente em


oposição ao individualismo egoísta, e mesmo que sua aplicação traga alguma insegurança enquanto
norma abstrata aplicável que visa ao reequilíbrio dos contratos sujeitos aos abalos e movimentações
econômicas, nem por isso há de ser ignorado (LORENZETTI, 1998, p. 36-37). Imagine, de acordo com
Álvaro Villaça Azevedo (2003, p. 37), a situação em que um engenheiro se obrigou a construir uma casa
fornecendo mão de obra e material pelo preço de R$200.000,00, recebendo de honorários R$50.000,00,
quando, por motivo imprevisível, tendo ocorrido inesperada brusca alteração no mercado, vê aumentar
o valor do salário a ser pago aos seus funcionários e o custo dos materiais que deverá utilizar na obra,
sendo obrigado a trabalhar sem nada receber. Parece evidente que em situações assim consubstan-
ciadas, o contrato poderá ser revisto a fim de que a comutatividade do contrato seja resgatada.
Nesse contexto e reconhecendo a necessidade de manutenção do equilíbrio entre as prestações
assumidas pelos contratantes, pode-se afirmar que a Lei 8.078/90 resgata e consagra definitivamente
no ordenamento jurídico brasileiro a cláusula rebus sic stantibus, especialmente diante de obrigações
que carreguem consigo extrema onerosidade (GRINOVER, 1998, p. 116), autorizando assim, quando
necessário, a intervenção do Poder Judiciário visando à revisão dos contratos.
Ato contínuo, como o direito não suporta o enriquecimento sem causa, sempre que possível o
contrato deverá ser revisto, reestruturado, reconstruído, ou se isso não for possível, há de aplicar-se a
fórmula de Justiniano, que autoriza a resolução do negócio quando houver desequilíbrio, seja ele moti-
vado ou não em um fato imprevisível (AZEVEDO, 2003, p. 41), posto que o CDC, ao contrário do CC, não
exige esse pressuposto.
Em boa hora, o CDC destacou no artigo 6.º, V, que é direito básico do consumidor “a modificação
das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de
fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”, sendo manifestas as vantagens do
consumidor que advém desse dispositivo legal.
Em verdade, como leciona Otávio Luiz Rodrigues Junior (2006, p. 207) nada impede que forne-
cedor e consumidor possam recorrer à revisão do contrato quando preenchidos os pressupostos para
sua caracterização, “porém, respeitando-se o princípio da vulnerabilidade, o consumidor poderá optar
entre a revisão ou a resolução do contrato, enquanto ao fornecedor é limitada a prerrogativa de postular
sua revisão por onerosidade excessiva”.
Pode-se afirmar que essa previsão legal se divide em dois planos, a primeira, atada ao sinalagma
genético, quando permite a revisão do contrato afastando as cláusulas que estabeleçam originariamente
prestações desproporcionais entre si, sendo que sobre esse assunto, Cláudia Lima Marques (1998,
p. 412) lembra que o CDC autoriza, por exemplo, a modificação da cláusula que fixa o preço de certo
produto ou serviço, hipótese em que geralmente não há regra supletiva para preencher a lacuna, ou
seja, não há parâmetro objetivo a ser utilizado, e tendo a lei levado em conta que a sanção de nulidade

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Da proteção à revisão contratual | 85

não seria apta a preencher sua função, pois implicaria no retorno das partes ao momento anterior ao da
contratação, permite ao juiz rever as cláusulas do contrato para reencontrar o equilíbrio perdido diante
da onerosidade excessiva.
Essa solução se mostra adequada, seja porque mantém o negócio jurídico, o que garante a
estabilidade social que continuará a contratar, seja porque, ao mesmo tempo, afere-se a necessidade de
proteção do vulnerável, posto que contratos pactuados com manifesta desproporção no preço, “conduz
à ideia de que deve ser reprimida a exploração contra os mais fracos” (ALMEIDA, 2005, p. 241).
Como exemplo também bastante comum de contratos sujeitos à revisão pode ser lembrado
o caso dos planos de saúde, como se afere deste julgado extraído do Tribunal de Alçada do Paraná
que determinou a alteração de cláusula contratual embasado na argumentação de que não sendo
possível verificar de forma clara e ostensiva os critérios e índices de reajuste de mensalidade em
caso de deslocamento de faixa etária, e, por consequência, não se permitindo ao usuário que tivesse
conhecimento do gravame que teria de suportar, quando atingisse as “idades limítrofes, não há
como acolher o aumento unilateral em quase 100% da contraprestação pecuniária, ante a flagrante
onerosidade excessiva” (TAPR. Ac. 241751-2).
Quanto ao segundo campo de aplicação da aludida regra jurídica, tem-se que está ligada à noção
de sinalagma funcional, ou seja, deve ser analisada no curso da relação jurídica obrigacional, tendo por
intuito manter o equilíbrio das prestações por meio do tempo; especialmente nas hipóteses em que fatos
futuros alterem as circunstâncias em que o consenso foi manifestado (MORAES, 2001, p. 270-271); pois, a
ausência, mesmo que superveniente, do equilíbrio financeiro na relação obrigacional, desvirtua o objeto
desejado pelos sujeitos e “torna o liame iníquo por fator alheio ao ajuste” (LISBOA, 2000, p. 218).
Para a instrumentalização dessa teoria há de ser analisado se a base do negócio foi atingida, ou
seja, se a economia contratual foi afetada tornando insuportável o adimplemento da obrigação assu-
mida pelo consumidor e se tal fato ocorreu por conta de uma situação de anormalidade, portanto, não
corriqueira (ALMEIDA, 2005, p. 244). Vale lembrar, ainda, que a razão do desequilíbrio não pode ter sido
provocada pelo contratante que pretende rever os termos do contrato (AZEVEDO, 2003, p. 44).
A possibilidade de revisão do contrato acaba por revelar-se como mais uma forma de intervenção
do Estado na proteção do consumidor, posto que resta claro o papel exercido por aquele quando “o juiz
efetua a revisão do contrato, seja porque houve rompimento do equilíbrio contratual ou quando fatores
externos tornam o pacto excessivamente oneroso ou anula cláusulas consideradas abusivas” (SANTOS,
2002, p. 41).
Aliás, é importante destacar que ao prever a possibilidade de revisão dos contratos, o legislador
acaba protegendo toda a sociedade, pois na medida em que:
[...] a nulidade de cláusula contratual não contamina todo o negócio, sendo isso possível, naturalmente [e] em aten-
dimento ao princípio da conservação do contrato, a interpretação das estipulações negociais, o exame das cláusulas
apontadas como abusivas e a análise da presunção de vantagem exagerada devem ser feitas de modo a imprimir
utilidade e operatividade ao negócio jurídico de consumo, não devendo ser empregada solução que tenha por escopo
negar efetividade à convenção negocial de consumo. (GRINOVER, 1998, p. 432)

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86 | Da proteção à revisão contratual

Atividades
1. Cite pelo menos quatro situações em que se manifesta a preocupação do legislador com a
proteção do consumidor.

2. O consumidor merece realmente ser tão protegido pelo legislador? Explique.

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Da proteção à revisão contratual | 87

3. Em que situações poderá se dar a revisão do contrato?

4. O consumidor poderá, hoje, buscar a revisão do contrato, alegando que o fenômeno inflacionário
nos dias atuais foi o responsável pelo desequilíbrio do contrato?

Para refletir
É realmente vantajoso para a estabilidade das relações jurídicas a possibilidade dada ao
consumidor de rever os termos do contrato pactuado em razão de fatos supervenientes, ou mesmo,
por conta de cláusulas que imponham prestações desproporcionais?

Dica de estudo
TARTUCE, Flávio. A revisão do contrato pelo novo Código Civil: crítica e proposta de alteração do art. 317
da Lei 10.406/02. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo (Coord.). Questões Controvertidas
no Novo Código Civil. São Paulo: Método, 2003.

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88 | Da proteção à revisão contratual

Referências
ALMEIDA, João Batista de. Resolução e revisão dos contratos. In: PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos;
PASQUALOTTO, Adalberto (Coord.). Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002:
convergências e assimetrias. São Paulo: RT, 2005.
ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. Tradução de: Mário da Gama Kury. Brasília: UnB, 2001.
AZEVEDO, Álvaro Villaça. O novo Código Civil brasileiro: tramitação; função social do contrato; boa-fé
objetiva; teoria da imprevisão e, em especial, onerosidade excessiva (laesio enormis). In: ALVIM, Arruda;
CÉSAR, Joaquim Portes de Cerqueira; ROSAS, Roberto (Coord.). Aspectos Controvertidos do Novo
Código Civil. São Paulo: RT, 2003.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
BRITO, Rodrigo Toscano de. Equivalência Material dos Contratos: civis, empresariais e de consumo.
São Paulo: Saraiva, 2007.
CALAMANDREI, Piero. Direito Processual Civil. Tradução de: Luiz Abezia e Sandra Drina Fernandes
Barbery. Campinas: Bookseller, 1999. v. 1.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas:
Bookseller, 2002.
CATALAN, Marcos Jorge. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista
Scientia Iuris, Londrina, 2004.
COELHO, Fábio Ulhoa. A publicidade enganosa no Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito
do Consumidor, São Paulo, p. 69-78. n. 8, out./dez., 1993.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no projeto
de Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 139, jul./set., 1998.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
GOMES, Orlando. Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1995.
GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores
do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.
KHOURI, Paulo Roberto Roque Antônio. Contratos e Responsabilidade Civil no CDC. Brasília: Brasília
Jurídica, 2002.
LISBOA, Roberto Senise. Contratos Difusos e Coletivos: consumidor, meio ambiente, trabalho, agrário,
locação, autor. São Paulo: RT, 2000.
LORENZETTI, Ricardo Luis. Redes contractuales: conceptualización jurídica, relaciones internas de cola-
boración, efectos frente a terceros. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 28, p. 36-37, out./
dez., 1998.

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Da proteção à revisão contratual | 89

MARQUES, J. P. Remédio. A promoção de produtos e serviços e os direitos dos consumidores. Revista de


Direito do Consumidor, São Paulo, n. 7 p.119-140, jul./set. 1993.
MORAES, Renato José de. Cláusula rebus sic stantibus. São Paulo: Saraiva, 2001.
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos Contratos. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
POTHIER, Robert Joseph. Tratado das Obrigações. Tradução de: Adrian Sotero de Witt Batista e Dou-
glas Dias Ferreira. Campinas: Servanda, 2002.
RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana. Saraiva:
São Paulo, 2002.
SANTOS, Antônio Jeová. Função Social, Lesão e Onerosidade Excessiva nos Contratos. São Paulo:
Método, 2002.
SOUZA, Silvio Capanema de. O impacto do novo Código Civil no mundo dos contratos. Revista Jurídica
Consulex, Brasília, n. 176, maio, 2004, v. 9.
TARTUCE, Flávio. A revisão do contrato pelo novo Código Civil: crítica e proposta de alteração do art. 317
da lei 10.406/02. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo. (Coord.). Questões Controvertidas
no Novo Código Civil. São Paulo: Método, 2003.
TOSCANO DE BRITO, Rodrigo Azevedo. Incorporação Imobiliária à Luz do CDC. São Paulo: Saraiva,
2002.

Gabarito
1. Educação e proteção do consumidor por meio da criação dos Procons.

Criação e manutenção de: a) assistência jurídica gratuita para o consumidor comprovadamente


carente; b) “Delegacias de Polícia Especializadas no atendimento de consumidores vítimas de
infrações penais de consumo”; c) “Juizados Especiais e Varas Especializadas para a solução de
litígios de consumo”, ações que certamente, uma vez implementadas, permitirão que a lei alcance
seus objetivos.

Salienta-se que a proteção dos contratantes se dá também quando da análise do momento


de execução do negócio, ou seja, por ocasião do desempenho das prestações assumidas, o
que nem sempre se dá no mesmo lapso temporal da formação do contrato, como facilmente
se observa nos contratos que não exigem pagamento à vista. Essa tutela busca resguardar o
interesse do contratante que possa ser lesado pela alteração da base negocial, ou seja, por um
fato não imaginado que desequilibra o contrato em razão da distorção do valor das prestações
reciprocamente assumidas; autorizando-se, nesse caso, a revisão do negócio ou a resolução do
contrato existente entre as partes.

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90 | Da proteção à revisão contratual

Retomando o contido no CDC, visando à proteção do polo mais fraco da relação jurídica, inúmeras
são as formas de proteção do vulnerável, como por exemplo, se detecta na figura da inversão do
ônus da prova.

De modo ainda mais específico, a inversão do ônus probatório se apresenta importante também
quando se fizer necessária a prova de certos fatos, como o do consumidor ter ou não consumido
determinado produto. Nessa situação, se o consumidor for considerado hipossuficiente ou se
suas alegações se mostrarem razoáveis a ponto de levar o magistrado a acreditar que realmente
são verdadeiras, podendo determinar que quem deve fazer a prova de que o fato não ocorreu, ou
que, tendo ocorrido, não se deu do modo narrado pelo consumidor, será o fornecedor.

Nulidade da cláusula de eleição de foro, tendo-se a mesma como inexistente aplicando a regra de
competência estabelecida pelo CDC, prevalecendo a do domicílio do aderente.

O legislador mostra-se ainda preocupado com o consumidor, também, entre outras passagens,
quando impõe a título de cláusula penal moratória o percentual máximo de dois por cento ou
quando permite a desconsideração da personalidade jurídica, portanto, obrigando o patrimônio
pessoal do sócio, na hipótese do patrimônio da empresa que causou danos ao consumidor não
possuir bens suficientes para indenizá-lo.

2. Sim. O consumidor é tutelado em razão de sua vulnerabilidade e é a partir do reconhecimento


dessa situação pelo legislador que se transforma em destinatário da proteção do ordenamento
jurídico, mormente porque a cada dia novos produtos e novas técnicas publicitárias se destinam
a fazer com que aquele acredite que precisa de uma infinidade de bens, em verdade, em sua
maioria, absolutamente supérfluos.

3. O Código destacou no artigo 6.º, V, que é direito básico do consumidor “a modificação das
cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de
fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”, sendo manifestas as vantagens
do consumidor que advém desse dispositivo legal.

Pode-se afirmar que essa previsão legal se divide em dois planos, a primeira, atada ao sinalagma
genético, quando permite a revisão do contrato afastando as cláusulas que estabeleçam
originariamente prestações desproporcionais entre si, sendo que sobre esse assunto, Cláudia
Lima Marques (1998, p. 412) lembra que o CDC autoriza, por exemplo, a modificação da cláusula
que fixa o preço de certo produto ou serviço, hipótese em que geralmente não há regra supletiva
para preencher a lacuna, ou seja, não há parâmetro objetivo a ser utilizado, e tendo a lei levado
em conta que a sanção de nulidade não seria apta a preencher sua função, pois implicaria no
retorno das partes ao momento anterior ao da contratação, permite ao juiz rever as cláusulas do
contrato para reencontrar o equilíbrio perdido diante da onerosidade excessiva.

4. Pessoal – resposta no último tópico da aula.

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Cumprimento da oferta
e regramento da publicidade
A oferta no Código de Defesa
do Consumidor e seu regramento
Como leciona Christiano Augusto Corrales de Andrade (2002, p. 73) “a oferta, tradicionalmente,
foi definida como uma manifestação de vontade unilateral [por meio] da qual uma pessoa faz conhecer
sua intenção de contratar e as condições essenciais do contrato”.
A partir dessa noção, pode ser afirmado que o regime da oferta no sistema criado pelo Código de
Defesa do Consumidor (CDC) é bastante peculiar, pois tendo por escopo primordial proteger a confiança
daqueles que venham a ser atingidos pelas mensagens publicitárias, impõe que deve estar incluída na
oferta toda informação levada ao conhecimento do consumidor e, por consequência, determina que
o conteúdo da publicidade tem necessariamente que incorporar os termos do contrato, tenha aquele
sido ou não discutido pelas partes; impedindo ainda que o fornecedor possa se reservar ao direito de
não cumpri-la (MARQUES, 2005, p. 33). Ao contrário do que pode ocorrer nas propostas formuladas
nos contratos paritários regrados pelo Código Civil (CC), diploma legal que autoriza que reserva dessa
natureza seja formulada, desde que informado o destinatário da proposta.
Como no âmbito das relações de consumo não é possível negar que a oferta parte do fornecedor,
maior interessado em lançar, apresentar, divulgar e vender um bem ou serviço que comercializa, obriga-
-se então, consequentemente, a desempenhar a prestação prometida ao consumidor nos termos em
que a propôs, mesmo que as informações prestadas em sede publicitária não integrem as cláusulas do
contrato (ANDRADE, 2002, p. 75).
Ratificando essa ideia, vale lembrar que consoante o artigo 30 do CDC:

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92 | Cumprimento da oferta e regramento da publicidade

Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com
relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e
integra o contrato que vier a ser celebrado.

Ao comentar essa regra, Valéria Cristina Pereira Furlan (1994, p. 107) destaca que o artigo sob
análise consagra, de maneira hialina, o princípio da veiculação da oferta, instrumento que tende a asse-
gurar maior lealdade e veracidade nas mensagens publicitárias.
Do dispositivo legal analisado podem ser extraídos alguns deveres impostos ao fornecedor, entre
eles merecendo destaque inicialmente o fato de que resta claro que quando aquele utiliza argumentos
publicitários visando alienar um bem ou um serviço, assume a responsabilidade de que as caracterís-
ticas apontadas no comercial levado ao conhecimento do público por meio da televisão ou de outro
meio de comunicação, realmente existe.
Por consequência, obriga-se a assegurar, por exemplo, que o preço divulgado em jornais e
panfletos é realmente o que será cobrado pelo objeto inserido no mercado de consumo, e que as
características destacadas na mensagem publicitária existem de fato e que o produto irá satisfazer a
expectativa depositada pelo consumidor nas informações que lhe foram por aquela forma transmitidas,
responsabilizando-se pela divergência entre a situação de fato e a informação levada ao conhecimento
público, salvo na hipótese de ser tão gritante o erro a ponto de ser percebido por qualquer pessoa.
Extrai-se ainda que a oferta formulada ao público em geral e ao consumidor de modo específico é
irrevogável, muito embora possa ter sua eficácia limitada a certo número de produtos ou a determinado
período no tempo, restrições que também devem ser informadas de modo ostensivo ao consumidor,
sob pena de não produzir o efeito almejado pelo fornecedor comerciante.
O que é prometido deve ser cumprido, como tem constantemente decidido o Superior Tribunal
de Justiça (STJ), como na hipótese em que certo incorporador imobiliário prometeu que as unidades a
serem comercializadas seriam financiadas por determinada empresa e posteriormente aferiu-se que a
situação não era bem essa; valendo a pena transcrever parte da ementa do julgado:
[...] toda informação ou publicidade, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos
e serviços oferecidos ou apresentados, desde que suficientemente precisa e efetivamente conhecida pelos consumi-
dores a que é destinada, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar, bem como integra o contrato que
vier a ser celebrado [e] se o fornecedor, através [sic] de publicidade amplamente divulgada, garantiu que os imóveis
comercializados seriam financiados pela Caixa Econômica Federal, submete-se a assinatura do contrato de compra e
venda nos exatos termos da oferta apresentada [...]. (REsp 341.405)

Dessa feita, se o fornecedor deixar de cumprir o que prometeu no momento em que o contrato
está por se aperfeiçoar com a manifestação de vontade do consumidor, este poderá exigir o adimple-
mento do que foi prometido e se, por acaso, o contrato vier a ser firmado com conteúdo distinto do
prometido, poderá ser resolvido, ou seja, dissolvido motivadamente pelo consumidor, caso o bem ou o
serviço adquirido não tiver as qualidades apresentadas.
Nesse sentido, recentemente decidiu o Tribunal de Justiça do Paraná destacando que:
[...] aplica-se o Código de Defesa do Consumidor quando, num dos polos da relação jurídica se encontrar pessoa que
oferece, mediante publicidade para o público em geral, número expressivo de bens e disponibiliza serviços vinculados a
esses bens, devendo o adquirente sujeitar-se às normas previamente elaboradas pelo fornecedor, sem poder discuti-las,

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Cumprimento da oferta e regramento da publicidade | 93

caracterizando um típico contrato de adesão [e] comprovado o descumprimento da proposta veiculada por meio
de folders, há o direito do autor rescindir [sic] o negócio e receber os valores despendidos, nos termos da legislação
consumerista [...]. (TJPR. Ap. Cível. 0271871-8)

É importante deixar claro que na hipótese do fornecedor de produtos ou serviços deixar de dar
fiel cumprimento à oferta, analisada aqui, a partir de sua completude, considerando-se o modo de apre-
sentação e a publicidade na divulgação do bem inserido no mercado, o consumidor tem o direito de, à
sua livre escolha:
a) como já visto, exigir o cumprimento da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou
publicidade, se necessário, podendo recorrer aos órgãos administrativos e mesmo ao Poder
Judiciário para exercitar esse direito;
b) aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;
c) desistir do contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada,
monetariamente atualizada, além de ter direito a eventuais perdas e danos nascidas em razão
da frustração de sua expectativa.
Vale lembrar que o fornecedor é solidariamente responsável pelos atos praticados por seus
prepostos ou representantes autônomos e, desse modo, o fornecedor responderá pelas promessas
realizadas por seus funcionários ou representantes comerciais e destinadas ao consumidor, mesmo que
aquele não tenha autorizado as mesmas.
Continuando com o desenvolvimento do tema, é importante salientar que inspirado no princípio
da transparência, o artigo 31 da lei consumerista determina que a oferta dos produtos e serviços
inseridos no mercado de consumo deverá trazer informações corretas, precisas, ostensivas, e ainda, ser
promovida em língua portuguesa, informando o consumidor de modo adequado sobre características,
qualidade, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados,
bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores, valorizando, assim,
a importância da informação e facilitando a escolha do objeto do desejo do consumidor.
Novamente amparado no citado princípio e visando proteger o consumidor que muitas vezes
compra apenas por conta dos impulsos que lhe são criados pelo, cada vez mais, competente mercado
publicitário, o legislador dita ainda que caso a oferta ou a venda sejam realizadas por telefone, reembolso
postal, ou prática similar, como ocorre nos negócios pactuados por meio da internet, deverá constar o
nome do fabricante e seu endereço na embalagem, publicidade e em todos os impressos utilizados na
transação comercial.
O legislador não se preocupou apenas com o modo em que a oferta será realizada, determinando
ainda que uma vez criado ou introduzido no mercado um novo bem de consumo, tanto seus fabricantes
como seus importadores, estão obrigados a assegurar a oferta de peças de reposição enquanto esse
produto estiver sendo fabricado ou importado, e mais que isso, impõe o CDC, se cessada a produção ou
importação, a manutenção da oferta de peças de reposição por período razoável, de modo a assegurar
que, durante o prazo de vida útil do bem retirado do mercado por qualquer razão (salvo se por exigência
do poder público, o que pode ocorrer em razão dos riscos que ofereça à saúde ou à segurança), o
consumidor tenha assegurado sua utilidade.

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94 | Cumprimento da oferta e regramento da publicidade

Proteção do consumidor destinatário da publicidade


O CDC não se preocupou apenas em regrar como deve ser realizada a oferta dos produtos e
serviços inseridos no mercado de consumo, tratando também, ainda que em linhas gerais, da
publicidade, estabelecendo inicialmente em seu artigo 36 que “a publicidade deve ser veiculada de tal
forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal”, vedando, a partir daí que, por
exemplo, o fornecedor divulgue seus produtos ou serviços em forma de matéria jornalística, dificultando
a percepção da propaganda pelo consumidor.
Com essa afirmação não se quer negar que uma matéria jornalística possa ter por objeto a análise
de um produto ou mesmo a comparação de vários bens similares, entretanto, o que se pretende destacar
é que, enquanto o principal escopo da reportagem é a informação, o foco primordial da publicidade é a
comercialização do objeto destacado e desse modo, como antecipado, a lei preocupa-se em evitar que
a divulgação de certo produto possa ser confundida com uma notícia (SIQUEIRA; DAL BIANCO, 1998,
p. 113) em prejuízo da livre escolha a ser formulada pelo destinatário da mensagem publicitária.
Outra regra importante sobre o tema abordado é encontrada no parágrafo único do aludido
dispositivo legal, impondo ao fornecedor o dever de manter em seu poder os dados fáticos, técnicos
e científicos que amparam a mensagem publicitária. Isso quer dizer que uma vez chamado em juízo
para apresentar tais dados, deverá fazê-lo, como pode ocorrer em uma ação de indenização movida
pelo consumidor que adoeceu após consumir determinado produto de cuja embalagem constava
não conter certa substância que para ele é nociva, sob pena de ser tida como verdadeira a informação
trazida ao processo pelo consumidor, que dentro de padrões de razoabilidade, acreditou que o bem
adquirido possuía as características informadas na embalagem ou na publicidade veiculada nos mais
distintos meios de comunicação.
Pense ainda na empresa loteadora que, durante a campanha publicitária, visando à divulgação
de novos lotes a serem comercializados em forma de chácaras de lazer, afirma que naquela área existe
plena possibilidade de que sejam perfurados poços semiartesianos; hipótese em que, caso o consumidor
alegue a impossibilidade de escavação ou funcionamento dos mesmos, o fornecedor deverá provar, por
meio dos estudos previamente realizados, que tal obra é viável.
Por sua vez, o artigo 37 da lei especial delimita a noção de publicidade enganosa e abusiva,
caracterizando-se a primeira como:
[...] qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por
qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características,
qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

Por sua vez, a segunda é compreendida como a que seja discriminatória, que incite à violência,
que explore o medo ou a superstição, que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da
criança, que desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar
de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.
Afere-se, assim, em linhas gerais, que enquanto a publicidade enganosa ocupa-se com a veraci-
dade das informações contidas na veiculação publicitária, há abusiva busca em proteger alguns valores
vigentes no seio social, entre eles, a manutenção da paz social e o respeito aos bens ambientais.
Salienta-se que é irrelevante se houve ou não intenção do consumidor em violar os aludidos
parâmetros, sendo irrelevante se sua conduta é dolosa ou culposa, pois esse juízo há de ser formulado
objetivamente, bastando que haja o desrespeito aos limites impostos na lei para que a publicidade

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seja reconhecida como enganosa ou abusiva. Essa ideia não é pacífica, pois há autores, como Roberto
Grassi Neto (2007, p. 89-90), que entendem que a lei deveria ter trazido a expressão dolo no lugar de
erro, situação que refletiria a intenção do fornecedor em prejudicar o consumidor mediante a prática
de ardis; afirmando ainda que não se pode esperar que em um curto anúncio divulgado pela televisão
contenha todas as informações inerentes a certo produto ou serviço.
Como exemplo de publicidade enganosa pode ser lembrado o caso da:
[...] comparação de cremes dentais, no tocante ao poder de remoção de manchas, de forma global, lastreada em laudo
que considerou somente as manchas causadas por chá e café, sem divulgar ou testar o poder de remoção desses
cremes com relação às manchas causadas pelo fumo, xaropes e outros agentes [...]. (SIQUEIRA; DAL BIANCO, 1998,
p. 114)

A seu turno, exemplificando a publicidade abusiva, pode-se imaginar a hipótese da indução


do consumidor de tenra idade a jogar fora os calçados velhos porque uma famosa apresentadora
de programas infantis lançou uma nova marca e pretende a todo custo ingressar nesse novo nicho
econômico, ou ainda, a exploração da superstição popular com o lançamento de um produto que seria
hábil a manter longe da casa do consumidor o ET de Varginha ou o lobisomem.
A partir dessas noções, vale lembrar com Cláudia Lima Marques (1994, p. 10-11) que parece ser
claro que o CDC introduziu no direito brasileiro uma série de deveres para o fornecedor que utiliza a
publicidade como forma de divulgar sua marca e seus produtos ou serviços, e, consequentemente,
como mecanismo que incita o consumo, entre eles podendo ser lembrados o de “veracidade especial”,
posto que se a publicidade também comunica, não seria aceitável que esta ao trazer alguma informação
relevante não se paute pela absoluta realidade fática.

Atividades
1. Qual teria sido a razão que levou o legislador do CDC a estabelecer que a oferta é irrevogável?

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2. A oferta pode ser formulada em outro idioma que não a língua portuguesa? Explique.

3. O que o conteúdo prometido por meio de comerciais utilizados pelas empresas para a divulgação
de seus produtos e serviços, caso não esteja escrito nas cláusulas do contrato assinado pelas
partes, obriga o fornecedor? Justifique sua resposta.

4. Diferencie publicidade enganosa de abusiva e dê pelo menos um exemplo de cada uma delas.

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Para refletir
Qual fundamento teria levado o legislador a tratar a publicidade que desrespeita a valores
ambientais como abusiva, se o escopo da lei é o de proteger o consumidor enquanto parte mais fraca
na relação jurídica obrigacional?

Dica de estudo
Para conhecer mais sobre o tema dessa aula vale a pena acessar o site do Instituto de Defesa do
Consumidor (Idec): <www.idec.org.br>.

Referências
ANDRADE, Christiano Augusto Corrales de. Da Autonomia da Vontade nas Relações de Consumo.
Leme: LED, 2002.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas: Bookseller,
2002.
CATALAN, Marcos Jorge. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista
Scientia Iuris, Londrina, 2004.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no pro-
jeto de Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa. Brasília, v. 35, n. 139, jul./set., 1998.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
FURLAN, Valéria Cristina Pereira. Princípio da veracidade nas mensagens publicitárias. Revista de Direito
do Consumidor, São Paulo, n. 10, p. 97-125, abr./jun. , 1994.
GRASSI NETO, Roberto. Aulas de Direito do Consumidor. Santo André: Esetec, 2007.
MARQUES, Cláudia Lima. Três tipos de diálogos entre o código de defesa do consumidor e o Código Civil
de 2002: superação das antinomias pelo “diálogo das fontes”. In: PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos;
PASQUALOTTO, Adalberto (Coord.). Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002:
convergências e assimetrias. São Paulo: RT, 2005.
MARQUES, Cláudia Lima. Vinculação própria através da publicidade? A nova visão do Código de Defesa
do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 10, p. 7-21, abr./jun. , 1994.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
SIQUEIRA, Ricardo Lagreca; DAL BIANCO, Dânae. A publicidade comparativa no Brasil e no direito
comparado. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 28, p.111-128, out./dez., 1998.
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Gabarito
1. O regime da oferta no sistema criado pelo CDC é bastante peculiar, pois tendo por escopo
primordial proteger a confiança daqueles que venham a ser atingidos pelas mensagens
publicitárias, impõe que deve estar incluída na oferta, toda informação levada ao conhecimento
do consumidor, e, por consequência, determina que o conteúdo da publicidade tem
necessariamente que incorporar os termos do contrato, tenha aquele sido ou não discutido
pelas partes; impedindo ainda que o fornecedor possa se reservar ao direito de não cumpri-
-la (MARQUES, 2005, p. 33). Ao contrário do que pode ocorrer nas propostas formuladas nos
contratos paritários regrados pelo CC, diploma legal que autoriza que reservas dessa natureza
seja formulada, desde que informado o destinatário da proposta.

2. Inspirado no princípio da transparência, o artigo 31 da lei consumerista determina que a oferta


dos produtos e serviços inseridos no mercado de consumo deverá trazer informações corretas,
precisas, ostensivas, e ainda, ser promovida em língua portuguesa, informando o consumidor de
modo adequado sobre características, qualidade, quantidade, composição, preço, garantia, prazos
de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e
segurança dos consumidores, valorizando, assim, a importância da informação e facilitando a
escolha do objeto do desejo do consumidor.

3. Aquele que utiliza argumentos publicitários visando alienar um bem ou um serviço, assume a
responsabilidade de que as características apontadas no comercial, levado ao conhecimento do
público por meio da televisão ou de outro meio de comunicação, realmente existe.

Por consequência, obriga-se a assegurar, por exemplo, que o preço divulgado em jornais e
panfletos é realmente o que será cobrado pelo objeto inserido no mercado de consumo, e que
as características destacadas na mensagem publicitária existem de fato e que o produto irá
satisfazer a expectativa depositada pelo consumidor nas informações que lhe foram por aquela
forma transmitidas, responsabilizando-se pela divergência entre a situação de fato e a informação
levada ao conhecimento público, salvo na hipótese de ser tão gritante o erro a ponto de ser
percebido por qualquer pessoa.

Dessa feita, se o fornecedor deixar de cumprir o que prometeu no momento em que o contrato
está por se aperfeiçoar com a manifestação de vontade do consumidor, este poderá exigir o
adimplemento do que foi prometido, e se por acaso, o contrato vier a ser firmado com conteúdo
distinto do prometido, poderá ser resolvido, ou seja, dissolvido motivadamente pelo consumidor,
caso o bem ou o serviço adquirido não tiver as qualidades apresentadas.

4. O artigo 37 da lei especial delimita a noção de publicidade enganosa e abusiva, caracterizando-se


a primeira como: “qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário,
inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir
em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades,
origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços”.

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Cumprimento da oferta e regramento da publicidade | 99

Por sua vez, a segunda é compreendida como a que seja discriminatória, que incite à violência,
que explore o medo ou a superstição, que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência
da criança, que desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se
comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.

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100 | Cumprimento da oferta e regramento da publicidade

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Contratos por adesão
O contrato por adesão, normalmente denominado de contrato de adesão, deve ser entendido
como o negócio cuja minuta ou clausulado vem previamente estipulado por um dos contratantes,
conteúdo ao qual se tem a opção de aderir ou não, ou como quer Cláudia Lima Marques (1998) são
aqueles contratos que têm seu conteúdo preestabelecido por uma das partes, restando à outra a
possibilidade de aceitar em bloco as cláusulas estipuladas unilateralmente sem poder modificá-las
substancialmente, ou recusar o contrato e procurar outro fornecedor de bens ou serviços.
Nesse mesmo sentido, reafirme-se que:
[...] contrato [por] adesão é aquele cujas cláusulas são preestabelecidas unilateralmente pelo parceiro contratual
economicamente mais forte (fornecedor) ne varietur, isto é, sem que o outro parceiro (consumidor) possa discutir
ou modificar substancialmente o conteúdo do contrato escrito [e desse modo] o contrato de adesão é oferecido ao
público em um modelo uniforme, geralmente impresso, faltando apenas preencher os dados referentes à identificação
do consumidor-contratante, do objeto e do preço [e consequentemente] aqueles que, como consumidores, desejarem
contratar com a empresa para adquirirem produtos ou serviços, já receberão pronta e regulamentada a relação
contratual e não poderão efetivamente discutir, nem negociar singularmente os termos e condições mais importantes
do contrato. (MARQUES; BENJAMIN; MIRAGEM, 2003, p. 714)

Tais premissas são extraídas em solo tupiniquim da dicção do artigo 54 do Código de Defesa do
Consumidor (CDC), que dispõe que “contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas
pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços,
sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”.
Salienta-se que nesse trabalho é utilizada a expressão contrato por adesão em vez de contrato
de adesão, haja vista que não se trata em verdade de um tipo contratual, de uma espécie determinada de
contrato como é o caso da compra e venda, da locação, da empreitada, do mútuo e do comodato, entre
tantos outros existentes no direito brasileiro, mas sim como é ululante, de uma forma de contratação.
Aliás, em verdade, adere-se mesmo é às condições gerais do contrato como quer Paulo Lôbo (2006,
p. 111), entretanto, não há espaço nessa obra para que a análise científica desse problema seja esmiuçada
e, caso haja interesse do leitor, poderá compreender melhor o assunto lendo a obra aqui destacada.
Ato contínuo, cumpre informar que se pode afirmar sem qualquer dúvida que os contratos por
adesão constituem-se como uma modalidade de formação do contrato que se coloca em oposição à
noção de contrato paritário, ou seja, de negócio minudentemente discutido pelos parceiros negociais,
já que na formação daqueles não existe liberdade de convenção, uma vez que o aderente se limita a
aceitar ou não as cláusulas e condições preestabelecidas pelo proponente (EFING, 2004, p. 232), como
visto, tendo no máximo o poder de discutir a forma de pagamento ou outros aspectos diminutos.
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102 | Contratos por adesão

Tal modalidade de contratação, em verdade, se faz necessária, e se justifica por diversos fatores,
entre eles: a velocidade em que as negociações se desenvolvem na atualidade; a escassez de tempo
causada pelo ritmo da vida moderna; a redução dos custos na fase pré-negocial; a uniformidade de
tratamento das relações, cada vez mais impessoalizadas; forma de contratar essa que, como visto, surge
em oposição ao clássico contrato paritário, que se sintetiza como aquele em que as partes negociam as
cláusulas detalhadamente.
Aliás, fato é que a maior parte dos contratos pactuados no âmbito das relações de consumo se
aperfeiçoa por adesão, que se de um lado é capaz de, como visto, agilizar o aperfeiçoamento dos negó-
cios jurídicos, de certo modo, possibilitando que um maior número de contratantes tenha acesso aos
bens, por outro lado, acaba “democratizando” e “socializando” as injustiças e os abusos, eis que a mesma
minuta carregada de preceitos particulares viciados na concepção, será imposta a milhares, às vezes,
milhões de consumidores, sem que estes possam previamente se insurgir contra esses abusos.
Exatamente por conta desses problemas, como bem ensina Federico de Castro y Bravo (1987,
p. 20), mais precisamente, visando evitar que uma classe fortaleça seu poder (os fornecedores) aprovei-
tando-se e usurpando a liberdade e as garantias dos membros de outra, que aos olhos deste trabalho
seriam os consumidores é que o legislador acabou determinando que alguns limites sejam observados
quando se contrata desse modo.
Interessante destacar aqui com Luiz Antônio Rizzatto Nunes (2005, p. 598), na medida em que
nessa modalidade de contratação não se pode falar em livre manifestação de vontade, tambem há de
se pensar na extensão dos efeitos do princípio da pacta sunt servanda, no vernáculo, força obrigatória
dos contratos, sendo ululante que se ela existir, encontrar-se-á bastante mitigada, se comparada aos
efeitos dos contratos pactuados após a existência de uma fase em que tenha ocorrido negociação das
cláusulas contratuais.
No intuito de sistematizar a matéria, é interessante destacar que um contrato por adesão pode
ser concebido a partir de algumas das suas características, entre elas: a bilateralidade, a generalidade,
a uniformidade e a abstração das cláusulas (RESTIFFE NETO; RESTIFFE, 2004, p. 63) e, ainda, a relativa
inalterabilidade e a eficácia concreta dependente de integração.
Uma rápida explicação do que seja cada uma dessas características se faz necessária:
a) bilateralidade – implica na necessidade de que para a formação de um contrato, impõe-se a
presença de pelo menos duas declarações de vontade;
b) generalidade – quer dizer que as cláusulas não são elaboradas tendo em conta a pessoa do
consumidor, mas sim um sem número de pessoas na mesma situação fática;
c) uniformidade – significa que analisando várias minutas, será observado que seguem um
mesmo padrão, se é que não se pode afirmar que são idênticas;
d) abstração das cláusulas – implica na existência das condições gerais do contrato,
independentemente da existência de um parceiro negocial concreto;
e) relativa inalterabilidade – traduz a ideia do pequeno poder dado ao aderente de alterar o
conteúdo das cláusula contratuais;
f) eficácia concreta dependente de integração – consiste no fato de que o contrato só produzirá
efeitos a partir do momento em que o aderente externa sua vontade de contratar.
Mas será efetivamente que o consumidor, dentro desse quadro que se apresenta, tem alguma
vantagem nessa forma de contratação, especialmente quando se analisa sua situação sob o prisma da
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Contratos por adesão | 103

necessidade de contratar, à qual muito bem alude em suas aulas o professor Flávio Tartuce, quando
lembra as situações de prestacão de serviços essenciais como água, energia elétrica, fornecimento de
gás, e mesmo hipóteses como as ligadas à alimentação, ao vestuário, à moradia e à saúde, mormente
porque a saúde pública no Brasil é, com a devida vênia, um caso de polícia.
Diante do quadro que se apresenta, resta evidente, como quer Teresa Negreiros (2002, p. 370),
que a manifesta desigualdade entre os contratantes legitima a imposição de medidas que tutelem
o aderente que não pôde negociar os termos do contrato pactuado, e por conta disso, a cada dia,
observa-se o nascimento de novas regras que buscam o reequilíbrio das relações externadas por tal
forma de contratação.
Muito embora os contratos por adesão sejam mais frequentes no âmbito das relações de
consumo, não se confundem com esses, daí que também poderão surgir na esfera das relações civis,
como em regra ocorre no caso dos contratos de locação, de leasing e como também pode ocorrer nos
casos de compromisso de compra e venda de imóveis pactuado entre particulares, e ainda, em todos
os demais em que as condições negociais sejam preestabelecidas por uma das partes.
Um belo exemplo da situação destacada observa-se nos contratos de aquisição de safra
pactuados entre agricultores e fecularias no estado do Paraná, haja vista que as empresas elaboram
as minutas de modo detalhado e posteriormente colhe a assinatura dos pequenos agricultores,
alterando-se apenas, em cada instrumento, a quantidade esperada do produto comprado em razão
da extensão das áreas cultivadas, aproveitando-se ainda, para além da vasta experiência e do quadro
de profissionais que desenvolvem a atividade mercantil e conhecem os segredos de sua área, no mais
das vezes, da necessidade dos pequenos agricultores em comercializarem a safra a ser colhida no
futuro para que possam alimentar seus rebentos.
Cumpre destacar que o legislador não fechou os olhos para o problema, e ainda que timidamente,
positivou a matéria nos artigos 423 e 424 do vigente Código Civil (CC), tratando o primeiro da
interpretação mais favorável ao aderente e o segundo vedando a renúncia antecipada a direito inerente
ao contrato e nesse condão, quando o intérprete vier a se defrontar com contradições ou obscuridades
nas cláusulas negociais ou mesmo quando vier a se deparar com flagrante desequilíbrio, com amparo
nas aludidas regras e, especialmente, tendo como fonte o texto constitucional e princípios como o da
função social, equilíbrio das prestações e boa-fé objetiva, deverá executar sua missão em busca da
solução mais justa, remediando a patologia existente; restando evidente que os contratos regrados
pelo CC também poderão ser infectados por cláusulas abusivas.
Também no CDC se afere a preocupação do legislador quando a construção de soluções para
o caso de problemas surgidos no âmbito hermenêutico, ditando, por exemplo, no artigo 47, que “as
cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”.
Trazendo o problema para o campo da práxis, decidiu recentemente o Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul (TR-RS) que:
[...] havendo dissonância entre a proposta (pré-contrato) e o contrato de promessa de compra e venda em efetivo
prejuízo ao consumidor, restam feridos os princípios da informação e da força cogente da proposta inscritos no CDC
[e] é dever de todo o fornecedor prestar as informações claras e precisas dos produtos e serviços postos à disposição
dos consumidores, [pois] as declarações de vontade constantes de escritos particulares, recibos, pré-contratos relativos
às relações de consumo vinculam o fornecedor [e dessa forma], o estabelecimento de reajustamento de parcela de
contrato de forma diversa do estatuído no pré-contrato traduz-se em evidente lesão aos direitos do consumidor. [...]
(Ap. Cível 70018566604)

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104 | Contratos por adesão

Como se afere desse julgado, a contradição se deu não na minuta contratual, mas sim entre o
conteúdo dessa e o das propostas preliminares, e mesmo assim, tutelando-se a boa-fé do consumidor,
vulnerável, como amplamente demonstrado ao longo de trabalho, promovendo-se a interpretação que
pôde ser mais favorável a ele.
Ademais, no que pertine às cláusulas que limitam direitos do consumidor, há de se destacar que
sua interpretação deve ser promovida sistematicamente e nunca literalmente ou de modo isolado,
posto que uma vez eleito esse caminho, dificilmente será possível demonstrar que tais cláusulas foram
redigidas de modo ininteligível, posto que lidas uma a uma, em regra, é possível aferir a clareza de seu
conteúdo e, por consequência, poderiam aparentar uma pseudovalidade (EFING, 2004, p. 235).
Vale lembrar ainda que, consoante o artigo 46 do CDC “os contratos que regulam as relações de
consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento
prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a
compreensão de seu sentido e alcance” e, por consequência, se qualquer das cláusulas que compõe o
contrato não for apresentada ao aderente e seu conteúdo adequadamente esclarecido, o consumidor
não estará obrigado a respeitá-la.
Merece destacar nesse contexto que os contratos por adesão devem ser escritos em termos claros
e com caracteres ostensivos e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor e que
as cláusulas que limitem direitos devem ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil
compreensão.
Em verdade, cumpre afirmar que o fornecedor não só está obrigado a redigir suas minutas de
modo claro e em linguagem acessível, mas também, no que tange às cláusulas que limitam ou restrigem
direitos do consumidor, tem o dever de destacá-las, seja utilizando negrito ou itálico, seja grafando-as
com uma letra maior que o padrão na minuta, seja, enfim, utilizando outra cor em tais cláusulas quando
do processo de impressão, sob pena de tais cláusulas, ainda que não possam ser caracterizadas como
abusivas e, portanto, nulas, não obrigarem o consumidor. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) ratifica
essa tese, dando razão ao consumidor não informado do conteúdo do clausulado limitativo de seus
direitos, como se observa no julgado agora transcrito:
[...] nos contratos de adesão as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com
destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão [pois] se assim não está redigida a cláusula limitativa, não tem
força para alcançar o consumidor, presente flagrante violação, que merece reconhecida. [...]. (REsp 255064 / SP)

O mesmo tribunal deu razão ao fornecedor que informou o consumidor de modo expresso
sobre uma limitação lícita no contrato que pactuavam, esclarecendo que os contratos de adesão são
permitidos em lei [e deste modo] o CDC impõe, tão somente, que:
[...] as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo
sua imediata e fácil compreensão [e] ainda que se deva, em princípio, dar interpretação favorável ao adquirente de
plano de saúde, não há como impor-se responsabilidade por cobertura que, por cláusula expressa e de fácil verificação,
tenha sido excluída do contrato. [...] (REsp 319707 / SP)

Assim, como quer Luiz Antônio Rizzatto Nunes (2005, p. 592) ”é o contexto que dirá do destaque
[e assim] se todo o texto estiver impresso num tipo gráfico corpo 8 e nele surgir uma palavra no tipo
gráfico corpo 20 em negrito, então o vocábulo estará destacado [entretanto] se todo o texto estiver
escrito no tipo 20 negrito, não haverá destaque algum, pois tudo se mistura”.
Ratificando essa tese, recentemente o TJ-RS decidiu que:
[...] a inscrição, em letras miudíssimas, na primeira página do vultoso encarte publicitário, de que o consumidor deveria
consultar os produtos disponíveis para a condição de pagamento noticiada, não tem o condão de escusar a fornecedora
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Contratos por adesão | 105

que no mesmo encarte, anuncia três produtos (dois dos quais adquiridos pela autora) em grupo separado e destacado
por uma mesma cor de fundo (laranja), constando à direita a inscrição de que o 1.º pagamento seria somente em
agosto. [...] (Ap. Cível 71001043942)

Desse modo, como se afere, impôs-se ao fornecedor o dever de conceder prazo maior que o
pretendido pelo credor para pagamento.
Quando se pensa em contrato por adesão, vale lembrar que “a inserção de cláusula no formulário,
por exemplo, sobre o preço, condições, data de entrega e outras, não desfigura a natureza de adesão
do contrato” (MARQUES; BENJAMIN; MIRAGEM, 2003, p. 714) e, desse modo, o fato de em um contrato
de compromisso de compra e venda de imóvel loteado haver discussão sobre o preço e o prazo para
pagamento não desfigura a forma em que tais negócios jurídicos são pactuados, assertiva essa que é
ratificada pelo conteúdo do parágrafo 1.º do artigo 54 do CDC.
Salienta-se, enfim, que eventual inserção de cláusula resolutiva expressa somente pode ser aposta
nos contratos por adesão, caso beneficie exclusivamente o consumidor, ou seja, a cláusula que dita que
no caso de não cumprimento da obrigação, autoriza-se a parte lesada a pôr fim ao contrato, exigindo
o retorno ao estado anterior ao da contratação, bem como a ser ressarcida dos prejuízos que possa ter
sofrido, só poderá ser pactuada em benefício do consumidor.

Atividades
1. Como se identifica um contrato por adesão?

2. Quais as características que se repetem constantemente e que permitem identificar um contrato


por adesão?

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106 | Contratos por adesão

3. Quais os efeitos da contratação pela via de adesão de um contrato que contenha cláusulas
limitativas de direito não destacadas na minuta?

4. Como interpretar cláusulas ambíguas inseridas em um mesmo contrato pactuado entre fornecedor
e consumidor?

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Contratos por adesão | 107

Para refletir
Seria possível à sociedade retornar ao modo de contratação que implicava na discussão, cláusula
a cláusula, do conteúdo de cada contrato a ser pactuado?

Dica de estudo
Não posso deixar de indicar pelo menos um autor clássico, especialmente porque são apenas 94
páginas, cuja leitura é extremamente agradável.
CASTRO Y BRAVO. Federico de. Las Condiciones Generales de los Contratos y la Eficacia de las Leyes.
Madrid: Civitas, 1987.

Referências
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas:
Bookseller, 2002.
CASTRO Y BRAVO, Federico de. Las Condiciones Generales de los Contratos y la Eficacia de las Leyes.
Madrid: Civitas, 1987.
CATALAN, Marcos Jorge. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista
Scientia Iuris, Londrina, 2004.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no
projeto de Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 139, jul./set.,
1998.
EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do Direito das Relações de Consumo. Curitiba: Juruá, 2004.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Condições gerais dos contratos e o novo código civil brasileiro. Revista
Trimestral de Direito Civil, Rio de Janeiro, n. 27, p.103-116, jul./set., 2006.
MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcelos; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao
Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2003.
NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato: novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.

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108 | Contratos por adesão

RESTIFFE NETO, Paulo; RESTIFFE, Paulo Sérgio. Contratos de adesão no novo Código Civil e no Código
de Defesa do Consumidor. In: PASCHOAL, Frederico; SIMÃO, José Fernando (Org.). Contribuições ao
Estudo do Novo Direito Civil. Campinas: Millennium, 2004.
RIZZATTO NUNES, Luiz Antônio. Curso de Direito do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 2005.

Gabarito
1. O contrato por adesão, normalmente denominado de contrato de adesão, deve ser entendido
como o negócio cuja minuta ou clausulado vem previamente estipulado por um dos contratantes,
conteúdo ao qual se tem a opção de aderir ou não.

Tais premissas são extraídas em solo tupiniquim da dicção do artigo 54 do CDC, que dispõe
que “contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade
competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que
o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo”.

2. Bilateralidade: implica na necessidade de que para a formação de um contrato, impõe-se a


presença de pelo menos duas declarações de vontade.

Generalidade: quer dizer que as cláusulas não são elaboradas tendo em conta a pessoa do
consumidor, mas sim um sem número de pessoas na mesma situação fática.

Uniformidade: significa que analisando várias minutas, será observado que seguem um mesmo
padrão, se é que não se pode afirmar que são idênticas.

Abstração das cláusulas: implica na existência das condições gerais do contrato, independen-
temente da existência de um parceiro negocial concreto.

Relativa inalterabilidade: traduz a ideia do pequeno poder dado ao aderente de alterar o conteúdo
das cláusula contratuais.

Eficácia concreta dependente de integração: consiste no fato de que o contrato só produzirá


efeitos a partir do momento em que o aderente externa sua vontade de contratar.

3. Ademais, no que diz respeito às cláusulas que limitam direitos do consumidor, destaca-se que sua
interpretação deve ser promovida sistematicamente e nunca literalmente ou de modo isolado,
posto que uma vez eleito esse caminho, dificilmente será possível demonstrar que tais cláusulas
foram redigidas de modo ininteligível, posto que lidas uma a uma, em regra, é possível aferir a
clareza de seu conteúdo e, por consequência, poderiam aparentar uma pseudovalidade (EFING,
2004, p. 235).

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Contratos por adesão | 109

Vale lembrar ainda que, consoante o artigo 46 do CDC “os contratos que regulam as relações
de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar
conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de
modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance”, e por consequência, se qualquer das
cláusulas que compõe o contrato não for apresentada ao aderente e seu conteúdo adequadamente
esclarecido, o consumidor não estará obrigado a respeitá-la.

4. Também no CDC se afere a preocupação do legislador quando a construção de soluções para o


caso de problemas surgidos no âmbito hermenêutico, ditando, por exemplo, no artigo 47, que “as
cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”.

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110 | Contratos por adesão

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Cláusulas abusivas
e proteção do consumidor
Justificando a necessidade de proteção do consumidor
Não se pode negar que, com o passar do tempo, o consumidor deixou de ser tratado como pessoa,
passando a ser visto como um número, especialmente diante dos novos bens e serviços inseridos no
mercado de consumo e, ainda, das técnicas empresariais surgidas com o fim de divulgar aqueles, como
se pode visualizar na publicidade, que a cada dia informa menos e convence mais, mormente quando
cria uma falsa necessidade de consumo de inúmeros bens e serviços, ou seja, os consumidores são
induzidos diuturnamente a comprar bens supérfluos (BESSA, 2007, p. 30).
Nesse contexto, a partir da constatação de que o consumidor é vulnerável, a proteção a ele dada pelo
Código de Defesa do Consumidor (CDC) acaba sendo justificada, haja vista que a lei pretende tão somente
manter a relação negocial havida entre forte (fornecedor) e fraco (consumidor) sempre equilibrada.
Almejando esse equilíbrio, o CDC, entre outros pontos, versa sobre as práticas abusivas e as
cláusulas abusivas, temas que passam a ser explorados a partir deste momento.

Um passar de olhos pelas práticas abusivas


A noção de prática abusiva está atada à ideia de restrição da conduta do fornecedor em seu
cotidiano, pois nas hipóteses previstas pelo legislador, e porque não em outras não destacadas
expressamente no texto legal, tendo em vista que o rol trazido pela lei não é taxativo, mas sim meramente
exemplificativo (MARQUES; BENJAMIN; MIRAGEM, 2003, p. 504), o comportamento externado pelo
fornecedor deve ser reprimido em prol da comutatividade do contrato.

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112 | Cláusulas abusivas e proteção do consumidor

Inicialmente, deve ser lembrado que ao se considerar que os escopos das práticas empresariais
visam colocar à disposição do consumidor bens ou serviços de qualquer natureza, ao fornecedor,
por exemplo, não será permitido criar uma nova necessidade de consumo em razão dos avanços
tecnológicos, e logo após retirá-lo do mercado de consumo de, quando este, passa a ser consumido em
grande escala (SAYEG, 1993, p. 45).
Ademais, à matéria é dada especial atenção por meio do rol de situações previstas no artigo 39
do CDC, que proíbe o fornecedor de bens ou serviços, entre outros comportamentos, a “condicionar
o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem
justa causa, a limites quantitativos”.
O inciso I do citado artigo veda, por exemplo, a prática conhecida por venda casada que, apesar
do nome, não se restringe a situações de venda e compra, mas também a outros negócios, como no
caso da locação de um imóvel negociada por uma imobiliária, que somente se aperfeiçoa, ou seja, cujo
contrato será pactuado se também for locada a garagem, ou se forem locados os móveis que guarnecem
o apartamento, mobiliário esse removível facilmente, e por cujas locações se cobra um preço maior que
o da exclusiva locação do local destinado à moradia do consumidor.
O inciso II do comentado dispositivo legal, por sua vez, dispõe que é vedado ao fornecedor
recusar-se a atender às demandas dos consumidores, uma vez tendo o produto em estoque e dessa
forma, no caso das conhecidas promoções que limitam a aquisição de produtos nos supermercados,
como normalmente ocorre com leite condensado, latas de cerveja, entre outros, a restrição imposta
pelo fornecedor viola a lei.
Por sua vez, a próxima vedação imposta pelo legislador visando à tutela do consumidor exposto
às práticas empresariais diz respeito ao envio ou entrega ao consumidor, sem solicitação prévia, de bem
ou fornecimento de qualquer serviço, hipótese em que, salvo exceções, o consumidor deverá entender
que recebeu uma amostra grátis.
Veja bem que, nesse caso, ocorre uma espécie de dicotomia quanto aos exemplos possíveis, pois
se o leitor receber em casa uma revista ou um alimento qualquer e abrir seus invólucros, visando ler a
revista ou consumir o alimento, não poderá, pelo que foi afirmado no parágrafo anterior, ser compelido
ao pagamento dos aludidos bens, entretanto, no caso de receber um cartão de crédito não solicitado,
desbloqueá-lo e utilizá-lo para compras das mais distintas, terá que pagar a fatura, pois, nesse caso,
além do ordenamento vedar o enriquecimento sem causa, há de se ter em conta que o produto foi
utilizado como um meio para a aquisição de outros bens.
Também é considerada abusiva, de acordo com o inciso IV do artigo sob análise, qualquer ato
que permita ao fornecedor “prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua
idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços”, podendo
ser destacado aqui, enquanto exemplo a ilustrar o dispositivo legal sob análise, em uma farmácia que
divulga perante uma comunidade de idosos a venda de bens milagrosos que ampliarão suas vidas em
vários anos.
A seu turno, o inciso V do artigo 39 nem mesmo precisaria estar descrito, porque resta claro em
todos os momentos do CDC a proibição ao fornecedor de “exigir do consumidor vantagem manifesta-
mente excessiva”; como é o caso de juros que refogem aos parâmetros de razoabilidade e a situação,
infelizmente ao que parece mais comum do que aparente, de contratos de honorários advocatícios
pactuados ajustando que o profissional terá direito a receber 50% daquilo que o cliente vier a receber
no futuro, transformando advogado e cliente em verdadeiros sócios. Saliente-se que essas situações
também podem ser tratadas como hipóteses de cláusulas abusivas, como logo adiante será analisado.
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Cláusulas abusivas e proteção do consumidor | 113

Tem-se ainda que pelo inciso VI, do artigo 39 do CDC, o fornecedor também está proibido de
“executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor,
ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes” e, desse modo, salvo a existência de
relação de confiança entre os contratantes, uma vez mais o consumidor não será obrigado a pagar
qualquer valor pela atividade desenvolvida pelo fornecedor que, no máximo, e se possível, poderá
reaver as peças destacáveis eventualmente utilizadas no serviço executado.
Frisa-se ainda ser expressamente vedada a criação de listas restritivas de consumidores, ou seja, é
ilícita a atividade que se caracteriza pelo repasse de informação depreciativa, referente a ato praticado
pelo consumidor no exercício de seus direitos e, dessa maneira, se em tese o fornecedor tem o direito
de inserir o nome do consumidor que não honra seus compromissos em bancos de dados como os dos
serviços de proteção ao crédito, por outro, não pode estar criando listas visando a não atender às expec-
tativas daqueles consumidores que usualmente reivindicam seus direitos.
Ato contínuo, cumpre destacar que o fornecedor tem o dever de, ao comercializar seus bens,
observar as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes ou por aqueles que ditam os parâmetros
a serem observados e que a infração a esse dispositivo legal se observa nos placebos, também conhecidos
por pílulas de farinha.
Destaca-se que o fornecedor se encontra em oferta permanente, sendo-lhe vedado, consoante
dita o inciso IX do artigo 39 do CDC “recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a
quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento”.
Também são consideradas abusivas práticas como a que se consubstancia no aumento, sem
justa causa, do preço de produto ou serviço, na aplicação de fórmula ou índice de reajuste diverso do
legal ou do contratualmente estabelecido pelas partes e, ainda, a que deixa a fixação do momento de
cumprimento do contrato unicamente a critério a ser eleito pelo fornecedor.

Das cláusulas abusivas:


compreendendo o tema e a sua importância
Uma cláusula contratual será considerada abusiva quando derivar do exercício anormal do poder
de predisposição das condições contratuais, ou seja, de elaboração unilateral dessas, como pode ocorrer
quando aquele que estipula as cláusulas do negócio aproveita-se de seu poder para impor cláusulas
que prejudicarão aquele que está aderindo ao contrato, em razão do desequilíbrio das prestações que
estão sendo reciprocamente assumidas (GALDINO, 2001, p. 14).
Nesse contexto, como bem ensina Antônio Carlos Efing (2004, p. 226), o regramento das cláusulas
abusivas parte da necessidade da criação de instrumentos destinados a manutenção da equidade contra-
tual, de modo a que seja alcançada efetiva justiça substancial. Dessa forma, visa corrigir os desequilíbrios
que podem surgir em razão da supremacia que o fornecedor exerce quando da formação do contrato.
Para que se possa definir o que seja uma cláusula abusiva, dois caminhos podem ser eleitos: o
primeiro liga a abusividade ao abuso de direito, a partir da ideia de que se faz necessário o uso malicioso
do poder de contratar ou, no mínimo, o desvio da finalidade desse poder reconhecido e concedido
aos particulares pelo Estado; o segundo aproxima a abusividade aos parâmetros da boa-fé objetiva e

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114 | Cláusulas abusivas e proteção do consumidor

da lealdade, sem que haja necessidade de perquirir as razões que levaram o proponente a formular as
cláusulas contratuais e, por consequência, aferindo-se apenas se há ou não comutatividade, equilíbrio
ou razoabilidade entre as prestações reciprocamente assumidas (MARQUES; BENJAMIN; MIRAGEM,
2003, p. 624), sendo a última linha de pensamento destacada aquela que, certamente, melhor resolve
os problemas surgidos nesse âmbito.
É importante que o consumidor, ao ler as cláusulas do contrato que pretende pactuar, efetiva-
mente, tome conhecimento de seu conteúdo, entretanto, não basta que tenha cognoscibilidade das
disposições predispostas pelo fornecedor, pois, visando à proteção do vulnerável, o legislador incumbiu
o fornecedor de certificar-se que consumidor compreendeu o conteúdo das disposições contratuais,
até porque, em muitas situações, o aderente só toma conhecimento dos problemas que irá enfrentar
quando a relação obrigacional já estiver em curso, como pode ocorrer no contrato de hospedagem, em
que o hóspede só descobre o custo de certos serviços na hora de pagar a conta e, ainda, no contrato de
locação, já que algumas imobiliárias continuam a cobrar a taxa de administração, prática vedada pela
Lei 8.245/91 (GALDINO, 2001, p. 42).
Um belo exemplo de cláusula abusiva, assim reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ),
é a que isenta de responsabilidade supermercados e shopping centers pelos furtos ocorridos em seus
estacionamentos, situação que pode ser ampliada para qualquer empresa, entre elas empreiteiras, imo-
biliárias, incorporadoras, como se pode observar do julgado transcrito a seguir:
[...] o cliente do estabelecimento comercial, que estaciona o seu veículo em lugar para isso destinado pela empresa,
não celebra um contrato de depósito, mas a empresa que se beneficia do estacionamento tem o dever de proteção,
derivado do princípio da boa-fé objetiva, respondendo por eventual dano. [...]. (REsp 107.211)

Uma vez de modo meramente exemplificativo (BARROSO, 2005, p. 198), a lei traz um rol de
cláusulas que são consideradas abusivas, matéria que se encontra prevista no artigo 51 do CDC, ditando
seu caput que as disposições contratuais assim caracterizadas “são nulas de pleno direito”.
Vale a pena analisar alguns dos incisos do artigo mencionado, mormente, pela frequência com
que tais situações se apresentam cotidianamente no mundo dos fatos, destacando-se desde já que
em seu inciso I o artigo 51 do CDC dita que são nulas as que “impossibilitem, exonerem ou atenuem
a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou
impliquem renúncia ou disposição de direitos”; e, dessa forma, havendo um acidente de consumo ou
mesmo detectado um simples vício no produto adquirido, o consumidor sempre terá direito a optar
pelas alternativas previstas em lei, não prevalecendo qualquer ajuste que tenha por escopo eximir o
fornecedor de responsabilidade ou mesmo limitá-la.
Lembra-se de que a nulidade de cláusula isentando de responsabilidade a construtora que atrasa
a entrega do imóvel, como bem analisou o STJ ao decidir pela:
[...] Não prevalência de cláusula imposta em termo de entrega de unidade imobiliária isentando a construtora de qual-
quer ressarcimento pelo expressivo atraso na conclusão da unidade, quando o adquirente, desde antes, insurgindo-se
contra tal condicionante para a sua imissão na posse, já notificara a construtora para ressalvar seu direito à indenização
pelo fato. [...]. (REsp 197622)

Por sua vez, também não será recebida pelo sistema qualquer cláusula contratual que retire do
consumidor a possibilidade de optar pelo reembolso da quantia paga, tanto no caso do bem adquirido
conter vício que não seja sanado pelo fornecedor no prazo legal, como na hipótese prevista no artigo
49 do CDC, que permite ao consumidor desistir do contrato pactuado fora do estabelecimento empre-
sarial desde que o faça no prazo de sete dias que se inicia com o recebimento do bem, sem que lhe seja

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Cláusulas abusivas e proteção do consumidor | 115

exigida qualquer justificativa. Essa segunda situação pode ser visualizada tanto nas vendas realizadas
de porta em porta, como nas compras feitas pela internet, reembolso postal ou telefone.
Também será considerada nula cláusula que transfira responsabilidades a terceiros e, desse modo,
caso o empreiteiro insira entre as disposições contratuais pactuadas com o consumidor, obrigação
deste em acionar diretamente a seguradora, no caso da obra, depois de entregue, vir a desabar, esse
ajuste não obriga o consumidor, e deve ser considerado como não escrito. Por sua vez, se o consumidor
quiser acionar aquele (empreiteiro), visando ser ressarcido nos prejuízos que sofreu, poderá fazê-lo sem
quaisquer problemas.
Frisa-se que será considerada como não escrita qualquer disposição que estabeleça obrigação
considerada iníqua, abusiva, que coloque o consumidor em desvantagem exagerada ou, enfim, que
seja incompatível com a boa-fé e a equidade, frisando-se desde logo que a lei presume ser exagerada
a vantagem que viole os princípios orientadores do CDC; restrinja direitos ou obrigações fundamentais
inerentes à natureza do contrato, ameaçando seu equilíbrio ou, por fim, quando se mostra excessiva-
mente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das
partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
Um bom exemplo de cláusula nula em razão de exagerada desvantagem imposta a uma das
partes se afere de problemas ligados a furto de cartão de crédito e distribuição de responsabilidades,
como decidiu o STJ ao destacar que:
[...] são nulas as cláusulas contratuais que impõem ao consumidor a responsabilidade absoluta por compras realizadas
com cartão de crédito furtado até o momento (data e hora) da comunicação do furto [pois] tais avenças de adesão
colocam o consumidor em desvantagem exagerada e militam contra a boa-fé e a equidade, pois as administradoras e
os vendedores têm o dever de apurar a regularidade no uso dos cartões. [...]. (REsp 348343)

Salienta-se que também deverão ser afastadas as cláusulas que “estabeleçam inversão do ônus
da prova em prejuízo do consumidor” (CDC, art. 51, VI) e que “determinem a utilização compulsória
de arbitragem” (CDC, art. 51, VII), situações que podem trazer prejuízos aos consumidores. A primeira,
porque lhe transfere a responsabilidade de fazer a prova de uma situação que a lei impõe ao fornecedor,
e a segunda, por afastar o caso da apreciação do Poder Judiciário. Vale a pena lembrar, uma vez mais,
que a vontade do consumidor na formação dos contratos é quase inexistente e, desse modo, não pode
ser hábil a produzir consequências nocivas, nascidas do ajuste de cláusulas desfavoráveis.
Ainda seguindo o rol de cláusulas abusivas previsto na lei, assim serão reconhecidas as cláusulas
que “imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor” (CDC,
art. 51, VIII), situação frequente no passado, quando em razão de contrato de cheque especial, o usuário
deste autoriza terceira pessoa, normalmente funcionário do banco, a sacar em seu nome nota promis-
sória ou outro documento reconhecendo a dívida; que “deixem ao fornecedor a opção de concluir ou
não o contrato, embora obrigando o consumidor” (CDC, art. 51, IX); que “permitam ao fornecedor, direta
ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral” (CDC, art. 51, X); e que “autorizem o forne-
cedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor” (CDC,
art. 51, XI), abusos que falam por si só, dispensando maiores comentários.
Também não prevalece perante o direito qualquer acordo que obrigue o consumidor a ressarcir
os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor,
situação bastante frequente em cobranças terceirizadas. Assim, caso o credor resolva contratar terceiro
para receber seus créditos, será ele que deverá arcar com as despesas desse contrato, não podendo
transferi-las ao consumidor.

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116 | Cláusulas abusivas e proteção do consumidor

Existem várias outras cláusulas abusivas, pois como visto, o elenco destas previsto na lei não é
exauriente, entretanto, não há espaço aqui para analisá-las, uma a uma.
É importante salientar enfim que, em regra, a nulidade de uma cláusula abusiva não conduzirá à
invalidação completa do contrato, e sempre que possível este será mantido pelo juiz em homenagem
ao princípio da conservação do negócio jurídico.

Atividades
1. O que são práticas abusivas?

2. No que consistem as cláusulas abusivas?

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Cláusulas abusivas e proteção do consumidor | 117

3. Caso o consumidor concorde expressamente com a cláusula abusiva, apostando sua assinatura
ao lado do local em que esta esteja escrita na minuta contratual, e desde que esta esteja redigida
com destaque, a cláusula nessas condições poderá ser considerada válida?

4. A aferição da existência de uma cláusula abusiva em um contrato conduzirá necessariamente à


nulidade do todo? Explique.

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118 | Cláusulas abusivas e proteção do consumidor

Dicas de estudo
O primeiro livro destacado a seguir, nascido de estudo acadêmico, muito bem orientado pela
professora Cláudia Lima Marques, traz aspectos interessantes e bons questionamentos sobre as cláusulas
abusivas, enquanto o segundo, me permito trazer à análise, pois nele tento resolver o problema de
como reconstruir um contrato que tem uma cláusula afastada pelo Poder Judiciário, e o site traz as
diversas portarias editadas pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor contento uma
infinidade de cláusulas abusivas.
SCHMITT, Cristiano Heineck. Cláusulas Abusivas nas Relações de Consumo. São Paulo: RT, 2006.
CATALAN, Marcos Jorge. Uma leitura inicial da redução do negócio jurídico e sua importância no processo
hermenêutico. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo (Org.). Questões Controvertidas. São
Paulo: Método, 2007, p. 481-503.
<www.mj.gov.br/dpdc>. – clique em legislação.

Referências
BARROSO, Lucas Abreu. O contrato de seguro e o direito das relações de consumo. Revista de Direito
Privado, São Paulo, n. 22, abr./jun. , 2005.
BESSA, Leonardo Roscoe. Aplicação do Código de Defesa do Consumidor: análise crítica da relação
de consumo. Brasília: Brasília Jurídica, 2007.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas:
Bookseller, 2002.
CATALAN, Marcos Jorge. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista
Scientia Iuris, Londrina, 2004.
_____. Uma leitura inicial da redução do negócio jurídico e sua importância no processo hermenêutico.
In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueired (Org.). Questões Controvertidas: parte geral do Códi-
go Civil. São Paulo: Método, 2007. v.6.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no
projeto de código civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 139, jul./set., 1998.
EFING, Antônio Carlos. Fundamentos do Direito das Relações de Consumo. Curitiba: Juruá, 2004.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
GALDINO, Valéria Silva. Cláusulas Abusivas. São Paulo: Saraiva, 2001.
MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman Vasconcelos; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao
Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2003.

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Cláusulas abusivas e proteção do consumidor | 119

PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
SAYEG, Ricardo Hasson. Práticas comerciais abusivas. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo,
n. 7, p. 37-58, jul./set., 1993.

Gabarito
1. A noção de prática abusiva está atada à ideia de restrição da conduta do fornecedor em seu
cotidiano, pois nas hipóteses previstas pelo legislador, e porque não em outras não destacadas
expressamente no texto legal, tendo em vista que o rol trazido pela lei não é taxativo, mas sim,
meramente exemplificativo, o comportamento externado pelo fornecedor deve ser reprimido
em prol da comutatividade do contrato.

2. Uma cláusula contratual será considerada abusiva quando derivar do exercício anormal do poder
de predisposição das condições contratuais, ou seja, de elaboração unilateral dessas, como pode
ocorrer quando aquele que estipula as cláusulas do negócio aproveita-se de seu poder para impor
cláusulas que prejudicarão aquele que está aderindo ao contrato, em razão do desequilíbrio das
prestações que estão sendo reciprocamente assumidas (GALDINO, 2001, p. 14).

3. Não, pois a lei dita que a cláusula abusiva é nula no artigo 51 (CDC). Valendo lembrar que o CDC é
de ordem pública, portanto, inderrogável pela vontade das partes.

4. Não, pois sempre que possível o contrato deverá ser mantido.

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120 | Cláusulas abusivas e proteção do consumidor

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O CDC e os contratos
imobiliários:
compra e venda e compromisso
de compra e venda
Os contratos imobiliários não podem ser interpretados unicamente a partir do que se encontra
previsto no Código de Defesa do Consumidor (CDC), até porque essa lei não trata de modo específico
sobre nenhum tipo contratual e, dessa forma, a análise de contratos, como a compra e venda de imóveis,
a empreitada e a corretagem, será promovida a partir do que se encontra previsto no Código Civil (CC) e,
quando for o caso, como ocorre com a locação de imóveis residenciais e comerciais e com a incorporação
imobiliária, na legislação especial.
Ocorre que como o foco desses estudos é a análise do direito do consumidor, a leitura dos tipos
contratuais que serão adiante destacados será promovida exclusivamente no âmbito dessa esfera do
direito, mediante a aplicação da teoria do diálogo das fontes, restando aqui informado o corte metodo-
lógico proposto.

Compra e venda imobiliária


O contrato de compra e venda é dos mais utilizados no cotidiano das relações negociais e, por
meio dele, pode ser afirmado que uma das partes se obriga a transferir o domínio de certa coisa, móvel
ou imóvel, e o outro, a pagar-lhe certo preço em dinheiro, noção que se extrai dos três elementos essen-
ciais à sua caracterização: res, pretium e consensus, ou seja, coisa, preço e consenso.
Além desses três elementos é bom lembrar que os contratos de compra e venda de imóveis, cujo
valor ultrapasse 30 salários mínimos, deverão ser instrumentalizados por meio de escritura pública a
ser lavrada perante qualquer Tabelionato de Notas, forma esta que se não for observada, conduzirá à
nulidade do contrato.
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122 | O CDC e os contratos imobiliários:
compra e venda e compromisso de compra e venda

Uma dúvida que pode surgir neste momento: o que fazer se por acaso as partes, sem a orientação
necessária, pactuarem a compra e venda de um imóvel por meio de um documento particular? O CC
traz a solução desse problema em seu artigo 170 (BUSSATTA, 2006), sendo que, no caso, ocorrerá a
conversão do negócio nulo em outro válido e o contrato nulo será recepcionado pelo direito na forma
de contrato preliminar ou compromisso particular de compra e venda, tipo contratual que exige os
mesmos requisitos da compra e venda, com exceção da forma, que aqui não precisa ser pública.
Outra questão merece ser analisada: como solucionar o problema da ausência de cláusula de preço
na escritura pública de venda e compra? A situação, embora não seja frequente, pode ocorrer, e precisa de
uma resposta, mormente porque o agente imobiliário que assessora uma das partes, diante do que prevê
o CDC, poderá ser responsabilizado por eventuais prejuízos que seu cliente venha a suportar.
Parece que, nesse caso, o primeiro passo será buscar em documentos que antecederam o contrato,
se não houver acordo entre as partes (pois se houver, basta a ambas assinarem um aditamento à escritura
pública), qual seria o preço que os contratantes ajustaram e, se tais documentos não existirem, as partes
podem de comum acordo nomear um terceiro para arbitrá-lo, consoante prevê o artigo 485 do CC, que
pode ou não aceitar o encargo, sendo que, no último caso, não havendo outra solução – como pode
ocorrer quando unidades imobiliárias idênticas àquela vendida sem estipulação de um preço estão
à venda por um preço único ou por um valor bastante parecido, ocasião em que esse valor deve ser
utilizado para preencher a lacuna deixada pelas partes – o contrato será considerado desfeito (SIMÃO,
2005, p. 87).
Acerca do preço é interessante destacar ainda que este pode ser fixado tanto em dinheiro como
indexado a certos parâmetros, como é o caso de contratos de venda e compra cujo pagamento deva ser
feito em sacas de soja ou milho.
Nesses casos, as partes deverão ser orientadas pelo gestor imobiliário de que o preço do cereal
poderá variar, trazendo vantagem ou prejuízo para uma delas, sem que em regra o contrato possa ser
revisto, como têm decidido os tribunais pátrios:
[...] constando do contrato o preço da soja como indexador monetário, este livremente convencionado pelas partes,
inviável sua substituição por outro, com base na teoria da imprevisão, vez que a elevação na cotação da soja não pode
ser tomada como fato extraordinário e anormal, em especial em região em que habitualmente a soja é utilizada como
forma de pagamento, ou mesmo como fator de correção monetária na contratação. (TJRS. Ap. Cível 70007899974)

Uma última reflexão sobre o preço no contrato de compra e venda se faz necessária: é importante
destacar que nulo será o negócio quando deixar o preço ao arbítrio exclusivo de uma das partes, já que
a bilateralidade na formação é pressuposto de qualquer contrato e o direito não admite a presença de
condições potestativas puras.
O gestor deverá informar ainda a seu cliente que, em regra, as despesas de escritura e do registro
desta junto ao Registro Imobiliário correrão por conta do comprador, entretanto, as partes poderão
ajustar o contrário, ou mesmo, dividir tais despesas.
É importante lembrar que a compra de ascendente a descendente é anulável, portanto, viciada,
caso os outros descendentes e também o cônjuge do vendedor – a vênia conjugal é dispensada se o
casamento foi realizado sob o regime da separação voluntária de bens – não consentirem aos termos do
negócio, manifestação esta que deve constar da escritura pública ou, ao menos, do contrato preliminar
que eventualmente preceda a compra e venda.
Quando se versa sobre a compra e venda de imóveis, não se pode deixar de analisar o contrato
sob o prisma da compra e venda ad corpus e da ad mensuram.

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O CDC e os contratos imobiliários: | 123
compra e venda e compromisso de compra e venda

A primeira ocorre quando se compra um lote certo, um imóvel específico, como é o caso da aqui-
sição de uma fazenda com a “porteira fechada”.
Por sua vez, a última ocorre quando se estipula o preço por medida de extensão e, se após a
lavratura da escritura aferir-se que a área real não corresponde a adquirida, o comprador terá o direito de
exigir o complemento da área, e se isso não for possível, poderá resolver o contrato ou pedir abatimento
proporcional ao preço. É importante lembrar ainda que nessa modalidade de compra e venda, admite-
-se que haja uma diferença de até 1/20 (um vinte avos) entre a área descrita na escritura e a existente no
plano real (VENOSA, 2003, p. 61-62).
Salienta-se que essas regras se aplicam apenas no caso de compra e venda realizada sob a proteção
do CC e desde que discutidas as cláusulas, pois, se o contrato for pactuado por adesão ou se houver
uma relação de consumo, como no caso de imóvel vendido por empresa do ramo da incorporação
imobiliária, a metragem prometida deve ser fielmente observada, sendo considerada como abusiva, na
lição de Flávio Tartuce (2007, p. 262), qualquer cláusula que ilida a responsabilidade do fornecedor por
variação de área.
Acerca do assunto o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento conduzido pelo voto da
ministra Nancy Andrighi, recentemente decidiu que:
[...] a referência à área do imóvel nos contratos de compra e venda de imóvel adquirido na planta regido pelo CDC
não pode ser considerada simplesmente enunciativa, ainda que a diferença encontrada entre a área mencionada no
contrato e a área real não exceda um vigésimo (5%) da extensão total anunciada, devendo a venda, nessa hipótese, ser
caracterizada sempre como por medida, de modo a possibilitar ao consumidor o complemento da área, o abatimento
proporcional do preço ou a rescisão [sic] do contrato [especialmente porque] a disparidade entre a descrição do imóvel
objeto de contrato de compra e venda e o que fisicamente existe sob titularidade do vendedor provoca instabilidade
na relação contratual [e assim] o Estado deve, na coordenação da ordem econômica, exercer a repressão do abuso do
poder econômico, com o objetivo de compatibilizar os objetivos das empresas com a necessidade coletiva [bastando]
a ameaça do desequilíbrio para ensejar a correção das cláusulas do contrato, devendo sempre vigorar a interpretação
mais favorável ao consumidor, que não participou da elaboração do contrato, consideradas a imperatividade e a indis-
ponibilidade das normas do CDC. [...]. (REsp 436853)

Acerca da compra e venda é importante analisar ainda duas de suas cláusulas especiais: a retro-
venda e o pacto de preempção ou preferência.
Pela primeira delas, o vendedor do imóvel pode reservar-se ao direito de comprá-la novamente
no prazo máximo de três anos, desde que restitua o preço recebido e reembolse as despesas do
comprador, e, caso este se recuse a pactuar o negócio, o vendedor poderá depositar tais verbas
judicialmente e reaver o bem vendido. Infelizmente, essa cláusula tem sido usada para encobrir outros
negócios, especialmente, como forma de garantia de pagamento de mútuo usuário (agiotagem),
existindo legislação que impõe severas penas caso seja detectado o problema.
Por sua vez, pela cláusula de preempção, ou preferência, o comprador se obriga a oferecer
inicialmente ao vendedor o imóvel junto a este adquirido, se desejar vendê-lo, pelo mesmo preço que
venderia a coisa a terceiros (CATALAN, 2006).
Se a compra e venda vier a ser caracterizada como uma relação de consumo, parece que no
primeiro caso, ter-se-á uma cláusula abusiva, e, portanto, nula, enquanto, na segunda hipótese, a
cláusula deverá ser redigida com destaque, sob pena de não produzir efeitos perante o adquirente, eis
que é restritiva de direito.

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124 | O CDC e os contratos imobiliários:
compra e venda e compromisso de compra e venda

Enfim, no que diz respeito aos contratos de compra e venda de imóveis regidos pelo CDC e cujo
pagamento será feito em prestações, considerar-se-á nula a cláusula que estabeleça a perda total das
prestações pagas em benefício do credor que, em razão da ausência de pagamento, pleitear a resolução
do contrato e a retomada do produto alienado, permitindo-se, entretanto, que seja descontada, além
da vantagem econômica auferida com a fruição do imóvel cujo pagamento foi paralisado, eventual
deterioração suportada pelo imóvel.

Compromisso de compra e venda1


A importância do contrato de compromisso de compra e venda é inegável, pois nem sempre as
partes poderão concluir o contrato de compra e venda na mesma ocasião em que nasce a intenção ou
necessidade de contratar, seja em razão da impossibilidade temporária da observância do requisito
formal exigido para o contrato ou normalmente porque não há o valor necessário para o pagamento à
vista do imóvel adquirido.
O tema é regido pela Lei 6.766/79, que detalha o procedimento para a formação e alienação de
loteamentos em solo urbano, garantindo aos adquirentes à outorga da escritura pública pelos alienantes
e se necessário à adjudicação compulsória – que significa que caso o vendedor se recuse a assinar a
escritura após receber o preço, a sentença judicial servirá como título para a transcrição do domínio do
imóvel junto ao Registro Imobiliário – com o mérito de regrar como irretratáveis os contratos sob sua
égide, demonstrando notável preocupação com a função social desses contratos e reconhecendo a
importância das questões ligadas ao direito de moradia.
O compromisso de compra venda, de acordo com a doutrina majoritária, nada mais é que um
contrato preliminar que, segundo Maria Helena Diniz (2002, p. 49), consiste no negócio jurídico em que
uma ou ambas as partes comprometem-se a pactuar mais tarde outro negócio, denominado principal,
gerando, portanto, por consequência, o dever de concluir outro contrato.
Nelson Rosenvald (2005), lecionando sobre o compromisso de compra e venda, ensina que este
consiste no negócio preliminar por meio do qual, ambas as partes, ou uma delas, comprometem-se
a celebrar no futuro, o contrato definitivo de compra e venda, conferindo garantias quanto à relação
substancial em vista.
Retomando a discussão da legislação sobre o assunto, deveras importante é destacar que uma
vez quitado o preço e recusando-se o promitente vendedor a outorgar a escritura pública, caberá ao
credor exercer sua pretensão mediante adjudicação compulsória, servindo a sentença de título trans-
lativo de propriedade e, nesse caso, se o bem ainda compuser o patrimônio do devedor ou de seus
sucessores causa mortis, não surgem maiores problemas, não sendo essencial em tal hipótese a obser-
vância ao registro do negócio entabulado, nos moldes da súmula 239 do STJ que dita que “o direito à
adjudicação compulsória não se condiciona ao registro do compromisso de compra e venda no cartório
de imóveis”.
Em verdade, a averbação do negócio preliminar tem outra função, servindo de fator de eficácia
em relação a terceiros (LORENZETTI, 2004, p. 573), para que o comprador possa reivindicar o bem
1 Esta parte do trabalho consiste na síntese de um trabalho subscrito por mim e por Thays Cristina Carvalho Canezin denominado “Reflexões
acerca do compromisso de compra e venda” e publicado na obra Arte Jurídica: Biblioteca Científica de Direito Civil, e Processo Civil, 3. VoIume.

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O CDC e os contratos imobiliários: | 125
compra e venda e compromisso de compra e venda

eventualmente alienado também a terceiro, deverá demonstrar que este tinha como ter acesso à
informação de que o bem fora antes prometido a outrem.
Assim, se de um lado os terceiros estão obrigados a respeitar as relações negociais entabuladas
pelas partes, por outro se impõe que para tanto os mesmos tenham ciência da existência das mesmas,
estado que se prova por meio da inscrição da minuta do contrato preliminar junto à matrícula do imóvel
no Cartório de Registro de Imóveis, como prevê o CC.
Desse modo, a obrigatoriedade do registro do compromisso preliminar de compra e venda
“representa instrumento inibitório à prática de negócios jurídicos sucessivos sobre o mesmo bem, com
lesão ao direito do primeiro adquirente ou de terceiros que venham a adquirir o bem já negociado” (ALVES;
DELGADO, 2005, p. 240), atuando como mecanismo de garantia para o pretenso comprador já que frustrará
as tentativas de fraude, sendo o registro requisito indispensável para que tenha efeito erga omnes2.
Indaga-se, nesse contexto, se bastaria ao terceiro aferir apenas junto às citadas escrivanias
extrajudiciais a existência de negócios pendentes acerca do domínio do bem que pretende adquirir ou
deveria ele praticar outros atos?
No atual contexto social em que o trânsito de informações tornou-se mais acessível, impõe-se a
quem se alega terceiro de boa-fé o dever de prová-lo mediante a demonstração de uma conduta dili-
gente e proba e, dessa forma, deve o pretenso adquirente de um imóvel, pelo menos, visitar o imóvel
para aferir, por exemplo, se está cercado ou se há alguém exercendo sua posse.
Um outro problema pode surgir: como agir no caso de morte de quem prometeu vender o imóvel,
assinando a escritura pública de compra e venda quando do recebimento do preço? Não ha dúvida que
seus sucessores devem assinar a escritura e o procedimento a ser observado na recusa da outorga da
escritura pública pelo devedor ou de seus herdeiros é o elencado no Código de Processo Civil.
Outra situação que há de ser analisada está em eventual incumprimento por parte do devedor,
quanto à obrigação de quitar o preço ou as parcelas ajustadas e, nessa hipótese, a faculdade conferida
ao credor de resolver o negócio jurídico nos moldes do artigo 475 do CC.
Nesse caso, se o credor buscar a resolução do negócio jurídico, esta não poderá estar acompanhada
de cláusula de decaimento, por expressa violação do princípio da função social do contrato (TARTUCE,
2005), que dirige o senso ético que deve balizar a conduta dos contratantes.
Mais razoável ainda é pensar que, para que exercite esse direito, se faz necessária constituição
do devedor em mora e a concessão de prazo razoável para que o mesmo possa purgá-la, posto que
em conformidade com a regra que regulamenta a venda e compra de imóveis loteados, a pretensão
resolutória condiciona-se a essas providências preliminares, ao menos no que diz respeito aos negócios
regulados pela Lei 6.766/79, tendo-se ainda que as benfeitorias deverão ser indenizadas, invocando-se
aqui a teoria do diálogo das fontes.
Ratificando a tese sustentada, vale a pena destacar o teor de dois artigos da Lei 6.766/79: o de
número 32 dispondo que ”vencida e não paga a prestação, o contrato será considerado rescindido 30
dias depois de constituído em mora o devedor” e o de número 34, versando que “em qualquer caso
de rescisão por inadimplemento do adquirente, as benfeitorias necessárias ou úteis por ele levadas
a efeito no imóvel deverão ser indenizadas, sendo de nenhum efeito qualquer disposição contratual
em contrário”.

2 A expressão significa efeitos em relação à coletividade, à toda e qualquer pessoa.

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126 | O CDC e os contratos imobiliários:
compra e venda e compromisso de compra e venda

Se o compromisso de compra e venda versar sobre aquisição de imóvel em loteamento urbano,


também não permitirá a inserção de cláusula de arrependimento, sendo esta vedada, como já afirmado,
nos moldes do artigo 25 da Lei 6.766/79 e na medida em que esta se caracteriza como norma de ordem
pública, o preceito em comento é inderrogável pela autonomia privada.
Importante esclarecer ainda que a resolução do contrato de compromisso de compra e venda por
inadimplemento do comprador, apesar de ser uma faculdade conferida ao devedor (ele pode preferir
cobrar as prestações não pagas), não é de todo livre. Na verdade, o exercício de tal faculdade deve ser
promovido à luz da boa-fé objetiva (CC, arts. 187 e 422), de forma que ela somente será cabível quando
o inadimplemento for grave ou, contrariamente, não será cabível quando o inadimplemento for de
escassa importância.
Nesse sentido ensina Eduardo Bussatta (2006, p. 83):
[...] é patente, então, que, havendo inadimplemento de escassa importância, de pequena gravidade, insignificante, a
resolução será uma resposta manifestamente desproporcional, desequilibrada e, por que não dizer, injusta e contrária
à finalidade econômica do contrato, de forma que fica vedada pela boa-fé objetiva.

A isso se dá o nome de teoria do adimplemento substancial, que, segundo o mesmo autor


(2006, p. 95):
[...] funciona como limite ao direito formativo extintivo de resolver os contratos [impedindo] assim, que um pequeno
descumprimento causado por uma das partes seja considerado causa suficiente ao desfazimento do vínculo [e] nessa
medida mantém-se o contrato, com a sua carga de direitos e obrigações anteriormente estabelecida, remetendo a parte
não inadimplente à via ressarcitória, uma vez que o inadimplemento de escassa importância permite a sobrevivência
do vínculo, mas não afasta a responsabilidade do inadimplente.

Mas e se o imóvel urbano não estiver sendo alienado por empresa loteadora, ou se tratar
de imóvel rural, permanecerá tal disposição? Imagina-se a hipótese em que um particular resolve,
por meio de pré-contrato, pactuar a alienação futura do imóvel em que reside, com cláusula de
arrependimento, por conta de provável necessidade de mudar seu domicílio em razão da relação de
trabalho que possui?
Parece que não, pois o contrato é paritário, o que afasta a necessidade do dirigismo contratual,
sendo então lícito às partes inserir cláusula de arrependimento no contrato preliminar, pois na hipótese
pensada, seria um contrassenso obrigar o promitente vendedor a desfazer-se do imóvel em que reside
se a mudança esperada não vier a se concretizar, ressaltando que aquele que promete vender deverá
ressarcir o preço recebido devidamente corrigido.
Em princípio parece ainda que haverá necessidade de vênia conjugal quando um dos contratantes
for casado, pois o artigo 1647, I, do CC a impõe, e parece que não existem argumentos que autorizem
a dispensa da anuência do cônjuge (LOUREIRO, 2002, p. 194), excepcionados os regimes que não a
exigem, até porque se o compromisso de compra e venda de imóveis loteados é irrevogável, podendo
o comprador conseguir a transferência de propriedade por meio de decisão judicial se preciso, seria
incoerente sustentar que a autorização do cônjuge é dispensada por se tratar de contrato preliminar.
Mas o que ocorre se o cônjuge que negociou com outrem a alienação de bem imóvel houvesse
prometido a outorga do parceiro, especialmente porque em regra aquele que promete fato de outrem,
se responsabiliza pela anuência do terceiro aos termos do contrato?
A situação se resolve à luz da figura da promessa de fato de terceiro e não haverá qualquer
pretensão reparatória em favor do que acreditou na promessa, posto que o parágrafo único do artigo
439 do CC é explícito ao frisar que nesse caso não caberia indenização, excepcionada logicamente a
hipótese de dolo de quem prometeu fato de outrem e ainda a ofensa ao dever lateral de lealdade.
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O CDC e os contratos imobiliários: | 127
compra e venda e compromisso de compra e venda

Atividades
1. É possível manter-se os efeitos de um contrato de compra e venda ajustado sem preço?

2. Seria lícita uma cláusula em um compromisso de compra e venda prevendo a perda total das
prestações pagas no caso de inadimplemento do devedor?

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128 | O CDC e os contratos imobiliários:
compra e venda e compromisso de compra e venda

3. É válida a cláusula de arrependimento negociada em contrato de compromisso de compra e


venda de imóvel loteado?

4. A compra e venda e o compromisso de compra e venda exigem vênia conjugal? Justifique.

Dicas de estudo
Àqueles que pretendem aprofundar seus estudos sobre o compromisso de compra e venda
me permito indicar duas obras: a primeira, certamente a mais completa sobre o assunto em território
nacional; a segunda, um estudo sobre os principais problemas que podem ocorrer no dia a dia daqueles
que lidam com esses contratos.
AZEVEDO JUNIOR, José Osório de. Compromisso de Compra e Venda. São Paulo: Malheiros, 2006.
CATALAN, Marcos Jorge; CANEZIN, Thays Cristina Carvalho. Reflexões acerca do compromisso de
compra e venda. In: Claudete Carvalho Canezin (Org.). Arte Jurídica: Biblioteca Científica de Direito
Civil e Processo Civil. Curitiba: Juruá, 2006. vol.3.

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O CDC e os contratos imobiliários: | 129
compra e venda e compromisso de compra e venda

Referências
ALVES, Jones Figueiredo; DELGADO, Mario Luiz. Código Civil Anotado: inovações comentadas artigo
por artigo. São Paulo: Método, 2005.
ANDRIGHI, Fátima Nancy. O conceito de consumidor direto e a jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça. Revista de Direito Renovar, Rio de Janeiro, n. 29, maio/ago., 2004.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
BUSSATTA, Eduardo Luiz. Conversão substancial do negócio jurídico. Revista de Direito Privado, São
Paulo, n. 26, abr./jun. 2006.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas:
Bookseller, 2002.
CATALAN, Marcos Jorge. Do pacto de preferência no contrato de compra e venda: direito pessoal ou
obrigação com eficácia real? In: Lucas Abreu Barroso (Org.). Introdução Crítica ao Código Civil. Rio de
Janeiro: Forense, 2006.
_____. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista Scientia Iuris, Lon-
drina, 2004.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no
projeto de Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa. Brasília, v. 35, n. 139, jul./set.,
1998.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil: teoria das obrigações contratuais e extracontratuais. São
Paulo: Saraiva, 2002. v. 3.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
LORENZETTI, Ricardo Luis. Tratado de los Contratos: parte general. Santa Fé: Rubinzal Culzoni, 2004.
LOUREIRO, Luiz Guilherme. Teoria Geral dos Contratos no Novo Código Civil. São Paulo: Método,
2002.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
ROSENVALD, Nelson. A Promessa de Compra e Venda no Código Civil de 2002. Disponível em: <www.
flaviotartuce.adv.br/secoes/artigo/ROSENVALD_COMPRA.doc>. Acesso em: 10 out. 2005.
SIMÃO, José Fernando. Aspectos controvertidos da prescrição e decadência na teoria geral dos
contratos e contratos em espécie. In: ALVES, Jones Figueirêdo; DELGADO, Mário Luiz (Coord.). Questões
Controvertidas: no direito das obrigações e dos contratos. São Paulo: Método, 2005, v. 4.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. 2. ed. São Paulo:
Método, 2007, v. 3.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: contratos em espécie. São Paulo: Atlas, 2003, v. 3.

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130 | O CDC e os contratos imobiliários:
compra e venda e compromisso de compra e venda

Gabarito
1. A situação, embora não seja frequente, pode ocorrer, e precisa de uma resposta, mormente
porque o agente imobiliário que assessora uma das partes, diante do que prevê o CDC, poderá
ser responsabilizado por eventuais prejuízos que seu cliente venha a suportar.

Parece que nesse caso, o primeiro passo será buscar em documentos que antecederam o contrato,
se não houver acordo entre as partes (pois se houver, basta a ambas assinar um aditamento à
escritura pública), qual seria o preço que os contratantes ajustaram, e se tais documentos não
existirem, as partes podem de comum acordo, nomear um terceiro para arbitrá-lo, consoante prevê
o artigo 485 do CC, que pode ou não aceitar o encargo, sendo que no último caso, não havendo
outra solução – como pode ocorrer quando unidades imobiliárias idênticas àquela vendida sem
estipulação de um preço estão à venda por um preço único ou por um valor bastante parecido,
ocasião em que esse valor deve ser utilizado para preencher a lacuna deixada pelas partes – o
contrato será considerado desfeito (SIMÃO, 2005, p. 87).

Acerca do preço é interessante destacar ainda que este pode ser fixado tanto em dinheiro como
indexado a certos parâmetros, como é o caso de contratos de venda e compra cujo pagamento
deva ser feito em sacas de soja ou milho.

2. Não, porque é vedada a cláusula de decaimento por força do contido no artigo 51, IV, do CDC.

3. Não, pois há expressa vedação legal.

4. Parece que haverá necessidade de vênia conjugal quando um dos contratantes for casado,
pois o artigo 1647, I, do CC a impõe, e parece que não existem argumentos que autorizem
a dispensa da anuência do cônjuge (LOUREIRO, 2002, p. 194), excepcionados os regimes
que não a exigem, até porque se o compromisso de compra e venda de imóveis loteados
é irrevogável, podendo o comprador conseguir a transferência de propriedade por meio
de decisão judicial, se preciso. Seria incoerente sustentar que a autorização do cônjuge é
dispensada por se tratar de contrato preliminar.

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O CDC e os contratos
imobiliários:
locação e empreitada

Locação de imóveis
Em princípio, no que diz respeito à locação predial urbana, não haverá incidência do Código de
Defesa do Consumidor (CDC), e isso se dá porque o locador, em regra, não pode ser qualificado como
fornecedor, por não desenvolver sua atividade com habitualidade, e sobre o assunto tem se manifes-
tado o Superior Tribunal de Justiça (STJ), como se afere da decisão que reconheceu que “é pacífica e
remansosa a jurisprudência, nessa Corte, no sentido de que o Código de Defesa do Consumidor não
é aplicável aos contratos locatícios, que são reguladas por legislação própria”, desse modo, “restam
ausentes às relações locatícias as características delineadoras da relação de consumo apontadas na Lei
8.078/90” (REsp. 689266/SC).
Cumpre informar, nesse contexto, que as locações prediais urbanas são regidas pela Lei 8.245/91,
entretanto, na hipótese do contrato de locação de imóvel residencial ser intermediado por empresa do
ramo imobiliário, aparentemente haverá a atração do CDC, norma que deverá dialogar com a lei que
rege as locações a fim de que os problemas surgidos no âmbito dessas relações jurídicas encontrem
soluções que respeitem o sistema.
Essa ideia é ratificada por Cláudia Lima Marques (2003, p. 90), ao destacar que se a locação for
intermediada por empresa especializada, mormente nas locações urbanas não comerciais, considerando
a vasta gama de cláusulas abusivas que recheiam esses contratos, aparentemente, não há óbices para
a aplicação do CDC.

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132 | O CDC e os contratos imobiliários: locação e empreitada

Uma leitura detalhada das questões que se apresentam no dia a dia dessas relações mostra ser
hialino que tal diálogo será possível em diversos momentos, especialmente quando os contratos de
locação forem pactuados por adesão e, ainda, quando os negócios dispuserem sobre cláusulas que
desequilibrem a relação negocial.
Portanto, ratifica-se com Cláudia Lima Marques (2005, p. 49), que a legislação consumerista será
aplicável aos contratos de locação de imóveis, desde que presente a figura de terceiro responsável pela
organização desses negócios jurídicos, seja na fase de formação, seja na de execução, terceiro esse que
no mais das vezes se apresenta sob a forma de uma imobiliária.
Como se afere, na medida em que há intervenção de terceiro, como é o caso das administradoras
de imóveis, estará caracterizada a relação de consumo, como se extrai de outro julgado do STJ que
decidiu que “questão referente a contrato de locação, formulado como contrato de adesão pelas
empresas locadoras, com exigência da taxa imobiliária para inquilinos, é de interesse público pela
repercussão das locações na sociedade” (EREsp. 114908/SP) e, desse modo, o Ministério Público estaria
autorizado a tutelar a coletividade, considerada consumidor por equiparação por força do contido no
artigo 2.º, parágrafo único, da Lei 8.078/90.
E mesmo aqueles que não aceitem o diálogo proposto, entre a Lei de Locações e o CDC, não
poderão negar a influência que o Código Civil (CC) exerce sobre a solução das questões surgidas nesse
âmbito, até porque, esse último diploma legislativo possui regras sobre a interpretação de cláusulas
restritivas de direito, de contratos por adesão e, especialmente, por conta da principiologia social que
informa o direito privado no atual momento histórico.
A partir deste momento, serão analisadas algumas regras da Lei de Locações que poderão inte-
ressar ao gestor imobiliário, descartando-se a leitura em detalhes da aludida lei, até porque sua análise
permitiria que fossem escritos vários volumes sobre o assunto.
Inicialmente, destaca-se que de acordo com o artigo 3.º da Lei 8.245/91, muito embora o contrato
de locação possa ser ajustado por qualquer prazo, dependerá de vênia conjugal (autorização do côn-
juge) se o lapso temporal ajustado para a vigência do contrato for superior a dez anos e, nesse caso, o
prazo que exceder ao limite imposto na lei não obriga o cônjuge que não anuiu a respeitá-lo.
Merece destaque também que durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá
o locador reaver o imóvel alugado sob qualquer argumento, podendo o locatário, por outro lado, devolvê-
-lo, desde que pague a multa ajustada e, na sua falta, a que for judicialmente arbitrada. Salienta-se aqui que
caso a cláusula penal1 (no caso terá natureza compensatória) tenha sido pactuada em valor ou percentual
muito elevado, se provocado, o juiz tem o dever de reduzi-la, nos moldes do artigo 413 do CC.
Mesmo sem alusão expressa ao diálogo das fontes, alguns Tribunais têm determinado a redução
da cláusula penal (agora com natureza moratória, devida por ocasião de atraso no pagamento do valor
do aluguel) ao percentual previsto no CDC (TJMG, Ac. 234.006-1 e Ac. 252.441-8), solução esta em que
pese não ser uníssona, mostra-se razoável, até porque, normalmente, em um contrato de locação entre
particulares, em regra, discute-se o preço do aluguel e o prazo do contrato.
Sobre o tema frisa-se ainda que o locatário será dispensado da multa se a devolução do bem
decorrer da necessidade de prestar serviços em localidade diversa do local em que antes trabalhava, e
tal fato se der por determinação do empregador, desde que o locatário notifique o locador com pelo
menos 30 dias antes de restituir o imóvel, prazo esse a ser observado também quando pretender deixar
o imóvel nos casos de locação por prazo indeterminado.

1 Multa ajustada entre as partes e devida no caso de infração a cláusula contratual.


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O CDC e os contratos imobiliários: locação e empreitada | 133

Ao locador, por outro lado, que pretenda reaver o imóvel locado para fins residenciais com prazo
indeterminado, são dadas duas alternativas: se ainda não decorreu o prazo de 30 meses do início da
locação, deverá justificar porque pretende reaver o bem, por exemplo, provando que o mesmo será
necessário para uso próprio ou do cônjuge ou filho; e tendo transcorrido esse prazo, poderá promover a
denúncia vazia, ou seja, despida de qualquer justificativa, em ambos os casos, concedendo ao locatário
prazo de no mínimo 30 dias para a desocupação do bem.
Uma questão interessante extrai-se no caso de alienação do imóvel locado pois, nesses casos, o
comprador poderá denunciar o contrato, no prazo máximo de 90 dias, contados a partir da transferência
de propriedade, concedendo igual prazo ao locatário para que desocupe o imóvel, a não ser que estejam
presentes, concomitantemente, três requisitos:
a) a locação tenha sido ajustada por tempo determinado;
b) o contrato tenha cláusula de vigência2;
c) a minuta esteja averbada junto à matrícula do imóvel.
Aliás, caso o locador pretenda alienar o imóvel, cumpre destacar que deverá observar o direito de
preferência assegurado por lei ao locatário, que concorrerá com terceiro em igualdade de condições,
devendo o locador notificar o locatário do inteiro teor da proposta de venda, devendo o locatário, se
quiser adquirir o imóvel, informar seu interesse ao locador no prazo máximo de 30 dias.
Caso o direito de preferência do locatário não seja respeitado, ele poderá reclamar do alienante as
perdas e danos, ou depositando o preço pago pelo comprador e as demais despesas do ato de transfe-
rência, haver para si o imóvel locado, desde que o faça no prazo de seis meses, contados da transcrição
da escritura pública junto ao Registro Imobiliário. Salienta-se que para que possa exigir o imóvel de
terceiro, se faz necessário que o contrato de locação esteja averbado pelo menos 30 dias antes da venda
junto à matrícula do imóvel.
Também é importante salientar que a locação não se encerra pela morte do locador ou do
locatário, pois, no primeiro caso, a locação transmite-se a seus herdeiros, e, no segundo, transfere-se
ao cônjuge sobrevivente ou ao companheiro e, sucessivamente, aos herdeiros necessários e às pessoas
que viviam na dependência econômica do de cujus, desde que residam no imóvel locado.
Outro aspecto que merece ser destacado consiste no fato de que muito embora a convenção
do valor do aluguel possa ser livremente convencionada pelas partes, é proibida sua estipulação em
moeda estrangeira, bem como sua vinculação ao salário mínimo. Frisa-se ainda que o reajuste do
aluguel somente pode se dar anualmente.
A Lei 8.245/91 traz ainda os deveres impostos ao locador e ao locatário, sendo importante destacá-
-los neste momento, mormente para que o gestor informe acerca da existência destas obrigações
àqueles com quem contratar.
Dessa forma, consoante dita o artigo 22 da Lei de Locações, o locador é obrigado a:
I – entregar ao locatário o imóvel alugado em estado de servir ao uso a que se destina;
II – garantir, durante o tempo da locação, o uso pacífico do imóvel locado;
III – manter, durante a locação, a forma e o destino do imóvel;

2 Cláusula que faz alusão ao fato de que, em caso de venda do imóvel, o comprador se obriga a respeitar o prazo contratual estipulado entre
o vendedor e o locatário para a vigência da locação.

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134 | O CDC e os contratos imobiliários: locação e empreitada

IV – responder pelos vícios ou defeitos anteriores à locação;


V – fornecer ao locatário, caso este solicite, descrição minuciosa do estado do imóvel, quando de sua entrega, com
expressa referência aos eventuais defeitos existentes;
V I– fornecer ao locatário recibo discriminado das importâncias por este pagas;
VII – pagar as taxas de administração imobiliária, se houver, e de intermediações, nestas compreendidas as despesas
necessárias à aferição da idoneidade do pretendente ou de seu fiador;
VIII – pagar os impostos e taxas que incidam ou venham a incidir sobre o imóvel, salvo disposição expressa em contrário
no contrato;
IX – pagar as despesas extraordinárias de condomínio. [...]

Por sua vez, o artigo subsequente impõe ao locatário as seguintes obrigações:


Art. 23. [...]
I – pagar pontualmente o aluguel e os encargos da locação, no prazo estipulado ou, em sua falta, até o sexto dia útil do
mês seguinte ao vencido;
II – utilizar o imóvel para o uso convencionado ou presumido, devendo tratá-lo com o mesmo cuidado que teria caso
o bem fosse seu;
III – restituir o imóvel, finda a locação, no estado em que o recebeu, salvo as deteriorações nascidas de seu uso normal;
IV – levar imediatamente ao conhecimento do locador o surgimento de qualquer dano ou defeito cuja reparação a este
incumba, bem como as eventuais turbações de terceiros;
V – realizar a imediata reparação dos danos que cause ao imóvel;
VI – não modificar a forma interna ou externa do imóvel sem o consentimento prévio e por escrito do locador;
VII – entregar imediatamente ao locador os documentos de cobrança de quaisquer dívidas do imóvel que aquele tenha
que pagar;
VIII – pagar as despesas de telefone e de consumo de força, luz e gás, água e esgoto;
IX – permitir a vistoria do imóvel pelo locador, mediante combinação prévia de dia e hora
X – quando for o caso, cumprir integralmente a convenção de condomínio e os regulamentos internos;
XI – pagar as despesas ordinárias de condomínio. [...]

Vale lembrar que o artigo 35 da Lei 8.245/91 é fonte de polêmicas. Da sua redação consta que
“salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo
locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas, serão
indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção”.
Ocorre que nos contratos pactuados por meio de imobiliárias, o que como visto, impõe a atração
do CDC, a cláusula de renúncia a benfeitorias será considerada nula, posto que abusiva, pois aparente-
mente traz direitos e obrigações manifestamente desproporcionais.
Além disso, também nos contratos pactuados por adesão, mesmo que sem a interferência da
lei consumerista, parece que tal cláusula não pode imperar, pois violaria a regra do artigo 424 do CC,
que dispõe ser nula a estipulação contratual inserida em contratos padronizados, quando desrespeite a
um efeito que normalmente nasce de certo comportamento ocorrido no mundo dos fatos e protegido
pelo direito, ou seja, fulmina de nulidade a cláusula que importe em renúncia antecipada do aderente
a direito resultante da natureza do negócio, o que denota a preocupação do legislador em promover
o controle do conteúdo contratual (TEPEDINO; BARBOZA; MORAES, 2006, p. 30); e salvo melhor juízo,

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O CDC e os contratos imobiliários: locação e empreitada | 135

benfeitoria necessária ou útil que tenha sido erigida pelo locatário deverá, nesses casos, ser indenizada
junto àquele que a realizou.
Um outro aspecto que merece ser destacado diz respeito às garantias que podem ser exigidas
pelo locador, sendo que segundo a lei especial, este poderá solicitar junto ao locatário, uma, e apenas
uma, entre as diversas modalidades previstas na lei: caução, fiança, seguro-fiança ou cessão fiduciária
de quotas de fundo de investimento.
Sobre o tema afirma-se ainda que, excepcionalmente, caso a locação não esteja garantida,
o locador poderá exigir do locatário o pagamento do aluguel e encargos até o sexto dia útil do mês
vincendo, ou seja, de modo antecipado, mês a mês, como visto, comportamento que foge à regra que
impõe que o aluguel deve ser pago após a utilização do imóvel.

Empreitada
Consoante o magistério de Flávio Tartuce (2007, p. 433), o contrato de empreitada é aquele pelo
qual uma das partes (empreiteiro ou prestador) obriga-se a fazer ou a mandar fazer alguma obra, mediante
uma determinada remuneração, a favor de outrem, denominado dono da obra ou tomador, conceito
esse ratificado por Eduardo Espínola (2002, p. 436) ao frisar que é “o contrato por meio do qual uma das
partes – o empreiteiro – que pode ser uma pessoa física ou jurídica, se obriga a executar determinada
obra ou trabalho, [...], com material próprio ou fornecido pela outra parte, sem subordinação”.
Ao contrário do que ocorre no contrato de locação imobiliária, aqui não pairam dúvidas acerca
da aplicação do CDC aos contratos que possuam esta natureza (ao menos no que diz respeito à maioria
desses contratos), e em razão disso, é imperiosa a análise dos artigos mais importantes sobre o tema no
CC e sua aplicação a partir da teoria do diálogo das fontes.
Inicialmente, cumpre ressaltar que as partes poderão contratar apenas o trabalho do empreiteiro
(regra – empreitada de lavor), ou, se desejarem, a responsabilidade desse último pela aquisição dos
materiais (exceção – empreitada mista), sendo que nesse momento pode surgir um primeiro problema.
Ocorre que, se de um lado o parágrafo primeiro do artigo 610 do CC dita que “a obrigação de
fornecer os materiais não se presume; resulta da lei ou da vontade das partes”, de outro, a ausência
da informação adequada sobre a duplicidade de formas em que a empreitada pode ser contratada,
aliada a omissão de ajuste da modalidade eleita, mormente quando as condições negociais sejam
predispostas pelo empreiteiro e o preço estipulado possa fazer o dono da obra acreditar que
aquele será também responsável pelos materiais, salvo melhor juízo, implicará na inversão da regra,
promovendo-se a interpretação contra o estipulante, no caso, impondo-se ao empreiteiro o dever de
arcar também com os custos do material.
Vale lembrar que visando à proteção do polo mais fraco da relação negocial, o CC prevê ainda
que, quando o empreiteiro se incumbir de fornecer os materiais, correrão por sua conta os riscos até a
entrega da obra, mas, se o empreiteiro fornecer apenas mão de obra, todos os riscos em que não tiver
culpa correrão por conta do dono, a não ser que nasçam da violação do dever de informar, que pode
ser desrespeitado quando deixa de solicitar a aquisição de material de qualidade ou quando afere que
o material comprado pelo dono da obra acarretará riscos à obra que está sendo erigida.

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136 | O CDC e os contratos imobiliários: locação e empreitada

Merece destaque que uma vez concluída a obra de acordo com o ajuste ou com o costume do
lugar, o dono é obrigado a recebê-la, entretanto, está autorizado a rejeitá-la, se o empreiteiro se afastou
das instruções recebidas, dos planos dados ou das regras técnicas em trabalhos de tal natureza, podendo
ainda o dono da obra em vez de deixar de receber a coisa, postular abatimento no preço em razão da
inobservância aos termos do contrato.
Esse direito não poderá ser exercido se o dono da obra acompanhou de modo minudente a
construção e pôde detectar o desvio aos termos do projeto arquitetônico ou à utilização de materiais
com qualidade inferior à contratada, pois, nesse caso, o dever lateral de cooperação que recai sobre o
mesmo, obriga-o a aceitar a obra, pois teve inúmeras oportunidades de se manifestar.
Aliás, nesse sentido, merece destaque o teor do artigo 619 do CC, ao dispor que salvo ajuste
em sentido contrário, o empreiteiro que se incumbir de executar uma obra, segundo o projeto
preestabelecido, não terá direito a exigir acréscimo no preço, ainda que sejam introduzidas modificações
no projeto, a não ser que estas resultem de instruções escritas do dono da obra; que por sua vez, nos
moldes do parágrafo único do aludido artigo, será obrigado a pagar ao empreiteiro os aumentos e
acréscimos, segundo o que for arbitrado, se, sempre presente à obra, por continuadas visitas, não podia
ignorar o que se estava passando, e nunca protestou.
É importante lembrar ainda que o empreiteiro é obrigado a pagar os materiais que inutilizar, salvo
se a deterioração (estrago) ou o perecimento (desaparecimento) se derem em razão de caso fortuito ou
força maior.
Regra de suma importância na tutela do dono da obra se encontra prevista no artigo 618 do CC,
que dispõe em seu caput que “nos contratos de empreitada de edifícios ou outras construções consi-
deráveis, o empreiteiro de materiais e execução responderá, durante o prazo irredutível de cinco anos,
pela solidez e segurança do trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo”.
Observa-se que essa responsabilidade é relativa à solidez e segurança da obra e faz alusão:
[...] ao que foi incorporado ao terreno e feito acima ou abaixo da superfície, incorporado permanentemente ao solo, de
modo que não se possam retirar sem destruição, modificação, fratura ou dano [e] quando se faz menção à segurança
da obra, esta abrange não somente a eventualidade de desabamento do prédio, mas também as perfeitas condições
de habitabilidade e de salubridade da edificação. (BRITO, 2003, p. 116)

É importante frisar que o prazo previsto na lei é de garantia, autorizando o dono da obra, durante
seu curso, a reclamar acerca do surgimento de vícios no imóvel cuja construção foi contratada junto ao
empreiteiro, prazo esse bem maior que aquele que consta no CDC, que é de 90 dias.
Salienta-se, ainda, acerca do tema que muito embora o parágrafo único do artigo 618 do CC,
disponha que decai do direito previsto nesse artigo o proprietário que não propuser a ação contra
o empreiteiro, nos 180 dias seguintes ao aparecimento do vício, em verdade, tal prazo precisa ser
observado apenas nos casos em que se exija a reforma do defeito surgido, pois, no caso de lesão ao
patrimônio ou a integridade psicofísica do consumidor, terá ele o prazo de cinco anos para ajuizamento
da ação cabível, e se por acaso o dano surgir em um contrato regido pelo CC, esse prazo será de três
anos, como ensina de modo muito claro José Fernando Simão (2005, p. 381).
Merece destaque ainda a regra que dispõe que se houver diminuição no preço do material ou da
mão de obra em percentual superior a dez por cento do preço total ajustado entre as partes, o contrato
poderá ser revisto a pedido do dono da obra, visando à restituição ou à liberação de pagamento da

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O CDC e os contratos imobiliários: locação e empreitada | 137

diferença apurada, regra que não prevalece em relação ao dono da obra, que somente terá direito à
revisão do contrato para mais, em hipóteses excepcionais (RODRIGUES JUNIOR, 2006), que fogem ao
objeto deste estudo.
Enfim, cumpre destacar que o empreiteiro poderá suspender a obra apenas nas seguintes situa-
ções, consoante se extrai do artigo 625 do CC:
a) por culpa do dono [como no caso de ausência de pagamento ou de aquisição de materiais fora dos padrões reco-
mendados];
b) de caso fortuito ou de força maior [chuvas inesperadas, neve, terremotos];
c) quando, no decorrer dos serviços, se manifestarem dificuldades imprevisíveis de execução, resultantes de causas
geológicas ou outras semelhantes, de modo que torne a empreitada excessivamente onerosa, e o dono da obra se
oponha ao reajuste do preço;
d) se as modificações exigidas pelo dono da obra, por seu vulto e natureza, forem desproporcionais ao projeto
aprovado, ainda que o dono se disponha a arcar com o acréscimo de preço.

Atividades
1. Quando o CDC poderá ser aplicado aos contratos de locação de imóveis?

2. No caso da multa estipulada para a devolução antecipada do imóvel pelo locatário ter sido fixada
em parâmetros excessivamente onerosos, o juiz tem o poder ou o dever de reduzi-la?

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138 | O CDC e os contratos imobiliários: locação e empreitada

3. Será lícita a cláusula ajustada entre locador e locatário que versa sobre a renúncia a benfeitorias
úteis e voluptuárias em contrato de locação residencial?

4. O dono da obra tem direito de buscar a revisão judicial do contrato de empreitada a seu favor em
que condições?

Dicas de estudo
A obra a seguir descrita resolve incontáveis problemas surgidos no âmbito das relações jurídicas
envolvendo a locação de imóveis, sendo indispensável para quem atua no ramo. Posteriormente, os três
primeiros links se referem a uma detalhada análise do professor José Fernando Simão sobre a interação
entre o CC e a Lei de Locações, e o último se refere à análise do mesmo professor, doutor em direito pela
Faculdade do Largo do São Francisco, sobre o contrato de empreitada.
RESTIFFE NETO, Paulo; RESTIFFE, Paulo Sérgio. Locação: questões processuais. São Paulo: RT, 2000.
<www.professorsimao.com.br/artigos_simao_a_%20lei_do_inquilinato_01.htm>.
<www.professorsimao.com.br/artigos_simao_a_%20lei_do_inquilinato_02.htm>.
<www.professorsimao.com.br/artigos_simao_a_%20lei_do_inquilinato_03.htm>.
<www.professorsimao.com.br/artigos_simao_aspectos_da_empreitada.htm>.
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O CDC e os contratos imobiliários: locação e empreitada | 139

Referências
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Santos. Brasília: UNB, 1999.
BRITO, Rodrigo Toscano de. Responsabilidade civil do construtor. In: ALVES, Jones Figueirêdo; DELGADO,
Mário Luiz (Coord.). Questões Controvertidas no Novo Código Civil. São Paulo: Método, 2003.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas:
Bookseller, 2002.
CATALAN, Marcos Jorge. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista
Scientia Iuris, Londrina, 2004.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no
projeto de Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 139, jul./set.,
1998.
ESPÍNOLA, Eduardo. Dos Contratos Nominados no Direito Civil Brasileiro. Atualizado por: Ricardo
Rodrigues Gama. Campinas: Bookseller, 2002.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2003.
_____. Três tipos de diálogos entre o código de defesa do consumidor e o código civil de 2002: superação
das antinomias pelo “diálogo das fontes”. In: PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos; PASQUALOTTO,
Adalberto (Coord.). Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002: convergências e
assimetrias. São Paulo: RT, 2005.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
SIMÃO, José Fernando. Aspectos controvertidos da prescrição e decadência na teoria geral dos contratos e
contratos em espécie. In: ALVES, Jones Figueirêdo; DELGADO, Mário Luiz (Coord.). Questões Controvertidas:
no direito das obrigações e dos contratos. São Paulo: Método, 2005, v. 4.
TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie. 2. ed. São Paulo:
Método, 2007, v. 3.
TEPEDINO, Gustavo, BARBOZA, Heloisa Helena; MORAES, Maria Celina Bodin de. Código Civil Interpre-
tado: conforme a constituição da república. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. v. 2.

Gabarito
1. Em princípio, no que diz respeito à locação predial urbana, não haverá incidência do CDC, e isso
se dá porque o locador, em regra, não pode ser qualificado como fornecedor, por não desenvolver
sua atividade com habitualidade. Sobre o assunto, tem se manifestado o STJ como se afere da
decisão que reconheceu que “é pacífica e remansosa a jurisprudência, nessa Corte, no sentido

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140 | O CDC e os contratos imobiliários: locação e empreitada

de que o CDC não é aplicável aos contratos locatícios, que são regulados por legislação própria”,
desse modo, “restam ausentes às relações locatícias as características delineadoras da relação de
consumo apontadas na Lei 8.078/90” (REsp 689266/SC).

Cumpre informar, nesse contexto, que as locações prediais urbanas são regidas pela Lei 8.245/91,
entretanto, na hipótese do contrato de locação de imóvel residencial ser intermediado por
empresa do ramo imobiliário, aparentemente haverá a atração do CDC, norma que deverá
dialogar com a lei que rege as locações a fim de que os problemas surgidos no âmbito dessas
relações jurídicas encontrem soluções que respeitem o sistema.

Essa ideia é ratificada por Cláudia Lima Marques (2003, p. 90) ao destacar que, se a locação for
intermediada por empresa especializada, mormente nas locações urbanas não comerciais,
considerando a vasta gama de cláusulas abusivas que recheiam esses contratos, aparentemente,
não há óbices para a aplicação do CDC.

2. Durante o prazo estipulado para a duração do contrato, não poderá o locador reaver o imóvel
alugado sob qualquer argumento, podendo o locatário, por outro lado, devolvê-lo, desde que
pague a multa ajustada, e na sua falta, a que for judicialmente arbitrada. Salienta-se aqui que
caso a cláusula penal3 (no caso terá natureza compensatória) tenha sido pactuada em valor ou
percentual muito elevado, se provocado, o juiz tem o dever de reduzi-la, nos moldes do artigo
413 do CC.

3. Vale lembrar que o artigo 35 da Lei 8.245/91 é fonte de polêmicas. Da sua redação consta que
“salvo expressa disposição contratual em contrário, as benfeitorias necessárias introduzidas pelo
locatário, ainda que não autorizadas pelo locador, bem como as úteis, desde que autorizadas,
serão indenizáveis e permitem o exercício do direito de retenção”.

Ocorre que, nos contratos pactuados por meio de imobiliárias, o que, como visto, impõe a atração
do CDC, a cláusula de renúncia a benfeitorias será considerada nula, posto que abusiva, pois
aparentemente traz direitos e obrigações manifestamente desproporcionais.

Além disso, também nos contratos pactuados por adesão, mesmo que sem a interferência da lei
consumerista, parece que tal cláusula não pode imperar, pois violaria a regra do artigo 424 do
CC, que dispõe ser nula a estipulação contratual inserida em contratos padronizados, quando
desrespeite a um efeito que normalmente nasce de certo comportamento ocorrido no mundo dos
fatos e protegido pelo direito, ou seja, fulmina de nulidade a cláusula que importe em renúncia
antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio, o que denota a preocupação
do legislador em promover o controle do conteúdo contratual (TEPEDINO; BARBOZA; MORAES,
2006, p. 30 e ss); e salvo melhor juízo, benfeitoria necessária ou útil que tenha sido erigida pelo
locatário deverá, nesses casos, ser indenizada junto àquele que a realizou.

4. Se houver diminuição no preço do material ou da mão de obra em percentual superior a dez por
cento do preço total ajustado entre as partes, o contrato poderá ser revisto a pedido do dono
da obra, visando à restituição ou à liberação de pagamento da diferença apurada, regra que não
prevalece em relação ao empreiteiro, que somente terá direito à revisão do contrato para mais,
em hipóteses excepcionais.

3 Multa ajustada entre as partes e devida no caso de infração à cláusula contratual.


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O CDC e os contratos
imobiliários:
corretagem e incorporação imobiliária

Corretagem
Está autorizado a desempenhar a função de corretor, nos moldes do artigo 2.º da Lei 6.530/78,
aquele que seja “possuidor de título de técnico em transações imobiliárias”, salientando-se, entretanto,
que os tribunais brasileiros não exigem tal habilitação, como se afere do posicionamento do Superior
Tribunal de Justiça (STJ), ao decidir que “a despeito de não inscrito no ‘Conselho Regional de Corretores
de Imóveis’, o intermediador faz jus ao recebimento da comissão de corretagem” (REsp 87918/PR), e
ainda que, em ação de cobrança de comissão de corretagem a ausência de inscrição no órgão de classe
é irrelevante (REsp 251676/GO).
Ocorre que, nesses casos, a remuneração devida pode ser diminuída pelo juiz, caso esse entenda
que a ausência de habilitação interfira na qualidade do trabalho executado, aplicando no caso o
artigo 606 do Código Civil (CC), que dita que se “o serviço for prestado por quem não possua título
de habilitação”, ou não satisfaça a outros requisitos estabelecidos na lei, “não poderá quem os prestou
cobrar a retribuição normalmente correspondente ao trabalho executado [entretanto] se deste resultar
benefício para a outra parte, o juiz atribuirá a quem o prestou uma compensação razoável, desde que
tenha agido com boa-fé”.
É importante destacar que muito embora ignorado pelo CC de 1916, o contrato de corretagem
recebeu roupagem própria na vigente codificação de direito privado, sendo-lhe reservado lugar de
destaque entre os contratos em espécie, mormente porque, como quer Gustavo Tepedino (2001,
p. 113-114):
[...] o estudo do contrato de corretagem, inteiramente esquecido na sociedade rural em que nasceu o Código Civil
Brasileiro, torna-se cada vez mais relevante, [pois], no contexto industrial e urbano, aumentam-se as distâncias entre as

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142 | O CDC e os contratos imobiliários:
corretagem e incorporação imobiliária

pessoas e já não mais se consegue vender ou comprar objetos através [sic] do contato direto entre comprador e vendedor,
[e assim] a insegurança dos grandes centros urbanos, aliada ao isolamento natural que o quotidiano profissional a todos
impõe, invariável, inexorável e indistintamente intensifica a importância do intermediador de negócios cuja reputação
e confiabilidade se apresentam mais e mais indispensáveis, na exata proporção em que se distanciam as pessoas e se
desfaz a possibilidade de selecionar, com as cautelas desejáveis, os próprios parceiros comerciais.

Ademais, a necessidade e a atualidade do contrato de corretagem se justificam em razão do


aumento do tráfego jurídico oriundo do florescimento de mercados especializados e específicos,
notadamente no que concerne à venda e compra de imóveis, exigindo habilitação técnica especializada,
e ainda, muitas vezes, um controle severo do poder público, de modo a garantir ao consumidor médio,
desconhecedor das particularidades do produto, dos serviços e do mercado, a celebração de um bom
negócio (TEPEDINO, 2001, p. 114).
Resta claro que o tema em questão merece destaque pela importância dos corretores no
adequado funcionamento da sociedade de massa e para uma melhor circulação de riquezas no campo
de atuação daqueles, pressuposto essencial para o crescimento do país.
Vale a pena lembrar com Cláudia Lima Marques, que muito embora o contrato de corretagem
tenha sido positivado pelo CC, a aplicação da lei geral há de ser promovida de forma subsidiária e
complementar, diante das premissas elencadas no Código de Defesa do Consumidor (CDC), lei especial
e anterior àquela (2005, p. 29), mormente porque o corretor desenvolve atividade econômica ao exercer
seu ofício com profissionalismo e, desse modo, enquadra-se, com perfeição, na moldura criada pelo
legislador para a caracterização da posição jurídica de fornecedor.
Ato contínuo salienta-se que o contrato de corretagem é de natureza consensual, por não requerer
qualquer formalidade especial para sua formação, prevalecendo nessa figura contratual o princípio
da liberdade das formas, ou seja, o contrato pode, sem maiores problemas ser ajustado verbalmente,
entretanto, nesse caso, a prova de sua existência torna-se mais difícil, especialmente diante do previsto
no artigo 227 do CC que dispõe que “salvo os casos expressos, a prova exclusivamente testemunhal só se
admite nos negócios jurídicos cujo valor não ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo vigente no país
ao tempo em que foram celebrados”; recomendando-se, então, que sempre se observe a forma escrita.
Traçadas as premissas básicas sobre o tema, assevera-se que o conceito do contrato de corretagem
encontra-se previsto no CC que dispõe em seu artigo 722 que “pelo contrato de corretagem, uma
pessoa, não ligada à outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de
dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas”.
Essa noção é muito importante na análise da principal obrigação assumida pelo corretor de imóveis:
aproximar aquele que o contrata de alguém que se disponha a negociar com o primeiro, nas condições
da oferta realizada por esse.
É importante frisar ainda que o corretor assume outras obrigações em razão do contrato pactuado,
entre eles, o dever de prestar ao cliente:
a) informações sobre o andamento dos negócios;
b) detalhes sobre a segurança ou risco do negócio;
c) notícias sobre alteração do valor do objeto a ser vendido ou comprado;
d) auxiliar o contratante em tudo mais que possa influir nos resultados da incumbência assumida
em contrato; comportamento este que, como pode ser facilmente visualizado, impõe ao
corretor o dever de agir com elevado grau de responsabilidade.

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O CDC e os contratos imobiliários: | 143
corretagem e incorporação imobiliária

O contrato de corretagem possui natureza sinalagmática, impondo, portanto, prestações recíprocas


a ambas as partes e, desse modo, uma vez cumprida sua obrigação, o corretor terá direito a exigir contra-
prestação de natureza pecuniária, que se não tiver sido ajustada entre as partes, será arbitrada pelo juiz ou
por terceiro eleito pelas partes, que deverão considerar a natureza do negócio e os usos locais.
O valor a ser pago pela corretagem, em regra, é devido por quem tenha contratado o profissional,
mas admite ajuste em sentido contrário desde que haja aceitação de todos os interessados. Vale a pena
lembrar ainda que caso o negócio seja concluído em razão da intermediação de mais de um corretor, a
remuneração será paga a todos em partes iguais, salvo ajuste em sentido contrário.
Uma das grandes polêmicas que envolvem esse contrato encontra-se atada à questão da ulterior
desistência, de uma ou de ambas as partes, quanto à conclusão do contrato para o qual o corretor
foi incumbido de encontrar um interessado, ou mesmo, quando quem houver contratado o corretor
revogue a oferta após a aceitação do terceiro, situação que hodiernamente encontra solução no artigo
725 do CC: “a remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado previsto no
contrato de mediação, ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento das partes”.
Sobre o assunto, ensina José Maria Trepat Cases (2003, p. 116) que a comissão é devida com a
aproximação das partes, sendo inadmissível que no caso da venda de um imóvel, por exemplo, o paga-
mento da remuneração ao corretor seja condicionado à assinatura da escritura definitiva, uma vez que
as partes já acordaram quanto aos pontos relevantes da alienação.
Ademais, “ainda que haja posterior arrependimento entre as partes ou não seja o acordo entre
elas levado à efeito, terá o corretor direito ao recebimento integral da remuneração” (CASES, 2003,
p. 116). Na mesma esteira, ao discorrer sobre o contrato de corretagem, Flávio Tartuce (2003, p. 464)
destaca que “o que se remunera é a utilidade da atuação do corretor ao aproximar as partes e o respeito
aos deveres que lhe são inerentes”.
Dessa forma, considerando-se que nos moldes do artigo 434 do CC, em regra, o contrato aper-
feiçoa-se no momento da aceitação, desde que haja a manifestação de aquiescência da parte que teve
ciência da proposta por meio do corretor, a missão deste estará cumprida e, consequentemente, deverá
ser remunerado.
O STJ tem confirmado essa tese ao decidir que:
[...] sem embargo dos ponderáveis argumentos das correntes antagônicas, que se fixam, respectivamente, no
resultado útil e na aproximação das partes, mais razoável e justo se afigura o entendimento da corrente intermediária,
segundo o qual o corretor faz jus a comissão se, tendo aproximado as partes, o negócio não se consuma por decisão
exclusiva do vendedor que o contratara, [e desse modo] a jurisprudência, mesmo quando embasada em reiterados
julgados, refletida em antigos posicionamentos, deve evoluir para adaptar-se a multifária riqueza da vida, em seus
variados aspectos e circunstâncias, sob pena de agasalhar a injustiça e ferir elementares princípios de direito. [...]
(REsp 4269/RS)

Vale lembrar ainda a lição de Antônio Carlos Mathias Coltro (2001) ao afirmar que:
[...] não se afasta também a possibilidade de o contrato de corretagem conter cláusula em que se estipule estar o
pagamento da comissão condicionado à efetiva consolidação do negócio, [entretanto,], inexistente tal disposição,
deverá ser a retribuição paga ao mediador, ainda que posteriormente haja desistência, por algumas das partes, se já
havia ele logrado êxito na aproximação de ambas.

Outro problema frequente consiste em como saber que o corretor foi autorizado a contatar
terceiro que se interesse pela proposta de venda ou compra. Normalmente, essa prova é feita por
meio de um documento denominado opção. A partir dessa afirmação, cumpre destacar que opção

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144 | O CDC e os contratos imobiliários:
corretagem e incorporação imobiliária

é a autorização, por escrito, que se dá ao corretor para que ele passe a desenvolver atividades no
interesse das partes que pretendam firmar um determinado contrato.
De acordo com a lição de Antonio Carlos Neto (apud CHAVES, 1977, p. 14), a opção:
[...] é o instrumento e a prova da mediação, [sendo que] por meio dela, o dono do negócio expõe as suas pretensões,
expressa as condições do mesmo, fixa o seu valor, determina o seu prazo etc. de modo a habilitar o corretor a atrair os
interessados a realizá-lo, pela demonstração de suas vantagens [e ainda] autentica a atividade do corretor, evitando
que terceiros de boa-fé percam seu tempo com quem não está autorizado a propor qualquer operação.

Por sua vez, a doutrina de Antonio Chaves (1977, p. 14) frisa que a opção, para atingir os objetivos
para os quais ela é feita, deve conter os elementos essenciais do negócio, tais como o preço, as condi-
ções da negociação e a delimitação do objeto a ser transacionado, sob pena de carecerem de qualquer
valor jurídico, e na opção de venda de certo bem, por exemplo, deverão constar no mínimo o preço
e sua descrição, além da intenção, manifestada por seu proprietário, de aliená-lo onerosamente, essa
última ainda que implicitamente.
Ademais, uma vez contratado o corretor para intermediar o negócio desejado pelo pretenso
comprador ou vendedor, se àquele for concedido, por escrito, direito de exclusividade na intermediação
do contrato, mesmo que o negócio seja iniciado e concluído diretamente entre contratante e terceiro,
terá o corretor direito à remuneração integral, ainda que realizado o negócio sem a sua intervenção, a
não ser que se prove a inércia ou ociosidade daquele.
Outro aspecto importante no contrato de corretagem consiste na análise da forma em que sua
resilição poderá ocorrer, cuja noção está atada à possibilidade dada a qualquer das partes, em um
contrato de trato sucessivo1, ajustado sem prazo determinado, de desobrigar-se mediante a denúncia
do fim do contrato pactuado. No caso da corretagem assim ajustada, pode o contratante dispensar o
corretor a qualquer tempo, entretanto, caso o negócio se realize ulteriormente em razão dos contatos
realizados pelo profissional, terá esse direito à sua remuneração, salientando-se que a mesma solução
será adotada caso o negócio entre contratante e terceiro venha a se realizar após a decorrência do prazo
contratual, desde que isso ocorra em razão do trabalho exercido pelo corretor.

Incorporação imobiliária
As incorporações imobiliárias são regidas pela Lei 4.591/64, norma que traz as diretrizes essen-
ciais a essa modalidade contratual, que deve ser entendida como a atividade exercida com o intuito de
promover e realizar a construção, para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edifica-
ções compostas de unidades autônomas, ou como quer Leandro Leal Ghezzi (2007, p. 62), “é o negócio
jurídico por meio do qual o incorporador promove e realiza a edificação de um prédio, vendendo a uma
ou mais pessoas, frações ideais do terreno que ficam vinculadas a unidades autônomas em construção
ou que serão construídas”. Vale lembrar que tais contratos, como se extrai da leitura conjunta das Leis
4.591/64 e 6.766/79, são irrevogáveis e irretratáveis.
Perante a lei, consoante dita seu artigo 29, é considerado incorporador tanto a pessoa natural
como a jurídica que, mesmo não tendo efetuado a construção, se obrigue a vender partes ideais de

1 Estes contratos somente podem ser cumpridos por meio do tempo, elemento essencial para justificar a existência dos mesmos, como é o
caso da locação e do leasing.

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O CDC e os contratos imobiliários: | 145
corretagem e incorporação imobiliária

terreno que serão fracionadas em unidades autônomas por conta das edificações que serão construídas;
devendo ser salientado desde já que deve ser proprietário do terreno, promitente comprador, cessionário
do imóvel, construtor, ou corretor imobiliário devidamente matriculado (GHEZZI, 2007, p. 72-73), e ao
que vier exercer essas duas últimas atividades terá o dever de informar os potenciais adquirentes das
unidades autônomas acerca de tal fato.
O contrato de incorporação imobiliária consiste em um complexo de ações a serem adotadas
pelas partes, sendo importante destacar as fases que normalmente estão presentes:
::: primeiro promove-se o estudo da viabilidade econômica do empreendimento após a escolha
do local em que o condomínio horizontal será erigido;
::: depois afere-se a possibilidade de restrições ao direito de construir e ainda a situação jurídica
do imóvel;
::: em seguida, realiza-se o registro da incorporação junto ao cartório competente.
Vale lembrar que, consoante dispõe o artigo 32 da Lei 4.591/64, o incorporador somente está
autorizado a negociar as unidades autônomas após ter arquivado, no Registro de Imóveis competente,
uma série de documentos, entre os quais, merecem destaque os seguintes:
a) título de propriedade de terreno, ou de promessa, irrevogável e irretratável, de compra e venda ou de cessão de
direitos ou de permuta do qual conste cláusula de imissão na posse do imóvel [...];
b) certidões negativas de impostos federais, estaduais e municipais, de protesto de títulos de ações cíveis e criminais
e de ônus reais relativamente ao imóvel, aos alienantes do terreno e ao incorporador;
c) histórico dos títulos de propriedade do imóvel, abrangendo os últimos 20 anos, acompanhado de certidão dos
respectivos registros;
d) projeto de construção devidamente aprovado pelas autoridades competentes;
e) cálculo das áreas das edificações, discriminando, além da global, a das partes comuns, e indicando cada tipo de
unidade a respectiva metragem de área construída;
f ) certidão negativa de débito para com a Previdência Social, quando o titular de direitos sobre o terreno for respon-
sável pela arrecadação das respectivas contribuições;
g) memorial descritivo das especificações da obra projetada [...];
h) avaliação do custo global da obra, atualizada à data do arquivamento, [...], discriminando-se, também, o custo de
construção de cada unidade, devidamente autenticada pelo profissional responsável pela obra;
i) discriminação das frações ideais de terreno com as unidades autônomas que a elas corresponderão;
j) minuta da futura Convenção de condomínio que regerá a edificação ou o conjunto de edificações; [...]
k) declaração expressa em que se fixe, se houver, o prazo de carência;
l) atestado de idoneidade financeira [...];
m) declaração, acompanhada de plantas elucidativas, sobre o número de veículos que a garagem comporta e os locais
destinados à guarda dos mesmos.

Salienta-se que depositados os aludidos documentos, incumbe ao Oficial de Registro de Imóveis


verificar se foram cumpridos os requisitos legais, que uma vez fielmente observados, impõe àquele o
dever de arquivá-los em cartório e a promover o registro da incorporação, entretanto, se a documentação
não estiver completa, deverá, no prazo de 15 dias, informar por escrito, todas as exigências necessárias
ao registro da incorporação, sob pena de multa; possuindo igual prazo para promover o registro da
incorporação.

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corretagem e incorporação imobiliária

Salienta-se que, de acordo com o artigo 33 da lei analisada, “o registro da incorporação será válido
[sic, eficaz] pelo prazo de 180 dias, findo o qual, se ela ainda não se houver concretizado, o incorporador
só poderá negociar unidades depois de atualizar a documentação a que se refere o artigo anterior,
revalidando o registro por igual prazo”.
Destaca-se também que de acordo com o artigo 39 da lei em foco:
Art. 39.
Nas incorporações em que a aquisição do terreno se der com pagamento total ou parcial em unidades a serem cons-
truídas, deverão ser discriminadas em todos os documentos de ajuste:
I - a parcela que, se houver, será paga em dinheiro;
II - a quota-parte da área das unidades a serem entregues em pagamento do terreno que corresponderá a cada uma
das unidades, a qual deverá ser expressa em metros quadrados.

Afere-se aqui que o dever de informar oriundo da lei especial acaba por inspirar as regras sobre o
assunto previstas no CDC.
Outros deveres podem ser encontrados no artigo 43 da lei especial, ditando esse que:
Art. 43.
Quando o incorporador contratar a entrega da unidade a prazo e preços certos, determinados ou determináveis,
mesmo quando pessoa física, ser-lhe-ão impostas as seguintes normas:
I – informar obrigatoriamente aos adquirentes, por escrito, no mínimo de seis em seis meses, o estado da obra;
II – responder civilmente pela execução da incorporação, devendo indenizar os adquirentes ou compromissários, dos
prejuízos que a estes advierem do fato de não se concluir a edificação ou de se retardar injustificadamente a conclusão
das obras, cabendo-lhe ação regressiva contra o construtor, se for o caso e se a este couber a culpa;
[...]
IV – é vedado ao incorporador alterar o projeto, especialmente no que se refere à unidade do adquirente e às partes
comuns, modificar as especificações, ou desviar-se do plano da construção, salvo autorização unânime dos interessados
ou exigência legal;
V – não poderá modificar as condições de pagamento nem reajustar o preço das unidades, ainda no caso de elevação
dos preços dos materiais e da mão de obra, salvo se tiver sido expressamente ajustada a faculdade de reajustamento,
procedendo-se, então, nas condições estipuladas;
VI – se o incorporador, sem justa causa devidamente comprovada, paralisar as obras por mais de 30 dias, ou retardar-
-lhes excessivamente o andamento, poderá o juiz notificá-lo para que no prazo mínimo de 30 dias as reinicie ou torne
a dar-lhes o andamento normal.

Destaca-se, diante da importância do assunto, que consoante prevê o artigo 65 da lei especial, é
crime promover incorporação, fazendo, em proposta, contratos, prospectos ou comunicação ao público
ou aos interessados, afirmação falsa sobre a construção do condomínio, alienação das frações ideais do
terreno ou sobre a construção das edificações, conduta essa sancionada com “reclusão de um a quatro
anos e multa de cinco a cinquenta vezes o maior salário mínimo legal vigente no país”.
Uma vez concluída a obra, o incorporador deve ainda observar os seguintes passos: averbar a
construção perante o Registro Imobiliário; providenciar o “habite-se”; outorgar a escritura pública de
compra e venda aos adquirentes das unidades imobiliárias desde que o preço tenha sido pago e, por
fim, imitir os adquirentes na posse dos imóveis (GHEZZI, 2007, p. 84-100).

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O CDC e os contratos imobiliários: | 147
corretagem e incorporação imobiliária

Salienta-se que consoante dispõe o artigo 48 da lei analisada, a construção dos imóveis que
são objeto de incorporação poderá ser contratada sob o regime de empreitada ou de administração
e poderá estar incluída no contrato com o incorporador ou ser contratada diretamente entre os
adquirentes e o construtor.
É importante destacar que os adquirentes dos imóveis em construção serão representados por
uma comissão de representantes, a ser composta por pelo menos três membros escolhidos entre
aqueles, comissão essa que deve agir de modo a preservar o que interessar ao bom andamento da
incorporação (art. 61). Assevera-se que a incorporação imobiliária é realizada normalmente sob duas
modalidades distintas.
Pelo regime de empreitada, que poderá ser ajustada por preço fixo ou reajustável, desde que os
índices sejam previamente informados, tanto nas minutas contratuais, como em qualquer publicidade
sobre a incorporação. Aqui, merecem ser destacados três pontos:
a) caso não sejam alienadas todas as unidades imobiliárias, o incorporador responde pelo
pagamento das unidades que não foram comercializadas (TOSCANO DE BRITO, 2002, p. 191);
b) havendo atraso na entrega da obra por fato imputável ao incorporador ou ao construtor,
ambos responderão solidariamente pelos danos causados aos adquirentes dos imóveis
(GHEZZI, 2007, p. 96);
c) as minutas dos contratos e toda a publicidade deverá conter o preço da fração ideal do terreno
e o preço da construção (Lei 4.591/64, art. 56).
Pelo regime de administração, também conhecida por incorporação a preço de custo, a respon-
sabilidade pelo pagamento do custo integral de obra recai nos proprietários e nos adquirentes das
unidades imobiliárias (TOSCANO DE BRITO, 2002, p. 215). Por esse regime, consoante dispõe o artigo
58 da Lei 4.591/64, as faturas, duplicatas, recibos e quaisquer documentos referentes às transações ou
aquisições para construção serão emitidos em nome do condomínio dos contratantes da construção e
as contribuições dos condôminos para qualquer fim relacionado com a construção serão depositadas
em contas abertas em nome do condomínio dos contratantes em estabelecimentos bancários, as quais
serão movimentadas pela forma que for fixada no contrato.
No que tange ao preço a ser pago nessa modalidade de incorporação, destaca-se que consoante
dispõe o artigo 60 da lei, as revisões da estimativa de custo da obra serão efetuadas, pelo menos
semestralmente, pela comissão de representantes e o construtor, salientando-se que o contrato
pode estipular que em razão de necessidades da obra sejam alteráveis os esquemas de contribuições
quanto ao total, ao número, ao valor e à distribuição no tempo das prestações. Aqui, como tem se
manifestado o STJ:
a responsabilidade pelo andamento, recebimento das prestações e administração da obra é dos adquirentes, condô-
minos, por intermédio da comissão de representantes, e não da incorporadora, parte ilegítima para figurar no polo
passivo de ação que visa à devolução de valores pagos por adquirente inadimplente. (REsp 679627/ES)

Em qualquer das modalidades de construção, destaca-se a doutrina que mister se faz à revisão dos
contratos que contenham cláusula prevendo “a cobrança de juros de acordo com a tabela price após a
conclusão das obras, pactuando-se, quando muito e de forma clara, apenas juros simples, transparência
essa que deve abranger, inclusive, o valor das parcelas futuras já acrescidas, além do preço total do
imóvel com o referido acréscimo” (SCAVONE JUNIOR, 1998, p. 136), sendo vedada a cobrança de juros
antes da imissão dos adquirentes na posse do imóvel cuja construção foi concluída.

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148 | O CDC e os contratos imobiliários:
corretagem e incorporação imobiliária

Vale lembrar sobre o tema que:


A comissão de representantes terá poderes para, em nome de todos os contratantes e na forma prevista no contrato:
a) examinar os balancetes organizados pelos construtores, dos recebimentos e despesas do condomínio dos
contratantes, aprová-los ou impugná-los, examinando a documentação respectiva;
b) fiscalizar concorrências relativas às compras dos materiais necessários à obra ou aos serviços a ela pertinentes;
c) contratar, em nome do condomínio, com qualquer condômino, modificações por ele solicitadas em sua respectiva
unidade, a serem administradas pelo construtor, desde que não prejudiquem unidade de outro condômino e não
estejam em desacordo com o parecer técnico do construtor;
d) fiscalizar a arrecadação das contribuições destinadas à construção.

É importante destacar ainda que os adquirentes das unidades imobiliárias também têm deveres,
entre eles, em especial, a obrigação de pagar as prestações devidas, haja vista que só serão imitidos na
posse de suas unidades se não estiverem em mora (art. 52).
Frisa-se, ainda, que o CDC revogou o artigo 63 da lei que rege as incorporações, pois não
é lícita a estipulação de cláusula resolutória expressa em detrimento do direito do consumidor.
Importante lembrar que a teoria do adimplemento substancial tem também importante papel
nessa modalidade contratual.
Por sua vez, caso o incorporador ajuíze ação visando à resolução dos contratos por falta de paga-
mento, além de ser assegurada a purgação da mora até o momento de contestar a ação (aqui incide o
princípio da conservação do negócio jurídico), o adquirente terá direito a ser reembolsado no valor que
pagou, descontadas apenas despesas administrativas, não prevalecera cláusula contratual dispondo
que a devolução dos valores pagos pelo compromissário comprador serão pagos de modo parcelado,
como tem decidido o STJ (AgRg, no Ag 774216), até porque tal cláusula configura-se como abusiva,
violando o disposto no artigo 51 inciso IV do CDC.
Por sua vez, parece que o disposto no artigo 67 da Lei 4.591/64 e que dita que os contratos
poderão consignar exclusivamente às cláusulas, termo ou condições variáveis ou específicas e que as
cláusulas comuns a todos os adquirentes não precisam figurar nos respectivos contratos, desde que as
minutas informem onde as cláusulas gerais estão transcritas, não prevalece diante dos princípios da
transparência e da boa-fé objetiva, expressamente consagrados no CDC, cuja aplicação aos contratos
de incorporação imobiliária não pode ser questionada, como tem decidido constantemente o STJ:
[...] os contratos de promessa de compra e venda em que a incorporadora se obriga à construção de unidades
imobiliárias, mediante financiamento, enseja relação de consumo sujeita ao CDC, porquanto a empresa enquadra-
-se no conceito de fornecedora de produto (imóvel) e prestadora de serviço (construção do imóvel nos moldes da
incorporação imobiliária). (REsp 334829/DF)

Enfim, vale a pena destacar que importante inovação trazida para o direito brasileiro pela Lei
10.931/2004 trata do patrimônio de afetação, por meio do qual “o terreno e as acessões objeto de
incorporação imobiliária, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apar-
tados do patrimônio do incorporador e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução
da incorporação correspondente e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes”
(Lei 4.591/64, art. 31–A), bens esses que só respondem por dívidas e obrigações vinculadas à incor-
poração respectiva.

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O CDC e os contratos imobiliários: | 149
corretagem e incorporação imobiliária

Atividades
1. O corretor, para fazer jus à remuneração, precisa estar habilitado?

2. Em regra, quando o corretor cumpre sua obrigação e passa a ter direito a receber a remuneração
ajustada?

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150 | O CDC e os contratos imobiliários:
corretagem e incorporação imobiliária

3. Se não for ajustado o valor do pagamento do corretor, como se resolve esse problema?

4. No que consiste o patrimônio de afetação?

Para refletir
Por que teria sido criado o patrimônio de afetação?

Dicas de estudo
Os livros a seguir são referências obrigatórias para a adequada compreensão do assunto, princi-
palmente para quem trabalha no ramo imobiliário.
GHEZZI, Leandro Leal. A Incorporação Imobiliária: à luz do CDC e do Código Civil. São Paulo: RT,
2007.
LEONARDO, Rodrigo Xavier. Redes Contratuais no Mercado Habitacional. São Paulo: RT, 2003.

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O CDC e os contratos imobiliários: | 151
corretagem e incorporação imobiliária

Referências
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas:
Bookseller, 2002.
CASES, José Maria Trepat. Código Civil Comentado. São Paulo: Atlas, 2003. v. 8.
CATALAN, Marcos Jorge. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista
Scientia Iuris, Londrina, 2004
CHAVES, Antonio. Enciclopédia Saraiva do Direito. São Paulo: Saraiva, 1977.
COLTRO, Antonio Carlos Mathias. Contrato de Corretagem Imobiliária. São Paulo: Atlas, 2001.
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no
projeto de Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 139, jul./set.,
1998.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
GHEZZI, Leandro Leal. A Incorporação Imobiliária: à luz do Código de Defesa do Consumidor e do
Código Civil. São Paulo: RT, 2007.
LEONARDO, Rodrigo Xavier. Redes Contratuais no Mercado Habitacional. São Paulo: RT, 2003.
MARQUES, Cláudia Lima. Três tipos de diálogos entre o Código de Defesa do Consumidor e o código
civil de 2002: superação das antinomias pelo “diálogo das fontes”. In: PFEIFFER, Roberto Augusto Cas-
tellanos; PASQUALOTTO, Adalberto (Coord.). Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de
2002: convergências e assimetrias. São Paulo: RT, 2005.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
SCAVONE JUNIOR, Luiz Antônio. Os contratos imobiliários e a previsão de aplicação da tabela price: ana-
tocismo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 28, p. 129-136, out./dez. 1998.
TARTUCE, Flávio. A revisão do contrato pelo novo Código Civil: crítica e proposta de alteração do art. 317
da lei 10.406/02. In: DELGADO, Mário Luiz; ALVES, Jones Figueiredo. (Coord.). Questões Controvertidas
no Novo Código Civil. São Paulo: Método, 2003.
TEPEDINO, Gustavo. Temas de Direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.
TOSCANO DE BRITO, Rodrigo Azevedo. Incorporação Imobiliária à Luz do CDC. São Paulo: Saraiva,
2002.

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152 | O CDC e os contratos imobiliários:
corretagem e incorporação imobiliária

Gabarito
1. Está autorizado a desempenhar a função de corretor, nos moldes do artigo 2.º da Lei 6.530/78,
aquele que seja “possuidor de título de técnico em transações imobiliárias”, salientando-
-se, entretanto, que os tribunais brasileiros não exigem tal habilitação, como se afere do
posicionamento do STJ, ao decidir que “a despeito de não inscrito no ‘Conselho Regional de
Corretores de Imóveis’, o intermediador faz jus ao recebimento da comissão de corretagem”
(REsp 87918/PR), e ainda que, em ação de cobrança de comissão de corretagem a ausência de
inscrição no órgão de classe é irrelevante (REsp 251676/GO).

2. Uma das grandes polêmicas que envolvem esse contrato encontra-se atada à questão da ulterior
desistência de uma ou de ambas as partes quanto à conclusão do contrato para o qual o corretor foi
incumbido de encontrar um interessado, ou mesmo, quando quem houver contratado o corretor
revogue a oferta após a aceitação do terceiro, situação que hodiernamente encontra solução no
artigo 725 do CC: “a remuneração é devida ao corretor uma vez que tenha conseguido o resultado
previsto no contrato de mediação, ainda que este não se efetive em virtude de arrependimento
das partes”.

Sobre o assunto, ensina José Maria Trepat Cases (2003, p. 116) que a comissão é devida com a
aproximação das partes, sendo inadmissível que no caso da venda de um imóvel, por exemplo,
o pagamento da remuneração ao corretor seja condicionado à assinatura da escritura definitiva,
uma vez que as partes já acordaram quanto aos pontos relevantes da alienação.

Ademais, “ainda que haja posterior arrependimento entre as partes ou não seja o acordo entre
elas levado a efeito, terá o corretor direito ao recebimento integral da remuneração” (CASES, 2003,
p. 116). Na mesma esteira, ao discorrer sobre o contrato de corretagem, Flávio Tartuce (2003,
p. 464) destaca que “o que se remunera é a utilidade da atuação do corretor ao aproximar as
partes e o respeito aos deveres que lhe são inerentes”.

Dessa forma, considerando-se que nos moldes do artigo 434 do CC, em regra, o contrato aperfei-
çoa-se no momento da aceitação, desde que haja a manifestação de aquiescência da parte que
teve ciência da proposta por meio do corretor. A missão deste estará cumprida e, consequente-
mente, deverá ser remunerado.

3. Por arbitramento a ser realizado pelo juiz.

4. A ideia é de que “o terreno e as acessões objeto de incorporação imobiliária, bem como os


demais bens e direitos a ela vinculados, manter-se-ão apartados do patrimônio do incorporador
e constituirão patrimônio de afetação, destinado à consecução da incorporação correspondente
e à entrega das unidades imobiliárias aos respectivos adquirentes” (art. 3-A, Lei 4.591/64), bens
esses que só respondem por dívidas e obrigações vinculadas à incorporação respectiva.

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Os Enunciados do Conselho
da Justiça Federal
O que são os Enunciados do Conselho da Justiça Federal?
Inicialmente deve ser esclarecido que o Conselho da Justiça Federal (CJF), com sede em Brasília/
DF, tem como principal função promover e garantir a integração e o aprimoramento humano e material
dos órgãos que compõem a Justiça Federal, sem prejuízo da autonomia necessária ao bom desempenho
dessas unidades; portanto, em linhas gerais, pode ser afirmado que é um órgão que busca colaborar
para que o Poder Judiciário cumpra seu papel do melhor modo possível.
Buscando cumprir o papel que lhe é atribuído, o CJF, sob a batuta do ministro Ruy Rosado de
Aguiar Junior, organizou em 2002, a I Jornada de Direito Civil, e sucessivamente, em 2004, a III e em
2006, a IV, sendo que, em cada uma dessas ocasiões, Enunciados contendo propostas de interpretação
dos dispositivos mais polêmicos contidos no Código Civil (CC) que entrou em vigor em janeiro do ano
de 2003 foram pré-selecionados e discutidos por juristas com elevado saber. Destaca-se, desde já, que a
II Jornada foi propositalmente deixada de lado porque nela não foram apresentados Enunciados.
Pois bem, a aprovação dos Enunciados se dava mais ou menos assim: para cada livro do CC
foi constituída uma comissão de trabalho e, desse modo, durante cada uma das Jornadas havia uma
comissão para análise e votação das propostas de interpretação dos artigos contidos na Parte Geral do
CC e nos livros de Obrigações e Contratos, de Responsabilidade Civil, de Direito da Empresa, de Direito
de Família, de Direito das Sucessões e, enfim, no que regra o Direito das Coisas, sendo que poderia
ocorrer que a comissão previamente constituída viesse a tratar de mais de um tema durante os dias em
que o evento transcorria, como Parte Geral e Direito das Coisas ou Direito de Família e das Sucessões.
Uma vez constituídas as comissões, aos autores dos Enunciados pré-selecionados era dada à
palavra para sustentar suas teses, muitas vezes, surgindo conflitos e até mesmo propostas colidentes,
o que era resolvido em plenário, com a discussão dos temas e eventual aprovação ou reprovação das
ideias defendidas.

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154 | Os Enunciados do Conselho da Justiça Federal

Enfim, aprovadas as propostas em cada uma das comissões de trabalho, normalmente por maioria
qualificada, essas se transformavam em Enunciados, que a nosso ver, devem ser entendidos como fonte
do direito enquanto doutrina coletiva, haja vista consubstanciarem-se na síntese do pensamento de
boa parte dos diversos civilistas presentes em cada um dos eventos.
É imperioso informar que em cada uma das Jornadas realizadas estiveram presentes juristas com
elevado conhecimento jurídico, especialmente por conta do valor atribuído ao evento por professores
de várias das melhores universidades do país, além de juízes, promotores e advogados com vasta expe-
riência, e que ademais, boa parte dos principais grupos de pesquisa em direito civil existentes no Brasil
se fez representar.
Por fim, ressalta-se que os Enunciados do CJF não podem ser confundidos nem com a lei, que
em regra emana de atos do Poder Legislativo, nem com a jurisprudência, fruto de decisões reiteradas
dos Tribunais, mas que nem por isso perdem sua importância, diante dos caminhos que pretendem dar
para os problemas que se apresentam quando da leitura do CC (Lei 10.406/02) e de suas conexões com
outros diplomas normativos, como é o caso do CDC (Lei 8.078/90) e da Lei de Locações (Lei 8.245/91).

Os Enunciados da I Jornada de Direito Civil do CJF


Tendo sido destacado o que são os Enunciados do CJF e a importância do seu papel para a
Ciência do Direito, vale a pena conhecer alguns deles, mormente os que se prestam a afastar potenciais
controvérsias acerca do processo de interpretação de cláusulas contratuais.
O Enunciado de número 13 versa que “o aspecto objetivo da convenção requer a existência do
suporte fático no negócio a converter-se”.
A fim de ser adequadamente compreendido, merece destacar no que consiste a conversão do
negócio jurídico, tema regrado pelo artigo 170 do CC ao dispor que “se, porém, o negócio jurídico nulo
contiver os requisitos de outro, subsistirá este quando o fim a que visavam às partes permitir supor que
o teriam querido” se pudessem prever a nulidade.
Esse dispositivo legal e a interpretação que dele se pretende extrair têm profunda relevância
quando do ajuste de contratos em que não se observe algum requisito legal, como pode ocorrer quando
de pactue um contrato de compra e venda de imóvel com valor superior a 30 salários mínimos sem que
isso seja feito por meio de escritura pública, consoante determina o artigo 108 do CC.
Assim, como a compra e venda, desse modo ajustada, seria nula perante o regramento que é
dado ao tema pelo CC, no caso, já que existe outra modalidade negocial que se preenche pelos mesmos
requisitos, sem que haja necessidade de observância de escritura pública, aquele contrato nulo, quando
interpretado, deve ser convertido em um negócio válido, no caso, o compromisso de compra e venda.
Por sua vez, o Enunciado 17 ao ditar que “a interpretação da expressão ‘motivos imprevisíveis’,
constante do artigo 317 do novo CC, deve abarcar tanto causas de desproporção não previsíveis, como
também causas previsíveis, mas de resultados imprevisíveis”, tem por escopo ampliar as possibilidades
de revisão dos contratos pactuados sob a égide do CC, valorando assim o princípio do equilíbrio mate-
rial que visa manter a sinalagma contratual entre os parceiros negociais.

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Os Enunciados do Conselho da Justiça Federal | 155

O Enunciado aprovado sob o número 18 também merece ser destacado, haja vista que ao ditar que:
A quitação regular referida no artigo 319 do novo Código Civil engloba a quitação dada por meios eletrônicos ou por
quaisquer formas de comunicação a distância, assim entendida aquela que permite ajustar negócios jurídicos e praticar
atos jurídicos sem a presença corpórea simultânea das partes ou de seus representantes.

Essa diretriz hermenêutica atribui valor jurídico positivo aos comportamentos normalmente
adotados pelos parceiros negociais em suas relações cotidianas, bem como, respeita a confiança nascida
naquele que efetua pagamento por meio de depósito bancário ou outro meio similar de comunicação
a distância, que muitas vezes dificulta o ato de exigir quitação expressa do credor, liberando, por
consequência, o devedor que cumpre seu dever jurídico por qualquer das formas destacadas, das
obrigações outrora assumidas.
Outro Enunciado que tem papel importantíssimo é o de número 20, pois visa acabar com a polê-
mica sobre qual a taxa de juros que pode ser utilizada como parâmetro nos contratos pactuados entre
particulares.
Seu teor é o seguinte:
A taxa de juros moratórios a que se refere o artigo 406 é a do art. 161, §1.º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1%
(um por cento) ao mês [e] a utilização da taxa SELIC como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente
segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que
se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do artigo 591 do novo CC,
que permite apenas a capitalização anual dos juros.

Já o Enunciado 22, ao ditar que “a função social do contrato prevista no artigo do novo Código
Civil constitui cláusula geral, que reforça o princípio de conservação do contrato, assegurando trocas
úteis e justas”, acaba reforçando a ideia de que os contratos não podem impor obrigações despropor-
cionais para as partes que nele figuram e, desse modo, ratifica a possibilidade de revisão dos deveres
assumidos pelos contratantes quando for necessário reequilibrar os direitos e obrigações de cada uma
das partes na relação negocial.
Por sua vez, o Enunciado 23, ao determinar que “a função social do contrato [...] não elimina o
princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio, quando presentes
interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana”, reafirma que
o poder outrora concedido como quase absoluto aos sujeitos de direito de regrar juridicamente seus
destinos a cada dia encontra-se mais limitado.
Interesse metaindividual deve ser compreendido como os interesses da coletividade, e pode ser
desrespeitado no caso de um contrato pactuado entre um fabricante de calçados e uma empresa de
publicidade, cujo resultado acabe estimulando comportamento antissocial a ser seguido por uma classe
etária ou econômica, como seria a hipótese de um comercial que estimula as crianças a queimarem os
calçados velhos, como também assim estaria enquadrada publicidade que valore positivamente o ócio,
a violência ou o excesso de velocidade ao volante.
A seu turno, a dignidade da pessoa humana é um valor recepcionado como mais importante pelo
ordenamento jurídico brasileiro, e seu desrespeito poderia ser detectado quando do desrespeito ao
pacote básico de direitos a que todo ser humano faz jus, são que os homens são diferentes, mas todos
têm dignidade e, desse modo, como em princípio todos deveriam ter direito à moradia, à alimentação,
à educação, a vestuário, a respeito à integridade psicofísica e a contratos que desrespeitem tais valores
devem ser analisados com muita cautela.

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156 | Os Enunciados do Conselho da Justiça Federal

Também o de número 24 merece ser transcrito, pois ao ditar que “em virtude do princípio da boa-
-fé, positivado no artigo 422 do novo CC, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimple-
mento, independentemente de culpa”, reforça a importância de que sejam observados deveres como o
de informação, de segurança e de sigilo, sem que seja necessário, em muitas situações, que os mesmos
tenham sido expressamente ajustados pelas partes.
Belo exemplo de inobservância de dever lateral de conduta pode ser visto no julgamento do
caso em que certo empregador incidiu em comportamento contraditório, violando o dever lateral de
informação, na medida em que, ao criar plano de demissão voluntária, declarou também que outros não
serão efetuados, e que logo após, não tendo atingido o percentual de adesões esperado com o plano
antigo, lança nova proposta, com os mesmos requisitos da anterior, só que com maiores incentivos,
prejudicando o interesse de funcionário que, nesse contexto, não teria aderido ao primeiro plano
(TRT 4. RO 073.893.820.060.906-6).
Outra situação ilustrativa, buscada agora no Tribunal de Justiça gaúcho (TJ-RS), está no caso em que
o comprador de um aparelho de ar-condicionado recebeu-o com defeito, tendo sido detectada falha na
operação das resistências e aquecimento da unidade vaporizadora, problemas esses que redundaram na
inundação do local em que fora instalado (Ap. Cível 70014928063). Nessa situação, os danos nasceram por
conta do bem ter sido entregue sem que funcionasse adequadamente, restando violado o dever lateral
de colaboração, no caso em tela, fonte do dever imposto ao fornecedor de entregar o objeto adquirido
em condições de uso e de assim mantê-lo durante o decurso da garantia, dever que uma vez cumprido de
forma apropriada, não ensejaria a inundação do local em que o eletrodoméstico fora instalado.
A seu turno, o Enunciado 25, ao dispor que “artigo 422 do CC não inviabiliza a aplicação, pelo
julgador, do princípio da boa-fé nas fases pré e pós-contratual”, ratifica a importância de observância
de um comportamento leal não apenas durante o contrato, mas também quando da sua formação,
momento conhecido por fase de puntuação ou de tratativas, e mesmo após sua conclusão, cujo exemplo
no âmbito do CDC pode ser extraído no dever imposto ao fornecedor de manter peças de reposição
no mercado durante a produção dos bens que delas necessitam e, ainda, por prazo razoável após esse
mesmo bem deixar de ser produzido.
Vale a pena transcrever também o teor do Enunciado 26 que, ao determinar que “a cláusula
geral contida no artigo 422 do novo CC impõe ao juiz interpretar e, quando necessário, suprir e corrigir
o contrato segundo a boa-fé objetiva, entendida como a exigência de comportamento leal dos
contratantes”, uma vez mais autoriza o juiz, quando provocado, a rever o conteúdo do contrato de modo
a reequilibrá--lo, ainda que para tanto precise preencher a lacuna deixada pelas partes.
Ato contínuo vale lembrar que por meio do Enunciado 27, ao ditar que o hermeneuta, no processo
de concreção da norma jurídica, “deve levar em conta o sistema do CC e as conexões sistemáticas com
outros estatutos normativos e fatores metajurídicos”, permite-se aferir que a tese do diálogo das fontes
é conhecida pelos estudiosos do direito privado, haja vista que como se afere, ao se interpretar o CC, o
operador do direito deve ter em conta os valores vigentes na sociedade e as regras contidas em outros
diplomas legislativos.
Ademais, ao se analisar o teor do Enunciado 30: “a disposição do parágrafo único do artigo 463
do novo CC deve ser interpretada como fator de eficácia perante terceiros” constata-se que mais uma
dúvida que por muito tempo incomodou o direito pátrio acabou por ser suprimida, posto que o aludido
Enunciado dá a solução para o caso de desrespeito a regra do parágrafo único do artigo 463 do CC que
dita que “o contrato preliminar deverá ser levado ao registro competente”.

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Os Enunciados do Conselho da Justiça Federal | 157

Ocorre que em princípio, a eficácia de um negócio jurídico está limitada às partes contratantes,
porém, poderá estender-se vindo a atingir terceiros estranhos ao negócio, normalmente mediante a
observância à publicidade do ato (BETTI, 2003, p. 77).
No atual estágio do direito civil há de se refletir acerca da doutrina da tutela externa ou tutela
delitual o crédito (NORONHA, 2004, p. 464), que traz ao direito obrigacional a possibilidade de oponi-
bilidade erga omnes, ou seja, em relacão à qualquer pessoa, impondo-se a terceiros o dever jurídico de
não colaborar com a inexecução das obrigações pactuadas entre as partes (MENEZES CORDEIRO, 1986,
p. 263).
Assim, se de um lado os terceiros estão obrigados a respeitar as relações negociais entabuladas
pelas partes, por outro, se impõe que para tanto os mesmos devam ter ciência da existência das mesmas,
estado que se prova por meio da inscrição da minuta do contrato preliminar perante o Cartório de
Títulos e Documentos, ou se tratar de bem imóvel, perante o Cartório de Registro de Imóveis.
Por consequência, na hipótese dos contratantes deixarem de observar a devida inscrição da minuta
que instrumentaliza o pré-contrato, que é uma faculdade e não um dever como a leitura superficial da
aludida regra induz a pensar (VENOSA, 2002, p. 423), haverá ineficácia relativa, posto que o negócio
não produzirá efeitos em relação a terceiros, como ocorre também nas hipóteses da não notificação do
cedido na cessão de crédito ou na venda a non domino (AZEVEDO, 2002, p. 60).

Os Enunciados da III Jornada de Direito Civil do CJF


O Enunciado 149, de cujo teor afere-se que “em atenção ao princípio da conservação dos
contratos, a verificação da lesão deverá conduzir, quando possível, à revisão judicial do negócio jurídico
e não à sua anulação”, impõe ao juiz, ao aferir a presença da lesão na formação do contrato, sempre que
possível, trabalhe para mantê-lo, mediante a indução das partes na busca por um ponto comum que
permita que o negócio seja preservado, agora, com prestações equitativas.
Salienta-se que a lesão consiste no vício que se manifesta quando uma pessoa, sob premente
necessidade, ou por inexperiência, se obriga à prestação manifestamente desproporcional ao valor da
prestação oposta assumida pela outra parte que compõe a relação jurídica contratual.
A seu turno o Enunciado 159 ao ditar que “o dano moral, assim compreendido todo o dano
extrapatrimonial, não se caracteriza quando há mero aborrecimento inerente a prejuízo material” tem por
objetivo criar parâmetros para a condenação de alguém à indenização de danos extrapatrimoniais, os quais
apenas serão devidos caso haja a violação a algum direito da personalidade, sendo vedada a condenação em
verbas de tal natureza quando houver apenas pequenos incômodos inerentes ao dia a dia em sociedade.
Por sua vez, o Enunciado 161 é enfático ao destacar que “os honorários advocatícios [...] apenas
têm cabimento quando ocorre a efetiva atuação profissional do advogado”, devendo ser entendida
a atuação profissional como o ingresso em juízo e, desse modo, caso alguém pretenda contratar um
advogado para efetuar cobranças na esfera extrajudicial, por exemplo, deverá arcar com esses custos,
não podendo transferi-los ao parceiro negocial.
Também não se pode deixar de frisar o teor do Enunciado 167, pois como esse estudo se pauta
pela análise do CDC e do CC, merece recordar que ambos os textos legislativos são informados por

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158 | Os Enunciados do Conselho da Justiça Federal

princípios comuns, como se afere da análise do Enunciado citado que dita que “com o advento do CC de
2002, houve forte aproximação principiológica entre esse Código e o CDC no que respeita à regulação
contratual, uma vez que ambos são incorporadores de uma nova teoria geral dos contratos”.
Em verdade, o ideal não é mais perguntar somente qual o campo de aplicação do CC, quais são
seus limites e qual o campo de atuação do CDC e suas cercanias, mas visualizar que a relação de consumo
é ao mesmo tempo civil e especial (relação jurídica negocial de direito privado) e que, por conta disso,
é regida por uma lei geral a ser aplicada subsidiariamente e ao mesmo tempo por uma ou mais normas
especiais que tem por escopo a tutela do vulnerável enquanto titular de direitos fundamentais e, sob
esse prisma, ambos os diplomas legislativos citados serão invocados quando da criação da norma
jurídica que busca solucionar o caso concreto, dialogando, caminhando de mãos dadas em busca da
fiel observância dos mandamentos constitucionais (MARQUES, 2002).
O Enunciado 171, por sua vez, dirime outra dúvida, pois ao dispor que “o contrato de adesão,
mencionado nos artigos 423 e 424 do novo Código Civil, não se confunde com o contrato de consumo”
atesta a possibilidade da existência de contratos por adesão no âmbito das relações jurídicas regradas
pelo CC e, por outro lado, admite que existam contratos de consumo que não sejam pactuados por
adesão.
Logo após, o Enunciado 172 ao ditar que “as cláusulas abusivas não ocorrem exclusivamente nas
relações jurídicas de consumo” acaba por reconhecer que tais cláusulas podem estar presentes também
nos contratos regidos pelo CC, haja vista que muito embora essa lei tenha sido elaborada para regrar
relações entre iguais, em inúmeras situações poderá ocorrer que um dos parceiros negociais esteja em
condição de inferioridade e venha a ser prejudicado por uma cláusula que lhe traga obrigação excessi-
vamente onerosa quando comparada com os deveres da outra parte na relação negocial.
O Enunciado 180 também é importante quando faz alusão à questão do aluguel sanção ou
aluguel pena, figura bastante conhecida no mercado de locação de bens móveis e a qual pode recorrer
o proprietário no caso de não devolução do bem no fim do prazo ajustado pelas partes na relação
locatícia, notificando o locatário acerca de novo valor a ser pago, quantia essa que é composta em parte
pelo valor do uso da coisa e parte como sanção pelo desrespeito ao contrato.
Vale destacar que o teor do Enunciado é o seguinte: “a regra do parágrafo único do artigo 575
do CC que autoriza a limitação pelo juiz do aluguel pena arbitrado pelo locador, aplica-se também ao
aluguel arbitrado pelo comodante, autorizado pelo artigo 582, 2.ª parte, do CC”.

Os Enunciados da IV Jornada de Direito Civil do CJF


Inicialmente, merece destaque o teor do Enunciado 354, pois ao dispor que “a cobrança de encargos
e parcelas indevidas ou abusivas impede a caracterização da mora do devedor”, quer dizer que quando
o credor imponha entraves para o pagamento do valor real devido, por exemplo, fixando multa em
percentuais ilícitos, não se caracterizará a mora do devedor e, portanto, esse não poderá sofrer nenhuma
sanção civil, como ser despejado do imóvel locado sob a alegação de ausência de pagamento.
A seu turno, o Enunciado 357 também merece ser analisado, já que promove o adequado diálogo
entre o CC e a Lei de Locações no que tange à cláusula penal devida no caso do locatário devolver o

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Os Enunciados do Conselho da Justiça Federal | 159

imóvel locado antes do término do prazo entabulado pelas partes, dispondo que “o artigo 413 do CC é
o que complementa o artigo 4.º da Lei 8.245/91”.
Esse Enunciado deve ser complementado pelo Enunciado 359, que ao dispor que “a redação do
artigo 413 do CC não impõe que a redução da penalidade seja proporcionalmente idêntica ao percen-
tual adimplido”, autoriza o juiz a trabalhar de modo equitativo e não meramente matemático, promo-
vendo a justiça em cada caso concreto que seja submetido a sua apreciação.
Também merece ser destacado o teor do Enunciado 361, pois ao determinar que “o adimplemento
substancial decorre dos princípios gerais contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do
contrato e o princípio da boa-fé objetiva, balizando a aplicação do artigo 475” acaba demonstrando a
recepção da teoria do adimplemento substancial pelo direito brasileiro, reforçando a necessidade de
sua observância e aplicação por todos os operadores do direito.
Enfim, o Enunciado 364 ao reconhecer que “no contrato de fiança é nula a cláusula de renúncia
antecipada ao benefício de ordem quando inserida em contrato de adesão”, tem por escopo a tutela do
aderente, normalmente vulnerável e, só por isso, já é merecedor de aplausos.

Atividades
1. Qual a importância dos Enunciados aprovados nas Jornadas de Direito Civil organizadas
pelo CJF?

2. De todos os Enunciados a que você teve acesso, qual deles lhe chamou mais atenção? Justifique
sua resposta.

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160 | Os Enunciados do Conselho da Justiça Federal

3. Qual a importância e alcance da teoria do adimplemento substancial no direito brasileiro,


reconhecida agora pelo Enunciado 361 do CJF?

4. Analisando seu cotidiano de trabalho, suas relações diuturnas com seus clientes e suas atividades
comerciais e pessoais preponderantes, é importante conhecer os Enunciados do CJF?

Dicas de estudo
Vale a pena analisar cada um dos enunciados do CJF:
< http://daleth.cjf.gov.br/revista/enunciados/Ijornada.pdf>.
< http://daleth.cjf.gov.br/revista/enunciados/IIIjornada.pdf>.
< http://daleth.cjf.gov.br/revista/enunciados/IVjornada.pdf>.
<http://mjcatalan.blogspot.com>.

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Os Enunciados do Conselho da Justiça Federal | 161

Referências
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria Geral dos Contratos Típicos e Atípicos. São Paulo: Atlas, 2002.
AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio Jurídico: existência, validade e eficácia. São Paulo: Saraiva,
2002.
BETTI, Emílio. Teoria Geral do Negócio Jurídico. Tomo II. Campinas: LZN, 2003.
BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. Tradução de: Maria Celeste Cordeiro Leite dos
Santos. Brasília: UNB, 1999.
CARNELUTTI, Francesco. Metodologia do Direito. Tradução de: Frederico Paschoal. Campinas:
Bookseller, 2002.
CATALAN, Marcos Jorge. Negócio jurídico: uma releitura à luz dos princípios constitucionais. Revista
Scientia Iuris, Londrina, 2004
COSTA, Judith Martins. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no pro-
jeto de Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 35, n. 139, jul./set., 1998.
FILOMENO, José Geraldo Brito et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos
autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: RT, 2002.
MENEZES CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha e. Tratado de Direito Civil português: parte geral.
Coimbra: Almedina, 2000. MENEZES CORDEIRO, Antônio Manuel da Rocha e. Direito das Obrigações.
Lisboa: Associação Acadêmica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1986. v. 1.
NORONHA, Fernando. Direito das Obrigações. São Paulo: Saraiva, 2004.
PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria Geral do Direito Civil. Coimbra: Coimbra, 1992.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. São
Paulo: Atlas, 2002. v. 2.

Gabarito
1. Os Enunciados do Conselho da Justiça Federal não podem ser confundidos nem com a lei, que
em regra emana de atos do Poder Legislativo, nem com a jurisprudência, fruto de decisões
reiteradas dos tribunais, mas que nem por isso perdem sua importância, diante dos caminhos que
pretendem dar para os problemas que se apresentam quando da leitura do CC (Lei 10.406/02) e
de suas conexões com outros diplomas normativos, como é o caso do CDC (Lei 8.078/90) e da Lei
de Locações (Lei 8.245/91).

2. Pessoal – resposta no texto.

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162 | Os Enunciados do Conselho da Justiça Federal

3. O Enunciado 361, ao determinar que “o adimplemento substancial decorre dos princípios gerais
contratuais, de modo a fazer preponderar a função social do contrato e o princípio da boa-fé
objetiva, balizando a aplicação do artigo 475” acaba demonstrando a recepção da teoria do
adimplemento substancial pelo direito brasileiro, reforçando a necessidade de sua observância e
aplicação por todos os operadores do direito.

Tem por principal efeito permitir a manutenção do contrato, vedando sua resolução.

4. Pessoal – resposta no texto.

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Anotações

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ISBN 978-85-7638-731-2

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O Cdc e a Sua Aplicação Nos Negócios Imobiliários


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Negócios Imobiliários
Fundação Biblioteca Nacional
ISBN 978-85-387-3441-3

Marcos Catalan
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